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Sabrina Edição de Férias n.

06

Quando o magnata grego Nik Demetrious convidou Vicky para ser sua
secretária particular, ela ficou apavorada. Por que ele escolheu a mais humilde
de suas funcionárias? Trabalhar ao lado de um homem tão poderoso e fascinante
foi uma experiência arrasadora: Vicky apaixonou-se perdidamente. E sua
felicidade chegou ao auge quando, de repente, Nik a pediu em casamento. Ela
aceitou, deslumbrada. Mas logo descobriu a amarga verdade: ele não a amava.
Ao contrário, odiava-a! Queria vingar-se de Vicky com crueldade. Por quê? O que
Vicky tinha feito de errado? Era um mistério...

Disponibilização: Fernanda, Digitalização Marisa H e Revisão: Cris Bailey


Copyright: Margaret Pargeter

Título original: "The Demetrious Line"

Publicado originalmente em 1983 pela Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra

Tradução: Diogo Borges

Copyright para a língua portuguesa: 1984 Abril S.A. Cultural — São Paulo —
Brasil

Esta obra foi composta na Tipolino Artes Gráficas Ltda., São Paulo, Brasil
e impressa na Divisão Gráfica da Editora Abril S.A.
Foto da capa: Keystone
CAPITULO I

O encarregado da seção do pessoal olhou para a garota loira e esguia


sentada à sua frente e sorriu.
— Esta é a grande oportunidade da sua vida. Tenho certeza de que já se deu
conta deste fato, não é mesmo, srta. Brown?
Vicky Brown, confusa diante do que tinha acabado de ouvir, fez um breve
gesto com a cabeça, pois não conseguia falar. Talvez fosse de fato uma
oportunidade esplêndida, conforme Derek Wilmot dizia, mas será que queria
aproveitar-se dela? Nicholas Demetrious era o chefe da grande companhia para a
qual ela trabalhava e precisava de uma secretária, mas o que levava Derek a
pensar que ela estava suficientemente qualificada para ocupar semelhante
posição? É bem verdade que tinha uma formação excelente, mas duvidava de
sua capacidade de lidar com Demetrious. Durante os três anos que trabalhara
lá, tivera a oportunidade de vê-lo, brevemente, apenas uma vez. Todos sabiam
que se tratava de um homem exigente e que nada lhe agradava. Preferia
continuar trabalhando com o sr. Hastings, que era um homem de meia-idade e
sem grande imaginação. Pelo menos, com ele sempre sabia a quantas andava e,
além do mais, o sr. Hastings era muito atencioso.
Derek Wilmot encarou com simpatia as emoções desencontradas que se
alternavam no rosto expressivo de Vicky.
— Confesse que ficou muito surpreendida...
Vicky concordou mais uma vez e, fazendo o possível para se controlar,
indagou:
— Mas por que eu?
— É uma pergunta a que não posso responder. Você é uma criatura
muito jovem, mas não imagino que seja essa razão. Só sei que ele ouviu dizer
que você é muito eficiente...
— Isso é bondade do sr. Hastings.
— O sr. Hastings não é nenhum tolo e não ficaria com você, se não
mostrasse competência naquilo que faz.
— Mas isso não quer dizer que eu sirva para o sr. Demetrious.
— Bem, de qualquer modo, ele está à sua espera.
Pelo visto, Derek não parecia disposto a discutir.
— Ele não vai encontrar alguém tão eficiente quanto a srta. Devlin —
observou Vicky, levantando-se.
— Infelizmente, a srta. Devlin mudou-se para Atenas.
— Ela costumava viajar com o sr. Demetrious.
— Sim, mas, pelo visto, essa situação não convém mais a ele.
— O que, aliás, me parece um tanto estranho...
— Vicky, por favor! Pare de fazer conjeturas sobre coisas que não devem
preocupá-la de modo algum! O sr. Demetrious está longe de ser um modelo de
paciência e prometi que você iria ao encontro dele às dez horas. Saiba que está
atrasada três minutos! — disse Derek, um tanto alarmado, olhando para o
relógio.
Vicky retirou-se às pressas, muito embora suas pernas tremessem
desconsoladamente. Sentia que naquele momento sua capacidade de pensar
havia diminuído. Queria permanecer calma, mas não conseguia impedir que
pensamentos desencontrados se apoderassem dela. Antes de convocá-la, o sr.
Demetrious deveria procurar saber se ela desejava ou não trabalhar para ele.
Podia ser o senhor de um império comercial, mas isso não queria dizer que não
deveria levar em consideração os sentimentos e inclinações de seus empregados.
Ou acaso era assim mesmo que os magnatas construíam seus impérios,
ignorando as opiniões alheias?
Vicky gostava muito de trabalhar com o sr. Hastings, que era um homem
respeitoso, casado e feliz. Apreciava demais o clima de cordialidade que havia
entre ambos e, se não tivesse sido convocada por alguém tão poderoso quanto o
sr. Demetrious, jamais pensaria em deixar seu cargo!
A secretária, a quem talvez substituiria, disse-lhe para entrar, pois o sr.
Demetrious estava à sua espera. Vicky notou que ela estava abatida e que
provavelmente tinha chorado. Com isso, ficou ainda mais nervosa. Se uma
funcionária mais velha e mais experiente podia ser reduzida a semelhante
estado, que oportunidades ela teria pela frente?
Vicky respirou fundo e, aparentando uma confiança que estava longe de
sentir, bateu com força na porta, antes de abri-la. De olhos baixos, entrou na
sala do sr. Demetrious.
Ao encará-lo, percebeu um par de olhos azuis, que a fitavam com
insistência, e sentiu-se chocada. Tinha visto Nicholas Demetrious rapidamente e
não estava preparada para enfrentar a realidade. Ele estava sentado à mesa e
ela ficou assustada, ao perceber a expressão vaga de seu olhar transformar-se
subitamente em raiva.
Achou que aquela reação era devida ao fato de tê-lo feito esperar e procurou
desculpar-se.
— Sinto muito pelo atraso, sr. Demetrious.
— Acho que mandei avisá-la à última hora, não é mesmo? — Ele a
surpreendeu por sua cordialidade e Vicky achou que estava imaginando coisas.
— Sente-se, srta. Brown. Desejo lhe falar.
Pelo visto, ele não tinha a menor pressa de começar. Vicky obedeceu, um
tanto nervosa, enquanto ele a examinava em silêncio. De repente, quando se
deu conta, ela estava fazendo o mesmo. Esqueceu-se de disfarçar a curiosidade
e ficou a imaginar qual poderia ser a altura dele. Devia ter mais de um metro e
oitenta e seu peito era largo e atlético. Moreno, seus traços eram duros e cheios
de vitalidade, e sua pele, queimada de sol. Usava um fino terno de flanela cinza
e uma camisa muito alva. Vicky notou os punhos muito limpos, o brilho de um
relógio de ouro em seu pulso e tufos de pêlo negro em suas mãos bem tratadas.
Engoliu em seco, perdida em seus pensamentos. Conhecia muito bem a
reputação de Nicholas Demetrious. As pessoas gostavam de fazer comentários a
respeito de gente rica e famosa, e quando um homem, além disso, tinha
inteligência e personalidade, era inevitável que se tornasse objeto de fofocas. A
maior parte delas tinha deixado Vicky muito impressionada, mas, num plano
mais pessoal, interessava-se demais pela firma para a qual trabalhava. Sabia
que o sr. Demetrious era um homem brilhante, cuja capacidade de liderança
havia levado a companhia de navegação e suas subsidiárias a serem o que
eram agora. Vicky reconheceu que não estava preparada para o impacto
daquela presença tão forte. Engoliu em seco mais uma vez, tentando livrar -se
dos pensamentos inoportunos. Tinham-lhe dito que o sr. Demetrious, ainda
solteiro aos trinta e três anos, estava muito longe de ser um ermitão... Não era
nada difícil acreditar nisso, pois seus lábios eram sensuais, embora muito
firmes, indicando que ele gostava que as coisas caminhassem conforme seus
desejos.
O coração de Vicky batia com mais força do que desejava e ela tropeçou,
desajeitada.
— Srta. Brown, creio que está indo na direção errada.
Vicky ficou vermelha como um pimentão e sentiu-se uma idiota
consumada. Sentou-se finalmente, desejando ardentemente que o sr.
Demetrious tirasse os olhos dela, a fim de poder se recompor.
— Não... percebi o que estava fazendo... — gaguejou.
— Pois quero que as pessoas que trabalham para mim tenham plena
consciência do que fazem — ele observou, com ironia.
Vicky ficou ainda mais ruborizada e apertou as mãos, tensa. Mas se acaso o
sr. Demetrious imaginava que ela se deixaria derrotar facilmente, em breve ele
veria que estava completamente enganado!
— Não sei o que o leva a crer que posso lhe ser útil, sr. Demetrious — disse,
enfrentando seu olhar.
— Não sente a menor vontade de trabalhar comigo. É isso que
está tentando dizer?
Vicky, desconcertada, tentou recuperar a calma. Estava disposta a
concordar, mas havia algo na atitude do sr. Demetrious que a preveniu de um
perigo iminente. Seu bom senso e seu instinto de proteção lhe diziam que, se
acaso se recusasse a trabalhar para ele, em breve estaria desempregada. É bem
verdade que ninguém podia ser despedido injustamente, mas, ainda assim, não
se sentiu completamente convencida. Aquele homem não permitiria que algo
tão insignificante quanto o protocolo se pusesse em seu caminho. Ela, por sua
vez, precisava de cada centavo de seu salário, sobretudo agora que tinha uma
casa para manter.
Decidiu subitamente usar de toda franqueza. Ele devia ter um lado
tolerante. Bastava saber alcançá-lo.
— Até agora há pouco, sr. Demetrious, não tinha a menor ideia de que o
senhor me quisesse como sua secretária. Trabalho na companhia desde que me
diplomei e terminei o meu estágio. Sou funcionária do sr. Hastings e não
gostaria de deixá-lo.
— Por que não?
— É que nós nos damos muito bem.
— No escritório?
Ela ficou tensa e inquieta, diante daquela insinuação. Devia estar
enganada, mas precisava certificar-se.
— O sr. Hastings não é meu caso, se é isso o que o senhor está querendo
insinuar. Talvez não saiba, mas ele é casado e muito feliz com sua esposa.
— E isso lá impede alguma coisa? É claro que estou falando de modo muito
geral...
Aquilo não tinha a menor desculpa e era intolerável! Mais uma vez Vicky
sentiu vontade de replicar, mas a cautela aconselhava o silêncio. O sr.
Demetrious era um homem insuportável, mas podia ser desastroso fazer essa
declaração. Como gostaria de se encontrar na sua posição e dizer que o achava
intragável, que preferia morrer a ter alguma coisa com ele!
— Garanto-lhe, sr. Demetrious, que não existe absolutamente nada entre o
sr. Hastings e eu — declarou, assustada com a intensidade de seus
sentimentos. Ele a encarava com ar de ceticismo e Vicky o desafiou. — Se não
acredita, por que não pergunta ao sr. Hastings? Com o que ele ganha, garanto-
lhe que tem dificuldade em manter a família e não pode se dar ao luxo de
sustentar uma amante.
— Sim, para isso seria preciso um homem bem mais rico, srta. Brown...
Vicky, desconcertada, mordeu o lábio. Nunca tinha passado por semelhante
entrevista e desconfiava que, por trás de tudo aquilo, havia algo que não
conseguia definir. O que seria exatamente?
— Não existem tantos homens ricos à minha disposição, sr. Demetrious,
mas tenho certeza de que não mandou me chamar para discutirmos as minhas
perspectivas matrimoniais...
— Não percebi que tinha ido tão longe, mas devo confessar que isso devia
estar no fundo dos meus pensamentos. Não quero perder tempo convencendo
uma garota a se casar. Quero que a minha secretária se concentre em mim, e
não em outro homem.
— Talvez eu tenha um namorado... — disse Vicky, com certa aspereza.
— Imagino que tenha vários.
Vicky precisou dominar-se a fim de não se levantar e sair da sala. O tom de
voz de Nik Demetrious não se havia alterado, a expressão de seu rosto
continuava a mesma, mas, ainda assim, ela tinha a sensação de que ele se
irritava. Entre eles havia um forte antagonismo, e ela se sentiu intrigada e
infeliz. Se de início já reagiam daquela forma, o que seria quando tivessem de
trabalhar ao lado um do outro?
— Acontece que, no momento, não tenho nem namorado, nem noivo.
— Ah, sei... Foi alguma experiência malsucedida?
— Pode-se dizer que sim — ela respondeu, sem achar necessário explicar
que, em sua vida, a experiência malsucedida tinha sido a existência de sua
madrasta.
— As pessoas frequentemente merecem ser infelizes. Agem com uma falta de
consideração e um descaso censuráveis e então esperam escapar às
inevitáveis consequências das suas ações.
Nik Demetrious daria um excelente juiz, pensou Vicky, sentindo-se como
uma prisioneira que seria sentenciada a qualquer momento.
— Se eu fosse casada, não veria mal nenhum em trabalhar — observou, com
certa frieza.
— Se fosse minha mulher, eu não deixaria. Na Grécia, de onde vem a minha
família, todo marido quer certificar-se de que sua mulher tem coisas mais
importantes em que pensar.
— Que coisas, sr. Demetrious?
— A cama onde dorme com seu marido e o berço do seu bebê, srta. Brown —
disse ele com cinismo.
Vicky concluiu que o tinha provocado e que, portanto, merecia aquela
resposta. Fechou os olhos, para que ele não pudesse perceber sua frustração.
Jamais poderia desconfiar que ele tivesse ideias tão antiquadas. Isso apenas
servia para provar que, de certo modo, os homens ainda eram bastante
primitivos, a despeito de um ligeiro verniz de civilização. Voltou a encarar Nik
Demetrious, mas não ousava declarar que ele ainda vivia na Idade da Pedra!
— Pelo que vejo, não tem nenhum comentário a fazer, não é mesmo, srta.
Brown? Bem, já que é inteiramente livre, chego à conclusão de que temos um
problema a menos. Soube igualmente que já gozou de férias este ano, o que
considero uma vantagem. Não ficou muito queimada de sol, não é mesmo?
Não era verdade. Apesar de ter a pele muito clara, ainda estava um pouco
queimada, mas talvez parecesse muito sem graça para aquele homem moreno,
de pele curtida pelo sol. Provavelmente, ele e seus amigos passavam meses
deitados numa praia, em vez de apenas algumas semanas.
— Onde passou as férias?
Vicky quase levou um susto, ao notar que seus pensamentos eram
interrompidos de repente. Por que ele haveria de se interessar em saber onde
seus funcionários passavam suas tão merecidas férias?
— Na ilha de Corfu, na Grécia. O tempo estava maravilhoso.
— E você se divertiu?
Dessa vez Vicky não deixou de perceber a ironia da pergunta e ficou sem
saber o que tinha feito para merecê-la. Eles jamais tinham se encontrado e Nik
Demetrious não sabia absolutamente nada a seu respeito, a não ser o que
constava de sua ficha profissional. Ficou apreensiva, mas sabia que não devia
começar a imaginar coisas que provavelmente não existiam.
— Sim, me diverti bastante. Corfu é um lugar muito agradável e as pessoas
são gentis.
— Não duvido.
Sem entender o que acontecia, ela ficou ainda mais ruborizada e detestou o
modo como ele a encarava.
— O senhor conhece bem a ilha?
— Bastante bem.
— Mas não mora lá, não é mesmo?
— Como sabe?
— Não tenho certeza. Devo ter ouvido alguém do escritório dizer qualquer
coisa a esse respeito.
— É mesmo? Creio que estou contratando uma secretária muito esperta...
O que ele queria dizer com isso? Vicky, angustiada, ficou em silêncio,
enquanto ele a encarava fixamente. A essa altura, já deveria estar familiarizado
com seus traços e ela sentiu curiosidade de saber o que ele procurava. Não
podia estar interessado em uma beleza que ela não possuía. Concluiu que Nik
Demetrious estava estudando suas reações a fim de descobrir se ela poderia
enfrentar seu temperamento difícil com eficácia maior do que as outras garotas
que tinham trabalhado para ele.
— Pelo que vejo, fala várias línguas, não é, srta. Brown?
— Alemão e francês. Tenho alguns conhecimentos de grego e italiano, que
pretendo aprofundar.
— Muito bem. Eu viajo bastante e algumas vezes talvez precise me
acompanhar.
A despeito de sua resistência a ter que trabalhar com aquele homem, Vicky
sentiu-se levemente excitada. Jamais tinha viajado com um patrão e gostaria de
saber como era. Provavelmente teria tanto trabalho pela frente que jamais lhe
restaria tempo para ver o que quer que fosse.
— Era uma das tarefas da srta. Devlin, não é mesmo? — indagou com toda
calma.
Nik sorriu levemente, como se tivesse conhecimento da curiosidade existente
em torno de seu relacionamento com a antiga secretária.
— A srta. Devlin sofre de reumatismo e o seu estado foi piorando aos
poucos. Esperamos que uma estada prolongada num clima quente haverá de
curá-la.
Com que então, aquele emprego poderia ser temporário. Vicky ficou
decepcionada e ansiosa.
— Quando a srta. Devlin voltar, trabalharei novamente com o sr. Hastings?
— Provavelmente, mas creio que não precisamos nos preocupar com isso,
no momento. Sugiro que faça um estágio de um mês comigo, srta. Brown, e em
seguida veremos. Se for aprovada, estou disposto a permitir que a srta. Devlin
se aposente.
Aquela oferta parecia boa demais para ser verdadeira. Algo lhe dizia que um
dia se arrependeria por aceitar qualquer coisa que aquele homem lhe
propusesse. No entanto, não via nenhuma solução, pois precisava daquele
emprego. Não seria nada fácil trabalhar para Nik Demetrious, mas quem sabe
aquela não seria a grande oportunidade de sua vida?
Vicky agradeceu rapidamente, antes de perder o controle e mudar de ideia.
Levantou-se lentamente e, a julgar pelo modo como ele punha seus papéis de
lado e relaxava na cadeira, a entrevista tinha chegado ao fim. Vicky
surpreendeu-se ao constatar que ainda tremia. Nervosa, tornou a encará-lo e
seu coração estava aos pulos.
— Mais alguma coisa, sr. Demetrious?
— Pode começar a trabalhar na segunda-feira.
— Já na próxima semana?
— Espero que não tenha problemas de audição, srta. Brown. Eu disse
segunda-feira.
— Mas o sr. Hastings não terá muito tempo de encontrar quem me
substitua.
— Deixe Hastings comigo.
Enraivecida e apreensiva, Vicky sentiu-se tentada a bater a porta com toda
força, assim que saiu. Desprezava-se por não ter a coragem de fazê-lo e sentia-
se como uma mosca aprisionada nas teias de uma aranha, incapaz de romper
suas malhas sedosas. Bastaria apenas um pouco de força de vontade, mas já se
sentia dominada pela forte personalidade de Nik Demetrious.

Já era tarde quando chegou em casa e sentia-se mais cansada do que


nunca. Apesar de sua aparência tão delicada, possuía uma espantosa reserva de
energia e vitalidade, que muito a auxiliavam em tempo de crise. Agora, porém,
tinha a sensação de que havia cumprido a tarefa de vários dias em apenas
algumas horas.
O sr. Hastings não dissera muita coisa a respeito de sua promoção, mas
Vicky sabia o quanto estava sentido pelo fato de deixá-lo. Pediu-lhe que entrasse
em contato com Derek Wilmot, a fim de que ele providenciasse alguém que
pudesse substituí-la. Não conseguiu encontrá-lo imediatamente e, após localizá-
lo, recebeu a promessa de que ele faria o possível, tendo em vista aquele aviso
de última hora.
Ao entrar em casa, Vicky encontrou um bilhete em cima da mesinha do hall,
escrito pela sra. Younger, que morava ao lado. A boa senhora comunicava que
tinha deixado uma torta na geladeira para o jantar de Vicky. A torta parecia tão
apetitosa que ela sentiu vontade de comê-la imediatamente, mas decidiu que era
melhor tomar um banho primeiro. O dia tinha estado muito quente e suas
roupas estavam molhadas de suor.
O trajeto do emprego até sua casa era tedioso e monótono. Algumas vezes,
Vicky se arrependia por ter desistido do quarto onde morava, situado bem perto
da companhia, e onde vivera durante três anos. Estava naquela casa há apenas
um mês e tinha a impressão de que fazia muito mais tempo.
A casa era grande demais para ela, mas relutava em vendê-la. Até agora, não
havia pensado seriamente no assunto, pois achava difícil acreditar que
finalmente o imóvel lhe pertencia. Todo dia esperava que sua madrasta
chegasse, pedindo-a de volta, o que era impossível, devido aos termos em que
tinha sido escrito o testamento.
Enquanto tomava banho, Vicky se pôs a imaginar por onde andaria sua
madrasta naquele momento. Não tivera mais notícias dela, após receber a carta
que continha a chave da casa. Vera comunicava que havia se casado com um
homem suficientemente rico para dar tudo o que ela queria, e devolvia a
propriedade. Vicky não chegava ao ponto de desejar um convite para o
casamento, mas ficou surpreendida ao constatar que Vera nem sequer dizia
quem era aquele homem, nem mesmo informando se moraria na Inglaterra ou
no exterior.
Naquele momento, Vicky sentia dificuldade em relaxar, pois tinha a curiosa
sensação de que Vera estava por perto. Vira muito pouco a madrasta, após o
falecimento de seu pai, mas, ainda assim, sentia-se inquieta e infeliz, quando
pensava no fracasso total de seu relacionamento com Vera. Sabia que nem
todas as madrastas eram iguais, pois várias de suas colegas tinham pais
divorciados e que se casaram pela segunda vez. Muitas vezes desenvolvia-se
entre madrasta e enteada uma boa amizade, mas Vera jamais se esforçara para
que aquilo acontecesse. Desde o início deixara bem claro que não se interessava
nem um pouco pela filha de seu marido, que naquela ocasião tinha doze anos.
Não havia aceitado nenhuma tentativa de aproximação por parte da menina e
esta finalmente desistira, pois não queria trazer a menor preocupação para seu
pai.
Vera queria vê-la bem longe e talvez foi por isso que não levantou a menor
objeção, quando chegou o momento de enviar a menina para um bom colégio
interno. Sugeriu algo mais barato, porém seu marido, pelo menos uma vez na
vida, insistiu no assunto. Vicky não gostava da escola e era por demais tímida e
sensível para fazer amizade com as colegas, mas, pela primeira vez na vida,
apreciou estar longe de casa. Sentia-se muito infeliz durante as férias. Até agora
tremia, ao recordar a frieza de Vera e as noites em que a casa costumava ser
frequentada por seus amigos, alegres e sofisticados. James, apaixonado até o
fim por sua bela esposa, costumava retirar-se para o escritório, ignorando de
propósito o que estava acontecendo. Não era um homem rico, mas tinha uma
situação confortável, e Vera gastou seu dinheiro como se fosse água, comprando
belas roupas, jóias caras; fazendo muitas viagens e, principalmente, enchendo a
adega da casa com vinhos e bebidas de boa qualidade.
Felizmente, Vicky havia esquecido de quase tudo, mas a noite em que
encontrou Vera e um de seus amantes num dos quartos gravou-se para sempre
em sua memória. Sempre que Vera oferecia uma festa, os convidados
espalhavam-se pela casa, e como Vicky os detestasse, costumava trancar-se em
seu quarto. Poderia ficar na companhia do pai, no escritório, mas queria
poupar-lhe aquele constrangimento, pois os dois jamais tocavam no nome da
madrasta. Passando a noite afastados um do outro, seria mais fácil fingir, no
dia seguinte, que a festa não tinha acontecido.
Naquela noite em especial, o andar de cima, onde Vicky dormia, estava
mergulhado no mais profundo silêncio. Tudo estava tão calmo que, ao ouvir um
ruído no quarto ao lado, ela julgou que o velho cão da família estava trancado lá
e fazia o possível para sair. Estava quase cego e costumava se perder, até
mesmo dentro de casa. Vicky levantou-se e foi sorrindo socorrê-lo, mas, em vez
disso, deparou com Vera e seu amante.
Naquela época, tinha dezoito anos e há muito sabia que tipo de mulher era
Vera, mas ficou muito chocada com a cena. O casal, longe de se sentir
incomodado com aquela aparição inesperada, nem sequer se deu ao trabalho de
se cobrir. Apenas limitaram-se a rir da expressão de horror estampada no rosto
de Vicky, convidando-a para deitar-se junto com eles.
Enojada, Vicky voltou rapidamente para seu quarto, perseguida pela risada
debochada de Vera. Naquele momento, jurou para si mesma que sairia de casa
assim que encontrasse outro lugar para morar. Não queria abandonar seu pai
nem desejava magoá-lo contando-lhe a verdade, mas, se agisse com jeito, tinha
certeza de que ele haveria de compreender. No dia seguinte, antes que pudesse
consultá-lo, o sr. Brown ficou doente, morrendo logo em seguida. O médico
disse que ele tinha passado por um profundo aborrecimento e Vicky ficou
convencida de que aquilo tinha sido causado pela mágoa que seu pai sentia.
Não disse nada, pois era tarde demais para palavras, mas imediatamente após o
enterro retirou-se da casa.
Tinha alugado um quarto e sentiu-se contente por conseguir um emprego,
que garantia sua independência. O único contato que mantinha com suas
antigas vizinhas era com a sra. Younger, a quem certa vez encontrara na rua.
Esperava nunca mais tornar a ver Vera e muito menos a procuraria.
Passaram-se muitos meses e Vicky chegou a se convencer de que a grande
desilusão que sofrera em casa não tinha deixado marcas, mas, por outro lado, a
partir daquele momento sentia uma grande aversão pelos homens. Não
conseguia estabelecer com eles algo mais do que uma relação amistosa. Aquilo a
intrigava bastante, pois achava que o conflito era com sua madrasta, e não com
os membros do sexo oposto. Desconfiava que as repercussões do choque por
que havia passado causaram um bloqueio psicológico. Certa vez permitira que
um rapaz a beijasse e passara tão mal em seguida que precisara pedir para ele
se retirar. Agora aceitava que teria de conviver com aquilo para o resto da vida e
que não podia fazer muita coisa a respeito. Assim sendo, mantinha os homenis
a distância, apesar de perceber que muitas vezes eles a olhavam com evidente
interesse.
Fazia o possível para não atraí-los, usando penteados muito severos e
roupas elegantes, mas neutras. Sorriu ligeiramente, ao lembrar que havia
surpreendido um brilho estranho no olhar de Nik Demetrious. Quase podia
garantir que não haveria problemas com o novo patrão. Imaginava o tipo de
mulher a quem ele procurava conquistar e tinha certeza de que ela, Vicky
Brown, não se parecia com nenhuma daquelas criaturas.
O sobrenome Brown tinha sido um dos motivos da implicância de Vera.
— Vou mudar de nome o mais rapidamente possível — informou a Vicky
com crueldade, antes mesmo que seu pai fosse enterrado — Esse nome é uma
piada!
— Você deveria ter visto isso antes de se casar com meu pai.
— Pois saiba que não aguento mais! E isso se refere também a você. Pode ir
embora quando quiser. E já vai tarde. Não quero mais ver na minha frente esse
seu rosto carola! Como bem sabe, James deixou tudo para mim.
Vera ficou chocada, ao descobrir que tinha herdado muito pouco dinheiro. A
conta bancária de seu marido estava praticamente no fim. Sentiu-se indignada
ao verificar que a casa, embora não estivesse hipotecada, não poderia ser
vendida, e se acaso ela voltasse a se casar, passaria para Vicky.
Vicky sentiu-se muito grata, mas não deu maior importância ao fato.
Esperava que Vera conseguisse dar um jeito na situação e ficou muito
espantada ao receber a chave. A sra. Younger não conseguiu esclarecer a
situação. Sabia apenas que Vera partira de férias para a Grécia e se metera em
complicações. A vizinha não podia dizer exatamente de que se tratava, pois Vera
não fora muito clara. Lendo nas entrelinhas, a sra. Younger chegou à conclusão
de que Vera havia se envolvido seriamente com um homem, mas iria se casar
com outro.
— Na carta, ela procura aparentar bom humor, mas acredito que deva estar
muito assustada. Caso contrário, não teria dito nada.
Vicky concordou, sobretudo porque sua madrasta não morria de amores
pela sra. Younger. Duvidava, porém, de que ela estivesse em situação difícil.
Afinal de contas. Vera tinha trinta e três anos e era suficientemente esperta
para saber como agir em relação aos homens com quem se envolvia.
Vicky desligou o chuveiro e enxugou-se rapidamente, pondo jeans
desbotados e uma camiseta, sem ligar muito para a sua aparência. Decidiu não
pensar mais na madrasta e foi até a cozinha preparar uma refeição ligeira. Em
seguida foi até a casa da sra. Younger agradecer pela torta.
Somente três semanas mais tarde é que Vicky fez uma pausa, certa noite, e
decidiu olhar para si mesma. Não fazia aquilo desde que tinha saído de casa
havia três anos, e ficou surpreendida ao constatar que não havia mudado tanto
assim. É claro que sua imagem em geral, estava modificada. Tornara-se mais
bonita e elegante e ao estudar seus cabelos tão cuidadosamente penteados,
imaginou se eles não seriam responsáveis por sua aparência de moça a caminho
de se tornar uma solteirona. Movida pela curiosidade, removeu os grampos,
deixando cair os cabelos sobre os ombros.
A diferença foi notável. Costumava escovar os cabelos, fazendo em seguida
um coque, sem mesmo olhar no espelho. Agora ficou surpreendida ao constatar
que seus cabelos não tinham sido prejudicados por tamanho descuido.
Dourados, eles tinham o brilho da seda. Por que não havia percebido antes que
seus reflexos eram tão bonitos? Estudou em seguida seus traços finos, notando
o nariz delicado e as maças do rosto tão salientes e graciosas, os olhos cor de
violeta e as pestanas grandes e curvas. Seus lábios eram sensuais, bem-feitos...
De repente Vicky ficou ruborizada, pois, apesar de estar sozinha, sentiu-se
mal por prestar tamanha atenção a si mesma. Por outro lado, sabia que poderia
fazer muito pouco para alterar sua aparência. Seus seios eram firmes. Talvez
pudesse fazer um regime, mas todo o corpo perderia peso e a cintura e as
cadeiras já eram bem finas. Ficou preocupada, sem perceber que seu rosto e seu
corpo eram quase perfeitos e que não tinha a menor necessidade de ser tão
severa para consigo mesma.

