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Niterói
2021
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CURSO DE ESTUDOS DE MÍDIA
Orientador acadêmico:
Profº. Drº. Afonso Albuquerque
Niterói
2021
MARCELLE DO SOUTO PEREIRA
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________
Profº. Drº. Afonso Albuquerque (Orientador Acadêmico)
______________________________________________________
Profª. Drª. Ariane Holzbach (Avaliadora)
______________________________________________________
Profª. Mª. Gisele Rangel Maia (Avaliadora)
Aos meus pais, meus apoiadores, minha base e
meu sustento até aqui. Muito obrigada!
Todos querem possuir a verdade. E para possuir
a verdade é preciso que se a engaiole. E para
engaiolar a verdade é necessário engaiolar a
liberdade e o pensamento
(Rubem Alves)
AGRADECIMENTOS
Não foi fácil chegar até aqui, mas eu me sinto extremamente feliz e realizada por ter
conseguido, principalmente neste período tão difícil, cheio de perdas e incertezas. Escrevo
com lágrimas de emoção, gratidão e orgulho.
Quero agradecer a Deus pelo sustento e pela saúde, ter fé e esperança me ajudaram em vários
momentos que eu achei que não conseguiria.
Obrigada mãe e pai, vocês me acolheram quando mais precisei, foram a minha base e força
propulsora para eu chegar até aqui. Vocês me deram o mais importante: amor. Eu dedico esse
diploma a vocês.
Ao meu irmão, Marcos Vinicius, e aos meus familiares, pessoas fundamentais na minha vida e
na minha história.
Aos meus grandes amigos e amigas, obrigada pela amizade, pela parceria, pela presença e
pelo apoio. Vocês são essenciais na minha vida.
Ao corpo docente de Estudos de Mídia, que contribuiu de forma excepcional para o meu
conhecimento, expansão dos meus horizontes e para o meu pensamento crítico e social.
Obrigada por me tirar da zona de conforto e me fazer uma pessoa melhor. Em especial,
agradeço aos professores: Afonso Albuquerque, Ana Enne e Ariane Holzbach.
Obrigada novamente, Afonso, meu orientador, pela paciência, pelos conselhos e por ter
acolhido o meu projeto.
Finalmente, agradeço a todos que direta ou indiretamente passaram pela minha trajetória e
que agregaram de alguma forma para a minha formação acadêmica, profissional e pessoal.
RESUMO
The research aims to analyze the characteristics of the narrative of the Evangelical leader and
pastor Silas Malafaia, in his profile on the social network Instagram, in the context of the CPI
of the Pandemic. The main objective is to understand Malafaia's strategic role as an opinion
maker, pastor and media influencer, and how he uses his role to influence his faithful in
matters of social interest such as politics. For this, we have as corpus of analysis 22 videos
extracted from Instagram between the 15th of April and the 22nd of July. Due to the centrality
of the religious discourse in Brazil, influential pastors like Silas Malafaia, who have millions
of followers spread over the internet, gain an amplification of their voices and weight in their
speeches. In order to have a better understanding, we sought to understand who the
Pentecostal Evangelicals are and their characteristics, since it is the trend that has grown the
most and has gained visibility in Brazil. With this information in hand, we then tried to
present an overview of the presence of evangelicals in politics after the redemocratization
process and how they went from “a believer not involved in politics” to the motto “brother
votes for brother”. A brief discussion about media and religion was held, so we could enter
the research results. It was possible to notice that Malafaia uses a religious
narrative-argumentative strategy to discuss the theme of its videos. from the security
demonstrated in its statements, which gives credibility to those who watch it, there is a
narrative strategy of connecting with the faithful through religious jargon, prayers and
political speech that is confused with religious speech.
1. INTRODUÇÃO……………………………………………………………………...11
2. BREVE HISTÓRICO DO MOVIMENTO EVANGÉLICO PENTECOSTAL NO
BRASIL……………………………………………………………………………....14
2.1. Sobre os evangélicos…………………………………………………..………....14
2.2. As três ondas do pentecostalismo no Brasil…………………………...………....16
2.3. Os dois pilares que sustentam o neopentecostalismo no Brasil: a Teologia da
Prosperidade e a Teologia do Domínio……………………………………………….21
2.3.1. A Teologia da Prosperidade…………………………………………………....21
2.3.2. A Teologia do Domínio…………………….…………………………………..24
3. EVANGÉLICOS E POLÍTICA……...………...…………..…………….………....28
3.1. De “crente não se mete em política” para “irmão vota em irmão”........................28
3.2. Cresce o acirramento das competições no campo religioso……………………...30
3.3. O movimento de “esquerdização” da política evangélica, o crescimento dos
evangélicos no Brasil e os primórdios da bancada evangélica……………………….34
3.4. As mobilizações de 2013 e o congresso mais conservador desde 1964…………41
3.5. O impeachment da presidenta Dilma Roussef em nome de Deus e da família e a
eleição de Jair Messias Bolsonaro…………………………………………………....44
4. MÍDIA E RELIGIÃO………………………………………………………..……...48
4.1. Religião midiatizada……………………………………………………………..48
4.2. A estrutura do Instagram………………………………………………………....49
4.3. Silas Malafaia no Instagram……………………………………………………...50
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS……………………………………………………….56
6. REFERÊNCIAS……………………………………………………………………..57
1 INTRODUÇÃO
“Meu irmão foi o terceiro deputado mais eleito, com 135 mil votos. Com a minha
imagem. Eu ajudei a eleger 3 federais aqui no Rio. Eu fui o único cara, na eleição
passada a vereador no Rio de Janeiro a transferir voto para outra pessoa. Ninguém
conseguiu, nem Wagner Montes. Wagner Montes teve 510 mil votos. Foi o deputado
estadual mais votado. Não conseguiu eleger o filho dele vereador. Eu peguei um
jovem da minha igreja, ilustríssimo desconhecido e foi o 7º mais votado na cidade.
Eu quero exercer influência e é o que eu faço. Eu sou pastor há 35 anos. Há 30 anos
eu marco posição. Agora com o crescimento dos evangélicos eu estou aparecendo na
mídia. Não sou o pastor mais influente, nem o dono da verdade. Mas tenho uma
certa influência.” (MALAFAIA, 2014)
Esta foi uma entrevista concedida pelo pastor Silas Malafaia para a Agência Pública1,
no qual ele reconhece o peso da sua figura enquanto pastor e admite querer exercer influência,
muito por conta do crescimento dos evangélicos e pela sua visibilidade na mídia. Os
evangélicos, hoje, podem ser considerados atores importantes na arena política. Segundo
dados do último Censo Demográfico, realizado em 2010 pelo IBGE, ocorreu um crescimento
de 61,45% dos evangélicos no Brasil. Em 2000, 15,4% da população se declarava evangélica.
Em 2010, o percentual avançou para 22,2%. Já em 2020, pesquisa Datafolha2 revelou que
31% dos brasileiros se afirmavam evangélicos. Em uma projeção linear, o doutor em
Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR) da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), prevê que em 2036 os evangélicos serão
40,3% da população, ultrapassando os católicos.
Com grande capacidade de mobilização popular, líderes e instituições religiosas detém
credibilidade para além dos assuntos teológicos e perpassam todas as esferas sociais chegando
inclusive na política. Não obstante, a igreja figura entre as instituições com maior grau de
confiança3 pelos brasileiros, ganhando do congresso nacional, da imprensa e da justiça, o que
reverbera no nível de confiança e influência do discurso desses líderes, tal qual o pastor Silas
Malafaia. Assim sendo, o problema a ser discutido nesta pesquisa não é sobre a relevância dos
evangélicos no cenário político, mas o nível de influência de lideranças evangélicas que
1
Disponível em: https://apublica.org/2014/09/o-estopim-da-crise/ . Acesso em 25 de ago. 2021.
2
Disponível em:
https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/01/13/50percent-dos-brasileiros-sao-catolicos-31percent-evangelicos-
e-10percent-nao-tem-religiao-diz-datafolha.ghtml . Acesso em 25 de ago. 2021.
3
Disponível em:
http://conteudo.imguol.com.br/blogs/52/files/2015/07/pesquisa-cntmda-128-relatorio-sintese.pdf . Acesso em 24
de ago. 2021.
11
utilizam da sua credibilidade enquanto líderes (pastores, bispos e etc) para opinar sobre
assuntos e pautas relevantes socialmente falando utilizando uma perspectiva religiosa. O
quanto dessa influência não vem pelo tipo de discurso e narrativa, que automaticamente
tornam-se sagradas e inquestionáveis?
Interessa-me, portanto, compreender as minuciosidades da narrativa religiosa dentro
de discursos sobre política. O objeto de estudo é o pastor Silas Malafaia, com recorte para os
vídeos publicados dentro do período da CPI da Pandemia, que compreende os dias 27 de abril
e 15 de julho de 2021, em seu perfil no Instagram. A igreja no cenário brasileiro tem um
poder muito forte de gerar valores e determinar regras morais e sociais que afetam toda a
sociedade. Por isso, a pesquisa se torna relevante pelo contexto que estamos vivenciando, em
que há claramente um avanço de pautas mais conservadoras, que visam frear avanços sociais
já conquistados. Isso ocorre por meio de políticos declaradamente evangélicos e defensores da
família tradicional, uma bancada evangélica barulhenta e uma igreja que se manifesta de
forma conservadora, limitando qualquer tipo de pauta progressista. Além disso, a delimitação
do período se dá pela importância da CPI da Pandemia em um momento que o Brasil é um
dos piores países na gestão da pandemia e se investiga o quanto o presidente Bolsonaro tem
culpa diante de mais de 500 mil mortes, com atrasos comprovados na compra de vacinas que
poderiam ter evitado muitas mortes, discurso anti ciência e antivacina. Em contrapartida,
temos uma parcela da igreja evangélica que endossa e defende o posicionamento do atual
presidente, como mostrarei mais à frente na pesquisa.
A escolha do Instagram foi motivada pela presença ativa do pastor nas redes sociais,
pelo alcance que as mídias sociais oferecem, sua capilaridade e capacidade de ser eficiente e
funcional. Somente no Instagram o pastor tem uma forte presença com uma audiência de mais
de 3 milhões de seguidores. Mariano (2011, p. 251) destaca como os sujeitos políticos
contribuem para ocupação religiosa da esfera pública: fortalecendo “a instrumentalização
mútua entre religião e política” e legitimando e estimulando o ativismo político-partidário
destes grupos. As fronteiras se estenderam e hoje a igreja tem espaço em todas as mídias,
popularizando seu discurso e alcançando um número cada vez maior de pessoas.
