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Esta obra foi publicada originalmente em inglês com o título PADDINGTON ABROAD

por Collins, um selo da HarperCollinsPublishers Ltd.


Copyright © Texto: © 1961, Michael Bond
Ilustrações: © 1961, Peggy Fortnum e William Collins Sons and Co. Ltd.
Copyright © 2018, Editora WMF Martins Fontes Ltda., São Paulo, para a presente edição.

Todos os direitos reservados. Este livro não pode ser reproduzido, no todo ou
em parte, armazenado em sistemas eletrônicos recuperáveis nem transmitido
por nenhuma forma ou meio eletrônico, mecânico ou outros, sem a prévia
autorização por escrito do editor.

1a edição digital 2018

Tradução
RAFAEL MANTOVANI

Acompanhamento editorial
Fabiana Werneck
Preparação de texto
Ana Alvares
Revisões
Richard Sanches
Marisa Rosa Teixeira
Paginação
Studio 3 Desenvolvimento Editorial

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Bond, Michael

Paddington na França / Michael Bond; ilustrações Peggy Fortnum; tradução


Rafael Mantovani. -- São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2018.

2,746 KB ; ePub

Título original: Paddington abroad.


ISBN 978-85-469-0206-4

1. Ficção - Literatura infantojuvenil I. Fortnum, Peggy. II. Título.


18-13908 CDD-028.5

Índices para catálogo sistemático:


1. Ficção: Literatura infantil 028.5
2. Ficção: Literatura infantojuvenil 028.5

Todos os direitos desta edição reservados à


Editora WMF Martins Fontes Ltda.
Rua Prof. Laerte Ramos de Carvalho, 133 01325.030 São Paulo SP Brasil
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SUMÁRIO

1. Paddington se prepara

2. Uma visita ao banco


3. Problemas no aeroporto
4. Paddington salva o dia
5. Paddington e o pardon
6. Um dia de pesca
7. Paddington põe o pé na estrada
1
PADDINGTON
SE PREPARA

P addington estava no quarto no meio de uma grande bagunça. Como ele


é o tipo de urso que entra em confusões com frequência, não parecia
incomodado – mas, assim que se levantou e olhou à sua volta, até ele
precisou admitir que estava pior do que de costume.
Havia mapas e papéis por toda parte. Sem falar nas manchas de geleia de
laranja e uma longa trilha de pegadas, que começava em um mapa aberto
sobre o edredom em sua cama. Era um grande mapa de Londres, e no
centro, ao lado da primeira marca de pegada, havia um círculo assinalando a
posição da casa da família Brown nos Jardins de Windsor, número 32.
A trilha partia da casa dos Brown e cruzava o mapa em direção ao sul,
descendo pela beirada da cama e continuando em outro mapa que estava
aberto no chão. Dali, ela seguia adiante, ainda para o sul, até chegar ao Canal
da Mancha, e um terceiro mapa perto da janela mostrava o litoral norte da
França. Nesse ponto, a trilha terminava em uma maçaroca úmida, formada
de velhas migalhas de bolo, um pequeno monte de geleia e um borrão de
tinta vermelha.
Paddington deu um suspiro profundo enquanto, distraído, mergulhava a
pata naquela mistura. Tentou ficar ajoelhado no chão e examinar o quarto
com os olhos meio fechados, mas isso fazia tudo parecer ainda pior, pois,
olhando assim tão de baixo, ele só enxergava os contornos da bagunça.
Quando ele estava prestes a deitar para refletir sobre o assunto, foi
subitamente despertado pelo som de pratos batendo e passos na escada.
Levantando-se, num pulo, com uma expressão culpada no rosto,
Paddington rapidamente começou a varrer tudo para debaixo da cama.
Embora tivesse ótimas explicações para a bagunça que fizera, sentia que
nem a sra. Brown nem a sra. Bird ficariam muito contentes de ouvi-las,
principalmente na hora do café da manhã, quando todos costumavam estar
muito apressados.
– Está acordado, Paddington? – perguntou a sra. Brown, batendo na
porta.
– Não… ainda não, senhora Brown! – gritou Paddington numa voz
abafada, tentando empurrar seu pote de geleia para debaixo do guarda-
roupa. – Meus olhos não conseguem abrir.
Por ser um urso que sempre falava a verdade, Paddington fechou os
olhos e roncou várias vezes enquanto guardava o resto de seus pertences.
Apalpou o chão para encontrar a caneta e a tinta e as colocou depressa
dentro do velho chapéu, e então, recolhendo o último dos mapas, atravessou
o quarto tateando no escuro.
– O que está acontecendo aqui, Paddington?! – exclamou a sra. Brown,
quando a porta de repente se abriu e o urso apareceu.
Paddington quase caiu para trás de surpresa quando viu a sra. Brown
parada diante dele com a bandeja do café da manhã.
– Achei que a senhora fosse um armário, senhora Brown! – ele
exclamou, escondendo atrás de si um punhado de mapas e recuando na
direção da cama. – Devo ter ido para o lado errado por engano.
– Parece que sim – disse a sra. Brown, entrando no quarto atrás dele. –
Nunca ouvi tanto estardalhaço.
A sra. Brown olhou para todo o quarto, desconfiada, mas tudo parecia
estar no lugar; por isso, ela voltou a atenção para Paddington, que agora
estava sentado na cama com uma cara muito estranha.
– Tem certeza de que está tudo bem? – ela perguntou num tom aflito
enquanto colocava a bandeja diante dele. Por um momento tenso, a sra.
Brown pensou ter visto um líquido vermelho escorrendo pela orelha
esquerda de Paddington, mas, antes que ela pudesse examinar melhor, ele já
tinha enterrado ainda mais seu velho chapéu na cabeça. Mesmo assim, ela
não estava gostando nem um pouco daquilo, e ficou hesitando na soleira da
porta para o caso de haver algo errado.
Paddington, por sua vez, estava torcendo para a sra. Brown ir embora
logo. Na pressa de limpar a bagunça, ele tinha esquecido de tampar o frasco
de tinta, e o topo da cabeça dele estava começando a ficar bem molhado.
A sra. Brown deu um suspiro enquanto fechava a porta. Sabia, por
experiência, que era inútil tentar arrancar uma explicação de Paddington
quando ele estava num desses humores difíceis.
– Se quer saber minha opinião – disse a sra. Bird, quando a sra. Brown a
encontrou na cozinha e contou sobre o comportamento estranho de
Paddington –, esse jovem urso não é o único nesta casa que está agindo de
um jeito esquisito. É tudo por causa daquilo que você sabe!
Com isso a sra. Brown precisava concordar. As coisas estavam meio de
pernas para o ar na casa da família Brown desde a noite anterior.
Tudo começara quando o sr. Brown chegou em casa trazendo uma
grande pilha de mapas e panfletos coloridos e anunciou que ia levar toda a
família para passar as férias de verão na França.
Em questão de segundos, a paz e o silêncio habituais na casa do número
32 dos Jardins de Windsor haviam desaparecido completamente, para
nunca mais voltar.
As férias foram o único assunto de conversa desde a hora do jantar até o
fim da noite. Velhas bolas de praia e maiôs de banho foram procurados em
armários esquecidos, planos foram discutidos, e a sra. Bird já tinha
começado a lavar e passar uma pequena montanha de roupas em
preparação para o grande dia.
Paddington, especialmente, ficara mais animado com a notícia do que
todos os outros. Desde que o urso se tornara membro da família Brown, eles
o haviam levado em vários passeios que Paddington tinha adorado
infinitamente, mas ele nunca fizera uma verdadeira viagem de férias, e
estava muito ansioso. Para aumentar ainda mais sua empolgação, o sr.
Brown, num momento de generosidade, o deixara encarregado de todos os
mapas e de uma coisa chamada “itinerário”.
No começo, Paddington não tinha muita certeza se devia se encarregar
de uma coisa com um nome tão importante quanto “itinerário”, mas, depois
que Judy lhe explicou que era apenas uma lista de todos os lugares que eles
iriam visitar e das coisas que iriam fazer, ele mudou rapidamente de ideia.
Paddington gostava muito de listas, e uma lista de coisas para fazer parecia
algo interessantíssimo.
– Sinceramente – disse a sra. Bird num tom pessimista, enquanto
discutia a questão com a sra. Brown sem parar de lavar roupa –, se esse
jovem urso vai ficar encarregado dos mapas, vamos demorar duas semanas
para chegar. Isso é pedir para arranjar problema. Sabe-se lá onde nós vamos
parar.
A sra. Brown deu outro suspiro.
– Bom, enfim – ela disse, voltando sua atenção para outras coisas –, pelo
menos isso deixa o Paddington feliz. Você sabe como ele adora escrever
coisas.
– Hum! – murmurou a sra. Bird. – Aposto que ele vai escrever até nos
lençóis. Quero só ver esses itinerários!
Ela bufou e lançou um olhar angustiado para o teto, na direção do
quarto de Paddington no andar de cima.
A sra. Bird sabia, por experiência própria e por já ter lavado tantos
lençóis, que o melhor era não deixar Paddington chegar nem perto de um
frasco de tinta. Mas, na verdade, naquele momento ela nem precisava ter se
preocupado, pois Paddington tinha justamente parado de escrever. Estava
sentado na cama, estudando atentamente uma grande folha de papel de
desenho que segurava com as duas patas.
No topo do papel, em grandes letras maiúsculas vermelhas, estava o
título:

ETIRENÁRIO DO PADINGTUN

Seguido de uma marca especial da sua pata, para mostrar que o


documento era legítimo.
Paddington não sabia muito bem como se escrevia “itinerário” e, mesmo
depois de ter lido, uma por uma, todas as palavras com “E” do dicionário do
sr. Brown na noite anterior, não conseguira encontrar aquilo em lugar
nenhum. No fim das contas, Paddington não ficou surpreso. Não confiava
muito em dicionários, e várias vezes descobria que, quando queria procurar
uma palavra especialmente difícil, era impossível achá-la.
O primeiro item da lista era:

7 oras – Grande Café Da Manham

e então vinha
8 oras – Sair De Casa (Jardins De Windsor 32)
9 oras – Lanxe
11 oras – Chocolate Das Onze

Paddington releu a lista inteira várias vezes e então, após acrescentar as


palavras 12 oras – chegar no Avião – Almosso, dobrou o papel e o guardou
no compartimento secreto da sua maleta. Planejar uma viagem de férias –
principalmente para o exterior – era muito mais complicado do que ele
imaginara, e ele decidiu que a melhor coisa a fazer era consultar seu amigo,
o sr. Gruber, sobre aquele assunto.
Alguns minutos depois, após lavar-se depressa, ele correu para baixo,
pegou a lista de compras com a sra. Bird, e o carrinho de compras, e
desapareceu pela porta da casa com um brilho resoluto nos olhos.
Parando apenas rapidamente na padaria, onde todos os dias comprava
pãezinhos recém-saídos do forno, Paddington logo virou a esquina na
Portobello Road e avançou em direção à loja do sr. Gruber, com aquelas
vitrines que ele tão bem conhecia, completamente abarrotadas de
antiguidades de todos os formatos e tamanhos.
O sr. Gruber também era um grande apreciador de chocolate quente e
pãezinhos, e muitas vezes eles tinham longas conversas ao tomar o
chocolate das onze. Ele viajara bastante quando era mais jovem, e
Paddington tinha certeza de que o sr. Gruber saberia tudo o que havia para
saber sobre uma viagem de férias para o exterior.
Ao ouvir a notícia, o sr. Gruber ficou tão entusiasmado quanto
Paddington e foi logo levando-o até o sofá de crina de cavalo, no fundo da
loja, que ele reservava para as discussões importantes.
– Que bela surpresa, senhor Brown – ele disse, voltando-se para cuidar
de uma panela de leite no fogão. – Imagino que não há muitos ursos que
tenham a oportunidade de tirar férias no exterior, por isso você deve
aproveitar ao máximo. Se houver alguma coisa que eu possa fazer para
ajudar, é só me dizer.
O sr. Gruber ouviu cuidadosamente todas as explicações de Paddington
enquanto preparava o chocolate, e seu rosto assumiu uma expressão séria.
– Devo dizer que ficar encarregado de um itinerário parece uma
responsabilidade bastante pesada para um jovem urso, senhor Brown! – ele
exclamou, entregando a Paddington uma caneca de chocolate fumegante e
pegando um pãozinho. – Vejamos o que eu posso fazer.
E, sem mais demora, ele se agachou no chão e começou a fuçar em uma
pilha de livros velhos dentro de uma caixa atrás do sofá.
– Pelo jeito, todo mundo está tirando férias no exterior hoje em dia,
senhor Brown – ele disse, começando a entregar alguns dos livros para
Paddington. – Vendi um monte de livros sobre a França, mas espero que
estes sejam úteis para você.
Paddington foi arregalando os olhos conforme a pilha ao seu lado ficava
mais alta, e quase caiu do sofá de tanta surpresa quando o sr. Gruber de
repente se levantou com uma velha boina preta nas mãos.
– É meio grande – disse o sr. Gruber em tom de desculpas, segurando a
boina sob a luz – e parece que tem um ou dois buracos de traça. Mas é uma
legítima boina francesa, e você pode usá-la à vontade.
– Muito obrigado, senhor Gruber – agradeceu Paddington. – Imagino
que os buracos de traça vão servir para minhas orelhas. Orelhas de urso não
dobram facilmente.
– Bom, espero que você ache tudo isto útil – disse o sr. Gruber,
parecendo contente ao ver a expressão no rosto de Paddington. – Você vai
precisar de muitos livros se quer planejar um itinerário, e não custa garantir.
Nunca se sabe o que pode acontecer quando se está no exterior, senhor
Brown.
O sr. Gruber então explicou algumas das coisas que Paddington veria
quando estivesse viajando, e eles ficaram ali por mais alguns instantes, até o
urso limpar as últimas manchas de chocolate do bigode e levantar-se para ir
embora. O tempo passava muito depressa quando ele estava com o sr.
Gruber, que sempre fazia as coisas parecerem bem mais interessantes do
que as outras pessoas.
– Imagino que você terá muito o que escrever no seu álbum de recortes,
senhor Brown – disse o sr. Gruber enquanto ajudava Paddington a carregar
as coisas no carrinho de compras. – Estou ansioso para ler tudo a respeito.
Paddington foi ficando cada vez mais empolgado enquanto se despedia
com um aceno e ia se arrastando pela Portobello Road com o peso de todos
os seus pertences. O carrinho de compras estava tão pesado que era difícil
guiá-lo, e várias vezes ele quase bateu nos carrinhos dos vendedores
ambulantes que havia ao longo da rua.
Além de ter tantas coisas na cabeça, ele não sabia em qual delas pensar
primeiro. Estava especialmente ansioso para experimentar sua boina nova, e
alguns dos livros do sr. Gruber pareciam muito interessantes. No fim, ele
decidiu sentar para descansar e investigar ambas as coisas.
Ele colocou seu velho chapéu no chão, ajustou cuidadosamente a boina
e, então, começou a tirar, um por um, os livros do carrinho de compras.
Primeiro havia um dicionário. Depois, um livro de culinária francesa –
cheio de receitas e fotos coloridas de comida que lhe deram água na boca.
Então veio um livro repleto de mapas e instruções sobre coisas para ver e
fazer e, em seguida, vários outros cheios de figuras.
Por último, Paddington chegou a um livro que parecia muito
importante, encadernado em couro, com as palavras “Frases úteis para o
viajante na França” escritas em letras douradas na capa.
Antes de tirar o livro do carrinho, Paddington atravessou a rua correndo
e lavou as patas num bebedouro para cavalos que havia ali perto. O sr.
Gruber tinha explicado que o livro era muito velho e pedido que ele tomasse
um cuidado especial com aquele.
Quando voltou, Paddington sentou-se de novo e começou a examinar o
livro. Era bem estranho, e ele não se lembrava de ter visto um livro parecido
antes. Logo depois da capa, havia um desenho mostrando uma espécie de
carro muito antigo puxado por quatro cavalos brancos, e o livro estava cheio
de frases ensinando como pedir coisas em francês, com figuras explicando
tudo.
Ele logo ficou tão absorto no livro que quase esqueceu onde estava.
Havia uma frase especialmente interessante numa seção chamada “Viagem”,
que chamou sua atenção já de início. Dizia: “Minha avó caiu da carruagem e
precisa de cuidados.”
Paddington tinha certeza de que a frase seria muito útil caso a sra. Bird
caísse do carro do sr. Brown enquanto eles estivessem na estrada, e testou-a
várias vezes, agitando as patas no ar como o homem na figura parecia fazer.
Para sua surpresa, quando olhou para cima, Paddington descobriu que
estava cercado por uma pequena multidão de pessoas que o observavam
com interesse.
– Se vocês querem saber – disse um homem apoiado numa bicicleta,
estudando Paddington atentamente –, deve ser um desses ursos vendedores
de cebola. Eles vêm todo ano lá da Bretanha – ele acrescentou em tom de
sabedoria, virando-se para a multidão. – Carregam umas cebolas num
pedaço de barbante1. Vocês já devem ter visto. É por isso que estava
tagarelando em francês.
– De jeito maneira – falou outro homem. – Isso não é francês. Ele estava
tendo uma espécie de treco. Agitando as patas por causa de alguma coisa
medonha. Além disso – ele acrescentou, triunfante –, se ele é um urso
vendedor de cebolas, cadê as cebolas?
– Quem sabe ele as perdeu – disse outra pessoa. – É por isso que está
chateado. O barbante dele deve ter se rompido, aposto.
– É mesmo um motivo para ter um treco – disse uma mulher. – Viajar
até aqui e então perder as cebolas.
– Foi isso que eu falei! – exclamou o primeiro homem. – Imaginei que
ele estava tendo um treco em francês. São os piores de todos. Muito
afobados, esses estrangeiros.
– Melhor não encostar nele, meu bem – disse outra mulher, virando-se
para o filho pequeno que estava de olho na boina de Paddington. – Você
não sabe onde ele esteve.
Os olhos de Paddington se arregalavam cada vez mais conforme ele
ouvia a multidão, e ele pareceu ficar muito ofendido com o último
comentário.

