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M. D I A"S COE LHO

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O QUE FALTA PAR A A .; · ·.

EXPOSIÇÃO DA MENSAGEM
DE FÁTIMA, SEU CONTEÚDO
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Nada tem contra o Dogma ,

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nem contra a Moral .
11: uma crítica inteligente e séria
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il mensagem de Fátima.
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PI Gua.1,cta, 19 de Mar<,o d e 1959


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D ·r . Me,ndeis- do Carnio

lrwprim.atwr.
Guarda, 26 de Março de 1959

t DomÃng08, Bispo da GuMda


M. DIAS COELHO

O QUE FALTA PARA A


CON~ERSÃO DA RÚSSIA
EXPOSIÇ ÃO DA MENSAGIDM
DE FATLMA, SEU OONTiEODO
E I\MJPORTANOIA, SUAS
PROF1ECIAS E iPROMESSAS.

FUNDÃO, 1959
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RESEBVADOS TODOS OS DIREITOS


Este livro pretende ser um estudo ob-
fectivo e sério do que N ossa Senhora d e
Fátima d isse aos paslorinhos d e Aljustrel
e, através deles, a tod os nós.
Muitas são já as publicações do género.
A quase todas porém, falta ou o Cfl.ídado
da investigação, ou a análise imparcial do
raciocínio e da T eologia. Foi por isso que
se defenderam e continuam a defender au- .
tênticos absurdos, como por exemplo, que
o Anfo atribuira m éritos infinitos ao Cora-
ção Imaculado de Maria, ou que Nossa Se-
nhora qfinnara que a Grande Guerra termi--
nava em 13 ele Outubro de 1917. Baseado
neste Sttposto, houve até quem tentasse de-
monstrar que, d e facto, a guerra acabara
nesse m esmo dia, ou, pelo m enos, q11e ni11'-·
g11ém poderia provai· o contrário! .. . Aq11i, ·
também o m otivo das alterações que por
uns e ol/.tros foram introduzidas nas fór-
mulas de oração que Fátima ensinoll, como
se nelas hou vesse heresias, ou inexactidões
de linguagem .
NãQ n egamos, nem pomos em dúvida a
boa e recta intençiío qti,e presidiu a todos
estes disparates; queremos apenas mostrar
que Fátima não precisa d eles. O que vai
seguir-se é, por isso mesmo, uma exp osição
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p desassombrada e franca da maior mensagem
que N ossa Senhora fá comunicou ao Mundo.
V er-se-á que, desta maneira, longe de se
dim inuir, só se esclarece e engrandece a
revelação da Cova da Iria. Mais ainda: só
assim, se pode ver toda. a pro;ecção qu.e ela
tem e continuará a ter, na vida da l gre/a.
Aos olhos dum leigo, o livro parecerá
por ventura desarticulado, na sucessão dos
capítulos e assuntos que apresenta. Mas a
verda.de é que tem princípio, m eio e fim.
Começamos por expor o que é a m en-
sagem de Fátima, ott por outras palavras,
o que N assa Senhora quer de cada um d e
nós. Para isto, não é preciso grande inves-
tigação. Os pastorinhos e o povo devoto,
ainda que ignorante e rude, compreende-
ram e viveram, logo de início, por intuição
própria, o que o Céu lhes pedia. Nem a
mensagem de Fátima seria uma mensagem
do nosso tempo, se não pudesse ser apreen-
dida e saboreada por todos.
Veremos a seguir, o valor crítico dos de-
poimentos dos intermediários - da Virgem,
não só para combater~certos desvios, ba-
seados em erros, neles contidos, como tam-
bém e sobretudo, para documentar os ca-
pítulos su'llsequentes. Aproveitando o ensejo,
tentaremos restituir à sua forma virginal e
primitiva, as quatro orações que Fátima e n-
si1101i.
Toda a atenção do leitor se concentra
agora 110 pedido mais importante da Vir-
gem, qr.ie, para desgraça nossa, continua a
ser i1m dos mais esquecidos. Não se pou-
param argumentos, nem , citações, m esmo
com pre;uizo do estilo, para vincar bem
este ponto, a nosso ver, de importdncia
suma.
Finalme nte, estudaremos as promessas
da Virgem, sobretudo aquela que maior
projecção tem dado à causa de Fátima. Ve-
remos ·então «o que falta para a conversão
da Rússia». Este último capítulo, que dell
o nome ao livro, é rigorosamente, uma re-
Sllltante de todos os outros.
R esta-nos fazer votos para que o nosso
modesto trabalho contribua para a gl6ria
de Nossa Senhora de Fátima. Ela sabe bem
que foi esse o único fim que tivemos em
vista e que essa é também a maior recom-
pensa que para n6s desejamos.

M. D1AS COELHO
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A MENSAGEM DE FATIMA
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Não falta quem ataque ou diminua as revela-
ções privadas, sob o pretexto de que elas nada de
novo trazem, nem podem trazer, ao depósito da
Revelação. Outros, numa atitude aparentemente
mais benigna, desprezam-nas, alegando que só a
Grande Revelação merece confiança e que ela é
suficiente para orientar e enriquecer a vida cristã.
Apesar de insensatas, estas opiniões não são
heréticas, mas podem considerar-se perigosas.
Baseiam-se com efeito num erro crassíssimo, ou
po·r outra, em dois grandes erros - um, a negação
da presença esclarecedora e doutrinadora do Espí-
rito Santo, na Igreja, em todas as etapas da sua
história; outro, a afirmação de que a Bíblia con-
tém a revelação formal e explícita de todas as
verdades divinas.
O Espírito Santo ~ão assistiu à Igreja apenas
no início, enquanto se compuseram os livros sagra-
dos. Assiste-lhe sempre até ao fim dos séculos,
como a própria Escritura ensina. E esta assistên-
cia não é meramente de ordem negativa - para
impedir o erro; é também de ordem positiva, para
esclarecer, definir e estimular o conhecimento -de
12 A MENSAGEJM DE F AT IMA

cer t as verdades que, dout r o m odo, con tinuar iam


b '
s em estado embrioná rio.
É cer to que a Bíbli a contém todas as verdades
r eveladas. Mas m uit as delas encon Lr am-se lá ape-
n as em síntese, tal como a á rvore se encont r a n a
semen te. É uma revelação virt ual que, aten ta a
natureza h umana, seria só por si, incapaz de ilu-
e
o m inai· a in teligência dos fié is.
e Quem s upr e esta falta?
V
n A assistên cia perene do E spíl'ito Santo que
i:
preside a toda a Igreja.
Não é a penas o P apa quando fa la ex ca,thedra,
não são apen as os Bispos r eunidos em Concílio, é
toda a Igreja docen te e discen te que é animada,
dir ig ida e escla recida pelo Paráclito ( 1 ) .
Ele é o E s pírito donde pr ocede todo o m ovi-
mento e tod a a acção. Ele é o Príncipio e o Fim
ele t udo o que é b om . Ele é a luz que ilumina e
inflama, de m il mod os e maneir as, os chefes e os
súbditos, os g r andes e os pequenos, os dir igen tes
e os dirigidos, os sábios e os ignoran tes. Todos
dele participam, embora em grau d iferen te e para
fins diversos: a Hierar quia para com andar ; os
fiéis para obedecer e, às vezes, p a r a s ugerir.
As revelações privadas são o maior argumento
a favor desta verdade. Elas mostr am bem como
é verdadeira e fecunda a r>resença do Espírit o
dentro da Igrej a. As grandes de voções do Cri§-

( •) - Esta f o1 a t ese que o Eminentíssimo Cardeal


Tisserant apresentou no encerramento do Congresso de
Lurdes, em 15 de Set. de 1958.
A OONVERSAO DA RúSSIA i::;

t inaismo donde nasceram, senão das revelações


privadas?
Donde veio o Rosário ? Donde, a festa e a devo-
ção ao Cor ação de J esus, donde a consagração ao
Imaculado Coração de Maria? Qual a origem do
escapulá rio, da medalha milagrosa, da solenidade
do Corpus Christi?
É certo que todas estas devoções têm as suas
bases escri tu rísticas, mas não fossem as aparições
e os ped idos expressos da Mãe de Deus, ou de seu
Divino Filho, e elas não só não se tornariam popu-
la res, como nem sequer teriam nascido.
Ninguém diga ta mbém que se trata de facto- _
r es inúteis ou insignificantes. T oda a gente sabe
o papel importantíssimo que o terço desempenhou
na história d a Igrej a, sobretudo em momentos
particularmente difíceis, como foi a heresia dos
albigenses e a guerra de Lepanto. Quanto às
outras devoções, a História, os devocionários e a
experiência própria de cada um de nós, está cheia '1
.'
experiência própria de cada um de nós, estão :
cheios de testemunhos a mostl'"ar o seu extraordi-
nário poder de intercessão junto de Deus.

A FÊ NAS REVELAÇÕES PRIVADAS

Falamos apenas das revelações privadas que


a Igreja aprovou e reconheceu, como dignas de
crédito.
Não somos obrigados a acreditá-las com fé
divina, nem mesmo com fé eclesiástica. Podemos
portanto negá-las aberta ou veladamente, sem
perigo de heresia. Se'l'á po1;ém sensata e prudente
p:
14 A MIDN·& A.GIDM DE F Ã TLMA

uma tal atitude? Ou por ou tras palavras, qual a


b
s· confiança que uma revelação privada nos mer ece?
e
D
T oda a gente vê que embora a fé exig ida não
d .;. sej a eclesiástica, não pode ser também puramente
q hu mana, como é a fé prestada a uma notícia dos
t,
d jorn ais, ou a qualquer p essoa que connosco, t r ata.
A Igreja só apr ova as r evelações privadas,
e
o
depois dum estudo ex austivo, capaz de dissipar
e toda a dúvida pruden te. Este facto por ém não
V
n
exigia de nós, mais que uma fé h umana, uma vez
F r; que o dito estudo é feito com elementos e dados
1
necessàriamente h umanos.
Além desse estudo, porém, a Igreja r ecorre à
or ação - oração do próprio bispo que julga a
ca usa e, or ação dos fiéis a quem a intenção se
recomenda . E recorre sobretudo à graça do E spí-
rito Santo cuj a unção d ivina penetra e fecunda
tudo quan to ela ensina ou faz. Quer d izer , numa
aprovação ep iscopal, n ão fica apenas comprome-
tida a competência h umana dum homem, mas
também a autoridade e a competência eclesiástica
d um bispo.
É por isso que a fé a prestar a uma aparição
devidamente reconhecida, pela I gr eja, nã o deve
ser simplesmente humana. Alg uns autores cha-
mam-lhe eclesial, para a distinguir da eclesiãstica
em que se empenha não apenas a autoridade dum
bispo, mas a de toda a Igreja.
Negar a realidade duma intervenção sobrena.- - ~
tural que a Hierarquia reconhece é, por isso, pelo 1

menos, uma atitude temerária e perigosa.


No caso de Fátima, o problema adquh·e uma
amplitude maior e mais grave._ Não é apenas o
A CONY.EP..SAO DA RúSSJA 15

testemunho d um bispo que está em causa. De tal


maneira F á tima se impôs à Igreja, que é já hoje
mult idão, o númer o de dignitários eclesiásticos que
sobre ela se pronunciaram. Seria impossível reco-
lher num só volume, por maior que fosse, todos os
depoimen tos orais ou escritos que a Hierarquia
prestou ao caso de Fátima.
Não são apenas os bispos e os cardeais de Por-
t ugal. São os de toda a. cristandade, com os Sumos
P on tífices à frente, desde Bento XV, a João
X XIII.
Depois de tantos documentos episcopais e pon-
~ifícios, alocuções, pastorais, cartas, etc., acerca
<las aparições da Cova da Iria, pode d izer-se que
negar a realidade de Fátima quase equivale a
negar o magistério ordinário da Igreja.
Se quisermos ser exactos, deveremos dizer que
no fundo desta atitude de menosprezo pelas reve-
lações privadas, há um pedacinho de espírito pro-
testante. Não porque se atribui à Bíblia, uma im-
portância demasiada, mas porque se limita a Pala-
vra de Deus. Fechando a porta às intervenções do
Espírito Santo, através do magistério perene da
Igreja, r eduz-se a E scritura a um monumento do
passado, m onumento grandioso, é certo, mas que
não passará dum testemunho estático, duma espé-
cie de mausoléu. Ora a Bíblia é muito mais do que
isso. É a Palavra de Deus, Palavra, sempre actual
e sempre viva, Palavra de ontem, de hoje e de
sempre, que, mercê da presença do Espírito Santo,
se vai constantemente desdobrando em novos e
cada vez mais profundos ensinamentos.
Não se trata evidentemente dum aumento
16 A M®NSAGEM DE FATIMA

b · objectivo de verdades, mas apenas dum aumento


s subjectivo. Ou por outra, duma maior conscien-
e
e cialização da Palavra Divina . O que só :virtual-
d ,. mente estava reve,Iado, passa a tornar-se sensível,
q
t, a merecer maior atenção da nossa parte, tal como
d as imagens que uma criança recebe na primeira
idade, sem de forma alguma as entender, se to1·-
e
o nam progressivamente inteligíveis, com o desen-
e volvimento psíquico que acompanha o r odar elos
V
n . anos.
F E por isso que negar as aparições canonica-
mente - reconhecidas, equi vale a negar, ou pelo
menos, a restring ir a presença inefável e luminosa
do Espírito de Deus na Santa Igreja e, o que n ão
será menos grave, a mutilar, ou a dificultar a
acção do mesmo E spíri to, dentr o de nós pr óprios.

ESTA PALAVRA «MENSAGEM »

Por querer, ou sem querer, já várias vezes se


tentou diminuir o valor da revelação da Cova da
Iria, por causa desta palavr a, MENSAGEM.
O caso parece anedótico, mas realmente não o
é. Quando se fala de La Salette, Lourdes, Pont-
main, Banneaux, Beauraing, etc., o facto da apari-
ção, considerada em si mesma, parece ser tudo -
õ resto, o diálogo entre a Virgem e os videntes
assume uma importância, a bem dizer, secundá-
ria. Esse é o motivo por que tanta_s vezes se men-
ciona ·o nome daquele santuário, sem acrescentar
mais nada. Á Mãe de . Deus manifestou-se ao _ ~

Munqo e essa manifestação constitui, já de· si, um


testemunho da existência, do poder e da extensão
A CONV®RSA0 DA RúSSiEA 17

extra-celeste do Sobrenatural. Nisto se condensa


uma grande parte da revelação feita naqueles
santuários.
Foi talvez por isso que em várias aparições, a
Visão se manteve silenciosa e estática. Nem ges-
tos, nem palavras. A sua pre~ença na Terra era
tudo o que interessava.
Que diferente porém foi a atitude do Céu, na
Cova da Iria! Também ali houve a presença do
Sobrenatural, várias vezes e de vários modos
expressa; mas houve além disso a palavra - pala-
vra tão grande em extensão e em pro.fundidade,
que só quem não conheça o que Nossa Senhora
disse e sugeriu na Cova da Iria, hesitará em cha-
mar às aparições de Fátima, a maior revelação
da história da Igreja, depois dos tempos evangé-
licos.
A maior riqueza de Fátima está portanto na,.
quilo que a Mãe de Deus disse - ou por outras
palavras - na sua mensagem.
Não será porém UlJl abuso fala.r -se de men.sar-
getm, a respeito de Fátima?
É aqui que têm naufragado vários teólogos
sobretudo do estrangeiro. Partindo do ·princípio
que mensagem significa novidade, como não há,
nem pode haver novidades substanciais em Fá-
tima, nem em qualquer outra aparição - S. Paulo
frisou bem este pon:to - concluem que em Fátima
nã_o há nenhuma mensagem .e que só por abuso, ou
ignorância, se poderá falar em mensage:m de· Fá-
- tim(IJ.
Nada mais falso.
Ainda que o vocábulo me,nsage:m significasse
2
18 A MENSAGEM DE FATl'MA
-~
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rigorosamente coisa, nova, ainda. assim, havia m~
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s
.,1 '1. ~t tivo para se falar da 11ie:nsagem1, de F áti11ia,.
Há com efeito, duas espécies de novid ade -
I}
d ·, novidade de ideias e novidade de exposição, ou ex-
q -. f•
t. p ressão, das mesmas ideias. A primeira r efer e-se
d t a coisas novas, a conéeitos que antes se desconhe-
ciam - esta foi a mensagem d~ Cristo, quando
e
o
falou da Santíssima Trindade, da filiação divina
e do género humano, etc. coisas que o mundo igno-
V
n .. -- l rava. A seg unda r efer e-se à maneira de exprimir
coisas ou concei tos já de s i velhos, m as insuficien-
temente apreciados, ou de certo m odo esquecid~s.
Este é o caso de Fát ima. Toda a gente sabe que
o inferno é uma verdade do Evangelho. Contudo,
no ,.,t empo das aparições, quantos não esqueciam
esse dogma ? Quantos pregadores se ocupavam
dele ? Quantos filósofos. o não negavam aberta-
mente e quantos escritores, numa atitude de en-
cantadora libera lidade e n ão men os infan t il inge-
nuidade, tentavam diminuir a dureza e a duração
d as suas penas ?
Fátima veio rectificar a doutrina e repor o ·
dogma no seu lugar próprio e escriturístico. Mas
há novidades maiores na Cova da Iria. No E van-
gelho fa.la--se do Cor ~ção d a Mãe de Deus. Nunca
nenhum teólogo porém sonhou que seria tão im-
portante a consagração ao mesmo Coração lina-
culado dum país oficialmente ateu, como é a Rús- .
sia. Nunca_ ninguém supôs qÚe Nossa Senhora
tivesse tantos e tais direitos à reparação que pediu .
aos pastorinhos, pelos pecados cometidos contra ·
o Seu Filho. Isto foi de certo modo uma nooidade..
A doutrina estava na _B íblia, mas só em botão.
A CONV,IDRSAO DA R'OSSI.TA 19

Fátima fê-la desabrochar. Trouxe-lhe mais luz,


mais força, mais amplitude.
Se não fosse F átima, ainda hoje continuaría-
mos a duvidar, não só se Nossa Senhora teria di-
reito à consagração da Rússia, como até se esse
país lhe podia ser oficialmente consagrado.
Mas aind a que Fátima não apresentasse ne-
nhuma novidcuw deste ou doutro género, ainda
assim teríamos r azão para falar da mtmsag<mi de
Fátima.

O QUE r, UMA MENSAGEM?

Sempre tivemos como certo que o significado


ela palavra ~mensagem» não tinha nada que ver
com a ideia de novidade. Foi por isso uma grande
supresa para nós ouvir certo tólogo francês,
afirmar que em Fátima não havia nenhuma men-
sagem, simplesmente porque não havia lá, nada
de novo.
Desde os pequenos dicionários de algibeira, às
grandes enciclopédias, percorremos todos os livros
de que pudemos lançar mão, para resolver esta
dúvida. Em parte nenhuma encontrámos o con-
ceito que o nosso adversário, tão eloquentemente,
apregoava.
Não contente com os livros nacionais, avançá-
mos pelos das línguas estrangeiras, mais aparen-
tadas com a nossa. Verificámos num bom dicioná-
rio espanhol, o significado ele mtmsaje; no La-
rousse, o conteúdo de messa,ge; no Oxford Dictio-
nary, a sua correspondente e homógrafa em inglês,
messaue; e num grande léxico italiano, o que a
20 A MENSAGEM: DE FATJ.M.A

b palavr a messaggio queria dizer. Todos estes vocá-


s bulos eram r igorosamente sinónimos. Todos t r a-
e
D duziam a mesma ideia da mensageJJn portuguesa:
d comunicação escrita ou oral, duma, a outra pessoa.
q ; I'
t, Afinal nem era precisa tanta investigação.
d Bastava atender à or igem do vocábulo para se ver,
e
com cla r eza meridiana, qual a .ideia p r ópria de
o !, mensagemi, ou as suas congéneres, 1nensaje, (esp.)
e message, (fr.) me,ssage, ( ing.) e messagio, (it.).
V
Todas vêm remotamente do verbo latino rnitto,
atr avés da derivada missaticum que se fo rmou no
baixo latim, já depois dos tempos apostólicos. Da-
qui o motivo - diga-se, de passagem - por qne
missaticum não aparece na Vulgata, onde o seu
conteúdo vem expresso pelo sinónimo nuntius.
Mitto significa enviar, comunicar. E sse é por-
tanto o s ignificado fundamental de todas as s uas
de rivadas. Etim ológicamente, m ensagem é pois
uma coisa que se comunica, ou envia. N em outra
foi a acepção que •a palavra adquiriu no r od ar dos
anos. H á mensagens telegr áficas, telefónicas, ra-
diofónicas, de r adar, etc., confor me o meio de co-
municação. H á m ensagens escrit as e or a is, con-
forme são transmitid as por documentos escritos,
ou de viv-a voz. Há-as dir ecta, ou indirectamente
comunicadas, consoante se us a, ou nã o, um inter-
mediá rio, a que se chama mensageiro.
Estas variações porém são absolutamente aci-
dentais. A ideia de coisa envi•a da, ou comunicada
mantém-se em todas. Este é o elemento essencial
e característico do vocábulo mensa,gem.
Se assim é, poderá dizer-se que não houve em
Fátima nenhuma mensagem?
A CONVERSÃO DA RúSS>I•A 21

Claro que não. Só não havia mensagem, se não


h ou vesse comunicação alguma entre a Visão e os
videntes. Mas só quem ignora em absoluto, a his-
tória das aparições, só quem nunca foi a Fátima,
poderá desconhecer o que o Céu ali ensinou e con-
t in ua a ens inar a todos os peregrinos da Cova da
fri a.
Se m ensagem é r ealmente sinónimo de co11iu-
1
nicação, com o a et imologia e o uso indicam, deverá
mesmo dizer-se que, depois cios tempos apostóli- 1
cos, nunca houve na história da Igrej a, mensagem
tão g rnnde, como a de Fátima. Tão grande em
extensão, pelo númer o de coisas, implícita ou
ex plícitament e, r eferidas e tão gr ande em profun-
didade. Os próprios teólogos ficaram embaraçados
com cer tas afirmações do Anjo e de Nossa Se-
nhora que, parecendo ,a princípio, menos ortodoxas,
se r evelaram depois, nã o só per feitamente con-
sentâneas com o dogma, mas ainda extraoTdinà-
riamente fecundas em luzes e ensinamentos de
vária ordem.
Atentas todas as suas dimensões, pode dizer-se
sem exagero algum, que a mensagem de Fátima é
um poço sem fundo, um tesouro sem preço, um
caminho, sem fim. Quanto mais se avança, mais
riqueza se descobre; quanto mais se estuda, mais
(mistéi.fios nos a t raem; quanto mais se estima,
mais apaixonadamente nos arrasta.
Prova eloquente do carinho materno de Maria,
,a me,n sagem da Serra de Aire é ainda expressão
do amor sem limites que Deus, gratuitamente, con-
sagra a este pobre e desvairado mundo do sé- ..
culo-XX.
22 A MENSAGEM DE FATIMA

Q UE ENTENDE MOS POR «MENSAGEM DE FÁTIM~?

Em sentido lato, mensage1n M Fátima com-


preende t udo quanto o Céu disse, ou s uge ri u aos
pastorin.hos da Cova da Iri-a, quer por meio de
palavras, factos, sin ais, ou símbolos, quer por
meio de luzes, inspirações, ou r evelações dir ecta-
mente produzidas no seu espírito.
Numa revelação tão demorada e extensa como
esta., só com um trabalho enor me se poderão cata-
logar todos os ensinamentos que o Céu implícita
ou explicitamente ali manifestou. Esse trabalho
está por fazer e será tarefa suficiente para
ocupar, não apenas um homem, mas toda uma
equipa. de investigadores e teólogos.
F elizmente porém, o inventário completo duma
aparição destinada ao povo, n ão tem grande im-
portância prática, já porque a parte essencial da
mensagem celeste está contida apenas nalg umas
palavras ou factos , já porque a própria Providên-
cia generosamente se encarrega de a fazer chegar
aos respectivos destinatários.
No caso de Fátima, o problema é um pedaci-
nho mais complicado, não só por causa do número
e, da extensã.o das r evelações que o Céu fez, como
ainda em virtuâe das múltiplas interpretações a
que elas têm sido submetidas, durante as últimas
décadas.
Pareceu-nos por isso, de toda a conveniência,
um estudo objectivo da mensagem de Fátima, a
fim de descobrir a parte essencial, aquilo que
poderá considerar-se o coração, o- centro, Q fim
das aparições.
A CONVIER.SÃO DA RO-SSIA 23

Em todas as manifestações do Sobrenatural,


há elemen tos essenciais e elementos acidentais.
Em geral, são s ubsidiários uns dos outros. Os pri-
meiros explicam a razão de ser dos segundos e
estes, por sua vez, ajudam a compreender melhor
a importância dos primeiros. Isto é particular-
mente verdadeiro no caso de Fátima, como adiante
se verá.
Se é impor tante saber t udo o que o Céu ensi-
nou, mais importante é ainda conhecer a hierar-
quia dos valores de cada parte ou pormenor da
r evelação, não só par a impedir que o secundário
ocupe o lugar do que é pr imário, como ainda para
dar a este, o lugar e o relevo que lhe compete no
plano divino.
A f é pouco esclarecida de certos fiéis que visi-
t am as nossas igrejas, leva-os a aj oelhar em frente
de t odas as imagens, antes de prestarem a rrúnima
atenção, ao Santíssimo Sacramento. Trata-se
duma adulteração do culto que só a igno,r ância
. crassa pode explicar. Mutati,s mutandlis, acontece
o mesmo acerca de Fátima. Muitas peregrinações,
muitas festas, muitas flores, muitos cânticos, mui-
tas devoçõezinhas, como se isso tivesse algum
valor, sem o principal - o cumprimento exacto e
generoso da mensagem que a Senhora nos trouxe.
O estudo presente terá por isso como tema, a
verdadeira mensagem de Fátima. Estudaremos à
base dos documentoo e dos testemwmos da histó-
ria e da Igreja, o que Nossa Senhora realmente
pediu a todos e a cada um de nós.
Para evitar confusões porém, restringiremos
neste capítulo, o significado da expressão mem.sa-
24 A M ENSAG EM DE F.A'IliiMA

b
g eni d.e Fáti11ia, à essência da r evelação que o Céu
s fez na Cova da Iria . Assim considerada, a men sa-
e '•
D
gem de F átima aparece-nos conden sada, r esumida,
d .,. . no seu elemento mais importan te e m ais p uro,
q '
t,
' naquilo a que em rigor, se p oderá cham a r a quin-
d ' tessên cia das apru.·ições e que foi também o fim
n ã o só das visitas de Nossa Senhora, à Serra de
e
o Aire, como o escopo de tudo o que ali revelou.
< Nesta acepção, m ensagem de Fátima s ignifica
aquele en sin amen to ou pedido da Vi rgem que, em
s i, con tém virtua lmente todos os outros e sem o
qual, de fo rma alg uma se poder á r esponder aos
materna is convi tes da Celes te Embaix atr iz.

QUAL f A M EN SAGEM DE FÁ TIMA ?

E sta é uma d as mais importan tes e· mais fre-


quentes perg untas que se t êm feito, acer ca de
F á tima. E por mais incrível que p areça, é tam-
bém uma das que m ais variedad e de respos tas t em
obtido.
Qual é a mensagem de F átima ?
Dizem uns que é a con sagração ao Imaculado
Coração de Maria; outros, que é o escapulá rio,
os primeiros sábados, o terço, a penitência, a ora-
ção, a modéstia, a· pureza, o cumprimento dos
deveres de estado. Há ainda quem acrescente a
santificação da família e a devoção a S. Miguei.
Todos aduzem argumentos de valor em apoio do
seu modo de pensar e alguns chegam até a consi-
derar dever sagrado, converte r os outros à sua
própria tese.
. Os que advogam a consagração ao Imaculado
A CONVERSÃO DA ROSSIA 25

Coração de Maria e o uso do escapulário do


Carmo, aduzem a opinião da vidente Lúcia, opi-
nião que ela nunca escreveu, mas mais duma vez
expressou, em entrevistas concedidas a sacerdotes
e leigos, e citam o facto de Nossa Senhora ter
apa r ecido ( ?) com o escapulá rio nas mãos, em 13
de Outubro, precisamen te no fecho elas aparições.
Os que encarecem a impor tância dos primei-
ros sábados, estribam-se na aparição de 1925 em
Pontevedra (Espanha) e nas palavras do segredo
de Julho de 1917, em que a SS. Virgem fa lou da
g uerr a e da perseguição à I gr eja.
Os que opinam pelo ter ço, apon tam o facto de
a Mãe de Deus ter aparecido sempre com ele nas
mã os, o ter ped ido, com insistência, em todas as
aparições, ter deixado várias g--raças dependentes
dele e ter-se chamado a s i mesma, Senhor-a do Ro-
sário.
Os defensores da tese segundo a qual a men-
sagem de Fátima é a penitência, citam as múlti-
plas passagens do diálogo entre os pastorinhos e
o Anjo e depois, entre os pasto1·inhos e Nossa
Senhora, a pedir mortificações e sacrifícios e a
declarar que, sem isso, muitas almas se conde-
narão.
Os que fala m sim plesmente da oração, subli-
nham as palvaras orai, rezai, r ezai rnuito que os
pastbrinhos ouviram e apontam as várias fór-
mulas de oração que tanto o Anjo, como Nossa
Senhora ensinaram.
A modéstia e a pureza encontram igualmente
argumentos a seu favor, nas queixas de Nossa
Senhora à vidente Jacinta, nomeadamente quando
26 A MENSAGEJ\1: DE FATI!MA

a Visão declarou que certas modas ofendem a


b '
s'
e
.. Deus e que os pecados da carne são os que levam
mais almas para o inferno.
e
d ,,. O cumprimen to dos deveres do p1·óprio estado,
q '
t,
fórmula que pode considerar-se comum a todas as
d ' mensagens do Céu e a todos os programas de vida
espiritual, não podia de forma nenhuma deixar de
e
o 1
se encontrar, pelo menos implicitamente, em Fá-
( t ima e a ele se r eferiu mais duma vez, a última
das v iden tes, em entrevistas que a imprensa pu-
blicou.
Os apologetas da devoção à Sagrada Família
e da santificação dos lares, invocam a última parte
da aparição de Outubro, quando S. José, Nossa
Senhora e o Menino Jesus apareceram ao lado do
sol, para lembrar ao mundo, o modelo de todos os
lares e acrescentam que foi esta a primeira vez
que tal revelação- se mostrou aos homens.
Finalmente, os devotos de S. Miguel afirmam
que ele é o Anjo da Paz que apareceu aos pasto-
rinhos, não só para preparar a vinda da Mãe de
Deus, mas também para restaurar o culto do glo-
rioso Príncipe da Milícia Celeste, a quem o povo
e os reis de Portugal prestavam tão solene home-
nagem, nos tempos gloriosos de antanho.
. Qual destas interpretações será a verdadeira?
Por mais paradoxal que pareça, são-no todas e
não o é nenhuma. A mensagem de Fátima abra11-
ge-as a todas e contudo é muito mais simples, do
que qualquer delas.
A mensagem de Fátima, ou seja o fim para
que Nossa Senhora veio à Cova da Iria, está co_n -
tido nas palavras da Celeste Mensageira, durante
A CONVERSAO DA RúSSLA 27

a última aparição. «Em Outubro direi quem sou


e o que quero» prometeu ela, nas aparições de
Maio, Junho e Julho.
Durante a úl ti ma visita, a Mãe de Deus disse
realmente o que de nós queria. Esse é que é o
resumo, a essência, a súmula da grande mensa-
gem. Tudo o mais são meios para atingir o fim,
caminhos para chegar à meta; auxílios, luzes,
contributos, sugestões, conselhos, para esclarecer,
ou encarecer o escopo único e último das aparições
da Cova da Iria.

