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Classes e Lutas Sociais - Cleso Frederico
Classes e Lutas Sociais - Cleso Frederico
Celso Frederico
Professor da ECA-USP
Classes e lutas sociais
Introdução
Para o marxismo, elas se definem a partir do lugar que os indivíduos ocupam nas
relações de produção, mais precisamente pela posição perante os meios de produção
(proprietários/não-proprietários). As classes, assim, são entendidas como um
componente estrutural da sociedade capitalista e, ao mesmo tempo, como sujeitos
coletivos que têm suas formas de consciência e de atuação determinadas pela dinâmica
da sociedade.
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assalariados. As demais categorias de trabalhadores – seja o campesinato ou a pequena
burguesia urbana – são vistas como resquícios de formações sociais anteriores que
persistirão enquanto o capitalismo não se desenvolver plenamente.
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Diversos autores aplicam a expressão “via prussiana” (ou o seu equivalente
gramsciano “revolução passiva”) para entender o Brasil: os momentos mais importantes
de nossa história foram marcados pela composição das elites e pela exclusão da
participação popular. Da independência ao fim do regime militar, as transformações
modernizadoras foram realizadas “pelo alto”. A própria industrialização não se deu num
confronto da burguesia com o mundo agrário. Ao contrário, foi o capital da cafeicultura
que bancou o desenvolvimento industrial. Desde o início, portanto, não tivemos uma
oposição aberta entre uma “burguesia progressista” e os “retrógrados latifundiários”.
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As greves operárias nesse período eram consideradas uma “questão de polícia”.
Para entendermos essa frase, é preciso lembrar que o liberalismo então vigente
mantinha o Estado afastado das relações trabalhistas. Tais relações ocorriam na esfera
do direito privado. Uma greve, assim, era interpretada como perturbação da ordem
pública a ser reprimida pela ação policial.
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antagônicas e não mais na esfera privada dos litígios individuais. Assim, de “caso de
polícia”, o movimento operário transformou-se num “caso político”, num ator
privilegiado das lutas sociais.
2 A herança getulista
Não há dúvida sobre o fato de a CLT ter se inspirado nos fascismo italiano. Mas,
esse transplante foi benéfico ou prejudicial para o movimento operário?
1 BOSI, Alfredo. A arqueologia do Estado-providência. In: ______: Dialética da colonização. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994.
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moderno. Quem passou pelos textos de Durkheim deve se lembrar de sua concepção
organicista, que via a sociedade como um conjunto de partes integradas, reservando ao
Estado o papel de “cérebro”. A história pós-30 foi o desenvolvimento de uma idéia
filosófica aplicada ao conjunto da vida social. O Estado deixa de lado o não-
intervencionismo pregado pelos liberais e promove o desenvolvimento econômico do
país. Os sindicatos passaram a abarcar o conjunto da classe operária urbana, deixando
de ser “sindicatos de minorias militantes”. Entendido como instrumento gerador da
coesão social, deveria servir para fermentar a solidariedade entre os trabalhadores e ser
um órgão de colaboração com o Estado. Paralelamente à criação dos sindicatos oficiais,
foi implantada uma rede de proteção social, expressa nas leis trabalhistas e na
instituição do salário mínimo (cujo patamar, até hoje, é uma reivindicação inalcançável:
necessitaria de um aumento de aproximadamente 300%).
2 As divergências táticas no interior do movimento operário, durante a ditadura militar, tiveram como
referência básica a interpretação sobre a estrutura sindical. Veja-se, a propósito, a documentação
reproduzida em Celso Frederico, A esquerda e o movimento operário, 3 volumes (o primeiro volume
publicado pela Ed. Novos Rumos, 1987; e os demais pela Oficina de Livros, 1990 e 1991).
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Quando se olha para o passado do “novo sindicalismo”, vem a lembrança das
grandes greves operárias e o sentimento, por todos compartilhados, de que o
movimento operário vivia o seu momento de redenção. Passados mais de 20 anos, pode-
se dizer, sem demérito do heroísmo daqueles militantes, que as greves não anunciavam
a nova era, mas, ao contrário, fechavam um ciclo histórico. Elas foram o último suspiro
do sindicalismo da era fordista.
3 Tempos modernos
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O “enquadramento” do sindicalismo na nova ordem realizou-se em nome do
pragmatismo “realista”. Mas, afinal, o que é essa “realidade” em nome da qual se
arquivou o processo de emancipação?
Não por acaso, um dos temas mais importantes da atualidade diz respeito ao
trabalho: ele deixou de ser a fonte geradora do valor das mercadorias? Estamos
assistindo ao “fim do trabalho” e à decomposição final das classes sociais?
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das cidades e a marginalidade; a participação política, tão promissora nos primeiros
anos do restabelecimento da democracia, sofreu um refluxo já a partir das discussões
sobre a constituinte, quando a ação dos lobbies sobrepôs-se à ação dos sujeitos coletivos;
as campanhas políticas, antes que pudessem se tornar um instrumento de
esclarecimento, foram capturadas pela despolitizadora estratégia mercadológica; os
partidos políticos, rapidamente, aderiram em uníssono às teorias sobre o “fim das
ideologias”; a discussão sobre a urgência do desenvolvimento econômico para
tornarmo-nos contemporâneos do primeiro mundo e da “sociedade do conhecimento”
(seja lá o que essa expressão queira dizer) esbarra na nova forma assumida pelo valor:
aquela realizada pela “força objetivada do conhecimento”, transformado em “força
produtiva imediata”, como havia previsto Marx3, e que hoje se materializa nas patentes.