CAPÍTULO II

Vicky afastou-se com impaciência do espelho, culpando Nik Demetrious


pelo inesperado surgimento daquele interesse tão grande em si mesma. Talvez
pelo fato de ele encará-la com tamanha insistência, Vicky havia se tornado
consciente de sua feminilidade. Era preciso concordar, no entanto, em que o
olhar de seu patrão muitas vezes adquiria uma expressão abstrata. Era bem
possível que ele estivesse pensado em outra coisa.
Precisava admitir que ele não se revelara o patrão dominador e mal-
humorado que ela tanto temia. Havia ocasiões em que se mostrava encantador e
até mesmo cheio de consideração. Trabalhava durante longas horas seguidas, e
muitas vezes esquecia que Vicky não era uma máquina, mas sempre consertava
a situação. Na véspera, por exemplo, Nik a levara para jantar, após o expediente
do escritório, insistindo para acompanhá-la até a casa dela.
O jantar revelou-se uma experiência e tanto. Nik mostrou-se muito atencioso
e ela reagiu a ele como uma flor que desabrocha ao sol. Ainda tentava controlar
seu temor, quando ele parou diante da casa. Nik inclinou-se e Vicky,
perturbada, teve a impressão de que iria beijá-la, mas nesse momento ele estava
apenas interessado no tamanho e na localização da residência.
Sentiu-se profundamente irritada quando ele perguntou, de repente, como
era possível ela morar em semelhante lugar. Acaso imaginava que seus
funcionários moravam todos em apartamentos de sala e quarto? Seu rosto
pegou fogo e ela respondeu àquela indagação com muita arrogância:
— Ganhei esta casa de presente.
De certo modo era verdade, mas Nik, inexplicavelmente irritado, a fez sair do
carro e foi embora sem oferecer a menor explicação.
No dia seguinte, ele não fez a menor referência àquela explosão de mau
humor. Vicky sentiu-se curiosa, mas, à medida que o dia avançava, esqueceu de
perguntar o que tinha acontecido.
Quando se aproximava o fim de semana, dormiu mais do que devia e
atrasou-se. Apressada, chegou quase sem fôlego ao escritório, esperando sentir
novamente todo o peso da ira de Nik Demetrious. Não suportava falta de
pontualidade, e Vicky, frustrada, estava a ponto de chorar, quando o assistente
dele, Gordon Taylor, informou que Nik a chamava com insistência havia dez
minutos.
— Ele está num dos seus dias — preveniu-a Gordon. — Acho melhor você
tomar cuidado.
Seu estágio, evidentemente, estava mais do que prejudicado — pensou
Vicky, percebendo que poderia ser despedida na hora. Sentiu-se grata a Gordon
por tê-la prevenido e tentou se controlar, pronta para ouvir aquelas palavras
fatais.
Nik Demetrious indagou com certa aspereza onde ela tinha estado, mas não
quis saber de suas desculpas.
— Não espero que seja perfeita o tempo todo, srta. Brown. Afinal de contas,
não sou desumano.
Por que ela tinha a terrível sensação de que aquilo não era verdade? Nik
procurava freneticamente algo em suas gavetas e Vicky percebeu que ele estava
furioso e fazia o possível para se dominar. Normalmente, ele não se importava
com os sentimentos de seus funcionários e ela ficou sem saber o porquê de sua
presente atitude. Para aumentar ainda mais sua confusão, Nik pediu, com
muita cordialidade, se ela poderia ordenar um cafezinho, antes de começarem a
trabalhar.
Vicky não estava acostumada com tanta consideração. Aquilo a deixou
assustada, mas conseguiu murmurar algumas palavras de agradecimento,
duvidando que um dia conseguiria entender aquele homem.
Tirou o casaco e sentou-se na cadeira, com uma caneta na mão, esperando
que Nik começasse a ditar. Teve de escrever várias cartas, que seu patrão ditou
a toda velocidade, como se estivesse arrependido de sua gentileza, mal lhe
dando tempo para tomar o café, quando ele foi servido. Ditou e estudou vários
relatórios, tendo sempre Gordon a seu lado, disposto a lhe fornecer todos os
detalhes que faltavam. O ritmo do trabalho era mais do que cansativo e
prosseguiu até a hora do almoço. Antes de sair, Nik Demetrious comunicou a
Vicky que queria as cartas prontas para serem assinadas quando voltasse e que
ela devia preparar-se para acompanhá-lo a uma reunião da diretoria.
Vicky sentou-se à máquina. A funcionária que poderia ajudá-la já tinha ido
almoçar e ela sabia que era melhor dar conta rapidamente de sua tarefa.
— Quer que lhe mande alguns sanduíches? — perguntou Gordon, com
profunda ironia, vendo a pilha de trabalho que se acumulava em sua mesa.
— Seria esplêndido — disse Vicky, sorrindo com gratidão. — O cafezinho
estava ótimo, mas não tomei o café da manhã.
Levada por um impulso, Vicky quase teve vontade de perguntar se o sr.
Demetrious costumava dar tácito trabalho a suas secretárias, mas, sabendo o
quanto Gordon deveria ser leal, modificou um pouco a indagação.
— O sr. Demetrious costuma trabalhar sempre nesse ritmo?
— Sim — respondeu Gordon, sentindo que havia uma ligeira crítica naquela
pergunta e pondo-se imediatamente na defensiva. — Ele não se poupa e jamais
nos pede que façamos mais do que ele mesmo possa fazer.
"E raramente trabalha na hora do almoço", pensou Vicky, indignada,
lembrando do telefonema que Nik Demetrious havia recebido no meio da
manhã. Sabia que era de uma mulher e desconfiava que Nik estava almoçando
com ela. O fato, aliás, era muito evidente e ele anunciou que voltaria à uma e
meia. Ao pensar que ele estava com outra mulher, Vicky não conseguiu deixar
de sentir inveja.
— Sim, o sr. Demetrious tem muita energia — concordou rapidamente,
deplorando sua própria fraqueza.
— É capaz de trabalhar por dez pessoas...
— Estou fazendo um estágio durante trinta dias e ele talvez não me aceite.
— Em seu lugar, não me preocuparia tanto, meu bem. Afinal de contas, você
tem certas qualidades que ele valoriza.
— Tais como...?
— E por que eu haveria de dizer?
— Quem sabe, gostaria de me lisonjear um pouco... — declarou ela, sem
conseguir disfarçar a ansiedade que sentia.
— Está bem, mas acho bom resumir ou jamais terminaremos as nossas
tarefas. Acho que você consegue resistir muito bem às pressões e esta manhã
provou do que é capaz. Não fica de olho grudado no relógio, esperando o dia
acabar, e tem capacidade de concentração. Tem também a facilidade de
antecipar os desejos de Nik. Devo prosseguir?
— Penso que isso basta.
— Acho que você surpreendeu a nós dois, Vicky. Reconheço que fiquei um
pouco perturbado, quando ele a escolheu. Creio que a intuição de Nik
Demetrious funciona melhor do que a minha.
— Que jeito esquisito de me elogiar... — observou Vicky, voltando às suas
tarefas.
No fim da tarde, Nik perguntou-lhe se não se incomodaria de trabalhar uma
ou duas horas a mais, no apartamento dele. Queria que Vicky transcrevesse
algumas fitas e lá teriam mais privacidade.
Vicky não saberia dizer o que havia de mais privado do que aqueles
escritórios, com porteiros identificando toda e qualquer pessoa que se
anunciava. Juntou suas coisas e o seguiu. Gordon estaria presente, mas teria
de partir mais cedo, pois iria ao aeroporto esperar sua mãe, que chegava da
Itália.
— Meu criado providenciará o jantar — murmurou Nik baixinho, enquanto
Gordon ia na frente deles a fim de chamar o elevador. Ele se exprimia com certa
ironia, pois percebia que Vicky estava nervosa por ter de ficar a sós com ele. —
Dion é muito bom cozinheiro.
Vicky não duvidava. Não lhe passava pela cabeça que Nik Demetrious se
contentasse em ser mal servido. Talvez por isso mesmo ainda se conservava
solteiro. Quem sabe, ainda não tinha encontrado a mulher que correspondesse
às suas exigências... Surgiu em seu olhar uma expressão de zombaria, mas ela
abaixou a cabeça, temendo que ele lesse seus pensamentos. Os próximos dias
poderiam ser cruciais e achava melhor não agredi-lo, caso quisesse ganhar o
emprego.
Nik tinha um apartamento de cobertura num bairro muito elegante. Vicky
ficou um tanto assustada com seu luxo. Enquanto conversava com Dion,
dando-lhe algumas instruções, Gordon dizia para Vicky que o criado estava
permanentemente no apartamento, sempre que Nik viajava ou quando sua
família vinha visitá-lo.
— A avó dele morava na Grécia, mas costumava vir sempre aqui. Era inglesa
e uma senhora muito requintada, se bem que bastante afável. Morreu há seis
meses e ele ainda sente falta dela.
Com que então, Nik Demetrious não era inteiramente grego... Tinha um
ligeiro sotaque, quando ficava zangado, mas Vicky o achava moreno demais
para ter sangue inglês nas veias. Talvez seus olhos o traíssem, pois algumas
vezes assemelhavam-se, em seu colorido, aos céus do norte. Em vários aspectos,
ele era tão inglês quanto qualquer homem para quem Vicky tinha trabalhado até
então.
Quaisquer que fossem seus antepassados, a aparência dele impressionava
muito bem, pensou ela, sem se deixar impressionar pelo fato de que seu coração
batia mais depressa, ao observá-lo conversando com Dion. Nik era alto, atlético
e a curva sensual de seus lábios estava muito longe de indicar frieza. Havia algo
nele que a deixava toda ruborizada, sempre que ele a encarava de certa
maneira. Era, sem dúvida, um homem muito sensual, mas de modo um tanto
agressivo, e Vicky não duvidava de que tivesse prestígio entre as mulheres.
A partir do momento que começou a trabalhar para ele, Vick se pôs a ler
detidamente as colunas sociais dos jornais, para ver se diziam algo a respeito de
Nik. Com exceção de uma foto em que ele aparecia na companhia de uma
modelo, não surgiu nenhuma outra notícia. Não supunha que ele fosse um
homem discreto e ficou intrigada, imaginando com quantas mulheres ele teria
feito amor.
Não podia acreditar que era ciúme aquele sentimento perturbador que se
apossava dela, todas as vezes que o imaginava na companhia de outra mulher.
Era fato comum uma secretária se sentir atraída pelo patrão, mas havia
trabalhado durante anos com homens muito atraentes, sem sentir a menor
excitação. Talvez não fosse muito emocionante, mas o casulo no qual vivia há
quatro anos era relativamente seguro e detestaria pensar que alguém como Nik
Demetrious tivesse o poder de abalá-la. O que sentia naquele momento poderia
ser algo semelhante àquela espécie de idolatria que os adolescentes
experimentam por estrelas de cinema ou por gente famosa, muito distante de
seu mundinho de todos os dias. Se tomasse cuidado e fosse habilidosa, aquilo
que estava sentindo por Nik Demetrious passaria em breve, pois era coisa sem
maiores consequências.
Trabalharam até quase nove horas, quando Gordon se despediu e foi para o
aeroporto. Era um homem de trinta e poucos anos, alto, não muito bonito, mas
dono de forte personalidade. Assim que ele se foi Nik tocou a campainha e
ordenou ao criado que servisse o jantar, apesar de Vicky declarar que preferia ir
direto para casa.
— Que bobagem! Você teve um dia cansativo. Não há de querer ir para uma
casa vazia e encontrar uma geladeira provavelmente também vazia...
Vicky não se sentia com energia suficiente para responder e desistiu,
perguntando onde poderia lavar as mãos, Nik conduziu-a até um quarto, com
banheiro anexo.
— A srta. Devlin costumava usar sempre este banheiro — informou, com
um sorriso.
Vicky agradeceu, intimidada. Sentia-se contente de saber que a srta. Devlin
tinha vindo ao apartamento. Devia fazer parte da rotina dele trabalhar lá de vez
em quando. Isso tornava seus temores ligeiramente ridículos, mas o alívio que
experimentou compensou seu constrangimento. Será que sempre se sentiria
ameaçada, toda vez que se encontrava a sós com um homem?
Nik Demetrious saiu e fechou a porta. Um suspiro de impaciência escapou dos
lábios de Vicky. Já não era tempo de parar com aquela tolice e deixar de imaginar
que ele representava uma ameaça? Se acaso Nik pensasse nela, seria apenas
para considerá-la como uma peça eficiente, que o servia com precisão. Como seria
possível que tivesse algum interesse nela?
Lavou-se, no banheiro verde e prateado, e apreciou a água fresca em seu rosto
e em suas mãos. Sua cabeça doía e procurou aliviar-se, desfazendo o coque e
arrumando os cabelos com certa displicência. Não havia trazido nenhuma
maquilagem, a não ser o batom, pois saíra ile casa às pressas, naquela manhã.
Passou bastante batom, pois achava que, com isso, Nik não haveria de reparar
em seu rosto um tanto pálido.
Os cabelos agora lhe batiam pelos ombros e Vicky não se achava tão diferente,
mas ele a observou atentamente, quando ela voltou para a sala de estar. Nik estava
ocupado, servindo as bebidas, e teve subitamente uma reação imprevisível, como se
estivesse indignado.
— Quer dizer, então, que você vem se escondendo de mim?
Vicky, nervosa, sentiu que seu coração disparava. Fechou os olhos,
apreensiva, e conseguiu murmurar algumas palavras, quase sem fôlego:
— Não entendo o que quer dizer com isso.
— Mal a reconheci...
Com um sorriso irónico, ele esperou que Vicky se recuperasse; toda sua
raiva tinha passado.
— Está se referindo aos meus cabelos?
— Sim.
Para sua grande surpresa, Nik estendeu a mão, ajeitando uma mecha loura.
Ele agia de propósito e o medo voltou.
— Que cor tão bonita...
Vicky desviou-se rapidamente, sentindo uma grande mágoa. Acaso ele tinha
a intenção de feri-la?
— Por que usa aquele penteado tão severo? — perguntou Nik, sem notar,
pelo visto, que sua brutalidade havia trazido lágrimas aos olhos de Vicky.
— Consigo trabalhar melhor quando os meus cabelos estão presos — ela
gaguejou, pois sabia que estava dizendo apenas parte da verdade.
— Nunca pensou em cortá-los?
— Julgava que os homens não apreciassem cabelos curtos...
Imediatamente sentiu-se pouco à vontade, pois tinha a impressão de que
eles estavam flertando. Naquele momento, tinha vontade de que a terra se
abrisse e a tragasse. O que Nik pensaria de sua atitude? Não acreditaria jamais
que tinha a capacidade de a descontrolar a tal ponto que ela já nem soubesse
mais o que estava dizendo. Já não parecia mais a secretária calma e eficiente,
mas uma mulher trémula e desamparada.
Nik continuava a não tirar os olhos dela. Vicky tinha despido o casaco de
seu conjunto, enquanto trabalhavam, pois sentia calor, apesar do ar-
condicionado. A blusa fina mal disfarçava as curvas sedutoras de seu corpo
esguio. A ligeira tensão que se fizera presente entre eles, desde o início, tornou-se
agora quase visível.
O coração de Vicky começou a bater mais forte, enquanto Nik a examinava de
alto a baixo.
— Agora percebo que as coisas começam a fazer sentido... E, como os homens
são uns perfeitos tolos...
— O que faz sentido, sr. Demetrious? — Gostaria muito que ele parasse de se
exprimir por meio de imagens obscuras, que estavam além de sua compreensão.
Nesse exato momento, Dion bateu na porta, anunciando que o jantar estava
servido, o que lhe provocou profundo alívio. No decorrer da última meia hora,
parecia ter havido uma mudança sutil no relacionamento entre Nik Demetrious e
ela, mas não compreendia de que se tratava ou como a coisa havia surgido. De
qualquer modo, cabia a ela demonstrar a Nik que sua única ambição era
trabalhar com ele e nada mais.
Seria isso inteiramente verdadeiro? Desajeitada, Vicky colocou o copo ainda
cheio sobre a mesinha. Não conseguia entender as próprias emoções, mas sabia
que jamais tivera tamanha consciência delas. No entanto, a presença de Nik, à
qual reagia com tamanha intensidade, não lhe dava oportunidade de esclarecer
tudo devidamente.
Antes que pudesse dizer qualquer coisa, Nik segurou seu braço, numa atitude
que indicava claramente que já não estava mais interessado no que tinham
discutido até aquele momento.
— Vamos — disse com delicadeza, conduzindo-a para a sala de jantar. —
Dion não ficará nem um pouco contente, se deixarmos a comida esfriar.
Vicky, por muito tempo, não esqueceu o delicioso jantar que Dion lhes serviu
aquela noite. Parte da comida tinha um sabor inconfundível, cem por cento grego,
e chegava a se derreter em sua boca.
Os diferentes vinhos, servidos com cada prato, eram fortes e quase levavam à
embriaguez. À medida que o jantar prosseguia, a agressividade de Nik
Demetrious diminuía e ele se mostrava encantador. Vicky, cansada e sem
controlar o quanto bebia, reagia a seus encantos de forma positiva, não
conseguindo mais resistir.
Nik falou um pouco a respeito da Grécia, abordando sobretudo aqueles
aspectos ligados aos seus negócios. Se Vicky não estivesse ligeiramente tonta,
talvez tivesse ficado surpreendida pelo fato de ele mencionar diversas vezes a
importância de seus empreendimentos comerciais, como se estivesse disposto a
impressioná-la. Esse pensamento lhe ocorreu num determinado momento, mas
desligou-se dele, pois homens como Nik Demetrious não precisavam recorrer às
palavras para impressionar a quem quer que fosse.
Nik contou que não costumava ficar muito tempo em Londres, pois viajava
constantemente aos Estados Unidos e à Grécia. Possuía uma bela propriedade
numa das ilhas gregas, na qual não conseguia permanecer tanto quanto queria,
mas que considerava seu verdadeiro lar.
— Fui eu mesmo quem a construiu, no lugar de uma velha casa de
camponeses. Na realidade, o camponês que morou ali era um dos meus
antepassados. Tenho muitos parentes distantes que ainda moram na ilha.
Ele não disse de que ilha se tratava, e Vicky ia fazer uma pergunta nesse
sentido, mas Nik mudou bruscamente de assunto:
— Srta. Brown, a casa em que mora é bastante grande, não? Há quanto
tempo reside lá?
Vicky supôs que, como ele falara da própria casa, certamente achava delicado
demonstrar certo interesse pelo lugar onde ela morava. Recordou, entretanto, a
inexplicável raiva que Nik demonstrara, naquela noite em que a tinha
acompanhado até sua casa, após o trabalho, e sentiu-se nervosa.
— Moro lá há cerca de um mês.
Nik parecia esperar que ela prosseguisse, mas Vicky permaneceu num
silêncio teimoso. Tinha certeza de que a história de sua família serviria apenas
para aborrecê-lo. Como poderia falar sobre o fracasso que fora o segundo
casamento de seu pai e sobre os amantes de sua madrasta?
— Mas a casa não é grande demais?
— Pensei em vendê-la, mas é que existem certas circunstâncias um tanto fora
do meu controle.
— Mas se a casa foi um presente, então poderá fazer com ela o que bem
entender...
— Sinto receio de me desfazer de algo que acabei de herdar...
Ela não o encarava direitamente e seu olhar pousou sobre as mãos de Nik.
Ficou espantada ao perceber que ele as apertava com toda força, a ponto de as
juntas ficarem brancas. Não entendeu por que sua declaração o havia deixado tão
perturbado e ficou surpreendida com sua próxima pergunta:
— Você é uma garota bonita. Por que não se casou?
Vicky não tinha a menor vontade de que ele ficasse a par do choque que ela
havia experimentado há alguns anos, e que a fizera deixar de lado qualquer
projeto relativo aos homens e ao casamento. Não conseguia explicar inteiramente
como aquilo tinha acontecido e sentia-se mal ao pensar na situação, mesmo
havendo decorrido tanto tempo. A frieza que se apossava dela, toda vez que
pensava em Vera, refletiu-se em seu olhar, e resolveu recorrer a uma certa
desenvoltura, que possivelmente enganaria Nik.
— Acho preferível não levar os homens a sério.
— E não se importa com o sofrimento deles?
— As pessoas raramente sentem as mesmas emoções — declarou, pensando
sobretudo em Vera e em seu pai.
— Não tem medo de encontrar um homem que a deixe de coração partido?
— Talvez...
Vicky sentia dificuldade em se concentrar. Estava por demais preocupada e
confusa para saber o que dizia. Nik a encarava, naquele momento, com ar de
reprovação, e ela teve certeza de que havia declarado algo que não devia.
— Você não tem a menor consciência, não é mesmo?
— Espero que não, sr. Demetrious...
— Não tem importância. Afinal de contas, eu a trouxe aqui para trabalhar,
não para insultá-la. Por favor, perdoe-me.
Ela sorriu levemente, disposta a perdoá-lo, caso ele voltasse a ser gentil.
Nesse momento Dion surgiu, anunciando que o café seria servido na sala de
estar.
Mais tarde, Nik Demetrious levou-a em casa e, dessa vez, insistiu em
acompanhá-la até lá dentro.
— Muito agradável... — murmurou ele, ao entrar na casa.
Ela concordou, procurando enxergar a casa através dos olhos de Nik. A
mobília ainda estava em bom estado, mas Vicky se sentia por demais cansada e
limitou-se a olhá-la com um pouco de interesse.
— Imagino que herdou estas coisas juntamente com a casa, não é mesmo?
Vicky concordou mais uma vez, surpreendida, mas não alarmada com a
pergunta. Deveria haver milhares de casas como aquela, em Londres, e não sabia
o que havia de tão especial naquele lugar, a ponto de atrair a atenção de Nik.
— Obrigada por me trazer em casa, sr. Demetrious. — Pensou em lhe
oferecer café, mas decidiu o contrário, pois tinham acabado de tomá-lo.
— Foi o mínimo que eu podia fazer.
— De qualquer maneira, foi muito gentil.
— Boa noite, Vicky.
Nik lançou-lhe um olhar penetrante, dando-lhe bruscamente as costas.
Assim que fechou a porta, Vicky ouviu o carro se afastar ruidosamente. Havia
qualquer coisa naquela casa que parecia irritá-lo, e ela não conseguia imaginar do
que se tratava. Nik era um homem estranho e tinha certeza de que jamais
conseguiria compreendê-lo.

Quando Gordon lhe comunicou que Nik iria para Nova York durante duas
semanas, sentiu-se imensamente aliviada. É claro que sentiria falta de sua
energia e espírito de iniciativa, mas sabia, por outro lado, que agora poderia
respirar. Aquela ausência lhe possibilitaria refletir melhor sobre seus sentimentos
e voltar à normalidade. Não tinha o menor desejo de se apaixonar por quem quer
que fosse, pois sabia que jamais conseguiria encarar a intimidade que tal situação
acarretaria. Além do mais, seria uma tolice muito grande apaixonar-se por um
homem como Nik Demetrious, que devia ter levantado há muito tempo uma
barreira contra todas as mulheres que trabalhavam com ele.
O alívio de Vicky transformou-se em desespero, quando lhe foi comunicado
que devia viajar para Nova York na companhia de seu chefe. Ele próprio fez a
declaração e ela o encarou muito surpreendida, o que possivelmente o deixou
irritado.
— Vamos, srta. Brown, deve saber muito bem que a secretária de um homem
tão ocupado quanto eu precisa acompanhá-lo, de vez em quando, em suas viagens
ao exterior.
— Sei, sim.
O nervosismo de Vicky deixou-o ainda mais irritado.
— Já discutimos este assunto.
— Sim, claro, e não me importo nem um pouco.
— A senhorita é muito prestativa... — observou ele secamente, olhando seus
cabelos, que estavam novamente penteados no antigo estilo.
— O senhor não esqueceu que estou fazendo um estágio de um mês, não é
mesmo?
— Sim, e ele termina esta semana. É claro que não esqueci e decidi contratá-
la.
Ela esperava aquela declaração havia três semanas; por que sentia, de
repente, aquele medo terrível?
— Quer então que eu fique? — murmurou, rezando para que ele mudasse de
ideia.
— Quero, sim — declarou Nik, encarando-a com firmeza, como se tentasse
decifrar a confusão que ela experimentava naquele momento. — Acho-a uma
secretária extremamente competente e gostaria que trabalhasse para mim durante
um ano.
— Mas é costume assinar um contrato tão longo?
— Srta. Brown, não tenho a menor intenção de discutir — declarou Nik,
estendendo-lhe o contrato, o que a deixou muito surpreendida. — Ou aceita este
emprego e tudo o que ele significa, ou não o aceita!
Vicky, tonta, olhou o contrato. Os termos eram extremamente generosos e o
salário era mais alto do que ela receberia em qualquer outro lugar. Além do mais,
não era um compromisso para toda a vida!
— Quando encontro pessoas competentes e em quem se pode confiar, gosto de
mante-las em seus cargos — declarou Nik, assim que ela pegou a caneta para
assinar.
Vicky compreendia sua posição, e Nik, examinando a assinatura, dobrou o
contrato, enfiando-o no bolso.
— Gordon providenciará tudo o que é preciso para a viagem — declarou ele,
saindo para atender a um compromisso. — Esteja pronta para partir a qualquer
momento.
Vicky sentiu-se aliviada, ao saber que Gordon faria parte da viagem.
— Não costumo acompanhar Nik — declarou Gordon, enquanto esperavam o
vôo no aeroporto —, mas há muito trabalho pela frente. Nik precisará de mim.
Vicky sabia o quanto Gordon seria útil, mas duvidava de sua própria
capacidade. Tinha ouvido falar muito bem da eficiência das secretárias
americanas e temia perder com a comparação, decepcionando Nik Demetrious e
Gordon.
— Tudo isso pode lhe parecer muito estranho, mas é preciso começar a
aprender — disse Gordon, sensato como sempre. — Um pouco de experiência e
você será tão eficiente quanto a srta. Devlin. Ela costumava viajar um bocado
conosco.
— Mas isso deve levar anos... — murmurou Vicky, olhando para Nik, que
conversava com um funcionário da alfândega.
— E daí? Não tenha receio, Vicky. Você é jovem, inteligente e está tão bonita,
hoje... Tem tudo a seu favor. O que mais podepedir?
Vicky sabia que ele tinha razão e que confiava muito pouco em si mesma. Até
mesmo Vera zombava dela, declarando que era excessivamente modesta. No
entanto, Nik a contratara por um ano, numa demonstração do quanto confiava
nela. Talvez devesse refletir mais e apreciar melhor suas qualidades.
Os últimos dias tinham sido tão ocupados que ela mal tivera tempo de pensar.
Ao lado do trabalho no escritório, apresentaram-se outras tarefas. Ela, no entanto,
sentiu-se surpreendentemente revitalizada por toda aquela atívidade. Conforme
Gordon havia sugerido, se ela se desse uma oportunidade, talvez fosse capaz de
realizar muito mais do que imaginava.
Nik Demetrious sugerira-lhe que levasse na viagem dois ou três vestidos mais
requintados. Abrira o talão de cheques, preenchera um deles e entregara-o a
Vicky, dizendo-lhe que tirasse uma tarde de folga e fosse ao cabeleireiro.
— Do jeito como você se penteia, não poderá viajar comigo! Não sei a quem
tenta impressionar, com esse estilo de penteado, mas a mim não convence de
modo algum!
— Não estou procurando impressionar a quem quer que seja — respondera
ela, sentindo uma estranha vontade de chorar.
— Por favor, Vicky, não discuta comigo.
Ela mal notara que Nik, após várias hesitações, se havia decidido a chamá-la
pelo primeiro nome. Não notara também um brilho de ironia no olhar dele,
percebendo apenas que seu coração disparava loucamente.
Foi Gordon quem sentou ao lado dela, no avião. Viajavam na primeira classe,
que lhe pareceu muito confortável. Seu companheiro disse que, apesar de
trabalhar em Londres, tinha de viajar bastante, o que o aborrecia um bocado. Não
era sempre que tinha uma garota bonita com quem conversar.
Vicky sentiu-se muito feliz, ao conversar com ele, e desejou que seus olhos não
se fixassem com tanta frequência sobre Nik Demetrious. Assim que entraram no
avião, ele fora cumprimentado calorosamente por uma bela norte-americana e
agora dava-lhe muita atenção. Gordon achava que Nik a tinha conhecido há
alguns anos e estava certo de que aquele encontro não passava de uma
coincidência.
— Essas coisas sempre acontecem. É por isso que, nas viagens mais curtas,
quase sempre usamos o jatinho particular de Nik. Só assim podemos trabalhar.
Nik, pelo visto, não estava se divertindo nem um pouco! Vicky sem conseguir
disfarçar a inveja, o viu conversando com a mulher a seu lado. Ele usava um
terno de corte impecável e parecia muito seguro de si. Inclinou-se para ouvir
melhor o que sua companheira dizia, e ao endireitár-se, voltou a cabeça e encarou
Vicky.
Assim que seus olhares se cruzaram, ela não conseguiu mais olhar em outra
direção. Sentiu a boca seca e um nó no estômago. Tinha a impressão de estar se
afogando nas ondas de uma emoção profunda e não podia fazer nada a respeito.
Mais uma vez seu coração disparou e exatamente naquele momento uma
aeromoça passou por entre eles, o que a deixou aliviada, pois não saberia como
desviar-se daquele olhar sombrio e enigmático.
Depois disso, Vicky esforçou-se para não olhar para ele, concentrando-se na
pilha de revistas que Nik, muito surpreendentemente, comprara para ela no
aeroporto.
Levou vários minutos para parar de tremer e muito mais tempo para perceber
o que estava lendo. Não conseguia explicar nem para si mesma o que tinha
acontecido naqueles breves momentos em que mergulhara no olhar de Nik,
quando o mundo havia parado completamente. Ficou até certo ponto chocada, ao
sentir seus receios se dissolverem. Sentia uma vontade imensa de estar mais
próxima de Nik Demetrious e até mesmo de abrigar-se em seus braços. Aquele
sentimento, ainda que ligeiro, a deixou aterrorizada. Surpreendeu-a, perceber que
as antigas barreiras que havia levantado entre ela e os homens pudessem ser
removidas com tamanha facilidade.