A MENSAGEM DE FÁTIMA NÃO


Ê O USO DO ESCAPULÁRIO

Antes de procedermos à exposição da nossa


tese, vamos provai· que a mensagem de Fátima não
está contida em nenhuma das fórmulas, acima
expostas.
A mensagem de Fátima não é a consagração
ao Imaculado Coração de Maria, nem tão pouco, o
uso do escapulário do· Carmo. De certo que uma
e outra prática são importantes e muito meritó-
rias. H aja em vista os prodígios e as graças
extraordinárias que a Mãe de Deus tem dispen-
sado ao longo elos últimos 7 séculos, através da
consagração e daquilo a que Ela mesma chamou
«sinal de Paz», «salvaguarda no perigo» e «garan-
tia da sua eterna aliança».
lVIas não é esta a mensagem de Fátima. Não o
é, por várias razões. A Senhora prometeu que a
13 de Outubro, diria o fim para que veio e nem
nessa altura, nem em qualquer outra, falou no
28 A MIDNSAGIDM DE FAT IMA

escapulário do Carmo, ou na con sagração ao seu


Coração Imaculado. É possível que o último qua-
dro das aparições de F áti ma tenha sido, realmen-
te, Nossa Senhora, com o Menino ao colo e o esca-
pulário pendente(') - isso porém não passa dum
gesto simbólico, ou se quiserem, dum desejo, d uma
sugestão, dum a pelo, a favo r do escapulário do
Carmo e da consagração, por ele significada.
A mensagem de F áti ma tem forçosamente de
ser a lguma coisa de m a is explícito, alguma, coisa
que se encontre cla r amente expressa no diálogo
da Virgem, uma vez que só assim, os videntes a
entenderiam e só assim, seria plenamente verda-
deira a sua profecia : «em Outubro direi ... o que
quero».
Não venham objectar-nos com o sentido lato
daquele direi, como se neste caso, aquele vocábulo
pudesse indicar uma ou outr a forma de expres-
são, que não, a oral. Noss a Senhora falava a crian-
ças e as suas palavras tinham como des tinatário,
o povo rude e si mples que é, por natureza, avesso
a interpretações difíce is e está sempre disposto
a tomar tudo ao pé da letra.
Descabido é também invocar a este propósito,
a opinião pessoal da Irmã Lúcia que, em certas
entrevistas concedidas após a entrada para o Car-
melo, parece ter-se inclinado para esta interpre-
tação. Diga-se, em abono da verdade, que a Irmã
nunca exprimiu tal modo de pensar, em nenhum
dos seus depoimentos oficiais, nem em nenhum

( 1) A frente veremos o que há de verdade s obre esta


pl'Oblemática 'Y'isão.
A CONVERSÃO DA ROSSIA 29

dos manuscritos que a Autoridade Eclesiástica


lhe mandou redigir. É mesmo muito provável
que certas frases que alguns autores estrangeiros
lhe atribuem, se devam a wna tradução deficiente,
ou até errada, das declarações da Irmã.
De resto, toda a gente sabe que nas revelações
privadas, o papel dos intermediários é transmitir
e não explicar, ou interpretai·. Bem eloquente é
a este r espeito, a história das aparições, sobretudo
dos útimos séculos.
Muitos videntes, incluindo os de Fátima, não
só não chegaram a compreender as mensagen3
que o Céu lhes confiou. como se enganaram nas
suas apreciações e explicações. Este é um ponto
s umamente importante e delicado e que, não obs-
tan te, anda um tanto esquecido. A ele voltaremos
mais adiante.
Trairia o nosso pensamento quem interpre-
tasse o que fica dito, como sinal de menosprezo
pelo escapulário do Carmo, ou pela consagração
ao Imaculado Coração de Maria. Não há dúvida
que Fátima lhes veio xenovar a actualidade e a
importância, mas é preciso não tomar a parte pelo
todo e, sobretudo, não esquecer que a mensagem
confiada aos pastorinhos, está muito para além
das simples práticas de devoção a Nossa Senhora.

A MENSAGEM DE FÁTIMA NÃO


~ A RECITAÇÃO DO TERÇO

Exporemos mais adiante a importância capital


do terço e o c@tributo que Fátima trouxe a esta r ,..
prodigiosa e multisecular devoção. Por agora, a
30 A MENSAGEM DE FÂTIMA

fim de darmos à mensagem ela Cova da Iria toda


b
a luz e todas as dimensões que lhe pertencem, dire-
s
e
.. mos apenas que ela não consiste na r ecitação do
[i
d ,. rosário. O motivo é simples. A Senhora rodeou a
e sua mensagem duma espécie de segredo, para
t
mais lhe vincar a importância. Conhecedora. ela
"' psicologia huma na, a Celestial Pedagoga, aprovei-
tou todos os meios de que o Seu Coração Maternal
e
e pôde dis por, a fim de catalizar a reacção dos
pequenos e lhes aumentar o interesse, o entu-
siasmo e o amor pelo g r an de depós ito que queria
entregar-lhes. Por isso, foi ad ia ndo constante-
mente até à última hora, a resposta àquela per-
gunta de Lúcia: «Que é que Vossem ecê m e quer? »
«Em Outubro direi quem s ou e o que quero»
respondia a Branca Visão. E quando a mais velha
dos videntes lhe perguntou se a guena ainda
durava muito «ou se acabava breve», a Virgem,
para não deixar que um assunto secundário to-
masse o lugar do principal, respondeu com estas
palavras:
«Não te posso dizer ainda, enquanto te não
disser também o que quero» ( ').
Só em Outubro, é que a Visão revelou o fim
para que viera. Só então, é que entregou a sua
mensagem. Ora o terço recomendou-o e pediu-o
em todas as aparições. Isto basta para demonstrar
que a mensagem de Fátima é alguma coisa mais
do que a simples reza do terço.

(1) Conf. cilnquérito Paroquia,! de Fátima> clt. por


Costa BroohaJdo 1n FATIMA A :UUZ D!A. HiISTõRLA, Lis-
boa, 1948, pág. 22õ.
A CONVERSÃO DA Rú>SSIA 31

Poderá a mensagem de Fátima resumir-se na


penitência, na oração, na modéstia, no cumpri-
mento dos deveres de estado?
Tudo isto foi explícita ou implicitamente pe-
dido pelo Anjo e pela Mãe de Deus nas diversas
aparições que pr eceder am a de Outubro. Nenhuma
destas fórmulas encerra portanto, a resposta que
procuramos . O mesmo se pode dizer da devoção a
S. Miguel e da sant ificação da familia, apesar de
toda a força do simbolismo que rodeou as visitas
da Mãe de Deus. Nunca ela falou nem duma, nem
doutl·a. Ora, se pr ometeu dizer o que queria, é nas
s uas palavras que havemos de procurar a fórmula
que condensa toda a mensagem de Fátima.
Repisando um ponto já acima esclarecido,
r epetiremos que numa revelação tão gr_andiosa,
tão importante e tão longa e cuidadosamente pre-
parada e comunicada, como a da Cova da Iria,
seria absurdo supor que o seu elemento essencial,
a s ua quintessência., ficou incompletamente ex-
presso e que, só com a ajuda, dos símbolos e dos
sinais que acompanharam as aparições, ele se
pode compreender.
A Virgem de Fátima falou a linguagem das
mães - linguagem clara que os filhos entendem,
sem esforço, nem perigo de confusão, ou ambi-
guidade.
«Em Outubro direi o que quero».
Vamos porta.nto debruçar-nos sobre a última
das aparições, para ouvirmos o que a Senhora
quer.
32 A M•ENSAG<lillvt: D E FA TJ;MA

«EM OUTU BRO DIREI O · QUE QUERO»

Interrogada pefo seu Pároco, 15 dias após a


p;:ime ira aparição, Lúcia expôs assim o diálogo
com a Virgem, em 13 de Maio de 1917:
«- O que vem Vossemecê cá fazer ao Mundo?
- Venho· cá par a te dizer que venhas aqui
todos os meses, até fazer seis meses e no fim dos
seis meses te d igo o q ue quero.
- Vossemecê sabe di zer-me se a guerra ainda;
dura mui to ou se acaba breve?
- Não te posso dizer ainda, enquanto te não
disser também o q ue q uero ». (' )
Vinte e quatro a nos depois, ao redigir o seu
quarto m anuscrito, a vidente de Fátima transcre-
veu assim, as pa lavras da Virgem :
- Vim par a vos ped ir que venh ais aqui, seis
~meses seguidos, no dia 13, a esta mesma hora.
Depois vos direi quem sou e o q ue quer o (").
As pa lavr as são difer entes, mas o sentido é
o mesmo.
A afirmação de que só em Out ubro diria o fim
para que veio, repetiu-a a Mãe de Deus, n a a pari-
ção de Junho « ... depois d irei o que quer o» e t am-
bém na do mês seguinte :
- Continuem a v ir aqui todos os meses. Em
Outubro direi quem sou e o que quero» .
Nas vésperas do dia 13 de Outubro de 1917, o
Dr. -Formigão, que Deus haja, foi a Aljustrel

(1) l!bidem.
( 2)Ofr. Manuscritos da Irmã Lúcia oit, por Inácio
Martins in «Em Outubro direi o que ~uero», Leiria 1956,
pg. 63 .
A CONVERSÃO DA R'OSSIA 33

interrogar os videntes. Do diálog-o travado entre


ele e a Jacinta, conclui-se a mesma coisa. Os pe-
quenos estavam certos de que só em Outubro rece-
beriam a mensagem que o Céu lhes destinava.
- A Senhora - perguntou o sacerdorte--clisse
que queria que fosem à Cova da Iria mais vezes?
- Disse que queria que f ôssemos lá, durante
seis meses de mês a mês, até que em Outubro dis-
sesse o que queria ( 3 ) .
É muito provável que nem os relatórios, nem
os manuscritos da Irmã Lúcia contenham tudo o
que N ossa Senhora disse. Os elementos que eles
g uardam porém, são mais que s uficientes para se
aquilatar da importância e do relevo que a Mãe
de Deus quis dar à última das aparições. Só nessa
altura é que ela diria a coisa mais importante.
Só então, exporia a causa final das suas visi-
tas à Terra. Só então, confiaria a sua grande
mensagem.
Da parte dos videnets, h avia também uma
certa curiosidade mal contida, por saber o que é
que a Senhora quereri,a. Foi por isso que, em 13
de Outubro, mal a nuvem de luz desceu sobre a
azinheira, trazendo consigo a Celeste Visão, logo
Lúcia lhe perguntou:
- Que é que Vossemecê me quer?
Era natural que a Mãe de Deus começasse por
responder à grande pergunta que a mais velha
dos videntes lhe vinha formulando, desde há cinco
meses.

(ª) Cf. P.• João de Marchl 1n «Era uma Senhora... >


3 .• edição, pá,g. 11S2.
a
34 A MENSAGEM DE FÁ'I1EMA

Os manuscritos da Irmã Lúcia, porém, dei-


1: . xam-nos um tanto embaraçados.

e
« - Que é que Vossemecê me quer?
- Quero dizer-te que façam aqui uma capela
d0 " em minha honr a, que sem a Senhora do Rosário,
t ' que continuem sempr e a rezar o ter ço todos os
e,1
dias. A g uerra vai acabar e os militares voltarão
em breve para as s uas casas». ( 1 )
A grande e tantas vezes anunciada mensagem
de Fátima seria afinal a construção duma capela?
De forma nenhuma. A Senhora já t inha falado
da cavela, duran te as aparições de Agosto e Se-
tembro. Seria o título que e la a si mesma dava
« ... sou a SenJ1ora do Rosário» ?
Também não. E isto não só porque aquele
nome já estava. implicitamente revelado nas suas
constantes instâncias a favor do ter ço, como ainda
e sobretudo, porque ela logo de início estabeleceu
a distinção entre as duas respostas que nesse dia
daria à anterio•r pergunta: «quem é Vossemecê?»
e «que me quer?»
Com estas palavras «sou a Senho,r a do Rosá-
rio», respondia à primeira pergunta, mas de
forma nenhuma respondia à segunda.
Também se não pode considerar resposta a
essa segunda pergunta, aquilo que a seguir for-
mulou: «continuem a rezar o terç o todos os dias»,
pelas razões que acima apontámos. Este apelo é
comum a todas as seis aparições.
A mesma negativa, quanto às pal,a vras que se

(1) 4.0 Manuscrito da Irmã Lúcia cit. por- l!ná.cio


Martins db. cit. páig. 71.
A CONVERSÃO DA ROSSIA 35

seguem : «a guerra vai acabar e os militares vol-


tarão em breve para as suas casas» e isto sim-
plesmente porque a Visão declarara em Maio, que
não pod ia dizer quando a guerra. acabava, senão
depois de d izer o que queria.
A citada declaração parece complicar o pro-
blema e força-nos a escolher como, r esposta a «o
que é que Vossemecê me quer?», um dos pedidos
anteriores.
E s te foi o escolho a que certos a utores não
souberam f ug ir. Daí o afirmarem que a mensa-
gem de F áti ma é a recitação do terço. Para resol-
ver uma dificuldade, cairam noutra ainda maior,
pois não só negaram o valo'l.· do processo pedagó-
gico que a Mãe de Deus seguiu, como esqueceram
o que Ela expressamente afirmara em Maio,
Junho e Julho: «Em Outubro direi o que queroi. .
Como conciliar todos estes dados do problema,
com os manuscritos da Irmã Lúcia?
Foi enquanto fazíamos a nós mesmo esta an-
gustiosa pergunta, que demos com os depoimentos
pr estados pela mais velha das videntes, perante
o seu Pároco, Rev. P.• Manuel Marques Ferreira.
Eis como o relatório do Prior de Fátima, redigido
perante Lúcia, em 16 de Outubro de 1917, ou seja
três dias após a última aparição, reproduz a en-
trevista com a Celeste Visitante.
«Que é que Vossemecê me quer?» - pergun-
tou Lúcia.
- Quero-te dizer que não ofendam mais a
Nosso- Senhor, que está muito ofendido1 ; que re-
zem o terço a Nossa Senhora. Façam aqui uma
capelinha a Nossa Senhora do Rosário (A Lúcia
36 A MiENISAGIDM DE FATiiMA

tem dúvidas se foi assim como fica dito, ou se foi:


façam aqui uma capelinha. Sou a Senhora do
Rosário) » ( 1 ) .
Depois fala do fim da guena e dos demais
pedidos, mais ou menos nos termos que se encon-
tram nos manuscritos de 1941.

VIVER NA GRAÇA DE DEUS

Segundo o citado r elatório - e ele merece-nos


mais confiança elo que qualquer outi-o depoimento
- este foi r edig ido três dias, após as aparições
e os outros, 22, 23 e 24 anos depois - as primei-
ras palav r as da Virgem exprimiam r ealmente o
que ela queria.
QUERO-TE DIZER QUE NÃO OFENDAM
MAIS A NOSSO SENHOR, QUE ESTA MUITO
OFENDIDO. Isto nunca a Mãe de Deus o tinha
dito nas aparições anteriores. Esta era a novidade,
a mensa.gem, o fim, para que ela viera: pedir
que não ofendam m ais a Nosso, Senhor, que está
muito ofendido. Nisto se resume toda a revelação
de Fátima; para este escorpo final, se dirigem
todos os meios apontados, ou sugeridos, durante as
múltiplas entrevistas que o Céu concedeu à Terra.
Os manuscritos da Irmã Lúcia (redigidos em
1941) também guardam o mesmo desabafo da
Virgem. Só diferem no lugar que lhe assinalam,

(1) Inquérito Paroquia.! de Fát-ima, flls. 8 e 9 cit. por _


Costa Brochado 1n Fá.tima à Luz de História, I.A.sboa, 1-9 48, -
pá.g. 296.
A CONV®RSAO DA RiO-SSIA 37

no decorr er do diálogo. Coloca m--no ao fim, como


fecho e remate de tudo.
('( .. . é preciso que se emendem, que peçam per -
dão dos seus pecados (e tomando um aspecto mais
triste:). Não ofendam m a is a Nosso Senhor, que
já está muito ofendido». ( 1 )
Àparte o l ugar que ocupam, não há entre estas
citações, d iferença d igna de r eg isto. Elas são sen-
sivelmen te as mesmas, o que prova a fidelidade
extraordinária com que Deus enriqueceu a memó-
r ia da mais velha das videntes.
Além de conceder o primeiro lugar às pala-
v ras: «não ofendam mais a Nosso Senhor», o
depoimento de 16 ele Outubro tem ainda a vanta-
gem de estar perfeitamente de acordo com o que
Nossa Senhora decla1,ara em 13 de· Maio•, quando
afirmou que só falaria do termo da g uerra, depois
de dizer o que queria. Realmente, é só depois
daquele pedido, que o citado relatório faz menção
no fim da guerra e do regresso dos nossos solda,.
dos.

NÃO OFENDAM MAIS A NOSSO SENHOR!

Ofende-se a Deus, quando se peca, ou se vive


em pecado. Só não o ofende quem vive na sua
graça. Esta é, em resumo, a mensagem de Fátima
- viver em graça. Sem isto, é inútil tudo o mais.
Mas não querem os terminar ainda aqui a de-
monstração desta tese que se nos afigura de im-
portância capital.

(1) Ofr. Inácio Martins, obr. cit. ipálg. 71.


38 A MEN,SAGEJM DE FAT]MA

Ao argumento exposto, a. que poderíamos cha-


mar hist óri co, acrescentaremos m ais a lg uns, t ira-
dos do ies.temunho da Autoridade Eclesiástica, d e
consenso unânime dos verdadeiros peregr in os de
Fátima e ela própria razão.

A VOZ DA IGREJA

Seja Pio X II, o imor tal P apa de Fátima, a


abrir o desfile:
Na rad io-mensagem de 1942, Sua Santi dade
resumiu assim, o apelo d a Virgem :
« .. . que e me ndem a vida e fu jam do- pecad o,
causa principal dos g r andes castigos com que a
Justiça do E terno peni ten cia do mundo». ( 1 )
O que· é is to senão uma out ra mane ira de falar
' ..
,,
., 1
do estado de graça?
/ O me smo disse em 1951, por ocasião do encer-
ramento do Ano Santo.
E quando - perguntou então o imortal Pontí-
fice - com voz maternalmente magoada e insi-
nuante pede um retorno geral e s incero a uma
vida 111ais _cristã, não estará ela repetindo que só
na paz com Deus, e no respeito da Justiça e da
Lei eterna1 se pode solidamente alicerçar o edifí-
cio• da paz mundial?» (2)
O actua.J Pontífice João XXI-II, ao visitar em
1956, o· Santuário da Cov,a da Iria, exprimiu a
mesma ideia, ao declarar que Fátima o ajudou

(1) Cf. P .e J'oão de Marchi, ob. cit. páig 297.


(2) Cf. Luis Saraiva de Menezes, ln Fátima e a Paz,
Bra:ga, 1956, pág. 188. '

A CONVJilRSAO DA ROSSIA 39
I .

a compreender e a apreciar melhor a devoção, ao


Coração de J esus que, como é óbvio, ninguém
poderá praticar, se viver em pecado.
Na carta pastoral com que, D. José Correia da
Silva aprovou e a utorizou o culto de Nossa Se-
nhora de Fátima, resume-se a mens•agem da, Ce-
leste Visitante n estas palavras : pureza de vida,
observância dos mandamentos de Deus e dos pre-
ceitos da Igreja ...
Quando em 1942, o Cardeal Hildefonso Schus-
ter, A1·cebispo de Milão publicou numa carta pas-
toral, a segund a parte do segredo, coodensou a
m en sagem de Fátima nos ped idos que fez aos seus
diocesanos para que «se voltassem para J~sus,
verdadeiro· Sol de Justiça». ( ' ) Sua Eminência pa-
rafraseava aquele grito da Lúcia, em 13 de Outu-
bro de 1917, quando começou o prodígio solar:
«olhem para o sol! Olhem para o sol!»
O Cardeal Eugénio Tisserant, ao falar aos
peregdnos de Fátima, em 13 de Outubro de 1956,
exprimiu a mesma ideia, quando resumiu os pedi-
dos da Virgem nesta norma: «viver segundo os
mandamentos do Decálogo, ainda que isso cus-
te». (2 )
Que são todas estas expressões, senão outras
tantas maneiras de traduzir a vida da graç,a?
Viver na graç-a é «emendar a vida e fugir do
pecado», é a «paz com Deus», é a «união ao Cora-

( 1) Cf. Gillbert Renall'lt in Fatima, Espérance du.


Monde. Paris, Plon, págs. 225 e 226.
(2) !ibidem.
40 A MBNSAGEM DE FATiiMA

ção d e J esus», é «seguir o Sol de Justiça», é a


«observância dos mandamentos».
A estes testemunhos, poderíamos juntar os de
muitos outros luminares da Igreja, Cardeais, Bis-
pos e simples sacerd otes que tantas vezes se pro-
nunciaram sobre o mesmo tema em alocuções de
circunstância, quer no Santuário da Cova da Iria,
quer noutros templos da Cristandade.
As palavr as podem ser difer entes, mas o sen-
tido é o mesmo. Todos acen t uam a n ecessidade
e a urgência de vi ver na amizade de De us, para
satis.fazer a von t ade d a Celeste Senhora.

A VOZ DO POVO

Outro não é também o sentir unânime dos pe-


regrinos que a Mãe de Deus atrai ao Santuário
de Fátima. Que o dig,am as filas intermináveis
de penitentes que, dia e noite, se formam junto
dos confessionários. Não são precisas exortações,
nem reclàmes, nem cartazes de propaganda, a
lembrar o sacramento da Penitência. São os pró-
prios fiéis que espontâneamente acodem aos pés
dos confessores, convencidos de que, só lavando as
suas faltas, só com a alma em graça, podem aten-
der os maternais apelos da Celeste Embaixatriz.
Tão sensível e forte é esta atmosfera e esta
exigência de purificação interior no Santuário da
Virgem, que a:té as ovelhas arredias, até os indi-
feren.te3 e os soi-di..9ant ateus que ali vão por
curiosidade, turismo, ou desporto, até esses se
sentem por vezes, repentinamente forçados a
A CONVEJRSAO DA R-OSSIA 41

mudai· de vida e a regressar, com uma docilidade


de crianças, ao redil do Bom Pastor.
Até já se tornou lugar comum, a,íirmar que
são estes os maiores milagres de Fátima.
A propó ito, vale a pena recordar como o fenó-
meno nasce u. Foi logo desde o início das apari-
ções, que os peregrinos sentiram necessidade de
se purificar. O E spírito Santo que assiste e pre-
side a loda a Igreja Docente e Discente quis logo
de início, v inca1· bem, na alma de todos, a identi-
dade perfeita que existe entre a mensagem de
Fálima e o estado habitual de graça.
Esta mesma ideia - viver na graça de Deus
- r essa!La cios cântico que o povo consagrou à
Senhora de Fátima.
A arte poética nem sempre se coaduna com as
expressões clássicas da Teologia. Mas isso não
obsta a que os vates da Cova da Iria se refiram à
pure;za de vida, à imodéstia das mo-elas ele uso pe-
cad<J,r, ao perdão do c01·ação contrito, etc., etc..
É certo que se encontram muitas estrofes a
falar da reza do terço, o que é fácil de compreen-
der, atenta a insistência com que a Mãe de Deus
o pediu, mas dificilmente se descobrirá entre os
cânticos que o povo adoptou como seus, referên-
cia ao escapulário, a S. Miguel, à Sagrada Famí-
lia, etc.
Seria um exagero usa1· este argumento para
diminuir o valor das citadas devoções. O que com
ele pretendemos demonstrar é apenas isto: o povo
a quem a mensagem de Fátima se dirigia, foi logo
desde o princípio, fiel e esclarecido intérprete da
vontade de Nossa Senhora.
42 A MENSAGEM DE FATJMA

ANTfDOTO DO COMUN ISMO

Como se todos estes argumentos não bast as -


sem, deu-nos o Céu um outro que deriva ela pró-
pria natureza elo m istério ela Cova da Iria.
Nascidos no mesmo ano, Fátima e o comu-
nismo logo apareceram aos ofüos de· todos, como
dois polos opostos, duas forças antagónicas, duas
ideologias contrárias que mu t uamente se enfren-
tam e digladiam.
Isto encontr a-se expresso, em vários documen-
tos pontifícios e espiscopais que só não citamos
por se tratar duma verdade univer salmente
conhecida e aceite.
Ora o que é o comunismo?
Velada, ou abertamente, nunca a Igreja dei-
xou de o considerar como um sistema de inspi-
ração, diabólica.
«A vossa luta - escreveu Pio XII, numa carta
aos bispos da Polónia, a propósito da perseguição
comunista- não é contra a carne e o sangue, mas
contra os Príncipes e as Potestades, contra as for-
ças das trevas, contra os espíritos maus .. . » ( 1 )
E na radio-mensagem dirigida a Portugal em
13 de Maio de 1946, Sua Santidade foi ainda mais
explícito:
«Nesta ho,r_a decisiva da história - dis_se o
Pontífice falando do comunismo - em que o reino
do mal com infernal crueza emprega todo o seu

(1) Cf. A1bert Gadter, in Le Livre Rouge de L'Egllse


Persécutée, 2.• edição. Paris, pá..g. 466.
A CONVE>RSAO DA ROSSIA 43

mundo e empenh a todas as suas forças, para des-


truir a fé, a moral e o Reino de Deus . .. » (i)
O mesmo afirmaram e repetidas vezes, vários
Príncipes ela. Igr eja, n omeadamente o Cardeal
Tisset·an t que, na abertura elo Congresso Mariano
de Lurdes, em Setembro d e 1958, disse que toda
a lu ta con tra o comunismo, era luta. contra Sata-
nás.
Também o Cardeal Tecleschini, quando em
1951, veio, em nome do Papa, presidir às cerimó-
ni as d o encerr amento do Ano Santo, na Cova da
Iria, chamou ao comunismo, obra diabólica. Eis
as suas próprias palavras:
4' ••• Naquele ano (1917) nasceu organizado e

fo r te, aquele que a Escrit ura chama inimticus


ho.mo» ( 2).
«Fátima, Altar do Mundo, escreveu o Cardeal
Cerej eira, opõe-se a Mosco-vo, capital do Anti-
--Cristo. Não é só a coincidência das da.tas que tal
sugere, é sobretudo a oposição dos espíritos (3) .
P or ser de inspiração infernal, é que o comu-
nismo moveu tamanha guerra à Igreja de Cristo.
Por isso pôde afirmar Pio XI que esta é «a hora
mais negra da história desde o dilúvio». E Pio
XII quase lhe copiou as palavras, quando acres-
centou: «esta é possivelmente a hora mais crucial
desde o começo do cristianismo ... » «A Igreja
sofre uma das maiores e mais perigosas persegui-

( l) Ofr. P .r João <le tMarchi, ob. clt. ipáig. 305.


( 2) ,Ofr. !Luís Sara:iva de !Meneses in Fá.t-lina e a. Paz,
1956, páig. 179.
( ' ) Of,r . Fá.tima Altar do Mundo, ,vol. I, pá.g. 16.
41. A MENSAGEM DE FAT iiMA

ções que já conheceu» - acrescentava o imortal


Pontífice, numa radio-mensagem aos católicos ale-
m ães, por ocasião do Katolikentag de 1956.
Não é de admirar que assim seja, uma vez que
o comunismo declarou Juta aberta contra o pró-
prio Deus. Eis a propósito o que dizia o 2. m an-
0

damento comunfata, publicado em 1945: «o Mare-


chal Staline é o chefe de todos os que são con tra
Deus, tanto na União Soviética, como no resto do
mundo» .
iür.a Fátima não veio só profetizar o fim do
comunismo russo, como apresentar-nos também o
seu único e eficaz antídoto que é a mensagem da
Cova da Iria. Mas se o comunismo é obra ele Sa-
tanás, só a graça de Deus lhe pode fazer frente.
Eis porque, só vivendo em gr aça, se pode cumpril·
a mensagem de Fátima.

A MISSÃO DE NOSSA SENHORA

Finalmente um argumento à p1-iori, m ais sim-


ples e por ventura m ais claro, que os outros.
O papel essencial de Mari,a. na obra da Reden-
ção, é servir de medianeira, tanto na obtenção,
como na distribuição das graças. Esta é uma ver-
dade universalmente aceite, apesar de não ser
ainda dogma de fé.
Maria é a ponte entre Cristo e os homens -
ponte p·o r onde o Filho de Deus desceu até nós e
por onde nós subiremos até Ele. Todas as suas
intervenções ordinárias ou extraordi.nárias, no de-
curso da História, obedeêem a esta. missão que a
· - Providência lhe confiou. Visões, aparições, rnila- -
A CONVIDRSAO DA ROSSIA 46

g r es, ou prodígios que ela. produza, ou provoque,


são sempre ordenados neste sentido.
A esta doutrina que se encont ra exuberante-
men te documentada nos escri tos dos Santos Pa-
dres, n a Liturgia da Igreja e na devoção espon-
tânea do povo cristão, trouxe Fátima um contri-
buto novo, qu ando a Visão declarou que só a Mãe
de Deus podia dar ao mundo, a graça d a paz.
Aconteceu isto na aparição de 13 de Julho. Eis
a transcrição literal das palavras da Virgem, se-
gundo os m anuscritos da Irmã Lúcia :
- Vossemecê que me quer?
- Quero que venham aqui no dia 13 do mês
que vem, que continuem a rezar o terço, todos os
dias, em honi-a de Nossa Senhora do Rosário, por-
que só ela lhoo poderá, v al~·- ( 1 )
O depoimento que a vidente prestou, pei,ante o
Prior de Fát ima, logo no dia seguinte à aparição
de Ju'1ho, diz precisamente o mesmo, embora as
palavras difiram um pedacinho:
- O que me quer?
- Quero-te dizer que voltes cá no dia 13. Re-
zem o terço a Nossa Senhora do Rosário, que
abr.ande a guerra que só ela é que lhe pode va-
ler. (2)
Esta expressão só ela lhes poderá v aler ou só
ela é que lhes pode valer (relatório do Prior de
Fátima) pareceu tão exagerada a certos teólogos,
que alguns fizeram dela, cavalo de b!3talha contra
Fátima. Afinal a Mãe de Deus, com este seu modo

(1) Ofr. Inác.io Martln.9, ob. clt. pág. 65.


(2) crr. Costa Brochado, db. cit. pé.g. 226.
46 A MIDNiSAGEM DE FÁTIMA

de dizer, estava a dentro da melhor tradição cató-


lica que nunca pôs em dúvida, a Mediação Uni-
versal de Maria. Se ela é Medianeir a Univer sal,
só ela pode conceder ao mundo, as graças de que
precisa, inclusive a d,a paz e a do fim da guerra. (3 )
Se assim é, nada mais é preciso · acrescentar.
Fátima é uma intervenção de Maria. Ora t odas
as intervenções de Maria são em or dem a ajudar
os homens, a aproximarem-se de Deus, ou seja,
a ajudá-oJos a viver na Sua graça.

Basta de demonstrações. Não há 11enhum de-


voto de Fátima que duvide desta verdade. Todos
os que têm fé, sabem e sentem que a mensagem
de Fátima é viver na g raça de Deus. Isso foi o
que Nossa Senhora pediu em 1917, de rosto m a-
goado e voz dolorida. Isso é o que ela continua a
pediT hoje e sempre, a todos os que ouvem a
sua voz.
De resto, seria absurdo supor que se poderia
desagravar o Coração Doloroso, viver a consagra-
ção por ele sugerid•a., ou atender os demais pedidos

( s ) A Vi.são de Fátima documentou várias vezes a


Mediação Universal de Maria. Citaremos apenas mais duas
passagens, uma, na aparição de J ,uJ!ho, quando ensinou a
Jacwatórta que se deve nezar no fim dos mistérios, que
acUan~ estuda.remos, e outra em 1925, quando prometeu
conceder as graças neces.sári&s à sa,lrvação, a todos os que
albraçassem a devoção dos cinco primeiros sálbados. A
frente, ao falarmos da Realeza UnLvers.a.l die M·aria, v-0lta-
remos a focar este curlosis.slano aspecto da mensagem
de Fá.tima.
A CONVERSÃO DA ROSSIA 47

comunicados aos pastorinhos, sem ter a alma


limpa, pelo menos, de pecado mortal.
«Não ofendam mais a Nosso Senhor que está
muito ofendido».
Ofender a Deus não é apenas cometer pecados;
é também e, sobretudo, viver em pecado.
É por isso que a mens agem de Fátima, quando
bem conhecid a é o melhor caminho para o sacra-
mento cio P erdão, como eloquentemente o demons-
tram as peregrinações de Fátima e as crónicas da
viagem maravilhosa da Virgem Pereg-i-ina.
OS DEPOIMENTOS
DA IRMÃ LúCIA
Não foi a,penas a simples curiosidade que nos
trouxe a este assunto, a~iás de grande importân-
cia para a compre~nsão da mensagem de Fátima.
Foi sobretudo a necessidade de rebater certos des-
vios doutrinários, na própria fonte donde nasce-
ram. Ninguém deve estranhar que isto tenha
acontecido em Fátima. Trata-se dum fenómeno
absolutamente humano e perfeitamente explicável, -
adentro da grande multiplicidade de facetas que
a revelação da Cova da Iria apresenta.
Talvez haja quem se escandalize com o que
no decorrer deste capítulo, vamos afirmar. Isso
porém não obsta a que exponhamos a verdade,
tal como ela se nos apresenta. Fátima não teme
a verdade, nem jamais entrará c~m ela em con-
flito. O que Fátima teme é a: incompreensão, a
dúvida e o erro. No_combate a estes desv-ios, se
situa tudo o que abaixo dizemos.
Dividiremos em duas partes, os depoimentos
da última vidente. Primeiro, consideraremos os
depoimentos informativos, em que ela tra,n smite
as palavras, ou os pensamentos de que o Anjo,
Nossa Senhora e Nosso Senhor a tornaram men-
52 OS D.EP.OJiMENTOS DA I!RIMA LúCIA

sageir a; depois, analisaremos o valor dos depoi-


mentos interpretativos em que, a pedido duns e
doutros, tentou explicou o conteúdo que do Céu
recebera, ou os fenómenos de que fora testemunha.

