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Esta obra foi publicada originalmente em inglês com o título PADDINGTON HELPS

OUT por Collins, um selo da HarperCollinsPublishers Ltd.


Copyright © Texto: ©1960, Michael Bond
Ilustrações: © 1960, Peggy Fortnum e William Collins Sons and Co. Ltd.
Copyright © 2018, Editora WMF Martins Fontes Ltda.,
São Paulo, para a presente edição.

Todos os direitos reservados. Este livro não pode ser reproduzido, no todo ou em parte,
armazenado em sistemas eletrônicos recuperáveis nem transmitido por nenhuma forma ou
meio eletrônico, mecânico ou outros, sem a prévia autorização por escrito do editor.

1a edição digital 2018

Tradução
RAFAEL MANTOVANI

Acompanhamento editorial
Fabiana Werneck
Preparação de texto
Ana Alvares
Revisões
Marisa Rosa Teixeira
Richard Sanches
Paginação
Studio 3 Desenvolvimento Editorial

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Bond, Michael
Paddington tenta ajudar / Michael Bond; ilustrações Peggy Fortnum; tradução
Rafael Mantovani. – São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2018.
2,746 KB ; ePub

Título original: Paddington helps out.


ISBN 978-85-469-0207-1

1. Ficção – Literatura infantojuvenil I. Fortnum, Peggy. II. Título.


CDD-
18-13909
028.5
Índices para catálogo sistemático:
1. Ficção : Literatura infantil 028.5
2. Ficção : Literatura infantojuvenil 028.5

Todos os direitos desta edição reservados à


Editora WMF Martins Fontes Ltda.
Rua Prof. Laerte Ramos de Carvalho, 133 01325-030 São Paulo SP Brasil
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SUMÁRIO

1. Um piquenique no rio

2. Paddington dá o maior lance

3. Paddington e o “faça você mesmo”

4. Uma ida ao cinema

5. Uma coisa bizarra na cozinha

6. Problemas na lavanderia

7. Paddington vai jantar fora


1
UM PIQUENIQUE NO
RIO

P
addington ficou sentado na cama com
uma expressão confusa no rosto. Naquele endereço – Jardins de
Windsor, número 32 –, tudo acontecia seguindo horários rígidos,
principalmente o café da manhã, e era bastante incomum que alguma coisa
o despertasse assim tão cedo.
Ele deu uma boa olhada em volta, mas tudo no quarto parecia estar no
lugar certo.
A foto de sua tia Lucy, tirada pouco antes de ela ir morar na casa de
repouso para ursos, em Lima, estava na mesa ao lado da cama, junto com o
pote de geleia de laranja especial e vários outros objetos.
O velho chapéu e o casaco estavam pendurados na porta, e os centavos
peruanos, embaixo do travesseiro.
E o principal de tudo: quando ele levantou as cobertas e espiou debaixo
delas, sua maleta de couro com o compartimento secreto contendo o álbum
de recortes e uma série de papéis importantes ainda estava ali, ao pé da
cama.
Paddington deu um suspiro de alívio. Embora fizesse mais de um ano
que estava vivendo com a família Brown, ele nunca se acostumara de
verdade a ter seu próprio quarto, e não era o tipo de urso que acreditava em
correr riscos desnecessários.
Foi nesse momento, enquanto estava distraído enfiando a pata no pote
de geleia antes de voltar a dormir, que Paddington ergueu os ouvidos e
escutou com atenção.
Havia vozes – um monte de vozes – vindo do jardim. Ele ouviu várias
vezes uma porta bater, depois, ao longe, um barulho incrivelmente parecido
com o som de pratos sendo empilhados e, em seguida, o sr. Brown gritando
umas ordens.
Paddington desceu da cama e atravessou o quarto correndo até a janela.
Aquilo parecia interessantíssimo, e ele não gostava de pensar que podia
estar perdendo alguma coisa. Espiando pelo vidro da janela, quase caiu para
trás de susto com a cena que viu diante de seus olhos. Deu uma grande
baforada no vidro e esfregou com a pata para ter certeza de que não era
tudo um sonho.
Pois lá fora, no gramado, toda a família Brown – o sr. e a sra. Brown,
Jonathan e Judy – estava reunida em volta de uma grande cesta de vime.
Não só isso; enquanto ele olhava, a sra. Bird, a governanta, saiu da cozinha
carregando um prato enorme com uma pilha bem alta de sanduíches.
Paddington desceu do parapeito da janela e correu até o andar de baixo.
Era tudo muito misterioso, e definitivamente ele precisava investigar.
– O Paddington é infalível! – disseram todos quando ele entrou pela
porta da cozinha, no instante em que estavam fechando a tampa da cesta.
– Esse urso é capaz de farejar um sanduíche de geleia de laranja a um
quilômetro de distância – resmungou a sra. Bird.
– Sinceramente – disse Judy, apontando o dedo para ele –, era para ser
uma surpresa. Nós acordamos mais cedo especialmente para isso.
Paddington olhou de um para o outro, cada vez mais surpreso.
– Está tudo bem, Paddington – riu a sra. Brown. – Não precisa ficar
assustado. Só vamos fazer um piquenique no rio.
– E vai ter um concurso – anunciou Jonathan, sacudindo uma rede de
pesca. – Meu pai prometeu um prêmio para quem pegar o primeiro peixe.
Os olhos de Paddington foram ficando mais redondos.
– Um piquenique? – ele exclamou. – Acho que nunca fiz um
piquenique no rio antes.
– Que bom! – disse o sr. Brown, retorcendo energicamente o bigode. –
Porque hoje você vai fazer. Então vá logo tomar seu café da manhã. Está um
dia lindo, e é melhor nós aproveitarmos.
Não foi preciso dizer isso duas vezes, e, enquanto os Brown estavam
ocupados carregando o carro com o restante das coisas para o piquenique,
Paddington correu de volta para dentro da casa, onde o café da manhã
estava esperando. Ele gostava de fazer coisas novas, e estava muito animado
com aquele passeio. Uma das melhores coisas de morar com os Brown era a
quantidade de surpresas que ele tinha.
– Espero que eu nunca faça tudo o que existe, senhora Bird – disse
Paddington quando ela entrou na sala de jantar para ver se ele tinha
terminado a torrada com geleia. – Porque senão eu nunca mais teria
surpresas!
– Humm – respondeu a sra. Bird num tom severo, apressando-o para
que saísse. – Você vai ter uma surpresa se não lavar essas manchas de bacon
com ovos dos seus bigodes antes de partirmos. Nunca conheci um urso que
fizesse tanta sujeira.
Paddington fez cara de magoado enquanto desaparecia no corredor.
– Eu só estava tentando comer depressa, senhora Bird – ele explicou.
Mesmo assim, ele subiu correndo até o banheiro. Havia várias coisas
importantes a fazer antes de sair para o passeio. Primeiro de tudo, ele
precisava arrumar sua maleta, e então tinha de consultar seu atlas.
Paddington gostava muito de geografia e estava interessado na ideia de fazer
um piquenique no rio. Parecia algo bastante curioso.
– Não sei por quê – disse a sra. Bird, arrumando o chapéu, ao que
parecia, pela quadragésima vez –, mas sempre que esta família vai a algum
lugar leva coisas suficientes para sustentar um batalhão inteiro durante um
mês.
Os Brown estavam amontoados dentro do carro, sacudindo pela estrada
em direção ao rio. Além da família Brown, da sra. Bird e de Paddington,
havia a cesta de piquenique, um gramofone, uma pilha de discos, uma série
de pacotes e algumas redes de pesca – fora várias sombrinhas, uma barraca
e uma pilha de almofadas.
A sra. Brown se mexia desconfortável no banco, concordando com a sra.
Bird. A maleta de couro de Paddington estava espetando as costas dela, e
aquele chapéu velho, que ele insistia em usar para evitar uma insolação, lhe
fazia cócegas no rosto.
– Ainda falta muito? – ela perguntou.
Paddington, que estava sentado ao lado dela no banco da frente,
consultou seu mapa.
– Acho que é para virar na próxima à direita – ele anunciou, seguindo a
rota com a pata.
– Espero que sim – disse a sra. Brown. Eles já tinham virado na rua
errada mais cedo naquela manhã, quando Paddington seguira por engano
um pedaço de casca de laranja seca grudado no mapa.
– Imagine só, virar à direita numa casca de laranja – resmungou o sr.
Brown. – Aquele policial não gostou nem um pouco.
Ansioso para compensar seu erro, Paddington enfiou a cabeça pela
janela e farejou o ar.
– Acho que estamos chegando, senhor Brown – ele avisou. – Estou
sentindo um cheiro estranho.
– Isso é a refinaria de gás – disse o sr. Brown, seguindo a direção da pata
de Paddington. – O rio fica deste lado.
Assim que ele disse isso, eles fizeram uma curva e ali, bem diante deles,
estava uma grande extensão de água.
Os olhos de Paddington se iluminaram no instante em que todos saíram
do carro, e, enquanto os outros descarregavam os suprimentos, ele ficou
parado na beira da água examinando aquela cena. Estava muito
impressionado.
O passeio à margem do rio estava cheio de gente, e havia barcos por
toda parte. Barcos a remo, canoas, barcas e veleiros com velas brancas
infladas pelo vento. Enquanto ele observava, um barco a vapor abarrotado
de gente passou depressa, criando uma grande onda que se alastrou pela
água e fez todos os barcos menores balançarem. Todas as pessoas a bordo
pareciam muito alegres e contentes, e várias apontaram para Paddington e
acenaram.
Paddington respondeu ao gesto levantando o chapéu, e então virou-se
para os outros.
– Acho que vou gostar do rio – ele anunciou.
– Espero que sim, querido – disse a sra. Brown, apreensiva. – Afinal, a
surpresa era para você.
Ela olhou para a fileira de barcos ancorados junto ao cais. No dia
anterior, fazer um piquenique no rio tinha parecido uma ótima ideia do sr.
Brown. Mas agora que eles estavam ali de verdade, ela tinha, no fundo, uma
sensação incômoda, e sabia que a sra. Bird estava sentindo o mesmo. De
perto, os barcos pareciam terrivelmente pequenos.
– Tem certeza de que são seguros, Henry? – ela perguntou, olhando
nervosa para eles.
– Seguros? – repetiu o sr. Brown, andando na frente em direção ao cais.
– É claro que são seguros, Mary. Pode deixar que eu cuido de tudo.
– Vou deixar você encarregado de todas as cordas e apetrechos,
Paddington – disse ele. – Assim você pode pilotar.
– Muito obrigado, senhor Brown – disse Paddington, sentindo-se muito
importante. Seus olhos brilharam de entusiasmo enquanto ele subia no
barco e examinava tudo cuidadosamente com as patas.
– O barqueiro está um pouco ocupado – disse o sr. Brown, ajudando os
outros a entrar. – Por isso, eu disse que nós iríamos desatracar o barco
sozinhos.
– Paddington! – exclamou a sra. Brown, recolhendo do chão do barco o
melhor chapéu de sol da sra. Bird. – Preste atenção no que está fazendo com
essa rede de pesca. Você vai acabar arrancando a cabeça de alguém.
– Desculpe, senhora Bird – falou Paddington. – Eu só estava testando.
– Certo – disse o sr. Brown, instalando-se no seu assento e segurando os
remos com firmeza. – Vamos zarpar. Fique a postos no leme, Paddington.
– É para fazer o quê, senhor Brown? – gritou Paddington.
– Puxe as cordas! – berrou o sr. Brown. – Vamos, baixe a pata esquerda.
– Ai, meu Deus! – disse a sra. Bird, nervosa, agarrando-se na lateral do
barco com uma mão e segurando a sombrinha com a outra. Pelo canto do
olho, ela já via várias pessoas olhando na direção deles.
Na parte de trás do barco, Paddington puxou com força as duas cordas
amarradas ao leme. Não sabia direito se o sr. Brown estava falando da
esquerda dele, do sr. Brown, ou da esquerda dele próprio, por isso puxou
ambas só para garantir. Todos ficaram esperando, cheios de expectativa,
enquanto o sr. Brown remava com muito esforço.
– Imagino que seria muito mais fácil, Henry – disse a sra. Brown, após
alguns instantes –, se primeiro você desamarrasse o barco do cais.
– O quê! – exclamou o sr. Brown. Ele enxugou a testa e olhou zangado
por cima do ombro. – Ninguém fez isso ainda?
– Eu faço isso, senhor Brown! – gritou Paddington num tom imponente,
enquanto descia pela lateral do barco. – Estou encarregado das cordas.
Os Brown ficaram esperando pacientemente enquanto Paddington
examinava a corda. Ele não era muito bom em desfazer nós, pois, com patas
de urso, essa era uma tarefa bem difícil, mas por fim anunciou que estava
tudo pronto.
– Certo! – gritou o sr. Brown, preparando-se mais uma vez. – Vamos
zarpar. Embarcação a postos, Paddington! Preparar!
– Como é que é, senhor Brown? – gritou Paddington por cima do
barulho da água. Fazer um piquenique no rio era muito mais complicado do
que ele esperava. Havia tantas cordas para puxar que ele estava ficando um
pouco confuso. Primeiro o sr. Brown tinha dito para ele desamarrar a corda.
Agora tinha gritado para todo mundo parar.
Paddington fechou os olhos e segurou-se na corda com ambas as patas,
com toda a força que tinha.
Ele não entendeu muito bem o que aconteceu em seguida. Num
momento ele estava de pé em cima do barco – em seguida, o barco não
estava mais ali.
– Henry! – gritou a sra. Brown, ouvindo um enorme splash. – Pelo amor
de Deus! O Paddington caiu na água!
– Urso ao mar! – gritou Jonathan, enquanto o barco afastava-se
rapidamente da margem.
– Calma, Paddington! – gritou Judy. – Estamos chegando.
– Mas eu estava parado! – berrou Paddington, vindo à tona para
respirar. – Foi assim que eu caí.
A sra. Brown cutucou a água com sua sombrinha.
– Vá depressa, Henry! – ela gritou.
– O Paddington com certeza não sabe nadar – disse Judy.
– O que você disse? – gritou Paddington.
– Ela falou que você não sabe nadar – berrou o sr. Brown.
Quando ouviu o que o sr. Brown disse, Paddington começou a agitar
freneticamente as patas no ar, e eles ouviram um barulho estranho
enquanto o urso começava a afundar depressa.
– Ora, veja só, Henry! – exclamou a sra. Brown. – Olhe o que você fez.
Ele estava bem até você falar.
– Que ótimo! – disse o sr. Brown, olhando de um jeito expressivo para a
esposa.
– Está tudo bem! – gritou Jonathan. – Alguém jogou uma boia para ele!
Quando os Brown conseguiram chegar ao cais,
Paddington já tinha sido resgatado e estava deitado de costas, rodeado por
uma multidão. Todos olhavam para ele, dando sugestões, enquanto o
homem encarregado dos barcos puxava as patas dele para cima e para baixo,
fazendo uma respiração artificial.
– Graças a Deus, ele está salvo! – exclamou a sra. Brown, aliviada.

