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Desafios do
Sistema Tributário:
igualdade, legalidade e
repartição de encargos
COORDENADORES
Ricardo Mariz de Oliveira / Fernando Aurelio Zilveti
Rodrigo Maito da Silveira / José Maria Arruda de Andrade
Fabiana Carsoni Fernandes / Mara Eugênia Buonanno Caramico
Desafios do
Sistema Tributário:
igualdade, legalidade e
repartição de encargos
FACULDADE DE DIREITO
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
INSTITUTO BRASILEIRO Departamento de Direito
DE DIREITO TRIBUTÁRIO Econômico, Financeiro e Tributário
Sã o Paulo – 2023
© Vários autores
Todos os direitos desta edição reservados.
Diretoria
Presidente: Ricardo Mariz de Oliveira
Vice-Presidente: Luís Eduardo Schoueri
Diretor Administrativo e Financeiro: Rodrigo Maito da Silveira
Diretores Executivos: Bruno Fajersztajn, Fernando Aurelio Zilveti,
Luís Flávio Neto e Martha Toribio Leão
Conselho Deliberativo: Fabiana Carsoni Alves Fernandes da Silva, João Francisco Bianco,
José Maria Arruda de Andrade, Leonardo Aguirra de Andrade, Mara Eugênia Buonanno
Caramico, Michell Przepiorka Vieira, Paulo Victor Vieira da Rocha, Ricardo Maitto da
Silveira, Salvador Cândido Brandão Junior e Victor Borges Polizelli.
Conselho Editorial Nacional: Fernando Aurelio Zilveti (Instituto Brasileiro de Direito
Tributário/SP), Humberto Ávila (Universidade de São Paulo/SP e Universidade Fede-
ral do Rio Grande do Sul/RS), João Francisco Bianco (Instituto Brasileiro de Direito
Tributário/SP), Luís Eduardo Schoueri (Universidade de São Paulo/SP), Paulo Celso
Bergstrom Bonilha (Universidade de São Paulo/SP), Ricardo Mariz de Oliveira (Insti-
tuto Brasileiro de Direito Tributário/SP), Roberto Ferraz (Pontifícia Universidade Ca-
tólica do Paraná/PR), Roberto Quiroga Mosquera (Universidade de São Paulo/SP) e
Walter Piva Rodrigues (Universidade de São Paulo/SP).
472 p. ; 16 x 23 cm.
ISBN 978-65-86252-68-2
DORIS 341.39
Revisão: Sabrina Dupim Moriki / Lilian Moreira Mendes. Editoração: Nelson Mitsuhashi
5
Coordenadores
Ricardo Mariz de Oliveira / Fernando Aurelio Zilveti
Rodrigo Maito da Silveira / José Maria Arruda de Andrade
Fabiana Carsoni Fernandes / Mara Eugênia Buonanno Caramico
PROGRAMA
10/05/2023
11/05/2023
12/05/2023
Sumário
Apresentação ................................................................................................. 15
1º Painel
A igualdade na Constituiçã o e na repartiçã o de
encargos tributá rios
2º Painel
Igualdade e mínimo existencial
3º Painel
Segurança jurídica e igualdade
4º Painel
Reforma Tributá ria – regressividade e adequada
repartiçã o dos encargos
5º Painel
Debates e propostas para aprimoramento da
legislaçã o do imposto de renda
6º Painel
Estado de Direito e legalidade tributá ria / Tensõ es entre
autorizaçã o legislativa (legalidade) e disputas judiciais
conceituais (formalismo) no STF
7º Painel
Legalidade e liberdade no planejamento tributá rio
8º Painel
Legalidade, solidariedade e responsabilidade tributá ria
9º Painel
Capacidade contributiva x Cooperaçã o entre fisco e
contribuintes
10º Painel
Debates e projeçõ es sobre a pauta de casos tributá rios do STF
11º Painel
Desafios da nã o cumulatividade na tributaçã o
sobre o consumo: ICMS e ISS
12º Painel
Desafios da nã o cumulatividade na tributaçã o
das receitas: PIS e Cofins
13º Painel
Anterioridade, estabilidade, retroatividade e segurança jurídica
14º Painel
Eficá cia e efetividade das decisõ es judiciais
Aderência dos Precedentes Judiciais no Processo Administrativo Tributá-
rio no Âmbito Federal .................................................................................. 395
MAYSA DE SÁ PITTONDO DELIGNE
15º Painel
Debates sobre precedentes recentes dos tribunais
superiores envolvendo o ITBI
Dimensionamento e Arbitramento da Base de Cálculo do ITBI: Perspec-
tivas Jurisprudenciais .................................................................................. 435
CAIO AUGUSTO TAKANO / THIAGO MARINI
1. Introdução
Neste trabalho, será de nosso interesse responder à seguinte questão: a não
cumulatividade do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) é uma “promes-
sa” (constitucional) nunca cumprida?