DEPOIM ENTOS INFORMATIVOS

P orque se destinavam ao público e não apenas


à sua pessoa, Lúcia começou a div ulgar o conteúdo
das aparições, imediatamente após a s ua realiza-
ção, no próprio local da Cova da fria, a caminho
de casa, em A•l justrel, perante os simples curio-
sos, os repórteres da imprensa, os inquiridores
oficiais e, sobretudo, no presbitér io de Fátima,
a pedido do seu pároco que, providencialmente, se
lembrou de exarar por escrito, as declarações tex-
tuais d a vidente, sobre cada uma das visitas de
Nossa Senhora.
Dezenas e dezenas de vezes fo·i a pequena for-
çada a repetir a mesma história, o que lhe exigia
um esforço extraordinário, excessivo mesmo para
aquela idade.
Depois, durante vários anos proibiram-na de
fala.r-, fosse .a quem fosse, no que vira e ouvira e,
finalmente, em 1936, 1937 e 1941, recebeu ordem
de escrever tudo o que sabia. .
«A.s ohamadas Memórias da Irmã Lúcia -
esclarece Inácio iMartins (l) -não foram escritas
com mira à pUJblicidade. •S e podemos exprim1r-nos
assim, ão simples ca.1,tas intimas, longas sem dú-

(1) No seu Ji.vro «Em Outubro direi o que quero>,


p&gB. 57 e 58.
A CONVERSÃO DA RúSSIA 53

vida, dirigidas ao S r . D . J osé A lves Correia d a


S ilva. Lança das em vulgar papel comercial pau-
t a do, com Let ra clara e certa, quase sem emendas,
de notam uma p ersonalidade sã e ,bem equilibra da.
A primeira, es crita em 1936, con tém mult1is
po rmen ores c inciden tes sobre a vid a da J'acin-
tin ha, qu e o R ev. -Dr. Jos é Galamlba de Oliveira
fo i o primeiro a aiprov eita r , para o seu m aravi-
lhoso liv ro J .A:C]NT.A.. N est e escrito, porém, a Lú-
cia m al se ref e11e às A.pa rições propriamente ditas .
.:€ à s egun da car ta que m elh or ca'be o Ut ulo
de l\l e mórins, pois é n ela qu e a Irmã Lúcia, obri-
g a da pela obediência , mais f ala d e s i. Escr it a em
1937, foi também n ela que a sua a u t ora fez, p ela
p rim eira vez, u ma r eferência casual às Alparlções
do Anjo.
A terceira l\lemória, que é a mais pequena,
t e111'11ina da em 31 de A gos to de 194-1, contém n o-
vos dados r elati,v os à vida da Jacin t a e t ra z, prin-
cipalmen te, a r evelação das primeiras partes do
«segredo> (Alparlção de 13 de Julho ) .
Quando o Sr. Bispo d e L eil1a p ediu um quarto
e à erfln!Uvo relato, a Irmã Lúcl-a, para fugir às
v ista,s humanas foi para «um retira do canto do
sótão, à luz duma pobre t el ha de vidro> t endo
por m esa o regaço e por cadeira uma v elha mala,
e al1 com eçou a anota r para a p osberidade as p a-
la,vras exactas do Anjo e de Nossa S enhora, com
todas as cil'c unstãncias de cada uma das suces-
s ivas apa rições. Com eçada a 25 d e Novembro de
1941, l!erm.inou-a em 8 d e D ezembro seguinte.
T raz alguns por m enores sobre a vida do Fran-
cisco e faz ainda al1guma.s, anotações a ll;vr.os en-
t ã o em voga>.

Além destes depoimentos oficiais que a com-


petente Autoridade Eclesiástica lhe mandou redi-
gir, há outros que a vidente prestou tanto ora!l-
mente, como por escrito, sobretudo enquanto Irmã
54 OS DEPOJJMENTOS DA •IIRMÃ L -OCIA

Doroteia, a homens da Igreja, escritor e , teólo-


gos, jornalistas etc. Depois que pr ofessou como
carmelita em 1949, as ent revistas com ela torna-
ram-se mu ito m a is difíceis, quase impossíveis
mesmo, não só em vir t ude da própria Regra do
Carmelo, como ainda por causa das determinações
expressas dos seus superior es h ierárquicos. Assim
se fechou a porta à legião dos curiosos que conti-
nuam ente a assaltavam com novas e disparatadas
perguntas, sobre tudo o que imaginar se pode.
Hoje, a Irmã Lúcia só r esponde a per gun tas da
Autoridade Eclesiástica que se considera já s ufi-
cientemen te informada. P oder emos pois ter como
pràticamente findos, os depoimentos da última
das videntes, •acerca das apar-ições da Cova da Iria.
*
Qual a confiança que as narrações da Irmã
Lúcia nos merecem?
Se o Céu a escolheu para intermediária, é lícito
concluir que ela transmitiu fie1mente a essência
da mensagem que lhe foi entregue. De outra ma-
neira, Fátima seria um fiasco e o Céu ter-se-ia
manifestado de balde. A grandiosa revelação da
Cova da Iria a que já se chamou a maior depois
dos tempos apostólicos, nada mais seria, nesse
caso, do que um testemunho da impotência do So-
brenatural, pois não teria podido conseguir o seu
fim imediato, o que de forma nenhuma se pode
admitir. Lúcia foi portanto fiel transmissora, pelo
menos da essência da mensagem que o Céu lhe
confiou.
Isto seria verdade, ainda que os dotes huma,.
nos da Irmã Lúcia não abonassem tal conclusão.
A 'CONVERSAO DA RútSSIA 55

Deus lhe da.ria as graças necessárias para conve-


nientemente se desempenhar do papell que lhe foi
entregue.
A mesma conclusão se chega a, posteJr-iori pelo
exame, ainda que s umário,, das qualidades huma-
nas, tanto mor a is, como intelectuais da Irmã. Nin-
g uém que com ela tenha privado, a julga capaz de
m entir. Ninguém que de perto estude o caso de
F átima, deixará de constata.r a tenacidade da sua
memória que, a 20, 30 e mais anos de distância,
a leva a reproduzir com uma fidelidade quase in-
crível, os mais pequenos pormenores do que, em
criança, viu e ouviu.
Eis o que a este propósito es creveu o Dr. Mar-
tins dos Reis no seu precioso livro «Fátima, as
suas provas e os seus problemas» ( 1 ) .
<0 que em iprl.'meiro lugar chama a atenção é
a sua memória prodigiosa, que, se não é única,
também se não pode dizer frequente. ( .. . ) Ela
própria confessa, de ,pa.ssagem e como que sem
querer nem dar por isso, que bastava ouvir as
histórias uma vez, para 118 repetir com· todos os
seus P.ormenores-o que a ajudava e lhe dava
ocasião de exercer notável IIrl'luéncia sobre a pe-
quenada da sua idade, cont,andoJlhe toda6 a.s his-
tórias ouvidas>.

Posto isto surge a pergunta: até que ponto


poderemos admitir a fidelidade dos depoimentos
da Irmã Lúcia? Falamos apenas dos depoimentos
informativos, daqueles _em que a vidente «conta:.
o-que viu e ouviu.

(1) P.ág. 32.

,-
56 OS DEPO.IiMENTOS DA IRMÃ LúCIA

Há quem defenda a fidelidade das palavras e


das ideias, afirmando que a Visão falou, tal como
Lúcia escreveu, ou d isse. Se assim fosse, estaría-
m os perante um fenómeno não só extraordinário,
mas até misterioso e sobrenatural que de certo
modo ul tr apassava a inspiração dos pr óprios ha-
giógrafos.
Não. As declarações, orais ou escritas da Irmã
Lúcia, não são inspiradas, nem apresentam tex-
t ualmente o que Nossa Senhora disse. Basta. um
exame sumário para conclu irmos que assim é.
Muitas das frases que a vidente atribui à Apari-
ção con têm a.nacol utos e outros er ros de sintaxe
que de for ma alg uma ficar iam bem na boca da
Mãe de De us, mesmo quando ela fa la a linguagem
simples d o povo. Alg uns exemplos a penas :
No dia 21 de Ag osto, ao relatar ao· Prior de
F á tima, o diá logo com a Vi rgem, n a aparição desse
mês que, corno se s a.be, t eve. lug ar a 19, Lúcia
atribui à Visão, a seguinte fra se:
«Aquele dinheiro façam dois andores; um
leva-o t u e mais t r ês m eninas com o tu, e vão de.
branco».
Dois dias depois da aparição de Setembro, a
vidente transmitiu deste modo, uma d ás frases de
Nossa Senhora:
«Metade do dinheiro que juntaram até hoje,
façam dois andores; um leva-o tu e vão de
branco». (1)
E'm vez de «aquele dinheiro», Nossa Sen~ora

( 1) Ofr. Costa Brochado ln F é . ~ à Luz da Bis:


tórla pálgs. 227 e 228.
A CONVERSÃO DA R'OSSIA 57

teria dito por certo daquele, dinheiro; em vez de


«metade », com nietcule, ou cofaa parecida, assim
como, em vez de «vão de branco » diria possivel-
mente ide de bramco, j á que o verbo levClll' está na
segunda pessoa. ·
Não n os parecem ta mbém dignas de Nossa
Senhora certas outras frases, perfeitas quanto
à s in tnxe, mas demasiadamente desleixadas, como
esta por exemplo:
«Venho cá par te dizer que venhas aqui todos
os meses até fazer seis meses e no fim dos seis
meses te d igo o que quero». ( ') ...
Mas a melhor prova de que Lúcia não fez uma
reprodução textual das palavras da Virgem está
sobretudo, no facto de ter usado palavras tota'l-
mente diferentes quando contou o diálogo ao Prior
de F átima em 1917, e quando, dezenas de anos
depois, red ig iu os manuscritos ele que acima falá-
mos. Eis lado a lado, as declarações de 1917 e as
de 1941. Os textos das primeiras, cópia do relató-
rio do Prior de Fátima, foram publicados no livro
de Costa Brochado «Fátima à Luz da História»
págs. 225 a 296. Os de 1941, cópia do último
manuscrito ele Lúcia, podem consultar-se no livro
«Em OutubrQl pirei o Que Quero» de Inácio Mar-
t ins (Edições Santuário, págs. 57 a 72).

1
( ) Relatório do Prior de Fátima, cfr. Costa Bro-
chado; Ibidem, pág. 225.
58 OS DEPOlMEJNTOS DA lRJMÃ LúOIA

1.• APARIÇÃO

DEPOIMlE>NTO DE 19 17 DEPOIMENTO DE 1941

- N ão t e n has m edo que - N ão l enhais m edo eu


n ão te faço mal. nã o vos fa ço mal.
- Que lugar é o de Vos- - D e onde é V ossemecê?
semecê? - S ou do Céu .
- O m eu lugar é o Céu . - E que é que Vossem e-
- O que vem Vossem ecê cê m e quer?
cá fazer ao Mundo ? - Vim para vos pedir
-Venho cá para t e di- qu e venhals aqui sels m e-
zer que venhas aqui todoi! ses seguidos, no dia 13 a
os meses até fazer seis m e- esta mesma ho ra. D epois
ses e no fim dos seis meses vos direi q uem sou e o qu e
te digo o que quero . qu ero. D epols voltarei ai n-
- Vossemecê sabe - me da aqui uma sétima vez.
dizer se a guerra ainda - E eu também vou
dura multo ou se acaba para o Céu ?
breve? - Sim, vais.
-Não te posso dizer ain- - •E a Jacinta?
da, enquanto te não disser - Também.
também o que quero. - E o Firancl.sco?
- Sll!be-me dizer se eu - Também mas t em que
vou para o Céu ? rezar muitos' t erços.
- Tu vais. - A Maria das N eves já
- E a minha prima ? está no Céu?
-V-a.1.
- E o meu. primo ? - Sim, está.
- Esse ainda há-de re- - E a Amélia?
zar as contu dele. - E s tará no Purgatório
até ao fim do Mundo.
- Quereis oferecer-vos a
Deus para suportar todos
os sof,rlmentos que Ele qui-
ser enviar-vos, em a.cto de
neparaçAo pelos pecados
com que Ele é ofendido e
de súplica pela conversão
dos pecadores?
-Sim, queremos!
- Ides pois ter muito
QUe sofrer, mas a graça de
Deus ser,ã o vosso confor-
to. Rezem o terço todos os
d1a.s para alcançarem a paz
para o mundo e o ttm da
guerra.
A CONVIDRSAO DA ROrSS,IA

2.n APARIÇÃO
DEP0R-1ENT0 D E 1017 DEPQf.IlJIIUENT0

- Então que me quer? - Vossem ecê qUie m e


- Q wero- te dizer que vol- quer?
t es cá no dia 13 e que - Quero que venhais
aprenda s a ler para te di- aqui no dia 13 do mês que
zer o qu e quero. vem, que r ezeis o terço- to-
- E ntão nã o m e que r dos os dias e que apren-
m a is n a da ? dais a le r. Depois direi o
- Não te quero mals que quero .
nada! Pe<U a, cura dum doente .
- S e se con:ve rter, curar-
-~e-á dura n te o ano.
- Qu eria pedir~lhe para
n os leva r para o Céu. -
- 1S im à J·a clnta e ao
F .ranclsco lovo-::.-s em bre-
v e, m a.9 tu ficas cá mal.s
a,l•gum tempo. Jesus quer
ser.vir-s.e de ti para me fa-
zer conhecer e amar. Ele
quer .est-a,belecer no Mundo
a dev.oção ao meu Imacula-
do Coração .
- Fico cá sozinha? !
- Não, filha. E tu sofres
muito? -Não desanimes Eu
nunca te delxa,rei. O Meu
Imaculado Coração será o
,teu ref,úgio e o caminho
que te c.onduzirá até Deus.

3.n APA?IÇÃO
DEPOIMoENT0 DE 1917 iDIDPOiiMENTO DE 1941

- O qUe m e quer? - Vossemecê que me


- Quero-te dizer que vol- quer?
tes cá no dia 13 . Rezem o - Quero que <v~am
terç0 a Nos.sa Senhor dC> aqui no dia 13 do mês que
Rosário que a brande a vem, 'que continuem a re-
guerra que só ,ela é que lhe zar o terço todos os diaa,
pode vader. em honra de Nossa Senho-
-Tenho aqui por pedido ra do Rosário, para obter a
se Vossemecê converteuma paz do Mundo e o fim da
60 OS DEPOI!Nl1IDNTOS DA IRMA LOCIA

m ulhe r do P edrógão e uma gue rra porqu e só ela lhes


de Fátima, e se melhora poderá valer .
um m enino da Moita? - Que1ia pedir-lhe para
E que a S enhora r espon- nos dizer quem é , para fa-
deu que os convertia ,e m e- zer um milagre com que
1horava dentro de u m ano. l odos acredit em que Vos -
- T en ho por pedido s e sem ecê nos apal'ace.
Vossemecê leva um home m - Continuem a vir aqui
d e Atouguia paira o Oéu o t odos os meses ; cm Outu-
ma is d epressa m elhor. 1bro direi quem sou, o que
~ L evo mas ... (aqu i não qu ero e farei um m ilagre
sei que mals disse) . qu.e todos hão-de ver paro.
-Faça u m milagre pa- acreditar.
ra que todos acredite.111.?
- D a qui a três m eses Sacrificai-vos pelos pe-
faço entã o com que todos cadores e dizei m u ltas ve-
acrediti?m. zes, em especial sempre
- Não me q uer mais qu,e fizerdes algum sacrifi-
nada? cio : c ô J esus, é por vosso
- N ão te quero mais amor, pe la conve rsão dos
nada. pecadores e em reparação
...Disse... que da segun- pelos pecados cometidos
da, ou te1-ce.l ra vez que contra o Imacula do Cora-
apa.rooeu, lhe ensinou a ção de (Maria.
oração qu0 costuma rezar
entre os mistérios do, terço, Vistes o Inferno, ·p ara
quando reza ma Cova da onde vã o as almas dos po-
Iria. 1: a seguinte: bres pecadores. P a ra: as
salva r, Deus q wer estabe-
lecer no mundo a devoção
a meu Imaculado Coração.
ô meu Jiesus perdoai-nos Se fizerem o que e u vos
e livrai-nos do fogo do In- disser, salvar-se-ão muitas
ferno ; levai as alminhas a~mas e berão paz. A guer-
todas para o Céu, princi- ra vai aca'bar; mas se não
palmente aquelas que mais deixarem de ofender a
dele precisarem. Deus no reinado de Pio XI
começará outra pior. Quan-
do virdes uma noite alu-
miada por uma luz desco-
nhecida, sabei que é o
grande sinal que Deus vos
dá de que vai a punir o
mundo de seus crimes por
meio da guerra, da fome e
de perseguições à Igreja e .
ao !Santo Padre. Para a
impedir, virei pedir a con-
sagração da Rússia a meu
A CONVER,SAO DA RúSSIA 61

Imaculado Coração e a Co-


munhão reparadora nos
primeiros sábados. Se aten-
de rem a meus pedidos, a
Rússia s e converterá e te-
rão paz; s e não, espalhará
seus erros pelo mundo,
promovendo guerras e per-
seguições à Igreja. O.s bons
serão mart!rJza dos. O San-
to Padre terá multo qu.e
sofrer , várias nações serão
a niquila das. Por fim o meu
Imacula do Cor ação' triun-
fa rá. O Sa nto Padre con-
sagrar -me-á a Rús sia, que
~e conve rterá, e será con-
cedido ao mundo algum
tempo de paz.
Em Portugal conse1war-
-se-á sempre o dogma da
F é ... , etc .. .. I s to não o di-
g ais a ninguém, Ao Fi·an-
clsco s im , podeis dlzê-lo.
Qua ndo nezais o terço,
d izei depois de cada misté-
rio: < Ô m eu J esus, per-
doai-nos, ,livrai-nos do fogo
do Inferno, IEWal as almi-
nhas todas para o Céu,
principalmente as que mais
precisarem>.
- Vossemecê não me
quer mais nada?
- Não, hoje não te que-
ro mais nada.

4.• APARIÇÃO
DEPOIMiIDNTO DE 1917 DEPOiiM)ENTO DE 1941

~ Que é que Vossemecê - Que é que Vossemecê


me quer? me quer?
-Quero dizar-te que vol- - Que continueis a Ir à
tes lá à Cova da Iria. Se Cova da Iria no d.ia 13, que
não tivessem a1balado conti- cont-lnuel.s a rezar o terço
go para. a aldeia, o milagre todos os dias. No último
seria mals conhecido. -.Ha- mês farei o milagre para
62 OS DEPOIIl\lltENTOS DA IR.MA LúCIA

via de vir S . José com o que lc dos acreditem.


illl[enino J esus dar a paz ao - Que é que Vossemecê
Mundo. Haivla de vl.r Nos - quer que se faça ao <li -
so Senhor benzer o povo . nheiro que o povo delxa na
Vinha Nossa S enJ10ra do Cova da Iria?
R osário com um anjinho - Façam dois andores.
de cada lado . Vinha Nossa Um l eva-o tu com a Jaci n-
SenJ1ora das Dores com ta e mais duas meninas,
um arco d;e flores à roda . vestidas de branco; o ou-
-Aqu ele dlnhelro que t ro que o leve o Francisco
Vossemecê t em , o que é com mais três meninos. O
que Vossemecê quer f eito clinJ1elr0 dos andores é pa-
dele? ra a festa de Nossa S enho-
-Aquele dinheiro façam ra do Rosário e o qu·e so-
dois andorzinho.s; um leva- brar é para a ajuda duma
-o tu e mais três meninas capela que hão-de mandar
como tu, e vão de branco, ifazer.
0 outro leve-o o F rancisco - Queria pedlr-lh:e a cura
e mais três m eninos como dalguns doentes.
ele, levem uma capa bran- --Sim alguns curarei du-
ca, levem-nos à Senhora rante o ano. R ezai, rl<!zal
do Rosário e apliquem-nos muito pelos p ecadores, que
a IDla. vão muitas a,Jmas para o
Inferno por não haver
quem se sacrifique e peça
por elas.

5.0
APARIÇÃO
DEPO.IiMIENTO DE 1917 DEPOIIMiBNTO DE 1941

- Que é que Vossemecê - Continuem a rezar o


me quer? terço p a r a alcançarem o
- Quero-te dizer que fim da guerra. Em Outu-
continues a rezar o terço bro virá também Nosso
sampre à Senhora do Ro- Senhor, Nossa SeDlhora das
sário, que a.brande ela a [)ores e do Carmo, S . José
guerra; que a guerra está com o illl[enlno J esus, para
para acabar. Para o últlmo a,bençoarem o mundo. Deus
dia, há-de vir S . .José com está contente com os vos-
o Menino .Je..."'lls dar a paz sos sacrif!clos, mas não
ao Mundo e Nosso Senhor quer de dul"ITlais com a
dar a bênção ao poivo. E corda. Trazei-a só durante
que vienhas cá para o dia o dia.
1-3 de outubro. - Têm-me pedido para
- Está aqui esta meni- Lhe pedir muitas coisas: a
na que é muda e mouca, se cura. dalguns doentes, dum
Vossemecê a melhora? surdo-mudo .. .
A OONV•ERSÃO DA R0S&IA 63

A S enhora respondeu que - S im, alguns curarei,


daqui a um ano acharia a l- outros não. E m Out ubro
gumas m elhoras. farei o IMUagre para que
- Tenho aqui por muitos todos acreditem .
pedidos, u ns para 0.9 con-
verter e outros para os
melhorar.
- M ol horo uns, outros
não, porque Nosso Senhor
nã o quer crer n eles.
- O povo m ulto gost a,va
a qui duma capelinha?
- M et a de do dinheiro
que juntaram a t é hoj e fa -
çam os an dores e levem-
-nos à S enhora do Rosá,rto
e outra m etade seja para
a juda da ca pelinha.
O is m n l s a Lúcia. que
lhe ofereceu duas, cartas e
um vidro - um pequeno
frasco-com água de chei-
ro, que lhe foram apresen-
tados por um homem da
freguesia. cl-0 Olival e quan-
do jhos ofer ecia lhe disse:
- D eram-me is to, se Vos-
semecê os quer?
- Isso não é conven len-
t e para o Céu .

6.n APARIÇÃO

DEPOIMENTO DE 1917 DEPOEMIDNTO DE 1-941

- O que é que Vosseme- - Que é que Vossemecê


cê me quer? me quer?
-Quero-te di.z er q11e não - Que ro-te dizer que fa-
ofendam m a ls a N j)sso Se- çam aqui uma capela em
nhor que está muito ofen- minha honra, que sou a Se-
dido; que rezem o terço a nhora do Rosário, que con-
Nossa Senhora do Rosá1io. tlnuem s empre a rezar o
Façam aqui uma capelinha terço todos os dias. A guer-
a Nossa S enhora do Rcsá- .ra vai acabar e os militares
rlo. (A Lúcia tem dúvida.9 ,voltarão em breve para
se fol asslm como fica dito suas casas.
ou se fol : Façam aqui uma - -E u tinha multas coisas
capelinha. Sou a Senhora para lhe pedir. Se curava
64 OS D EPOLMENT0S DA IRMÃ LúCIA

do R os á rio ). A guerra a ca- ,u ns doentes e se con vertia


ba ainda hoje, esp enem cá os pecadores, etc.
p elos seus m il itares muito - U ns sim, ou t r os, não.
brev e . f: pl'eciso qu,e se emen de m,
- T en ho muitos p edidos, qu e peçam perdão dos seus
se Vossem ecê nos d espacha pecados. N ão ofendrun m a is
todos ou não ? a N o sso S en hor qu e já está
- Uns desp ach a r ei, ou - muito ofen d ido.
tros n ão.
- J á m e n ão que r m a is
nada ? D esaparecida N ossa Se-
- J á t e n ã.o que ro m ais n hora n a ime nsa distância
nada. d o fi rmamen to, vimos a o
- Eu t ambém Jh e n ão -lado do SoJ S . José com o
quero m a is n ada. Menl n o J esus ,e N ossa Se-
nhor a vestida de branco
D esa.parec ida :o. S enJ1ora, com wn m anto azu l.
olhou a, v idente pru-a o sol ,S . J osé com o Menino pa-
e <Cviu S . José, a m e lo c or- r ecia m a,b en çoar o m u ndo
po, vestido ide bTanc o c om com os gestos que f azia m
o Me nino Jesus a.ssentado com a mão em forma de
no braÇo esque rdo. S. José cruz. Pouco depois, desva-
est.a.va à esquerda do Sol o n ecida esta a p a riçã o, vi
abençoava o pov o com a N osso S eoho1· e Nossa Se-
mão direita. Pareceu-lhe n ho ra que m e da va a Ideia
que fez três ou quatro cru- d e s e r N os sa Se n hora das
zes sobre o povo. O Me nino iDor~. Nosso S enhor pare-
J esus viu-o a todo o corpo, cia a1bençoar o mun do da
vestido de einc.a.rnado. E mesm -a !forma que S. José.
viu, ao la.do direito do Sol, D esvanec eu-se esta apa-
Nossa. Senhora, a todo o rição e pareceu -m e ver
corpo, vestida de enca.rna,- a inda Noss a S enhor a em
do com um manto azul pela forma semeJ hant e a N ossa
cabeça, brochado a.o pesco- S enhora do Carmo.
ço, e as imão9 à cintura com
09 dedos entrelaçados. De-
11&.pareoou iesta -v i.são, diz
ela, e flcou tmlo amarelo
por alguns instantes, e lo-
go viu aparecer Nosso Se-
nhor, a meio oorpo~ vestido
de branco, à direita dó Sol:
e à direita. de Nosso Se-
nhor, viu Nossa Senhora, a
todo o C()ll'l)O, de P,_é, vestida
de branco, com um manto
azul pela cabeça e as mãos
&Obre o peito de palmas pa-
ra dentro, uma ao lado, clã -
A CONV•ERSAO DA ROSSM.

outro, em posição horlzon-


tnJ.
Declarou !D'Ul.is a Lúcia
que neste momento tam-
bém disse no povo que es-
tava lá S. Jos 6 e depois
Nosso SenJ1or».

Se observamos atentamente, os dois depoimen-


tos de Lúcia, notaremos as seguintes semelhan-
ças e difer ença~:
a) Os textos diferem quanto às palavras em-
pr egadas, quanto à sintaxe <las frases, quanto à
ordem do diálogo e quanto à riqueza de pormeno--
res. O ue 1917 é bastante mais completo que o de
1941, nas aparições de Setembro e Outubro. Em
contrapartida, o de 1941 é mais extenso nas res-
tantes aparições, sobretudo por causa da primeira
e da segund a parte do segredo que o depoimento
de 1917 tinha forçosamente de omitir.
b) Ãparte o que diz respeito ao segredo, no-
ta-se num e noutro texto, uma identidade perfeita
não só no sentido das palavras da Virgem, como
nas descrições da aparição. Há apenas um porme-
nor a destoai· no conjunto. É aquela frase «a
guerra acaba hoje » que o texto de 1917 atribui
a Nossa Senhora. No manuscrito de 1941, a Irmã
substituiu-a por estoutra: «a guerra vai acabar».
Estudaremos este caso mais adiante, num capítulo
àparte, com o possível desenvolvimento.
As observações feitas permitem-nos tirar vâ-
ri·a s conclusões, algumas de suma importância. Por
agora, interessa-nos apenas a seguinte:
Nem o texto de 1917, nem o de 1941 contêm
as palavras exactas de Nossa Senhora.
66 OS DEPOIMENTOS DA IRJMA L -OOLA

As diferenças verbais a. que acima aludimos


abonam só por si, esta conclusão. O texto de 1917,
como já v imos, atribui à Mãe de Deus, erros de
sintaxe, erros de estilística e pelo m en os um erro
histórico - o do fim da g uerra - que de forma
alguma podemos admitir .
O tex to de 1941 tem ainda m enos garantias de
fidelidade, não só por ter sido redigido muito m a is
tempo após a aparição - cer ca de 24 anos -
como ainda por diferir bastante do primeiro, so-
bretudo quanto à forma. ( 1 )
Ora se entre os dois, devesse haver opção, pa-
rece-nos que seria o primeiro que a mer ecia, não
só por ter sido r edigido numa a ltura em que era
relativamente fácil recordar com precisão as pala-
vras e os po,r menores das visitas de Noss a Se-
nhora, como ainda porque concorda perfeitamente
com as subsequentes declarações de Lúci•a e Ja-
cinta ( 2 ) perante outras testemunhas, como por
exemplo o Dr. Formigão.
Eis para confronto, algumas respostas da Lú-
cia e da Jacinta, perante o Visconde de Montelo.

(l) O Tela:tório paroquiaà da 1.• aparição foi escrito


-em 28 de iMa!o- ló dias depois; o da 2.•, em 13 de Junho
- no mesmo dia; o da 3 .• em 14 d e Junho-um dia de-
pois; o da 4 .•, em ~1 de Agoato - dois dias depois; o da
_ 5.•, em 15 de Setembro-dois dias depois e o da 6.•, em
16 de Outwbro - três dias <lepois. '
Ao concluir o pileCloso rela:tór!o, 0 Prior declarou que
juraJVã. a seriedade do que nele se continha «ln verbo sa-
cerdotlB» (Cfr. Costa Brochado, ob. cit. pág. 231) .
(2) Não fala.mos nas declarações do Fr81Dcisco por-
que, como se S81be, eate wa, mas não ouvia a Aparição.
A CONVERSÃO DA R.úSSIA 67

O lei tor verá que elas são perfeitamente paralelas


às declarações consignadas no relatório do Prior
de Fátima, acima transcrito.
Comecemos pelo relatório elaborado em Aljus-
trel, pouco depois da aparição ele 13 de Setem-
bro (1):
- Perguntaste-lhe alguma vez quem era?
- Perguntei, mas declarou que só o diria a
13 de Out ubro.
- Não perguntaste donde vinha?
- Per guntei donde era e ela disse-me que era
do Céu.
- Ilecomendou-te e aos teus primos que rezas-
sem -algumas orações?
- Recomendou-nos que rezássemos o terço em
honra de Nossa Senhora do Rosário, a fim de se
alcançar a paz para o mundo.

- Que declarou a Senhora que se deve fazer


ao dinheiro depositado pelo povo ao pé da azi-
nheira da Cova da Iria?
- Disse que o devíamos colocar em dois ando-
res, levando eu, a Jacinta e mais duas meninas,
um deles e o Francisco com mais três rapazes,
o outro, para a igreja da freguesia. Parte desse
dinheiro seria destinado ao culto e festa da Se-
nhora do Rosário e a outra parte para ajuda duma
capela nova.
- Nossa Senhora fez mais algumas declara-
ções?

(•) O!r. tP.• João de tMarohi 1n «Era uma Senhora...»


3 .• edição, 'Pá,g, 14-1 a 192.
68 OS DfilPOlMIDNTOS DA IIRJ\llà L -OOIA

- Declarou que no dia 13 de Outubro fa r ia


um milagre para que todo o povo acredite que ela
r ealmente apar ece.

- Disse-te que rezasses pela conversão dos


pecadores?
- Não disse ; m an dou-me só rezar à Senhora
do Rosário par a que acabasse a guer ra.
- A Senhor a pediu-te em Maio que voltasses
todos os meses até Ou tubr o à Cova da Iria?
- Disse que voltássemos lá de mês a mês,
duran te seis meses, no dia 13.
*
Do interrogatório feito pelo Dr. Formigão no
próprio dia 13 de Out ubro, pelas 19h :
- A Senhora disse-te quem era ?
- Disse que era a senhora do Rosá r io.

- E que disse ela?


- Disse que nos emendássemos, que não ofen-
dêssemos a Nosso Senhor que estav a muito ofen-
dido, que rezássemos o terço e pedíssemos perdão
dos nossos pecados, que a guerra acabaria hoje e
que esperássemos os nossos soldados muito bre-
vemente.
- Disse mais alguma coisa?
- Disse também que queria. que lhe fizessem
uma capela na Cova da Iria.
. . . . . . . . . . . . . .. . . . , ... . . . . .. ... . .. . .. ... ... . . . .. . ...
- Não lhe fizeste nenhul!l pedido? .
- Eu âisse--lhe hoje que tinha v.á rios pedidos
a despachar e ela disse que despachava uns e ou-
tros não. -
A CONVERSAO DA ROSSIA 69

- Sob que invocação que1· que se faça a capela?


- Disse que era à Senhora do Rosário.
*
A Jacinta que nunca falou à Visão, mas que
a ouviu sempre, referiu assim as palavras da Vir-
gem, no interrogatório de Setembro:
- O que foi que Nossa Senhora recomendou
à Lúcia, com mais empenho?
- Mandou que rezássemos o terço todos os
dias.

- A Senhora disse em Maio que queria que


fossem à Cova da Iria, mais vezes?
- Disse que queria que fôssemos lá, durante
seis meses, de mês a mês, até que em Outubro
dissesse o que queria.

Do interrogatório da Lúcia em 19 de Outubro:


- No dia 13 do corrente, Nossa Senhora disse
que a guerra acabava nesse mesmo dia? Quais fo-
ram as palavras que empregou?
- Disse assim: a guerra acaba ainda hoje.
Esperem cá pelos vossos militares muito em breve.
- Ela disse: «esperem cá pelos seus milita-
res», ou «esperai cá pelos vossos soldados».
- Disse: «esperem cá pelos seus militares».
*
Do interroga.tório -da, Jacinta, no mesmo dia
19 de Outubro:
-Que disse a Senhora desta última vez?
- Disse: «venho aqui para te dizer que não
ofendam mais a Nosso Senhor que está muito ofen-
70 OS DEPOIDl1íENTOS DA IíRMA L-OOLA.

<lido, que, se o mundo se emenda r , acaba a guerra


e se nã o se em endar, acaba o mundo».
*
Do interroga.tório da J acin ba, no dia 2 de No-
vembro:
- Que disse a Senhora, da p r imeira vez que
apar eceu, no mês de Maio ?
- A Lúcia per gunto u o que é que ela queria
e a Senhor a dis se-lhe que fôssemos lá de mês a
m ês, a té fazer seis meses e que n o último mês,
diria o que queria.

- Que disse a Senhor a em Out ubro?


- A Lúcia disse: «Que me quer ?» A Senhora
r espondeu: «Não ofendam m a is a Nosso Senhor
que está muit o ofendido». Disse que Ele perdoava
os nossos pecados se quiséssemos ir para o Céu.
Disse também que r ezasse a gente o te r ço, disse
que esperassem cá os se us mili tares muito em
breve, que acabava a gue rra naquele dia. Disse
que fizesse a gente uma capela e não sei se disse
«à Senhora do Rosário» ou que ela era a Senhora
do Rosário.
*
Para esclarecer bem este ponto, vamos ainda
compara.r algumas das declarações de 1941, com
as correspondentes de 1917. Nestas últimas, in-
cluiremos as várias prestadas pela Lúcia e pela
Jacinta, perante o Dr. Formigão.
A CONV,E RSAO DA R-OSSIA 71

A cerca da, atp(l)rição de 1 S de Maio:

RELATôRIO DO PAROCO :

«Venho cá para te dizer que venhas aqui todos


os meses, até fazer seis meses e no fim dos seis
mese te digo o que quero».