Pessoalmente, a pesquisa é um grande desafio por ser um tema que me afeta
diretamente. Eu me tornei cristã evangélica aos 12 anos e passei toda a minha adolescência e
início da juventude dentro da igreja seguindo todas as regras e padrões morais definidos pela
instituição. E naquela época eu lidava muito bem com tudo isso, aceitava a narrativa de que
eu era uma pessoa santa (separada para Deus). De uns anos para cá, tenho questionado
bastante sobre diversos ensinamentos, doutrinas, e essa instrumentalização da religião no qual
12
se usa Deus para legitimar discurso de ódio e de preconceito, principalmente sobre questões
morais. Hoje, vejo uma parte da igreja tomando um caminho sombrio no qual eu não me
encaixo e fico me perguntando se eles realmente sabem qual é o Jesus que eles pregam, o
Deus que eu acredito é amor acima de todas as coisas. Amor, empatia e justiça. Ele jamais
revidaria o mal com o mal ou reforçaria o discurso de ódio para com as minorias ou qualquer
tipo de pessoa. Apesar de todos os questionamentos e das minhas reflexões, questionar algo
declarado “santo” continua sendo um grande desafio contra tudo o que eu cresci aprendendo,
e por isso a minha proposta é apontar trajetórias e um caminho histórico, demonstrando por
meio de pesquisas as minhas análises.
Assim sendo, a pesquisa se divide em três capítulos. No primeiro capítulo, farei um
breve histórico do movimento evangélico pentecostal no Brasil, apresentando as três ondas do
pentecostalismo brasileiro. Em seguida, destacarei os dois principais arcabouços teológicos
que embasam o neopentecostalismo em terras tupiniquim: a Teologia da Prosperidade e a
Teologia do Domínio, que são fundamentais para a compreensão da construção dos
evangélicos como atores políticos expressivos no Brasil, principalmente a partir da abertura
democrática, em 1987, até conquistarem voz e influência na agenda política do país.
No capítulo 2, o intuito é apresentar um panorama do envolvimento dos evangélicos
no cenário político brasileiro, como se deu esse início e crescimento, a partir da
redemocratização, em 1986, quando a atuação política se transforma a partir da entrada
oficial de representantes pentecostais, sobretudo da Assembleia de Deus, mas também das
igrejas Quadrangular e Universal do Reino de Deus. A ideia foi apresentar um panorama
sociológico e as articulações políticas que foram desenvolvidas com objetivos de
instrumentalização da política.
Por fim, no capítulo 3, entramos no objeto, mas antes no eu faço uma breve
abordagem sobre mídia e religião, apresento a estrutura da rede social Instagram e apresento a
os resultado da pesquisa, cujo objetivo é compreender as características presentes na narrativa
dos vídeos produzidos pelo pastor Silas Malafaia, o seu papel estratégico enquanto pastor e
influenciador midiático, e qual é a performance utilizada para influenciar o seu público alvo,
no caso os evangélicos, em temas relevantes de cunho político.
13
2 BREVE HISTÓRICO DO MOVIMENTO EVANGÉLICO PENTECOSTAL NO
BRASIL
Rubem Alves
4
As igrejas protestantes históricas são subdivididas entre protestantismo de imigração - pioneira na
implementação do protestantismo no Brasil no século XIX representada pela igreja Luterana - e missionário -
que é considerado o segundo momento do protestantismo no Brasil com a vinda das missões norte-americanas,
cujas denominações tradicionais fundadas foram: Anglicana, Congregacional, Metodista, Presbiteriana e Batista.
14
distingue-se do protestantismo, grosso modo, por pregar, baseado em Atos 2, a
contemporaneidade dos dons do Espírito Santo, dos quais sobressaem os dons de
línguas (glossolalia), cura e discernimento de espíritos. Para simplificar, os
pentecostais, diferentemente dos protestantes históricos, acreditam que Deus, por
intermédio do Espírito Santo e em nome de Cristo, continua a agir hoje da mesma
forma que no cristianismo primitivo, curando enfermos, expulsando demônios,
distribuindo bênçãos e dons espirituais, realizando milagres, dialogando com os seus
servos, concedendo infinitas amostras concretas de Seu supremo poder e inigualável
vontade. (MARIANO, 2014, p. 10)
Importante ressaltar que essas divisões do pentecostalismo em três ondas nos auxiliam
a pensar de forma metodológica, segmentada e ordenada a fim de compreendermos o caminho
percorrido pelos evangélicos, suas transformações internas e sua consequente abertura para o
cenário político brasileiro. Tanto os tipos ideais como todo e qualquer aparato conceitual não
correspondem a retratos literários ou fidedignos da realidade, nem a traduzem plenamente.
São instrumentos toscos e generalizantes pelos quais procuramos pensá-la, ordená-la e
compreendê-la (MARIANO, 2014).
15
Para fins da pesquisa, utilizarei a classificação do pentecostalismo aperfeiçoada por
por Mariano (2012), o qual compreende que o pentecostalismo no Brasil está dividido em três
ondas: o pentecostalismo clássico, que surgiu na década de 1910, deuteropentecostalismo5,
que teve seu início entre as décadas de 50 e 60, e a terceira onda chamada de
neopentecostalismo, que surgiu a partir da década de 70.
Este comportamento levava esses fiéis a adotar um estilo de vida embasado numa
ética de santidade considerada necessária ao usufruto dessas bênçãos. Para isso,
além de desvalorizar o mundo, se investiam de um modo de vida voltado
exclusivamente para a adoração divina, procurando viver um modelo de santidade
embasado na tradição bíblica e livre de quaisquer interferências profanas.
(FERREIRA, 2014, p.48)
Ambas ainda mantêm bem vivos a postura sectária e o ideário ascético. Apesar de
pretender manter-se em seu tradicionalismo, a Congregação Cristã vem sofrendo
pequenas alterações na área de usos e costumes e em sua composição social. Já a
Assembléia de Deus, desde 1989 cindida em duas denominações, mostra-se mais
flexível e disposta a acompanhar certas mudanças que estão se processando no
movimento pentecostal e, apesar da defasagem, na sociedade. Seu recente e
deliberado ingresso na política partidária e na TV, em busca de poder, visibilidade
pública e respeitabilidade social, ao lado de outras transformações internas, sinaliza
de modo irrefutável sua tendência à acomodação social, à dessectarização.
(MARIANO, 2014, p. 30)
17
A segunda onda do pentecostalismo no Brasil, classificada de deuteropentecostalismo
por Mariano (2014), teve início a partir da década de 50, na cidade de São Paulo, com o
trabalho missionário de dois ex-atores de filmes de faroeste do cinema americano, Harold
Williams e Raymond Boatright. O movimento, então, se espalhou por meio de tendas
armadas em terrenos baldios em São Paulo, e em 1953, como resultado do movimento,
organizou-se no Brasil com a denominação de igreja do Evangelho Quadrangular.
(MENDONÇA, 2002). Eles trouxeram para o Brasil o evangelismo de massa centrado na
mensagem da cura divina (MARIANO, 2014). Assim, os deuteropentecostais foram
pioneiros na utilização do rádio para difundir suas pregações, e organizam o evangelismo
itinerante em tendas de futebol, teatro e cinemas. Esses métodos inovadores e eficientes
causaram escândalo e reações adversas por toda parte.
A ênfase teológica no dom da cura divina, a partir dos anos 50, foi crucial para a
aceleração do crescimento e diversificação institucional do pentecostalismo
brasileiro. As maiores e mais representativas denominações da segunda onda,
citadas acima, continuam a enfatizá-la, visto que a cura constitui um de seus mais
poderosos recursos proselitistas. (MARIANO, 2014, p.31)
No que se refere à teologia, Mariano aponta que as duas primeiras ondas pentecostais,
apresentam diferenças apenas nas ênfases que cada qual confere a um ou outro dom do
Espírito Santo. A primeira enfatiza o dom de línguas6, e a segunda, o dom de cura. Ele aponta
6
De acordo com Ricci, “a glossolalia encarna um fenômeno catalisador de uma complexidade de relações
simbólicas, portanto culturais, que se processam no interior do Pentecostalismo como uma forma de oração
extática reconhecida pelas Igrejas Pentecostais como o “dom de línguas ” (2007, p. 55).
18
que existem diferenças entre as teologias, mas que dizem respeito à ênfase aos diferentes dons
do Espírito Santo, e esclarece que:
19
conseguiu se expandir de forma rápida, diversificou substancialmente sua base social e
ocupou espaços sociais antes impensáveis para os protestantes no Brasil (FRESTON, 1993).
As igrejas da terceira onda enfatizam a libertação dos demônios, enquanto a primeira onda
privilegia as línguas estranhas e a segunda, a cura divina. (MARIANO, 2014).
Assim, fica claro que para uma igreja ser considerada neopentecostal, a partir de
meados da década de 70, utiliza-se como referência a relação de contraste com as duas
primeiras vertentes da primeira onda do pentecostalismo brasileiro. E quanto mais próxima
das características do neopentecostalismo ela tiver, mais ela estará dentro do ethos e do modo
de ser das igrejas que compõem a vertente neopentecostal. Ou seja, menos ascéticas, e
sectárias, mais liberais e próximas nas questões “extra-igreja”, de ordem empresarial, política,
20
cultural, dentre outras, principalmente naquelas tão rejeitadas pelas igrejas pentecostais
clássicas. (MARIANO, 2014).
Quanto à distintividade teológica dos neopentecostais, é importante destacar dois
problemas: o primeiro é que entre as igrejas pentecostais não existe homogeneidade teológica;
e o segundo problema (esse é de extrema importância, pois direciona os próximos passos
desta pesquisa, ao inserir a Igreja Assembleia de Deus dentro dentro do processo de
“neopentecostalização”) se refere à crescente influência exercida pelas igrejas
neopentecostais, muito por conta do seu sucesso e crescimento e presença na mídia. Assim, as
igrejas pentecostais começam a se abrir e incorporar características e práticas das igrejas
neopentecostais porque também querem visibilidade e crescimento. A influência das últimas e
a disposição das primeiras de “incorporar os modismos teológicos e rituais bem-sucedidos,
deverão, rapidamente, diluir muitas diferenças agora existentes entre elas” (MARIANO,
2014).