– Um urso vendedor de cebolas! – ele exclamou, por fim. – Não sou um


urso vendedor de cebolas. Sou um urso viajante para o exterior, e acabei de
me encontrar com o senhor Gruber!
Dizendo isso, ele recolheu suas coisas e foi seguindo depressa pela rua,
deixando atrás de si um burburinho de conversas.
Ao dobrar a esquina nos Jardins de Windsor, Paddington olhou feio
várias vezes para a multidão por cima do ombro, mas, chegando perto da
tão conhecida porta verde da casa número 32, uma expressão pensativa
tomou o seu rosto.
Ali, parado no degrau da entrada, ouvindo os passos da sra. Bird que
vinha pelo corredor, Paddington concluiu que talvez tivesse sido uma ótima
manhã de trabalho, afinal.
Pensando melhor, ele se sentiu bem contente por ter sido confundido
com um urso francês – mesmo que fosse só um urso vendedor de cebolas.
Na verdade, quanto mais ele refletia sobre o assunto, mais contente ficava, e
tinha certeza de que, com a ajuda de todos os mapas, panfletos e livros do sr.
Gruber, conseguiria planejar uma excelente lista de coisas para fazer nas
férias da família Brown.

1 Entre os britânicos, há um antigo estereótipo de que todos os franceses usam boinas e


carregam cebolas amarradas em barbantes devido aos vendedores de cebola que
costumavam trabalhar como ambulantes na Inglaterra. A Bretanha é uma região da
França e não deve ser confundida com a Grã-Bretanha. (N. do T.)
2
UMA VISITA
AO BANCO

– –PAh,
addington está elegante hoje – disse a sra. Bird.
puxa – falou a sra. Brown –, é mesmo? Espero que não esteja
aprontando nada.
Ela foi para junto da sra. Bird na janela e seguiu a direção do olhar dela
pela rua, até ver uma pequena figura com um casaco azul andando depressa
pela calçada.
Agora que a sra. Bird havia mencionado, Paddington realmente parecia
ter algo de especial. Mesmo de longe, seus pelos pareciam muito limpos e
recém-penteados, e seu chapéu velho, em vez de estar enterrado cobrindo
as orelhas, estava colocado num ângulo elegante, com a aba levantada, o que
era bastante incomum. Até sua velha maleta parecia ter sido lustrada.
– Ele nem está indo na direção de sempre – disse a sra. Brown quando
Paddington, chegando ao fim da rua, olhou com cuidado por cima do
ombro e então virou à direita, rapidamente sumindo de vista. – Ele sempre
vira para a esquerda.
– Se você quer saber – disse a sra. Bird –, esse urso está tramando
alguma coisa. Ele estava agindo de maneira estranha no café da manhã. Nem
repetiu a comida, e ficou espiando o jornal por cima do ombro do senhor
Brown, com uma cara muito esquisita.
– Não me surpreende que ele tenha feito uma cara esquisita, se era o
jornal do Henry – disse a sra. Brown. – Eu mesma não entendo patavina do
que está escrito lá.
O sr. Brown trabalhava no centro de Londres, e sempre lia um jornal
muito importante no café da manhã, cheio de notícias sobre a bolsa de
valores e outros assuntos relacionados a dinheiro que o resto da família
Brown achava chatíssimos.
– Mesmo assim – ela continuou, andando até a cozinha – é muito
estranho. Espero que ele não esteja tendo mais uma daquelas ideias. Ele
passou a noite de ontem fazendo contas, e isso geralmente é um mau sinal.
A sra. Brown e a sra. Bird estavam muito ocupadas preparando a viagem
de férias – faltando apenas alguns dias, ainda havia mil e uma coisas para
fazer. Se elas não estivessem correndo tanto, talvez tivessem juntado uma
coisa com a outra, mas, na pressa para deixar tudo pronto, a questão do
comportamento estranho de Paddington logo foi esquecida.
Sem saber do interesse que havia despertado, Paddington foi andando
por uma rua não muito longe do mercado de Portobello, até chegar a um
prédio imponente, que se destacava um pouco do resto. Tinha portas
enormes de bronze, firmemente trancadas, e acima da entrada, em grandes
letras douradas, estava escrito BANCO FLOYD LTDA.
Depois de garantir que não havia ninguém olhando, Paddington tirou de
debaixo do chapéu uma caderneta de capa dura e então sentou na sua
maleta em frente ao banco, enquanto esperava as portas se abrirem.
Assim como o prédio, a caderneta tinha as palavras BANCO FLOYD
impressas na capa e, dentro dela, o nome P. BROWN estava escrito a tinta.
Tirando a família Brown e o sr. Gruber, poucas pessoas sabiam que
Paddington tinha uma conta bancária, pois era um segredo muito bem
guardado. Tudo começara alguns meses antes, quando Paddington
encontrou um anúncio num dos velhos jornais do sr. Brown, que ele
recortou e guardou. Nesse anúncio havia um homem de aspecto paternal
fumando um cachimbo, dizendo que era um tal de sr. Floyd e explicando
que qualquer dinheiro que você deixasse com ele geraria o que ele chamava
de “juros” e que, quanto mais tempo ele guardasse, mais o dinheiro valeria.
Paddington tinha faro para bons negócios, e fazer o dinheiro aumentar
só por deixá-lo em outro lugar parecia de fato um ótimo negócio.
Os Brown tinham ficado tão contentes com aquela ideia que o sr. Brown
lhe dera cinquenta centavos1 a mais para ele juntar com seu dinheiro de
Natal e aniversário, e, depois de pensar muito, o próprio Paddington
acrescentara mais dez centavos, que guardara com todo o cuidado de sua
mesada semanal para comprar pãezinhos. Quando todas essas quantias
foram somadas, chegaram a um total de cinco libras e vinte e cinco
centavos, e um dia a sra. Bird levou Paddington ao banco para abrir uma
conta.
Após esse dia, Paddington passara uma semana vigiando o banco pela
porta de uma loja em frente, lançando olhares desconfiados a qualquer
pessoa que entrava ou saía. Mas, depois que um policial o mandou circular,
ele teve de parar de se preocupar com aquilo.
Desde então, embora tivesse várias vezes conferido cuidadosamente a
quantia anotada na sua caderneta, Paddington não tinha entrado no banco
de fato. Secretamente, ele ficava bastante intimidado com todas aquelas
paredes de mármore e madeira grossa brilhante; por isso ficou contente
quando finalmente soaram dez horas no sino de uma igreja ali perto e ele
ainda era o único em frente ao banco.
Quando cessou a última badalada, veio o som de trancas sendo retiradas
do outro lado da porta, e Paddington, ansioso, correu para a frente dela para
espiar pela caixa de correio, uma fresta estreita por onde passavam a
correspondência.
– Arre, arre! – exclamou o porteiro, avistando o chapéu de Paddington
pela caixa de correio. – Não queremos vendedores ambulantes, meu jovem
camarada. Aqui é um banco, não é uma pensão. Não aceitamos vagabundos
na frente da nossa porta.
– Vagabundos? – repetiu Paddington, soltando a tampa da caixa de
correio de tanta surpresa.
– Foi isso que eu disse – resmungou o porteiro enquanto abria a porta.
– Bafejando nas maçanetas. Sou eu que tenho que polir esse latão, pois é.
– Não sou um vagabundo! – exclamou Paddington, parecendo muito
ofendido enquanto sacudia no ar sua caderneta bancária. – Sou um urso e
vim aqui falar com o sr. Floyd sobre a minha poupança.
– Ah, puxa! – disse o porteiro, examinando Paddington mais de perto. –
Peço perdão, senhor. Quando vi seu bigode espiando pela caixa de correio,
pensei que fosse um daqueles senhores barbudos que perambulam pelas
ruas.
– Tudo bem – disse Paddington, tristonho. – As pessoas sempre me
confundem.
E, enquanto o homem segurava a porta aberta para ele, Paddington
ergueu o chapéu num gesto educado e entrou depressa no banco.
Em vários momentos, a sra. Bird tinha insistido com Paddington sobre a
importância de ter dinheiro no banco para um caso de emergência, e como
talvez um dia ele ficasse feliz de ter uma reserva para uma ocasião especial.
Matutando na cama na noite anterior, Paddington decidira que viajar para o
exterior era certamente uma ocasião especial e, após estudar o anúncio mais
uma vez, pensara numa ótima ideia para ter o melhor dos dois mundos. No
entanto, como muitas ideias que ele tinha à noite, embaixo do cobertor, essa
já não parecia tão boa à luz do dia.
Agora que estava de fato dentro do banco, Paddington começou a sentir
certa culpa e se arrependeu de não ter consultado o sr. Gruber sobre o
assunto, pois não tinha certeza nenhuma de que a sra. Bird aprovaria se
soubesse que ele ia tirar dinheiro sem perguntar para ela primeiro.
Andando rapidamente até um dos guichês, Paddington subiu na sua
maleta e espiou por cima do balcão. O homem do outro lado levou um susto
quando o chapéu de Paddington surgiu do nada e, num gesto nervoso,
procurou um alarme para tocar.
– Eu gostaria de retirar toda a minha poupança para uma ocasião
especial, por favor – disse Paddington num tom importante, entregando a
caderneta para o homem.
Parecendo bastante aliviado, o homem pegou a caderneta de Paddington
e então levantou uma sobrancelha enquanto a examinava sob a luz. Havia
uma série de cálculos em tinta vermelha por toda a capa, sem falar em
alguns borrões e uma ou duas manchas de geleia.
– Infelizmente tive um acidente com um dos meus potes de geleia
embaixo do cobertor ontem à noite – explicou Paddington depressa, vendo
o olhar do homem.
– Um dos seus potes? – repetiu o homem. – Embaixo do cobertor?
– Isso mesmo – disse Paddington. – Eu estava calculando meus juros e
mergulhei a caneta no pote de geleia por engano. É meio difícil fazer isso
embaixo do cobertor.
– Deve ser – disse o homem, com certo desgosto. – Manchas de geleia,
ora, ora! E numa caderneta bancária do Floyd!
Ele trabalhava naquela agência fazia pouco tempo, e, embora o gerente
tivesse lhe dito que às vezes eles tinham de lidar com clientes muito
estranhos, não lhe fora dito nada sobre contas bancárias para ursos.
– O que o senhor gostaria que eu fizesse com sua conta?
– Gostaria de deixar todos os meus juros nela, por favor – explicou
Paddington. – Para um caso de emergência.
– Bom – disse o homem num tom superior, enquanto fazia algumas
contas num pedaço de papel –, espero que essa emergência não seja muito
grave. Os juros da sua poupança são apenas dez centavos.
– O quê?! – exclamou Paddington, quase não acreditando no que ouvia.
– Dez centavos! Se era para me dar tão pouco dinheiro, vocês nem
precisavam jurar.
– “Juros” não tem nada a ver com “juramento” – disse o homem. – Nada
a ver.
Ele pensou muito num jeito de explicar aquilo, pois não estava
acostumado a lidar com ursos e tinha a sensação de que Paddington seria
um dos seus clientes mais difíceis.
– É… é uma coisa que nós damos ao senhor por nos emprestar seu
dinheiro – ele disse. – Quanto mais tempo você deixa, mais você recebe.
– Bom, eu pus o dinheiro na conta logo depois do Natal! – exclamou
Paddington. – São quase seis meses.
– Dez centavos – disse o homem num tom firme.
Paddington ficou observando atônito enquanto o homem anotava
alguma coisa no seu livro e depois colocava no balcão uma nota de cinco
libras e algumas moedas.
– Aqui está – ele falou. – Cinco libras e vinte e cinco centavos.
Paddington olhou com desconfiança para a nota de dinheiro e então
consultou um pedaço de papel que segurava na pata. Foi arregalando os
olhos enquanto comparava o papel com a nota.
– Acho que deve haver um engano! – ele exclamou. – Esta nota não é
minha.
– Um engano? – disse o homem, empertigando-se. – Nunca cometemos
enganos no Floyd.
– Mas o número da nota é diferente – falou Paddington, aflito.
– O número é diferente? – repetiu o homem.
– Sim – disse Paddington. – E a minha estava muito mais suja, e tinha
umas manchinhas brancas na ponta.
– É porque ela era antiga – disse o funcionário. – Era uma nota velha.
Você não recebe de volta a mesma nota que depositou. Sua nota já deve
estar a quilômetros de distância, isso se ainda existir. Se era mesmo velha,
talvez até tenha sido queimada. É comum eles queimarem notas antigas
quando estão gastas demais.
– Queimada? – repetiu Paddington, atordoado. – Vocês queimaram
minha nota?
– Eu não disse que foi queimada – disse o homem, parecendo cada vez
mais confuso. – Só disse que talvez tenha sido.
Paddington respirou fundo e encarou o funcionário com um olhar
zangado. Era um dos olhares duros extraespeciais que sua tia Lucy lhe
ensinara e que ele guardava para casos extremos.
– Eu gostaria de falar com o senhor Floyd! – ele exclamou.
– O senhor Floyd? – perguntou o funcionário. Ele enxugou a testa num
gesto nervoso, enquanto olhava angustiado por cima do ombro de
Paddington, vendo a fila que já começava a se formar. No fim da fila havia
umas pessoas murmurando e aquilo não parecia nada bom. – Infelizmente,
não existe um senhor Floyd – ele disse. – Temos um senhor Trimble – ele
logo acrescentou, quando o olhar de Paddington ficou ainda mais zangado.
– É o gerente. Acho melhor eu ir buscá-lo… ele vai saber o que fazer.
Paddington ficou olhando indignado para as costas do funcionário
enquanto ele andava até uma porta onde estava escrito GERENTE. Quanto
mais absurdos ele via, menos gostava de tudo aquilo. Não só a nota dele
tinha outro número, como ele também acabara de ver as datas nas moedas,
e elas eram bem diferentes das moedas que ele tinha deixado. Além disso, as
moedas dele estavam muito bem lustradas, e estas eram velhas e sem
nenhum brilho.
Paddington desceu da maleta e abriu caminho entre a multidão com
uma expressão decidida no rosto. Embora ainda fosse pequeno, ele era um
urso com uma forte noção do que é certo e do que é errado, principalmente
quando o assunto era dinheiro, e ele achou que já estava mais do que na
hora de resolver aquilo com as próprias patas.
Depois de sair do banco, Paddington desceu a rua correndo em direção a
uma cabine telefônica vermelha. Guardado no compartimento secreto da
sua maleta havia um papel com algumas instruções especiais que a sra. Bird
escrevera para ele em caso de emergência, junto com uma moeda de dez
centavos. Pensando naquela situação enquanto andava, Paddington decidiu
que era certamente uma emergência – na verdade, ele mal se lembrava de já
ter tido uma emergência maior – e ficou feliz quando finalmente chegou à
cabine telefônica e viu que estava desocupada.

– Não sei o que está acontecendo no banco hoje – disse a sra. Brown,
fechando a porta da frente. – Tinha um montão de gente do lado de fora
quando eu passei por lá.
– Quem sabe foi algum roubo – falou a sra. Bird. – Hoje em dia, essas
coisas horríveis acontecem.
– Não acho que foi um roubo – disse a sra. Brown vagamente. – Era
mais algum tipo de emergência. Tinha polícia, uma ambulância e também
um carro de bombeiros.
– Hum! – disse a sra. Bird. – Bom, espero, para o nosso bem, que não
seja nada sério. Todo o dinheiro do Paddington está nesse banco, e, se tiver
acontecido alguma coisa, ele vai nos infernizar para sempre.
A sra. Bird interrompeu o que estava falando e ficou com uma expressão
pensativa no rosto.
– Por falar em Paddington, você o viu desde que ele saiu? – ela
perguntou.
– Não – respondeu a sra. Brown. – Minha Nossa Senhora! – ela
exclamou. – Você não acha que…
– Vou buscar meu chapéu – disse a sra. Bird. – Aposto que o
Paddington está por trás disso tudo, ou eu não me chamo senhora Bird!
A sra. Brown e a sra. Bird demoraram algum tempo para abrir caminho
na multidão e conseguir entrar no banco, e, quando finalmente entraram,
suas piores suspeitas se concretizaram, pois ali mesmo, sentado em cima da
maleta, no meio de uma grande aglomeração de oficiais, estava a pequena
figura de Paddington.
– Que diabos está acontecendo? – gritou a sra. Brown, enquanto elas
avançavam entre as pessoas.
Paddington pareceu muito aliviado por ver as duas. As coisas estavam
indo de mal a pior desde que ele voltara para o banco.
– Acho que misturei meus números por engano, senhora Brown – ele
explicou.
– Estão tentando tomar o dinheiro que esse jovem urso guardou a vida
inteira, é isso que está acontecendo – gritou alguém no fundo.
– Botaram fogo nas notas dele – gritou outra pessoa.
– Centenas de libras carbonizadas, estão dizendo! – berrou um
vendedor ambulante que conhecia Paddington de vista e tinha entrado no
banco para ver que confusão era aquela.
– Minha nossa – disse a sra. Brown, nervosa. – Certamente deve haver
algum engano. Não acho que o banco faria uma coisa dessas de propósito.
– Realmente não faríamos, senhora! – exclamou o gerente, dando um
passo à frente. – Sou o senhor Trimble. A senhora é responsável por esse
jovem urso?
– Se sou responsável por ele? – disse a sra. Bird. – Ora, fui eu quem o
trouxe aqui da primeira vez. Ele é um membro muito respeitável da família,
cumpridor da lei.
– Respeitável ele talvez seja – disse um policial corpulento, lambendo a
ponta de seu lápis –, mas se é cumpridor da lei, isso eu já não sei. Ligou para
o 999, o número da emergência, sem um motivo real. Chamou a polícia e,
além disso, os bombeiros e uma ambulância. Isso terá de ser devidamente
averiguado.
Todos pararam de falar e olharam para Paddington.
– Eu só estava tentando telefonar para a senhora Bird – disse
Paddington.
– Tentando telefonar para a senhora Bird? – repetiu o policial
lentamente, anotando aquilo em seu caderno.
– Isso mesmo – explicou Paddington. – Infelizmente minha pata ficou
presa no número nove, e, toda vez que eu tentava tirar, alguém perguntava o
que eu queria, por isso eu pedia ajuda.
O sr. Trimble tossiu.
– Acho que seria melhor nós entrarmos na minha sala – ele disse. –
Parece uma situação complicada, e ali dentro é muito mais tranquilo.
Com isso todos concordaram plenamente. E Paddington, enquanto
pegava a maleta e entrava atrás dos outros na sala do gerente, concordava
mais do que todos. Ter uma conta bancária era uma das coisas mais
complicadas que ele já tinha visto.
Demorou um tempo até Paddington finalmente terminar suas
explicações, mas, quando terminou, todos ficaram muito aliviados por não
ser um problema mais grave. Até o policial parecia bastante satisfeito.
– É uma pena que não haja mais ursos com essa noção de cidadania –
ele disse, apertando a pata de Paddington para cumprimentá-lo. – Se todos
telefonassem para pedir ajuda quando vissem algo suspeito, no fim das
contas teríamos muito menos trabalho a fazer.
Depois que todos os outros foram embora, o sr. Trimble levou a sra.
Brown, a sra. Bird e Paddington para dar um passeio na caixa-forte e
mostrar onde todo o dinheiro ficava guardado, e até deu a Paddington um
livro de instruções para que soubesse exatamente o que fazer da próxima
vez que viesse ao banco.
– Espero que o senhor não queira fechar sua conta, senhor Brown – ele
disse. – Aqui no Floyd, nunca gostamos de sentir que estamos perdendo um
valioso cliente. Se o senhor quiser deixar seus vinte e cinco centavos para
nós guardarmos, posso lhe dar uma nota de cinco libras novinha em folha
para levar nas suas férias.
Paddington agradeceu muito ao sr. Trimble pela gentileza, e então
refletiu sobre o assunto.
– Se o senhor não se importa – ele disse por fim –, acho que prefiro
uma nota usada.
Paddington não era o tipo de urso que acreditava em se arriscar à toa e,
embora aquela nota limpinha na mão do gerente parecesse muito tentadora,
ele preferia uma que já tivesse sido testada antes.
1 Não é tão pouco dinheiro quanto parece. Na época em que se passa a história, um pão
custava cerca de dois centavos. (N. do T.)
3
PROBLEMAS NO
AEROPORTO