RIDLATô'RIO DO DR. FORiMIGÃO

( pouco antes de 13 de Out ubro) . Interrogatório


de Lúcia: (A Senhora) disse que voltássemos lá
(à Cova da Iria ) mês mês, durante seis meses,
no dia treze.
In terrogatório da Jacinta (em 2 de Novem-
bro) .
«A Senhora disse-füe (à Lúcia) que fôssemos
lá (à Cova da I_ria) de mês a mês, até fazer seis
meses e que no último mês, diria o que queria».

AGORA, O MANUSORITO DE 194'1:

«Vim para vos pedir que venhais aqui seis me-


ses seguidos, no dia 13 a esta mesma hora».
Vê-se num relance que os textos se vão gr~
dualmente afastando uns dos outros. O relatório
do Prior de Fát ima porém, tem muito mais seme-
lhança com os outros dois recolhidos, pelo Dr. For-
migão, do que o manuscrito de 1941. Concluiremos
o mesmo, se examinarmos outras fases do diálogo
entre a Virgem e os pastorinhos. Consideraremos
duas apenas - uma, da aparição de Agosto e ou-
tra da aparição de Outubro.

1111 - 1 _
72 OS DElPOiiM1E)NTOS DA ] RM.A L ú OIA

A cerca ela aparição de Agosto :

REI.JATôRiIO D O PRIOR D E FATrMA

escrito no dia 21, ou seja dois dias após a a parição


que, como, se sabe, teve luga.r a 19 desse m ês :
«Quer o-te dizer que voltes lá à Cova da Iria.
Se não tivessem abalado con tigo para a aldeia, o
milagre seria mais conhecido. H av ia de vir S. José
com o Menino dar a paz ao Mundo. Havia de vir
Nosso Senhor benzer o povo. Vinha Nossa Se-
nhora do Rosário com um an j inho de cada lado.
Vinha Nossa Senhora das Dores, com um arco de
flor es à roda. »

«Aquele dinheiro façam dois andorzinhos; um


leva-o tu e ma.is três meninas como tu, e vão de
branco, e um leve-o o Francisco e mais três me-
ninos como ele, levem uma capa branca, levem-nos
à Senhora do Rosário e apliquem-nos a Ela».

RELATôRIO DO DR. FORMIGAO

( pouco depois de 13 de Setembro) .


Depoimento da Lúcia :
«Disse que (o dinheiro) o devíamos colocar em
dois andores, levando eu, 1a Jacinta e mais duas
meninas um deles e o Francisco com mais três ra-
pazes, o outro, para a igreja da freguesia. Pa.rte
desse dinheiro seria destinado ao culto e festa d·a
Senhora do Rosário e a outra pa1·te, para ajuda
duma capela nova.
Depoimento da; Jacinta:
«Disse que se não abalássemos para Ourém,


A CONVIDRSÃO DA ROSS>IA 73

viria S. José com o Menino dar a paz. ao mundo.


E Nossa Senhora do Rosário com dois Anjinhos,
um de cada lado. »

«Disse que fizéssemos d ois andores e os levás-


semos à festa do Rosário, que eu, a Lúcia e mais
d uas meninas vestidas de branco, levássemos um
e que o F r ancisco com mais três r apazes levassem
o outro. »
AGORA, O M.ANUSORITO DE 1941 :

«Façam dois andores. Um leva-o t u com a Ja-


cinta e mais duas meninas, vestidas de branco;
o outro que o leve o Francisco. O dinheiro dos an-
dores é para a festa de Nossa Senhora, do Rosário
e o que sobrar é para a,j uda duma capela que hão-
-de mandar fazer. »

Do confronto destes textos, conclui-se que o


primeiro, ou um parecido com o primeiro pode ter
sido a origem de todos os outros, inclusive o úl-
timo que nos apresenta já a comunicação da Vir-
gem, reduzida ao essencial. Seriam porém absolu-
tamente inexplicáveis os pormenores dos textos
de 1917 e a tão grande concordância entre Jacinta
e Lúcia, se as palavras exactas de Nossa Senhora
tivessem sido as que estão no manuscrito de 1941.
Os textos apresentados são particularmente ex-
pressivos por falarem de andores, festas, vestidos
brancos, etc., coisas que as pequenitas aprecia-
vam, entendiam e fix•a vam muito bem nas suas
memórias infantis que, como se sabe, funcionam
predominantemente à base da imaginação.
74 OS DEPOIM1ENTOS DA ffiMA LúOIA

Só mais um confronto e este da maior im por-


tânci a, por se tratar da aparição de 13 de Outu-
br.o - aquela que seria mais fácil de fixar e con-
servar na mem ór ia, precisamente por ser a últi-
m a e não h aver já outras imagens celestes a so-
breporem-se-lhe.

R ELATôRIO DO PRIIOR DE FATIMA

redigido em 16 de Outubro - 3 dias depois da


aparição:
«Quero-te dizer que não o.fendam mais a. N osso
Senhor que está mui to ofendido; que rezem o ter-
ço a Nossa. Senhora. Façam aqui uma capel inha a
Nossa Senhora do Rosário (a. Lúcia tem dúvidas
se foi assim como fica dito, ou se foi : façam aqui
uma capelinha. Sou a Senhora do Rosário). A
guerra acaba ainda hoj e, esperem cá pelos seus
militares muito em breve .»

RELATôRIO DO DR. FORMIGÃO


'RED[GIIDO NO PIRôPRIO DIA 13

Lúcia usa o discurso indirecto:


«Disse que nos emendássemos, que não ofen-
dêssemos a Nosso Senhor quê estava muito ofen-
dido, que rezássemos o terço e pedíssemos perdão
dos nossos pecados, que a guerra acabaria hoje e
que esperássemos os nossos soldados muito breve-
mente.»

Rel,a,tório de 19 de. Outubro-. Depoinumto- de


Lúcia:
«Disse assim : a guerra acaba ainda hoje. Es-
A CONVERSÃO DA RúSSIA 75

per em cá pelos seus mili tares mui to em breve.»


Depoimento da J acin t a :
(A Senhora ) d isse : Venho aqui p ara te dizer
que não ofendam m a is a N osso Senhor que .está
mui to ofend ido, q ue se o mundo se e mendar, acaba
a g uen-a, e se não se emend ar, acaba o mundo. »
Relatór io de 2 ele Novembro ele 1917. Depoi-
mento da J acinta :
«A Lúcia disse: «que me quer?» A Senhora
respondeu : «Não ofendam mais a Nosso Senhor
que está muito ofendido. Disse que Ele perdoava
os nossos pecados, se quiséssemos ir para o Céu.
D isse também que r ezasse a gente o ter ço, disse
que esper assem cá os seus militar es muito em
breve, que acabava a g uerra naque le dia. Disse
que fizesse a gen te uma capela e não sei se disse
à Senhor a do Rosário» ou que ela era a Senhora
do Rosário.

ElIS AGOR>A O MANUSORI TO DE 1941 :

«Quer o-te dizer que façam aqui uma capela


em minha honra que sou a Senhora do Rosário,
que continuem a rezar o terço todos os dias. A
guerra vai acabar e os militares voltarão em breve
para suas casas. Não ofendam mais a Nosso Se-
nhor que está muito ofendido».

Vê-se que se Noss a Senhora tivesse falado


exactamente como indica o texto de 1941, seriam
inexplicáveis os textos anteriores. O exame destes
most.ra que têm vári0s pontos de semelhança. As
palavras são pràticamente iguais e a ordem delas,
76 OS DEPOliMUDNTOS DA I!RMA L"OOIA

tam:bém. Quase todos repetem o «erro histórico»


acerca do fim da g uerra (1) .
O texto da Jacin ta de 2 de N ovembro é tão
parecido com o do relatório do Prior de Fátima,
que até admite a mesma dúvida acerca da dedica-
ção da capela, o que é fácil de expli car, nã o só por
ambas terem ouvido igualmente as palavras da
:Mãe de Deus, como ainda por elas constantemente
trocarem impressões, entre si, sobre t udo o que
lhes interessava.
Não há dúvid a nenhuma portanto de que o
texto de 1941 oferece menos garanticas de fideli-
dade que o de 1917. Ora se este, como vimos, não
res iste à crítica interna nem externa, poder-se-á
concluir que nenhum deles contém as palavras de
Nossa Senhora?
Assim apresentada, a conclusão seria perigosa
e ilógica. ~ certo que nenhum dos textos contém
exactamente as palavras de Nossa Senhora, mas
isso não obsta a que tanto o de 1941, como o de
1917 e este sobretudo, tenh,am muitas palavras da
SS. Virgem.
Na entrevista concedida em Fevereiro de 1946
ao Monfortinho holandês, P . Jongen, Lúcia expri-
miu a opinião de que, ao contar o segredo de Julho,
citou literalmente as palavras da Virgem.
- Quis limitar-se, revelando o segredo - per-
guntou o sacerdote - •a dar a significação do que

( 1) Veremos ad!ante que esse <erro> Iónge de con-


tradizer, s6 corrobora a veracidade dos vidientea e até a
realidade das aparições.
A' CONVERSA◊ DA ROSSIA 77

a Santa Virgem lhe disse ou citou as suas pala-


vras literalmente?
- Quando falo das aparições - respondeu a
Irmã - limito-me à significação das palavras;
quando escrevo, faço diligência ao contrário, de
citar literalmente. Eu quis portanto escrevei· o se-
gredo, pala.vra por palavra.
- Está certa. de ter conservado tudo na me-
móri-a?
- Penso que sim (l).
Psicologicamente, é mais fácil de admitir a pos-
sibilidade de serem retidas na memória as pala-
vras do segredo, do que as outras. Estas andavam
constantemente «na baila», por causa dos inqué-
ritos oficiais, elas perguntas sem fim e às vezes,
sem tom nem som, dos devotos e dos curiosos. Era
inevitável estropiarem-se. À força de tanto serem
repetidas, iam-se forçosamente alterando, sem
culpa nenhuma da vidente.
Uns pediam-lhe o relato no discurso directo,
outros forçavam-na a usar o indirecto. Dumas ve-
zes, Lúcia tinha apenas que dizer o que ouvira,
doutras, via-se ob1igada a rebater objecções, com
argumentos que ela mesma, forjava. Tudo isto se
misturava. e cofnundia, na sua mente infantil.
Depois, os interrogatórios eram tais e tantos,
que ultrapassavam as possibilidades da pobre pe-
quena. O próprio Dr. Formigão conta que duma
vez não ousou interrogã,.Ia, por a encontrar sem
forç·as e que doutra vez se lhe dormiu no meio do
interrogatório. Exausta e ainda assim, obrigad·a

( 1) otr. P. João de Maroh.l, ob. ctt. pâg. 309.


78 OS DEPOIMENT OS DA IRMÃ LúCIA

a repe tir mil vezes a mesma história, a viden te


or a se limitava a contar o essenci,al, ora descia a
um ou outr o pormenor que depois omi t ia, ou es-
q uecia, como é fáciil de compreender.
T al como as moedas que todos os dias nos pas-
sam pelas mãos, se desgast am e perdem a po,uco
e pouco os contor11os primi tivos, assim as pala-
vras da Virgem foram progr essivamente evo-
luindo n a boca ele Lúcia, até chegarem à for ma
com que aparecem no manuscrito de 1941.
Deste «desgaste» ficaram possi velmente im u-
nes, as palavr as elo segr edo que, uma vez capta-
das e fixas na memória, n unca mais de lá saíram,
conservando melhor , por isso, a sua frescur a pr i-
mit iva e vi r g ina l.
*
As semelhanças e as difer enças entre os doi s
textos princi pais - o relató rio do Prior de Fátima
e o último m anuscrito de L úcia - permitem-nos
ainda concluir pa r a a r ealid ade d a comunicação
celeste que, o mesmo é dizer, par a a realidade
das aparições.
É evidente que os t extos não dependem um d o
outro. Mas ambos -t êm a mesma origem. Ambos
provêm dum terceiro - um texto original - que
foi o constituído pelas palavras exa ctas da Mãe
de Deus. Se assim nã o fora, como explicar a con-
cordância extraordinária daa ideias não só acerca
dos factos principais, mas até acerca dos porme-
nores?
Não esqueçamos qu~ os, tex.tos foram redigidos
oom 24 anos de intervalo. Se a vidente houvesse
usado de· fraude- no depoimento de 1917, era hu-
_.,

A CONVE>RSAO DA R-OSSI.A. 79

ma na mente impossível que, 24 anos depois, fosse


capaz de reconstituir quase i psis v~rbis, as menti-
ras da infância. E stes 24 anos a que nos referimos
não foi-a m apenas uma separação de tempo, foram
t ambém uma separaçã o de lugar e sobretudo, uma
se paração psicológica. Durante muitos anos, ela
esteve proi bida de falar nas aparições, fosse a
quem fosse e, quando finalmente lhe ordenaram
que escrevesse o que sabia, refugiou-se nas águas
fur tadas do convento e aí, a sós, sem documentos
que pudesse consultar, ou em que fosse possível
r econstituir as antel"iores declarações, relatou tudo
o que uma geração antes vivera.
Uma das características dos fenómenos místi-
cos é precisamente a tenacidade e a firmeza com
que eles se gravam no espírito de quem os vive.
P or ma is privilegiada que fosse a memória de
Lúcia, era humanamente inexplicável que depois
de 24 anos fosse capaz de aduzir tantos po,rmeno-
res das aparições. Da concordância ideológica dos
testemunhos de 1917 com os de 1941, pode por-
tanto deduzir-se .não só a veracidade de Lúcia,
como também a realidade das visitas de Nossa
Senhora à Serra de Aire.
Quando se fala deste assunto, nem sempre se
guardam as devidas _proporções. De certo que a
memória de Lúcia é privilegiada. Foi com toda
a sinceridade e até com toda a justiça que ela pôde
escrever no fim do seu quarto manuscrito:

«>Não poucas pessoas se têm mostra.do bas-


tante admiradas com a memória que Deus se
dignou dar-lTI!e. Por uma bondade 1ntlnlta ela é
80 OS DEPOLM•ENTOS DA IRMÃ L-OOIA

em mim bastante pri.vilegiada em to do o sentido


Mas nestas coisas sobrenaturais não é de adm1·
rar, porqu e elas gravam-se no esp!Mto de tal fo1·-
ma, qu e é quase imposslvel esqu ecê-las; pelo me-
nos o sentido das coisas que elas indicam nunca
se esquece, a não ser que D eus o queira também
fazer esqu~cer . (,)

Isto porém não quer dizer q ue a vidente esteja


isenta do esquecimento. Se o estivesse teria repe-
tido em 1941, as palavras ele 1917, ou pelo menos
todas as ideias que então exprimiu, o que não
aconteceu, como vimos.
De resto, não é verdade que Lúcia tenha afi r-
mado que fixara ou reproduzira textualmente as
palavras da Virgem, como j á se tem dito e escrito.
Ao contrário, ela mesm a declarou em 1946, numa
entrevista a William Thomas Walsh que, ao citar
as palavras da Virgem, se limitou a exprimir o
seu sentido.
- Ao referir as palavras do Anjo e de Nossa
Senhora - perguntou o escritor - •a Irmã repro-
duz as palavras exactas, tal como foram pronun-
ciadas, ou somente o seu -sentido geral?
-As palavras do Anjo- respondeu a Irmã-
eram duma intensidade e duma força tão grande,
eram tão cheias de realidade sobrenatural, que eu
não podia esqueêê-las. Parecia que se me tinham
gravado, tais quais eram e para sempre na memó-
ria. Quanto às palavras de Nossa Senhora, a ques-
tão é outra. Não poderei dizer que todas as pa-la-

( 1) Cfr. Inácio Martins, ob. cit. pé,g. 72.


A OONV•EJRSÃO DA R -OSSIA 81

v1~s sejam exactas. Não me é fácil explicar bem


es tas coisas ( •) .
Nos relatórios do Dr. Formigão há uma passa-
gem que corrobora o que acima fica exposto. Na
visita que o benemérito apóstolo de Fátima fez a
Aljustrel, em 2 de Novembro de 1917, notou que
Lúcia vacilava num ou noutro pormenor. Desfe-
chou.,lhe então a seguinte pergunta:
- No dia 13 não tinhas dúvidas como agora,
acerca do que a Senhora disse. Como se explicam
as tuas dúvidas de hoje?
Ao que a vidente respondeu:
- Nesse dia lembrava-me melhor. Tinha sido
há menos tempo (2 ) .
Não sei que vantagem possa haver em exage-
rar a tenacidade da memória d·a Irmã Lúcia, como
tantas vezes se tem feito. T oda a gente sabe que
ela é extraordinária. Aí estão os manuscritos a
testemunhá-lo, mas isso não obsta, ·a que Lúcia
se tenha enganado ou até errado em questões de
pormenor, como acima se demonstrou e rnaig
adiante voltaremos a constatar.
Posto isto, resta-nos concluir:
Se os depoimentos da Irmã Lúcia nos não ga-
rantem uma reprodução exacta das palavras da
Virgem, será descabida e sem fundamento, qual-
quer argumentação baseada najnterpretação tex-
t ual dos mesmos.
Uma vez porém que a vidente foi fiel transmis-

( 1) Ofr. Fatlma Oggl, •.suplemento de Orlzzontl, Ro-


ma, Maio de 1957, pág. 9.
(~) otr. P . J.oão de Marchl, ob. cit. pág. 186.
e
82 OS DEP0iiMiE)NT0S DA liRM.A L-OOIA

sora da essência da mensagem, é a bsolut amente


legítimo aproveit ar os seus depoimentos, pa1'a,
através das ideias neles expressas, deduzir com
toda a segurança, o que ossa Senhor a de Fátima.
quer de todos e cada um de n ós.
A interpretação da m ensage m de F átima é
portanto uma oper ação d e conjunto, que não po-
derá limitar-se à análise duma palavra, duma
frase, ou mesmo do diá logo inteiro duma aparição.
Por se esquecer esta verdade, é que a revela-
ção da Cova. da Iria tem sido tantas vezes adulte-
rada e diminuída, m esmo em obras de fô lego e
sob a sigla de nomes já feitos no campo da Teolo-
gia e das Letras. Antes de mais, há que descobrir
a espinha dorsal que liga, um a um, todos os fenó-
menos de Fátima, desde a l.ª aparição do Anj'o,
à última visita de Nossa Senhora.
Engana-se quem suponha que F átima fo i uma
revelação em prestações. Foi antes uma revelação
monolítica, uma r evelação continuada, um desen-
volvimento progressivo, ora mais r ápido, ora mais
-lento, mas sempre constante, da mesma doutrina,
da mesma semente que, lançada à terra na pri-
meira intervenção do Céu, foi sucessivamente ger-
minando, crescendo, aumentando, até se tornar a
maior e a mais vasta de _q uantas a Cristandade
já recebeu, depois da morte do último Apóstolo.
Não seria nada difícil descobrir nas palavras do
Anjo, o ·r esumo das palavras da Virgem, até
mesmo daquelas que mais «novidade» trouxeram
como são as que se referem à reparação ao Oora-
ção Imaculado de Maria.
Sendo· assim, para compreender cabahnente a
A CONVERSAO DA RúSSIA 83

mensagem de Fátima, é mister apreender todos


os dados que os videntes e as demais testemunhas
nos fornecem. Só dessa maneira, poderemos com
segurança, des trinçar o essencial, do supérfluo; o
quadro, da m old ura; a gema, do engaste.

DEPOIMENTOS INTERPRETATIVOS

P ouco, ou n ada nos depoimentos de 1917, um


tanto nos manuscritos de 1941 e bastante nas en-
t r evistas orais ou escritas, concedidas a uns e
outros, foi a Irmã Lúcia interpret ando, como pôde
e soube, a mensagem que do Céu recebera.
P er g unta-se qual o valor que, essas interpre-
tações nos merecem?
Numa r evelação dest inada não apenas à
Igr eja, mas ao mundo todo - como é a de Fátima
- uma criança pode ser escolhida para interme-
diária, mas nunca para intérprete. Intérprete é a
Teologia, ou se quisermos, a Igreja tanto Docente
como Discente, uma vez que ambas são permanen-
temente imbuídas e v-i vificadas pelo Espírito
Santo que «ens ina toda a verdade». A Igreja dis-
cente enquanto pratica e a docente enquanto prega
e ensina, são os padrões pelos quais se deverá afe-
rir não só a ortodoxia, mas também o sentid·o de
qualquer comunicação sobrenatural.
Isto basta para -se concluir que o valor das in-
terpretações da Irmã Lúcia não ulb-apassa o da
sua cultura teológica pessoal - cultura mínima,
no início das aparições, cultura, hoje, um pouco
mais desenvolta, mas ainda -a ssim, reduzida e in-
suficiente para tarefa tão alta.
84 OS DIDPOllMIDNTOS DA IRMÃ L -0-0liA.

A destrinça entre as duas fases da história


das mensagens de Nossa Senhor a, - comunicação
e inter pretação - tão evidente no caso de F átima,
é aliás comum a muitas outras aparições. Parece
que o Céu quer pr opositadamente evidenciá-la, não
só para confirmar o papel da Teologia, na vida. da
I g reja, como ainda para realçar o carácter comu-
nitário e de certo modo universal, das mais im-
portantes r evelações p rivad-a s.
Bernardette Soubirous não só não sabia inter-
pretar o que a Celeste Visão lhe disse na Gruta
de Massabielle, como nem seque r entend ia o signi-
ficado pr óprio de certas palavras que a Virgem
pronunciara. O sentido de «Eu sou a Imaculada
Conceição,», por exemplo, er a para ela, um misté-
rio indecifrável.
O mesmo aconteceu em La. Salette. Melâni-a não
tinha a menor noção d·o que significassem as pala-
vras infalível e anti-Oi-isto que a Visão pronun-
ciara.
Em Fátima, nenhuma das t r ês crianças sabia o
que era a Rússia, nem sequer quem era Pio XI ( 1 ) .
Todos conhecem a când-i da ingenuidade com
que a Jacinta interpretava a refeI'ênci-a da Vir-
gem, ,aos pecados da carne e a certeza e, depois,
a hesitação com que í:,úcia atribuiu a pro,fecia da
«_noite iluminada» à aurora boreal de 1938, che-
gando a afirmar que esse fenómeno, observado

( 1) cNós não sabia.mos então se era um Papa., ou um


rei>: Entrevista. do P. Jong,en. Ofr. P . João de Marohi 1n
<Era Uma Senhora Mais Brilhante que o &l>, pág. 309.
A CONVERSAO DA RúSSIA 85

e estudado por t an to3 observatórios, não era real-


men te uma aurora boreal ( 1 ) .
Sem tent armos de forma nenhuma fazer o ca-
tálogo das inexactidões da Irmã Lúcia, lembra-
remos apen as m ais t rês.
A primeira é a já referida frase ~a guerra
acaba hoje» que a vidente re petiu vá rias vezes,
perantes os peregrinos da Cova da fria e depois
per ante o Dr. Formigão e o Pároco de Fátima,
apesa r de tod as as objecções que lhe eram apre-
sent adas. Estudaremos adiante este erro, com o
possível desenvolvimento.
A segunda é a afirmação cont ida no 4.0 manus-
cri to, de que a aparição d e Agosto se deu a 15
desse m ês - data inadmissível, por contradizer
vários documentos da época que a fixam -a 19.
Um desses documentos de particular valor é o
relatório do Prior de Fátima, datado de 21 de
Agos to, dois dias apenas, depois da aparição (2).
São também -a favor do dia 19, os inquéritos
do Dr. Formigão de 27 de Setembro, durante o
qual Lúcia declarou que a aparição de Agosto ti-
nha sido a 19 desse mês e o depoimento da Sr."
Maria Carreira, transcrito pelo P . João de Mar-
chi ( 3 ) .
(' ) « ...parece-me se examinassem bem as coisas, eles
(os astrónomos) Teconheceriam que ivls to as clrcunsttm-
cias nas quais essa ,Juz apareceu, não era, nem poderia
seI', uma aurora. •boreal>. Ofr. Entrevista do P . Jogen P.
João de Marohi, obr. cit. pág. 309.
( 2) Ofr. P. J'oão de iMarohi, obr. clt. pág. 127 e Iné.cio
!Martins 1n <'Em Outubro direi o que quero>, pág. 67 e
Cos~ Brocha.do 1n «Fátima à Luz da História>, pág. 226.
(~) Ofr. P . João de Marchl, Olbr. clt. pãig. 121.
86 OS D E P OIMENTOS DA ]RM.A L úOIA

No dia 19 de Agosto de 1917 - domingo - a


S r .n Maria Carreira tendo ido à missa par oquial
de F átim a, aproveitou o ensejo para r esolver as
dúvidas que t inha q uanto ao dinheiro deixado pe-
los devotos j unto da azinheira da Oova da Iria.
Como ninguém quisesse responsabil-izar-se pelas
esmol·a s, a Sr.n Maria Carreir a dirigiu-se à Lúcia.
«Ao mesm o tempo - conta ela - veio-me um
pensamento• de pedir à Lúcia que per g unt asse a
Nossa Senhora o que queria q ue se fizesse com o
dinheiro.
- Sim - r esponde u-me a pequena - fique
descansada . No dia 13 do m ês de Setembro, hei-de
perg unta r-lho.
A dúvida era p ara ser resolvida só no m ês de
Setembro, uma vez que nem Lúcia nem ninguém
esperava a aparição de Agosto. Esta porém veio
inesperadamente na tar de desse mesmo dia. Foi
por i~so mesmo que Lúda perguntou à Visão:
- Aquele dinheiro que Vossemecê tem, o que
é que Vossemecê quer feito dele?
- Daquele· dinheiro - repondeu a Senhora -
façam dois andorzinhos; um leva-o tu e mais três
menina s C'Omo . tu e vão de -branco, e, outro leve-o
o Francisco e mais três menin•o s como ele, levem
uma capa branca e apliquem-nos a Ela.
Finaimente, registaremos apenas u~a terceira
conf.usão. No manuscrit_o· de 1941, Lúcia ao con-
tar a aparição de.Agosto, -atribui a Nossa Senhora
estas palavras: « .••o (dinheiro) que sobrar é para
a ·aJudâ d uma capela que hão-de mand·a r,fazer».
Ora conclui.a.se eia análise histór!ca das _apa,.
A CONV,ElRSÃO DA ROSSIA 87

rições, que só no mês de Setembro, é que a Virgem


falou da construção da capela.
A referência à construção da capela não apa-
rece no relatório do Prior de Fátima ( redigido
dois dias após a aparição) nem nas declarações
que constam do processo canónico, elaborado em
1924. Isto porém não seria argumento bastante,
pois nada impedia que a Visão se referisse duas
vezes ao mesmo assunto.
O que porém nos convence de que só em Setem-
bro, a Virgem falou da construção da capela, é
o diálogo havido entre -a Lúcia e a Senhora Maria
da Carreira que o P. João de Marchi recolheu da
boca desta última. Detentora do dinheiro que os
devotos ofereci-am, queria a boa da mulher apro-
veitá-lo para levantar um templo a Nossa Senhora. ·
Esse era também o pensar d uma boa parte dos
peregrinos.
Foi por isso que na manhã do dia 19, ela ped•i u
à Lúcia, como atrás vimos, que perguntasse à Se-
nhora, qual o destino a dar a esse dinheiro. Finda
a aparição, a vidente éorreu -a transmitir-lhe as
palavras de Nossa Senhora, segundo as quais, de-
viam comprar-se dois andores. Ao saber isto, a
Sr.n Maria d-a Carreira não se conteve que não
exclamasse:
- ó Lúcia, eu tenho pena que o dinheiro não
seja para fazer aqui. um.a capela. E tu não tens
pena?
- Eu tenho, mas No~sa Senhora mandou as-
sim - respondeu Lúcia - tem de se fazer o que
ela manda.
- ó Lúcia, quando no dia 13 de Setembro,
88 OS DEPOIMIDNTOS D:A ERMA L"úCLA

Nossa. Senhora voltar, pede-lhe para se fazer uma


capela., sim? (') .
Foi por tanto em Setembro e não em Agosto,
como os manuscritos de 1941 afirmam, que a Se-
nhora faiou pela 1.n vez na construção da capela
na Cova da Iria.

Quem se der ao t r aba'lho de examinar detalha-


- damente os documentos -a que acima nos referi-
mos, encontrará vários outr os «deslizes» que só
nã·o apontamos, para não alongar demais este ca-
pítulo.
Erros deste género são perfeitamente com-
preensíveis e explicáveis adentro da multiplici
dade de facetas e da grandiosidade de dimensões
que a história de Fát ima assume. Se esta hou-
vesse durado menos tempo e incluísse menos diá-
logos, poder-se-ia estranhar uma ou outra inexac-
tidão. Assim, nada mais natural par a uma criança,
do que esquecer um pormenor, ou trocar o sentido
duma frase. O contrário - a concordância per-
feita, matemática em tantos e tão variados pon-
tos, é que ' seria de temer e difícil, muito difícil
de explicar.
Embora o nosso intento fosse analisar as inter-
pretações da Irmã Lúcia, quisemos de propó-
sito, fo·ca.r aqui os _«deslizes» informativos, acima
enunciados, a fim de p◊-dermos concluir a f ortiori
para a possibilidade de erro, na exI?licação da
mensagem. De facto, se a vidente comete inexac-
tidões na transmissão · das palavras da Virgem,

(1} Jibldem, p4.g.• 1:24.


A CONVE>RSAO DA ROSSIA 89

coisa que pode considerar-se função específica


dum intermediário, com mais razão as deverá co-
meter na interpretação da mesma que de forma
nenhuma lhe pertence.
Para não assustar certos espíritos demasiada-
mente propensos a exageros tanto na apreciação
do bem, como na condenação do mal, acrescenta-
remos que os erros de que falámos são o que há
de mais natural e a prova é que se verificam, com
grande frequência, na vida dos santos.
Santa Joana d'Arc, por exemplo, interpretou
erradamente a predição do ·seu martírio, julgando
que ele consistiria apenas na prisão e nos tormen-
tos que nela sofreu. Santa Hildegarda que teve
verdadeiras revelações, misturou a mensagem re-
cebida do Céu, com certas crenças da época acerca
da existência de monstros, dragões e outros ani-
mai~ fabulosos. Santa Catarina Emmerich e Santa
Maria de Agreda. adornaram inconscientemente
as revelações recebidas, com a sua própria ima-
ginação. A Beata Anna Maria Taigi, beatificada
em 1920, predisse que Pio IX viveria 27 anos e
que veria o triunfo da Igreja e a' conversão da
Inglaterra, da Rússia e da China.
Ora ·a verdade é que Pio IX viveu 32 anos e
morreu, prisioneiro, bem longe de ver a realiza-
ção de qualquer desses prodígios.
S. Vicente Ferrer gastou os últimos 21 a.nos
da sua. vida, a anunciar a proximidade do fim do
Mundo e do Juízo Final e fez milagres, em abono
do que dizia. Apesar_disso, o fim do Mundo não
veio, como também não veio o f!m de Ninive, pre-
90 OS DEPOliMiENTOS DA IRMA LOCIA

dito pelo profeta J on as, porque o povo se arre-


pendeu e mudou de vida.
Houve vá rios santos que for am pr ivilegiados
com a visão dos sofrimentos de Cristo, no Calvá-
rio. Comparando as suas descrições, vê-se que, em-
bora elas concordem no essencial, discor dam bas-
tante nos pormenores que, chegam a, ser não ape-
nas diferen tes, mas opos tos e irreconcili áveis ( 1 ) .
No caso de Fátima, os erros de que falámos
não excedem as propórções do acidental e, como
já acima frisámos, só confirmam a r ealidade das
aparições. Que mais se poderia esperar de crian-
ças de 7, 8 e 10 anos? Se até Santa Teresa de
Avila, a grande Santa Teresa, Doutora e Mestra
do Carmelo, a quem a Igreja levan tou uma está-
tua com esta inscrição· Ma,ter Spiritua,liiirn, se até
ela se reconhecia incapaz de transmitir com fide-
·l idade, o que Deus lhe comunicara, que admira
que tenha havido uma ou outra incongruência, em
tão pequenos pastorinhos da serra, que, a:lém de
novos, eram rudes e sem qualquer espécie de ins-
trução?

Concluamos portanto:
li: ridículo, e quando se trata da religião, tudo
o que é ridículo é prejudicial, dizer, ou supor que
a Irmã Lúcia tem dons carismáticos, como qual-
quer profeta, ou apóstolo do Antigo, ou do Novo
Testamento.

(1) otr. Fr. PaschaJ Boland OB.IB., ln ciRally>, Sln•


gapura, 196.8, pég. 1121 a 123.
A CONVIDRSAO DA RúSSIA 91

É igualmente ridículo invocar o seu testemu-


nho, como já se tem feito, para defender certas
interpretações da mensagem de Fátima que a Teo-
logia não abona, nem o bom senso consente.
A missão da Irmã Maria Lúcia do Coração
Imaculado, como mui to bem diz a Superiora do
Carmelo de Santa Teresa de Coimbra (1) foi
transmiti r a mensagem da Virgem, o que já fez
e exubel:-antemente. Não lhe peçam porém que in-
terprete o que escreveu ou disse. Peçam isso aos
teólogos, à Hierarquia, aos apóstolos de Fátima
que o E spírito Santo suscita, quando e onde muito
bem lhe apraz. « Ubi vult».

( 1) !Numa. carta endereçaJ:]a ao autor.