– Não teria por que não estar – disse o homem. – Se ele tivesse se
deitado, a água só teria chegado até o bigode. Aqui só tem uns vinte
centímetros de profundidade. Provavelmente muito menos, considerando o
tanto que ele engoliu. Ficou com a boca aberta enquanto afundava, aposto.
Judy debruçou-se e olhou para Paddington.
– Acho que ele está tentando dizer alguma coisa – ela falou.
– Grrr – disse Paddington, se sentando.
– Agora deite aí por um instante, meu jovem camarada urso – disse o
barqueiro, empurrando Paddington de volta para baixo.
– Grrr – disse Paddington. – ACHOQUEPERDIO CHAPÉU.
– ACHOQUEPERDIOCHAPÉU – repetiu o homem, olhando para
Paddington com ainda mais interesse. – Você é um desses ursos
estrangeiros? Recebemos uma enxurrada de visitantes de fora nesta época
do ano – ele disse, virando-se para os Brown.
– Eu venho do Peru – cuspiu Paddington, recuperando o fôlego. – Mas
moro nos Jardins de Windsor, número 32, em Londres, e acho que perdi
meu chapéu.
– Ah, minha nossa – disse a sra. Brown, agarrando com força o braço do
marido. – Você ouviu isso, Henry? O Paddington perdeu o chapéu!
Os Brown se entreolharam, desolados. Eles estavam sempre reclamando
do chapéu de Paddington – geralmente quando ele não estava ouvindo –
porque era um chapéu muito velho. As pessoas tinham o hábito de apontar
para aquilo quando eles estavam na rua, e isso os deixava constrangidos.
Mesmo assim, eles não podiam sequer começar a imaginar Paddington sem
aquele chapéu.
– Ele estava na minha cabeça quando caí na água! – gritou Paddington,
apalpando o topo da cabeça. – E agora não está mais aqui.
– Puxa! – disse Jonathan. – Mas ele estava tão esburacado! Quem sabe
afundou.
– Afundou! – gritou Paddington, desconsolado. Ele correu até a beira do
cais e olhou para as águas lamacentas. – Mas não pode ter afundado!
– Ele sempre usou esse chapéu – explicou a sra. Brown ao barqueiro. –
Desde que o conhecemos. Foi presente do tio dele no Peru.
– No longínquo Peru – disse Paddington.
– No longínquo Peru – repetiu o barqueiro, parecendo muito
impressionado. Ele se virou para Paddington e encostou na mecha de cabelo
que ele tinha na testa. – Você devia procurar o Departamento de
Conservação do Tâmisa, senhor.
– Não, não devia – disse Paddington com firmeza. – Devia procurar
meu chapéu.
– Tâmisa é o nome deste rio, e o Departamento de Conservação são as
pessoas que cuidam dele, querido – explicou a sra. Brown. – Talvez elas
tenham encontrado o chapéu para você.
– É a correnteza, senhor – explicou o barqueiro. – Depois que você se
afasta da margem, a correnteza é muito forte, e o chapéu pode ter sido
arrastado até a represa.
Ele apontou para mais adiante no rio, na direção de uma fileira de
prédios ao longe.
– Arrastado até a represa? – repetiu Paddington lentamente.
O barqueiro fez que sim com a cabeça e disse:
– Isso se já não foi sugado para dentro de um redemoinho.
Paddington olhou feio para o homem.
– Meu chapéu! – ele exclamou, mal conseguindo acreditar no que ouvia.
– Sugado para dentro de um redemoinho?
– Vamos logo – disse o sr. Brown, com pressa. – Se corrermos, quem
sabe conseguimos chegar a tempo de ver o chapéu passando.
Seguido de perto pelo sr. e sra. Brown, pela sra. Bird, Jonathan e Judy, o
barqueiro e uma pequena multidão de espectadores interessados,
Paddington foi andando depressa pelo passeio à margem do rio, com uma
expressão fúnebre no rosto, deixando um rastro de água atrás de si.
Quando eles chegaram à represa, a notícia já tinha se espalhado, e vários
homens usando um chapéu pontudo estavam espiando, aflitos, dentro da
água.
– Ouvi dizer que o senhor perdeu um papel importantíssimo – disse o
guarda da represa para o sr. Brown.
– Não é um papel – falou o sr. Brown. – É um chapéu. Foi trazido do
Peru.
– Pertence a este jovem cavalheiro urso, Fred – explicou o barqueiro,
juntando-se a eles. – É uma herança de família.
– Uma herança de família? – repetiu o guarda, coçando a cabeça
enquanto olhava para Paddington. – Nunca ouvi falar de um chapéu que
fosse uma herança de família. Principalmente herança de família de um
urso.
– O meu é – afirmou Paddington. – É um tipo de chapéu muito raro e
tem um sanduíche de geleia de laranja dentro. Coloquei ali para o caso de
uma emergência.
– Um sanduíche de geleia de laranja? – disse o funcionário, parecendo
cada vez mais surpreso. – Espere um instante… não seria aquela coisa que
nós acabamos de pescar, seria? Toda meio deformada… parecendo um…
uma espécie de…
– Deve ser isso – disse a sra. Bird.
– Herbert! – o homem berrou para um menino que estava parado ali do
lado, observando tudo de boca aberta. – Vá ver se aquele troço que
encontramos ainda está no depósito.
– Poderia muito bem ser uma herança de família – ele continuou,
virando-se para a família Brown. – Parece ter passado muito de mão em
mão.
Todos ficaram esperando ansiosamente enquanto Herbert desaparecia
dentro de uma casinha ao lado da represa. Ele voltou após alguns instantes,
carregando um balde.
– Nós colocamos aqui – disse o guarda em tom de desculpas – porque
nunca tínhamos visto nada parecido antes. Íamos mandar para o museu.
Paddington espiou dentro do balde.
– Isso não é um troço! – ele exclamou, agradecido. – Isso é o meu
chapéu.
Todos suspiraram aliviados.
– Graças a Deus! – falou a sra. Bird, ecoando o pensamento de todos.
– Também tem um peixe aí dentro – disse o guarda.
– O quê! – exclamou Paddington. – Um peixe? Dentro do meu chapéu?
– Pois é – disse o homem. – Devia estar querendo o seu sanduíche de
geleia. Provavelmente entrou por um dos buracos.
– Puxa vida! – exclamou Jonathan, admirado, enquanto os Brown se
amontoavam para olhar dentro do balde. – Tem mesmo um peixinho aqui!
– Isso significa que o Paddington ganhou o prêmio por pegar o primeiro
peixe – disse Judy. – Parabéns!
– Bom, se é algum tipo de concurso – disse o guarda –, é melhor eu
arranjar um pote de vidro para você guardar esse peixe, senhor.
– Imagino – ele falou, olhando meio receoso para o chapéu – que você
vai querer usá-lo de novo?
Quando Paddington olhou feio para o homem, ele deu um passo para
trás e saiu correndo, procurando um pote de vidro.
– Aqui está – ele disse quando voltou. – Cortesia do Departamento de
Conservação do Tâmisa.
– Muito obrigado – agradeceu Paddington, estendendo a pata para
apertar a mão dele.
– Não há de quê – disse o homem, parado ao lado da represa para se
despedir deles com um aceno. – O prazer é todo meu. Afinal, não é sempre
que temos a oportunidade de salvar a herança de família de um urso,
impedindo que se perca na nossa represa. O dia de hoje ficará na minha
memória.

– E na minha também – disse o sr. Brown alguns minutos depois,


parando de remar e deixando o barco deslizar preguiçoso pelo rio abaixo,
junto com a correnteza. – Pode não ter sido o dia mais tranquilo que já
passamos no rio, mas com certeza foi o mais divertido.
E todos os membros da família Brown, recostados dentro do barco,
observando a água reluzente e ouvindo a música do gramofone, tiveram de
concordar.
Paddington, segurando firmemente o chapéu com uma pata enquanto
enfiava a outra dentro de um pote de sua geleia favorita, concordava ainda
mais do que os outros. Agora que havia recuperado o chapéu e tudo voltara
ao normal, ele sentia que aquele era o dia mais divertido que passara fazia
um bom tempo.
2
PADDINGTON DÁ
O MAIOR LANCE

O
amigo de Paddington, o sr. Gruber, caiu na gargalhada quando ficou
sabendo daquele passeio no rio.
– Oh, puxa, senhor Brown – ele disse, enxugando as lágrimas dos olhos.
– O senhor sempre tem uma história para contar. Queria ter estado lá para
assistir.
Era a manhã seguinte ao piquenique, e Paddington saíra correndo o mais
cedo possível para ir contar tudo ao sr. Gruber.
O sr. Gruber tinha uma loja de antiguidades na Portobello Road. Ficava
perto da casa dos Brown, e Paddington geralmente passava ali quando ia
fazer compras, para eles comerem um bolinho de passas e tomarem um
chocolate quente, por volta das onze da manhã. O sr. Gruber tinha ido à
América do Sul quando jovem e, por isso, eles podiam ter longas conversas
sobre o longínquo Peru, sentados em espreguiçadeiras na calçada.
Paddington sempre gostava de ver o sr. Gruber e muitas vezes o ajudava
com alguma coisa na loja.
A maioria das lojas na Portobello Road era interessante, mas a do sr.
Gruber era a melhor de todas. Era como entrar na caverna de Aladim. Havia
espadas e velhas armaduras penduradas nas paredes, panelas e frigideiras
brilhantes de cobre e latão empilhadas no chão, retratos, enfeites de
porcelana, móveis e peças de cerâmica amontoados até o teto; na verdade, o
sr. Gruber vendia praticamente qualquer coisa, e as pessoas vinham de toda
parte para pedir a opinião dele.
O sr. Gruber também tinha uma enorme biblioteca de livros usados no
fundo da loja, que ele deixava Paddington consultar sempre que surgia
algum problema. Paddington achava aquilo muito útil, pois a Biblioteca
Pública não tinha um departamento para ursos, e os bibliotecários
geralmente olhavam para ele com desconfiança quando ele espiava pela
janela.
Depois que Paddington terminou de contar tudo sobre o passeio no rio
para o sr. Gruber, eles ficaram em silêncio por um instante enquanto
comiam seus bolinhos de passas e bebiam seu chocolate quente.
Foi enquanto estava sentado na espreguiçadeira, contemplando a
paisagem e observando os transeuntes, que Paddington notou a vitrine da
loja do sr. Gruber pela primeira vez naquela manhã. Para sua surpresa, a
vitrine parecia estar estranhamente vazia.
– Ah – disse o sr. Gruber, seguindo o olhar de Paddington. – Tive um
dia muito agitado ontem, senhor Brown. Enquanto você estava se divertindo
à beça no rio, apareceu aqui um enorme grupo de turistas americanos, e eles
compraram todo tipo de coisa. Na verdade – ele continuou –, eu vendi tão
bem que preciso ir a um leilão hoje à tarde para comprar mais algumas
antiguidades.
– Um leilão? – perguntou Paddington, parecendo muito interessado. –
Como é um leilão, senhor Gruber?
O sr. Gruber pensou por um instante.
– Bom – ele começou a falar –, é um lugar onde eles vendem coisas para
quem der o lance mais alto, senhor Brown. Todo tipo de coisas. Mas é
muito difícil de explicar sem lhe mostrar um de verdade.
O sr. Gruber limpou os óculos e tossiu.
– Hã… imagino, senhor Brown, que não seria possível você vir junto
comigo hoje à tarde, seria? Assim você poderia ver com seus próprios olhos.
– Oooh, sim, por favor, senhor Gruber! – exclamou Paddington, com os
olhos brilhando de entusiasmo ao pensar naquilo. – Eu gostaria muitíssimo.
Embora eles se encontrassem quase todo dia, o sr. Gruber geralmente
estava ocupado com a loja, e eles raramente tinham a oportunidade de sair
juntos de fato.
Nesse momento, entrou um cliente na loja, e assim, após combinar com
o sr. Gruber de encontrá-lo depois do almoço, Paddington se despediu
erguendo o chapéu e correu de volta para casa para contar tudo aos outros.
– Humm – disse a sra. Bird quando ficou sabendo daquilo, no almoço. –
Tenho pena do pobre leiloeiro que tentar vender alguma coisa quando o
Paddington estiver presente. Esse urso vai acabar levando tudo pela metade
do preço.
– Oh, eu não vou comprar nada, senhora Bird – disse Paddington,
estendendo a pata para pegar uma segunda porção de torta de caramelo. –
Só vou assistir.
Mesmo assim, quando ele saiu de casa depois do almoço, a sra. Bird
notou que ele estava carregando a velha maleta de couro, onde guardava
todo o seu dinheiro.
– Não se preocupe, senhora Bird – disse Paddington, dando tchau para
ela com a pata. – É só em caso de emergência.
– Contanto que ele não volte para casa com um monte de móveis
antigos – disse a sra. Bird enquanto fechava a porta. – Se ele fizer isso,
vamos ter de colocar no jardim.
Paddington ficou muito animado ao entrar na casa de leilão. O sr.
Gruber tinha vestido seu melhor terno para a ocasião, e várias pessoas
viraram a cabeça para olhar quando os dois passaram pela porta.
O sr. Gruber tinha comprado dois catálogos e abriu caminho até a frente
do salão para que Paddington tivesse uma boa visão. Ele encontrou vários
outros comerciantes, a quem apresentou Paddington como o “Sr. Brown –
um jovem urso amigo meu, do longínquo Peru, que se interessa por
antiguidades”.
Todos apertaram a pata de Paddington e disseram em voz baixa que
tinham muito prazer em conhecê-lo.
Era tudo muito diferente do que Paddington esperava. Na verdade,
aquele lugar parecia uma imensa loja de antiguidades, com caixas e mesas
cheias de objetos de porcelana e prata encostadas em todas as paredes.
Havia uma multidão de pessoas em pé no meio do salão, olhando para um
homem em cima de uma plataforma, que parecia agitar um martelo no ar.
– Esse é o leiloeiro – sussurrou o sr. Gruber. – É nele que você tem de
prestar atenção. Ele é o mais importante.
Paddington cumprimentou o leiloeiro erguendo o chapéu, então se
sentou em sua maleta e olhou atentamente em volta.
Depois de alguns instantes, ele decidiu que gostava de leilões. Todo
mundo parecia tão simpático. Na verdade, assim que ele acabou de se
acomodar, um homem do outro lado do salão acenou com a mão na direção
deles. Paddington ficou em pé, ergueu o chapéu e acenou amigavelmente
com a pata para retribuir o gesto.
Mal ele tinha se sentado de novo, e o homem acenou outra vez. Sendo
um urso educado, Paddington se levantou e deu mais um aceno com a pata.
Para sua surpresa, o homem parou de acenar quase imediatamente e, em
vez disso, olhou feio para ele. Paddington encarou o homem e, então,
sentou-se para observar o sujeito na plataforma, que parecia estar de novo
fazendo alguma coisa com seu martelo.
– Dou-lhe uma, dou-lhe duas… – o homem gritou, batendo na mesa. –
Dou-lhe três! Vendido para o jovem cavalheiro urso de chapéu por três
libras e cinquenta!
– Oh, puxa – disse o sr. Gruber, parecendo bastante angustiado. – Acho
que infelizmente você acabou de comprar um jogo de ferramentas de
carpintaria, senhor Brown.
– Eu comprei um jogo de ferramentas de carpintaria? – repetiu
Paddington, quase caindo da maleta de tanta surpresa. – O quê?!
– Venha cá – disse o leiloeiro numa voz severa. – O senhor está
atrasando os trabalhos. Pague ali naquela mesa, por favor.
– Um jogo de ferramentas de carpintaria! – exclamou Paddington,
dando um pulo e agitando as patas no ar. – Mas eu nem disse nada!
O sr. Gruber parecia muito envergonhado.
– Receio que seja tudo culpa minha, senhor Brown – ele disse. – Eu
deveria ter explicado como funciona uma venda em leilão antes de nós
entrarmos. Acho que é melhor eu pagar por essas ferramentas, afinal a culpa
não foi sua.
– Pois então – ele continuou quando voltou da mesa –, você precisa ser
muito cuidadoso durante uma venda, senhor Brown.
O sr. Gruber explicou então como o leiloeiro oferecia cada item para
venda e como, depois de uma pessoa ter dado um lance por alguma coisa,
qualquer outra pessoa que quisesse comprá-la tinha de fazer uma oferta
melhor.
– Se você acena com a cabeça, senhor Brown – ele disse –, ou mesmo
coça o nariz, eles acham que é um sinal de que você quer comprar uma
coisa. Suponho que o leiloeiro viu você erguer o chapéu e achou que estava
dando um lance.
Paddington não tinha nenhuma certeza de que entendia o que o sr.
Gruber estava falando, mas, depois de conferir com muito cuidado se o
leiloeiro não estava olhando, ele rapidamente fez que sim com a cabeça e
então ficou sentado, completamente imóvel, observando o evento.
Embora não tenha dito nada para o sr. Gruber, ele estava começando a
se arrepender de ter ido ao leilão. O salão estava quente e lotado, e ele
queria tirar o chapéu. Além disso, ele estava sentado na alça da sua maleta, o
que era um tanto desconfortável.
Ele fechou os olhos e estava prestes a tentar dormir quando o sr. Gruber
cutucou sua pata e apontou para o catálogo.
– Veja só, senhor Brown – ele disse. – O próximo item é muito
interessante. É uma velha pistola… do tipo que os bandidos de estrada
usavam. Essas pistolas são muito populares hoje em dia. Vou tentar dar um
lance por ela.
Paddington endireitou as costas e assistiu animado quando o leiloeiro
levantou a pistola para que todos pudessem ver.
– Lote trinta e quatro! – ele gritou. – Quanto me oferecem por esta
antiga pistola genuína?
– Vinte libras – disse uma voz no fundo do salão.
– Vinte libras e cinquenta – anunciou o sr. Gruber, acenando com seu
catálogo.
– Vinte e duas libras – disse outra voz.
– Oh, puxa – falou o sr. Gruber, fazendo umas contas na margem do
catálogo. – Vinte e duas libras e cinquenta centavos.
– Vinte e três libras – disse a mesma voz outra vez.
Paddington ficou de pé sobre a maleta e olhou para o outro lado do
salão.
– É o homem que me fez comprar as ferramentas de carpintaria por
engano – ele sussurrou, dando um tapinha empolgado no sr. Gruber.
– Bom, não podemos deixar que ele vença, custe o que custar! –
exclamou o sr. Gruber. – Vinte e três libras e cinquenta!
– Vinte e quatro libras! – berrou Paddington numa voz alucinada.
– Hã… – disse o sr. Gruber com bastante tato, não querendo ofender
Paddington. – Acho que estamos competindo um com o outro, senhor
Brown.
– Alguém dá mais que vinte e quatro libras? – gritou o leiloeiro,
parecendo muito satisfeito.
Como não houve resposta, ele levantou o martelo.
– Dou-lhe uma… dou-lhe duas… dou-lhe três! – ele anunciou, batendo
o martelo com força. – Vendido para o jovem cavalheiro na primeira fila por
vinte e quatro libras.
O sr. Gruber procurou o dinheiro em sua carteira. Trazer Paddington
para o leilão estava saindo meio caro.
– Desculpe por isso, senhor Gruber – disse Paddington com uma voz
arrependida quando ele voltou. – Acho que acabei me empolgando demais.
– Tudo bem – falou o sr. Gruber. – Mesmo assim foi um ótimo negócio,
senhor Brown… e eu realmente queria esta pistola. Vou colocá-la na minha
vitrine amanhã.
– Acho que talvez seja melhor não dar mais nenhum lance – disse
Paddington, parecendo muito frustrado. – Acho que os ursos não são muito
bons nisso.
– Bobagem – falou o sr. Gruber. – Você está se saindo muito bem para
uma primeira vez.
Mesmo assim, Paddington decidiu ficar quieto por um tempo e apenas
observar o sr. Gruber. Era tudo muito complicado, nada parecido com fazer
compras no mercado, onde ele podia primeiro testar tudo com as patas
antes de discutir o preço.
O sr. Gruber indicou vários itens no catálogo para Paddington e lhe deu
um lápis para marcar os que tinha comprado e quanto tinha pago por eles.
A lista de itens que o sr. Gruber comprou foi crescendo cada vez mais,
até Paddington ficar zonzo de ter de anotar todos aqueles números. Ele
ficou contente quando o sr. Gruber finalmente anunciou que, por aquele
dia, tinha terminado as compras.
– Um excelente dia de trabalho, senhor Brown – ele disse, conferindo os
números que Paddington havia anotado. – E muito obrigado pela sua ajuda.
Não sei o que eu teria feito sem você.
Paddington ergueu o olhar de seu próprio catálogo, que ele estava
examinando com uma expressão séria.
– Tudo bem, senhor Gruber – ele disse, distraído. – Desculpe, mas o
que é uma prateleira de conservas?
– Uma prateleira de conservas? – repetiu o sr. Gruber. – Bom, é uma
coisa para guardar compotas e geleias.
Os olhos de Paddington brilharam enquanto ele começava a destrancar
sua maleta.
– Acho que vou dar um lance por isso, senhor Gruber – ele disse
animado, espiando dentro do compartimento secreto para ver quanto
dinheiro tinha. – É o próximo item do catálogo. Acho que eu gostaria de ter
uma prateleira de conservas para guardar minha geleia.
O sr. Gruber olhou para ele um tanto nervoso.
– Eu tomaria muito cuidado se fosse você, senhor Brown – ele disse. –
Talvez seja uma peça antiga. Se for, provavelmente vale muito dinheiro.
Mas, antes que ele tivesse tempo de explicar para Paddington o quanto
exatamente aquilo podia custar, o leiloeiro deu uma batidinha na mesa,
pedindo silêncio.
– Lote noventa e nove – ele anunciou, mostrando um objeto de prata
brilhante. – Uma prateleira de conservas bastante peculiar. Quanto me
oferecem por esta valiosa peça de prata antiga?
– Dez centavos! – gritou Paddington.
O salão inteiro ficou sem palavras.
– Dez centavos? – repetiu o leiloeiro, quase não acreditando no que
havia escutado. – Eu ouvi alguém dizer dez centavos?
– Fui eu! – gritou Paddington, agitando o catálogo no ar. – Quero isso
para guardar minha geleia. A senhora Bird sempre reclama que meus potes
ficam melados.

