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APENAS UMA PAIXÃO


Fateful desire
CAROL GREGOR

Um amor inconfesso... Um homem impossível...


Num adorável chalé nas montanhas, Brenda desperta lânguida, e antes de abrir os
olhos rememora os ardentes momentos de paixão que vivera com Gregory Ryan.
Por instantes julga ter confundido sonho com realidade, mas o barulho do
chuveiro a faz ter certeza de que tudo aconteceu. Porém, uma onda de tristeza a
invade. Brenda sente que jamais terá o amor desse homem, porque Gregory não
consegue deixar de vê-la como uma aventura apenas...

CAPITULO I

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Gregory Ryan esperou até a porta fechar, então pousou os cotovelos sobre a
mesa, apoiando o rosto nas mãos, num gesto de desânimo. Que tarefa desagradável
privar pessoas de seus empregos!
Durante todo o dia, quinze vezes a porta de sua sala fora aberta, para pouco
depois ser fechada com um estalido desalentado ou com uma batida furiosa. Os
recém-demitidos, funcionários da Brandon BioTech, após serem notificados das
respectivas dispensas, saíam dali sem esperanças. Tinham pela frente um futuro
sombrio, buscando trabalho numa região onde a recessão fazia com que todos se
agarrassem com unhas e dentes a seus empregos.
Gregory procurava suavizar-lhes o golpe, explicando a cada um que as
demissões deviam-se à má situação do mercado, e não ao desempenho particular
deles. Porém dava para perceber, que nada do que ouviam fazia a menor diferença.
Por sua vez, Gregory os entendia; não lhe causava estranheza o fato de que
alguns, ao receberem a má notícia, despejassem sua ira contra ele, ou contra o rico
proprietário da empresa, sir Lionel Brandon. E absorver a raiva e o sofrimento de
tanta gente durante horas, deixara-o deprimido e ansioso por um drinque.
Ele sorriu sem alegria, perguntando-se o que diriam seus amigos se
soubessem como ele se sentia a respeito daquelas demissões. O implacável Gregory
Ryan, conhecido por sua eficiência em tirar empresas do buraco, estava naquele final
de expediente quase se deixando vencer pelo desânimo!
Quando sir Lionel, o velho e astuto industrial, percebera que cabeças teriam de
rolar para que a Brandon BioTech sobrevivesse, fizera-lhe uma oferta que nenhum
homem em seu juízo perfeito recusaria.
Gregory suspirou ao ver a última pasta diante de si. Se pelo menos tivesse
terminado! Aí sim, ele poderia se dedicar à parte do trabalho que mais apreciava
numa empresa: sua reforma e reestruturação. Só que, infelizmente, ainda havia... —
ele verificou o nome na pasta sobre a mesa — B. Easton para demitir.
Pouco depois ouviu-se uma leve batida à porta, que em seguida se abriu.
- Entre — convidou, olhando naquela direção. Já prestes a pedir ao recém-
chegado que se sentasse, de repente ficou mudo e boquiaberto.
B. Easton não era apenas uma mulher, mas uma mulher belíssima.
Seus grandes olhos verdes foram à primeira coisa que ele notou, porém, ficou
igualmente fascinado com o rosto oval, as maçãs salientes, o queixo pequeno, o nariz
delicado, a pele sedosa e a boca mais encantadora que jamais vira. Traços
emoldurados por brilhantes cabelos castanho-avermelhados.
- O senhor queria me ver?

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A voz de B. Easton, baixa e modulada, era tão harmoniosa quanto o restante
de sua figura. Gregory pressionou as mãos contra o tampo da mesa, preso de uma
indesejável emoção. No passado, acontecera-lhe exatamente o mesmo ao deparar
com alguém parecido entrando em certa sala, e ele jurara nunca mais se afetar de
modo tão profundo por uma mulher.
- Sim. Por favor, entre e sente-se.
A mulher avançou na direção dele, fazendo-o notar a graça e o charme de seu
caminhar. Ryan acompanhava cada detalhe de seus movimentos.
B. Easton possuía pernas longas e bem-torneadas e um corpo estonteante,
que nem a austeridade do conjunto de linho cor de creme conseguia disfarçar. Havia
algo nela que o atraía. Gregory tentava em vão desviar os olhos de sua figura.
Afastou a cadeira para trás e caminhou até a janela, esperando assim vencer o
desejo físico que ameaçava dominá-lo.
Então, voltou-se.
— Lamento já ser tão tarde — disse.
— Não tem importância, contanto que o assunto não seja longo... —
murmurou ela.
Gregory relutou em voltar a sentar-se , hipnotizado por aqueles olhos verdes
tão encantadores.
— Srta. Easton... — começou com firmeza. Uma ruga marcou a testa de sua
interlocutora, mas ele não se alterou. — Não pretendo prendê-la aqui além do
necessário. Tenho certeza de que a senhorita, exatamente como os demais, sabe dos
problemas pelos quais a empresa está passando...
— Exatamente, senhor.
Sem saber como, Gregory afinal concluiu o discurso ensaiado.
B. Easton examinava as próprias mãos. Ele também as observava. Dedos
longos, unhas ovais cuidadosamente pintadas no mesmo tom rosado do batom. A
única jóia que usava era uma corrente fina no pulso.
— Gostaria que você entendesse que não é nada pessoal — explicou Ryan.
— Com a crise atual, tivemos de nos resignar a ficar sem oito por cento do
nosso quadro de funcionários.
— Ah, tiveram de se resignar! Você diz isso como se nos estivesse fazendo um
favor!
Gregory não conseguiu ler a expressão de B. Easton, mas quando os olhos
verdes o fitaram, tornaram-se perigosamente escuros, ao mesmo tempo em que uma
tensão tomava conta da sala, algo que nada tinha a ver com o assunto em discussão.
Gregory balançou a cabeça, zangado consigo próprio. Aquilo era ridículo! Ele

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conhecia dezenas de mulheres tão bonitas quanto àquela, e nenhuma jamais o
deixara tão desconcertado como naquele momento.
Na verdade, se se esforçasse para ser crítico, diria até que ela não era tão
bonita. Devia possuir a testa alta demais para usar aquela franja; e a boca, carnuda
demais em relação ao normal.
Mas, com tudo isso, havia uma aura radiante em sua presença naquela sala, e
o tom de fogo que se refletia em seus cabelos pareciam chamas de verdade, prestes
a incendiá-lo...
— Srta. Easton — prosseguiu, inconformado com o modo como ela o excitava.
— Sei muito bem que palavras gentis não alteram a verdade dos fatos, ainda que
muita gente prefira ouvi-las. Se sua preferência é por franqueza, serei franco. Os
tempos estão difíceis e somos obrigados a despedi-la.
Ela o fitou com expressão chocada, como se não acreditasse no que ouvia. Até
aí, nenhuma novidade. Então por que aquele olhar em particular tanto o inquietava?
E por que tentava encontrar palavras que o justificassem?
— Fique certa, Srta. Easton, que se houvesse como evitar as demissões, elas
seriam evitadas. A crise nos obriga a reduzir os gastos ao mínimo...
Enquanto Ryan se explicava, a expressão dela ia aos poucos se transformando
numa expressão hostil, de um desprezo fulminante.
B. Easton levantou-se de supetão e cruzou os braços sobre o peito fazendo
com que a blusa se colasse à pele, realçando a curva dos seios. Gregory procurou
desviar os olhos daquela visão.
— Eu até acreditaria em sua sinceridade, Sr. Ryan, se tivesse demonstrado um
mínimo de interesse pela sorte daqueles que está demitindo. Mas é difícil levar a
sério as boas intenções de alguém que nem ao menos tenta saber o nome correto de
seus funcionários. — Os olhos verdes percorreram o rosto dele.
— Mesmo que eu não tenha mais nenhuma importância para a empresa, saiba
que não sou Srta. Easton e sim, Sra. Easton. Para se informar, bastaria ter lido a
primeira página da pasta que tem diante de si! — Ela afastou-se na direção da porta,
e voltou-se, ainda mais zangada. — Mas daria muito trabalho, não é? Afinal, para
você, o que são pessoas? Apenas números numa folha de papel. E quando os
números estão muito altos você simplesmente os apaga!
Apesar do nervosismo, Brenda saiu da sala de cabeça erguida, porém, uma vez
lá fora, viu-se obrigada a se apoiar na parede, tamanha era a sua perturbação. Como
fora se meter naquela confusão?
Ela já sabia de antemão que seria despedida, e planejara lutar com todas as
forças para salvar seu emprego. Mas bastara um relance daquele olhar duro para que
seus planos tivessem caído por terra.
Droga! Fora aquele comentário cínico sobre a empresa ter de se resignar a

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ficar sem seus funcionários o que mais a revoltara. Depois disso, perdera por
completo o domínio da situação. E cada palavra que dissera apenas servira para
convencê-lo de que tomara a decisão certa.
O fato era que Gregory Ryan conseguira tirá-la do sério, com aquele seu rígido
autocontrole. E que momento embaraçoso aquele logo no início, quando seus
olhares se cruzaram e se prenderam de maneira tão profunda...
— Está sentindo alguma coisa, Sra. Easton? — perguntou-lhe uma das
faxineiras que passava por ali puxando um aspirador de pó.
— Oh, não, Dóris. Estou bem, obrigada.
Brenda normalmente trabalhava até tarde e tornara-se conhecida do pessoal
da limpeza do turno da noite.
— Esse Sr. Ryan é de tirar o fôlego, não é? — Dóris riu. — A maioria das
garotas estão loucas por ele. Você precisava ouvir o que dizem sobre ele no escritório
lá embaixo. Cruzes, essas garotas de hoje falam cada bobagem! Comigo ele é muito
educado. Quis saber meu nome na primeira vez que me viu e sempre pergunta por
minha família quando...
O ruído surdo do aspirador abafou as últimas palavras da mulher. Brenda
fechou os olhos, como se quisesse fugir da barulheira. Então, Gregory Ryan se
interessara pelo nome de Dóris, mas não se importara com o dela. Claro, ela não lhe
era útil para nada, enquanto a outra servia para limpar seu escritório.
Uma fúria incontrolável a assaltou. Não! Seu trabalho na Bio-Tech significava-
lhe tudo e não iria desistir dele sem lutar!
Gregory Ryan estava com uma pasta na mão, a mesma que permanecera
fechada durante a entrevista dos dois. Não demonstrou surpresa ao vê-la retornar,
apenas a fitou com ar interrogativo, arqueando uma das sobrancelhas, sentado no
mesmo lugar onde ela o deixara.
— Não acha que é um pouco tarde para isso? — Brenda indagou com
rispidez, após o que fechou os olhos, ciente de que errara mais uma vez na tentativa
de retomar o diálogo.
Gregory deixou a pasta sobre a mesa e a encarou.
— Tem toda razão. É tarde demais para qualquer que seja o assunto que tenha
a tratar comigo. Brenda avançou as mãos cerradas.
— Você não pode fazer isso, não desse modo...
— Tanto posso Sra. Easton, como já fiz.
— Você não sabe o que esse trabalho significa para mim!
— Exatamente. Não sei e não quero saber. Se voltou aqui para dizer que tem
mãe doente ou dez cães famintos para alimentar, prefiro não ouvir. Jamais vou
permitir que meu coração dite ordens a minha cabeça, e se você é tola o suficiente

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para acreditar nisso.
— Não existe ninguém doente na minha família, e tampouco voltei para fazer
seu coração ditar ordens a sua cabeça!
— Ótimo. Fico feliz em saber disso.
Houve uma pausa tensa, depois ele sorriu. Um sorriso zombeteiro, de quem
orgulhosamente reconhecia a impossibilidade de se deixar levar pela emoção.
— Voltei aqui porque esse trabalho significa muito para mim. Não pretendo
desistir dele sem lutar.
Seu tom sincero fez com que a expressão de Gregory suavizasse.
— Entendo — disse após uma pausa, esforçando-se para ser gentil. — Admiro
seu espírito de luta, Sra. Easton, mas infelizmente precisa saber que neste caso estaria
perdendo tempo e energia.
Seria apenas impressão, ou realmente havia sarcasmo na voz dele ao
pronunciar seu nome de casada?
— Uma empresa precisa de um bom relações públicas, mesmo passando por
problemas econômicos.
— Concordo. Mas não podemos nos dar ao luxo de manter dois deles, você e
Johnny Fletcher. Johnny, seu chefe, é mais velho, mais experiente, está há mais tempo
conosco. Haveria uma boa razão para demiti-lo e mantê-la em seu lugar?
Brenda poderia facilmente relatar-lhe centenas! Após dois anos trabalhando
com Johnny Fletcher, descobrira todos os seus defeitos. Tratava-se de um homem
incompetente, falso e desonesto, que escondia seu verdadeiro caráter por trás de
bajulação à diretoria da empresa.
— Johnny Fletcher é... —Por pouco Brenda não disse o que pensava a respeito
do chefe. Teria se arrependido, pois, mesmo em circunstâncias desesperadas como
aquela, jamais acusaria alguém pelas costas.
— O que você ia dizendo?
— Nada. Não importa.
— Era algo sobre o sr. Fletcher?
— Com a importância do cargo que ocupa na empresa, você não deveria estar
a par dos pontos fortes e das fraquezas de cada funcionário? — esquivou-se ela.
Por um momento ele limitou-se a observá-la, e Brenda teve dificuldade para
manter a calma diante do olhar tão penetrante. Gregory Ryan era bem mais jovem e
bonito do que ela imaginara. Parecia um atleta com aqueles ombros largos e
musculosos. O rosto másculo exibia um bronzeado que fazia jus à fama que ele tinha
de viver viajando a negócios.
Brenda fora até ali na expectativa de encontrar alguém de meia-idade. E em

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vez disso deparara com um homem na plenitude de sua forma física, algo que nem o
traje formal de trabalho conseguia disfarçar. E mais, um homem que a fitava como se
estivesse diante de uma conhecida íntima.
No entanto, aquele certamente não era o momento adequado para avaliar os
dotes físicos nem os atrativos masculinos de quem quer que fosse, por mais bonito
que lhe parecesse.
— Claro que eu deveria estar a par de tudo, Sra. Easton — disse finalmente.
— Mas logo isso estará resolvido. Não sou nenhum super-homem e estou
apenas a uma semana atrás desta mesa.
— Então como pode ter certeza de que está dispensando as pessoas certas?
— Brenda aproximou-se mais um passo e pousou as mãos sobre a mesa, pronta para
argumentar. — Sou uma ótima relações públicas e uma funcionária exemplar da
BioTech. Pode checar isso com qualquer pessoa aqui dentro. No ano passado,
ganhamos um prêmio de melhor promoção do mercado graças a um projeto de
minha autoria. E também, graças aos meus conhecimentos na área jornalística, no
último mês suspendemos uma reportagem na imprensa contando boatos sobre a má
situação da empresa...
Ele a fitava diretamente nos olhos.

Brenda estava próxima o suficiente para enxergar a sombra escura da barba


que despontava em seu rosto, a curva da boca, estava próxima o bastante para... De
repente, percebeu-o engolir em seco, como se sentisse a mesma emoção.
— Pelo que soube, Johnny Fletcher foi o autor de ambos os trabalhos.
Brenda nada disse. Seu silêncio transmitia uma mensagem que Gregory
captou de imediato. Um arrepio percorreu-a diante da rapidez com que se
entendiam.
— Quando anunciaram minha nomeação para diretor-gerente da BioTech, os
jornais locais publicaram um perfil meu que nada tinha de verdadeiro. Fui informado
ter sido você a responsável pelo artigo.
— Não é verdade! Eu estava de férias quando o artigo saiu. Se quiser
comprovar isso, basta consultar o departamento pessoal.
Gregory manteve os olhos fixos nos seus. Não parecia disposto a responder,
porém Brenda teve certeza de que ele acreditara em sua versão. Havia alguma coisa
entre eles, em seus olhares, no silêncio que os cercava, que falava mais do que
palavras.
Depois de percorrê-la de cima a baixo com os olhos, ele se levantou da
cadeira e foi até a janela. Será que aquele era seu modo de fugir sempre que a
tensão no ar se tornava insuportável? Só que ele não aparentava ser do tipo que
fugia de desafios. Talvez pretendesse apenas manter uma distância segura entre os
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dois, pensou Brenda.
Quem sabe ele não teria dificuldade para lidar com mulheres independentes?
Era bem possível que fosse esse o caso. Afinal de contas, ele agira como um machão
ao vê-la entrar na sala. Pois sua primeira reação não fora a de um chefe por um
subordinado, mas sim a de um homem por uma mulher.
Mas isso era problema dele; o dela era recuperar seu emprego. E, para isso,
deveria mostrar-lhe qual era a verdadeira situação, não importando o fato de ele não
querer prosseguir com o assunto. Gregory permaneceu em silêncio, pensativo.
Depois voltou-se. Tomara que ele mude de idéia, pensou Brenda, tem que mudar!
Seria um desastre ficar sem o seu principal propósito de vida dos últimos seis anos.
Com as palmas das mãos úmidas de suor, automaticamente ela passou-as
pelos lados da saia. Ao perceber que Gregory não perdera o movimento, praguejou
em silêncio, furiosa. A última coisa que desejava era que aquele homem notasse o
quanto estava nervosa. Endireitou as costas e fez um gesto sensual com a cabeça,
para afastar uma mecha de cabelos do rosto. Então, fixou os olhos nos dele, numa
tentativa de desviar-lhe a atenção.
Gregory sustentou-lhe o olhar, permitindo que ela visse um fogo sensual em
suas pupilas. Em seguida, foi baixando a vista com indolência, passando primeiro por
seus cabelos, depois pelos seios, fazendo sua pulsação disparar. Brenda sentiu os
joelhos tremerem, diante da força da emoção que esse homem despertava nela.
De súbito a expressão dele se transformou, e num segundo ela percebeu que
algo terrível acontecera. Um curto-circuito viera romper a conexão entre eles.
E de um momento para o outro, sua presença na sala parecia uma intrusão
inaceitável para ele.
Gregory deu dois passos e parou diante dela.
— Estamos perdendo um tempo precioso com essa conversa ridícula — disse
ele. — A decisão está tomada; e quanto mais cedo você se convencer disso, tanto
melhor. Tenho certeza de que logo estará empregada, se for tão eficiente quanto
alega ser. E enquanto isso não acontecer, Sra. Easton, sugiro que vá para casa e
converse sobre suas chances com seu marido — emendou com desdém. E, ao vê-la
boquiaberta pelo choque, acrescentou: — Ou será que esqueceu que tem um
marido?

CAPÍTULO II

Em condições normais, Brenda ia da empresa até sua casa com a maior


serenidade. Ao sair da Bio-Tech, no centro da cidade, ela tomava uma estrada
ladeada de campos floridos, onde o verde dourado das folhas de outono brilhava
com o reflexo do sol no horizonte, um cenário repousante, depois do longo

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expediente de trabalho. Naquela tarde, porém, não notou nada além do caminho
livre à frente.
Perder o emprego já fora ruim o suficiente; e perdê-lo quando estivera prestes
a tê-lo de volta era demais! Ela balançou a cabeça num gesto de desalento,
lembrando-se do desdém que havia nos olhos de Gregory Ryan enquanto a afastava
de suas funções na BioTech.
Tinha certeza de que ele estivera prestes a voltar atrás, só que ela pusera a
perder suas chances de recuperar o emprego.
Era desesperador saber que Gregory Ryan a considerava uma leviana.
Suspirou ao se aproximar da casa onde morava. Mas tinha de confessar que
Gregory a afetara com seu olhar penetrante.
Brenda arrepiou-se ao lembrar exatamente o que acontecera na entrevista
com aquele homem; fora como uma explosão de sensações em cada nervo de seu
corpo. Uma emoção idêntica à que experimentara anos antes, mas que queria apagar
da memória para dar outro rumo a sua vida.
A presença dele criara uma atmosfera de sensualidade que a desnorteara. Essa
era a única explicação para o suor frio que umedecera suas mãos, que a levara a
deslizá-las instintivamente pelos lados da saia, um gesto inocente que, no entanto,
Gregory Ryan interpretara como parte de um jogo de sedução.
Claro que havia muitos homens que adoravam aqueles jogos eróticos no
ambiente de trabalho. Com toda a certeza não era o caso de Gregory. Sua carreira
como pesquisador científico, e depois como administrador de empresas de alta
tecnologia na área da Bioquímica, mostrava que ele não necessitava daquele tipo de
recurso para obter vantagens. Tanto isso era verdade, que a Bio-Tech já o tinha em
sua folha de pagamento várias semanas antes que a notícia de sua contratação se
tornou pública.
Brenda olhou a paisagem à sua volta. O pequeno chalé onde morava havia
dois anos ficava em uma rua de terra batida que se estendia até o pé das colinas.
Uma vista agradável, repleta de verde, que a enchia de alegria todas as tardes ao
retornar do trabalho.
Em contraste com a vida de opulência e insegurança que tivera anteriormente,
o chalé todo branco em meio de um belo jardim a enchia de felicidade e paz, algo
que bem poucos podiam desfrutar. Mas, naquele dia, apesar de o sol ainda brilhar no
horizonte, ela permaneceu sentada no carro, sem se mover.
Em vez da paisagem cercando-a, ela via apenas o olhar sensual e insolente de
Gregory a percorrê-la. A simples recordação desse olhar fazia seu sangue ferver nas
veias. Ele podia ser um executivo competente, mas era evidente que não passava
todo o tempo trabalhando. Devia saber exatamente como excitar uma mulher, como
tocá-la e acariciá-la até que ela tremesse em seus braços e lhe implorasse seu amor.

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Ao sair do carro, Brenda bateu a porta, irritada com o rumo perigoso de seus
pensamentos. Junto à entrada da casa, foi recebida por Snowy, sua gatinha branca,
que tentou enroscar-se em suas pernas. Ergueu-a no colo e a abraçou, encostando o
rosto no pêlo macio, enquanto uma onda de ansiedade a assaltava.
— Oh, Snowy, que farei agora? — gemeu no que foi seguida por um miado
sonolento do animal.
Depois de entrar em casa, tratou de alimentar a gatinha. Mais tarde, junto à
janela, olhou de relance para o telefone sobre a mesinha. Não havia ninguém com
quem desejasse falar. Tinha poucos amigos, e mesmo desses mantinha certa
distância. Como resultado, nenhum deles sabia o suficiente sobre sua vida a ponto de
entender o impacto do golpe que recebera de Gregory Ryan naquele dia.
Perdida em devaneios, Brenda sequer notou o carro que acabava de passar
por ali; só o percebeu quando o reflexo do sol no pára-brisas a cegou. Protegendo os
olhos com a mão, olhou intrigada naquela direção. Sua casa era a única situada no
vale ao pé das colinas, e não havia outra nas redondezas além do casarão de fazenda
desabitado desde que ela se mudara para o local.
Ninguém entendia por que Brenda escolhera um lugar tão isolado para viver.
Entretanto, além de adorar a vida no campo, o isolamento era-lhe bastante útil. A
última coisa que desejaria era ter colegas da BioTech, pelas imediações,
bisbilhotando sobre seus hábitos pessoais.
Agora, tudo aquilo perdera a importância. Mas lembrar que já não haveria a
BioTech reavivou a tristeza que tentava afastar.
Após desfazer-se das roupas de trabalho, vestiu um velho jeans desbotado,
camiseta branca e calçou tênis. Escovou os cabelos, prendeu-os num rabo-de-cavalo
e saiu de casa rumo às colinas.
Chegando ao cimo de uma encosta, estendeu-se sobre o macio tapete de
relva.

A paisagem era indescritível, o ar ameno carregado da fragrância dos


pinheiros e da flora montanhosa. Tanta tranqüilidade, tanta beleza... Era difícil não ser
feliz ali. Uma cotovia retardatária cantou alegremente no céu. Brenda apoiou o rosto
nos braços, tentando afastar as lágrimas que teimavam em inundar-lhe os olhos.
Afinal, outras quinze pessoas estavam no mesmo barco que ela. Pelo menos, em seu
caso, não tinha crianças para alimentar, nem despesas com aluguel.
— Ei! — gritou Brenda de repente, ao sentir algo bater bruscamente contra o
ombro — Ei! — repetiu chocada, erguendo os braços para proteger a cabeça.
Naquele instante conseguiu identificar o bólido que viera perturbar seu sossego:
nada menos que um cão. — Pare! Saia daqui!
Com esforço, rolou para o lado e ficou de joelhos, o coração em disparada. O

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cachorro era um enorme filhote de Labrador e parecia querer apenas brincar. Tentava
pular sobre ela, as patas desajeitadas emaranhando-se em seus cabelos, puxando seu
rabo-de-cavalo.
— Whiskey! Pare com isso!
O dono do cachorro aproximou-se rapidamente e logo segurou-o pela coleira.
Brenda descobriu de quem se tratava antes mesmo de erguer os olhos. Aquela voz
soou familiar, como se a conhecesse de longa data.
— Essa não! — Gregory Ryan praguejou baixinho. Brenda fitou o homem a sua
frente, com uma indisfarçável expressão de fatalismo. Os cabelos escuros,
esvoaçantes, e as roupas informais davam-lhe um ar descontraído e juvenil. Sem
dúvida era um homem bonito, confiante, que agia como se tivesse plena consciência
de seu charme. Mas nada mudara na expressão inflexível dos olhos cinzentos.
— Whiskey? — indagou ela, ainda meio perturbada com o choque.
— Eu sei que é um nome estranho, mas ele já o trazia quando o comprei esta
tarde. Após um dia como o de hoje, não tive energia para pensar em um nome mais
original.
Brenda sentou-se sobre os calcanhares.
— Deve ser terrível passar o dia despedindo pessoas de seus empregos.
— Pode ter certeza que sim — ele replicou, com franqueza. Mais uma vez
houve aquele curioso instante de comunicação.
Acreditava nele, e Gregory percebeu isso.
— Está tudo bem com você? — Ele agachou-se ao lado dela. Brenda pensou
em ajeitar os cabelos com a mão, mas em vez disso, acabou tirando o elástico que os
mantinha precariamente presos. Ao fazer isso, eles esvoaçaram livres ao vento.
— Sim, eu estou bem.
— O cão rasgou sua camiseta. Deixe-me ver.
Antes que ela pudesse impedir, Gregory segurou-a pelos ombros e tocou com
as pontas dos dedos o lugar onde o tecido se rompera.

— Não precisa se preocupar com isso. — Ela se afastou bruscamente do toque


suave.
— Pelo menos, deixe-me pagar pelo estrago.
— Não seja ridículo. É uma camiseta velha. — Ele estava tão próximo, que
dava para sentir seu discreto perfume masculino, e ver como o jeans desbotado
colava-lhe nas pernas — Você era a última pessoa no mundo que eu esperava
encontrar aqui esta tarde! — exclamou Brenda, irritada consigo mesma ao perceber o
quanto estava perturbada, mas se esforçando para manter o controle.

