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wh? \ 6 INTRODUCAO . AO PENSAMENTO JURIDICO v ocx se nado: PREFACIO TEINFORRUNG —__— = 1N DAS JURISTISCHE DENKEN ee gach 2 newt lags, 1988 VERLAG W, KOWHANDMER Gott saa Uma «Introducdo ao pensamento juridicon pros- “segue finalidades diferentes das de uma «ntrodueao @ cigncia juridica» que, usualmente, ¢ uma introducdo Indo 's6 aos métodos do pensamento juridico mas também uma introduedo ao proprio Direito e aos seus diferentes ramos. No: presente livro, porém, trata-se ‘antes de familiarizar um pouco 0 estudante de Direito @, quando possivel, também 0 leigo interessado, com fessas coisas misteriosas e suspeitas que'sdo a logica e ‘a metddica do pensamento juridico — e, mesmo assim, limitando a exposiedo aos problemas centrais da heu- ristica juridica (Rechisfindung) e abstraindo,,portanto, das elaboracées da dogmitica «mais elevaday, como, pex.ra construgdo ea sistematizagao juridicas. Sob feste'ngulo, e apenas sob-ele, foram, tratados os problemas juridico-materiais incluidos na exposicao. ‘Na revista: «Studium Generalen, 1959,,pp:.76 € sitive ocasido de me pronunciar mais detathada- ‘mente sobre as tarefas.com que se deftontama ldgica e ‘a metodologia juridicas. Agui apenas quero salientar 0 is | Seguine: A ldgica do jurista é uma légica material maeciociior cust | Guescom fundamen na ligica formal edentro dos ae Guadros desta, por um'lado, ¢ em combinacdo.com a = metédologia juridica. especial, por outro: lado, deve sapmee o 20 due a regio entre citnca jarden © cincia natural discute-se Dresentemente a rela ene cineiajuridica ecknca social (a ‘ual em todo o caso se mantem prosima da cenca natural na medida em que ¢ encarads como weigncia do ser ou siencia da fealslade» — a este respeio, por todos: LARENZ, ob. ct, 3 fl, 1975, pp. 171 e 38, 221 es, com @ qual concord). Clr também a nota 36, na pane final De resto 0 carat eietco da Jurisprudéacia depends natranente dos eritros sos quai se vinculeem geral 0 coneeto de wciéncian; confrme, . en, 30 Se ‘ueiram considerar wcientifieas» as elaboragies tndereadas 00 sonkecmento da verdad» (logic, matemstice,empuco), ou ‘ambém aquelas elaboragbs que visam estabelecer um sistema de fenunciados normatives metodicamente obtidose bem fundamen tds (eventuslmente ssi») — como scontee prcisamente 1a eine jriica. Em ultimo termo surge a qustio das sub dlisisbes do «globus imtlecuals». Sobre o eardcter da cients Juridica como weiencin 8 expiton, v. inf, SOERE © SENTIDO EA ESTRUTURA DA REGRA TURDICA Retomemos © § 1589 do Codigo Civil alemao. Este parigrafo é © primeiro de um conjunto de dis- psigdes sobre © «parentesco», Na sua versio original dizi, na integra: «A pessoas que descendem umas das ‘outras sto parentes em linha recta. AS pessoas que nio so parentes em linha recta, mas procedem duma mesma tereeira pessoa, sio parentes colaterais. O grau de parentesco determina-se pelo numero de geragses. Um filbo ilegitimo © seu pai nao sa0 (ellen nicht als=nio valem como) parentes entre siv. Este ultimo periodo foi revogado, gracas a nova regulamentagao da posicdo juridica dos filhos ilegitimos pela lei de 19,8.1969. Mas continuard a ser considerado na anilise que se segue. O que salta aos olhos na disposicao transcrita € a mudanga na expresso. Primeico diz-se que certas pessoas sdo parentes em linha recta ou em linha colateral. Depois diz-se: «determina-se» e, final- ‘mente, no ultimo periodo: welten» niche als (no S80 hhavides como — nao «valem» como), E evidente que neste periodo final a ideia do legislador nao podia ser a de que 06 filhos ilegitimos ndo sao parentes de sangue de. seu pai, do. ponto de vista natural; mas antes a de ue © filhoilepitimo nao deve ser equiparado 20 filho 2 legitimo juridicamente, methor: do ponto de vista do direito civil. Esta resttigao: «do ponto de vista do direto civil», & muito importante. Pois que, por ex., do Ponto de vista do direto penal, 0 pai ¢ o filho ilegitimo 4a anteriormente eram parentes. A cominagao do § 173 ‘do Codigo Penal contra incesto entre «parentes na linha ascendente ou descendente» (como anteriormente se dizia) abrangia sem dvida também os pais ¢ os filhos ilegitimos (flhos estes que agora sto expressa- ‘mente designados por «descendentes-de sangue»), Ou: a despenalizagdo de «desvios cometides pelos pais con (08 seus filhos», no Cédigo de Processo Penal de 1841, valia também’ para desvios cometidos contra filhos ilegitimos (hoje um furto a um «familiar» s6 € suscep- tivel de procedimento penal havendo acusagao particu lar, © que igualmente se aplica ao parenteseo ilegitimo). Por outro lado, e inversamente, volta a dizer-se no Ast. 33 da Lei de Introduga0 a0 Cédigo Civil: «Sempre que, no Estatuto Judiciario, no Codigo de Processo Givi, no Cédigo de Processo Penal (no confundir com © Cédigo Penal), no Cédigo de Faléncias....sejam atribuidos efeitos juridicos ao parentesco ou a afinidade, aplicam-se os preceitos do Cédigo Civil relativos aque las matérias», Estas outras leis, portanto, de novo se orientavam pelo principio do Cédigo Civil segundo 0 ual 0 pai ilegitimo e 0 seu filho do eram «havidos» como parentes —o que se acha ultrapassado desde a lei de 19.8.1969. Daqui esultava que o dieito de escusa ‘depor como testemunha, que & conferido