– Os seus potes ficam melados? – repetiu o leiloeiro, passando a mão na


testa. De fato, aquele estava sendo um dia muito insólito. As coisas não
tinham saído de acordo com o planejado, de modo algum. Alguns itens
tinham sido vendidos por muito mais do que ele havia esperado. Outros,
como a prateleira para conservas, não estavam alcançando valor nenhum.
Ele tinha uma sensação desagradável de que aquilo tinha a ver com o jovem
urso na primeira fila. Ele parecia ter um olhar muito poderoso, e o leiloeiro
fizera o possível até então para evitar encarar Paddington nos olhos.
– Vamos lá, vamos lá – ele disse, com um riso esganiçado. – Vamos
começar de novo. Agora… quanto me oferecem por este valioso item?
– Nove centavos – disse uma voz no fundo do salão, no meio de
algumas risadas.
– Dez centavos – falou Paddington com firmeza.
As risadas morreram e fez-se silêncio.
– Se você quer minha opinião – sussurrou uma voz atrás de Paddington
–, acho que esse urso sabe de alguma coisa.
– Provavelmente a peça é falsificada – sussurrou outra voz. – Afinal, não
é a primeira coisa que ele comprou hoje.
– Além disso, ele está com o velho senhor Gruber – sussurrou a
primeira voz. – E disse que estava interessado em antiguidades quando
entrou. Eu nem encostaria nisso se fosse você.
O leiloeiro tremia, olhando para a prateleira de conservas na sua mão.
– Alguém dá mais do que dez centavos? – ele gritou.
Fez-se outro longo silêncio.
– Dou-lhe uma… – ele gritou, levantando o martelo e olhando
esperançoso à sua volta. – Dou-lhe duas… – Ainda ninguém se pronunciou.
– Dou-lhe três!
Ele deu uma martelada com muita força na mesa.
– Vendido ao jovem cavalheiro urso na primeira fila por dez centavos.
– Muito obrigado – disse Paddington, correndo até a mesa. – Espero
que o senhor não se incomode se eu pagar em moedas de um centavo, mas é
que estou economizando para uma emergência.
– Moedas de um centavo? – perguntou o homem. Ele enxugou a testa
com um lenço de bolinhas. – Não sei – ele disse, virando-se para seu
assistente. – Devo estar ficando velho. Deixando jovens ursos me passarem
a perna, a esta altura da vida.
– Foi realmente uma ótima pechincha – disse o sr. Gruber, admirado,
depois de eles saírem da casa de leilão. Ele girou nas mãos a prateleira de
conservas de Paddington. – Eu diria que vale cada centavo de cinquenta
libras.
– Cinquenta libras? – exclamou Paddington, olhando fixo para o sr.
Gruber. – Cinquenta libras por uma prateleira de geleia?
– Pelo menos isso – disse o sr. Gruber. – Posso colocá-la na minha
vitrine se você quiser, senhor Brown.
Paddington pensou seriamente por um instante.
– Acho que eu gostaria que você ficasse com ela de presente, senhor
Gruber – ele falou, afinal. – Imagino que você não teria comprado as
ferramentas de carpintaria se eu não tivesse vindo junto no leilão.
O sr. Gruber pareceu bastante comovido com a oferta de Paddington.
– Isso é muito gentil da sua parte, senhor Brown – ele disse. – Muito
gentil, realmente. Mas sei o quanto você gosta de geleia e eu gostaria muito
que você ficasse com ela. Além disso, tive um dia excelente, e acho que valeu
o preço das ferramentas de carpintaria só para ver a cara que o leiloeiro fez
quando você ofereceu dez centavos pela prateleira de conservas.
O sr. Gruber deu uma risadinha ao pensar naquilo.
– Acho que ele não tem muita experiência em negociar com jovens
ursos – ele disse.

– Já falei isso antes – comentou a sra. Bird naquela noite – e vou repetir.
Esse urso sabe encontrar uma boa pechincha.
A família Brown estava tomando um lanche antes de ir dormir. A
“antiguidade” de Paddington estava no centro da mesa, num lugar de honra.
Ele tinha passado todo o fim de tarde lustrando aquele objeto até conseguir
ver seus bigodes refletidos, e a sra. Bird havia aberto um novo pote da geleia
favorita dele, especialmente para a ocasião.
Paddington tinha uma expressão de perfeita felicidade no rosto – a parte
do rosto que ainda podia ser vista atrás de migalhas de pão, restos de
manteiga e manchas de geleia.
– Acho que conservas têm um gosto ainda melhor quando vêm de uma
antiguidade – ele anunciou, e todos concordaram. – Principalmente – ele
acrescentou, mergulhando a pata na geleia – uma antiguidade de dez
centavos!
3
PADDINGTON E O
“FAÇA VOCÊ MESMO”

P
addington ficou sentado na cama até tarde naquela noite, escrevendo
suas memórias. Ele tinha um grande álbum de recortes encadernado em
couro, presente do sr. Gruber, onde registrava todas as suas aventuras junto
com imagens interessantes, e ele cuidadosamente colou o recibo no valor de
dez centavos que o leiloeiro tinha lhe dado.
Quando finalmente caiu no sono, acabou sonhando que estava outra vez
no leilão. Estava parado no meio do salão, agitando as patas e dando lances
por todos os objetos que eram oferecidos. A pilha de coisas que ele
comprara foi ficando cada vez mais alta, até ele mal conseguir enxergar.
Vários dos objetos maiores estavam espetando suas costas.
Quando ele acordou, ficou aliviado ao ver que estava em seu próprio
quarto e que as batidas do martelo do leiloeiro na verdade eram só alguém
batendo à porta.
Ao sentar na cama e esfregar os olhos, Paddington também descobriu,
para sua surpresa, que o prato de geleia estava na cama com ele, e que ele,
na verdade, estava deitado em cima do prato.
– Paddington! – exclamou a sra. Brown, que entrou carregando as coisas
para o café da manhã. – O que é que está acontecendo? Essa noite ouvi um
monte de batidas e gritos vindos do seu quarto.
– Deve ter sido o barulho dos móveis, senhora Brown – explicou
Paddington, puxando apressadamente o lençol até as orelhas para que ela
não visse as manchas de geleia.
– Os móveis? – perguntou a sra. Brown, colocando a bandeja na cama. –
Que móveis?
– Os móveis que eu comprei no meu sonho – explicou Paddington com
paciência.
A sra. Brown deu um suspiro. Às vezes, o que Paddington dizia não
tinha pé nem cabeça.
– Trouxe o seu café da manhã na cama – ela disse – porque a senhora
Bird e eu temos que sair hoje. Vamos levar o Jonathan e a Judy ao dentista e
achamos que você não se importaria de ficar sozinho. Ou por acaso você
quer vir também? – ela acrescentou.
– Ah, não – disse Paddington sem pensar duas vezes. – Acho que não
tenho vontade de ir ao dentista, muito obrigado. Prefiro com certeza ficar
em casa.
– Chegou uma caixa grande do senhor Gruber para você – continuou a
sra. Brown. – Acho que são as ferramentas de carpintaria que você comprou
ontem no leilão. Mandei colocar no galpão lá fora.
– Obrigado, senhora Brown – disse Paddington, torcendo para ela ir
embora logo, pois estava ficando muito quente embaixo do cobertor, e o
prato de geleia estava grudando nas costas dele de novo.
A sra. Brown parou na porta por um instante.
– Vamos tentar demorar o mínimo possível. Tem certeza de que você
vai ficar bem?
– Imagino que eu vou achar alguma coisa para fazer – disse Paddington
vagamente.
A sra. Brown hesitou antes de fechar a porta. Ela gostaria de ter feito
mais algumas perguntas a Paddington. Ele estava com um olhar distante, de
que ela não gostava nem um pouco. Mas ela já estava atrasada para a
consulta, e as conversas com Paddington, especialmente de manhã cedo,
sempre tendiam a ficar complexas.
Quando a sra. Bird ouviu falar do comportamento estranho de
Paddington, correu para cima para ver o que estava acontecendo, mas
voltou após alguns instantes com a notícia de que ele estava sentado na
cama, tomando o café da manhã e lendo um catálogo.
– Ora, enfim – disse a sra. Brown, parecendo muito aliviada. – Fazendo
isso, ele não pode causar muito estrago.
Nas últimas semanas, Paddington tinha começado a colecionar
catálogos e, sempre que via no jornal o anúncio de um catálogo interessante,
geralmente o pedia pelo correio. Na verdade, mal passava um dia inteiro
sem que o carteiro viesse pelo menos uma vez com uma carta endereçada
ao “Sr. P. Brown”.
Alguns dos catálogos eram realmente de muito boa qualidade, cheios de
fotos e desenhos e com muita coisa para ler, considerando que eram de
graça e que a sra. Bird geralmente pagava o selo.
Paddington guardava todos em um armarinho ao lado da cama. Havia
vários sobre viagens internacionais – com imagens coloridas de lugares
distantes –; dois ou três sobre comida; e um ou dois de grandes lojas de
Londres.
Mas o catálogo pelo qual Paddington se interessava no momento, e era
seu favorito, mostrava na capa uma bancada de trabalho e tinha o título
FAÇA VOCÊ MESMO. Ele ficou tão absorto naquele livro, um volume
grosso e cheio de diagramas, que de repente percebeu, surpreso, que tinha
colocado a pimenta e o sal na xícara de chá, e o açúcar no ovo cozido. Mas
ficara um sabor bastante interessante, e por isso ele não se importou muito
e concentrou-se em ler o catálogo enquanto comia uma torrada com geleia.
Havia uma seção especialmente interessante que chamou sua atenção.
Tinha o título AGRADE À SUA FAMÍLIA E SURPREENDA SEUS
AMIGOS, e era sobre como fazer um suporte para jornais e revistas.
“As únicas coisas de que você precisa”, dizia o artigo, “são uma folha de
madeira compensada, alguns pregos e uma mesa de cozinha.”
Paddington não tinha muita certeza de que podia usar a mesa de
cozinha da sra. Bird, mas, na noite anterior, o sr. Brown acabara lhe
prometendo uma folha de madeira compensada que estava sem uso no
galpão, além de alguns pregos velhos e um pote de vidro. E, como o sr.
Brown sempre estava reclamando que não encontrava seus jornais,
Paddington tinha certeza de que ele ficaria muito contente se tivesse um
lugar para guardá-los.
Ele examinou atentamente os desenhos e as fotos e consultou as
instruções várias vezes. Ali não dizia nada específico sobre ursos fazendo
coisas eles mesmos, mas que podia ser feito por qualquer um que tivesse um
jogo de ferramentas de carpintaria.
Paddington tomou uma decisão. Embrulhou rapidamente os restos de
seu café da manhã em um lenço, caso o trabalho de serrar lhe desse fome.
Então, depois de marcar o capítulo sobre o porta-revistas em seu catálogo
com um pedaço de casca de laranja da sua geleia, correu até o banheiro para
passar uma água no rosto.

Paddington não era o tipo de urso que acreditava em fazer coisas


desnecessárias, e não valia a pena tomar banho direito se ele ia se sujar de
novo. Depois de passar um paninho molhado nos bigodes algumas vezes, ele
desceu para o andar de baixo e foi até o jardim.
A caixa de ferramentas de carpintaria estava no meio do galpão do sr.
Brown, e Paddington passou vários minutos investigando-a. Embora todas
as ferramentas parecessem meio grandes demais para um urso, ele logo
decidiu que estava muito satisfeito com elas. Havia um martelo, uma plaina,
três cinzéis, um grande serrote e uma série de outras coisas que ele não
reconheceu na hora mas pareciam muito interessantes. A caixa era pesada, e
ele demorou um tanto para conseguir arrastá-la até o jardim. Carregar a
madeira compensada do sr. Brown deu ainda mais trabalho, pois era uma
folha grande e estava ventando. Toda vez que ele levantava a folha, batia
uma lufada de vento que o empurrava cada vez mais longe no jardim.
Foi enquanto tentava arrastar a folha de madeira com a ajuda de uma
corda que ele ouviu uma voz conhecida chamando seu nome. Ele olhou em
volta e viu o sr. Curry, o vizinho da família Brown, observando por cima da
cerca. O sr. Curry era contra ursos e geralmente via as “empreitadas” de
Paddington com desconfiança.
– O que você está fazendo, urso? – ele rosnou.
– Faça você mesmo, senhor Curry – disse Paddington, espiando de trás
da folha de madeira.
– O quê? – berrou o sr. Curry. – Não seja atrevido, urso!
– Ah, não – respondeu Paddington depressa, quase deixando cair a
madeira compensada por causa do susto que levou com a expressão no
rosto do sr. Curry. – Eu não quis dizer que é para você mesmo fazer, senhor
Curry. Quis dizer que vou fazer eu mesmo. Vou fazer um porta-revistas
para o senhor Brown.
– Um porta-revistas? – repetiu o sr. Curry.
– Sim – disse Paddington num tom imponente, e começou a explicar ao
sr. Curry tudo sobre seu novo jogo de ferramentas de carpintaria.
Enquanto ouvia Paddington falar, a expressão do sr. Curry foi mudando
aos poucos. O sr. Curry tinha reputação na vizinhança de ser uma pessoa
avarenta e estava sempre atento, com esperança de conseguir alguma coisa
de graça. Ele gostava muito de fazer as coisas ele mesmo também, para não
gastar dinheiro, e lançou vários olhares de inveja para o jogo de ferramentas
de Paddington.
– Hummm – ele disse, quando Paddington terminou de explicar. – E
onde você vai fazer este porta-revistas, urso? Aí na grama?
– Bom – falou Paddington, em dúvida. – É um pouco difícil. As
instruções dizem que eu preciso de uma mesa de cozinha, e a da senhora
Bird está lotada de coisas.
– Humm – disse o sr. Curry mais uma vez. – Se você fizer um porta-
revistas para mim, urso, pode usar a mesa da minha cozinha.
– Muito obrigado, senhor Curry – disse Paddington. Mas ele não tinha
certeza se aquilo era uma boa ideia e olhou para o sr. Curry com bastante
receio. – É muita gentileza sua.
– Tenho que sair hoje – disse o sr. Curry. – Por isso pode deixar pronto
para mim quando eu voltar. Só uma coisa – ele acrescentou, estendendo os
braços por cima da cerca para ajudar Paddington com a madeira
compensada. – Não quero ver nenhuma serragem no chão da minha
cozinha. E cuidado para não arranhar nada.
Quanto mais ele ouvia o sr. Curry falar, mais o rosto de Paddington se
enchia de dúvidas, e ele ficou feliz quando o homem finalmente saiu para
fazer compras.
Mas, assim que Paddington começou a trabalhar, logo se esqueceu da
lista de proibições do sr. Curry, pois havia uma série de coisas importantes a
fazer. Primeiro de tudo, ele pegou um lápis e uma régua e marcou
cuidadosamente o contorno do porta-revistas na folha de madeira
compensada. Depois colocou a madeira em cima da mesa da cozinha,
pronto para serrá-la ao meio.
Paddington, na verdade, nunca tinha serrado nada antes, mas já tinha
observado diversas vezes o sr. Brown cortando lenha para a lareira. De uma
distância segura, aquilo sempre parecera fácil – mas Paddington logo
descobriu que não era nem um pouco simples. Para começar, a madeira
compensada era maior do que o tampo da mesa do sr. Curry. Paddington,
que era pequeno, precisava subir em cima da madeira, e várias vezes, com
seu peso, quase derrubou a folha quando chegava perto demais da borda.
Então ele descobriu que o serrote, embora fosse bastante afiado, era tão
grande que ele precisava usar ambas as patas, o que tornava tudo ainda mais
difícil. No começo, o serrote atravessava a madeira como uma faca cortando
manteiga, mas, por algum motivo, foi ficando cada vez mais difícil de usar.
Depois de sentar para descansar um pouco, Paddington decidiu tentar
começar pela outra ponta. Porém, mais uma vez, descobriu que era muito
mais fácil no início da tarefa. Apesar disso, quando ele fez o último corte
com o serrote e desceu da mesa, ficou contente ao ver que os dois cortes se
encontravam no meio, dividindo a folha de madeira em duas partes iguais.
Foi nessa hora, quando estendeu os braços para tirar da mesa os dois
pedaços recém-cortados de madeira, que ele teve o primeiro choque
daquela manhã.
Ele ouviu um barulho forte de madeira rachando e pulou para trás bem a
tempo de evitar ser atingido pela mesa do sr. Curry, que de repente partiu-
se ao meio e desmoronou com um estrondo.
Paddington ficou sentado no chão da cozinha com uma cara de
desânimo por bastante tempo, examinando o estrago e tentando encontrar
um bom motivo para o sr. Curry querer duas mesas pequenas, com só duas
pernas cada uma, em vez de uma grande com quatro pernas.
Ele consultou várias vezes as instruções em seu catálogo na esperança de
encontrar alguma coisa, mas ali não parecia haver nada sobre consertar
mesas que tinham sido serradas ao meio por acidente. Em todas as fotos, as
pessoas pareciam felizes e sorridentes, e suas cozinhas estavam novinhas em
folha. Enquanto isso, olhando tristonho para a cozinha do sr. Curry, até
Paddington precisava admitir que estava um tanto bagunçada.