A empolgação só aumentou na casa da família Brown nos poucos dias


que faltavam para a viagem de férias. Paddington, especialmente,
esteve muito ocupado e andou diversas vezes entre os Jardins de Windsor e
a Portobello Road para consultar o sr. Gruber sobre os diversos problemas
que surgiam.
Eles tiveram várias conversas, sentados nas espreguiçadeiras na calçada
em frente à loja, e o sr. Gruber precisou comprar um pacote extra de
chocolate em pó para poder ajudá-lo.
Os Brown começaram a dizer “com licença” em francês uns aos outros
sempre que se encontravam, e a sra. Bird passou várias noites fazendo uma
etiqueta especial para Paddington amarrar em volta do pescoço. Era uma
etiqueta grande, presa com couro da melhor qualidade, e trazia escrito o
endereço da família Brown junto com as palavras “Oferecemos recompensa
para quem encontrar” em diversas línguas. A sra. Bird tinha grandes receios
com relação à ideia de viajar para o exterior, e não queria correr nenhum
risco.
Mas por fim chegou o grande dia, e a casa número 32 dos Jardins de
Windsor estava com as luzes acesas desde manhãzinha.
Paddington foi o primeiro a acordar, pois tinha um monte de coisas para
arrumar na última hora. Tinha uma série de objetos que fora colecionando
durante suas viagens e não queria deixar nada para trás, para o caso de
ladrões entrarem na casa.
Além do velho chapéu, que ele estava usando, e da maleta, que ele
carregaria, ainda havia seu casaco, um balde com pá – que ele mantivera
limpos e muito brilhantes desde a última ida à praia –, uma roupa de
disfarce, um kit de mágica, um grande pote de geleia de laranja para o caso
de uma emergência – o sr. Gruber explicara que, na França, talvez fosse
difícil conseguir o tipo de geleia de que ele gostava –, o itinerário e outros
papéis importantes, isso sem falar no seu álbum de recortes encadernado
em couro, um frasco de tinta e um de cola, e todos os livros que o sr. Gruber
lhe dera, junto com uma bandeira do Reino Unido numa haste e um velho
pano de prato da sra. Bird com um mapa da França impresso, que ele
resgatara da lata de lixo alguns dias antes.
O restante da casa foi logo despertado pelo barulho de Paddington
correndo pelo quarto e empacotando coisas, e pouco depois disso o som do
bacon fritando e do tilintar dos pratos do café da manhã somou-se ao
burburinho geral.
– Meu Deus! – exclamou a sra. Bird, quando estava subindo para
chamar os outros para o café da manhã e deparou com uma montanha de
pacotes descendo na direção contrária. – O que é que está acontecendo
aqui?
– Está tudo bem, senhora Bird – disse Paddington, ofegante, de trás de
uma sacola especialmente grande. – Sou eu. Acho que minha varinha
mágica ficou presa no corrimão.
– Sua varinha mágica? – repetiu o sr. Brown, que estava começando a
descer a escada. – Pelo amor de Deus! Nós só vamos fazer uma viagem…
não vamos morar na França!
Paddington olhou cabisbaixo para a pilha de pacotes, enquanto os
outros soltavam sua varinha mágica do corrimão e o ajudavam a descer a
escada. Agora que o sr. Brown tinha mencionado, de fato parecia haver um
montão de coisas.
– Quem sabe eu poderia guardar algumas delas no armarinho embaixo
da escada – ele disse, e todos concordaram imediatamente.
Mas, mesmo depois de Paddington ter guardado vários de seus pacotes,
na hora em que o sr. Brown terminou de carregar o carro com todas as
malas de viagem e bolas de praia, uma barraca de camping, as varas de pesca
e mais uma infinidade de objetos, não parecia possível que eles chegassem
sequer ao fim da rua, muito menos à França.
– Achei que a ideia de tirar férias era para poder descansar direito! –
exclamou a sra. Bird enquanto se enfiava no assento de trás, ao lado de
Jonathan e Judy. – Já estou exausta.
– Não se preocupe, senhora Bird – anunciou Paddington sentado no
banco da frente, consultando sua lista de coisas para fazer. – Daqui a pouco
paramos para tomar um lanche.
– Paramos para tomar um lanche? – repetiu o sr. Brown. – Mas nós
ainda nem partimos!
A sra. Bird deu um suspiro, retirando a bandeira do Reino Unido que
estava cutucando sua orelha esquerda. Certamente as outras famílias não
tinham tanto transtorno quando saíam de férias.
Mas, apesar de todos aqueles resmungos, a família Brown estava
bastante alegre quando, em seguida, começou a avançar pelas ruas de
Londres a caminho do mar.
Em pouco tempo eles já estavam seguindo em alta velocidade,
atravessando os campos de lúpulo e os pomares de Kent, e num piscar de
olhos o sr. Brown saiu da rodovia principal e pegou a entrada do aeroporto.
Era a primeira vez que Paddington ia a um aeroporto e, embora muitas
vezes ele já tivesse visto e ouvido aviões no céu, nunca pensara muito sobre
eles. Quando o sr. Brown parou o carro e todos desceram, Paddington olhou
em volta entusiasmado, vendo todos aqueles aviões parados nas pistas,
esperando para decolar.
Olhando de onde estava, os aviões pareciam muito menores do que ele
esperava. Mesmo usando seu binóculo de ópera, não ficavam muito
maiores, e, quando ficou sabendo que não só todos estavam prestes a subir
para o céu numa daquelas geringonças, mas também que o carro do sr.
Brown iria junto, Paddington ficou com uma expressão pensativa no rosto.
– Vamos logo, todos vocês – chamou o sr. Brown apressado, guiando o
caminho em direção aos prédios do aeroporto. – Não temos muito tempo.
Os Brown entraram em massa pelo portão principal e seguiram o sr.
Brown pelo saguão até um balcão onde estava escrito RECEPÇÃO.
– Família Brown indo para o continente – disse o sr. Brown, entregando
uma pilha de passagens aéreas para a moça atrás do balcão.
– Por aqui, por favor – disse a moça, conduzindo-os por um corredor e
depois por outra porta com uma placa que dizia IMIGRAÇÃO, onde havia
um homem de terno escuro parado em pé.
– Deixem os passaportes à mão, por favor.
Quando a moça disse isso, a sra. Bird parou de repente onde estava e
agarrou o braço da sra. Brown.
– Pai do céu! – a sra. Bird exclamou.
– Que aconteceu, senhora Bird? – perguntou a sra. Brown, parecendo
muito preocupada. – Você está bem pálida.
– Passaportes! – exclamou a sra. Bird. – E o passaporte do Paddington?
– Do Paddington? – repetiu a sra. Brown, ela própria ficando pálida.
Os Brown se entreolharam, angustiados. Naquela animação geral de
planejar a viagem e preencher todos os formulários, ninguém nem chegara a
pensar na questão de se Paddington precisava de um passaporte.
– Os ursos têm passaporte? – perguntou o sr. Brown, vagamente. –
Afinal, ele já tem uma etiqueta.
– Não sei se os ursos têm passaporte – respondeu a sra. Bird num tom
soturno. – A questão é que, conhecendo o Paddington, será que vão dar um
passaporte para ele? Afinal, pensem nas circunstâncias em que esse urso
veio parar aqui!
Os outros ficaram em silêncio enquanto assimilavam o peso das palavras
da sra. Bird, pois as circunstâncias em que Paddington chegara até ali eram
realmente um pouco insólitas, para não dizer coisa pior. Ele viajara sozinho
desde o Peru até a Inglaterra como clandestino em um bote salva-vidas, e,
embora não tivesse ocupado muito espaço e tivesse usado sua própria geleia,
os Brown tinham quase certeza de que os donos do barco, sem falar nos
agentes da alfândega e todos os outros tipos de autoridades, ficariam
bastante incomodados se descobrissem aquilo.
Como se em resposta aos pensamentos deles, o homem de terno azul-
escuro ficou com uma expressão muito severa quando escutou aquela
conversa.
– Que confusão é essa? – ele exclamou. – Ouvi vocês dizerem que há
alguém aqui sem passaporte? Infelizmente isso é inadmissível. Não se pode
viajar para o exterior sem um passaporte. É contra os regulamentos. Peçam
a essa pessoa que dê um passo à frente.
– Ai, minha nossa – gemeu Judy enquanto os Brown olhavam em volta,
só para descobrir que Paddington havia simplesmente desaparecido. –
Aonde é que ele foi agora?
– Puxa vida! – disse Jonathan. – Só mesmo o Paddington para sumir
quando a gente mais precisa dele.
– Qual é o nome dele? – perguntou o funcionário, pegando um papel e
uma caneta.
– Bom – disse o sr. Brown –, o sobrenome é Brown… Paddington
Brown… mais ou menos.
– Mais ou menos? – perguntou o homem, desconfiado. – Mais ou
menos como?
– Demos esse nome a ele quando o encontramos na estação Paddington
– começou a dizer a sra. Brown. – Ele é um urso, e vem do longínquo Peru,
e…
Sua voz foi se dissipando quando ela viu a expressão no rosto do
funcionário da imigração.
– Um urso sem passaporte – disse o homem. – E viajando sob um nome
falso. Isso é muito grave.
Mas, antes que tivesse tempo de explicar para os Brown exatamente o
quão grave era aquilo, a porta na outra ponta do corredor se abriu e
Paddington entrou correndo por ela com uma expressão aflita e um
comissário de rosto vermelho logo atrás dele.
– Achei este urso – disse o comissário, recuperando o fôlego – espiando
os aviões com este binóculo de ópera, esta coisa aqui. E além de tudo – ele
acrescentou num tom severo, entregando o álbum de Paddington para o
homem da imigração – estava anotando coisas neste caderninho.
– Esse é meu álbum de recortes – falou Paddington, muito indignado.
– Humm! – disse o comissário. – Disso eu não tenho certeza. Tem uns
recortes muito estranhos aqui, se você quer saber. Não sei se gosto da cara
de vários deles.
– Ele também estava carregando uma roupa de disfarce embrulhada em
papel pardo! – o homem continuou, colocando um pacote no balcão.
– Minha nossa – resmungou a sra. Brown. – Eu sabia que ele deveria ter
deixado isso em casa.
– Se você quer saber – disse o comissário –, esse sujeito estava
aprontando alguma coisa. Tudo extremamente suspeito.
– Enfim, urso – disse o homem da imigração –, o que você tem a dizer?
Paddington respirou fundo e levantou a aba do chapéu.
– Eu só estava fazendo anotações para o senhor Gruber – ele começou a
dizer.
Houve um silêncio estranho quando alguma coisa branca e grudenta
caiu no chão fazendo plop. O comissário recolheu a coisa entre o polegar e o
indicador, e ficou olhando para ela.
– Parece ser alguma espécie de sanduíche de geleia – disse o homem da
imigração em tom de incerteza, olhando para o teto.
– É um sanduíche de geleia – confirmou Paddington. – Imagino que
tenha caído do meu chapéu. Eu geralmente guardo um sanduíche embaixo
dele quando saio, para uma emergência.
– Nunca ouvi falar de alguém contrabandeando sanduíches de geleia –
disse o homem. – Acho que essa é uma questão para a alfândega.
– E não é só isso – falou o comissário, colocando a maleta de
Paddington no balcão e dando uma batidinha nela com os nós dos dedos. –
Tem algo esquisito nisto aqui. Esta mala está gorda demais, olhando por
fora, comparada com o que tem dentro. Se é que você me entende.
– Observando aviões com um binóculo de ópera – disse o homem da
imigração num tom grave, enquanto pegava um telefone embaixo do balcão.
– Carregando um disfarce. Contrabandeando sanduíches de geleia… tudo
isso terá de ser investigado.
– Quem sabe ele é um daqueles ursos internacionais – disse o
comissário, esperançoso. – Provavelmente tem coisas escondidas nos pelos.
Aposto que o que tem dentro desses sanduíches não é geleia de verdade.
– Teremos que examinar com muito cuidado os fragmentos deste
sanduíche – disse o homem da imigração, guardando o telefone de volta.

Paddington olhou para o homem como se mal estivesse acreditando no


que ouvia.
– Examinar os fragmentos do meu sanduíche! – ele exclamou, irritado. –
Esta é a geleia especial que eu comprei na mercearia!
De baixo de seu chapéu, Paddington lançou vários olhares fulminantes
para o homem. O funcionário da imigração começou a mexer no colarinho
da camisa, num gesto nervoso, e ficou muito aliviado quando uma porta
atrás dele se abriu e um funcionário que parecia ainda mais importante
entrou na sala.
– É este aqui – disse o homem da imigração, apontando para
Paddington. – Este baixinho e peludo, de chapéu.
– Tem alguma coisa estranha na procedência dele – disse o comissário.
– Minha procedência! – exclamou Paddington, parecendo cada vez mais
aflito. – Eu não tenho nenhuma procedência! Na verdade, nem sei o que é
isso!
– É o lugar de onde você veio, querido – disse a sra. Brown, olhando feio
para o comissário.
– Ora, veja bem… – começou a dizer o sr. Brown.
– Lamento, senhor – disse o segundo funcionário numa voz firme. –
Infelizmente preciso lhe pedir que aguarde aqui enquanto interrogamos o
jovem, hã… cavalheiro.
Ele fez um gesto para os Brown esperarem no canto, enquanto levantava
uma parte do balcão e mostrava o caminho até sua sala.
Paddington pareceu muito incomodado enquanto recolhia sua maleta e
seu pacote e ia atrás do homem.
– Puxa vida – ele disse, lançando um olhar tristonho para os outros por
cima do ombro –, espero que esteja mesmo tudo bem com a minha
procedência!
– Coitado do Paddington – lamentou Jonathan quando a porta se
fechou atrás dele.
– Ele realmente parece meio suspeito às vezes – disse Judy. –
Principalmente se você não o conhece.
A sra. Bird segurou seu guarda-chuva com firmeza.
– Se esse urso estiver encrencado, eles vão ter que lidar comigo… nem
que eu tenha que ir falar com a própria rainha da Inglaterra!
– Espero que não encontrem o compartimento secreto na mala dele –
disse Judy. – Não vai pegar muito bem se encontrarem.
– Aposto que não vão – disse Jonathan. – Ninguém nunca viu o que tem
dentro do compartimento secreto do Paddington. É pura diversão.
– É tudo culpa sua, Henry – disse a sra. Brown, virando-se para o
marido. – Foi você que inventou isso de viajar para o exterior.
– Ah, que ótimo! – exclamou o sr. Brown, indignado. – Na hora, todo
mundo adorou a ideia.
Mas até o sr. Brown começou a ficar cada vez mais sério, conforme os
minutos passavam e ainda não havia nenhum sinal de Paddington.
– Vocês não acham… – disse a sra. Brown, expressando os pensamentos
de todos eles – vocês não acham que eles mandariam o Paddington de volta
para o Peru, acham?
– Eles que tentem! – disse a sra. Bird, olhando feio para a porta fechada.
– Eles que tentem!
Porém, quando a porta finalmente se abriu e o funcionário mais
importante fez um gesto chamando todos para entrarem na sala dele, a
família Brown estava preparada para o pior.

