Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Todos os direitos reservados. Este livro não pode ser reproduzido, no todo ou em parte,
armazenado em sistemas eletrônicos recuperáveis nem transmitido por nenhuma forma ou
meio eletrônico, mecânico ou outros, sem a prévia autorização por escrito do editor.
Tradução
RAFAEL MANTOVANI
Acompanhamento editorial
Fabiana Werneck
Preparação de texto
Ana Alvares
Revisões
Marisa Rosa Teixeira
Richard Sanches
Paginação
Studio 3 Desenvolvimento Editorial
1. Um piquenique no rio
6. Problemas na lavanderia
P
addington ficou sentado na cama com
uma expressão confusa no rosto. Naquele endereço – Jardins de
Windsor, número 32 –, tudo acontecia seguindo horários rígidos,
principalmente o café da manhã, e era bastante incomum que alguma coisa
o despertasse assim tão cedo.
Ele deu uma boa olhada em volta, mas tudo no quarto parecia estar no
lugar certo.
A foto de sua tia Lucy, tirada pouco antes de ela ir morar na casa de
repouso para ursos, em Lima, estava na mesa ao lado da cama, junto com o
pote de geleia de laranja especial e vários outros objetos.
O velho chapéu e o casaco estavam pendurados na porta, e os centavos
peruanos, embaixo do travesseiro.
E o principal de tudo: quando ele levantou as cobertas e espiou debaixo
delas, sua maleta de couro com o compartimento secreto contendo o álbum
de recortes e uma série de papéis importantes ainda estava ali, ao pé da
cama.
Paddington deu um suspiro de alívio. Embora fizesse mais de um ano
que estava vivendo com a família Brown, ele nunca se acostumara de
verdade a ter seu próprio quarto, e não era o tipo de urso que acreditava em
correr riscos desnecessários.
Foi nesse momento, enquanto estava distraído enfiando a pata no pote
de geleia antes de voltar a dormir, que Paddington ergueu os ouvidos e
escutou com atenção.
Havia vozes – um monte de vozes – vindo do jardim. Ele ouviu várias
vezes uma porta bater, depois, ao longe, um barulho incrivelmente parecido
com o som de pratos sendo empilhados e, em seguida, o sr. Brown gritando
umas ordens.
Paddington desceu da cama e atravessou o quarto correndo até a janela.
Aquilo parecia interessantíssimo, e ele não gostava de pensar que podia
estar perdendo alguma coisa. Espiando pelo vidro da janela, quase caiu para
trás de susto com a cena que viu diante de seus olhos. Deu uma grande
baforada no vidro e esfregou com a pata para ter certeza de que não era
tudo um sonho.
Pois lá fora, no gramado, toda a família Brown – o sr. e a sra. Brown,
Jonathan e Judy – estava reunida em volta de uma grande cesta de vime.
Não só isso; enquanto ele olhava, a sra. Bird, a governanta, saiu da cozinha
carregando um prato enorme com uma pilha bem alta de sanduíches.
Paddington desceu do parapeito da janela e correu até o andar de baixo.
Era tudo muito misterioso, e definitivamente ele precisava investigar.
– O Paddington é infalível! – disseram todos quando ele entrou pela
porta da cozinha, no instante em que estavam fechando a tampa da cesta.
– Esse urso é capaz de farejar um sanduíche de geleia de laranja a um
quilômetro de distância – resmungou a sra. Bird.
– Sinceramente – disse Judy, apontando o dedo para ele –, era para ser
uma surpresa. Nós acordamos mais cedo especialmente para isso.
Paddington olhou de um para o outro, cada vez mais surpreso.
– Está tudo bem, Paddington – riu a sra. Brown. – Não precisa ficar
assustado. Só vamos fazer um piquenique no rio.
– E vai ter um concurso – anunciou Jonathan, sacudindo uma rede de
pesca. – Meu pai prometeu um prêmio para quem pegar o primeiro peixe.
Os olhos de Paddington foram ficando mais redondos.
– Um piquenique? – ele exclamou. – Acho que nunca fiz um
piquenique no rio antes.
– Que bom! – disse o sr. Brown, retorcendo energicamente o bigode. –
Porque hoje você vai fazer. Então vá logo tomar seu café da manhã. Está um
dia lindo, e é melhor nós aproveitarmos.
Não foi preciso dizer isso duas vezes, e, enquanto os Brown estavam
ocupados carregando o carro com o restante das coisas para o piquenique,
Paddington correu de volta para dentro da casa, onde o café da manhã
estava esperando. Ele gostava de fazer coisas novas, e estava muito animado
com aquele passeio. Uma das melhores coisas de morar com os Brown era a
quantidade de surpresas que ele tinha.
– Espero que eu nunca faça tudo o que existe, senhora Bird – disse
Paddington quando ela entrou na sala de jantar para ver se ele tinha
terminado a torrada com geleia. – Porque senão eu nunca mais teria
surpresas!
– Humm – respondeu a sra. Bird num tom severo, apressando-o para
que saísse. – Você vai ter uma surpresa se não lavar essas manchas de bacon
com ovos dos seus bigodes antes de partirmos. Nunca conheci um urso que
fizesse tanta sujeira.
Paddington fez cara de magoado enquanto desaparecia no corredor.
– Eu só estava tentando comer depressa, senhora Bird – ele explicou.
Mesmo assim, ele subiu correndo até o banheiro. Havia várias coisas
importantes a fazer antes de sair para o passeio. Primeiro de tudo, ele
precisava arrumar sua maleta, e então tinha de consultar seu atlas.
Paddington gostava muito de geografia e estava interessado na ideia de fazer
um piquenique no rio. Parecia algo bastante curioso.
– Não sei por quê – disse a sra. Bird, arrumando o chapéu, ao que
parecia, pela quadragésima vez –, mas sempre que esta família vai a algum
lugar leva coisas suficientes para sustentar um batalhão inteiro durante um
mês.
Os Brown estavam amontoados dentro do carro, sacudindo pela estrada
em direção ao rio. Além da família Brown, da sra. Bird e de Paddington,
havia a cesta de piquenique, um gramofone, uma pilha de discos, uma série
de pacotes e algumas redes de pesca – fora várias sombrinhas, uma barraca
e uma pilha de almofadas.
A sra. Brown se mexia desconfortável no banco, concordando com a sra.
Bird. A maleta de couro de Paddington estava espetando as costas dela, e
aquele chapéu velho, que ele insistia em usar para evitar uma insolação, lhe
fazia cócegas no rosto.
– Ainda falta muito? – ela perguntou.
Paddington, que estava sentado ao lado dela no banco da frente,
consultou seu mapa.
– Acho que é para virar na próxima à direita – ele anunciou, seguindo a
rota com a pata.
– Espero que sim – disse a sra. Brown. Eles já tinham virado na rua
errada mais cedo naquela manhã, quando Paddington seguira por engano
um pedaço de casca de laranja seca grudado no mapa.
– Imagine só, virar à direita numa casca de laranja – resmungou o sr.
Brown. – Aquele policial não gostou nem um pouco.
Ansioso para compensar seu erro, Paddington enfiou a cabeça pela
janela e farejou o ar.