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— E por acaso acha que eu estava ansioso para encontrar você ou qualquer
uma das quinze pessoas que tive de despedir? — Ele se levantou.
Quando ela fez menção de se erguer, Gregory estendeu-lhe a mão, porém
Brenda recusou a ajuda. Enquanto isso, o cão tentava a todo custo livrar-se da coleira
e avançar na direção dela.
— Sinto muito pelo que o cachorro fez. Ele não pretendeu feri-la. É ainda um
filhote inofensivo que só quer brincar. Deve ter sido um susto e tanto.
— Foi sim. O segundo grande susto do dia.
Os dois se encararam em silêncio, olhos nos olhos, até que a atenção de
Gregory se voltou para seus lábios, contraídos pela irritação e ainda mais irresistíveis.
Ele já notara o brilho furioso nos olhos verdes, o rosto levemente ruborizado. Brenda
Easton ficava linda quando zangada. "Peça-lhe desculpas e vá embora", ele preveniu
a si mesmo. Contudo, Gregory não se moveu. Apenas, apontou para um ponto
distante no vale.
— Minha fazenda fica ali. Mudei-me para lá há uma semana. Prefiro o campo
às grandes cidades porque necessito de ar puro para respirar no final do dia.
Ela seguiu seu olhar sem nada dizer. A notícia era tão preocupante que
precisou de algum tempo para se refazer.
— Então você mora em Coltsfoot Lane? — indagou.
— Sim. E você? Também mora por aqui?
— Exato, no chalé branco que, aliás, além da sua fazenda, é a única residência
na rua.
Os olhos dele não demonstraram surpresa, alegria ou desprazer. Era como se
tivesse recebendo uma informação totalmente corriqueira.
— Eu o conheço. É aquele chalé com um belo pomar ao lado e roupa
dependurada no varal não é mesmo? — Brenda fez que sim, lembrando do rol de
roupas íntimas que dançava a brisa constante que soprava na região.
— A casa me chamou atenção por sua aparência tão... Tão inglesa. Após residir
durante anos em cidades grandes, onde nunca se vê nada tão simples e familiar
como um varal, suas roupas dependuradas fizeram-me sentir realmente em casa.
Para completar o quadro faltaram apenas as galinhas ciscando sob a macieira.
— Eu jamais o julgaria como sendo do tipo sentimental — Brenda observou,
irritada.
— Ah, você ficaria surpresa.
— Bem... Não planejo criar aves domésticas.
— Nem abelhas? Patos, talvez?
Gregory tentava criar uma atmosfera descontraída, ansioso por vê-la relaxar,

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esquecer a rixa entre os dois, mas Brenda não tinha a intenção de se deixar levar.
— Tenho uma gata e acho suficiente — disse.
No breve silêncio que se seguiu, Gregory aproveitou para libertar Whiskey,
que não se cansava de forçar a coleira. Ao se ver livre, o cão correu para longe.
— Se vamos ser vizinhos, precisamos aprender a ser amistosos um com o
outro.
— Vai ser meio difícil. Não me sinto nem um pouco inclinada a ser amistosa
com você.
— Bem... Receio que terá de aprender, se é que pretende continuar morando
por aqui.
— E por que acha que eu me mudaria?
— Não foi isso que eu quis dizer — replicou Gregory, impaciente com o tom
nada amigável que ela teimava em manter. — Apenas julguei que talvez um novo
trabalho a levasse para longe daqui. Mas sendo uma mulher casada.
— O casamento não obriga a mulher a se fixar num só lugar. Ele suspirou um
sorriso triste nos lábios.
— Você não precisava me dizer isso!
Seu tom de voz a intrigou. Havia um quê de amargura na expressão dele ao
fitar o vale lá embaixo.
— Por pouco você não voltou atrás quanto a minha demissão, não foi?
— perguntou ela, abruptamente — Eu estava sentada aqui pensando nisso.
Sobre o quanto estive perto, e de repente tão longe de...
— Como eu lhe disse, não havia outra saída, a não ser o corte do pessoal
excedente.
— Pois eu seria capaz de jurar que você chegou a reavaliar minha dispensa.
— Infelizmente nada mudaria sua situação. Você poderia ser a melhor do
mundo em sua função, e mesmo assim ainda me deixaria com dois relações-públicas
e tendo de cortar um deles da folha de pagamento. Se me permite dizer, Sra. Easton,
você não se mostra à altura do cargo que exerce. Um bom relações-públicas precisa
ser charmoso, diplomático e persuasivo.
— Posso ser tudo isso quando a ocasião requer. Mas tenho a impressão de
que charme é uma qualidade pela qual você sente desprezo!
Gregory chegou mais perto.
— Charme é algo que considero agradável e sensual. E de certo modo você
tem razão. Às vezes sinto desprezo por mulheres que o usam em troca de favores,
especialmente quando não têm intenção de cumprir o que prometem!

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— Então você respeita aquelas que cumprem! Aquelas que usam a cama para
alcançar sucesso! Talvez seja por isso que eu jamais chegue lá.
Lágrimas de raiva obstruíam-lhe a garganta.
Brenda virou-se de costas, desgostosa, mas Gregory a agarrou pelos ombros e
a fez voltar-se.
— Essa é a coisa mais ridícula que já ouvi! E saiba que sua arrogância não a
levará a lugar nenhum. Você tentou me seduzir, negue se puder, mas percebi que
tudo não passou de uma encenação. Mas serei franco com você. Infelizmente,
costumo tomar decisões com a cabeça; jamais com outra parte qualquer da minha
anatomia.
A fúria explodiu com violência dentro dela.
— Você nunca esteve tão enganado! Meu comportamento nada tinha de
sedução, era apenas ansiedade. Fiquei nervosa, nada mais. O fato de você ter tomado
por outra coisa, indica que o problema é com você, não comigo!
— Nervos! Então foi o ataque de nervos mais provocante que já vi na minha
vida. Em nenhum momento eu a classificaria como sendo do tipo nervoso.
— Talvez você me deixe nervosa! Além do mais, o que você sabe sobre mim?
Por um momento ele nada disse, a expressão fechada. Porém, quando falou,
sua voz tinha um tom ameaçador que a fez gelar.
— Quem disse que não sei o suficiente? Conheço bem as mulheres casadas
que fingem ser solteiras, não usam aliança e que acreditam que os votos do
casamento são feitos para serem quebrados. Tenho experiência com mulheres do seu
tipo, Sra.
Easton, a ponto de poder afirmar com segurança que não a desejaria em
minha empresa, mesmo que não fosse necessário cortar despesas. Na verdade, a
melhor coisa que aconteceu para nós dois foi tê-la demitido, porque cedo ou tarde
isso teria de acontecer.
Brenda o fitou, branca como cera.
— Recuso-me a acreditar. É o maior absurdo que já ouvi. Você não pode
despedir pessoas por causa de seu estado civil. Existem leis contra isso! Posso
processá-lo.
— Tente fazer isso, mas não irá muito longe. De qualquer modo, talvez meu
ponto de vista não seja tão absurdo e sim filantrópico. Talvez eu sinta dó de seu
marido.
— Você estaria desperdiçando energias! — retrucou ela. — Martin não precisa
que sintam pena dele. E sabe de uma coisa? Você também não é o tipo de pessoa
com quem eu goste de trabalhar. Detesto sujeitos arrogantes cuja única crença é a de
que todas as mulheres farão fila para se atirar em seus braços!

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— Eu também não os suporto. Mas não estamos falando sobre todas as
mulheres, certo? E um homem não precisa ser arrogante para sentir vibrações que
são tão sutis quanto uma paulada na cabeça.
— Não sei sobre o que você está falando!
— Não? Achei que fosse mais esperta. O que me leva ao ponto de partida.
Não quero você trabalhando na BioTech, nem mesmo se as circunstâncias fossem
diferentes.
Brenda deu-lhe as costas, prestes a perder o controle sobre si mesma.
— Ainda que eu o tivesse provocado... — ela procurava as palavras certas
— ainda que tivesse acontecido aquele clima... Algo que acontece milhares de
vezes quando um homem e uma mulher trabalham juntos, coisas da natureza
humana, não entendo por que fazer tanto alvoroço!
Ele permaneceu em silêncio, absorvendo suas palavras.
— Então você não entendeu. É simples, Sra. Easton. Não costumo participar
desse tipo de jogo e jamais participarei.
Seu tom de voz era tão carregado, que Brenda o encarou nos olhos, tentando
captar algo mais que a ajudasse a compreender melhor a situação.
— Para ser franco — continuou ele com um suspiro, no que se refere a essa
área da experiência humana, sempre achei a sinceridade entre dois amantes
infinitamente mais gratificante do que qualquer tipo de jogo! — concluiu os olhos
fixos nos lábios de Brenda, irradiando uma insolente sensualidade.
Então, assobiando para chamar o cachorro, Gregory deu meia-volta e
começou a descer sozinho a encosta.

CAPITULO III

Naquela noite, Brenda teve um inquietante pesadelo, no qual Gregory Ryan


tentava castigá-la por sentir-se ofendido pelos seus jogos sensuais.
Acordou aturdida, ainda no meio da madrugada, e levou um bom tempo
pensativa na cama, até se convencer de que nenhuma ameaça real pairava sobre sua
cabeça. Mas a imagem de Gregory somente desapareceu de seus pensamentos com
a chegada dos primeiros raios de sol na janela do quarto. Ainda assim, permaneceu
deitada até mais tarde.
Levantou-se sonolenta e foi abrir a porta da cozinha para arejar a casa. Olhou
em direção à rua deserta. Sem dúvida, Gregory Ryan já saíra para o trabalho havia
horas, enquanto ela estivera na cama, contemplando um futuro sem perspectivas.
Mas que falta de sorte, ser dispensada da BioTech, justamente quando seus

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projetos começavam a frutificar! Quando se sentia segura e pronta para uma
promoção. Johnny Fletcher era tão incompetente que sempre julgara ser apenas uma
questão de tempo ele ser afastado da empresa; aí então, ela o substituiria com su-
cesso.
Brenda suspirou longamente. Não estaria lá quando isso acontecesse; não fora
promovida, e sim demitida. E, a não ser que encontrasse um meio de fazer com que o
todo-poderoso Gregory Ryan enxergasse o erro que cometera, a atual situação não
se alteraria um milímetro.
Ela suspirou novamente, os olhos fixos no jardim. Em vez de ficar alimentando
a própria tristeza, por que não aproveitar a manhã para cuidar das plantas? Não seria
por falta do que fazer ali que se aborreceria.

Afinal de contas, nos últimos tempos, dedicara suas melhores horas à BioTech,
relegando para segundo plano as tarefas e os prazeres domésticos. Aliás, em
circunstâncias normais, estaria se deleitando com aquela inesperada liberdade.
Só que agora as coisas eram diferentes. Antes ela perseguia um objetivo, e
todas as suas ações se voltavam para isso. Com o surgimento de Gregory Ryan, seus
sonhos tinham se desmoronado. E, como se a demissão fosse pouco, aquele homem
ainda lhe jogara no rosto que ela não possuía qualificação moral para fazer parte do
quadro de funcionários da empresa!
Ah, quanta falsidade! Pelo que Brenda pudera concluir, ele parecia do tipo que
se comportava de um jeito e que exigia dos outros um comportamento totalmente
diferente.
Ainda vestida com a camisola de cetim, Brenda abaixou-se para despejar leite
na tigela da gatinha. Foi nesse momento que escutou uma voz inconfundível:
.— Sinto muito lhe dizer que seu gato não estará aqui hoje para tomar esse
leite — Gregory Ryan falou da soleira da porta aberta. Sua sombra projetava-se
dentro da casa.
— O que você disse? — Brenda quis saber.
— Posso entrar? — E, sem esperar resposta, ele avançou em sua direção.
Atônita, Brenda observou-o correr os dedos por entre os cabelos, a expressão
confusa. Estava vestido para o trabalho, porém com a camisa aberta no pescoço, a
gravata afrouxada e o paletó jogado displicentemente sobre os ombros.
— Não sei nem como começar... Acontece que o desajeitado do Whiskey feriu
esta manhã um pequeno gato branco. Presumo que seja seu.
— Uma gata branca — corrigiu ela.
— Uma gata branca. Soltei Whiskey bem cedo porque ele estava latindo. De

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repente, percebi um tumulto no jardim. Quando me aproximei, o vi parado diante da
gatinha estendida na relva.
— Você está me dizendo que Whiskey a matou? Snowy está morta?
— indagou ela, os olhos arregalados de espanto.
— Snowy... — repetiu Gregory, com um meio sorriso nos lábios — Um nome
tão original quanto Whiskey.
— Ela está morta? — Sua voz tremia, horrorizada.
— Não. Levei-a ao veterinário, mas ele avisou que só daqui a algumas horas
poderá ter certeza se sobreviverá.
Brenda o fitava inconformada. Primeiro ele lhe tirara o emprego; e agora a
gata. O que mais lhe tiraria?
— Whiskey ainda é filhote e corre atrás de tudo o que se move — explicou ele.
— Se é assim, você deveria mantê-lo preso! — retrucou Brenda, com voz
alterada.
— Por que não sua gata? Ela também é tão pequena que não deveria sair de
dentro de casa!
Os dois se encararam por um momento, cada um mais furioso do que o outro,
até que Brenda abaixou o olhar.
— Normalmente é assim, mas como a noite passada foi quente, deixei a janela
da cozinha aberta. Ela deve ter saído por lá. Oh, pobre Snowy.
Gregory estendeu o braço, como se fosse confortá-la, mas não chegou a
completar o gesto.
— Sinto muito. Eu gostaria de lhe dizer que, se pudesse, eu teria evitado esse
acidente.
__Eu sei, eu sei... — disse ela, desalentada, mas num tom que denotava
sinceridade.
Então, movendo-se como uma autômata, sentou-se junto à mesa da cozinha.
Sentia os olhos de Gregory fixos ora em seus ombros nus, ora nas curvas do corpo
realçadas pelo cetim da camisola.
— Você não precisa se dar ao trabalho de ligar para o veterinário. Eu farei isso.
Tenho tempo de sobra.
— Você parece sentir prazer em colocar sal nas feridas.
— Eu não sabia que você estava ferido.
O silêncio fez com que as palavras permanecessem ecoando em sua mente.
— Sabia que eu também já fui despedido? Sei o quanto magoa quanto nos faz
mal.

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— Ah, não sabe! Aquele trabalho significava tudo para mim!
— Na ocasião, o meu também significava.
Outro silêncio pesado, durante o qual Brenda não deixou de encará-lo.
— Já que se considera experiente no assunto, o que me aconselha a fazer? O
mesmo que você fez na ocasião?
— Senti muita pena de mim mesmo. Tomei uma bebedeira e, quando passou,
recolhi meus pedaços e comecei tudo de novo. Mais tarde, o tempo provou que
aquela demissão fora positiva.
— No meu caso não será — Brenda rebateu, amargamente.
— Nunca se sabe.
— Eu sei! — Ela o fitou com raiva — De qualquer modo, jamais recorreria ao
álcool. Detesto a ressaca e tudo o mais que vem depois.
— Minha esposa não estava comigo na ocasião — esclareceu Gregory.
— Ao contrário de você, eu não tinha um ombro onde chorar. O álcool foi
minha única opção.
Brenda olhou para ele. Jamais o imaginaria casado. Afinal, ele não usava
aliança, e exibia a segurança típica dos homens descompromissados, que só faziam
exatamente aquilo que lhes dava prazer.
Se Gregory percebeu sua expressão, preferiu ignorar.
— Seu marido trabalha em Londres? — Ele fez um gesto em direção à mesa
arrumada para o café da manhã para apenas uma pessoa.
— Meu?... Ah, sim, ele trabalha.
— Então deve sair de casa bem cedo.
O coração de Brenda batia acelerado enquanto ela assentia com um aceno de
cabeça e tratava de mudar de assunto.
— O que o veterinário disse sobre o estado de Snowy?
— Bem, a gatinha teve uma das patas machucadas e um corte no pescoço. Ele
ficou de tirar radiografias para verificar se houve lesões internas.
— Mais tarde vou ligar para o Dr. Wicken — informou ela.
— Não é o Dr. Wicken. Levei-a um veterinário de Chichester. Brenda ficou
atônita.
— Você foi até Chichester?
— O Dr. Abrahams... Mike é meu amigo, e é também o melhor veterinário que
conheço. Se alguém pode curar Snowy, esse alguém é ele.
Pela primeira vez, ela notou os círculos escuros sob os olhos de Gregory.

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— Você deve ter dirigido durante horas!
— Era o mínimo que eu poderia fazer. Lamentei muito que aconteceu.
A profundeza de seu olhar, e o tom sensual da voz fizeram o coração de
Brenda disparar.
— Você não teve culpa.
— Muito embora você preferisse o contrário.
— Como assim?
— Você adoraria a oportunidade de ter algo contra mim.
— Isso é absurdo!
— Ora, faz parte da natureza humana pôr culpa nos outros. E como não há
por perto ninguém além de mim para esse papel.
— Também não há ninguém além de você que fosse capaz de me privar de
meu emprego.
— Bem... Não tenho a menor intenção de me desculpar por isso. Fiz o que
precisava ser feito. Quanto a Snowy, já me desculpei. — Ele fez uma pausa, e respirou
fundo, como se precisasse de um esforço extra para prosseguir.
— Entretanto, devo-lhe desculpas pelo que lhe disse ontem à tarde. Fui
imperdoavelmente rude e não me envergonho de admitir que me custou uma noite
insone. Não houve outra justificativa para meu procedimento, além de estar
aborrecido, exausto. E ter sido totalmente pego de surpresa por sua presença lá na
colina. — Passou a mão pelos cabelos, num gesto que traduzia cansaço. — Depois
emendou: — E que você tem o dom de despertar um lado estranhamente ríspido
dentro de mim. Mas não posso culpá-la por isso, muito menos fazê-la sofrer as
conseqüências.
Gregory apanhou o paletó da cadeira onde colocara, ao mesmo tempo em
que acrescentava:
— Bem, já me desculpei. Eu não devia ter dito tudo aquilo, porque não era
verdade.
Brenda estava tão surpresa com o que acabara de ouvir, que foi incapaz de
articular uma única palavra. Gregory vestiu o paletó em silêncio, porém atento a cada
detalhe de sua expressão.
— Não foi fácil despedi-la, Sra. Easton. Tampouco foi fácil encontrá-la apenas
algumas horas após esse episódio desagradável. — E, sem olhar para trás, saiu
discretamente da casa.
Horas mais tarde, Brenda terminava de escrever um bilhete para Gregory Ryan:
"O Dr. Abrahams confirmou que a gatinha ficará boa. Por sorte não houve
lesão interna e, no final da semana, Snowy poderá voltar para casa. Você não precisa

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mais se preocupar.
Fico-lhe grata por tudo que fez por ela.
No momento de assinar, ficou indecisa entre "Sra. Easton", que era como ele a
tratava, e o primeiro nome. Na dúvida optou apenas por "B.E.", que lhe pareceu mais
formal.
Estava absolutamente convencida de que, ao passar em frente à casa dela, de
volta do trabalho, Gregory se sentiria na obrigação de bater à porta para saber sobre
o estado de Snowy. E isso ela pretendia evitar, custasse o que custasse.
Precisava evitá-lo por causa da maneira com que seus olhares se buscavam e
de como seu corpo reagia à proximidade dele.
Fora por isso que ela não lhe dissera a verdade sobre Martin naquela manhã?
Porque com o escudo do casamento a protegê-la, ele jamais se atreveria a qualquer
tipo de avanço em sua direção? Ou porque aquilo a manteria a salvo de si mesma, de
sua natureza passional, algo que ela aprendera a refrear, desde que causara tantos
conflitos em sua vida adulta?
Mas Gregory Ryan era casado e Brenda nada tinha a temer. Pelo que ela
entendera da conversa da tarde anterior, tratava-se de um homem que levava muito
a sério as regras do casamento.
Perdida em pensamentos, Brenda chegou à fazenda quase sem perceber. O
local parecia tão desabitado quanto estivera nos últimos dois anos, embora se
pudesse ouvir os latidos de Whiskey dentro da casa.
Como não houvesse nenhum carro à vista, ela sentiu-se à vontade para espiar
através da vidraça. A sala tinha um aspecto de abandono total. Paredes recobertas de
papel, quase nenhuma mobília, exceto uma escrivaninha e um sofá solitário. Que
coisa estranha. O que a esposa de Gregory pensaria disso? Será que ela se recusava a
pôr os pés na fazenda até que toda a casa estivesse devidamente mobiliada e
decorada?
Intrigada, Brenda prendeu o bilhete dobrado na fresta da porta, rezando para
que ele não decidisse procurá-la à noite, na volta do trabalho.
Temendo que isso acontecesse, no final do dia ela resolveu ir até o centro
comer uma pizza e assistir a um filme. Quando voltou, eram bem mais de dez horas,
portanto, tarde o suficiente para não ser perturbada por nenhuma visita indesejável.
Entretanto, alguém passara por lá e deixara um recado pregado à porta de
entrada:
"Entendi muito bem sua mensagem. Lamentavelmente para você, teremos de
viver próximos um do outro.
Sendo assim, é preferível começarmos a pensar em como fazer isso. Gostaria
de convidar você e seu marido para jantar na próxima quinta-feira, se estiverem
livres.
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P.S. Fiquei feliz com as notícias sobre Snowy. Gregory Ryan"
A resposta de Brenda no dia seguinte não poderia ter sido mais breve.
"Agradeço o convite, mas receio ser impossível aceitá-lo. Martin estará em
Londres na quinta-feira."
Mesmo assim, Ryan insistiu na idéia, deixando um outro recado na manhã
seguinte.
"Não quis acordar você. Que tal sexta-feira, ou sábado ou domingo? Tenho
todo o fim de semana livre."
Já meio impaciente, Brenda ligou para a BioTech. Ainda bem que a secretária
de Gregory era uma novata, que não a conhecia.
— Por favor, avise ao Sr. Ryan que o jantar com o Sr e sra. Easton não será
possível. O Sr. Easton está muito ocupado em Londres e raramente tem noites livres.
— Perfeitamente, Sra. Easton. Pode deixar seu telefone para o caso de ele
precisar chamá-la?
— Creio que não será necessário.
— O. Sr. Ryan insiste em ter o número em todas as mensagens que recebe
— retrucou a secretária.
De má vontade, Brenda informou o número. Em menos de dez minutos,
Gregory ligou.
— Presumo ter sido sumariamente rejeitado, acertei? — O tom de voz dele era
brusco.
— Sinto muito. Martin não tem aparecido com freqüência em casa.
— Ele chega a aparecer algum dia?
— Claro que sim. Mas precisa estar em Londres à maior parte do tempo, pois
é lá que trabalha.
— Nesse caso, talvez devêssemos jantar sem ele. Imagino que não terá do que
reclamar, uma vez que a deixa tanto tempo sozinha. E, de qualquer modo, estaremos
em local público. Pensei num jantar fora, porque a fazenda no momento está sem as
condições mínimas.
— Acho que não devemos.
— Por que não? De que tem medo? Um simples jantar entre vizinhos...
— Não se faça de bobo! Não estou com medo e sim zangada — protestou ela,
relutante em se aproximar de um homem que acabava de despedi-la.
— Ouça bem. Sou o primeiro a admitir que não tivemos um bom começo.
Ambos dissemos e fizemos coisas de que provavelmente nos arrependeremos. Estou
tentando colocar um ponto final nisso e começar tudo outra vez.

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— Esquecer o que passou para mim não é tão fácil quanto o é para você!
— Será mais fácil se você quiser que seja — E, depois de uma pausa. — Posso
ajudá-la a encontrar um novo emprego.
Tenho amigos que poderão contratá-la.
— Agradeço, mas não preciso de sua ajuda.
— Foi apenas uma sugestão — Ele respirou fundo. — Sra. Easton, eu não
estaria insistindo tanto se não houvesse a coincidência de morarmos próximos um do
outro. Sou uma pessoa que gosta de estar em paz com os vizinhos. Detestaria ter de
andar sorrateiramente para cima e para baixo naquela rua, sem saber o que fazer
caso encontre você. Ou então, ficar rezando para jamais ser obrigado a procurá-la
numa emergência, só porque tivemos uma rixa cinco anos atrás.
Tudo aquilo era verdade. Assim, Brenda teve de admitir que a perspectiva de
jantarem juntos a assustava, embora a razão para isso fosse algo que ela evitava
analisar mais profundamente.
— Já esqueci tudo o que houve — mentiu. — Você não precisa me pagar um
jantar para assegurar minha ajuda numa emergência.
— Fico feliz em saber disso. Mas se está tudo esquecido, não há por que
recusar meu convite. Às oito passarei em sua casa para apanhá-la.
Brenda sentiu-se vencida. O que mais poderia argumentar para dissuadi-lo?
E por que ele fora tão franco, tão gentil? Aliás, essas características não
combinavam com o perfil que idealizara do homem que arruinara sua carreira.
— Está bem — concordou finalmente.
— Sra. Easton?
— Sim?
— Posso sugerir que nos tratemos pelo primeiro nome? Chamá-la sempre de
"senhora" me dá a sensação de estar representando um personagem de uma novela
vitoriana.
— Eu imagino.
— Ótimo, então. Você já sabe meu nome, mas eu continuo em desvantagem.
Ela respirou fundo e, sem outra alternativa, viu-se obrigada a ceder.
— Brenda — disse relutante. — É como eu sou conhecida. Brenda Easton.

CAPITULO IV

Inquieta, Brenda contemplava o cair da tarde. Mãos suadas, a boca seca. Não

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fazia a menor idéia de como se comportar naquele jantar. Sua tensão era tanta que
chegava a lhe provocar um princípio de enjôo. Como se Gregory fosse o primeiro
homem a convidá-la para um jantar!
Mas por que estava tão ansiosa, se aquele não era um encontro de
namorados?
Assim que entrou em casa, ocorreu-lhe uma dúvida: ele não dissera onde
pretendia levá-la. Deveria vestir-se formalmente, ou um jeans bastaria?
Uma vez no dormitório, despiu-se em frente ao armário embutido, e acabou
optando por algo simples. O relógio alertou-a de que faltavam apenas quarenta
minutos para as oito horas. Tinha de se apressar, senão...
Mal terminou de tomar banho, secar os cabelos, maquilar-se e borrifar o
perfume preferido e já ouviu o barulho de ura carro à porta.
— Meu pai chamava-me de Brandy desde que eu era pequena. Dizia que o
tom avermelhado do meu cabelo lhe lembrava seu conhaque preferido. Meu nome
verdadeiro é Brenda, mas gosto do apelido.
— Pois eu menti ao dizer que não sabia seu nome. Na realidade, ao descobri-
lo em sua pasta, achei que não tinha nada a ver com você, apesar de a conhecer
apenas superficialmente. Brandy é um apelido que combina com você, mas prefiro
Brenda.
Ela lançou-lhe um olhar desconfiado. Porém o perfil de Gregory nada revelava,
exceto concentração na estrada.
— Com vai Whiskey? — perguntou de repente, para fugir do rumo pessoal
que a conversa tomava.
— Contratei um profissional para treiná-lo, pois ele anda muito agitado. Se
você encontrar uma camioneta branca passando por aqui, não se assuste, é o pessoal
do canil.
— O que ele precisa é de exercício!
— Concordo, mas não o quero solto enquanto estou no trabalho e,
principalmente, depois do que aconteceu com Snowy.
— Quanto a isso, não se preocupe. Vou mantê-la presa.
— Agora sim, você está agindo como uma vizinha gentil.
— E não é para que isso aconteça que estamos aqui? Horas mais tarde,
quando fosse fazer um balanço da noitada,
Brenda teria de concluir que tudo saíra melhor do que esperava. Gregory agira
como um perfeito cavalheiro, sem lhe dar um único motivo para reclamação. A
começar pelo restaurante que escolhera, de cozinha primorosa e atmosfera
descontraída, em vez de íntima e escura, que caracterizaria um local de encontro de
namorados. A roupa que ela usava, blusa de seda preta e saia estampadinha,

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escolhida de propósito para mostrar-lhe que não se produzira para a ocasião,
combinava bem com o traje de Gregory. Blazer azul-marinho, camisa branca e calça
cinzenta.
De repente ele se voltou e percebeu que estava sendo observado. Brenda
ergueu a cabeça e tentou sustentar o olhar que tanto lhe afetava. O resultado não foi
dos mais animadores: estremeceu, como se todos seus nervos estivessem
distendidos. Esse homem, justamente esse homem, provocava-lhe sensações que
nenhum outro jamais provocara.
Brenda corou, e ele teve a gentileza de fingir não haver percebido nada. Como
num acordo tácito, puseram-se a conversar sobre coisas triviais, evitando assuntos
perigosos, tais como a esposa dele ou a ausência de Martin.
Gregory contou-lhe sobre seu trabalho anterior como pesquisador, as viagens
que fizera a países distantes, as dificuldades que enfrentou até obter o
reconhecimento.
Brenda por sua vez preferiu falar sobre as circunstâncias em que encontrara a
casa onde morava.