Ele tentou apoiar os dois pedaços da mesa numas caixas velhas de


papelão, mas ela ainda ficava terrivelmente afundada no meio, e, mesmo
com as cortinas fechadas e a luz apagada, era óbvio que havia algo errado.
Paddington era um urso esperançoso em vários aspectos e, de repente,
lembrou-se de ter visto um grande tubo de cola entre as ferramentas de
carpintaria. Se ele passasse um pouco de cola nas duas bordas e ainda
pregasse uns pregos para garantir, talvez nem o sr. Curry fosse notar que
tinha alguma coisa errada. Ele trabalhou nisso com muito empenho por
alguns minutos e, quando terminou, sentiu-se bastante satisfeito consigo
mesmo. Era verdade que a mesa estava meio inclinada para um dos lados de
um jeito engraçado, e parecia estar um tiquinho bamba, mas com certeza
estava inteira de novo. Ele passou um pouco de farinha para esconder a
emenda e então deu um passo atrás para admirar sua obra.
Após examiná-la cuidadosamente por todos os ângulos, ele achou que
talvez conseguisse melhorar o resultado ainda mais serrando um pedaço de
uma das pernas. Mas, quando terminou de fazer isso, a mesa parecia estar
inclinada para o lado contrário – portanto ele precisou serrar um pedaço
das outras pernas também. Então, assim que acabou de fazer isso, descobriu
que a mesa estava inclinada para o outro lado de novo.
Paddington deu um longo suspiro. Carpintaria era algo muito mais
difícil do que parecia. Certamente o homem no catálogo não tinha tantos
problemas.
Foi depois de ficar trabalhando naquilo por algum tempo que ele se
levantou e levou o segundo choque daquela manhã.
Quando ele havia começado a serrar as pernas, a mesa do sr. Curry era
da mesma altura que ele. Agora, ele percebeu que estava olhando para baixo.
Na verdade, não se lembrava de jamais ter visto uma mesa tão baixa antes, e
seus olhos se arregalaram de espanto.
Ele se sentou na pilha de pedaços de perna que havia serrado da mesa e
consultou seu catálogo mais uma vez.
– Agrade sua família e surpreenda seus amigos! – ele disse num tom
amargo, falando com ninguém. Ele não tinha dúvida de que o sr. Curry
ficaria surpreso quando visse a mesa, mas no quesito agradar a alguém com
os porta-revistas… esses ele ainda nem tinha começado a fazer.
A sra. Brown olhou aflita para o relógio da sala de jantar.
– Fico me perguntando aonde é que o Paddington pode ter ido – ela
falou. – Já é quase hora do almoço, e não é nem um pouco típico dele se
atrasar para uma refeição.
– Talvez ele esteja fazendo um serviço em algum lugar – disse Jonathan.
– Acabei de olhar no galpão e aquela nova caixa de ferramentas dele
desapareceu.
– E a folha de madeira compensada que o papai deu para ele também –
acrescentou Judy.
– Minha nossa! – disse a sra. Brown. – Espero que ele não tenha se
emparedado em algum lugar e não consiga sair. Vocês sabem como ele é.
– Se o Paddington se emparedou, eu não sei! – exclamou a sra. Bird,
entrando com uma bandeja de pratos. – Mas parece que o senhor Curry
mandou demolirem a casa dele. Nunca ouvi uma barulheira dessas. Umas
marteladas e um barulho de serrote vindo da cozinha. Isso está acontecendo
desde que nós chegamos, só parou agorinha há pouco.
Jonathan e Judy se entreolharam. Agora que a sra. Bird mencionara, de
fato eles tinham ouvido muito barulho vindo da casa do sr. Curry.
– Será que… – disse Judy.
Jonathan abriu a boca, mas, antes que tivesse tempo de dizer qualquer
coisa, a porta se abriu de repente e Paddington entrou arrastando atrás de si
um objeto grande e pesado.
– E então – disse a sra. Bird, expressando o pensamento de todos –, o
que você estava aprontando agora?
– O que eu estava aprontando, senhora Bird? – perguntou Paddington,
parecendo muito ofendido. – Estava fazendo um porta-revistas para o
senhor Brown.
– Um porta-revistas? – exclamou a sra. Brown, quando Paddington deu
um passo para o lado. – Que ideia maravilhosa.
– Era para ser uma surpresa – disse Paddington em tom de modéstia. –
Fiz tudo isso com minhas próprias patas.
– Puxa! Ficou ótimo – disse Jonathan, enquanto os Brown se
aproximavam para admirar a obra de Paddington. – Que incrível você fazer
tudo isso sozinho.
– É melhor tomar cuidado – advertiu Paddington. – Acabei de passar o
verniz e ainda está grudando um pouco. Acho que uma parte já saiu nas
minhas patas.
– Muito sensato – disse a sra. Bird com um ar de aprovação. – Não vou
mencionar nomes… mas já era hora de algumas pessoas desta casa terem
um lugar para guardar os jornais. Agora quem sabe essas pessoas vão parar
de perder jornais o tempo todo.
– Mas você fez dois – disse Judy. – Para quem é o outro?
Uma expressão de culpa surgiu no rosto de Paddington.
– Na verdade é para o senhor Curry – ele disse. – Mas acho que talvez
seja melhor deixar na porta da casa dele depois que escurecer… só por via
das dúvidas.
A sra. Bird olhou para Paddington com desconfiança. Seus ouvidos
haviam captado o som de marteladas violentas na casa ao lado, e lá no fundo
ela tinha a desagradável sensação de que isso tinha alguma coisa a ver com
Paddington.
– Só por via das dúvidas? – ela repetiu. – O que você quer dizer com
isso?
Mas, antes que Paddington tivesse tempo de explicar exatamente o que
queria dizer, a sra. Brown apontou assustada para a janela.
– Minha nossa! – ela exclamou. – Lá está o senhor Curry. O que é que
aconteceu com ele? Ele está correndo pelo jardim, sacudindo uma mesa nas
mãos. – Ela espiou pelo vidro. – E a mesa parece não ter nenhuma perna.
Que coisa mais esdrúxula!
– Puxa! – gritou Jonathan, empolgado. – Agora a mesa quebrou em
duas partes!
A família Brown ficou olhando pela janela, assistindo à estranha cena do
sr. Curry dançando em círculos, sacudindo as metades de uma mesa.
– Urso! – ele gritou. – Onde está você, urso?
– Ai, puxa – disse Paddington quando todos pararam de espiar pela
janela e se viraram para ele com um olhar de acusação. – Estou encrencado
outra vez.
– Bom, se você quer saber o que eu acho – disse a sra. Bird, depois que
ele havia explicado tudo –, a melhor coisa que você pode fazer é oferecer
suas ferramentas de carpintaria de presente para o senhor Curry. Assim,
quem sabe ele esquece essa história da mesa da cozinha. E, se não der certo,
então peça para ele vir falar comigo.
A sra. Bird tinha opiniões muito fortes sobre pessoas que tentavam se
aproveitar das outras e geralmente tomava partido de Paddington em
qualquer coisa que tivesse a ver com o sr. Curry.
– Enfim – ela concluiu, numa voz que não deixava margem para
discussão –, com certeza não vou deixar o senhor Curry nem qualquer
outra pessoa estragar o almoço, por isso sentem aí vocês todos enquanto
vou buscá-lo.
Com esse argumento, os Brown tiveram de concordar e,
obedientemente, tomaram seus lugares ao redor da mesa.
Paddington, em especial, achou uma ótima ideia. Ele estava meio farto
daquela história de carpintaria. Serrar madeira dava um trabalhão –
principalmente para um urso pequeno –, e ainda mais quando a mesa era
serrada junto. Além disso, ele estava com fome depois de todo o trabalho
daquela manhã e não queria ofender a sra. Bird não devorando até a última
migalha o almoço que ela preparara.
4
UMA IDA AO CINEMA

– Infelizmente – disse a mulher da bilheteria do Podium Super Cinema


– você não pode entrar. É um filme “A”.
– Desculpe, o que você disse? – perguntou Paddington, parecendo
confuso.
– “A” – disse a mulher.
– Ah? – repetiu Paddington, ainda mais confuso. – Quer dizer “Ah, que
filme bom”?
– Não é “ah” – disse a mulher, impaciente. – É “A”. Isso significa que
ursos menores de dezesseis anos não podem entrar desacompanhados.
– Dezesseis! – exclamou Paddington, quase não acreditando no que
estava ouvindo. – Dezesseis! Mas eu só tenho dois anos. Ainda faltam
catorze. Quando fizer dezesseis, talvez eu nem queira mais vir.
– Bom, essa é a lei – disse a mulher num tom severo. Ela olhou com
certa repulsa para o topo do chapéu de Paddington. Ainda havia um ou dois
pedaços de algas do rio grudados nele, e o calor do cinema estava fazendo o
cheiro voltar. – Agora dê licença, por favor – ela disse, apressada. – Você
está segurando a fila. – E não adianta voltar mais tarde usando calças
compridas! – ela gritou enquanto Paddington se virava para ir embora. – Eu
conheço todos os truques.
Paddington sentiu-se muito decepcionado enquanto atravessava
lentamente o saguão. Fazia um calorzinho gostoso dentro do cinema, e ele
gostava sobretudo do jeito como seus pés afundavam naquele tapete grosso.
Depois de passar alguns instantes olhando com fome para a vitrine de doces,
ele andou até a entrada, olhando feio para o funcionário que estava
segurando a porta aberta para ele.
Paddington nunca tinha ido ao cinema antes. Na verdade, ele nem sabia
muito bem o que era um cinema. Mas apreciava qualquer coisa nova, e fazia
algumas semanas que estava economizando boa parte da mesada semanal
de uma libra que o sr. Brown lhe dava, para o caso de surgir uma
programação interessante.
Paddington era um urso que gostava de fazer valer seu dinheiro e tinha
estudado cuidadosamente os anúncios na frente do Podium até esta semana,
quando havia um programa “Super Duplo Especial” em cartaz – com dois
longas-metragens, um desenho animado e um noticiário1. Não só isso, mas
tinha também uma nota dizendo que naquela noite haveria uma atração
extra, com Reginald Clove tocando órgão durante os intervalos.
Paddington ficou vários minutos ali em frente ao cinema, embaçando o
vidro com sua respiração, até perceber que havia um policial o observando
com desconfiança, então voltou depressa para casa. Era tudo muito
decepcionante, e as moedas que ele tinha economizado com tanto esforço
pareciam arder no bolso do seu casaco.
– Você está me dizendo que nunca foi ao cinema, Paddington? – disse o
sr. Brown enquanto eles tomavam o chá da tarde.
– Nunca – respondeu Paddington num tom firme, pegando mais uma
panqueca. – E agora não posso ir nos próximos catorze anos, a não ser que
esteja acompanhado.
O sr. Brown olhou para a esposa.
– Faz um bom tempo que não vamos todos juntos ao cinema, Mary –
ele disse. – E ainda é cedo. Vamos hoje?
– Oba, papai… vamos! – exclamaram Jonathan e Judy ao mesmo tempo.
– Você acha que a programação é boa, Paddington? – perguntou a sra.
Brown.
– Muito boa, senhora Brown – disse Paddington, com ares de
entendido. – Tem um filme de caubói, um desenho animado e também um
filme “Oh”.
– Um filme o quê? – perguntou o sr. Brown.
– Um filme “Oh” – repetiu Paddington. – Isso quer dizer que ursos
menores de dezesseis anos não podem entrar desacompanhados.
– Você quis dizer um filme “A” – disse Jonathan.
– Isso mesmo – concordou Paddington. – “Ah” e “Oh” são a mesma
coisa, não?
Os Brown se entreolharam. Às vezes era meio difícil explicar as coisas a
Paddington.
– E, além disso, tem um homem tocando órgão – continuou
Paddington. – É uma atração especial. Por isso acho que é um bom negócio,
senhor Brown.

– Então está decidido – disse o sr. Brown, olhando para o relógio. –


Parece bom demais para não aproveitar.
Imediatamente, a casa inteira virou um rebuliço. A sra. Bird mandou
Paddington subir para lavar as manchas de panqueca do bigode enquanto o
resto da família corria para seus respectivos quartos para se trocar.
Meia hora depois, Paddington sentiu-se muito superior quando todos
eles entraram juntos no Cinema Podium. Ele cumprimentou o porteiro
erguendo o chapéu e, então, levou o sr. Brown até a bilheteria.
– Agora estou acompanhado! – ele gritou para a mulher no guichê.
A mulher olhou para o sr. Brown.
– Desculpe, como é que é? – ela perguntou. Ela deu uma fungada e
olhou para ele de um jeito muito estranho. Era bastante curioso, mas ela
estava claramente sentindo cheiro de peixe outra vez.
– O que o senhor disse? – ela repetiu.
– Nada – respondeu o sr. Brown depressa. – Hã… Eu queria três inteiras
e três meias para a primeira fila do balcão, por favor.
– Rápido, papai – disse Jonathan. – Acho que a sessão anterior já está
quase acabando.
A mulher da bilheteria parecia bastante irritada. O sr. Brown pegou
aquele monte de ingressos e juntou-se ao restante da família enquanto eles
subiam depressa as escadas que davam no balcão superior.
Eles continuaram subindo, e Paddington logo perdeu a conta do número
de degraus. Na verdade, havia tantos degraus que ele quase preferiu que eles
tivessem ficado na plateia, no andar de baixo. E, além disso, quando ele
entrou pela porta do balcão atrás da família Brown, descobriu que estava
totalmente escuro ali dentro.
– Por aqui, por favor – disse uma atendente guiando todos, descendo
alguns degraus e iluminando uma fileira de poltronas na frente com uma
lanterna. – Vocês deram sorte. Sobraram justamente seis lugares juntos.
– Muito obrigada – agradeceu a sra. Brown, avançando pelos assentos. –
Com licença, por favor. Com licença. Muito obrigada.
Ela se acomodou confortavelmente na poltrona enquanto os outros
vinham atrás.
– Foi mesmo uma sorte – sussurrou o sr. Brown. – Achar seis lugares
juntos.
– Sete – disse a sra. Brown. – Ainda tem um lugar livre entre nós.
– Pois tem mesmo! – sussurrou o sr. Brown, tateando no escuro. – Que
estranho. A moça disse que só tinha seis. – Ele olhou para toda a fileira de
poltronas. – Cadê o Paddington?
– Paddington? – exclamou a sra. Brown. – Ele não está com você,
Henry?
– Não – respondeu o sr. Brown. – Achei que estava com você.
– Puxa vida – gemeu Judy. – Aposto que o Paddington se perdeu.
– Onde diabos ele pode ter ido? – resmungou o sr. Brown, acendendo
um fósforo e começando a olhar embaixo dos assentos.
– Estou aqui, senhor Brown! – gritou Paddington da outra ponta da
fileira. – Eu me enganei e vim até o final.
– Psiu! – disse uma voz zangada na fileira de trás.
– Está tudo escuro e eu não enxergo! – exclamou Paddington, passando
de volta por todos os assentos.
– Você está bem agora, querido? – sussurrou a sra. Brown enquanto
Paddington se sentava ao seu lado.
– Acho que sim – respondeu Paddington, olhando para a tela.
– Opa! – disse outra vez a voz zangada atrás deles. – Será que dá pra
tirar esse treco da frente?
Paddington se virou e olhou na direção de quem estava falando.
– Treco da frente? – ele perguntou. – Que treco da frente?
– Esse treco que você tem na cabeça – disse a voz.
– Acho que ele está falando do seu chapéu, querido – explicou a sra.
Brown. – Deve estar tapando a visão dele.
Paddington pensou por um instante. Não gostava nem um pouco da
ideia de tirar o chapéu, para não correr o risco de perdê-lo no escuro.
– Posso virar o chapéu ao contrário se você quiser – ele disse, generoso.
– Daí você pode olhar por um dos buracos.
Após ter resolvido o problema do homem atrás dele, Paddington
dedicou sua atenção à tela. Era tudo muito interessante, com pessoas
dançando e correndo de um lado para o outro e uma música que ficava cada
vez mais alta, mas ele achou difícil entender o que tudo aquilo significava.
Para sua surpresa, depois de apenas alguns minutos, a música terminou de
repente e todas as luzes do cinema se acenderam.
– Ora! – ele exclamou, parecendo bastante decepcionado. – Isso não foi
muito maravilhoso!
– Está tudo bem, Paddington – explicou Judy. – Isso é o que vai passar
na semana que vem. Esse foi só o trailer.
Mas as palavras dela caíram no vácuo, pois Paddington estava olhando
fixo para a tela outra vez, lambendo os bigodes.
– Ah, meu Deus – gemeu o sr. Brown, seguindo o olhar de Paddington.
– Eles tinham que passar uma propaganda de sorvete. É como se soubessem
que ele vinha. – Ele procurou alguma coisa nos bolsos. – É melhor você ir
comprar seis potinhos de sorvete e um pirulito ou algo assim para o filme
principal, Jonathan.
– Acho que vou me divertir com isso – anunciou Paddington alguns
minutos depois, enquanto o sr. Brown lhe entregava as guloseimas.
Ele enfiou a colher no pote de sorvete e ficou olhando empolgado para a
tela, enquanto as luzes se apagavam de novo para anunciar o começo do
filme de caubói.
Paddington gostou do filme de caubói muito mais que do trailer e logo
ficou bastante envolvido na história. Ficou em pé na poltrona com as patas
apoiadas na grade e os olhos grudados na tela. De vez em quando, enfiava
automaticamente a colher no pote de sorvete, e várias vezes um pedação de
sorvete caía da colher antes de chegar à sua boca, o que seria bastante difícil
de acontecer em outros momentos.
Era tudo bem complicado no começo. Todo mundo parecia estar
atirando em todo mundo, e Paddington ficou muito preocupado, achando
que não ia sobrar ninguém e eles iam ter de parar o filme.
Cada vez que aparecia o vilão – que vestia uma máscara preta e um
chapéu preto –, Paddington vaiava, e quando o herói aparecia, montado
num cavalo branco, ele comemorava e agitava o chapéu no ar, até a sra.
Brown ficar morrendo de vergonha. Ela não lamentou nem um pouco
quando, finalmente, o herói partiu cavalgando rumo ao sol poente e o filme
terminou.
– Bem divertido – disse a sra. Bird, o que era uma surpresa. A família
Brown, de algum modo, nunca tinha pensado na sra. Bird como alguém que
gosta de filmes de caubói. – Você gostou, Paddington?
Paddington fez que sim com a cabeça, vigorosamente.
– Gostei muito, obrigado, senhora Bird – falou. – Só não consigo
encontrar o meu pirulito em lugar nenhum.
– Não se preocupe, Paddington – disse o sr. Brown, depois que todos
tinham procurado o pirulito em vão. – Eu compro outro para você daqui a
pouco. Depois de ouvirmos o órgão.
Ele se recostou na poltrona com força e então se virou para ver
Paddington.
– Se você ficar olhando – ele explicou –, vai ver o órgão brotar do chão
daqui a um instante.
– Ele brota do chão? – perguntou Paddington. – Eu não me lembro de
ver um órgão brotar do chão antes.
– Ah, puxa – disse a sra. Bird. – Pelo jeito você não vai ver isso hoje.
Olhem!
Ela apontou para a tela, onde haviam acabado de projetar um anúncio
dizendo que o sr. Reginald Clove estava indisposto.
– O quê?! – gritou Paddington revoltado quando assimilou aquelas
palavras. – Reginald Clove indisposto!
– Isso quer dizer que ele está doente, querido – explicou a sra. Brown. –
Então ele não vai tocar.
– Que decepcionante! – falou o sr. Brown. – Faz um tempão que não
ouço um órgão. Estava com muita vontade de ouvi-lo.
Enquanto o resto da família Brown assistia aos comerciais na tela,
Paddington afundou de novo na poltrona e ouviu o sr. Brown descrever
como teria sido o órgão se ele tivesse brotado do chão afinal. O sr. Brown
gostava de órgãos e passou um bom tempo falando em detalhes sobre
aquilo.
– Henry – disse a sra. Brown quando ele terminou de falar. – Onde está
o Paddington?
– O Paddington? – perguntou o sr. Brown. – Não me diga que ele sumiu
de novo. Ele estava aqui agora há pouco.
– Só espero que ele não demore, aonde quer que tenha ido – disse a sra.
Brown. – Se ele perder o começo do filme principal, vai ser um drama.
Mas Paddington já estava quase fora de vista. Estava subindo depressa
pelo corredor lateral e saindo pela porta com a placa de SAÍDA. Havia uma
expressão decidida em seu rosto, que os Brown teriam reconhecido
imediatamente caso a tivessem visto.