– Bom – disse o sr. Brown, recostando-se na poltrona do avião e


apertando o cinto de segurança. – Tudo está bem quando acaba bem. Meia
hora atrás, eu não achava que estaríamos todos sentados aqui. Quem
imaginaria que o Paddington tinha um passaporte esse tempo todo.
– Estava no compartimento secreto da minha maleta, senhor Brown –
disse Paddington. – Junto com todos os outros papéis importantes.
– Ora – disse a sra. Bird –, devo dizer que não pensei de fato que a tia
Lucy deixaria o Paddington vir até aqui sem um passaporte. Por tudo o que
ouvi dizer, parece uma velha ursa muito sábia e não teria sido do seu feitio
fazer isso. Enfim – ela acrescentou –, é um grande desencargo para minha
consciência saber que não há nada errado com a procedência desse jovem
urso.
– Mas o que ainda não consigo entender, Paddington – disse o sr.
Brown –, é por que você não disse logo no começo que tinha um
passaporte. Isso nos teria poupado toda essa dor de cabeça.
Paddington fez uma de suas caras de ofendido.
– Ninguém me perguntou, senhor Brown – ele disse. – Eu não sabia que
“procedência” era isso.
O sr. Brown tossiu, e todos os outros se entreolharam. Felizmente, nesse
momento veio o ronco forte dos motores, e, conforme o avião avançava pela
pista de decolagem, o assunto foi logo esquecido no meio da empolgação
geral.
– Agora podemos relaxar e aproveitar nossas belas férias no exterior
sem nenhuma preocupação – disse a sra. Bird alguns minutos depois,
quando o avião se estabilizou e ela começou a soltar o cinto de segurança.
Olhando pelas janelinhas para o mar azul lá embaixo brilhando com a
luz do sol, a família Brown respondeu em coro um caloroso “É isso mesmo!”.
Paddington foi o único que não se juntou ao coro, pois estava ocupado
demais consultando sua lista de coisas para fazer. Acabara de descobrir que,
com aquela confusão no aeroporto, eles tinham se esquecido de almoçar.
Mas ficou contente ao ver que, logo na página seguinte, havia um item da
lista que dizia:

CHEGAR NA FRANSA – LANXE

– Parece uma ótima ideia – disse o sr. Brown num tom de aprovação,
quando Paddington mostrou a lista para ele. – Nada me deixa mais faminto
do que um pequeno alvoroço sobre a procedência de um jovem urso.
4
PADDINGTON
SALVA O DIA

– Euparanunca imaginaria – disse a sra. Brown, lançando um olhar sério


o marido – que era possível alguém se perder completamente
em tão pouco tempo. Não faz nem um dia que chegamos à França.
– Tem certeza de que não sabe onde estamos, Paddington? – perguntou
o sr. Brown pela enésima vez.
Paddington balançou a cabeça, tristonho.
– Acho que pegamos a estrada errada por engano, senhor Brown – ele
admitiu.
Os Brown se entreolharam com desânimo. Até aquele momento, seu
primeiro dia na França tinha sido muito alegre e divertido. Com tantas
coisas novas para ver, o tempo passara muito depressa, e Paddington
especialmente ficara ocupado acompanhando a rota no mapa e fazendo
anotações enquanto eles seguiam.
No caminho de carro ao longo da costa, eles tinham passado por várias
cidades pequenas, e ele ficara muito impressionado ao ver o trânsito
fervilhante do lado errado da rua1 e as pessoas sentadas em mesas na
calçada, na frente dos cafés.
Entre uma cidadezinha e outra, eles haviam percorrido quilômetros de
estradas rurais retas com grandes choupos de ambos os lados, passando por
vilarejos minúsculos cheios de homens usando macacão azul e mulheres
correndo de um lado para o outro com pães compridos.
O melhor de tudo era que, de vez em quando, ao fazer uma curva, eles
tinham uma visão repentina do mar azul e ouviam o estrondo distante das
ondas arrebentando na praia.
E então, quando eles chegaram à Bretanha, não só a paisagem rural tinha
ficado cada vez mais selvagem, como também as coisas começaram a dar
errado.
Primeiro, a larga estrada asfaltada de repente tinha virado uma pista
estreita coberta de pedras. Então a pista tinha se tornado uma estradinha de
terra. No fim, a estradinha de terra acabara num terreno vazio, e, só para
piorar um pouco mais as coisas, um dos pneus traseiros do carro tinha
furado.
Encarregado do itinerário, Paddington ficou muito chateado com o que
aconteceu e olhou atentamente para os mapas enquanto os Brown se
amontoavam aflitos em volta dele.
– Qual é o nome do último lugar por onde passamos, Paddington? –
perguntou o sr. Brown. – Quem sabe foi ali que nós erramos.
– Acho que se chamava Gravillons, senhor Brown – disse Paddington. –
Mas não estou vendo em nenhum dos mapas.
– Gravillons – repetiu o sr. Brown. – Que engraçado. Parece que eu
lembro de ter visto isso escrito em algum lugar também. Tem certeza de
que não consegue encontrar?
Ele se debruçou e olhou o mapa enquanto Paddington examinava o
velho pano de prato da sra. Bird, esperançoso.
– Nossa! – exclamou Jonathan de repente, erguendo os olhos do
dicionário. – Não é à toa que vocês não estão achando isso no mapa.
Gravillons não é um lugar, é uma placa de trânsito. Significa “cascalho solto”
em francês!
– O quê?! – exclamou Paddington, aflito. – Cascalho solto!
– É onde tinha aquele monte de pedrinhas – disse Judy. – Eles deviam
estar consertando a estrada.
A sra. Bird bufou.
– Gravillons, ora essa! – ela exclamou. – Não é à toa que esse pobre urso
se enganou. Foi pura sorte nós não termos ido parar dentro do mar.
A sra. Bird tinha a firme convicção de que tudo no exterior deveria estar
escrito claramente em inglês.
– Bom, enfim – disse o sr. Brown, dobrando o mapa –, pelo menos
sabemos onde não estamos, mesmo não sabendo onde estamos.
Ele olhou para a pilha de bagagem que estava escondendo o estepe
dentro do porta-malas do carro.
– Vou ter que tirar tudo de qualquer modo, por isso sugiro
aproveitarmos a situação para fazermos um piquenique enquanto eu troco o
pneu.
A sra. Brown e a sra. Bird, que já contavam em descansar e comer uma
refeição decente em um hotel confortável, não pareceram muito contentes
com a ideia, mas Jonathan, Judy e Paddington ficaram animadíssimos.
Paddington, especialmente, achou que era uma ótima ideia a do sr. Brown.
Ele gostava de piqueniques, e já fazia um tempão desde o seu último.
– Ainda bem que eu trouxe comida – disse a sra. Bird, abrindo sua bolsa
de viagem e começando a retirar uma variedade de latas e pacotes, junto
com um pão grande e um conjunto de facas e garfos. – Tive o
pressentimento de que poderíamos precisar.
– Já sei – disse o sr. Brown. – Vamos fazer um concurso. Cada um de
vocês pode preparar um dos pratos, e depois vamos dar um prêmio para o
melhor de todos.
O sr. Brown gostava muito de concursos. Tinha a vaga ideia de que isso
impedia as pessoas de aprontar alguma besteira.
– Oba! – exclamou Jonathan. – Vamos fazer uma fogueira.
– Posso ir buscar um pouco de lenha se você quiser, senhor Brown –
disse Paddington, apontando com a pata na direção de um bosque em uma
colina ali perto. – Os ursos são bons para arranjar lenha.
– Não vá muito longe – disse a sra. Brown, preocupada, enquanto
Paddington pegava sua maleta e partia apressado. – Só o que faltava era
você se perder no mato.
Mas Paddington já não a ouvia mais. Ainda se sentia culpado por ter
feito a família Brown se perder e estava ansioso para compensar seu erro
trazendo o máximo possível de lenha; por isso foi subindo a colina com toda
a rapidez que suas pernas permitiam.
Porém, olhando em volta e farejando o ar enquanto avançava no
gramado, Paddington achou que se perder talvez não fosse uma ideia tão
ruim afinal.
Para começar, tudo ali tinha um cheiro gostoso, quente, que lhe
agradava muito. Era um cheiro interessante – nada parecido com o da
Inglaterra, ou mesmo do Peru. Parecia ser feito de café e pão recém-saído do
forno, além de várias outras coisas que ele não conseguia identificar direito,
e, por algum estranho motivo, estava ficando mais forte a cada minuto.
Foi só quando Paddington chegou ao topo da colina e olhou para baixo,
do outro lado, que descobriu de onde vinha aquele cheiro, e, ao fazer isso,
precisou esfregar os olhos várias vezes para garantir que não estava
sonhando.
Pois ali, a uma curta distância no sopé da colina, igualzinho a uma das
fotos nos panfletos do sr. Brown, havia um grupo de casas, e mais além das
casas ele viu uma praia e um pequeno porto cheio de barcos.
Subindo a partir do porto, havia uma rua estreita que dava em uma
praça com uma série de barraquinhas com cores alegres, carregadas de
frutas e legumes.
Paddington acenou freneticamente com as patas na direção dos Brown e
os chamou várias vezes, mas eles estavam longe demais para escutá-lo; por
isso ele pegou o binóculo de ópera e sentou-se por um instante para refletir
sobre o assunto.
Observando aquele vilarejo através do binóculo, Paddington foi ficando
com uma expressão pensativa no rosto e, quando se levantou de novo
alguns minutos depois, também havia um brilho entusiasmado em seus
olhos. Além do fato de que aquilo tudo era muito estranho e certamente
precisava ser investigado, uma ideia começava a se formar em sua cabeça e,
quanto mais pensava nela, mais ansioso ficava para testá-la.
Enquanto descia correndo até o vilarejo e andava na direção da praça
que avistara do topo da colina, Paddington olhou em volta com interesse.
Ele gostava de lugares novos, e este parecia especialmente simpático.
À sua direita, havia um grande prédio com uma varanda e uma placa do
lado de fora dizendo Hôtel du Centre, e do outro lado da praça havia uma
agência de correios e um açougue, além de vários cafés e uma mercearia.
E, o melhor de tudo, ele viu uma padaria bem ao lado do hotel.
Paddington gostava de padarias, e esta era muito interessante, pois a vitrine
tinha pães de todos os formatos e tamanhos – compridos, curtos,
gordinhos, redondos. Na verdade, ele ficou até tonto tentando contar todos
os tipos.
Depois de consultar o livro de frases do sr. Gruber, Paddington
atravessou a praça em direção à padaria. Em suas experiências passadas, ele
descobrira que os padeiros eram quem melhor compreendiam os problemas
dos ursos – o sr. Gruber sempre dizia que tinha algo a ver com o fato de
ambos se interessarem por pãezinhos –, mas, qualquer que fosse o motivo,
Paddington decidiu que nada seria melhor do que fazer uma visita ao dono
da padaria e pedir seu conselho sobre a surpresa que ele tinha em mente
para os Brown.
– De repente o Paddington ficou muito misterioso – disse o sr. Brown,
algum tempo depois.
– Se vocês querem saber o que eu acho – falou a sra. Bird –, esse urso
tem algum truque na manga. Ele sumiu durante um tempão quando foi
buscar lenha e está com uma cara esquisita desde que voltou.
A família Brown estava no meio de sua refeição, e houve uma pequena
demora enquanto Paddington preparava sua contribuição.
Jonathan e Judy já tinham feito uma sopa na panela de camping do sr.
Brown, e a sra. Bird servira uma salada especial que todos apreciaram
imensamente.
Quando chegou a vez de Paddington, houve uma pausa longa, e os
Brown estavam começando a ficar impacientes. Paddington explicara que
era um prato muito secreto, e por isso eles tiveram que ficar de costas para a
fogueira e prometer não olhar enquanto ele cozinhava.
Atrás deles parecia haver muita agitação e tinidos de metal, além de uma
respiração ofegante, mas o cheiro que vinha carregado pela brisa certamente
estava deixando todos com água na boca, e eles estavam ansiosos para
descobrir qual era o prato secreto.
A sra. Brown trapaceou e olhou de relance, aflita, por cima do ombro,
para o lugar onde Paddington estava debruçado sobre uma panela. Ele tinha
numa pata um grande livro de receitas e parecia estar cutucando alguma
coisa cuidadosamente com um graveto enquanto sentia seu cheiro.
– Espero que ele não vá colocar fogo no próprio bigode – ela disse. – Ele
está terrivelmente perto das chamas.
– Esse cheiro não é de bigode queimado – falou o sr. Brown. – Na
verdade, devo dizer que é um cheiro muito bom. O que será que é?
– Quem sabe é alguma coisa que ele achou na maleta dele – respondeu a
sra. Bird.
O sr. Brown pareceu um pouco menos entusiasmado com esse
comentário da sra. Bird.
– Alguma coisa que ele achou na maleta – ele repetiu.
– Bom, não consigo imaginar o que mais possa ser – disse a sra. Bird. –
Eu não dei nada para ele cozinhar, e nós não paramos perto de nenhuma
loja.
– Aposto que tem geleia – disse Jonathan. – As coisas do Paddington
sempre têm geleia.
Felizmente, para a paz de espírito de todos, antes que tivessem tempo de
pensar demais sobre aquilo, Paddington levantou-se e anunciou que tudo
estava pronto e eles podiam se virar para ver.

A sra. Brown olhou para Paddington desconfiada enquanto eles se


reuniam em volta da panela. Havia uma ou duas gotas de molho escuro
grudadas no bigode dele e algo incrivelmente parecido com farinha, mas,
fora isso, tudo parecia bastante normal.
Paddington assumiu ares de importância enquanto a família Brown fazia
fila com seus pratos.
– É uma receita francesa especial – ele explicou, servindo porções
generosas para todos. – Encontrei no livro de culinária do senhor Gruber.
Ele ouviu com alegria as exclamações de prazer dos outros enquanto
experimentavam seu prato. Embora já tivesse usado o fogão da sra. Bird em
uma ocasião ou outra, era a primeira vez que ele cozinhava algo em uma
fogueira – principalmente algo complicado como uma receita francesa – e,
ainda que tivesse seguido as instruções com todo o cuidado, estava
angustiado, pensando que podia ter feito algo errado. Mas os Brown, um a
um, foram lhe dando os parabéns, e até a sra. Bird o elogiou enfaticamente.
– Não sei o que é isto, mas eu mesma não poderia ter feito melhor! – ela
disse. Um comentário que, vindo da sra. Bird, era um elogio enorme.
– Delicioso – disse o sr. Brown. – Muito suculento e perfeitamente no
ponto.
– Na verdade – ele continuou, estendendo o prato para receber uma
segunda porção –, não me lembro de já ter experimentado algo tão gostoso
antes. Muito curioso – ele disse ainda, limpando o prato com um pedaço de
pão e olhando esperançoso para a panela outra vez. – Como é o nome disso,
Paddington?
– Se chama esca… esca… alguma coisa, senhor Brown – disse
Paddington, consultando seu livro de culinária. – Escargots.
– Escargots? – repetiu o sr. Brown, passando a mão nos bigodes. –
Muito bom também. Precisamos arranjar isso quando voltarmos para a
Inglaterra, Mary…
Sua voz foi diminuindo enquanto ele olhava para a mulher. O rosto da
sra. Brown parecia ter mudado para um tom curioso de verde.
– Algum problema? – ele perguntou, muito preocupado. – Você parece
bastante enjoada.
– Henry! – exclamou a sra. Brown. – Você não sabe o que são escargots?
– Hã… não – disse o sr. Brown. – Soa familiar, mas não sei o que
significa. Por quê?
– São lesmas – disse a sra. Brown.
– O quê?! – exclamou o sr. Brown. – Lesmas? Você disse lesmas?
– Eca! – fez Jonathan. – Lesmas.
– Mas onde raios você arranjou isso, Paddington? – perguntou o sr.
Brown, expressando o pensamento de todos.
– Ah, não foi muito caro, senhor Brown – disse Paddington, apressado,
interpretando mal o olhar assustado no rosto deles. – O homem da loja me
vendeu barato porque as conchas estavam rachadas. Acho que foi uma
ótima pechincha.
Para a grande surpresa de Paddington, seu comentário foi recebido com
novos gemidos da família Brown, e ele ficou bastante perturbado ao vê-los
todos rolando na grama, com a mão na barriga.
– E pensar que eu ainda repeti – disse o sr. Brown. – Tenho certeza de
que fui envenenado. Estou ouvindo umas batidas estranhas dentro da
cabeça.
– Você falou… o homem da loja? – perguntou a sra. Bird de repente.
– Pois é – disse o sr. Brown, se sentando. – Que loja?
Paddington pensou por um instante. Pretendia guardar a notícia da
existência do vilarejo para depois da refeição, como uma surpresa especial
para os Brown, e ficou muito decepcionado ao pensar que teria que contar a
eles imediatamente, mas, antes que tivesse tempo de responder, a sra. Bird
de repente começou a agitar sua sombrinha no ar, apontando na direção da
colina.
– Pai do céu! – ela exclamou. – Que diabos está acontecendo ali?
– Nossa! Não era à toa que eu estava ouvindo batidas dentro da minha
cabeça – disse o sr. Brown, seguindo com o olhar a direção da sombrinha da
sra. Bird até o lugar onde um enorme trator estava vindo pela encosta da
colina, seguido de uma longa fila de pessoas. – Parece algum tipo de
procissão.
A família Brown ficou observando fascinada enquanto a multidão foi se
aproximando e finalmente parou bem na frente deles. O líder, um homem
gordo e bonachão, vestindo um avental branco e um chapéu alto de
cozinheiro, curvou-se na direção de Paddington.
– Ah, monsieur le Urso! – ele exclamou, com um sorriso radiante,
enquanto estendia a mão. – Nos encontramos de novo!
– Olá, senhor Dupont – disse Paddington, limpando rapidamente as
manchas de molho da pata antes de cumprimentá-lo.
– Alguém pode me dar um beliscão? – disse o sr. Brown, olhando para
os outros. – Acho que estou sonhando.
– Bem-vindos a Saint-Castille – disse monsieur Dupont, avançando na
direção do sr. Brown. – Por favor, viemos ver a carruagem que perdeu a
roda. Monsieur le Urso já nos explicou tudo a respeito, e estamos muito
ansiosos para ajudar.
– A carruagem? – repetiu o sr. Brown, parecendo cada vez mais
perplexo. – Que carruagem?
Paddington respirou fundo.
– Acho que talvez eu tenha misturado as frases por engano, senhor
Brown – ele disse. – Não tinha um capítulo sobre automóveis com pneu
furado, por isso usei uma frase sobre carruagens.
Era meio difícil de explicar, e Paddington não sabia bem por onde
começar.
– Acho – disse o sr. Brown, virando-se para o monsieur Dupont, o
padeiro – que é melhor nós sentarmos. Tenho a sensação de que isso vai
demorar um tanto.