aos parentes "do acusado em linha recta, nao era reconhecido a0 pai | i 23 Assim, para nos servimos da frase de PASCAL atris, referida, parece que ndo ¢ 50 um meridiano que decide sobre 2 verdade no dominio da justica, pois que as linhas divisérias parecem poder atravessar uma © mes ma ordem juridica, para depois se deslocarem ou des- vanecerem com a evolugao historica. Pelo que respeita f palavra «validade» («Geltung»), ha que dizer que ela tem um significado muito particular. Sem querermos Flosofar 2 seu respeito (0 que tem sido feito com frequéncia bastante), diriamos no nosso caso que ela traduz a ideia de que uma relagao de vida & olhada juridicamente de determinada manera, Mas, antes de nos interrogarmos sobre qual scja esse especifico modo de consideracdo, indaguemos primeiro se realmente as coisas se passam de modo essencialmente diverso com os periodos anteriores do §§1589 (ainda hoje em vigor) onde se diz que as pessoas que descendem umas das outras sdo parentes em linha recta, Neste ponto 20 menos parece que na verdade 0 Direito se curva perante a natureza e que apenas afirma aquilo que €. Todavia, também aqui ndo estio excluidas as surpresas, © $1589 faz depender o parentesco da descendéncia». O que isto seja, toda a gente julga sabs-to. Tanto mais chocante havera de parecer. pois, 0 ‘que © Cédigo Civil logo a seguir, nos §§ 1591 ¢ seguintes, preceitua com respeito a «descendencia legi= ima. Diz-se ai que um filho nascido apes a celebragio do casamento ¢ filo legitimo de ambos 0s cOnjuges se & ‘mulher © concebeu antes (2) do matrimonio ou na constincia deste e © marido coabitou com ela durante 0 perido da concepeio. Se este periodo tem lugar durante constancia do matrimonio, ~presume-se () que © M fo coabitou com a mulher. Como periodo de concepeo considera-se (vale?) em geral 0 pertoda que medeia entre 0 181° © 0 3029 dias anteriores 20 nascimento do filho. Nestas condigdes, 0 filho 86 nao & legitimo quando, «dadas as circunstincias, resulte cla- ramente impossivel que a mulher tenha concebido 0 filho do marido». Mesmo que seja este 0 caso, a ilegtimidade ainda assim tera de ser estabelecida com Torga de caso julgado através duma acgio de impug- nagio da paternidade intentada pelo marido, pelos pais deste ou pelo filho. A no ser por este meio, nao é possivel «fazé-la valer, se filho nasceu na constanecia o casamento ou dentro de 302 dias apés a dissolugao do mesmo. Em resumo: relativamente aos filhos nas- cides na constincia do matrimonio ou dentro de um certo prazo apds a sua dissolugéo, o Direito adopta fundamentalmente aquele ponto de vista que os roma- nos exprimiam com as seguintes palavras: «pater est quem nuptiae demonsirant» (Digesto 2, 4, 5: pai ¢ aguele que do. casamento se conelui que o ¢). E, evidente que de novo aqui, nesta regulamentagao, a consideragao ou o ponto de vista juridico pode estar em confito com 0 ponto de vista «natural». Pode desde Jogo estranhiar-se:que, segundo 0 Cédigo Civil alemao = ao contrério do que sucede em muitos Direitos ante riores — 0 filho também seja legitime quando no foi procriado ma constincia do casamento mas antes da ceclebragao deste. A mais disso, porém, nos termos do regime acabado'de refer, € ainda possivel que uma tulher, que nio tenha escripulos em materia de fide- lidade conjugal, brinde © seu marido com filhos que hhio-de ser considerados legtimos, embora 0 circulo das 25 pessoas cépticas e observadoras 4 sua roda chegue a lama conclusao completamente diferente fazendo uso dos seus olhos naturais. «Mater semper certa est». Ao contrario, a ndo rara incerteza acerca do pai ¢ elimina da, no interesse da «seguranca juridica», atraves da «epresungao» de que o marido coabitou com a mae e €0 pai da crianca. Se a isto acrescentarmos ainda que um filho ilegitimo pode posteriormente abter «a posiga juridica de um filho legitimo» pelo facto de o pai itegtimo casar com a mae (§1719 do Codigo Civil), ou pelo facto de ser declarado lepitimo através de uma decisdo do tribunal tutelar (§ 1723 e seguintes do Codigo Civil), 0 quadro assim preenchido deix ttansparecer que a descendéncia legitima e, por conse- uinte, 0 parentéico em linha recta, si0 dados especi ficamente juridicos que nao precisam de coineidir com (05 dados naturais, muito embora o legislador se esforce, hoje mais do que nunca, por conseguir essa. coinci- déncia. E também pelo que toca aos fills legiimos nfo nos sera licito afirmar, dum modo inteiramente eral, que eles sdo legitimos, mas antes teremos que dizer: eles sdo considerados’(gelten) como logitimes para efeitos do Codigo Civil (no em geral, pois que os “§§ 1591 e seguintes do. Codigo Civil no decidem, por cexemplo, quanto a ilegitimidade ma hipétese de «infan- ticidion, a que se refere 0 §217 do Codigo Penal) Mas ainda que 0s dados juridicos concordassem com 05 naturais, sendo, por exemplo, de considerar como legitimos por Direito e por natureza aqueles filhos que foram procriados pelos cénjuges na constancia do fespectivo matriméinio e nasceram durante esse periodo, nem mesmo assim isso quereria dizer que 0 conceito 6 juridico de parentesco significa exactamente © mesmo ‘que conceito «natural». O leitor reflexivo nao deixara ide ripostar logo contra @ palavra «natural». Para um biologo nem sequer