– Acho que estamos chegando, senhor Brown – ele avisou. – Estou
sentindo um cheiro estranho.
– Isso é a refinaria de gás – disse o sr. Brown, seguindo a direção da pata
de Paddington. – O rio fica deste lado.
Assim que ele disse isso, eles fizeram uma curva e ali, bem diante deles,
estava uma grande extensão de água.
Os olhos de Paddington se iluminaram no instante em que todos saíram
do carro, e, enquanto os outros descarregavam os suprimentos, ele ficou
parado na beira da água examinando aquela cena. Estava muito
impressionado.
O passeio à margem do rio estava cheio de gente, e havia barcos por
toda parte. Barcos a remo, canoas, barcas e veleiros com velas brancas
infladas pelo vento. Enquanto ele observava, um barco a vapor abarrotado
de gente passou depressa, criando uma grande onda que se alastrou pela
água e fez todos os barcos menores balançarem. Todas as pessoas a bordo
pareciam muito alegres e contentes, e várias apontaram para Paddington e
acenaram.
Paddington respondeu ao gesto levantando o chapéu, e então virou-se
para os outros.
– Acho que vou gostar do rio – ele anunciou.
– Espero que sim, querido – disse a sra. Brown, apreensiva. – Afinal, a
surpresa era para você.
Ela olhou para a fileira de barcos ancorados junto ao cais. No dia
anterior, fazer um piquenique no rio tinha parecido uma ótima ideia do sr.
Brown. Mas agora que eles estavam ali de verdade, ela tinha, no fundo, uma
sensação incômoda, e sabia que a sra. Bird estava sentindo o mesmo. De
perto, os barcos pareciam terrivelmente pequenos.
– Tem certeza de que são seguros, Henry? – ela perguntou, olhando
nervosa para eles.
– Seguros? – repetiu o sr. Brown, andando na frente em direção ao cais.
– É claro que são seguros, Mary. Pode deixar que eu cuido de tudo.
– Vou deixar você encarregado de todas as cordas e apetrechos,
Paddington – disse ele. – Assim você pode pilotar.
– Muito obrigado, senhor Brown – disse Paddington, sentindo-se muito
importante. Seus olhos brilharam de entusiasmo enquanto ele subia no
barco e examinava tudo cuidadosamente com as patas.
– O barqueiro está um pouco ocupado – disse o sr. Brown, ajudando os
outros a entrar. – Por isso, eu disse que nós iríamos desatracar o barco
sozinhos.
– Paddington! – exclamou a sra. Brown, recolhendo do chão do barco o
melhor chapéu de sol da sra. Bird. – Preste atenção no que está fazendo com
essa rede de pesca. Você vai acabar arrancando a cabeça de alguém.
– Desculpe, senhora Bird – falou Paddington. – Eu só estava testando.
– Certo – disse o sr. Brown, instalando-se no seu assento e segurando os
remos com firmeza. – Vamos zarpar. Fique a postos no leme, Paddington.
– É para fazer o quê, senhor Brown? – gritou Paddington.
– Puxe as cordas! – berrou o sr. Brown. – Vamos, baixe a pata esquerda.
– Ai, meu Deus! – disse a sra. Bird, nervosa, agarrando-se na lateral do
barco com uma mão e segurando a sombrinha com a outra. Pelo canto do
olho, ela já via várias pessoas olhando na direção deles.
Na parte de trás do barco, Paddington puxou com força as duas cordas
amarradas ao leme. Não sabia direito se o sr. Brown estava falando da
esquerda dele, do sr. Brown, ou da esquerda dele próprio, por isso puxou
ambas só para garantir. Todos ficaram esperando, cheios de expectativa,
enquanto o sr. Brown remava com muito esforço.
– Imagino que seria muito mais fácil, Henry – disse a sra. Brown, após
alguns instantes –, se primeiro você desamarrasse o barco do cais.
– O quê! – exclamou o sr. Brown. Ele enxugou a testa e olhou zangado
por cima do ombro. – Ninguém fez isso ainda?
– Eu faço isso, senhor Brown! – gritou Paddington num tom imponente,
enquanto descia pela lateral do barco. – Estou encarregado das cordas.
Os Brown ficaram esperando pacientemente enquanto Paddington
examinava a corda. Ele não era muito bom em desfazer nós, pois, com patas
de urso, essa era uma tarefa bem difícil, mas por fim anunciou que estava
tudo pronto.
– Certo! – gritou o sr. Brown, preparando-se mais uma vez. – Vamos
zarpar. Embarcação a postos, Paddington! Preparar!
– Como é que é, senhor Brown? – gritou Paddington por cima do
barulho da água. Fazer um piquenique no rio era muito mais complicado do
que ele esperava. Havia tantas cordas para puxar que ele estava ficando um
pouco confuso. Primeiro o sr. Brown tinha dito para ele desamarrar a corda.
Agora tinha gritado para todo mundo parar.
Paddington fechou os olhos e segurou-se na corda com ambas as patas,
com toda a força que tinha.
Ele não entendeu muito bem o que aconteceu em seguida. Num
momento ele estava de pé em cima do barco – em seguida, o barco não
estava mais ali.
– Henry! – gritou a sra. Brown, ouvindo um enorme splash. – Pelo amor
de Deus! O Paddington caiu na água!
– Urso ao mar! – gritou Jonathan, enquanto o barco afastava-se
rapidamente da margem.
– Calma, Paddington! – gritou Judy. – Estamos chegando.
– Mas eu estava parado! – berrou Paddington, vindo à tona para
respirar. – Foi assim que eu caí.
A sra. Brown cutucou a água com sua sombrinha.
– Vá depressa, Henry! – ela gritou.
– O Paddington com certeza não sabe nadar – disse Judy.
– O que você disse? – gritou Paddington.
– Ela falou que você não sabe nadar – berrou o sr. Brown.
Quando ouviu o que o sr. Brown disse, Paddington começou a agitar
freneticamente as patas no ar, e eles ouviram um barulho estranho
enquanto o urso começava a afundar depressa.
– Ora, veja só, Henry! – exclamou a sra. Brown. – Olhe o que você fez.
Ele estava bem até você falar.
– Que ótimo! – disse o sr. Brown, olhando de um jeito expressivo para a
esposa.
– Está tudo bem! – gritou Jonathan. – Alguém jogou uma boia para ele!
Quando os Brown conseguiram chegar ao cais,
Paddington já tinha sido resgatado e estava deitado de costas, rodeado por
uma multidão. Todos olhavam para ele, dando sugestões, enquanto o
homem encarregado dos barcos puxava as patas dele para cima e para baixo,
fazendo uma respiração artificial.
– Graças a Deus, ele está salvo! – exclamou a sra. Brown, aliviada.
– Não teria por que não estar – disse o homem. – Se ele tivesse se
deitado, a água só teria chegado até o bigode. Aqui só tem uns vinte
centímetros de profundidade. Provavelmente muito menos, considerando o
tanto que ele engoliu. Ficou com a boca aberta enquanto afundava, aposto.
Judy debruçou-se e olhou para Paddington.
