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A Entrevista

Título original: The Visionary

Publicado em 1834

Ser misterioso e prometido à desgraça, enturvado pelo deslumbramento da

imaginação, tu ardeste nas chamas da tua própria juventude! A minha memória

evoca a tua imagem; levantas-te ainda uma vez diante de mim, não, ai! como

ora dormes na sombria e gélida vala do sepulcro, mas como deveras ser,

desperdiçando uma vida de esplêndidos devaneios numa cidade de vaporosas

visões, na tua amada Veneza, nesse paraíso marítimo, cujas largas sacadas

relanceiam com um sentimento profundo e amargo os mistérios das ondas

silenciosas. Sim, tal como deveras ser.

Decerto, existem mundos além dos que pisamos, outros pensamentos

diferentes dos da multidão, outros sonhos que não os sonhos dos sofistas.

Quem, hoje, exprobará a tua vida? Quem ousará vituperar as tuas horas de

alucinação, ou arguir de esbanjamento de vida aquelas loucuras, em que

desbaratavas a exuberância da tua indómita energia?

Foi em Veneza, sob a galeria coberta, que chamam Ponte dei Sospiri que

eu o encontrei pela terceira ou quarta vez. Apenas retenho uma reminiscência

confusa das circunstâncias deste encontro... Mas como as recordo eu! Como

poderia esquecê-las?

A escuridão profunda, a ponte dos Suspiros, a beleza das mulheres, e o

génio das aventuras indo e vindo ao longo do estreito canal!

A noite escurecia de uma maneira estranha; o grande relógio da Piazza

martelara a quinta hora da noite italiana. A praça Campanile estava deserta e

muda; as luzes do velho palácio apagavam-se uma por uma.


Vindo da Piazzeta, entrava em minha casa pelo Grande Canal; mas, no

momento em que a gôndola defrontava com a abertura do canal San Marco,

uma voz de mulher vibrou subitamente no sossego da noite, perturbando-o com

um grito selvagem, histérico, prolongado. Ergui-me de um pulo, aterrado por este

grito fúnebre, enquanto o meu gondoleiro largava o seu único remo, que foi

perder-se na treva das águas.

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