existe a distingao entre filhos Tegitimos e ilegitimos — para ele apenas existe 0 facto dda descendéncia natural, A. «descendéncia legitima», tbem como o «parentescon, que sobre ela se funda, ttazem em si, com a caracteristica «legitimon, um ine” Timindvel momento cultural, quer este momento tenha a sua origem na esfera do religioso, na da moral ou na do juridico. Quando ha pouco se falou de uma coincidéncia dos conceitos juridico e natural de descendéncia leg! tima e de parenteseo, & evidente que o conceito natural deste parentesco foi entendido, nao num sentido biolégi- ‘0, mas num sentido sociocultural. $6 neste sentido, e jt nao num sentido biolbgico, podemos falar duma des- ‘cendéncia legitima e de parentesco «naturais». Mas, ‘agora examinada a questio mais de perto, temos de reconhecer que também o conceito juridico de paren- tesco se pode distinguir ainda do conceto sociocultural, © hoe sensu natural, de parentesco legitimo. Sim, mesmo quando estes dois conceitos coincidem nos pressupostos da sua aplicagdo, quando, portanto, 0 parentesco juridico $6 existe onde .exista também 0 parentesco sociocultural, quando, especialmente, abs- traimos do facto de que entre nos a celebragdo juridi- ‘camente relevante do casamento reveste formas particu- lares que se distinguem das formas rligiosas — mesmo entao os conceitos juridico e cultural-natural de paren- {e560 nio so idénticos. O conccito juridico de paren- ‘tesco tem nomeadamente um alcance particular que Ihe ‘empresta uma significagao incomparivel. Conforme diz ‘smmmnnmans oe aR a fo jurista, ele funciona como «hipstese legal», & qual a Ceregra de direito» (a «norma juridica») liga «conse ‘quencias juridicas», E eis-nos chegados 20 nucleo da ues Quando se dizia que o pai ilegitimo nao era parente do seu filho ilegitimo, com esta regra juridica ‘queria significar-se que a hipotese legal da descendéncia ilegitima nao eram ligados os mesmos efits juridicos ‘que a hipstese legal da descendéncia legitima. Mas que ‘io efeitos juridicos? J4 referimos, p. ex. que, em caso de parentesco legitimo em linha recta, existe um direito de escusa a depor como testemunha, © qual nio existia na hipotese de ascendéncia ilegitima, enquanto vigorou ‘0 mencionado § 1589, 2. Mas, mais importante € 0 sequinte, que continua a «valer» mesmo depois de climinado © § 1589, 2. Entre a descendéncia legitima e a ilegitima subsiste como dantes uma diferenga juridica tessencial, ndo obstante hoje © pai ilegitimo ser conside- rado «parente» do filha ilegstimo: o filho legitimo usa 0 apeido de familia do pai, a0 passo que o filho nascido fora do casamento recebe em geral o nome de familia que usa a mie ao tempo do nascimento (§ § 1616 1617 do Cédigo Civil), O pai legitimo detem, ao lado da mic, 0 «poder paternal sobre o filho, quer dizer, 0 dliteto ¢ a obrigacao de cuidar da pessoa e dos bens do Filho, educando-o, vigiando-o, cuidando da sua saude, fientando a sua formagdo e escolha da profissio, representando-o em negécios juridicos e em processos Judiciais; ao passo que o filho nascido fora do casamen- 4o,:enquanto menor, esti (com certas restrigdes) sob 0 pittio poder da mae (§§ 1626 e 1705 do Codigo Civil). E, nao obstante a equiparacao (levada tao Tonge 8 quanto possivel) da posigao do fiho ilegitimo a do filho legitimo relativamente 20 direito a alimentos e 20 direito sucessorio, subsistem ainda diferencas que nao vamos especificar aqui. Saliente-se a titulo de exemplo que 0 direito sucessorio que agora the eabe, quando com ele concorram descendentes legtimos ou os de um conjuge sobrevivo do autor da heranga, assume a forma de um direto de representacdo sucessdria (semelhante a0 diteito 20 quinhao legitimério geral), de modo que © {lho ilegitimo nao entra na comunhao hereditaria com aqueles outros herdeiros (§ 1934-2 do Codigo Civil) E isto e apenas isto o que significa para o Direito ‘ duma factualidade juridicamente vvante consiste na constituigdo, extingao ou modificagao ‘dua relacao jurdica. E se agora perguntarmos 0 que é {que deve entender-se por este novo conceito «relacdo Juridica, receberemos mais ou menos a seguinte resposta: uma relacdo juridica ¢ uma «telacéo da vida definida pelo Direito», como 0 S40, v. gr a8 relacdes entre comprador ¢ vendedor ou entre cénjuges. «Pelo lado do seu contetido, as relagées juridicas apresentam- -se as mais das vezes como poderes (direitos), 08 quais ‘se contrapdem os correspondentes deveres; mas tam bbém existem relagdes juridicas — como, por exemplo, 0 parentesco,o domicilio — que apenas so consideradas como relevantes enquanto possiveis fontes de direitos e deveres futuros, isto é, de diteitos e deveres que Somnente surgem quando outros pressupostos se verif- ‘cam, Se agora analisarmos estas consideragoes sobre & ‘felagdo juridica enquanto conteddo da «consequéncia ica», facilmente nos daremos conta de que, afinal, ‘ndo funciona justamente como conse ‘quéncia juridica, mas, antes, como hipdtese legal des- tinada a produzir consequéncias juridicas, e que, 20 invés, na medida ém que a relagéo juridica, ou a sua onstituigdo, extingao ou modificago, seja efectiva- ‘mente encarada como consequéncia juridica, esta for- ‘mulagao por sua vez nada mais exprime sendo que s¢ ‘rata de direitos e de deveres, da sua