A Teologia da Prosperidade nasce nos EUA na década de 40, mas só se constitui como
movimento doutrinário no decorrer dos anos 70, sob a liderança de Kenneth Hagin,
evangelista, batista, crente da cura divina e pregador da Confissão Positiva7. Muitas vezes o
versículo bíblico “Em verdade vos digo: tudo quanto ligardes na terra será ligado no céu e
tudo quanto desligardes na terra será desligado no céu”, do Evangelho de Mateus é usado para
7
O termo Confissão Positiva refere-se literalmente à crença de que os cristãos detêm poder - prometido nas
Escrituras e adquirido pelo sacrifício vicário de Jesus de trazer à existência, para o bem ou para o mal, o que
declaram, decretam, confessam ou determinam com a boca em voz alta. Para Kenyon Hagin e seus seguidores, o
que é falado com fé torna-se divinamente inspirado. Em suma, as palavras ditas com fé compelem Deus a agir.
(MARIANO, 2014, p.152).
21
fundamentar a Teologia da Prosperidade (DIP, 2018, p.82). Saúde perfeita, prosperidade
material, triunfo sobre o Diabo e vitória sobre todo e qualquer sofrimento, eis a promessa
desses pregadores (MARIANO, 2014, p.152).
No Brasil, o movimento iniciou sua trajetória no final dos anos 70. A IURD é a
principal porta de entrada do movimento no Brasil (FRESTON, 1993). Diante das novas
demandas sociais e mudanças que ocorriam na sociedade, e como justificativa para que os
evangélicos fossem autorizados a desfrutar do que o mundo poderia oferecer, além do fato de
que havia uma parcela dos neopentecostais que dispunham de condições econômicas para
então se beneficiarem da sociedade de consumo, a igreja evangélica precisava alterar algumas
de suas concepções teológicas. Houve, portanto, a percepção de que “seria muito difícil para a
igreja competir com os apelos sedutores da sociedade de consumo (...).Ou a igreja se
mantinha ascética e sectária, aumentando sua desvantagem, ou teria de fazer concessões”
(DIP, 2018, p.79).
22
materiais, luxo e as coisas “do mundo” afastavam o crente de Deus. No entanto, a teologia da
prosperidade chega para “subverter radicalmente o velho ascetismo pentecostal”, tornando o
aqui e o agora o lugar de extrema urgência para serem desfrutados e experimentados com
todas as bênçãos divinas de prosperidade, bens materiais e cura divina. “Em vez de glorificar
o sofrimento, tema tradicional no cristianismo, mas definitivamente fora de moda, enaltece o
bem-estar do cristão no mundo''. (FRESTON, 1993, p. 105-106). Assim, o discurso da
Teologia da Prosperidade alterou todo o ethos que norteava os pentecostais até então, ela
“promete prosperidade material, poder terreno, redenção da pobreza nesta vida”.
Ademais, segundo ela, a pobreza significa falta de fé, algo que desqualifica qualquer
postulante à salvação. Seus defensores dizem que Jesus veio ao mundo pregar o
Evangelho aos pobres justamente para que eles deixassem de ser pobres. Da mesma
forma, Ele veio pregar aos doentes porque desejava curá-los. Deus não é sádico, tem
grande prazer no bem-estar físico e na prosperidade material de seus servos. O
contrário não tem respaldo nem sentido bíblico. Os reais servos de Deus não são
nem nunca serão párias sociais. Durante muito tempo o Diabo obscureceu a visão
dos crentes a respeito destas verdades, mas agora, conscientes da ardileza satânica,
eles começam a tomar posse das promessas divinas. (MARIANO, 2014, p. 159)
23
admissão anula a primeira confissão e dá a Satanás o direito de infligir a dor”
(Pieratt, 1993:83). (MARIANO, 2014, p.156)
“Não existe nada que esteja fora da ação demoníaca. No futebol, na política, nas artes
e na religião, nada escapa ao cerco do Diabo”. Essa frase, do missionário R. R. Soares, líder
da Igreja Internacional da graça de Deus, revela o sentido da Teologia do Domínio, cujo
24
princípio é o dualismo entre Deus e o Diabo e a luta que permeia os reinos material e
espiritual.
25
Afirma que são frequentadas por pessoas ingênuas e sinceras, mas sobretudo por
"prostitutas, homossexuais e lésbicas" [possuídas por pomba-giras], por “ladrões,
criminosos, contraventores, pederastas e gente desta estirpe” [para “fechar o corpo”],
e por “pessoas viciadas em tóxico, em bebidas alcóolicas, em cigarro ou jogo”
[possuídas por “zé pilintras”]. Assim, “desenvolver-se no espiritismo, significa
tornar-se totalmente submisso aos demônios”. As consequências para seus adeptos
são nefastas, pois “essa religião que está tão popular no Brasil é uma fábrica de
loucos e uma agência onde se tira o passaporte para a morte e uma viagem para o
inferno” (MARIANO, 2014, p.120).
Uma vez identificado o inimigo, cabe então atacá-lo, já que a melhor forma de se
defender é atacando.
Macedo não tem dúvida disso. Ele reclama que “muitos cristãos vivem pedindo
oração porque estão sendo perseguidos pelo diabo. É de estarrecer”, critica, “porque
a realidade deveria ser outra. Os cristãos é que devem perseguir os demônios. Nossa
luta é muito mais de combate do que de defesa (...) A igreja deve ser triunfante e
estar sempre na ofensiva.” (Macedo s/d 114). Desse triunfalismo ofensivo resulta
que o Brasil experimentou na segunda metade dos anos 80 significativo incremento
da hostilidade desses religiosos contra os cultos afro-brasileiros. A Universal
revelou-se a mais ativa e engajada nessa missão, e, talvez por isso, a mais agressiva.
Combativos, muitos de seus pastores, obreiros e fiéis, nesse período, saíram das
trincheiras e puseram a artilharia das tropas do Senhor dos exércitos para efetuar
ousadas missões de ataque aos supostos representantes terrenos do diabo. Ao
ultrapassarem o espaço interno de seus templos, protagonizaram casos diversos de
invasões de centros e terreiros, de imposições forçadas da Bíblia, de agressões
físicas a adeptos dos cultos afro-brasileiros e espíritas e até de práticas de cárcere
privado. (MARIANO, 2003, p. 28).
8
Ex-aluna de Peter Wagner, a pastora Neuza Itioka lidera a Rede Internacional de Guerra Espiritual-BR no país.
Autoria de livros sobre guerra espiritual (1993), ela coordena desde 1989 um grupo de crentes experts em guerra
espiritual que atende cerca de 1.200 pessoas por ano. (MARIANO, 2014, p.143).
26
crenças no Brasil.” Dessa forma, passou-se a travar a guerra espiritual contra os espíritos
territoriais e hereditários. (MARIANO, 2003, p. 31).
Prato cheio para os políticos evangélicos, a crença nos espíritos territoriais tem-se
prestado ao uso eleitoreiro. Justificam seus defensores, candidatos e cabos eleitorais
que a eleição de evangélicos para os altos postos políticos da nação trará bênçãos
sem fim à sociedade. Além de desalojar parlamentares infiéis, idólatras,
macumbeiros e adeptos de práticas pagãs, parcialmente culpados pelas terríveis
maldições que recaem sobre o país, os políticos evangélicos, eleitos teriam a
privilegiada oportunidade de poder interceder, nos planos material e espiritual,
diretamente no próprio local onde se alojam os poderosos demônios territoriais que
tanto oprimem os brasileiros. (MARIANO, 2014. p. 144).
Assim,“ao mesclarem o social com o espiritual, não propõem militância política, mas sim
militância religiosa, engajando o fiel num processo de santificação, ora num combate
espiritual, às vezes nos dois, visando à libertação do mal” (MARIANO, 2014, p. 152).
27
3. EVANGÉLICOS E POLÍTICA
“Bastaria o argumento do amor cristão para fazer com que os crentes votassem nos
crentes. Porque quem ama não quer ver o seu irmão derrotado...Crente vota em crente,
porque, do contrário, não tem condições de afirmar que é mesmo crente”. (SYLVESTRE,
53-54). O livro Irmão vota em Irmão, escrito pelo líder assembleiano e assessor do senado,
Josué Sylvestre, teve bastante repercussão no cenário da igreja Assembleia de Deus (AD) e
foi um dos recursos utilizados para incentivar os evangélicos a votarem em candidatos da
igreja. Desta forma, o livro “identifica os evangélicos brasileiros como herdeiros das
promessas Teocráticas do antigo testamento” (FRESTON, 1993).
Além disso, líderes da AD exploraram o sentimento de medo no seu rebanho
(BAPTISTA, 2007), trabalhando com a ideia de duas “ameaças” na nova Constituinte: à
liberdade religiosa e à família. Os boatos corriam sobre o estabelecimento do catolicismo
como religião oficial do Brasil, o terror do comunismo e a perseguição religiosa, e
preocupação com questões envolvendo a família: legalização do aborto, das drogas, do
casamento homeafetivo e do casamento como simples contrato (FRESTON, 1993). Neste
sentido, a entrada pentecostal na política é um ato de defesa cultural; uma reação a mudanças
no ambiente social que ameaçava minar a capacidade de manter a cultura do grupo (BRUCE,
1988, p. 7-16).
Sobre as questões externas, há uma facilidade do sistema eleitoral em aceitar grupos
religiosos sectários, estando mais próximo do sistema norte-americano. “Em um ponto o
28
Brasil é até mais favorável do que os Estados Unidos: os partidos são, na sua maioria, não
apenas ideologicamente fracos, mas também instáveis enquanto máquinas eleitorais”
(FRESTON, 1993, p. 217). Além disso, a conjuntura do período de redemocratização política
no contexto econômico da “década perdida”, que aumenta as tensões sociais e que também
foram fatores que contribuíram para a inserção dos pentecostais na política nacional.