Tudo acontecera por acaso, num melancólico sábado de novembro, logo após
sua admissão na BioTech, quando saíra do pequeno apartamento em que vivia, para
um passeio no campo. Comentou também sobre a beleza das colinas que se cobriam
de neve durante o inverno.
Uma ou duas vezes ele perguntou algo sobre seu passado, mas enquanto
falava sobre o período de faculdade, ou sobre a empresa onde trabalhara antes de se
mudar para a região, teve o cuidado de não mencionar detalhes da vida pessoal.
No final da noite, pareciam ter chegado a um bom termo, pelo menos como
vizinhos.
— Obrigada pelo jantar. Foi muito agradável — disse ela, ao estacionarem
diante de casa.
— Foi mesmo? — Ele voltou-se em sua direção e sorriu. Brenda sentiu as faces
arderem. Por que estava reagindo daquela maneira? Não fazia o seu gênero ficar
assim com o coração disparado e os nervos à flor da pele apenas por causa de um
olhar e de um sorriso. Gregory assumiu uma expressão séria, ao reparar na escuridão
que reinava ao redor,
— Parece que não há ninguém em casa.
— Pois é.
Ele voltou-se para fitá-la. — Um, isso é ótimo. Bem, desculpe se a intimidei.
— Imagine! Não me intimido facilmente.
— Você é bem teimosa, certo? Fiquei sabendo lá na BioTech que quando você

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cisma com uma coisa, ninguém consegue fazê-la mudar de idéia.
— Ser teimosa nem sempre é uma coisa ruim. Às vezes é a melhor atitude que
se pode tomar.
— Não nego, mas há ocasiões em que é necessário ser flexível, como agora,
por exemplo. — Gregory desligou o motor do cano. Seu perfil delineava-se tão
sombrio quanto o contorno das colinas contra a claridade do céu. — Mesmo com o
risco de arruinar uma noite perfeita, gostaria de saber como estão suas perspectivas
em relação a um novo emprego.
— Ainda não comecei a procurar — disse ela, um tanto impaciente. — Não
quero me apressar e tomar decisões erradas — Na verdade, toda vez que se
dispunha a pensar a respeito, visualizava o bonito rosto dele e acabava se distraindo
de seus propósitos.
— Quantos anos você tem, Brenda? Vinte e cinco? Vinte e seis?
— Vinte e cinco.
Gregory balançou a cabeça lentamente.
— Na sua idade, a maioria das mulheres consideraria a perda do emprego um
aviso de que era tempo de parar e pensar em ter filhos.
— Não faço parte dessa maioria.
— Então, não pretende ter filhos?
— Também não foi isso que eu disse. — Brenda tinha certeza de que Gregory
a provocava.
— Mais uma vez... Correndo o risco de amainar uma noite perfeita...
— Que tal mudar de assunto? Não entendo por que tanto interesse pelo meu
futuro!
— Não lhe ocorre que me preocupo com você? E que desejo que encontre
logo um bom trabalho?
— Para você ficar com a consciência tranqüila? Então, ouça o que vou dizer.
Não quero outro emprego. Quero o que eu tinha na BioTech!
— E se você não puder recuperá-lo?
Brenda limitou-se a olhar a escuridão que os cercava. Gregory esperou sua
resposta, e quando se convenceu de que ela nada diria, suspirou.
— Bem, pelo menos parece que você não vai precisar de dinheiro tão cedo.
Ela teve vontade de rir. Na verdade, suas economias estavam se acabando
rapidamente. Entretanto, jamais lhe confessaria isso.
— Não precisa se preocupar comigo. Vou sobreviver. Posso muito bem me
vestir e me alimentar sem sua ajuda!

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Quando voltou a encará-lo, viu que ele a fitava com intensidade. A
proximidade dos dois no interior do carro criava um clima propício a sonhos e
devaneios. Isso para ela, porque Gregory era uma incógnita. Jamais saberia o que lhe
passava pela cabeça. Apenas percebia que a temperatura ali dentro aumentava cada
vez mais.
Essa tensão era uma constante entre eles, desde o primeiro encontro. Mas será
que Gregory sentia a mesma sensação que ela?
Brenda tentou desviar os olhos, porém o magnetismo que os atraía parecia ter
a mesma força que mantinha a lua suspensa no céu.
Qual seria o próximo passo dele? Iria beijá-la? Brenda tinha certeza de que ele
gostaria de fazer isso, assim como não duvidava de que ela própria ansiava por essa
carícia. Por outro lado, se o beijo acontecesse, ainda não tinha idéia de como reagiria.
Gregory inclinou-se para a frente, não para beijá-la como ela esperava,
simplesmente ia ligar o motor do carro.
— Eu jamais sonharia em fazer isso! Você tem marido, esqueceu?
Brenda desceu do carro em silêncio. Estava a ponto de demonstrar sua fúria
batendo a porta do veículo, mas algo a conteve. A perda do autocontrole apenas lhe
criaria novos embaraços para mais tarde, quando inevitavelmente o encontrasse na
rua. O objetivo do jantar estaria arruinado de uma vez por todas.
Mais calma, abaixou a cabeça para despedir-se através da janela do carro.
— Obrigada pelo jantar. Foi uma noite adorável.
— Exceto a última parte — corrigiu ele.
— Tem razão.
Gregory a fitou com tamanha intensidade, que de um momento para o outro
sua raiva evaporou-se.
— Estive pensando, Gregory. Eu poderia levar Whiskey comigo quando saísse
para caminhar. Subo a colina todas as tardes. Seria um ótimo exercício para ele.
Gregory mostrou-se surpreso.
— Não precisa me recompensar pelo jantar. O convite que lhe fiz foi um
encontro amigável, não um investimento.
— Minha sugestão teve o mesmo propósito. Apenas me ocorreu que fosse
uma boa idéia.
— Não consigo imaginar por que você me faria um favor após o mal que lhe
causei.
-— Por que não encara apenas como uma gentileza?— Você realmente faria
isso?
— É claro. Do contrário jamais me ofereceria.

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— Imagino que não. — Ele pensou um pouco, depois completou:
— Whiskey vai adorar. É fácil apanhá-lo lá em casa. Nunca tranco a porta.
— Não há ninguém por lá? E sua esposa?
— Minha esposa! — Gregory não segurou o riso. — Não, ela não está lá, e
jamais pisaria numa fazenda inglesa caindo aos pedaços. Está no Rio de Janeiro, onde
vive há sete anos. E não é mais minha esposa. É ex-esposa.
— Sinto muito.
— Bobagem! São feridas cicatrizadas, embora deva estar claro, por meu estilo
de vida, que, depois de me queimar uma vez, não pretendo repetir o erro de voltar a
me casar. A independência combina comigo e me faz feliz, mesmo que para desfrutá-
la tenha de viver em perfeito abandono. — Então, com um gesto de adeus, ele partiu
rapidamente, o ruído do motor do carro quebrando a quietude do campo.
O ritual era sempre o mesmo. Todas as tardes, Brenda trancava Snowy em
casa, pois a gatinha ainda não se recuperara por completo, e rumava em direção à
fazenda para apanhar Whiskey.
Desde o início, ela simplesmente assobiava da porta da cozinha e o cachorro
vinha correndo. Em seguida, tomavam o caminho para o alto da colina. Porém,
naquele dia, em vez de ir ao encontro de Brenda, o cão apenas a olhou e logo
desapareceu no interior da casa.
— Aqui, Whiskey! — ela chamava, enquanto o animal, alheio a tudo o mais,
subia as escadas. Ouviu-o arranhar os tacos no piso superior. Brenda não teve outra
alternativa senão ir atrás dele.
O interior do imóvel estava em péssimas condições. Tudo ali precisava de
reforma. Havia dezenas de peças antigas de decoração, todas elas espalhadas
displicentemente pelos aposentos. A construção, que datava do século dezoito, pedia
cuidados urgentes, desde a substituição dos utensílios de cozinha, tão antigos
quanto a casa.
O forno microondas sobre um aparador, e um freezer entulhado de comida
congelada denunciavam os hábitos alimentares do dono da casa. Afora isso, apenas a
escrivaninha no escritório parecia estar em uso, coberta com pilhas de memorandos
e arquivos da BioTech.

Atiçada pela curiosidade, Brenda acabou por sentar-se diante da mesa e


começou a lê-los.
Levantou a cabeça depois de meia hora, a frustração estampada no rosto.
Gregory estava de fato realizando um ótimo trabalho de saneamento financeiro da
empresa. Se pelo menos ela pudesse estar lá para participar de tudo! A administração
anterior não lhe permitira mostrar todo o seu potencial criativo. Mas sob os cuidados
de Gregory, as oportunidades seriam ilimitadas!
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Atrás dela, Whiskey fazia farfalhar alguns papéis.
— Saia daqui, rapaz! — ordenou sem se virar.
— Já faz tempo que ninguém me chama de rapaz. — A voz grave de Gregory
provocou-lhe um calafrio na espinha. Assustada, Brenda ergueu-se de um salto,
quase derrubando a cadeira. Quando se voltou, o rosto vermelho, viu-o caminhar sua
direção, segurando uma pasta e um jornal.
Ela apertou as mãos, em desespero.
— Que posso lhe dizer? Estava à procura de Whiskey, e quando vi todos esses
papéis da BioTech, a curiosidade levou a melhor sobre mim... — Seu coração batia
descompassado. — Nunca tinha entrado aqui antes. Whiskey normalmente me
espera na porta da cozinha. Mas não sei por que, esta tarde ele fugiu de mim. Subiu a
escada e apesar de eu chamá-lo insistentemente, ele não descia. Aí decidi entrar.
Bem... Aparentando calma absoluta, Gregory parou ao lado da escrivaninha, sobre a
qual depositou a pasta e o jornal. Era impossível adivinhar o significado de sua
expressão sombria.
— Não precisa gaguejar, Brenda. Acredito em você — disse ele, com frieza.
— Estou tão embaraçada...
— E com razão.
— Não havia nada confidencial. Quero dizer... Se fosse, eu não teria lido.
— Não? — O tom contido da voz contrastava com o sorriso cruel que se
formou em seus lábios. — Então, você me desaponta! Se era para bisbilhotar, devia
fazer o serviço completo.
Bisbilhotar. A palavra soou tão aviltante que ela corou ainda mais. Sentia-se
encurralada, na defensiva, incapaz de retomar o controle da situação. Gregory media-
a de alto a baixo, os olhos atentos aos seios palpitantes sob a camiseta branca sem
mangas. Um brilho perigoso marcava seu olhar.
— Se eu resolvesse remexer na escrivaninha de outra pessoa, começaria
exatamente pelos assuntos confidenciais. Sobretudo se o que tivesse em jogo valesse
a pena.
Brenda sequer tentou contrapor qualquer argumento de defesa. Estava
literalmente sem voz.
Ele avançou mais uns passos em sua direção, de modo a ficar bem próximo.
— Por incrível que pareça, você se torna ainda mais adorável quando perde o
domínio sobre si mesma, como agora.
— Não fale assim comigo!
— Por que não? Você fez exatamente o que desejava, ao ler meus papéis.
Portanto estou no direito de fazer o que quero: dizer que você está maravilhosa.

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Jamais vi alguém corar de maneira tão graciosa.
A crueldade desse homem parecia sem limites. Senhor absoluto da situação,
inclinou o corpo para frente, até alcançar a mesa com as mãos, pousando-as então
uma em cada lado do corpo de Brenda, aprisionando-a. Devagar, meticulosamente,
examinou-lhe o rosto, o pescoço, os ombros, com tanta sensualidade que, hor-
rorizada, ela sentiu a pele arrepiar-se.
— O que vou dizer não é novidade: acho você belíssima — murmurou ele num
tom rouco. — Aliás, devo ter demonstrado isso assim que a vi entrando em minha
sala.
— Tudo o que percebi foi um homem que só faltou me devorar com os olhos!
— Brenda retrucou abruptamente, sufocando a emoção que a proximidade do corpo
dele lhe despertava.
— Eu fiz isso? Bem, devo ter feito.
— E justamente um pouco antes de me despedir!
— Foi um fato lamentável, eu concordo. O problema é que não consegui
evitar. Para falar a verdade, depois que você saiu, precisei de alguns minutos para me
controlar. Mas é claro que você deve saber o efeito que produz nos homens. Veja
como tenta me envolver para que eu mude de idéia...
— Por favor, pare com isso! — Brenda agarrou-se à mesa com mais força,
inclinando o tronco para trás, ansiosa por fugir do calor daquele corpo másculo. —
Não estou tentando envolver ninguém. Isso é coisa da sua cabeça!
— Quer que eu pare de dizer que você é linda? Até onde percebo você está
gostando. — Ele a provocava com aquelas palavras, porém estava consciente do
estado de nervos em que ela se encontrava e do pânico em seus olhos.
— Como se fosse pouco chegar em casa cansado, após um dia quente como o
de hoje, ainda encontro alguém bisbilhotando nos meus arquivos! E justamente você,
Brenda! Ainda por cima vestida com o short mais curto e a blusa mais minúscula que
já vi fora da praia.
— Estou vestida de acordo com o verão, isso é tudo
— Oh, fique sossegada, jamais me passaria pela cabeça que você viria até aqui
para me seduzir. — Ele passou os dedos por entre os cabelos e completou:
— Infelizmente. Mas, afinal, por que se interessou tanto por esses papéis?
—Por causa das mudanças que você implantou. Eu estaria colaborando com
elas se ainda trabalhasse na BioTech. Estaria contribuindo para...
— Quando você arranjar um emprego em outra empresa, também estará
colaborando com as mudanças lá.
— Não quero outra empresa, quero trabalhar na BioTech!

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— Já lhe disse mais de uma vez que não pode ser — Gregory tirou a gravata e
começou a enrolá-la. — O que está feito, está feito, não há retorno.
— Eu poderia dar uma contribuição valiosa para posicionar a BioTech entre as
primeiras no campo da pesquisa científica. Usaria o rádio e a televisão para divulgar...
— Eu também pensei nisso. Mas Johnny Fletcher me disse que já temos
muitos assuntos para resolver ao mesmo tempo.
— Isso é típico de Johnny. De qualquer maneira, não seria um assunto a mais
para você decidir. Bastaria pegar o telefone e ligar para ás pessoas certas.
— Brenda interrompeu-se, totalmente frustrada.
— Sabe que há um grande mistério em torno de você? — comentou Gregory.
— Como assim?
Ele se aproximou novamente, atento a cada detalhe da expressão de Brenda.
— Esse seu cargo na BioTech, na verdade, não era nada especial. Tenho
certeza de que poderá encontrar logo uma colocação melhor.
— Talvez, mas não quero.
— Por que não? Ela deu de ombros.
— É uma questão de preferência pessoal. Acho mais gratificante trabalhar com
algo que ajude a salvar vidas do que em cosméticos ou, sei lá, comida para cachorros.
— Concordo plenamente. Mas há várias empresas que fazem o mesmo. O que
há de tão especial com a BioTech?
Diante de tantas perguntas, Brenda já começava a sentir-se como num
confessionário
— Digamos que satisfaz meus propósitos. E complicado. Muito pessoal.
— Pode falar. — Ele sorriu. — Sei lidar bem com coisas complicadas.
— Tenho certeza disso. Mas o que importa agora? — Ela afastou o cabelo do
rosto. — Está tudo acabado, não vejo por que esse súbito interesse em mim. O que
está pretendendo?
Gregory aproximou-se ainda mais, fitando-a avidamente no rosto.
— Deve ser apenas curiosidade. Chegar aqui e ser surpreendido desse modo,
me fez pensar no quanto esse trabalho significa para você. — Ele sorriu
maliciosamente. — E até onde você iria para obtê-lo de volta.
Bastou entender o sentido do comentário para que ela estremecesse. Por mais
que desejasse aparentar frieza, cada célula, cada nervo do seu corpo vibrava como se
estivesse ligado a uma corrente elétrica. Fazia muito tempo que um homem não a
deixava tão emocionada. Era uma pena que isso tivesse de acontecer justamente com
Gregory Ryan!

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No entanto, tudo indicava que ele estava propondo... Se isso significasse ter
seu emprego de volta. Por um momento, um breve momento, Brenda permitiu-se
levar em consideração a idéia que ele lhe acenara; e para sua própria surpresa, não a
descartou como absurda.
No silêncio que já durava longos segundos, ela não conseguia desviar os olhos
da boca provocante de Gregory. Como seria ter aqueles lábios sobre os seus? Sentir-
lhe a língua morna...Brenda engoliu em seco.
Gregory acompanhou atentamente com o olhar sua hesitação, o modo como
seus lábios suavizaram e se entreabriram. Nesse instante, quebrou o silêncio
bruscamente.
— Mas, como você disse Sra. Easton, não importa mais. Não tenho a menor
intenção de descobrir isso.

CAPÍTULO V

Brenda passou direto por Gregory, mas logo voltou e olhou-o aborrecida.
— Tudo isso é revoltante!
— Não percebi revolta nenhuma em você. Pelo contrário, cheguei a julgar que
estivesse avaliando as probabilidades.
— Sua imaginação é fértil. Você é um arrogante.
— Posso ter me enganado.
— É repugnante pensar que...
Gregory levantou as mãos e deu de ombros.
— Infelizmente a maioria dos homens possui algo repugnante na mente, que
vem à tona quando confrontado com... — Interrompeu-se de repente fazendo um
gesto de impaciência — E pensar que vim até aqui apenas para pegar alguns papéis.
Eu não queria nada disso.
— E você acha que eu queria?
Repletos de fúria, os olhos dele buscaram os de Brenda, que também
faiscavam.
— Tudo bem — disse Gregory — Peço desculpas mais uma vez. Aliás, isso já
está virando uma rotina. Por azar, alguma coisa em você me leva a falar coisas que
não quero. Embora, claro, nada disso teria acontecido se eu não a tivesse
surpreendido com meus papéis.
— Já disse que sinto muito. Estou chateada com o que aconteceu. O que
deseja que eu faça? Que rasteje a seus pés?

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— A idéia é interessante, mas seria mais fácil um burro voar
Na porta do aposento, Whiskey latia inquieto.
— Vou levar o cachorro agora. Meu trem para Londres sai às seis horas.
— Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé.
— O que você quer dizer com isso?
- Simples: se Martin não vem a você... Como nunca vi sinal dele por aqui,
suponho que terá que ir vê-lo É assim que os casamentos se mantêm.
— E claro, embora essa viagem nada tenha a ver com ele. Meu pai acaba de
chegar à cidade e vou visitá-lo.
— Ah! — Ele a observou por um momento — Você não vai me contar, não é?
— Não tenho nada para contar.
— Também acho... Nada de Martin, nada de casamento.
— Meu casamento não é assunto da sua conta.
— Talvez não, ou talvez sim. Só sei que meu raciocínio de cientista insiste em
entender isso.
— Pois devia usar esse raciocínio para entender outras coisas, tais como, se
você dispensou as pessoas certas.
— Já tenho a resposta para isso — Gregory garantiu.
— E qual seria?
— Em alguns casos tomei a decisão certa; em outros cometi deslizes.
— E no meu caso?
— Só posso dizer que não estou nem um pouco impressionado com a
eficiência de seu ex-chefe. — Alheio aos olhos arregalados de Brenda, repletos de
esperança, ele prosseguiu calmamente: — O que está feito, está feito. Na ocasião
havia motivos para decidir daquele jeito e agora não tenho intenção de voltar atrás.
Você precisa aceitar isso e tratar de arranjar outro emprego.
— Não quero outro emprego! — insistiu ela.
— É só o que você sabe dizer? Por sinal, isso nos remete a outra coisa que
você teima em não esclarecer. Por que essa recusa infantil em não procurar outro
emprego.
Brenda estava a ponto de inventar uma mentira para justificar-se, mas desistiu
a tempo.
— Isso é problema meu.
— Você é cheia de mistérios e segredos — comentou Gregory, o tom de voz
baixo e sensual.

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— Não tantos.
— O suficiente para deixar qualquer um com os nervos à flor da pele.
— Ele perscrutou seu olhar, como se quisesse ler sua mente. Então, verificou as
horas. — Estou atrasado. Vou apanhar Whiskey, se é que ainda pretende levá-lo.
— É claro que sim. Ele não tem por que sofrer as conseqüências de nossa
briga.
— Briga? — Gregory sorriu com malícia — Isso já está parecendo uma cena
doméstica! — E rumou em direção à escada.
— Já que você possui uma natureza tão curiosa, não quer me acompanhar até
o primeiro andar? Lá você poderá ver o verdadeiro estado da casa. Nem se compara
com aqui embaixo.
Brenda hesitou.
— Pode vir tranqüila. Não pretendo agarrá-la à força. Você é uma mulher
casada, ou será que se esqueceu disso novamente?
Brenda aceitou o desafio. E concordou em subir à frente dele, tentando não
pensar em como seria observada pelas costas, embora seu corpo formigasse como
em antecipação ao toque daquelas mãos.
Realmente tudo ali estava mal conservado. No principal dormitório, o papel de
parede desbotado começava a soltar-se. O aposento, apesar de ensolarado e
espaçoso, exibia como mobília apenas uma cama de casal desfeita.
— Como vê, não há nada aqui de arrebatador
— É espantoso — comentou ela com sinceridade, esquecendo o embaraço
diante de tanta negligência. — Não o deprime?
— Totalmente. Por isso nem me preocupei em fazer a cama pela manhã.
— Eu não conseguiria viver desse jeito.
— Eu sei. Sua casa é exatamente como uma casa de campo inglesa deve ser.
— Ele abriu os braços num gesto de desalento.
— Antes de vir para a Inglaterra, eu morava numa cobertura no Canadá onde
uma governanta chinesa cuidava de tudo. Ela costumava passar minhas meias a ferro
e trocar minha escova de dentes todas as manhãs.
— Todas as manhãs?
— Exatamente. É isso que provocava minha revolta particular contra a rotina.
Pelo menos, é o que venho dizendo a mim mesmo. Quanto a esta fazenda,
simplesmente me apaixonei por ela, pela paisagem, e no momento não me sobra
tempo sequer para resolver os problemas mais práticos.
Brenda o escutava maravilhada. Mal podia crer que esse era o mesmo homem
que fora tão cruel minutos antes. Completamente mudado, ele falava com uma

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naturalidade e um charme que a encantavam.
— E por onde pretende começar? — ela quis saber.
— Vou redecorar tudo. Providenciarei isso assim que for possível. Já tenho
algumas idéias.
— Não seria melhor contratar um especialista para fazer um projeto?
— De forma alguma. Fiz isso quando me casei. Foi uma experiência
desagradável. Tudo muito bonitinho, cheio de enfeites e cores coordenadas, mas
artificial demais. Quero um ambiente que me lembre um lar, não um showroom de
decoração.
— Talvez você não tenha contratado o melhor profissional... Se encontrar a
pessoa certa e lhe falar sobre suas idéias e seus gostos, verá que dará certo.
— E quanto tempo você acha que disponho no momento para reuniões sobre
carpetes e cortinas? — Gregory fez um gesto de desânimo.
— Vou ver se arranjo alguém para pintar a casa toda de branco. Por enquanto
é só o que posso fazer.
— Branco?
— Sim. Tem alguma coisa contra? Brenda ergueu os ombros.
— Eu escolheria uma cor mais aconchegante. Marfim nas escadas e um
amarelo suave, ou talvez damasco nos dormitórios. Branco ficaria muito árido..
Gregory esboçou um sorriso.
— Talvez eu devesse contratá-la como decoradora. Resolveria ambos os
nossos problemas. — Ele pensou um pouco e depois acrescentou: — Não, talvez não.
— Você me julga incompetente até para isso? — Brenda replicou
amargamente.
— Ao contrário; acho que você faria um belo trabalho. Mas estaríamos criando
mais problemas para o futuro.
— Não sei do que você está falando.
— Duvido que não saiba.
— Realmente não sei! — Brenda exibia o ar sincero de quem de fato falava a
verdade. Contrastava com a expressão de zombaria nos olhos dele.
— Nesse caso vou procurar ser claro. Vamos rever alguns fatos. Primeiro: você
é uma mulher bonita, supostamente casada, apesar de não haver nenhuma evidência
disso, além de sua palavra, pois mora sozinha, e não usa aliança.
— Isso é ridículo!
— Dois: sou um sujeito divorciado, que também vive só. Três: além de
estarmos solitários, temos nossas necessidades naturais de afeto e carinho, já que

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somos adultos normais. No seu caso, o suposto marido parece trabalhar tanto que
não tem tempo para lhe dar um mínimo de atenção.
Brenda corava cada vez mais, à medida que escutava aquela argumentação
que não admitia réplica.
— Quatro: vivemos em dolorosa proximidade, no final de uma ruazinha
adorável. Cinco: como deve saber, homens divorciados sentem-se atraídos por
mulheres casadas. Seis: a experiência de vida dos divorciados lhes mostra que as
mulheres casadas não são imunes ao seu charme, embora elas finjam o contrário.
Sete: por razões ao mesmo tempo óbvias e obscuras, mulheres casadas e homens
divorciados estão loucos um pelo outro — Os olhos dele escureceram — Apenas
supondo que tivéssemos de acrescentar uma oitava razão, um projeto que nos
amarrasse todos os dias da semana... Que nos desse todos os motivos do mundo
para passarmos as tardes e os finais de semana juntos... Quanto tempo você acredita
que o relacionamento entre nós sobreviveria no nível em que deveria? Quanto tempo
antes de...
— ele fez um gesto em direção à cama — terminar ali?
Brenda mal conseguia respirar.
— Não sei — balbuciou.
— Então lhe direi: questão de dias.
Féz-se um silêncio prolongado, como se nada mais houvesse para ser dito.
— É claro que, talvez para você esteja tudo bem...
— Não, não está! Como pode pensar em tal coisa! — retrucou ela.
Gregory deu de ombros.
— De certa forma, é uma das coisas que eu mais desejo. No entanto, não
costumo ir para a cama com mulheres casadas, contra todos os meus princípios.
-— Então, não haverá problema!
— Muito pelo contrário. Haverá um grande problema.

CAPÍTULO VI

Nos dias que se seguiram, Gregory passou várias vezes pela casa de Brenda e
não parou nem uma vez.
A onda de calor que assolara a região dera lugar a violentas tempestades, que
obrigaram Brenda a interromper as visitas diárias à fazenda para apanhar Whiskey.
Com suas reservas de dinheiro se escasseando, ela chegou à conclusão de que
não seria readmitida na Biotech.