consttuigéo, et. a" IE, assim, também por este modo somos conduzides. pois, aos direitos e deveres como conteuido das «conse uéncias juridicas» ‘Do mesmo modo, 86 & primeira vista € que parecer tratarse de uma diferente concepgo da natureza da consequéncia juridica quando se diz: como 0 Direito € tuma ordem de coacgio, a estatuicdo da consequencia juridica ha-de-consistie sempre em preserever uma coaccdo, em prescrever, portanto, uma pena ou uma execucdo forgada e coisas similares, «Sendo o Direito tuma ordem de coaccéo, toda a norma juridica é uma rnorma que presereve ou ordena um acto coercitivo. A ‘tia esséneia exprime-se por conseguinte numa proposi- ‘¢40, na qual a.um determinado pressuposto vai ligado 0 Seto de eoacedo como consequéncian. Assim se expri- ime o fundador da chamada «Teoria Pura do Direito», HANS KELSEN. Mas se ponderarmos que a prescri- ‘¢do da coacgio, por seu turno, se limita também @ produzir, de um modo coactivo, direitos ¢ deveres ou ‘ue, como o proprio KELSEN diz, dada a hipétese legal, deve ter lugar a coaccio, torna-se-nos patente que também aqui as consequénciasjuridieas se reconduzem a direitos e deveres. S6 que S20 direitos e deveres dum tipo particular, a saber, direitos e deveres dos orgies estaduais de realizarem determinados actos. O signifi ceado dos direitos ¢ deveres assim configurados esté rnaturalmente conexo com a circunstincia de os direitos fe deveres juridicos serem precisamente caracterizados como juridicos por acharem efectivacdo através das fautoridades estaduais. Ora isto apenas pode ser assim se existem os correspondentes direitos © deveres esta dduais. Estes aparecem, portanto, como 0 ultimo ponto eg 3s ‘de apoio de todos 0s direitos © deveres — concepeio tsta que & porventra discutivel, mas que nos nao povemos discutir neste lugar. ‘Como resultado provisorio vamos assentar no seguinte: as consequnciasjurdicas, que nas regras de Dirt aparccom igadas ts hipsteses leas, sdo cons fuidas por direitos ¢ deveres. As estatuigses das fonsequéncitsjuridcas preserevem a consiuigdo ou 8 tuo-constituigdo de direitos e deveres. Mas poderemos ‘6s porventura simplificar ainda 0 modo de nos expr Inimtos reconduzindo os deveres a direitos e os direitos fa doveres? Se nao ha deveres Sem dietos nem diritos fem deveres, pois que sempre a0 direito de um corres: onde o dever de outro — Vv. gr. 20 dreito do vendedor axigir 0 prego da venda correspond 0 dever do omprador de pagi-lo, ou 0 dever do Estado de con denar por sentenca 0 dito comprador © proceder & texezugio forcada do seu patrimonio —, talvez baste ‘enlio dizer que hipotese legal de toda a regra de Direio: tem como consequéncia juriiea direitos ow ‘himar que ela tem como consequéncia juridica deve- rer: Ora se efectivamente queremos proceder a esta -Simplificagio, parece mais visvel seguir o camino de Zecondurir os drctos aos deveres.Pois& fora de duvida ‘quendo existem diritos sem deveres, 20 passo que € ‘Buvidoso se a todos 0s deveres correspondem direitos feferidos 20 cumprimento desses deveres isto mesmo ‘que a0 falarmos nestes direitos correativos tenhamos “em mente no s6 0s direitos dos indiviiuos mas ainda {oF da comunidade e partcularmente do Estado. Diga- “ut portato: As consequencias juridices previstas nas -ey728 de Direito si0 consituidas por devees, Mas o 36 que sto deveres? Um dever consiste sempre mum dever- ser de certa conduta.Quem é obrigado a adoptar um certo comportamento, fazendo ou deixando de fazer (omitindo) alguma coisa: ele deve agir desta ou daquela maneira, deixar de fazer isto ou aquilo. E eis-nos assim chegados a uma nova fase da nossa indagagdo: as regras juridicas sao regras de deverser, € S40 verdadeiramente, como s6i dizer-se, pproposigdes ou regras de dover-ser hipotéticas. Elas fafirmam um dever ser condicional, um dever-ser condi- cionado através da hipétese legal». Exemplo: se foi coneluido um contrato vilido de venda de uma coisa, o vendedor deve entregar a coisa ao comprador e trans- ferirthe a propriedade sobre ela, 0 comprador deve reeeber a coisa do vendedor e pagar-the 0 preco convencionado (eft. §433 do Cédigo Civil). Novo cexemplo: se alguém, intencionalmente ou por negligén- cia, ilcitamente causa dano a Vida, a0 corpo, & saide, & liberdade, & propriedade ou a qualquer outro direito de ‘outrem, deve prestar ao lesado indemnizagéo de perdas © dans (cfr. §832 do Cédigo Civil). Ainda outro exemplo: se alguém subtrai a outrem um objecto mo: vel que the no pertence, na intengdo de iicitamente se apoderar dele, deve ser punido com prisio. por furto (cfr. §242 do Codigo Penal). Embora as leis de- signem as consequéncias juridicas como «obrigagdes» ($8433, 823 do Cédigo Civil) ou se exprimam de qualquer outra mancira (0 Codigo Penal diz de um ‘modo caracteristico: «seré punido»), 0 que se quer significar sempre é que algo deve acontecer. ‘Mas que significa aqui o verbo «dever» (udever- sep» — «Sollen»)? O que significa o dever-ser de certa nisi tocar a ‘conduta (pois que outras acepgoes do dever-ser, que ‘ndo aquelas que se referem a conduta humana, nao hnos interessam senéo secundariamente)? De novo topamos aqui com uma dificil questao de Filosofia do Direito, uma questio mesmo de flosofia geral. Muitos fildsofos tém dito que sobre o dever-ser nada