– Acho que ele está tentando dizer alguma coisa – ela falou.
– Grrr – disse Paddington, se sentando.
– Agora deite aí por um instante, meu jovem camarada urso – disse o
barqueiro, empurrando Paddington de volta para baixo.
– Grrr – disse Paddington. – ACHOQUEPERDIO CHAPÉU.
– ACHOQUEPERDIOCHAPÉU – repetiu o homem, olhando para
Paddington com ainda mais interesse. – Você é um desses ursos
estrangeiros? Recebemos uma enxurrada de visitantes de fora nesta época
do ano – ele disse, virando-se para os Brown.
– Eu venho do Peru – cuspiu Paddington, recuperando o fôlego. – Mas
moro nos Jardins de Windsor, número 32, em Londres, e acho que perdi
meu chapéu.
– Ah, minha nossa – disse a sra. Brown, agarrando com força o braço do
marido. – Você ouviu isso, Henry? O Paddington perdeu o chapéu!
Os Brown se entreolharam, desolados. Eles estavam sempre reclamando
do chapéu de Paddington – geralmente quando ele não estava ouvindo –
porque era um chapéu muito velho. As pessoas tinham o hábito de apontar
para aquilo quando eles estavam na rua, e isso os deixava constrangidos.
Mesmo assim, eles não podiam sequer começar a imaginar Paddington sem
aquele chapéu.
– Ele estava na minha cabeça quando caí na água! – gritou Paddington,
apalpando o topo da cabeça. – E agora não está mais aqui.
– Puxa! – disse Jonathan. – Mas ele estava tão esburacado! Quem sabe
afundou.
– Afundou! – gritou Paddington, desconsolado. Ele correu até a beira do
cais e olhou para as águas lamacentas. – Mas não pode ter afundado!
– Ele sempre usou esse chapéu – explicou a sra. Brown ao barqueiro. –
Desde que o conhecemos. Foi presente do tio dele no Peru.
– No longínquo Peru – disse Paddington.
– No longínquo Peru – repetiu o barqueiro, parecendo muito
impressionado. Ele se virou para Paddington e encostou na mecha de cabelo
que ele tinha na testa. – Você devia procurar o Departamento de
Conservação do Tâmisa, senhor.
– Não, não devia – disse Paddington com firmeza. – Devia procurar
meu chapéu.
– Tâmisa é o nome deste rio, e o Departamento de Conservação são as
pessoas que cuidam dele, querido – explicou a sra. Brown. – Talvez elas
tenham encontrado o chapéu para você.
– É a correnteza, senhor – explicou o barqueiro. – Depois que você se
afasta da margem, a correnteza é muito forte, e o chapéu pode ter sido
arrastado até a represa.
Ele apontou para mais adiante no rio, na direção de uma fileira de
prédios ao longe.
– Arrastado até a represa? – repetiu Paddington lentamente.
O barqueiro fez que sim com a cabeça e disse:
– Isso se já não foi sugado para dentro de um redemoinho.
Paddington olhou feio para o homem.
– Meu chapéu! – ele exclamou, mal conseguindo acreditar no que ouvia.
– Sugado para dentro de um redemoinho?
– Vamos logo – disse o sr. Brown, com pressa. – Se corrermos, quem
sabe conseguimos chegar a tempo de ver o chapéu passando.
Seguido de perto pelo sr. e sra. Brown, pela sra. Bird, Jonathan e Judy, o
barqueiro e uma pequena multidão de espectadores interessados,
Paddington foi andando depressa pelo passeio à margem do rio, com uma
expressão fúnebre no rosto, deixando um rastro de água atrás de si.
Quando eles chegaram à represa, a notícia já tinha se espalhado, e vários
homens usando um chapéu pontudo estavam espiando, aflitos, dentro da
água.
– Ouvi dizer que o senhor perdeu um papel importantíssimo – disse o
guarda da represa para o sr. Brown.
– Não é um papel – falou o sr. Brown. – É um chapéu. Foi trazido do
Peru.
– Pertence a este jovem cavalheiro urso, Fred – explicou o barqueiro,
juntando-se a eles. – É uma herança de família.
– Uma herança de família? – repetiu o guarda, coçando a cabeça
enquanto olhava para Paddington. – Nunca ouvi falar de um chapéu que
fosse uma herança de família. Principalmente herança de família de um
urso.
– O meu é – afirmou Paddington. – É um tipo de chapéu muito raro e
tem um sanduíche de geleia de laranja dentro. Coloquei ali para o caso de
uma emergência.
– Um sanduíche de geleia de laranja? – disse o funcionário, parecendo
cada vez mais surpreso. – Espere um instante… não seria aquela coisa que
nós acabamos de pescar, seria? Toda meio deformada… parecendo um…
uma espécie de…
– Deve ser isso – disse a sra. Bird.
– Herbert! – o homem berrou para um menino que estava parado ali do
lado, observando tudo de boca aberta. – Vá ver se aquele troço que
encontramos ainda está no depósito.
– Poderia muito bem ser uma herança de família – ele continuou,
virando-se para a família Brown. – Parece ter passado muito de mão em
mão.
Todos ficaram esperando ansiosamente enquanto Herbert desaparecia
dentro de uma casinha ao lado da represa. Ele voltou após alguns instantes,
carregando um balde.
– Nós colocamos aqui – disse o guarda em tom de desculpas – porque
nunca tínhamos visto nada parecido antes. Íamos mandar para o museu.
Paddington espiou dentro do balde.
– Isso não é um troço! – ele exclamou, agradecido. – Isso é o meu
chapéu.
Todos suspiraram aliviados.
– Graças a Deus! – falou a sra. Bird, ecoando o pensamento de todos.
– Também tem um peixe aí dentro – disse o guarda.
– O quê! – exclamou Paddington. – Um peixe? Dentro do meu chapéu?
– Pois é – disse o homem. – Devia estar querendo o seu sanduíche de
geleia. Provavelmente entrou por um dos buracos.
– Puxa vida! – exclamou Jonathan, admirado, enquanto os Brown se
amontoavam para olhar dentro do balde. – Tem mesmo um peixinho aqui!
– Isso significa que o Paddington ganhou o prêmio por pegar o primeiro
peixe – disse Judy. – Parabéns!
– Bom, se é algum tipo de concurso – disse o guarda –, é melhor eu
arranjar um pote de vidro para você guardar esse peixe, senhor.
– Imagino – ele falou, olhando meio receoso para o chapéu – que você
vai querer usá-lo de novo?
Quando Paddington olhou feio para o homem, ele deu um passo para
trás e saiu correndo, procurando um pote de vidro.
– Aqui está – ele disse quando voltou. – Cortesia do Departamento de
Conservação do Tâmisa.
– Muito obrigado – agradeceu Paddington, estendendo a pata para
apertar a mão dele.
– Não há de quê – disse o homem, parado ao lado da represa para se
despedir deles com um aceno. – O prazer é todo meu. Afinal, não é sempre
que temos a oportunidade de salvar a herança de família de um urso,
impedindo que se perca na nossa represa. O dia de hoje ficará na minha
memória.