Não será possível lograr uma resposta a esse questionamento sem antes pro-
ceder a um singelo estudo da não cumulatividade em geral. Será necessário, antes
de mais nada, alcançar uma definição da não cumulatividade. Após isso, far-se-á
imperativo compreender as suas funções e vantagens incidentais, após o que fácil
será divisar as mazelas que se observam onde a não cumulatividade não esteja
presente. Em seguida, buscaremos entender as várias formas de se classificar a
não cumulatividade, o que será essencial para que enfrentemos as questões que se
seguirão. Por derradeiro, será feito um brevíssimo resgate histórico da não cumu-
latividade, tanto no âmbito global como no nacional.
Após esse estudo da não cumulatividade em geral, haveremos de investigar
especificamente a não cumulatividade do IPI, a começar pelas disposições do
texto constitucional. Aí, acreditamos, está a “promessa” da não cumulatividade
do IPI. Em seguida, haveremos de aferir a normativa infraconstitucional. Será
constatado que, já aqui, a promessa constitucional começa a ser sabotada. Com
isso em mente, veremos como lamentavelmente o Supremo Tribunal Federal
(STF) tem chancelado os equívocos no tratamento da não cumulatividade do IPI,
laborando em desfavor da promessa constitucional. Ao tecermos uma crítica ao
entendimento da Suprema Corte, deixaremos claro o nosso posicionamento. Por
último, conferiremos se o pretenso e insuficiente “mínimo constitucional” da não
cumulatividade do IPI, sustentado pelo STF, tem sido, ao menos ele, respeitado.
2. Não cumulatividade
2.1. Definição
Não temos – nem poderíamos ter – aqui a pretensão de esgotar a definição
96 Anais do VIII Congresso Brasileiro de Direito Tributário Atual
1
COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. 12.
ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022, p. 150.
2
SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 414-415.
3
Sobre a efetividade da incidência e o encadeamento das operações, ver MOREIRA, André Men-
des. Não cumulatividade tributária na Constituição e nas leis (IPI, ICMS, PIS/Cofins, impostos e contri-
buições residuais). 2009. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2009, p. 86 e ss.
Valter de Souza Lobato / Vinícius Andre de Oliveira Soares 97
4
MOREIRA, André Mendes. Não cumulatividade tributária na Constituição e nas leis (IPI, ICMS, PIS/
Cofins, impostos e contribuições residuais). 2009. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direi-
to, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 97 e ss.
5
MOREIRA, André Mendes. Não cumulatividade tributária na Constituição e nas leis (IPI, ICMS, PIS/
Cofins, impostos e contribuições residuais). 2009. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direi-
to, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 77.
6
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 17. ed. Rio de Janeiro: Fo-
rense, 2020. E-book, paginação irregular.
7
BALEEIRO, Aliomar; DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito tributário brasileiro. 14. ed. rev.
atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018. E-book, paginação irregular.
98 Anais do VIII Congresso Brasileiro de Direito Tributário Atual
2.3. Classificações
Ainda sobre a tributação não cumulativa, é Schoueri10 quem bem elenca qua-
tro distinções, que serão de suma relevância para a nossa análise. Cada uma delas
parte de um determinado critério: extensão, momento da apuração, momento do
crédito e tratamento aos investimentos.