Paddington não era o único com uma expressão decidida no rosto


naquele momento. Enquanto ele descia depressa uma das escadas de um
lado do cinema, pelo outro lado o gerente do Podium subia as escadas que
davam na sala de projeção.

Havia algo muito estranho acontecendo no cinema dele, e ele estava


determinado a descobrir o que era. Ele se orgulhava do fato de o Podium
normalmente ser um cinema muito bem administrado, mas, naquela noite,
as coisas tinham dado errado desde o começo.
Primeiro de tudo, a bilheteira – geralmente uma pessoa muito confiável
– tinha reclamado de um cheiro de peixe e de vozes misteriosas dizendo que
estavam acompanhadas, vindos de debaixo do guichê. Então Reginald Clove
tinha prendido os dedos numa porta e anunciado que não poderia tocar.
Uma história de que ele não conseguia tocar e virar a partitura com uma
mão só, ou algo assim.
Como se isso não bastasse, ele ouvira rumores de uma “bagunça” no
balcão. Era muito raro haver “bagunça” no balcão. Geralmente ele tinha
transtornos com os assentos mais baratos lá embaixo – mas nunca no
balcão.
Tinha havido reclamações de ursos urrando na primeira fila durante o
filme de caubói, e, enquanto passava pela plateia, ele também notara que
várias pessoas sentadas logo abaixo do balcão tinham manchas de sorvete
no chapéu. Era tudo muito perturbador, e ele não estava exatamente
contente quando entrou na sala de projeção agitando na mão um pedaço de
papel.
– Quero que projetem este recado na tela – ele disse, ríspido. – Agora!
– Minha Nossa Senhora! – exclamou a sra. Brown, alguns instantes
depois. – O que será que isso quer dizer?
O sr. Brown ajustou os óculos e olhou para a tela. “O PROPRIETÁRIO
DO JOVEM URSO NO BALCÃO, FAÇA O FAVOR DE COMPARECER À
SALA DO GERENTE IMEDIATAMENTE”, ele leu.
– Não sei, Mary – ele disse, começando a levantar-se da poltrona –, mas
com certeza vou descobrir.
– Proprietário, ora essa! – bufou a sra. Bird. – Como se alguém fosse
dono do Paddington.
– Eu diria que é bem o contrário, se você quer saber – disse o sr. Brown.
– O Paddington é que é dono da gente.
Enquanto ele estava falando, uma expressão estranha surgiu no seu
rosto.
– Enfim, Henry – disse a sra. Brown, olhando fixo para o marido –, você
não vai fazer alguma coisa a respeito?
– Eu… eu… não consigo me levantar! – exclamou o sr. Brown, tateando
o assento. – Parece que estou grudado em alguma coisa… um pirulito! – ele
disse, irritado. – O pirulito do Paddington! Não é à toa que o gerente quer
me ver na sala dele.

Sem ter a mínima ideia do alvoroço que estava acontecendo, Paddington


abriu uma porta e desceu pelo corredor da plateia até encontrar uma moça
vendendo sorvete.
– Com licença – ele disse, subindo numa poltrona e dando um tapinha
no ombro dela –, você pode me dizer onde está o homem indisposto?
– O homem indisposto? – repetiu a moça.
– Isso mesmo – disse Paddington, paciente. – Aquele que ia brotar do
chão.
– Ah, você quer dizer o organista – falou a moça. – O senhor Reginald
Clove. Ele está ali, depois daquela portinha. Aquela embaixo do palco.
Antes que ela pudesse explicar que ninguém podia entrar por aquela
porta sem permissão, Paddington já tinha desaparecido outra vez.
O sr. Reginald Clove pareceu bastante assustado quando Paddington
entrou pela porta. Ele estava esperando que viesse alguém, mas certamente
não esperava que fosse um urso.
– Você é da equipe de primeiros socorros? – ele perguntou, encarando
Paddington com um olhar de dúvida.
– Ah, não – disse Paddington, erguendo o chapéu num gesto educado. –
Sou dos Jardins de Windsor, número 32, e vim perguntar sobre o órgão.
O sr. Clove deu um passo para trás.
– Você veio perguntar sobre o órgão? – ele repetiu, tentando dialogar
com Paddington.
– Isso – disse Paddington. – Queria ver o órgão brotar do chão.
– Ah! – o rosto do sr. Clove se aliviou. – É só isso?
– Só! – exclamou Paddington, afobado. – É importantíssimo. O senhor
Brown estava com muita vontade de ver isso.
– Ah, meu bem – disse o sr. Clove, folheando ao acaso uma pilha de
partituras com a mão boa –, sinto muito. Queria poder ajudar, mas
machuquei minha mão, como você está vendo, e não tenho ninguém para
virar a partitura para mim, e…
Ele olhou para Paddington com um ar pensativo, depois perguntou de
repente:
– Você gosta de música, urso?
– Ah, sim – respondeu Paddington –, mas não toco nada. Só toco a
campainha às vezes, e o som não é lá muito interessante.
– Você acha que seria capaz de virar a partitura para mim? – perguntou
o sr. Clove.
– Bom – disse Paddington, hesitante –, é meio difícil para nós ursos por
causa das patas, mas, se você me disser quando eu devo virar, posso tentar.
O sr. Clove chegou a uma decisão.
– Então você serve – ele disse com pressa. – Venha comigo.

– Bagunça! – exclamou a sra. Bird, sacudindo sua bolsinha na cara do


gerente. – Não foi “bagunça” nenhuma. Ele só estava se divertindo.
– Urros de urso – disse o gerente, zangado. – No balcão do Podium. E
um pirulito num dos meus melhores assentos.
– Então você não devia vender pirulitos – respondeu a sra. Bird. – Está
pedindo para isso acontecer.
– Enfim, onde ele está agora? – o gerente exigiu saber. – Me digam.
Quero começar o filme principal. Já estamos cinco minutos atrasados.
Os Brown trocaram olhares aflitos. Conhecendo Paddington, ele podia
estar em qualquer lugar, mas, antes que tivessem tempo de responder, todos
ficaram em silêncio, assustados com um ronco forte que vinha da frente do
cinema e aumentava de volume cada vez mais, até que o prédio inteiro
começou a tremer.
– Minha nossa! – exclamou o gerente enquanto uma salva de palmas da
plateia se espalhava pela sala. – É Reginald Clove tocando “Rule Britannia”!
E com uma mão só!
Todos olharam por cima do balcão enquanto as luzes diminuíam e o
órgão brotava do chão, surgindo banhado em uma luz cor-de-rosa que
vinha de cima.
– Deus me livre e guarde! – gritou a sra. Bird, agarrando os braços da
poltrona. – E lá está aquele urso… que diabos ele está fazendo agora?

Paddington sentiu-se muito importante, ao brotar do chão em cima do


órgão, e queria poder virar de costas e acenar para os Brown para mostrar a
eles onde estava, mas encontrava-se ocupado demais seguindo as instruções
do sr. Clove.
Mesmo assim, houve um único momento desagradável quando, de tanta
empolgação, ele sem querer virou duas páginas da partitura de uma vez. O
sr. Clove pareceu bastante surpreso quando, de repente, se viu tocando um
trecho de “The Gondoliers”, em vez de “Rule Britannia”, mas recuperou-se
rapidamente e, na comoção geral, ninguém pareceu notar.
A plateia aplaudiu todas as músicas, e Paddington ficou bem triste
quando o sr. Clove apertou um botão do seu lado e o órgão começou a
afundar de novo no chão. Mas, quando o instrumento finalmente sumiu de
vista e as últimas notas de música se dissiparam no ar, veio uma onda de
aplausos dos espectadores com várias vozes pedindo bis.
Depois disso todo mundo concordou que, por melhor que fosse o filme
principal, o órgão tinha sido o ponto alto daquela noite. Até o gerente do
Podium parecia muito contente, e levou a família Brown para dar uma volta
nos bastidores do cinema antes de eles irem embora.
– Acho que não existem muitos ursos que já subiram num órgão – disse
Paddington, pensativo, quando eles já estavam voltando para casa. –
Principalmente um órgão que brota do chão.
– E eu acho – disse o sr. Brown, virando-se para olhar feio para
Paddington – que não existem muitas pessoas que ficaram grudadas no
assento por causa de um pirulito de urso.
Mas Paddington estava com os olhos fechados. Não estava exatamente
dormindo, porém tinha muitas coisas para escrever no seu álbum de
recortes quando fosse deitar naquela noite. Tinha gostado da ida ao cinema
e precisava pensar com bastante cuidado para pôr tudo aquilo em palavras.

1 Na época em que se passa a história, as sessões de cinema mostravam uma combinação


de filmes diversos, além de atrações especiais ao vivo. (N. do T.)
5
UMA COISA BIZARRA
NA COZINHA

– Dois dias! – exclamou a sra. Brown, olhando horrorizada para o dr.


MacAndrew. – O senhor está dizendo que nós temos que ficar de
cama durante dois dias inteiros?
– Exato – disse o dr. MacAndrew. – Há uma bactéria terrível solta por
aí e, se vocês não fizerem isso, não me responsabilizo pelas consequências.
– Mas a senhora Bird está viajando até amanhã – disse a sra. Brown. – E
o Jonathan e a Judy também… e… e com isso só resta o Paddington.
– Dois dias – repetiu o dr. MacAndrew, fechando sua maleta. – E nem
um minuto a menos. A casa não vai cair nesse meio-tempo.

– Uma coisa é certa – ele acrescentou, parando na porta e olhando para


o sr. e a sra. Brown com um brilho nos olhos. – O que quer que aconteça,
morrer de fome vocês não vão. Esse ursinho de vocês tem muito apreço pela
própria pança!
Dizendo isso, ele desceu para contar a notícia a Paddington.
– Minha nossa – gemeu o sr. Brown, quando a porta se fechou após o
médico sair. – Acho que já estou me sentindo pior.
Paddington sentiu-se muito importante enquanto ouvia o que o dr.
MacAndrew tinha a dizer e anotou cuidadosamente todas as instruções.
Depois de conduzir o médico até a porta e dar tchau para ele com a pata,
correu de volta até a cozinha para pegar seu carrinho de compras.
Geralmente, para Paddington, fazer compras no mercado era uma
atividade muito descontraída. Ele gostava de parar para conversar com os
vários comerciantes na Portobello Road, onde era uma figura bem
conhecida. Ter Paddington como cliente era considerado uma pequena
honra, pois ele tinha um olho excelente para bons negócios. Mas, naquela
manhã específica, ele mal teve tempo de passar na padaria para buscar seus
pãezinhos matinais.
Era cedo e o sr. Gruber ainda não abrira as persianas da loja, por isso
Paddington embrulhou um dos pãezinhos quentes num pedaço de papel,
onde escreveu, do lado de fora, um recado dizendo de quem era e
explicando que não poderia vir tomar o chocolate das onze com ele naquela
manhã, e então enfiou o embrulho na caixa de correio.
Depois de terminar as compras e passar na farmácia com a receita do dr.
MacAndrew, Paddington voltou apressado para casa, nos Jardins de
Windsor, número 32.
Poucas vezes acontecia de Paddington ter a oportunidade de dar uma
ajuda em casa, muito menos de preparar o jantar, e ele estava adorando a
ideia. Especialmente, fazia dias que ele estava de olho em um novo
espanador de pó da sra. Bird, ansioso para testá-lo.
– Preciso dizer que o Paddington parece muito profissional vestindo
este avental velho da senhora Bird – disse a sra. Brown algumas horas
depois. Ela estava sentada na cama, segurando uma xícara e um pires. – E
foi gentil ele ter nos trazido um café.
– Muito gentil – concordou o sr. Brown –, mas eu preferiria que ele não
tivesse nos trazido este monte de sanduíches também.
– Realmente, estão meio grossos – concordou a sra. Brown, olhando
desconfiada para um dos sanduíches. – Ele disse que eram para uma
emergência. Não entendi direito o que ele quis dizer com isso. Espero que
esteja tudo bem.
– Isso está me soando mal – disse o sr. Brown. – Hoje de manhã houve
vários silêncios estranhos… como se estivesse acontecendo alguma coisa. –
Ele deu uma fungada. – E parece haver um cheiro forte de penas queimadas
vindo de algum lugar.
– Bom, é melhor você comer os sanduíches, Henry – advertiu a sra.
Brown. – Ele usou a geleia de laranja especial que ele próprio comprou no
mercado e certamente está tentando nos agradar. Ele não vai deixar você em
paz se sobrar algum sanduíche no prato.
– Sim, mas seis! – resmungou o sr. Brown. – Eu nem sou tão apaixonado
por geleia de laranja. E logo ao meio-dia! Vou perder a fome para o almoço.
Ele olhou pensativo para a janela, depois para o prato de sanduíches.
– Não, Henry – disse a sra. Brown, lendo os pensamentos dele. – Você
não vai dar aos passarinhos. Acho que eles não gostam de geleia de laranja.
– Enfim – ela acrescentou –, o Paddington disse que o almoço vai
atrasar, por isso fique contente de ter estes sanduíches.
Ela olhou para a porta, aflita.
– Mesmo assim, eu queria poder ver o que está acontecendo. O pior de
tudo é não ter como saber. Ele estava com os bigodes cobertos de farinha
quando subiu agora há pouco.
– Sinceramente – disse o sr. Brown –, acho melhor você nem querer
saber.
Ele tomou um longo gole da sua xícara e então deu um pulo na cama,
cuspindo.
– Henry querido! – exclamou a sra. Brown. – Tome cuidado. Você vai
derramar café no lençol inteiro.
– Café! – berrou o sr. Brown. – Você falou que isto era café?
– Eu não falei, querido – disse a sra. Brown numa voz gentil. – O
Paddington falou. – Ela tomou um gole da sua própria xícara, então fez uma
careta. – Tem mesmo um gosto bastante exótico.
– Exótico! – exclamou o sr. Brown. – Não tem gosto de absolutamente
nada. – Ele olhou feio para a xícara e cutucou o líquido com a colher,
ressabiado. – Também tem umas coisinhas verdes estranhas boiando!
– Coma um sanduíche de geleia – disse a sra. Brown. – Vai ajudar a tirar
esse gosto da boca.
O sr. Brown lançou um olhar expressivo para a esposa.
– Dois dias! – ele falou, afundando de volta na cama. – Dois dias
inteiros!
No andar de baixo, Paddington estava meio atrapalhado. A cozinha
estava uma bagunça, e, aliás, também o hall, a sala de jantar e a escada.
As coisas não tinham ido muito bem desde que ele levantara um canto
do tapete da sala de jantar para varrer a poeira para debaixo dele e
descobrira uma série de jornais antigos bem interessantes. Paddington deu
um suspiro. Talvez, se não tivesse passado tanto tempo lendo os jornais, ele
não tivesse tido tanta pressa para terminar de varrer e espanar. Então talvez
tivesse sido mais cuidadoso na hora de passar o espanador de pó da sra. Bird
por cima do aquecedor de água.
E, se ele não tivesse colocado fogo no espanador de pó, talvez tivesse
conseguido passar mais tempo preparando o café.
Paddington sentiu-se muito culpado pelo café e se arrependeu de não tê-
lo experimentado antes de levar para o quarto do sr. e da sra. Brown. Ficou
muito contente de ter decidido fazer chocolate quente para si mesmo, em
vez de café.
A manhã nem havia avançado muito e Paddington já não tinha mais
nenhuma panela livre. Era a primeira grande refeição que ele cozinhava na
vida, e ele queria que fosse uma coisa especial. Após consultar
cuidadosamente o livro de culinária da sra. Bird, ele marcou receitas com
tinta vermelha, montando um cardápio que tinha um pouco de tudo.

