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Aleilton Fonseca
3- impressão
V Edição
S a l v a d o r - B a h i a - 2015
Gregório
Aleilton Fonseca 37
te acompanhe", agora precisava alertá-lo para aquela lembrou dos líderes operários do final dos anos 70.
estranha realidade: Sim, ainda era possível lutar.
- Está maluco, Gregório? Vai pra onde? "Trabalhador unido jamais será vencido" - era o
Ele caiu em si. E r a o seu primeiro dia sem ir ao antigo slogan da classe.
trabalho. Agora era apenas u m número concreto nas E o grito valia agora. Mas, eis que braços se
manchetes que o jornal imprime e o apresentador recita levantam ou se negam nesta hora, contam-se a olhos
aos telespectadores. Desempregado. vistos. A proposta de lutar pela readmissão dos
Gregório não perdia uma reunião do sindicato, demitidos acabou derrotada. A maioria escolheu salvar
mesmo ficando de esguelha, nos cantos, sem altear a o que restava, votando pela suspensão de novos cortes.
voz. Tinha seus receios, pois achava que o diretor da - Companheiros, essa é a única bandeira que hoje,
empresa fazia jogo duplo. Aparentava respeitar a livre objetivamente, podemos levantar.
manifestação sindical. Mas fiscalizava e avisava: "olhe O dirigente discursava, e citava os números do
lá, vá com calma nisso... melhor mesmo é garantir sua desemprego estrutural. Diante da crise, interessava-lhe
posição, seu emprego. É, ou não é?" - Recomendava. O u uma política de resultados. E para os demitidos prometia
melhor, advertia, com u m riso malandro. criar alternativas viáveis. Gregório sentiu-se excluído,
Sem meias palavras, aquilo era u m recado. E abandonado no campo de luta. Perdeu a crença. Seu ser
Gregório entendia a situação: sindical foi se tornando névoa e, aos poucos, sumiu.
- A empresa nos cozinhava, com ameaça constante - Todo domingo a turma passava lá em casa,
de corte, dizia-se que "as coisas não iam bem", e que íamos ao barzinho do Tonho jogar dominó, ver o futebol,
"não era possível reajustar os salários". tomar uma cervejinha. Éramos uns seis a oito amigos,
Eles faziam dinheiro em caixa. Investiam os lucros quase todos companheiros na empresa. Todos tinham
na "modernização do parque". De repente vieram as consideração comigo, era uma boa camaradagem. Mas
enormes caixas made in algum lugar. E vieram os técnicos do grupo, só eu havia sido demitido.
para armar as novas máquinas. Depois o anúncio final: N a primeira semana, passaram em sua casa,
treinamento para uns, corte para outros. A chefia de levaram-no ao bar, tentando animá-lo. E o consolavam:
Gregório acabou. - A coisa vai melhorar, rapaz. Você vai arranjar
- Tomei bilhete azul, sem nenhuma consideração. uma colocação...
Dispensado, Gregório passou a assumir a ponta Aos poucos Gregório foi ficando de fora dos
nas discussões do sindicato. Alteava a voz, queria papos sobre o novo dia a dia do serviço. Comentava-se
entender a lógica dos debates e acompanhar os rumos que as novas máquinas faziam quase tudo sozinhas. E só
das votações. Depois de tantas horas de discursos e se falava em firmar u m pacto com a empresa. Era preciso
discussões, era a vez do voto. Que proposta encampar esquecer o grande corte de pessoal e se concentrar na luta
na luta? Gregório enxergou ali a sua nova trincheira. para manter os empregos atuais. No meio das conversas.
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As Marcas da Cidade Aleilton Fonseca
Os filhos de Gregório, dois meninos e u m a ficava após a dura jornada. O marido, como antes ela o
menina, eram acostumados com presentes, mimos queria e gostava, sumiu.
e passeios aos shoppings. Clara costumava fazer as - E u era u m homem, u m marido, u m pai...
suas vontades. No começo, tudo explicado, eles se E m crise profunda, Gregório buscava a si
privavam, e tentavam compreender a situação da mesmo n u m pequeno espelho da pia. Tenso, sentia-se
família. Mas, com tempo, sentiam-se cada vez mais completamente desorientado. Mirava-se no espelho; e
tristes, pobres, chateados. Revoltavam-se porque o não conseguia ver nada.
pai já não lhes dava mais nada. Agora só falavam do - E u não sou mais ninguém...
pai, com os verbos no passado: "quando pai fazia", De repente sentiu muito frio. E teve a sensação
"quando pai comprava", "quando pai p o d i a " . E agora de que estava encolhendo, cada vez mais, até se sentir
Gregório nada mais podia comprar. Aquele pai, como mínimo. Dias e dias em silêncio. U m bicho.
eles queriam e prezavam, sumiu. U m a noite saiu da toca e encarou a rua envolta em
Gregório viu-se sem quaisquer condições de noite e silêncio. N u m ímpeto, começou a andar a esmo
sustentar a casa. E não sabia como explicar aos filhos rua afora, deixando tudo para trás.
o seu fracasso. Embora as estatísticas desmentissem a A brisa da madrugada soprava. Para ele era uma
esperança, o ex-operário sonhava encontrar u m novo imensa tempestade. Levava às costas apenas u m saco
emprego, no qual pudesse honrar o velho diploma do com alguns objetos pessoais e algumas roupas. Horas
velho S E N A I . e horas sem rumo. N u m ponto ermo da longa avenida,
Clara assumiu o sustento da família. Passava o dia sentou-se debaixo de uma árvore. E a copa da árvore,
todo fora de casa, trabalhando como diarista, fazendo ampla e acolhedora, era o seu novo teto.
faxina em casas de família. E r a isso ou nada.
- Dá u m jeito em sua vida, Gregório - ela cobrava.
©caco
Ela exigia que o marido fosse fazer qualquer coisa
para arrumar uns trocados e ajudar em casa. Gregório
tentou vender picolé na rua, pipoca em frente ao estádio
de futebol, água mineral na praia, água de coco na
sinaleira. Mas isso não dava resultado.
Gregório se v i u desesperado. U m dia bebeu
demais. Brigou feio com Clara. Bateu nas crianças.
Saiu de casa.
Isolou-se no quartinho dos fundos. E Clara não
pediu que ele retornasse para a casa. Sentia-se até aliviada
por não sofrer os incómodos da noite, se tão exausta