– Sabem de uma coisa? – disse o sr. Brown naquela noite, muitas horas
depois, enquanto estavam todos sentados na frente do hotel no vilarejo
encontrado por Paddington, fazendo um lanche antes de dormir. – Isto eu
preciso admitir sobre o Paddington: as coisas se complicam de vez em
quando, mas costumam dar certo no final.
– Os ursos sempre acabam dando um jeito – falou a sra. Bird em tom
sério. – Já disse isso uma vez e repito.
– Eu sugiro ficarmos aqui – propôs o sr. Brown. – Não estava no
itinerário, mas acho impossível encontrarmos um lugar mais simpático.
– Apoiado! – disse a sra. Bird.
Depois daquela tarde agitada, tudo parecia especialmente tranquilo e
silencioso. As estrelas brilhavam num céu sem nuvens, a música alegre de
um café ali perto preenchia o ar e, no fim da rua que dava no porto, eles
enxergavam as luzes dos barcos de pesca balançando na água.
Na verdade, tirando a música, o único som que cortava o ar noturno era
o constante arranhar da velha caneta de Paddington no papel e de vez em
quando um suspiro, quando ele mergulhava a pata em seu pote de geleia.
Quando os Brown descobriram onde Paddington comprara as lesmas,
de repente sentiram-se muito melhor. Era uma padaria com aspecto
bastante respeitável, e o monsieur Dupont garantiu que eles eram famosos
por suas lesmas. Portanto, por voto popular, Paddington recebera o prêmio
de melhor prato do dia.
Depois de refletir muito e espiar vitrines de lojas, ele usara o dinheiro
para comprar alguns selos e dois cartões-postais, um para sua tia Lucy no
Peru e o outro para o sr. Gruber.
Eram cartões-postais bem grandes – dos maiores que ele já vira. Além
de ter um espaço para escrever no verso, cada um tinha na frente onze fotos
diferentes, mostrando cenas do vilarejo e do campo em volta. Uma das fotos
mostrava a padaria do monsieur Dupont, e, olhando com bastante atenção,
Paddington enxergou alguns pãezinhos na vitrine, que imaginou que o sr.
Gruber acharia muito interessantes.
Havia até uma foto do hotel, e ele cuidadosamente fez um grande X em
uma das janelas e escreveu as palavras MEU QUARTO do lado.
Olhando para os cartões, Paddington decidiu que valiam muito seu
preço e teve certeza de que a tia Lucy ficaria surpresa ao receber um cartão-
postal de um lugar tão longe como a França.
Mesmo assim, tantas coisas tinham acontecido naquele dia, e algumas
eram tão difíceis de explicar, que ele sentiu que daria certo trabalho incluir
todas elas – ainda que num cartão-postal extragrande.

1 Na Inglaterra, os motoristas dirigem pela esquerda, diferentemente da França, onde eles


dirigem pela direita, como no Brasil. (N. do T.)
5
PADDINGTON
E O PARDON

A família Brown logo se acomodou no vilarejo e, após muito pouco


tempo, era como se sempre tivessem vivido ali. A notícia de que um
jovem urso estava hospedado no hotel espalhou-se depressa, e Paddington
rapidamente virou uma figura popular nas ruas, principalmente antes de ir à
praia.
Ele visitava quase todo dia seu novo amigo, o monsieur Dupont, que
falava inglês muito bem, e eles tinham várias conversas sobre pãezinhos.
Monsieur Dupont não só mostrou todos os seus fornos para ele como
também prometeu assar uns pãezinhos ingleses especiais para Paddington
comer com o chocolate das onze.
– Afinal – ele explicou –, não é todo dia que temos um urso hospedado
em Saint-Castille.
Então ele colocou na vitrine da padaria uma placa dizendo que, no
futuro, eles venderiam pãezinhos especiais, feitos com a receita de um
jovem urso inglês.
Havia tanta coisa nova e interessante para ver e fazer que, várias noites,
Paddington precisou ficar sentado na cama até tarde, correndo para anotar
tudo em seu álbum de recortes enquanto ainda estava fresco na mente.
Certa manhã, ele foi despertado cedo pelo som de gritos e batidas vindos
de fora do hotel e, quando olhou pela janela, descobriu, para seu espanto,
que uma grande mudança acontecera no vilarejo.
Aquele lugar era sempre movimentado, com pessoas andando
apressadas de um lado para o outro em seus afazeres diários, mas, naquela
manhã em especial, parecia haver o dobro do movimento. Até as pessoas
estavam vestidas de um jeito bem diferente. Em vez de macacões azuis e
agasalhos vermelhos, todos os pescadores vestiam seus melhores ternos, e as
mulheres e meninas usavam vestidos cobertos de renda branca, com
grandes chapéus rendados combinando.
Quase todas as barraquinhas de frutas e legumes tinham sumido e, em
seu lugar, havia outras, decoradas com bandeiras coloridas e toldos listrados
e carregadas de doces e várias fileiras de velas.
Era tudo muito curioso e, após lavar-se rapidamente, Paddington correu
para investigar o assunto.
Madame Penet, a dona do hotel, estava em seu balcão no saguão de
entrada quando Paddington apareceu, e ela olhou para o urso com certa
hesitação quando ele consultou seu livro de frases. O inglês de madame
Penet não era melhor que o francês de Paddington, e as coisas sempre
pareciam dar errado quando eles tentavam falar um com o outro.
– Isso é… – ela começou a dizer, respondendo à pergunta dele – como
se chama?… um pardon.
– Não precisa pedir perdão – disse Paddington, educadamente. – Só
queria saber o que está acontecendo. Parece muito interessante.
Madame Penet concordou com a cabeça.
– Isso mesmo – ela disse. – Isso é, como se chama?… um pardon.
Paddington lançou um olhar duro para ela enquanto se afastava. Embora
fosse um urso bem-educado, estava começando a ficar meio cansado de
levantar o chapéu e responder “pardon” quando as pessoas lhe pediam
perdão, por isso correu para fora e atravessou a praça para consultar o
monsieur Dupont sobre o assunto.
Para sua surpresa, ao entrar na padaria, ele fez uma descoberta ainda
mais chocante, pois, em vez do avental e chapéu brancos que ele geralmente
vestia, monsieur Dupont estava usando um uniforme azul-escuro muito
elegante, coberto de galões dourados.
Monsieur Dupont deu risada ao ver a expressão no rosto de Paddington.
– É tudo por causa do pardon, monsieur le Urso – ele disse.
E então ele explicou que, na França, pardon era o nome de um festival
muito especial e que, principalmente na Bretanha, havia pardons por muitos
motivos diferentes. Havia pardons para pescadores e fazendeiros, e havia até
um pardon para pássaros, além de outros para cavalos e vacas.
– De manhã – disse monsieur Dupont – sempre há uma procissão,
quando todos vão à igreja, e depois disso acontecem muitas comemorações.
Este ano – ele continuou – temos um parque de diversões e um espetáculo
de fogos de artifício. E veja só, tem até um desfile da banda do vilarejo!
Monsieur Dupont endireitou o corpo.
– É por isso que estou de uniforme, monsieur le Urso! – ele exclamou,
orgulhoso. – Pois sou o líder da banda!
Paddington ficou muito impressionado com a explicação do monsieur
Dupont e, depois de agradecê-lo pela ajuda, correu de volta para o hotel
para contar aos outros.
Os Brown iam à praia quase todo dia, mas, quando ouviram a notícia
que Paddington trazia, rapidamente mudaram de planos. Após tomar o café
da manhã depressa, eles juntaram-se aos moradores do vilarejo e foram à
igreja e, naquela tarde, por votação popular, andaram na direção de um
campo nos arredores do vilarejo, onde estava montado o parque de
diversões.
Paddington ficou em transe, olhando a cena que se descortinava diante
de seus olhos. Era a primeira vez que ele ia a um parque de diversões, e não
se lembrava de já ter visto ou ouvido falar de nada parecido.
Havia rodas enormes que iam até lá em cima no céu. Havia balanços e
escorregadores pintados com cores vivas. Havia carrosséis com dezenas de
pessoas girando e girando, montadas em cavalos de madeira de todas as
cores do arco-íris. Havia jogos de derrubar latas e barraquinhas com
espetáculos. Por toda parte havia luzes coloridas piscando e, no centro de
tudo, um enorme órgão tocando uma música alegre enquanto soltava
nuvens de vapor. Na verdade, havia tantas coisas amontoadas num espaço
tão pequeno que era difícil decidir o que fazer primeiro.
No fim, depois de testar algumas vezes os escorregadores e balanços,
Paddington voltou sua atenção para um dos carrosséis e, quando descobriu
que ursos menores de dezesseis anos pagavam a metade do preço em dias
de pardon, andou nele várias vezes para aproveitar o desconto.
Foi quando desceu do carrossel pela última vez e viu o sr. Brown,
Jonathan e Judy darem uma volta também que ele de repente avistou uma
pequena barraca listrada de aspecto muito interessante, que ficava um
pouco afastada do resto do parque de diversões. Havia vários cartazes
pregados do lado de fora, muitos deles escritos em línguas estrangeiras, mas
havia um em inglês que chamou sua atenção imediatamente, e ele leu com
atenção. Dizia:

MADAME ZAZA

Vidente internacional
LEITURA DE MÃOS

BOLA DE CRISTAL

SATISFAÇÃO GARANTIDA

Colada na parte de baixo havia uma nota dizendo em letras vermelhas:


FALO INGLÊS.
A sra. Brown seguiu o olhar de Paddington enquanto ele levantava a
cortina da entrada da barraca e espiava ali dentro.
– Aí diz que ela faz leitura de mãos – ela comentou, hesitante –, mas eu
tomaria cuidado. Leitura de patas talvez seja mais caro.
A sra. Brown não tinha muita certeza de que era uma boa ideia alguém
ler a sorte de Paddington. Ele já arranjava bastante encrenca sem ter
conhecimento do futuro. Mas, antes que ela tivesse tempo de convencê-lo a
desistir, a cortina da cabana se fechara atrás dele. Paddington nunca ouvira
falar de ninguém que lesse a pata de um urso e estava ansioso para
investigar essa questão.
Apesar do sol forte lá fora, estava escuro dentro da barraca, e, enquanto
ele tateava para encontrar o caminho, teve de piscar várias vezes antes de
distinguir uma figura sombria, sentada atrás de uma mesinha coberta de
veludo.
Madame Zaza estava de olhos fechados, respirando profundamente.
Depois de esperar com impaciência por alguns instantes, Paddington deu
um cutucão nela com a pata e então levantou o chapéu.
– Por favor – ele anunciou. – Vim aqui para lerem minha pata.
Madame Zaza levou um susto.
– Comment?! – ela exclamou numa voz rouca.
– Com a mão? – disse Paddington, olhando confuso para suas patas. Ele
não tinha mãos, somente patas de urso, por isso começou a tentar subir na
mesa para chegar mais perto e mostrar as patas à mulher.
– Cuidado com a minha bola de cristal! – gritou madame Zaza,
passando a falar em inglês quando a mesa balançou. – Ela é muito cara. Não
tinha me dado conta de que você era estrangeiro – ela continuou. – Senão,
teria falado com você na sua língua.
– Estrangeiro! – exclamou Paddington, indignado. – Eu não sou
estrangeiro. Vim da Inglaterra.
– Você é estrangeiro quando está em outro país – disse madame Zaza,
num tom severo. – E “comment” não significa que você deve subir em cima
da minha mesa!
Paddington deu um suspiro enquanto descia da mesa. Ele não gostava
muito da língua francesa. Tudo parecia ter o sentido contrário do que
aquele com que ele estava acostumado.
– Enfim, eu geralmente não trabalho com ursos – disse madame Zaza,
cautelosa. – Mas já que você está de férias, se tiver um dinheirinho para me
mostrar, verei o que posso fazer.
Paddington abriu a maleta, tirou uma moeda de dez centavos e mostrou
cuidadosamente os dois lados para madame Zaza, guardando-a de novo.
Uma leitura de patas era muito mais barata do que ele estava esperando.
Madame Zaza ficou encarando Paddington com um olhar perplexo.
– Não é só para mostrar o dinheiro, é para mostrar e deixar comigo! –
ela exclamou.
Paddington lançou para madame Zaza um de seus olhares zangados,
antes de abrir a maleta de novo e lhe entregar a moeda de dez centavos.
– Geralmente também não aceito moedas estrangeiras – disse madame
Zaza, mordendo a moeda para conferir se era legítima –, mas acho que tudo
bem. Deixe-me ver sua pata. Vou ler as linhas nela primeiro.
Quando Paddington estendeu a pata, madame Zaza a tomou em suas
mãos. Depois de examinar a pata por um instante com uma expressão de
descrença, ela esfregou os olhos e então tirou uma lupa do bolso.
– Você parece ter uma linha da vida muito longa – ela disse –, mesmo
para um urso. Nunca vi uma linha tão grossa, e ela percorre todo o
comprimento da sua pata.
Paddington seguiu o olhar da mulher com interesse.
– Acho que não é uma linha da vida – ele disse. – Acho que é um
pedaço de casca de laranja da minha geleia.
– Um pedaço de casca de laranja? – repetiu madame Zaza numa voz
confusa.
– Isso mesmo – disse Paddington. – Ficou grudado no café da manhã, e
devo ter esquecido de limpar.
Madame Zaza enxugou a testa com uma mão trêmula. Parecia estar
ficando muito quente dentro da barraca.
– Enfim – ela falou –, eu certamente não posso ler sua pata se estiver
coberta de velhas cascas de laranja. Infelizmente você terá que pagar a mais
para que eu leia a bola de cristal.
Paddington olhou para ela desconfiado e tirou outros dez centavos da
maleta. Estava começando a se arrepender de ter decidido consultar a
vidente.
Madame Zaza arrancou o dinheiro dele e então puxou a bola de cristal
para perto de si.
– Primeiro, você precisa me dizer quando é seu aniversário – ela disse.
– Junho e dezembro – respondeu Paddington.
– Junho e dezembro? – repetiu madame Zaza. – Mas você não pode ter
dois aniversários. Ninguém tem mais de um aniversário.
– Os ursos têm – disse Paddington, com firmeza. – Os ursos sempre
têm dois aniversários.
– Bem, isso dificulta o processo – disse madame Zaza. – E eu
certamente não garanto os resultados.
Ela agitou as mãos no ar várias vezes e então olhou muito atentamente
para a bola de cristal.
– Aqui diz que você partirá numa jornada – ela começou a falar numa
voz estranha, distante. – Partirá muito em breve!… Acho que você deveria
começar essa jornada imediatamente – ela acrescentou, lançando um olhar
esperançoso para Paddington.
– Eu vou partir numa jornada?! – exclamou Paddington, parecendo
muito surpreso. – Mas acabo de fazer uma jornada. Vim lá dos Jardins de
Windsor até aqui. Aí diz qual é o lugar para onde eu vou?
Madame Zaza consultou a bola de cristal outra vez, agora com um olhar
esperto.
– Não – ela disse. – Mas, onde quer que seja, vai fazer um barulhão!
Madame Zaza se lembrara do espetáculo de fogos de artifício que
aconteceria naquela noite e parecia uma ótima resposta para a pergunta de
Paddington. Mas, enquanto olhava para a bola de cristal, aos poucos ela foi
ficando com uma expressão confusa. E, depois de dar uma baforada no
vidro, lustrou a bola com a ponta do seu xale.
– Não lembro de isso já ter acontecido antes! – ela exclamou,
entusiasmada. – Estou vendo outro urso!
– Não acho que seja outro urso – disse Paddington, subindo na maleta e
espiando por cima do ombro de madame Zaza. – Acho que sou eu. Mas não
estou enxergando mais nada.
Madame Zaza cobriu apressadamente a bola de cristal com seu xale.
– A imagem está se dissipando – ela disse, irritada. – Acho que preciso
ver mais um dinheirinho.
– Outra vez? – perguntou Paddington, desconfiado. – Mas eu acabei de
mostrar!
– Outra vez – disse madame Zaza com firmeza. – Dez centavos não
duram muito.
Paddington pareceu muito decepcionado enquanto se afastava de
madame Zaza andando de costas, e fechou a cortina da barraca depressa
antes que ela pudesse pedir mais dinheiro.
Os Brown estavam parados do lado do carrossel conversando com o
monsieur Dupont quando Paddington saiu da barraca e olharam com
expressões curiosas quando o urso correu para se juntar a eles.
– E então, querido? – perguntou a sra. Brown. – Como foi sua leitura?
– Não foi muito boa, senhora Brown – disse Paddington, triste. – Não
valeu muito a pena. Acho que minhas linhas deviam estar cruzadas.
Monsieur Dupont ergueu as mãos, compadecendo-se dele.
– Ah, monsieur le Urso! – ele exclamou. – Se fosse realmente possível
resolver nossos problemas olhando para uma bola de cristal, a vida seria
bem mais simples. Eu também gostaria de prever o futuro!
Monsieur Dupont estava com uma cara muito preocupada, pois tinha
acabado de explicar aos Brown sobre um problema com as comemorações
daquela noite.
– Uma vez por ano – ele disse, repetindo a história para Paddington –
fazemos um desfile com a banda do vilarejo. E hoje, justamente hoje, o
homem que toca o grande tambor ficou doente!
– Que pena – disse a sra. Brown. – Deve ser muito decepcionante.
– Vocês não encontraram mais ninguém? – perguntou o sr. Brown.
Monsieur Dupont fez que não com a cabeça, desanimado.
– Todos estão ocupados demais divertindo-se no parque de diversões –
ele disse. – E já estamos atrasados para o ensaio.
Enquanto ouvia os outros falando, Paddington foi arregalando os olhos
cada vez mais e várias vezes olhou para a barraca da madame Zaza por cima
do ombro, como se mal estivesse acreditando em seus ouvidos.
– Quem sabe eu poderia ajudar, senhor Dupont – ele disse animado
quando o padeiro terminou de falar.
– Você, monsieur le Urso? – disse o monsieur Dupont, parecendo muito
surpreso. – Mas o que você poderia fazer?
Todos escutaram com grande espanto enquanto Paddington contava
sobre a “previsão” de madame Zaza de que ele partiria numa jornada e faria
um barulhão.
Quando ele terminou, monsieur Dupont coçou o queixo, pensativo.
– Certamente é muito estranho – ele disse. – É extraordinário!
Monsieur Dupont foi ficando cada vez mais entusiasmado enquanto
refletia sobre aquilo.
– Nunca ouvi falar de um urso tocando numa banda – ele disse. – Seria
uma grande atração.
Os Brown se entreolharam.
– Com certeza é uma grande honra – disse a sra. Brown, hesitante. –
Mas será que é uma ideia sensata?
– O que é uma banda – indagou monsieur Dupont, agitando os braços
dramaticamente no ar – sem alguém atrás que possa fazer bum, bum, bum?
Os Brown ficaram em silêncio. Não parecia haver nenhuma resposta
para aquela pergunta.
– Ora, enfim – disse o sr. Brown –, a banda é sua!
– Nesse caso, está decidido – falou o monsieur Dupont energicamente.
Os Brown ficaram observando apreensivos enquanto o monsieur
Dupont e Paddington partiam depressa para começar o ensaio. A ideia de
Paddington virar um membro da banda do vilarejo fazia com que eles
pensassem em todo tipo de possibilidades terríveis.
Mas, conforme a tarde foi avançando, apesar de seus receios iniciais, eles
ficaram bastante animados com a ideia. Quando a noite chegou e eles se
acomodaram na varanda do hotel, prontos para ver o grande desfile passar,
até o sr. Brown ficou repetindo o quanto estava ansioso por aquilo tudo.
Ao longe, eles ouviam os músicos afinando os instrumentos – e também
vários estrondos enquanto Paddington testava o tambor pela primeira vez.
– Só espero que ele não cometa um erro e estrague tudo – disse a sra.
Brown. – Ele não é um urso muito musical.
– Se for julgar pela barulheira que ele faz lá em casa – disse a sra. Bird,
erguendo os olhos do seu tricô –, não há por que se preocupar!
De repente, após uma curta pausa, houve uma grande profusão de sons,
e os moradores do vilarejo comemoraram quando a banda, liderada pelo
monsieur Dupont, entrou na praça tocando uma marcha vigorosa.
O próprio monsieur Dupont estava muito impressionante, jogando seu
bastão no ar com um gesto sofisticado e pegando-o com uma mão só
quando caía. Mas o maior aplauso de todos foi reservado para Paddington,
quando ele surgiu atrás de um enorme tambor. A notícia de que o jovem
urso inglês entrara na banda no último instante para salvar o dia se
espalhara depressa, e uma grande multidão aparecera para testemunhar o
evento.
Paddington sentiu-se muito importante ao ouvir os aplausos e agitou as
patas várias vezes em agradecimento entre uma batida no tambor e outra,
reservando um aceno especial para a família Brown quando passou diante
do hotel.
– Bom – disse a sra. Bird com orgulho enquanto a banda continuava
pela rua, sumindo de vista –, esse urso só estava guardando a retaguarda,
mas achei que ele foi melhor do que todos os outros juntos!
– Consegui bater umas fotos – falou o sr. Brown, baixando sua câmera
–, mas, infelizmente, só dava para ver por trás.
– Você vai poder tirar umas fotos de frente daqui a pouco, pai – disse
Jonathan. – Acho que eles estão voltando.
O sr. Brown colocou outro filme na câmera, enquanto o som da música
ficava mais alto novamente. Depois de terminar a primeira melodia com
uma série de estrondos metálicos, a banda começara mais uma marcha e
estava se dirigindo outra vez para a praça.
– O tambor do Paddington não está soando tão alto agora – disse a sra.
Brown, enquanto eles se acomodavam de novo nas cadeiras. – Espero que
ele não esteja tendo problemas com as baquetas.
– Quem sabe ele esteja ficando com as patas cansadas – disse Judy.
– Puxa! – exclamou Jonathan, levantando-se com um pulo quando a
banda reapareceu. – O Paddington não está mais com eles.
– Como assim?! – exclamou o sr. Brown, baixando a câmera. – Ele não
está lá! Mas tinha que estar.