8
MOREIRA, André Mendes. Não cumulatividade tributária na Constituição e nas leis (IPI, ICMS, PIS/
Cofins, impostos e contribuições residuais). 2009. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direi-
to, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 63. Belíssimo trabalho sobre o tema (ilusão
fiscal) foi realizado por Pedro Júlio Sales D’Araújo, em tese defendida na USP, disponível em:
https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2133/tde-15082022-085421/publico/6487637DIC.pdf.
9
SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 416.
10
SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 418 e ss.
Valter de Souza Lobato / Vinícius Andre de Oliveira Soares 99
11
SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 418.
12
SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 418.
13
SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 420.
14
MOREIRA, André Mendes. Não cumulatividade tributária na Constituição e nas leis (IPI, ICMS, PIS/
Cofins, impostos e contribuições residuais). 2009. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direi-
to, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 68 e ss.
15
SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 420-421.
100 Anais do VIII Congresso Brasileiro de Direito Tributário Atual
2.4. Histórico
O primeiro tributo brasileiro a receber o tratamento não cumulativo foi o
Imposto de Consumo (IC), antecessor do atual Imposto sobre Produtos Industria-
16
SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 420.
17
MOREIRA, André Mendes. Não cumulatividade tributária na Constituição e nas leis (IPI, ICMS, PIS/
Cofins, impostos e contribuições residuais). 2009. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direi-
to, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 76.
18
MOREIRA, André Mendes. Não cumulatividade tributária na Constituição e nas leis (IPI, ICMS, PIS/
Cofins, impostos e contribuições residuais). 2009. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direi-
to, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 75.
Valter de Souza Lobato / Vinícius Andre de Oliveira Soares 101
lizados (IPI). Nesse primeiro momento, a sede da não cumulatividade era mera-
mente infralegal19. Somente em 1965, com o advento da Emenda n. 18 à Consti-
tuição de 1946, que reformou o sistema tributário nacional, é que a não cumula-
tividade passou a ostentar envergadura constitucional. Passaram a ser contempla-
dos pela não cumulatividade os então criados IPI federal e ICM estadual (arts. 11
e 12 da EC n. 18/1965, respectivamente).
O Brasil, ao adotar tal previsão constitucional – lembra Coêlho20 –, seguia a
tendência mundial de adoção de um imposto sobre o valor adicionado. Esse im-
posto, de origem francesa, logrou notável sucesso, muito em razão de solucionar
as mazelas da cumulatividade.
Desde 1967, com o aval do Conselho da Comunidade Econômica Europeia,
vários foram os países europeus que implementaram o tributo. E, de lá para cá,
não teve fim a tendência, que se alastrou por todo o globo. Dados da OCDE regis-
tram que, em 2018, a tributação sobre o valor adicionado era adotada por 168
países do mundo. Dos 36 países membros da própria OCDE, 35 possuíam tal
tributação21-22.
E, uma vez conquistada a previsão constitucional da não cumulatividade do
IPI e do ICMS, certo é que ela se manteve intacta em toda a evolução constitucio-
nal posterior, passando pela Constituição de 1967, pela Emenda n. 1 a essa mes-
ma Constituição, até chegar à Constituição de 198823.
Feita essa breve contextualização histórica, é o momento de procedermos a
um estudo da não cumulatividade no plano da Constituição de 1988, emprestan-
do especial atenção às disposições pertinentes ao IPI. Em seguida, adentraremos
no plano infraconstitucional e na jurisprudência do STF.
19
Leis n. 2.974/1956 e 3.520/1958. Posteriormente, em 1964, a Lei n. 4.502 veio a consolidar a tri-
butação do consumo.
20
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 17. ed. Rio de Janeiro: Fo-
rense, 2020. E-book, paginação irregular.
21
FURUITI, Edson Machado. O princípio da não cumulatividade e as propostas de reforma tributária.
2020. Monografia (Especialização em Direito) – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2020, p. 11.
22
ORGANISATION FOR ECONOMIC COOPERATION AND DEVELOPMENT. Consumption tax
trends 2018: VAT/GST and excise rates, trends and policy issues. Paris: OECD Publishing, 2018.
Disponível em: https://doi.org/10.1787/ctt-2018-en. Acesso em: 17 jun. 2023.
23
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 17. ed. Rio de Janeiro: Fo-
rense, 2020. E-book, paginação irregular.
