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as minhas unhas.

Depois examinei cuidadosamente a cabeça, sacudi-a várias

vezes e apalpei-a com minuciosa atenção, até que me convenci de que não era

tão grande como o balão. Em seguida, com o hábito do homem que sabe onde

estão os seus bolsos, meti as mãos nos das calças, e ao dar conta que perdera o

caderno de apontamentos e o estojo dos palitos dos dentes procurei explicar a

causa desta desaparição; e como não o consegui, fiquei muito triste. Pareceu-me

então sentir uma dor viva no pé esquerdo e a obscura consciência da minha

situação começou a agitar-se no meu espírito.

« Mas — coisa estranha! — não senti nem assombro nem terror. A única

emoção experimentada foi uma espécie de satisfação ao pensar na destreza

necessária para sair de conjuntura tão singular. Durante alguns minutos, fiquei

mergulhado na mais profunda meditação. Lembra-me de que cerrei os lábios,

que pus o dedo indicador na ponta do nariz e que fiz toda a espécie de gestos e de

caretas habituais nas pessoas que, comodamente instaladas numa cadeira,

meditam sobre assuntos confusos e importantes.

« Quando supus suficientemente coordenadas as minhas ideias, procurei

levar, com toda a precaução, as mãos às costas, e ao cabo de um pouco de

paciência consegui tirar do cinturão a grossa anilha de ferro que o terminava.

Depois coloquei-a entre os dentes, e desfiz o nó da gravata; é claro que tinha de

descansar um pedaço, de tal forma esta operação era fatigante; mas consegui

acabá-la com êxito, e atando um dos extremos da gravata ao anel prendi o outro,

muito apertado, ao punho direito. Levantei então o corpo por meio de um

prodigioso esforço muscular, e consegui, à primeira tentativa, lançar a anilha,

como me propunha, ao rebordo circular da barquinha.

« O meu corpo formava então com este um ângulo de 45 graus


aproximadamente, o que não significa que estivesse a 45 graus por baixo da

perpendicular. Nada disso. Continuava colocado num plano quase paralelo ao

nível do horizonte, porque a nova posição que tinha conquistado teve por efeito

inclinar o fundo da barquinha e, portanto, a minha posição era a mais penosa

possível.

« Tinha todos os motivos para abençoar o acaso, mas a verdade é que

estava de tal forma estupefacto que permaneci suspenso durante um quarto de

hora, sem dar conta daquela extraordinária situação, nem tentar o mais ligeiro

esforço, perdido numa calma singular e com a mais idiota beatitude. Não devia

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