mais se ode afirmar: que ele & um conceito fundamental © tulimo que ja nao £ susceptivel de definigao, uma ‘ecategorian, um modo originirio do nosso pensamento, Foj este posto de vista defendido pelo perspicazfilosofo da morale da cultura, GEORG SIMMEL, entre ‘outros. «O dever-ser (das Sollen) ¢ uma categoria que, ¥ aditada ao significado real dumma representagio, deter ‘mina a sua importancia relativa para a praxis... Nao ha qualquer definicio do dever-ser... 0 dever-ser & um modo de pensamento como 0 futuro © o pretérito..» Outros acentuam que 0 dever-ser & a expressio de un querer. Neste sentido, esereve-se no conhecido dicio nnirio dos conceitos filosoficos de R. EISLER: «0 dever-ser ¢ 0 correlato de uma vontade, uma expresséo ddo.que ¢ exigido por uma vontade (prépria ou alheia), 0. ‘dever-set’ & um ‘diktat’ da vontade, Ele ¢ ditigido or uma vontade supra-ordenada a uma vontade.su- bordinada ..». Se nos lembrarmas que a expressio de uma. vontade’dirigida conduta de outrem se chama scimperativo», poderemos acompanhar EISLER quando diz; «O “tw deves’ tem cariecter imperativon, Sendo assim, podemos entdo afirmar que as regras juridicas, como regras de dever-ser dirigidas a uma conduta de foutrem, sao imperativos, Finalmente, podemos ainda tentar esclarecer 0 conceito de dever-ser através do sonceito de valor: uma conduta ¢ devida (deve ser) 38 sempre que a sua reslizacdo ¢ valorada positivamente & a sua omissao € valorada negativamente, Aqui ndo odemos aprofundar mais este assunto, ‘Retomemos agora a formula segundo a qual as regras juridicas s4o imperativos. Ela quer dizer que a5 regras juridicas exprimem uma vontade da comunidad juridica, do Estado ou do legistador. Esta dirige-se a iuma determinada conduta dos sibditos, exige esta con- dduta com vista a determinar a sua realizagao, Enquanto ‘05 imperativos juridicos estiverem’ em vigor, eles tém forga obrigatéria, Os deveres (obrigagdes) so, portan- to, 0 correlato dos imperatives. A partir dist foi elabo: rada uma «teoria» cuja tese afirma: © Direito é, em substancia, constituido por imperativos © 56 por impe- rativos, E esta teoria ¢ correcta quando a entendamos: ‘adequadamente e sem exageros. Em primeiro lugar, ela rio se refere naturalmente a cada uma das proposicoes ramaticais que se encontram num Cédigo. Nomeada- rmiente estas proposicdes, na generalidade dos 230s, por razdes de etéenica legislative», nao sao auténomas, So da combinacdo delas entre si resulta um sentido completo, Mais tarde haveremos de ver que nesta ‘combinagio se traduz uma boa parte da arte dos juristas. Para ji, limitemo-nos a um exemplo. Quando 0 '§53 do Codigo Penal e 0 §227 do Codigo Civil concordemente nos-apresentam uma’ «definiglo legab> de legitima defesa, a saber: «Legitima defesa € aquela defesa que é necesséria para afastar uma agressio ilicita fe actual de si ou de outrem», esta determinagao do conceito ndo tem um significado auténomo, pois s6 tem sentido em combinacdo com o ulterior esclarecimento dado pela lei de que a conduta exigida pela leptima o defesa no & «ilicitay © no ¢ «punivel». Mas também fste ultimo esclarecimento ndo ¢ autonomo, pois 56 pode compreender-se como limitagao de proibigdes e de Geclaragses de punibilidade: causar danos a outrem, ‘mati-lo, infligir-he lesdes corporais, exercer violencia sobre ele, etc., acgdes que em geral sio proibidas © puniveis, em caso de legitima defesa passam a ser Ticitas. A conhecida maxima: «O que néo ¢ proibido & permitido», pode também ser invertida: «O que ¢ ppermitido 80 é proibido»'”. Tanto as definigdes legals como as permiss0es so, pois, regras nio aulonomas, ‘Apenas t&m sentido em combinacdo com imperativos (que por elas sio esclarecidos ov limitados. E inversa: ‘mente, também estes imperativos 56 se tornam comple- tos quando Ihes acrescentamos os esclarecimentos que resultam das definicdes lezais e das delimitagdes do seu aleance, das permiss6es assim como de outras excep- ‘es. Os verdadeicos portadores do sentido da ordem juridica so as proibigses e as prescrigdes (comands) dirigidas aos destinatirios do Direito, enire 0s quais se ‘contam, de resto, os proprios érgios estaduais. Essas proibigdes e prescrigées so elaboradas e construidas a partir das proposigoes gramaticais cositidas no Cédigo. (© que acabamos de dizer vale tambem em relagao Aqielas denegagdes de eonsequéncias juridicas que n65 vimos terem lugar quando um negscio juridico viola a Iki ou ofende os bons costumes. Quando o Cédigo Civil deblara tais negdcios nulos e, consequentemente, hes recusa aptidio para criarem obrigagées, isto apenas significa que a ordem ou comando impondo aquela Drestagdo a que noutros casos os negécios juridicos (como, v. gf. um contrato de compra e venda, um 0 contrato de prestagio de servicas) obrigam, excepcio rnalmente no tem lugar. Por conseguinte, as prescrigses fu comandos que impoem a prestacio sio tambem limitados por estas regras sobre a nulidade dos negocios: jutiicos, De modo diferente, porém, se passam as coisas no que respeita a revogagdo expressa ou tacita de impera {ivos juridicos preexistentes. Assim, por exemplo, se a proibigéo do aborto fosse completamente revogada, como algumas vezes jé-tem sido reclamado, isto signi ficaria © desaparecimento de um imperative. Esta