Nesse momento, vale a frase: “o velho já morreu, o novo ainda não nasceu”.
Períodos de transição costumam produzir reflexos deformados na consciência das
pessoas. Aqueles que só veem o lado subjetivo celebram a “crise das identidades”. Os
outros, que querem ser objetivos, mas confundem a realidade com os dados empíricos
dispersos, constatam que a “crise do emprego” é o mesmo que a “crise do trabalho”. Para
esses, que ainda permanecem no discurso racional, vale a pena contra-argumentar:
nunca, em toda a história da humanidade, se trabalhou tanto como nos dias atuais. O
economista Richard Freeman calcula que “com a entrada de China, Índia e antigos
3Cf. Karl Marx. Elementos fundamentales para la crítica de la economía política (borrador). 1987-1858.
Buenos Aires: Ed. Siglo XXI, 1972. p. 230. v. II.
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componentes do bloco soviético na economia mundial resultou, por volta de 2000, na
duplicação do número de trabalhadores integrados à economia globalizada, para um
total próximo de 3 bilhões” 4. A competição desenfreada pelos postos de trabalho, como
era de se esperar, gerou um achatamento generalizado dos salários. Trabalha-se mais e
se ganha menos: os aposentados voltam ao mercado de trabalho e o trabalho infantil é
uma benção para a subsistência das famílias pobres.
Por outro lado, a informática permite ampliar o trabalho para fora da unidade
produtiva. Assim, quando acionamos nossa conta bancária no computador e realizamos
transações, estamos trabalhando de graça para o capital. A mesma coisa tende a se
multiplicar fazendo do cyberespaço não mais a esfera da “reinvenção das identidades”,
segundo os apologistas das maravilhas da esfera virtual, mas um prolongamento da
jornada de trabalho. Numa universidade particular de S. Paulo, o endereço eletrônico
dos professores foi posto pela direção à disposição dos alunos que, a qualquer momento,
podem escrever solicitando esclarecimentos. O professor on-line, assim, fica 24 horas à
disposição, sendo para isso controlado pela direção do estabelecimento 5.
4 Samuel Brittan. Globalização reduz salário de trabalhador do Ocidente. O Estado de São Paulo, p. B12, 5
de novembro de 2006.
5 Francisco José Soares Teixeira, num estudo pioneiro e ainda inédito, chama essa nova forma de extração
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após a revolução de 30. Ora, todo esse processo de reestruturação produtiva e sua
expressão ideológica – o neoliberalismo – são manifestações da luta de classes. Esta
expressão é sempre plural: não fala de uma única classe, subentendendo-se sempre a
classe operária, mas de uma relação entre as duas classes fundamentais da sociedade
capitalista. A classe dominante, hegemonizada pelo capital financeiro, está na ofensiva.
Os seus interesses estratégicos levaram à progressiva substituição da mais-valia
absoluta pela relativa. Se todo o segredo da economia, como ensinava Marx, resume-se à
economia de tempo, a substituição do trabalho vivo (capital variável) pelas máquinas
(capital constante) é um processo inexorável – reside aí a crise do emprego e o
desmonte das leis de proteção ao trabalho. E, contra elas, não há programas de
“requalificação profissional” capaz de inserir a totalidade dos desempregados, mas
apenas uma minoria escapará da condição de “material descartável”.
Nessa nova configuração, a luta de classes ganha tons dramáticos e um novo campo
de batalha. Ela não se trava apenas nas “plantas industriais”, no “chão da fábrica”, como
gostam de dizer os sociólogos do trabalho, mas principalmente na completa captura dos
aparatos estatais. Por isso, o que está em jogo hoje é o controle do fundo público, que
compreende as verbas milionárias do PIS/PASEP, o Fundo de Amparo ao Trabalhador, o
FGTS e o Sistema S. Segundo os cálculos de Salvadori Dedecca, esses fundos
“correspondem a 3% do PIB brasileiro. Isto é, nós temos uma arrecadação anual de 3%
para realizarmos políticas de emprego e proteção do emprego” 6.
6Claudio Salvadori Dedecca. Sistema público de emprego no Brasil. CONGRESSO NACIONAL. SISTEMA
PÚBLICO DE EMPREGO. TRABALHO E RENDA, 1., 2004, Guarulhos. Anais... Guarulhos, 2004. p. 35.
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mas exigem a combinação do desenvolvimento econômico com distribuição de renda e –
mesmo tendo consciência de seus limites – a criação de empregos. Essas exigências
redefinem o papel do serviço social, com bem observou o economista Francisco José
Soares Teixeira: “faz-se mister integrar as políticas de geração de emprego e renda com
as de assistência social. Para tanto, é preciso mudar o seu caráter assistencialista e
transformá-las em políticas voltadas para a construção dos direitos fundamentais da
pessoa humana” 7.
7 Francisco Teixeira. Sistema público de emprego. Prefeitura Municipal de Fortaleza, 2005. p. 44.
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Referências
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