102 Anais do VIII Congresso Brasileiro de Direito Tributário Atual
24
MOREIRA, André Mendes. Não cumulatividade tributária na Constituição e nas leis (IPI, ICMS, PIS/
Cofins, impostos e contribuições residuais). 2009. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direi-
to, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 113 e ss.
Valter de Souza Lobato / Vinícius Andre de Oliveira Soares 103
to (art. 155, § 2º, XII, c). Logo, em matéria de IPI, está fora de discussão a possi-
bilidade de a lei complementar vir a cercear, de qualquer forma, a não cumulati-
vidade (cogita-se de tal possibilidade em matéria de ICMS, o que, por sinal, é
absolutamente infundado).
Especificamente esse último ponto – tratamento dispensado pela CRFB/1988
aos investimentos da empresa – será ainda por nós analisado com maior vagar.
Antes disso, havemos de compreender o cenário da não cumulatividade do IPI no
plano infraconstitucional.
Vê-se que o CTN, em seu art. 49, caput, determina que, quanto ao momento
da apuração, o método será o subtrativo “imposto sobre imposto” (“de forma que
o montante devido resulte da diferença…”). Assim fazendo, somente põe-se em
alinhamento com o que já dispõe o texto constitucional.
Mas há, nesse mesmo dispositivo, uma disposição relevante. Dissemos que,
quanto ao momento do crédito, a Constituição deu liberdade ao legislador para
escolher entre a base real e a financeira. O CTN, fazendo sua opção, inequivoca-
mente optou pela base financeira (“em determinado período”).
Para mais, previu – como não poderia ser diferente – o aproveitamento, em
períodos posteriores, do saldo credor acumulado:
“Parágrafo único. O saldo verificado, em determinado período, em favor do con-
tribuinte transfere-se para o período ou períodos seguintes”.
Já a Lei n. 4.502/1964 – lei de regência do IC, mas que seguiu regendo o IPI
–, para o que nos interessa aqui, dispõe:
“Art. 25. A importância a recolher será o montante do imposto relativo aos pro-
dutos saídos do estabelecimento, em cada mês, diminuído do montante do impos-
to relativo aos produtos nele entrados, no mesmo período, obedecidas as especi-
ficações e normas que o regulamento estabelecer”.
25
MOREIRA, André Mendes. Não cumulatividade tributária na Constituição e nas leis (IPI, ICMS, PIS/
104 Anais do VIII Congresso Brasileiro de Direito Tributário Atual
Cofins, impostos e contribuições residuais). 2009. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direi-
to, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 243.
Valter de Souza Lobato / Vinícius Andre de Oliveira Soares 105
26
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 17. ed. Rio de Janeiro: Fo-
rense, 2020. E-book, paginação irregular.
27
Supremo Tribunal Federal, Segunda Turma, RE n. 635.209 AgR/PR, Rel. Min. Joaquim Barbosa,
j. 15.05.2021, DJe 27.06.2012.
106 Anais do VIII Congresso Brasileiro de Direito Tributário Atual
28
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 17. ed. Rio de Janeiro: Fo-
rense, 2020. E-book, paginação irregular.
29
DEXHEIMER, Vanessa. Dedução do crédito financeiro no ICMS: não cumulatividade e coerên-
cia legislativa. Revista Direito Tributário Atual, n. 38, p. 204-224, 2017. Disponível em: https://revis-
ta.ibdt.org.br/index.php/RDTA/article/view/1468. Acesso em: 17 jun. 2023.
30
A autora comentava sobre a não cumulatividade do ICMS, mas não há razão pela qual não se
poderia estender as mesmíssimas considerações a matéria de IPI.
Valter de Souza Lobato / Vinícius Andre de Oliveira Soares 107
31
“I - do imposto relativo a matérias primas, produtos intermediários e material de embalagem [...],
incluindo-se, entre as matérias primas e produtos intermediários, aqueles que, embora não se
integrando no novo produto, forem consumidos no processo de industrialização, salvo se com-
preendidos entre os bens do ativo permanente.”
108 Anais do VIII Congresso Brasileiro de Direito Tributário Atual
imediato32. O consumo integral, por outro lado, nunca encontrou guarida na ju-
risprudência do Tribunal.