Após 1986, a participação dos pentecostais na política causou impacto por conta das
articulações das corporações eclesiais, pois explicitava claros objetivos de instrumentalização
da política, com o intuito de garantir privilégios e recursos para as instituições religiosas
através de práticas clientelistas praticadas sem nenhum pudor (BAPTISTA, 2007). Na
Assembleia Nacional Constituinte, 32 protestantes parlamentares se elegeram como titulares e
2 suplentes assumiram no período, comparando com as eleições anteriores em que somente 14
haviam sido eleitos, o salto foi considerável. Destaque mesmo para os pentecostais que
subiram de 2 para 18 parlamentares,
Na campanha presidencial de 1989, houve um envolvimento forte dos pentecostais. À
direita, Fernando Collor apoiado pelas principais lideranças evangélicas, e à esquerda, Lula,
que representava o pesadelo do comunismo e a perda da liberdade religiosa. A maioria dos
29
pastores não só apoiaram o candidato Collor, como se mobilizaram nas igrejas, nos meios de
comunicação e até mesmo fizeram campanhas e boca de urna. Fernando Collor aproveitou
para visitar templos, se promover e fortalecer as alianças com os líderes protestantes
(MARIANO, PIERUCCI, 1992).
9
A representação da Assembleia de Deus não diminuiu, dos 12 candidatos oficiais eleitos em 1986 5 se
reelegeram e 4 assumiram logo como suplentes .Porém, a votação dos eleitos caiu 40%. Sobre a Igreja do
Evangelho Quadrangular, o total de votos também caiu um terço. Nesse sentido, Freston conclui que, embora a
presença dos parlamentares no final de 1991 fosse igual a da legislatura anterior, os votos em candidatos
pentecostais oficiais caíram 35% em 1990. (FRESTON, 1993).
30
Incentiva a filiação a movimentos sociais, sindicatos e partidos. (...) O surgimento
do MEP se deve à junção de fatores internos ao campo protestante com mudanças
religiosas, econômicas e políticas da recente história brasileira. (FRESTON, 1993, p.
275, grifos do autor)
Freston aponta os motivos fundamentais para essa abertura dos evangélicos no campo
progressista: “democracia num contexto de crise política e econômica” - que ele considera o
contexto mais favorável para o processo de esquerdização dos protestantes. - Ademais, “o
surgimento da ética como tema político importante, o fiasco do governo Collor, e o
aprofundamento da crise econômica fortaleceram a tendência” (FRESTON, 1993, p.276)
Entre os principais expoentes da esquerda evangélica, se destacam: a deputada federal
Benedita da Silva, o deputado distrital Wasny Roure, e a maior influência interna à
comunidade protestante foi Robinson Cavalcanti, cientista político e pastor anglicano. Sua
influência se dá por conta do livro Cristianimo e Política (1985), cuja temática pende para a
social-democracia e um dos poucos livros sobre o tema na época, todos do PT. (FRESTON,
1993).
Em 1991, foi fundada a Associação Evangélica Brasileira (AEVB) com o intuito de
ser um órgão representativo pr
otestante. O primeiro presidente deste órgão foi o pastor Caio Fábio, que destacou-se
por ser uma figura questionadora e que se pronunciava sobre as práticas políticas dos
protestantes: “Política é para se fazer em nome do homem, não em nome de Deus. Devemos
fazer uma política verbalmente ateia e praticamente cristã” (FRESTON, 1993, p.134). Dois
dias após o encarceramento do Bispo Macedo10, em 1992, a diretoria da AEVB lançou o
“Manifesto à nação brasileira acerca de charlatanismo, curandeirismo e estelionato”. Nele,
defendia-se a liberdade religiosa e a legitimidade das crenças e práticas da Universal, mas
propuseram que a igreja abrisse sua contabilidade para uma auditoria independente,
coordenada pela AEVB, para investigar a culpa ou inocência de seus líderes, segundo critérios
objetivos da Justiça. No manifesto, a Associação se apresentava como “legítima representante
da comunidade evangélica” (MARIANO, 2014, FRESTON, 1993).
A prisão do bispo Macedo serviu de justificativa para a fundação de outra entidade, o
Conselho Nacional de Pastores do Brasil (CNPB), cuja pretensão era ser considerada a CNBB
(Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) protestante.
10
Macedo foi preso no dia 24 de maio de 1992. O bispo foi acusado de charlatanismo, curandeirismo e
estelionato (MARIANO, 2014).
31
Sob a batuta de Macedo e do pastor Manoel Ferreira, presidente da Convenção
Nacional das Assembléias de Deus (Conamad), nasceu o CNPB com a alegada
missão de defender a liberdade religiosa dos evangélicos. Manoel Ferreira, como
presidente da CNPB, ganhou do bispo programa semanal na TV Record, de 15
minutos, para promover o Conselho no país e obter a adesão do maior número
possível de pastores. (MARIANO, 2014, p. 79)
Por meio da Folha Universal, jornal semanal de circulação nacional, jogaram pesado
contra a candidatura do petista. Além de identificá-lo com o demônio e de
garantirem que sua vitória resultaria em perseguição aos evangélicos, acusações de
que o PT sofria havia tempos, desta vez tiveram a preocupação de consubstanciar
concretamente o riso de um eventual governo de esquerda. Para tanto, usaram armas
e munições tidas como eficazes em seu meio religioso. A Folha Universal acusou o
Partido dos Trabalhadores de pretender legalizar o casamento de homossexuais e
Lula de defender o aborto, mostrou uma foto dele com a banderia brasileira sem a
expressão ordem e progresso e outra em que o ex-líder sindical, ao lado da
mãe-de-santo Nitinha, estaria, conforme destacava a manchete, apelando para o
candomblé, ou seja para o próprio Diabo. (MARIANO, 2014, p. 93-94)
32
Um dos destaques da campanha anti-Lula foi a realização do evento “Clamor pela
Nação”, organizado pela CNPB e liderada por Macedo. A concentração ocorreu no no Aterro
do Flamengo, Rio de Janeiro, em 18 de junho de 1994 e reuniu 400 mil fiéis, com
transmissão ao vivo pela TV Record, muitos deles com cartazes contra o aborto e o casamento
homoafetivo (claramente um ataque ao programa do governo do PT). Macedo estava
acompanhado de líderes evangélicos, políticos e candidatos políticos e disse que “naquela
eleição, os crentes teriam que decidir entre a igreja de Jesus e a do Diabo” (MARIANO, 2014,
p. 94).
A AEVB também não ficou fora dos ataques. Na Folha Universal de 21 de agosto, o
pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus, começou atacando o Decálogo Evangélico do
Voto Ético11.
Fazendo o jogo do CNPB, pastor Malafaia rotulou o documento de “Decálogo da
Rebelião”, condenando a AEVB por tentar, por meio da cartilha, introduzir nas
igrejas “candidatos de esquerda materialista e humanista”, entre os quais Lula. O
líder petista, segundo ele, além de apoiado pela Igreja Católica, idolatria Fidel
Castro, ditador comunista que encarcerava pastores, fechara templos e proibira a
liberdade de culto em Cuba. (MARIANO, 2014, p. 95)
O presidente da AEV, Caio Fábio, também não ficou de fora dos ataques disparados
por Macedo. Ele foi acusado de ser “esquerdista”, de se encontrar com Lula de forma
frequente com o intuito de lhe ensinar como se dirigir aos evangélicos, e de fazer campanha
para o PT. Dessa forma, Macedo e seus aliados pretendiam desqualificar Caio Fábio e a
AEVB com o propósito de colocar a CNPB como exclusiva representante dos evangélicos
(MARIANO, 2014).
Na campanha eleitoral de 1998, os comitês evangélicos não foram muito atuantes em
apoiar ou não candidatos na corrida presidencial, bem como as entidades também se
mantiveram mais tímidas. Mas, eles se destacaram em três eleições para governador e, até
então, a nova bancada evangélica no Congresso era a maior da história, foram 44 deputados
federais evangélicos. A grande novidade é a notável força política da Igreja Universal do
Reino de Deus, que conseguiu eleger 17 deputados federais. A IURD passa então de apenas
11
“Este documento pretendia evitar que pastores e políticos evangélicos manipulassem os fiéis numa direção só,
tentassem transformá-los num curral eleitoral e continuassem a apregoar, como alardeava a Universal, que a
vitória eleitoral de candidatos de esquerda representava grave ameaça à liberdade religiosa.” O documento foi
resultado da Conferência Anual de Igrejas, Missões e Instituições desta entidade, no Rio de Janeiro, nos dias 17
e 18 de março de 1994. (MARIANO, 2014, p. 95).
33
um deputado federal na constituinte em 1998; três em 1990; seis em 1994; e conquistou 17
deputados federais em 1998. (FRESTON, 2006, MARIANO, 2014, CAMPOS, 2003)
No Rio de Janeiro, a dupla Rosinha (PT)/Garotinho (PDT) venceu e é a primeira vez
que o estado terá governador e vice-governadora evangélicos. A IURD apoiou a dupla
Rosinha/Garotinho, “mas depois tirou proveito dessa aliança, colocando alguns de seus
pastores dentro da máquina de Estado, desviando recursos para atendimento de sua
clientela, dentro de um autêntico estilo clientelista”.
Em Goiás, Íris Rezende - que tinha sido o candidato mais votado proporcionalmente
no país em 1994 - perdeu as eleições para um terceiro mandato como governador. Em São
Paulo, Francisco Rossi terminou em quarto lugar (ele que tinha chegado ao segundo turno em
1994 utilizando um discurso evangélico). Sua imagem ficou desgastada por ele ter
intensificado suas críticas ao candidato Maluf, e no segundo turno aliou-se a ele em troca de
uma futura candidatura a prefeito (MARIANO, 2014). As últimas três décadas
experimentadas pela sociedade brasileira foram marcadas pela volta da democracia, pelo
acirramento das competições no campo religioso e pela crescente atuação dos pentecostais na
política partidária e pleitos eleitorais (MACHADO, 2012).
34
Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ambos partidos de ideologia de esquerda. O Rio de Janeiro
apresentava duas candidatas evangélicas ao governo do estado, com grandes possibilidades de
vencer. Além do fato de que lideranças evangélicas, antes responsáveis por demonizar os
partidos de esquerda, admitiam que poderiam votar em candidatos de esquerda neste pleito
(MARIANO, 2014).