Os Brown olharam ansiosos pelo parapeito da varanda, e até o monsieur


Dupont espiou por cima do ombro várias vezes antes de fazer a banda parar
no meio da praça, porém Paddington não estava em lugar algum.
– Que engraçado – disse o sr. Brown, pondo a mão em concha atrás do
ouvido quando a música parou. – Ainda estou ouvindo alguma coisa.
Os outros escutaram com atenção. O som que o sr. Brown ouvira
parecia estar vindo do outro lado do vilarejo. Estava ficando cada vez mais
fraco, mas, sem dúvida alguma, era o som de um tambor.
– Nossa! Aposto que é o Paddington – disse Judy. – Ele deve ter
continuado andando por engano enquanto os outros voltavam.
– Então é melhor irmos atrás dele – disse o sr. Brown, em tom de
urgência. – Sabe-se lá onde esse urso vai parar.
A família Brown começou a ficar preocupada quando se deu conta da
gravidade da situação. Mesmo o próprio Paddington, se fosse capaz de ver o
que estava acontecendo, teria concordado que as coisas não iam bem.
Porém, sem perceber nada à sua volta, ele continuava marchando feliz em
seu caminho.
No fim das contas, com o parque de diversões e o ensaio da banda, ele
tivera um dia muito divertido, mas, agora que o entusiasmo inicial da
marcha havia passado, estava querendo que aquilo terminasse logo.
Para começar, o tambor era grande e pesado demais para o seu gosto, e
ele tinha pernas curtas, por isso era difícil acompanhar o passo. O tambor
estava pendurado na frente dele por uma faixa de couro, e durante o ensaio
ele conseguira apoiá-lo na sua maleta, mas, agora que estava marchando, o
tambor ficava muito mais alto e ele não enxergava coisa alguma por cima do
instrumento. Além de não ter ideia de onde se encontrava, ele estava
ficando com muito calor dentro do casaco e, com o movimento da marcha,
o capuz tinha caído, tapando seus ouvidos; por isso ele não conseguia ouvir
os outros músicos.

Monsieur Dupont se esforçara muito para explicar como o tambor era


um instrumento importante e que, mesmo quando a banda parava de tocar,
ainda era preciso bater nele para que os outros pudessem manter o passo.
Mas a impressão de Paddington era de que, nos últimos cinco minutos, só o
tambor estava tocando, e nada do resto da banda, e aquilo estava
começando a ficar meio chato.
Quanto mais ele avançava pela rua, mais o tambor pesava, e, para piorar
as coisas, quando seus joelhos começaram a fraquejar sob o peso do
instrumento, o capuz do casaco caiu completamente sobre seus olhos e ali
ficou.
Enquanto ele refletia se devia ou não pedir ajuda, de repente a questão se
decidiu sozinha. Num instante ele estava marchando pela rua e, no seguinte,
seu pé estava solto no ar. Na verdade, ele mal teve tempo de soltar um grito
de surpresa antes que tudo parecesse virar de cabeça para baixo e, ainda sem
entender onde estava, se visse caído de costas, com um peso em cima dele
que parecia uma tonelada.
Paddington ficou deitado onde estava por alguns instantes, recuperando
o fôlego, antes de cuidadosamente puxar o capuz do casaco para poder
enxergar. Para sua surpresa, nem o monsieur Dupont nem o resto da banda
estavam ali. Na verdade, as únicas coisas que ele via eram a lua e as estrelas
no céu lá em cima. Ainda pior, quando ele tentou se levantar, descobriu que
não podia, pois o tambor estava pesando sobre sua barriga e, por mais que
se esforçasse, não conseguia mexê-lo.
Paddington soltou um suspiro profundo, deitado ali na rua.
– Ai, puxa! – ele exclamou para o mundo. – Estou encrencado de novo!
– Ainda bem que você continuou batendo no tambor – disse a sra.
Brown, aliviada. – Você poderia ter passado a noite inteira ali.
Já era mais tarde, e todos tinham se reunido no saguão do hotel para
ouvir as explicações de Paddington sobre os acontecimentos daquela noite e
como ele havia sido resgatado. Monsieur Dupont, especialmente, ficou
muito aliviado ao rever Paddington, pois sentia-se responsável por aquela
situação toda.
– Acho que meti a pata num buraco na estrada sem querer, senhora
Brown – disse Paddington. – Então não consegui levantar porque o tambor
estava em cima de mim.
A sra. Brown queria perguntar a Paddington por que ele não tentara
soltar a faixa que prendia o tambor, mas teve a delicadeza de ficar em
silêncio. Já havia muita gente falando ao mesmo tempo, e uma pequena
multidão se reunira para parabenizar Paddington e monsieur Dupont por
aquela marcha.
De qualquer modo, Paddington estava ocupado demais com seus
próprios problemas e, olhando de longe, parecia estar tentando virar a si
mesmo do avesso.
– Está tudo bem, senhora Brown – ele logo disse, quando viu a cara de
preocupação no rosto dela. – Eu só estava testando as linhas da minha pata.
– Bom, espero que você tenha achado alguma coisa interessante depois
disso tudo – disse a sra. Bird. – Parecia uma posição bastante
desconfortável.
– Não tenho certeza – disse Paddington, esperançoso –, mas era como a
imagem de fogos de artifício!
– Ahã! – disse a sra. Bird num tom sombrio, quando de repente veio um
tipo de assobio do lado de fora e o primeiro rojão da noite iluminou o céu. –
Pelo visto, os ursos interpretam as linhas da pata do jeito que querem!
Mas suas palavras caíram no vazio, pois Paddington já tinha corrido para
fora, seguido imediatamente por Jonathan e Judy, com o sr. Brown e o
monsieur Dupont na retaguarda.
Paddington gostava de fogos de artifício e, agora que tinha se recuperado
de sua aventura com o tambor, estava ansioso para ver o espetáculo da
noite. A julgar pela barulheira na praça em frente ao hotel, ele teve a
sensação de que os fogos de artifício franceses seriam um ótimo negócio, e
ele não queria perder nenhum minuto da diversão.
6
UM DIA
DE PESCA

– Quemanhã.
tal sairmos para pescar hoje? – perguntou o sr. Brown no café da

A pergunta do sr. Brown foi recebida de diferentes maneiras pela família.