A PROFECIA DO FIM
DA 1G UERRA
Os erros da Irmã Lúcia a que atrás nos referi-
mos, não são como qualquer erro vulgar. Têm o
condão de, apesar de t udo, nos ajudarem a desco-
brir a verdade. Isto parece uma contradição, ma~
não o é, como já se vai ver.
É certo que há inexactidões nos depoimentos
da última das videntes. Mas é igualmente certo
que essas inexactidões, não têm origem em qual-
quer espécie de fraude. Lúcia pode errar, como
toda a gente; não é porém admissível que tepha
mentido. Nunca nela se notou a mínima propen-
são para a doblez, nem mesmo em criança. Se ou-.
tras provas não hoovesse, bastava o prestígio de
que semp;re gozou, entre os pequenos da sua idade.
Ora é sabido que uma _criança mentirosa não obtém
jamais prestígio algum, entre_os seus companhei-
ros.
-Se assim é, todos os erros de Lúcia se reduzem
a enganos. Mas um engano não acontece por aC!lSO.
Tem sempre uma explicação, um motivo, uma
~rigem. Na descoberta dessa origem se situa todo
o trabalho do investigador. Conhecida a causa do
engano, fica ip_só facto conhecida a verdade, pelo
96 A P ROFECIA DO FUM DA GUERRA

menos pal'cialmente. É claro que nem sempre será


possível alcançar uma certeza matemática. es-
tas coisas porém, já é de apreciar uma certeza
moral, ou mesmo, uma ólida pr obabilidade.
Aqui está como não há contradição nenhuma,
na frase com que iniciámos este capítulo. Aqui
está, n as s uas linhas ger a is, o processo de t r ans-
forma r os erros, em caminho de verdade.
Este é o método q ue vamos seguir, na aná lise
do erro da Irmã Lúcia que mais tinta já fez correr
- a pr of ecia do fim da guena.

Terminada a aparição de 13 de Outubro de


1917, Lúcia afirmou q ue, segundo Nossa Senhora
d isser a, a g uerra term inava nesse mesmo dia. A
pequena r eferia-se, como é óbvio, à Primeira
Grande-Guerra, iniciada 3 anos antes, precisa-
mente em Junho de 1914.
Ora a ve rdade é que a gue rra não terminou;
continuou a té 11 de N ovembro de 1918.
Esta errada predição, se bem que n ão passe
dum pormenor, cont ribuiu enormemen te para res-
friar a fé do povo nas aparições. O rela t ório que o
Vigário de Porto de Mós enviou ao Pat riarcado
de Lisboa, em 11 de Novembro de 1917, contém
o seguinte parágrafo:
«O que actualmente tem resfriado um pouco a
fé dalgumas pessoas, é uma das pastoras ter dito
que a guerr~ acabaria naquele dia mesmo, ou na
noite seguinte e ela ainda continuar com todo o
incremento».
O Dr. Pinto Coelho, católico arrojado e escla-
A CONVERSÃO DA ROSSIA 97

r ecido que na. «Ordem» tratou várias ve2es o caso


de Fáti ma, rebatendo os exageros duns e doutros,
achava tão estranho o dito de Lúcia, que, e m sua
opinião, devia concluir-se n ão terem as crianças
ouvido tal coisa, uma vez que era inadmissível
qualquer espécie de engano ou mentira na boca de
Nossa Senhora.
E ste pormenor foi realmente um ponto de in-
terrogação para mui tos dos que se debruçaram
sobre a história de Fátima.
No seu belo livro «Aparições de Fátima», Costa
Brochado confessa com toda a honestidade de his-
tor iador consciencioso:
«Quanto ao fim da guerra, nada podemos di-
zer. ( ... ) Por nós acha mos que o melhor é confes-
sar a incompreensão do facto, sem t irar conclu-
sões necessàriamente arbitrárias do ponto de vista
sobrenatural ».
E o Dr. Martins dos Reis no seu livro «Na
órbita de Fátima» inicia o último capítulo com
estas palavras:
«A guerra acaba hoje» - 13 de Outubro de-
1917, - continua a ser o calcanhar de Aquiles da
b atalha de Fátima, porque o problema, até agora,
tem resistido a todas as propostas de solução».
O P. Luís Gonzaga da Fonseca e o P . Agosti-
nho Veloso a quem o estudo de Fátima tanto deve,
são de opinião que no dia· 13 de Outubro, nem
Nossa Senhora, nem Lúcia pronunciaram a pala-
vra «hoje» acerca do fim da guerra. O primeiro,
cita a propósito, vários depoimentos de populares
e de jornaUstas, em confirmação do que afirma e
98 A RRO~OIA DO FIIiM DA GUERRA

o segundo atribui a introdução da palavra «hoje»,


a uma espécie de endosmose.
«A palavra - esclarece o Rev. Agostinho Ve-
loso - é posterior ao momen to da Aparição. E
além de posterior, é contraditória com os próprios
termos da mensagem, ou seja com a exigência. de
tempo necessário para se fazer a penitência pedi-
da. Donde se segue que tal palavra não pertence
à Aparição, mas resul to u dum equivoco posterior
da Lúcia que, por endosmose, teria depois confun-
dido a recordação das expressões da multidão, com
as palavras ouvidas à Senhora e por ela autêntica-
mente repetidas no m omento preciso e insofismá-
vel do êxtase, em que fo i instrumento inconsciente,
mas absolutamente fiel, da Mãe de De us e da sua
Mensagem ao mundo. ( ... )
O que nesse momento as crianças disseram foi
que «se fizesse penitência vara a gue,r ra acabar»,
e não que a guerra «terminaria nesse dia», tanto
mais que esta última forma seria, como fica dito,
incompossível com o espaço de tempo, eviden-
temente implicado no pedido de penitência». (')
Segundo estas opiniões portanto, a vidente teria
dito que a guerra acabava em breve e só mais
tarde, em virtude de qualquer confusão ou engano,
teria ajuntado a palavra «/w,Je».
Ao contrário, o P. Rolim e o já citado Dr. Mar-
tins dos Reis respectivamente nos livros Francisco

- ( 1) Cfr. Agostinho Veloso 1n Aspectos cruclais do


problema de FAtlma,, Separata da revista Brotérta., vol.
LIII, Fase. 6, Dezembro, 1961, págQ. 9-9 clt. por Martins
dos Reis 1-n Na õrblt.a de Fa\tlma pé.gs. 168-169.
A CONVERSÃO DA RúSSIA 99

e Na ó r bita, de F átima;, depois de citarem a frase


de Lúcia, «a guerra acaba hoje» concluem que ela
é a utênt ica e admitem até a possibilidade de estar
cer ta, porquanto em seu parecer, ninguém pode
negar que a g uerra tenha acabado no dia 13 de
Out ubro de 1917, se não oficialmente, pelo menos,
virt ualmen te.
« ... teríamos, ainda, diz O· P. Rohm, que estu-
da r a his tória da «grande g uerra », da «guerr a
m i11nclial » para podermos verificar se se deu nesse
dia, ou por esse tempo, algum erro ou facto que
tenha determinado a paz.
( .. . ) Quando entrou n o ânimo dos combatentes
o pedido ao_ou menos a ideia do armistício?
O certo é que com as «A p wrições» de Fátima
coincidiram as infiltrações bolchevistas no exér-
cito e até o seu triunfo e implantação na Rússia
logo em Novembro.
E não seria este facto determinante então da
paz, como ultimamente a todo o custo o pretendeu
-ser da guerra?» (1)
«A ,g-uerra, diplomática - diz por sua vez o
Dr. Martins dos Re is - não menos que a campal,
é feita de s urpresas e imprevistos. Ora depois de
t udo o que referimos, quem pode garantir que não
hou ve qualquer reviravolt a, mais ou menos ines-
perada., nesse dia 12 ou 13 de Outubro nas Chan-
celarias •b eligerantes? ( .. . ) -
O mistério só se explicará e explicaria, se se
conhecesse, ou pudesse vir a conhecer tudo o que

(1) Ófr. P . J . Rolim ln Francisco págs. 36-37.


100 A PROFECIA DO Im!M D A OUE RRA

se passou no segredo das Ch ancelarias e elos Altos


Comandos militares, n esse dia decisivo. ( ... )
Enquanto se n ão demonstrar, apoditicamente,
que em 13 de Out ubro de 1917 não h ouve, com
certeza a bsoluta, n as Chancelar ias e nos Al tos Co-
mandos miiiares, qualquer decisão ou facto de.ter-
minante, da P az, não se pode invocar cont r a a
veracidade da Vidente e da A parição, a realidade
material de ela ter cont inuad o, porque a ser des-
conhecido esse fa cto ou decisão não pode s ignifi-
car que tenha sido inexis tente, pois o que se ave-
riguou torna-os, mais d o que possíveis, muito pro-
váveis .. . » (1)
Ao que fica exposto se reduzem p ràticamente
todas as opiniões até agora emitidas sobre a pro-_
fecia do fim da guena. Quisemos começar por
elas, não só para esclarecer o sentido da questão,
como ainda para dar uma ideia da importância que
a este caso atribuem, os estudiosos de Fátima.
Antes porém de expormos a nossa tese, segui-
remos o velho sistema de refutar as opiniões con-
trárias. -

Apesar ~do muito respeito que a benemérita


obra do P. Luís Goi!zaga nos merece, não podemos
de forma nenhuma aceitar a sua opinião, como
também não podemos aceitar as opiniões dos PP.

(.1.) Ofr. iMartins dos !Reis in Na ~rblta de Fãtlmã,


págs. 180 e 182. :
A CONVERSÃO DA R-OSS•I A 101

Agostinho Veloso, Rolim e Sebastião Martins dos


Reis, embora os admiremos profundamente e te-
nhamos pelos seus livros e escritos, a maior con-
sideração.
A nosso ver, é incompreensível numa rapariga
sensata como Lúcia, a evolução, que o P. Gonzaga
e o P . Agostinho Veloso, apresentam. Esse, o mo-
t ivo p()Jr que a não ace·i tamos. Rea:lmente, dizer «·a
g uerra acaba breve» ou «a guerra vai acabar»
em 13 de Outubro, numa altura em que os habi-
ta ntes de Fátima podiam legitimamente duvidar
se a guerra acabava ou não, e afi rmar mais tarde
«a guerra acaba hoje» (hoje referido a 13 de Ou-
t ubro) quando toda a gente sabia que tal frase
era falsa, é coisa impossível de admitir ém qual-
quer pessoa normal.
O processo contrário é que pode ser verda-
deiro. Como vai ver-se pelos documentos abaixo
citados, em 13 de Outubro e nos dias seguintes,
nem Lúcia, nem Jacinta admitem a menor dúvida
acerca da frase «a guerra acaba ho,je». Era mesmo
de estranhai· a teimosia com que, semanas depois
da aparição, elas repetiam tê-la ouvido a Nossa
Senhora, apesar de toda a gente lhes mostrar que
isso e ra impossível, porque a guerra continuava.
De tal maneira Lúcia se convenceu de que ouvira
aquelas palavras, que ainda em 1924, as repetiu,
sob juramento, no inquérito oficial, depois de pas-
sados 7 anos sobre a última aparição e 6 sobre o
fim da guerra.
Nesse inquérito, a vidente exprimiu-se assim:
«Parece~me que (Nossa Senhora) disse ainda
deste modo: convertam-se, a guerra acaba hoje»
102 A PR.OFE OIA DO FIDM DA GUERRA

A princípio, era acerteza; agora, há já uma


sombra de d úvida; finalmente, quando, duas deze-
n as de anos depois, o Prelado de Leiria lhe pediu
que redigisse as suas memór ias, Lúcia pôs de
par te todas as hesitações e substituiu a an tiga
frase por estout r a.: «a g uerra vai acab ar».
Os depoimen tos que o P . Luís Gonzaga apre-
senta em confirmação da sua tese são todos de
gente séria, gen te cuja honestidade ning uém pode
por em dúvida. En tr e gente sér ia por ém, é muito
mais fácil de admit ir a evolução a p artir de «a
g uerra acaba hoje» par a «a g uerra vai acabar»
do que no sen tido inver so, pela simples razão de
que o mais cont ém o menos. P or outr as palavras,
entre gente séria, explica-se que a frase «a g uerra
acaba hoje» t enha d ado origem a esta, «a g uerra
acaba breve ». O que, não se explica de fo rma ne-
nhuma (entre gente séria) é que a úl t ima tenha
dado· origem à primeira, í)recisamente por esta
ser muito mais determinada e precisa do que
aquela.
Para documen t ar a sua tese, o P. Luís Gonzaga
interrogou pessoalmente duas pessoas que estive-
ram em Fátima no dia 13 de Outubro de 1917.
Foram elas o Dr. Carlos de Azevedo e o Sr. An-
tónio Joaquim dos Reis. Perg,untou-lhes se ouvi-
ram a pa,lavra «hoje», quando a pastorinha falou
do fim da guerra.
Ambos responderam que não. Trata-se dum ar-
gumento negativo donde não é lícito concluir
grande coisa, tanto mais que - e este é um por-
menor importantíssimo - os ditos interroiatórios
A CONV<IDRSA.O DA ROSSI!A. 103

-
tiveram lugar em 1947, ou seja 30 anos depois
da aparição!
Concordemos que é preciso uma coragem ex-
traordinária para, a trinta anos de distância, ga-
rantir, com toda a certeza, ter, ou não ter ouvido
uma palavra tão simples e vulgar como «hoje» .
De resto, quanto à declaração do Dr. Carlos
de Azevedo, devemos acrescentar que ela contradiz
•,
a carta que a mesma testemunha enviou a seu
irmão em fins de 1917. Adiante nos referiremos
a este depoimento, citando o sa,udoso Visconde de
Montelo.
Há quem atribua excessiva importância, ao
s ilêncio dos jornais sobretudo dos que atacavam
as aparições como eram o «Século», o «Diário de
Notícias» e «O Primeiro de Janeiro».
_ Realmente, nenhum deles dto,u ;3, frase, «a
guerra acaba hoje». O «Século» não a citou, sim-
plesmente porque Avelino de Almeida usou o dis-
curso indirecto. Eis como ele se exprimiu:
«Lúcia a que fala com a Virgem anuncia, com
ademanes teatrais, ao colo dum homem que a
transportava de grupo em grupo, que a guerra
terminara e que os nossos soldados iam regres-
sa.r . .. »
Por motivos difíceis de explicar, as palavras
terminar (JJ e iann regressar foram transcritas por
vários autores, como sendo terminará e vão re-
gresswr. Eis o que a este propósito disse o grande
apóstolo de Fátima que se ocultava sob o hete-
rónimo de Visconde de Montelo:
«Citando Av,ellno de Almeida, -já. transcrito
por Costa iBroohado, ~o !Autor de F6.tlma e a

'
104 A PROF>ECIA DO FillM DA GUIDR:RA

Critica. (P . L u!s Gonzaga da F onseca) muda sim-


plesmente o tempo do ver bo t e rminar (que Ave-
lino d e, Almei da emprega no pret értto-ma is-quc-
-perfelto ) c tudo fica facil itado, conform e os acon-
tecimen tos daquele tempo: o acento, que no <Sé-
culo> s e vê n o ipcn úJtim o A , - tcrrnlnãra - passa
p a ra o último: term in a rá . E como complem ento
desta mudança, vem: - <... e qu e os n ossos sol-
dados vão reg r es ar» quan do A velino de A lm eida
escreve : <.•. iam r egressar>. Convém. notar, porém
que esta ,emen da, qu e eu lamen to p or nã o corres-
ponder à verdade, a vi na Voz lia Fátima de Março
de 1926, e nã o é possLvel hoje, identifica r o res-
ponsáivel> .
Parece· porém certo que os outros jornais se
não referiram à citada. frase, «a guerra acaba
h oje».
Ora, diz-se, se Lúcia a tivesse proferido, os re-
pórteres daqueles periódicos que estavam presen-
tes em Fátima, na hora da aparição, tê-la-iam
registado, comentado e usado, como um dos me-
lhores argumentos contra a causa de Fátima que
eles tanto combatiam.
Neste raciocínio, há um erro t remendo. Preci-
samente porque combatiam a religião, é que os
repórteres tinham conveniência em omitir aquela
frase que, a ser verdadeira, viria confirmar toda
a história de Fátima. Ora no dia 13 de Outubro,
data em que foram redigidas as reportagens pu-
blicadas nos citados jornais, ninguém sabia se a
frase era, ou não, verdadeira. Os enviados da im-
prensa que estavam convencidos de ter vindo as-
sistir a uma comédia, ficaram profundamente im-
pressionados, como alguns confessaram, com o
espantoso milagre do Sol.
...

A CONV•ERSAO DA RúSSIA 105

Afin al Fátima não era a brincadeira que se


imaginava. Admitamos que eles oµviram a vidente
a afirmar: «a guerra acaba ho'.ie» . Depo-is do fenó-
meno que tinham presenciado, quem poderia admi-
tir a impossibilid ade deste novo milagre?
Mas dar publicidade a essa profecia era ajudar
a confirmar o que eles combatiam. Ao jornalista
esclarecido, impunha-se portanto uma reserva pru-
dente e habilidosa. Dizer que a guerra acabaria
e m breve, não tinha pràtic·a mente valor nenhum.
Toda a gen te o podia dizer. Ag.o•r a que a guerra
durava há três anos, era de supor que acabasse,
sem grandes delongas. Uma frase assim não po-
dia ter consequências de m aior, em qualquer das
hipóteses. Ora foi isso o que os r epórteres fízeram.
H abituados à actual rapidez da troca de notí-
cias, no plano internacional, esquecemos, por ve-
zes, que o caso era diferente em 1917. O ~Diário
de Notícias» só publicou a reportagem de Fátima,
no dia 15 de Ou'tubro e o «Primeiro de Janeiro »,
no dia 16. Os artigos foram portanto compostos
e -i mpressos na tarde ou na noite dos dias 14 e 15.
Nessa altura, a tenta a dificuldade em obter notí-
cias, fidedignas, do estrangeiro, era absolutamentP.
legítimo duvidar, se a ,p rofecia de Lúcia se tinha
ou n ão cumprido.
Quando mais tarde, houve a certeza de que
afinal a profecia era falsa, nenhum dos, repórteres
achou prudente voltar à liça. Se o fizessem teriam
comprometido a sua própria honestidade. De facto
quem os acredi t aria, agora, a afirmar que a Lúcia
dissera: «a guerra acaba-hoje», se eles mesmos,
escrevendo de Fátima, no próprio dia 13 de Outu-
106 A PROFECIA DO F1RI[ D A GUERRA

bro, atribuiram à pastorinha, uma frase total-


mente d iferente?
De r esto, a grande ques tão que nessa altura se
debatia na impre nsa, era o milagr e do Sol sobre
o qual parecia polarizar-se a atenção de todos. O
que dizemos dos jornais da oposição (oposição a
Fátima, é clar o) dizemo-lo igualmente dos católi-
cos que omi t iram também a profecia do fim da
guerra~ para o d ia 13 de Outubro. Embora por
mot ivos opostos, todos fora m lógicos e p rudentes,
n a reserva adoptada.
Se no dia 13 de Ou t ubro, Lúcia tivesse di to
à queles milhares d e per egrinos «a guerra acaba
hoje», objectam a inda, a nova do fim da g uerra
correria de boca em boca e provocaria em toda a
parte, manifestações estrondosas de júbilo. Ora
não há provas de que o povo se tenha regozijado
com a profecia do fim da guerra.
Também aqui está erra.da a ilação. O «Pri-
meiro de Janeiro» dizia textualmente no dia 16 de
Outubro: «A pastorinha vidente anuncia a proxi-
midade do fim da guerra e da volta dos nossos
soldados, o que encheu de alegria a multidão que
se juntou naquele local e que foi calculada entre
quarenta a cinquenta mil pessoas».
Quanto a outras espécies de manifestações que,
a darem-se, teriam sido testemunhadas por al-
guém, responderemos mais uma vez que, para '
apreciarmos os acontecimentos, temos de ser
objectivos e atender a todas as circunstâncias que
acompanharam as reacções do povo. Ora este aca-
bava precisamente de assistir à tremenda d'ança
do Sol que durante cerca de 10 ou 15 longos minu-
A C ONVERSÃO DA Rl'.TSS[A 107

tos, o aterrorizou de tal maneira, que muitos su-


puser a m ter chegado o fi m do Mundo. Os teste-
munhos de quantos pr esenciaram aquele fenómeno
apocalíptico, são suficien temente conhecidos do
p úblico. Quando o Sol começou a despenhar-se so-
bre a multidão, houve gritos e desm aios. F.izeram-
-se confi ssões públicas e alguns antigos descrentes,
a j oelhados na lama suja e fria, batiam com pedras
n o peito, recitando o credo em voz alta.
Vár ios se convencer am de que era aquele não
só o fi m ela s ua vida, m as o pr óprio fim do mundo.
Or a tem os de confessar que o fim duma guerra
que se tr ava ao longe, para lá dos Pirinéus, tem
bem m enos importância par a cada um de nós, do
que o fi m d a pr ópria vida e sobretudo•, cio que o
fi m do Mundo.
Como prova da extraor d inária sens ação que o
m ilagre do Sol causou, r ecorde-se o debate que ele
fez surgir nos jornais e a proporção do espaço
que os articulistas lhe destinaram, em relação com
qualque1· outro acontecimento de Fátima ou do
Mundo. O sinal celeste fora tudo. É precisamente
nestes termos que Avelino de Almeida se exprime
no «Século» :
«Lúcia anuncia. .. . que, a guerra ,terminara e
que os nossos soldados iam regressar .. . Seme-
lhan te nova todavia não a umenta o júbilo de quem
a escuta. O s inal celeste foi t udo».

Quanto a.os que afirmam que a guerra termi-


nara virbualmente em 13 de Outubro de 1917,
diremos simplesmente que Nossa Senhora não
108 A PROF'EOIA DO FIM DA GUERRA

brincava com as palavras. e ela disse: «a guern.1


acaba hoje», essa expressão tem de entender-se,
não segundo as dis ti nções dos exegetas, dos poetas,
ou dos filósofos, mas segundo o modo de falar do
povo.
Será uma ingenuidade muito grande querer
demonstrar que a guerr a acabou em 13 de Outu-
bro de 1917. Toda a gente sabe que continuaram
as lutas, os combates, as mortes, os incêndios tão
intensamente, ou mais intensamente ainda do que
antes. Recorde-se, por exemplo, o que foi a bata-
lha de La Lys, sobretudo para as nossas tropas.
Naquela trágica manhã de 9 de Abril de 1918, o
Corpo E xpedicionário Po•r tuguês perdeu cerca de
7.000 praças e mais de 300 oficiais, o que repre-
senta uma percentagem elevadíssima para o redu-
zido número dos nossos soldados (').
Na boca de Nossa Senhora, «a guerra acaba
hoje» significa pura e simplesmente o fim das
hostilidades, o fim da guerra no próprio dia 13
de Outubro. Isto é tanto mais evidente, quanto é
certo ter havido até uma referência explícita, ao
regresso dos nossos soldados. «E sperem cá pelos
seus ~militares muito em breve».
Numa tentativa de solução o Visconde de Mon-
telo chegou a alvi·trar a consulta dos arquivos se-
cretos da I Grande Guerra.
«Seria útil e vantajosa uma consulta séria aos
arquivos que guardam - se ainda existem - os
documentos secretos, confidenciais, relativos à 1.ª

(1) Ofr. 11111t6rla de Portugal de Damião Peres, vol.


VII, PAI:', õ14.
A CONVIDRSAO DA R'OSSIA 109

grande guerra e actividades dos seus mentores.


Talvez aí se encontrem elementos que projectem
maior claridade sobre o assunto» ( 1 ) .
Isso foi que o Dr. Martins dos Reis quis fazer,
como ele mesmo declara:
«O que nem o Visconde de Montelo, nem mais
ninguém fez, vamos nós tentar fazê-lo parcial-
mente, apoiados em factos, e raciocinando sobre
eles ... » (2 )
O certo porém é que a exposição do Dr. Mar- .
tins dos Reis nada permite concluir. Fizeram-se
r ealmente no Verão e nos princípios do Outono de
1917, grandes esforços para alcançar a paz, sobre-
tudo da parte ela Santa Sé. Tudo porém res·ultou
infrutífero. A guerra continuou. Este é o facto
histórico, indubitável, que ninguém de senso pode
negar. Continuou a guerra, não apenas oficial-
mente, mas r ealmente e com todo o seu cortejo
de misérias e desgraças. E era a esta guerra real,
que Nossa Senhora se referia, nem outro podia
ser o sentido das suas palavras. Nem outro foi
o sentido que o povo deu à profecia da Lúcia.
Nossa Senhora não podia ter a, intenção de enga-
nar o povo.
De resto, voltamos a insistir, ainda que fosse
possível provar o absurdo histórico do fim da
guerra em 13 de Outubro de 1917, como explicar
a referência expressa aos nossos soldados - «es- -
perem cá pelos seus militares muito em breve»?

(1) Cfr. Stella Maio/Junho, 1966, pág. 14.


( 2) ,o tr. Sebastião Martins dos Reis 1n Na, órbita de
Ft\tima pãg, 172.
110 A PROFiECLA DO FiI!M DA GUfilRRA

Toda a gente sabe que mui tos nunca mais regres-


saram. Morreram por lá, no 9 de Abril e nou tras
batalhas. E os que regre-ssararn, não r egressaram
«em breve» mas só daí a muito tempo·, só em Maio
de 1919, ou seja, quase do,is anos depois.
O visconde de Montelo apontou ainda os se-
guintes a lvitres :
« ... A palavra e.hoje> que a Lúcia dlsse ter sido
pronuoclada p ela Visão, pode a tribuir-se à stgo1-
ficação lata que tem muitas vezes na Sagrada
Escritura do Antigo T estamento. A ssim como, no
texto sagrado, não raro a palavra « lia> indica
um peri'odo de tempo mais ou menos longo, às ve-
zes até de milhares de aoos, assim também a
palavra hoje tem com frequência, o m esmo valor
que o advé11bio «1breve meote>. D esde o mom ento
em que se aceita esta interpretação, a ninguém
é licito afirmar que a profecia se n ão tivesse cum-
p1ido, com rigor, porque duraodo a guerra havia
três anos, e cessaodo, como de facto cessou, em
virtude do armlsticio, cerca de um ano d epois do
dia treze d e Outubro, e ra ,verdade d izer-se nesse
dia que acabava «•brevemen te> .
( .. . ) «A profecia podia r eferir-se principal-
mente à guerra religiosa d esencadeada em Portu-
gal, e só secundàriamente à grande guerra euro-
1pela. A circunstância de as aparições se r ealiza-
reni no nosso País, e sobretudo, dece rto, p a ra bem
dos portugueses, par.ece autorizar esta !nterpre-
taçá<» .
É claro que nenhuma das soluções nos satisfaz.
As palavras da Virgem têm de ser intêrpretadas
no seu sentido próprio que neste caso não pode ser
outro, senão o popular. Ora nem a palav.ra hoi e é
s•u sceptível de tamanha amplitude, naquele con-
texto, nem a guerra; de _que a Visão falou pode
A CONVERSÃO DA R'OSSI!A. 111

deixar de ser a I Grande Guerra, a guerra que


nesse momento se travava e na qual andavam os
nossos soldadoo.
Nos diálogos de Nossa Senhora não podemos
adm iti r de forma nenhuma, uma linguagem elás-
tica, ou en igmática, como a dos visionários e ni-
groman tes. Se tal viesse a verificar-se, isso só
provaria a falsidade das aparições.

Demos tanto relevo às objecções, porque a sua


r efutação contém já, implicitamente, a prova do
que adiante apresentaremos. Embora o facto de
se admitir a pr ofecia da guerra para 13 de Oubu-
bro, torne bastante mais difícil a explicação da
história de F átima, não hesitamos em a aceitar,
desde que a evidência a imponha.
De r esto, ver-se-á no decorrer do presente tra-
balho, que o estudo deste pormenor, longe de con-
trariar a verdade de Fátima, só contribui para a
enriquecer, com uma maior e mais poderosa lumi-
nosidade.
,...
LÚCIA AFIRMOU QUE A GUERRA TER-
MINAVA EM 13 DE OUTUBRO DE 1917

No dia 16 de Outubro, o Prior de Fátima, re-


cebia no seu escritório•, a mais velha das videntes,
para, de acordo com as suas declarações, redigir
o precioso relatório a que já várias vezes nos refe-
1-imos. Eis como Lúcia transmitiu as palavras da
Virgem:
«Quero-te dizer que não ofendam mais a Nosso
112 . A PROF\EOIA DO FIM DA G U !DRRiA

Senhor que está muito ofe ndido, que r ezem o terço


a Nossa Senhora. Façam aqui uma c<:1pelinha a
Noss a. Senhora do R osário. (A Lúcia. tem dúvidas
se foi assim como fi ca di to, ou se foi: Façam aqui
uma ca pelinha. Sou a Senhor a do Rosário,). A
g uerra acaba ainda hoje, esperem cá pelos seus
militares muito em breve».
Era natura l que no dia 16, já começassem a
surgir dúvidas sobre se a g uerra terminara, ou
nã o, no dia 13. Apesar disso, nem Lúcia as mani-
festa, nem o prior vacila, em exarar o que ela diz.
A única. hesitação r egistada refere-se às palavras
da Virgem, acerca da. capela.
No mesmo dia 13 de Outmbro, às 7 horas da
tarde, o Dr. Formigão teve a feliz ideia de inter-
rogar minuciosamente os videntes. Começou natu-
ralmente pela Lúcia. /
- Que disse ela (Nossa Senhora)? - pergun-
tou o referido sacerdote.
- Disse que nos emendássemos, que não ofen-
dêssemos Nosso Senhor que estava muito ofen-
dido, que rezássemos o terço e pedíssemos perdão
dos nossos pecados que a guerra acabaria hoje e
que esperássemos os nossos soldados muito breve-
mente (1) .
A segui-r , foi o inten·ogatório da Jacinta.
- - Que disse a Senhora? - perguntou o Dr.
Formigão.
E a pequena respondeu: ~

(t) otr.· Costa Brocnado in As Aparições de Fátima


pág. 109,
A CONiVERSAO DA RúSSl:A 113

Disse que rezássemos o terço todos os dias e


que a guerra, acabav•a hoje ( 1 ) .
Na tarde do dia 19 de Outubro, o Visconde de
Montelo voltou a interrogar os videntes. Também
ele se preocupava com a discutida frase do fim
da guerra. Por isso, a primeira pergunta que fez
a Lúcia, foi esta: ·
- No dia 13 do corrent e, Nossa Senhora disse
que a guerra acabava nesse mesmo dia? Quais
foram as palavras que empregou?
- Disse assim: a guerra acaba a inda hoje.
Esperem cá pelos seus militares muito em breve.
O Dr. Formigão não ocultou a sua estranheza
e objectou:
- Mas olha que a guerra ainda continua. Os
jornais noticiam que tem havido combates, depois
do dia 13. Como se explica isso, se Nossa Senhora
disse que a guerra acabou nesse dia?
- Não sei - respondeu a vidente - só sei que
lhe ouvi dizer que a guerra acabava no dia 13;
não sei mais nada ( 2 ) .
A ensaiar uma possível conciliação entre os
acontecimehtos do domínio público e as palavras
da Virgem - conciliação precisamente igual à que
o P . Luís Gonzaga ma.is ta1·de havia de sugerir,
o Dr. Formigão acrescentou:
- Algumas pessoas afirmam que te ouviram
dizer nesse dia que Nossa Senhora tinha declarado
que a guerra acabava brevemente. É verdade?

(l) Cfr. P . Joà-0 de Marchl in Era. Uma Senhôra


mais brilhante que o Sob>, pág. 179.
(2) libldem, pág. 185.

8
114 A PROFECIA DO F>IM DA Gl.Jill)RRA

Estava aq ui uma saída airosa. para as dificul-


dades apresentadas. Sem hesitar, porém, Lúcia re-
cusa a proposta. e afirma com decisão:
- Eu disse tal e qual como Nossa Senhor a
tinha dito.
Terrrúnado o interrogatório de Lúcia, foi a vez
da Jacin ta.
-Que d isse a Senhora desta última vez? -
perguntou o venerando sacerdote.
- Disse: «venho aqui para te dizer que não
ofendam mais a Nosso Senhor que está muito
ofendido, que se o povo se emendar acaba a. guerra
e se não se emen dar, acaba o mundo. Lúcia ouviu
melhor do que eu o que a Senhora. disse.
O Visconde de Montelo, co:mo é n atural, insis-
tiu no pormenor que m ais lhe inte ressava:
- Disse que a guerra acabava nesse dia, ou
que acabava brevemente?
_ - Nossa Senhora-respondeu a pequena -
disse que quando chegasse ao Céu, aca:bava. a
guerra.
- Mas a guerra ainda não acabou - objectou
o sacerdote, na exp·e ctativa de ver surgir alguma
dúvida. A criança porél?-1 estava tão certa do que
dizia, que não hesitou ém repetir:
- Acaba, acaba ( 1 ) .
Note-se ainda que o prese,nte interrogatório
teve lugar durânte um passeio de Aljustrel a Fã-
. tima que a criança deu, na companhia do Dr. For-
migão e de meia dúzia de pessoas. Tranquila, des-
contraída, sem_qualquer"assomo de ~edo ou can-

(1) llbldem, pág. 188.