Mas, quando ele finalmente pôs o ensopado para ferver em uma panela
grande, as batatas em outra panela, as ervilhas numa terceira, a couve-de-
bruxelas em mais outra, e usou pelo menos mais quatro panelas para
misturar ingredientes, no fim, só sobrou a chaleira elétrica para colocar o
repolho. Infelizmente, na pressa em que estava para fazer o café, Paddington
esqueceu completamente de tirar o repolho da chaleira.
Agora ele estava se atrapalhando para fazer os dumplings!
Paddington adorava um bom ensopado, principalmente quando era
servido com dumplings, bolinhos cozidos junto com o ensopado, mas estava
começando a se arrepender de não ter escolhido outra receita para preparar
para o almoço. Ele tinha procurado o capítulo sobre dumplings no livro de
culinária da sra. Bird e seguido as instruções com todo o cuidado, colocando
duas partes de farinha para uma de gordura de boi e então acrescentando
leite antes de misturar tudo. Mas, por algum motivo, em vez de a mistura
virar umas bolas redondinhas como mostrava a foto colorida, tinha virado
uma papa líquida. Então, quando ele acrescentou mais farinha e mais
gordura, a mistura ficou cheia de caroços e grudou nos pelos das patas dele;
por isso, ele teve de colocar mais leite e depois mais farinha e mais gordura,
até o ponto em que havia uma enorme montanha de mistura para bolinho
no meio da mesa da cozinha.
Paddington concluiu que, de modo geral, aquele simplesmente não era
seu dia. Ele limpou as patas com cuidado no avental da sra. Bird e, depois de
procurar em vão uma tigela que fosse grande o bastante, colocou toda a
mistura para bolinhos dentro do próprio chapéu.

Ficou muito mais pesado do que ele esperava, e ele teve um trabalhão
para carregar aquilo até o fogão. Ainda mais difícil foi colocar a mistura
dentro do ensopado, pois os bolinhos ficavam grudando nas patas dele e,
assim que ele conseguia desgrudá-los de uma pata, grudavam
imediatamente na outra. No fim, ele teve de sentar no escorredor de pratos
e usar o cabo da vassoura.
Paddington não estava achando muito bom aquele livro de culinária da
sra. Bird. As instruções pareciam todas erradas. Tinha sido difícil fazer os
bolinhos, e, além disso, os que eles mostravam na foto eram pequenos
demais. Não eram nem um pouco parecidos com os que a sra. Bird
geralmente fazia. Mesmo Paddington quase nunca conseguia comer mais de
dois bolinhos da sra. Bird.
Depois de esfregar as patas para tirar os últimos restos da mistura,
Paddington tampou a panela e saiu dali de perto. O vapor da panela tinha
deixado seus pelos empapados, e ele se sentou no chão, no meio da cozinha,
por vários minutos, recuperando o fôlego e enxugando a testa com um pano
de prato velho.
Foi quando ele estava ali sentado, limpando do chapéu os restos de
bolinhos e lambendo a colher, que ele sentiu alguma coisa se mexer atrás
dele. Não só isso; com o canto do olho ele viu uma sombra no chão que
certamente não estava ali um instante atrás.
Paddington ficou totalmente imóvel, prendendo a respiração e
escutando. Não era tanto um barulho, era mais uma sensação, e parecia
estar chegando cada vez mais perto, fazendo um ruído leve, como se
estivesse roçando em alguma coisa enquanto se aproximava. Paddington
sentiu os pelos começarem a se arrepiar quando surgiu um som vagaroso,
um plop… plop… plop… pelo chão da cozinha. E então, quando ele estava
tomando coragem para olhar por cima do ombro, ouviu um estrondo
gigantesco vindo da direção do forno. Sem esperar para ver o que era,
Paddington cobriu a cabeça com o chapéu e saiu correndo, fechando a porta
atrás de si.
Ele chegou ao hall de entrada no instante em que alguém estava batendo
com força na porta da casa. Para seu alívio, ouviu uma voz conhecida
chamar seu nome pela caixa de correio.
– Recebi seu recado, senhor Brown…, de que hoje você não poderia vir
tomar o chocolate das onze – começou a dizer o sr. Gruber enquanto
Paddington abria a porta – e pensei em dar uma passada aqui para ver se há
algo que eu possa fazer… – Sua voz foi sumindo enquanto ele olhava para
Paddington.

– Minha nossa, senhor Brown! – ele exclamou. – Você está totalmente


branco! Aconteceu alguma coisa?
– Não se preocupe, senhor Gruber! – gritou Paddington, sacudindo as
patas no ar. – É só um pouco de farinha da senhora Bird. Infelizmente não
posso erguer meu chapéu porque ele está grudado por causa da mistura
para bolinhos… mas fico muito contente que o senhor tenha vindo, porque
tem uma coisa bizarra na cozinha!
– Uma coisa bizarra na cozinha? – repetiu o sr. Gruber. – Que tipo de
coisa?
– Não sei – disse Paddington, lutando com o chapéu. – Mas tem uma
sombra e está fazendo um barulho estranho.
O sr. Gruber olhou em volta, nervoso, procurando alguma coisa com
que se defender.
– Vamos ver que coisa é essa – ele disse, tirando da parede um antigo
braseiro de metal que estava ali pendurado.
Paddington o conduziu até a cozinha e ficou do lado da porta.
– Você primeiro, senhor Gruber – ele falou educadamente.
– Hã… obrigado, senhor Brown – disse o sr. Gruber, não muito
confiante.

Ele segurou o braseiro de metal com força nas duas mãos e então abriu a
porta com um chute.
– Saia daí! – ele gritou. – Quem quer que você seja!
– Não acho que é quem, senhor Gruber – disse
Paddington, espiando pela porta. – É o quê!
– Cruz credo! – exclamou o sr. Gruber, olhando para a cena que tinha
diante dos olhos. – O que foi que aconteceu aqui?
A cozinha estava quase toda coberta por uma fina camada de farinha.
Havia farinha na mesa, na pia, no chão; na verdade, em cima de
praticamente tudo. Mas não foi o estado geral da cozinha que fez o sr.
Gruber gritar de surpresa… foi a visão de uma enorme coisa branca prestes
a cair pela lateral do fogão.
Ele olhou aquilo por um instante, então avançou cautelosamente pela
cozinha e espetou a coisa com o cabo do braseiro. Ouviu-se um barulho de
algo se contorcendo, e o sr. Gruber pulou para trás quando parte da coisa se
rompeu e caiu no chão com um ploft.
– Cruz credo! – ele exclamou de novo. – Acredito mesmo que seja
alguma espécie de bolinho, senhor Brown. Nunca vi um bolinho tão grande
na minha vida – ele continuou falando enquanto Paddington se aproximava.
– Cresceu tanto que ficou maior que a panela, derrubando a tampa no chão.
Não foi à toa que você levou um susto.
O sr. Gruber enxugou a testa e abriu a janela. Fazia muito calor na
cozinha.
– Como você conseguiu deixá-lo desse tamanho?
– Não sei muito bem, senhor Gruber – disse Paddington, bastante
confuso. – É um dos que eu fiz, e não estava assim no começo. Acho que
alguma coisa deve ter dado errado dentro da panela.
– Parece que sim – falou o sr. Gruber. – Se eu fosse o senhor, senhor
Brown, acho que desligaria o fogão antes que essa coisa pegue fogo e cause
mais estragos. Não tem como saber o que vai acontecer quando isso sair de
controle… – Quem sabe, se o senhor me permitir – ele continuou, com
delicadeza –, eu possa dar uma mãozinha. Deve ser muito difícil cozinhar
para tantas pessoas.
– É difícil para alguém que só tem patas, senhor Gruber – disse
Paddington, agradecido.
O sr. Gruber deu uma farejada no ar.
– Devo dizer que o cheiro está muito bom. Se nós fizéssemos mais
bolinhos depressa, todo o resto já estaria quase pronto.
Enquanto entregava a farinha e a gordura para
Paddington, o sr. Gruber explicou que os bolinhos ficavam muito maiores
depois de cozidos e que, na verdade, só era necessária uma pequena
quantidade de mistura para fazer bolinhos bem grandes.
– Não foi à toa que os seus ficaram tão grandes, senhor Brown – ele
disse, carregando o enorme bolinho de Paddington para dentro da bacia de
lavar pratos. – O senhor deve ter usado quase um saco inteiro de farinha.
– Dois sacos – disse Paddington, olhando por cima do ombro. – Não sei
o que a senhora Bird vai dizer quando ficar sabendo.
– Se nós comprarmos mais farinha para ela – sugeriu o sr. Gruber,
andando com a bacia pesada até o jardim –, quem sabe ela não fique tão
chateada.

– Que estranho – disse o sr. Brown, olhando pela janela do quarto. –


Apareceu de repente uma enorme coisa branca no jardim. Bem atrás do
canteiro de azaleias.
– Que bobagem, Henry – falou a sra. Brown. – Você deve estar vendo
coisas.
– Não estou – disse o sr. Brown, limpando os óculos e olhando outra
vez. – É uma coisa branca e disforme, com uma aparência horrível. O
senhor Curry também viu… está espiando por cima da cerca. Você sabe o
que é isso, Paddington?
– Uma enorme coisa branca, senhor Brown? – repetiu Paddington
vagamente, indo para junto dele na janela. – Talvez seja uma bola de neve.
– No verão? – perguntou o sr. Brown, desconfiado.
– Henry – disse a sra. Brown –, saia daí e venha decidir o que você quer
no almoço. O Paddington teve o cuidado de fazer um cardápio para nós.
O sr. Brown recebeu da esposa uma grande folha de papel, e seu rosto se
iluminou quando ele viu o que estava escrito. O papel dizia:

CAR DAPIO
––
SOPA
––
PEICHE
––
HOMELETES
––
ROZ-BIFE
––
Insopado com Bolinhos – Batátas
Couve de Bruchelas Ervílias
Repolio – Molio de carne
––
GELEIA E CREME DE BAUNÍLIA
––
CAFÊ

– Que ótimo! – exclamou o sr. Brown quando terminou de ler. – E que


boa ideia grudar pedaços de legumes no cardápio como ilustração. Nunca vi
ninguém fazer isso.
– Na verdade não era para eles estarem aí, senhor Brown – disse
Paddington. – Acho que vieram das minhas patas.
– Ah – disse o sr. Brown retorcendo o bigode, pensativo. – Humm…
Bom, vejamos, acho que vou querer a sopa e o peixe.
– Infelizmente acabou – respondeu Paddington depressa, lembrando de
uma vez em que eles tinham saído para comer e chegaram tarde no
restaurante.
– Acabou? – disse o sr. Brown. – Mas não pode ter acabado. Ninguém
pediu nada ainda.
A sra. Brown o puxou de lado.
– Acho que ele quer que a gente peça o ensopado com bolinhos, Henry
– ela sussurrou. – Estão grifados.
– Como assim, Mary? – perguntou o sr. Brown, que às vezes era meio
lento para compreender as coisas. – Ah! Ah, entendi… hã… pensando bem,
Paddington, acho que prefiro o ensopado.
– Que bom – disse Paddington –, porque eu já coloquei numa bandeja
do lado da porta.
– Pelas barbas do profeta! – exclamou o sr. Brown enquanto Paddington
entrava cambaleando, ofegando, carregando primeiro um prato e depois
outro, cada um com uma pilha alta de ensopado. – Devo dizer que não
estava esperando uma coisa deste nível.
– Você cozinhou tudo isso sozinho, Paddington? – perguntou a sra.
Brown.
– Bem… quase tudo – respondeu Paddington, falando a verdade. – Tive
um pequeno acidente com os bolinhos, e por isso o senhor Gruber me
ajudou a fazer mais.
– Tem certeza de que sobrou o suficiente para vocês almoçarem
também? – disse a sra. Brown, aflita.
– Ah, sim – respondeu Paddington, fazendo muito esforço para não
pensar no estado da cozinha. – Tem o suficiente para vários dias.
– Bom, acho que você merece parabéns – disse o sr. Brown. – Estou
adorando esta comida. Aposto que não existem muitos ursos que podem
dizer que já prepararam uma refeição como esta. É um verdadeiro banquete.
Os olhos de Paddington se iluminaram de prazer quando ele ouviu o sr.
e a sra. Brown falarem. Tinha dado um trabalhão, mas ele estava contente
de que tudo tinha valido a pena – mesmo que ainda houvesse toda aquela
sujeira para limpar.
– Sabe de uma coisa, Henry? – disse a sra. Brown enquanto Paddington
corria para baixo para falar com o sr. Gruber. – Acho que nós demos muita
sorte de ter um urso como o Paddington em casa num caso de emergência.
O sr. Brown se recostou no travesseiro e olhou para a montanha de
comida no seu prato.
– O doutor MacAndrew tinha razão sobre uma coisa – ele disse. –
Enquanto o Paddington estiver tomando conta de nós, o que quer que
aconteça, com certeza não vamos morrer de fome.
6
PROBLEMAS NA
LAVANDERIA

A
porta verde da casa no número 32 dos Jardins de Windsor se abriu
lentamente, e um bigode de urso e duas orelhas pretas espiaram pela
fresta. Viraram primeiro para a direita, depois para a esquerda, e então, de
repente, sumiram outra vez.
Alguns segundos depois, o silêncio da manhã foi interrompido por um
estranho barulho de rodas girando, seguido de uma série de batidas fortes,
enquanto Paddington descia com o carrinho de mão do sr. Brown e o
empurrava até a calçada. Ele olhou para os dois lados da rua mais uma vez,
depois correu de volta para dentro da casa.
Paddington fez várias viagens entre a casa e o carrinho de mão e, cada
vez que passava pela porta da frente, estava carregando nas patas uma
grande pilha de coisas.
Havia roupas, lençóis, fronhas, toalhas de banho, várias toalhas de mesa,
além de algumas blusas de lã velhas que pertenciam ao sr. Curry. Todas
essas coisas foram cuidadosamente colocadas no carrinho de mão.
Paddington achou ótimo que não houvesse ninguém olhando. Com
certeza, nem a família Brown nem o sr. Curry aprovariam se soubessem que
ele estava usando o carrinho de mão para levar a roupa deles para uma
lavanderia automática. Mas acontecera uma emergência, e Paddington não
era o tipo de urso que se deixa abater por pequenos contratempos.
Ele estivera bastante ocupado, entre uma coisa e outra. A sra. Bird
voltaria logo antes do almoço, e havia muita coisa para limpar. Paddington
passara a maior parte do começo da manhã rodando pela casa com o que
restava do espanador de pó, limpando manchas de farinha da aventura
culinária do dia anterior e deixando tudo arrumado de modo geral.
Foi enquanto tirava pó da lareira da sala de jantar que ele de repente
encontrou uma pequena pilha de dinheiro e um dos bilhetes da sra. Bird. Ela
sempre deixava bilhetes pela casa para lembrar as pessoas de fazer certas
coisas. Esse tinha o título LAVANDERIA e estava fortemente sublinhado.
O bilhete dizia que alguém viria ainda naquele dia recolher a roupa da
família Brown para lavar e também tinha um post-scriptum no final, dizendo
que o sr. Curry havia combinado de mandar algumas coisas também e
pedindo que elas fossem recolhidas.
Paddington correu pela casa o mais rápido que pôde, mas ainda assim
demorou um bom tempo para recolher toda a roupa suja da família Brown e
se atrasou ainda mais ao ter de ir buscar as coisas do sr. Curry. Ele estava tão
ocupado fazendo uma lista de todas as coisas para lavar que não tinha
escutado direito a pessoa batendo na porta e chegara só a tempo de ver o
furgão da lavanderia indo embora. Paddington havia corrido atrás do furgão,
gritando e sacudindo as patas, mas ou o motorista não o tinha visto, ou
tinha preferido não ver, pois o furgão havia virado a esquina sem nem
mesmo ter chegado à metade dos Jardins de Windsor.