Importante mencionar que este pleito é o primeiro que ocorre após a divulgação dos
dados do IBGE no censo de 2000 apontando o crescimento dos evangélicos e expondo as
mudanças ocorridas no campo religioso brasileiro. Segundo dados do IBGE12, as pessoas que
se declararam católicas representavam em 2000, 73,8% da população do País, refletindo ainda
a predominância do catolicismo no Brasil, mas queda se comparado com o último Censo de
1990 quando representava 84% da população. O segundo maior percentual corresponde aos
evangélicos, com 15,4%. Em 1990 os evangélicos representavam 9% da população13,
revelando tendência de crescimento em sentido inverso do que apresentou a religião católica.
Este expressivo crescimento já começava a ter uma significativa importância no cenário
político nos rumos do país.
Neste período, os dois candidatos com maior intenção de votos, segundo pesquisa
DATAFOLHA divulgada às vésperas da eleição, eram Garotinho - com 17% das intenções de
voto geral e 35% entre os evangélicos - e Lula - com 41% das intenções de votos no país e
31% dos evangélicos (FRESTON, 2006). Pode-se perceber que os dois candidatos
acumulavam 2 terços da intenção de votos da classe evangélica e isso apresenta uma grande
mudança se comparado com as últimas eleições democráticas no país. Outro fator curioso é
que embora o candidato Garotinho fosse evangélico, Lula detinha 31% das intenções de votos
desse grupo, o que aponta uma divisão dentro da esquerda evangélica, bem como constata a
pluralidade de pensamentos e posicionamentos. Com Lula na presidência, os evangélicos
ganharam um certo protagonismo, ele ofereceu cargos ao PP - partido que compunha boa
parte dos representantes da Igreja Universal - e depois do PRB (DIP, 2018).
No início da 52ª legislatura da Câmara dos Deputados (2003-2006), os evangélicos
criaram a Frente Parlamentar Evangélica. Ela nasce de uma demanda crescente da ala
evangélica para defender seus próprios interesses. Em setembro de 2003, em solenidade no
12
Disponível em:
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/14244-asi-cens
o-2010-numero-de-catolicos-cai-e-aumenta-o-de-evangelicos-espiritas-e-sem-religiao . Acesso em: 19 de jul.
2021.
13
Disponível em:
https://www.nexojornal.com.br/externo/2019/12/09/O-crescimento-da-f%C3%A9-evang%C3%A9lica .Acesso
em 19 de jul. 2021.
35
plenário Ulysses Guimarães da Câmara dos Deputados, é instalada oficialmente a FPE com o
intuito de: “influenciar as políticas públicas do governo, defendendo a sociedade e a família
no que diz respeito à moral e os bons costumes” (BINDE, 2018, p.15). Na ocasião, houve
distribuição do Novo Testamento para o acervo da Casa, traduzidos em várias línguas
indígenas (BAPTISTA, 2009). Caracterizada como um grupo com demanda de interesses em
comuns, organizados para discutir políticas públicas e elaboração de leis, pode-se considerar,
de acordo com Baptista (2009) a FPE como um “grupo de interesse” (BINDE, 2018). A FPE,
hoje, é comumente chamada de Bancada Evangélica, mas “Bancada” e “Frente Parlamentar”
são conceitos distintos.
Em sua fundação, a FPE foi composta por 57 deputados e 3 senadores. A sua base era
formada por membros da Assembléia de Deus de variadas formações partidárias (DCD, p.
41). A sua ata informa sobre o objetivo comum dos integrantes:
36
remete ao livro de Ezequiel capítulo 33, em que o profeta é designado como Atalaia de Deus
sendo encarregado de alerta o pecador dos seus maus caminhos (BINDE, 2018).
Bruno Dantas (2007, p. 174 e 194) identifica que o trabalho da FPE é um trabalho “de
resistência aos avanços sociais, às reivindicações dos movimentos progressistas e à
transformação da sociedade”. Esses tijolos já apontam na construção de uma bancada
evangélica com um projeto político claro de promoção de uma sociedade baseada nos valores
morais, na família tradicional e no cristianismo, a instrumentalização política da religião. Com
efeito, Binde (2015) analisou o perfil e a atuação da frente parlamentar evangélica entre 2003
e 2014 e constatou que em relação à temática, as principais questões que envolvem os
parlamentares da FPE se referem à moralidade e que e assuntos como aborto e
homossexualidade são os que conseguem mais unir a frente para o embate.
A 52ª legislatura foi marcada por escândalos de corrupção como o dos bingos (2005),
mensalão (2006) e das sanguessugas (2006), no qual todos eles tiveram participação de
deputados evangélicos. O caso mais significativo foi a máfia das ambulâncias (conhecida
como operação sanguessuga) em que quase metade dos evangélicos do Congresso Nacional
estavam envolvidos no escândalo - sendo 28 deles membros da FPE (de 60 filiados). O caso
envolvia desvio de recursos públicos, que eram destinados à compra de ambulâncias, por
meio de liberação de emendas parlamentares e esse escândalo afetou intensamente a base
eleitoral envolvida (BENEDITO, 2015). Nenhum dos deputados formalmente acusados foram
reeleitos e somente 15 membros da FPE conseguiram um novo mandato (MARIANO, 2009).
As igrejas Assembléia de Deus e Universal foram as que mais sofreram perdas nesse período
e tiveram que investir mais fortemente em práticas clientelistas para novamente conquistarem
força e influência. Além dos escândalos de corrupção, os deputados evangélicos também
apresentam o caráter corporativista. Segundo Baptista (2007), por algum tempo o bispo
Rodrigues representou o papel de líder supremo da igreja Universal, coordenando o trabalho
37
dos parlamentares eleitos pela denominação e atuando nos acordos políticos e escolha de
candidatos. No caso da Assembleia de Deus, não há um coordenador que atue liderando as
atividades dos deputados, mas foi elaborado um projeto chamado Cidadania AD que
construiu uma estrutura capaz de monitorar e assessorar os candidatos eleitos (MARIANO,
2009).
Na 53ª legislatura (2007-2010) a bancada evangélica perde deputados e a justificativa
é atribuída aos escândalos de corrupção que os os membros evangélicos se envolveram. Mas,
em 2010, a bancada evangélica reergue-se e elege 69 deputados, juntamente com o
crescimento das demandas LGBTs e feministas (LACERDA, 20191).
Conforme aponta Marina Basso Lacerda (2019), em 2008 ocorre o pico das iniciativas
e dos discursos contra o aborto ou pelo endurecimento da legislação. Desde 2005 ocorrem
uma série de discussões acerca da descriminalização do aborto, iniciativas para revisar a
legislação punitiva14 contra o aborto, reação conservadora com propostas de agravamento da
legislação proibitiva15, e até mesmo declarações do ministro da Saúde, José Gomes Temporão,
apoiando descriminalização do aborto, que causou um ensejo de abertura de CPI16
(LACERDA, 2019). Além disso, também ocorreu o lançamento de um novo Programa
Nacional de Diretos Humanos (o PNDH-3)17, em dezembro de 2009, que intensificou as
reações coletivas dos segmentos tradicionais (MACHADO, 2012). Verifica-se, portanto, uma
dinâmica de reação conservadora à medida que se coloca em pauta essas discussões que giram
em torno da moral e da manutenção da família tradicional. Nesse sentido, Machado (2012)
explica que o PNDH-3 causou um grande impacto tanto nos evangélicos, católicos, em
movimentos sociais e nos responsáveis por elaborar a proposta. “Em virtude da forte pressão
das igrejas, a proposta original foi revista, mas as modificações não foram suficientes para
14
“ Em 2005, a secretaria Especial de Políticas para Mulheres do Governo Federal instalara a comissão tripartite -
com representação do Executivo, do Legislativo e da sociedade civil - para revisar a legislação púnitiva contra o
aborto. Também em 2005 o ministro da saúde Humberto Costa publicou a norma técnica “Atenção Humanizada
ao Abortamento” sobre o atendimento nos casos de aborto legalmente autorizado, mesmo sem boletim de
ocorrência. Ambas as iniciativas foram criticadas em discursos em plenário, e a norma técnica foi objeto de um
projeto pela sua revogação” (LACERDA, 2019, p. 66).
15
Em 2006, Eduardo Cunha apresentou o PL 7443/2006 que visava transformar o aborto em crime hediondo.
16
“Ele chegou a afirmar que a discussão sobre o assunto seria machista, uma vez que conduzida apenas por
homens, e que eles se engravidassem “essa questão já estaria resolvida há muito tempo”. Para Temporão, o
aborto deveria ser tratado em uma perspectiva de saúde pública. (LACERDA, 2019, p. 67).
17
O primeiro ponto a se destacar é que o PNDH-3 foi precedido pelo PNDH-1 (1996),que enfatizou os direitos
civis e políticos, e pelo PNDH-2 (2002), “que incorporou os direitos econômicos, sociais, culturais e
ambientais”. Subscrito por trinta e um ministérios diferentes, o PNDH-3 aborda distintos e controversos temas,
como: a descriminalizaçãodo aborto; a criação de uma Comissão da Verdade para investigar os crimes cometidos
na ditadura militar; a criação de redes de proteção dos Direitos Humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e
transexuais; a regulação governamental dos meios de comunicação, tendo como ponto de referência os direitos
humanos, entre outras coisas (MACHADO,2012, p. 28-29).
38
eliminar as desconfianças dos grupos confessionais em relação ao PT e à sua futura
candidata” (MACHADO, 2012, p. 30).
O ano de 2010 legitima o crescimento e a força dos evangélicos em números com a
divulgação dos dados do IBGE, cujo resultado revelou que 22% da população brasileira se
declara evangélica. Esse resultado colocou algumas denominações evangélicas em uma maior
articulação e envolvimento político em prol dos seus interesses, como foi o caso das igrejas
Universal, Assembleia de Deus e Batista18. A participação dos pentecostais no Poder
Legislativo é explicado por dois vetores principais:
Esse pleito foi um marco para os evangélicos no Congresso Nacional porque era a
primeira vez que havia uma candidata forte que representava uma boa parte dos evangélicos, a
candidata Marina Silva. A candidata Dilma no entanto, era vista com certa hostilidade por
alguns religosos, por a atrelarem à pautas progressistas, como a legalização do aborto e
casamento homoafetivo (MACHADO, 2012). De qualquer forma, as mulheres estavam
exercendo um papel cada vez mais forte na política e na sociedade como um todo.