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Mas, se perdera o emprego de seus sonhos, nem por teria de desistir de tentar
o sucesso em outro lugar. O jeito era começar a preencher os formulários de
empresas que havia sobre a escrivaninha.
Tinha adiando essa tarefa devido a uma melancolia tão obscura quanto as
nuvens em torno das colinas distantes...
Talvez essa depressão fosse conseqüência da visita a Londres. Seu pai estava
às vésperas de se casar outra vez, desta feita com uma texana divorciada, cujo maior
interesse na vida parecia ser colecionar cavalos de raça e maridos ricos. O casal, de
passagem por Londres, convidara-a para jantar com eles em Dorchester. Infelizmente,
a noite fora um fiasco.
Brenda esforçara-se para descobrir se havia algo em comum entre ela e a
futura madrasta, mas o abismo entre as duas era insuperável. Percebera isso cada vez
que tentara mudar o rumo da conversa para outro tema que não incluísse referências
às três ou quatro esposas anteriores de seu agitado pai.
Como de costume, seu pai fora gentil. E também distante: Além de perguntar
sobre sua saúde e sobre o paradeiro de sua mãe, quase nada lhe dissera. Seu
desinteresse pela única filha era tal que nem perguntou-lhe por que escolhera a
longínqua área rural de Sussex para morar.
Talvez nem ela própria soubesse dizer, concluiu Brenda. De fato, não havia
motivo para permanecer na região, e suas chances de encontrar outro emprego
seriam maiores em Londres.
Brenda suspirou e foi até a janela. O tempo estava horrível. Chovia a cântaros
e o vento soprava com uma força incrível. Ela nunca tivera medo de tempestades. Na
verdade, chegava mesmo a apreciá-las, mas a violência daquela tarde estava
conseguindo deixá-la ainda mais tensa.
Permaneceu junto à janela por um longo tempo, imersa em pensamentos. Não
era inteiramente verdade que não tinha outro lugar para ir. Restava-lhe a Suíça, onde
vivia sua mãe, e Londres, onde poderia se hospedar em casa de amigos. Mas não
queria isso. Seu próprio chalé, era tudo o que desejava no momento.
E claro, era ali que estava Gregory.
Brenda suspirou mais uma vez e se afastou da janela. Finalmente descobria o
porquê da melancolia que a assaltara na última semana.
Nada tinha a ver com a nova madrasta. Seu pai casara-se e se divorciara várias
vezes; ela crescera assistindo impassível ao desfile sucessivo de suas noivas e
esposas. Tampouco tinha a ver com a perda do emprego na BioTech, não
importando o quanto isso ainda doesse,
Não. Era Gregory o motivo de sua depressão. Ele e todas aquelas verdades
desagradáveis, que homens menos importantes na certa esconderiam sob o tapete.
Brenda sentira-se arrasada depois da conversa com ele. Seu dia-a-dia a partir

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de então era triste e sombrio, por não ter conseguido aproximar-se de um homem
tão desejável. Ela detestava o sofrimento, e jamais tivera vocação para masoquista.
Contudo, sentia-se atraída por alguém que a desprezava e que, ainda por cima, não
fazia questão de esconder isso.
Controlado até onde isso era possível, Gregory jamais ousaria qualquer avanço
em sua direção.
Brenda estava grata por isso, porque, se fosse tocada por esse homem, se
perderia em seus braços... Ela sabia que seus próprios desejos e necessidades eram
tão fortes quanto os dele. Portanto, se não agisse com a cautela, corria o risco de
fazer uma bobagem.
Precisava raciocinar com frieza: Gregory Ryan era muito atraente, porém
inacessível para ela. Assim, devia deixá-lo de lado, para sua própria paz de espírito.
Chegando a essa conclusão, pegou um livro, disposta a afastá-lo da mente
com a leitura. Naturalmente, não fazia idéia de que Gregory, retornando à casa
exausto, obrigado a dirigir vagarosamente, por causa da chuva torrencial que caía,
permitira-se parar e espiar para dentro de sua sala através da janela.
O que ele viu foi uma figura enrascada como um gato, as pernas dobradas sob
o corpo, os dedos preguiçosos penteando os cabelos de fogo, enquanto lia.
Momentos depois, ao abrir a porta de sua desarrumada e sombria casa de
fazenda, Gregory experimentou uma enorme sensação de perda e de solidão,
quando apenas seu fiel Whiskey, turbulento e faminto, veio saudá-lo.
A chuva continuou a cair sobre a região durante toda a semana. Na quarta-
feira, quando o carteiro surgiu diante de sua porta para entregar uma pilha de contas
para pagar, Brenda finalmente resolveu agir.
Sentada na frente do computador, ela digitou cartas pedindo emprego a todas
as empresas que selecionara desde que fora despedida.
Sua alma encheu-se de amargura enquanto relia os currículos e endereçava os
envelopes. Ela era competente no que fazia, supercompetente! Possuía ótimas
qualificações e experiência, e fora Gregory quem saíra perdendo ao dispensá-la.
Sem dúvida, nenhum outro emprego iria satisfazer sua ambição como aquele
da BioTech. Só que não podia ficar chorando para sempre, nem permitir que um
homem minasse suas forças apenas porque era bonito, atraente e possuía um
charme que a cativava como a uma adolescente.
De qualquer modo, apesar de ainda não saber como, daria o salto de que
precisava rumo à estabilidade pessoal e à satisfação profissional.
Chuviscava ainda enquanto Brenda dirigia até o centro da cidade para colocar
os envelopes no correio. Feito isso, ela se sentiu mais leve. Caminhou pelas ruas
durante meia hora, olhando as vitrines das lojas, antes de decidir retornar ao chalé.
Nesse momento chovia forte. O limpador de pára-brisas do carro de pouco
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adiantava naquele dilúvio. As ruas da cidade alagavam-se lentamente. Isso era
preocupante. Se as coisas estavam ruins naquele local, como não estariam em sua
ruazinha de terra?
Ela logo descobriria. A rua estava totalmente submersa sob um mar de lama. E
agora, o que fazer? Como seria impraticável retomar, criou coragem para avançar. A
água alcançava apenas o meio das rodas. Acelerou um pouco e prosseguiu, até que o
veículo de repente inclinou e afundou com as duas rodas laterais num buraco
traiçoeiro no lamaçal.
Praguejando baixinho, Brenda saiu do carro para ver o estrago. De imediato a
água molhou seu jeans até o joelho. O carro estava atolado no meio da lama que se
formara durante uma semana de chuva.
Brenda retomou ao volante, deu partida e ouviu o motor falhar e morrer...
A idéia de esquecer o problema e caminhar até seu chalé era tentadora, mas o
carro estava parado no meio do caminho, bloqueando o trânsito em ambas as
direções.
Assim, protegeu a cabeça com o capuz do agasalho, que amarrou no pescoço,
e optou por empurrá-lo para o lado. Logo compreendeu que era um esforço inútil; o
carro não se movia um milímetro. Para completar o desastre, apesar de o capuz ser
impermeável, a chuva forte ensopava-lhe o cabelo.
Derrotada, tentou voltar para o carro. Por azar, pisou em outro buraco no
barro e afundou um dos pés até o tornozelo.
— Você precisa de ajuda. — A voz forte chegou-lhe aos ouvidos.
O carro de Gregory parará atrás do seu. O ruído do motor fora abafado pelo
barulho da chuva e do vento. Brenda não percebera sua chegada, mas ele estava ali,
a seu lado, a capa de chuva caqui molhando-se inteiramente numa fração de
segundo. Ele ofereceu-lhe a mão, que ela ignorou.
— Pode deixar, eu me arranjo —-disse-lhe.
— Quero ajudá-la.
— Não preciso da sua ajuda! — Ver aquele homem aparecer tão de repente
ao seu lado fez o coração de Brenda disparar.
— Como não precisa? — Ele parecia rir de alguma coisa que lera em seus
olhos. Brenda, imobilizada pelo barro que prendia um dos seus pés, via escorrer pelo
rosto dele, alguns pingos desaparecendo no canto de sua boca... O que a levou a
imaginar qual seria a sensação de secá-los com um beijo. Então, sacudiu a cabeça
com força, tentando afastar essa torturante visão.
— Por que eu precisaria da ajuda de um homem que só me traz problemas?
— Problemas?
— Sim, problemas! Você me fez perder o emprego, quase causou a morte de

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minha gata, me acusou de tentar seduzi-lo, e não satisfeito, ainda me fez propostas
indecorosas. Por que devo aceitar sua ajuda?
Gregory parecia estar segurando o riso.
— Propostas indecorosas? Se você interpretou assim, então não viveu.
— Já vivi o suficiente para distinguir o que quero, do que não quero! E o que
eu quero agora é ficar sozinha para resolver meus próprios problemas!
— Muito bem. Divirta-se — Gregory retornou ao carro. Sentou-se e ficou a
observá-la. Ela afundava na lama, empurrando o carro, na tentativa inútil de fazê-lo
mover-se.
— Ajudará se soltar o freio de mão — sugeriu ele, colocando a cabeça para
fora.
— Eu sei disso.
— Você o soltou?
— É claro.
— Não custa verificar.
Foi o que Brenda acabou por fazer. Aproximou-se da porta pelo lado do
motorista, inclinou-se para dentro do veículo e soltou o freio, retornando ao trabalho
como se nada tivesse acontecido.
Dessa vez, quando o empurrou, o carro moveu-se, porém a elevação do
terreno em frente o fez retornar.
— Acho que agora vai precisar de ajuda — disse Gregory já ao lado dela.
— Por que não me deixa em paz? Dispenso sua ajuda!
— Sei muito bem disso, mas infelizmente vai ter de aceitá-la. Jamais vai
conseguir tirar o carro daqui sozinha. E eu tenho coisas melhores para fazer do que
ficar aqui a noite inteira observando seu esforço inútil.
— Apenas me dê um minuto. Sei o que estou fazendo.
Gregory hesitou por alguns instantes.
— Está bem — disse afinal.
Brenda imaginou vê-lo sorrir enquanto retornava ao próprio carro. Tentou
ignorá-lo e pensou rápido. Força bruta obviamente solucionaria o problema. Mas
como isso ela não possuía, precisava usar a inteligência.
Então lembrou-se de duas pranchas de madeira que havia no porta-malas do
carro, deixadas ali desde a época em que reformara o jardim.
Ciente de que os olhos cinzentos a observavam ela abriu o porta-malas, tirou
as pranchas e levou-as para a frente do carro. Encharcada até os ossos, ajoelhou-se
primeiro junto à roda dianteira e calçou-a com uma das pranchas. Para conseguir

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calçar a roda traseira, teve quase que se deitar na lama.
Devo parecer uma louca, pensou, enquanto se levantava, enlameada, mas
decidida a não desistir. Sem olhar para Gregory, foi para detrás do veículo e
empurrou-o com toda a força. No início, nada aconteceu,depois, para seu alívio,
justamente quando os músculos começavam lhe doer, as rodas do carro deslizaram
pelas pranchas, para fora do buraco.
Outra vez no nível, não foi difícil empurrá-lo até a lateral da rua, fora do
caminho de Gregory.
— Você adora resolver as coisas de maneira mais complicada — comentou
ele.
— É meu modo de ser.
O esforço para mover o carro a deixara mentalmente triunfante, mas
fisicamente derrotada. Sentia os braços e as pernas em frangalhos. E doíam-lhe as
costas de maneira alarmante.
— Teria sido muito mais simples se eu a tivesse ajudado.
— Não preciso de sua ajuda. Pensei ter deixado isso claro. Aliás, foi você quem
sugeriu que mantivéssemos distância um do outro. Ou será que esqueceu? —
Enquanto falava, vinha-lhe na mente cada palavra da última e desagradável conversa
que tinham tido.
— Não, não esqueci Mas, nas atuais circunstâncias... Sejamos realistas. Por
mais desequilibrado que eu fosse, nem meus desejos básicos sobreviveriam a um
aguaceiro como este.
— Foi um prazer revê-lo — replicou ela com ironia. — A estrada está livre e
você pode ir para casa.
— E você?
— O motor do meu carro afogou. Vou deixá-lo aqui até que seque. É
perfeitamente seguro.
— Pegue suas coisas. Eu a levo para casa.
— Não, obrigada. Prefiro caminhar. De qualquer modo, já estou molhada
mesmo.
— Isso é ridículo, Brenda!
— O que é ridículo? Eu não aceitar sua carona?
— Deixe de bobagens. Pegue suas coisas.
— Já disse que não.
Gregory parecia ter mudado de humor. O ar de zombaria dera lugar a uma
expressão zangada.

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— Por que diabos não que ir comigo? Brenda começava a tremer de frio.
— Olhe, não vou ficar aqui discutindo.
— E eu não quero que você faça todo esse percurso a pé, molhada, arriscando
pegar uma pneumonia. Vá apanhar suas coisas no carro.
— Não sou mais uma de suas empregadas para ter de obedecê-lo! Perdi esse
privilégio, lembra?
Ele praguejou.
— Não dou ordens a meus empregados. Não faz meu estilo. E se você se
recusa a sair desse aguaceiro em meu carro porque eu a demiti, então você é dez
vezes mais teimosa e sem juízo do que eu julgava. Portanto, não merece outra coisa
além de ser deixada aqui para morrer de frio.
Brenda viu-se num beco sem saída. Recusava-se a aceitar a carona porque
temia, de algum modo, denunciar o quanto se sentia atraída por ele. Pois a fraqueza
de seus joelhos não era apenas resultado da trabalheira com o carro, aquele olhar
sensual fazia coisas terríveis com ela. No entanto, começou a perceber que sua
teimosia estava beirando o ridículo.
— Está bem — concordou finalmente e foi apanhar seus pertences. Momentos
depois, ao tentar sair do carro, não conseguiu dobrar o corpo.
— O que foi? — Gregory quis saber.
Ela tentou, mas não conseguiu disfarçar a dor.
— Minhas costas. Acho que distendi um dos músculos.
Gregory saiu de onde estava e se aproximou dela. Pousou as mãos fortes e
seguras em seus ombros.
— Você é uma mulher tola e teimosa — disse ele, ajudando-a a sair do carro.
— Eu estou bem.
— É claro. Deve ser por isso que está parecendo uma anciã, toda encurvada.
Brenda gostaria de dizer-lhe para afastar as mãos dela, porque a dor em suas
costas era tão forte quanto a sensação causada por aquele toque.
— Dê-me suas chaves — ele pediu.
Encabulada, Brenda permitiu que ele a ajudasse a entrar no chalé e carregasse
seus pacotes. Ficou sentada no sofá aonde fora conduzida e ouviu-o mexer na
cozinha.
— Você não precisava ter todo esse trabalho — resmungou, quando ele
retornou à sala com duas xícaras de chá fumegante. — Age assim só para que eu me
sinta culpada. Afinal, tudo isso seria evitado se eu não tivesse sido tão teimosa.
— Não seja petulante. Faço isso porque você está ensopada e com dor, e

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porque tive vontade. Além do mais, estava ansioso por uma xícara de chá, e o que
você tem aqui é delicioso.
Brenda sorriu sem vontade. Não sabia o que pensar. Ter Gregory ali ao seu
lado era o mesmo que estar na companhia de um tigre que se escondia sob a pele de
um gato.
— Lamento não ter nada aqui que possa lhe emprestar. Você está todo
molhado.
— Nem mesmo um suéter velho? Martin não mantém roupas em casa?
— Ele arqueou as sobrancelhas. — Realmente curioso.
Brenda enrubesceu. Ele a observou por um momento, como se esperasse uma
explicação, depois prosseguiu:
— Não se preocupe. Sequei-me um pouco com papel toalha. Você é quem
precisa trocar essas roupas molhadas. Está formando poças no carpete.
Brenda levantou-se do sofá com dificuldade.
— Vai conseguir fazer isso sozinha? — indagou ele.
— Claro, porque certamente não pretendo pedir-lhe ajuda! — Passou por ele,
tentando ignorar seu sorriso travesso.
Pouco depois, ela retornou à sala vestindo um roupão atoalhado. Gregory não
disfarçou a expressão de deleite ao vê-la.
-— E não me venha com críticas. Foi tudo o que pude vestir. Não estou
tentando seduzi-lo outra vez, em troca de meu antigo cargo na BioTech. Sou uma
mulher casada, e relacionar-se com mulheres casadas é algo que fere seus princípios.
— É verdade. Minha dúvida é se eu não gostaria de testar alguma, pelo
menos, em circunstâncias similares.
— Então, agradeça a sua boa estrela por eu não querer nada com você.
Brenda caminhou com dificuldade até o sofá e sentou-se. O chá quente e doce
restaurou-lhe as forças. Tanto que, de repente, ao observar Gregory por sobre a
xícara, foi invadida por uma sensação de felicidade, talvez por estarem ali juntos, com
o fogo da lareira como cenário, as cortinas escondendo a tempestade lá fora.
— O que você foi fazer na rua num dia chuvoso como este?
— perguntou ele.
— Fui até o correio para enviar alguns currículos.
— Sei. Para quem os enviou?
— A um montão de empresas. O trabalho na BioTech era tudo o que eu
desejava; já que não posso tê-lo, serve qualquer coisa. O importante é pagar minhas
contas.

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— Martin não pode ajudá-la?
— Você não desiste mesmo, hein? — resmungou irritada.
— Nesse aspecto, nós dois somos iguais. Houve um momento de tenso
silêncio.
— E então, como Johnny Fletcher está se saindo na minha ausência?
— Brenda reparou na expressão pensativa de Gregory, por isso resolveu
acrescentar: — Gostaria de ouvir uma resposta sincera, não uma diplomática.
— Como já deve saber, do contrário não teria perguntado. A verdade é esta:
não muito bem.
— Foi um erro me dispensar.
— Verifiquei todas aquelas coisas que afirmou ter feito para a empresa. Como
eu suspeitava, você não mentiu. Mas está ciente de que eu não errei totalmente. —
Os olhos cinzentos cintilaram com o reflexo da luz do fogo.
— Você despede quem for atraente a ponto de fazê-lo olhar mais de uma vez?
— indagou ela com frieza. — E uma maneira estranha de conduzir uma empresa.
— Tenho ótimas razões para acreditar que não se deve misturar negócios com
mulheres.
— Essa é boa! — ela explodiu.
— Minhas mulheres — consertou Gregory, deliciado com o brilho que o olhar
de Brenda irradiava toda a vez que ela se irritava com alguma coisa.
— Suas mulheres? Não é o meu caso — retrucou ela, em tom irônico. O que
faria se ele continuasse a olhá-la daquele jeito?
— Talvez não... — Ele sorriu ternamente enquanto pousava a xícara sobre a
mesinha de canto. De repente, ficou sério. — Evitei você como a uma praga nesses
últimos dias, mas não fui capaz de tirá-la da mente um segundo sequer. Quando a vi
sob aquele aguaceiro, desejei... — Ele parou bruscamente, não antes sem denunciar
um tom rouco em sua voz. — Você sabe o que desejei.
— Você tinha razão ao dizer que deveríamos manter distância um do outro —
Sua voz soou baixa e estrangulada.
Gregory pôs-se a caminhar pela sala, como um tigre enjaulado.
— Confesse de vez que não é casada, Brenda. Não há um único sinal de seu
marido por aqui. Seria capaz de apostar que você vive sozinha.
— Já lhe disse que meu casamento não é da sua conta! — Será que ele
percebera o pânico em sua voz? Seria tão fácil contar-lhe a verdade.
— Então, pelo amor de Deus, diga apenas que... Que é uma farsa, que você é
separada, que ele nada significa para você.

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Brenda suspirou. Seria fácil, mas perigoso. Ela o observou, os cabelos
molhados pela chuva, o rosto forte e atraente, os olhos claros que arrebatavam os
seus, e concluiu que jamais desejara tanto outro homem.
A situação a lembrava a de um desconhecido insistente batendo furiosamente
na porta e querendo entrar. Ela sentia-se assustada, não por Gregory, mas pela força
estranha e esmagadora de seu desejo por ele.
— Tem que ser assim — Gregory insistia. — Não me pergunte como, mas sei
que é.
Num gesto impulsivo, ela se levantou e cruzou os braços diante do peito.
Gregory parou para observá-la, em seguida se aproximou.
— Brenda. Nenhuma mulher jamais me excitou tanto quanto você. Aquela
roupa sexy que você usava, e que deixava muito pouco para a imaginação quando a
encontrei na minha casa naquela tarde, quase me levou à loucura.
Brenda arrepiou-se quando Gregory tocou-lhe delicadamente o seio.
— Não! Você não pode...
— Não posso o quê? Beijar você? — indagou Gregory. — Mas você quer que
eu faça isso, Brenda. Quer tanto, que seus olhos não expressam nada além disso.
Brenda engoliu em seco ao ouvir a verdade. E estremeceu quando a boca de
Gregory pousou sobre a sua, para o beijo pelo qual tanto ansiava. Só então se deu
conta de que desejava aquilo a muito mais tempo do que imaginara. Mesmo assim,
esboçou um leve lamento de surpresa quando ele lhe quebrou a reserva natural,
fazendo-a liberar todo o desejo mantido sob controle tão rígido.
Entregando-se às fantasias que nos últimos tempos tivera com Gregory,
ergueu os braços e enlaçou-lhe o pescoço. Afundou os dedos nos cabelos escuros,
tal como sempre desejara fazer. A cada provocação da língua exigente, ela se tornava
mais inconseqüente. A cada carícia em seus seios tensos, ela dispensava mais um
pouco da cautela que lhe restava.
Gregory esforçava-se para não perder o controle, mas seu corpo recusava-se a
seguir o que lhe ditava a mente. Beijar Brenda não era apenas um prazer doce, como
ele imaginara, mas verdadeira tortura celeste. Ao menor movimento daqueles lábios,
à mais ínfima provocação daquela língua, ele era atormentado por um desejo
esmagador de estar dentro dela. A queria nua, para que nem um centímetro daquela
pele sedosa permanecesse intocada por suas mãos e seus lábios.
Apesar de ser um amante experiente, Gregory temia essa mulher, temia as
conseqüências daquela insensatez. Ao sentir-lhe as mãos na nuca e os seios
apertados contra seu peito, ele já não podia pensar nem se lembrar das técnicas que
poderiam conduzi-la aos delírios do prazer. Era apenas sentidos, instinto e nada mais.
Se não parasse de imediato com aquelas carícias, logo deixaria de se importar
com o fato de ela ser ou não casada: iria possuí-la. li, se isso acontecesse, seria a

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última vez que a tocaria.
— Oh, céus! — exclamou Gregory, afastando a boca da sua. Quando pôde
falar, declarou:
— Você é incrível, Brenda! Tudo isso é incrível! — Recuando um passo, ele
deixou-se cair sobre as almofadas, ofegante, trêmulo de desejo como um
adolescente com a primeira namorada. — Droga, Brenda! — resmungou pouco
depois, já mais controlado. — Se você não quer falar sobre seu casamento, diga
qualquer outra coisa. Explique por que sempre parece disposta a me ferir!
— O quê? — Ela levou a mão ao rosto, como se tivesse levado um tapa,
envergonhada por ainda sentir o sangue ferver nas veias. — Não fui eu quem beijou
você!
— Mas você correspondeu. E como! E esse beijo dificilmente poderia ser
confundido com uma carícia amigável, trocada entre uma mulher casada e seu gentil
vizinho.
Brenda enrubesceu até a raiz do cabelo. Revolta e lágrimas ameaçaram
explodir em seu peito.
— E o que aconteceria se eu não tivesse interrompido? — prosseguiu ele.
— Permitiria que eu seguisse em frente, que a levasse para a cama?
Brenda levantou o braço para esbofeteá-lo, porém Gregory foi mais rápido e
segurou-lhe o pulso, com força.
Tentando se libertar daquela mão forte, ela replicou:
— Provavelmente. — E soltou uma risada, jogando a cabeça para trás. Apertou
as abas do roupão contra o corpo, e então o fitou. Era difícil manter os olhos fixos
nos dele, mas forçou-se a consegui-lo. — De qualquer modo, você já deveria me
conhecer. Independentemente do que eu tenha dito antes, de fato, eu faria qualquer
coisa para tentar recuperar meu emprego. Só que, talvez, você não devesse chamar
isso de cama, como vê, não passa de um casto sofá.
No instante seguinte, com uma força de que não acreditava ser capaz, Brenda
soltou-se e rumou em direção à janela. Lá, esperou que ele fosse embora.

CAPÍTULO VII

Brenda não se moveu, nem mesmo quando os faróis do cano de Gregory


desapareceram na escuridão.
Claro que desde o primeiro instante ela soubera que seria assim; que bastaria
um toque, um beijo dele para que seus sentidos explodissem como fogos de artifício.
E que ela se perderia naquele mar de desejo sufocado, que tentava negar com

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determinação.
Porém, jamais desconfiara que a boca de Gregory possuía um sabor tão
gostoso, que seus braços eram tão fortes, que o cheiro de seu corpo fosse tão
inebriante. Como poderia saber que eles se encaixariam como duas metades de uma
moeda partida? Que se ajustariam de modo tão perfeito que, por um instante,
chegara a imaginar que nada conseguiria separá-los?
Por outro lado, algo alarmante também ocorrera ali: aquela onda inesperada
de compaixão por ele, pela raiva que sentia de si mesmo, pelo desejo que o
atormentava e que tão abertamente repudiava.
Desde o início Brenda aprendera a perceber suas alegrias, suas fraquezas, os
problemas que o atormentavam e o sentimento que tocava seu coração. Essa
empatia, a forma como seus olhares se buscaram desde o primeiro encontro, tudo
isso os impelia um ao outro. E a certeza de estar ligada a Gregory por algo mais do
que desejo físico a assustava.
Ela se importava com aquele homem. Será que o amava?
Isso era ridículo! Nada sabia sobre o amor. Certa vez acreditara estar amando
e se enganara redondamente. Depois dessa experiência, jurara nunca mais voltar a
confiar nos próprios sentimentos, por confundir amor com mera carência afetiva.
Naturalmente, ela poderia ter lhe falado sobre Martin. Por que não o fizera?
Qualquer coisa teria sido melhor do que receber aquele olhar de desprezo.
Bem, não lhe contara sobre o ex-marido, porque impaciente como era,
Gregory a teria levado para cama no mesmo instante. Daí eles teriam dado asas aos
seus impulsos, a ponto de se esquecerem por completo das diferenças existentes
entre os dois, diferenças que, a longo prazo, acabariam por separá-los.
Afinal de contas, ele fora casado uma vez e não pretendia repetir o "erro".
Também deixara claro como o dia que viver viajando através do mundo era o que
mais lhe agradava. Assim, quando o fogo da paixão se extinguisse, ele ficaria
aborrecido e entediado, e a descartaria como a um objeto qualquer.
Não! Brenda não queria nem pensar no que a dor da rejeição lhe causaria.
Finalmente se afastou da janela. Tomou três comprimidos para dor e
adormeceu, exausta. O telefone a acordou.
— Liguei para dizer que não acreditei numa só palavra do que me disse.
— Sobre o quê? — Ainda deitada, Brenda tentou erguer o tronco e se apoiar
nos cotovelos.
— Sobre o casto sofá.
Ela demorou um pouco até entender o que ouvira.
— Quer dizer que me acordou para me chamar de mentirosa?

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— Não tinha a intenção de acordá-la. São apenas nove horas.
— Tomei um analgésico para a dor nas costas.
— Você devia consultar um médico — aconselhou ele.
— Obrigada, lembrarei disso. Pela manhã. — Brenda afastou o fone, prestes a
desligar, porém Gregory foi mais rápido.
— Ei! Não bata o telefone na minha cara!
— Por que não?
— Tenho algo para dizer. Seria capaz de me ouvir?
— Ai, Deus, vamos lá...
— Ouça, Brenda, teríamos de ter essa conversa, cedo ou tarde.
— Nós teríamos? Por que nós teríamos? Não faço idéia de nenhum assunto
pendente entre nós, a não ser que você tenha mudado de idéia sobre a BioTech.
— Não me refiro àquele maldito emprego! — Havia um toque de irritação na
voz dele.
— Então, o que é?
— Quero saber por que você tenta a todo custo passar uma imagem negativa
para mim.
— Quer dizer que não acredita que uma mulher possa usar um homem para
alcançar as próprias metas? — Ela caprichou no tom sarcástico. — Eu não acreditava
que homens arrogantes pudessem ser tão cegos.
Gregory riu.
— Muito pelo contrário. Mas as ações falam mais alto do que as palavras.
— O que está insinuando com isso?
— Apenas que, quando a abracei esta noite, quando a beijei, ficou evidente
que algo muito forte ocorreu entre nós dois. Não tente negar isso, Brenda. Você não
agiu como uma mulher calculista, visando recuperar seu emprego. Foi algo bem
maior.
Com as mãos trêmulas, ela puxou as cobertas sobre si, como se procurasse
proteção no seu calor.
— Àquilo foi paixão, Brenda, e você sabe disso. Ela suspirou.
— Como um amante habilidoso, Gregory, talvez você logo descobriu como...
— Não tente desconversar! Nós incendiamos um ao outro. O que preciso
saber é que atitude tomaremos a partir de agora. Porque, se você for mesmo casada
como finge ser, tenho um problema sério para resolver. Se não for, então, preciso
saber o que fazer a partir de hoje.

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— Você está confundindo tudo. Mesmo que eu não fosse casada. — Brenda
começou a dizer.
— Tentei me manter afastado de você, Brenda, mas não deu certo. Jamais
daria. Sempre acabaríamos dando de cara um com o outro, e cada vez seria pior. Veja
esta noite... — Ele se interrompeu, exasperado. — Sou uma pessoa que gosta das
coisas certinhas, preto no branco. No entanto, com você não há transparência, nunca
sei com quem estou lidando.
Brenda apertou o aparelho entre os dedos e tentou mostrar firmeza.
— Imaginei que fosse óbvio. Você está lidando com alguém que deseja voltar
para seu antigo emprego. Gregory praguejou.
— Jamais acreditarei nisso. Se fosse o caso, você teria facilitado as coisas esta
noite. Agora eu quero saber sobre seu casamento. Está claro como o dia que seu
marido não mora aí. Por onde ele anda, se é que existe?
— Ele existe!
— Então, onde está? O que pensa ele da vida para deixar você tanto tempo
sozinha?
— Está na África, pelo menos é onde eu creio que esteja...
— Prossiga — pediu ele.
— Não posso.
— Por quê?
— Não desse modo, é muito difícil.
— Estou indo para aí! — E a ligação foi cortada.
Brenda mal terminou de vestir o roupão e Gregory já batia à porta. Ao vê-la
tão pálida, ele não se conteve. Tomou-a nos braços, depois a conduziu para o quarto,
fazendo-a deitar-se na cama. Foi tudo tão rápido que ela nem teve tempo de
deliciar-se com o aconchego no peito forte.
Depois de deitá-la, Gregory postou-se ao lado da cama, com ar intrigado.
— Eu não havia percebido que você estava tão mal — disse ele.
— Enquanto estou deitada quase não sinto dor. Ruim mesmo é quando
preciso me movimentar.
— Você devia ter me deixado ajudá-la com o carro, mas seu orgulho.
— Se veio até aqui para me passar sermões, pode ir embora. Ele sentou-se ao
lado da cama.
— Não vim para isso, vim para ouvi-la.
Gregory trocara o traje de trabalho por jeans e camiseta pólo, roupas que,
além de o deixarem mais à vontade, também realçavam seu charme.