Foi enquanto ele estava sentado na pilha de roupas sujas no corredor,


tentando decidir o que fazer e como explicar tudo à sra. Bird, que
Paddington pensara na ideia da lavanderia automática.
O sr. Gruber já tinha lhe falado várias vezes sobre lavanderias
automáticas. Ele levava sua própria roupa para lavar num lugar desses,
sempre nas quartas à noite, quando elas ficavam abertas até tarde.
– E é uma coisa excelente, senhor Brown – ele gostava de dizer. – Basta
colocar as roupas numa grande máquina, e então você senta e fica
esperando que ela faça todo o trabalho. Você também acaba conhecendo
pessoas interessantes. Já tive várias conversas agradáveis. E, se não quiser
conversar, sempre pode assistir às roupas que ficam girando dentro da
máquina.
O sr. Gruber sempre falava daquilo como se fosse interessantíssimo, e
Paddington várias vezes já quisera investigar o assunto. A única dificuldade,
até onde ele podia imaginar, era conseguir levar toda a roupa até a
lavanderia. Os Brown sempre tinham muita roupa para lavar, era coisa
demais para caber na sacola de compras, e a lavanderia ficava um pouco
longe, no topo de uma colina.
No fim, o carrinho de mão do sr. Brown parecia a única resposta para o
problema. Mas agora que tinha terminado de carregar as roupas nele e
estava prestes a partir Paddington olhou para aquilo com certa apreensão.
Ele mal conseguia alcançar as alças do carrinho com as patas, e, quando
tentou erguê-lo, estava muito mais pesado do que parecia. Além disso, a
pilha de roupas era tão grande que ele não conseguia enxergar pelos lados, e
muito menos por cima, o que dificultava bastante a tarefa de empurrar.
Para garantir sua segurança, ele amarrou um lenço na ponta de um
velho cabo de vassoura, que ele então enfiou na frente do carrinho de mão,
para avisar às pessoas que estava passando. Paddington já tinha visto vários
caminhões fazerem isso ao transportarem uma carga pesada e não estava
disposto a correr nenhum risco.
Diversos transeuntes viraram a cabeça para assistir à subida de
Paddington, que ia avançando lentamente morro acima. Várias vezes a roda
ficou presa numa grade de esgoto, e foi preciso que um pedestre gentil
ajudasse a soltá-la. E a certa altura, quando ele tinha de atravessar uma rua
muito movimentada, um policial segurou o trânsito para ele.
Paddington agradeceu muito e ergueu o chapéu para todos os carros e
ônibus que estavam esperando e responderam buzinando com força.
Era um dia quente, e mais de uma vez ele precisou parar para enxugar a
testa com uma fronha, por isso não ficou nem um pouco triste quando virou
a esquina e viu que já estava em frente à lavanderia automática.
Ele sentou na beira da calçada por alguns instantes para recuperar o
fôlego e, quando se levantou de novo, ficou surpreso ao encontrar uma
velha roda de bicicleta enferrujada, jogada em cima da roupa para lavar.
– Acho que alguém pensou que você fosse um urso catador de entulho
– disse a mulher robusta com ar maternal que tomava conta da lavanderia
quando saiu para ver o que estava acontecendo.
– Um urso catador de entulho? – exclamou Paddington, indignado. Ele
parecia bastante ofendido. – Não sou um urso catador de entulho. Sou um
urso lavador de roupa.
A mulher ficou escutando enquanto Paddington explicava por que tinha
vindo, e imediatamente chamou uma assistente para ajudá-lo a subir a
escada com o carrinho de mão.
– Pelo jeito você vai lavar a roupa da rua inteira? – ela perguntou, vendo
aquela montanha de roupa.
– Ah, não – disse Paddington, acenando vagamente com a pata na
direção dos Jardins de Windsor. – É para a senhora Bird.
– Senhora Bird? – repetiu a mulher robusta, vendo as blusas de lã do sr.
Curry e umas velhas meias de jardinagem do sr. Brown que estavam bem no
topo da pilha. Ela abriu a boca como se fosse dizer algo, mas fechou
depressa quando viu Paddington olhando fixo para ela.
– Acho que você vai precisar de quatro máquinas para esse tanto de
roupa – ela disse rapidamente, indo para trás do balcão. – Sorte sua que
hoje é um dia de pouco movimento. Vou colocar você nas máquinas do
fundo: onze, doze, treze e catorze. Assim você não fica atrapalhando o
caminho. – Ela olhou para Paddington. – Você sabe operar as máquinas,
certo?
– Acho que sei – respondeu Paddington, fazendo esforço para lembrar
tudo o que o sr. Gruber dissera.
– Bom, se tiver alguma dificuldade, as instruções estão pregadas na
parede. – A mulher entregou a Paddington oito tubinhos de plástico cheios
de pó. – Aqui está o sabão em pó – ela continuou. – São dois tubos para
cada máquina. Você despeja um tubo inteiro no buraco na parte de cima
cada vez que a luz vermelha se acender. São quatro libras, por favor.
Paddington contou o dinheiro da sra. Bird e, depois de agradecer à
mulher, começou a empurrar o carrinho até a outra ponta do salão.
Enquanto dirigia o carrinho, contornando os pés das pessoas, ele foi
examinando a lavanderia automática com bastante interesse. Era
exatamente como o sr. Gruber tinha descrito. As máquinas de lavar, todas
brancas e brilhantes, estavam alinhadas em todas as paredes, e no meio do
salão havia duas grandes filas de cadeiras. As máquinas tinham portinholas
de vidro, e Paddington espiou por várias delas enquanto passava e observou
a roupa girando sem parar no meio daquela água com sabão.
Quando ele chegou à outra ponta do salão, estava bastante
entusiasmado, e ansioso, para experimentar aquilo com a roupa da família
Brown.
Depois de subir em uma das cadeiras e estudar as instruções na parede,
Paddington virou toda a roupa no chão e começou a separá-la em quatro
pilhas, colocando todas as blusas de lã do sr. Curry numa máquina e as
roupas da família Brown nas outras três.

Mas, embora tivesse lido as instruções com muito cuidado, Paddington


logo começou a desejar que o sr. Gruber estivesse ali para lhe dar alguns
conselhos. Primeiro de tudo, havia o problema daquele botão na frente de
cada máquina. Nele estava escrito “água quente” e “água morna”, e
Paddington não tinha nenhuma certeza do que fazer com aquilo. Porém,
sendo um urso que acredita em fazer valer o dinheiro que pagou, decidiu
colocar todas as máquinas em “água quente”.
E então havia a questão do sabão. Ter de cuidar de quatro máquinas
tornava aquilo muito difícil, principalmente porque, toda vez, ele precisava
subir numa cadeira para colocá-lo. Assim que uma luz vermelha se apagava
em uma das máquinas, a luz da outra se acendia, e Paddington passou os
primeiros dez minutos correndo entre as quatro máquinas, derramando
sabão em pó nos buracos o mais rápido que podia. Houve um momento
desagradável em que, por engano, ele pôs sabão na máquina número dez, e a
água fez tanta espuma que escorreu por todos os lados, mas a moça que
estava usando a máquina foi muito simpática e explicou que já tinha
colocado duas doses de sabão. Paddington ficou contente quando todas as
luzes vermelhas finalmente se apagaram e ele pôde sentar em uma das
cadeiras e descansar as patas.

Ele ficou um tempo ali sentado, observando as peças de roupa que


giravam e giravam lentamente, mas era um movimento tão calmo e
relaxante, e ele estava tão cansado depois de todo aquele esforço, que em
questão de minutos caiu no sono. De repente, ele foi despertado de novo
pelo barulho de uma confusão e por alguém o cutucando.
Era a mulher robusta encarregada da lavanderia, e ela estava olhando
para uma das máquinas de Paddington.
– O que você pôs na máquina número catorze? – ela queria saber.
– Número catorze? – Paddington pensou por um instante e então
consultou sua lista de roupas. – Acho que coloquei umas blusas de lã – ele
disse.
A mulher robusta levantou as mãos, horrorizada.
– Oh, Else! – ela berrou, chamando uma de suas assistentes. – Este
jovem urso pôs as blusas de lã dele no número catorze por engano!
– O quê?! – exclamou Paddington. – Não coloquei por engano. Foi de
propósito. Além disso – ele acrescentou, parecendo bastante preocupado
com a expressão no rosto da mulher –, as blusas de lã não são minhas, são
do senhor Curry.
– Bom, quem quer que seja o dono – disse a mulher enquanto corria
para desligar a máquina –, espero que seja uma pessoa comprida e magra.
– Oh, minha nossa! – disse Paddington, ficando cada vez mais
preocupado. – O senhor Curry é bem baixinho, infelizmente.
– É uma pena – disse a mulher em tom de compaixão. – Porque agora
ele tem blusas compridas. Você deixou a máquina em “água quente”, e
nunca se deve fazer isso com peças de lã. Tem um aviso especial sobre isso.
Paddington ficou olhando horrorizado enquanto a mulher tirava da
máquina uma massa gotejante de lã e a colocava no carrinho de mão.
– As blusas do senhor Curry! – ele exclamou, lamentando-se, enquanto
afundava de volta na cadeira.
Paddington já estava um pouco preocupado com as blusas do sr. Curry,
desde o início. Depois do episódio da mesa de cozinha, ele não estava muito
a fim de encontrar o sr. Curry e tivera de ficar esperando o momento certo
antes de entrar escondido na cozinha dele. Ele achara as blusas numa pilha
ao lado da pia, mas não havia nada dizendo se eram para lavar ou não.
Paddington tinha um pressentimento incômodo de que a resposta era “não”,
e agora estava certo.
Paddington muitas vezes descobria que as surpresas sempre vêm aos
pares e, enquanto estava ali sentado na cadeira, teve a segunda surpresa
daquela manhã.
Seus olhos quase pularam para fora do rosto quando uma das outras
máquinas que continham as roupas da família Brown começou a fazer um
barulho muito estranho, uma espécie de zumbido. Depois do zumbido
vieram vários cliques bem fortes, e Paddington ficou olhando para a
máquina com espanto, conforme a roupa lá dentro começava a girar cada
vez mais rápido, até desaparecer de repente, deixando só um enorme buraco
no meio.
Ele se levantou com um pulo e foi espiar pela portinhola de vidro para
ver o espaço vazio onde a roupa estivera apenas há alguns instantes. Então
começou a mexer com pressa no botão do lado da máquina. Tudo aquilo
era muito estranho e certamente precisava ser investigado.
Paddington não entendeu muito bem o que aconteceu em seguida, mas,
assim que abriu a porta da máquina, veio um jorro de água quente
misturada com sabão que quase derrubou seu chapéu, e, quando ele tombou
para trás no chão, a maior parte da roupa que ele estava lavando para a sra.
Bird caiu bem em cima da cabeça dele.
Paddington ficou ali deitado de costas numa poça d’água, ouvindo os
gritos e gemidos que vinham de todos os lados. Então fechou os olhos,
tapou as orelhas com as patas e ficou esperando acontecer o pior.

– Acho que está havendo algum problema na lavanderia automática –


disse a sra. Bird. – Quando passei por lá de ônibus agora há pouco, tinha um
monte de gente do lado de fora, água escorrendo pela porta… e espuma por
toda parte.
– Na lavanderia automática? – perguntou a sra. Brown, parecendo
bastante preocupada.
– Isso mesmo – disse a sra. Bird. – E entrou um ladrão na casa do
senhor Curry. Alguém esteve na cozinha dele em plena luz do dia e roubou
umas blusas de lã que ele tinha separado para levar para arrumar.
A sra. Bird tinha acabado de chegar de seus dias de folga e estava
conversando com a sra. Brown sobre as novidades.
– Se eu soubesse o que estava acontecendo – ela continuou –, não teria
conseguido relaxar nem um minuto. O Jonathan e a Judy estão viajando, e
você e o senhor Brown de cama!
Ela ergueu as mãos, pensando em como tudo aquilo era horrível.
– Estamos muito bem – disse o sr. Brown, sentando-se na cama. – O
Paddington estava cuidando de nós.
– Hummm – fez a sra. Bird. – Disso eu não duvido.
A sra. Bird tinha subido até o andar de cima e também tinha encontrado
os restos do seu espanador de pó escondidos no cabideiro do corredor.
– Você viu o Paddington em algum lugar? – perguntou a sra. Brown. –
Ele saiu agora há pouco, mas disse que não ia demorar muito.
– Não – disse a sra. Bird. – E essa é outra questão. Tem uns rastros do
carrinho de mão pela casa. Partindo do galpão, passando pela cozinha e
saindo pela porta da frente.
– Rastros do carrinho de mão? – repetiu o sr. Brown. – Mas eu estou de
cama faz dois dias.
– Pois é – disse a sra. Bird, num tom sério. – É justamente disso que eu
estou falando!

Enquanto os Brown tentavam resolver o mistério dos rastros do


carrinho de mão, Paddington estava ainda mais atrapalhado na lavanderia
automática.
– Mas eu só abri a porta para ver onde a roupa tinha ido parar – ele
explicou. Ele estava sentado no balcão, embrulhado em um cobertor,
enquanto limpavam aquela bagunça.
– Mas a roupa não tinha ido a lugar nenhum – disse a mulher robusta. –
Só parecia que as coisas tinham desaparecido porque estavam girando
muito depressa. Isso sempre acontece. – Ela procurou palavras para se
explicar. – É um… é uma espécie de fenômeno.
– Um fê-nome-no? – repetiu Paddington. – Mas as instruções não
falavam nada sobre um fenômeno.
A mulher deu um suspiro. Era meio difícil explicar o funcionamento de
uma máquina de lavar, e ela não tinha muita experiência em lidar com
ursos.
– Minhas máquinas estão cobertas de espuma! – ela exclamou. – E o
chão inteiro molhado. Nunca vi uma bagunça dessas!
– Ai, puxa – disse Paddington, desanimado. – Me meti em mais uma
encrenca.
Ele olhou para a pilha de roupas ao seu lado, lavadas pela metade. Não
sabia o que a sra. Bird ia dizer quando ficasse sabendo disso, e quanto ao sr.
Curry…
– Vamos fazer o seguinte – disse a mulher robusta quando viu a
expressão no rosto de Paddington. – Já que é a primeira vez que você vem
aqui e não tem muito movimento hoje, que tal nós fazermos tudo de novo?
Jamais deixaríamos um cliente insatisfeito na nossa lavanderia. – Ela deu
uma piscadela para Paddington. – Então podemos pôr tudo na secadora, e,
se eu tiver tempo, talvez até consiga passar a roupa para você no fundo da
loja. Afinal, não é todo dia que lavamos roupa para um urso.

A sra. Bird examinou aquela pilha perfeita de roupa recém-passada e


então se virou para o sr. e a sra. Brown, que tinham acabado de descer do
quarto pela primeira vez.
– Bom – ela disse em tom de aprovação –, nunca esperei ver uma coisa
dessas. Eu mesma não teria lavado melhor.
– Espero realmente que esteja tudo bem, senhora Bird – disse
Paddington, aflito. – Tive uma espécie de fenômeno na lavanderia.
– Um fenômeno? – repetiu a sra. Brown. – Mas não pode haver um
fenômeno numa máquina de lavar.
– Mas houve – insistiu Paddington. – E a água toda saiu para fora.
– Acho que você deve estar enganado, querido – disse a sra. Brown. –
Fenômeno quer dizer alguma coisa estranha.
– E por falar em coisas estranhas – disse a sra. Bird, olhando fixo para
Paddington – o senhor Curry bateu aqui agora há pouco e deixou um
caramelo para você. Disse que ficou muito satisfeito com as blusas de lã. Ele
não sabe o que você fez com elas, mas agora estão servindo bem, pela
primeira vez em anos. Sempre foram grandes demais para ele.
– Quem sabe – disse o sr. Brown – houve mesmo um fenômeno na
máquina de lavar, afinal.
Paddington sentiu-se muito satisfeito consigo mesmo quando subiu até
seu quarto, no andar de cima. Estava contente por ter dado tudo certo no
final. Enquanto fechava a porta da sala de jantar, ainda ouviu um
comentário da sra. Bird.
– Acho que realmente nós demos muita sorte – ela disse. – Cuidar de
uma casa grande como essa durante dois dias e de quebra ainda lavar toda a
roupa. Esse jovem urso é pau para toda obra.
Paddington ficou um tempo tentando entender esse comentário e, no
fim, foi consultar seu amigo, o sr. Gruber, sobre o assunto.
Quando o sr. Gruber explicou que aquilo significava que ele era muito
confiável, Paddington ficou ainda mais feliz. Um elogio da sra. Bird era algo
muito raro.
– Pois então é ainda melhor, senhor Brown – disse o sr. Gruber. – Então
é ainda melhor.
7
PADDINGTON VAI JANTAR
FORA

– Euindo
voto – disse o sr. Brown – que nós devemos comemorar a ocasião
a um restaurante. Todos os que são a favor digam “sim”.
A sugestão do sr. Brown provocou uma reação mista. Jonathan e Judy
gritaram “sim” imediatamente. A sra. Brown pareceu ter lá suas dúvidas, e a
sra. Bird não tirou os olhos do seu tricô.
– Você acha que é uma boa ideia, Henry? – disse a sra. Brown. – Você
sabe como é o Paddington quando nós o levamos para sair. Coisas
acontecem.
– Mas é o aniversário dele – respondeu o sr. Brown.
– E o aniversário de quando ele chegou – disse Judy. – Mais ou menos.

Como num conselho de guerra, a família Brown debateu. Era o


aniversário de verão de Paddington. Sendo um urso, Paddington tinha dois
aniversários por ano: um no Natal e o outro no meio do verão. Tirando isso,
ele agora estava vivendo com os Brown fazia pouco mais de um ano, e eles
tinham decidido comemorar as duas ocasiões ao mesmo tempo.
– Afinal, devíamos fazer alguma coisa – disse o sr. Brown, jogando seu
trunfo. – Se nós não o tivéssemos visto naquele dia na estação Paddington,
nunca o teríamos conhecido, e sabe-se lá onde ele teria ido parar.
Os Brown ficaram em silêncio por um instante, enquanto refletiam
sobre a terrível possibilidade de jamais terem conhecido Paddington.
– Preciso dizer – comentou a sra. Bird, num tom que resolveu a questão
de uma vez por todas – que a casa não seria a mesma sem ele.
– Então está decidido – disse o sr. Brown. – Vou ligar imediatamente
para o Porchester e reservar uma mesa para hoje à noite.
– Oh, Henry! – exclamou a sra. Brown. – Não o Porchester. Esse lugar é
tão caro.
O sr. Brown fez um gesto no ar.
– Só o melhor é bom o suficiente para o Paddington – ele disse num
tom generoso. – Vamos convidar o senhor Gruber também e fazer disso
uma verdadeira festa.
– Aliás – ele continuou –, onde está o Paddington? Faz um tempão que
não o vejo.
– Ele estava espiando pela caixa de correio agorinha há pouco – disse a
sra. Bird. – Acho que estava esperando o carteiro.
Paddington gostava de aniversários. Ele não recebia muitas cartas – só
os seus catálogos e de vez em quando um cartão-postal da sua tia Lucy, do
Peru –, mas hoje a lareira da sala de jantar já estava transbordando de
cartões, e ele estava ansioso para que ainda chegassem outros. Havia um
cartão de cada membro da família Brown e um número surpreendente de
cartões de diversas pessoas da vizinhança. Tinha até um cartão velho do sr.
Curry, que a sra. Bird reconheceu como o cartão que Paddington lhe enviara
no ano anterior, mas ela tinha decidido, muito sensatamente, não comentar
aquilo.
Além disso, havia todos aqueles pacotes. Paddington era apaixonado por
pacotes – principalmente quando vinham bem embrulhados com bastante
papel e barbante. Na verdade, ele já tinha se dado muito bem em termos de
presentes, e a notícia de que, além disso, todos iam sair para jantar foi uma
grande surpresa.