Neste período, a mobilização evangélica no cenário político se fortaleceu e, dentre os
apoiadores da candidata Marina Silva, estavam Sóstenes Apolo da Silva (um dos líderes da
Assembléia de Deus19), que era responsável pelo viés religioso da campanha, lideranças do
18
Machado (2012) ao escrever sobre esse período elucida que as lideranças da AD, que se caracteriza como o
maior grupo pentecostal do Brasil, no primeiro turno se viam divididas entre as candidaturas de Marina Silva,
Dilma Rousseff e José Serra, ao passo que a IURD engajava-se na campanha petista ao mesmo tempo em que
travava duros embates com outras denominações pentecostais na mídia eletrônica, impressa e digital,onde
buscava desconstruir a imagem da candidata Dilma aos temas polêmicos como a descriminalização do aborto e
da união civil de pessoas do mesmo sexo. (CARMO, ROCHA, 2017, p.368).
19
Desde a Assembleia Constituinte, a Assembleia de Deus é a igreja com maior representação no Congresso
Nacional brasileiro (CAMPOS, 2010). Nas últimas eleições, elegeu 33 parlamentares. Também pudera, pois é a
maior e mais antiga denominação pentecostal do Brasil e tem uma força considerável na política pela sua
capilaridade em todo território nacional - no último Censo de 2010, a AD representa 48,5% dos pentecostais.
39
MIR (Ministério Internacional da Restauração), o Conselho Internacional de Pastores e
Ministros do Estado de São Paulo, a Assembleia de Deus dos Últimos Dias e, por um
determinado período da campanha, o pastor Silas Malafaia20, da Igreja Assembleia de Deus
Ministério Vitória em Cristo. Sobre o pastor Silas Malafaia, cabe destacar que no final do
primeiro turno ele resolveu apoiar o candidato José Serra no segundo turno, e essa decisão
ocorreu pela justificativa de que a candidata Marina Silva defendia um plebiscito que
propunha possíveis mudanças nas questões acerca do aborto (VITAL CUNHA; LOPES,
2012).
O pleito de 2010, portanto, foi marcado por discussões que envolviam questões de
natureza religiosa e moral e a instrumentalização política da religião. Nesse sentido, os
evangélicos pentecostais emergem como atores políticos que não só fazem barulho, mas
utilizam a sua autoridade para influenciar e criar um sentimento de “pânico moral” na igreja.
Além disso, uma das grandes estratégias utilizadas pelos pastores é a relação de clientelismo
com os fiéis, no qual ocorrem ações em centros sociais localizados em zonas mais carentes
do estado, tal qual as relações entre políticos e eleitores e as trocas de favores nas campanhas
eleitorais, principalmente com indivíduos de baixa renda e pouca escolaridade.(MACHADO;
MARIZ, 2004).
No início da 54ª legislatura, no primeiro ano do mandato de Dilma Roussef, Lacerda
(2019) destaca um súbito crescimento do ativismo contra a agenda LGBTQIA+ na Câmara
dos deputados. Neste mesmo ano é apresentada a proposta da “cura gay”21 (nome dado pelos
opositores) e o PLC 122 sobre a criminalização da homofobia (foi aprovado na Câmara em
novembro de 2006). Entre 2007 a 2010, a proposta foi tema de 15 pronunciamentos; no ano
de 2011 foi objeto de 25 discursos, ou seja, um crescimento de 66% se comparado com a
soma do período anterior. Todo esse movimento conservador de cunho moral foi uma reação a
dois acontecimentos de maio daquele ano. “O primeiro foi o julgamento, pelo Judiciário, da
Segundo Almeida, (2014, p.87), nas eleições de 2010, para cada voto concedido a um candidato a deputado
federal ligado à IURD, 2,7 votos foram conferidos a outro candidato ligado às Assembleias de Deus.
20
Durante o primeiro turno, Silas Malafaia (líder formador de opinião pública no universo pentecostal do Rio de
Janeiro), espalhou cerca de 600 outdoors em “favor da família e preservação da espécie humana”, além de
postar uma série de vídeos na internet contra o PNDH-3, considerado por ele como “Plano Nacional da Vergonha
Humana”, com o objetivo de alertar os evangélicos sobre a importância do voto, já que as propostas do plano
seriam colocadas em análise na próxima legislatura cujo poder de veto ou sanção estaria nas mãos do executivo
(MACHADO, 2012, p. 33-34). “Acionando pânicos morais através dessas demandas, os vídeos sempre traziam
como imagens do absurdo casais gays se beijando ou abraçados, travestis e transexuais em festas ou na Parada
Gay e imagens (reais ou não) de embriões após a realização de aborto” (VITALCUNHA; LOPES, 2012, p. 76).
21
“A proposta visava sustar uma resolução do Conselho Federal de Psicologia que veda o oferecimento de
terapias para a homossexualidade”. Segundo João Campos, o autor da proposta, o conselho estava limitando o
trabalho dos profissionais de psicologia, “extrapolando seu poder parlamentar e usurpando a competência
legislativa”. (LACERDA, 2019, p. 69).
40
constitucionalidade da união homoafetiva. O segundo foi a tentativa, pelo Executivo, de se
divulgar um material contra a homofobia nas escolas” (LACERDA, 2019, p.71). O Ministério
da Educação havia lançado o Programa Escola sem Homofobia22, com base em um conjunto
de diretrizes do projeto Brasil sem Homofobia, que visava o combate ao preconceito sexual
nas escolas. O material foi batizado pelo então deputado Jair Bolsonaro de “kit gay”, que
somente no ano de 2011 foi tema de 47 discursos na Câmara dos deputados. Essa iniciativa do
Governo federal foi a força propulsora para o combate à agenda do movimento LGBTQI+ e
um avanço de discursos e posições conservadores no Congresso Nacional. Outro termo que
ganhou força foi a chamada “ideologia de gênero”, que em 2013 ganhou foi resgatado pelo
deputado Pastor Eurico e entrou de vez na agenda legislativa.
O ano de 2013 foi um ano importante e divisor de águas para a história da política no
Brasil. Neste período, começou uma onda de protestos e mobilizações, cujo início aconteceu
de forma tímida por uma insatisfação popular pelo aumento da tarifa de ônibus na capital
paulista, esse movimento foi nomeado de Movimento Passe Livre (FÉLIX, 2016). Chamado
de Jornadas de Junho, o movimento foi considerado como a maior mobilização de massas nos
últimos 20 anos no Brasil23. A princípio, as manifestações eram noticiadas pela mídia como
22
“O material do programa consistia no Caderno Escola sem Homofobia, que trazia o conceito de gênero, de
diversidade sexual, de homofobia, entre outros, e em vídeos educativos”. (LACERDA, 2019, p. 71).
23
Disponível em
https://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/reportagem/cinco-anos-das-jornadas-de-junho-um-legado-em-disputa .
Acesso em 26 de jul. 2021.
41
atos de vandalismo. Num segundo momento, o destaque vai para a forte repressão policial de
em resposta ao movimento, que começava a tomar forma. No dia 13 de junho, “denominado o
quarto ato contra o aumento das tarifas”, ocorreu uma grande repressão policial com mais de
190 detenções e dezenas de feridos. A violência vitimou inclusive jornalistas que faziam a
cobertura do ato, como o fotógrafo Sérgio Silva, que perdeu a visão no olho esquerdo depois
de ser atingido por uma bala de borracha. A partir desse dia, as imagens das brutalidades por
parte da polícia circulavam o país nos noticiários e na internet, gerando uma onda de repúdio
e mudança de posicionamento da opinião pública em relação ao movimento. “Ficaram
célebres vídeos e outras produções que circularam na web: #ogiganteacordou, vem pra rua e o
mais emblemático não é pelos 20 centavos, postado no Facebook por milhões de perfis no
Brasil e no exterior inclusive pelo próprio dono e criador da rede social.” (FERREIRA;
JÚNIOR, 2017, p.4). O movimento foi se fortalecendo, se tornando cada vez mais intenso e
no dia 17 de junho mais de 40 cidades foram às ruas, totalizando 300 mil pessoas. O terceiro
momento foi marcado pela vitória das demandas e o governo do estado e o prefeito de São
Paulo anunciaram a revogação do aumento das tarifas. A partir daí surgiram outras demandas
e as pessoas começaram a ir para as ruas com suas pautas diversas.
42
apoio popular, sem base política, num cenário de crise econômica e pressionada por todos os
lados. Somava-se a isso a ruptura entre PT e PMDB na Câmara dos Deputados, quando o PT
tentou lançar candidatura própria (Arlindo Chinaglia, PT), em oposição a Eduardo Cunha
(PMDB) (FERREIRA; JÚNIOR, 2017). Com a vitória de Eduardo Cunha, abriu-se um
cenário de instabilidade política, falta de governabilidade, explodiu escândalos de corrupção e
a Lava Jato avançava com todas as suas denúncias. Silas Malafaia comemorou a vitória do
Eduardo Cunha em seu Twitter: “Parabéns ao novo Presidente da Câmara, deputado
evangélico Eduardo Cunha, uma vitória espetacular. Humilhou o governo e o PT. Vão ter que
nos aturar” (DIP, 2019, p. 63) Além disso, de acordo com o levantamento do departamento
Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), “o Congresso eleito em 2014 foi o mais
conservador desde o período pós-1964, com o aumento do número de parlamentares militares,
ruralistas e religiosos” (DIP, 2018, p.49). E em 2015, o primeiro ano da 55ª legislatura, “há
um crescimento expressivo de iniciativas contra a agenda LGBT, isso associado ao combate
ao gênero”. A partir de 2015, portanto, há uma “consolidação à ação reativa iniciada
anteriormente”, sendo até mesmo investigado pela pesquisadora Mariana Lacerda (2019) a
existência de um movimento nercoconservador brasileiro, cujas iniciativas a favor da família
patriarcal crescem em reação a conquistas feminista e LGBT perante poderes instituídos
(LACERDA, 2019, p.79). Entre 2015 e 2016, novamente as ruas se tornaram palco de
manifestações, agora com grupos distintos dos que foram às ruas em 2013.