O
amigo de Paddington, o sr. Gruber, caiu na gargalhada quando ficou
sabendo daquele passeio no rio.
– Oh, puxa, senhor Brown – ele disse, enxugando as lágrimas dos olhos.
– O senhor sempre tem uma história para contar. Queria ter estado lá para
assistir.
Era a manhã seguinte ao piquenique, e Paddington saíra correndo o mais
cedo possível para ir contar tudo ao sr. Gruber.
O sr. Gruber tinha uma loja de antiguidades na Portobello Road. Ficava
perto da casa dos Brown, e Paddington geralmente passava ali quando ia
fazer compras, para eles comerem um bolinho de passas e tomarem um
chocolate quente, por volta das onze da manhã. O sr. Gruber tinha ido à
América do Sul quando jovem e, por isso, eles podiam ter longas conversas
sobre o longínquo Peru, sentados em espreguiçadeiras na calçada.
Paddington sempre gostava de ver o sr. Gruber e muitas vezes o ajudava
com alguma coisa na loja.
A maioria das lojas na Portobello Road era interessante, mas a do sr.
Gruber era a melhor de todas. Era como entrar na caverna de Aladim. Havia
espadas e velhas armaduras penduradas nas paredes, panelas e frigideiras
brilhantes de cobre e latão empilhadas no chão, retratos, enfeites de
porcelana, móveis e peças de cerâmica amontoados até o teto; na verdade, o
sr. Gruber vendia praticamente qualquer coisa, e as pessoas vinham de toda
parte para pedir a opinião dele.
O sr. Gruber também tinha uma enorme biblioteca de livros usados no
fundo da loja, que ele deixava Paddington consultar sempre que surgia
algum problema. Paddington achava aquilo muito útil, pois a Biblioteca
Pública não tinha um departamento para ursos, e os bibliotecários
geralmente olhavam para ele com desconfiança quando ele espiava pela
janela.
Depois que Paddington terminou de contar tudo sobre o passeio no rio
para o sr. Gruber, eles ficaram em silêncio por um instante enquanto
comiam seus bolinhos de passas e bebiam seu chocolate quente.
Foi enquanto estava sentado na espreguiçadeira, contemplando a
paisagem e observando os transeuntes, que Paddington notou a vitrine da
loja do sr. Gruber pela primeira vez naquela manhã. Para sua surpresa, a
vitrine parecia estar estranhamente vazia.
– Ah – disse o sr. Gruber, seguindo o olhar de Paddington. – Tive um
dia muito agitado ontem, senhor Brown. Enquanto você estava se divertindo
à beça no rio, apareceu aqui um enorme grupo de turistas americanos, e eles
compraram todo tipo de coisa. Na verdade – ele continuou –, eu vendi tão
bem que preciso ir a um leilão hoje à tarde para comprar mais algumas
antiguidades.
– Um leilão? – perguntou Paddington, parecendo muito interessado. –
Como é um leilão, senhor Gruber?
O sr. Gruber pensou por um instante.
– Bom – ele começou a falar –, é um lugar onde eles vendem coisas para
quem der o lance mais alto, senhor Brown. Todo tipo de coisas. Mas é
muito difícil de explicar sem lhe mostrar um de verdade.
O sr. Gruber limpou os óculos e tossiu.
– Hã… imagino, senhor Brown, que não seria possível você vir junto
comigo hoje à tarde, seria? Assim você poderia ver com seus próprios olhos.
– Oooh, sim, por favor, senhor Gruber! – exclamou Paddington, com os
olhos brilhando de entusiasmo ao pensar naquilo. – Eu gostaria muitíssimo.
Embora eles se encontrassem quase todo dia, o sr. Gruber geralmente
estava ocupado com a loja, e eles raramente tinham a oportunidade de sair
juntos de fato.
Nesse momento, entrou um cliente na loja, e assim, após combinar com
o sr. Gruber de encontrá-lo depois do almoço, Paddington se despediu
erguendo o chapéu e correu de volta para casa para contar tudo aos outros.
– Humm – disse a sra. Bird quando ficou sabendo daquilo, no almoço. –
Tenho pena do pobre leiloeiro que tentar vender alguma coisa quando o
Paddington estiver presente. Esse urso vai acabar levando tudo pela metade
do preço.
– Oh, eu não vou comprar nada, senhora Bird – disse Paddington,
estendendo a pata para pegar uma segunda porção de torta de caramelo. –
Só vou assistir.
Mesmo assim, quando ele saiu de casa depois do almoço, a sra. Bird
notou que ele estava carregando a velha maleta de couro, onde guardava
todo o seu dinheiro.
– Não se preocupe, senhora Bird – disse Paddington, dando tchau para
ela com a pata. – É só em caso de emergência.
– Contanto que ele não volte para casa com um monte de móveis
antigos – disse a sra. Bird enquanto fechava a porta. – Se ele fizer isso,
vamos ter de colocar no jardim.
Paddington ficou muito animado ao entrar na casa de leilão. O sr.
Gruber tinha vestido seu melhor terno para a ocasião, e várias pessoas
viraram a cabeça para olhar quando os dois passaram pela porta.
O sr. Gruber tinha comprado dois catálogos e abriu caminho até a frente
do salão para que Paddington tivesse uma boa visão. Ele encontrou vários
outros comerciantes, a quem apresentou Paddington como o “Sr. Brown –
um jovem urso amigo meu, do longínquo Peru, que se interessa por
antiguidades”.
Todos apertaram a pata de Paddington e disseram em voz baixa que
tinham muito prazer em conhecê-lo.
Era tudo muito diferente do que Paddington esperava. Na verdade,
aquele lugar parecia uma imensa loja de antiguidades, com caixas e mesas
cheias de objetos de porcelana e prata encostadas em todas as paredes.
Havia uma multidão de pessoas em pé no meio do salão, olhando para um
homem em cima de uma plataforma, que parecia agitar um martelo no ar.
– Esse é o leiloeiro – sussurrou o sr. Gruber. – É nele que você tem de
prestar atenção. Ele é o mais importante.
Paddington cumprimentou o leiloeiro erguendo o chapéu, então se
sentou em sua maleta e olhou atentamente em volta.
Depois de alguns instantes, ele decidiu que gostava de leilões. Todo
mundo parecia tão simpático. Na verdade, assim que ele acabou de se
acomodar, um homem do outro lado do salão acenou com a mão na direção
deles. Paddington ficou em pé, ergueu o chapéu e acenou amigavelmente
com a pata para retribuir o gesto.
Mal ele tinha se sentado de novo, e o homem acenou outra vez. Sendo
um urso educado, Paddington se levantou e deu mais um aceno com a pata.
Para sua surpresa, o homem parou de acenar quase imediatamente e, em
vez disso, olhou feio para ele. Paddington encarou o homem e, então,
sentou-se para observar o sujeito na plataforma, que parecia estar de novo
fazendo alguma coisa com seu martelo.
– Dou-lhe uma, dou-lhe duas… – o homem gritou, batendo na mesa. –
Dou-lhe três! Vendido para o jovem cavalheiro urso de chapéu por três
libras e cinquenta!