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— Detesto sentir-me tão vulnerável, deitada desse jeito — confessou,
ajeitando os travesseiros.
— Eu partilharia dessa vulnerabilidade de bom grado. Mas eu vim até aqui em
busca de informações. — Os olhos cinzentos sondaram os dela. — Enquanto você
dormia, eu andava de um lado para o outro, atormentado, tentando adivinhar o que
estava acontecendo.
— Os comprimidos que tomei me derrubaram, talvez porque não tenho
dormido bem ultimamente.
— Fale-me sobre isso.
— A respeito de minha insônia?
— Não lhe parece um bom começo? Brenda suspirou antes de começar seu
relato.
— Estive muito confusa, pensava em você, desejava vê-lo. Esta tarde, quando
o encontrei, ainda estava furiosa e assustada, por isso recusei sua ajuda.
— Furiosa porque a despedi de seu tão especial emprego?
— Sim.
— E por que assustada? — Como Brenda relutasse em responder, ele decidiu
ajudá-la: —Com o que sempre acontece quando nos encontramos. Pelo que
sentimos um pelo outro, certo? Bem, fale-me sobre Martin.
Ela limpou a garganta, porém nada disse.
— Brenda, você já não pode mais continuar se escondendo atrás de um
casamento.
— Não foi uma linda história de amor — admitiu ela.
— Deixe que eu mesmo julgue — Gregory tomou-lhe a mão e conservou-a
entre as suas. -— Prossiga, não a interromperei.
Brenda riu, um pouco nervosa.
— Casei-me aos dezenove anos de idade. Conheci Martin numa festa country
em Oxfordshire. Bem... Para entender melhor a história, tenho de lhe falar sobre o
ambiente em que cresci.
Meu pai é um homem muito rico; ele divorciou-se de minha mãe quando eu
estava com três anos de idade. Nessas circunstâncias, fui criada por estranhos. Logo
que foi possível, me enviaram para um colégio interno. Após terminar o período
escolar, quando aprendi a fazer arranjos de flores, servir chás e endereçar convites
para festas. — Brenda franziu o nariz mostrando enfado
— Aos dezoito anos, me vi livre de tudo isso e pensando apenas em recuperar
o tempo perdido.
— A pobre menina rica afinal livre das grades douradas. Você deve ter sido um

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perigo.
— Eu era rebelde e inquieta. Tinha toda a energia do mundo e não sabia como
gastá-la. Sem nada de interessante para fazer, comecei a freqüentar festas, a beber
além da conta e dirigir em alta velocidade. Mas não era disso que eu andava à
procura. Então, conheci Martin.
Gregory fez um ar sombrio. Seus olhos escureceram, tornando-se quase
negros.
— Prossiga.
— Martin Easton. Ele era totalmente diferente dos outros rapazes que eu
conhecia.
— Diferente como?
— Não era um adolescente, tinha vinte e cinco anos, o que na época me
pareceu sinônimo de maturidade. Outra coisa era que ele não nascera rico, como
todos os demais. Crescera no lado pobre de Londres e batalhava pelo próprio
dinheiro, que parecia acumular com estranha rapidez. Trabalhava com finanças, dizia
ele. Era rude, agitado e perigoso. Também era charmoso, bonito e persuasivo. Antes
de conhecê-lo pessoalmente, eu já sabia de tudo isso. Mas quando nos vimos frente
a frente, em menos de uma hora fomos para a cama — Brenda olhou atentamente
para Gregory. — Você não ficou chocado?
— Não. Sou adulto e conheço bem a impulsividade da juventude.
— Está dizendo que também fez coisas desse tipo?
— E quem não fez? — Ele sorriu, e o coração de Brenda apertou-se diante de
tanta beleza.
— O pior ainda está para vir. Começamos a sair juntos e, claro, nosso caso
logo chegou ao ouvido de meu pai. — Ela franziu o cenho, enquanto sua voz
ganhava um tom de revolta. — Meu pai nunca se importou comigo. Assim que soube
que eu não era o filho homem por quem tanto ansiava, tornei-me sua grande
decepção na vida. Só que, de repente, mandou me chamar e me proibiu de voltar a
ver Martin, porque ele era um desrespeito para a nomeada família. — Brenda sentia a
boca seca, mas, prosseguiu: — É claro que me recusei a obedecê-lo. Aí as coisas
ficaram pretas. Ele apelou para minha mãe, apesar de raramente terem se falado
desde o divórcio. Então, houve uma reunião de família, com minha mãe chorando, e
meu pai dizendo que eu o desgraçara.

Não me lembro dos detalhes, pois eu estava transtornada, mas o desfecho foi
que, não só me recusei a romper com Martin, como saí de lá decidida a convencê-lo

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a se casar comigo.
Ela olhou para Gregory com o rosto corado e os olhos brilhantes.
— Você é uma ruiva perigosa e temperamental.
— Não por causa da cor do meu cabelo, e sim pelos anos que passei zangada
com meus pais, por sua atitude displicente para comigo. Eles me magoaram, e eu
queria magoá-los também, especialmente a meu pai. Organizou uma equipe para me
vigiar, escolas, e tudo o mais. Quanto a minha mãe... O divórcio arruinara sua vida. —
Brenda fez uma careta — Sei que é desagradável falar isso, mas c a verdade. Ela
nunca foi capaz de cuidar de mim.
— E o que houve depois?
— Consegui burlar a vigilância, fugi e me casei com Martin. O mais terrível foi
que logo percebi que eles tinham razão. Martin não era apenas perigoso, ele era
mau.
— Mau?
— Terrível! Não se importava com nada e com ninguém.
— Nem com você?
— Comigo, era apenas um pouquinho diferente. Afinal, eu era um ótimo
troféu. Ele gostava de estar casado com uma moça de família rica, e fazia questão de
que todos soubessem quem era sua esposa. Afora isso, não ligava a mínima para
mim. Assim que nos casamos, fomos morar em uni flat em Kingston. E desde o
primeiro dia deixou claro que eu o induzira ao casamento, e por isso ele tinha o
direito de ir aonde quisesse e de fazer o que bem entendesse. Continuou vivendo sua
vida de solteiro, mantendo seus antigos casos amorosos e tudo mais.
Brenda deixou escapar uma risada amarga, que soou estranha até a seus
próprios ouvidos.
— Na realidade, não me incomodava, servia para desviar a atenção dele de
mim. Eu já não queria nada com ele, havia começado a odiá-lo.
— Você o deixou?
Ela confirmou com um aceno de cabeça.
— Só que eu era teimosa demais para isso! E, talvez, parte de mim sentisse
que suportar Martin seria a penitência por todos os erros que cometi. Isso até ele
começar a gabar-se de onde provinha seu dinheiro. Então, percebi que teria de cair
fora.
— Drogas? — indagou Gregory, suavemente.
— Sim. Como soube? — Os olhos verdes desviaram-se rápidos na direção
dele.
— Não é difícil deduzir.

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— Creio que era cocaína, mas nunca soube ao certo. Não fiquei lá tempo
suficiente para descobrir. De súbito, tomei consciência de onde estava metida, e
resolvi fugir. Na manhã seguinte, joguei algumas coisas dentro de uma maleta, fui
para o aeroporto e peguei o primeiro avião para a Suíça.
Hospedei-me num pequeno hotel no campo e lá fiquei durante duas semanas.
Ainda me lembro de como tudo era tranqüilo e em ordem naquele chalé, comparado
com a balbúrdia que era minha vida. Então, tomei uma decisão.
Brenda sentiu os dedos de Gregory apertarem sua mão, instigando-a a
prosseguir. Seus olhos procuraram os dele, enquanto ela escolhia as palavras para
continuar a história.
— Eu precisava admitir meus erros e enfrentá-los. Tinha de voltar a estudar,
obter algumas qualificações e embarcar numa carreira séria. Sei que não parece
muito, mas, para mim, foi um grande passo.
— E o que você fez a seguir?
— Aluguei um carro e fui ver minha mãe em Innasbruck. Contei que decidira
deixar Martin e que pretendia trabalhar para viver. Creio que esse foi o segundo
grande choque que ela recebeu. Mamãe é uma pessoa doce e frágil; seu único
defeito é nunca ter crescido. Passando de um pai rico para um marido rico, ela
sempre dependeu de outros, de algum homem para cuidar dela. Quando meu pai a
trocou por outra, ela começou a comprar a atenção dos médicos.
— Brenda sorriu, tristonha. — Então eu decidi que jamais seria como ela.
— Nunca depender de um homem? — Gregory quis saber.
— Isso mesmo.
As palavras soaram mais veementes do que ela pretendera. Brenda olhou de
soslaio para Gregory, porém não pôde captar nenhuma reação. O rosto dele estava
impassível.
— E como ficou seu pai nessa história?
— Ela demorou um pouco para responder. Ainda tinha aquele episódio
atravessado na garganta.
— Meu pai lavou as mãos no dia em que anunciei meu casamento com
Martin. Foi o que prometeu na ocasião, e cumpriu. Disse que, se eu pretendia fazer
de minha vida um desastre, que procurasse não envolvê-lo. Mas continuamos a
manter as aparências. Eu era convidada para os eventos familiares. Porém, como lhe
desobedecera uma vez, recusava-se a me dar um único centavo ou a demonstrar o
menor interesse por mim. O menor interesse!
— repetiu, furiosa. — Jamais perguntou como eu estava vivendo ou o que
estava fazendo! Nem uma só vez em todos esses anos!
— Nossa, isso é coisa de tirano. Aos poucos, Brenda se acalmou.

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— Ele estava muito zangado quando disse essas coisas. Nós dois sempre
despertamos o pior lado um do outro.
— Pai e filha teimosos, e não querendo dar o braço a torcer...
— Gregory comentou, balançando a cabeça.
Perdida nas próprias recordações, Brenda franziu a testa tão fortemente que
ele aproximou a mão para alisá-la.
— Não me olhe desse jeito, eu não sou seu pai! — Seu toque era agradável.
— Por que você não se divorciou logo a seguir?

Brenda sentiu-se grata por ter os olhos fechados sob a carícia daqueles dedos,
pelo menos ele não podia ler sua expressão.
— Martin não aceitou o divórcio. Gostava de estar ligado a uma família
poderosa.
— Enquanto isso, você "também achou útil continuar sendo a Sra. Easton.
— Sim — admitiu ela, abrindo os olhos. — Meu nome de casada mantinha as
pessoas afastadas e tornava minha vida mais simples.
— Quer dizer que não houve outro homem em sua vida, além de Martin?
— Nunca mais desejei alguém. Veja quantos problemas tive de enfrentar por
causa dele.
— Isso aconteceu há seis anos. Você agora é uma pessoa diferente, mais
madura, capaz de melhor julgamento.
— Sou? Não percebi — sua voz fraquejou. — Basta ver o que nos aconteceu
esta tarde. — Lágrimas de frustração inundaram-lhe os olhos.
— Pelo amor de Deus, Brenda! Você é impossível! Vive uma vida para lá de
reservada durante seis anos, e então, só porque se vê correspondendo normalmente
a um homem que a atrai, considera ter atirado toda a cautela ao vento?
— Eu não sei. — Toda a autoconfiança que ela demonstrara ao começar a
falar, caíra por terra.
— Não é crime apreciar a paixão física. Não estamos na era vitoriana.
— Os olhos dele não desgrudavam do rosto de Brenda.
— Mas eu não quero paixão física, e certamente não com você!
— Isso é algo que não se escolhe. Já existe uma forte atração entre nós,
presente em cada olhar, em cada gesto, e nenhum dos dois planejou isso. E eu queria
apenas um lugar tranqüilo no campo.
— Sendo assim, por que não me deixa sozinha?

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— Tentei fazer isso mais de uma vez e não consegui, do mesmo modo que
você.
— Do que você está falando?
— Lembra nosso primeiro encontro? Tenho certeza que você acha que tentou
me seduzir. Sem que quiséssemos, ao primeiro olhar, nos desejamos loucamente. —-
Após uma breve pausa, ele continuou: — E quanto ao que veio depois? Eu não
precisei insistir para que jantasse comigo, e você retribuiu levando Whiskey para
passear. Aparentemente, nós não desejávamos nada um com o outro; no fundo,
porém, a realidade era outra.
Brenda notou a expressão de desejo nos olhos cinzentos. Recostou-se aos
travesseiros e fechou os olhos.
— O que você não pode é fechai - os olhos para as verdades, Brenda. Algumas
vezes é necessário enfrentá-las. E você sabe que estou dizendo a verdade.
— Não sei de nada! Mal consigo pensar com clareza!
— Mesmo que eu não estivesse aqui, não seria desonesto continuar se
escondendo atrás de um casamento inexistente?
— Não estou me escondendo atrás de coisa nenhuma — protestou ela.
— Digamos que não esteja se escondendo, mas esteja assustada demais para
enfrentar o mundo como ele é.
— Você nem sequer me conhece! — Ela tentou erguer-se, mas a dor a obrigou
a desistir. — Acho que está na hora de ir embora!
Gregory levantou-se.
— Não se preocupe, já estou indo.
— Ele se voltou da porta: — Pelo menos reconheça que fugir de nada adianta.
— Ficou parado ali, até que ela foi forçada a olhá-lo.
— O que devemos fazer Brenda? Devo agir como se não fosse realmente
casada, e continuar cortejando-a? Ou você entrará em contato com seus advogados
e lhes dirá para entrar com o pedido de divórcio?
— Você quer dizer que devo me divorciar só para que possamos ter um caso?
É muita pretensão da sua parte!
— Não foi essa minha intenção. Nós já estamos muito envolvidos.
Gregory continuava parado junto à porta, uma das mãos sobre o umbral,
ameaçador e atraente ao mesmo tempo. Ela desejou sair da cama para abraçá-lo.
— Não daria certo, Gregory. Brenda fechou os olhos, as emoções à flor da
pele. — Mesmo que esteja dizendo a verdade, existe uma coisa que eu desejo mais
do que qualquer outra coisa: é ter meu emprego de volta.

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CAPÍTULO VIII

As duas semanas seguintes foram tão ocupadas —que Brenda mai teve tempo
de pensar em Gregory, pelo menos era isso que ela dizia a si mesma, sem se importar
em examinar por quê. Porém, suas noites eram agitadas, rolando na cama, tentando
lutar contra o sentimento que crescera com o passar dos dias.
No final daquela semana, após percorrer vários quilômetros com seu carro, e
ter comparecido a numerosas entrevistas, tinha propostas de duas firmas em seu
poder.
A última delas, que chegara naquela manhã pelo correio, deveria tê-la deixado
feliz. Era sobre um emprego numa grande empresa farmacêutica, com um excelente
salário e ótimas perspectivas de promoção. Se eia não podia voltar à BioTech, aquela
era sua melhor opção. Contudo, permanecia desalentada.
Exasperada com o próprio humor, resolveu fazer um passeio a pé. A chuva
finalmente parará, mas deixara o campo melancólico e outonal. Um vento cortante
despenteava-lhe os cabelos, fazendo-a virar o rosto em sua direção. Talvez por isso
ela não tenha visto Gregory e Vhiskey, até o cachorro enredar-se em suas pernas,
latindo feliz ao reconhecê-la.
— Isso está se tomando um hábito — disse Gregory com frieza.
Brenda estreitou os olhos e segurou os cabelos na nuca para poder fitá-lo.

Ele usava jeans e jaqueta azul-marinho com a gola erguida, protegendo o


pescoço contra o vento.
— Você não deveria estar trabalhando? — ela quis saber.
Os olhos cinzentos esquadrinhavam os dela.
— É sábado, e ocasionalmente eu tiro a manhã de folga. Irei ao escritório mais
tarde.
— Tinha me esquecido — murmurou ela.
— Muita coisa na cabeça?
— Não.
— Vai me contar?
— A Medicai Products me ofereceu trabalho. Só soube esta manhã.
— Ótimo. Conheço o diretor de lá. É uma excelente empresa e situa-se nas
redondezas. Você precisará mudar-se?
— Não, mas talvez fosse bom para mim. Gregory a examinava atentamente.

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— Você vai aceitar?
— Recebi outra proposta, embora não seja tão boa.
— Meus parabéns! Só que você não aparenta estar muito feliz. O que houve?
Ela o fuzilou com o olhar.
— Não estou contente com nenhum dos dois. Só a BioTech me deixaria feliz.
— Desista da BioTech. Já disse isso antes e detesto ficar me repetindo
— murmurou ele, impaciente. — E então, quando começa?
— Começar o quê?
— O novo trabalho. O que há com você, Brenda? Parece a quilômetros daqui.
Ela o fitou com frieza.
— Naquela noite, eu não lhe disse toda a verdade. Sou divorciada há cinco
anos. Martin era contra o divórcio, mas o convenci a assinar.
— E por que está me dizendo isso agora? — Os olhos cinzentos estavam
impenetráveis.
— Não sei. Talvez me sinta culpada por ter mentido. O divórcio realmente não
me interessava, pois não pretendo me casar outra vez.
— Entendo.
O assovio do vento gelado em seus ouvidos deixava Brenda tão nervosa que
sentia ímpetos de gritar. Para piorar ainda mais as coisas, não conseguia ler a
expressão de Gregory. Fazia duas semanas que não o via, e agora ele estava ali, frio e
distante como um estranho.
— Esse é o motivo consciente que a levou a me falar sobre o divórcio. Que tal
o subconsciente? — disse ele finalmente.
— Não sei do que está falando.
— Claro que sabe.
— Bem... Estou indo embora. Está ventando muito aqui em cima.
— Fugindo outra vez?
Os olhos dela brilharam furiosos.
— Não preciso fugir de nada. Só não estou gostando do vento.
Ele me incomoda!
— Antes você tentava fugir, escondendo-se atrás de um casamento. Agora
alega que foge do vento. Quando é que vai enfrentar a si mesma, Brenda?
— Talvez seja você quem esteja precisando enfrentar algo! Só porque eu disse
que sou divorciada, já pensa que estou à espera de que se declare? Bem, é melhor

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você não se apressar.
— Eu jamais diria isso. Entretanto, a informação que acaba de me dar muda
tudo. Procurei me manter afastado para o bem de nós dois. Mas se você é divorciada,
não existe mais razão para isso. Agora precisamos decidir nossas vidas.
Ele permaneceu impassível contra o vento, tão sólido quanto uma estátua.
— De qualquer modo, eu já havia decidido nossas vidas — ela retrucou.
— Não existe destino possível para nós dois juntos.
— Por que não? Não vejo nenhum impedimento.
— Talvez não, mas tampouco existe uma boa razão para ficarmos juntos.
— O vento soltou-lhe os cabelos outra vez. — Em meu dicionário, atração
física apenas não é base sólida para um relacionamento. Esse foi o erro que cometi
anteriormente. Mas você tem razão, Gregory, não nego que estejamos atraídos um
pelo outro. E ainda penso em persuadi-lo a devolver meu emprego.
— Ela desviou o rosto, para que ele não lesse a verdade em seus olhos.
— De volta ao casto sofá?
— Estou apenas tentando iniciar vida nova. Peço-lhe que me deixe fazer isso!
Por um momento, ele a fitou em silêncio.
— Eu não a estou impedindo. Ao contrário, é a mim que deve agradecer por
isso.
— Oh, como se atreve, depois do que me fez!
— Acho que, para você, "muito obrigado" deve ser uma expressão difícil de
pronunciar, não é?
— prosseguiu ele, ignorando-a. — Por algum motivo, algo que apenas você
conhece, trabalhar na BioTech parece ter mais fascínio do que mil empregos juntos.
— E tem mesmo.
— Não quer me falar?
— Não posso.
— Por quê? Será algum segredo terrível?
Por um momento ele fitou-lhe os olhos, os lábios apertados, então,
deliberadamente, voltou-se e assobiou para Whiskey.
— Se é sua decisão... — ele virou-se apenas o suficiente para terminar a frase
— presumo que poderei conviver com isso.
Então, passou por ela e se foi à procura de Whiskey.
Se ele tivesse demonstrado ao menos um pouquinho o quanto ela era

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importante. Brenda fervilhava de raiva ao caminhar apressada, colina abaixo.

Se realmente a quisesse, como afirmara, não teria ido embora daquela


maneira, sem abraçá-la, sem beijá-la.
Durante todo o sábado, Gregory não tentou se aproximar, embora ela ouvisse
seu carro passar na rua em frente. De qualquer modo, Brenda não acreditava que ele
se manteria afastado por muito tempo, não agora que sabia que era uma mulher
livre.
Livre. A palavra soava estranho. Livre para fazer o que lhe agradasse, com
quem lhe agradasse. Mas apenas uma pessoa lhe agradava, e essa pessoa era
Gregory.
Na manhã de domingo, Brenda tomou o café da manhã sentada diante da
janela', tentando se convencer de que apenas admirava a paisagem naquele dia frio
de outono. O vento cessara e o sol trouxera o dourado e o vermelho de volta às
folhagens. No entanto, o que ela esperava ver eram duas figuras caminhando no
horizonte: Gregory e Whiskey.
Snowy pulou para a cadeira ao lado, e Brenda começou a acariciar-lhe o pêlo
branco e macio. Desta vez, porém, a presença da gatinha não a confortou. Animais
domésticos jamais substituiriam o calor humano, ainda mais quando o que ela
realmente desejava era sentir nas mãos a textura da pele de alguém. De um homem.
De Gregory.
As coisas poderiam ter sido bem diferentes! Uma palavra dela, e estaria lá em
cima com aquele homem, além de ter passado o dia anterior inteiro com ele.
E toda a noite, ela admitiu com sinceridade. Porque sabia que os dois, com
apaixonada impaciência, não se contentariam com um beijo de boa-noite diante da
porta. X) pensamento a fez estremecer, como se pressentisse perigo.
Brenda afastou-se da janela e se pôs a caminhar de um lado para o outro na
sala. Outro dia longo e solitário. Talvez devesse telefonar para a mãe na Suíça. Ou
então, quem sabe, passar o dia em Londres na companhia de amigos. Nenhuma das
sugestões a agradou.
A linda manhã de domingo a incentivou a sair; para se entreter, começou a
trabalhar no jardim. De repente, Gregory apareceu junto ao portão.
— Você me surpreende a cada dia quê passa, Brenda. Uma mulher de carreira,
dedicando o domingo a afazeres domésticos — disse ele, aparentemente tranqüilo.
— Gostar de trabalhos domésticos é algum crime? — ela replicou,
bruscamente.
— Pelo contrário, é um excelente dom. Conheço pessoas que fariam qualquer
coisa para ter um chalé com um jardim gracioso como o seu. Talvez eu esteja entre
elas. — Gregory pegou um maço de ervas daninhas que ela arrancara do solo e o
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levou até a lixeira no fundo do jardim. — Estive observando-a
— confessou ao retornar. — Faz horas que você trabalha nesse jardim. Está
tentando afastar seus demônios?
— Quem lhe disse que tenho demônios a espantar?
Ela esfregou o nariz com as costas da mão suja de terra e tentou não se
importar com o fato de estar parecendo um espantalho.
— Demônio em forma de lembranças. Esse é seu problema, não?
Amou uma vez, perdeu-o, e não quer correr o risco novamente.
— Não percebi que falávamos de amor — ela ironizou, sem perder a
serenidade.
-— Nenhum de nós sabe exatamente do que está falando. Entretanto, ao
menos um está preparado para descobrir. Por que acha que estou aqui depois de
você ter me mandado ir para o inferno?
— Talvez por julgar que eu, depois de ter ido para a cama com Martin anos
atrás, farei exatamente o mesmo com você.
— Então é isso que tanto a assusta? Você está completamente enganada!
— O tom brusco de sua voz a silenciou. — Não planejo nada disso. — Por um
momento, Gregory a fitou com ar severo, então, seu olhar suavizou e ele sorriu,
inundando-a de calor. — Claro que eu iria gostar imensamente, mas acho difícil
acontecer e não a forçarei. Sou inteligente o suficiente para acreditar que quando
uma mulher diz não, é não mesmo. Você estabelece as normas do jogo, Brenda.
Como não obtivesse resposta, Gregory prosseguiu.
— Você precisa aprender a confiar em si mesma, em seus instintos. Terá de
fazer isso algum dia, se não quiser morrer solteira.
— É um erro que não pretendo repetir. E saiba que existe coisas piores do que
morrer solteira!
— Não estou sugerindo que você se atire de cabeça num mau casamento.
Seria a última coisa que um de nós desejaria ou precisaria.
O coração de Brenda encheu-se de angústia. Então era isso? Nada de
casamento, nada de compromissos, apenas um caso passageiro? Mas como
sobreviver depois que ele a deixasse?
E foi como se Gregory a tivesse escutado.
— Sem dor não se adquire fortuna. Não é o que dizem? Embora não
necessariamente haja dor.
— Normalmente há — rebateu Brenda.
— Pode ser que tenha nos faltado sorte no passado.

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Aquelas palavras a surpreenderam. Faltara sorte a ambos? Gregory também
fizera um mau casamento, mas não parecia frustrado nem assustado. Pelo contrário,
aparentava ter adquirido sabedoria a partir de seus erros.
Ela o fitou com surpresa e viu o movimentos dos músculos de seu pescoço se
moverem. Ele se voltou, passando os dedos por entre os cabelos, e disse:
— Agora, que tal se lembrar de suas boas maneiras e me oferecer uma xícara
de café? Ou melhor, uma cerveja. É quase uma hora da tarde.
Ele fez-lhe companhia durante toda a tarde. Em vez de uma, tomou duas
cervejas, em seguida, lancharam sob as árvores do jardim, tomaram café, que
Gregory insistiu em preparar, enquanto Brenda lia o jornal.

E como Gregory procurava manter distância, deixando claro que não tinha
intenção de tomar atitudes que não fossem as de um amigo em visita de domingo,
Brenda aos poucos relaxou, partilhando daqueles pequenos prazeres nada familiares
para ela.
Mas Brenda pressentia que algo estava por acontecer.
Ao pôr-do-sol, quando a temperatura caiu, ela levantou-se para acender o
fogo na lareira e Gregory também levantou-se, assustando-a.
— Você já vai embora?
Ela percebeu a sombra de um sorriso nos cantos dos lábios sensuais.
— Tenho um trabalho para terminar. Além disso, já tomei seu tempo demais.
Brenda mal conseguia esconder seu desapontamento. O que quer que
estivesse esperando, não era aquilo.
— Obrigado pelo almoço. A salada eslava excelente — disse ele.
Ela deu de ombros.
— Não foi nada.
Afinal, o que esperava? Que ele a puxasse para o tapete em frente à lareira
para possuí-la?
Ele se aproximou e beijou-a de leve no rosto.
— Bem... Pelo menos chegamos a um bom termo um com o outro. Se bem
que, com seu novo trabalho, dificilmente nos veremos, a não ser que façamos algum
esforço.
Brenda sentiu-se corar.

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— Já não sei mais o que quero! Está tudo tão confuso em minha mente.
— Se é assim, não vou ficar à espera de que descubra. Não é meu estilo correr
atrás de mulheres que me disseram para dar o fora. — Ele sorriu charmosamente. —
Conseguimos passar algumas horas juntos sem brigar. O que não significa que
demos início a um novo relacionamento. Eu não acreditaria nisso. Aliás, tive de forçar
as coisas esta manhã para que você permitisse que eu passasse do portão. Obriguei-
a me oferecer uma cerveja. Não posso continuar forçando-a. Não disponho de
tempo, e meu orgulho, acima de tudo, não permitiria. Se você quiser que as coisas
sejam diferentes, terá de vir a mim e dizer. Brenda fitou-o, incrédula.
— Sinceramente, eu não sei. — A emoção era tão grande em sua voz, que o
levou a segurá-la pelos ombros. — Estou sendo sincera, Gregory, realmente, não sei.
Tudo é tão confuso, tão estranho. Antes de perder o emprego, eu sabia exatamente
para onde estava indo, o que desejava da vida, e o que não desejava.
— E agora descobriu que deseja o que julgava não desejar? A estrada
pequena e estreita está se tornando mais ampla. — A voz dele estava baixa e suave;
os olhos, escurecidos.
— Estou assustada porque não sei como você me vê. — Ela fechou os olhos.
Como uma amante para algumas semanas? Ou dois anos?

— Tudo o que vejo é uma mulher que perdeu o emprego e encontrou outro
melhor. Uma mulher que luta feito louca contra a atração que sente por uma homem,
que também está atraído por ela. — Lentamente, ele correu as mãos pelos seus
ombros, puxando-a para si. — Por que a luta, Brenda? Por que tanta resistência?
Você é uma mulher livre. Não deve permitir que as lembranças a mantenham
prisioneira do passado. Não sou Martin, não a usarei do modo como ele fez.
— Há várias maneiras de se usar as pessoas...
— Não estou interessado em nenhuma delas. Pelo amor de Deus, Brenda, por
que parece tão determinada a me enxergar como um vilão? O que mais eu lhe fiz
além de despedi-la? Tive de fazer aquilo, era meu trabalho.
— Nada, você não fez nada. — "Exceto me olhar desse jeito", Brenda
acrescentou em silêncio, "me incendiando, até eu não conseguir pensar com clareza".
Ficou imóvel porque as mãos dele sobre seus ombros lhe provocavam arrepios. Já
não tinha mais quinze anos de idade, e sabia exatamente o que aquilo significava.
Também Gregory devia saber, e ela não confiava nele a ponto de confidenciar-lhe
aquelas sensações.
Respirando pesadamente, ela fechou os olhos e balançou a cabeça.
— Gregory você é...
— Um homem que está sedento por beijá-la — completou ele. — E estou
morrendo.