Os novos movimentos das ruas eram coordenados por grupos como MBL, Revoltados
e o Vem pra Rua, que eram abertamente favoráveis ao início do processo de impeachment da
presidente Dilma Rousseff. Percebe-se um contexto de grupos mais à direita se manifestando
43
em relação à pautas econômica, social e política e uma bancada mais conservadora (a
chamada BBB - Bancada do boi, da bala e da bíblia) que pretende segurar os avanços sociais
e retroceder nas questões de gênero e da mulher.
“Que Deus tenha misericórdia desta nação”, assim, Eduardo Cunha, o então presidente
da Câmara dos Deputados, deu início ao processo de Impeachment da presidente Dilma
Rousseff em abril de 2016. Com 367 votos a favor e 137 contra, o processo foi aberto depois
de uma sessão que durou quase 10 horas e foi marcada por discursos misógino, que exaltou
torturador, com deputador dedicando o voto à sua família e em nome de Deus - “a divindade
foi citada por quase 10% da casa, e, de maneira singular, usada nos votos a favor do
impeachment, em discursos moralistas e contra a corrupção” (DIP, 2018, p. 59). A Frente
Parlamentar Evangélica fez questão de se posicionar em relação ao processo de impeachment
e também declarar apoio ao presidente da Câmara dos deputados. Segundo João Campos,
presidente da FPE, o documento reflete o sentimento “não apenas da bancada, mas do
segmento evangélico do país que deseja dias melhores”. Assim, eles emitiram a seguinte nota
à nação brasileira:
44
Fora do congresso, todavia, as denominações evangélicas estavam divididas acerca do
processo de Impeachment. Contra o impedimento da presidente estava o Conselho Nacional
de Igrejas Cristãs do brasil (Conic), grupo que basicamente reunia as igrejas “históricas”, com
o argumento de que o Eduardo Cunha se baseava em indícios frágeis para a abertura do
processo e que isso poderia conduzir o Brasil ao caos. Algumas igrejas mais progressistas
também se movimentaram, a exemplo da Frente Evangélica pelo Estado de Direito, fundada
pelo pastor Ariovaldo Ramos, que fez oposição ao governo Temer desde o seu início. À favor,
porém, estavam o Conselho de Pastores do Brasil (CPB) e a Convenção Geral das
Assembleias de Deus no Brasil (CGADB) que, mais do que perder o mandato, eles diziam
que a Dilma “também deve ir para trás das grades”. O pastor Silas Malafaia “fez um programa
especial em seu canal do Youtube parabenizando a FPE pelo posicionamento e ameaçando
parlamentares que porventura votassem contra o impeachment ou não aparecessem no
Plenário para a votação” (DIP, 2019, p. 62,63), dizendo:
“Lá no seu estado, eu vou ter o prazer de fazer campanha contra você. Vou ter o
prazer de ajudar alguém para te derrotar. Eu vou denunciar em programa de televisão
deputado evangélico que faltar ou que votar contra o impeachment. Pode contar
comigo, que eu vou ser uma muralha no seu estado contra você.” (DIP, 2019, p. 63)
24
No ano de 2010, o então deputado federal pelo Rio de Janeiro conquistou 120.646 votos, ao passo que nas
eleições seguintes de 2014, ele conquistou 646.572 votos - um aumento de 436% (LACERDA, 2019).
45
pastor Everaldo. Bolsonaro diz que, como cristão, endossa a visão de que a prosperidade de
Israel é missão de Deus:
A força de um povo que tem história, que tem cultura, que tem fé, que é uno, que
planeja, que ama a liberdade e que respeita a democracia, de um povo que é marco
na resistência de nossa civilização. O que acontece comigo, como cristão, entendo
ser uma missão de Deus. Eu sonho alimentar, com Israel, muitíssimas parcerias
(LACERDA, 2019, p.189))
Silas Malafaia apoiou a sua decisão dizendo que: "Jerusalém , desde que David a
fundou, sempre foi capital do estado de Israel”. E ainda disse que: “quando Bolsonaro mudar
a embaixada para Jerusalém, o Brasil vai ser abençoado como nunca. É a minha fé”.
Bolsonaro se declara cristão, respeitando uma missão divina. “Família e Deus estão no cerne
de sua visão de bom governo” (LACERDA, 2019, p.192). Em seu discurso, após garantir
vaga no segundo turno, ele aponta toda a sua base de sustentação:
Boa noite, brasileiros. Primeiro, meu muito obrigado aos quase cinquenta milhões de
pessoas que acreditaram em mim no último domingo. O nosso compromisso, a nossa
plataforma, a nossa bandeira, baseia-se em João 8:30: ‘Conhecereis a verdade e a
verdade vos libertará'. Meu muito obrigado às lideranças evangélicas; ao homem do
campo, quer seja do agronegócio, quer seja da agricultura familiar. Obrigado,
caminhoneiros. Obrigado, policiais civis e militares, integrantes das forças armadas.
Obrigado, família brasileira, que tanto clama para que seus valores sejam
respeitados. E mais ainda, que a inocência da criança em sala de aula esteja acima de
tudo. Muito obrigado em especial à região Nordeste, que apesar de eu ter perdido lá,
nunca alguém que fez oposição ao PT teve uma votação tão expressiva como eu tive
(BOLSONARO, 2018 APUD LACERDA, 2019, p.193).
Jair Bolsonaro tem o apoio das principais lideranças evangélicas, como o bispo Edir
Macedo, da Universal do Reino de Deus, e o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus
Vitória em Cristo. Segundo pesquisa Datafolha25 71% dos evangélicos declararam apoio ao
Bolsonaro no segundo turno, ele vence com folga em todos os subgrupos - evangélicos
tradicionais, pentecostais, neopentecostais e outros setores. E Jair Messias Bolsonaro não se
elege sozinho, ele estimula a eleição de 52 deputados do PSL, tornando-se, assim, a segunda
maior bancada da Câmara dos Deputados em 2018 (LACERDA, 2019).
25
Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45829796 .Acesso em 03 de ago. 2021.
46
Nota-se, portanto, o avanço dos evangélicos como atores importantes no cenário
político brasileiro impondo uma agenda conservadora, baseada em valores morais, com o
intuito de controle os corpos, manutenção dos privilégios e a clara condução de um plano de
poder, conduzido pelas principais lideranças neopentecostais, pautado numa orientação
evangélica que afete todas as esferas da sociedade. Em seu livro, O plano de poder: Deus, os
cristãos e a política, Edir Macedo descreve sobre a importância de haver representantes de
Deus na política:
“Desde os primórdios da humanidade o ser humano vem lutando por espaços, por
domínio e estabelecimento de poder [...]. Hoje, em sua maioria, essas disputas se dão
por meio das estratégias políticas, o que requer jeito, ideologia, habilidade, poder de
mobilização e convencimento. Para haver disputas, é óbvio que sempre haverá o
outro lado da parte interessada em se estabelecer. Existem agentes do mal, que são
aqueles que fazem oposição acirrada em vários sentidos - inclusive, ou
principalmente, na política - aos representantes do bem. Quantas pessoas têm de fato
a compreensão do significado da política? Maquiavel a definiu como ‘A arte de
governar e estabelecer o poder’ (O príncipe). Sendo assim, do ponto de vista de
Deus, com quem você acha que Ele desejaria que estivesse esse poder e domínio?
Nas mãos de Seu povo, ou não? (DIP, 2019, p. 139)
47
4. MÍDIA E RELIGIÃO
Dentre os diversos estudos sobre midiatização, Muniz Sodré (2002) propõe que a
mídia proporciona uma vida própria dentro do espaço social chamado de ‘bios midiático’.
Aristóteles falava de três bios como esfera social existencial da vida ético-social: do
conhecimento, do prazer e da política. Cada bios apresenta um “gênero qualitativo” que se
apresenta na existência humana, uma nova esfera que acontece no digital e afeta a nossa
realidade. Assim, “a mídia apresenta poder para vilipendiar as relações sociais, tornando-se
um aparato social para a modulação de ideias, valores, pensamentos e comportamentos de
acordo com os interesses do mercado, de quem é porta-voz.” (CÉSAR; SALDANHA, 2019,
p.178). Esse processo vem se tornando cada vez mais central, atravessando a vida cotidiana
dos sujeitos.
48
A internet proporcionou uma ampliação das conexões das redes sociais no espaço
online (RECUERO, 2009). Com isso, os sites de redes sociais26 reconfiguraram as formas de
comunicação e interações sociais. São nelas que atores religiosos estreitam seus laços com os
fiéis, interagem e fortalecem os seus vínculos. Recuero (2009, p.6) aborda a perspectiva do
capital social - desenvolvida por Bourdieu e também interpretada por outros autores - para
demonstrar como um ator pode adquirir reputação e credibilidade dentro da sua rede social à
medida que informa e constrói suas conexões e assim “mobiliza mais os recursos sociais
também em proveito próprio”. De acordo com o levantamento da Pesquisa Nacional por
Amostras de Domicílios (PNAD) de 201927 82,7% dos domicílios nacionais possuem acesso à
internet. O telefone celular foi encontrado em 99% dos domicílios com acesso à internet e
continua sendo a principal ferramenta utilizada pelos conectados. O acesso à internet por meio
da TV subiu de 23,3% para 31,7% e o uso para assistir vídeos, filmes e séries cresceu de
86,1% para 88,4%. Os números só crescem e isso reitera a força e a presença das mídias no
cotidiano dos brasileiros agindo, também, como meios de informação, conexão e construção
de opinião.
Iniciaremos agora o panorama da pesquisa realizada no perfil do pastor Silas Malafaia,
analisando sua performance e as características da sua narrativa no Instagram. Porém, para
entrar de fato na pesquisa, farei uma breve apresentação do Instagram para a compreensão das
funcionalidades e a estrutura da rede social.
26
Raquel Recuero (2009, p.3) difere redes sociais de sites de redes sociais.”As redes sociais também devem ser
diferenciadas dos sites que as suportam. Enquanto a rede social é uma metáfora utilizada para o estudo do grupo
que se apropria de um determinado sistema, o sistema, em si, não é uma rede social, embora possa compreender
várias delas. Os sites que suportam redes sociais são conhecidos como “sites de redes sociais”.
27
Disponível em:
https://www.gov.br/mcom/pt-br/noticias/2021/abril/pesquisa-mostra-que-82-7-dos-domicilios-brasileiros-tem-ac
esso-a-internet acesso em 21 de agosto de 2021.