CAPITULO III

Assim que chegaram a Nova York, um chofer, guiando uma limusine


luxuosíssima, os transportou para um apartamento num dos bairros mais
requintados de Manhattan.
— Você gostará imensamente de Nova York, assim que se acostumar com a
cidade! — disse-lhe Gordon.
Vicky mal conseguia disfarçar seu desapontamento, pois, nos primeiros
momentos, a cidade lhe dava uma impressão de sujeira, excesso de gente e muito
barulho. É bem verdade que o carro desenvolvia tamanha velocidade que ela mal
conseguia notar a paisagem.
Ao chegarem ao apartamento, Nik entregou-a aos cuidados de Obelia, a
governanta grega que, na companhia de seu marido, Philo, cuidava do lugar em
sua ausência. Desapareceu em seguida com Gordon, pois precisava trabalhar
antes do jantar. Disse a Vicky que se encontrariam mais tarde, mas que precisaria
de seus serviços somente no dia seguinte.
Obelia, simpática criatura de uns quarenta anos, levou Vicky para um quarto
lindamente decorado e mobiliado. Ela agradeceu, entusiasmada com o que via.
— Que bom que você gosta! — observou Obelia, que ficou radiante quando
Vicky lhe perguntou se acaso era parenta de Dion, o criado de Nik em Londres. —
Ele é marido do meu primo. Sabe dizer se ele nos mandou algum recado?
Vicky viu-se forçada a confessar que havia encontrado Dion apenas uma vez,
mas tinha certeza de que ele não os havia esquecido.
— Espero que o sr. Dernetrious, quando tiver tempo, dê a vocês notícias dele.
— Quando ele tiver tempo? O sr. Demetrious é um bom homem, mas
completamente fanatizado pelo trabalho! Precisa de uma esposa. Rezo para que
um dia encontre uma criatura que lhe ensine que na vida existem coisas mais
importantes do que ganhar dinheiro!
Vicky desconfiava que a vida de Nik não consistia apenas de trabalho e que
talvez Obelia se preocupasse desnecessariamente. Sabia, porém, que não tinha
nada a ver com os assuntos pessoais de seu chefe e continuou a desfazer as
malas.
Assim que colocou seus pertences no guarda-roupa, Vicky se deitou,
rendendo-se ao cansaço da viagem. Esperava não estar por perto quando Nik
Demetrious se casasse, pois aquilo poderia ser doloroso para ela.
Obeiia, muito atenciosa, trouxe-lhe uma xícara de chá e, após tomá-lo, Vicky
dormiu durante umas duas horas, até chegar a hora de tomar banho e vestir-se
para o jantar. O apartamento era muito tranquilo e não se ouvia nenhum barulho.
Até parecia que estavam no campo, e não no centro de uma movimentada
metrópole.
Durante o jantar, Nik e Gordon falaram quase o tempo todo a respeito de
negócios. Somente de vez em quando incluíam Vicky na conversa, mas ela sentiu-
se satisfeita ao ouvi-los. Seu pai sempre dizia que era uma das melhores maneiras
de aprender e, mesmo após ter descansado, sentia-se por demais fatigada para
fazer qualquer coisa.
De vez em quando Nik sorria para ela. Vicky sentia a grande atração que
emanava daquele homem e lhe parecia que voltava a viver. Não sabia o que fazer
em relação a isso. Vivemos, com frequência, à mercê de nossas emoções, e como
ela poderia se opor a isso? Tudo o que lhe restava fazer era tentar manter-se fora
do alcance de Nik quando não estivessem trabalhando. Esperava secretamente
que Gordon pudesse ajudá-la em seus propósitos, convidando-a para sair de vez
em quando.
Nos dias que se seguiram, percebeu que isso não iria acontecer. Gordon
continuava a ser gentil e cheio de consideração, mas tinha deveres e amigos que
não a incluíam. Assim sendo, Vicky com frequência passava longas horas a sós
com Nik.
Ele saía cedo, levando Gordon em sua companhia, mas costumava voltar
sozinho, com sua maleta de executivo na mão. Dava-lhe anotações para
datilografar e fitas para transcrever, ditando-lhe cartas quando não estava ao
telefone. Vicky não poderia queixar-se de que não tinha o que fazer, mas parecia-
lhe que o que estava fazendo lá era apenas a continuação do trabalho rotineiro que
executava em Londres. Antes da viagem imaginava que se transformaria no braço
direito de Nik, tornando-se indispensável, mas agora essa imagem se dissolvia
rapidamente.
Certa vez reclamou pelo fato de não ir jamais ao escritório central da
companhia, e Nik respondeu que tinha alguém lá à sua disposição. Vicky admitiu
que isso fosse possível, mas não conseguiu deixar de sentir que havia alguma coisa
errada, o que a deixou bastante intrigada. Desconfiava que lhe escondiam algo de
propósito e se tornava cada vez mais convencida de que Nik não confiava nela
inteiramente.
Isso magoou Vicky e ao mesrno tempo a preocupou. Por que ele estava tão
determinado a deixá-la de lado? Por que a tinha trazido até lá, se tinha tão pouca
confiança nela?
Certa noite em que Gordon foi a uma festa com amigos, ela tomou coragem e o
interrogou. Tivera um dia muito trabalhoso e, para sua grande surpresa, Nik
convidou-a para irem jantar fora. Declarou que não tinham pressa e que ela
poderia se aprontar à vontade, pois sairiam daí a uma hora.
Os olhos de Vicky brilharam, diante daquela perspectiva, e seu coração bateu
com mais rapidez, mas de repente lhe ocorreu que o convite poderia fazer parte da
campanha para mante-la na ignorância do que estava acontecendo.
— Algumas vezes sinto que não confia em mim, sr. Demetrious! — declarou,
antes que pudesse controlar-se.
Ele arqueou as sobrancelhas, numa atitude arrogante, e Vicky se deu conta de
que Nik não estava acostumado a semelhantes desafios. Achou que ficaria furioso,
mas experimentou grande alívio quando ele não reagiu conforme esperava.
— Por que pensa semelhante coisa?
Ela se desculpou imediatamente, sentindo que Nik esperava aquela atitude.
Se o ressentimento não a consumisse durante todos aqueles dias, talvez não
tivesse dito nada.
— Creio que estão acontecendo muitas coisas e nada sei a respeito delas —
declarou, em atitude de claro desafio.
— E acha que deveria saber?
— Não deveria? A maior parte das secretárias parece saber tudo.
— Nem tudo, srta. Brovvn. — Dessa vez não havia como se enganar, Nik
estava realmente indignado. — Quando uma grande transação está para ser
concluída, o menor escorregão pode custar uma fortuna.
— Espero ter provado que sou discreta! — declarou ela com petulância.
Imediatamente se arrependeu, pois devia ser sensata e não iniciar qualquer tipo de
discussão com Nik.
— Ainda não provou o que quer que seja, mas, no seu lugar, não ficaria
muito preocupado, srta. Brown. É mais uma precaução de minha parte do que má
vontade em confiar na sua pessoa. Tenho certeza de que lhe dou muito que fazer.
Vicky concordou, imaginando por que ainda tinha dúvidas. O que Nik acabava
de dizer fazia muito sentido. Era uma tolice, de sua parte, acreditar que o silêncio
de Nik era um ataque à sua integridade pessoal.
— Desculpe... Agora, com certeza, não me levará para jantar fora...
— Não seja tão infantil, Vicky, e vá se aprontar.
Ela obedeceu imediatamente e, após um banho prolongado, pôs um dos
vestidos que havia comprado em Londres, de seda pura e muito elegante. Era o
vestido de maior classe que possuíra até então e amou suas cores suaves. A única
coisa que a deixou em dúvida foi o decote, que deixava exposta boa parte de seu
colo. Tomara que Nik não o achasse ousado demais... Afinal de contas, ele a
convidara para um jantar, e não para uma noite de gala.
Agora era tarde demais para voltar a trocar de roupa, decidiu, pois já tinha se
penteado e maquilado. Os cabelos estavam com outra aparência, agora que os
tinha cortado. Já não eram mais tão lisos e ondulavam suavemente. Antes de sair,
contemplou-se no espelho. Já não era mais a mesma criatura, mas conseguiu se
convencer de que Nik jamais notaria isso.
Ele estava à sua espera na sala de estar e usava um terno escuro, de corte
impecável, que valorizava seu corpo atlético. Não havia a menor expressão em seu
rosto bonito e enérgico, quando ele se voltou para encará-la. Ao vê-lo, Vicky quase
perdeu a respiração, mas percebeu que não causava o mesmo efeito sobre ele.
— Olá, Vicky. Você está muito elegante... — comentou Nik rapidamente.
Claro que não esperava ser recebida de braços abertos, mas, ainda assim, não
conseguiu entender por que Nik falava com tamanha secura. Suas palavras
pareciam mais um insulto do que propriamente um elogio, e ela estremeceu, pois
daria tudo para ouvi-lo dizer que estava bonita. Insegura, sorriu para ele, decidida
a ignorar um desprezo que certamente não existia.
— Desculpe o atraso, sr. Demetrious.
— Não, você não está atrasada — disse ele, tirando-lhe das mãos o xale de seda
e colocando-o sobre os ombros dela. — E acho melhor você me chamar de Nik.
Ao sentir o calor de suas mãos, Vicky estremeceu e Nik percebeu sua reação.
— Está com frio? — perguntou, intrigado.
Vicky, nervosa, fez que não e procurou afastar-se dele. Aquele breve contato
provocou uma onda de calor em seu corpo e não sabia como controlá-la. Jamais
havia sentido aquilo e, durante um bom momento, Nik ficou a encará-la.
— Mas então por que está tremendo?
— Não sei...
— Foi porque pedi para me chamar de Nik ou por que toquei em você?
— Nem uma coisa, nem outra... — respondeu ela, corando violentamente. —
Talvez estivesse tremendo de medo e nervosismo...
— E são coisas tão diferentes uma da outra? — Nik sorriu, causando-lhe danos
ainda maiores ao coração vulnerável, — Não, não responda. Se lhe fizer mais
perguntas, você acabará desmaiando de fome.
Como é que conseguia resistir, diante daquele sorriso tão sedutor?, pensou
Vicky, Ele estava lançando mão de todo seu charme e era suficientemente esperto
para saber como usá-lo. Já não o vira empregá-lo em relação a outras mulheres?
Gostaria de esquecer a cena do avião. No entanto, era preferível vê-lo sorrindo para
ela do que lhe fazendo censuras. Apesar de desprezar a si mesma por sua
fraqueza, reagia como todas as pessoas, isto é, submetendo-se àquele homem.
Ao deixarem o apartamento, Nik parecia ter mudado de atitude. Não a perdia
de vista e se mostrava tão atencioso que Vicky teve a impressão de estar sonhando.
Tinha de reconhecer que era uma situação bem diferente do pesadelo que vivia,
toda vez que se aproximava tanto de um homem. Quando Nik a convidou para
dançar, esperou experimentar aquele sentimento inevitável de repulsa, mas, para
sua grande surpresa, isso não aconteceu. Quando ele passou o braço em torno de
sua cintura, estremeceu ligeiramente, mas não passou disso.
Ao olhar para Nik, percebeu que ele a encarava fixamente. Corou ligeiramente e
abaixou a cabeça em atitude de defesa, fechando os olhos. Tinha a sensação de
que não conseguiria mais respirar, se ele continuasse a encará-la daquela maneira
e a segurasse com tanta firmeza.
Fazendo o possível para se controlar, Vicky olhou para os casais à sua volta.
Jamais tinha visto mulheres tão bonitas e homens tão bem vestidos. Se algumas
delas não eram verdadeiramente formosas, as roupas que usavam e seus
penteados sofisticados as tornavam atraentes. Nik lhe mostrara uma ou duas
celebridades, mas não tinha demonstrado maior interesse pelas pessoas ali
presentes.
Vicky ainda se sentia tonta, diante do esplendor daquele lugar elegantíssimo,
e, cheia de humildade, não sabia o que tinha feito para merecer estar ali.
Lembrar-se-ia daquela noite para o resto da vida e recusava-se a estragá-la,
imaginando que Nik a trouxera ali para acalmar sua consciência. Afinal de
contas, ele não era um estranho, em Nova York. Deveria conhecer muitas
mulheres, certamente mais atraentes do que ela, a quem poderia ter
convidado, caso assim o quisesse.
Jantaram sentados à uma mesa próxima da janela. Estavam no
sexagésimo-quinto andar e tinham uma vista esplêndida da cidade. Assim que
chegaram, Nik Demetrious fora imediatamente reconhecido e Vicky notara que
recebia um tratamento muito especial. Deram-lhes uma das melhores mesas e
foram conduzidos até ela como se fossem reis. Vicky sentiu vontade de rir, ao
imaginar o que o garçom pensaria se descobrisse que ela não passava de uma
secretária.
— Está se divertindo? — indagou Nik.
— Ah, sim!
— Gosta de lugares como este?
— Aprecio piqueniques e refeições servidas na bandeja, mas devo confessar
que este lugar é realmente muito bonito.
— Não estaria tão à vontade, se não estivesse acostumada com lugares iguais
a este, não é?
Vicky sentiu-se culpada, pois percebeu uma nota de censura na voz de Nik.
Por que parecia se aborrecer pelo fato de ela se sentir à vontade naquele
ambiente? Seu pai costumava levá-la para jantar fora e houvera uma época em
sua vida em que ele tinha muitos amigos.
Perdida em seus pensamentos, Vicky percebeu de repente que não havia
respondido à pergunta de Nik. Temia a interpretação que ele poderia dar ao seu
silêncio e percebeu que ele a encarava fixamente.
— Não tem importância. Posso adivinhar...
Adivinhar o quê? Vicky preferia que ele não fizesse tanto mistério e encarou-o
com ansiedade.
— Sr. Demetrious...
— Nik... Vamos dançar.
Ela concordou prontamente. Quando o conhecesse melhor, falaria a respeito
de seu pai. Tinha certeza de que aquele não era o momento apropriado.
— Sabe que notei as cores do seu vestido? — disse ele, após alguns
momentos. — É encantador, e as cores são tão sutis que é difícil percebê-las.
Ainda não saberia dizer se o azul é verde ou o contrário.
Vicky sorriu, contente de vê-lo bem-humorado, sem nenhum traço de
agressividade. Sabia o quanto Nik podia ser cruel para com uma mulher, caso ela o
desagradasse. Esperava com todo fervor que isso jamais lhe acontecesse.
A voz vibrante de Nik e seu corpo viril tinham despertado nela uma forte reação.
Seu sangue correu com muita força, deixando-a alarmada. Sentiu uma necessidade
profunda de se aproximar ainda mais dele e, desesperada, ficou a imaginar se não
tinha se apaixonado por aquele homem.
Já havia passado da meia-noite quando voltaram para o apartamento.
— Sinto-me exatamente como Cinderela — disse Vicky, rindo, quando parou
diante da porta de seu quarto a fim de desejar boa-noite a Nik.
— E eu sirvo como príncipe? A única coisa que me falta é um sapatinho de
cristal...
— Eu não... não devia ter dito isso. Perdão — disse ela, gaguejando, procurando
imaginar o que Nik devia estar pensando naquele momento.
— Acho que em Nova York as pessoas dizem e fazem coisas que jamais fariam
ou diriam em outros lugares. Aqui é permitido até mesmo um homem dar um beijo
em sua secretária, ao lhe desejar boa-noite...
— Creio que não é o caso, Nik. Afinal de contas, tenho de me lembrar de quem
sou — disse ela, assustada.
— Hoje à noite, você não é nada além de uma bonita mulher — declarou ele,
enquanto Vicky procurava abrir a porta do quarto.
Sua retirada foi impedida por Nik, que passou o braço em torno de sua cintura,
e seu protesto revelou-se inútil.
Quando ela tentou fugir, Nik enterrou os dedos em seus cabelos muito loiros,
forçando-lhe a cabeça para trás, Vicky não conseguiu evitar a proximidade dos
lábios dele e não teve tempo de esboçar a menor resistência. Nik a beijou com
ternura, que se transformou rapidamente num ato de profunda sensualidade. O
coração de Vicky disparou, e o sangue pulsava com tamanha velocidade, em suas
veias, que ela teve a impressão; de que iria desmaiar.
A pressão dos lábios de Nik aumentou subitamente e Vicky ouviu como que
uma espécie de música selvagem, que a excitava a ponto de perder a cabeça. Tinha
sonhado a noite inteira com aquele momento, mas agora que as coisas aconteciam,
não conseguia enfrentar a situação. Sentiu-se profundamente abalada, enquanto
Nik continuava a beijá-la. Suas mãos a acariciavam sem parar, só se detendo
quando pousaram sobre seus seios rijos.
De repente Nik largou-a e ela procurou se recompor. Um par de olhos cinza e
frios a examinava detidamente, com profunda ironia.
— Acaso está tentando fingir que nunca foi beijada?
Aquilo era quase verdade, e ela corou ainda mais. Felizmente, não precisou
responder, pois Gordon chegava naquele exato momento. Sentiu-se aliviada ao
perceber que ele não a surpreendera nos braços de Nik, mas, por outro lado, não se
sentiu nem um pouco satisfeita diante da evidente curiosidade estampada em seu
olhar. Murmurou um boa-noite e entrou rapidamente em seu quarto.

Na manhã seguinte acordou com muita dor de cabeça e olhou com certo
ressentimento para Nik, ao surpreendê-lo saboreando com vontade um farto café da
manhã.
— Bom dia, Vicky. Como está? A sua aparência não me parece nada boa...
— Estou bem, obrigada — respondeu ela, sentando-se, pois, só de vê-lo, sentia-
se fraca. — Desculpe, mas creio que dormi demais. Além das tarefas que me
deixou, precisa de mais alguma coisa?
— Não, creio que você ficará ocupada durante algumas horas. Preciso que me
acompanhe após o almoço.
— É uma reunião de negócios?
— Não, quero levá-la para dar uma volta pela cidade. Você não pode voltar para
Londres sem conhecer pelo menos parte dela.
Vicky engoliu em seco, incapaz de disfarçar a surpresa que experimentava.
Era muito raro Nik mostrar-se tão bem-humorado pela manhã e, além do mais,
o convite era inesperado.
— Você irá, Vicky? — indagou ele, antes que ela tivesse tempo de aceitar.
— Gostaria imensamente!
Ela deu um grande sorriso e seus olhos brilhavam como duas estrelas. Não
se importou com o fato de Gordon estar parado junto à porta, tendo
provavelmente ouvido parte da conversa.
Será que Nik não esqueceria do convite? Ficou preocupada a manhã inteira,
pois, se aquilo acontecesse, não suportaria tamanha decepção. A dor de cabeça
diminuiu, voltando em seguida com toda força, pois achava impossível relaxar.
Estava tomada por tamanha ansiedade que, na hora do almoço, só
conseguiu comer um sanduíche. Trocou de roupa logo em seguida e, quando
Obelia anunciou que Nik estava à sua espera, não lhe foi possível disfarçar o
alívio que experimentou.
Radiante, pegou a bolsa e foi ao encontro dele. Havia uma certa expressão
em seus olhos que fez com que o coração de Vicky disparasse. Sabia que estava
muito bonita, em seu vestido novo de algodão, mas algo lhe dizia que não devia
levar Nik muito a sério. Afinal de contas, ele era seu patrão e, por mais que se
sentisse envolvida, não era suficientemente tola a ponto de admitir que ele
corresponderia. Um magnata grego estava fora de seu alcance e faria muito bem
em não esquecer esse detalhe!
No entanto, não conseguia deixar de se emocionar ao notar que Nik a
encarava com curiosidade. Ele usava calças de brim e uma camisa esporte. Seu
corpo forte e perturbador adquiria novas dimensões. Agora Vicky acreditava
naqueles antepassados camponeses sobre os quais ele havia falado, homens
cuja força havia domado uma natureza ingrata e cujos descendentes haviam
construído impérios. A camisa estava aberta, no peito coberto de pêlos negros e
sedosos, e ela, incomodada, desviou rapidamente o olhar.
— Você está o próprio retrato da inocência ameaçada, Vicky. Como é que
consegue semelhante coisa?
Ela sentiu-se indignada com aquela observação e corou violentamente. Em
se tratando de sua pessoa, qualquer sugestão de inocência parecia deixá-lo
indignado. Por que seria?
— Pois sou inocente...
Como era possível alguém fazer uma tal confissão? Era ingénua demais
para ser convincente!
Nik sorriu, o que era muito raro, e Vicky, nervosa, procurou saber o que
havia por trás daquele sorriso, quando o chofer apareceu.
— Para onde vamos? — perguntou ela, enquanto o carro seguia pelo centro
da cidade. De cada lado das ruas, os arranha-céus atingiam alturas
inacreditáveis. No íntimo, Vicky receava tamanha imponência, imaginando o
que aconteceria se eles acaso desabassem.
— Já lhe disse que vamos dar um passeio. Escolha: podemos pegar um
barco, ir de helicóptero e até mesmo andar.
— Acho melhor você decidir. Não sei qual é a melhor alternativa.
— Pois então sugiro prosseguir com o carro. Talvez possamos andar um
pouco pelo Central Park mais tarde e reservar o helicóptero para amanhã.
— Naturalmente, você já conhece isso tudo, não?
— Sim, mas já fiz esse passeio há tanto tempo que provavelmente não me
lembro de mais nada. Nova York é uma cidade onde se trabalha demais e não
nos deixa tempo para conhecê-la melhor.
— Mas você costuma vir muito aqui.
— Censura as minhas vindas frequentes ou o modo como eu trabalho?
— Não tenho certeza — declarou ela, assustada com a própria audácia. —
Você trabalha demais e, às vezes, parece muito cansado. Talvez fosse melhor se
tivesse um lugar fora da cidade, onde pudesse descansar de vez em quando.
— Ah, sei... Um lugar bonito, que fosse também do agrado dos meus
funcionários, não é mesmo?
Por que Nik desconfiava tanto das intenções alheias?
— Não posso falar pelos outros, mas não estava pensando em mim.
— Desculpe. Tenho certeza de que se preocupa com o meu bem-estar, srta.
Brown, mas está se esquecendo de algo. Meu lar é na Grécia e, apesar de
passar menos tempo lá do que nos outros lugares, eu a amo acima de tudo.
Vicky, indignada e ao mesmo tempo frustrada, desviou rapidamente a
cabeça, olhando pela janela. Nik era um homem motivado por fortes emoções,
mas com que frequência seu coração era afetado por elas? Que ternura ele
dispensava aos lugares ou às mulheres? Tinha casos, mas duvidava de que
seus sentimentos fossem afetados por eles.
Com os olhos cheios de lágrimas, Vicky desejou jamais ter sido beijada por
ele. Parte dela ainda se sentia chocada, diante da profunda reação física que
seu contato com Nik havia provocado. Passara o resto da noite tentando
compreender os sentimentos que ele tinha despertado. Ficara espantada ao
constatar que ele havia conseguido destruir certas inibições e, agora que estava
tão próxima a Nik, ficou ainda mais espantada, pois desejava intensamente ser
tomada novamente em seus braços. Aquilo não fazia sentido, pois passara
muitos anos mantendo os homens a distância, e suspirou profundamente.
Acreditando que aquele suspiro era devido ao fato de ela sentir-se de
alguma forma incomodada, Nik perguntou se estava com calor.
— Agosto não é o melhor mês para se visitar Nova York, pois a umidade é
grande.
— Não me incomodo nem um pouco. Provavelmente estará chovendo,
quando voltarmos para a Inglaterra.
Após percorrerem boa parte da cidade, decidiram ir até o bairro chinês e,
em seguida, a Greenwich Village, onde residem os artistas e boémios de Nova
York. As ruas, no entanto, pareciam perfeitamente normais e nelas se viam
jovens mães, empurrando carrinhos de bebé, e velhos sentados nos bancos, em
conversa animada.
Nik decidiu que passariam o resto da tarde no imenso Central Park, lugar
muito agradável, bem no centro da cidade.
Nos dias que se seguiram, Vicky teve muitas vezes a sensação de que devia
estar sonhando e esperava nunca mais acordar. Nik a levava a todos os
lugares. Após percorrerem toda a ilha de carro, ele lhe mostrou a cidade de
barco e de helicóptero, e ela apreciou-a imensamente. Foi a tantos lugares
famosos, como, por exemplo, a Sede das Nações Unidas, que começou a anotar
seus nomes, o que provocou uma pergunta de Nik.
— Por que você está fazendo isso? — indagou, tirando da mão de Vicky a
caderneta de anotações e lendo-a.
— Acho que é para mostrar para os meus netos, um dia — disse ela, rindo e
ficando muito corada ao perceber o significado de suas palavras.
— Mas primeiro você terá de se casar, não é mesmo?
Vicky mordeu o lábio, muito constrangida. Apesar de admitir para si mesma
que amava Nik, nunca tinha ido tão longe. Procurou tratar o assunto com
superficialidade:
— Foi apenas um comentário tolo...
— Tolo, mas interessante.
— Nem tanto... Foi uma observação bem comum. Você sabe como é, a gente
compra jóias, propriedades, guarda velhos retratos e diz que é para mostrar aos
netos.
— Vicky, você não está dizendo nada que eu não saiba. Não estou nem um
pouco interessado nos netos dos outros, mas talvez me interesse pelos seus.
Será que ele não percebia o quanto estava sendo cruel? O rosto de Vicky, de
vermelho que estava, tornou-se muito pálido.
— Provavelmente não terei nenhum.
— Nunca se sabe...
Ele pegou subitamente sua mão e a levou aos lábios, beijando-a duas vezes.
O coração de Vicky disparou e ela experimentou intensa emoção, que precisava
pôr para fora. Era a segunda vez que Nik a beijava e ela sentia vontade de lhe
pedir que sua atitude fosse para valer. Uma garota experiente sempre consegue
dar a entender a um homem aquilo que ela deseja, sem precisar colocar seus
sentimentos em palavras. Quantas vezes ouvira suas colegas de escritório
expressarem essa opinião? Como desejava ser mais experiente! Não sabia
absolutamente o que deveria fazer para que Nik tomasse conhecimento de seus
anseios.