revogagdo ela mesma nao seria um imperativo nem, parte integrante dum imperativo. No imperativo a vontade do destinatirio do Direito é vinculada, a0 ppasso que na norma juridica revogatoria essa vontade € libertada. Se, porém, a regra proibitiva do aborto apenas € quebrada em relagao a certos casos, como. v. ef. na hipotese de interrupedo clinica da gravidez. para salvar vida ou a saide da grivida, entao de novo se trataré apenas de uma regra permissiva limitadora, nao- auténoma, que se deixa configurar como excepea0 4 ogra proibitiva do aborto, mantendo-se esta como regra eral. Todavia, a teoria imperativistica nao 6 forgada a abandonar a sua tese fundamental pelo facto de existi- rem normas juridicas revogatorias que no tém caracter| imperative, por isso que estas normas revogatorias apenas tém por fungdo dimiauir a soma total dos impe- rativos juridicos vigentes, sem acrescentar a0 préprio conjunto desses imperativos preceitos juridicos dum novo tipo. Através das normas revogatorias certas formas de conduta sao subtraidas ao dominio do juri a dico ¢ relegadas para 0 wespaco ajuridico». O que sub- iste pos esta operacao sto de novo e apenas impera- tivos. Ha ainds uma outra classe de normas juridicas a ‘que devemos prestar particular atengéo: as. normas arributivas, aquelas que conferem direitos subjectivos" Vamos portanto prolongar, mas de um novo angulo, certas consideragées que acima iniciimos sobre a telagdo entre 0 dircito e 0 dever. Exemplos classicos de atribuigses de direitos a0s individuos sao-no as garan- tias fundamentais de Direito consttucional, tais como aguelas que nds actualmente encontramos na primeira parte da Constiwicao (Lei Fundamental) de Bona, mas ‘si0-no ainda as determinagées do Direito Civil sobre a ropriedade, o seu contetdo e a sua protecgdo (§ §903 €:85., 985 ¢ ss., do Codigo Civil). A linguagem juridica corrente distingue entre Direito objectivo e direito sub- jective. O Direito objective ¢ a ordem juridica, 0 fconjunto das normas ou regras juridicas que nos ha ppouco concebemos como imperativos. O direito sub- jectivo € 0 poder ou legitimagio conferida pelo Direito (GBerechtigung). Mas se partirmos do ponto de vista de ue os direitos subjectivos se fundamentam em normas Juridicas atributivas (normas que atribuem esses dit (os), estas concessées ou atribuigses de direitos per- tencem 20 Direito objectivo, pois que sao regras juri- ddicas. Ora em que relagao se encontram estas normas, ‘com as regras juridicas de carécter imperative? Para responder a esia questo temos de analisar mais de perto a natureza do direito subjectivo. Antes de tudo, 08 direitos subjectivos so mais do que simples permissées Uma permissao, como por exemplo, a de causar danos 2 20 agressor na hipotese de legtima defesa, pode ser onsiderada como mera excepeso a8 varias proibigdes de lesar ou danificar outrem e, nesta medida, apenas terd um significado negative. A concessdo de um dircito subjective como o da propriedade significa, a0 conta Tio, algo positvo. Neste caso, reconhece-se ao titular do Aireito subjective uma esfera de poder, de modo a ser- ‘the possivel, dentro dela, acautelar os seus préprios intoresses. Por isso ¢ que no ja muitas vezes citado tratado de ENNECCERUS se esereve: «O direito sub- Jectivo é, sob 0 aspecto conceitual, um poder que 20 individuo € concedido pela ordem juridica e, pelo que respeita 4 sua Gnalidade, um meio para a sais de interesses humanos». ENNECCERUS coloca a «con cession de tais direitos subjectivos ao lado das prescrigées e das proibigdes do Direto. «Toda a regra Juries peveita (Completa) contém uma. prescrigao (om comand); muitas, porém, a mais disso, e mesmo fem primeira linha; contém uma concesston. «Bfectiva- mente, se 0 Direito consistsse apenas em prescigses fu eomandos, estes poderiam na verdade traduzirse em ‘vanagens para outrem (assim, v. gr, 0 preceito que ‘manda esparge as estridas em tempo de invemo ¢ ‘quando hi geo, tradyz-se em vantagem para os utentes das vias publicas; 0 preceto que ordena 0 cstabe- lecimento ‘de determinadas instituigdes destinadas a promover o bemestar geral, waduz-se em beneficios para o piblico — sao os chamados efeitos «refiexos»), mas nio podetia surgir para esse outrem, com base ‘apenas nessa prescrigio ou comando, um dirito « que cle (esse comando) seja observado; para tanto toma-se necessiria ainda uma concessio deste dircito a essa inna “a pessoa... A regra juridica que me atribui a propriedade fio se limita a estabelecer para os outros a proibigao de ime perturbarem 0 dominio da coisa, antes me confere ‘40 mesmo tempo esse dominio sobre a dita coisa, no sentido de que eu proprio posso exivir que mo perturberm». Ora este lado positivo do Direito parece levar por completo de vencida a teoria imperativista, Numa célebre critica desta teoria afirmou K. BIN- DING que, segundo ela, 0 direito subjectivo apenas seria «um buraco no cireulo das normas». A teoria imperativista apresenta-se como uma espécie de pessi- tismo filosofico-jurico. Se, de acordo com SCHO- PENHAUER, o clissico representante do pessimismo {losofico em geral, todo o prazer da terra consiste em rmanter afastado o desprazer, segundo a teoria impe rativista parece que tudo 0 que de positive o Direito concede apenas consiste no