A sra. Brown e a sra. Bird trocaram olhares apreensivos, Jonathan e Judy
soltaram urros de felicidade, enquanto Paddington quase caiu da cadeira de
tanta empolgação.
– Que peixe nós vamos pescar? – perguntou a sra. Brown, esperando
que o marido fosse sugerir alguma coisa segura, perto da praia.
– Robalo – disse vagamente o sr. Brown. – Ou quem sabe até podemos
tentar umas sardinhas. De qualquer modo, todos os que são a favor
levantem a mão direita.
O sr. Brown pareceu contente com a reação à sua ideia.
– São quatro a dois a favor – ele disse.
– São dois a dois – disse a sra. Bird, severa. – Ursos que levantam ambas
as patas ao mesmo tempo estão desclassificados.
– Bom, eu ainda não votei – disse o sr. Brown, levantando a própria mão
–, então ainda são três a dois. Tem uma ilhazinha simpática logo depois da
baía – ele continuou. – Podemos velejar até lá e fazer dela a nossa base.
– Você disse velejar até lá, Henry? – perguntou a sra. Brown, nervosa.
– Isso mesmo – disse o sr. Brown. – Encontrei o almirante Grundy
antes do café da manhã, e ele nos convidou para passar o dia.
A sra. Brown e a sra. Bird pareceram ficar ainda menos entusiasmadas
com esse último comentário do sr. Brown, e mesmo o bigode de Paddington
murchou visivelmente, caindo dentro do pão com geleia.
O almirante Grundy era um oficial da Marinha inglesa aposentado que
morava numa casa chamada Ninho do Corvo, nos rochedos perto do
vilarejo. A família Brown tinha encontrado esse homem em uma ou duas
ocasiões, e a voz dele parecia uma buzina de navio enferrujada, o que
sempre os deixava um tanto nervosos.
Da primeira vez, ele havia berrado do topo do penhasco, um berro tão
alto que a sra. Brown teve medo de que causasse um desabamento de terra,
e Paddington deixou um sorvete cair dentro do mar, de tanto susto.
– Já faz três dias que estou espiando vocês pelo meu telescópio – ele
tinha gritado para o sr. Brown. – Com essa sua cara, sabia que eram
ingleses. Se bem que vi um urso zanzando pela praia. Não acreditei nestes
velhos olhos!
– Acho que ele mais late do que morde – disse o sr. Brown. – E parece
estar muito animado com a ideia de darmos um passeio com ele. Imagino
que ele não vê muitos ingleses, agora que se aposentou.
– Hum! – disse a sra. Bird, num tom misterioso. – Já estou vendo que
vamos ter que fazer alguns preparativos.
E, dizendo isso, ela saiu da mesa e desapareceu escada abaixo, voltando
alguns minutos depois com um pequeno embrulho, que entregou a
Paddington.
– Tive o pressentimento de que talvez fôssemos velejar – ela disse. – A
água do mar deixa os pelos dos ursos pegajosos, por isso costurei um traje
marítimo antes de partirmos, com as velhas capas de chuva do Jonathan.
Paddington soltou uma exclamação de surpresa quando desamarrou o
embrulho e viu o que havia dentro, e todos ficaram em volta, admirando,
enquanto ele vestia um par de calças de lona, uma jaqueta e um chapéu de
aba larga.
– Muito obrigado, senhora Bird – ele disse, fazendo alguns ajustes finais
nos suspensórios.
– Então está decidido – disse o sr. Brown. – Agora precisamos apenas
velejar!
Depois de pegarem todos os seus pertences, os Brown desceram a rua
sinuosa de pedrinhas que levava até o porto, com Paddington atrás deles,
extasiado. Uma única surpresa já teria sido um bom jeito de começar o dia,
mas descobrir que ia sair para velejar e, além disso, ganhar uma roupa nova
era duplamente emocionante.
Paddington era aficionado por barcos e portos, e gostava especialmente
do porto de Saint-Castille porque era bem diferente de todos que já tinha
visto antes, em suas viagens. Para começar, os pescadores usavam umas
redes azul-claras bastante curiosas que ficavam muito bonitas quando eram
penduradas para secar. E até os próprios homens eram diferentes, pois, em
vez de usar blusas de lã azul-escuras e botas de borracha como a maioria dos
pescadores ingleses, eles tinham jaquetas vermelhas e tamancos de madeira
chamados sabots.
Paddington passara boa parte do tempo sentado na beira do cais com a
família Brown, observando o movimento do porto enquanto os barcos de
sardinha iam e vinham, e estava ansioso pela excursão daquele dia.
O almirante Grundy já estava a bordo de seu iate quando os Brown
chegaram e, assim que eles dobraram a esquina, levou um susto e então
encarou Paddington com um olhar muito duro, debaixo de suas
sobrancelhas peludas.
– Pelas barbas de Netuno! – ele esbravejou. – O que é isso? Está
esperando uma tormenta?
– Quem é Netuno? É um amigo seu, senhor Grundy? – perguntou
Paddington, interessado. Ele olhou dentro do barco do almirante, mas não
parecia haver mais ninguém ali.
– Acho que ele só ficou surpreso com sua calça de lona – sussurrou
Judy, quando o almirante olhou para o sol e então de volta para Paddington.
– Minha calça de lona? – perguntou Paddington, exaltado, devolvendo o
olhar duro ao almirante. – Foi feita especialmente pela senhora Bird!
Recuperando-se, o almirante estendeu a mão para a sra. Bird num gesto
cavalheiresco.
– Bem-vinda a bordo, minha senhora – ele a saudou. – Espero não tê-la
ofendido. Agora venham. Mulheres e ursos primeiro.
– Você pode ir lá para a frente, urso – ele disse enquanto Paddington
embarcava. – Fique vigiando e preste atenção às minhas instruções.
Depois de bater com a pata na aba do chapéu, Paddington andou
depressa pelo convés até chegar à frente do barco. Não sabia muito bem o
que devia vigiar, mas ficou feliz de ter trazido seu binóculo de ópera e
passou vários instantes observando o horizonte através dele.
Embora ele não quisesse ofender a sra. Bird depois de todo o trabalho
que ela tivera, Paddington estava começando a se arrepender de não ter
aceitado o conselho do almirante Grundy e guardado seu traje marítimo
para o caso de uma tempestade. Além de estar muito calor, os suspensórios
ficavam escorregando de seus ombros e ele tinha de segurar a calça com
uma pata só, o que dificultava bastante a tarefa de vigiar.
De repente ele foi despertado de seus devaneios por um berro vindo do
fundo do iate.
– A postos, tripulação! – trovejou o almirante, inspecionando o barco.
– Fique de olho na flâmula! – ele gritou, apontando para uma pequena
bandeira triangular na ponta do mastro. – Ela diz em que direção o vento
está soprando – ele explicou à sra. Bird, que estava se abrigando na popa
embaixo de sua sombrinha. – É importantíssimo!
– Verifique se o cordame está bem amarrado na popa! – ele berrou para
o sr. Brown, que estava em algum lugar dentro da cabine. – A postos para
zarpar, urso!
Em sua posição na parte da frente do iate, Paddington ficava cada vez
mais confuso com todos esses gritos. Velejar era muito mais complicado do
que ele imaginara, e ele não estava escutando direito por causa daquele
chapéu que tapava suas orelhas.
Primeiro de tudo, parecia que o almirante dissera alguma coisa sobre
ficar de olho na lâmina. Ele não estava vendo nenhuma faca nem outro
objeto cortante, mas agora estava com medo de se machucar sem querer.
Então o almirante mandara verificar se o cordão estava bem amarrado
na roupa. A calça dele não tinha cordão nenhum, estava presa pelos
suspensórios, e não muito firme. Por isso, para garantir, ele pegou a
primeira corda que viu na frente e amarrou bem apertada em volta da
cintura.
– A postos! – berrou o almirante. – Vou içar a vela mestra.
– Não há nada como um bom veleiro – ele continuou com satisfação,
enquanto puxava a corda. – Detesto barcos a motor.
– De fato, é muito bonito de ver – disse a sra. Brown quando a grande
vela branca começou a se inflar com a brisa. Ela parou de falar e olhou para
o almirante. – Tem alguma coisa errada? – ela perguntou.
– Onde é que foi parar o jovem urso camarada de vocês? – trovejou o
almirante. – Não vão me dizer que ele caiu no mar!
– Ai, meu Pai do céu! – exclamou a sra. Bird, aflita. – Aonde diabos ele
pode ter ido?
Os Brown olharam para dentro da água pela amurada do barco, mas não
viram nem ouviram Paddington em lugar algum.
– Não estou vendo nenhuma bolha – disse o almirante. – E não escutei
nada. Mas, também, eu não ouviria nem a sirene de um petroleiro com toda
essa algazarra que está acontecendo na praia. Muito menos os gritos de um
urso!
Os Brown olharam para lá. Agora que o almirante tinha mencionado, de
fato parecia haver um grande tumulto. Vários dos pescadores no cais
estavam agitando os braços, e alguns estavam apontando para o céu.
– Carambolas! – vociferou o almirante, ficando em pé e protegendo os
olhos contra o sol. – Ele está pendurado lá em cima. Ficou içado no meu
mastro principal!
– Eu só estava amarrando o cordão na roupa – disse Paddington
ofegante e parecendo muito ofendido, enquanto o almirante o baixava de
volta até o convés. – Minha calça de lona realmente estava meio frouxa, e
acho que devo ter pegado a corda errada por engano.
– Estou achando – disse a sra. Bird, intercedendo rapidamente para
acalmar a situação e antes que o almirante tivesse tempo de se pronunciar –
que é melhor você sentar aqui no fundo comigo, sem correr riscos.
Já havia uma multidão reunida na beira do cais, e a sra. Bird não gostou
da expressão no rosto do almirante. Sua cara tinha agora um tom
desagradável de roxo.
Paddington limpou a poeira do corpo e então se sentou aliviado no
banco ao lado da sra. Bird, enquanto a paz se restaurava e o almirante
preparava-se outra vez para zarpar.
Em questão de minutos, tudo estava ajustado, e pouco tempo depois eles
já tinham saído do porto e estavam deslizando pelas águas.
Enquanto Jonathan e Judy ficaram sentados no convés, olhando as
cristas das ondas chocarem-se contra a proa do iate, o sr. Brown armou sua
vara de pesca, e até Paddington experimentou pescar pela amurada da popa
com um pedaço de barbante e um alfinete entortado que a sra. Bird havia
encontrado em sua bolsa.
Tudo era tão novo e interessante que a viagem até a ilha aconteceu num
piscar de olhos, e logo eles já estavam desembarcando.
Além de todas as coisas do almirante, o sr. Brown trouxera uma barraca
de camping e uma grande cesta de comida que a sra. Bird comprara na loja
do vilarejo. Enquanto Jonathan, Judy e Paddington preparavam-se para
explorar a ilha, o almirante e o sr. Brown começaram a descarregar o iate.
Foi quando eles voltaram para buscar uma segunda leva de coisas que o
almirante, de repente, deu um berro extraforte e começou a apontar para o
mar enquanto corria freneticamente pela praia.
– Está à deriva! – ele gritou. – Meu iate está à deriva!
Assustados, os Brown seguiram a direção do olhar do almirante e viram
o iate dançando sobre as ondas a alguns metros da praia, rumo ao mar
aberto.
– Pelas barbas de Netuno! – urrou o almirante. – Ninguém amarrou o
barco?
Os Brown se entreolharam. Na empolgação de aportar na ilha, eles
tinham deixado essa tarefa para o almirante.
– Achamos que o senhor tinha feito isso – disse o sr. Brown.
– Cinquenta anos no mar – rosnou o almirante, pisando duro de um
lado para o outro na praia. – Jamais perdi um navio, muito menos fiquei
ilhado. Que raios de tripulação!
– O senhor não pode mandar um sinal de socorro ou algo assim? –
perguntou a sra. Brown, desolada.
– Não posso – resmungou o almirante. – Os sinalizadores ficaram a
bordo!
– Meus fósforos também – disse o sr. Brown. – Por isso não podemos
nem acender uma fogueira.
O almirante Grundy continuou andando de lá para cá na praia,
chutando a areia e resmungando sozinho, até que parou e apontou para a
barraca do sr. Brown.
– Vou armar meu quartel-general na grama, ali na parte de cima! – ele
exclamou. – Preciso de silêncio enquanto penso numa maneira de avisar os
rapazes no continente sobre o que aconteceu.
– Eu ajudo, se você quiser, senhor Grundy – disse Paddington, ansioso
para contribuir.
– Obrigado, urso – disse o almirante num tom ríspido. – Mas você terá
que tomar cuidado com seus nós. Não quero que a barraca saia voando
assim que eu entrar nela.
Deixando a família Brown desconsolada na praia enquanto discutiam a
ideia de passar a noite na ilha, o almirante pegou a barraca e foi andando em
direção à parte mais alta da praia, seguido logo atrás por Paddington.
O urso estava muito interessado na barraca do sr. Brown. Já tinha
deparado com ela uma ou duas vezes quando estava explorando o sótão na
casa dos Jardins de Windsor, mas nunca tinha visto ninguém usá-la.
Quando eles chegaram à grama, ele se sentou numa pedra ali perto e ficou
assistindo atentamente enquanto o almirante desamarrava a bolsa da
barraca e estendia uma grande lona branca no chão, junto com hastes de
madeira de comprimentos diferentes e uma série de cordas.
Depois de encaixar as hastes de madeira para formar duas hastes
maiores, o almirante ajustou a lona sobre elas e então levantou tudo junto
no ar.
– Eu seguro as hastes, urso! – ele berrou, desaparecendo dentro da
barraca. – Você prende as cordas. Procure as estacas dentro da bolsa.
Paddington levantou-se da pedra com um pulo. Não estava muito a fim
de lidar com mais cordas nem sabia o que eram estacas, mas estava contente
de poder fazer alguma coisa útil afinal. E, enquanto corria até lá e espiava
dentro da bolsa, ficou ainda mais contente ao ver que, além de uma marreta
e alguns pedaços de madeira, havia um manual de instruções.
Paddington gostava de manuais de instruções – principalmente quando
havia várias figuras neles, e os do sr. Brown pareciam ter um montão delas.
Na capa havia uma foto mostrando um homem martelando os pedaços de
madeira no chão, e, embora fosse um homem gordinho e alegre usando
bermuda – nada parecido com o almirante, que era muito resmungão –,
Paddington teve certeza de que aquele manual ajudaria bastante.
– O que está acontecendo, urso? – gritou o almirante com uma voz
abafada. – Vamos logo com isso. Não vou mais aguentar segurar por muito
tempo.
Paddington olhou para cima e viu, para sua surpresa, que o almirante e a
barraca não estavam mais no lugar de antes. Havia uma brisa forte soprando
agora que eles estavam longe da praia, e o almirante parecia ter alguma
dificuldade de ficar parado enquanto a lona se inflava como a vela do barco.
– Aguente aí, senhor Grundy! – gritou Paddington, agitando a marreta
no ar. – Estou indo.
Depois de consultar as instruções várias vezes, ele pegou um punhado de
estacas e correu até o lugar onde o almirante estava lutando com a barraca.
Paddington adorava martelar e passou alguns minutos muito agradáveis
cravando todas as estacas no chão e amarrando as diversas cordas antes de
puxá-las para ficarem bem esticadas, como o almirante mandara.
Havia um montão de cordas. Na verdade, parecia haver muito mais do
que as que apareciam na foto, e Paddington teve de fazer várias viagens de
volta até a bolsa para pegar mais estacas, de modo que tudo aquilo demorou
muito mais do que ele estava esperando.
Além disso, o almirante não parava de gritar para ele ir mais depressa,
deixando-o cada vez mais confuso. E os nós, em vez de ficarem bonitinhos e
perfeitos como os das fotos nas instruções, começaram a sair bastante
emaranhados, como uma peça de tricô que deu errado.
– Essa barraca é nova? – perguntou a sra. Bird, observando da praia o
que estava acontecendo lá em cima.
– Não – respondeu o sr. Brown. – É a mesma de antes. Por quê?
– Me parece diferente – disse a sra. Bird. – É um formato muito
estranho. Está meio alta e frouxa.
– Minha nossa! – exclamou o sr. Brown. – É mesmo.
– Acho – disse a sra. Bird – que é melhor nós irmos olhar o que está
acontecendo. Isso não me parece nada bem.
Ao dizer que a barraca não parecia nada bem, a sra. Bird estava
pensando exatamente o mesmo que Paddington. Após finalmente terminar
de cravar todas as estacas e dar todos os nós, ele ficou em pé para admirar
sua obra e descobriu, para sua surpresa, que o almirante tinha desaparecido.
Mesmo a barraca parecia muito diferente da que eles mostravam na
última página do manual de instruções. A da foto era quase como uma
casinha, com o homem de bermuda todo feliz e contente abrindo um
sorriso enorme enquanto saía por uma portinha lateral e acenava para um
grupo de espectadores admirados. Enxugando a testa e olhando para a
barraca do sr. Brown, até Paddington teve de admitir para si mesmo que
aquilo mais parecia uma enorme trouxa de roupa suja, com vários calombos
saindo pelos lados.

Ele logo deu uma volta em torno da barraca, examinando-a bem de


perto, mas não havia nenhuma abertura por onde alguém pudesse sair,
muito menos algo parecido com uma porta. Ainda pior, não havia nada
parecido com um almirante sorridente. Ele tinha sumido, como por mágica.
Aflito, Paddington deu uma batidinha com a marreta numa das
saliências na lateral.
– Você está aí, senhor Grundy? – ele chamou.
– Ahhhhh – veio uma explosão lá de dentro. – ESSA ERA MINHA
CABEÇA!
Paddington pulou para trás como se tivesse levado um tiro e quase
tropeçou numa das cordas esticadas em sua pressa de fugir.
– Me tire daqui, urso! – rosnou o almirante. – Vou mandar
acorrentarem você por isso!
Paddington não tinha nenhuma vontade de ser acorrentado e foi logo
consultar novamente o manual de instruções, para o caso de ter pulado uma
página por engano, mas não havia uma seção sobre como desmontar a
barraca depois que estivesse armada, muito menos uma instrução sobre o
que fazer em caso de pessoas desaparecidas.

Ele tentou puxar com força uma das cordas, mas isso só pareceu piorar
tudo; quanto mais forte ele puxava, mais o almirante berrava.
– Paddington! – exclamou a sra. Brown quando eles chegaram ali, bem a
tempo de serem recebidos por um urro especialmente alto do almirante. –
Que diabos está acontecendo?
– Não sei, senhora Brown – disse Paddington. – Acho que devo ter
cruzado as cordas. É meio difícil fazer isso com patas.
– Puxa! – falou Jonathan admirado, debruçando-se para examinar a
barraca. – E olha que cruzou mesmo. Nunca vi alguém dar nós desse jeito.
Nem os escoteiros-
-mirins.
– Ai, minha nossa! – disse a sra. Bird. – É melhor a gente fazer alguma
coisa depressa. Ele vai sufocar.
Os Brown se agacharam e examinaram as cordas uma por uma, mas,
quanto mais eles puxavam, mais apertados ficavam os nós, e mais abafados
soavam os gemidos do almirante.
Foi quando eles estavam perdendo a esperança de conseguir libertá-lo
que aconteceu uma interrupção totalmente inesperada. Os Brown estavam
tão concentrados no problema de desamarrar os nós de Paddington que não
tinham percebido toda a movimentação que estava acontecendo na praia.
Só se deram conta quando ouviram vozes bem próximas e, ao erguer o
olhar, viram um grupo de pescadores do vilarejo vindo na direção deles.
– Nós vimos seu pedido de socorro, monsieur – disse o líder do grupo
em um inglês rudimentar.
– Nosso pedido de socorro? – repetiu o sr. Brown.
– Isso mesmo, monsieur – disse o pescador. – Vimos a muitos
quilômetros de distância. O jovem urso do hotel sacudindo um pano branco
em sinal de perigo. E então achamos o barco do monsieur almirante à
deriva, por isso viemos resgatá-los.
O sr. Brown deu um passo para trás e deixou os pescadores se
aproximarem da barraca para inspecionar os nós.
– Será que é só o Paddington? – ele perguntou. – Ou todos os ursos
nascem com essa sorte toda?
– Grrrrr! – rosnou o almirante pela enésima vez, quando lhe repetiram a
história do resgate.
Mesmo os pescadores tinham demorado algum tempo para desfazer os
nós de Paddington, e, quando finalmente conseguiram libertar o almirante,
o rosto deste estava da cor de uma lagosta recém-cozida. Mas, quando ouviu
a notícia de que seu iate tinha sido encontrado e estava ancorado em
segurança na baía, ele logo se acalmou de novo. Com o passar do dia, foi
ficando mais alegre e até participou de algumas brincadeiras na praia.
– Acho que preciso agradecer a você, urso – ele disse em sua voz grossa
na viagem de volta, estendendo a mão. – Queria ter tido mais tripulantes do
seu quilate a bordo do meu navio, nos bons e velhos tempos. Nunca me
diverti tanto.
– Não há de quê, senhor Grundy – disse Paddington, oferecendo a pata
para cumprimentá-lo. Ainda não entendia direito por que todo mundo
estava lhe agradecendo, principalmente porque achava que iam ficar
zangados com ele, mas ele não era o tipo de urso que questionava a sorte.
– Imagino que você goste de chocolate quente – disse de repente o
almirante.
Paddington arregalou os olhos.
– Sim, por favor! – ele exclamou. E até os Brown ficaram muito
surpresos de o almirante saber uma informação dessas.
– Não atravessei os sete mares sem aprender uma coisa ou outra sobre
os hábitos dos ursos – disse o almirante.
Ele protegeu os olhos com a mão enquanto eles entravam no porto, e o
sol poente tremeluziu por um instante atrás das casas.
– Duvido que vocês já tenham experimentado um verdadeiro chocolate
de navio – ele disse. – Sou eu mesmo que preparo num balde. Que tal virem
tomar uma xícara na minha cabine antes de irem deitar?
A família Brown respondeu com um “Sim! Sim!” entusiasmado, e até
Paddington teve permissão de levantar ambas as patas para mostrar seu
apoio. Tinha sido um dia muito emocionante e divertido, e, embora
nenhum deles tivesse visto nem a sombra de uma sardinha, muito menos
pescado uma, todos concordaram que não havia nada como uma xícara de
um verdadeiro chocolate de navio para terminar o dia no melhor estilo
marinheiro.
7
PADDINGTON
PÕE O PÉ NA
ESTRADA

M onsieur Dupont olhou espantado para Paddington.


– Você está me dizendo, monsieur le Urso, que nunca ouviu falar
de le cyclisme?! – ele exclamou.
– Nunca, senhor Dupont – disse Paddington sinceramente.
– Ora! – disse o monsieur Dupont, levantando as mãos no ar. – Todo
mundo deveria assistir a uma verdadeira corrida de bicicleta. É muito
emocionante. E você realmente deu sorte, pois a corrida que vai passar pelo
nosso vilarejo amanhã é a maior de todas.
Monsieur Dupont fez uma pausa para deixá-lo absorver suas palavras.
– O nome da corrida é Tour de France – ele continuou, num tom
imponente. – Dura vinte dias, e vêm pessoas do mundo inteiro para vê-la.
Paddington ficou escutando com atenção enquanto o monsieur Dupont
explicava como era uma honra participar daquela corrida e como ela
atravessava o vilarejo não uma única vez, mas várias.
– Ela sobe a colina – disse o monsieur Dupont –, contorna as casas e
desce a colina de novo. Assim todo mundo terá uma chance de vê-la.
– Aliás – ele continuou –, há inclusive um prêmio para quem vencer a
descida da colina até o vilarejo. Pense nisso, monsieur le Urso!
Nesse instante o monsieur Dupont precisou atender um cliente, e assim,
depois de lhe agradecer muito por aquela explicação, Paddington saiu da
padaria e atravessou a praça correndo para dar outra olhada no cartaz que
havia despertado seu interesse.
Era um grande cartaz colado na parede de uma loja e mostrava uma
longa estrada sinuosa repleta de homens montados em bicicletas. Todos
vestiam camisetas com cores vivas e tinham no rosto uma expressão muito
séria, curvados sobre seus guidões. Deviam ter feito uma longa viagem, pois
todos pareciam cansados e com calor. Um deles estava até comendo um
sanduíche enquanto pedalava.
Ver aquele sanduíche fez Paddington lembrar que já era quase hora do
seu chocolate das onze, mas, antes de voltar ao hotel para buscar o pote de
geleia, ele passou alguns minutos com o livro de frases do sr. Gruber,
decifrando as palavras impressas em letras pequenas na parte de baixo do
cartaz.
Paddington estava muito interessado na ideia de alguém poder ganhar
um prêmio simplesmente por ser a pessoa mais rápida a descer uma colina
em uma bicicleta. Não pela primeira vez desde que saíra de férias, ele
começou a desejar que o sr. Gruber estivesse ali para lhe explicar as coisas.
Havia uma expressão pensativa em seu rosto quando ele andou até o
lugar onde os Brown estavam sentados em frente ao hotel e, várias vezes
durante os quinze minutos seguintes, ele estava tão distraído que mergulhou
a pata na xícara de chocolate, em vez do pote de geleia.
Mais tarde naquela manhã, quando Paddington chegou à praia,
correndo pela areia, sacudindo seu balde e sua pá, com cara de quem tinha
feito um bom trabalho, os outros já estavam ali fazia um bom tempo.
– Que diabos você estava fazendo, Paddington? – perguntou a sra.
Brown. – Já estávamos ficando preocupados.
– Oh! – exclamou Paddington, apontando vagamente na direção do
vilarejo. – Coisas, senhora Brown.
A sra. Brown olhou desconfiada para ele. Agora que o urso estava mais
próximo, ela viu várias marcas escuras nos pelos dele que pareciam velhas
manchas de óleo, mas, antes que ela tivesse tempo de examiná-las de perto,
Paddington já tinha partido de novo na direção do mar.
– É melhor você não se atrasar amanhã, Paddington – disse o sr. Brown.
– É a grande corrida de bicicleta. Você tem que assistir.
Para espanto de todos, as palavras do sr. Brown surtiram um efeito
muito estranho em Paddington, pois ele quase caiu para trás de tanta
surpresa, e seu rosto foi tomado por uma expressão de culpa, enquanto ele
se recompunha e corria para dentro da água o mais rápido que podia,
lançando uns olhares aflitos por cima do ombro.
A sra. Brown deu um suspiro.
– Às vezes – ela disse – eu daria qualquer coisa para ler a mente do
Paddington. Tenho certeza de que é interessantíssima.
– Hum! – fez a sra. Bird num tom severo. – Às vezes tenho certeza de
que é muito melhor não ler a mente dele! Nunca teríamos um momento de
paz. Agora mesmo, ele parecia contente demais para o meu gosto.
Assim, os Brown se acomodaram para apreciar o sol. Com as férias
quase chegando ao fim, eles queriam aproveitá-las ao máximo, e o
comportamento estranho de Paddington foi logo esquecido.
Mas a sra. Brown ainda estava preocupada com aquilo quando eles
foram para a cama naquela noite. Paddington se enfurnara no quarto mais
cedo que de costume, e agora vinham umas batidas estranhas do quarto
dele, um som do qual ela não gostava nem um pouco.
Depois de passar alguns instantes com o ouvido colado na parede, ela
chamou o marido com um gesto.
– Acho que ele deve estar fazendo uns sanduíches de geleia, Henry – ela
disse. – Escute.
– Fazendo sanduíches de geleia? – perguntou o sr. Brown. – Não
entendo como uma pessoa pode ouvir alguém fazendo sanduíches de geleia.
– No caso do Paddington, dá para ouvir – disse a sra. Brown. – Você
ouve o barulho dos potes. Quando ele está comendo, só mergulha as patas e
você ouve a respiração, mas, quando está fazendo sanduíches, ele usa uma
colher e você também ouve os estalos.
– Então devem ser sanduíches enormes – disse o sr. Brown vagamente,
levantando-se. – Ele está bufando feito um condenado. Soa como alguém
enchendo o pneu de uma bicicleta.
O sr. Brown tinha seu próprio problema para resolver naquele momento
e não podia se preocupar com os sanduíches de geleia do Paddington.
Acabara de fazer a surpreendente descoberta de que sua toalha de rosto, que
ele deixara para secar na varanda do quarto, simplesmente desaparecera, e
em seu lugar alguém deixara um trapo velho, cheio de óleo preto. Era muito
estranho, e ele não conseguia pensar numa explicação de como aquilo tinha
acontecido.