CAPITULO IV

Ao senti-la tremer, Nik levantou a cabeça, segurando as mãos de Vicky. O


coração dela continuava a bater loucamente e ele se manifestou com frieza:
— Estou apenas procurando agradecer o prazer da sua companhia, ontem à
noite.
Vicky, inquieta, procurou se controlar, enquanto ele pegava a maleta, pois
estava com pressa e tinha de partir imediatamente. Nik voltou-se com um
ligeiro sorriso, dizendo que a veria mais tarde, e Vicky concordou.
Assim que a porta se fechou, ela permaneceu durante alguns instantes no
mesmo lugar, olhando com apreensão a mão que Nik havia beijado. Havia algo
de errado e gostaria de saber do que se tratava. O sorriso artificial que bailava
em seus lábios desapareceu, enquanto ela tentava definir a diferença que havia
percebido na atitude de Nik. Seria culpa dela? Na verdade, não tinha se
divertido tanto na véspera e talvez sua depressão, que havia procurado
disfarçar, o afetara inconscientemente.
Nik a levou a um coquetel, pois recebia muitos convites e gostaria de aceitar
alguns. Ela declarou que não apreciava muito aquele tipo de reunião, mas Nik
disse, com uma ponta de cinismo, que Vicky talvez apreciasse ver caras novas.
Não entendeu muito bem o que ele queria dizer com aquilo. Procurou sentir
contentamento pelo fato de Nik apresentá-la a seus amigos, mas não eram o
tipo de gente que teria escolhido. As mulheres, quase todas, tinham sido
modelos e atrizes. Eram por demais sofisticadas, e Vicky achou que não tinha
nada em comum com elas. Quase todas eram bonitas e muitas se faziam
acompanhar por homens de boa aparência. O apartamento onde se realizava o
coquetel estava repleto, cheio de fumaça e barulho. Vicky tentou fingir que se
divertia, mas não conseguiu. Não deveria ficar surpreendida quando Nik a
abandonou por uma companhia mais alegre... Vicky recusava-se a pensar
naquela bela ruiva, que passou os braços em torno do pescoço de Nik e o beijou
na boca.
Era difícil livrar-se da depressão que sentia, e poderia ter continuado
naquele estado, se Nik não tivesse lhe telefonado mais tarde, perguntando como
ela estava e lembrando que teriam um encontro à noite.
O simples fato de falar com ele foi o suficiente para levá-la a sentir-se bem
novamente. Nik avisou que talvez se atrasasse e Vicky não ficou nem um pouco
surpreendida ao ver Gordon chegar antes dele. Foi ao encontro dela na sala de
estar e pigarreou, hesitante.
— Vicky...
Ela o olhou, surpreendida. Aquela atitude não era característica de Gordon,
pois era um dos homens mais decididos que ela conhecia.
— O que foi? Está precisando de um empréstimo? — disse, sorrindo,
procurando deixá-lo à vontade.
— Claro que não! — ele gaguejou, muito ruborizado.
— Eu estava brincando.
— Bem, Vicky, estou tentando lhe dar um conselho, mas percebo que não é
nada fácil. Afinal de contas, Nik é meu chefe e eu o respeito. Ele é um homem
brilhante...
— Creio que você está querendo me avisar de alguma coisa, não é, Gordon?
— Sim, se você prestar atenção.
— Ora essa, Gordon! Afinal de contas, tenho vinte e dois anos!
— Não estou falando de idade. Você ainda é uma criança sob muitos
aspectos. A diferença em anos não importa, mas a diferença em experiência,
sim.
— Quer dizer então que a nossa discussão diz respeito a mim e a Nik?
Ele fez que sim e Vicky procurou ser paciente, pois sabia que Gordon estava
bem-intencionado. Era um homem muito cauteloso e procurava ver o lado
negativo das situações, antes de examinar suas vantagens.
— Acho que a maior parte dos homens que passaram dos trinta possuem
certo grau de experiência... — observou Vicky. — Pare de ficar alarmado,
Gordon. Nik tem sido muito bom comigo, mas não passou disso. Não imagino
que irá se apaixonar por mim.
— Nik talvez seja um homem muito experiente e tem muita mistura de
sangue em suas veias, mas, acima de tudo, é um grego e, como tal, tem fortes
preconceitos.
— Mas o que isso tem a ver comigo? Acho que sei qual é o meu lugar.
— Não se trata disso, Vicky. Estou falando para o seu próprio bem. Nik não
leva as mulheres a sério. É bem verdade que um homem que não enxerga as
suas qualidades é um cego, mas não se trata disso. Para Nik, o casamento é
outro assunto e não gostaria de vê-la magoada.
— Mas não existe nada entra Nik e mim...
— Mesmo assim, ele tem saído um bocado com você.
— Talvez seja apenas um capricho.
— Contanto que você tenha consciência disso...
Aquela noite, Nik iria levá-la mais uma vez para jantar fora. Ele tinha bom
gosto e certamente escolheria um lugar que ambos apreciassem. Vicky
suspirou, ao pensar que voltariam para Londres dentro de uns dois dias.
Começava a se acostumar com Nova York e, naquela tarde, durante a ausência
de Nik, tomara coragem e saíra sozinha, indo fazer compras nas lojas elegantes
da Quinta Avenida. Ao voltar para casa, dissera a Obelia que era uma felicidade
não morar naquela cidade, pois se veria tentada a gastar todo seu dinheiro.
Não precisava de um vestido novo, mas não conseguira resistir. Enquanto a
balconista o embrulhava, ficara preocupada com a própria extravagância.
Agora, no entanto, sentia-se contente com sua ousadia e sua consciência se
acalmou. Feliz, passou uma ou duas gotas de perfume nos pulsos, retocou a
maquilagem e foi correndo ao encontro de Nik.
Ao ouvi-la aproximar-se, ele se voltou rapidamente. Durante alguns
segundos, Vicky julgou ver um brilho de desprezo em seu olhar, mas talvez
fosse apenas uma ilusão. Agora ele sorria e a encarava com evidente
admiração.
— Você está muito bonita, Vicky. O vestido é novo?
— Sim.
Sentia-se tão contente que sorriu para ele, sem perceber seu ar ligeiramente
irónico. A despeito dos avisos de Gordon, não podia deixar de estar feliz, pois a
garota que Nik tinha diante de si era inteiramente diferente da criatura um
tanto tímida com quem ele se acostumara.
— Gosta do meu vestido?
— Você precisava dele?
— Devo confessar que custou um dinheirão.
— Eu a reembolsarei.
Aquela declaração era quase uma bofetada no rosto, e Vicky deu um passo
atrás, chocada.
— De modo algum! Isso é problema meu!
— Se fosse, você não teria tocado no assunto.
Vicky o encarou, espantada com aquela mudança de atitude. Por que ele a
agredia tanto? Devia ter uma opinião péssima das mulheres, se imaginava que
elas estavam sempre atrás de dinheiro. Ou sua opinião se limitava apenas à
sua secretária, Vicky Brown? Suspirou baixinho, achando que talvez fosse
melhor não sair com ele aquela noite.
Como se adivinhasse sua intenção, Nik não lhe deu a oportunidade de
mudar de ideia e deixou o assunto morrer, apressando-a, pois o carro os
esperava. Apesar de desprezar a própria fraqueza, Vicky sentiu-se contente de
partir antes da chegada de Gordon, que certamente a olharia com o mesmo ar
de reprovação de Nik. Era mais do que ela conseguia suportar.
Quando entraram no carro, Nik perguntou onde Gordon se encontrava, e
ela respondeu que devia estar no quarto, pois estivera conversando com ele
havia uma hora. O que Nik diria, se lhe revelasse o assunto da conversa?
Ficou surpreendida ao constatar o quanto se sentia aliviada, à medida que
se afastavam da cidade. Gostava de Nova York, mas preferia a região campestre
que se estendia à sua volta. Apreciava imensamente os lugares retirados onde
um casal podia jantar e dançar numa intimidade quase total. Em Nova York as
noites eram frequentemente interrompidas pela presença de um ou outro
conhecido de Nik, mas havia poucas possibilidades de isso acontecer ali. Em
pleno campo, Vicky tinha Nik só para ela, mas sabia que aquilo não iria durar
por muito tempo. Assim que voltassem para Londres, ele nunca mais a
convidaria para saírem.
Nik parou num lugar situado junto ao rio e recomendado por seus amigos.
Vicky nunca tinha visto nada que se comparasse àquele belo e luxuoso hotel.
Era um dos lugares mais românticos em que estivera até então e relaxou, de
um modo como não julgava possível uma hora atrás. Nik sorriu para ela e
pediu desculpas por sua explosão de temperamento.
— É que tive um dia infernal e Gordon desapareceu.
— Ele me disse que os negócios tinham sido concluídos com muito sucesso.
— Sim, mas ainda há muito que fazer.
— Você está cansado?
Vicky notou o quanto ele estava pálido, o que era bem pouco habitual, e
gostaria de ter o direito de colocar sua mão sobre a dele, em cima da mesa,
num gesto de solidariedade.
— Sim, mas espero me sentir bem melhor dentro de pouco tempo.
— Quando voltar para casa? Nik, você diria que tem alguns preconceitos?
— Em relação a que, por exemplo?
— Bem, os gregos ainda acreditam na vingança...
— Será que precisamos discutir agora este assunto, Vicky? — perguntou
ele, irritado.
— Não, não... — Não deveria ter feito semelhante pergunta e não esperava
uma reação tão violenta.
— Mas então por que tocou nele?
— Será necessário dar uma explicação? É algo que acaba de me passar pela
cabeça.
— É mesmo?
A expressão de Nik era ameaçadora e, ao mesmo tempo, carregada de
ironia. Vicky estremeceu e fez um esforço desesperado para mudar de assunto:
— Que lugar tão bonito este, não?
— Não é tão bonito quanto você, Vicky.
Os olhos dele pousaram sobre seus ombros nus, antes de se deterem sobre
seu rosto, e Nik se exprimiu com uma mistura de seriedade e divertimento:
— Preciso tomar cuidado para não devorá-la, em vez de comer meu jantar!
A comida estava uma verdadeira delícia, e, ao sentir que Nik relaxava, Vicky
sorriu. Em seguida dançaram, coisa que ele tanto apreciava. Como de costume,
seus passos combinavam perfeitamente e ela se sentiu contente por se
abandonar em seus braços. Fechou os olhos e suspirou profundamente,
sentindo-se excitada. Amava Nik, mas momentos como aquele eram o máximo
que podia ambicionar. Levaria anos e anos para superar aquele sentimento.
Mais tarde foram dar um passeio nas margens do rio. A noite estava quente
e escura, iluminada apenas por algumas estrelas. Vicky precisava do braço que
Nik passou em torno de sua cintura a fim de guiá-la, mas dispensaria a
sensação que ele despertou. Depois de estar tão junto a ele na pista de dança,
gostaria de afastar-se um pouco, a fim de permitir que seus sentidos
perturbados se acalmassem.
A certa altura do passeio, as luzes do hotel desapareceram. As águas do rio
Hydson corriam em tumulto e somente o fraco clarão das estrelas revelava o
perfil das árvores que cresciam em suas margens. O hotel não estava nada
cheio e os poucos hóspedes preferiram não sair, de modo que estavam
absolutamente sós. Mesmo assim, Nik levou Vicky para debaixo de alguns
carvalhos gigantes, cujos ramos os isolaram por completo.
Nik não dizia nada, nem Vicky, pois ela sabia que iria ser beijada. Desejava
aquilo de todo coração e não ousava fazer o menor ruído, de medo que ele
mudasse de ideia. Sabia que devia envergonhar-se daqueles sentimentos e não
devia permitir de modo algum que aquilo se transformasse numa febre que a
consumisse. No entanto, as emoções a dominavam, destruindo os últimos
vestígios de sensatez. Quando ele parou, puxando-a para junto de si,
abandonou-se sem dizer sequer uma palavra, sem se furtar àqueles lábios que
se colavam aos dela com selvageria.
A falta de ternura não fazia a menor diferença para o que ela sentia. O calor
penetrou em todo seu corpo, como se Nik tivesse acabado de ligar uma corrente
elétrica. Os dedos dele pareciam queimar sua pele, e Vicky, num gesto
instintivo, abriu os lábios, permitindo aquela invasão perturbadora. Cada
palmo de seu corpo foi invadido por uma fraqueza quente e amolecedora. Os
braços de Nik a apertaram com mais força e eram a única coisa de que ela
tinha consciência, num mundo que se desvanecia rapidamente. De repente ele
a levantou nos braços, deitando-a sobre o gramado macio. Deitou-se ao lado
dela e falou em voz baixa, entrecortada pelo desejo:
— Você não se importa, não é mesmo, Vicky? É o que nós dois queremos...
Ela não tinha muita certeza do que Nik queria dizer com aquilo, mas, ainda
assim, ficou chocada. Abriu os olhos, viu que ele tirava o paletó e afrouxava a
gravata. Devia levantar-se imediatamente. Um tremor passou por todo seu
corpo, ao imaginar se ele acaso pretendia seduzi-la. Se ele tentasse, poderia
lutar, embora sabendo que não tinha a menor condição de enfrentá-lo. Sua
cabeça começava a girar e todos seus sentidos se alvoroçavam. Nik sabia o
quanto ela o desejava e confiava em que o próximo passo seria fácil.
Vicky ainda tentava lutar contra seus violentos desejos quando Nik a tomou
novamente nos braços. Não aguentando mais, ela lhe enterrou os dedos nos
cabelos, trazendo aquela boca sensual de encontro a seus lábios, que já se
abriam em oferenda total.
Ele a beijou com ousadia e em seguida seus lábios roçaram o rosto de
Vicky, enquanto suas mãos lhe percorriam o corpo esguio. Ela fez uma última
tentativa no sentido de resistir, procurando debater-se contra o fato de estar
por demais próxima do homem que até então a protegia. Ao constatar seu
fracasso, abandonou-se à fraqueza que a invadia. Em certo momento, quando
procurou encará-lo em meio à escuridão, percebeu um estranho fulgor em seus
olhos. Durante alguns segundos, aquela expressão a deixou gelada e, ao mesmo
tempo, excitada. Antes que conseguisse escapar, seus lábios tornaram-se
novamente prisioneiros dos dele e ela foi beijada com enorme sensualidade,
desistindo finalmente de qualquer pensamento de fuga.
Vicky endireitou-se, lutando contra aqueles braços poderosos que a
subjugavam, mas Nik a imobilizou, esperando que sua resistência diminuísse.
Quando isso aconteceu, ele abaixou o vestido de Vicky, tendo acesso total a
seus seios rijos e bem formados. Acariciou-os com a perícia de um mestre
consumado e em seguida seus lábios tomaram posse daquele território tão
cobiçado.
Um tremor incontrolável apoderou-se de Vicky e pareceu repercutir naquele
corpo musculoso que quase a esmagava. Sentia que estava a ponto de desmaiar
de prazer. Ele a dominava inteiramente e uma fraqueza cada vez maior a
invadiu, a ponto de se sentir incapaz de se mover.
A intensidade das emoções deu-lhe finalmente um pouco de resistência e
ela encontrou forças para afastar-se dos braços dele. Nunca se imaginara capaz
de semelhante paixão e temia que aquilo a levasse a cometer um ato de
loucura. Vermelha de humilhação, percebeu que Nik tinha plena consciência
dos sentimentos que a consumiam, enquanto olhava seu corpo trémulo de
emoção.
— Então, pela primeira vez na vida, você encontra algo que a motiva com
mais força do que a sua mente mercenária, não é mesmo?
Vicky, atónita, teve a impressão de que não ouvira perfeitamente.
— Nik...
— Desculpe, Vicky. Nem sei o que estou dizendo... Os meus sentimentos se
descontrolaram. Eu a trouxe aqui com a intenção de pedi-la em casamento, e
não para insultá-la ou seduzi-la, meu amor.
— Está me pedindo em casamento? — Quando ele disse que sim, ela se
esqueceu de tudo o mais, sentindo enorme felicidade. — Oh, Nik, eu te amo!
— Isso quer dizer que você concorda?
— Oh, sim, querido! Por alguns momentos, cheguei a pensar que você
queria apenas uma aventura... Não me passou pela cabeça que desejava casar
comigo!
— Mas então por que acha que tenho saído tanto com você?
— Julguei que se sentia solitário e entediado.
— Querida, conheço muitas mulheres com quem poderia me divertir muito,
caso se tratasse apenas disso.
Algo no tom com que ele se exprimia preocupou-a novamente.
— Nik, tem certeza de que quer casar comigo?
— Já não disse que quero?
Ele falava com decisão, mas o casamento era um compromisso muito sério.
A expressão de seu olhar, que encarava Vicky com insolência, a deixava muito
preocupada. Subitamente corou, ao perceber que estava quase nua. Claro que
Nik era o responsável por ela se encontrar em semelhante estado, mas agora
havia se tornado sua noiva e ele naturalmente esperava que se comportasse
com maior decoro. Recompôs-se às pressas e sorriu.
— Também já disse que quero. Eu te amo muito.
Esperou que ele declarasse seu amor, o que não aconteceu. Nik, limitou-se
a sorrir, tomando-a novamente nos braços e apoderando-se de seus lábios,
como se quisesse selar aquele acordo. Dessa vez, ela correspondeu
apaixonadamente e de repente sentia-se livre, exultante, sem o menor temor.
— Querido, quando vamos nos casar?
— Você está com pressa? — perguntou ele, tenso.
Vicky sentiu-se confusa. Pareceu-lhe que Nik haveria de querer casar o
mais breve possível. O desejo que o consumia dava-lhe essa impressão, e ela
julgava que nenhum dos dois tivesse o menor motivo para esperar. Claro que
na Grécia talvez fosse considerado inconveniente casar-se quase imediatamente
após o anúncio do noivado. Não havia muita diferença entre os povos até que se
chegasse a coisas sérias, tais como a religião e o casamento, mas quase sempre
esses assuntos causavam problemas.
— Eu não pretendia ser presunçosa, Nik. Desculpe...
— Existem certas formalidades que precisam ser cumpridas — replicou ele
friamente, sem dar maiores explicações. Soltou-a e pegou o paletó. — Espero
podermos marcar em breve uma data.
E isso quando ela queria pertencer unicamente a ele! Esperava que fosse
para breve. Precisava comprar com urgência um livro sobre os costumes gregos.
Talvez ele estivesse seguindo um procedimento normal, ao deixar de dizer que a
amava e ao pedir que esperasse.
— Quando soube pela primeira vez que desejava casar comigo, Nik?
— Não tenho certeza. Talvez quando ouvi falar de você pela primeira vez!
— Quando ouviu falar de mim? — perguntou Vicky, muito intrigada.
— Desculpe... Quando a vi pela primeira vez.
Estava escuro demais e Vick não notou a preocupação estampada no olhar
de Nik. Estava contente, pois achava que ele perguntaria há quanto tempo ela o
amava. Imaginava que era o tipo de indagação que os casais se faziam, tão logo
seu amor tivesse sido declarado. Ele, porém, não lhe fez nenhuma pergunta e
não sabia o que Nik pensaria, se declarasse que o amava desde que fora
trabalhar para a companhia.
Deveria ser fácil conversar com ele, agora que estavam noivos, mas Vicky
sentiu-se surpreendida ao constatar o contrário. O fato de terem ficado noivos
não deveria transformá-los em dois estranhos.
Quando deixaram o hotel, de partida para Nova York, surpreendeu-se
olhando de vez em quando para Nik, imaginando o que ele poderia estar
pensando naquele momento. Naquela noite deveria estar pensando unicamente
nela. Apreensiva, sentiu que tais reflexões não eram nem um pouco agradáveis.
Na verdade, o que sabia a respeito dele? Era um homem muito inteligente,
mas capaz de emoções violentas e até mesmo perigosas. Era igualmente capaz
de suprimi-las e disfarçá-las, de tal modo que ninguém poderia saber o que ele
pensava de fato.
— Posso contar para Gordon e para os demais o que está acontecendo entre
nós? — indagou Vicky, após entrarem no apartamento. — Você se importa?
— Pelo amor de Deus, Vicky! — A humildade dela parecia aborrecê-lo. —
Diga-lhes o que você bem entender.
Os lábios de Vicky tremeram e ele a tomou nos braços.
— Não repare em mim, Vicky. Sou tão bruto...
— Você está cansado.
Ela se agarrou a essa explicação como um marinheiro se agarra a um salva-
vidas. Não se importava com o que Nik era, quando ele a segurava daquele
jeito. Ele conseguia fazer com que deixasse de pensar, quando a acariciava
daquele jeito. Perdoava-o, sem a menor restrição.
— Já arranjei o seu anel de noivado! — A voz dele agora era terna, como se
tivesse decidido se desculpar pela demonstração de mau humor.
— Que bom!
Vicky procurou ignorar a leve decepção que sentia, pois gostaria de ter ido
com ele a fim de escolher o anel. Era isso que os casais faziam, quando ficavam
noivos. O som da música da sala de estar indicava que Gordon se encontrava
lá. Nik foi abrir um cofre na parede e voltou com um pequeno estojo.
—Aqui está.
Nervosa, Vicky pegou o estojo e o abriu, ficando encantada com o que viu.
Era um belo anel e amou a linda pedra azul rodeada por pequenos brilhantes.
Percebeu que Nik devia ter feito uma escolha cuidadosa, pois a safira
combinava com seus olhos tão azuis... Sentiu-se invadida por uma onda de
amor e gratidão e não conseguiu falar.
— Não vai usá-lo?
— Oh, sim...
Esperava que Nik o enfiasse em seu dedo e corou violentamente, com um
vago sentimento de culpa.
— É tão bonito! Trata-se de uma jóia de família?
— De modo algum! — Vicky ficou surpreendida, pois Nik parecia quase
ofendido. — Uma garota como você merece algo muito diferente.
Não tinha certeza do que aquelas palavras significavam, mas parecia tratar-
se de um assunto delicado e achou melhor não insistir.
— Bem, agora vá dar a notícia aos outros.
Nik empurrou-a para fora da sala com impaciência. Vicky tornou a se sentir
magoada, mas achou que estava sendo por demais suscetível.
— Mas agora é tarde, querido... Não será melhor anunciar amanhã?
Nesse exato momento, Obelia veio da cozinha com uma bandeja nas mãos.
— Boa noite! Philo e eu acabamos de voltar da rua e perguntei ao sr. Taylor
se gostaria de tomar café. Quem sabe os senhores também aceitam?
— Dispenso o café, Obelia. Vá buscar uma garrafa do nosso melhor
champanha. A srta. Vicky e eu acabamos de ficar noivos!
Gordon, que abria a porta naquele exato momento, ouviu as palavras de Nik
e corou violentamente. Vicky achou que ele se lembrava do conselho que lhe
dera e sorriu para ele, procurando dar a entender que não guardava o menor
ressentimento.
— Você ouviu, Gordon? Estamos noivos — disse Nik.
Vicky mordeu o lábio. Por que Nik não tinha passado o braço em torno dela,
dizendo, por exemplo, "Vicky prometeu casar comigo", ou "gostaria de lhe
apresentar a minha futura esposa"? Até parecia que tinha fechado mais um
negócio, e ainda assim ela o vira mais entusiasmado, em tais ocasiões. Não lhe
parecia que Gordon tivesse notado, mas talvez aquilo acabaria por lhe ocorrer
mais tarde, como costumava acontecer.
— Philo está trazendo o champanha — informou Obelia, muito excitada. —
Pedi a ele que tomasse essa providência, pois morro de curiosidade de ver o seu
anel, srta, Vicky!
Vicky, toda orgulhosa, estendeu a mão, e os olhos castanhos de Obelia
examinaram detidamente a jóia.
— É muito bonito... — disse, após uma breve hesitação.
Gordon rompeu o silêncio constrangedor que se fizera, dando os parabéns.
Vicky sentiu que vivia num mundo de sonhos, durante os dois próximos dias,
antes de viajarem de volta para a Inglaterra. Dizia a si mesma que deveria ser
uma das criaturas mais felizes sobre a face da Terra, mas não conseguia acreditar
inteiramente no que estava lhe acontecendo. Nik não era culpado pelo fato de ela
ter dúvidas de vez em quando, pois se tratava de uma pessoa extremamente
atenciosa. A cada momento que passava, Vicky sentia que se apaixonava por ele
mais e mais. Se pelo menos conseguisse livrar-se da sensação de que algo estava
errado... Ele deveria casar com uma jovem da sociedade, que se revelaria uma
esposa perfeita. Mas precisava não esquecer que a escolha fora dele, que Nik tinha
muitas oportunidades de se casar com quem bem entendesse, caso quisesse. Tendo-
se convencido disso, Vicky sentiu-se muito melhor.
No entanto, suas dúvidas ainda a impediam de falar com Nick a respeito de
Vera. Ele sabia que Vicky era órfã de pai e mãe e que não tinha irmãos ou
irmãs. Por mais surpreendente que fosse, ele não parecia se interessar por sua
família ou pelo que ela tinha feito antes de conhecê-lo. Devido à sua falta de
interesse, Vicky conseguiu convencer-se de que Vera tinha sido apenas sua
madrasta e que não havia a menor necessidade de mencionar seu nome. Se lhe
falasse a respeito dela, Nik poderia pedir para conhecê-la. Esperto como era,
adivinharia imediatamente o tipo de mulher que tinha pela frente. Naturalmente,
haveria de pensar que Vera deveria ter exercido alguma influência sobre ela e,
apreensiva, decidiu não correr esse risco.
A reação de Gordon ao noivado também não ficou muito clara, apesar de ele
ter dado efusivos parabéns. Na manhã seguinte, logo após o café, Nik falava ao
telefone e Gordon pediu desculpas a Vicky pelo conselho que lhe tinha dado.
— Sinto-me um perfeito idiota. Por que não me fez calar a boca e permitiu que
eu dissesse todas aquelas tolices?
Vicky não tinha o menor ressentimento em relação a ele e conseguia até
mesmo admirar o modo como Gordon conseguia encarar uma situação
constrangedora.
— Tenho certeza de que você agiu com a melhor das intenções. Sabe como
eu costumo valorizar os seus conselhos, Gordon.
— Mas não nesse caso... Você sabe o quanto quero o seu bem, Vicky, e Nik
não poderia ter encontrado criatura melhor. No entanto, devo dizer que os
caminhos do amor às vezes são complicados, e, se algum dia precisar de um
ombro amigo em que se apoiar, conte comigo...
— Isso lá é coisa que se diga a uma garota que acaba de ficar noiva? —
disse ela, comovida, pois percebia que o oferecimento de Gordon era sincero.
No seu último dia em Nova York, Vicky mal se avistou com Nik, mas havia
muito que fazer e ela não se importou. Como sempre, trabalhava no
apartamento e sentia-se tão feliz que não se incomodou com o fato de Obelia
aparecer a cada cinco minutos, sob o pretexto de saber se ela precisava de
alguma coisa. No fundo, tinha apenas vontade de conversar, pois ainda estava
muito excitada com o noivado.
— A próxima vez que vier a Nova York talvez já esteja casada!
— Talvez... — Vicky não disse que o casamento era algo sobre o que Nik
evitava discutir.
— E o casamento será em breve? Philo e eu gostaríamos muito de
comparecer, mas creio que será realizado em Atenas ou Corfu, não é mesmo?
— Não tenho certeza.
— O sr. Nik tem uma villa maravilhosa, em Corfu. Espero que morem lá e
tenham seus filhos naquele lugar tão encantador.
Vicky, ao ouvir tais palavras, errou a carta que datilografava e teve de
refazê-la. Aí estava um assunto sobre o qual Nik não dissera absolutamente
nada. É claro que lhe falara da villa, mas sem se referir à sua exata localização.
Não entendia aquele mistério, como também não entendia por que ficara tão
perturbada, ao saber que a villa se encontrava na ilha de Corfu. Afinal de
contas, tinha achado aquele lugar magnífico e com certeza seria maravilhoso
viver lá.
De nada adianta sentir-se infeliz, disse Vicky para si mesma, enquanto
Obelia se retirava. Lembrou-se de que Nik não era um homem comum. Tinha
casos superficiais com algumas mulheres, mas provavelmente estava
acostumado a concentrar-se unicamente em seus negócios. Se ia se preocupar
porque ele parecia ignorar os assuntos que os noivos costumam abordar, então
seria o caso de começar a procurar outro homem.

CAPITULO V

Nos escritórios de Londres, o anúncio do noivado provocou grande


excitação. Os funcionários, de modo geral, disfarçaram muito bem sua reação
inicial, mas Vicky precisaria ser muito pouco sensível para não notar que a
comoção causada em algumas pessoas chegava à beira da consternação.
Com efeito, havia mulheres muito mais bonitas do que ela, que conheciam
Nik Demetrious há muito mais tempo e não conseguiam entender como Vicky
tinha sido tão bem-sucedida e elas não. Ninguém seria suficientemente tolo
para se arriscar a ofender Nik, criticando às claras sua futura esposa, mas
Vicky sentia que havia muitos comentários surdos em torno dela.
A despeito de tudo, Nik costumava sair com Vicky quase todas as noites e
se mostrava tão atencioso que todas as dúvidas dela se dissiparam. Jantavam
juntos, no apartamento dele ou em algum clube elegante, onde podiam também
dançar. Não houvera festa de noivado, mas Nik garantira que isso não era
necessário, pois preferia tê-la só para si durante as noites. Haveria tempo de
sobra para fazerem vida social. Ele lhe fazia muitos elogios, dava-lhe pequenos
presentes e, cada manhã, antes de ela partir para o trabalho, o garoto de uma
famosa floricultura vinha entregar-lhe belíssimas flores, que Vicky recebia com
indisfarçada alegria.
Decorridas três semanas, durante as quais Nik se mostrou invariavelmente
atencioso, Vicky sentiu suficiente confiança para perguntar novamente sobre a
data do casamento. Era a primeira vez que ele concordava em entrar para
tomar um café, após trazê-la para casa, e isso, em si, pareceu bom sinal para
Vicky. Sempre que o convidava ele se recusava. Parecia não gostar daquela
casa, o que a deixava muito preocupada. Não tinha o menor desejo de
continuar a morar lá, depois que se casassem, mas, por outro lado, não sabia o
que fazer com ela. Precisava tomar uma decisão nesse sentido e reuniu
coragem suficiente para perguntar a Nik se ele acaso tinha pensado numa data
para o casamento.
— Temos muito tempo pela frente — murmurou ele, pondo de lado a xícara
de café e tomando-a nos braços. — Você sabe como tenho estado ocupado.
Estou começando a relaxar, após a viagem a Nova York.
Quando ele a abraçava, como acontecia naquele momento, Vicky sentia a
maior dificuldade em pensar seriamente.
— Eu te amo, Nik — murmurou, enquanto ele lhe beijava o pescoço. O calor
de seus corpos juntos um do outro já a deixava mole, e ela passou os braços
em torno dele.
— Falaremos desse assunto um dia destes — disse ele baixinho,
desabotoando a camisa e fazendo o mesmo com a blusa de Vicky. — O
casamento é um assunto muito sério. É preciso pensar onde iremos morar, nos
filhos, na vida social... Quero ter você só para mim, durante mais algum tempo.
Vicky tinha vontade de dizer que o casamento serviria para aproximá-los
cada vez mais. Sempre tivera tanto medo dos homens e era difícil entender por
que sentia vontade de se abandonar tão completamente a Nik. Se ela se sentia
daquele jeito, como era possível que Nik, um homem tão sensual, se
contentasse em esperar?
Ela o desejava intensamente, naquele momento, e notou que a paixão
modificava os traços de Nik, enquanto ele a acariciava. Começou a beijá-la com
ousadia e acariciou todo seu corpo, como se tivesse vontade de conhecê-lo
intimamente. Seus lábios roçaram ligeiramente os dela e Nik, acomodando-a
nas macias almofadas, deitou-se por cima de Vicky. Ele tremia e ela ouviu sua
respiração ofegante, sentindo seu coração bater com toda força.
Não tinham mais se achado tão próximos um do outro desde aquela noite em
que ele a pedira em casamento, e se beijaram como se tivessem estado separados
por muitos anos. Vicky sentiu aquele peito musculoso de encontro a seus seios e o
peso de suas coxas, que pressionavam as dela. O desejo embaçava os olhos de Nik,
enquanto ele acariciava os bicos de seus seios. Nada mais importava, e os beijos de
Nik tornavam-se cada vez mais íntimos e insistentes, até que seus corpos
começaram a ondular.
— Durma comigo, Vicky... Não se negue a mim, esta noite... — pediu ele, com
a voz rouca de paixão.
Era a última coisa que ela poderia fazer. Sabia que estava pronta para lhe dar
tudo e não havia nada demais nisso, pois, afinal de contas, estavam noivos. Talvez
fosse algo temerário, por ela ser inexperiente, mas Nik descobriu isso, tomando as
devidas precauções.
— Vicky...
Ele se dirigia a ela em tom quase suplicante, e Vicky sentiu um princípio de
medo, mas o desejo era mais forte, suprimindo toda e qualquer hesitação.
— Sim, mas, se fizermos o que você deseja, talvez precisemos nos casar mais
cedo do que você pensa...
Vicky não saberia explicar por que disse semelhante coisa. Talvez quisesse
lembrá-lo de sua inexperiência e a relutância de Nik em fixar uma data para o
casamento a tivesse levado a lhe dar aquele aviso. Também não soube dizer se
ficou contente ou triste, quando, após alguns momentos de tensão, Nik afastou-se
brutalmente.
— Creio que, no fundo, não é uma boa ideia — declarou ele com aspereza.
— Nik... será que eu disse algo errado?
Ele sacudiu a cabeça e um intenso rubor invadiu o rosto de Vicky. Sentou-se e
começou a abotoar a blusa com dedos trémulos. Nik parecia estar disposto a
tomar uma atitude violenta. Seria uma loucura discutir com ele, mas Vicky ainda
estava perturbada o bastante para conseguir ignorar a prudência que a situação
exigia.
— Se vamos nos casar de verdade, acaso tem importância o que iremos fazer?
— Um grego jamais se casa com a mulher com quem ele dormiu.
Vicky agora começava a enxergar claro, mas ao mesmo tempo não conseguia
deixar de se sentir espantada com a capacidade de Nik de ligar-se e desligar-se de
suas emoções, caso ele as tivesse! Ele jamais dissera que a amava! Espantada,
olhou para Nik e lágrimas de frustração inundaram seus olhos. Ele a encarou com
ar decidido e implacável. Havia tomado uma decisão e nada seria capaz de
modificá-la.
— Vou embora, Vicky. — A frieza com que ele se exprimia era um aviso para
que ela não fizesse uma cena, muito embora sentisse vontade de gritar.
Amando-o e ao mesmo tempo odiando-o, ela se levantou, tentando conservar
um pouco de sua dignidade.
— Vou acompanhá-lo até a porta.
Ao chegar à entrada, procurou dizer algo normal, de tal forma que ele não
notasse o quanto estava agitada:
— Esta casa é grande demais para mim. Pretendo vendê-la.
— Quando?
— Muito em breve, já que vamos nos casar — respondeu ela, arrependendo-se
do que dissera. Aquela casa nunca agradara a Nik e tinha sido uma tola em tocar
no assunto.
Ele não fez o menor comentário e inclinou-se, dando-lhe um ligeiro beijo.
— Boa noite — disse Vicky, quase chorando. — Eu te amo, Nik.
Ela se exprimiu em voz bem baixa, quase num murmúrio, mas Nik deve tê-la
ouvido, pois lhe lançou um olhar cínico, entrando logo em seguida no carro.
Assim que ele partiu, Vicky voltou correndo para a sala e enterrou o rosto
molhado de lágrimas nas almofadas do divã onde eles tinham sentado. Só então
percebeu o quanto estava cansada, mas, ainda assim, sentia uma necessidade
profunda de recordar os breves momentos que Nik havia passado com ela naquela
casa. As almofadas em que se tinham recostado ainda estavam quentes, mas de
manhã estariam tão frias quanto os olhos daquele homem, no momento em que se
despedira, tão frias quanto o amor dele!
Por que haveria de pensar semelhante coisa? Era uma grande tolice imaginar
que ele não a amava, pois que outro motivo o levaria a casar com ela? Não tinha
riqueza nem excepcional beleza. Essas perguntas, e muitas outras sem resposta
possível, atormentaram Vicky até ela se sentir tonta. Não sentia a menor vergonha
de ter se oferecido a Nik. Tinha prometido desposá-lo, o que significava que, até
certo ponto, já se abandonara a ele. Para ela era motivo de constante admiração o
fato de se sentir excitada com seus beijos, que estavam muito longe de assustá-la.
Agora, a única coisa que desejava era ouvi-lo dizer que a amava, e cada vez
mais adquiria a certeza de que aquilo talvez nunca viesse a acontecer. Talvez Nik
não experimentasse as mesmas sensações que provocava em Vicky. Claro que ele
não poderia negar o estranho magnetismo que os atraía um para o outro, mas
poderia ser algo meramente físico. Aquilo, porém, não era base suficiente para um
casamento, e Nik não levaria muito tempo para se cansar dela.
Passou a noite quase em claro, subitamente certa de que ela o entediava. Não
tinha coragem de ouvi-lo fazer essa declaração. Quando chegou ao escritório, ele
era o homem de sempre, e Vicky sentiu imenso alívio. Falava apenas de negócios e
estava de tão bom humor que o desafogo de Vicky acabou se transformando em
amargura, pois o que tinha acontecido na véspera não o perturbara nem um
pouco.
Almoçaram juntos, e o bom humor de Nik não se alterava. Apesar de evitar
assuntos pessoais, declarou que ela estava muito bonita e que gostava de seu
vestido. Encomendou champanha e, após a segunda taça, Vicky estava disposta a
perdoar tudo, mesmo que ele não pedisse.
Nik anunciou que teria de jantar com um amigo, que se despedia da vida de
solteiro, e Vicky sentiu-se contente por ter finalmente uma noite só para ela.
Tinha muito que fazer em casa e, se encontrasse um pouco de tempo, faria uma
visitinha à sra. Younger. Tinha visto a vizinha poucas vezes, desde que chegara de
Nova York, e ela já devia estar se sentindo abandonada.
No dia seguinte não parou, por um minuto, no escritório, pois o telefone
tocava sem cessar. Nik esteve reunido com Gordon a maior parte do tempo e dava-
lhe continuamente tarefas para cumprir. Vicky se tornava cada vez mais eficiente,
o que a deixava muito contente, e conseguia atender quase todos os pedidos de
Nik. Alguns eram completamente irracionais e de vez em quando ela se punha a
imaginar se acaso Nik havia esquecido que era sua noiva.
Logo percebeu que não era verdade, pois ele comunicou que a levaria a uma
festa, aquela noite, assim que terminasse seu trabalho. Vicky sentiu-se muito
contente, mas o comentário que ele fez logo em seguida trouxe de volta seus mais
recentes temores:
— Acho que já é tempo de circularmos um pouco mais, caso contrário
acabaremos nos cansando um do outro.
Enquanto se vestia, Vicky procurou não pensar no significado daquelas
palavras. Nik não tinha se dado ao trabalho de explicar e, antes que ela pudesse
fazer qualquer indagação, o telefone tocou e teve de sair de sua sala.
Vestiu-se com o maior apuro, e sua aparência lhe deu bastante confiança em
si. Sentiu-se ainda mais contente ao surpreender o olhar de admiração de Nik,
que, conforme havia prometido, foi buscá-la. Estava tão empolgada que nem
sequer se deu conta de que cobiçava cada palavra e cada olhar que ele lhe dirigia,
a semelhança de um mendigo à espera de algumas migalhas.
Como se quisesse penitenciar-se pelo mau humor demonstrado durante o dia,
Nik beijou-a ligeiramente e, muito gentil, ajudou-a a entrar no carro, o que a
deixou feliz. Afastavam-se, e ela perguntou quem dava a festa. Nik indicou o nome
de uma personalidade conhecida e de sua mulher.
— São amigos meus — esclareceu.
A casa era um tanto retirada da cidade e parecia um lugar muito agradável. A
área de estacionamento já estava repleta de automóveis, mas não pareceu a Vicky
que isso tivesse a ver com o tremor de apreensão que a tomava naquele momento.
Era algo que a deixava intrigada e impaciente consigo mesma. Tinha sido criada
num mundo muito parecido com aquele e não havia por que sentir-se deslocada e
assustada.
Tentou livrar-se de seus inexplicáveis temores e caminhou ao lado de Nik em
direção à casa. Talvez ele a vigiasse a noite toda para ver como ela se saía e não
gostaria de decepcioná-lo.
Os donos da casa estavam no vestíbulo, conversando com alguns dos
convidados, mas vieram imediatamente ao encontro deles. Eram pessoas
abastadas e cultas, mas Vicky sentiu-se insegura, sem saber se gostava deles ou
não. Festejaram demais Nik, mas, quanto a ela, limitaram-se a encará-la com
certa frieza, e os sorrisos que lhe dirigiram eram de natureza bem diferente. O
marido olhou para Vicky por mais tempo do que sua mulher, e com maior
interesse, mas logo distraiu-se com algo que Nik lhe dizia e ela sentiu-se bem mais
à vontade.
Havia muitos convidados e a orquestra tocava alto demais. Todo mundo
parecia rir e conversar ao mesmo tempo. Vicky não encontrou ninguém
conhecido, mas isso não a deixou nem um pouco aborrecida.
Ficou ao lado de Nik enquanto ele a apresentava a um grupo de conhecidos,
mas alguém se interpôs entre eles e, quando voltou a olhar, ele tinha
desaparecido. O dono da casa, sir Clive Martin, colocou um copo de bebida em
sua mão e começou a lhe fazer perguntas a respeito do noivado. Estava
interessado em saber há quanto tempo ela conhecia Nik e onde morava em
Londres. Vicky tentou responder da melhor maneira possível, pois não queria
deixar evidente que estava mais interessada no paradeiro de Nik. Quando o viu
dançando com outra mulher, sentiu-se um tanto decepcionada. Ela era mais
velha, quase da mesma idade de Nik, e seus cabelos tinham um brilho excessivo
para ser natural. Ainda assim, tratava-se de uma criatura encantadora.
Sir Clive, que parecia saber absolutamente tudo a respeito das mulheres,
sentiu o que estava acontecendo.
— Você gostaria de estar dançando com Nik, não é mesmo? Nesse caso, não
deveria tê-lo deixado escapar.
— Ele é meu noivo, sir Clive, mas não o mantenho acorrentado.
— Talvez seja preciso, minha cara...
Vicky suspirou fundo. Conhecia bastante homens do tipo de sir Clive e havia
sido apresentada a vários, durante o reinado de Vera. Eram usualmente tipos de
meia-idade e podiam ser tão maliciosos quanto qualquer mulher.
— No seu lugar, não levaria Gilda muito a sério, srta. Brown. Conhece Nik
há muito tempo e talvez ele a esteja apenas consolando.
— E por que ele haveria de fazer semelhante coisa?
— Não se pode esperar que ela esteja feliz com o noivado, pois houve uma
época em que esperava capturar esse belo partido que é Nik...
Sir Clive convidou-a para dançar e ela concordou, um pouco perturbada.
Sentia-se envergonhada por ter tanto ciúme. Se Nik tivesse vontade de casar com
Gilda, nada deste mundo poderia detê-lo. Lembrou-se daquela bonita ruiva na
festa, em Nova York, e procurou não pensar no assunto ou na dor que sentia.
O resto da noite revelou-se um verdadeiro desastre. Nik não chegou a
abandoná-la inteiramente, dançando duas vezes com ela, mas pareceu contente
em deixá-la com sir Clive, que não arredava pé. Vicky sentiu-se humilhada, ao
perder a conta de quantas vezes Nik dançou com Gilda, e ele não fez a menor
questão de apresentá-las.
À meia-noite, quando já não aguentava mais, pediu para ir para casa. Nik não
discutiu, mas, quando entraram no carro, fez uma pergunta brusca:
— Por que quis vir embora tão cedo? Não estava se divertindo?
— Ao contrário, achei a festa muito agradável.
— Se nos casarmos, você precisará mostrar mais entusiasmo, quando
recebermos as pessoas...
Ele deveria ter dito "quando nos casarmos", em vez de "se nos casarmos"...
Vicky sentia-se angustiada demais para discutir e não conseguia entender o que
estava se passando. Precisava de tempo para pensar. Não queria entrar em
conflito com Nik e muito menos dizer algo de que viesse a se arrepender.
Durante todo o trajeto de volta, ele mal lhe falou e, após deixá-la em frente à
sua casa, murmurou apenas algumas palavras de despedida. Não quis entrar,
não a beijou e, quando o carro se afastou, Vicky sentia-se no auge da
infelicidade.