ndo estar vinculado por imperativos, no estar liberto da «penosa exigencia, do rigooso dever-ser (Sollen)». Assim como s6 nos aper pbemos da meramente negativa liberacao do des- prazer quando a perdemos, assim como s6 aprendemos 4 apreciar a frescura da juventude, a saude © a energia| ‘para o trabalho quando estas vo gradualmente desapa- fecendo, também sé damos conta da bencao que representa a concessio de direitos quando os impe rativos cada ver mais nos limitam a liberdade. Apenas s0b 0 jugo do Estado totalitario aprende o homem a apreciar de novo os perdidos direitos © liberdades fundamentais. Entretanto, a teoria imperativista, recta mente entendida, nao se deixa afastar por consideragses desta natureza. Ela de modo algum negara que o direito concede (atribui) algo, que produz resultados positivos “ c cria vantagens palpaveis. Os direitos subjectivos estao ai e sio alguma coisa de positive, Todavia, a reerida feoria imperativista mostra-nos que 0 Direito tio-so- mente alcanga este efeito positive atraves de uma tiva_instituigdo de imperativos. Assim, haja vista & propriedade, que pode considerar-se como protatipo de um direito subjectiva. A sua concessio> & ‘operada através dos seguintes meios, © apenas atraves deles: pelo facto de ser proibido a quem quer impedir 20 proprietirio © goz0 da coisa que Ihe pertence — furtandostha ou roubando-tha, recusando-the a sua pos se, perturbando-the o sew uso, etc. —; pelo facto de ser dordenado aquele que, sem um particular titulo juridico, esti na posse duma coisa alheia, que a restitua ao seu proprietirio; e, sobretudo, pelo facto de ser ordenado as, auloridades judiciarias que, a requerimento do proprie: tirio, itervenham no sentido de obterem a efectivagio ). Tas pts lps, como jt ‘efor possbtiam-aot modesto das. nossas veges awd‘ acodo com nossa vontade. Ess Tee poral a sautonomin privadane permitem-0s Mar doe imperavos ioe dumm manera tal qv seriou a dwidar do seh cardler eateorco. O s7 sentido destes imperativos parece ser, com efeito, o de ‘ue, se queremos aleangar determinados fins (no exer: plo: a informagéo sobre uma oportunidade de celebrar tum contrato), nos temos de obrigar a uma contrapresta- ‘cdo através das correspondentes wdeclaragées de vont: de». Todavia, importa considerar que a obrigagao; fundada em itimo termo na declaragao de vontade, cla mesma caracter imperativo: «quod initio est volun- taris, posterea fit necessitatis» (GROCIO), Mas ha algo que precisamos pér em destaque antes de prosseguirmos na nossa indagacao: ¢ que tanto a hipotese legal como a estatuigdo (consequéncia juridica) ‘sto, enquanto elementos da regra juridica, representa- ddas_ por conceitos abstractos. Assim como os jui20s hipoteticos no sentido légico sto constituidos por con- cxitos, de igual modo o sio a protase e a apédose de um imperativo juridico condicional. Por isso, @ «hipotese legal» e a «consequéncia juridica» (estatuigao), como elementos constitutivos da regra juridica, ndo devem ser ‘confundidas com a conereta situaggo da vida e com a ‘consequéncia juridica concreta, tal como esta ¢ proferi- da ou ditada com base naquela regra. Para maior clareza cchamamos por isso wsituagdo de facto» ou «conereta situagio da vida» hiptese legal concretizada. Infe- lizmente, porém, nao existe qualquer designagdo para a consequéncia juridica conereta. Nao obstante, © nosso ‘Codigo Penal esforga-se por exprimir a distingdo entre a consequénciajuridica abstracta a concreta, designat ddo.a pena estatuida na lei em forma abstracta como ‘«cominagio penal (ou pena cominada) ¢ a pena conereta, ito ¢, a pena «medida» ou fixada para o caso ‘eonereto, como «pena aplicada (vejam-se, por exem- 58 plo,o § 52, por um lado, e 0 § 53 pelo outro, ambos do ‘Codigo Penal). Aquela «cominagdo penal» (pena comi- nada) € muitas vezes indeterminada. Assim, p. ex. a ‘pena de multa» é frequentemente cominada sem indicagdes precisas sobre o seu montante, se bem que, segundo certos preceitos da Parte Geral (cir. §§40 e s do Codigo Penal), existam limites minimos e limites maximos. A pena caplicaday é em principio, ao contra tio, exactamente determinada (ela €, p. ex., multa cor- respondente a 20 dias, cujo montante o tribunal «de- termina). Temos uma excepsao a isto no direito da de- linguéncia juvenil, onde existe a possibilidade de uma ‘duragdo indeterminada, embora dentro de certs limits. ‘Ora, se tivermos em mente esta distingio do abstracto e do conereto, toparemos ainda com um dis~ ‘cutiissimo problema que ndo quero passar aqui em cla~ 0, por isso que ¢ rico de ensinamentos sobre a cespecificidade do pensamento juridico. Refiro-me i ‘questéo de saber qual a relagdo em que se encontram entre sia hipétese legal e a consequéncia juridica. Até ‘aqui limitamo-nos a caracterizar esta relagio como relagio de condicionalidade: @ hipstese legal, como elemento constitutive abstracto da regra juridica, define cconceitualmente of pressupostos sob os quais a estatul ‘edo da consequéncia juridica intervem, a consequé juridica é desencadeada, Nada se opée a que conce- ‘bamos esta relagdo também como pura e simples predicagao, tal como frequentemente 0 faz 0 proprio legislador. Na verdade, em vez de dizer: «se alguém intencional ou negligentemente lesa a vida, a integri- dade fisica, a