Sem saber de todo o interesse que estava despertando no quarto ao lado,


Paddington sentou-se no chão de seu quarto com um sanduíche de geleia
numa pata e uma grande chave de boca na outra.
Dos dois lados dele havia várias caixas de papelão cheias de peças
diferentes e, além delas, uma lata de óleo, uma bomba para bicicleta e uma
série de ferramentas que pareciam muito importantes.
Diante dele – parecendo novinho em folha e tão brilhante que ele
enxergava o reflexo do seu bigode na superfície polida – havia um pequeno
triciclo, e Paddington tinha uma expressão radiante no rosto enquanto dava
grandes mordidas no sanduíche e examinava o resultado do trabalho
daquela noite.
Paddington tinha visto o triciclo pela primeira vez alguns dias antes,
parado num gramado em frente a uma oficina mecânica do outro lado do
vilarejo, mas, até o monsieur Dupont lhe contar sobre a corrida de bicicleta,
ele não pensara mais no assunto.
O homem da oficina tinha ficado muito surpreso quando Paddington
fora falar com ele, e primeiro teve certa apreensão em alugar o triciclo para
um urso, principalmente porque Paddington não tinha nenhuma referência
além de uns velhos cartões-postais de sua tia Lucy.
Mas Paddington era um bom negociante e, depois de prometer limpar o
triciclo, finalmente conseguira o que queria. O homem da oficina tinha até
lhe emprestado sua lata de óleo, que se revelara bem útil, pois o triciclo
tinha ficado ali parado do lado de fora durante vários anos e estava bastante
enferrujado.
Por sorte, ele tinha encontrado um pedaço de pano na varanda em
frente ao quarto do sr. Brown e, por isso, conseguira limpar a pior parte da
sujeira antes de se dedicar à tarefa importante de desmontar e polir o
triciclo.
Mesmo assim, tinha sido muito mais fácil desmontá-lo do que montá-lo
de novo, e, quando Paddington terminou seu sanduíche, notou, para sua
surpresa, que uma ou duas peças de aparência estranha tinham sobrado nas
caixas de papelão.
Depois de amarrar sua bandeira do Reino Unido no guidão em
preparação para o dia seguinte, Paddington guardou o resto dos sanduíches
de geleia na cestinha do triciclo e então, com brilho nos olhos, montou no
selim.
Ele estava ansioso para testar o triciclo, mas, assim que começou a se
mover, logo descobriu que andar naquilo era muito mais complicado do que
parecia, e ele queria ter pernas mais longas, com joelhos, pois era difícil
pedalar e ficar sentado no selim ao mesmo tempo.
Além disso, por algum motivo que ele não entendeu direito, era
dificílimo parar o triciclo, mesmo puxando todas as alavancas. Várias vezes
ele acabou batendo no guarda-roupa e, quando terminou seu teste, havia
também uma série de marcas de pneu bem feias no papel de parede. Em
certo momento, enquanto ele contornava a cama, a corrente se soltou,
quase arremessando-o por cima do guidão.
Depois de dar várias voltas no quarto, Paddington caiu do triciclo e ficou
deitado onde estava por alguns momentos, enxugando a testa com um velho
lenço. Andar de triciclo era uma atividade intensa, principalmente num
espaço tão pequeno quanto um quarto de hotel, e, após examinar seu
reflexo no guidão uma ou duas vezes, ele decidiu com certa relutância
encerrar as atividades por aquele dia.
Ao mesmo tempo, por mais cansado que estivesse, Paddington teve
dificuldade para cair no sono naquela noite. Além do fato de ter de deitar de
costas, com as patas no ar para não manchar os lençóis de óleo, ele também
tinha muitas outras coisas para pensar.
Mas havia uma expressão de contentamento em seu rosto quando ele
finalmente adormeceu. Tinha sido uma noite produtiva, e ele estava ansioso
para chegar o dia seguinte. Paddington tinha certeza de que, com um
triciclo tão limpo e brilhante, havia realmente uma ótima chance de ganhar
um prêmio na corrida de bicicleta Tour de France.
Na manhã seguinte, os Brown foram despertados mais cedo que de
costume pela movimentação na praça em frente ao hotel. Como por mágica,
todos aqueles enfeites do pardon tinham reaparecido de repente, e o vilarejo
estava cheio de homens de aspecto importante usando fitas nos braços.
Havia no ar uma grande animação, e a cada poucos minutos um furgão
com um alto-falante passava e falava com a multidão reunida na calçada em
volta da praça e na encosta da colina que dava para fora do vilarejo.
Os Brown haviam combinado de se encontrar na varanda em frente ao
quarto de Paddington, de onde havia uma boa vista da colina, mas, para sua
surpresa, quando eles se reuniram ali, o próprio Paddington não estava em
parte alguma.
– Espero que ele não demore – disse a sra. Brown. – Vai ficar muito
chateado se perder alguma parte da corrida.
– Onde diabos ele pode ter ido? – perguntou o sr. Brown. – Não vejo o
Paddington desde o café da manhã.
– Hum! – disse a sra. Bird, dando uma olhada no quarto. – Eu tenho
minhas suspeitas.
Os olhos afiados da sra. Bird já tinham notado os restos de umas marcas
de pneu no chão limpadas às pressas. As marcas davam várias voltas no
quarto e então saíam pela porta, antes de finalmente desaparecer na direção
de uma escadaria que levava para a porta dos fundos do hotel.
Felizmente para Paddington, antes que a sra. Bird tivesse tempo de dizer
qualquer outra coisa, a multidão lá embaixo na calçada de repente começou
a aplaudir, e assim aquele assunto foi esquecido enquanto os Brown
olhavam pela varanda para ver o que estava acontecendo.
– Que coisa esquisita – disse a sra. Brown, quando os aplausos ficaram
mais fortes e várias pessoas gritaram. – Eles parecem estar apontando para
nós.
Os Brown foram ficando cada vez mais perplexos enquanto acenavam
de volta para a multidão.
– O que será que eles querem dizer com “Vive le Urso”? – perguntou o
sr. Brown. – Não pode ter nada a ver com o Paddington… ele não está aqui.
– Não faço a mínima ideia – disse a sra. Brown. – Imagino que vamos
ter de esperar para ver.
Os Brown mal podiam saber que não eram os únicos a se perguntar o
que estava acontecendo naquele momento, mas, felizmente para sua paz de
espírito, a causa de todo aquele alvoroço estava a várias ruas de distância
deles.
Do outro lado do vilarejo, Paddington estava ainda mais desnorteado
com a maneira como tudo estava acontecendo. Na verdade, quanto mais ele
tentava pensar no assunto, mais confuso ficava. Num momento ele estava
sentado quieto em seu triciclo numa rua lateral, espiando pela esquina de
vez em quando e conferindo os sanduíches de geleia na cestinha do guidão
enquanto esperava a corrida aparecer.
No momento seguinte, quando os primeiros ciclistas surgiram e ele
pedalou para se juntar a eles, tudo pareceu dar errado ao mesmo tempo.
Antes que pudesse se dar conta de onde estava, Paddington viu-se preso
no meio de um turbilhão de bicicletas, pessoas gritando, policiais e
campainhas.
Ele pedalou o mais rápido possível e levantou o chapéu para vários dos
outros ciclistas, mas, quanto mais ele pedalava e mais levantava o chapéu,
mais alto eles gritavam e acenavam de volta, e nessa hora era tarde demais
para mudar de ideia e recuar, mesmo que ele tentasse.
Para onde quer que olhasse, havia bicicletas e homens vestindo short e
camiseta listrada. Havia bicicletas à sua frente. Havia bicicletas à sua
esquerda e bicicletas à sua direita. Paddington estava tão ocupado
pedalando desenfreadamente que não podia olhar para trás, mas tinha
certeza de que havia bicicletas atrás dele também, pois ouvia respirações
pesadas e o som de campainhas.
No meio daquela balbúrdia, alguém lhe entregou uma garrafa de leite
quando ele passou; ao tentar pegar a garrafa com uma pata e levantar o
chapéu com a outra, Paddington precisou soltar o guidão. Ele deu duas
voltas em uma estátua no meio da rua antes de se juntar mais uma vez ao
fluxo de ciclistas enquanto eles dobravam a esquina e pegavam uma rua que
levava para fora do vilarejo.
Por sorte, a rua era uma subida e muitos dos outros ciclistas estavam
cansados após sua longa viagem, de modo que, ficando em pé nos pedais e
pulando para cima e para baixo o mais depressa que podia, Paddington
conseguiu acompanhar o ritmo deles.
Foi quando eles chegaram ao topo da colina e dobraram outra esquina
que descia de volta para o vilarejo que, de repente, as coisas mudaram – sem
dúvida alguma para pior. Quando estava prestes a acomodar-se no selim e
descansar um pouco para recuperar o fôlego, Paddington descobriu, para
sua surpresa, que mesmo sem precisar mexer nos pedais ele estava
começando a acelerar.
Na verdade, ele mal teve tempo de acenar para a multidão antes de
perceber que estava começando a ultrapassar os ciclistas da frente. Passou
por um, depois por outro, e então por um monte deles. Os ciclistas
pareciam bastante assustados quando Paddington passou a toda velocidade,
e a torcida dos espectadores ao longo da rua foi ficando mais efusiva. Vários
deles o reconheceram e gritaram palavras de incentivo, mas nesse momento
Paddington estava preocupado demais para notar.
Ele tentou puxar a alavanca do freio com toda a força que tinha, mas
nada aconteceu. Na verdade, ele parecia mesmo estar indo mais rápido do
que nunca, e começou a se arrepender de ter usado tanto óleo nas partes
móveis do triciclo quando o limpou.
Nessa hora, os pedais estavam girando tão rápido que ele se sentou no
selim e sem demora levantou os pés, com medo de que suas pernas fossem
arrancadas.
Foi quando deu um puxão extraforte na alavanca do freio que ele levou
seu segundo susto do dia, pois de repente a alavanca saiu na sua pata.
Paddington tocou a campainha freneticamente e sacudiu a alavanca no ar
enquanto ultrapassava os últimos ciclistas na frente da corrida.
– Use os freios, monsieur le Urso! – gritou um homem ao reconhecer a
bandeira do Reino Unido no guidão de Paddington.
– Acho que não consigo! – gritou Paddington, parecendo muito
angustiado enquanto passava em disparada. – A alavanca saiu na minha
pata por engano, e acho que deixei algumas peças na minha caixa no hotel!
Paddington segurou-se com força no guidão do triciclo enquanto descia
a colina desembestado em direção à praça. Todos os moradores ficaram
muito entusiasmados ao ver quem estava vencendo a corrida e, quando ele
apareceu, comemoraram fervorosamente, mas, ao levantar a aba do chapéu
e espiar, aflito, só o que Paddington conseguia ver era um mar de rostos
brancos e a imagem desfocada de algumas casas surgindo à sua frente, e ele
não gostou nem um pouco daquilo.
Mas se Paddington estava preocupado, a família Brown alarmou-se
ainda mais.
– Minha Nossa Senhora! – exclamou o sr. Brown. – É o Paddington!
– Está indo direto para a loja do monsieur Dupont! – gritou a sra.
Brown.
– Não consigo assistir – disse a sra. Bird, fechando os olhos.
– Por que diabos ele não usa os freios? – perguntou o sr. Brown.
– Puxa vida! – exclamou Jonathan. – Ele não consegue! A alavanca do
freio soltou!
Foi o próprio monsieur Dupont quem salvou Paddington. Bem no
último segundo, sua voz ergueu-se acima da algazarra da multidão.
– Por aqui, monsieur le Urso! – ele gritou, abrindo o grande portão do
lado da loja. – Por aqui!
E, diante do olhar estupefato dos espectadores, Paddington passou pelo
portão a mil por hora e desapareceu lá dentro.
Enquanto o restante dos ciclistas passava depressa, a multidão os
ignorou e avançou em massa para a padaria do monsieur Dupont. Os Brown
mal tinham acabado de conseguir abrir caminho entre as pessoas até a
frente da loja quando todos disseram “Oh!” ao ver uma pequena figura
branca surgindo no portão.
Até Paddington pareceu muito preocupado ao ver seu reflexo na vitrine
do monsieur Dupont e beliscou-se várias vezes para garantir que estava
bem, antes de erguer o chapéu para a multidão, revelando um pequeno
círculo de pelos marrons.
– Não sou um fantasma – ele explicou, depois que as pessoas ficaram
em silêncio. – Acho que devo ter caído num dos sacos de farinha do senhor
Dupont!
E, enquanto a multidão se reunia em volta de Paddington para
cumprimentá-lo, apertando sua pata, o monsieur Dupont expressou o
sentimento de todos.
– Nós de Saint-Castille – ele anunciou – nos lembraremos por muitos
anos do dia em que o Tour de France passou pelo nosso vilarejo.
Houve uma grande comemoração na praça naquela noite, e todos
aplaudiram quando o prefeito anunciou que estava dando a Paddington um
prêmio especial, incluindo todos os pãezinhos que ele pudesse comer.
– Não por ser o mais rápido a cruzar o vilarejo – ele disse, entre
aplausos e risadas –, mas certamente por ser o mais rápido a descer a colina!
Estamos muito orgulhosos de que alguém do nosso vilarejo tenha ganhado o
prêmio.
Até o almirante Grundy apareceu no hotel especialmente para dar os
parabéns a ele.
– Folgo em saber que você segue agitando a velha bandeira, urso – ele
disse, em tom de aprovação.
Paddington sentiu-se muito satisfeito consigo mesmo quando estava
sentado na cama naquela noite, rodeado de pãezinhos. Além de ter uma
pata pendurada numa tipoia, estava começando a ficar com o corpo
endurecido depois de tanto pedalar, e ainda havia restos de farinha nos seus
pelos, mesmo após vários banhos.
Mas, como o prefeito havia explicado, não se lembrava de um urso já ter
ganhado um prêmio na corrida Tour de France, e isso era motivo de
orgulho.
Na manhã seguinte, a família Brown acordou cedo de novo, pois era
hora de começar sua jornada de volta para a Inglaterra. Para sua surpresa,
todos os moradores do vilarejo pareciam ter acordado também para se
despedir deles.
Monsieur Dupont foi o último a dizer adeus e parecia muito triste de ver
a família Brown partindo.
– Vai ser um silêncio total sem você aqui, monsieur le Urso – ele disse,
apertando a pata de Paddington. – Mas espero que nos reencontremos um
dia.
– Eu também espero, senhor Dupont – falou o urso com sinceridade,
dando tchau com a pata e entrando no carro.
Embora estivesse ansioso para voltar para casa e contar tudo ao sr.
Gruber sobre suas aventuras no exterior, Paddington ficou muito triste por
ter de se despedir de todo o mundo, principalmente do monsieur Dupont.
– Tudo o que é bom chega ao fim, mais cedo ou mais tarde – disse a sra.
Brown enquanto eles partiam no carro. – E quanto melhor uma coisa é,
mais rápido ela parece terminar.
– Mas se elas não terminassem – disse sabiamente a sra. Bird – não
teríamos outras coisas para desejar no futuro.
Paddington concordou com a cabeça, pensativo, enquanto olhava pela
janela do carro. Ele se divertira infinitamente naquelas férias na França, mas
era bom saber que cada dia trazia algo novo.
– Essa é a melhor parte de ser um urso – disse a sra. Bird. – As coisas
acontecem com eles.

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