– Oh, puxa – disse o sr. Gruber, parecendo bastante angustiado. – Acho
que infelizmente você acabou de comprar um jogo de ferramentas de
carpintaria, senhor Brown.
– Eu comprei um jogo de ferramentas de carpintaria? – repetiu
Paddington, quase caindo da maleta de tanta surpresa. – O quê?!
– Venha cá – disse o leiloeiro numa voz severa. – O senhor está
atrasando os trabalhos. Pague ali naquela mesa, por favor.
– Um jogo de ferramentas de carpintaria! – exclamou Paddington,
dando um pulo e agitando as patas no ar. – Mas eu nem disse nada!
O sr. Gruber parecia muito envergonhado.
– Receio que seja tudo culpa minha, senhor Brown – ele disse. – Eu
deveria ter explicado como funciona uma venda em leilão antes de nós
entrarmos. Acho que é melhor eu pagar por essas ferramentas, afinal a culpa
não foi sua.
– Pois então – ele continuou quando voltou da mesa –, você precisa ser
muito cuidadoso durante uma venda, senhor Brown.
O sr. Gruber explicou então como o leiloeiro oferecia cada item para
venda e como, depois de uma pessoa ter dado um lance por alguma coisa,
qualquer outra pessoa que quisesse comprá-la tinha de fazer uma oferta
melhor.
– Se você acena com a cabeça, senhor Brown – ele disse –, ou mesmo
coça o nariz, eles acham que é um sinal de que você quer comprar uma
coisa. Suponho que o leiloeiro viu você erguer o chapéu e achou que estava
dando um lance.
Paddington não tinha nenhuma certeza de que entendia o que o sr.
Gruber estava falando, mas, depois de conferir com muito cuidado se o
leiloeiro não estava olhando, ele rapidamente fez que sim com a cabeça e
então ficou sentado, completamente imóvel, observando o evento.
Embora não tenha dito nada para o sr. Gruber, ele estava começando a
se arrepender de ter ido ao leilão. O salão estava quente e lotado, e ele
queria tirar o chapéu. Além disso, ele estava sentado na alça da sua maleta, o
que era um tanto desconfortável.
Ele fechou os olhos e estava prestes a tentar dormir quando o sr. Gruber
cutucou sua pata e apontou para o catálogo.
– Veja só, senhor Brown – ele disse. – O próximo item é muito
interessante. É uma velha pistola… do tipo que os bandidos de estrada
usavam. Essas pistolas são muito populares hoje em dia. Vou tentar dar um
lance por ela.
Paddington endireitou as costas e assistiu animado quando o leiloeiro
levantou a pistola para que todos pudessem ver.
– Lote trinta e quatro! – ele gritou. – Quanto me oferecem por esta
antiga pistola genuína?
– Vinte libras – disse uma voz no fundo do salão.
– Vinte libras e cinquenta – anunciou o sr. Gruber, acenando com seu
catálogo.
– Vinte e duas libras – disse outra voz.
– Oh, puxa – falou o sr. Gruber, fazendo umas contas na margem do
catálogo. – Vinte e duas libras e cinquenta centavos.
– Vinte e três libras – disse a mesma voz outra vez.
Paddington ficou de pé sobre a maleta e olhou para o outro lado do
salão.
– É o homem que me fez comprar as ferramentas de carpintaria por
engano – ele sussurrou, dando um tapinha empolgado no sr. Gruber.
– Bom, não podemos deixar que ele vença, custe o que custar! –
exclamou o sr. Gruber. – Vinte e três libras e cinquenta!
– Vinte e quatro libras! – berrou Paddington numa voz alucinada.
– Hã… – disse o sr. Gruber com bastante tato, não querendo ofender
Paddington. – Acho que estamos competindo um com o outro, senhor
Brown.
– Alguém dá mais que vinte e quatro libras? – gritou o leiloeiro,
parecendo muito satisfeito.
Como não houve resposta, ele levantou o martelo.
– Dou-lhe uma… dou-lhe duas… dou-lhe três! – ele anunciou, batendo
o martelo com força. – Vendido para o jovem cavalheiro na primeira fila por
vinte e quatro libras.
O sr. Gruber procurou o dinheiro em sua carteira. Trazer Paddington
para o leilão estava saindo meio caro.
– Desculpe por isso, senhor Gruber – disse Paddington com uma voz
arrependida quando ele voltou. – Acho que acabei me empolgando demais.
– Tudo bem – falou o sr. Gruber. – Mesmo assim foi um ótimo negócio,
senhor Brown… e eu realmente queria esta pistola. Vou colocá-la na minha
vitrine amanhã.
– Acho que talvez seja melhor não dar mais nenhum lance – disse
Paddington, parecendo muito frustrado. – Acho que os ursos não são muito
bons nisso.
– Bobagem – falou o sr. Gruber. – Você está se saindo muito bem para
uma primeira vez.
Mesmo assim, Paddington decidiu ficar quieto por um tempo e apenas
observar o sr. Gruber. Era tudo muito complicado, nada parecido com fazer
compras no mercado, onde ele podia primeiro testar tudo com as patas
antes de discutir o preço.
O sr. Gruber indicou vários itens no catálogo para Paddington e lhe deu
um lápis para marcar os que tinha comprado e quanto tinha pago por eles.
A lista de itens que o sr. Gruber comprou foi crescendo cada vez mais,
até Paddington ficar zonzo de ter de anotar todos aqueles números. Ele
ficou contente quando o sr. Gruber finalmente anunciou que, por aquele
dia, tinha terminado as compras.
– Um excelente dia de trabalho, senhor Brown – ele disse, conferindo os
números que Paddington havia anotado. – E muito obrigado pela sua ajuda.
Não sei o que eu teria feito sem você.
Paddington ergueu o olhar de seu próprio catálogo, que ele estava
examinando com uma expressão séria.
– Tudo bem, senhor Gruber – ele disse, distraído. – Desculpe, mas o
que é uma prateleira de conservas?
– Uma prateleira de conservas? – repetiu o sr. Gruber. – Bom, é uma
coisa para guardar compotas e geleias.
Os olhos de Paddington brilharam enquanto ele começava a destrancar
sua maleta.
– Acho que vou dar um lance por isso, senhor Gruber – ele disse
animado, espiando dentro do compartimento secreto para ver quanto
dinheiro tinha. – É o próximo item do catálogo. Acho que eu gostaria de ter
uma prateleira de conservas para guardar minha geleia.
O sr. Gruber olhou para ele um tanto nervoso.
– Eu tomaria muito cuidado se fosse você, senhor Brown – ele disse. –
Talvez seja uma peça antiga. Se for, provavelmente vale muito dinheiro.
Mas, antes que ele tivesse tempo de explicar para Paddington o quanto
exatamente aquilo podia custar, o leiloeiro deu uma batidinha na mesa,
pedindo silêncio.
– Lote noventa e nove – ele anunciou, mostrando um objeto de prata
brilhante. – Uma prateleira de conservas bastante peculiar. Quanto me
oferecem por esta valiosa peça de prata antiga?
– Dez centavos! – gritou Paddington.
O salão inteiro ficou sem palavras.