A COiN•V ~SÃO DA ROSSLA 115

saço, a menina reproduziu, como pôde e soube


tudo o que a sua pequenina memória lhe forneceu.
Nem assim se deu por convencido o Dr. For-
migão. Cerca de 15 dias depois, a 2 de Novembro,
voltoú a Aljustrel e de novo perguntou à Jacinta,
o que disser a a Virgem em 13 de Outubro. Eis a
r esposta da mais nova das videntes:
« .. . disse também que rezasse a gente o terço,
disse que esperassem cá os seus militares, muito
em breve que acabava a guerra naquele dia» ( 1 ) .
A estes depoimentos, seria agora. a vez de jun-
tar o, do Vigário de P01:to de Mós, no ofício de 11
de Novembro de 1917 a que já acima aludimos.
Se este sacerdote afirma que nalgumas pessoas
resfriou a, fé nas aparições,, por causa da profecia
da guerra, é que e las tomaram a sério as palavras
de Lúcia, as quais, na hipótese de exprimirem
apenas a proximidade do fim das hostilidades, não
apresentariam naquela altura, inconveniente ne-
nhum.
Recordemos ainda o depoimento jurado de Lú-
cia, no inquérito oficial de 1924, a que já aludimos
também. Sete anos depois, a vidente volta a acen-
t uar a discutida afirmação: «parece~me que
(Nossa Senhora) disse: .. . a guerra acaba hoje».
Vêm também a propósito os seguintes teste-
munhos que o Visconde de Montelo citou num ar-
tigo da Stel-la em Outubro de 1955, págs. 4-5 (2).

(1) tlibldem, pág. 191.


(2) Ofr. Dr. iMartlns dos Reis, in Na O.rblta de Fá-
tima pá;g. 165-166.
116 A PROF,EOIA DO FliM DA GUE>RRA

<·Entre numerosLssimas cartas que atestam os


prodlglos ocorridos e m F átima, em 1.917, tenho
wna , escrita no dia imediato a o milagre solar,
com data de 14.-X-19 1.7. Foi-me endereçada pela
ilu s t re S enhora D . M aria J oaquina Tavar es
Proen ça Garr ett, E s posa do notablllsslmo Cate-
drático da F aculdade de Filosofia d e Coimbra,
Dr. Gonçalo de A lmeida Garrett, da Ca deira de
Astronomia, a quem se deve valioso testemunho
cientifico, escrito que conse rvo em m eu poder,
relativo aos f en ómenos atmosfé ricos observados
durante as aparições. E ssa S enhora tinha p resen-
ciado o milagre solar na v éspera, no local das
ruparlções ; estive ra jw1to dos videntes nessa mes-
ma ,h ora e d1z n a carta a que a ludi : ~«S e1 que
V. ficou n a F átima até hoje , e deve ter falado
com s ossego com as crianças .. . Sustenta a p e-
quena, O QUtE LHE OUVI, que NOSSA SBNHO-
RA. DiISSERA QUE A GUERRA ACABAVA
ONTEM? R eceio que i s to n ão fosse dito por Nossa
Senhora e que alguém o inspirasse à pequena,
que um pouco Inconsciente o repetia ... > Se a pala-
vra n ã o tivesse sido ouvida na véspera, dita pela
Vidente, teria a r espeitável Sen hora tão funda
preocupação? ( ... )
Outro va llosi.ssimo testemunho que possuo, e
confirma a ruf:irmação das Videntes- de que a
Senhora prometera qu e A GUERRA ACABAVA
NAQUiELE DIA-é do Rev. P . Francisco Brás das
Neves, então Coadjutor do Pároco da Freixianda .
Inter essa particularmente a citação de outra
carta escrita, em füns de l!917, pelo Sr. Dr. Carlos
de Azevedo M endes, a um seu irmã.o. Possuo ape -
nas a cópia dessa carta, aliás reconhecida opor-
tunamente pelo autor, e esse testemunho é valio-
sissimo, saibendo-se que o ilustre deputado da
Nação esteve junto dos Videntes, no momento da
Aparição de 1'3 de Outubro, e a S. Ex.• se referiu
Avelino de Aameida no famoso artigo cOOMO O
A .CONVtERSAO DA R'OSS,IA 117

SOL BALLOU AO MEIO DIA EM FATIMA> pu-


blicado no '<S éculo> de 15-X-1917, como sendo o
portador de Lúcia por .sôbre a multidã o. Essa
carta , vincada p elo estilo forte e colorido do Au-
to r, rela ta , circunst a nciada.mente, as impressões
dive1·sas, recebidas nos primeiros contactos com
os Videntes, no dealba r cfo Set embro, e em 13
desse mês, e no de Outubro. l!: uma carta longa
de qu e apenas transcrevo o fin a l : - <•. . tomei ao
colo a criança m ais velha, a Vidente; e como era
d i!eren te a s ua a titude da do dla 13 de Se tembro!
A g o ra ela parecia-me a m ensageira de qualquer
n ova, porque ao m eu colo, ela g estlcula va.: e gri-
t a va, dizendo a todos - que fizessem p enitência
p orque assim o que ria a S en hora que lhe a sseve-
rara que a GUERIRA. ACA!BARIA NAQUELE
DIA, e ela a inda continua . .. >

Àparte os testemunhos referidos, há um outro


argumento a favo1· da nossa tese.
A referência à guerra, na última aparição é
tão clara e evidente, que até hoje ninguém a ten-
tou negar. O que alguns dos nossos adversários se
empenham em mostrar, é simplesmente que a Vi-
são anunciou apenas a vizinhança do fim das hos-
tilidades.
Nessa hipótese, Lúcia teria dito: «a guerra
acaba breve . .. os nossos soldados vão regressar»,
ou coisa parecida.
Outra não é a ideia que a vidente exarou no
último dos seus manuscritos:
(( .. . a guerra vai acabar e os militares VO'ltarão
em breve para suas casas».
Ora a verdade é que nem a guerra estava para
acabar, nem os militares voltaram em breve. A
118 A PROFECIA DO F<IiM DA GUERRA

g uerra d-urou ainda mais dum a110, após a última


aparição. Estará esse espaço - um espaço de
cerca. de 13 meses, contido nas expressões, acaba
breve, vai acabwr?
Se Nossa Senhora fa lou para. crianças, se o
destinatário da mensagem era o povo, é claro que
as suas palavras terão de ser interpretadas no
mesmo sentido em que o povo as usa. Ora ninguém
dirá que uma coisa vai acaibar ou que acaba breve,
se ainda lhe resta m 13 meses de vida.
Um ano pode ser tido como pouco tempo, em
relação com um século, ou mesmo com uma vida
de duração normal. Mas é com certeza. muito
tempo, em r elação a. um período de 4 anos. ~epre-
senta nada menos que 25% do total.
Mais. Para os portugueses - e era directa-
mente para portugueses que a Mãe de Deus falava
- a guerra pràticamente pouco ma,is tinha do
que um ano, pois só em Março de 1916 é que os
nossos soldados entraram no conflito. Quer dizer,
relativamente a nós, o tempo que decorreu, desde
13 de Outubro ao fim do conflito, representa nada
menos do que 41% .
De resto, a noção que todos nós temos de muito
ou poruc<> temipo-, depende não só da relação em que
esse tempo está com o total, mas também e sobre-
•tudo do objecto, a que o tempo se refere. É por
isso que as horas de felicidade nos parecem breves
e as de angústia, muito longas.
Neste caso, trata-se da guerra e não de qual-
quer ilterra, como a dos Cem Anos ou a das _Duas
Rosas, conflitos de pequenas proporções- em que
houve vários períodos de paz. Trata-se d,uma

.;..
A CONVERSÃO DA R'úiSSIA 119

guerra m c-derna., uma guerra contínua que ensan-


g uentou a Europa e const ernou o mundo todo -
g uerra que ficou marcad a nos anais da História,
com est e expressivo tít ulo - Primeira Grande
Guerra.
Como poderia chama1·-se p01Uco tempo a um
espaço tão lon go que, por ser de guerra, anda ne-
cessàriamen te associado a mortes, destruições, in-
cênd ios e todo esse cortej o m acabro que a té só em
imag inação, n os a r ripia e confrange ?
N ã o há dúvid a nenhuma. que é muito longo um
a no de guerr a.
Qua lquer de n ós, se em 13 d e Outubro soubesse
que as hostilidades continuavam até N ovembro de
1918, exprimir-se-ia mais ou menos, nestes termos:
«a g,uerra v ai durar ainda muito tempo . .. ma is
dum ano!» Não havia ninguém com certeza que se
a t revesse a dizer: «acaba breve! » Só por ironia!
Só por escárnio!
Demais, todos• entenderam noutro sentido as
palavras de Lúcia. Se os aldeões tivessem com-
pree~dido que a guerra ia durar ainda mais dum
ano, não só se não dariam às manifestações de re-
gozij o de que falou o «Primeiro de Janeiro», corno
ficariam profundamente desiludidos. O povo sabia
d as declarações de Nossa Senhora, em Agosto e
Setembro. ü povo esperava o fim da guerra em
13 d e Outubro de 1917, como claramente o disse
Avelino de Almeida no artigo que deixou na redae,.
ção do• «Séoulo», antes de sair para Fátima, em
12 de Outubro de 1917.
Treze meses de guerra é muito, para quem lhe
sofre as consequências. Recorde-se que andavam
120 A PROFECIA DO F'1iM DA GU@RIRA

na guerra vários soldados de Fátima, cujos pa-


r entes estava na Cova da Iria, na hora da última
aparição. Alguns desses parentes tinham pedido
à Lúcia que inte r cedesse junto de ossa Senhora
pelo regresso dos s us militares.
Quer dizer, os que negam a frase de Lúcia «a
g uerra. acaba hoj e » não conseguem de forma ne-
nhuma evitar a dificuldade que temem. Pelo con-
trário, se quiserem ser coerentes, terão por fo1·ça
de admiti r, ou um err o, ou uma m entira, na boca
de Nossa Senhora. Qualquer destas soluções po-
rém, seria simple mente blasfema. ( 1 )

É evidente que Lúcia não tinha conveniência


nenhuma em assinalar o fim da guerra par a o dia
13 de Outubr o. P elo contrário, para se ver livre
das contínuas dificuldades que esse dito lhe cau-
sava, só podia ach ar vantagem em o ocultai·, ou
o desdizer, tanto mais que toda a gente sabia que
a frase «a guerra acaba hoje» não correspondia
à verdade. Apes ar disso, a vidente mantém-na,
sem tergiversar. Isto prova a firmeza de carácter
de Lúcia. Por isso, dissemos atrás que estava aqui
um testemunho da veracidade da vidente e por
consequência, da realidade das aparições.

(1) D e forma nenhuma poderíamos admitir um erro,


.ou um engano na boca da SS. Virgem. Em qua lquer dos
casos, terfamos uma mancha naquela que é e foi sempre
a Jmaculada. Imaculada não s ignifica apenas, ausência
de pecado . Significa a perfeição toda que é possível numa
criatura. Exige portanto a isenção total e completa de
qualquer defeito, -0u sombTa de defeito.
A CONVERSÃO DA RúSSIA ' 121

Três coisas temos pois como certas:


1. 0 - Lúcia afirmou que Nossa Senhora pro-
meter a o fi m da guerra para o dia 13 de Outubro
ele 1917. ;
2. - A guerra não terminou nesse dia;
0

3.º - Nossa Senhora não podia enganar-se,


nem podia mentir.
É evidente que só há uma conclusão possível.
Lúcia enganou-se quando atribuiu aquela frase à
Mãe de Deus.
N ão há razão nenhuma para admitir que a
vidente tenha mentido. Pelo contrário, todos os
antecedentes e todos os consequentes são a favor
da s ua inquebrantável honestidade. Se outra prova
não houvesse, bastava a firmeza com que a pe-
quena repetiu, durante tantos anos, aquela mesma
frase, sem a mais pequena hesitação, apesar de
saber que ela não era exacta e que havia até quem
descresse das aparições, por causa dela.
Não se trata duma mentira. Trata-se dum en-
gano, duma confusão, aliás perfeitamente justifi-
cável, se atendermos• às circunstâncias em que a
aparição deco1Teu.
Preocupada, como ela mesma confessa, com os
muitos pedidos que o povo lhe encomendara, e
fazendo todos os esforços possíveis para não es-
quecer nenhum deles, pois era aquela a última
visita da Celeste Mensageira, a criança havia por
certo de ter dificuldade em fixar tudo o que ouvia.
Depois vieram as visões junto do Sol, a encher a I
su3t imaginação infantil, vieram os apertões do
122 A PROFEOJA DO F'Thl DA GU®RRA

povo, os gemidos, os gritos, os desmaios, os inter-


rogatóri os sem fim , t anto na Cova, como a cami-
nho de casa, com o depois e m Aljus trel. Nada m a is
natural do que esquecer uma ou out ra palavr a
decisiva para o sen tido da fras e.
Seria uma ingenuidade muito grande, acr edi-
tar que os viden tes de Fátima eram capazes de
reprod uzir tudo, absolutamente t udo o que N ossa
Senhora disse, nas longas e múltiplas entrevistas
que lhes concedera. De certo que transmitiram
o essencial, nem dou tra maneira se j ustificariam
as aparições, mas ser ia preciso um novo milagre,
para que eles p udes em garantir igualmente, a
fide lidade ele tod os os pormenor es.
Até aqui, todos ou quase todos estão de awrdo.
Nós porém quereríamos ir mais longe. Quere-
ríamos tentar, a dentro dos dados que temos à
mão, descobrir qual terá sido a verdadeira frase
de Nossa Senhora que deu o•r igem ao ~ngano de
Lúcia.
Não há dúvida nenhuma que este engano teve
uma causa. A vidente não inventava uma frase
daquelas. Nossa Senhora disse alguma coisa de
parecido, embora com uma significado diferente.
Haverá na história de Fátima dados bastant:es
para se descobrir o que a Virgem disse?
Eis a pergunta a que vamos tentar responder.
CO'mecemos- po1· recordar que a mensagem de
Fátima é um todo único, uma revelação monolí-
tica e não fragmentária. Não há nela elementos
dispersos, heterogéneos. Tudo obedece a umas li-
nhas gerais que são como que o travejamento do
resto do edificio. Como já se disse, a revelação de
A OONtV.ElRSAO DA ROSSU 123

Fátima é uma semente que primeiro se anuncia,


depois nasce, cresce e frutifica. A planta porém
é sempre a mesma, quer esteja no início, no meio,
ou no fim do crescimento .
As linhas gerais ela mensagem de Fátima fo-
ram esboçadas logo na primeira entrevista do
Anjo. Nada se disse na última aparição que não
estivesse já virtual, ou formalmente dito, nas an-
teriores. Sendo assim, parece que nos, será lícito
avançar um pouco mais, na descoberta das pala-
vras de Nossa Senhora.
Outro pormenor muito importante e que tem
s ido esquecido e até negado por vários dos nossos
adversários, é que a menção do fim da guerra não
é exclusiva da última aparição.
Logo na primeira., a 13 de Maio, se fa,Ja deste
assunto.
- Vossemecê sabe-me dizer se a guerra ainda
dura muito, ou se acaba breve?- perguntou a
pasto1rinha à Celeste Visão.
- Não te posso dizer ainda - respondeu a Se-
nhora - enquanto te não disser também o que
que ro (1).
Ora na última aparição, Nossa Senhora disse
o que que ria. Não há dúvida nenhuma também
' que a seguir, falou do fim da guerra.
Em 13 de Julho há uma nova referência a este
assunto. A Visão .afirma que só a Senhor•a do Ro-
sário pode por fim à guerra : «Rezem o terço a

( 1) Cfr. Relatório do Prior de Fátima cit. por Costa


Brochado in Fâtima à Luz da. História, pág. 225 .
124 A PROFECIA DO FiiM: DA GUBRRA.

Nossa Senhora do Rosário, que abrande a guerra


que só ela é que ,lhe pode valer ( 1 ) .
Todos sabemos o que aconteceu em Agosto. O
rapto dos pequenos frustrou a aparição anun-
ciada para o dia 13. Seis dias depois, a Mãe de
Deus visita os seus confidentes, nos Valinhos. É
particularmente precioso o que ela então lhes de-
clara.:
«Se não tivessem abalado contigo para a aldeia
- a Virgem dirigia-se a Lúci.a - o milagre seria
mais conhecido. Havia de vir S. José com o Me-
nino Jesus dar a paz ao Mundo. Havia de vir
Nosso Senhor benzer o povo•. Vinha Nossa Senhora
do Rosário com um anjinho de cada lado. Vinha
Nossa Senhora das Dores com um arco de flores
à roda (2).
A «aldeia» é Vila Nova de Ourém, como todos
sabem. Era assim que a gente de Fátima chamava
à sede do Concelho. A Virgem fala do milagre do
Sol, prometido em Julho e afirma que a sua gran-
diosidade será diminuída, por causa da acção do
Administrador. Se não fora isso, se· as crianças
não tivessem sido raptadas, no dia 13 de Outubro,
viria também S. José com o Menino Jesus, dar a
paz ao Mundo. Teríamos portanto nesse dia, a
proclamação da paz que seria algo de deslum-
brante. A Visão descreve mesmo parte do ceri-
monial. Primeiro, vinha Nosso Senhor · benzer o
povo, e depois, a Senhora do Rosário, como Rai-
nha qos Céus e da Terra, acompanhada de dois

(i) ]bldem, pág. 226 .


(2) Lbldem, pág. 227 .
A CONVERSÃO DA ROSSIA 125

a njos, um de cada lado. Por fim apareceria aindai


a Senhora das Dores, também em atitude triunfal,
com um arco de flores à roda. Isto tudo, depois
dum milagr e tremendo, muito mais grandioso, sem
dúvida, do que o observado pelos peregrinos de
Out ubro.
E ste era o plano da Virgem - plano que não
seria já totalmente realizado, po1· ca:usa da des-
cr ença e d a maldade dos que perseguiram as crian-
ças ( ').
O Céu tinha r azão para anular o plano todo,
m as não o quis faz.e r. Apenas o reduziu e simpli-
fi cou, como indicam .as palavras de Nossa Se-
nhora, na aparição de 13 de Setemb1·0 que a seguir
r egis tamos:
«Quero-te dizer que continues a rezar o terço,
sem pr e à Senhora do Rosário, que abrande ela a
guerra, que a guerra está para acabar. Para o
último dia, há-de vir S. José com o Menino Jesus,
dar a paz ao mundo e Nosso Senhor dar a benção
ao ,povo» ( 2 ) .
Não era só o milagre do sol que ia ser menos
conhecido. Era também a proclamação da paz que

( , ) Alguém dirá que, p,or isso mesmo que havia falta


de ifé no Adminis tra dor e no povo, maia preciso era o
mila gre do Sol e m aior ele devia ser. Esta observação não
é totalmente aceitável. A f é é wna virtude infusa é certo,
mas exige dispos ições da p a rte de quem a recebe. Dai o
ser meritória. c:Qui credlterit ... saLvus erit>. A predição
da Virgem que r ainda recordar que a falta de fé é um_
pecado e que o pecado Impede a graça de Deu.s e a
conversão dos homens.
( 2) libldem, pág. 228.
126 A PROFECIA DO IttiiM DA G U ERRA

per dia solenidade. Agora já não h á anjos, nem


arcos de flores, mas conserva-se o essencial. Ape-
s a.r de tudo, a ind a se ria concedid a a graç.a da paz.
Pelo que acabamos de ver, não foi episódica a
menção do fi m da guerra. A Vü-gem refere-se-lhe
em cinC9 das aparições, em Maio, em Julho, em
Agosto, em Setembro e em Outubro. P oucos temas
haverá na mensagem de Fátima, tão repisadas
como este.
Ora se uma pred ição tanta vez e de tal ma-
neira repetida não chega a r ealizar-s e, é porque
algum óbice se lhe opôs. O segredo de 13 de Julho
em que a guerra apa rece como consequência ime-
diata do pecado e as palavras da Virgem em 19
de Agosto., segundo as qua is, a descrença reduziu
as manifestações do Sobrenatural e põe e m perigo
a concessão da paz, parecem indica r que o obstá-
culo veio da falta de correspondência que a Mãe
de Deus esperava do povo - falta essa que se m a-
nifestou de vários modos - descrença total nal-
guns, indiferença absoluta noutros, ódio nuns pou-
cos e desprezo, ironia e pecado, em quase todos.
É por• tudo isto que nos- parece muito impor-
tante, aquele testemunho de J,a cinta confiado ao
Dr. Formigão no dia 19 de Outubro, ou seja, seis
dias depois da última visita de Nossa Senhora. A
pequena passeava no caminho que vai de Aljus-
trel a Fátima na. companhia de Lúcia, Francisco,
Visconde de Montelo, D. Maria Cândida de Avelar
e D. Leonor Constâncio. Ia à sua vontade, serena,
tranquHa, descansada. Interrogada à parte, sem
que os outros dois videntes a mi-vissem, exprimiµ-
.,se assim:
A CONV•E RSAO DA RúSSlíA 127

« (Nossa Senhora) disse .. . se o povo se emen-


dar, acaba a guer1·a e se não se emendar, acaba
o mundo».
E sta declaração da Jacinta permite-nos avan-
çar um pouco mais. As tão discutidas palavras de
Lúcia «a g uena acaba ainda hoje, esperem cá pe-
los seus militares muito em breve», provieram com
cer teza d uma outra frase, uma frase que deve
estar entre as duas versões apresentadas- a de
Lúcia e a de Jacinta. Essa deve ser a verdadeira
frase que Nossa Senhora disse.
Como se sabe, a memória dos adultos fixa me-
lhor as ideias, do que as palaV1·as. A memória das
crianças, ao contrário é mais fiel nas palavras, do
que nas ide ias . A sua imaginação não opõe óbice
algum aos sons que lhes entram pelos ouvidos. O
mesmo porém não acontece com as ideias, as quais
nem sempre ~e apresentam com a clareza que uma
inteligência infantil necessàriamente exige. Sabem
isto muito bem todos os que se dedicam ao ensino.
Não estranhemos portanto encontrar, nos. depoi-
mentos das videntes, palavras exactas e frases
inexactas.
Se Lúcia fixou tão bem as palavras: a g,.terra
acaba hoje, espere/m, cá ?)elos S(?lUS militares muito
em, breve, se afirmou tanta vez e contra tantos,
que as ouviu assim a Nossa Senhora, é moralmente
certo que a Virgem as pronunciou. Lúcia não in...
ventava a palavra «hoje». Se ela teimava tanto
em a repetir, é porque estava certa de a ter ou-
vido a Nossa Senhora.
Nossa Senhora pronunciou aquel,a s p-al.avras,
dentro d uma outra frase e, evidentemente, com
- ,-'.·'.
128 A PROFEOIA DO F™ DA GUERR:A

um out r o sen tido. Essa frase es tar ia enquad r ada


n a moldura das r estantes. Tinha s ido anunciado o
milagre do Sol que fora pedido, e ia se r realizado,
em confirmação das apar ições.
P ois bem, a Senhor a podia ter dito, por exem-
plo: «se eles se conver tem, se acr editam, a g uerra
acaba ainda hoje e então esperem cá pelos seus
militares muito e m breve».
No interr ogatório de 8 de J ulho de 1924, L úcia
que entã o residia n o asilo de V~la r, expr imi u-se
desta maneira :
«Eu julgo que a Senhor a acrescentou : eles de-
vem converter-se . A g uer ra acaba h oje. Esperem
em breve os seus soldados» . E mais à fren te, es-
clarece:
« .. . preocupada com todos os p edidos que me
tinham foito, eu não dava a t enção à s palavr as
d'Ela».
A hipótese de N ossa Senhora esperar a con
versão do povo (falamos da conversão à f é nas
aparições e à fé no Sobrenat ural) naquele mesm o
dia, não é portanto tão infund ada com o par ece.
«Eles devem conver ter-se ». Esse er a afinal o
objectivo do milagre do sol. Fora para que todo~
acreditassem, que Lúcia o pedira e fora para iss o
mesmo, que a Mãe de Deus o prometera como se
depreende dos, diálogos da 3.•, 4 ." e 5." aparição.
«Daqui a três meses, dissera a Virgem em J-ulho,
faço então com que todos acreditem» (1).
«Eles devem converter-se - terá dito a Vir-

( 1) Ofr. Inquérito Paroquial de Fá.tima olt. por Cos ta


Brochado 1n Fá.tlma à Luz da B.i&t.ória, pá.g. 226 .
A CONVIERSAO DA R-0-SSIA 129

gem. Se assim for, a guerra acaba ainda hoje e


então esperem cá pelos seus, mi.Jitares, muito
breve» .
E sta versão tem a n osso ver u~a grande pro-
babilidade a seu favor, nã o só por estar perfei-
tamente de acordo com as declarações de Nossa
Senhora, nos meses de Julho, Agosto e Setembro,
sobretudo Setembro, como ainda por dar a única
expli cação aceitável para a tão discutid-a profecia
de Lúcia.
A conversão dos indiferentes, dos a teus, dos
pecadores que tinham vindo à Cova da Iria, era
evidentemente o fim do milagre do Sol. Isso era
o que Nossa Senhora. esperav,a . O que ela queria
era que t-odos aqueles milhares de espectadores
saíssem da Cova da Iria, plenamente convencidos
ela realidade das ap,arições e levassem consigo, a:
mensagem de Fátima, às suas famílias, aos seus
amigos, às suas terras, a todos, os recantos ·de Por-
tugal.
A verdade porém é que não aconteceu nada
disso.
A reacção do povo, se bem que espectacular,
durante a lguns momentos, foi decididamente ne-
gativa, tanto da parte dos leigos, como da parte
dos clérigos.
Era de esperar que o milagre do sol fosse o
ponto final das dúvidas. Ao contrário, foi o início
da grande luta contra as aparições de Fátima. Até
aqui, a imprensa quase não, tinha dado conta de-
las. Ago-r a todos os j o-r nais desceram à liça. E
tanto os .religiosos, como os anti-religiosos se
uniam na tarefa inglória de diminuir e alguns até
130 A PROFECitA DO FWM DA GUERRA

de negar o tão assombroso prodígio. Ao mesmo


tempo, as alforjas m açónicas começaram a in ter-
vir. For am comícios em segredo, sessões de pro-
paganda ateiat no próprio local das aparições,
desacatos, bombas e por cima de tudo, aquela farsa
ignominiosa de Santarém, a simular uma procis-
são sagrada, COlffi um tronco de azinheira e outros
despojos, levados clandestinamente da Cova d a
Iria. Tudo isto proveio ela a usência do acto de fé
que o milagre do sol, devia, em princípio, ter pr o-
vocado. Tudo isto era ingl'a.tid ão, grosseri a e ódio.
Tudo era pecado. Por isso t udo contribuía para a
guerra.
Não é só na mensagem de Fátima, é também
na própria Escritura, que o Céu constantemente
afi rma ser a g uerra, consequência e cast-igo do
pecado.
Sendo assim, como podia a Virgem conceder
a paz?
Se a condição que ela exigia se não cumpriu,
como podia cumprir-se a promessa?
Neste pormenor que, cómo já vimos, está per-
feitamente enquadrado nas linhas mestras d a men-
sagem de Fátima, afirma-se mais uma vez que, só
evitando 'O pecado, é possível conseguir o fim da
guerra ..
Tem-se chamado a Fátima, mensagem de paz;
e assim é na verdade. É mensagem de paz, preci-
samente porque é mensagem de pureza de cons-
ciênci-a.
Não queremos ainda terminar o presente es-
tudo, sem uma outra consideração.
Segundo as declarações de Nossa Senhora, em
A CO~RSÃO DA RúSSIA 131

Agosto, Setembro e pelo que vimos em Outubro,


afirma-se que a I Grande Guerra teria termi-
nado no dia da última aparição, se os portugueses
presentes na Cova d a Iria se houvessem conver-
tido. Esta con clusão embora par eça arrojada, nada
tem de extraord iná ri◊'.
Está aqui resumida a doutrina do Corpo Mís-
tico. T odos nos encontramos unidos. Constituimos
um só corpo, uma só entidade. Os pecados duns
repercutem-se necessàriamen te nos outros. Afinal
aquela tão repetida frase de I sabel Leseur, «a
alma que se eleva, eleva o mundo» também é ver-
dadeira n o seu inverso : a alma que desce faz des-
cer o nível do mundo.
Mas não é só a r e'})ercussão univer sal do pecado
que Fátima afirma. É também a r epercussão uni-
ver sal d a virtude. Se a conversão daquele punhado
de portugueses era suficiente para p01· fim à
guerra, quer isso dizer que, por misericórdia de
Deus, (que não por justiça) basta um punhado de
al mas boas para salvar o mundo todo.
Diz a Escritura que dez justos seriam sufi-
cien tes para evitai· a destruição de Sodoma e Go-
mon:a. Dez é um númer O' bem pequeno, compa-
rado com a população daquelas cidades. Fátima,
ao afirmar que bastava a conversão dalguns mi-
lhares de portugueses, para por fim à Primeira
Grande Guerra e consequentemente às destruições,
aos incêndios, às mortes que ela havia ainda de
causar, nada mais faz do que repetir e confirmar
as palavras da Escritura.
Podemos ainda deduzir daqui o papel impor-

- .,
132 A P ROF1EOIA D O FIM DA GUERRA

tant íssimo que a P r ovidência destinou a Portu-


gal, n a orientação dos destinos do mundo.
Alguns hão-de rir e achar tola esta afirm ação.
Que impor ta? Q uem não estr anharia também a
escolha d uma gruta para ber ço de Cristo?
N ão venham objectar-nos com a estre iteza das
nossa fronteiras, ou os limi tados r ecursos econó-
micos de que dispomos. Deus n ão m ede os homens
aos, palmos, nem as n ações, aos h ectar es.
T a mbém em 1500, éramos poucos e pequenos
e não obstan te, fom os escolhidos para levar o
E vangelho aos confins do Mundo. T ambém o povo
1
j udeu er a ins ig nificante e fo i o predilecto de
J eová.
Afinal nã-o é F átima uma mensagem destinada
ao Mundo todo?
Aos olhos de muitos, seria mais lógico que
Deus escolhesse a Rússia, a América, ou a China,
p ara envia r aos h omens, o ultima to que F á tima
encerra.
O Céu porém tem outros plan os. E nós é que
fomos os esco1hidos - esco-lhidos nã o apenas p a ra
decidir a nossa sorte, m as também a das out r as
nações.
Não temos dúvida nenhuma de que assim foi
na I Grande Guerra. O segredo de Fátima veio
mostrar que aconteceu o, mesmo na Segunda.. Tí-
nhamos em nossas mãos, a possibilidade de a im-
pedir. Falhámos num e noutro caso!
Mas o Céu' ainda espera muito de nós. Fátima
tem outras promessas.
É por isso que a última pailavra deste capítulo
há-de ser um grito de espP-rança, um grito de entu-
A CONVERSA.O DA RúSSIA 133

s iasmo a todos os portugueses, para que acorde-


mos de vez e ceTremos fileiras, sob o manto Ima-
culado da Virgem. ,
Aman11ã será tarde! Hoje é por ventura a úl-
tima hora, a ho1·a que precede o fim, mas ainda
é a tempo.
Façamos com generosidade o que a Mãe 9e
Deus pede, para que venha depressa o triunfo do
seu Coração Imaculado.
Nessa hora, secarão os rios de sangue e enxu-
garã,OI os o'lhos que choram!
Haverá mais alegria nas almas, mail justiça
nos areópagos, mais pão nas mesas dos pobres!
Só então descerá sobre· nós a verdadeira paz!
Só então este pobre e desmantelado mundo vol-
tará a ser um pequenino cantinho do Céu!
AS ORAÇõES DE FATIMA
1
f
O exa me que a trás fizemos aos depoimentos
da Irmã L úcia, fi caria incompleto, sem uma refe-
r ência pormenorizada a cer tas passagens que me-
recem atenção especial.
Estão neste caso, as fó rmul as de oração que
o Céu ens inou n a Cova da Iria e na Loca do Ca-
beço. A elas dedicamos este capí t ulo. Veremos
a fi delidade com que chegaram a té nós e procura-
r e mos descorrtinar não só o seu verdadeiro sen-
tido, como também as próprias palavras que o
Céu empregou.

Sã.o qua tr o as orações que o Céu ensinou em


Fátima. Duas, durante as aparições do Anjo e
outr as duas, dura nte as de Nossa Senhora. A Irmã
Lúcia 11 0 último manuscrito, fala ainda duma
quinta que os pastorinhos teriam sido levados a
dize r, poir um impulso íntimo e sobrenatural, du-
rante a 1.n apa rição da SS. Virgem.
Eis como a vidente se exprime:
«Foi ao pronunciar estas palavras <a graça
de Deus etc.>, que abriu pela primeira vez a:;
138 AS ORAÇOES <DE F ATiiMA

mãos, comunica odo-nos wna luz tão loti111a, como


qu e reflexo qu e delas cxpeclla; faze ndo-nos ver a
nós m esmos em D eus que crn. C.'-sn. Luz. mnls
clarruncnte <lo que no vemos no m c U1or dos CSJ>C·
lhos. Então por um imp ulso lnlimo também comu -
oicado, caímos de joelhos e r epetimos intimamen-
te: ó Santíssima Trindatle, cn Vo adoro! !\'[ eu
Deus, m eu D eus, eu vos amo no Santíssimo a-
cramento !»

Esta oração que os pequeno recitaram qua ndo


se viram à Luz de Deus, foi uma espécie de desa-
bafo que saiu espontâneamente das suas al mas,
ante a presença inefável do Sobrenatural. Tem
por isso um carácter eminentemente íntimo. Em-
bora todos a possam repetir - e muito de louvar
será que o façam - não há, nem da. parte de Nossa
Senhora, nem d-a parte dos videntes, qualquer or-
dem, conselho, ou alvitre, a pedir a sua recitação.
Passá-la-emos portanto sem mais comentários.
Contra os que põem em dúvida a sua histori-
cidade, p·e ]o facto de não constai· de nenhum de-
poimento de 1917, apesar ele ser alheia ao segredo,
responderemos que essa ausência nada p1·ova. T o-
dos sabemos como os videntes eram avessos a fa-
lar das graças que recebiam. Esse, o motivo por
que calaram tudo o que dizia respeito às aparições
do Anjo e porque, só contrariados, respondiam ao
que lhe perguntavam sobre as visitas de Nossa
Senhora.

