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As diversas correntes do pensamento juridico José Luz Quapros pz MACALIHAES Pesquisador do CNPq. Professor de Direitos Humanos da APM/MG. Mestrado em Direito Constitueional da UFMG SUMARIO 1. Introdugdo. 2. O Direito Natural. 2.1. O ressurgi- mento do Direito Natural. $. © positivismo na ciéncia do direito. 3.1. Hans Kelsen. 3.2. Outras correntes do pensamento positiviste na ciéneia do direito. 4, O mar= tismo no direito, 5. Concluséo, 1 — Introdugéo © objetivo do presente trabalho & de se fazer questionamento em rela- Go as principals correntes do pensamento juridico, para que finalmente possamos introduzir uma proposta de reflexao sobre um novo caminho a ser seguido pelos juristas da atualidade. Para alcancarmos este objetivo, estudaremos as duas principais cor- rentes de pensamento que se formaram e evoluiram através dos tempos, que sio o positivismo ¢ o jusnaturalismo nas suas principais formas atra- vés da histéria da filosofia do Direito. Posteriormente, faremos uma breve anélise da teoria marxista de di- reito. Sua contribuicéo ¢ fundamental, e o seu estudo € necessdrio, seja para adapté-lo, seja para se fazer uma eritica desta maneira de interpreta- $40; ignorat o pensamento marxista significa passar 2 margem boa parte da hisiéria contemporfnea da humanidade. Finalmente, na quarta parte de nosso estudo, enfrentaremos entéo as novas proposias que surgem para uma nova escola de Direito. Nao temos a pretensio, em momento algum, de esgotar tio rico e vasto tema, Sao R. nf, legisl. Brasilia a. 27 =. 106 abr./jun. 1990 239 inémeras as contribuigdes para um novo pensamento do Direito que sur- gem no mundo inteiro. O que faremos setd analisar uma nova escola que surge no Brasil, introduzindo o tema, para que se desperte o interesse para novas indagagées criticas, que venham contribuir para o enriquecimento do pensamento filos6fico de Direito que sem diivida caminha para uma nova era. Portanto, apés percorrermos todo o caminho tragado pelo pensamento jusnaturalista, positivista e marxista, podemos desvendar novos caminhos da filosofia de diteito, alicercados nesta sélida base, néo esquecendo que € atrayés do questionamento corajoso e cientifico de tudo que o pensa- mento humano evolui. DANTE escreveu que nas portas do inferno encon- tram-se as seguintes inscrigées: “Convém deixar aqui todo preconceito, con- vém que se mate aqui qualquer medo.” MARX colocaré esta mesma ins- crigéo na porta da ciéncia C). 2 — O Direito Natural Seré desde tempos muito antigos que os fildsofos e pensadores poli ticos “‘vao sustentar a crenga de que deve haver um Direito baseado no mais {ntimo da natureza do homem como ser individual ou coletivo. Esta- vam convencidos de que existia um Direito Natural permanente ¢ cterna- mente valido, independente de legislagio, de convengao ou qualquer outro expediente imaginado pelo homem (*). Quanto ao contetido destes direitos, eles serfo varios no decorrer da hist6ria, entretanto, a conyicgao da existéncia de normas fundadas na natu- reza humana de cardter obrigatério para todos os homens em todos os tem- pos mosirou ter muita vitalidade no decorrer dos séculos (*). Os primeiros a discutirem o problema do Direito Natural foram os pensadores gregos. Eles se deram conta de que existia uma grande varie- dade de leis ¢ costumes nas diversas nagdes e povos, ¢ muitas vezes 0 que uma nagio aprovava a outra condenava. Comegam entio os pensadores da época a se questionarem se nio existiam determinados principios gerais que cram vlidos pata os varios povos em todos os tempos, ou se a questo de justiga ¢ de Direito era uma mera quest&o de conveniéncia (*). Alguns {il6sofos gregos adotaram uma opiniio contrétia a existéncia de principios eternos € imutéveis. (1) GONZALEZ, Horécio. “Karl Marx”, Editora Bresiliense S.A, Séo Faulo, 1984, Encanto Radical n° 63, p. 54. (2) BODENHEIMER, Edgar. Teoria del Derecho, Fondo de Cultura Beonéinica. México, 1942, p. 127. @) BODENHEIMER, Edgar. Teoria del Derecho, ob. cit., p. 127. @ BODENHEIMER, Edgar. Teoria del Derecho, ob. cit, p. 128. 260 R. Inf, logisl, Brasilia 0. 27 n, 106 abr./jun. 1990 “O sofista TRASIMACO” — ao qual se pode considerar como uma espécie de precursor da interpretago marxista do Direito — “‘ensinava que as leis eram criadas pelos homens ou grupos que estavam no poder, com objetivo de fomentar seus prOprios interesses”. Afirmava ele que a justica iio € sendo o que convém a0 mais forte (*). “O sofista PROTAGORAS” (481 (?) — 411 antes de Jesus Cristo) “— antecipando as opinies dos positivistas modernos — “sustentava que as leis feitas pelos homens eram obrigatérias e validas sem considerar seu contetido moral”. Entretanto, a maioria dos mais destacados filésofos gregos reconhecia a existéncia de certos elementos que sao os mesmos em todos os tempos e para todos os povos, o que estes elementos encontravam: sua expresséo no Direito (°). Para OLIVEIROS LITRENTO, Homero foi o primeiro tratadista (através dos seus grandes poemas A Iliada e A Odisséia) de