– Dez centavos? – repetiu o leiloeiro, quase não acreditando no que
havia escutado. – Eu ouvi alguém dizer dez centavos?
– Fui eu! – gritou Paddington, agitando o catálogo no ar. – Quero isso
para guardar minha geleia. A senhora Bird sempre reclama que meus potes
ficam melados.
– Já falei isso antes – comentou a sra. Bird naquela noite – e vou repetir.
Esse urso sabe encontrar uma boa pechincha.
A família Brown estava tomando um lanche antes de ir dormir. A
“antiguidade” de Paddington estava no centro da mesa, num lugar de honra.
Ele tinha passado todo o fim de tarde lustrando aquele objeto até conseguir
ver seus bigodes refletidos, e a sra. Bird havia aberto um novo pote da geleia
favorita dele, especialmente para a ocasião.
Paddington tinha uma expressão de perfeita felicidade no rosto – a parte
do rosto que ainda podia ser vista atrás de migalhas de pão, restos de
manteiga e manchas de geleia.
– Acho que conservas têm um gosto ainda melhor quando vêm de uma
antiguidade – ele anunciou, e todos concordaram. – Principalmente – ele
acrescentou, mergulhando a pata na geleia – uma antiguidade de dez
centavos!
3
PADDINGTON E O
“FAÇA VOCÊ MESMO”
P
addington ficou sentado na cama até tarde naquela noite, escrevendo
suas memórias. Ele tinha um grande álbum de recortes encadernado em
couro, presente do sr. Gruber, onde registrava todas as suas aventuras junto
com imagens interessantes, e ele cuidadosamente colou o recibo no valor de
dez centavos que o leiloeiro tinha lhe dado.
Quando finalmente caiu no sono, acabou sonhando que estava outra vez
no leilão. Estava parado no meio do salão, agitando as patas e dando lances
por todos os objetos que eram oferecidos. A pilha de coisas que ele
comprara foi ficando cada vez mais alta, até ele mal conseguir enxergar.
Vários dos objetos maiores estavam espetando suas costas.
Quando ele acordou, ficou aliviado ao ver que estava em seu próprio
quarto e que as batidas do martelo do leiloeiro na verdade eram só alguém
batendo à porta.
Ao sentar na cama e esfregar os olhos, Paddington também descobriu,
para sua surpresa, que o prato de geleia estava na cama com ele, e que ele,
na verdade, estava deitado em cima do prato.
– Paddington! – exclamou a sra. Brown, que entrou carregando as coisas
para o café da manhã. – O que é que está acontecendo? Essa noite ouvi um
monte de batidas e gritos vindos do seu quarto.
– Deve ter sido o barulho dos móveis, senhora Brown – explicou
Paddington, puxando apressadamente o lençol até as orelhas para que ela
não visse as manchas de geleia.
– Os móveis? – perguntou a sra. Brown, colocando a bandeja na cama. –
Que móveis?
– Os móveis que eu comprei no meu sonho – explicou Paddington com
paciência.
A sra. Brown deu um suspiro. Às vezes, o que Paddington dizia não
tinha pé nem cabeça.
– Trouxe o seu café da manhã na cama – ela disse – porque a senhora
Bird e eu temos que sair hoje. Vamos levar o Jonathan e a Judy ao dentista e
achamos que você não se importaria de ficar sozinho. Ou por acaso você
quer vir também? – ela acrescentou.
– Ah, não – disse Paddington sem pensar duas vezes. – Acho que não
tenho vontade de ir ao dentista, muito obrigado. Prefiro com certeza ficar
em casa.
– Chegou uma caixa grande do senhor Gruber para você – continuou a
sra. Brown. – Acho que são as ferramentas de carpintaria que você comprou
ontem no leilão. Mandei colocar no galpão lá fora.
– Obrigado, senhora Brown – disse Paddington, torcendo para ela ir
embora logo, pois estava ficando muito quente embaixo do cobertor, e o
prato de geleia estava grudando nas costas dele de novo.
A sra. Brown parou na porta por um instante.
– Vamos tentar demorar o mínimo possível. Tem certeza de que você
vai ficar bem?
– Imagino que eu vou achar alguma coisa para fazer – disse Paddington
vagamente.
A sra. Brown hesitou antes de fechar a porta. Ela gostaria de ter feito
mais algumas perguntas a Paddington. Ele estava com um olhar distante, de
que ela não gostava nem um pouco. Mas ela já estava atrasada para a
consulta, e as conversas com Paddington, especialmente de manhã cedo,
sempre tendiam a ficar complexas.
Quando a sra. Bird ouviu falar do comportamento estranho de
Paddington, correu para cima para ver o que estava acontecendo, mas
voltou após alguns instantes com a notícia de que ele estava sentado na
cama, tomando o café da manhã e lendo um catálogo.
– Ora, enfim – disse a sra. Brown, parecendo muito aliviada. – Fazendo
isso, ele não pode causar muito estrago.
Nas últimas semanas, Paddington tinha começado a colecionar
catálogos e, sempre que via no jornal o anúncio de um catálogo interessante,
geralmente o pedia pelo correio. Na verdade, mal passava um dia inteiro
sem que o carteiro viesse pelo menos uma vez com uma carta endereçada
ao “Sr. P. Brown”.
Alguns dos catálogos eram realmente de muito boa qualidade, cheios de
fotos e desenhos e com muita coisa para ler, considerando que eram de
graça e que a sra. Bird geralmente pagava o selo.
Paddington guardava todos em um armarinho ao lado da cama. Havia
vários sobre viagens internacionais – com imagens coloridas de lugares
distantes –; dois ou três sobre comida; e um ou dois de grandes lojas de
Londres.
Mas o catálogo pelo qual Paddington se interessava no momento, e era
seu favorito, mostrava na capa uma bancada de trabalho e tinha o título
FAÇA VOCÊ MESMO. Ele ficou tão absorto naquele livro, um volume
grosso e cheio de diagramas, que de repente percebeu, surpreso, que tinha
colocado a pimenta e o sal na xícara de chá, e o açúcar no ovo cozido. Mas
ficara um sabor bastante interessante, e por isso ele não se importou muito
e concentrou-se em ler o catálogo enquanto comia uma torrada com geleia.
Havia uma seção especialmente interessante que chamou sua atenção.
Tinha o título AGRADE À SUA FAMÍLIA E SURPREENDA SEUS
AMIGOS, e era sobre como fazer um suporte para jornais e revistas.
“As únicas coisas de que você precisa”, dizia o artigo, “são uma folha de
madeira compensada, alguns pregos e uma mesa de cozinha.”
Paddington não tinha muita certeza de que podia usar a mesa de
cozinha da sra. Bird, mas, na noite anterior, o sr. Brown acabara lhe
prometendo uma folha de madeira compensada que estava sem uso no
galpão, além de alguns pregos velhos e um pote de vidro. E, como o sr.
Brown sempre estava reclamando que não encontrava seus jornais,
Paddington tinha certeza de que ele ficaria muito contente se tivesse um
lugar para guardá-los.