28
Disponível em: https://blog.opinionbox.com/pesquisa-instagram/ acesso em 22 de agosto de 2021.
49
No Instagram é possível ter um perfil que é precedido pelo @ e o nome escolhido, e
com isso o usuário passa a seguir perfis ou ser seguido. No que se refere às publicações, o
usuário tem a possibilidade de postar fotos e vídeos no feed (a tela principal no qual o usuário
visualiza as publicações dos perfis que ele segue), nos reels (vídeo curtos de até 60 segundos
que possuem uma aba específica - e surgiu para concorrer com a rede Social Tik Tok), no
IGTV, (vídeo considerados longos, com mais de 1 minuto), nos stories (publicações que
duram somente 24 horas) e também pode fazer live de até 1 hora no qual os seguidores são
avisados que a live está acontecendo. As interações são diversas, pode-se comentar, curtir,
compartilhar, salvar e marcar amigos em outras publicações, e essas ações ajudam no
engajamento de cada conta. Por sua vez, o engajamento indica ao algoritmo o quanto uma
conta é relevante para mostrar o conteúdo para mais seguidores. Logo, perfis que possuem
excelentes interações são beneficiados pelo algoritmo e alcançam mais visibilidade dentro do
Instagram.
29
Disponível em:
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/05/4927618-flavio-bolsonaro-pede-convocacao-de-malafaia
-na-cpi-e-ironiza-nome-da-covid.html .Acesso em 22 de agosto de 2021.
30
Ver em: https://www.instagram.com/p/CPYsUSXhpMx/ . Acesso em 25 de agosto de 2021.
50
um perfil falso. Um breve olhar pelo seu feed nota-se claramente dois grandes temas: religião
e política. A maioria das suas publicações giram em torno destes dois eixos, conforme
podemos visualizar na imagem de uma parte do seu feed do Instagram.
Dos dias 27 de abril a 15 de julho de 2021, houveram 128 publicações em seu perfil.
Destas, 22 foram vídeos com pauta política. Os vídeos possuem títulos chamativos,
sensacionalistas e até com tom de deboche, atacando a CPI da pandemia, os partidos de
esquerda, as instituições democráticas e a imprensa com o intuito claro de defender o atual
governo.
Tabela 1 - Distribuição dos 22 vídeos publicados entre 27 de abril e 15 de julho de 2021 no perfil do Silas
Malafaia no Instagram
51
PSB, REDE, PCdoB, PSDB e CPI do COVID
Atenção povo cristão! Ciro Gomes não vai nos enganar 21/06/21 16
52
Importantíssimo! Bolsonaro e o voto impresso 06/07/21 19
53
Calheiros, que ele diz ser “mentiroso e cretino”. Além disso, em mais de um vídeo ele é
enfático em transferir as acusações do presidente para os prefeitos e governadores com o
argumento que o presidente virou a “rainha da Inglaterra” e ficou de mãos atadas na gestão da
pandemia, mas que ele repassou muito dinheiro para os estados e os gestores desviaram verba,
e isso a CPI não quer apurar, só querem “atacar o presidente”.
Um fato importante é mencionar que o pastor Silas Malafaia foi citado pelo Flávio
Bolsonaro na CPI da Covid como um dos conselheiros do presidente. No vídeo do dia 27 de
maio, Malafaia surge com o seu tom incisivo e autoritário dizendo que a turma da CPI
“arregou” em não convocá-lo para a CPI porque o Brasil inteiro sabe que ele tem posições
políticas “não como pastor, mas como cidadão do estado democrático de direito”, e que ele
conversa com o presidente sobre “vacina, sobre pandemia, sobre preventivo, sobre dinheiro
enviado aos estados e municípios”. Ele finaliza dizendo que só querem “atacar o presidente e
não querem apurar a verdade dos desvios dos estados e municípios, mas que ele crê que “virá
tempos melhores para o Brasil”.
No vídeo com o título “Bolsonaro e as manifestações contra ele. Só kkk”, o pastor faz
a comparação da passeata contra Bolsonaro e a “motociata” do presidente demonstrando pelas
imagens que as manifestações contra o presidente foram “pífias e medíocres”, afirmando que
“o povo não quer o impeachment não”. No término da sua fala, ele faz uma relação da
esquerda ser igual o diabo que “adora acusar os outros” porque eles que destruíram o país e
agora “querem vender a solução quando eles mesmos são os culpados do arraso”.
Considerando o poder do Diabo para o povo evangélico e o quanto essa figura está
relacionada com tudo que não é de Deus, as palavras foram muito bem escolhidas e arranjadas
para dar um tom ainda mais negativo no que se refere à esquerda. Pode-se perceber o esforço
de se manter a crença na Teologia do Domínio e na ênfase de enxergar o Diabo em todas as
coisas. Ainda sobre o tema, no vídeo do dia 21 de junho, o pastor menciona um vídeo feito
pelo Ciro Gomes em que em uma mão ele porta a Constituição e na outra a Bíblia. Ele faz
toda questão de dizer que a produção foi feita pelo ex-marketeiro do PT, bem como reforçar o
discurso do PDT ter votado a favor da ideologia de gênero: “essa ideologia do marxismo
cultural, que quer dizer que ninguém nasce homem ou mulher e isso vai contra os princípios
cristãos” e que eles são a favor do aborto. Mais uma vez o seu discurso se misturando com
pautas morais sendo atravessado pela religião para falar diretamente com os cristãos.
Na publicação do dia 12 de julho, Malafaia quer provar o motivo do presidente Jair
Bolsonaro ser o presidente mais atacado do Brasil indicando que ele acabou com a “mamata”
e a “cultura da safadeza” em que os presidentes entregavam os ministérios e estatais para
54
partidos políticos, alertando que os corruptos querem voltar ao poder e que FHC, Lula e
Dilma deram muito dinheiro para a mídia. Destaque para a sua oração final: “a minha oração
é para que Deus abra os olhos do povo brasileiro, nos livre desses ladrões saqueadores da
nação” E continua profetizando um tempo de bênçãos e prosperidade para todo o Brasil.
Por fim, o último vídeo desse recorte é bastante emblemático porque ele faz uma
relação entre os esforços e o destaque da imprensa ao abordar o assassinato da vereadora
Marielle Franco e a facada do presidente Jair Bolsonaro no período eleitoral. Ele diz que “se
fosse um vereador da direita eles não estavam nem aí” e que “ninguém da imprensa falou do
vínculo de Adélio com a esquerda”. Antes da sua oração final, ele comenta que a “imprensa e
a OAB são esquerdopatas”. Ele termina desejando que “Deus dê saúde total em nome de
Jesus” ao presidente (porque ele estava hospitalizado neste período). "Unindo a minha oração
à milhões de brasileiros ao presidente Bolsonaro, declarando, segundo a palavra de Deus que,
em nome de Jesus, a injustiça não vai prevalecer. Corruptos, homens perversos, ladrões não
vão prevalecer na nossa nação”. Ele continua a oração dizendo que “no tempo de Deus, na
hora certa, essa gente vai ser desnudada. Deus te abençoe, Deus abençoe o Brasil. Deus dê
saúde ao nosso presidente”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa buscou analisar a relação entre mídia, religião e política, com foco nas
características da narrativa presentes nos vídeos do Instagram do pastor Silas Malafaia no
contexto da CPI da Pandemia. Os principais resultados indicam que o pastor se utiliza de
55
técnicas de argumentação atravessadas pela religião para conseguir atrair a atenção e a
credibilidade do seu público. Ao iniciar os seus vídeos, ele saúda o seu público com seu
jargão “povo abençoado do Brasil”, logo após segue com a sua pauta e ao finalizar ele
costuma abençoar a nação ou fazer uma oração final com tom de profecia ou indignação.
Foram analisados 22 vídeos publicados entre os dias 27 de abril e 15 de julho de 2021.
Percebe-se, também, que até mesmo os títulos dos vídeos são elaborados no sentido de
chamar a atenção da sua audiência para o tema da publicação. São títulos sensacionalistas, por
vezes irônicos e também atacando políticos, instituições democráticas, a CPI e a imprensa.
Além disso, é possível identificar uma estratégia de demonizar tudo que vem da esquerda para
construir essa relação de esquerda = demônio = inimigo dos cristãos, legitimando a guerra
santa entre Deus e o Diabo reforçando a teologia do Domínio e sua característica de enxergar
o Diabo em todas as coisas.
Como formador de opinião e pastor evangélico, o discurso do pastor Silas Malafaia já
ganha legitimidade e status de verdade por conta da força da religião cristã no Brasil e porque
a cultura da religião evangélica é não questionar os pastores por serem considerados anjos
enviados de Deus. Desse modo, há uma clara estratégia religiosa persuasiva com o intuito de
influenciar e não causar dúvida acerca da sua mensagem, buscando símbolos e técnicas que
promovam conexão de força espiritual com o intuito de elevar o conteúdo para um nível não
só opinativo, mas uma verdade vinda do pastor que tem legitimidade para falar em nome de
Deus.
Antes de terminar, destaco que a pesquisa delimitou um curto espaço de tempo, com
foco em um único personagem e uma única rede social, que não dá conta da complexidade e
das perspectivas sobre o assunto e os atores sociais. Mais do que respostas, buscou-se
dimensionar as características da narrativas presentes nos vídeos e assim abrir espaço para
outras pesquisas sobre o tema e talvez com um maior recorte. Longe de mim querer fazer
generalizações, pois assim como todas as religiões, os evangélicos são complexos, com
diversas vertentes e ideologias, e justamente por isso são atores importantes no cenário
político e em todas as esferas sociais.
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REFERÊNCIAS
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de 2002. In: BURITY, J. A; MACHADO, M. D. C. (Orgs.) Os Votos de Deus: evangélicos,
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57
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DIP, Andrea. Em nome de quem? A bancada evangélica e seu projeto de poder. Rio de
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58
FRESTON, Paul. Religião e política, sim. Igreja e estado, não. Os evangélicos e a
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MACHADO, Maria das Dores Campos & BURITY, Joanildo. (2014). “A ascensão política
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59
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SOUZA, Carlos Henrique Pereira de. Entre a capela e a catedral: tensões e reinvenções da
identidade religiosa na experiência do protestantismo histórico atual. Dissertação de
mestrado, Ciências Sociais, UERJ, 2013.
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