AS DUAS ORAÇÕES DO ANJO

Ambas estas orações foram ensinadas na Loca


do Cabeço, pequena elevação de natureza monta-
A CONV,E RSAO DA -RúSSM 130

nhosa, a cerca de 400 metros a sudoeste de Aljus-


t rel. Existia lá uma espécie de abrigo ou loca,
onde os pastorinhos se refugiavam, quando chO'Via.
Foi aí que o Anjo aparece u e ensinou estas duas
belíssimas fórmulas.
Eis o Lexto da primeira:
NJ e-ti Df'IUS, eu creio, ado1·0, espe1ro e amo-Vo'S.
Peço- V' os verdão para os que; não crêemi, não ado-
r wni, não esperam, e; não Vos cimam,.
E o da segunda:
S wntíssim,a Trindade., Pwi, Filho, Espírito
Santo, axi,oro-Vos pr o{'undam<'Jnte e of f?/reço-Vos o
vreciosíssimo, Cor-po 1 Sangue, Alma e Divindade
ele J esiis C1··islo, vresente em todos o,s sacrários da
Terra,, eirn, •repa.ração• dos ultrajes, sacrilégios e
indiferem,yas com qiLe Ele mesmo é ofemii,id,()11 e pe-
los méritos infinitos do Se:u, Swntíssimo Coração e
do Coração lmac·ulado de Mwria, peço-Vos a, con-
v e1·são dos vobres pecadores.
Estas duas orações só se tornaram públicas
e m 1936, quando a vidente redigiu o seu primeiro
manuscrito. Antes dessa data, Lúcia só confiden-
cialmente falara das aparições do Mensageiro Ce-
leste a algumas pessoas da sua intimidade, como
por exemplo ao Arcipreste do Olival que lhe reco-
mendou segredo. Mais tarde, já depois da morte
dos dois companheiros, Lúcia contou o mesmo fe-
nómeno ao Prelado de Leiria que também lhe
aconselhou silêncio. Só em 1936, ou seja, 20 anos
após a última aparição do Anjo, se soube publi-
camente da sua existência e do seu conteúdo.
Pergunta-se: ter-nos-á Lúcia transmitido as
próprias palavras do Anjo, ou tal como acontece
140 AS ORAÇOES DE FATTu'Vl>A

nos diá l-ogos da Virgem, dar-nos-ia simplesmen te


o seu sentido?
É moralmente cer to que transmitiu as pró-
prias palavras elo Anjo.
Lúcia que, como já vimos, desconfia da sua
memória ao referir as palavr as ele Nossa Senhora,
não admite menor dúvida, q·uando fala do que
o Anjo disse.

<As paJavras do An jo - esclarece elo, numa e n-


trevista concedida em 1946, a Thomas Walsh - (1)
eram dwna intensidade e duma força tão grande,
eram t ão cheias de realidade sobr enatural, que
e u n ã o podia e.-;:qu ecê-Ias. P arecia que se m e ti-
nha m gravado tais quais e ram e para sempre
na m emória. Quanto às palavras d e Nos sa S e-
nhora, a questão é outra. N ã o poderei dize r que
todas as palavras sejam exactas. Era mais o sen-
t ido que eu fixava . N ã o m e é fácil -exp licar bem
estas coisas .. . >.

Ser-nos-ia fácil chegar à mesma conclusão, por


outros caminhos. Em primeiro lugar, a análise do
texto das orações nada apresenta de menos con-
forme com a Teologia, nem de menos digno dum
Mensageiro Celeste. Uma e outr~1 são fórmulas ri-
quíssimas de sentido e perfeitamente bem estru-
turadas, com princípio, meio e fim. Não há, em
nenhuma delas, anacolutos de ideias ou palavras,
nem repetições inúteis de vocábulos ou sentimen-
tos. Se as examinarmos atentamente, somos for-
çados a considerá-las perfeitas e a concluir que,

(1) Cfr. Fatima Oggl, suplemento de Orizonti, Roma,


1957, pág. 9.
·.

A CONVIDRSAO DA R.ú'SSIA 141

só quem soubesse muitíssima Teologia - como


adiante• se verá - se,ria capaz de as compor.
P or out r o lado, elas foram ensinadas de tal
maneiJ·a, que tinha m for çosamente de ser fixadas,
palavra, por palavr a . Primeiro, o Anjo a traiu a
a Lenção dos vide nLes. Como que hipnotizados, eles
im itavam t udo o que o Mensage iro Celeste fazia.
A.j oelhavam e curvavam a fronte até ao chão, sem
r ef lecLir , nem adver t ir em coisa nenhuma. Lúcia
ex pri me o q ue nela se passava, por estas palavras :

c E s láva mos s urpreendidos e m eio obsor tos e


n ã o cUz!amos palavra. ( ... ) A a tmosfera do sobre-
n atu ral q ue nos envolve u era t ã o intensa que
quase n ão nos dávamos con ta da p rópria exis-
t ên cia p or wn g1·ande espaço de t empo, p erma-
nece ndo n a posição em que nos tinha deixado,
r ep etindo s em pre a m esma oraçã o. A presença
de D eus sentia -se tão intensa e Intima, que nem
m esmo entre nós nos atre víamos a falar. No dia
seguinte sent!amos o esplrito ainda envol,v ldo por
essa a tmos fera que só multo lentamente foi desa-
parecendo.
Nest a aparição, n enhum p ensou em falar , n em
cm recomendar o segredo. Ela de si o Impôs . Era
tão intlmo, que não é fácil pronunciar sobre ela
a m enor palavra. ( ... ) L eva dos pela força do So-
brenatu ral que n os en volvia, imitáva mos o Anjo
em tu do, Is to é, prostrando-nos como Ele e rep e-
tindo as orações que Ele dizia. A força da pre-
sença de D eus e ra t ã o Intensa , que nos absorvia
e aniquila va quase por completo. Parecia até pri-
var-nos do uso dos sentidos corporais por um
grande espaço de tempo . Nesses dias faz!amos
a s acçõ es materiais como que levados por esse
m esmo s obrenatural que a isso nos impelia. A
pa z e a felicidade que sentlamos era grande, mas
• I

142 A S OR,AÇ0 E S DE FAT ilM,A

s ó Intima, compl et11Jnen t~ concentrada a a lma cm


D eus . O abatimento fls ico qu e nos p r os t rava t a m-
b ém e ra grande.
Não sei porqu ê as Aparições de N ossa SenJ, ora
p roduziam. cm n ós efeitos bem d iferentes. A mes-
ma a legria íntima, a m esma paz e f elicidade. M as
em vez desse a ba t imento flsico, uma certa habi-
lidade expans iva ; em v ez d esse aniquilam ento na
divina presença, um exultar d e alegria ; em v ez
dess a dificuldade no falar, um certo entu s ias mo
comu nicativo» ( 1) .

Além de tudo isto, como bom pedagogo, o anjo


não se limitou a recitar estas o·r aç.ões. A primeira
r epetiu-a três vezes, cadenciadamente, enquanto
os pequenos o acompanhavam , como em eco,; a se-
g und a, porque m a ior , repetiu-a se~s. Três an tes
e três depois da comun h ã o.
Não h á dúvid a que aquelas orações foram o
ponto central da 4." e da 6." aparição ( 2 ) .

( 1) Cfr. JJ:náclo M a rtins iD Em Outubro d ire i o que


quero, pãgs . 59-60-62-63.
(2) Ordinàriamente consideram -se a pen as as 3 ú ltl- ·
mas apa rições do Anjo. Sendo assim , a 1.• 01·açã o t eria
s ido ensinada na 1.• aparição e a 2 .•, na t erceira. Verda-
d eiramente porém houve seis a p a rições do Anjo, tant as
quantas a s de Nossa S enhora. As p rimeiras t rês fo ram
bastante impr.ecisas e tive ram luga r em 1~15. a inda antes
d e Jacinta e Fra,nclsco juntarem o seu rebanho com o da.
Lúcia. As companheiras desta, nessa altura, eram outras
raparigas que viram també m c:uma nuvem m aiis branca
do que a neve, com forma humana>.
A Visão não comunicou nada. Apareceu e d esapa,re-
ceu, deixando nos videntes, diz Lúcia, cuma certa impres-
são que não s ;,i explicar>. Isto :repetiu-se três vezes. :e:
claro que as pequenas não guardaram segredo e breve-
mente começou a constar qu•e tinha aparecido c:uma mu-
/
A CONV!DRSÃO DA RúSSIA 143

Tanto assim foi que, desaparecida a visão, os


pequenos continuaTam prostrados, a repeti-las por
um g r ande espaço de tempo, segundo conta a últi-
ma das viden tes.
ão temos portan to motivo nenhum para duvi-
dar que as palavras atribuídas ao Anjo, n ão sejam
as que ele mesmo proferiu. Embora aparentemente
de pequena importância, esta certeza vem dar um
valo1· muito es pecial àquelas preces', uma vez que
as sabemos compos tas, não por um teólógo, um
santo, ou qualquer outro homem, mas por um es-

lhe r cobert n com um le nçol e sem ca beça >. Foi mesmo


com estas palavras que um escritor estrangeiro, a liás
de .g rande e m e recido renome, escreveu o que a gente dê
Aljus trel lhe disse, sobre as referidas apa·rições . Mais vale
po rém dar a palavrn, à própria Lúcia:
<:P elo que poss o mais ou menos calcular, parece-me
qu e foi cm 1915 que se deu essa prlmelra aparição do
que julgo ser o Anjo, que não ousou por então manifes-
t a r-se de todo.
P elo aspecto do tempo, penso que se deveram dar
nos m eses de Abril até Outubro de 1915.
Na e ncosta do cabeço que fica voltado para o Sul, ao
t e mpo de rezar o terço na companhia de trés companhei-
ras, de nome Teresa Matias, Maria Rosa Matias, s ua Irmã
e Maria Justino, do lugar da Casa Velha, vi que sobre o
arvoredo do vale que se es tendia a nossos pés, palrava
uma como nuvem, mais branca do que a neve, algo trans-
parente, com fom1a hw11ana . As minhas companl1elras
perguntaram-me o que era. Respondi que nã.o sabia. Em
dias diferentes repetiu-se mais duas vezes.
Esta aparição delxou--me no esplrito urna certa Impres-
são, que não sei explicar. Pouco a pouco essa lmpr,essão
ia-l::e desvanecendo e creio qU'c, se não são os factos que
se segulrrun, com o tempo a viria a esquecer por com-
pleto>.
144 AS ORtAÇO·IDS DE FATiiMA

pírito angélico. Sob este aspecto, elas sobrelevam


qualquer outra composição de origem humana e
são ainda mais celestes, do que a própria Ave-
-Maria.
Ainda como pr ova de que Lúcia reproduziu
textualmente as pa!lavras do Anjo, apraz-nos citar
o seguinte h·echo do Dr. Ma rtins dos Reis ( ') .
-,:Lúcia foi Inter nada no asilo de Vilar, no
Porto, a 17 de Maio de 1921. Como é compreen-
s[vel, julg-0u-se nece.ssário, para evitar IDdiscriçõcs
-e outros inconvenie ntes previsi,vels , n ã o revelar,
às _restantes educandas e de mais pessoal d iri -
gente, a verdadeira identidade da r ecém- vinda ,
que ap en as ficou a ser conhecida da Directora.
Lúcia ficou , portanto, a chamar-se ... a Maria das
Dores.
A.o chegar, já Já encontrou que m, sobre se::-
companheira, velo t ambém a ser amiga, no me-
lhor sentido da palavra. A idade e as circuns-
tâncias favoreciam a convivência mais intima ,
pois esta companheira, al ém de ser um ano a.penas
mais velha do que Lúcia, já se encontrava no
Asilo, ha,via cerca de cinco anos.
Estavam ambas um dia na sala de lavores,
,bordando, no lbastldor, uma renda de tule para um
roquete. Era melo-dia, p-0rque a cDirectora.> e as
cSenhoras> faziam, na capela da casa, as de-vo-
ções habituais nessa hora. A certa altura da con-
versa, diz a Maria das Dores à companheira:
-Se a menina quer, vou-lhe ensinar uma ora-
ção, que serve de preparação e de acção de graças
da Comuru1ão, porque traz muito bonitos e breves
actos de Fé, Esperança e Caridade ....
-Como é?
-11: assim: «Meu DelL't, eu creio, adoro, espero

( l) Ofr. Na Orbita. de F!itlma, pág. 128-129-130.

, 1
A CONVERSÃO DA RúSS>I•A 145

o ,:uno-Vos. Peço-Vos pel"diío para. os que não


crêem, nilo adorrun, não esperam e não Vos
a.ouun» . .
- li: muito ,bonita, é. Onde a aprendeu?
- R ezava-se multo na mlnha terra...
Tinha neste momento, a Maria das Dores C'o-
m eçado a dlzer: - <Foi no Poço... > - nlas teve
logo de s uspende r, por ter sobrevindo e entrado
a Mestra de classe ( 1) .
Como a companheira nem de longe podia sus-
peitar o que a CMarla das Dores fr,la contar, nunca
mais lhe perguntou pelo fio Interrompido da his-
tória. E assim .se dev-e t er p e rdldo um dos pri-
m eiros relatos orais clas Aparições do Anjo ...
Imediatamente a seguir a este incidente, a
m esma compa nheira, não resistindo a uma curio-
sidade e.sponU!.nea, e aproveitando a confiança
mútua, debruçou-se .sobre um pa pel escrito, de
um centlmetro quadrado, que a Maria das D.ores
conservava, dentro do seu livro de orações, A vi-
dente Ignorada apenas lhe obse.r vou :
- Pode ver à vontade, que não entende nada.
E nada entendeu, de facto, porque a Ma.via das
Dores, sevvindo-se dum estratagema vulgar entre
raparigas ciosas dos .seus segredos, só lé. tinha
escrito a.s iniciais de determinadas pa,la.vras! A
companheira porém, não foi d.lflcll saber que as
misteriosas iniciais o eram simplesmente das pa-
lavras que compõem a :Ó ração do Anjo, de que hé.
bem pouco lhe ouvira falar! ...
Tudo l.sto se passou certamente ainda bas-
tante antes de 2 de Outubro de 1922, ;poniue o
sucedido aconteceu seguramente antes dessa data,
pel'feitamente fixada, por ter sido então que a

( 1) Esta hlstórla do P oço, deve ser imag:lnação de


quem a. inventou .. . Na verdade, como jé. a.cima recordá.-
mos, 1foi na. Loca. do Ca;beço e não no Poço do Arnelro,
que o Anjo ensinou uma. ·e outra. oração.
10
146 AS ORIAÇôES DE F,A'DliMA

companheira em referência entrou para z eladora


do A postolado da Oração. ~ só por escrúpulo da
verda de que a entrevis tada não garante que o
caso s e t enha dado já em 1921. . .
D entro do mais l!dirno espirito do Apostola do
da Oração, cultivava-se e florescia, no Asilo, a
ideia reparadora. Foi isto que proporcionou e fa-
cilitou, à Ma 1ia das Dores, o ensina r, à mesma
compru1heira , a Oração do Anjo à S ant!sslma
Trindade. A época da aprendizagem desta o ração,
pode a entrev1stada garantir que se deu em Ou-
tubro de 1922, por se 1,ecordar, com exactidão.
que foi dias depois d e t e r entrado para o aludido
carg o de z eladora.
Também desta vez foi a Maria das Dores que
tomou a lnlclatlva.
- Se a m enina quiser , posso-lhe ensinar uma
oração muito boa, porque é própria para fazer
r eparação a o Santissirno Sacramento.
- Diga lá.
- i;; assim: «Sa.ntlssima. Trindade, Pa.i, Filho,
Espfrito Santo, adoro-Vos profundamente, e ofe-
reço-Vos o preclosis,slmo !Corpo, sangue alma o
Divin<lade de Jesus Cristo, presente em todos os
sacrários da terra, em reparação dos utrajes, sa-
crlléglos e indilerença.s., com que Ele mesmo é
ofendido; e pelos méritos infinitos do seu Sa.ntis-
simo Coração e do C o ~ Imaculado de Maria,
peço-Vos a conversão dos pobres pecadores».
- Mas como é que a menina sabe orações tão
,bonitas?!
- Re zavam-se na minha terra ...
E nem a companheira, nem a Maria das Do11es
adiantaram mais, ficando uma na .sua ignorância,
e a outra com o seu segredo. . .
Temos portanto que, pelo menos em 1922, já
!Lúcia recitava e ensinava, incógnita, as m.esmfs-
.simas Orações do Anjo - garantia das Aparições,
que tanta estranheza inútu haviam de causar a ai-
A CONVil!lRSAO iDA ROSSIA 147

guns criticos apressados, quando o grande público


tomou conhecimento da extraordinária «revela-
ção>. Por enquanto a história não pode dizer a
ú ltima palavra; mas por esta simples amostra,
deve ser licito entrever o que é permitido aguar-
dar...
Um pormenor inesperado, pode por vezes ilu-
m inar e resolver um probl ema complicado. O facto
,p resente é um d eles. E porque o é, lmpusemo-nos
e exigim os, n a p esquisa e na info1maçiio, todas
as garantias de seguranÇa e ce rteza, a fim àe ll-
quidar toda a possfvel controvérsia sobre este dis-
cutido aspecto da hls t61ia de Fátima. Rerefem-se
datas, lugares e circunstâncias, como se poderiam
identificar p essoas, se, p or agora, as convenlén-
cias n ão aconselhassem o contrário.
P en.srunos que est e .facto inédito é susceptível
de dir-imir e solucionar as últimas dúvidas e in-
certezas que possam subsistir quanto à veraci-
da de das Aparições do Anjo ... >

_A TEOLOGIA DAS ORAÇÕES DO ANJO

A primeira oração não apresenta dificuldades


de quatlquer ordem. Que nos- conste, nunca nin-
guém a. impugnou, ou considerou menos própria.
Trata-se duma fórmu1'a pequena, clara, sóbria, de
estilo acentuadamente popular e por isso, muito
fácil de reter na memória. Consta de duas par-
tes, sendo a segunda uma espécie de resposta da
primeira, o que •a torna apta a ser dialogada pelo
povo, sem qualquer modificação.
Reduzida na forma, é contudo extraordinària-
mente grande nos conceitos. Dificilmente poderia
imaginar-se oração mais rica de ideias e senti-
mentos. Estão ali condensados, por vezes numa s6
148 AS ORAÇOES IDE tFA'DiiMA

pa1avra, actos de fé, adoração, esperança e cari-


dade. A ségunda parte a.parece-nos toda imbuída
da ideia da 1·epa.ração pelos pecados dos ímpios e
dos descrentes. A ideia da reparação é, como ,sabe-
mos, uma constante na mensagem de Fátima. Apa-
rece, como acabámos de ver, 11a primeira fala do
Anjo e continua, ora implícita, ora explícita, até
ao último diálogo de Nossa Senhora.
A segunda oração não é tão popular na forma,
nem tão clara n os conceitos que encena. Tem sido
mesm o comba"tida ·por vários teólogos que chega-
ram a. consider á-la inexacta., sob o ponto de vista
dogmático,. Os ataques nada mais fizeram do que
projectar sobre ela, uma luminosidade nova que
só lhe realçou a beleza e o vafor.
Antes p01:ém de n os referirmos em pormenor,
a esses ataques, queremos protestar con tra a la-
mentável inconsciência com que esta beHssima
oração tem s ido publicada em livros, folhetos e
estampas, alguns até de origem monacal. As pala-
vras do Anjo são aí a.Iteradas, trocadas, suprimi-
das, não sabemos, se por medo de que alguém as
considere menos ortodóxas, se com o intuito de as
tornar mais acessíveis. Seja como for, é injustifi-
cável ta:l atitude.
Não vamos fazer aqui o inventário das detur-
pações que a fórmula tem sofrido.
Algumas delas são tão incompreensíveis, que
nos forçam a admitir como origem, a tradução
duma língua estrangeira. Bastará o simples bom
senso para condenar tal aberração.
Outras modificações há que foram introduzi-
das em virtude dos' ataques a que acima nos refe- ~
A CONV®RSAO DA RúSSIA 149 ..

rimos. Tentou-se dessa maneira, remediar os pre-


tensos erros que a fórmula parecia conter. Se as-
sim fosse, deveríamos logicamente concluir ou
para a falsidade das aparições do Anjo - uma vez
que seria absurdo admitir erros teológicos num
Mensageiro Celeste - ou para a inexactidão dos
depoimentos da. Irmã Lúcia, contra os quais, no
que diz respeito a estas orações, não há, como já
se viu, argumento algum de valor.
Isto bastaria para, até a priori, responder aos
aludidos ataques.
O primeiro deles foi provocado pela expressão
«ofereço-Vos a Divindade de Jesus Cristo». Di-
ziam os adversários que nós nunca podemos of~re-
cer a Divindade e que é mesmo impossível ofere-
cer a Divindade à própria Divindade, como na
oração se pretende fazer. «Santíssima Trindade ...
ofereço-vos . . . a Divindade de Jesus Cristo».
Trata-se evidentemente duma confusão de con-
ceitos, confusão mais filosófica, do que propria-
mente teológica. É da mais elementar Teologia
que a Humanidade e a Divindade estão hispostá-
tica e indissoluvelmente unidas na pessoa do Verbo
Incarnado. Quando se oferece uma vítima humana,
oferece-se não apenas o corpo ou a alma, mas a
pessoa dessa vítima. Quando Cristo se ofereceu
no Calvário, quando o celebrante O oferece na
Missa, ou quando nós O oferecemos misticamente,
a nossa oferta tem como obj-ecto a pessoa toda de
Cristo e não apenas uma das suas naturezas, ou
algum dos Seus atributos. Oferecemos a Sua Pes-
soa Divina. Impossível oferecer a Pessoa de Cristo
sem oferecer tudo o que Ele é, ou por outras pa-
' 150 A>S ORAÇOES DE iF'ATliMA

lavras, impossível oferecer Cristo, sem oferecer


simultâneamente a Sua Divindade e a Sua H'llma-
nidade.
Dizer que não se pode ofer ecer a Divindade
à própria Divindade, é outro erro crassíssimo que
logicamente nos levaria a negar o valor divino
da Redenção e de tudo o que o Filho do H omem
mereceu. O cO'lltrário é que é verdadeiro. Só a
Divindade é oferta digna da própria Divindade.
Só a Vítima Divina é expiação capaz, plenamente
satisfatória e superabundante dos pecados dos h o-
mens. Só ela pode constituir saldo positivo, em
face das nossas dívidas para com a Justiça Divina.
Poderá alguém perguntar, porq'lle é que o Anjo
falou expressamente no oferecimento da Divin-
dade de Cristo, se esta já estava impl1citamente
contida nas palavras anteriores. A resposta é fá-
cil. Trata-se duma oração des tinada ao povo, ao
povo cristão e piedoso, mas que, apesar disso, nem
sempre compreende, nem aproveita a riqueza infi-
nita da Pre.sença Real na Santíssima Eucaristia.
Aquela distinção no objecto oferecido «Corpo,
Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo» tem
uma função homiliética. Ajuda a consciencializar
a prece, a dar-lhe todas as suas dimensões, e ao
mesmo tempo, a recordar que, na Eucaristia, está
Cristo, tal qual como está no Céu, isto é, que ela
contém o «Co11)0, Sangue, Alma e Divindade de
Nosso Senhor Jesus Cristo», cotpo ensina o cate-
cismo de S. P.io X que o Anjo citou textualmente.
Aqui está um outro· ponto de contacto entre Fá-
tima e o Magistério da Igreja.
O segundo ataque que, em nome da Teologia,
A CONVERSÃO DA ROSS,I!A. 151

se fez à oração do Anjo, alvejou a expressão


.: . .. pelos méritos infinitos do Seu Santíssimo Co-
ração e do Coração Imaculado de Maria».
Que os méritos do Coração de Jesus são infi-
nitos, dizem os opositores, ninguém duvida. Mas
os méritos de Nossa Senhora, embora muito gran-
de, maiores do que os de qualquer outro bem-aven-
turado, n ão poderão de forma nenhuma conside-
rar-se infinitos, precisamente porque são méritos
duma criatura.
Desta vez, a confusão reside apenas na análise
do texto. O Anjo não afirmou que os méritos de
Nossa Senhora eram infinitos. O que as palavras
s ignificam, o que se d·e preende do seu sentido lite-
ral, ordinário, é que é infinita a soma dos méri-
tos de J esus e Maria. Mas isto é uma verdade de
clareza meridiana. Realmente, se os méritos de
C risto são infinitos , por serem méritos dum Deus,
hão-de deixar de o ser, pelo facto de lhes juntar-
mos os de Nossa Senho,r a?
A própria matemática ensina que a soma será
sempre infinita, dado que uma das pa.rcelas seja
um infinito.
É claro que se os méritos de Cri'sto são infi-
nitos, nada lhe podem acrescentar os méritos de
Maria. Nem por isso contudo, é descabida a men-
ção deles. Na mente do Anjo, estava já uma alusão
directa à mediação universal de Nossa Senhora,
que Fátima tão insistentemente havia de lembrar.
Embora superabundantes, quis Deus, que só atra-
vés dÓ Coração de Maria, pudessem os méritos
de Cristo chegar até nós, concretizados nas gra-
ças e nos auxílios de que precisamos.
152 AS ORAÇOES D E FÁTlll\'lA

Apesar de ins ignificante e de certo, modo in-


fan til, esta fo i a objecção que mais influência
exerceu cont r a. ,a prece do Anjo. Andam por aí
milha r es de impressos, com emendas a esta su-
pos ta inexactidão.
Temos presen te uma estampa, enriquecida com
r elíquias d a azinheir a da Cova da Iria e dos fa-
tos de Jacinta e Fran cisco que tr az nas costas, a
or ação do Anjo, com a seguinte modificação :
« ... pelos méritos infinitos do Seu San tíssimo
Cor ação e pela int ercessão do Cor ação I m aculado
de Ma ria».
É claro que não se t rata aqui, a penas duma
troca de palavras . O que mais interessa é a fi de-
lidade das ideias e esta foi atingida s ubstan oial-
mente, como se depreende, da diferen ça entre
niérito e intercessão.
A mesma estampa, n ão sabemos por que mo-
tivo, alterou de igual modo, o r esto do texto que
apresenta assim:
«Santíssima Trindade, P a i, Filho e E spírito
Santo, adorando profundamente o preciosíssimo
Corpo, Sangue, alma (sic) e Divindade de Nosso
Senhor Jesus Cristo, presente em todos os sacrá-
rios da Terra, eu Vo-los ofereço em reparação dos
ultrajes com que Ele mesmo é ofendido e, pelos
méritos infinitos do seu Santíssimo Coração, e
pela intercessão do Coração Imaculado de Maria,
peço-Vos a conversão dos pobres pecadores».
Quem assim modificou o texto, não pretendeu,
por certo, fugir à primeira objecção, porquanto a
ideia do oferecimento, se bem que omitida no iní-
cio, vem expressa um pouco mais abaixo ( ... eu
A CONVERSAO DA RúSSIA 153

Vo-los ofe reço». ) A nossa imaginação reconhece-


-se incapaz de descobrir o verdadeiro motivo que
pres id iu a esta e ou iras a lterações, como por exem-
plo à supressão elas palavras «sacrilégios e indi•f e-
r enças » que o original contem. A oferta de que
o Anjo fala é f ei ta «em, re/J)aração dos ultrajes,
sacrilégios e. indif erren,ça.s» . O editoo: da estampa,
ning uém sabe porquê, contentou-se com os ulbra-
jes. ão são porém de forma nenhuma inúteis as
out ras palavras , sacrilégios e indife1rem.ças.
O primeiro destes conceitos aponta um pecado
cuja gravidade se esquece, com frequência, que e
no entanto exige uma reparação muito especial;
o segundo alarga a necess idade da reparação às
próprias indiferenças que muitos considerariam
talvez coisa de somenos importância, como qua,1-
quer falta venial. Poderemos mesmo afirmar que
nesta palavra, indiferença, há um apelo implícito
à delicadeza de a lma, à sensibilidade sobrenatural
cuj a a usência tanto se faz sentir nesta hora.
Não há uma palavra inútil na oração do Anjo.
Todas têm a sua função, o seu papel. Todas me-
recem o respeito e a consideração de quem recta-
mente quer t r abalhar pela causa de Fátima. ·
Outra modificação se nota ainda na citada es-
tampa. O Anjo da Paz usou uma Hnguagem1 con-
cisa, quase diríamos, telegráfica. Ele.não se es-
queceu de que falava para gente do século XX.
Omitiu tudo o que e1·a inútil e preferiu às expres-
sões ti,adicionais e milenárias do cristianismo,
uma forma mais simples e mais incisiva. Assim,
em vez de dizer «Nosso Senhor Jesus Cristo»,
disse simplesmente, «Jesus Cristo».
154 AS O.RJAÇOES DE FATJiMA

Há quem estranhe esta «modernização». A es-


tampa de que falámos, por exemplo, «emendou»
o que o Anjo disse, antepondo• ao nome do Salva-
dor, o título a:liás sagrado e pe rfeitamente verda-
deiro de No sso Senhor.
Ninguém porá em dúvida que a interpolação
se deve a uma intençã o recta. Teria sido muito
melhor contudo, r espeitar o texto do Mensageiro
Celeste. Essa é pelo m enos a nossa opinião.
Referimo-nos talvez com demasiada demo'l·a a
esta estampa (que além de trazer parcelas da azi-
nheira. e das roupas de Jacinta e Francisco, como
lá se diz, está enriquecida com 50 dias de indul-
gências) por nos parecer que ela terá sido o pa-
rad·igma de muitas outras edições, tanto portu-
guesas, como estrangeiras. Consultámos de propó-
sito todos os livros estrangeiros que nos foi pos-
sível haver à mão. Pois só uma minoria fala da
reparação dos sa,cr ilégios e indif ~em.ças. Quase
todos se contentam com os ultráje:s, tal como a es-
tamrpa das r elíquias ( 1 ) .

( t) ,E is o texto que habitluailmente se reza nos paises


de lfngua inglesa:
<IMost Holy Trinity, Fa,ther, Son and Holy Ghost, I
of,tler to You and I a,dore them, the Most Precious Body,
Sowl and Divinity of Our Lord J~us Christ, presen.t ln
a)! the TSJbernacles in lhe world, ÍIIl reparation for ali
t he outra.ges committed against them; and by the lnflnite
merits of His Sacred H ea1,t, through the intercession of lhe
Immaculate Hieart of Mary. I pray for the conversion of
,p oor sinners~. (Cfr. Mr g . Joseph Cacella in Our Lady of
Fatima, New York, pãg. 56).
E o que se reza em França:
«T.rês Sainte Trtnité, Pêre, iFil.s et Saint Esprit, je
A CONV®RSAO DA ROSSIA 155

Nalgumas dessas traduções, quantas vezes fei-


tas à pressa e por quem não entende bem o por-
tuguês, apa.recem ai nda outras variantes.
Alguns por exemplo, confundem o complemento
directo dos verbos Ojfe;r ecf!/r e ado'l'(J»· (Santíssima
Trindade .. . eu Vos ofereço e adoro o Preciosís-
s imo Co1,po .. . etc. Outros, par-a fugirem à dificul-
dade dos méritos infinitos, r edigir am assim -a parte
final: « .. . pelos mfritos infinitos do Seu Santíssimo
Coração e pelos méritos do Coração Imaculado de
Maria, etc.. . . » O erro porém m ais vulgar é a in-
trod ução da copulativa e (wnd, et, imd) entre as
palavras Filho e Esvírito, Sanito. Não foi por acaso

vous offre tout en •les adorant des Tres Précieux Corps,


Sang, Ame e t 1D ivinité de Notre S eigneur J ésu.s Chrl.st,
prése nt dans to/LLS les Tabernacl es du monde, en répara.tion
d es outrages pa.r lesquels il est offensé. Par les mérites
intin1s d e son Coeur Sac1·é e pa.r l'intercession du Coeur
ImmacuJé de Marie, j'!Jnplore la conversion des Pécheurs>.
(Ofr. AJbbé R . .Pa.y1iere in Fatima, Signe du Ciel, Clerm.onL
-Fernand, pág. 15) .
São mais completos os textos que se rezam ua Itália,
na AilemanJ1a e na Espanha:
cSantissima T rindade, Padre, F1glluolo, Spirito Santo,
vi adoro profundamente e vi off.ro 11 pnezi.osi8.simo Corpo,
Sa,ngue, Anima e Divln1tá di Gesú Cristo, presente in
tutti i taJbernacoll del mondo, in riparazion degJl oltraggi
sacrilegl, ln~erenze con cui Egll e ofifeso. E per 1 me-
ri ti lnfiniti de1 s uo Sa.cratiss!Jno Cuore e dei Cuore Imma-
c ul111to di M aria, vi domando la conversione dei poveri
p eccatori>. (Cfr. João de Marchi ln La Madonna parl6 cosi
ai tre pastorem, pág. 20).
cHeillgste Dreifaltigkei.t , Vater, Sohn und Helllger
Geist, ich bete IDich aus tiefster Seele an und opfere Dlr
den kostbarsten Leib, das Blut, die Seele und die Gotthelt
156 AS ORAÇOES DE F ATIMA

que o Anjo disse: «Santíssima Trindade, Pai, Fi-


lho, Espírito Santo», nem por distracção, que a
Irmã Lúcia assim transcreveu as suas palavras.