– Só não se esqueça – disse a sra. Brown – de que primeiro você vai ter
que tomar banho.
– Tomar banho! – exclamou Paddington. – No meu próprio
aniversário?
Paddington parecia desapontado por ter de tomar banho no dia do seu
aniversário.
– O Porchester é um restaurante muito famoso – explicou a sra. Brown.
– Só as melhores pessoas vão lá.
E, apesar dos protestos dele, ela mandou Paddington subir para o
banheiro com um balde, um sabonete e instruções expressas para não
descer de novo enquanto não estivesse limpo.
A empolgação na casa dos Brown cresceu durante a tarde, e, no
momento em que o sr. Gruber chegou, parecendo meio constrangido num
terno elegante que ele não vestia havia vários anos, os ânimos já estavam em
polvorosa.
– Acho que nunca fui ao Porchester antes, senhor Brown – ele
sussurrou para Paddington no corredor.
– Então somos dois. Vai ser ótimo variar um pouco, em vez do
chocolate com pãezinhos.
Paddington foi ficando cada vez mais entusiasmado no caminho até o
restaurante. Ele sempre gostava de ver as luzes de Londres e, mesmo sendo
verão, várias delas já tinham se acendido antes de eles chegarem lá.
Ele subiu os degraus do restaurante atrás do sr. Brown e entrou por uma
porta enorme, dando um aceno simpático com a pata ao homem que
segurava a porta aberta para eles.
Havia som de música ao longe, e, enquanto todos se reuniam na entrada
para deixar o casaco na chapelaria, Paddington olhou em volta com
interesse e viu os lustres pendurados no teto e as dezenas de garçons
andando de um lado para o outro.
– Lá vem o maître – disse o sr. Brown quando veio até ele um homem
alto, com ares de superioridade. – Reservamos uma mesa perto da
orquestra. O nome é Brown.
O maître ficou olhando fixo para Paddington.
– Este jovem… hã… cavalheiro urso está com vocês? – ele perguntou,
espiando sem baixar o rosto.
– Conosco? – falou o sr. Brown. – Nós é que estamos com ele. A festa é
dele.
– Oh! – disse o homem, em tom de desaprovação. – Então infelizmente
vocês não podem entrar.

– O quê?! – exclamou Paddington, em meio a um coro de expressões de


decepção. – Mas eu deixei de repetir no almoço só para isto.
– Infelizmente, o jovem cavalheiro não está vestindo trajes de noite –
explicou o homem. – No Porchester, todo mundo deve estar vestindo trajes
de noite.
Paddington mal conseguia acreditar no que estava ouvindo e olhou feio
para aquele homem.
– Os ursos não têm trajes de noite – disse Judy, apertando a pata dele. –
Eles têm pelos de noite… e os pelos do Paddington foram lavados
especialmente para a ocasião.
O maître olhou para Paddington com desconfiança. Paddington tinha
um olhar muito persistente quando queria, e alguns dos olhares especiais
que sua tia Lucy lhe ensinara eram de fato poderosos. O maître tossiu.
– Suponho – ele disse – que podemos abrir uma exceção. Só desta vez.
Ele se virou de costas e os conduziu pelo restaurante lotado, passando
por mesas cobertas com toalhas brancas como a neve e talheres brilhantes
de prata, em direção a uma grande mesa redonda perto da orquestra.
Paddington foi seguindo bem atrás, e, quando eles chegaram à mesa, a nuca
do homem tinha mudado para um tom estranho de vermelho.
Quando todos estavam sentados, o maître deu um cardápio enorme a
cada um deles, onde estava impressa uma lista com todos os pratos.
Paddington teve de segurar seu cartão com as duas patas enquanto olhava
perplexo para o que estava escrito.
– Então, Paddington – disse o sr. Brown –, o que você quer para
começar? Sopa? Hors d’oeuvre?
Paddington olhou para o menu com certo desgosto. Não estava achando
aquilo muito impressionante.
– Não sei o que eu quero, senhor Brown – ele disse. – Meu cardápio
está cheio de erros e não consigo ler.
– Erros! – O maître levantou totalmente uma das sobrancelhas e lançou
um olhar severo para Paddington. – Jamais haveria um erro em um menu
do Porchester.
– Não são erros, Paddington – sussurrou Judy, olhando por cima do
ombro dele. – É francês.
– Francês! – exclamou Paddington. – Que ideia maluca imprimir um
cardápio em francês!
O sr. Brown deu uma lida rápida em seu próprio cardápio.
– Hã… vocês têm alguma coisa apropriada para o paladar de um jovem
urso? – ele perguntou.
– O paladar de um jovem urso? – repetiu o maître num tom arrogante.
– Nosso orgulho é dizer que não há nada que não se possa pedir no
Porchester.
– Nesse caso – disse Paddington, parecendo bastante aliviado –, acho
que vou querer um sanduíche de geleia de laranja.
Olhando em volta, Paddington pensou que um lugar importante como o
Porchester devia servir excelentes sanduíches de geleia, e estava ansioso
para experimentar um deles.
– Perdão, o que o senhor disse? – reagiu o maître. – Sanduíche de geleia
de laranja?
– Sim, por favor – disse Paddington. – Com creme.
– No jantar?
– Sim – falou Paddington com firmeza. – Eu adoro geleia de laranja, e
você disse que não existe nada que vocês não tenham.
O homem engoliu em seco. Em todos aqueles anos trabalhando no
Porchester, nunca acontecera de alguém pedir um sanduíche de geleia,
principalmente um urso. Ele fez sinal para um garçom que estava parado ali
perto.
– Um sanduíche de geleia de laranja para o jovem cavalheiro urso – ele
disse. – Com creme.
– Um sanduíche de geleia de laranja para o jovem cavalheiro urso. Com
creme – repetiu o garçom. Ele desapareceu como se fosse mágica por uma
porta que dava na cozinha, e os Brown ouviram o pedido ser repetido várias
outras vezes antes de a porta se fechar. Todos olharam em volta um pouco
envergonhados enquanto faziam seus próprios pedidos para outro garçom.
Parecia estar havendo algum tipo de alvoroço na cozinha. Eles ouviram
várias vozes exaltadas e, em certo momento, a porta se abriu e um homem
com chapéu de cozinheiro apareceu para espiar na direção deles.
– Senhor – disse ainda outro garçom, empurrando um enorme carrinho
cheio de pratos em direção à mesa –, quem sabe gostaria de apreciar um
pouco de hors d’oeuvre enquanto aguarda?
– É uma espécie de salada – o sr. Brown explicou a Paddington.
O urso lambeu os bigodes.
– Isso me parece um bom negócio – ele disse, olhando para todos os
pratos. – Acho que talvez eu aceite.
– Ah, minha nossa – disse a sra. Brown quando Paddington começou a
se servir. – Não é para você comer direto do carrinho, Paddington.
Paddington pareceu bastante decepcionado, observando o garçom servir
o hors d’oeuvre. Na verdade, não era tanta comida quanto ele havia
imaginado. Mas, quando o homem terminou de montar no prato dele uma
pilha de legumes, picles, salada e umas cebolinhas prateadas muito
interessantes, ele começou a mudar de ideia outra vez. Concluiu que, talvez,
não teria dado conta de comer o carrinho inteiro, afinal.
Enquanto o sr. Brown fazia o resto dos pedidos – sopa para os outros,
depois peixe e uma omelete especial para o sr. Gruber –, Paddington se
recostou na cadeira e se preparou para aproveitar muito tudo aquilo.
– Quer alguma coisa para beber, Paddington? – perguntou o sr. Brown.
– Não, obrigado, senhor Brown – disse Paddington. – Já tenho uma
tigela d’água.
– Não acho que essa água seja para beber, senhor Brown – disse o sr.
Gruber com delicadeza. – Isso é para mergulhar suas patas quando elas
ficam grudentas. Digamos que é uma tigela de lavar patas.
– Tigela de lavar patas? – exclamou Paddington. – Mas eu tomei banho
hoje à tarde.
– Deixe para lá – disse o sr. Brown, com pressa. – Vou chamar o garçom
de bebidas, então você pode pedir um suco de laranja ou algo assim.
Paddington estava cada vez mais confuso. Era tudo muito complicado, e
ele nunca tinha visto tantos garçons na vida. Decidiu se concentrar na sua
comida por um tempo.
– Estava deliciosa – disse o sr. Gruber, alguns minutos depois, ao
terminar a sopa. – Agora estou animado para experimentar minha omelete.
– Ele olhou para Paddington do outro lado da mesa. – Está gostando do seu
hors d’oeuvre, senhor Brown?
– Está muito bom, senhor Gruber – disse Paddington, olhando para o
prato com uma expressão desorientada no rosto. – Mas acho que perdi uma
das minhas cebolas.
– Você o quê? – perguntou o sr. Brown. Era difícil ouvir o que
Paddington dizia por causa da barulheira que a orquestra estava fazendo.
Até um instante atrás, os músicos estavam tocando uma melodia bem
agradável, mas de repente tinham começado a fazer um estardalhaço
enorme. Tinha algo a ver com um dos saxofonistas da primeira fila. Ele
ficava sacudindo seu instrumento e então tentava soprá-lo enquanto o
maestro não parava de olhar feio para ele.

– Minha cebola! – exclamou Paddington. – Eu tinha seis cebolas


agorinha há pouco, e, quando coloquei o garfo numa delas, ela de repente
desapareceu. Agora só tenho cinco.
A sra. Brown foi ficando cada vez mais envergonhada, enquanto
Paddington descia da cadeira e começava a fuçar embaixo das mesas.
– Espero que ele ache logo essa cebola – ela disse. Todas as pessoas no
restaurante pareciam estar olhando na direção deles e, mesmo que não
estivessem realmente apontando, ela sabia que estavam falando deles.
– Nossa! – exclamou Jonathan de repente, apontando na direção da
orquestra. – Olhe lá a cebola do Paddington!
Os Brown se viraram e olharam para a orquestra. O saxofonista parecia
discutir com o maestro.
– Como você espera que eu toque adequadamente – ele disse num tom
amargo – quando há uma cebola no meu instrumento? E tenho quase
certeza de onde ela veio!
O maestro seguiu o olhar do saxofonista na direção dos Brown, que
imediatamente desviaram o rosto.
– Pelo amor de Deus, não contem para o Paddington! – disse a sra.
Brown. – Ele vai querer essa cebola de volta de qualquer jeito.
– Não se preocupem – disse o sr. Gruber quando a porta que dava para
a cozinha se abriu. – Acho que minha omelete está chegando.
A família Brown ficou observando o garçom entrar com uma travessa
prateada, que ele colocou sobre um pequeno fogareiro ao lado da mesa
deles. O sr. Gruber tinha pedido uma omelete flambée, o que queria dizer
que ela era passada no fogo logo antes de servir.
– Não sei qual foi a última vez em que comi uma dessas – ele disse. –
Estou muito animado.
– Devo dizer que parece ótima – disse o sr. Brown retorcendo o bigode,
pensativo. – Agora me deu vontade de ter pedido uma também.
– Venha cá, Paddington – ele chamou, enquanto o garçom colocava
fogo na frigideira. – Venha ver a omelete do senhor Gruber. Está pegando
fogo.
– O quê?! – gritou Paddington, mostrando só a cabeça por debaixo da
mesa. – A omelete do senhor Gruber está pegando fogo?
Ele ficou olhando espantado para o garçom, que carregava a travessa
prateada com a omelete flamejante em direção à mesa.
– Está tudo bem, senhor Gruber! – ele gritou, agitando as patas no ar. –
Já estou indo!
Antes que os Brown pudessem detê-lo, Paddington já tinha pegado a
tigela de lavar patas e jogado toda a água em cima da omelete. Ouviu-se um
chiado forte e, diante dos olhos atônitos do garçom, a omelete do sr. Gruber
murchou lentamente até virar uma maçaroca molenga no fundo da travessa.
Várias pessoas que estavam perto da família Brown aplaudiram.
– Que ideia curiosa – disse uma delas. – Colocar esses comediantes
sentados numa das mesas como se fosse uma família qualquer.
Um velho senhor em particular, que estava sentado sozinho na mesa ao
lado, não parava de dar gargalhadas. Já fazia algum tempo que ele estava
observando Paddington atentamente e agora ele morria de rir cada vez que
acontecia alguma coisa nova.
– Puxa vida! – disse Jonathan. – Agora estamos encrencados.
Ele apontou para um grupo de homens que pareciam muito importantes
e estavam vindo em direção à mesa da família Brown, liderados pelo maître.
Eles pararam a poucos metros de distância, e o maître indicou
Paddington.
– Foi esse aí – ele disse. – Esse do bigode espetado!
O homem que parecia o mais importante de todos deu um passo à
frente.
– Eu sou o gerente – ele anunciou. – E infelizmente preciso pedir para o
senhor se retirar. Jogar água em um garçom. Colocar cebolas em um
saxofone. Pedir sanduíches de geleia. Você vai arruinar a reputação do
Porchester.
O sr. e a sra. Brown se entreolharam.
– Nunca ouvi falar de uma coisa dessas – disse a sra. Bird. – Se esse urso
tiver que ir embora, todos nós também iremos.
– Eu digo o mesmo! – apoiou o sr. Gruber.
– E se vocês forem eu também vou – disse uma voz alta vinda da mesa
ao lado.
Todos olharam em volta, enquanto o velho senhor que estava
observando tudo aquilo levantou-se e ergueu o dedo em riste para o gerente.
– Posso perguntar por que estão pedindo para este jovem urso se
retirar? – ele trovejou.
O gerente começou a parecer cada vez mais preocupado, pois aquele
velho senhor era um dos seus melhores clientes e ele não queria ofendê-lo.
– Ele está incomodando os outros clientes – o gerente disse.
– Bobagem! – berrou o velho senhor. – Eu sou um dos outros clientes e
não estou incomodado. É a melhor coisa que aconteceu em todos esses
anos. Não lembro quando me diverti tanto. – Ele olhou para Paddington. –
Gostaria de cumprimentá-lo apertando sua pata, urso. Já estava mais que na
hora de alguém animar um pouco este lugar.
– Muito obrigado – agradeceu Paddington, estendendo a pata. Ele
estava meio intimidado com aquele velho senhor e não entendia direito o
que tudo aquilo significava.
O velho senhor fez um gesto para dispensar os garçons, o maître e o
gerente, e então se virou para o sr. Brown.
– É melhor eu me apresentar – ele disse numa voz grossa. – Sir Huntley
Martin, o rei da geleia. Faz cinquenta anos que estou no ramo da geleia e
trinta que venho aqui. Nunca ouvi ninguém pedir um sanduíche de geleia
antes. Meu velho coração até bateu mais forte.
Paddington pareceu muito impressionado.
– Puxa vida, cinquenta anos de geleia! – ele exclamou.
– Espero que permitam que eu me junte a vocês – disse sir Huntley. – Já
fiz muitas coisas boas na vida, mas acho que nunca participei da festa de
aniversário de um urso.
A presença do velho senhor pareceu surtir um efeito mágico no gerente
do Porchester, pois ele teve uma breve conferência com o maître e, num
piscar de olhos, começou a vir da cozinha uma procissão encabeçada por
um garçom trazendo uma bandeja prateada, onde havia outra omelete para
o sr. Gruber.
Até o maître se permitiu um sorriso. Ele deu a Paddington um menu
especial autografado para levar como suvenir e prometeu que, dali em
diante, sempre haveria uma seção especial de sanduíches de geleia.
Quando os Brown finalmente se levantaram para ir embora, estavam
achando muita graça naquilo. Paddington estava tão empanturrado de boa
comida que teve dificuldade até para conseguir ficar em pé. Deu uma última
olhada nos restos de um sorvete que estava em seu prato, mas decidiu que já
era o suficiente. Ele tinha tido um excelente jantar e, após refletir por um
tempão, deixou um centavo de gorjeta embaixo do prato.
Sir Huntley Martin parecia muito triste por tudo aquilo ter acabado.
– Foi agradabilíssimo – ele ficou repetindo em sua voz grossa enquanto
eles saíam da mesa. – Agradabilíssimo. Quem sabe – ele acrescentou para
Paddington num tom esperançoso – o senhor me faria a honra de visitar
minha fábrica um dia desses.
– Ah, sim, por favor – disse Paddington. – Eu ia adorar.
Enquanto eles saíam do restaurante, ele deu tchau com a pata a todos os
outros clientes, vários dos quais aplaudiram quando a orquestra tocou
“Parabéns a você”.
Só a sra. Bird pareceu menos surpresa que os outros, pois tinha visto sir
Huntley colocar alguma coisa escondida na mão do maestro.

Havia escurecido muito lá fora enquanto eles estavam jantando, e todas


as luzes da rua estavam acesas. Depois que eles se despediram de sir
Huntley, por ser uma ocasião especial, o sr. Brown deu uma volta com o
carro por Piccadilly Circus para que Paddington pudesse ver todas as placas
coloridas acesas.
Paddington espiou pela janela do carro e foi arregalando os olhos cada
vez mais ao ver todas aquelas luzes vermelhas, verdes e azuis piscando e
fazendo desenhos no céu.
– Você se divertiu, Paddington? – perguntou o sr. Brown enquanto eles
davam a volta na praça pela segunda vez.
– Sim, muito obrigado, senhor Brown! – exclamou Paddington.
Somando tudo aquilo, Paddington concluiu que tinha sido um dia
maravilhoso e estava ansioso para escrever uma carta para sua tia Lucy,
contando tudo a ela.
Depois de acenar uma última vez com a pata para alguns transeuntes,
ele ergueu o chapéu para cumprimentar um policial que fez sinal para eles
avançarem e, então, recostou-se no banco do carro para aproveitar a volta
para casa com o sr. Gruber e a família Brown.
– Acho – ele anunciou, sonolento, dando uma última olhada nas luzes
que passavam depressa – que eu queria fazer aniversário todo ano!
– E nós lhe damos todo o apoio, senhor Brown! – disse o sr. Gruber no
banco de trás do carro. – Damos todo o apoio!

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