saude.., fica obrigado a reparar os prejuizos que dai resultem», diz antes: «Quem inten- so ional ou negligentemente lesa... fia obrigado a repa- rar 05 prejuizos que dat resultem. Por conseguinte, € logicamente indiferente dizer que, sob as condigdes (pressupostos) formuladas na hipotese legal vale (inter: yém) a consequéncia juridica, ou dizer que para a hipotese legal vale a consequéncia juridica, Todavia, a primeira formulacio exprime mais claramente 0 ca ricter condicional dos imperativos juridicos, a0 qual ‘nds atribuimos um certo relevo. Mas, para efeito de configurar com maior plasticidade o cardcter especifico do pensamento juridico, também ja se tem apresentado aquela relacéo de condicionalidade como uma forma prticular de causalidade do juridieo.Foi 0 que fea, ja no século passado, ZITELMANN, na sua importante ‘obra «lrrtum und Rechtsgeschafo», de 1879 (pp. 214 € ‘65: entre a hipdtese legal e a consequéncia juridica existe «um especifico, vinculo de necessidade, eriado ‘polo legislador, que nds nao podemos coneeber doutra Jmaneira sendo por analogia com a causalidade natural» (. 216). Trata-se aqui de uma «causalidade propria do _juriico, eriada pelos homens inteiramente por analogia “tori a causalidade natural» (p. 221), O legislador institu entre a hipstese legal e a consequéncia juridica | =quer dizer, 0 estar-obrigado de uma pessoa —, uma onexao causal cuja existencia ele mesmo determina De entre os eminentes juristas contemporineos, A. VON TUHR seguiu as pisadas de ZITELMANN. Es “ereve: «O mundo juridiéo esta submetido, tal como os __processos da realidade exterior, a0 principio da razio “iliciente. Entre a hipotese legal e 2 consequéncia urea existe uma eausalidade baseada, néo na ordem _-danatureza, mas na vontade da lei, que, como a causa oo ery 6 lidade dos fenémenos da natureza, se fundamenta em titimo termo na estrutura do pensamento humano. Uma, ‘modifieagao no mundo do Direito somente surge (acon- tece) quando se verifcou a sitwagdo deserta na hipotese legal para tanto necessiria; ela desencadeia-se sempre que a situagao descrita na hipétese legal se apresenta, com uma necessidade inarredavel, por assim dizer ‘automiaticamente, e isto no preciso momento em que a situagao descrita na hipétese legal se completa: entre a ‘causa juridica e o efeito ndo medeia, tal como na natu- rezafisica, qualquer espago de tempo mensuravel». «A causalidade juridica (a circunstancia de um facto ar- rastar consigo efeitos de Direito) baseia-se na determi inagio da lei e, por isso, pode ser livremente modelada, por ela: 0 Direito pode coligar a quaisquer factos ‘quaisquer consequéncias juridicas». esta ideia de uma causalidade jurdica extraem-se também consequéncias priticas, por exemplo: que uma. consequéncia juridica nao pode produzirse duas vezes fu ser duas vezes anulada. Nao ha efeitos duplos» no Direito. Se alguem, por exemplo, se toma proprietirio ‘com base num negécio juridico, nfo pode tornar-se uma vex mais proprictario com base numa outra hipétese ‘egal, v. gr., numa usueapiio. Ou entio, se um negocio juriieo ja € nulo com base em certa hipétese legal, n80 pode ser declarado mulo uma vez mais com base noutra hipotese legal, por exemplo, com base no dolo. Neste sentido diz VON TUHR que «um direto, uma vez cconstituido, nao pode voltar a constitir-se, © um direito ‘que ainda se no constituiu ou se extinguiu nao pode ser ‘anulado». Suponhamos por exemplo que, num processo fem que se discute a validade de um contrato de compra fe venda, uma das partes, que quer ficar desligada do) ontrato, alega primeiramente que tal contrato ofende fs bons costumes e ¢, por isso, nulo, Pode entio ‘mesma parte, no caso de encontrar dificuldades de pro- va, alegar, além disso, que o contrato foi concluido por dolo, pelo que ataca a sua validade e requer a sua anu- lagdo com este fundamento? Segundo © ponto de vista de VON TUHR isso nao ¢ possivel, pois € contrario & scausalidade juridica». Um diteito nao constituido nto pode ser anulado através duma acgao de anulagao, ‘Contra a teoria da existéncia duma conexio juri- dico-causal entre a situacao deserita na hipotese legal ¢ ‘8 consequéncia juridica, tem-se repetidas vezes objec- tado que cla confunde uma conexdo ldgica com uma conexio causal. Com grande perspicacia declara, por exemplo, BINDER que ¢ «pura insensatez os juristas falarem de ‘efeito (—eficiéncia) juridico'». Tratar-se-ia de simples linguagem figurative — pois que a conse- ‘quencia jurdica nao poderia ser concebida, como todo feito genuine, como «modifieagso dum estado de coisas», ela ndo teria qualquer «realidade (efectividade) objectiva, quer no mundo fisico quer no mundo psiqui- 20». A consequéncia juridica em nada mais consistria endo «numa conexao logica da situagao de facto (des- ‘rita na hipdtese legal) com a regra juridica na sua refe- | féncia normativay. Todavia, nio é com esta facilidade [toda que se consegue afastar a concep¢ao causalist ‘Pelo caminho seguido por BINDER parece que nao | Chegamos a0 problema propriamente dito. Quando um jie wrofere a regra juridica» uma factualidade concreta | © revista na hipotese legal, uma situagdo da vida, portan F toy quer dizer, quando ele a «subsume» & hipotese

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