Nos dias que se seguiram, prosseguiu a sutil mudança em seu relacionamento.


Vicky tentou ignorar o fato, mas sabia que era impossível. Nik estava por demais
ocupado para almoçar com ela e, em cinco noites, viu-o apenas uma vez. Foi
jantar em seu apartamento, onde encontrou alguns de seus amigos. Nik alegou que
os negócios tomavam todo seu tempo, mas o tom com que se exprimia parecia
indicar que não se importava em absoluto com o fato de ela acreditar ou não.
A foto, no jornal, de Nik dançando numa boate muito conhecida com uma
mulher, que ela reconheceu como sendo Gilda, confirmou suas suspeitas de que
ele saía com mais alguém. Tremeu, indignada, diante da falta de sensibilidade de
Nik. Se queria sair com outra mulher, por que não era sincero e lhe falava a
respeito? Um noivado podia ser desfeito, e muita gente já tinha cometido erros
daquele tipo. O que não conseguia entender era o silêncio de Nik. Talvez esperasse
que ela dissesse algo, pois já devia ter adivinhado que Vicky começava a
desconfiar dele. Isso ela jamais faria. Amava-o tanto que não pensava em seu
próprio orgulho, mas esperava que Nik acabasse se cansando de Gilda e voltasse
para ela.
Logo se tornou evidente que a foto publicada no jornal tinha sido vista por
outras pessoas, sobretudo por uma das funcionárias da firma, que sentiu grande
prazer em mencionar o fato. Vicky desconfiava que em todos os departamentos se
faziam comentários, o que a deixou muito magoada. Nunca tinha imaginado que
fosse possível sofrer tanto e não sabia por quanto tempo suportaria a situação.
Certa tarde em que voltou para o escritório, encontrou Gilda na companhia
de Nik. Ainda naquela manhã, ele a ignorara, e havia vários dias que não
estava com Nik após o trabalho. Tinha a horrível sensação de que as coisas
estavam atingindo um clímax e que, por mais que fizesse, não conseguiria
evitá-lo.
Tudo aconteceu com mais rapidez do que ela imaginava. Ao voltar do
almoço, pegou um bloco de anotações, pronta para entrar na sala de Nik.
Quando abriu a porta, surpreendeu Gilda em seus braços. Ele a beijava
apaixonadamente e ela não fazia a menor tentativa de resistir.
Ao sentir sua presença, Nik ergueu a cabeça. Não parecia muito perturbado.
Vicky ficou surpreendida, ao constatar que ele pudesse mostrar tão pouca
emoção.
— A srta. Becker e eu vamos sair — disse a Vicky, segurando o braço de
Gilda. — Não sei a que horas voltarei, mas Gordon deve estar para chegar.
Gilda passou por Vicky como se ela simplesmente não existisse, e Nik lançou-
lhe um rápido olhar. Ela tentou falar, mas não conseguia articular nem sequer
uma palavra. Ficou gelada, diante da expressão de triunfo com que Nik a
encarava.
Ele não voltou, aquela tarde, e Vicky tentou ignorar os olhares preocupados de
Gordon. Não estava no escritório, quando Nik saíra, mas devia ter ouvido os
comentários. Vicky sentiu-se grata por ele não expressar a solidariedade que
obviamente experimentava, apreciando aquele gesto de discrição.
Às sete horas, após chegar em casa, Vicky não conseguiu mais se controlar e
telefonou para o apartamento de Nik. Dion disse que o sr. Demetrious tinha
acabado de chegar, mas, mesmo assim, iria chamá-lo. Enquanto esperava, Vicky
ouviu a risada de uma mulher e sentiu-se pior do que nunca.
Assim que atendeu, ele pediu desculpas por fazê-la esperar. Quando Vicky,
constrangida, disse que gostaria de vê-lo, Nik pareceu ficar aborrecido.
— Não me parece muito conveniente.
— Posso ir à sua casa!
— Não, não faça isso. Irei até aí, mas não sei exatamente a que horas.
Passava das dez, quando Vicky ouviu o carro dele parando diante de sua casa.
Nunca se sentira tão mal em toda sua vida. Sabia que devia tomar uma atitude,
mas amava tanto Nik que era como destruir parte de si mesma. O noivado deles
tinha se transformado numa fachada vazia, a qual precisava ser destruída,
enquanto ainda lhe restava um pouco de orgulho.
Abriu a porta assim que Nik tocou a campainha. Enquanto ele a seguia, sentiu-
se gelada e começou a tremer. As últimas semanas a haviam marcado
profundamente. Perdera peso, estava pálida, mas sua aparência era a última coisa
que a preocupava, naquele momento.
— E então? — perguntou Nik, em tom agressivo. — Você me pediu para vir até
aqui. Vou ter de esperar muito tempo para saber de que se trata?
— Desculpe ter interrompido o seu encontro com outra mulher... — murmurou
ela, trémula, muito embora procurasse se controlar.
— Ela me perdoará — disse ele, sorrindo.
Uma dor tão intensa apoderou-se de Vicky que lhe pareceu ter recebido uma
punhalada. Nik confessava cinicamente que lhe estava sendo infiel.
— Nik — disse, após respirar fundo, e com lágrimas nos olhos — não é fácil
dizer isto, mas acho melhor terminarmos o nosso noivado.
— Não acha essa decisão um tanto apressada?
Ele se exprimia com profunda ironia, e, num gesto rápido, Vicky enxugou as
lágrimas que ameaçavam rolar.
— Se eu fosse sensata, já teria feito isso há vários dias.
— Bem, o mais importante são os seus sentimentos e se isso a deixa tranquila...
— Não é verdade! Não sou eu quem tornou o nosso noivado uma farsa! Se
soubesse o que o pessoal do escritório anda dizendo...
— Não me amole. As mulheres sempre exageram.
— Pois eu não! Você emprega centenas de pessoas. Não finja que não sabe que
eles observam os seus menores passos. Nunca esperaram que o nosso noivado
durasse e já estão zombando de mim.
— É isso que a incomoda mais do que tudo, não?
— De modo algum. O que mais me incomoda é o erro que cometi. Julguei que
você me amava!
— Acaso eu disse isso alguma vez ou a convidei para conhecer a minha família?
Nunca lhe passou pela cabeça por que eu nunca disse que te amava?
— Julguei que isso tivesse a ver com os costumes do seu país. Pensei que me
amava, devido ao modo como...
— Sim?
— Devido ao modo como me beijou — ela concluiu, em atitude de desafio, mas
sem conseguir encará-lo.
— E a minha família?
— Nem sequer sabia que você tinha família, mas será que isso importa? Sabe
tão bem quanto eu que não existe mais nada entre nós.
Agora ela chorava sem disfarçar, e o sorriso irónico não abandonava os lábios
de Nik.
— Isso lhe dói?
— Eu te amava — murmurou ela, tentando controlar-se e tirando o anel de
noivado.
Ele o aceitou sem hesitação, enfiando-o no bolso, o que, para Vicky, foi o golpe
final. Amava tanto aquele anel, tinha tecido tantos sonhos em torno dele e tudo
terminava daquele jeito...
No breve silêncio que se seguiu, Vicky teve vagas esperanças de que Nik lhe
pedisse perdão, exprimindo o desejo de começar tudo de novo, mas nada disso
aconteceu.
— Por que me pediu em casamento?
— Por vingança.
— Por vingança?
— Sim, você ouviu muito bem. Achou que seria tão fácil enganar a mim como
enganou meu tio? Ele quase morreu por sua causa, mas saiba que sou muito
diferente dele.
Vicky arregalou os olhos, sem conseguir acreditar no que estava ouvindo.
— O que você está dizendo?
— Acho melhor você desistir. Já passou a época do fingimento.
— Mas eu não estou fingindo! Você tem de me dar uma explicação!
— Como quiser, mas terá de pagar cada palavra que eu pronunciar. Você fez
um mal irreparável à minha família e foi um choque descobrir que tinha perto de
mim uma víbora. As provas que obtive são irrecusáveis. Minha primeira reação foi
expulsá-la ou até mesmo matá-la, antes que você tentasse destruir mais alguém.
Decidi então que seria fácil demais, pois você merece sofrer.
— Sofrer?
— Quando lhe pedi para ser minha secretária, você deve ter pensado que eu
tinha caído em suas mãos. Naturalmente, achou que se aproveitaria de mim, mais
do que se aproveitou de meu tio, mas não esperava apaixonar-se por mim. Foi
graças a isso que eu triunfei. Percebi que a tinha em meu poder, ao notar que se
sentia atraída por mim, e consegui arrasar esse seu coração mercenário,
humilhando-a. Você precisava dessa lição. Acho que de agora em diante não
conseguirá mais brincar com o afeto de um homem.
— Nik — suplicou Vicky, que sentia a sala girar em torno dela. — Não tenho a
menor ideia do que você está falando. Acredite em mim!
— Não acredito, não. Se continuar a fingir durante muito mais tempo, acabarei
por bater em você!
— Você deve estar me confundido com outra pessoa!
— De modo algum. Certifiquei-me disso e fiz várias investigações. Você estava
na ilha de Corfu. — Ele citou algumas datas e ela teve de concordar. — Não podem
existir duas Vicky Brown de cabelos claros, morando em Londres e trabalhando
para a minha firma. Em menos de três semanas, conseguiu de tal modo
influenciar meu tio, um homem de sessenta anos, que, após prometer casar com
ele, o velho lhe deu um bom dinheiro, com o qual você conseguiu comprar esta
casa! Andou até mesmo dizendo por aí que se tratava de um presente! Depois que
o dinheiro foi transferido para a sua conta, enviou-lhe um bilhete, dizendo que não
o amava mais. Declarou que tinha cometido um erro e que iria casar com outro
homem. De acordo com minha tia, irmã dele, você partiu da ilha de um momento
para outro e simplesmente desapareceu. Meu tio poderia ter vindo atrás de você,
mas ficou sabendo que havia outro homem na sua vida. Tentou suicidar-se e, se
eu não tivesse chegado a tempo, não haveria a menor esperança para ele.

CAPITULO VI

— Pois ainda digo que você está cometendo um engano! Não se trata de mim
nem é possível semelhante coisa! Jamais fui apresentada a seu tio e nem sequer
sei o nome dele!
— Pare de mentir! — disse Nik, indignado, sacudindo-a. — Talvez achasse
que conseguiria arrancar dinheiro dos outros sem ser punida, mas estou aqui
para impedi-la de se aproveitar da infelicidade alheia. A polícia tem muito
interesse em mulheres como você!
— Você não está falando sério!
— Pois veremos. Para início de conversa, esta casa será vendida e o dinheiro
devolvido a meu tio Philip.
— Quantas vezes terei de dizer que jamais conheci seu tio? E se acaso fosse
culpada de tudo o que você me acusa, isso seria pior do que você me fez? Jamais
teve intenção de casar comigo! Foi apenas uma farsa, mediante a qual procurou
me enganar durante todo esse tempo. Deixou que eu me apaixonasse por você e
permaneceu de cabeça fria. Não sei como teve coragem de fazer semelhante coisa!
— Pois saiba que vou fazer muito mais do que isso. Apreciarei demais ver todo
mundo zombando de você, enquanto colhe a recompensa do seu fingimento.
— Não voltarei para a firma...
— Voltará, sim, sua trapaceira! Lembre-se de que assinou contrato por um
ano e terá de cumpri-lo. Irá sofrer demais e será uma lição de que nunca se
esquecerá.
Vicky ficou a encará-lo, sentindo-se completamente desamparada. Não sabia
como convencê-lo de sua inocência. A história que Nik acabara de contar era
trágica e não podia ser inventada. Ela tinha estado na ilha de Corfu e a garota de
quem ele falava correspondia perfeitamente ao seu tipo. Como conseguiria
convencê-lo de que ele tinha se enganado?
— A única coisa que posso fazer, Nik, é repetir que não conheço seu tio. Talvez
tenham lhe dado informações erradas.
— Você nem sequer tem a coragem de fazer uma confissão honesta!
— Mas é que não tenho nenhuma confissão a fazer!
Ele, em resposta, deu um bofetão em seu rosto molhado de lágrimas, o que a fez
cambalear.
— Ficará comigo até se resolver a fazer uma confissão completa. Só depois
disso, e quando me pedir perdão de joelhos, eu a deixarei partir.
— Por favor, Nik, não me faça uma coisa dessas!
— Farei, sim. Você não demonstrou a menor piedade por uma pessoa da minha
família e não fique se lamentando como uma covarde.

A semana seguinte revelou-se um verdadeiro tormento para Vicky. Havia


momentos em que ela tinha a impressão de que não conseguiria prosseguir. Nik
obrigou-a a continuar a trabalhar para ele. Na manhã que se seguiu à noite em
que ele tomara de volta o anel de noivado e lhe fizera aquelas pesadas
acusações, ela não foi ao escritório, mas Nik telefonou, ameaçando-a de coisas
terríveis, se não aparecesse dentro de uma hora.
Ela obedeceu e não demorou muito tempo para que a notícia do noivado
desfeito se espalhasse por todo o prédio, com a rapidez de um incêndio. Sentia-
se continuamente humilhada, e Nik estava tão convencido de que Vicky deveria
sofrer que se tornou o pior de todos os ofensores. Não percebia que a visão de
seu corpo esguio, de seus olhos azuis, repletos de inocência, levavam-no
lentamente à loucura.
Após o trabalho, Vicky passou longas horas tentando decifrar o mistério que
envolvia toda aquela história, mas fracassou. Era óbvio que alguém tinha usado
seu nome, mas não sabia por quê. A coisa não fazia o menor sentido, pois, de
acordo com Nik, aquela garota desconhecida e o tio dele tinham se conhecido por
acaso. Nada havia sido combinado. O que lhe parecia mais intrigante era que
aquela história acontecida em Corfu tinha algo a ver com ela.
O tratamento brutal de Nik e sua falta de confiança nela magoavam mais do
que tudo, mas não podia fazer nada a respeito. Quanto mais negava ter
conhecido o tio dele, mais ele se enfurecia. Todos os dias a torturava,
perguntando se ela estava pronta para fazer uma confissão, e Vicky sentia seu
ódio cada vez maior, quando ela, teimosa, dizia que não.
Ele não falou mais nada a respeito da casa e ela julgou que Nik tinha
esquecido o assunto, até que, certo dia, ele lhe pediu para ficar após o
expediente. Vicky já estava acostumada a trabalhar horas extras e qualquer
coisa era melhor do que ir para casa, onde a aguardava a solidão. Já não
chorava mais, pois as lágrimas pareciam ter secado. Algo tinha acontecido e já
não conhecia mais a extrema angústia que muitas vezes se tornava quase
insuportável. Não se queixava de regressar àquele mundo desprovido de
emoções no qual tinha vivido durante tantos anos. Nik Demetrious se apoderara
de seu amor e agora o lançava em seu rosto. Rezava para que nunca mais se
tornasse tão vulnerável.
Sentia-se grata por poder contemplar Nik sem sentir absolutamente nada. Em
vez de prosseguir com o assunto que, segundo ele, era tão importante, Nik
encarou-a e renovou suas acusações. Em vez de reagir por meio de lágrimas, dessa
vez Vicky mantinha uma expressão neutra, o que o deixou surpreendido.
— Prefiro que não diga nada enquanto Gordon estiver presente — disse ela,
com toda a calma.
Gordon tinha sido formidável, pois sabia que ela precisava de ajuda e a dava
de várias maneiras, sem fazer perguntas. Vicky não sentia a menor vontade de
que ele ouvisse as pesadas acusações que Nik continuava a fazer. Pelo visto,
Gordon acreditava que ela e Nik tinham brigado por assunto de menor
importância e preferia que ele não ficasse sabendo da verdade.
— Gordon já foi para casa. Porventura ficou cega, além de surda? —
perguntou Nik com brutalidade.
— Nem uma coisa, e nem outra, mas de vez em quando gostaria de ser surda,
para não ouvi-lo falar a respeito do seu precioso tio.
— É mesmo?
A fúria dele era incontrolável, e Vicky baixou o olhar, um tanto assustada com
a própria temeridade. Nik levantou-se e, aproxirnando-se, agarrou-a pelos
cabelos.
— Olhe para mim, quando falar!
Havia várias semanas que ele não se aproximava tanto e agora observava
suas olheiras fundas e reparava em sua magreza.
— Você merece o que está acontecendo... Vou pôr a casa a venda.
— Não! — Vicky estava tão chocada que se afastou bruscamente, deixando
alguns fios de cabelo na mão de Nik. Cheia de dor, disse a si mesma que Nik
devia estar blefando, mas sabia que aquele homem era capaz de tudo! — Então,
não entende que não tenho nada a ver com o que aconteceu com seu tio?
— Não entendo, não. Existe uma única maneira de provar isso: vou levá-la
para Corfu e lá veremos quem está blefando.
— Oh, não!
Aquela era a pior solução possível. Vicky não conseguia suportar o pensamento
de ir para a Grécia com Nik. Ela o odiava, mas essa possibilidade a perturbava
ainda mais do que o amor que sentira por ele. Tratava-se de algo inexplicável,
mas era uma emoção capaz de dividi-la pelo meio. Durante um breve momento,
sentiu-se tentada a cair de joelhos, conforme ele desejava, e confessar qualquer
coisa, mesmo que não tivesse culpa de nada.
— Sua hesitação prova o quanto é culpada!
— Não é verdade! É você quem está tentando me enganar. Decidiu provar que
sou culpada de tudo quanto diz ter acontecido. O seu orgulho não o deixará em paz,
até você conseguir chegar onde quer.
— Sou capaz de matá-la por isso!
— Há uma primeira vez para tudo... — declarou Vicky, sentinilo-se morta por
dentro.
— O que quer dizer com isso?
— Talvez você esteja enganado. Nunca se enganou, não é mesmo? Sendo o
grande Nik Demetrious, acredita que é tão infalível quanto um dos seus famosos
deuses gregos!
— Os fatos falam por si mesmos, srta. Brown. Não preciso recorrer à influência
da mitologia. Se não soubesse o que fazer da minha vida, não teria chegado onde me
encontro hoje.
— Pois provarei que desta vez não está com a razão. Irei para Corfu com o
senhor, no momento que quiser!

Vicky ainda se arrependia por ter sido precipitada, alguns dias mais tarde,
quando o avião que os transportava, vindo de Atenas, sobrevoava as florestas e o
mar azul de Corfu. Toda a coragem que demonstrara no escritório de Nik tinha
desaparecido, dando lugar à apreensão. Será que ele a teria trazido até ali, se não
estivesse tão seguro de sua culpa? Agora começava a duvidar da própria sanidade
mental. Começava até mesmo a se perguntar se não seria a mulher que havia
enganado o tio de Nik, e precisou recorrer a toda a sua firmeza de espírito a fim
de prosseguir.
Nik estava sentado a seu lado, arrogante como sempre e com o aspecto de
quem está se entediando profundamente. A aeromoça mal tirava os olhos dele,
mas não era correspondida.
Durante a breve permanência ern Atenas, ele continuara a tratá-la muito mal,
mas, felizmente, viam-se muito pouco. A srta. Devlin, que agora estava com
muito boa aparência, voltou a trabalhar para Nik, e Vicky recebeu a
comunicação de que deveria descansar no esplêndido apartamento de cobertura de
seu ex-noivo. Não sabia como ele tinha explicado sua presença para a srta. Devlin,
que se limitou a olhá-la fixamente, sem fazer nenhuma pergunta.
Vicky, incapaz de repousar, devido à agitação que sentia, gostaria de passear
pela cidade, mas Nik a proibira. Como iriam partir na manhã do dia seguinte,
observou que não valeria a pena.
Estivera com ele apenas na hora do jantar, o qual, como era de se esperar,
terminou por uma áspera discussão. Nik jamais se descontrolava em relação a
quem quer que fosse e por isso mesmo Vicky ficou admiradíssima de ouvi-lo gritar
daquele jeito.
Durante o jantar, servido por mais de uma empregada, ele a ignorou, cuidando
apenas de que fosse bem atendida. Tratava-se de um ato de cortesia e que nada
tinha a ver com ela, no plano pessoal. Foi somente durante o café, quando estavam
a sós, que ele tocou no assunto de sua virgindade:
— Surpreende-me que nenhum homem tenha tocado em você até hoje.
Vicky corou, sem saber como se defender. Ele a olhava com insolência e
parecia querer adivinhar os contornos de seu corpo.
— Não pode responder à minha observação?
— Creio que não é assunto para uma conversa após o jantar.
— Quero saber!
— Nunca pensei nesse assunto. Gosto de ser como sou, pois isso tem as suas
vantagens.
Não tinha muita certeza do que queria dizer com aquilo, mas estava muito
pouco preparada para o pequeno sermão que se seguiu.
— Garotas como você são piores do que prostitutas. A inocência não deve ser
estimada, quando ela é usada apenas para enfeitiçar um homem e levá-lo à morte.
Não posso afirmar como Philip reagirá, quando voltar a vê-la — murmurou Nik em
seu ouvido, depois que desceram do avião e partiram novamente em seu
helicóptero. — Aparentemente, somos gente muito civilizada, mas, no fundo, as
velhas paixões da nossa raça ainda ardem.
Vicky não precisava que ele lhe dissesse semelhante coisa. Sempre havia
sentido certa violência em seus beijos e agora entendia o ódio que levava Nik a
agir. Houve um tempo em que ficou assustada pelo fato de seu corpo reagir tão
prontamente ao contato com Nik, mas agora sentia-se satisfeita por conseguir
imaginar-se nos braços dele sem que isso a emocionasse.
— Vamos diretamente para a casa de seu tio?
Por mais inocente que fosse, Vicky sentia-se um pouco mal, ao pensar em
encontrar um homem que tinha sofrido muito. O mistério que havia percebido em
Londres ainda pairava, levando-a a temer aquele encontro, pois não sabia o que
poderia descobrir. Agora se arrependia de ter cedido às provocações de Nik,
viajando em sua companhia.
A partida de Londres fora precipitada. Assim que concordou em vir para a
Grécia com ele, Nik não lhe deu a menor oportunidade de mudar de ideia.
Cancelou todos os seus compromissos, deixando Gordon encarregado de tomar
uma série de providências.
Decorridos alguns dias, aliás exaustivos, Vicky percebeu que não tinha notícias
de Gilda Becker, mas não ficou nem um pouco surpreendida quando ela telefonou,
pedindo para falar com Nik. Não tinha a menor ideia do que ele dissera a Gilda,
mas, para aumentar ainda mais sua confusão, descobriu que estava gelada por
dentro, enquanto Nik conversava com sua rival.
Agora sobrevoavam a ilha, que era maravilhosa. Não conseguia olhar para toda
aquela beleza sem estremecer. Nik não tinha respondido à sua pergunta e ela
voltou a interrogá-lo, julgando que ele não tivesse ouvido:
— Iremos ver Philip amanhã de manhã. Primeiro preciso saber se ele está bem.
Ao ouvir o suspiro de Vicky, Nik devia ter adivinhado o que lhe passava pela
cabeça, pois dirigiu-se a ela com aspereza:
— Não lhe fará mal nenhum esperar um pouco mais. Acho melhor repousar
bastante por enquanto, depois de Philip dizer tudo o que pensa a seu respeito,
levará muito tempo para dormir!
Vicky olhou pela janela, observando as compridas praias e o mar muito azul.
O calor estava sufocante, mas a paisagem era muito verde. As montanhas, ao
longe, eram quase tão belas quanto o magnífico litoral. Havia amado Corfu
quando estivera lá em férias, mas agora a viagem seria inteiramente diferente.
Não tinha a menor ilusão a respeito. Independentemente do que viesse a
acontecer, seu instinto a prevenia de que iria sofrer. Agora sabia que existiam
diferentes formas de tortura, algumas das quais não poderia suportar. Um tremor
apoderou-se de seu corpo, apesar do calor, e Nik perguntou bruscamente o que
estava acontecendo.
— Você jamais compreenderia...
— Compreendo, sim, mas a culpa é toda sua.
— Pois você é quem vai levar um choque... — ela retrucou, mas ele não disse
nada, olhando-a com descrença.
A villa era um lugar simples e agradável, quase na beira da praia, que também
pertencia a Nik. Lá havia alguns criados, mas não eram tão numerosos como em
Atenas. Um casal cuidava da casa e do jardim e uma jovem criada dava conta do
resto.
Nik apresentou-lhes Vicky como sendo sua secretária. A senhora chamava-se
Daphne, seu marido Cyprian e a criadinha tinha o nome de Delta.
A villa, mobiliada com singeleza, era muito espaçosa. Os jardins e a vista eram
tão bonitos que Vicky duvidava de que alguém quisesse ficar dentro de casa muito
tempo.
— Vou sair — anunciou Nik, no momento em que Daphne se preparava para
mostrar a Vicky seu quarto. — Se não voltar a tempo, jante sem mim, mas de
modo algum saia da villa ou vá até o mar. Se tiver vontade de nadar, há uma
piscina lá no jardim.
Vicky só voltou a vê-lo tarde da noite. Quando ele voltou, preparava-se para
deitar. Como tinha passado um dia terrível, solitária e entregue a seus
pensamentos, seu rosto estava pálido e abatido.
— Espero que tenha passado um bom dia — observou ela com amargura.
— Conversar com um homem que ainda se sente infeliz e humilhado só pode
me deixar deprimido.
— Refere-se a seu tio?
— É evidente. Por que não o chama de Philip? Não creio que hesitasse tanto,
há alguns meses.
— Não é minha culpa se ele se sente tão mal. Naturalmente, acredita que o
que está fazendo por ele irá ajudá-lo.
— É tudo o que me resta fazer.
— Acha que o fato de me ver poderá lhe fazer bem? Se eu fosse a garota que
ele amou, não lhe parece que a minha presença o faria sentir-se ainda pior?
— Você é essa garota. Foi para fazê-la admitir este fato e para provocar uma
reação em Philip que eu a trouxe até aqui. Pretendia levá-la à presença dele
mostrando-a exatamente como você é, mas agora vejo que isso poderia ser um
erro.
Vicky encarou-o, tremendo de incerteza, enquanto os olhos de Nik a
examinavam com insolência. Ele havia passado o braço em torno de sua cintura,
num gesto quase tão cruel quanto sua expressão. Os criados tinham-se retirado,
pois não dormiam na villa. Sentiu medo, ao perceber o quanto estava isolada.
— Como Philip se sentiria melhor, se eu lhe apresentasse uma mulher
humilhada e infeliz, em vez de alguém com a aparência de um anjo
incompreendido. . . Se você passar a noite comigo, tenho certeza de que
ninguém irá confundi-la com a criatura que você está muito longe de ser.
— Não! — gritou ela, no momento em que os lábios de Nik a procuraram.
Tentou escapar, mas, assim que sentiu seu hálito quente e perturbador, percebeu
que estava perdida. Não tinha como se opor à tremenda força física de Nik nem
como evitar seu louco raciocínio. Ele agarrou-a pelo queixo, imobilizando-a, e
esmagou seus lábios contra os dela. Vicky sentiu dor ainda maior quando
tentou livrar um braço, a fim de esbofeteá-lo, mas ele continuava a agarrá-la com
toda força. Um medo tal como nunca tinha experimentado apoderou-se de todo o
seu ser, no nomento em que Nik ergueu a cabeça e perguntou se aquilo bastava.
— É mais do que suficiente! — disse ela com desprezo.
— Você tratou Philip como se ele não existisse e gostaria de me tratar da mesma
maneira. Não fica surpreendida pelo fato de eu me sentir tentado a lhe dar uma
lição?
— Você se arrependerá!
— Não me arrependerei, não! Fui um tolo em não pensar nisto antes.
Provavelmente está disposta a enganar Philip novamente! Irá até ele, fingindo
inocência, e queixando-se de que eu a espanquei!
— Você deve estar louco!
— Não, começo a enxergar claro. Apenas quero tomar uma atitude, a fim de
que ele não se importe mais com você.
— Eu te odeio! Você não se importa com isso?
— E por que haveria de me importar? Apenas posso lhe prometer que você
vai gostar...
Vicky, horrorizada, sentiu que suas resistências afrouxavam. Um forte calor
invadiu todo seu corpo e submeteu-se àquelas mãos que a acariciavam e
desciam o zíper de seu vestido. O mundo oscilou perigosamente, enquanto as mãos
ousadas de Nik exploravam seu corpo esguio. Com um gemido de êxtase, Vicky
agarrou-se a ele, retribuindo todos os seus beijos. A paixão explodiu com
violência e ela enterrou os dedos nos cabelos de Nik.
Exatamente no momento em que ele a tomou nos braços, sem disfarçar suas
intenções, o telefone tocou. Ele hesitou, com a intenção de ignorá-lo, mas voltou a
pô-la no chão.
— Philip disse que telefonaria. Prometi que lhe daria uma informação. Se não
atender, ele ficará insistindo.
Vicky deu um passo atrás.
— Não se mexa — ordenou Nik.
Vicky esperou até que ele falasse com seu tio e saiu correndo. Trancou a porta
de seu quarto, esperando que Nik não conseguisse entrar. A janela estava aberta,
mas ela a fechou, jogando-se na cama e rezando para que Nik não se
aproximasse.
Conseguiu dormir muito pouco, mas não ouviu nenhum barulho durante a
noite. Quando o dia começou a nascer, estremeceu, aliviada. Só soube por que Nik
tinha mudado de ideia quando tomaram o café da manhã.
— Não achei que valesse a pena arrombar a porta por sua causa — disse ele
com desprezo. — Decidi confiar no bom senso de Philip.
Vicky usava um vestido singelo de algodão azul, sem mangas e que, pelo visto,
lhe desagradou.
— Não podia usar algo mais recatado, em vez de se exibir desse jeito?
Vicky, evitando encará-lo, foi buscar um casaquinho, recusando-se a mudar de
vestido. Nik absteve-se de fazer mais comentários.
— Como sabe que seu tio quer me ver? — perguntou ela, enquanto percorriam
as estradas da ilha num jipe capaz de ir a qualquer lugar.
— Não estranhe que ele queira rever alguém que zombou da sua pessoa e lhe
roubou muito dinheiro. Você haverá de lhe prometer que devolverá até o último
centavo.
— Pelo visto, ninguém da sua família deve ser maltratado, mas tratar os outros
com aspereza é um direito que você se concede!
— Onde está querendo chegar?
— Não preciso explicar. Você prometeu casar comigo e mudou de ideia.
— Mas aquilo foi diferente, e eu tinha um propósito muito específico.
— Percebo somente agora, mas, mesmo assim, foi uma trapaça. Julguei que
você me amava.
— Acho bom pôr essa ideia de lado imediatamente.
— De fato, a ideia já não me agrada. Não o quero mais, nem que você me
procure de joelhos.
— Já disse que você deve ter pena de outras pessoas, e não de si mesma. Pare
de fingir que é uma criatura inocente e jovem.
— Sou jovem, sim. Tenho vinte e dois anos.
— Vou mandar conferir essa informação. Tenho boas razões para pensar que
você é mais velha do que quer aparentar.
— Em se tratando de mentiras e de trapaças, eu, na sua opinião, deveria
merecer uma medalha de ouro!
— Sem a menor dúvida.
Vicky ficou em silêncio. Era inútil discutir com ele. A opinião que Nik tinha a
seu respeito não podia ser pior e nada a modificaria. Até onde iria o remorso dele,
quando ela visse seu tio? Mesmo que Nik lhe pedisse mil desculpas, o fato não
faria a menor diferença para ela. Desprezava-o, e nada modificaria seu sentimento.
Quanto à confusa reação a seus beijos, na noite anterior, preferia não pensar no
assunto. As pessoas conseguem sentir atração sem amor, pois se trata apenas de
uma espécie de reação química.
A manhã estava linda e Vicky contemplou a paisagem. Corfu era uma ilha
belíssima e gostaria de tê-la conhecido antes que os turistas chegassem. Em
todos os lugares via-se uma quantidade enorme de árvores: carvalhos, louros,
laranjeiras, ciprestes, limoeiros, castanheiros... Ficou surpreendida ao constatar
que conseguia se distrair durante alguns momentos, esquecendo a cena terrível que
a aguardava. A mente era incrível! Podia proteger e, ao mesmo tempo, crucificar.
Infelizmente, não conseguia deixar de pensar que, no fim da estrada, era
aguardada por um homem que a denunciaria. Desde quando ali chegara, Vicky
ficara a imaginar se conseguiria provar sua inocência. Apenas naquele momento
ocorreu-lhe que talvez tivesse uma sósia!
Levaram meia hora para chegar à villa de Philip. Não era tão isolada quanto a
de Nik e tinha duas vezes seu tamanho. Vicky contemplou com admiração os
jardins muito bem cuidados, que se estendiam até o mar, no qual estava
ancorado um elegante iate.
A embarcação era branca, o céu e o mar, muito azuis. A cena era
impressionante. Qualquer um poderia chegar facilmente à conclusão de que Philip
Demetrious era milionário!
— Philip está sozinho. A irmã dele saiu. Providenciei para que ela se afastasse, a
fim de lhe poupar humilhações.
— Claro. Espero que seu tio aprecie os seus atos de consideração...
— Você não existe! — disse Nik, indignado.
Vicky achou que ele não tinha a menor razão para ficar tão pálido. Afinal de
contas, o único propósito daquela viagem era provar que ela era culpada, que
mentia, e, com isso, o tio de Nik voltaria a recuperar a tranquilidade. No
entanto, onde estava a confiança que ele demonstrava sem cessar? Vicky
encarou-o, notando seu rosto perturbado, e não soube o que pensar.
Dirigiram-se para a casa sem dizer nada. Lá, um criado os aguardava, e os
levou até a sala de estar. O vestíbulo era arejado e revestido de lajotas. Vicky
gostaria de permanecer ali durante algum tempo, mas Nik tomou-a pelo braço,
obrigando-a a prosseguir. Embora soubesse que nada tinha a temer, o coração dela
batia com tamanha rapidez que achou que Nik poderia ouvi-lo. A terrível
sensação de que algo de negativo estava para acontecer voltou com toda força e,
durante alguns instantes, pensou em fugir. Nik, ao perceber, sua intenção,
segurou-a com mais força.
— Nem pense em escapar! — murmurou, levando-a à presença de seu tio.