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Gregory enlaçou-a pela cintura e pousou os lábios sobre os seus. No mesmo
instante, Brenda sucumbiu ao mágico toque, esquecendo-se de tudo o mais que não
fosse esse homem. Com a boca colada sobre a sua, ele a estreitava com força,
abraçava-a por sob a camiseta, pressionava-lhe as costas e as nádegas com as mãos.
Brenda o imitava; beijou-o com avidez e o acariciava sob a jaqueta, sentindo-
lhe os músculos embaixo da camisa de algodão. Em busca da satisfação para o
desejo que lhe corroia o corpo inteiro, correspondia com igual vigor, àquele beijo
ensandecido. Enlaçando-o pelo pescoço, fez com que ele se abaixasse, a fim de que
pudesse aprofundar o beijo. Amoldou-se então, ao corpo másculo, suas formas
encaixando-se com perfeição, sentiu-o estremecer, depois gemer, enquanto a
estreitava num abraço apertado.
— Uma ou duas horas com você na cama dariam melhores resultados do que
correr vários quilômetros — murmurou Gregory, roçando-lhe o rosto com os lábios.
Sem a boca exigente de Gregory a atormentá-la, Brenda pôde recomeçar a
pensar. 0 que estava acontecendo com ela? Ficara louca?
— Você é tão quente, tão suave, e tem um cheiro gostoso... Gregory
prosseguia, sem notar que ela se retraíra. A docilidade
e a avidez com que vira correspondidos os seus beijos tinham sido bem
maiores do que esperara.

Sem perda de tempo, beijou-a outra vez no pescoço, enquanto, com as pontas
dos dedos, percorria-lhe a espinha. Por fim, pousando as mãos sobre suas nádegas,
pressionou-a contra as próprias coxas.
Brenda deixou escapar um gemido de prazer ao perceber quanto ele estava
excitado. Aconteceria, ela sabia disso. Iriam fazer amor e não havia nada no mundo
que o evitasse, porque o desejava com tanto ardor, porque o amava tanto!
— Gregory... — Ela sentiu o próprio corpo clamar pelo dele, ao mesmo tempo
em que se recusava a raciocinar. A dor viria depois, quando ele se satisfizesse e a
deixasse.
Mas não devia se preocupar com isso agora, devia sim, saborear cada segundo
daquele maravilhoso interlúdio de amor.
Só que, lenta e cuidadosamente, Gregory desvencilhou-se dela, a respiração
entrecortada, a boca vermelha, os olhos ainda fixos nos seus. Deixou-a afastar-se,
ajeitando a camiseta com uma expressão intrigada. Embora ele não gostasse da idéia,
precisava dar-lhe mais tempo, mais confiança em si própria.
— Preciso ir — disse, a voz rouca e em tom baixo — antes que eu fique mais
tempo do que a cortesia permite.
— Não precisa ir agora...

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— E melhor que eu me vá. — Sua boca curvou-se num sorriso, mas seus olhos
estavam sombrios. — Prefiro não ser acusado de induzi-la a fazer algo de que se
arrependerá mais tarde.
— Não vou me arrepender — sussurrou ela.
— Tem certeza?
Uma leve ruga marcou a testa de Brenda. Ele tocou-a com a ponta do dedo.
— Temos tempo, todo o tempo do mundo — murmurou ele, roucamente.
— Pense bastante em tudo isso e veremos como se sentirá pela manhã.
E, assumindo um ar descontraído, ele se encaminhou para a saída.

CAPITULO IX

Pela manhã, Brenda sentia exatamente o mesmo que sentira na noite anterior.
Queria Gregory, precisava dele e ansiava por sua presença. Ele não dissera quando
voltariam a ser ver. Não precisaria ter dito. Com certeza o veria naquela tarde,
quando retomasse do trabalho.
O dia passou rápido; seis horas da tarde, sete, oito... Às nove, ela jogava no lixo
a lasanha que preparara para o jantar, maldizendo o dia em que pusera os olhos em
Gregory Ryan.
Ele lhe tirara o emprego, bloqueara seu caminho à única meta na vida, e então,
como se não fosse suficiente, transformara-a naquela mulher frágil e sem força de
vontade, do tipo que ela jurara jamais se tomar: aquela que esperava, horas a fio, até
que seu homem resolvesse vir para retirá-la de sua torturante vigília.

Ele nem ao menos telefonara, concluiu amarga, no exato momento em que


ouvia barulho de um carro se aproximando.
Todas as idéias pessimistas desapareceram como por encanto de sua mente
quando Gregory entrou na sala.
Completamente à vontade, ele deixou a pasta sobre uma das cadeiras e, com
extrema doçura, puxou Brenda gentilmente para junto do peito. Suas bocas se
encontraram num temo e doce beijo. Inebriada, ela entreabriu os lábios e, quando a
língua dele tocou a sua, sentiu o sangue correr mais rápido nas veias.
— Pensei em você o dia inteiro. Não fui capaz de me concentrar no que fazia
um minuto sequer. Cancelei uma reunião marcada para as cinco horas para poder vir
mais cedo. Por azar, justamente quando eu me preparava para sair, surgiu um
problema inesperado. Que dia!
As rugas de cansaço no rosto másculo eram testemunhas eloqüentes de uma

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jornada longa e difícil. Brenda envergonhou-se do próprio egoísmo.
— Que problema?
— Mais tarde, querida — ele gemeu, o rosto em seus cabelos. — Não quero
pensai em mais nada, a não ser na maravilha que é estar aqui com você.
Ele a beijava enquanto falava, os lábios tocando-lhe os olhos, as orelhas, os
cantos da boca. Tanto afeto, tanta ternura eram o prelúdio para uma noite de sonhos
com a qual ela não contava.
As bocas coladas com premência ainda maior que da primeira vez, iniciaram
uma sessão de carícias onde cada um parecia competir com o outro para ver quem
proporcionava maior satisfação ao parceiro.
Brenda sentia-se no paraíso. Durante muito tempo, ainda que
inconscientemente, esperara por um homem que a levasse a um lugar sem
convenções sociais, um lugar de liberdade irrestrita onde tudo o que teria de fazer
era liberar as emoções. Não soubera sempre que esse homem era Gregory?
Ele, por sua vez, tentava raciocinar, mas tinha todos os sentidos revoltos. Tudo
em Brenda o seduzia: a fragrância, a pele, o sabor... Como pudera viver tanto tempo
sem ela?
— Não posso parar — declarou Gregory, ofegante. — Também não quero
parar. Você quer?
— Eu também não quero parar — sussurrou Brenda. — Não conseguiria,
mesmo que quisesse.
Enquanto Gregory a ei guia nos braços para levá-la ao quarto, Brenda
constatava que nunca se sentira tão bem. Pois sabia que, se a felicidade existia, a
felicidade era estar ao lado desse homem.
Depois de puxar a colcha da cama, Gregory colocou-a sobre o colchão macio.
Sem deixá-lo afastar-se sequer para se despir, Brenda apressou-se a ajudar na tarefa,
os lânguidos olhos verdes desafiando-o a fazer o mesmo. Em poucos segundos,
ambos estavam nus.
Brenda estremeceu de admiração ao reparar no corpo perfeito de Gregory:
ombros largos, músculos do peito bem delineados, estômago reto, quadris estreitos
e coxas fortes. Parecia um atleta de competições olímpicas.
— Como você é bonito, Gregory. -— Você é mais, minha querida.
— Mas eu falei primeiro!
Houve um momento de silêncio, seguido de uma vigorosa gargalhada e um
delicado risinho feminino. Finalmente o bom humor instalava-se entre eles. Logo,
porém, Gregory fez Brenda deitar-se sobre a cama e cobriu-a com o próprio corpo.
Parecia não haver tempo para explorações lentas, carícias sedutoras e palavras ca-
rinhosas. Os dois estavam ansiosos, famintos demais um pelo outro para que

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pudessem esperar.
Brenda vibrou quando sentiu o coração de Gregory bater contra seus seios. E,
com a boca presa à dele, quase entrou em delírio sob o impacto da língua morna
provocando a sua. Transformou-se numa fêmea exigente, quente e sensual. Com as
mãos, acariciava-lhe os quadris, afundando as unhas nas nádegas firmes.
Gregory não sabia o que fazer para prolongar ao máximo aqueles momentos
de loucura. Era tanta e tão reprimida sua vontade de possuir essa mulher, temia que a
tensão agonizante que o atormentava fosse liberada antes de ela alcançar o prazer
que queria lhe dar.
Erguendo os quadris, Brenda foi ao seu encontro, ao mesmo tempo em que
ele acomodava o corpo sobre ela.
— Brenda!
— Gregory! — gritou ela ao ser penetrada.
Ondas de prazer espalharam-se por seu corpo, chegando até ele. Sensações
que se tornavam mais fortes a cada nova investida pulsante daquele magnífico corpo
masculino. Naquele momento em que o tempo parecia ter parado, Brenda
experimentou a felicidade máxima, e depois perdeu-se num prazer infindável.
Gregory pensou que seu coração fosse explodir quando sentiu os espasmos
sacudiram-lhe o corpo. Jamais se sentira tão completo, tão unido a uma mulher.
Naquele momento os dois corpos tornavam-se apenas um.
Foi a doce fragrância de rosas que finalmente despertou Gregory de seu
torpor de felicidade. Ele estava com o rosto entre os seios exuberantes de Brenda.
Lentamente ergueu a cabeça e apoiou-se nos braços. Ela estava tão imóvel, tão
quieta que ele podia-se perceber sua respiração.
— Você está bem? — indagou Gregory, afastando-lhe uma mecha de cabelo
da fronte. — Eu a machuquei?
Brenda refletiu sobre a pergunta. Machucada? Não, não sentia nenhuma dor.
Aquela experiência fora enlouquecedora. E, embora quisesse aliviar a preocupação
que via no rosto de Gregory, não conseguia emitir nenhum som. Ele se movia, falava,
pensava, enquanto ela só era capaz de sentir.
— Brenda! Fale comigo! — disse Gregory, sacudindo-a pelos -ombros. — Há
algo errado?
O gesto vigoroso de Gregory arrancou-a do transe. Logo ela conseguiu
articular algumas palavras e até mover-se.
— Não há nada errado — garantiu, num tom histérico que não pôde evitar.
Afinal, estava quase em pânico.
— Ainda bem! — exclamou Gregory, aliviado. — Por um instante, pensei que
havia machucado você.

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— Eu estou bem — mentiu Brenda, cobrindo os seios com o lençol enquanto
apoiava as costas na cabeceira da cama. Instintivamente ela o abraçou. E, sem
conseguir pensar em algo mais brilhante para dizer, confessou: — Eu... Eu estou tão
cansada! Mal posso manter os olhos abertos.
Erguendo-se um pouco, Gregory sorriu, como se ela tivesse acabado de fazer-
lhe um grande elogio.
— Então, durma, querida. Feche os olhos e sonhe com o que acabamos de
partilhar. Temos todo o tempo do mundo para rir, conversar e estarmos juntos.
Brenda sorriu diante daquela perspectiva. Mas nem por isso deixou de pensar:
Por quanto tempo? Até quando duraria aquele idílio? Procurou afastar o pensamento
sombrio.
— Ah, é tão bom ouvir isso.
— Claro, porque não quero apenas fazer amor com você. Vou levá-la ao teatro
no centro da cidade, quero que conheça meus amigos. Quero ficar em casa com você
assistindo televisão, quero vê-la na volta do trabalho e nos fins de semana, quando
levaremos Whiskey para passear. Você pode suportar isso?
Brenda o abraçou e correu a mão por suas costas nuas.
— Sabe que sim.
— E isso é apenas o começo. — Ele a beijou outra vez, um beijo leve, mas que
a arrepiou. — Porque também vou querer fazer amor com você, muitas e muitas
vezes. — Forçou-a a deitar-se de costas na cama e a beijou apaixonadamente. —
Começando agora — murmurou.
Mais tarde, eles deixaram a cama, vestiram-se e prepararam um lanche leve,
trabalhando juntos na pequena cozinha.
— Você disse que sou prendada — comentou ela, rindo. — Você também é.
— Devo isso a anos de vida solitária, embora na fazenda eu nada possa fazer.
Preciso providenciar uma boa reforma para deixá-la em ordem.
— Eu poderia ajudá-lo — Brenda ofereceu.
— Prometo não pintar de branco. — Gregory riu. — Por falar nisso, tenho
problemas domésticos mais urgentes a resolver. Porque, a não ser que você pretenda
me expulsar daqui no meio da noite, precisarei de uma camisa limpa para usar pela
manhã. Brenda se aproximou.
— Não, não pretendo expulsá-lo daqui. — Seus olhos verdes cintilavam
quando ela começou a desabotoar-lhe a camisa. — Para que servem as máquinas de
lavar roupas? — sussurrou, enquanto deslizava as mãos pelo peito forte, recém-
despido.
Gregory a abraçou, os olhos calorosos.

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— Você é tão prática! — disse ele num tom rouco, as mãos estudando
provocativamente as curvas do seu corpo. — Venha. Venha me mostrar o quanto
você é eficiente.
Nenhum dos dois poderia afirmar com certeza que horas eram quando
finalmente adormeceram.
Na manhã seguinte, os dois sentiam-se felizes como noivos em plena lua-de-
mel. Gregory foi o primeiro a acordar. Preferiu não acordá-la, seguindo direto para o
banheiro. Mas o ruído de água no chuveiro fez Brenda despertar.
— Bom-dia — disse ela à porta do banheiro.
— Bom-dia, querida.
Gregory sorriu ao abrir-lhe a porta do boxe.
— Venha — convidou.
O banheiro era pequeno, e o boxe do chuveiro, minúsculo. Mesmo assim,
Brenda aceitou o convite.
— Deus do céu! — ouviu-o dizer, ao vê-la totalmente nua. Puxando-a para
baixo da água morna, Gregory deixou-a sentir o calor do membro viril de encontro a
suas coxas. Em resposta, ela o abraçou pelo pescoço e procurou-lhe a boca. As mãos
dele não tardaram a soltar o elástico que prendia os cabelos de Brenda, e os fios
castanhos avermelhados espalharam-se sensualmente por seus ombros.
— Você é tão linda! — ele exclamou emocionado, mordiscando a pele de seu
pescoço, numa carícia deliciosa.
Quando ela pegou o sabonete e começou a ensaboar-lhe o corpo, não
agüentou mais. Jogou longe a esponja, desligou o chuveiro e saiu do boxe,
carregando-a para o quarto.
— Não vamos molhar os lençóis? — Brenda protestou, quando seu corpo
molhado já tocava o tecido macio.
— Na certa — admitiu ele, abaixando o corpo sobre o dela.
— Você se importa?
Brenda não respondeu. Não podia. Estava ocupada demais correspondendo às
exigências febris da boca de Gregory. Como era gostoso sentir-lhe o corpo quente
pressionando o seu, sem nada entre eles para diminuir a sensação de pele contra
pele! Enroscando-se nas pernas dele, acariciou-lhe o pescoço e os ombros, deliciada
com a habilidade que tinha em despertar-lhe as emoções mais profundas. Deixou
escapar um gemido de prazer ao senti-lo mover-se sensualmente sobre ela e passar
os lábios por seu umbigo.
Em poucos minutos, haviam atingido uma excitação tão grande que giravam
loucamente no espaço, após terem atingido o clímax.

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Pouco depois, enquanto secava os cabelos diante do espelho, Brenda
observava Gregory, seu amante sensual e maravilhoso, vestindo-se para o trabalho,
transformando-se no sóbrio diretor da BioTech. Ele se aproximou dela enquanto dava
o nó na gravata.
— Eu gostaria de ficar aqui o dia inteiro, pode acreditar — disse ele.
E, de repente, ela lembrou.
— Você não me contou o que o prendeu até tarde ontem no escritório.
Gregory rapidamente apanhou a pasta e o paletó.
— Devo agradecer por ter acontecido à tarde passada e não antes.
— Afinal, o que houve de tão importante? — Algo no tom de voz dele a fizera
soltar a escova de cabelo e voltar-se.
— Johnny Fletcher, seu ex-chefe, pediu demissão.
— Pediu demissão?
— Justamente agora que estamos fechando um grande contrato de
publicidade. Não sei onde encontrar alguém para substituí-lo às pressas.
— Mas...
— Você seria a candidata mais óbvia, é claro, se ele tivesse pedido demissão
antes de tudo ter mudado entre nós. Devemos agradecer por isso.
— Mas afinal, o que mudou? — Sua voz soou pouco firme, porém Gregory
não pareceu ter notado.
— Você já tem um novo emprego, bem melhor por sinal. De qualquer modo,
agora que estamos juntos, não dá para eu considerá-la como candidata ao cargo.
— Nem se eu quiser ser? — A intensidade de seu tom de voz surpreendeu até
ela mesma.
— Isso não seria apropriado. Brenda levantou-se e o encarou.
— Apropriado? Não posso acreditar que você tenha dito isso! Minha carreira
profissional está em jogo, e você usa uma palavra como "apropriado"?
Os olhos dele escureceram.
— Sim, porque apropriado é a palavra certa. A BioTech não é uma empresa
tão grande e as fofocas se espalham feito fogo. O que você acha que as pessoas
iriam dizer se eu a readmitisse nas atuais circunstâncias?
—Não dou a menor importância ao que elas diriam.
— Pois eu dou. Tenho de ser imparcial. E preciso ser visto como imparcial.
— Quer dizer que se envergonha de mim?
— Não seja ridícula! Quero mostrá-la a todos! Mas a quero nos braços, não na

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empresa.
— É uma atitude antiga e machista! O que importa o que os outros vão falar?
Eu sou a pessoa mais indicada para aquela função, e você sabe disso!
O rosto de Gregory estava impassível.
— Você já tem um emprego, Brenda, seja sensata.
— O trabalho na BioTech é o único que eu quero! Eu já disse isso, mas você
parece não me ouvir.
— Eu ouvi, mas não entendi. Você nunca foi capaz de me dar uma só razão
para isso.
Eles se fitavam como dois tigres prestes a lutar. Foi Brenda quem primeiro
desviou os olhos. Gregory tinha a honestidade em alta conta. Entretanto, durante
todo aquele tempo ela escondera dele um fato importante.
Como poderia agora revelar-lhe a verdade e ver a mudança em seus olhos ao
fitá-la?
— Porque não pude fazer isso — insistiu ela.
— Não existe uma razão?
— Não se trata disso!
— Bem, se não pode me dar uma razão, não poderei dar-lhe o emprego de
volta.
— Você tem de fazer isso! — gritou ela.
— Eu não tenho de fazer coisa nenhuma.
— Nem mesmo se for a melhor para a BioTech? Isso seria muito imparcial, não
é? Na verdade, precisa ser uma decisão parcial, feita apenas para agradar Gregory
Ryan!
Ele deu um passo adiante. Apertou forte ao segurar-lhe o braço.
— Não posso acreditar que estejamos brigando por causa disso. Eu a avisei
que não gosto de misturar negócios com mulheres e vou lhe dizer por quê. Aprendi
essa lição da maneira mais dura que um homem suportaria aprender! E porque
prometi a mim mesmo jamais repetir o erro. — Os olhos dele não apresentavam um
só vestígio de suavidade. — E eu nunca volto atrás numa promessa.
— Você não se importa comigo! Pensa apenas em si mesmo! Por um
momento ele a fitou. Um músculo contraindo-se em suas mandíbulas.
— Então, é o que pensa de mim?
— É o que eu sei! Ele praguejou.
— Quer me deixar terminar? Você pode ter seu trabalho de volta! Pode
começar no lugar de Johnny Fletcher imediatamente. Mas, se fizer isso, nada mais

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haverá entre nós. Terminamos antes mesmo de começarmos, e a partir deste
momento. — Ele estava ofegante, como se tivesse corrido uma maratona.
— A escolha é sua, Brenda: seu emprego na BioTech ou eu, porque você não
pode e jamais poderá ter a ambos.

CAPÍTULO X

Desde o início Brenha suspeitara que seria duro trabalhar com Gregory. Mas
jamais imaginara que a tarefa fosse tão difícil.
Ele a deixara tão furiosa ao sair do chalé naquela manhã, que ela esperara não
ser perturbada em seu retorno à BioTech.
Porém, na primeira manhã, enquanto Brenha acomodava-se em sua nova sala,
ele apareceu na soleira da porta.
— Bem-vinda, Sra. Easton. Presumo que ainda esteja usando seu nome de
casada, embora não seja muito... Apropriado.
Ele entrou na sala e fechou a porta, deixando do lado de fora a secretária que
o fitava com curiosidade e evidente interesse.
— Você precisa ser tão formal? — indagou Brenha.

Ela não voltara a vê-lo desde aquela fatídica manhã, embora seu carro
passasse todos os dias na frente de sua casa. Agora, a presença dele na sala era mais
do que inquietante.
Apesar de zangada, tinha ímpetos de atirar-se naqueles braços. Podia sentir-
lhe o olhar no corpo, as vibrações na pele arrastando-a para ele.
— O que esperava que eu dissesse? — indagou ele com frieza. — Que não
consigo tirar da mente sua imagem deitada nua na frente da lareira com apenas o
fogo a iluminá-la? Que quando fizemos amor, eu finalmente descobri que era
verdade o que dizem sobre a terra girar...
— Pare com isso!
— Você reclamou de formalidade... O que me pareceu a melhor proteção
contra lembranças dolorosas, a mesma proteção que lhe proporciona seu nome de
casada.
— Você não usa a formalidade como proteção e sim para me provocar!
Ninguém aqui se trata por senhor e senhora! Por que não me chama apenas de
Brenha?
— Porque isso machuca. Traz à tona a lembrança de como eram as coisas
entre nós, de como poderiam ter sido se você não pusesse sua carreira antes de

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qualquer outra coisa.
— Como se você não fizesse exatamente o mesmo! — Brenha replicou num
tom alto. Ele não fora o único a perder. Sem ele, sua vida se tornara vazia e sem razão
de ser. — Gregory Ryan você está apenas com o orgulho ferido. Você pretendia que
eu o colocasse em primeiro lugar na minha lista de prioridades e esquecesse todo o
resto. Por que eu faria isso? Eu tinha outros planos, mesmo antes de conhecê-lo.
Devia desistir deles só por causa de um breve caso amoroso?
— E parece que foi mesmo — Gregory lançou-lhe um olhar frio.
— Nós não somos mais adolescentes, Gregory. Ambos passamos pela
experiência de um casamento desastroso, e sabemos, como ninguém, que nada é
para sempre.
— Sobretudo quando existem carreiras preciosas para preservar — disse ele,
com sarcasmo.
Seus olhares se encontraram. Apesar de furiosa, Brenha manteve-se calma.
— Exatamente — retrucou num tom gélido. E a conversa terminou ali.
Esse homem ia ver! Brenha faria uma carreira tão brilhante, que ele seria
forçado a engolir o orgulho e reconhecer seu talento.
Uma semana depois, Gregory chamou-a a sua sala. Ela caminhou lentamente
sobre o carpete até a mesa dele, determinada a disfarçar o quanto lhe doía revê-lo.
Os olhos cinzentos percorreram-lhe a figura, antes de começar a falar.
— Aqui estão meus planos para o trabalho de publicidade. A discussão de
orçamento para o próximo ano será às três horas. Por favor, certifique-se de que seu
departamento aprontou os documentos que pedi.
— Isso já foi feito. Sua secretária recebeu a papelada pela manhã.
Você quer ver o material?
Gregory chamou a secretária pelo interfone. A moça entrou na sala, apressada,
levando algumas pastas, que colocou sobre a mesa antes de dizer:
— Sr. Ryan? Estou com Amanda Trescott na linha. Quer saber se pretende
jantar em casa esta noite. Em caso afirmativo, ela disse que preparará alguma coisa.
— Amanda? — Ele não levantou a cabeça dos papéis, e parecia ter esquecido
da presença de Brenha. — Diga-lhe para não se preocupar. Não sei a que horas
chegarei, mas não deverá ser cedo.
Brenha retornou a sua sala furiosa. Mal respondeu a uma pergunta da
secretária e dispensou alguns visitantes. Amanda! Não demorara muito para Gregory
esquecê-la!
Bem, isso servia para lhe mostrar que fizera a escolha certa. Supondo que
tivesse desprezado aquela chance na BioTech apenas por causa do que sentia por

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Gregory, agora ele estaria com outra, e ela sem emprego e sozinha!
Menos mau que, no trabalho, poderia conseguir algumas vitórias, o que
amenizaria o doloroso vazio que sentia no íntimo. Além disso, talvez recuperasse
logo o equilíbrio emocional, uma vez que retomara a trajetória em direção a sua
meta.
Gregory, por sua vez, parecia estar concretizando o objetivo dele rapidamente:
posicionar a BioTech entre as primeiras em seu campo de atividades. Para isso
necessitava obter o quanto antes uma boa publicidade. Como conseqüência devia
dar entrevistas a jornais e rádios, trabalhar com programadores de documentários da
televisão e viajar através do país para organizar conferências e seminários.
Esse conjunto de atividades devia ser um dos motivos que haviam levado
Johnny Fletcher a demitir-se. Na certa, Gregory o pressionara a adotar uma posição
mais agressiva, porém, preguiçoso e incompetente como era, ele resolvera dar o fora.
Outra versão da história, relatada a Brenha por alguns de seus colegas, deixou-
lhe na boca o gosto amargo da suspeita: Gregory teria ouvido rumores de que
haveria complicações na área de publicidade. Seria por isso que ele a procurara de
modo tão audacioso naquela primeira noite? Naquela única noite? Existiria algo por
trás de toda aquela paixão em que tão ardentemente desejara acreditar?
Brenha sempre temera ser usada em manobras para garantir o sucesso alheio.
Mesmo que tivesse sido utilizada por Gregory, o resultado também lhe era
compensador. Pelo menos era isso que esperava para o futuro próximo.
Felizmente, com a agenda apertada, tinham se tornado raras suas idas à
empresa. Como ele passava a maior parte do tempo em reuniões e viagens,
entrevistas e em palestras, raramente o via. A comunicação entre os dois reduzira-se
a memorandos e mensagens rápidas trocadas através de secretárias.
Mas, numa certa quinta-feira, ao retornar de uma viagem a Birmingham, após
o fim do expediente na empresa, ela o encontrou em sua sala.
— Gregory! — exclamou ela, surpresa.
— Vim deixar-lhe um recado. Ouvi o programa de rádio que você fez a noite
passada. Foi esplêndido.
— Muito obrigada — Brenha corou diante do elogio inesperado.
Ela deixou a pasta sobre a mesa e correu as mãos pelos lados da saia. Gregory
a observava, e de imediato a lembrança da primeira entrevista deles o assaltou.
— Estive ausente durante uma semana e vim aqui para pegar a
correspondência — explicou ela, desviando os olhos. — Mas eu deveria ter ido direto
para casa.
Sem nada dizer, Gregory estendeu-lhe um pedaço de papel com uma
mensagem.

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— Ainda está zangado comigo?
— Claro que estou. Acha que é fácil ser rejeitado por causa de um emprego? A
situação continua sendo desagradável para nós dois.
— Por quê? Não existe nada entre nós.
— Isso também poderia ser um problema.
— Então, peça a Amanda para ajudá-lo a resolver.
— Amanda? — Ele franziu o cenho.
— Sim, Amanda! A mulher que está hospedada em sua casa.
— Ah, sim — Gregory colocou as mãos nos bolsos. — Realmente, ela está na
fazenda. Talvez eu deva apresentá-las. Vocês têm muito em comum.
— Não tenho o menor interesse em conhecer s«a... — Brenha imaginava
exatamente o que elas poderiam ter em comum, essa suspeita foi insuportável.
— Minha o quê? — indagou ele, com frieza.
— Chega por hoje. Vou para casa! Estou cansada e com fome, e esse tipo de
conversa é a última coisa que preciso nessa noite de quinta-feira. Especialmente após
a semana que tive.
— O sucesso sempre cobra alto. Espero que você conclua que o preço que
pagou foi bem merecido.
— Eu poderia dizer-lhe o mesmo. Mas é claro que você nada pagou, certo?
Parece-me que agora você não está mais tão destituído de conforto doméstico.
— É isso o que você acha? — perguntou ele, num tom ainda mais frio.
— É como está me parecendo.
— Então você jamais saberá o quanto está enganada — disse bruscamente, e
se voltou para deixar a sala.
Ao chegar em casa, pouco depois, enquanto remexia na bolsa à procura da
chave da porta de casa, Whiskey surgiu a seus pés, parecendo estar feliz com sua
presença. Gentilmente, Brenha o acariciou.
— Onde está seu dono, Whiskey? — Antes de entrar em casa, Brenha olhou
em torno, para a escuridão da noite.
— Onde ele sempre está; ainda no escritório. Pobre cão! Se não fosse eu, teria
ficado o dia todo trancado cm casa.
Era uma voz de mulher, forte e calorosa. Brenha voltou-se naquela direção e
encontrou uma loira atraente, vestindo calça preta e jaqueta azul.
Ela sabia que seu cenho franzido não era uma resposta justa para uma
saudação tão amigável, mas isso não pareceu afetar a outra mulher.