A despeito do conceito errôneo de produtos intermediários que veio a preva-
lecer, a jurisprudência do STF sempre assegurou às indústrias siderúrgicas o di-
reito ao creditamento dos valores relativos às aquisições sobre materiais refratá-
rios, enquadrando-os na categoria de produtos intermediários. Para além do já
citado RE n. 90.205/RS, não variou o entendimento da Egrégia Corte em tantos
outros julgados33, seja em matéria de IPI, seja em matéria de ICMS.
Não divergiu o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. No julgamen-
to do REsp n. 18.361/SP34, reconheceu-se o creditamento de IPI sobre materiais
refratários, ao argumento de que eles participam, efetivamente, da fabricação do
produto final.
Para mais, a questão dos materiais refratários nas siderúrgicas já foi debatida
à exaustão nos Tribunais pátrios, sempre com ganho de causa aos contribuintes35.
32
MOREIRA, André Mendes. Neutralidade, valor acrescido e tributação. Belo Horizonte: Fórum,
2019, p. 180-182.
33
Ver REs n. 79.601/RS, n. 93.768/MG e n. 96.643/MG.
34
“Tributário. IPI. Materiais refratários. Direito ao creditamento aos materiais refratários empre-
gados na indústria, sendo inteiramente consumidos, embora de maneira lenta, não integrando,
por isso, o novo produto e nem o equipamento que compõe o ativo fixo da empresa, devem ser
classificados como produtos intermediários, conferindo direito ao credito fiscal” (STJ, Segunda
Turma, REsp n. 18.361, j. 05.06.1995, DJ 07.08.1995).
35
No âmbito administrativo estadual, a jurisprudência não destoa do entendimento aqui defendi-
do. Citamos alguns precedentes paulistas:
“Ementas – Câmaras julgadoras – Massa refratária magnesiana – Remessas havidas como desti-
nadas à industrialização – Produto aplicado como revestimento interno de equipamento que re-
cebe aço líquido – Conceito de produto que se consome no processo produtivo – Provido o recur-
so – Decisão não unânime.
Resumo do voto: Tenho sustentado o entendimento de que, ainda que itens como os considerados
não integrem o produto final, é evidente que concorrem, de forma necessária e insuperável, para
sua formação, por isso que devem ser havidos como consumidos no processo de industrialização,
valendo ressaltar que não se encontra, na norma de origem, afirmativa que imponha que a alí-
quota reduzida só é aplicável nas operações que destinarem mercadorias para serem inteira e, em
uma só vez, consumidas no processo de industrialização, vedado ao intérprete aplicar o entendi-
mento restritivo. Voto, pois, pelo integral provimento ao recurso” (Processo n. DRT. 13-824/99 –
8ª Câmara – Relator Célio de Freitas Batalha – Sessão 20.10.1992).
“Ementas – Câmaras julgadoras – Placas refratárias – Produtos consumíveis no processo de indus-
trialização – Correta utilização de alíquota reduzida em operações interestaduais – Provido o
apelo – Decisão não unânime. Resumo do voto: Com relação às placas refratárias, a Consultoria
Tributária (Resposta. Consulta n. 10.497) admitiu que são usadas no processo produtivo, reco-
nhecendo o direito ao crédito decorrente das respectivas entradas. Logo, aplica-se a alíquota re-
duzida” (Processo n. DRT. 1 – 13982/82 – 4ª Câmara – Relator: Edda Gonçalves Maffei – Ementa
do voto do Juiz Álvaro Reis Laranjeira – Sessão 08.08.84 – publicado no boletim TIT n. 200, em
17.09.1985).
No âmbito judicial não é diferente a conclusão. No TJMG, nos autos da Apelação Cível n.