Ele examinou atentamente os desenhos e as fotos e consultou as
instruções várias vezes. Ali não dizia nada específico sobre ursos fazendo
coisas eles mesmos, mas que podia ser feito por qualquer um que tivesse um
jogo de ferramentas de carpintaria.
Paddington tomou uma decisão. Embrulhou rapidamente os restos de
seu café da manhã em um lenço, caso o trabalho de serrar lhe desse fome.
Então, depois de marcar o capítulo sobre o porta-revistas em seu catálogo
com um pedaço de casca de laranja da sua geleia, correu até o banheiro para
passar uma água no rosto.
Mas, quando ele finalmente pôs o ensopado para ferver em uma panela
grande, as batatas em outra panela, as ervilhas numa terceira, a couve-de-
bruxelas em mais outra, e usou pelo menos mais quatro panelas para
misturar ingredientes, no fim, só sobrou a chaleira elétrica para colocar o
repolho. Infelizmente, na pressa em que estava para fazer o café, Paddington
esqueceu completamente de tirar o repolho da chaleira.
Agora ele estava se atrapalhando para fazer os dumplings!
Paddington adorava um bom ensopado, principalmente quando era
servido com dumplings, bolinhos cozidos junto com o ensopado, mas estava
começando a se arrepender de não ter escolhido outra receita para preparar
para o almoço. Ele tinha procurado o capítulo sobre dumplings no livro de
culinária da sra. Bird e seguido as instruções com todo o cuidado, colocando
duas partes de farinha para uma de gordura de boi e então acrescentando
leite antes de misturar tudo. Mas, por algum motivo, em vez de a mistura
virar umas bolas redondinhas como mostrava a foto colorida, tinha virado
uma papa líquida. Então, quando ele acrescentou mais farinha e mais
gordura, a mistura ficou cheia de caroços e grudou nos pelos das patas dele;
por isso, ele teve de colocar mais leite e depois mais farinha e mais gordura,
até o ponto em que havia uma enorme montanha de mistura para bolinho
no meio da mesa da cozinha.
Paddington concluiu que, de modo geral, aquele simplesmente não era
seu dia. Ele limpou as patas com cuidado no avental da sra. Bird e, depois de
procurar em vão uma tigela que fosse grande o bastante, colocou toda a
mistura para bolinhos dentro do próprio chapéu.
Ficou muito mais pesado do que ele esperava, e ele teve um trabalhão
para carregar aquilo até o fogão. Ainda mais difícil foi colocar a mistura
dentro do ensopado, pois os bolinhos ficavam grudando nas patas dele e,
assim que ele conseguia desgrudá-los de uma pata, grudavam
imediatamente na outra. No fim, ele teve de sentar no escorredor de pratos
e usar o cabo da vassoura.
Paddington não estava achando muito bom aquele livro de culinária da
sra. Bird. As instruções pareciam todas erradas. Tinha sido difícil fazer os
bolinhos, e, além disso, os que eles mostravam na foto eram pequenos
demais. Não eram nem um pouco parecidos com os que a sra. Bird
geralmente fazia. Mesmo Paddington quase nunca conseguia comer mais de
dois bolinhos da sra. Bird.
Depois de esfregar as patas para tirar os últimos restos da mistura,
Paddington tampou a panela e saiu dali de perto. O vapor da panela tinha
deixado seus pelos empapados, e ele se sentou no chão, no meio da cozinha,
por vários minutos, recuperando o fôlego e enxugando a testa com um pano
de prato velho.
Foi quando ele estava ali sentado, limpando do chapéu os restos de
bolinhos e lambendo a colher, que ele sentiu alguma coisa se mexer atrás
dele. Não só isso; com o canto do olho ele viu uma sombra no chão que
certamente não estava ali um instante atrás.
Paddington ficou totalmente imóvel, prendendo a respiração e
escutando. Não era tanto um barulho, era mais uma sensação, e parecia
estar chegando cada vez mais perto, fazendo um ruído leve, como se
estivesse roçando em alguma coisa enquanto se aproximava. Paddington
sentiu os pelos começarem a se arrepiar quando surgiu um som vagaroso,
um plop… plop… plop… pelo chão da cozinha. E então, quando ele estava
tomando coragem para olhar por cima do ombro, ouviu um estrondo
gigantesco vindo da direção do forno. Sem esperar para ver o que era,
Paddington cobriu a cabeça com o chapéu e saiu correndo, fechando a porta
atrás de si.
Ele chegou ao hall de entrada no instante em que alguém estava batendo
com força na porta da casa. Para seu alívio, ouviu uma voz conhecida
chamar seu nome pela caixa de correio.
– Recebi seu recado, senhor Brown…, de que hoje você não poderia vir
tomar o chocolate das onze – começou a dizer o sr. Gruber enquanto
Paddington abria a porta – e pensei em dar uma passada aqui para ver se há
algo que eu possa fazer… – Sua voz foi sumindo enquanto ele olhava para
Paddington.
Ele segurou o braseiro de metal com força nas duas mãos e então abriu a
porta com um chute.
– Saia daí! – ele gritou. – Quem quer que você seja!
– Não acho que é quem, senhor Gruber – disse
Paddington, espiando pela porta. – É o quê!
– Cruz credo! – exclamou o sr. Gruber, olhando para a cena que tinha
diante dos olhos. – O que foi que aconteceu aqui?
A cozinha estava quase toda coberta por uma fina camada de farinha.
Havia farinha na mesa, na pia, no chão; na verdade, em cima de
praticamente tudo. Mas não foi o estado geral da cozinha que fez o sr.
Gruber gritar de surpresa… foi a visão de uma enorme coisa branca prestes
a cair pela lateral do fogão.
Ele olhou aquilo por um instante, então avançou cautelosamente pela
cozinha e espetou a coisa com o cabo do braseiro. Ouviu-se um barulho de
algo se contorcendo, e o sr. Gruber pulou para trás quando parte da coisa se
rompeu e caiu no chão com um ploft.
– Cruz credo! – ele exclamou de novo. – Acredito mesmo que seja
alguma espécie de bolinho, senhor Brown. Nunca vi um bolinho tão grande
na minha vida – ele continuou falando enquanto Paddington se aproximava.
– Cresceu tanto que ficou maior que a panela, derrubando a tampa no chão.
Não foi à toa que você levou um susto.
O sr. Gruber enxugou a testa e abriu a janela. Fazia muito calor na
cozinha.
– Como você conseguiu deixá-lo desse tamanho?
– Não sei muito bem, senhor Gruber – disse Paddington, bastante
confuso. – É um dos que eu fiz, e não estava assim no começo. Acho que
alguma coisa deve ter dado errado dentro da panela.
– Parece que sim – falou o sr. Gruber. – Se eu fosse o senhor, senhor
Brown, acho que desligaria o fogão antes que essa coisa pegue fogo e cause
mais estragos. Não tem como saber o que vai acontecer quando isso sair de
controle… – Quem sabe, se o senhor me permitir – ele continuou, com
delicadeza –, eu possa dar uma mãozinha. Deve ser muito difícil cozinhar
para tantas pessoas.
– É difícil para alguém que só tem patas, senhor Gruber – disse
Paddington, agradecido.
O sr. Gruber deu uma farejada no ar.