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— Sou Amanda Prescott, amiga de Gregory. Você deve ser Brenha Easton.
— Olá — disse Brenha, relutante em apertar a mão que a loira estendia.
— Greg me falou sobre você.
— Foi mesmo?
Amanda riu de seu tom, e rapidamente acrescentou:
— Mas não muito; apenas que você trabalha na BioTech.
Não deve ser interessante para vocês viverem tão próximos, e lembrarem do
trabalho a cada vez que esbarrarem um no outro.
— Você tem razão.
Seu tom frio pareceu surpreender a loira.
— Desculpe. Estou prendendo-a aqui fora quando você deve estar cansada e
morrendo de vontade de entrar. Esse é o problema de se trabalhar sozinha o dia
todo. À tarde, a pessoa é capaz de puxar conversa até com o pé da mesa.
— Estou certa de que Gregory logo estará em casa. Então, você terá
companhia. — Brenha forçou um sorriso que por azar saiu artificial.
— Ultimamente ele tem trabalhado como um escravo! Não sei se é o trabalho
ou o tempo, ou qualquer outra coisa, mas o conheço há anos e nunca o vi tão
desanimado, tão silencioso. Se ele não fosse o meu melhor amigo, eu provavelmente
o aconselharia a mandar esse trabalho para os diabos. Afinal de contas, ele não
precisa disso. Vim para ajudá-lo, mas sinto uma saudade louca das crianças.
— Crianças? — Brenha repetiu. — Sinto muito, não estou entendendo...
— Meus filhos — Amanda riu. — Greg não lhe contou? Desenho cozinhas, e
trabalho em sociedade com meu marido. "Concepção de Cozinhas" é o nome da
nossa empresa. Somos bastante conhecidos.
— Já ouvi falar.
— Bem, quando Greg finalmente resolveu fazer algo por aquele adorável
monte de ruínas, ligou-me e me trouxe até aqui para trocarmos algumas idéias e
iniciar alguns arranjos. — A loira fez uma pausa. — Já estou trabalhando no projeto.
O único problema é que Greg perdeu o entusiasmo de um momento para o outro.
Dificilmente consigo um palpite dele. Responde as minhas perguntas me pedindo
que eu mesma resolva. — Amanda fez uma careta. — Trabalhar assim é
desesperador.
Brenha lembrou-se do que dissera a Gregory sobre Amanda e concluiu que
cometera uma grande injustiça.
— O que você supõe que está acontecendo com ele? — indagou num tom
rouco.
Amanda riu.

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— Se ele fosse outra pessoa, eu diria que está sofrendo de paixão recolhida.
Não deve ser o caso de Greg. Depois do que Maria lhe fez, ele jamais se permitiu
aproximar-se de qualquer mulher, emocionalmente, é claro.
E ninguém poderia culpá-lo. Ele já teve a sua parcela de dor. — Ela suspirou.
— Tomara que sejam apenas pressões do trabalho. Ele come, dorme e sonha
com aquela bendita empresa.
Amanda fez uma pausa e bateu na perna com um galho seco que apanhara da
trepadeira ao lado.
— É claro que se for uma mulher — continuou ela, os olhos fixos no rosto de
Brenha —, não posso dizer o que faria com ela por deixá-lo na angústia em que está.
Greg não merece sofrer.
Brenha viu-se obrigada a desviar os olhos.
— Mas você é amiga dele, por que não lhe pergunta o que está havendo?
A expressão no rosto de Amanda suavizou, então, ela riu.
— Eu pensei... Bem, não importa. Se você está me perguntando isso é porque
não o conhece direito. Greg é muito fechado, inclusive com seus velhos amigos. De
qualquer modo, ele é apenas seu chefe, por que você se interessaria pelo assunto?
Lamento ter tomado seu o tempo até agora com minha tagarelice. Boa-noite.
Brenha fechou a porta e recostou-se à parede, a cabeça girando num
verdadeiro turbilhão. A loira falara num tom inocente e descontraído. Entretanto,
seus comentários tinham sido significativos. Será que Amanda suspeitava do que
acontecera entre ela e Gregory?
Mas como poderia saber? Não por Gregory. Amanda presumira que os dois
fossem amigos, a julgar pela maneira como Brenha saudara Whiskey. E sabendo que
os dois trabalhavam juntos e moravam nas proximidades um do outro, a considerara
tão preocupada com o bem-estar do amigo, quanto a própria Amanda estava.
Puro engano, na parte que tocava a Brenha. Tudo acabara definitivamente
entre os dois, por causa da total insensibilidade de Gregory, por sua recusa cega em
reconhecer o que o trabalho na BioTech significava para ela.
E significava tudo. Ela dava o melhor de si mesma na empresa, e era uma
questão de tempo até que o reconhecimento de seu sucesso partisse da única
pessoa que lhe importava no mundo. O homem ao qual todo o seu esforço no
trabalho era dirigido, todos os seus talentos apontados. O homem que, fossem quais
fossem seus outros defeitos e imperfeições, era escrupulosamente cauteloso em dar
crédito, mesmo onde o crédito era merecido, por mais que fosse merecido.
Se o triunfo estava próximo, por que Brenha devia se preocupar com Gregory?
Por que deveria se importar se seu orgulho arrogante fora tão ferido pela rejeição,
quando ele não conseguia ser civilizado nem com os com seus velhos amigos?

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Gregory não significava nada para ela. Expulsara-o do coração. E se ele
continuava a perturbar-lhe os pensamentos, era porque fora tola o suficiente para
cometer o mesmo erro que cometera no passado: confundir atração física com amor.
Brenha tirou os sapatos e massageou os pés. Estava cansada demais para
pensar com clareza, rever Gregory de modo tão inesperado, e a conversa estranha
com Amanda, haviam-na aturdido mais do que esperava.
Uma idéia não lhe saía da cabeça: o sofrimento de Gregory. Seria possível que
sentisse por ela mais do que atração física? E o que Amanda quisera dizer ao afirmar
que ele já tivera sua parcela de dor? Quem o fizera sofrer? E por quê? Bem, a verdade
era que Brenha estivera sempre tão ligada consigo mesma, e com os próprios
problemas, que jamais se importara em descobrir alguma coisa sobre ele.
Talvez isso tivesse acontecido porque Gregory sempre lhe parecera auto-
suficiente, um homem que vivia no presente, decidido, aberto e confiante.
Jamais o julgara um homem sofrido, e sim alguém que, como ela, tinha sido
forte o suficiente para superar a dor e não permitir que o passado o perseguisse e
atrapalhasse seus planos para o futuro.
Angustiada, de repente Brenha sentiu-se pequena e solitária, envergonhada
com o próprio egoísmo. Assim, sem ao menos se lembrar de comer alguma coisa, foi
para o quarto e se enfiou na cama.
Na solidão da noite, os pensamentos sombrios continuaram a atormentá-la.
Pensava em Gregory, lembrava como ele a excitara e fizera amor com ela, como a
mantivera abraçada durante toda a noite, fazendo-a sentir-se protegida, amada e
realizada como nunca estivera em toda a vida.
Até, claro, que a dura revelação chegara junto com a resplandecente manhã.

CAPÍTULO XI

Os acontecimentos se precipitaram nos dias que se seguiram. Para início de


conversa, Brenda recebera o prêmio pelo qual tanto se esforçara, na forma de um
envelope branco marcado "PESSOAL". A exclamação de triunfo que deixou escapar
ao abri-lo fez com que a secretária corresse até sua sala para ver o que estava
acontecendo.
— Eu estou bem — Brenda assegurou à garota. — Recebi boas notícias.
Embora fosse um exagero chamar aquilo de "notícia", ela disse a si mesma,
olhando outra vez para as poucas linhas escritas na sóbria caligrafia de seu pai:
"Você está fazendo um excelente trabalho. Estou orgulhoso da minha filha.
Reconheço ter me enganado."
Vindo de qualquer outra pessoa, esse singelo pedido de desculpas não teria a

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maior importância. Mas se tratava de algo gigantesco para o pai de Brenda, cuja
fama era jamais se desculpar com nada ou com ninguém.
Entretanto, apesar de tê-la feito feliz, a mensagem não a deixara exultante,
como ela sonhara durante todos aqueles anos. Ao contrário, sentia-se estranhamente
vazia ao voltar a atenção para o restante da correspondência da manhã.
Então Gregory mandou chamá-la.
— Soube que você conheceu Amanda na noite passada — começou ele.
Brenda fitou-o com surpresa.
— Ela estava atrás de Whiskey, que havia entrado no jardim lá de casa.
Seguiu-se um silencio constrangido, então, ela disse:
— Andei fazendo suposições erradas e devo-lhe desculpas.
— Também acho. Amanda é uma velha amiga. Você não poderia estar mais
enganada. De qualquer modo, como deixei claro, mulheres casadas não fazem meu
gênero.
— Foi para falar sobre isso que você me chamou?
— Não. Tenho coisas mais importantes em mente. Você viu isto? — Ele
estendeu-lhe um cartão.
Brenda negou com um gesto de cabeça.
— É um convite para a festa de premiação da Fundação Britânica de Pesquisas
Medicinais, em Cambridge, na próxima semana.
— Algum problema? Você sabe que precisa aceitar.
— O convite é endereçado a nós dois — Gregory a interrompeu.
— Não sei ao certo por que fazem questão da sua presença. Provavelmente
porque você escreveu aquele artigo para o jornal.
Seus olhos se encontraram.
— Não sou obrigada a ir — protestou ela.
— Recusar o convite seria uma grosseria.
Brenda suspirou. Ela sabia o que o convite significava; um dia inteiro e uma
noite junto a Gregory, em estreita proximidade.
— Receio já ter compromisso para essa noite — murmurou ela.
— Então, cancele.
— O que acontece se eu não cancelar?
— Terá de fazer isso. Parece que você não entendeu. Isso não é um pedido, é
uma ordem.

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Ele observou-lhe a expressão revoltada e se levantou, apoiando-se à mesa
com as mãos fechadas.
— A julgar pelo seu olhar, ocorreu-lhe que eu esteja insistindo em que
compareça à festa só para que saia comigo. Se for isso, enganou-se novamente. E
digo mais: se eu tivesse mudado de idéia quanto a envolvimentos com funcionárias,
seu nome provavelmente seria o último que me ocorreria!
— Gregory deu-lhe as costas, passando a mão pelos cabelos, num gesto
nervoso. De repente, se voltou. — Você sabe como ninguém provocar minha fúria!
Depois dessa explosão, ambos permaneceram durante um momento em tenso
silêncio. Ele parecia mais controlado, embora ainda estivesse ofegante.
— Não deve ser nenhuma surpresa o fato de você ser a última pessoa no
mundo com quem eu desejaria fazer uma viagem de negócios.

Aconteceu de seu nome constar do convite, e, desde que essa premiação é o


evento mais prestigiado do país na área medicinal, teremos de esquecer nossos
problemas pessoais e agir como se fôssemos bons amigos, isso pelo bem da BioTech.
— Ele ergueu a voz para concluir: — Fui claro?
— Perfeitamente — disse Brenda, com frieza. — Mas não precisa gritar.
— Não estou gritando. Será que devo lembrá-la que há poucas semanas você
estava ansiosa por colocar a BioTech em primeiro lugar na sua vida. Ou será que
aconteceu algo para mudar de forma tão repentina essa sua estranha, porém
admirável lealdade para com a empresa?
Acontecera sim. Ela finalmente obtivera o tão sonhado prêmio, através
daquele pequeno e insuficiente pedaço de papel branco. Agora poderia partir
impunemente e aceitar um novo trabalho. E Gregory poderia levá-la para a cama.
— É claro que não. — O rumo de seus pensamentos a aterrorizou.
Afinal de contas, Brenda não descobrira que tipo de homem ele era? Amava-o
com todo o seu orgulho, teimosia e paixão, enquanto Gregory, por mais que a
desejasse para viverem um tórrido caso de amor, preocupava-se tão pouco com ela
como pessoa, que de modo consciente tiraria dela a única coisa que realmente lhe
importava na vida. Nessas circunstâncias, como poderia pensar em reatar seu caso
com ele?
— Então, você entendeu que precisa estar lá?
— Perfeitamente — ela disse com calma.
— Ótimo. Pelo menos concordamos cm algo.
Mas não muito, Brenda refletiu desconsolada. Viajarem juntos seria como

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empurrá-los para uma intimidade dolorosa, que apenas provocaria atritos, rusgas e
discussões. Ainda bem que, pelo menos no carro, Gregory teria de manter aqueles
olhos cinzentos na estrada.
De vez em quando Gregory voltava a cabeça para fitá-la, mas Brenda
mantinha os olhos firmes na pista.
— Você viaja com pouca bagagem — observou ele.
— A maioria das mulheres, numa ocasião como esta, não viajaria com menos
de meia dúzia de malas.
— Sei exatamente a quantidade de roupas necessárias para uma viagem curta
como essa — explicou ela. — Cresci viajando de lá para cá.
Gregory olhou-a de soslaio.
— Não sei quase nada sobre você. 'Exceto aquilo que me contou sobre seu
casamento.
— Depende do que esteja tentando dizer. Muitas pessoas falariam que você
sabe muito. — Ela corou. Seja como for, sabe mais sobre mim do que eu sobre você.
— Eu não tenho segredos. Pergunte o que quiser que eu esclarecerei na hora.

Brenda fez menção de dizer algo, mas logo se arrependeu. Centenas de


perguntas giravam em sua mente: sobre a família desse homem, a infância, o
casamento, esperanças, os sonhos, os amores... Eram questões que precisariam de
uma vida para serem respondidas.
— Acho pura tolice querer saber sobre você no atual estágio do nosso
relacionamento.
— Pouca gente consideraria tolice conversarmos como duas pessoas
educadas. Se é para continuarmos trabalhando juntos na BioTech, teremos de
começar a nos tratar, no mínimo, cordialmente. Não podemos alimentar a raiva que
sentimos um pelo outro para sempre.
— Talvez não seja assim.
— Está sugerindo que não tem raiva de mim? Deve ser brincadeira!
— Não é isso... Apenas não sei se continuarei trabalhando para a BioTech.
— Percebeu-lhe o olhar indagador enquanto prosseguia: — Talvez você
estivesse certo e eu errada. Foi um erro.
— Eu imaginava que seu emprego na BioTech era o único no mundo que a
interessava. Cheguei a pensar que você faria qualquer sacrifício por ele.
— As coisas mudam.

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— Brenda, se é por causa de nós dois. — Ele estendeu a mão e apertou-lhe o
pulso. Brenda fugiu ao contato com um gesto brusco. O carro balançou antes que ele
rapidamente endireitasse o volante.
— Não é por nossa causa! Isso não existe! — ela declarou num tom repleto de
fúria. — Você realmente acredita que eu me envolveria com um homem que se
importa tão pouco comigo, com minhas esperanças e ambições, que estava
preparado para atirar tudo isso pela janela em benefício próprio? Talvez, agora que
obtive o que desejava da BioTech, seja hora de vender o chalé e desaparecer.
— Entendo.
— Você deveria estar feliz! Negue se puder, que me desejou fora da empresa
desde o dia em que coloquei os pés de volta naquele edifício.
— Muito antes. Eu sabia que seria um desastre.
— Você sabia que Johnny Fletcher pretendia se demitir. Por que nunca me
disse isso? — Brenda girou o corpo no assento, de modo a ficar de frente para ele. —
Não queria que eu soubesse, não foi? Porque não me queria no lugar dele, e sim
longe da empresa, em casa. E quando tornou-se óbvio que ele pretendia se demitir,
você...
Gregory manobrou o carro em direção ao acostamento e estacionou.
— Eu a queria fora da competição e a levei para a cama. É o que pensa?
— Sua risada era incrédula e sua voz, gélida._ Não foi bem assim. Eu achava
que quando você percebesse que sentia exatamente o mesmo que eu, as coisas
tomariam o rumo certo sozinhas. E o que eu sentia por você era uma paixão genuína,
uma emoção excepcionalmente sólida para fingir, pelo menos para um homem. Não
posso falar por uma mulher, é claro.
Mas, de acordo com o que eu lembro daquela noite, ninguém foi forçado a
fazer nada.
Gregory inclinou-se em sua direção e Brenda sentiu-se atraída por ele como
nunca estivera. Então, ele prosseguiu:
— Nós estávamos famintos um pelo outro, exatamente como estamos agora.
E isso sempre acontece quando estamos juntos. É por esse motivo que não
conseguimos passar cinco minutos juntos sem discutir.
— Nós não estamos famintos um pelo outro! — protestou ela. — Isso acabou.
— Acabou?
— Sim.
Gregory se aproximou dela e puxou-a para si.
— Prove o que diz. Beije-me, Brenda. — ordenou ele, pressionando o corpo
rijo contra suas curvas suaves.

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Brenda reteve o fôlego ao contato com o corpo excitado de Gregory. Seus
lábios sedutores atraíam-na como um ímã, e ela perdeu-se num beijo sedutor. Talvez
fosse uma pessoa pouco metódica, pois adaptar-se àquelas súbitas mudanças estava
além de sua capacidade. Quem estava enlouquecendo quem, afinal? Inutilmente
tentava afastá-lo, mas o peito másculo era firme como aço. Tentou manter os lábios
selados, utilizou todas as forças de que dispunha para ficar impassível. As mãos dele
em seu corpo eram exatamente como ela lembrava, e seu corpo clamou por mais.
Podia sentir os seios se intumescerem. Então, justamente quando ela deixou escapar
um gemido de prazer, ele a afastou.
Os olhar implacável a prendeu enquanto Brenda mordia os lábios vermelhos e
lutava contra si mesma para não abraçá-lo, trazendo-o de volta a seus braços.
— Nós estamos rompidos. Foi você quem disse isso com aquela história de
que negócios e mulheres não se misturam.
— E não se misturam mesmo! — Gregory retomou ao seu assento e olhou
com raiva para a paisagem invernal lá fora. — Vamos embora. Esta conversa não nos
levará a lugar nenhum.
Fazia bastante frio em Cambridge. A antiga universidade, embora belíssima,
estava lacerada pelos ventos invernais que a fustigavam sem cessar, fazendo os
papéis largados pelos estudantes atravessarem voando as passagens entre os
edifícios.
Aquele mesmo vento jogou areia nos olhos de Brenda e de Gregory, quando
eles desciam do carro diante do elegante hotel em King's Parade.
— Eles queriam nos alojar no edifício Brandon, que é a nova ala do centro de
extensão universitária. Julgavam ser o mais adequado, considerando que a
construção foi financiada por nosso querido patrão, sir Lionel. Entretanto, insisti para
ficarmos aqui. Esta cidade é minha anima mater e eu, mais do que ninguém, sei
como os alojamentos estudantis são gelados nesta época do ano
Gregory passara a tratá-la com fria polidez. Ele fechou a porta do carro e fez
um sinal ao porteiro.
Seu rosto parecia mais severo, mais fechado do que jamais estivera.
— Tudo parte de sua ininterrupta procura — acrescentou ele.
— Procura? Do que você está falando? — Brenda quis saber.
— De sir Lionel. Você não o conhece, não é? Se o conhecesse entenderia. Ele é
um empresário brilhante, mas não se contenta em ser várias vezes milionário. Ele
quer tudo, fama, fortuna e aclamação. Não gosto de estar perto dele além do tempo
necessário. Não é um homem feliz, exigente demais de si mesmo e daqueles que o
cercam. Qualquer um que não se enquadre em sua expectativa de perfeição está fora.
— Dizendo isso, você não estaria sendo desleal com quem o colocou lá no
alto? — comentou Brenda.

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— Em absoluto. Ele precisa mais de mim do que eu dele. Não existem muitas
pessoas no mundo que poderiam salvar a BioTech do naufrágio. Mas ele é uma
pessoa ótima para se trabalhar. Não se intromete nos assuntos da empresa, e está
preparado para aprovar pesquisas que somente começarão a render daqui a anos. —
Gregory abriu o porta-malas para que a bagagem fosse retirada. — Você vai poder
julgar por si mesma. Ele estará presente na festa de premiação esta noite.
Brenda teve um sobressalto.
— Isso não constava na programação — disse, batendo os dentes.
— Foi coisa de última hora. Sir Lionel jamais confirma compromissos antes de
uma semana. — Ele voltou-se e a fitou — Você está gelada. Vamos entrar.
A agitação da tarde fez com que os dois não tornassem a se ver até tomarem
assento para o jantar no salão principal da antiga universidade. Brenda viu-se
acomodada duas mesas depois da de Gregory.
Ela usava um longo de veludo negro e prendera os cabelos num coque acima
da nuca. Nas orelhas, usava gotas de diamante, presente de aniversário de sua mãe.
Ela percebia, através dos olhares de admiração que lhe lançavam, que o traje lhe caíra
bem. Entretanto, não conseguia apreciar aquilo. Sentia-se gelada e inquieta, e seu
rosto sob a maquilagem estava pálido pela fadiga.
Se Gregory notara isso, não dera a perceber. Após um rápido olhar em sua
direção, pareceu determinado a fingir que não estavam presentes no mesmo local.
Ele estava extremamente bonito em seu smoking. Era difícil acreditar que
Brenda já estivera em seus braços; e mais ainda, que eles haviam feito amor com uma
paixão tão selvagem.
Quando iniciaram as homenagens, Brenda sentia-se apreensiva. Então, o
momento chegou. O cavalheiro ao seu lado tocou-lhe o braço e fez um gesto com a
cabeça em direção à mesa principal, montada sobre um tablado para que ficasse em
nível mais alto do que as demais.
— Lá está o homem que paga seus salários — sussurrou em seu ouvido.
— Uma raríssima aparição de sir Lionel Brandon.

Brenda voltou-se educadamente naquela direção, sob a mesa, suas mãos


mantinham-se fortemente apertadas. No discurso do chefe, mencionava-se alguns
aspectos de importantes pesquisas científicas e também sobre a premiação daquela
noite. Depois, sir Lionel referiu-se à própria empresa, BioTech, e relatou sua
miraculosa reviravolta, elogiando Gregory pelo trabalho que desempenhara. O rosto
de Brenda iluminou-se. No entanto, quando Gregory a fitou foi com olhos sombrios e
impenetráveis.
— E para encerrar, uma nota pessoal. Vocês, por favor, queiram perdoar um
velho tolo e sentimental. — Sir Lionel prosseguiu, e ouviram-se murmúrios e risadas
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abafadas. Todos ali na sala sabiam que sir Lionel poderia ser muita coisa, menos tolo
e sentimental. Brenda apertou as mãos com mais força.
— Há outra pessoa aqui presente, que tem se destacado na empresa por seu
excelente desempenho. É nossa Diretora de Comunicações, sra. Brenda Easton.
Gregory Ryan contou-me que não existe outra pessoa em sua equipe que trabalhe
com mais absoluta dedicação e energia. Na verdade, ele também me disse que não
pode imaginar como seria sua vida sem ela.
Brenda lançou um olhar amargo a Gregory, cujo rosto continuava impassível.
Sir Lionel prosseguiu:
— Trata-se de uma mulher ainda bastante jovem, que possui determinação,
espírito e integridade. Ela chegou onde está pela própria perseverança, derrotando
numerosos obstáculos que encontrou ao longo do caminho. E eu posso afirmar isso.
— Ele fez uma pausa, durante a qual esquadrinhou o salão, até finalmente pousar os
olhos em Brenda. — Posso afirmar isso com toda a seriedade, porque ela é minha
filha.
Um curto burburinho tomou conta do ambiente. Dezenas de rostos voltaram-
se na direção de Brenda. Ela permaneceu sentada, sem se mover, e também sem se
atrever a olhar para Gregory, enquanto um violento rubor de prazer e embaraço
tingia-lhe o rosto pálido.
— Senhoras e senhores... — como o experiente orador que era sir Lionel fez
nova pausa esperando que a audiência se acalmasse. — Alguns anos atrás, eu e
Brenda tivemos um sério desentendimento. Ela estava para cometer, ao meu ver, o
maior erro de sua vida; e eu lhe pedi que não o cometesse. Sendo a filha teimosa de
um homem teimoso... — Ele interrompeu-se devido às risadas que mais uma vez
ecoaram pelo salão —Ela reagiu redobrando o erro. Fiquei zangado, e lavei minhas
mãos. Disse-lhe que, se desejasse tornar sua vida um desastre, então, deveria fazer
isso sozinha, sem minha ajuda. Senhoras e senhores, o tempo mostrou que eu estava
certo.
— Novo intervalo, desta vez para dar um efeito dramático às palavras.
— Porque ela finalmente enxergou seu erro. E melhor, cresceu com ele. De
acordo com o que descobri em semanas recentes, através dos anos, com extrema
perseverança, tornou sua vida profissional um sucesso. Esta noite, diante de vocês,
faço questão de reconhecer seu enorme esforço durante todo esse processo.
Quero acrescentar que, apesar do que as pessoas possam pensar, depois de
saberem da nossa relação familiar, que ela fez tudo sozinha. — Sir Lionel sorriu para
Brenda. E da maneira mais perfeita possível.
Por um momento ela correspondeu ao sorriso caloroso do pai. Depois, seu
olhar desviou-se para Gregory. Ele a encarou com uma expressão glacial antes de
levantar-se e se afastar apressado.

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Brenda correu atrás dele, segurando a barra do vestido longo.
— Gregory! Espere!
— Para quê? Para ser enganado e feito de tolo mais uma vez?
— Eu não te contei nada porque se tratava de algo pessoal do meu passado.
Ninguém na empresa sabia quem eu era. Eu queria ser bem-sucedida, mas por
méritos próprios. Gregory...
—Agarrou-o pela manga do paletó, porém ele se desvencilhou e avançou em
direção à saída. Brenda seguiu-o. — Talvez eu tenha agido mal. É que, depois de ele
ter me dito que minha vida seria um desastre, jurei mostrar-lhe o quanto estava
enganado! E concluí que faria isso através de sua própria empresa. Por esse motivo a
BioTech era tão importante para mim; por isso eu precisava recuperar meu emprego.
Você não entende? Eu tinha uma meta e precisava alcançá-la.
— Bem, você conseguiu. Só espero que o preço que pagou não tenha sido tão
alto.
— Gregory, por favor...
— O que deseja de mim? Congratulações? As que acaba de receber não foram
suficientes?
Brenda balançou a cabeça.
— Eu não sei...
— Então, deixe-me em paz. Aquele tom brusco a fez hesitar.
— Aonde você está indo?
— Lá fora. Preciso de ar.
— Está zangado?
— Acertou. Estou muito zangado!
— Mas por quê? Por que é tão importante quem eu seja ou deixe de ser?
— Para entender isso, você precisaria descobrir um pouco mais sobre mim.
Mas tenho a impressão de que apenas Brenda Easton interessa a Brenda Easton!
— Isso não é verdade!
— Eu diria que os fatos confirmam isso. Desde que a conheço, tudo o que
tenho ouvido é sobre "seu" emprego e "suas" ambições. Desconfio que nada mais
tem importância nesse pequeno melodrama que existe entre você e seu pai.
Ela fítou-o desgostosa. No primeiro momento não soube o que responder, o
desespero bloqueava seu raciocínio. Demorou algum tempo até que recuperasse a
capacidade de reagir.
— Talvez você esteja certo — ela comentou, mais calma.

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— Essa história dominou minha vida durante tantos anos que posso ter me
tornado egoísta.
Fitaram-se longamente, cada um tentando decifrar o pensamento do outro.
Uma coisa era certa: Gregory não estava com humor para aceitar suas desculpas.
— Não é melhor você voltar para junto de seu pai? — sugeriu ele, friamente.
— É tão difícil entender...
— Eu entendo perfeitamente.
— Talvez eu tenha errado em ocultar minha verdadeira identidade. Mas nada
fiz que pudesse magoar alguém. Muito pelo contrário. Ajudei você e a BioTech.
— A BioTech, talvez. Diferentemente de você, eu faço distinção entre
empresas e pessoas.
Brenda não suportou vê-lo afastar-se e mais uma vez segurou-lhe o braço.
— Eu também. Só que, no meu caso, não acredito que essas duas coisas
tenham de viver em universos separados. Foi você quem insistiu em escolher um ou
outro! Então, por que está tão zangado comigo?
Ele parou junto à porta entreaberta. O vento agitava seus cabelos.
— Você não precisaria perguntar isso se pudesse ver-se poucos minutos atrás,
sentada lá no salão. Porque você é teimosa e orgulhosa, brilhante, e maravilhosa. E
porque eu a quero, mais do que a qualquer outra mulher no mundo. E porque não
posso tê-la.
As palavras dele fizeram o sangue de Brenda correr mais rápido nas veias.
— Você pode mudar tudo isso.
— Não posso mudar o passado.
— Por quê?
— Se lhe tivesse ocorrido perguntar-me antes, eu teria esclarecido. Agora é
tarde demais.
Dito aquilo, ele desapareceu na escuridão da noite.