CAPITULO VII

Philip Demetrious era um homem baixo, grisalho e se parecia muito pouco


com o sobrinho. Tinha uns sessenta anos e Vicky conseguiu perceber nele o
cansaço de alguém que vive sob considerável tensão. Era evidente que esperava
pelo sobrinho, mas olhou para Vicky com certo desagrado. Assim que o viu, ela
ficou tensa, pois acreditou que iria denunciá-la, por mais absurdo que aquilo
pudesse parecer.
Nik, percebendo a reação dela, obrigou-a a dar mais um passo. Transpirava
levemente e devia estar ansioso em relação ao tio, preparando-se para o que viria
em seguida.
— Você não disse que traria uma jovem na sua companhia, Nik...
Nik ficou rígido, enquanto Philip lançava mais um olhar sobre Vicky. A
expressão dele era afável, mas demonstrava apenas certa amabilidade e nada
mais.
— Não é preciso fingir, Philip — observou Nik, com certa aspereza.
— Fingir o que, Nik? Não vou dizer que as loiras não me atraem... Bem você
sabe o que quero dizer, mas seria lamentável permitir que o passado, por mais
desagradável que seja, me torne preconceituoso em relação a qualquer jovem de
cabelos claros.
Nik parecia não acreditar no que ouvia, ao passo que Vicky tremia.
— Sinto muito, sr. Demetrious, mas Nik acredita que eu sou a moça por
quem o senhor se apaixonou há alguns meses.
— Não sei se vocês acaso entraram em contato e combinaram algo, mas não
adianta fingir que não se conhecem — interveio Nik.
A surpresa de Philip era evidente, e ficou muito pálido, diante da
agressividade de Nik. Mesmo assim, se recompôs, com uma dignidade que Vicky
muito admirou.
— Não estou fingindo nada, Nik. É a primeira vez que ponho os olhos nesta
jovem que você, aliás, ainda não me apresentou.
— Não podem existir duas Vicky Brown!
— O quê foi que você disse, Nik?
— Você ouviu muito bem. Apresento-lhe Vicky Brown, que trabalha como
secretária para a Companhia de Navegação Demetrious em Londres.
Philip cambaleou e sentou-se, pedindo desculpas. Sua atitude deixou Vicky
alarmada.
— Mas deve ser uma coincidência... — murmurou ele.
Por que Nik não lhe dava uma bebida? Qualquer um podia perceber que um
drinque faria bem a Philip, naquele momento.
— Ele não acreditará em mim — observou Vicky, muito tensa, vendo que Nik
não se movia.
— Nik — disse Philip, olhando seu sobrinho com ar decidido —, eu tenho um
retrato. Não o mostrei antes porque, após o meu acidente, fiquei doente demais.
Foi um amigo meu que o tirou. A outra Vicky... isto é, a minha Vicky, não gostava
de tirar retratos, mas Will conseguiu fotografá-la sem que ela percebesse.
Mandou revelar o filme e o enviou para mim na véspera da partida dela. Tive de
escondê-lo, receando que ela o destruísse. Agora posso olhar a sua foto sem me
comover. Descobri que estou curado... — Philip levantou-se, tirou uma chave do
bolso e parou diante da escrivaninha. Abriu uma das gavetas e pegou um grande
retrato, mostrando-o. Assim que pôs os olhos nele, Vicky ficou horrorizada, pois
tinha diante de si nada mais, nada menos do que o retrato de Vera, sua
madrasta.
Quando voltaram para a villa de Nik, Vicky ainda estava profundamente
chocada. Embora ela e Vera tivessem cabelos claros, as diferenças eram
inconfundíveis. Os olhos de sua madrasta, por exemplo, eram castanhos, e sua
boca, pequena. Até mesmo o formato de seus narizes era diferente, sendo também
fácil notar que Vera era mais velha. Se Nik ainda não acreditava, disse seu tio,
deveria aguardar a volta de sua irmã, e ela atestaria que Vicky e a garota de quem
Philip tinha ficado noivo eram duas pessoas inteiramente diferentes.
Pelo visto, Vera havia usado o nome de Vicky, a fim de se fazer passar por uma
mulher solteira, e tinha procurado de todas as maneiras ser apresentada a Philip
Demetrious. Para Vicky, era um mistério como ela havia tomado conhecimento da
existência do tio de Nik, mas Vera conhecia muita gente e sempre fora por demais
esperta.
Vicky esperava qualquer coisa, menos aquilo. O choque a deixara perturbada;
mesmo assim, tentou se controlar, a fim de dar algumas explicações relativas a
Vera. Philip mostrou-se bom e compreensivo, querendo saber apenas alguns
detalhes. Vicky, amargurada, ficou a pensar se acaso a sombra de Vera iria
persegui-la para sempre.
Se ela ficara chocada, o mesmo acontecera com Nik. Ela notou, quando voltavam
para a villa, uma expressão sombria em seu olhar e rugas profundas em torno de
sua boca.
— Foi muita gentileza de seu tio convidar-nos para o almoço, mas eu não estava
com fome — disse Vicky. — Creio que ainda não me sinto disposta a comer nada —
acrescentou, assim que entraram na villa, pois receava que Nik mandasse servir o
almoço imediatamente.
— Eu também não quero comer nada, mas creio que você deveria pelo menos
tomar um café e, quem sabe, um drinque.
— Prefiro ir para o meu quarto.
Nik manteve-se em silêncio durante alguns instantes e a tensão de Vicky
aumentou.
— Vicky, você sabe que precisamos conversar. Ficar no seu quarto não irá
resolver nada. Sei que não conseguirá descansar.
— Pois é, mas lá pelo menos estarei longe de você.
— Eu bem que mereço essa atitude de sua parte.
Nik chamou Daphne e ordenou-lhe que servisse uma refeição ligeira.
— Agora vá se refrescar, Vicky, mas volte dentro de cinco minutos.
Vicky sentia-se mal, enquanto lavava o rosto e as mãos. Talvez pela primeira
vez na vida, Nik estava surpreendido por ter errado. Seu imenso orgulho o
levaria a pedir desculpas, mas sabia que ele estava muito curioso. Na villa de
Philip, Vicky explicara a situação, contando que seu pai havia tornado a se
casar quando ela era uma menina de doze anos, sendo que Vera tinha dez anos
a mais. Aos dezoito, saíra da escola e arranjara um emprego. Desde então não
tinha mais visto Vera, pois logo após seu pai morrera. Nik a contemplava em
silêncio, enquanto ela procurava dar breves explicações sobre a casa de seu pai
e a carta que recebera de Vera, depois que ela voltara a se casar. Respondendo a
uma pergunta de Philip, disse que não sabia com quem Vera tinha casado ou
onde morava.
Vicky penteou os cabelos às pressas e foi ao encontro de Nik. Tudo o que
desejava naquele momento era voltar para casa e esquecer aquele tormento.
Assim que percebeu sua aproximação, Nik parou de andar de um lado para
outro e estendeu uma cadeira para ela sentar. Diante de Vicky havia uma
mesinha com uma grande bandeja. O aroma do café era tentador, mas ela
contemplou a comida sem maior interesse.
— Beba isto — disse Nik, oferecendo-lhe um copo com um líquido dourado.
Vicky procurou manter-se calma e o encarou. Notou o quanto ele estava
tenso e, ao mesmo tempo, desejou que aquele homem não fosse tão atraente.
Em sua ausência, ele tinha tirado o paletó e suas calças negras, muito
apertadas, modelavam coxas musculosas. A camisa entreaberta revelava os
pêlos abundantes que lhe cobriam o peito. Perturbada, Vicky tomou um gole da
bebida.
Nik sentou-se ao lado dela, colocando o braço no encosto do sofá. Ao notar
que o rosto pálido de Vicky adquiria um pouco de cor, relaxou ligeiramente.
— Devo-lhe desculpas.
— Por que não reconhece ter errado? Sei que você não está arrependido.
— Perdoe-me, Vicky. Afinal de contas, conheço os meus próprios
sentimentos.
— Está bem, aceito as suas desculpas.
— Vicky, até mesmo você percebe como era fácil eu me enganar. Você e
Philip foram vítimas da astúcia da sua madrasta. Minha intenção era apenas de
ajudar.
— Ajudar seu tio, mas não a mim.
— O que aconteceu me levou a procurar uma vingança.
— E eu não passei da vítima inocente.
— Pretendo penitenciar-me pelo que aconteceu.
— É muita bondade de sua parte.
— Já estou tomando certas providências. Quando tomar conhecimento da
minha generosidade, irá arrepender-se por estar sendo tão pouco delicada, mas
primeiro preciso saber de umas tantas coisas.
— Do que se trata?
— Seria melhor começar pelo início. Por que o relacionamento entre você e a
sua madrasta era tão negativo?
— Acho que não foi culpa de ninguém. Vera tinha apenas vinte e dois anos,
quando casou com meu pai, e não me parece que ela queria encontrar uma
família já constituída.
— E ela nunca teve filhos?
— Meu pai era muito mais velho do que ela.
— Isso não é desculpa. Pelo visto, ela gosta de homens mais velhos.
— É, isso acontece com algumas mulheres.
— Quer dizer que, após a morte de seu pai, ela a expulsou — disse Nik,
ignorando a ironia daquele comentário.
— Não. Decidimos em conjunto a minha partida.
— Não foi a morte de seu pai que motivou uma decisão tão súbita?
— Não quero responder a essa pergunta. Vera apreciava um tipo de vida
inteiramente diverso. Era melhor vivermos separadas.
— Sabe me dizer por que a sua madrasta adotou o seu nome, quando veio
para cá?
— Não, apenas posso imaginar. Ela sabia que eu trabalhava para a sua
companhia e talvez verificasse de vez em quando se eu ainda estava lá. Talvez
passeasse na ilha e ficou sabendo da existência de seu tio. Decidiu então que
era uma maneira fácil de se apresentar.
— E ela não teve medo de ser descoberta?
— Vera deve ter imaginado que seu tio era dono de uma fortuna e que valia a
pena correr o risco. Quando descobriu que Philip não era um milionário...
— ...arrancou dele o que pôde e desapareceu.
Vicky sabia que estava muito pálida. Vera tinha agido diabolicamente e
alguém devia pagar por seus pecados. Agora conseguia compreender a decisão
de Nik, de fazer alguém sofrer, mas, ainda assim, sentia dificuldade em perdoar
o que ele tinha feito.
— Você então decidiu vingar seu tio...
— Agora sei que fui longe demais. Antes de começar toda essa história, devia
saber que era fácil provar a sua inocência. Não tenho desculpas para a minha
atitude.
— Concordo com você. Eu também fui tola. Você nunca disse que me amava.
Fez alguns comentários e, em função deles, eu já devia ter desconfiado que o
nosso noivado não passava de uma farsa.
— Sinto muito, Vicky. Agora vejo que a magoei, mas pretendo me redimir.
Antes de voltarmos para a Inglaterra, nos casaremos. É o mínimo que posso
fazer.
Algumas semanas atrás, Vicky queria desposá-lo, mas agora ficou gelada, ao
ouvir aquela proposta. Ele falava como se estivesse lhe conferindo uma grande
honra. O que lhe aconteceria, se ainda fosse aquela jovem perdidamente
apaixonada? Provavelmente, cairia de joelhos diante de Nik, cheia de gratidão.
Agora, no entanto, conseguia olhá-lo de modo muito diferente.
— Não, obrigada!
— Você está louca! Sei que passou por uma grande tensão, Vicky. Não tome
decisões precipitadas. Quando repousar e tiver tempo para pensar no assunto,
verá que é a única coisa que se pode fazer.
— Por quê?
— Vicky, seria para o seu próprio bem, tanto quanto para o meu!
— Não diga!
— Sim, pois, afinal, tenho que acalmar a minha consciência, não é mesmo?
— Que interessante... — comentou ela, com secura.
— Você já se esqueceu que me ama? — indagou ele com voz sedutora,
aproximando-se mais dela.
— Nik, você matou qualquer amor que eu pudesse sentir pela sua pessoa —
declarou ela, acreditando que dizia a verdade.
— O amor não morre tão rapidamente.
— O amor, quando não é sincero, não precisa morrer. Se acaso amei você,
seria uma tola em desposá-lo, sabendo que você não me ama.
— Você não pode saber quais seriam os resultados do nosso casamento.
— Acha então que devo me apegar a esse pensamento? Acredita que isso me
reconfortaria?
— Não seja tola. É impossível que isso não signifique algo para você.
— Significaria, sim, se eu casasse com você, o que não irá acontecer! E o que
me diz da srta. Becker?
— Gilda? Mas ela não significa absolutamente nada para mim! Sentiu muito
ciúme dela?
Vicky abriu a boca para protestar, mas naquele exato momento Nik a beijou,
calando seus protestos. Procurou ignorar o quanto seu coração se acelerava e
aquele calor incrível se apoderava de todo seu corpo, enquanto Nik a tomava
selvagemente nos braços. Não devia de modo algum abandonar-se àquele
sentimento que a levava a corresponder. Tratava-se de mera obsessão física, que
ela confundia com o amor.
Possuído pela paixão, Nik obrigou-a a abrir os lábios, e ela gemia, ao sentir
os movimentos eróticos de suas mãos, que a acariciavam. A pressão dos lábios
dele aumentou e Vicky, num gesto rebelde, escapou de seus braços,
esbofeteando-o. Nik, indignado, levantou a mão e fez o mesmo.
— Sua gata selvagem! Eu devia estar louco para propor casamento a uma
ingrata, a uma vagabunda como você!
— Lembre-se de que eu recusei e com isto colocamos um ponto final no
assunto!
— Não se preocupe. Não a perturbarei mais. Saiba que o mundo está repleto
de mulheres.
— Sim, e várias delas se sentem dispostas a se oferecer a você. Não está
dizendo nada que eu ignore!
— Quando voltarmos para Londres...
— Eu o deixarei — interrompeu Vicky, procurando acalmar-se.
— De modo algum!
— Desta vez não irá me obrigar a cumprir o contrato, não é mesmo?
— Faltam vários meses para ele chegar ao fim.
— Nik! Por favor, deixe-me partir! Não vejo como poderá me impedir, e,
mesmo que isso acontecesse, o que ganharia?
— Uma boa secretária... O que eu disse há duas semanas ainda é válido.
Você disse que não casará comigo, que o seu amor por mim está morto, e, assim
sendo, por que se preocupa? Não vejo por que devo me privar dos seus serviços,
que são excepcionais. Além do mais, durante as próximas semanas vou estar
muito ocupado e não terei tempo de me acostumar com outra secretária.
— Poderia pelo menos tentar!
— Você parece estar bem desesperada... Não precisa recear mais nada. Os
comentários morrerão e você terá um aumento de salário. Além disso, ganhará
um dinheiro a mais, pois solicitarei a sua presença para uma série de
compromissos de que participarei. Se tem alguma ambição, esta é a sua grande
oportunidade.
As declarações de Nik não lhe saíram da cabeça desde então. Permaneceram
em Corfu por mais dois dias, embora ela preferisse ir embora imediatamente.
Nik insistiu para que visitassem a tia dele e, além do mais, precisava tomar
várias providências relativas à villa. Vicky não soube como recusar, sobretudo
porque Daphne lhe informou que Nik estava ausente havia muito tempo. A
presença sombria daquele homem a incomodava e ela não via a hora de partir.
Pelo visto, Nik apreciou muito mais do que ela a curta permanência na ilha
e nunca perdia a oportunidade de fazer comentários a respeito de sua recusa em
desposá-lo. Falava sobre a posição que sua esposa ocuparia e frisava que
precisava encontrar com urgência uma mulher que se dispusesse a aceitá-lo.
Vicky, muito incomodada, perguntou-lhe certa vez se seus numerosos parentes
já não haviam escolhido uma noiva para ele, Nik respondeu que havia uma ou
duas jovens que se sentiriam por demais felizes em casar com ele.
Foram para Atenas antes de viajar para Londres. Na manhã em que
deixaram a ilha, Vicky ficou parada no terraço, contemplando o mar tão azul e
profundo, e ficou a imaginar se não tinha sido loucura de sua parte rejeitar Nik,
mesmo que não o amasse mais. Deveria ser maravilhoso poder passar longas
semanas num lugar como aquele, tomando sol e vivendo na maior
tranquilidade. Pôs rapidamente a tentação de lado, ao notar que Nik se
aproximava.
— Quando estive aqui, na primavera — disse Vicky —, havia flores por toda
parte.
— Aqui na ilha as flores surgem duas vezes por ano. Durante o verão, a maior
parte delas morrem, mas no outono, após as chuvas, elas têm mais uma
oportunidade, ao contrário de alguns seres humanos.
Estaria Nik falando deles ou apenas generalizava? Não pôde prosseguir em
seus pensamentos, pois nesse momento o helicóptero que os transportaria a
Atenas chegou.
— Vamos indo — disse Nik. — Ficou contente por termos vindo?
— Se isto significa o fim das suas suspeitas e do seu ódio, sim. Caso
contrário, não vejo como seria possível continuarmos a trabalhar juntos.
— Uma garota que dá com tamanha facilidade as costas para as boas coisas
da vida não terá problemas em enfrentar as suas dificuldades.
— Ninguém gosta de se ver irritada constantemente.
— É isso o que tudo significou para você?
Aquele homem era impossível! Distorcia tudo o que ela dizia, procurando
transformar suas palavras em vantagens para ele mesmo. Vicky sentiu-se
aliviada quando o piloto do helicóptero saltou, aproximando-se deles. Nik não
insistiu, mas, durante toda a viagem, ela sentiu que ele estava zangado.
Se, em Corfu, Vicky estivera com os nervos à flor da pele, uma semana em
Atenas de nada adiantou no sentido de modificar a situação. Como tinha
acontecido em Nova York, Nik não a deixou aproximar-se do prédio onde
trabalhava nem permitiu que ela exercesse quaisquer tarefas de secretária. Disse
que a srta. Devlin tomaria conta de tudo e acrescentou que sua antiga secretária
já sabia que não eram mais noivos. Não queria expor Vicky à sua curiosidade.
Vicky recusava-se a acreditar que ele se importava tanto com sua pessoa,
mas não fez nenhum comentário. A tensão entre eles parecia aumentar cada
vez mais. Algumas vezes, ela achava que a situação iria explodir e não ousava
pensar nas consequências. Ficava completamente desconcertada ao constatar que
seu coração ainda disparava, quando Nik olhava para ela com insistência, além do
que sua proximidade a deixava muito perturbada.
Quase todas as noites, quando chegava em casa. Nik ia diretamente para o
chuveiro. Vinha em seguida ao encontro de Vicky, usando com insolência um
roupão curto ou apenas enrolando-se numa toalha.
Ele não parecia notar a tensão que Vicky sentia, enquanto procurava olhar em
outra direção. De vez em quando jantavam no apartamento, mas, a maior parte
das vezes, ele a levava para comer fora. Na última noite foram a um famoso
cassino, nos arredores da cidade, e Nik caiu na risada, quando Vicky perdeu todo
o dinheiro que ele tinha enfiado em sua bolsa. Ela sentiu-se insultada e seus
olhos fuzilaram.
— Não fique tão aborrecida!
— Como sabe que estou aborrecida?
— Você é mais transparente do que um cristal. Pelo menos costumava ser...
Vicky corou e sentia vontade de esbofeteá-lo. Ele precisava recordar as vezes
que dissera que o amava, os momentos em que o contemplava sem disfarçar a
adoração que sentia?
— Acaso esperava ganhar uma fortuna no jogo e tornar-se independente de
mim? — disse ele, em tom de caçoada, quando saíram do cassino.
— Para isso não é necessário uma fortuna.
— Você não pode ser independente, quando ainda está tão ligada a mim.
— Dentro de alguns meses, tudo mudará — declarou ela com altivez,
alegrando-se ao notar o quanto ele ficava indignado.

No dia seguinte deveriam voltar para Londres e Vicky não saberia dizer se a
ideia lhe agradava. Ao chegar ao apartamento, desejou-lhe boa-noite, recusando
o drinque que Nik lhe oferecia. Fechou rapidamente a porta do quarto,
apoiando-se contra ela, e tentou não tremer. Odiava-o, e por que então permitia
que ele a atingisse tanto? Quem sabe, a situação melhoraria em Londres... Lá
poderia recomeçar tudo. Várias vezes Gordon a convidara para sair com ele e ela
havia recusado, mas de agora em diante isso não aconteceria mais. Teria de
continuar a trabalhar para Nik, mas evitaria vê-lo em outras circunstâncias.
Quando ia descer o zíper do vestido, percebeu que estava encrencado. Lutou
com ele durante dez minutos antes de desistir. Nik talvez ainda se encontrasse na
sala de estar, mas hesitava em se aproximar dele. Vicky repreendeu-se por ser tão
infantil. Ele não tinha tocado nela desde que haviam partido de Corfu e era muito
pouco provável que o fizesse agora!
Não o encontrou na sala e muito menos no escritório, onde ele costumava
trabalhar de vez em quando. Preocupada, Vicky decidiu dormir vestida. Talvez
não fosse muito confortável, mas não fazia o menor sentido despertar a criada.
Tinha de passar pela porta do quarto de Nik a fim de chegar ao dela e ficou
assustada quando ele a abriu.
— Você está sem sono? — perguntou ele com ironia.
— Que susto você me deu!
— Eu também me assustei. Ouvi passos pela casa e achava que todo mundo
já estava deitado.
Nik estava vestido apenas com a calça do pijama e ela corou, diante daqueles
braços musculosos e do peito atlético.
— O zíper do meu vestido encrencou e achei que você ainda estaria acordado.
— Ah, está querendo ajuda? E o que faria, se eu não estivesse presente?
— Dormiria vestida.
— Vire-se — ordenou Nik, com um estranho brilho no olhar. — Não consigo
enxergar direito — disse, após passar a mão nas costas de Vicky, com uma tal
insistência que ela sentiu vontade de gritar. — Precisamos ir até o seu quarto,
onde a luz é mais clara.
Naquele momento, ela não sentia a menor vontade de discutir.
— Pois então vamos — disse, indo na frente dele.