– Devo dizer que o cheiro está muito bom. Se nós fizéssemos mais
bolinhos depressa, todo o resto já estaria quase pronto.
Enquanto entregava a farinha e a gordura para
Paddington, o sr. Gruber explicou que os bolinhos ficavam muito maiores
depois de cozidos e que, na verdade, só era necessária uma pequena
quantidade de mistura para fazer bolinhos bem grandes.
– Não foi à toa que os seus ficaram tão grandes, senhor Brown – ele
disse, carregando o enorme bolinho de Paddington para dentro da bacia de
lavar pratos. – O senhor deve ter usado quase um saco inteiro de farinha.
– Dois sacos – disse Paddington, olhando por cima do ombro. – Não sei
o que a senhora Bird vai dizer quando ficar sabendo.
– Se nós comprarmos mais farinha para ela – sugeriu o sr. Gruber,
andando com a bacia pesada até o jardim –, quem sabe ela não fique tão
chateada.
CAR DAPIO
––
SOPA
––
PEICHE
––
HOMELETES
––
ROZ-BIFE
––
Insopado com Bolinhos – Batátas
Couve de Bruchelas Ervílias
Repolio – Molio de carne
––
GELEIA E CREME DE BAUNÍLIA
––
CAFÊ
A
porta verde da casa no número 32 dos Jardins de Windsor se abriu
lentamente, e um bigode de urso e duas orelhas pretas espiaram pela
fresta. Viraram primeiro para a direita, depois para a esquerda, e então, de
repente, sumiram outra vez.
Alguns segundos depois, o silêncio da manhã foi interrompido por um
estranho barulho de rodas girando, seguido de uma série de batidas fortes,
enquanto Paddington descia com o carrinho de mão do sr. Brown e o
empurrava até a calçada. Ele olhou para os dois lados da rua mais uma vez,
depois correu de volta para dentro da casa.
Paddington fez várias viagens entre a casa e o carrinho de mão e, cada
vez que passava pela porta da frente, estava carregando nas patas uma
grande pilha de coisas.
Havia roupas, lençóis, fronhas, toalhas de banho, várias toalhas de mesa,
além de algumas blusas de lã velhas que pertenciam ao sr. Curry. Todas
essas coisas foram cuidadosamente colocadas no carrinho de mão.
Paddington achou ótimo que não houvesse ninguém olhando. Com
certeza, nem a família Brown nem o sr. Curry aprovariam se soubessem que
ele estava usando o carrinho de mão para levar a roupa deles para uma
lavanderia automática. Mas acontecera uma emergência, e Paddington não
era o tipo de urso que se deixa abater por pequenos contratempos.
Ele estivera bastante ocupado, entre uma coisa e outra. A sra. Bird
voltaria logo antes do almoço, e havia muita coisa para limpar. Paddington
passara a maior parte do começo da manhã rodando pela casa com o que
restava do espanador de pó, limpando manchas de farinha da aventura
culinária do dia anterior e deixando tudo arrumado de modo geral.
Foi enquanto tirava pó da lareira da sala de jantar que ele de repente
encontrou uma pequena pilha de dinheiro e um dos bilhetes da sra. Bird. Ela
sempre deixava bilhetes pela casa para lembrar as pessoas de fazer certas
coisas. Esse tinha o título LAVANDERIA e estava fortemente sublinhado.
O bilhete dizia que alguém viria ainda naquele dia recolher a roupa da
família Brown para lavar e também tinha um post-scriptum no final, dizendo
que o sr. Curry havia combinado de mandar algumas coisas também e
pedindo que elas fossem recolhidas.
Paddington correu pela casa o mais rápido que pôde, mas ainda assim
demorou um bom tempo para recolher toda a roupa suja da família Brown e
se atrasou ainda mais ao ter de ir buscar as coisas do sr. Curry. Ele estava tão
ocupado fazendo uma lista de todas as coisas para lavar que não tinha
escutado direito a pessoa batendo na porta e chegara só a tempo de ver o
furgão da lavanderia indo embora. Paddington havia corrido atrás do furgão,
gritando e sacudindo as patas, mas ou o motorista não o tinha visto, ou
tinha preferido não ver, pois o furgão havia virado a esquina sem nem
mesmo ter chegado à metade dos Jardins de Windsor.
– Euindo
voto – disse o sr. Brown – que nós devemos comemorar a ocasião
a um restaurante. Todos os que são a favor digam “sim”.
A sugestão do sr. Brown provocou uma reação mista. Jonathan e Judy
gritaram “sim” imediatamente. A sra. Brown pareceu ter lá suas dúvidas, e a
sra. Bird não tirou os olhos do seu tricô.
– Você acha que é uma boa ideia, Henry? – disse a sra. Brown. – Você
sabe como é o Paddington quando nós o levamos para sair. Coisas
acontecem.
– Mas é o aniversário dele – respondeu o sr. Brown.
– E o aniversário de quando ele chegou – disse Judy. – Mais ou menos.
– Só não se esqueça – disse a sra. Brown – de que primeiro você vai ter
que tomar banho.
– Tomar banho! – exclamou Paddington. – No meu próprio
aniversário?
Paddington parecia desapontado por ter de tomar banho no dia do seu
aniversário.
– O Porchester é um restaurante muito famoso – explicou a sra. Brown.
– Só as melhores pessoas vão lá.
E, apesar dos protestos dele, ela mandou Paddington subir para o
banheiro com um balde, um sabonete e instruções expressas para não
descer de novo enquanto não estivesse limpo.
A empolgação na casa dos Brown cresceu durante a tarde, e, no
momento em que o sr. Gruber chegou, parecendo meio constrangido num
terno elegante que ele não vestia havia vários anos, os ânimos já estavam em
polvorosa.
– Acho que nunca fui ao Porchester antes, senhor Brown – ele
sussurrou para Paddington no corredor.
– Então somos dois. Vai ser ótimo variar um pouco, em vez do
chocolate com pãezinhos.
Paddington foi ficando cada vez mais entusiasmado no caminho até o
restaurante. Ele sempre gostava de ver as luzes de Londres e, mesmo sendo
verão, várias delas já tinham se acendido antes de eles chegarem lá.
Ele subiu os degraus do restaurante atrás do sr. Brown e entrou por uma
porta enorme, dando um aceno simpático com a pata ao homem que
segurava a porta aberta para eles.
Havia som de música ao longe, e, enquanto todos se reuniam na entrada
para deixar o casaco na chapelaria, Paddington olhou em volta com
interesse e viu os lustres pendurados no teto e as dezenas de garçons
andando de um lado para o outro.
– Lá vem o maître – disse o sr. Brown quando veio até ele um homem
alto, com ares de superioridade. – Reservamos uma mesa perto da
orquestra. O nome é Brown.
O maître ficou olhando fixo para Paddington.
– Este jovem… hã… cavalheiro urso está com vocês? – ele perguntou,
espiando sem baixar o rosto.
– Conosco? – falou o sr. Brown. – Nós é que estamos com ele. A festa é
dele.
– Oh! – disse o homem, em tom de desaprovação. – Então infelizmente
vocês não podem entrar.