CAPITULO XII

Aflita, no quarto vizinho ao de Gregory, Brenda esperou-o durante um tempo


que lhe pareceu interminável. Nada acontecia. O relógio marcou meia-noite, depois
uma hora. Ninguém ficaria na rua até tão tarde numa noite fria como aquela. Gregory
estaria bem? Será que não o ouvira chegar, e ele agora dormia tranqüilamente?
Sem conseguiu suportara dúvida durante mais tempo, ela saiu do quarto e foi

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bater à porta dele.
— Posso ajudar em alguma coisa?
Brenda voltou-se assustada. Gregory aproximava-se pelo corredor. Bastou um
olhar para que percebesse que ele estivera bebendo. Seus passos eram firmes, o
olhar, tranqüilo, mas algo em seu tom de voz a alertava para ter cautela. O que
poderia esperar de um homem que se sentia tão enganado?
Gregory estendeu as mãos e pousou-as no pescoço de Brenda. Por um breve
momento, ela imaginou que seria estrangulada. Surpresa ante aquela idéia absurda,
perdeu o equilíbrio. De imediato ele a amparou nos braços fortes. Entre assustada e
embaraçada, ela soltou um leve gemido contra o peito musculoso.
— Quando uma mulher bate à porta de um homem vestida desse modo, só
pode significar uma coisa.
A audácia do comentário foi suficiente para que ela estremecesse. De um
momento para o outro, todos os seus nervos pareciam incontrolavelmente
distendidos.
— Eu estava preocupada. Não ouvi você chegar — explicou.
— Sou crescido o suficiente para poder dar umas voltas i< noite sem me
perder. Pensou que eu não fosse voltar? Que eu havia encontrado consolo nos
braços de alguma dama da noite"'
— Gregory riu com amargor. — A bem da verdade, cheguei a pensar nisso. As
opções são muitas lá fora.
— Eu nunca o vi desse jeito, Gregory! — Tentou afastar-se, porém ele a
abraçou de modo possessivo.
— O que fazia aqui? Por que batia a minha porta? — perguntou, rindo.
— Você está bêbado!
— Tomei apenas meia garrafa de uísque. Isso não embriaga ninguém. Estou
somente frustrado e furioso! E odeio esta droga de cidade!
— Você odeia esta cidade? — Brenda não poderia ficar mais surpresa. — Por
quê?
Ele a soltou e deu-lhe as costas.
— Isso não importa. Vá dormir, Brenda. Ela o agarrou pelo ombro.
— Por que odeia esta cidade, Gregory? Não quer me dizer?
— Ela ansiava por confortá-lo, abraçá-lo, suavizar qual fosse a dor que o
atormentasse.
— Para nosso próprio bem, Brenda, vá dormir. — Ele enfiava a chave na
fechadura.

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— E deixá-lo nesse estado?
— É para o nosso bem, acredite.
Se ele abrisse a porta, no instante seguinte estaria expulsando Brenda de sua
vida.
Alheia a qualquer outra consideração, ela se aproximou e o abraçou. Por um
momento ele permaneceu impassível, os braços caídos ao longo do corpo, enquanto
a observava. De repente, jogou a cabeça para trás, como se reunisse forças para
afastá-la. Porém, abraçou-a com desespero, o rosto enterrado em seus cabelos, como
um náufrago agarrando-se aos destroços do navio.
— O que é que o assusta, Gregory? Por que está agindo assim? Ele a abraçava
tão fortemente, que as palavras saíram abafadas.

De súbito, ele tomou-lhe o rosto entre as mãos e fitou-a nos olhos.


— Por sua causa, pela maneira como me enganou! Você e aquele motivo
patético e mesquinho que usou como desculpa para querer manter seu emprego na
BioTech.
— Nada parece mesquinho a uma pessoa classificada como um desastre,
especialmente quando essa acusação vem do próprio pai. Depois disso, tudo o que
se ambiciona será provar o próprio valor. Como vê, você não precisava ter me
desprezado tanto.
— Não desprezo você, Brenda. E só espero que tenha valido a pena. Você
consegue sempre me surpreender. Não contava vê-la ainda aqui esta noite. Imaginei-
a confortavelmente instalada no Rolls-Royce de seu pai a caminho de Londres.
Brenda suspirou.
— Papai não tinha muito o que me dizer quando retornei. Já havia dito tudo.
Mas não posso culpá-lo. Ninguém conseguiria reparar os eixos de toda uma vida
numa só noite.
— Que trapalhada! Eu, você, ele e. Todo o resto! — Gregory a afastou com
firmeza.
Nesse instante, ouviram passos que se aproximavam no corredor. Brenda
cruzou os braços sobre o decote da camisola transparente, tentando se proteger de
olhares indiscretos.
— É melhor entrarmos — Gregory abriu a porta e a empurrou para dentro do
quarto. Olhou para a cama e em seguida para ela. — Se eu lhe pedisse para dormir
comigo, você concordaria? — indagou, bruscamente.
— Eu não sei. — Foi uma resposta sincera. Ela ansiava por aquilo, mas
suspeitava que seria desastroso. Amando-o como amava, como ignorar a agonia de
passar a noite em seus braços sabendo que pela manhã o perderia? — O fato de

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irmos para a cama juntos não mudaria nada entre nós.
Gregory sentou-se na cama, tirou a gravata e metodicamente passou a enrolá-
la na mão. Desabotoou a camisa, deixando à mostra a pele bronzeada do peito, a
mesma pele cujo sabor ela já provara mais de uma vez.
— Realmente. Mas não se preocupe, não pretendo insistir. Ao vê-la
estremecer, e sem suspeitar do que provocara essa reação, Gregory estendeu-lhe o
paletó. Ela deliciou-se com o calor da roupa, impregnada com o cheiro dele. Então
Gregory continuou:
— Você achou que eu estava sendo apenas teimoso preferindo não misturar
negócios com mulheres, não foi? Antiquado, machista, chame do que quiser. Mas fiz
isso uma vez e o resultado foi desastroso.
Ela se aproximou lentamente de uma das poltrona e sentou-se.
— Você não quer me contar? Aconteceu quando você era estudante aqui em
Cambridge?
— Não, depois de me formar. Eu estava com vinte e quatro anos de idade, e
fui convidado a fazer parte de uma equipe de pesquisadores recém-montada. Não
vou entrar em detalhes, porque seria muito complicado. Nosso trabalho,
basicamente, era estudar as propriedades de certas plantas encontradas na floresta
amazônica, visando descobrir se alguma ofereceria tratamento para o câncer. Todos
os sinais pareciam positivos e eu me sentia feliz por fazer parte do grupo.
— E quem patrocinava tudo isso? — Brenda quis saber.
— Um milionário brasileiro, que esperava alcançar a fama tendo seu nome
ligado à cura do câncer. Parte de meu trabalho era feita no Brasil. Na minha primeira
noite naquele país, ele me convidou para um jantar em sua mansão. Tomávamos um
drinque, quando lá chegou uma das mulheres mais bonitas e interessantes que eu já
vira. — Gregory respirou fundo antes de prosseguir.
— Era filha dele. Fiquei praticamente mudo diante daquela beleza exótica. Ela
deixou claro durante o jantar que se interessava por mim.
Aquilo machucou, mas Brenda procurou disfarçar.
— Foi com essa mulher que você casou?
— Sim. Estando num país estrangeiro e completamente arrebatado por uma
bela mulher, senti-me no paraíso. Vivemos o que as pessoas chamam de um
romance-relâmpago. E fui tolo o suficiente para achar que era amor. Um mês depois,
ela voltou comigo para Cambridge, como minha esposa. — Gregory sorriu sem
alegria. — As coisas começaram a mudar quase que imediatamente. Maria ficou
fascinada pela Inglaterra e pelas coisas inglesas, em particular, por Oxford e por
Cambridge. Logo tornou-se claro que ela me usara como passaporte para chegar até
ali. Mas estava desapontada com o nosso clima sempre frio e úmido, e sentia falta da
agitada vida noturna do Rio de Janeiro. Procurava matar o tempo decorando a casa.

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Mas cada vez que um dos aposentos ficava pronto, ela voltava a se entediar. Maria
deve ter se queixado ao pai, porque logo foi nomeada secretária da equipe de
pesquisas, um trabalho para o qual não tinha o menor preparo, já que não sabia
datilografar e se considerava muito acima da função de atender telefone.
— Gregory — Brenda mal notou haver pronunciado o nome, angustiada como
estava com o sofrimento que percebia na voz dele.
— Devo ter mergulhado de cabeça no trabalho, tentando ignorar o eixo que
cometera. Por isso fui a última pessoa no grupo a perceber o que se passava. Maria
tinha casos até com meus amigos, além dos colegas de equipe.
— Como foi que você descobriu?
— Da maneira mais clássica. Certo dia, deixei o trabalho mais cedo por causa
de um resfriado. Fui para casa e a encontrei na cama com um de meus colegas de
equipe.
— Deve ter sido terrível!
— Muito pior. Ela riu na minha cara e disse que eu estava exagerando porque
aquilo nada significava. No final, entre outras coisas, me acusou de ser inglês frio e
convencional. Eu lhe disse o que pensava daquilo tudo, e ali mesmo acabei nosso
casamento. Ela partiu naquela mesma noite.
— Para o Rio de Janeiro?
— Sim, e para o papai. O pior de tudo aconteceu três dias depois, quando o
projeto de pesquisas foi cancelado pelo meu ex-sogro.
Gregory interrompeu-se por alguns instantes, depois se aproximou dela.
— Você me falou sobre o juramento que fez a si mesma. Bem, eu também fiz
alguns: exatamente três. O primeiro era que, na área profissional, jamais voltaria a
depender de alguém. Foi então que decidi desistir das pesquisas e optar pela
administração. O segundo era que nunca cometeria a tolice de confundir amor com
desejo físico.
Certamente ele levara a sério tal promessa, porque em nenhum momento
sussurrara palavras de amor ou de ternura para Brenda.
— E o terceiro? — Ela já imaginava qual seria: o juramento de jamais tornar a
se casar.
— Minha última promessa foi a de jamais misturar negócios com mulheres.
— Ele a fitou. — Você pode imaginar como um homem se sente no papel de
marido de uma esposa infiel?
— Acho que sim. Mas eu jamais faria nada parecido com você.
Ele a observou por alguns segundos.
— Talvez não, mas esse é um risco que eu prefiro não correr

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— Bem, e esta noite, todas essas más recordações retornaram' quando você
descobriu quem era meu pai.
Gregory sacudiu a cabeça.
— Vamos colocar de outro modo. A última vez em que me sentei naquele
salão, eu me sentia oprimido por uma mulher que eu tinha e não desejava. Oito anos
depois, era como se minha sorte não tivesse melhorado. Apenas houvera inversão
das coisas estava envolvido com uma mulher que eu desejava, mas não podia ter.
Brenda levantou-se de repente e o abraçou. Gregory soltou um gemido de
prazer enquanto a estreitava contra o peito. E logo seus lábios se uniram num beijo
quente e sensual.
Seria tão fácil deixar-se levar por aquele amor que a consumia...
Agora ela podia sair da BioTech, pois já obtivera o que desejava de lá.
Porem, se eles prosseguissem com aquele romance o que aconteceria depois?
Nada de amor, nada de casamento Apenas esse doce desejo, e logo a dor terrível,
quando mais tarde Gregory a abandonasse para cumprir seu destino solitário.
Eu não... Ela tentou argumentar,mas foi silenciada pelos lábios febris de
Gregory. Estremeceu ao ser tocada. Precisava desse homem. As últimas semanas
tinham sido horríveis ao mesmo tempo tão perto dele e sendo tratada como se não
existisse Gregory parecia determinado a recuperar o tempo perdido da separação.
Era todo carinho, todo ternura, beijando-a com sofreguidão, acanciando-lhe cada
centímetro do corpo adorado.

Ela o abraçou pelo pescoço e rendeu-se. Abandonou a postura passiva, ouça


por lhe mostrar o quanto sentia-se feliz por receber suas carícias. Quem sabe, ele não
descobriria seu amor algum
— Por que veio até a mim esta noite, Brenda?
— Eu não sei — sussurrou ela
— Por causa disto? - Puxando-a para a cama, Gregory deitou-se de costas, a
cabeça apoiada nos travesseiros. Brenda pousou o rosto sobre o peito forte, colocou
a perna entre as coxas musculosas, e sentiu com prazer o calor das mãos dele
acariciando-lhe as nádegas e as costas. - Por que nós colocamos fogo um no
— Acha que isso é tudo? — indagou ela.
Gregory beijou-lhe os cabelos, murmurando que ela era maravilhosa e que a
queria muito. Brenda retribuiu com um beijo no pescoço, inebriando-se com o
perfume e o sabor da pele dele. Gregory ergueu-lhe o rosto e seus lábios se
encontraram novamente num beijo suave e apaixonado.
— E o que mais poderia ser? — Os olhos cinzentos estavam sombrios, a voz
estranha, como se ele tivesse sido forçado a responder.

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Brenda experimentou um leve estremecimento. Que não saberia dizer se
provocado pelo que ouvira, ou se pelo modo como as mãos dele moviam-se em seu
corpo.
— Não é o suficiente? — ele continuou em resposta à própria pergunta. Fez
uma pausa nas carícias, como se lhe desse tempo para comentar algo. Depois
desistiu de ouvi-la.
Em questão de segundos, as roupas de Brenda estavam no chão e Gregory
beijava-lhe os seios, mordiscava cada um deles e repetia carícias de que ela se
lembrava tão bem. Suas bocas uniram-se em longos beijos sensuais, prenuncio de
uma noite marcada pelo desejo e pelo prazer.
Gregory a abraçava e sussurrava:
— Me abrace forte, Brenda, me ame...
Brenda gelou em seus braços. Ame-me, ele dissera, mas não no verdadeiro
sentido da palavra, aquele que daria significado ao desejo delirante que os consumia.
— O que foi, Brenda?
— Você disse "me ame". Mas isso nada tem a ver com amor, ambos sabemos
disso. É apenas um caso, uma paixão passageira. Exatamente o que você deseja,
embora para mim não seja o suficiente. Você é capaz de entender, Gregory?
— Seus olhos verdes estavam inundados pelas lágrimas. — Eu jamais deveria
ter me envolvido com você. Só um tolo não aprende com os próprios erros. É o que
eu serei, se permitir que volte a acontecer.

CAPITULO XIII

Brenda teria de enfrentar a realidade. Gregory não a amava. Seu desastroso


casamento com Maria deixara-lhe um legado de amargura que mantinha a vida dele
dividida em bem arranjados compartimentos, e suas emoções bem presas com
cordas de aço.
Estava tudo em ordem, concluiu, olhando em volta. Seja lá quem fosse que
tomaria seu lugar naquela sala encontraria tudo exatamente onde deveria estar.
Ela percorreu o corredor em direção ao vestiário e olhou-se no espelho de
modo crítico. Então sorriu satisfeita. Estava como sempre estivera quando trabalhava
simples e prática. Maquilagem perfeita, e os olhos verdes, brilhantes. Nada nela
demonstrava a magoa que sentia, e apenas uma leve ruga na testa denunciava a

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fragilidade de suas emoções.
Lembrando-se de Gregory, ela recostou a testa no vidro frio Algumas vezes
chegava a pensar que o odiava pelo modo como a ligara a ele. Mesmo na noite do
seu triunfo final, sua alegria transformara-se em amargor diante da cena que ele
armara no pátio escuro da Universidade de Cambridge.
Porém, muito mais forte do que o ódio era seu amor por ele por sua força,
honestidade e retidão, pela forma como entendia seus pensamentos e emoções com
apenas um olhar.
"Oh, pare com isso, pelo amor de Deus!", ela sussurrou para si mesma, e saiu
dali apressada.
Instantes depois, chegava à sala de Gregory. A vida se repetia, concluiu, ao
caminhar em direção a mesa dele, e ambos sentiam isso. A lembrança da primeira
entrevista dos dois pairava no ar.
— Como nos velhos tempos — Gregory murmurou antes de se voltar em sua
direção. Impaciente, apertou algumas teclas para limpar a tela do computador.
— Só que desta vez acontece exatamente o inverso. Estou pedindo demissão
— avisou ela.
— Por quê? — O rosto dele nada demonstrava.
— Meu pai tem outro trabalho para mim. Serei sua assistente na matriz.
— Finalmente seus sonhos se tornam realidade. Brenda suspirou.
— Não é o caso. Agora eu sei que o verdadeiro desafio era provar algo a mim
mesma, não a ele.
— Então, por que vai embora? O que deseja provar agora? O pouco que você
precisa da BioTech?
— Não estou tentando provar nada — retrucou ela. — Sei que você me quer
longe daqui, e essa pareceu-me uma boa chance de satisfazê-lo.
Gregory aproximou-se da janela.
— Como diretor da BioTech, não gostaria de vê-la fora da empresa. Afinal,
você é uma excelente diretora de publicidade, e ambos sabemos disso. Mas como
seu ex-amante, não me importo que se vá. O passado é passado, como ambos
concluímos naquela charmosa visita a Cambridge.
— A dureza do comentário a deixou sem fôlego.
— Ainda está zangado comigo porque eu não lhe disse que era filha de sir
Lionel?
— Quando descobri quem era seu pai, não fiquei exatamente feliz. Se
soubesse disso desde o início, posso assegurar que teria mantido distância de você.

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Brenda desviou os olhos. Um nó formava-se em sua garganta. Para seu horror,
sentiu os olhos úmidos. Primeiro veio uma lágrima, depois outra, que escorreram por
seu rosto. Ela as afastou com as costas da mão.
— Eu não havia dormido com ninguém mais desde Martin, e vivia
perfeitamente feliz! Casos amorosos não faziam parte de meus planos. Mas não sou
fria como você, Gregory, não consigo dividir minha vida em compartimentos. Você
diz que teria mantido distância de mim, mas acredite: eu gostaria de jamais ter
colocado meus olhos sobre você!
Gregory se mantinha impassível.
— Então, eu diria que estamos quites. Ficarei feliz em aceitar sua demissão. E
se quiser partir sem cumprir seu aviso prévio, eu entenderei. Tenho certeza de que
sobreviveremos sem você.
— Com toda certeza você sobreviverá. — Ela ergueu os olhos inundados pelas
lágrimas para o rosto de granito. — Não se preocupe. De modo algum eu me julgaria
insubstituível.
Então, ela se voltou e abandonou a sala.
De um momento para o outro seu chalé em Coltsfoot Lane pareceu-lhe uma
prisão. Brenda procurava arrumar a mudança o mais rápido possível. Não suportaria
ver o carro de Gregory passando na rua em frente sem jamais parar.
Súbito, vindo lá de fora, um ruído familiar chamou sua atenção e ela
endireitou o corpo procurando ouvir melhor. Naquele exato instante, Gregory
passava por ali, mas em vez de seguir direto para a fazenda, ele parou. Por um longo
minuto ela nada ouviu, exceto seu coração alucinado.
Em seguida, Brenda escutou batidas à porta e logo Gregory estava diante dela.
— O que veio fazer aqui? Ele passou a mão pelo cabelo.
— Quero comprar seu chalé. Sei que está a venda. Pagarei o preço exigido,
apesar de ser alto.
Gregory fez uma pausa. Uma chance para que ela reagisse? Brenda continuou
muda, os belos olhos fixos nos dele, uma pilha de roupas embaixo do braço.
— Por que você quer comprá-lo?
— Se não posso tê-la aqui, não quero ter outra pessoa. Prefiro mantê-lo
fechado a permitir que o usem como casa de fim de semana.
Brenda o fitava, sem nada entender.
— Se você não pode me ter...
— Foi exatamente isso o que eu disse.
— Quer dizer que me deseja aqui, mesmo depois de tudo o que aconteceu?
— Tê-la aqui será melhor que nada.

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Mas não tire conclusões erradas. Não estou pedindo que fique, nem sonharia
com isso. Sei que não suporta me ver nem de longe.
Era verdade. Ela mal conseguia encará-lo ali parado, tão alto e forte, tão
bonito, com aquela expressão sofrida que ela não desejava ver em seus olhos. Tinha
ímpetos de correr para ele, abraçá-lo e permanecer em seus braços pelo resto da
vida.
— Eu não suporto mais ficar aqui — disse ela.
Não tão perto dele, nem mesmo sendo sua amante. Ela desejava muito mais.
— Você já deixou isso perfeitamente claro.
— É muito sofrimento, Gregory, e não posso suportar. — Sua voz falhou, e
apesar de lutar para se recompor, as lágrimas rolaram-lhe pelo rosto. No mesmo
instante, ele estava abraçando-a fortemente, secando suas lágrimas com os lábios,
beijando-lhe o rosto, murmurando seu nome, até cobrir-lhe os lábios num beijo que
a fez soltar as roupas que levava na mão para abraçá-lo.
— Vê o que faz comigo, Brenda? Nós não terminamos, estamos apenas nos
enganando. — Ele a mudou de posição em seus braços, de modo que ficasse com as
costas ficassem contra a parede, e tomou-lhe a boca outra vez. — Não fuja de mim,
Brenda, eu não suportaria viver sem você. Não pude acreditar que tivesse ido
embora, quando desci para o café naquela manhã em Cambridge e não mais a vi.
— Eu tive de ir. Não consegui dormir um só minuto naquela noite. E quando
amanheceu, fui para a estação e parti no primeiro trem para Londres. Não agüentaria
tornar a vê-lo pela manhã.
— Por que não? Era eu quem devia estar embaraçado. Brenda balançou a
cabeça e desvencilhou-se dos braços másculos.
— Eu não estava embaraçada, estava sofrendo.
— Sofrendo? Oh, Brenda!
— Eu não podia aceitar apenas um caso passageiro com você, Gregory. Não
era o suficiente.
— E quem foi que mencionou algum tipo de caso passageiro?
— Bem, um caso duradouro, um caso formal! Não sei como você chamaria
isso. Seja lá o que for não seria suficiente.
Durante um momento, ele apenas a fitou.
Eu chamaria de um caso de amor. — A voz dele adquiriu um tom baixo.
Brenda fitou-o incrédula, sem saber se havia entendido direito.
Há noites em que não durmo pensando em você, e nas coisas que me disse.
Desde aquela viagem à Cambridge, minha vida tem sido um tormento.

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Amor. Ele dissera amor. Mas Brenda se recusava a confiar na alegria que
ameaçava desabrochar dentro de si. Afinal de contas, existia amor e amor, e como
poderia seu amor ser igual ao dela? Eles queriam coisas totalmente diferentes da
vida. Ele tentava preservar a própria independência a qualquer custo; enquanto ela só
pensava em passar o resto da vida ao seu lado.
— Você não pode ir embora. Eu preciso de você — confessou ele.
Brenda sentiu um nó se formar na garganta, mas se esforçou para manter os
olhos nos dele enquanto dizia:
— Pode ser que precise, por ora, para fazermos amor quando lhe convier. Mas
para mim isso não é suficiente.
— Nem para mim — Ele a abraçou com força. — Jamais conheci alguém como
você, Brenda. Percebi isso no primeiro instante em que nossos olhos se encontraram.
No início, julguei que não passava de uma forte atração física, mas não era.
Brenda continuou aguardando que ele prosseguisse, olhos nos olhos.
— Mesmo quando deixamos de brigar feito cão e gato, eu ainda achava que
fosse uma atração passageira. — Ele sorriu tristonho. — Um caso. Você tinha razão.
Incendiávamos um ao outro e talvez a fumaça não me deixasse enxergar meus verda-
deiros sentimento. Eu era um homem determinado a, preservar minha liberdade.
— Por causa de Maria?
— Sim, por causa dela.
Gregory abraçou Brenda e apertou-a contra o peito. Ela não resistiu. Sentia-se
confortada e protegida.
— Quando você retornou à BioTech, fiquei furioso como jamais estivera na
vida.
— Mas não tanto quanto eu! Você sabia o que aquele emprego significava
para mim, entretanto, deliberadamente, omitiu a demissão de Johnny Fletcher.
— Eu achava sua teimosia ridícula — confessou ele. — Especialmente quando
você já havia encontrado um outro emprego. Não podia imaginar por que o trabalho
na BioTech significava tanto para você, e decidi que, fosse o que fosse, não poderia
ser tão importante. Para ser sincero, cheguei a suspeitar que tudo aquilo não passava
de um subterfúgio que você usava para me castigar por se sentir atraída por mim.
Mas naquela nossa primeira noite juntos, se lhe omiti a demissão de Johnny Fletcher,
não foi proposital. No momento em que entrei no quarto, não consegui pensar em
outra coisa além de fazer amor com você. E, pela manhã, eu estava tão feliz com a
vida, que nada mais parecia importante. Não pude acreditar quando você se revoltou
daquele jeito.
— Era você que insistia naquela escolha ridícula!
Por um instante, a fúria ameaçou explodir entre os dois, porém, Gregory

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consertou tudo com um sorriso.
— Nós somos dois teimosos. Se você soubesse que tormento era estar no
mesmo edifício, dia após dia, e não poder falar-lhe, tocá-la, abraçá-la...
— Amanda me disse que você estava de péssimo humor — concordou ela.
— Pobre Amanda. Foi embora zangada, dizendo que se recusava a ficar
andando de um lado para o outro, tentando fazer um trabalho para alguém cuja
cabeça parecia estar em outro planeta.
— Acho que ela sabia por quê. Para ser franca, tive uma forte suspeita de que
ela foi até o chalé naquela noite para me repreender. Pareceu-me muito preocupada
com você.
— Espero que me desculpe, se ela a fez passar por maus momentos.
— Eu mereci, mas receio não ter sido muito gentil com ela. Aquele não tinha
sido um de meus melhores dias.
Um pouco mais tranqüilo, Gregory perguntou:
— E se seu pai não a tivesse chamado para trabalhar com ele, você
permaneceria na BioTech?
— Não, não creio que conseguisse. Eu estava tão mal que nem pensar direito
conseguia.
— Você não pode me deixar, Brenda, não agora que descobri o quanto te
amo.
— Não posso ficar, entende?
— Você não me quer?
— Não quero ter um caso com você.
— Então diga o que você realmente quer.
Coisas simples. Amor, casamento, uma casa, um lar, crianças. Tudo. Brenda
abriu a boca para falar, mas ficou muda. Como poderia dizer o que desejava
justamente para alguém que dava as costas para tudo isso?
— Então, será que devo dizer a você? — Os olhos cinzentos prenderam os
dela. — Embora me aterrorize?
Totalmente zonza, ela assentiu com um gesto de cabeça. E lentamente, ele
começou a falar.
— Em primeiro lugar, eu queria que você deixasse a Bio-Tech, mas isso não é
problema, pois você já deixou. Depois, quero que você venda o chalé, mas isso
também não será problema, desde que já existe um comprador. A terceira coisa é
mais difícil, porque eu não esperava repetir as palavras que direi a seguir.
Sem afastar os olhos dos seus, Gregory prosseguiu:

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— Quero que você se case comigo, more comigo na fazenda, me seja fiel, e
seja minha esposa, amiga, e mãe de meus filhos.
— Oh, Gregory, eu te amo tanto!
— Isso significa sim?
— Sim.
— A tudo?
— A absolutamente tudo.
— Começando agora? — Os lábios de Gregory buscaram os seus.
— O mais cedo possível. Feliz, e no auge da excitação, Gregory levou-a no
colo para o quarto.
— Vamos logo para a cama, porque a primeira coisa que faremos amanhã será
providenciar os papéis — Gregory falava com ardor.
— Não vamos esperar um segundo a mais além do estritamente necessário.
Além disso, amanhã cedo pretendo estar irremediavelmente comprometida com
você — Brenda estava deliciada com a situação.
No minuto seguinte, Gregory comprimia o quente e maravilhoso corpo nu
voluptuosamente sobre o de Brenda. — Então, agora é para sempre? — ele
murmurou.
— Para sempre — Brenda prometeu, e entregou-se ao seu abraço,
murmurando juramentos de amor vezes sem fim.

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