Direito e Poli- tica. O grande pocta Homero, nascido na Asia Menor, no século VIII aC. idealiza A Hiada o mito da Deusa Themis. Conhecedora das leis da socie- dade, que atribui de origem divina, Themis veio se tornar esposa de Zeus © também sua conselheira juridica. “Os reis ¢ juizes humanos, instruidos por Zeus, aplicaram para cada caso concreto o Direito pertinente. Assim, a conduta intrinsecamente justa era s6, aparentemente, uma inspiracao de Zeus. No fundo uma determinagado de Themis. [4 0 reconhecimento pelo juiz, de que em Direito se chama facultas agendi, ou seja, a pretensdo jut dico-subjetiva de uma pessoa, vem a ser encontrada em Homero como "é Dike”. Dai por que em grego 0 ato de julgar é chamado Dikazein! (7) HESIODO (poeta de perfodo herdico grego — século VIIL nos fins do século VIF aC.) dard melhor caracterizagao juridica, simbolizando Dike como a filha de Themis (entenda-se: Themis — deusa da justica com vistas A norma agendi e Dike, deusa da justiga com vistas a facultas agendi). No poema A Teogonia, Dike governa com suas duas irmas: a Eumonia (boa ordem) ¢ Eirene (a paz), todas filhas de Themis ¢ Zeus, Dike, que tem a missdo de realizar a concretizacio do intrineamento justo através dos ful- zes, combate trés opositores: Eris (como a pendéneia, que subyerte a ordem) Bia (como a forgd que desafia o Direito) e Hybris (como a incontinéncia, que transforma 0 justo em injusto, uma vez ultrapassando os limites do Direito). “Portanto, néo apenas os homens cometem delitos. Os juizes tam- bém erram quando suas sentencas néo refletem o pensamento de Dike. Logo, a ordem juridica pode ser afetada pelos ethos, ou seja, pelo caréter de uma pessoa, que pode ser o juiz. Quando Dike ¢ desprezada, a subver- siio pela injustiga destréi o Estado” (°). (8) BODENHEIMER, Edgar. Teoria del Derecho, ob. cit, p. 128. (6) BODENHEIMER, Hagar. Teoria det Derecho, ob. cit., p. 129. (T) LITRENTO, Olivetros Lessa. Curso de Filosofia de Direito, Rio de Janeiro, Ed. Rio, 1980, p. 30. (8) LITRENTO, Otiveiros Lessa, Curso de Filosofia do Direito, ob. elt, p. 31. R. nf, logisl. Bras 2. 27m, 106 abr./jun. 1990 261 Com TALES, a Cosmologia se separa da Teogonia, passandc a pri meiro plano da meditago filoséfica o problema da substincia, fazendo-se assim de fetichismo mitico-religioso, delineando a idéia de um _existencia- lismo ligado & indestrutibilidade da matéria. ANAXIMANDRO (610-547 aC), discipulo de TALES, escreveu num poema intitulado Sobre a Natu- reza, também chamado Da produgdo de Coisas, “Considerando tantc 0 nas- cimento quanto a morte das coisas uma injustiga (adikia), somente Dike, que se realiza no tempo, pode restabelecer a harmonia no Costnos através da justiga. E a justiga, para ANAXIMANDRO, é a reintegragdo na unidade no Cosmos, restabelecendo-se, como conseqtiéncia, a lesao sofrida pela na- tureza, Outro nio é 0 motivo da harmonia do Cosmos em face da indeter- minagéo da natureza (°). HERACLITO seré o melhor expositor da doutrina pantefsta da razio universal, considerando todas as leis bumanas subordinadas 8 lei. divina do Cosmos. “HERACLITO assinala que Dike (a justica) assumia também a face do Eris (a discérdia ou litigio), (dai se compreendendo que Dike-Eris nfo apenas governam os homens, mas o mundo), a verdade é que 0 grande filésofo traduz a justica como resultado de permanente tenséo social, resul- tivo porque sempre renovado. HERACLITO transmitiu ras especulagdes em torno de uma justica-tensdo, tuciond que sempre renovada, mas sem opor, antes submetendo -grando a_lei positiva ao Direito Natural. Outro nao € 0 motivo por que a-tei dds”homens (Nomos) é sempre injusta quando contraria a lei de um Logos natural e divino (Physis) (*°). “ARISTOTELES considera que no direito hé uma parte que é justa por natureza e outra por determinacéo da lei positiva.” (*) Coloca ARIS- TOTELES que “‘o justo por natureza é mutavel na medida que mudam as realidades a que se refere este critério de justica. Para ele o natural nao é a expressiio de uma realidade fenoménica regida por leis casuais imutéveis; antes, o natural significa um conceito teol6gico valorativo, aquele que se adequa a seu fim, aquele no qual a forma, como principio finalista, triunfa sobre qualquer resisténcia da matéria, Cabe dizer que uma das conseqién- clas dessa concepgao teleolégica do natural como forma podia ser a que, enquanto vai se realizando progressivamente, os fins brotam novas ¢ diver- sas exigéncias da justiga natural” (#), Na opinigo de RECASENS SICHES, esta interpretagio pode ser correta se se Jevar em conta que Aristételes afirmou a mudanca nao (@) LITRENTO, Oliveiros Lessa. Curso de Filosofia do Direito, ob. cit, p. 33. (20) LITRENTO, Olivetros Lessa, Curso de Filosofia de Direito, ob. cit., p. 41. (1D _SICHES, Recaséns. Tratado General de Filosofia del Derecho, 6* edi. So, Editortal Porrud, S.A, México, 1978, p. 428. Gp sci, Recaséns. Tratado General de Filosofia det Derecho, ob. cit., PB 262 Ro tng, legis. Brasilia a. 27 om. 106 abr./jun. 1990

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