0339906-50.2002.8.13.0313, o Desembargador Relator Belizário assim se posicionou quanto aos
materiais refratários utilizados no processo siderúrgico: “A questão de fundo a ser examinada é
Valter de Souza Lobato / Vinícius Andre de Oliveira Soares 109
aquela referente ao mérito dos Embargos à Execução Fiscal que sustenta que a cobrança de ICMS
exigida é indevida nos termos da prova produzida, desde que é legítimo o creditamento do refe-
rido imposto relativamente aos produtos chamados ‘REFRATÁRIOS’. A perícia de fls. 273/274
responde ao questionamento ao afirmar o seguinte: ‘Os materiais REFRATÁRIOS, objeto deste
processo, possuem função de isolamento térmico. O isolamento térmico é indispensável à produ-
ção, logo, a utilização destes materiais torna-se indispensável ao processo produtivo. Sem a utili-
zação do isolamento térmico todo o equipamento poderia ser fundido em função da alta tempe-
ratura exigida no processo.’ O que se tem como conclusivo desta prova pericial e que de resto é
de conclusão lógica é que a embargante não poderia produzir o aço sem o isolamento térmico de
seus fornos, isto é, do equipamento onde seria fundido o aço. Logo, este material refratário é
absolutamente indispensável no processo produtivo da embargante, integrando necessariamente
seu ativo fixo. Seria como refrigerador na produção de sorvetes. E a Constituição da República de
1.988 em seu art. 155 § 2º já garante o direito de creditamento quando veda a não cumulativida-
de dos tributos e, por isto mesmo a jurisprudência de nossos Tribunais Superiores sempre consa-
grou este princípio constitucional e garantiu o direito de o contribuinte se creditar do ICMS que
foi pago na aquisição de produtos utilizados na sua atividade mercantil, considerando-a como de
produtos que integram o ativo fixo e isto até mesmo antes da edição da legislação especial sobre
a matéria, especialmente a LC 87/96 que foi editada em razão mesmo da jurisprudência domi-
nante” (TJMG, 7ª Câmara Cível, AC n. 0339906- 50.2002.8.13.0313, Rel. Des.(a) Belizário de
Lacerda, j. 11.07.2006, DJMG 13.09.2006).
36
“Art. 19-E. Em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e
exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade a que se refere o § 9º do art. 25
do Decreto n. 70.235, de 6 de março de 1972, resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte.”
110 Anais do VIII Congresso Brasileiro de Direito Tributário Atual
4. Conclusão
Quanto ao momento do crédito e da sua apuração, vimos que a “promessa”
constitucional deixou a desejar. Isso porque, respectivamente, tolerou a base real
(“apuração produto por produto”) e abraçou o método subtrativo “imposto por
imposto”, ambos inaptos a proporcionar a não cumulatividade em sua plenitude.
Quanto ao tratamento aos investimentos das empresas, demonstramos que a
melhor interpretação constitucional não conduz a outro entendimento, senão o
de que a não cumulatividade do IPI é ampla e irrestrita. Abraça o modelo do
creditamento financeiro, permitindo, por isso mesmo, o creditamento sobre os
bens de uso e consumo e do ativo permanente das empresas.
Em que isso pese, não tem sido esse o tratamento dispensado pela legislação
infraconstitucional à não cumulatividade do IPI. A bem ver, todo esse arcabouço
normativo é inconstitucional, por afronta direta ao art. 153, § 3º, II, da Constitui-
ção da República. E assim será qualquer norma que tender a apequenar a não
cumulatividade do IPI.
É merecedor de severas críticas, portanto, o pretenso “núcleo mínimo” sus-
tentado pelo Supremo Tribunal Federal, que contemplaria tão somente o modelo
do crédito físico. Neste ponto, a Egrégia Corte tem falhado monumentalmente
em resguardar a vontade do poder constituinte.
Mas, ainda que o posicionamento do STF fosse o correto, viu-se que nem
mesmo o “núcleo mínimo” da não cumulatividade tem sido respeitado. Entendi-
mento do próprio Tribunal – antigo, mas operante até os dias de hoje – tem favo-
recido o amesquinhamento mesmo do modelo do crédito físico, ao acenar para a
impossibilidade de creditamento sobre os materiais refratários, produtos inter-
mediários que são.
Ao fim e ao cabo, parece-nos, sim, lícito concluir que a não cumulatividade
do IPI é uma promessa nunca cumprida. Não é sequer uma promessa ideal, mas
nem mesmo o que foi prometido tem sido cumprido. Nunca o foi, desde a pro-
mulgação da Carta de 1988.