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A Sombra

Título original: Shadow — A Parable

Publicado em 1835

Na verdade, embora caminhe

através do vale da Sombra...

— Salmos de David

Vós, que me ledes, estais ainda entre os vivos; mas eu, que escrevo, terei

desde há muito partido para o mundo das sombras. Na verdade, estranhas coisas

virão, inúmeras coisas secretas serão reveladas, e muitos séculos decorrerão

antes que estas notas sejam lidas pelos homens. E quando eles as tiverem lido,

uns não acreditarão, outros porão as suas dúvidas, e muito poucos de entre eles

encontrarão matéria para fecundas meditações nos carateres que eu gravo com

um estilete de ferro nestas tabuinhas.

O ano havia sido um ano de terror, cheio de sensações mais intensas que o

terror, sensações para as quais não há nome na Terra. Muitos prodígios, muitos

sinais haviam ocorrido, e de todos os lados, em terra e no mar, se tinham

amplamente estendido as asas negras da Peste. Aqueles, porém, que eram

sábios, conhecedores dos desígnios das estrelas, não ignoravam que os céus

prenunciavam desgraça; e, para mim (o grego Oino), como para outros, era

evidente que atingíamos o fim desse septingentésimo nonagésimo quarto ano, em

que, à entrada do Carneiro, o planeta Júpiter fazia a sua conjunção com o anel

vermelho do terrível Saturno. O espírito particular dos céus, se não me engano

muito, manifestava o seu poder não só sobre o globo físico da Terra, mas

também sobre as almas, os pensamentos e as meditações da humanidade.

Uma noite, estávamos sete nos fundos de um nobre palácio, numa sombria
cidade chamada Ptolemais, sentados em volta de algumas garrafas de vinho cor

de púrpura de Quios. O compartimento não tinha outra entrada senão uma alta

porta de bronze; e a porta havia sido moldada pelo artífice Corinos e, produto de

hábil mão de obra, fechava por dentro. De igual modo, protegiam esse

compartimento melancólico negras tapeçarias, que nos poupavam a visão da

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