CAPITULO VIII

— Experimente puxar o zíper para cima e para baixo, mas com todo cuidado
— sugeriu Vicky, muito ansiosa. Por que Nik tinha fechado a porta do quarto?
— Consegui! — disse ele, com ar de triunfo, e ela agarrou rapidamente o
vestido que caía no chão. Quando se inclinou para pegá-lo, Nik lhe segurou as
mãos.
— Deixe-o onde está... — murmurou, contemplando-lhe as curvas do corpo.
— Solte-me! — disse Vicky, indignada, dando um passo para trás. Não
contava com o que aconteceu, pois tropeçou no vestido, que tinha caído até a
altura de seus tornozelos. Nik caiu por cima dela e ria, o que a deixou ainda mais
indignada. Que direito tinha de coçoar dela? Não fizera outra coisa durante a
noite inteira e ela não apreciava nem um pouco aquele tipo de humor.
Subitamente, ele parou de rir e começou a lhe dar beijos perturbadores, que a
deixaram praticamente sem fôlego. Percebendo o brilho sensual do olhar dela, ele a
obrigou a abrir os lábios, como se estivesse esperando por aquele momento.
O sangue subiu ao rosto de Vicky e ela começou a tremer, embora
procurasse se controlar. Sentia uma fraqueza traiçoeira apoderar-se de todos os
seus membros e sabia que tinha de fazer algo, antes que fosse tarde demais.
Nik desabotoou seu sutiã e ela ficou horrorizada, ao sentir que suas carícias se
tornavam cada vez mais atrevidas.
— Pare com isso! — murmurou com voz estrangulada, tentando repeli-lo. Seus
esforços desesperados se revelaram muito pouco eficazes.
— Pelo amor de Deus, Vicky... — disse Nik, gemendo. — Se não quer casar
comigo, pelo menos deixe-me fazer amor com você.
— Não!
Vicky sabia o perigo que corria, ao notar a excitação cada vez maior de Nik. Os
lábios dele agora roçavam todo o seu corpo, e ela sentia que estava a ponto de se
entregar.
— Vicky, você quer me enlouquecer?
Se ele não tivesse dito nada, talvez ela tivesse desistido. Já começava a se
esquecer de tudo, mas encontrou suficiente energia para se afastar.
— Não! — gritou, empurrando-o. Chocada, percebeu que ambos estavam
praticamente nus.
— Fique quieta! — disse ele, colando seus lábios aos dela.
Vicky estremeceu e procurava não se deixar dominar por aquele rosto duro e
sensual. Chocava-a descobrir que ainda se sentia fisicamente atraída por ele.
— Se você não me soltar, eu grito!
— Você não é capaz de ter nenhum pensamento original, não é mesmo? Quem
iria ouvi-la?
— E de que outro modo posso me defender de você?
— Sabe muito bem que, se quiser, eu posso possuí-la. Isto não aconteceu com
nenhum outro homem, não é mesmo, Vicky? Não me diga que sou o único homem
que te desejou.
— Você poderia perder todo interesse, se acaso eu disesse que é...
— Vi outros homens olhando para você. Posso ler os pensamentos deles. Você
não é tão indiferente a mim conforme julga.
— Estou fazendo o possível para que isso aconteça.
Nik beijou-a novamente, como se tivesse a intenção de fazê-la engolir aquelas
palavras. Vicky precisou recorrer a um esforço sobre-humano, a fim de libertar-se
dos seus braços.
— Um dia você dirá sim, caso eu lhe dê mais uma oportunidade... — observou
ele, ficando de pé. — A propósito, Vicky, você está enfiando o braço na manga
errada — observou com ironia, enquanto ela se vestia. — Não precisa pôr o
vestido. Eu vou embora.
— Ótimo!
— Continue desse jeito, srta. Brown, e homem algum se interessará por aquilo
que está tentando cobrir!
Nik retirou-se, batendo a porta com toda força, e Vicky pensou que era uma
louca por ter imaginado um dia que amava um homem tão insensível. Seu rosto
queimava e tomou uma ducha fria, sentindo-se um pouco melhor quando foi deitar.
Será que algum dia se tornaria indiferente a tudo o que ele dizia e fazia? Em
Londres, pensava, ficaria livre daquela presença perturbadora, mas se enganou
redondamente.
Na noite em que chegaram, Nik insistiu para que ela dormisse em seu
apartamento, em vez de ir para a casa dela.
— Não posso permitir semelhante coisa. Já passa das dez e você está fora há
quase duas semanas. Não deve ter nenhuma comida na geladeira.
— Posso pedi-la emprestada à minha vizinha.
— Não discuta comigo, menina.
Mais tarde, deitada numa daquelas camas forradas com lençóis de cetim,
Vicky entregou-se à indignação que sentia. À medida que relaxava, o curso de
seus pensamentos modificou-se. Começou a pensar na mudança sutil por que
passava seu relacionamento com Nik. Ele era novamente o patrão dominador,
mas havia agora em seus modos uma familiaridade que não existia antes.
Deveriam ser dois estranhos um para o outro, mas agora pareciam mais
próximos do que nunca, fato que ela não conseguia entender.
Nik despertou-a, na manhã seguinte, avisando que iriam direto para o
escritório. Sob protestos, ela se vestiu às pressas e mal teve tempo de tomar uma
xícara de café.
Assim que os dois entraram no imponente saguão do prédio, a atenção de
numerosos funcionários fixou-se neles. A maior parte das pessoas limitava-se a
cumprimentar Nik, ignorando a presença de Vicky. Tudo aquilo lhe parecia falso
demais e as pessoas davam a impressão de serem um tanto servis. Ficou
bastante aborrecida, ao notar que uma ou duas funcionárias a encaravam com
evidente inveja, e decidiu nunca mais chegar lá na companhia de Nik.
Sentiu tamanho alívio ao ver Gordon que quase o abraçou. Se Nik não
estivesse lá, bem que o teria feito.
— Vicky, meu bem, que bom vê-la novamente!
— O mesmo digo eu! Trouxe-lhe um presente.
— Oh, um presente! O que é? Não aguento esperar!
— Vocês dois já terminaram? — perguntou Nik com rispidez. — Não pago as
pessoas para vê-las folgando.
Gordon, que já estava familiarizado com as atitudes bruscas de Nik, não se
ofendeu, limitando-se a pedir desculpas.
— Bem, vamos começar a trabalhar. Sabe se Henderson teve notícias do
navio Attika? E Veiga? Em que pé estão as negociações com ele?
Gordon respondeu afirmativamente à primeira pergunta, não sendo tão
conclusivo em relação à segunda. Nik entrou em sua sala e Vicky começou a pôr
a mesa em ordem.
Ficava surpreendida ao notar como Nik estava a par dos menores detalhes
relativos à companhia. Veiga, a quem ele tinha se referido, era proprietário de
uma pequena frota de navios e sua companhia ia muito bem. Nik possuía algumas
ações e havia boatos de que o presidente da firma estava para se aposentar.
Gordon deu-lhe mais notícias do negócio durante o almoço. Era a primeira vez
que almoçavam juntos, mas ela tinha passado a manhã inteira muito deprimida e
ficou contente de aceitar seu convite. Enquanto tomavam o café, Vicky deu-lhe
uma estatueta que havia adquirido em Atenas e perguntou a respeito de Veiga.
— Acha que ele venderá a companhia para Nik?
— Psiu! Fale baixinho! Ninguém deve saber que Nik está interessado no
assunto.
— E o que vai acontecer em seguida?
— Veiga é muito esperto. Gostaria de vender a companhia, mas quer mantê-la
na família.
— E como pretende conseguir isso?
— Não é difícil entender como a mente dele funciona. Ele tem uma filha
solteira e Nik não é casado. Oh, desculpe, Vicky, falei o que não devia.
— Não tem importância, Gordon. Já superei essa história. A viagem à
Grécia me ajudou muito.
— É a melhor notícia que você poderia me dar!
— E o sr. Veiga tem esperanças de tentar Nik?
— Dizem que a srta. Veiga é linda, e, se ela trouxer como dote a companhia
de navegação do pai, quem poderá resistir à tentação?
Voltaram para o escritório daí a cinco minutos e Vicky percebeu que Nik tinha
pedido alguns sanduíches, o que era bem pouco habitual, pois ele costumava sair
para o almoço.
— Desculpe. Não sabia que pretendia comer aqui.
— Da próxima vez certifique-se, ouviu? Bem, mudando de assunto: amanhã
haverá uma festa e quero que você me acompanhe.
— Mas não somos mais noivos!
— Mesmo assim, não dispenso a sua presença.
— Algumas pessoas poderão estranhar...
— O que há de errado com a sua memória, srta. Brown? Não lhe disse que
necessitaria da sua companhia para atender a vários compromissos?
— Sim, mas não o levei a sério.
— Essa agora foi notável.
— Sei muito bem que há ocasiões em que precisa de uma secretária, mas não
sabia que as festas estavam incluídas na minha agenda. Quem oferece a
recepção?
— Alguém chamado Veiga. Já deve ter ouvido falar dele, não é mesmo?
Vicky fez que sim, sem entrar em maiores detalhes. Sentia uma dor na boca
do estômago e não sabia se aquilo tinha a ver com o fato de ter comido demais
no almoço ou com a insolência com que Nik a encarava. Desculpou-se e se
retirou sem que ele a impedisse.
Naquela noite sonhou que Nik nadava em águas profundas e que Veiga lhe
oferecia sua filha na ponta de um anzol. Era uma isca irresistível e Nik engoliu-a
sem hesitar. Acordou sobressaltada e sua garganta doía, como se fosse ela que
tivesse engolido a isca. Agora percebia que Nik planejava suas menores atitudes
e era exatamente por isso que a levava àquela festa. Se acaso não gostasse da
filha de Veiga, poderia voltar novamente para ela! Todo mundo sabia que ela era
sua secretária e talvez não ignorassem que tinha sido noiva de Nik. Se tivesse
Vicky a seu lado, a situação ficaria suficientemente misteriosa e as pessoas não
saberiam o que pensar. Se, ao contrário, a srta. Veiga satisfizesse seus
propósitos e ele a achasse uma criatura agradável, Vicky muito em breve seria
colocada à margem, sem a menor chance!
No dia seguinte combinaram que Nik iria buscá-la e ele pediu que Vicky
usasse algo conveniente. Com isso queria naturalmente insinuar que ela devia
pôr um vestido que neutralizasse totalmente sua presença. Ela escolheu um
traje branco, mas não notou que, se a cor era das mais dicretas, o corte estava
longe de sê-lo. Seus belos cabelos louros estavam muito bem penteados e lhe
caíam pelos ombros. Os lábios, cheios e voluptuosos tinham sido pintados com
um belo tom de rosa. Ela estava, ao mesmo tempo, sensual e inocente.
A campainha tocou e ela deu os últimos retoques no penteado, indo abrir a
porta em seguida. A expressão de Nik modificou-se assim que ele a viu.
— Desculpe se o fiz esperar... — disse ela, confusa, sem ter coragem de
encará-lo, adivinhando o quanto ele estava elegante e sedutor.
— Não precisa se desculpar. Eu é que me adiantei um pouco — retrucou com
a aspereza de sempre, mal olhando para ela, entraram no carro, que era dirigido
por Dion. Nik sentou-se ao lado de Vicky, no banco de trás, e permaneceu em
silêncio.
— O sr. Veiga faz as coisas em grande estilo! — observou ela, ao se
aproximarem do elegantíssimo Hotel Savoy.
— Creio que você apreciará a festa. Acho que precisa ter mais confiança em
si mesma.
— Nem todo mundo está acostumado com lugares como este, mas eu não
chego a tremer.
— Fique a meu lado e tudo dará certo.
Seria verdade? Vicky duvidou, sobretudo quando entraram naquele setor do
hotel onde estava sendo dada a festa. Não estava tão assustada com as pessoas,
mas com o brilho de tudo aquilo, como se cada convidado possuísse um milhão de
dólares.
Os salões estavam repletos de convidados elegantes e sofisticados. Uma
pequena orquestra tocava num dos cantos e Vicky percebeu que muitos olhares
convergiam sobre Nik, assim que eles entraram. Sua reputação de homem rico era
muito conhecida, bem como seus traços duros e marcantes. Ele se movia com uma
segurança que falava por si mesma. Vicky sentiu-se contente por estar usando um
vestido elegante, muito embora soubesse que não era ela que atraía as atenções.
Nik foi cumprimentado por várias pessoas e Vicky ficou admirada ao notar com
que habilidade ele conseguia livrar-se da maior parte daqueles que queriam lhe
falar. Fazia-o com tamanho encanto que ninguém se ofendia e durante o tempo todo
segurava o braço de Vicky, mesmo quando ela fez um gesto discreto, pois queria se
afastar.
— Comporte-se! — murmurou ele.
Ela o detestava pelos comentários que aquilo poderia provocar e acabou
desistindo. Sentia uma vontade enorme de conhecer o sr. Veiga e sua filha. Seria
ela tão formosa quanto se dizia? Não imaginava sua reação, caso visse Nik com
essa mulher.
Alguém bateu em seu braço. Era sir Clive Martin.
— Olá, querida!
— Prazer em vê-lo. Clive — disse Nik, com certa frieza. — Como vai sua
mulher?
Clive deu de ombros e convidou Vicky para dançar. Sorriu e olhou para sua
mão direita, que não mostrava o anel de noivado.
— Talvez eu devesse perguntar como vai esse compromisso, não? Talvez
acabaram decidindo que não foram feitos um para o outro, não é mesmo?
Nik ignorou o comentário, apesar de ficar visivelmente contrariado.
— Vicky poderá dançar com você mais tarde. Vou buscar um drinque para
ela. Com licença.
Nik levou-a consigo e ela o encarou com indignação.
— Como sabe que não quero dançar agora?
— Achei que estaria com muita sede. Depois de beber, pode deixar bem
claro o que deseja.
Ele era mesmo impossível! Ficou tão zangada que quase tropeçou. Teve de
apoiar-se nele e sentiu vontade de esbofeteá-lo, ao notar seu sorriso de satisfação.
— É o seu vestido — comentou ele, olhando para o decote generoso. — Seu
gosto é deplorável, e você merecia ter caído.
— Mas o que há de errado com ele?
— Você está quase nua.
— Não é verdade! Olhe para os vestidos das outras mulheres e verá que o
meu, em comparação, até que é muito recatado.
— Em comparação com você, nem todas as mulheres presentes têm muito
que mostrar...
— Creio que está exagerando — disse ela, corando violentamente. — Uso
aquilo que mais me agrada, da mesma forma que tenho o direito de escolher
os meus amigos.
— Pois então não esqueça que Clive Martin é casado. O título dele pode ser
irresistível, mas sua mulher é ciumenta.
— E eu tenho um patrão muito pouco razoável!
— Se estivéssemos a sós, poderia lhe dar uma resposta bem eficiente —
declarou ele, apertando-lhe o braço com toda força.
Vicky estremeceu, ao sentir aquele punho de aço que a imobilizava. Seu
coração disparou e ela começou a tremer. Tensa, deu um passo atrás e
chocou-se com um homem que se aproximava. Ele pediu desculpas, tomando
a si toda a culpa e, em vez de prosseguir, falou com Nik:
— Desculpe não estar presente quando chegou, sr. Demetrious.
— Estava dançando com minha secretária. Srta. Brown, sr. Veiga.
— Muito bem! Espero que o senhor não assuma compromissos com quem
quer que seja, antes de ser apresentado à minha filha.
Vicky sentiu-se indignada, pois eles falavam como se ela não existisse.
— Ah, sim, sua filha! — Nik se exprimia com evidente interesse, o que
aumentou a indignação dela.
— Venha comigo, ela está do lado de lá.
Nik não largava Vicky e ambos seguiram o sr. Veiga. Este também tinha
um ligeiro sotaque, a exemplo de Nik. Era mais velho, mas igualmente
astucioso. Aqueles dois, se brigassem, poderiam ser formidáveis rivais, mas
Vicky desconfiava que Nik sairia triunfando.
Rita Veiga era uma jovem de vinte e poucos anos e dona de considerável
beleza. Alta, seus cabelos curtos e negros emolduravam uma bela cabeça.
Tinha a pele muito alva e lábios vermelhos como rubi. Seus olhos eram
grandes, tinham uma expressão atrevida, e seu corpo era voluptuoso. Vicky
sentiu-se colocada num segundo plano.
Nik parecia bem impressionado e não tirava os olhos de Rita. Vicky não
queria acreditar que ele estivesse tão fascinado por seus encantos, conforme
parecia. Convidou-a para dançar, como se não pudesse mais esperar o
momento de tê-la só para si. Passou o braço em torno de sua cintura e
afastou-se, sem tirar os olhos dela.
— Que belo casal! Não acha, srta. Brown? — comentou o sr. Veiga,
satisfeito como um gato que tivesse acabado de receber um carinho.
— Com efeito...
O sr. Veiga talvez notasse sua palidez e pediu a um garçom que servisse
um Martini para Vicky.
— Vamos deixar o champanha para mais tarde, não é mesmo, srta.
Brown? — Ele bebia vodca e o garçom voltou a encher seu copo. — Ouvi um
boato de que o sr. Demetrious ficou noivo recentemente.
— De fato, ele estava noivo.
— E não está mais?
— Não, rompeu o noivado.
Vicky tomou o Martini e imediatamente puseram outro copo em sua mão.
Desconfiou que o sr. Veiga, com aquilo, queria fazê-la soltar a língua, mas não
se importava.
— A senhorita é secretária dele e certamente conhece a verdade melhor do
que ninguém. Nunca se pode confiar nos outros, em se tratando de tais
assuntos.
Vicky esperava que o sr. Veiga não notasse sua perturbação. Pelo visto, ele
não tinha a menor ideia de quem era a noiva de Nik, e ela não viu motivos
para revelar o fato. Não conseguiria suportar a curiosidade que ele, sem
dúvida, demonstraria e não sentia vontade de responder àquele verdadeiro
interrogatório.
— O sr. Demetrious costuma passar muito tempo em Londres?
— Não, a menos que haja uma razão muito especial.
— Quando ele prefere trabalhar em Nova York ou Londres, acha que o faz
por ter interesse em que eu me aposente, srta. Brown? Na verdade, cá entre
nós, confesso que gostaria de fazê-lo, mas só quando tiver encaminhado o
futuro de minha filha.
Finalmente Vicky entendeu qual o sentido daquelas confidências.
Naturalmente, o sr. Veiga esperava que ela as transmitisse a Nik, com a
devida discrição. Sua presença, naquele momento, era providencial para o sr.
Veiga!
— Minha filha é uma jovem um pouco volúvel e precisa de uma mão firme
que a guie. Quando me aposentar, gostaria de morar no Brasil, mas Rita
prefere outros lugares.
— Ela não pode morar sozinha?
— Eu hesitaria muito em deixar uma jovem tão inocente morar sozinha
numa cidade grande.
— Compreendo...
— Não duvido. Esperava poder contar com a sua solidariedade, minha
cara, e garanto-lhe que ela será recompensada.
As coisas se esclareciam a cada minuto que passava, e Vicky ficou muito
surpreendida, mas não sabia como silenciar o sr. Veiga. Será que não percebia
que ela, no fundo, não gostava da filha dele e que, como secretária de Nik, se
encontrava numa posição muito difícil? Quando Clive Martin voltou a se
aproximar, convidando-a para dançar, ela aceitou imediatamente, procurando
não pensar na cólera de Nik ou na expressão magoada do sr. Veiga.
— Interrompi algo? — perguntou Clive, sentindo pairar um mistério no ar.
Vicky fez que não. — Estou louco para saber o que aconteceu com o seu
noivado.
— Cometemos um erro.
— Isso era de se prever, minha cara. Nik é um tolo. — Os olhos de Clive a
devoravam. — Pelo visto, está muito interessado em Rita Veiga.
— Ignoro o assunto.
— É mesmo? Pois saiba que a srta. Veiga é uma jovem muito rica.
Vicky detestava aquelas insinuações, que comprometiam Nik, mas não
tinha a menor vontade de agir em sua defesa. Mesmo assim, sentiu-se aliviada
ao ver que ele se aproximava, embora ficasse muito surpreendida quando Nik
a arrebatou dos braços de Clive.
— Com licença.
— Mas isto é necessário? — protestou Clive.
Nik olhou para ele sem dizer nada e afastou-se com Vicky.
— Pelo menos poderia ter deixado a dança chegar ao fim — reclamou ela.
— Não lhe disse para ficar com Veiga?
— Havia alguma razão para isso? — indagou ela, sabendo que a pergunta
de Nik era falsa.
— Estou com vontade de lhe contar, mas é uma notícia que não pode ser
espalhada.
— Está querendo me dizer que gostou da filha dele?
— E se for verdade? Pelo menos isso me impedirá de pensar em você.
— Ah, então está com a consciência culpada. De fato, é uma coisa dura de
suportar.
— Meus problemas nada significam, em comparação com os seus, caso
continue a encorajar Clive Martin.
— Eu não o estava encorajando! Acaso acha que gostaria de me envolver
com outro homem, após romper com você?
— Eu a magoei tanto?
— Já superei tudo. Não precisa se preocupar mais.
Nik pareceu não gostar nem um pouco do comentário, mas ambos tinham
parado ao lado do sr. Veiga e ele não pôde dizer nada. Vicky sorriu para o
anfitrião e para sua filha. Ele olhou para Vicky com ar de censura, mas
parecia aliviado com a volta de Nik. Em seguida ordenou champanha, o que
levou Vicky ao pânico. Quer dizer, então, que teriam algo a comemorar? Não
suportava aguardar o que estava para acontecer.
— Estou com uma dor de cabeça insuportável — disse a Nik. — Não se
incomoda se eu for para casa?
— Bem, se for necessário...
Ele tentava perceber se ela dizia a verdade, mas não demonstrou muita
relutância em deixá-la partir, o que a levou a arrepender-se por ter tomado
uma decisão apressada. Quem sabe, estaria até contente por livrar-se dela.
Notou que Rita Veiga o tomava pelo braço, apoiando-se nele. Nik, pelo visto,
havia chegado à conclusão de que aquela jovem lhe agradava muito e gostaria
de ter ampla liberdade para dedicar-se a ela durante o resto da noite.
— Vou ver onde está Dion e a acompanharei até o carro — anunciou Nik.

CAPITULO IX

Vicky tinha acabado de chegar ao escritório, na manhã seguinte, quando


Nik telefonou, pedindo-lhe para ir à sua sala.
— Envie algumas flores à srta. Veiga — ordenou. — É uma garota bonita e
encantadora.
— Pelo visto, você gostou dela.
— Haveria algum motivo para eu não gostar?
— Muito ao contrário...
— Explique-se, srta. Brown.
— O sr. Veiga não sugeriu em momento algum que está disposto a vender
o seu negócio — murmurou ela, assustada ao notar que estava a ponto de
chorar.
— Quer dizer que você imagina que a filha dele faz parte da nossa
combinação?
— Mas a srta. Veiga é o que existe de mais atraente em tudo isso, não é
mesmo?
— Sim, caso alguém esteja interessado.
Estaria ele se referindo aos navios de Veiga ou à sua filha? Por que não se
explicava melhor? Vicky tentou dizer que tanto os navios quanto Rita
poderiam pertencer a Nik, mas sentia dificuldade em se expressar.
— Vai ficar muito tempo parada, sonhando de olhos abertos? — indagou
ele com rispidez, ao notar que ela não fazia nenhum comentário.
— Quero saber que tipo de flores prefere.
— Você é quem decide. Vamos, ande, tenho muito que fazer!
Vicky encomendou as flores mais caras da floricultura e enterrou o rosto
nas mãos, deixando que a infelicidade das últimas semanas se apoderasse
dela. A quem pretendia enganar, fingindo que estava curada do amor que
sentia por Nik?
Sua assistente chegava na companhia de Gordon e ela respirou fundo,
procurando se controlar. Notou como aqueles dois se davam bem e sentiu-se
invejosa. Gordon ainda não tinha percebido que se sentia atraído por Jenny,
mas algum dia acabaria por tomar consciência do fato. Se ela e Nik pudessem
ter construído seu relacionamento a partir de uma simples amizade, quem
sabe seu romance teria tido melhor destino...
Nik foi brusco com ela durante toda a manhã. Não era a primeira vez
que se expunha à sua ira e lutou desesperadamente para não se deixar
atingir. Então, para sua grande surpresa, ele a convidou para almoçar. Não
sentia a menor vontade de aceitar, pois temia que ele quisesse saber todos os
detalhes sobre sua conversa com o sr. Veiga. A mente de Nik era um
verdadeiro computador. Ele digeria informações, armazenando-as, o que o
ajudava, no futuro, a dar as respostas certas. Ela, porém, não sentia a menor
vontade de cooperar.
— Obrigada, mas hoje não vou almoçar fora.
— É uma ordem, srta. Brown. Coloquei a coisa de maneira diplomática,
mas, como não encara os fatos da mesma forma, não me resta alternativa a
não ser lembrar-lhe que sou seu patrão.
Talvez ele fosse de fato o patrão e ela teria de obedecer-lhe, pelo menos
durante as horas de trabalho, mas Vicky preferia que Nik mantivesse uma
distância conveniente entre eles. Assim que entraram no saguão do prédio, ele
segurou em seu braço, o que despertou vários olhares curiosos. Quase
explodiu de raiva e desespero, quando ele, querendo aprofundar a impressão
de intimidade, inclinou-se para murmurar algo.
— Afinal de contas, que brincadeira é esta? — ela perguntou, indignada,
quando o carro se afastou. — Primeiro dá em cima da srta. Veiga e agora me
usa!
— Não acha que está interpretando mal os fatos, Vicky?
— Não. É evidente que a srta. Veiga lhe agrada demais.
— Como acontece com todas as mulheres, Vicky.
— E mulher é o que não lhe falta...
Nik disse algo em grego que ela não entendeu, mas que lhe pareceu um
insulto. Ele que agisse como bem entendesse, pois não podia ofendê-la mais do
que tinha feito até então!
Ele a levou para um restaurante da moda, muito embora Vicky preferisse um
lugar bem mais simples. Mandou servir vinho e os pratos mais extravagantes, e,
quando ela percebeu, já tinha lhe contado tudo o que o sr. Veiga dissera na
véspera.
— O sr. Veiga gostaria de vê-lo como seu substituto, mas mediante certas
condições.
— Entendo muito bem quais são essas condições...
Tomaram um cálice de licor, após o café, e Vicky, no auge da infelicidade,
conseguiu formular uma pergunta:
— Pretende casar com ela?
— Um homem precisa casar, em algum momento de sua vida. Venho
pensando no assunto há algum tempo.
— Pois então é melhor parar de segurar a minha mão em público, não acha? —
Vicky contemplou seus dedos, naquele momento entrelaçados. — O sr. Veiga
talvez possa não gostar!
— Vou refletir no assunto -— disse Nik, conduzindo-a de volta ao escritório.
Todo tipo de boatos circulou no escritório, nos dias que se seguiram, e Vicky
fez questão de ignorar a maior parte deles. Nik tinha viajado para Nova York
durante alguns dias. Não se fizera acompanhar por ninguém, mas tinha sido
visto na companhia dos Veiga, segundo as fofocas. Quando voltou, não disse
absolutamente nada, mas Vicky sabia que ele continuava a visitar a família.
Vicky, enquanto esperava notícias definitivas, tomou uma providência que não
podia ser mais retardada. Procurou um corretor e encarregou-o de vender a casa
de seu pai. Quando ainda estava em Corfu, ela e Nik foram jantar com sua tia
Minta Demetrious. Após a refeição, choramingando, a senhora informara-a de
que Vera não havia devolvido o dinheiro de que se tinha apropriado, deixando
Philip em má situação financeira, Vicky estava disposta a reembolsá-lo, pelo menos
em parte.
O corretor garantiu que a casa alcançaria bom preço, pois estava situada num
bom bairro residencial e se encontrava em ótimo estado, adiantando que tinha
vários clientes interessados. Em vista disso, Vicky começou a procurar outro lugar
onde morar, mas logo percebeu que não seria nada fácil encontrar algo que lhe
conviesse, pois não iria lhe sobrar tanto dinheiro assim, com a venda da casa.
Quando começava a sentir-se muito deprimida, ela e Nik tiveram uma
discussão inesperada. Certa tarde, ele chegou ao escritório e, pelo visto, estava
muito satisfeito consigo mesmo. Gordon já tinha ido embora e Vicky arrumava a
mesa, pois sairia dentro de poucos instantes.
— Tem boas notícias? — indagou, sem olhar para Nik e sem refletir mais
profundamente em sua pergunta.
— Creio que sim.
— Veiga?
— Como adivinhou?
— Ele concordou em vender a companhia?
— Quase. Creio que consegui convencê-lo.
— E a filha dele?
— Não se preocupe. Veiga ainda não sabe disso, mas não tenho a menor
intenção de me casar com sua filha.
— Mas você a encorajou!
— Eu precisava dar um jeito de facilitar as negociações...
— Mesmo que isso significasse uma trapaça?
Vicky sabia muito bem que Nik não apreciava aquele tipo de comentário. Seus
olhos fuzilaram, mas ela não tinha a menor intenção de se desculpar. Fora tolice, de
sua parte, imaginar que ele era capaz de amar alguém. Aquele homem não tinha
coração! Se tivesse pensado nisso antes, poderia ter-se poupado muitos momentos
de angústia.
— O monopólio da trapaça não está nas minhas mãos. Sua família é campeã,
nesses assuntos! Sua mãe privou meu tio de quase tudo o que ele tinha.
— Vera é minha madrasta.
— E qual é a diferença? Você deve ser parcialmente responsável por ela ser
quem é. Uma enteada mal-humorada, que vive fazendo críticas, com certeza acaba
levando uma pessoa a fazer loucuras, não acha?
— Eu não critiquei ninguém.
— Não se cansa de fazé-lo, no que me diz respeito! Está sempre à procura da
perfeição. Pois saiba que jamais haverá de encontrá-la. Quando for uma velha
solteirona, ainda estará à procura dela.
— Não creio que seja um engano esperar honestidade e integridade da parte dos
outros! Você seria capaz de vender a sua alma a fim de aumentar o seu império. Isso
já está se tornando uma febre, da qual não conseguirá se livrar. Não se incomoda de
pisar nos outros, contanto que seja bem-sucedido!
— Pelo menos isso me garantirá dinheiro suficiente para pagar as minhas
dívidas e as da minha família. Na Grécia, não nos desligamos dos compromissos
assumidos pela família.
— Pois saiba que vou vender a minha casa!
— Por quê? — perguntou ele, claramente surpreendido.
— Para pagar a seu tio.
— Você está louca!
— Sei que não conseguirei devolver tudo o que Vera levou, mas com o tempo
pagarei o restante.
— Como?
— Com o meu salário.
— Faça o que quiser com o seu salário, mas recuso-me a deixá-la vender a sua
casa.
— Há algumas semanas, você mesmo ameaçou vendê-la.
— Meu Deus! Será que você não esquece de nada? Isso foi antes que eu ficasse
sabendo de certos fatos...
— Isto é, antes de acreditar em mim. De qualquer modo, fora deste escritório,
não pode determinar como devo me comportar.
— Diga o que pensa com clareza, srta. Brown. O que está insinuando é que eu
atropelo as pessoas e que já não tenho mais nenhuma participação na sua vida
pessoal.
— Continuaria interferindo na minha vida, mesmo que eu gostasse de você, o
que não é mais o caso!
— Não é mesmo? — Nik estava indignado e levantou-se, obrigando-a a fazer o
mesmo. Naquele momento, seus olhos tinham um brilho perigoso. — Você vive me
desafiando!
— Não é verdade. Acontece que você ignora o que não quer ver e vive me
atormentando.
— E você vive me insultando!
Subitamente ele a tomou nos braços, beijando-a brutalmente. Não havia a
menor ternura em seu gesto, apenas o desejo de ensinar uma lição que ela jamais
esqueceria. Rejeição era uma palavra de que Nik não gostava e que não conseguia
entender, e ele a puniu selvagemente.
Os beijos de Nik tinham uma intensidade que logo a deixou sem fôlego, e,
quando Vicky tentou resistir, sentiu que seu corpo se abandonava aos poucos. Ele a
segurou com mais força e ela se abandonou, abraçando-o e correspondendo à
intensidade de sua paixão.
De repente o telefone começou a tocar estridentemente, mas Nik não
parecia notar. Depois, com grande relutância, afastou Vicky e atendeu. Sua
respiração estava ofegante e suas mãos tremiam.
— Este maldito aparelhinho é capaz de interromper momentos muito
agradáveis... — murmurou, irónico.
Vicky o contemplou, incapaz de se mexer. Ele começou a falar. Só quando
pronunciou a palavra "Rita" é que Vicky percebeu que Nik devia estar
conversando com a srta. Veiga ou com alguém que a conhecia. Ao ouvir aquele
nome, ela saiu da espécie de transe em que se encontrava. Pegou rapidamente a
bolsa e retirou-se imediatamente.
—Vicky! — Nik desligou o telefone e foi atrás dela. — Espere!
Ela parou e ficou espantada ao notar o quanto Nik estava pálido. Acaso Rita
lhe teria dado más notícias?
— Não quero interrompê-lo. Creio que não temos mais nada a nos dizer.
— Como pode dizer semelhante coisa, após me beijar daquele jeito?
— Aquilo não passou de atração física.
— Quer dizer que já não se importa mais comigo?
— Não, nem com a opinião que possa ter a meu respeito! Você me obrigou a
detestá-lo.
O ódio de Nik parecia ter-se dissipado e ele agora se mostrava quase
suplicante.
— Posso modificar essa atitude, se você deixar.
— Só mesmo se você mudasse...
— Poderíamos viver juntos. — Subitamente surgiu uma expressão violenta
em seu olhar, escondendo os traços de desespero presentes em sua voz. — Então
nada mais importaria. Você teria tudo o que desejasse.
— Já passei por tudo isso antes — replicou ela, procurando suprimir as
lágrimas que lhe vinham aos olhos. — Será que preciso viver dizendo que não
serei comprada?
Vicky esperava uma resposta irónica, mas Nik simplesmente ficou parado,
sem tirar os olhos dela. Encararam-se durante um bom momento, repleto de
amargura, até que ela reuniu forças para lhe dar as costas e se afastar. Nik não
fez a menor tentativa de segui-la.
Quando chegou em casa, Vicky sentia-se exausta e daí a pouco a sra.
Younger telefonou, convidando-a para jantar, o que a fez sentir imensa gratidão.
— Seu corretor trouxe vários compradores hoje e talvez venham mais alguns
agora à noite. Venha aqui para casa, onde pelo menos poderá jantar em paz!
Vicky sentia-se incapaz de enfrentar a si mesma, sobretudo após a última
discussão com Nik. A tensão entre eles se tornava tão intolerável que não sabia
mais como poderia continuar trabalhando na firma. Ele parecia estar decidido a
tê-la como amante e ela não sabia quanto tempo mais conseguiria resistir.
Nik deixara bem claro que não tinha a menor intenção de casar com a srta.
Veiga, mas poderia facilmente mudar de ideia. As mulheres entravam e saíam de
sua vida com a maior facilidade, mas Vicky receava que um dia ele acabasse por
conhecer alguém que o cativasse para sempre. Não gostaria de estar por perto
quando isso acontecesse.
Enquanto lavava as mãos, compunha mentalmente a carta de demissão,
após o que foi para a casa da vizinha.
A sra. Younger tinha preparado uma refeição deliciosa, que Vicky muito
apreciou, apesar da mágoa que sentia. Assim que terminaram, a sra. Younger
serviu o café, na sala de estar, informando-a de que tinha visto um homem
parado diante de sua casa.
— Era parecido com seu patrão. Não quer verificar você mesma?
— Não! Prefiro não ir lá. — Estava tão assustada que quase derrubou a
xícara.
Sua expressão, mais do que suas palavras, chamaram a atenção da sra.
Younger.
— Vocês voltaram a brigar? Ele parecia estar um tanto triste...
— Sim, de certa maneira. Nem sempre nos damos bem. Provavelmente ele
queria falar comigo a respeito de algum detalhe sem importância, que pode
muito bem esperar até amanhã.
— Você poderá dizer que não estava em casa e não diria uma mentira. O
sr. Demetrious é muito diferente dos patrões ingleses?
— Algumas vezes ele parece mais inglês do que os próprios ingleses. De vez
em quando é diferente, mais exigente, e gosta de fazer as coisas à sua maneira.
— Inclusive no que se refere às mulheres?
— Oh, sim. Acha que devemos obedecer às suas menores ordens. Se
pudesse, jamais permitiria que uma garota tivesse atitudes de independência.
Gosta de mulheres humildes, que o adorem.
— E que sejam subservientes, não é mesmo?
Subitamente, Vicky percebeu que a conversa tomava rumos indiscretos e
ficou muito ruborizada. Levantou-se, decidida a se retirar.
— Ele é assim mesmo, mas, no fundo, não é má pessoa.
— Ainda acho que é uma pena você ter decidido não casar com ele. Não
acha melhor sair pelos fundos, meu bem? Quem sabe ele ainda está lá!
Vicky atendeu à sugestão da sra. Younger, mas Nik não era mais visível.
Decidiu que a vizinha tinha se enganado, ou então ele não havia esperado muito
tempo. Recordou a frieza estampada em seu olhar e não conseguiu imaginar o
que o levara a procurá-la em sua casa.
Abriu a bolsa e procurou os endereços de apartamentos de um quarto que
uma colega de trabalho lhe tinha fornecido. Não era muito tarde e sentia-se
tentada a visitá-los. Logo em seguida percebeu o quanto estava cansada, pois
havia se levantado bem cedo a fim de deixar a casa em ordem para a visita do
corretor.
Saía da cozinha, após ter colocado uma chaleira no fogo para preparar o chá,
quando a campainha tocou. Apreensiva, disse a si mesma que não podia ser Nik.
Se fosse, precisava reunir toda sua coragem, a fim de encará-lo.
Assim que abriu a porta, verificou que era o corretor, sr. Warren, que se
desculpou por incomodá-la àquela hora. Trazia um jovem casal que ficou muito
interessado na casa. Pareciam muito apaixonados e Vicky sentiu o coração doer
quando a jovem confessou que, se comprassem a casa, ele seria seu primeiro lar.
Pelo visto, tinham ficado muito entusiasmados com o que viram e Vicky
decidiu telefonar para o sr. Warren na manhã seguinte, a fim de saber se eles
tinham feito uma oferta. Gostaria de poder aceitá-la, pois lhe agradava imaginar
aquele casal apaixonado morando em sua casa.
Assim que eles partiram, ela sentiu muita solidão, pensando com infelicidade
nos anos que tinha pela frente. Precisava deixar de lado a ideia de casamento e
filhos, pois nunca mais existiria um homem em sua vida, depois de Nik.
As lágrimas escorriam por seu rosto, enquanto tomava banho. Era tolice
negar que não amava profundamente Nik. Havia lutado contra aquele sentimento
e durante algum tempo acreditara que era bem-sucedida, mas agora reconhecia
que o fato de ter tomado conhecimento dos planos de Nik apenas servira para
revoltá-la, e nunca para superar o amor que experimentava por aquele homem.
Enxugou-se lentamente e pesou-se, antes de pôr o roupão: estava perdendo
peso. Com um suspiro, lembrou-se das carícias de Nik. Ele gostava de se mostrar
cruel com ela e tinha uma espécie de satisfação sádica em excitá-la. Rita Veiga,
pelo visto, estava mais do que disposta a abandonar-se a ele. Por que então
haveria de querer ter um caso com sua secretária? Desconfiava que Nik queria
apenas ouvir um sim e logo em seguida zombaria dela.
A despeito de estar uma noite quente, Vicky sentia frio. Foi até a cozinha e
terminou de preparar o chá. Tarefas rotineiras como aquela serviam para fazê-la
voltar ao estado normal. Levou a xícara para a sala de estar e decidiu ler um
pouco, antes de se recolher.
Decidir ler um livro era uma coisa, concentrar-se nele, outra. Acabou
desistindo e deixou seus pensamentos vagar. Precisava desfazer-se de tudo o que a
casa continha. O corretor declarara que os prováveis compradores haveriam de
querer a casa vazia, o que não seria grande poblema. Vera havia levado tudo o
que tinha mais valor e Vicky gostaria de guardar apenas alguns objetos.
Recusava-se a pensar em Nik, concentrando-se em outros assuntos, e levou
um susto ao ouvir a campainha tocar novamente. O sr. Warren não dissera que
traria outro cliente aquela noite. Quando lhe ocorreu que poderia ser Nik, Vicky
levantou-se, assustada. Não sabia se a porta estava fechada ou não; será que
ele teria coragem de forçá-la? Hesitou durante alguns segundos e, para sua
grande surpresa, a porta se abriu, dando passagem a Vera, sua madrasta.
Era a última pessoa que Vicky esperava ver. A partir do dia em que aquela
criatura tinha entrado na vida dela e de seu pai, tudo se tornara motivo de
contínua angústia e perturbação. Suas atitudes irracionais haviam trazido muita
infelicidade ao pai de Vicky, embora soubesse com certeza que ele amava Vera.
— Muito bem! Que prazer em vê-la! — declarou Vera, contemplando Vicky
com insolência. — O que há? Não diz nada? Sei que você nunca foi capaz de
articular duas frases, mas não me parece que fosse tão silenciosa assim...
— Por que você voltou?
— Certamente não foi para ouvi-la dizer o quanto se sente feliz com a minha
presença. Jamais esperaria tamanha cordialidade de sua parte!
— Tem razão. Acho que nenhuma de nós duas tem necessidade de fingir.
— Querida, eu nunca fingi nada — disse Vera, com o máximo da ironia.
Tirou o pequeno chapéu que usava e jogou-o com displicência sobre a cadeira.
— Apenas estou tentando ser bem-educada.
Vicky contemplou a madrasta com ansiedade, imaginando o que faria em
seguida. Vera não tinha mudado quase nada. Seus lábios petulantes, muito
vermelhos, a expressão de descontentamento presente em seus olhos castanhos
continuava a caracterizá-la, e estava tão bonita como sempre. Vicky conseguia
entender por que Philip Demetrious tinha se apaixonado por ela.
Como se fosse a dona da casa, e não uma visita, Vera foi direto para a sala
de estar, sentando-se no sofá.
— Estou com sede — declarou, olhando fixamente para Vicky.
— Preparei um pouco de chá.
— Pelo amor de Deus! Ainda não cheguei a esse ponto... Não tem nada mais
forte?
— Sim, meia garrafa de conhaque e meia de uísque. Se não me engano, foi
você quem as deixou.
— Não me diga! Mas como é que você vive? Que bebidas oferece aos seus
amigos?
— Eles costumam contentar-se com café.
— Pois eu não. Pode me servir uma dose dupla de uísque, ouviu?
Vicky quase disse a Vera para se servir, mas com isso sua madrasta talvez
se sentisse muito à vontade e ela, na verdade, queria livrar-se daquela presença
inoportuna.
— Chá e café são bebidas que devem ir muito bem com os seus amigos, pois
imagino que sejam pessoas sem grandes exigências. Caso tenha um namorado,
não duvido que ele se guie pelos mesmos padrões.
— Não tenho namorado.
— O que não é de surpreender. — Vera bebeu seu drinque como se fosse
água. — Você sempre foi muito mimada, muito cheia de não-me-toques e jamais
achará um homem à sua altura.
Vicky sentiu-se aliviada, pois Vera, pelo visto, não tinha ouvido nada a
respeito de Nik. Decidiu subitamente não tocar no nome dele nem fazer a menor
referência a seu tio. Vera se divertiria muito, ao saber que havia provocado
tamanha confusão. Certamente gostaria de ouvir que Philip Demetrious estivera
à beira da loucura e não concordaria de modo algum em devolver o dinheiro de
que tinha se apropriado. Quanto mais cedo partisse daquela casa, melhor. Se
algum dia voltasse, a casa já estaria vendida e Vicky recomendaria à sra.
Younger que não lhe desse seu novo endereço.
—Onde está morando? — perguntou, curiosa de saber o motivo da visita de
Vera.
— Estava num hotel, até o meu dinheiro acabar.
— É mesmo? Ouvi dizer que o seu novo marido era milionário.
— Não voltei a me casar. Não deu certo.
— Quer dizer então que apenas viveu com ele?
— Sim, durante algumas semanas. Agora estou completamente dura e voltei.
— Voltou? Para onde?
— Para cá, evidentemente. Para esta casa. O que você acha? Ela ainda me
pertence, não?
CAPITULO X

Vicky contemplou sua madrasta com horror e sentiu-se gelada por dentro.
— Você não pode vir morar aqui. Estou vendendo a casa!
Durante alguns momentos, Vera pareceu indignada e, logo em seguida,
desatou a rir.
— Sinto muito, mas não é possível. Você ainda não a vendeu, não é mesmo?
— Ainda não.
— No testamento, seu pai deixou bem claro que a casa me pertence até eu
voltar a me casar. Como isso não aconteceu, você não tem o direito de vender a
casa.
— Mas você foi embora. Tinha tanta certeza de que iria se casar que até
mesmo me devolveu a chave.
— De fato, eu ia casar no dia seguinte, mas ele descobriu algo a meu
respeito e mudou de ideia. Poderia tê-lo processado, mas eu não queria
publicidade.
Vicky ficou a imaginar se esse seria o verdadeiro motivo. Certamente havia
numerosas provas contra Vera, o que explicava sua hesitação em tomar
semelhante atitude.
— Você nunca gostou de morar aqui — disse Vicky, com a esperança de fazê-la
desistir.
— É verdade, mas gosto de ter um lugar onde me abrigar.
As pernas de Vicky começaram a tremer e ela teve de sentar. Não sabia o que
pensar. Gostaria de interrogar Vera sobre o dinheiro que ela havia tirado de Philip
Demetrious, queria falar sobre a dor que ele sentira e que quase o levara à loucura,
mas algo a deteve. Se Vera não tinha voltado a se casar, a casa ainda lhe pertencia
legalmente e, portanto, Vicky não podia vendê-la.
Quanto mais pensava no assunto mais se convencia de que tinha de agir com
muito cuidado. Precisava proteger Philip Demetrious, pois Vera, sabendo do estado
em que ele se encontrava, era perfeitamente capaz de procurá-Io e exigir mais
dinheiro! No entanto, se agisse assim, certamente atrairia a ira de Nik, isso para
não falar no que Vera poderia fazer!
— Mas você deve ter tido meios para viver! — observou Vicky, procurando
ganhar um pouco de tempo.
— Ah, tive sorte nos cassinos e ganhei na roleta.
— Se pretende ficar aqui, sairei de casa.
— Não há a menor necessidade. Dá muito trabalho cuidar de uma casa como
esta e podemos dividir as despesas.
Como é que Vera podia fazer semelhante proposta, se não tinha dinheiro ou
emprego? Vicky estava disposta a interrogá-la, mas a cautela acabou prevalecendo.
Talvez pudesse evitar muitos conflitos se fingisse concordar com a sugestão de
Vera, até encontrar outro lugar para morar. A partir desse momento, poderia
simplesmente desaparecer. Vera jamais ousaria aproximar-se de Nik com a
finalidade de descobrir onde ela estava. Aliás, Vicky desconfiava que, a partir do
momento em que se retirasse, Vera acabaria por esquecê-la de todo. Sem dúvida,
dentro de pouco tempo encontraria outro homem que lhe daria o dinheiro de que
tanto precisava.
— Como entreguei o meu apartamento, acho que não tenho alternativa e
precisarei ficar aqui.
Vicky não deixou de notar o brilho de satisfação nos pequenos olhos
castanhos de Vera.

Atrasou-se, no dia seguinte, pois tentou entrar em contato com o corretor


antes de sair para o trabalho. Mas como ainda era muito cedo, não conseguiu
localizá-lo. Decidiu, então, telefonar lá do escritório. Ele deveria ter gastado um
bom dinheiro com os anúncios e só isso levaria embora boa parte de suas
economias.
Vicky arrependeu-se de ter comunicado a Nik que iria vender a casa. Ele
tentara convencê-la do contrário, mas recusara-se a ouvi-lo. Qual seria sua atitude
quando soubesse que ela havia desistido? Tinha a sensação de que a admiraria
menos.
Tirou o casaco e ajeitou os cabelos. Sabia que não teria como explicar a
presença de Vera. Nik certamente iria procurá-la, se soubesse de sua presença,
exigindo explicações. Aqueles dois não poderiam se encontrar de modo algum.
Telefonou para o corretor e, conforme receava, ele comunicou que haveria
taxas a pagar. Assim que desligou, Vera ligou. Havia dado o número de seu
ramal para a madrasta, esperando que ela não descobrisse que era a secretária do
presidente da companhia, mas não esperava que Vera a procurasse com tamanha
rapidez.
— Por que saiu sem sequer me oferecer uma xícara de chá? — queixou-se
Vera.
— Foi para isso que me telefonou? Tenho muito que fazer e já estou
atrasada.
— Quis me certificar de que você não fugiu. Estou sem dinheiro e não há
muita coisa na geladeira. Acho melhor fazer algumas compras antes de voltar para
casa, ouviu?
— Não precisa se preocupar. Morarei com você, se assim quiser, mas agora
preciso trabalhar. Até a noite.
Assim que desligou, Vicky percebeu que Nik estava parado na porta, com os
olhos cravados nela, pálido e indignado.
— Você se atrasou. Teve uma noite muito ocupada?
Tamanha insolência deixou Vicky desconcertada. Ele tinha todo o direito
de reclamar de seu atraso, mas poderia pelo menos fazê-lo de forma civilizada.
— Desculpe. Perdi a hora.
Ele pareceu ficar ainda mais furioso. Vicky gostaria de poder explicar que
tinha acabado muito tarde de ajudar Vera a desfazer as malas.
— Tive muito que fazer — acrescentou precipitadamente, receando a
agressividade de Nik.
— E isso a impediu de atender à porta, quando fui vê-la? — indagou ele,
entrando na sala.
— Deve ter ido até em casa quando eu estava jantando com a sra. Younger,
minha vizinha.
— Não acredito em você.
Vicky estava tão desnorteada que não sabia o que dizer. Se a fúria de Nik
aumentasse, ele poderia perder completamente o controle. Por outro lado, o fato de
se atrasar por cinco minutos e deixar de atender à porta de casa não chegava a
constituir um crime.
— Você pode conferir e, além do mais, costumo estar sempre à sua
disposição.
— É mesmo? Pois saiba que Clive telefonou há dez minutos e eu lhe disse
que você não tinha chegado.
— Você não tem o direito de fazer uma coisa dessas! Pelo menos poderia ser
educado em relação aos meus amigos!
— Não admiro a maneira como você os escolhe. É evidente que conversava com
Clive, ainda há pouco...
Vicky, confusa, não soube o que dizer, mas acabou concordando. Talvez fosse
melhor que Nik acreditasse em sua mentira, pois não podia saber de modo
algum que Vera tinha voltado.
Nik agarrou-a com tamanha brutalidade que ela sentiu o pânico invadi-la.
— Quer dizer que você finalmente se entregou a um homem... Quero ser o
primeiro a lhes desejar muita felicidade.
— O que está dizendo?
— Você declarou que moraria na sua companhia!
Então, Nik tinha ouvido seu telefonema! Vicky ficou muito pálida, percebendo
que era vítima de seu desejo de poupar uma dor ainda maior a Nik e a seu tio.
Mas será que aquilo importava realmente? Nik não queria mais nada com ela e
daí por diante suas atitudes em nada o afetariam.
— Estou pensando no assunto.
— Não, não foi apenas uma declaração, mas um compromisso total.
Vicky deu um passo atrás, amedrontada, achando que Nik iria esbofeteá-la,
mas felizmente, nesse momento, Gordon entrou na sala.
O dia se arrastou e Nik estava de tão péssimo humor que até mesmo
Gordon, que sabia como lidar com ele, fez o possível para evitá-lo. Criticava
Vicky o tempo todo, reclamando das menores coisas, e ela teve vontade de
chorar. Só depois das seis é que a dispensou, e ela teve a sensação de que Nik
gostaria de tê-la a seu lado no escritório durante toda a noite.
A caminho de casa, comprou comida congelada e salada, pois não teria
tempo de cozinhar. Vera, com certeza, não teria a petulância de sugerir que
fossem comer num restaurante.
— Estou morrendo de fome! — declarou Vera, indignada, ao vê-la chegar. —
Onde esteve?
— Trabalhando.
— Ah, sei. Pois acho melhor você me entregar um talão de cheques. Já que é
tão ocupada, eu posso cuidar de pagar o supermercado e fazer as demais
despesas da casa.
— Você nunca gostou de fazer compras.
— Posso pedir tudo por telefone.
Vicky notou sobre a mesa o endereço de um famoso fornecedor de vinhos.
— Pelo visto, já encomendou bebidas, imagino que em meu nome...
— Tenho certeza de que você não se importa, querida. Pense só como seria
constrangedor não poder oferecer uma bebida às visitas!
Vicky não disse nada e começou a tirar as compras dos sacos.
— Estou precisando tanto de roupa... — observou Vera, sem levantar um
dedo para ajudar Vicky. — Se puder me emprestar algum dinheiro ou me der
um cheque em branco, irei a uma butique amanhã.
Vicky olhou para a madrasta, sentindo-se à beira do desespero. Vera jamais
mudaria. Não podia esquecer as cinco malas cheias de roupas caras que haviam
desfeito na véspera. Vera sabia perfeitamente que Vicky vivia de seu salário,
mas não hesitaria um momento em comprar coisas das quais não tinha a menor
necessidade.
Vicky deu uma desculpa qualquer e foi preparar o jantar. Sua mente não
parava de trabalhar. O dinheiro nunca era suficiente para Vera. Se percebesse
que Vicky não o possuía, em breve começaria a consegui-lo por meios muito
pouco honestos. Subitamente chegou à conclusão de que não podia ficar com
Vera naquela casa nem sequer por uma noite. Assim que terminassem de
jantar, telefonaria para um hotel. Dentro de alguns dias, com um pouco de
sorte, encontraria um apartamento.
O jantar, apesar de simples, era gostoso, mas Vicky mal conseguiu tocar na
comida. Não tinha almoçado e devia estar com fome, mas tomou apenas um
pouco de sopa. Vera não notou isso e, após comer, foi para a sala de visitas,
dizendo que gostaria de tomar um pouco de café.
Vicky pôs a água para ferver e deixou a cozinha em ordem. Logo em seguida,
telefonou para um hotel da vizinhança e reservou um quarto. Não saberia dizer
exatamente a que horas chegaria, mas anunciou que estaria lá dentro de mais
ou menos uma hora.
Voltou para a cozinha e pôs as xícaras e o bule numa bandeja. Não lhe
passava pela cabeça que Vera pudesse ter escutado seu telefonema e, ao entrar
na sala de estar, sua madrasta recebeu-a com indignação. Gritava tanto que
nenhuma das duas ouviu a campainha tocar.
— Aonde você pensa que vai? Se acha que pode me abandonar, está muito
enganada!
Vicky, desolada, notou que a garrafa de uísque estava pela metade.
— Você não pode me impedir, Vera. Acho que será melhor para nós se eu sair
daqui. Não quero brigar.
— Seu dever é ficar aqui e cuidar de mim! Não pense que vou deixá-la ir
assim, sem mais nem menos.
— Vera, você sabe muito bem que não temos nada em comum.
— É verdade. Você sempre foi uma fingida, uma beata, sempre me tratou com
desprezo.
— Não é verdade.
— Não responda! Você vai ficar comigo!
— Vera, você bem sabe que não custará muito para encontrar outro
homem...
— E por que não? Sempre teve ciúme da minha capacidade em atrair os
homens, não é mesmo? Pelo menos eles me dão aquilo que o seu velho e
mesquinho pai nunca conseguiu dar!
— Ele amava você e era seu marido.
— Se você não fosse tão sonsa, poderia ter se divertido um bocado.
Jamais me esquecerei da cara que fez quando me descobriu na cama com outro
homem. Que idade você tinha naquela ocasião? Dezessete anos?
— Vera, por favor!
— Eu sempre atraí tanto os homens... — declarou Vera, rindo com
crueldade. — E ainda sou atraente, o que sempre acaba me trazendo certas
vantagens. Ainda este ano, em Corfu...
Ela fez uma pausa, e Vicky arregalou os olhos. Tinha certeza de que Vera
iria falar a respeito de Philip Demetrious.
— O que você ia dizer?
— Não tem importância — resmungou Vera, ignorando o café que Vicky
servia e tomando mais um gole de uísque.
— Pois acho que tem, sim — declarou uma voz irritada, sobressaltando-as.
Ambas olharam apreensivas para Nik Demetrious.
Vera, nervosa, encarou aquela figura alta, que tanto impressionava. Não
podia acreditar que aquela expressão tão severa tivesse algo a ver com ela e não
queria deixar escapar a oportunidade de seduzir mais um homem.
— Quem é você? — indagou, com expressão melosa.
— Meu nome é Nik Demetrious. Acaso ele não lhe lembra alguém?
Vicky notou que o rosto de Vera empalidecia, ficando logo em seguida muito
ruborizado. Era uma cor feia, que não a favorecia nem um pouco. Tornava-a
mais velha, revelando exatamente quem ela era. O que Nik estava fazendo ali?
Como tinha conseguido entrar?
— Espere-me lá no carro, Vicky — ordenou ele, jogando-lhe as chaves.
— Por quê?
— Faça o que digo e já! Irei daqui há pouco, após dar uma palavrinha com a
sua madrasta.
Vicky entrou no carro e percebeu que agarrava a bolsa. Por que a trouxera?
Tinha certeza de que não iria a lugar algum com Nik. Ainda estava decidida a
mudar-se e precisava voltar a fim de fazer a mala.
Ele era a última pessoa a quem esperava ver. Atemorizada, Vicky saiu do
carro e voltou para a casa.
Nik quase a derrubou, pois saía precipitadamente. Vera vinha logo atrás e
bateu a porta da rua com toda força.
— Não lhe disse para entrar no carro? — Nik agarrou-a brutalmente pelo
braço. — Por que não ficou aqui?
— Tive medo de que você a estrangulasse.
— Ela bem que merecia. Não encostei um dedo nela, mas garanto que nunca
mais a incomodará.
— Não posso ir com você. Reservei um quarto no Hotel Riverton e preciso
fazer a minha mala.
— Mas você trouxe a bolsa.
— Sim.
— É tudo de que necessita. — Ele ligou o motor e partiram às pressas. —
Iremos até o hotel e cancelaremos a reserva. Você vem comigo!
— Nik...
— A menos que prefira ir com Clive...
— Nem sequer pensava nele, mas isto não quer dizer que desejo ir com você.
— Ainda hoje de manhã, você conversou com Clive.
— Não é verdade. Falei com o corretor, cancelando a venda da casa. Como
Vera não voltou a casar, a casa ainda lhe pertence e não tenho o direito de
vendê-la. Foi ela quem me ligou logo em seguida.
— Então era ela quem queria que você morasse lá? Naturalmente, desejava
que você cuidasse de tudo, até ela arranjar coisa melhor. Falava com Vera e não
com Clive, quando eu entrei?
— Sim. Você chegou a falsas conclusões.
— Você não fez nada para esclarecer o assunto. E quanto eu sofri com isso!
Ele parou tão bruscamente, diante do hotel, que Vicky quase bateu com a
cabeça no painel.
— Não demoro, Vicky. Deveria levá-la comigo, para certificar-me de que não
irá fugir, mas você parece exausta...
— Não, estou bem.
Nik entrou correndo no hotel e ela sentiu um desejo imenso de fugir, embora
não soubesse para onde. Tinha vontade de segui-lo, impedindo-o de cancelar a
reserva, mas, antes que pudesse tomar qualquer atitude, ele estava de volta.
Declarou que ele tinha sido muito presunçoso e Nik simplesmente mandou-a
calar a boca!
Vicky ainda, tentava encontrar forças para lutar com ele, quando chegaram
a seu apartamento.
— O que será que Dion irá pensar? — perguntou, sentindo-se emocionada
demais. Subitamente começou a chorar.
— Vicky! — Nik tomou-a rapidamente em seus braços. — Não fique desse
jeito! Se alguém tem de estar deprimido, esse alguém sou eu. Passei um dia
infernal, muito embora a culpa talvez fosse só minha.
Aos poucos, ela foi se acalmando e Nik a fez sair do carro, agindo com
delicadeza.
— Dion ficará preocupado, se eu não aparecer para jantar. Pensará que algo
me aconteceu.
Ao chegarem à sala de visitas, encontraram Dion à sua espera.
— Dion, não precisa servir o jantar. Pode sair, se quiser. A srta. Vicky e eu
nos serviremos mais tarde. Ela irá ficar aqui em casa.
— Sim, senhor — disse o criado, retirando-se com um largo sorriso.
— Mas eu não posso ficar! — ela protestou, enquanto Nik a fazia sentar no
grande sofá forrado de seda.
— Espero que fique, sim, e estou rezando para que isso aconteça — disse
Nik, olhando para seu rosto molhado de lágrimas. Ele se levantou, encheu dois
copos com bebida e ofereceu um deles a Vicky. — Beba, você está muito
abalada.
Vicky não conseguia encarar Nik, naquele momento, e sentia apenas uma
vontade enorme de morrer.
— Nik... — murmurou, procurando conter as lágrimas — por que foi lá em
casa, hoje à noite?
— Só contarei depois de você tomar o conhaque.
Ela assim fez e, aos poucos, a cor voltou a seu rosto pálido. Nik tomou sua
bebida de um só gole e voltou-se para ela com uma expressão atormentada, como
se a dor o consumisse.
— Fui lá por causa de Clive. Acreditava que ele se encontrava com você. Pensei
muito no assunto, até não suportar mais. Precisava vê-los juntos para certificar-me
de que você iria viver com ele, embora sabendo que eu poderia enlouquecer com
isso. Não sabia o que era a vontade de matar um homem. Assim que cheguei,
percebi que você conversava com outra mulher, mas por nada deste mundo
gostaria de reviver aquele momento.
— Quer dizer que você se importou com a possibilidade de eu estar lá com,
Clive? — indagou Vicky, radiante, sentindo que a vida voltava a sorrir.
— Importei-me, sim, e se a beijasse agora, meu amor, você perceberia o quanto,
mas antes de tudo precisamos conversar. Talvez não tenha o direito de beijá-la,
depois de tudo o que eu disse e fiz.
— Acaso está tentando querer dizer que me ama?
— Ainda não tinha adivinhado? Eu tenho me comportado como um louco, por
sua causa.
— Como poderia perceber, depois de tudo o que aconteceu? Julguei que você
me odiasse... Sei que me pediu em casamento em Corfu, mas achei que era apenas
por um escrúpulo de consciência, após descobrir que tinha se enganado a meu
respeito...
— De certa maneira, é verdade. Estava profundamente chocado e, pela primeira
vez na vida, confuso em relação aos meus sentimentos. Quando você se recusou a
casar comigo, fiquei indignado. Tentei convencer-me de que tinha feito tudo o que
podia. Meu orgulho tinha passado por uma grande prova e só por isso não consegui
esquecê-la.
— Oh, Nik, eu não tinha a menor ideia de que isso estivesse acontecendo...
Talvez estivesse preocupada demais em vigiar os meus sentimentos e não tinha
capacidade de julgar os seus. Eu te amei a partir do dia em que vim trabalhar para
você. Depois que soube o que Vera tinha feito com seu tio, procurei desculpar as
suas atitudes para comigo, mas achei que você tinha matado o meu amor. Quando
percebi que ainda te amava, você estava envolvido com Rita Veiga e julquei que não
tinha mais a menor chance.
— Oh, Vicky! — disse ele, tomando-a nos braços e silenciando seus lábios
trémulos com um beijo. — Mal posso lhe dizer o quanto estou sentido. Não
entendi que estava tendo um comportamento brutal até você me revelar a verdade
a seu respeito.
Nik voltou a beijá-la e mostrava-se cada vez mais apaixonado, mas afastou-a
de si com um gesto decidido.
— Ainda preciso lhe dar algumas explicações.
— Não tem importância. Na Grécia, vocês têm costumes diferentes.
Compreendo perfeitamente por que você agiu daquela maneira.
— Talvez eu tenha nas minhas veias mais sangue pagão do que imagino, mas
quando Philip quase morreu, não tive a intenção de me vingar. Isto só aconteceu
mais tarde, quando julguei que a garota que trabalhava para a minha companhia
era a mesma que tinha enganado Philip. Tamanha audácia me enfureceu a tal
ponto que resolvi lhe dar uma lição da qual você jamais se esqueceria. Naquele
momento, não tinha um plano definido. Precisava de uma secretária e, quando me
garantiram que você era brilhante e inteligente, achei que era a única maneira de
tê-la à minha disposição, enquanto pensava numa solução. Talvez ache incrível
que eu pudesse agir daquela maneira, mas estava tão furioso que não conseguia
pensar com clareza. Algo terrível acontecia dentro de mim. Julguei que fosse ódio,
mas agora sei que era amor. O primeiro plano que concebi foi um tanto
complicado. Imaginei prestigiá-la, tomando-a como minha secretária, com um bom
ordenado, e em seguida pediria de volta o dinheiro que você tinha tirado de Philip,
demitindo-a. Não sei quando me ocorreu a ideia de pedi-la em casamento nem
como consegui ser bastante convincente a fim de levar a história adiante.
— Se eu não estivesse tão apaixonada por você, poderia ter percebido que havia
algo de estranho. Você não me disse que me amava e as minhas dúvidas
aumentavam, mas atribuía aquilo aos seus costumes gregos. Acreditava que você
não falaria de amor até nos casarmos.
— Cada vez que a beijava, percebia o quanto você me atraía, Vicky, até que mal
ousava pôr as mãos em você. Várias vezes, quando a tive nos meus braços, quase
perdi o controle. Quando me vi forçado a romper o nosso noivado, tive vontade de
morrer. O fato de não acreditar nas suas declarações de inocência foi a única coisa
que me impediu de me jogar a seus pés e declarar que não me importava com o
que você tinha feito. Somente ontem, quando você me falou a respeito dos Veiga, é
que compreendi o quanto te amo. Hoje, no entanto, ao ouvi-la dizer que moraria
com Clive, entendi o que é sofrer. Talvez eu deteste a sua madrasta, mas não sabe
como me senti aliviado ao vê-la em sua companhia...
— Sinto muito a respeito de Vera. Creio que ela gastou todo o dinheiro de seu
tio e não conseguirá reembolsá-lo.
— Ela que fique com tudo. Só o fato de não voltar mais a vê-la será recompensa
mais do que suficiente. Não quero parecer curioso, Vicky, mas não pude deixar de
ouvir aquela frase de Vera, quando disse que você a surpreendeu na cama com
outro homem.
— Bem, é que Vera gostava muito de dar festas e eu costumava ficar no meu
quarto. Certa noite ouvi um barulho no quarto ao lado do meu e a encontrei lá com
um estranho.
— É por isso que, no início, você não suportava que eu a tocasse?
— Sim. Durante anos, quando qualquer homem se aproximava de mim, eu
entrava em pânico. Não conseguia me controlar. Foi um choque descobrir Vera
naquela situação, mas o que ela disse foi pior do que tudo. Deixou-me com a
impressão de que todas as formas de sexo eram sórdidas e, por mais que eu
tentasse raciocinar, não conseguia superar o problema. No entanto, ao perceber
que estava me apaixonando por você, as coisas se modificaram. De repente, já não
sentia mais medo e comecei a enxergar as coisas com mais clareza, até que...
— Ao que parece, a sua madrasta e eu temos muito de que nos penitenciar em
relação a você. Acha que conseguirá voltar a me amar, Vicky, depois de tudo o que
fiz?
— Nunca parei de amar você...
— Querida!
Durante um bom momento, Vicky julgou que Nik tinha deixado de respirar.
Aos poucos, ele se dominou e roçou seus lábios no rosto dela, até que suas bocas
se encontraram. Sentiu nele ternura e desejo, e percebeu que seu corpo era
consumido pelas chamas da paixão. Vicky sentia-se fraca e vulnerável, mas não
havia nada de assustador naquilo, apenas uma vontade profunda de pertencer
inteiramente a ele.
— Dentro de quanto tempo casará comigo, Vicky? Uma, duas semanas? Não
me peça para esperar mais, pois eu te amo tanto!
— Será quando você quiser. Eu me sinto do mesmo modo que você.
— Eu te amo, meu anjo, e não me importo tanto com os meus negócios. Você
me abriu os olhos, revelando o que a ambição pode fazer com um homem!
— Oh, Nik, não o condeno por ser ambicioso.
— Agora a minha ambição vai em outras direções. Quero uma mulher, um lar,
filhos...
— Filhos? Quero ter duas meninas e um menino.
— E eu dois meninos e uma menina, srta. Brown... Eu te amo — repetiu ele,
tomando-a subitamente nos braços e levando-a para o quarto dele. Lá chegando,
depositou-a delicadamente na cama, deitou-se a seu lado e beijou-a com paixão.
— Quero tê-la só para mim durante alguns minutos, antes do jantar. Espero
que não esteja com muita fome...
Ela suspirou, enquanto Nik enfiava a mão debaixo de sua blusa, acariciando-lhe
os seios.
— Não me importo nem um pouco de comer...
— Eu sinto fome apenas de você. Não sabe quanto desejo fazer amor com você,
Vicky!
Seus lábios colaram-se aos dela, num gesto de profunda ternura, misturada com
a paixão.
— Não quero esperar mais... Oh, Nik, eu também te amo tanto!
— Nunca mais permitirei que se afaste de mim, Vicky. Jamais conseguirá
escapar!
— E nem quero... — declarou ela com meiguice, sentindo que o fogo da paixão a
consumia. As pernas de ambos se entrelaçaram e as mãos de Nik acariciaram todo
seu corpo.
— Meu anjo adorado — murmurou ele, mas a resposta de Vicky perdeu-se na
torrente de sensações que se despejou sobre eles, transportando-os para o paraíso.

FIM

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