Como acima se disse, as orações do Anjo foram


conhecidas apenas em 1936. Todas as alter ações a
que aludimos, tiveram por tanto lugar no curto es-
paço de tempo que decorreu desde essa data a.té
hoje. Se os desvios neste sen tido continuarem na
mesma proporção, quem poderá daqui a 50 ou 100
anos, saber o que o Anjo de Fátima disse?
É po•r isso que nunca será demais encarecer a
necessidade dum estudo sério, crítico e de cer to

u.nseres H e n-n Jesus Ohris tus auf, d er ln allen Taberna-


keln der ganzen WeLt zugegen 1st zur Genugtuung :Cur
dle Schahungten, Sakril eglen und GleichgtU.ltlgkelt en, rlurch
dle er selbst beleidigt wfrd. Duroh die unendllchen Ver-
dlenst seines Hefügsten Herzens und die Furspraohe d es
Unblefileckten Herzen Maria ,bitte ich Dic'h um d1e Be·
kehrung der armen Sunder>. (Ofr. C. Ba11tha.s ·!n Dle Kln-
der von Fátima, pág. 4-8 ) .
Sant!ssima Trinldald, Padre, Hijo y Espiritu Santo,
yo os adoro profundrunente y os ofresco el preciosfssimo
CUevpo, Sangre, A:lma y DLvinldad de Nuestro Senor Jesu-
cristo, presente en todos los Sagra.rios de la tierra, en
.reparación de 1os :ultrajes, sacrileglos y d'rialdades, con
que ,E! mismo es ofendido; y ,por los méritos infinitos de
su Cora~ón Santfssimo y po.r la in,tercesión dei Corazón
Inunaculado de !Maria, os pido la conversión de los pobres
pecadores>. (Cfr. L . G. da Fonseca in Las Marn.vlllas de
Fo.tima, pág. 129) .
Com excepção do ita,Jiano, todos estes textos interca,lam
a pa'1av1•a lntercesal.o (the intercession, l'intercession, die
Furspre.ohe, lla intercessión) para t!ugirem à dificulda.de
dos méritos infinitos de Jesus e Ma.ria.
A CONVERSÃO DA ROSSIA 157

modo oficial que sir va de padrão, a todos os vul-


garizadores e propagandistas da mensagem da
Cova da. I ria. A nosso ver , serão dignos de ]O'llvor,
todos os esforços quer ind ividuais, quer colecti-
vos que a esse fi m se destinem .

AS 0UAS ORAÇÕES DE NOSSA SENHORA

Ambas fora m ensinadas na a,parição de 13 de


Julho de 191 '7. A p1iimeira reza assi m:
«ó Jesus é por vosso amor, pe!,a, convetrsão dos
pecadores e em repwração pelos pecados, cometidos
contra o l macukulo Coração dJe MM-ia».
Embora esta prece n ão estivesse incluíd a no
segredo, os videntes gua rdaram tal reserva sobre
ela, que só depois de apa recerem os manuscritos
de L úcia, se soube d a s ua existência. É fácil ex-
plicar o acontecido.
, Encontra-se 11esta oração, uma das ideias mes-
t r as d o segredo de Julho, a s aber, a •r eparação ao
Coração de Ma1-iia. P or int uição própria, ou por
ad mirável acção da graça, os pequenos quiseram
g uardar no mesmo sigilo, t udo o que de algum
modo se r elacionasse com o conteúdo do segredo.
F oi assim que ocultar am até a profecia da morte
próxima de J acinta e Francisco, comunicada a
13 de Junho.
Esta simples fórmula de oração destina-se a
ser recitada quando se fazem sacrifícios. Trata-se
dum acto de oferecimento, ou se preferirmos,
duma rectificação de intenção que concorda per-
feitamente com a espinha dorsal da mensagem.
As ideias nela expressas, são as mesmas que o
158 AS OR.,A.ÇOES DE FATTu"\1:A

Anjo revelou e que Nossa Senho,r a continuaria a


revelar até à última das suas visitas.
Não nos deteremos maiis sobre esta prece, pois
nem o texto, nem os conceitos apresentam qual-
que r espécie de dificuldade. Não quereríamos po-
rém passar à frente, sem lembrar a conveniência
de a espalhar, sobretudo entre as crianças do cate-
cismo que nela teriam um belíssimo despertador,
para valoriza r em e sobrenaturalizarem as s uas
pequenas mortificações.

*
Tal como a segunda oração do Anjo, também
a segunda oração ele Nossa Senhora foi m odifi-
cada várias vezes e de várias maneiras.
O relatório do Prior de F átim a apresenta-a
assim:
«ó meu Jesus perdoai-nos e livra i-nos do fogo
do inferno; levai as alminhas tod•a s para o Céu,
principa·l mente aquelas que mais dele precisarem».
Embora esta jaculatória t ivesse sido ensinada
em 13 de Julho, Lúcia omitiu-a, quando contou ao
Pároco, a aparição desse mês. Foi só em Agosto,
ao relatar a aparição dos Valinhos, que a vidente
falou nela. Eis como o Pl"ior de Fátima se ex-
prime:
«Disse também que da segunda ou terceira vez
que lhe apal"eCeu, lhe ensinou a oração que cos-
tuma rezar entre os mistérios do terço, quando
reza na Cova da Iria. É a seguinte: «9 meu Je-
sus, etc.».
No dia 27 de Setembro de 1917, quando o Dr.
Formigão iniciou os seus interrogatórios aos vi-
A CONVERSÃO DA ROOSIA lõ9

dentes, estabeleceu-se entre ele e Lúcia o seguinte


diálogo:
- (Nossa Senhora) ensinou-te alguma o-ra-
ção?
- Ensinou e quer que a recitemos depois de ·
cada mistério do rosário.
- Sabes de cor essa oração?
- Sei .
. - Diz lá .. .
- ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo
do inferno, levai as almas todas para o Céu, espe-
cialmente as que mais precisarem( ' ).
Vinte dias antes, o Dr. Carlos de Azevedo Men-
des que nessa altura tinha 29 anos de idade, fora
também a Aljustrel, entrevistar os pastorinhos.
Como resultado do que investigou, escreveu uma
carta à s ua noiva, no fim da qual conta o seguinte:
«A oração que dizem lhes ensinou a Senhora
é simples. É a seguinte: ó meu Jesus, perdoai-me.
Livrai-me do fogo do inferno. Levai as alminhas
todas para o Céu, principalmente as que mais pre-
cisarem».
Nalguns livros do Dr. Formigão que interro-
gou várias vezes as videntes, a jaculatória apa-
rece assim redigida:
«ó meu Jesus perdoai-nos, livrai-nos do fogo
do inferno, aliviai as almas do Purgatório, prin-
cipalmente as mais abandonadas».
Este texto foi o que ma-i s se divulgou, sobre- ,
tudo em Portugal e no Brasil. No estrangeiro,
felizmente, predominaram sempre as traduções

(,) Otr. João de Marchl o. e. pág. 141>.


160 A S ORAÇOES DE FÃT.IiMA

dos outros. A todos porém metiam dificuldade


aqu elas palavras fin ais : «le vai as alminhas todas
par a o Céu, principalmente as que m ais precisa-
rem». E assim, quando as t raduziam , alteravam-
-nas consoante, lhes parec,ia. Uns apresentavam
a seguinte ter min ação: «levai as almas todas pal'a
o Céu, e socorrei sobretudo as que dele mais tive-
r em necessidade» ; outros, esta: «levai as almas
todas para o Céu, e ajudai especialmente as mais
necesitadas» ; outros a inda, esta: «le,vad as a·lmas
tod as para o Céu, especialmente as que mais pre-
cisar em da vossa m isericórdia» ; outros, finalmen-
te; «levai as al mas todas para o Céu e vinde li-
vrar-nos do m a l» (' ) .
Algumas destas versões têm aparecido r ecen-
temente em livros ,portug ueses. T rata-se, como

( 1 ) Eis o t exto que os d evotos d e F átima rezam n a


F rança:
•<0 mon J esus, pa.rdonnez-n ous, prese1viez-nous du feu
d e I'Enfer, p rene z a u P ara.d.Is toutes •l es â.m es e t secou r,ez
s ur tout c elles, qui en ont le p lus b esoin>. (Cfr. Ohanoine
Ba rt,ha.s ln Les Apparitions de Fatima pág. 58 .
:e muito p arecido o t exto ing lês:
<0 my Jesus forgiv e ·us ou.r si.ns, save us from .the
f ine of he1'1, take ail.l souls to heaven , h elp e.specially tho.se
w.ho are in most n eed>. ( Cfr. Mag. Caulla. in Our Lady
of Fatima, pág. 58.
[)iferein 1Ugeiramente destes dois, os t e~os espanhol
e it atllano:
< Oh Jesus, p erdónanos nuestros pecados, preservanos
dei fuego dei lnfierno, lleva al clelo ,todas tla..s aj)roas, espe-
cialmente ·las más necessitaxias d e tu misericordla>, (Cfr.
/Manual dei tEjerclto Azu.i de ~faria, Các~r.es, pág. 9) . -
<0 mio Gesú, perdona.teci, 11-berateci dai! fuoco del:l'in:
ferno, porta.te ln Cielo tutte le anime, specialmente ie plú
A CONVElRISAO DA iRúSSIA 161

é óbvio, da trad ução duma tradução estrangeira,


o que chega a ser verdadeiramente ridículo·.
Vejamos agora a maneira como Lúcia redigiu
a jaculatória no seu último manuscrito:
«Quando rezais o ter ço - escreve a última das
videntes, reprod uzindo as palavras da Virgem -
dizei depois de cada mistério. «O meu Jesus per-
doai-nos, li vrai-nos do fogo do Inferno, levai as
a lminhas todas para o Céu, pr incipalmente as que
mais precisarem».
ú ltimamente, apareceu uma versão musicada,
ligeiramente diferente das anter-iores, que se
canta já e m várias regiões do pais:
«ó meu Jesus, perdoai-nos e livrai-nos do fogo
do inferno, levai as almas todas para o Céu, sobre-
tudo as que mais pr ecisarem ».
Foram baldados os esforços que fizemos para
iden t ificar o a utor da música que deve ser tam-

bisognose> . (Cfr. P . J oão de iMarchl in Era. uma. Signora


lliú Splendente d ei Sole, pág. 106.
Verdaidelramente curioso porém, é o ,texto alemão:
<0 meio J esus, verzeih uns unsere Sunden; b ewahre
uns vor der Holle; fuhre aiUe S eelen in den HLmmel und
komm, uns vom Irrtum zu befrelen>. ( .. .levaJ todas as
almas para o Céu e vinde livrar-nos do erro). (Cfr. C.
Barthas ln Die klnder voo Fatima. páig. 89) .
tNo S eminál'io do V erbo Divino, de Fátima, reza-se
assim.:
O meln J esus, verzelh uns unsere Siunden; bewahre
uns ivor dem Feuer der Holle ; fllhre alie Seelen i.n den
Rim.mel, ,besonders jene, d1e am. me1sten Delner Bannher-
zigkelt ,bedurd'en.
(ô meu J.esus, perdoai-nos e Hvrai-nos Ido fogo do
inferno; levai as almas todas para o Céu, especla.lmente
as que mais precisarem da vossa misericórdia) .
u
162 AS ORAÇ ôES DE FATiiM!A

bém o desta ver são. Acreditamos mesmo que ele


tenha querido esconder-se no anonimato. Mais se
radicou em nós esta impressão, quando, posterior-
mente, ao compulsar o Hinário, de Fátima, do infa-
t igável e insuperável investigador que é o Dr. Mar-
tins dos Reis, notámos q ue não havia n aquele ma-
ravilhoso livro, a. mínima referência a esta mú-
sica, aliás lindíssima e como já acentuámos, co-
nhecida duma boa pa.rte do país (').

*
Qual destes textos ser á o verdadeiro, qual, o
que Nossa Senhora usou?
O problema parece mais düícil do que real-
' mente é, como, vamos ver.
...,'' , .· •Comecemos por eliminar as traduções estran-

) ·!
·,~ l; geiros e todas as suas derivadas, pelo facto de
terem como origem textos portugueses - foi em
. '
port uguês que a Mãe de Deus falou.
A variante que aparece 110s livros do Dr. For-
migão foi por este composta, talvez a pedido do
'Di Marto e da Sr.º Maria Rosa, como os seguin-
tes testemunhos esclarecem:
<No manuscrito que tenho presente - escreve
o Dr. Fonnigão (2) - e que tem a data de 27 de
iSetembro de 1,9 17 e foi escrito por mim, está a
jaculatória tal quad a Lúcia a ditara e como se
~ncontra no Inquérito Paroquial: <0 meu Jesus,
per.doai-nos, Uvral-nos do, fogo do in!em.o, levai

(1) Plu!blicamo-J•a , à frente, na. pág. 176.


(2) Ofr. Fernando Leite in Jacinta 1.• edição pág. 84.
A ,OON,VERSAO DA RúSSIA 163

as alminhas todas para o Céu, principalmente as


que mais precisarem> (1).
Log o que me foi poss.ivel, flz uma análllse éons-
clenclosa a esta jacula tória que me pareceu, na
s egunda parto - c ... leval as almlnl186 , po.rn. o Céu
principal.monte as que mais precisarem» - falha
de sentido teológico . Admiti que tlvesse havldo
u ma interpre taçã o m enos exa cta por parte dos
Videntes, crianças rudes e ignorantes. Esta ex-
p ressão ..:alminhas> é, em Portugal, consagrada,
e refere~se às almas do Purgatório. Vivia-se então
e m plena guerra que tantas vidas ceifava, d1a a
clla, comparecendo as almas mal preparadas diante
de D ous. Por isso a forma mals consentânea pare-
ccu -Jne est a: «ô meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos
do fogo, do búe rno, aliviai n.s almas do Purgo.tório
princlpo.lmcnte as mais o.bandonadn.s». E assim
lh e d ei a pos slveil p ublicidaoe, e ass im é conhecida
em toda a parte. Mals tarde, a reve lação da pri-
mel ra parte do s egredo, exaraJda nos manuscritos
da Irmã Lúcia - a visão do lnferno e as parti-
cularidades Intimas desta 3.• aparição - pennitl-
,ram dar a devida, interpretação à jaculatória
trams m.itida pelos Vtdentes> .

Citemos ainda o testemunho do Ti Marte,, reco-


lhido pelo P. João de March'Í. (2 ).
«T endo nós pe rguntado ao pai do Fl·anclsco
e da Jacinta -.escreve o P . iMarohl - se ainda se
lembrava como os pequenos tinham dito esta ja-
culatória, respondeu-nos, contando ponnenorlza-
damente o que se passou certa tarde.

( •) Não é exactamente -esta a versão do Inquérito


Paroquial que como jã vbnos tennina. assim: cJleval as
alminhas todas para o Céu principalmente ·aquelas que
mais dele precisarem.
( 2) Of.r. Era UJDa senhora, mais brilhante que o
801, pág. 76-77.
164 AIS ORAÇôES iDE FA'IU!MA

Estava o Fran cisco sozinho p e rto dos Vali-


n.hos, e, enquanto o gado pastava, entretinha-se a
!fazer um -cestlco de j unco. Fui-me t er com ele e
dlsse~lhe: - Olha cá. Franci=, Nossa Senhora
nunca vos ensinou n enhuma oração?
- ,Sun senhor - respondeu ele.
- E como é ela?
Então o pequ eno, sempre mexendo com os bo-
caditos de junco, ainda estou a vê-1o, disse: -
c ô meu Jesus, perdoai-nos , livrai-nos do fogo do
infe rno, levai as alma.s todas pa,ra o Céu, espe-
cialmente as que mais precisarem> .
Eu n ão achaiva j eito nenhum à.quilo. Precisar
de ir para o Céu , todos precisamos... Ná! F1ui-me
t er com a comadre Maria iRosa e con,versámos
sobne o caso. A Lúcia trunbém diz.la o mesmo
qu e o Francisco. Mas a mãe estava do m e u pare-
cer e vai ai prantou-se doutro j eit o. E assim é
que ficou.
!Mas vdltando a pensa,r na coisa comecei a
aoha r que n ão estava mal d e todo e que -':!e Nossa
S enhora tinha dito assim, não ha.via m ais que est ar
a diocutir. Hrubttuei-me a dizê-la as.sim, como o
F J·anclsco a tinha dito e ainda hoje, quanldo estou
sozinho, n ão a rezo doutra manera; quando estou
na Igreja, ent ão rezo como, os mais.
S empre fiqu ei uma vez mais contente quando
·u ma senhoz,a - já não sei quein é - me dl.sse que
a Lúcia também agora assim é que vai rezando>.

A 18 de Maio de 1941, numa ca,r ta a um sa-


cerdote: escrevia Lúcia, acerca desta variante:
cT.ra-duziram-na, fazendo a úJ.ti.ma ,súplica pe-
,1as a:Jma.s, do Purgatório, porque diziam não en-
tender o sentido -das últimas pailavras, mas eu
creio que Nossa Senhora se referia às almas que
se encontram em maior perigo de condenação. Foi
e.sta a impressão que me ficou. E ta.Wez que a
A CONVtEJRSAO DA R'O'SSIA 165

V. R ev .• lhe pa,reça o mesmo, depois de ter lido


a parte que escrevi em a tercelra (aparição) (').

uma outra carta, escrita dois anos antes -


em 17 de Dezembro de 1939 - tinha a vidente
declarado, acerca do mesmo assunto:
c'P,ela compreensão intima que as paJaVTas de
Nossa Senhora infundem, m e p a rece que nas pa-
lavras últimas: as que mais prec.i sarem, se referia
às almas qu e se e ncontraITl em malo.r perigo de
condenação eterna; pois parecia ser esta toda a
ama11gura e p1·eocupação do seu Imaculado Co-
ração>.

E liminada a variante das «almas do Purgató-


ri o», resta apenas um único tipo de oração. Na
verdade, o texto do Prior de Fátima, no inquérito
de 21 de, Agosto de 1917, o do Dr. Formigão no
relatório de 27 de Setembro do mesmo ano, o do
Dr. Carlos de Azevedo, na carta à sua noiva (em
7 de Setembro de 1917) o de Lúcia no manuscrito
de 1941 e o que ultimamente foi musicado, perten-
cem como toda a gente vê, a um só modelo. A
única variante, digna de nota é a do Prior de Fá-
tima que, certamente por lhe parecer pouco inte-
ligível o que Lúcia dizia, como aliás se compreende,
alterou um todo nada a redacção final, introdu-
zindo a palavra dele entre mais e prec-iswrem.
« . .. levai as aJmas todas para o Céu, especialmente
aquelas que mais clel~ precisarem».
Que a palavra dffle é uma interpolação, prova-
-se pelo facto de estar. ausente de qua,} quer dos

( 1) Ofr. F e rnando Leite, ob. clt., pág. 85-86.


166 AS ORAÇOES DE F A 'I1JiMA

outros textos em por t uguês, tanto dos contempo-


r ânP,os das aparições como dos reco,Jhido mais
tarde e ainda. por fal tar igualmente nos m anuscri-
tos de Lúcia.
Um outro· argumento contr a a intromissão
desta palavra, é a mudança de sentido da jacula-
tória que ficaria assim profundamente al terada
e sem a ligação em que está com as linhas mes tras
da men sagem, com o adian te ver emos. Se quiser-
mos ser lógicos teremos mes mo de r econhecer que
esta inb.-omissão tornaria a j acula:tória, a bsurda.
Com efeito,, quem poderá entender a seguinte ora-
ção r elat iva: « ... aq~~e!,as que rnais dele pr ecisa-
rem». Toda a gente pr ecisa do Céu. E ste é o fim
último e único que Deus des tino u ao homem. Não
há, nem pode haver nenhum a espécie de gradação
n a necessidade de tender para ele . Impossível
admitir n a boca de Nossa Senhora, uma expressão
destas. Bastava este argumento para, a prior-i, eli-
minar o texto do Prior de Fátima.
O Dr. Carlos de Azevedo na citada carta, nada
mais tentou do que informar a sua futura espoS'a,
1

acerca dos acontecimentos da Cova da Iria. Escre-


veu portanto a jaculatória, como ele mesmo adi-
ria, em particular- daí a possível explicação da-
quela troca d-o plural pelo singular, em perdoai-me
e livrWHne, em vez de pe,rdoui-nos e livrai.JYWs.
Note-se, que psricolôgicamente é muito mais
fácil de explicar a mudança do plural para o sin-
gular, do que do singular para o plural. Toda a
gente sabe que assim é, até por experiência pró-
pria. O motivo- é simples: o singular cabe sempre
no plural, justamente porque o mais contém o
A CONV•E RSAO DA Ross,I A 167

m enos. Dificilmente se encontrará no plural, uma


prece ou um slogan, redigido originàriamente no
singular.
As orações do Anjo por exemplo, ambas no
s ingular (meu Deus, eu creio, adoro etc.... Santís-
sima Trindade ... adoro-Vos ... e ofereço-Vos ... etc.)
n unca apareceram no plural. A segunda sofreu,
como vimos, inúmeras modificações, nunca porém
fo i alterado o número da flexão verbal.
Todos conhecemos porém como é d ifeTente o
processo inverso. Quantas vezes nos teremos sur-
p t·eendido a dizer e a sent ir no s ingular, fórmu-
las originàriamente compostas no plural. Nem os
santos fogem à regra. Um exemplo frisante é a
Sa:nta M aria que vários recit aram assim em voz
alta, sobretudo na hora derradeira: «Santa Ma-
ria, Mãe de Deus, rogai por mim, pecador, agora
e na hora da minha morte» ou, «agora que é a
hara da minha morte».
Quer dizer, embora o texto do Dr. Carlos de
Azevedo seja an terior no tempo, a todos os outros,
e..-xoluído o do Prior de Fátima, é-lhes contudo pos-
teriar na evolução. Não se explicaria de forma
nenhuma que os outros viessem dele. Fàcilmente
rporém se compreende que ele tenha vindo dum,
igual aos outros.
De resto, o texto do Dr. Carlos de Azevedo é,
entre todos os que dentro e fora de Portugal se
publicaTam, o único em que aparecem as formas
elo singualr: perdoai-me e liviraMne. Nunca setor-
nou popular e, que saibamos, nunca foi recitado
em público. Estamos mesmo em crer que nem o
seu autor que é um grande e esclarecido devoto
168 AS ORAÇôES [)E FATIMA

de Fátima, o seguirá, quando recita a jaculatória


que Nossa Senhora pediu.
O texto musicado a que acima nos rt!'ferimos,
não oferece também n enhuma dificuldade. Trata-
-se duma versão recen te, que, para melhor se adap-
tar ao ritmo da m elodia, sofreu duas l igeiras mo-
dificações - a introdução da copulativa e (per-
doai-nos e livrai-nos) e a substituição de prin~
valmente por sobretudo. Embora fosse muito m a is
lógico e muito mais digno, respei-tar o texto, origi-
nal, não vemos inco'Ilveniente nenhum em que esta
versão se propague e cante em toda a parte, (pelo
menos enquanto não aparecer outra mais fiel) uma
vez que reproduz com exactidão as ideias expres-
sas pela, Mãe de Deus.
Elüninados os textos do relatório, do Prior de
Fátima, do Dr. Carlos de Azevedo e da versão mu-
sicada, restam-nos apenas dois, a saber: o do Dr.
Formigão (27 de Setembro de 1917) e o de Lúcia
(manuscrito de 1941).
Não há entre eles, diferenças substanciais.
Onde um diz alnias, diz o outro, alminhas. Este
sufixo inha que segundo os filólogos exprime di-
minuição, carinho, etc., não altera de forma ne-
nhuma o conceito expresso. Uma e outra foo:ma
são indiferentemente usadas pelo povo, para falar
das almas, tanto dos mortos, como dos vivos. Há
regiões do país onde o povo diz habitua,Jmente
alminhas e outras, onde diz ,s empre almas. Quer
dizeT, .ambas as formas exprimem um único con-
ceito.
Apesar de tudo, como fàcilmente se depreende
do que fica dito, o exame dos textos favorece mais
A CONVIDRSAO DA ROSS,I A 169

o diminulivo cúrninhas, cio que o radical almas.


Talvez isto se explique, pela preferência que a
gente de Fátima tem pelo uso dos diminutivos.
As palavras que em qualquer outra parte se usam
no grau pos itivo, aparecem ali com as desinências
ico, ica, inho e inha, como verificam qu:;mtos con-
versam com seus natura-is daquela, região. Deste
fenó meno 'l inguístico dão testemunho ex·uberante,
os depoimentos que os historiadores de Fátima re-
colheram in loco e depois publicaram, nos vários
li vr os sobre a história das aparições.
Uma outra diferença se nota ainda entre as
duas versões. O texto do Dr. Formigão, traz o vo-
cábu!lo especialmente e o de Lúcia, p1incipalmente.
Trata-se duma questão de palavras, apenas, pois
o s ignificado é o mesmo. Examinando porém os
outr os textos, n ão 1·esta dúvida que é Lúcia quem
tem razão. Todas as demais versões contêm a
palavra v 1incipcd,mente que, por sinal, até subsis-
t iu na va,rian te das «almas do Purgatório», engen-
drada como vi mos, pelo Visco,nde de Montelo.
P oderemos agora concluir com bastante segu-
r ança, que o texto originário de todos os outros é
precisamente, ou qu·a se precisamente, igual ao que
aparece no quarto e último manuscrito da Irmã
Lúcia. Este texto cronologicamente posterior a .
todos os demais, é-lhes no entanto anterior n·a ·
evolução. Isto prova que foi esse mesmo o texto
que Lúcia usou nos seus depoimentos, durante a
época das aparições.
O que fica exposto permite-nos ainda acres-
centar - e isto interessa sumamente - que, depois
de vinte e quatro anos, tantos são os que decorre-
170 AS . ORAÇOES IDE tF.ATiiMiA.

ra.m desde 1917 a 1941, a memória. de Lúcia. con-


seguiu reproduzir não apenas as ideias, mas as
próprias palavras da jaculatória que Nossa Se-
nhora ensinou.
O leitor impa1·cia,l notou por certo que nas de-
duções acima feitas para apuramento da ve1·da,..
<leira versão das palavi·as de N ossa Senho:i:a, não
nos baseámos em simples opiniões, nem tentámos,
de qualquer modo, favorecer a resposta da per-
gunta que a princípio formulámos.
Será portanto absolutamente legítimo que deste
estudo se tirem todas as conclusões que ele com-
porta. Uma delas seria poi- exemplo, lançar uma
campanha esclarecida e inte.Jigente para difundir
poiJ: t oda a pa rte, dentro e fora de P ortugal, a
verdadeira jaculatória de Nossa Senhora, em subs-
tituição das outras que por aí andam.
Eis o ~xto que todos deviam ca.nitar e rezar:

ó MEU JESUS, PERDOAI-NOS, LIVRAI-NOS DO FOGO DO


INFERNO; LEVAI AS ALMAS TODAS PARA O CW, PRINCI-
PALMENTE AS QUE MAIS PRECISAREM.

Esta, forma que deve ser a que Nossa Senhora


usou, difere apenas numa palavra da que Lúcia
expôs no seu quarto manuscrito. É a palavra aJ,..
1n.inha.s.
· Substituímo-la propositadamente por alnULS,
em obediência aos seguintes motivos:
Primeh·amente, alminluu; é, como já vimos.
perfeitamente sinónimo de alm,(1,S. Depois, este úl-
timo termo é de uso bastante ma.is geral do qu_e
o outro, o qual, no significado que a j-acula.tória
apresenta, 'é de •USO apenas regional, quase diría-
A CONViERIS AO DA Rú..SSIA 171

mos dialect.al. Por ootr o lado e como prova do que


fica dito, o povo fo i sempr e refractário à adopção
das versões com cúm inha.s. F inalmente, nada nos
convence que a Visão tenha realmente usado a
palavra alminluis. A própria L úcia esclarece que,
ao reprod uzir o diálogo com a Virgem, só pode
garant ir o sen tido e não, as próprias p-a:lav-ras.
E ste seria por ém um aTgumento simplesmente ne-
gativo, donde nada seria lícito concluir. Temos JX}-
1·ém a n osso favor, o contexto da te rceira apari-
ção. Ora este, com o vamos ver, esclarece e abona
inteiramente o que acima dissemos. ·

INTERPRETAÇÃO DA JACULATÓRIA
\,

Por não se ter acer tado com o verdadeii-o


sentido da jaculatória de Nos sa Senhora, é que ela
foi sendo modifi cada par uns e out ros, até dar as
variantes de que :falámos. Antes porém de des-
cermos à an álise do conteúdo que as pafavras
da Vir gem encerr am , será mister ver o seu con-
texto e o luga:r que ocupam, adentro da estrutura
geral da mensagem de Fátima.
Alg,uns a utores, já mesmo depois da, publicação
cios m anuscritos de Lúcia, a present am esta jacula-
t ória, no decorrer do diáJlogo da segunda aparição.
A Irmã Lúcia porém, atribui-a à terceira e não
há dúvida que é ela quem tem razão.
Os pequenos tinham contemplado a visão do
inferno - uma visão pavorosa, ultr~antesca,
perfeitamente bíblica, com demónios em formas
horríveis, fogo, fumo, gemidos de dor e desespero.
Atemorizados, levantaram os olhos para a. Virgem,
172 A!S ORA'Ç OES DE FAT:m-1A

como a pedir socorro, diz Lúcia, e ouv iram então


estas palavras:
« Vistes o infe rno- para onde vão as almas dos
pobres pecadores. Pa,ra as salvar, Deus quer esta-
belecer no• mundo, a devoção ao meu Imaculado
Coração. Se fizerem o que vos disser, salvar-se-ão
muitas almas, e terão paz ... » e continuou, expondo
os castigos da guerra, ela fome e das per seguições
que o mundo sofreria, se não atendesse os seus
pedidos. No :fim, como que recapitaulando tudo
'O que atrás dissera, ensinou a jaculatória que os
pastorinhos deveriam rezar, a 'Pedir po-r eles mes-
mos e pelas- almas dos pecadores, •a lmas de que
a Virgem fala ra no princípio·, almas que, no plano
de Deus, é preciso salvar por meio da devoção
ao Coraçã·o de Maria. «Para as sa1lvar, Deus quer
estabelecer no mundo a devoção a meu Imaculado
Coraçã-o».
Foi sobretudo por isto que não hesitámos em
preferir a forma almas, ao seu diminutivo almir
nhas. Se N-oss•a SenhoTa num e noutro caso, expri-
miu a mesma ideia, parece-nos mais provável que
tenha também usado a mesma palavra, o que aliás
a:contece noutras fases do diálogo.

A primeira, parte da jaculatória não• oferece


nenhuma dificuldade. Os vocáibuos têm aí o seu
significado habitua,!. Pecle'-se simplesmente o per-
dão de Deus a gr·a ça da perseverança no bem,
para se evitar o inferno.
Na segunda parte, é que tem havido desvios
de interpretação, sobretudo no que diz respeito ao
complemento direoto d'O verbo precisatr.
A CONVERSÃO ·D A ROSSIA 173

Realmente, considerando a jaculatória em si


mesma, isolada do contexto, a primeira ideia que
surge, é a·liar o Céu, ao conceito do verbo. Esta foi
a interpretação que o Prior de Fátima, o Dr.-F o•r -
migão e o Ti Marto lhe deram, a princípio.
Este, o mot ivo por que apareceu a variante a
fa lar das a lmas cio .Pm:gatório.
«Precisa1· de ir para o Céu, todos precisamos»
- pens avam eles e com razão.
A verdade porém é que o verbo vreciswr não se
refere à palavra Céu, mas sim à expressão, lev ai
va?'a, o Céi,. Quer dizer, o sentido da segunda
par te da jaculatória é este: levai as almas todas
para o Céu, principalmente as que mais precisa-
rem de ser levadas por Vós .
. Prova-se que é este o sentido próprio da jacula-
tória, por ser o único admi ssível, por estar abso-
1

lutamen te de ha1J:monia com o dogma e correspon-


der perfeitamente às linhas gerais que estrutu-
r am a reve lação de Fátima.
Interpretando as pailavras no se u sentido ]ite-
r a,! - e esta é a única interpretação admissível em
frases que se destinam a ser deem-adas e recitadas
pelo povo, só há dois complementos possíveis pa1·a
o verbo «precisar» : o Céu ou o se;r le/Vado pwra o
Céu.
Ora o primeiro está excluído, pelas razões
acima alegadas. A neces·sidade que temos do Céu
é absolutamente iguaI p-a1·a todos. Não há graus.
Não há quem precise mais, nem quem precise me-
nos. Todos precisamos igualmente. O Céu é não
só o último, mas também o único fim que Deus nos
174 AS ORIAÇ0ES DE F ÃT.IiMA.

destinou. Resta-nos portanto, admitir como objectc


do verbo, a e:Kpressão, levai para o Céu .
Não é nada contra o dogma dizer que alguém
precisa ele ser levado par a o Céu, tal como não é
contra a liberdade, dizer que alguém pi-ecisa de
ser levado a que rer isto, ou -a odiar aquilo. É certo
que os sacramentos agem e;c ove:re op~·ato e que
a alma em graça tem direito à bem-aventurança
eterna(').
Mas é igualmente certo que, sem uma graça
especial, não pode o pecador ,apr oxim ar-se dos sa-
oramentos e ser justificado. É necessária uma
certa cooperação d ivina a que a Teologia chama
graça actua1l, para todos e cada um dos actos so-
brenaturais, para o início da fé, para o desejo efi-
caz das obras da salvação, para a r ealização de
cada uma delas e até para a perseverança diu-
turna, na amizade de Deus.
É agora mais fácil de entender, o inciao «as
que 1nais precisarem». A necessidade que cada um
tém desfas graças actuais, é diferente de homem
para homem. O pagão, o indiferente, o ateu, o pe-
cador impedernido precisam de muitos mais auxí-
lios sobrenaturais do que aquele que só momen-
tâneamente se afasta de Deus.
Embora se possa aplicar a toda a gente, a
oração que Nossa Senhora ensinou, visa sobretudo
os pobres pecadores e os descrentes que, na frase

( 1) Não se trata evidentemente dum direito de jus-


-tlça, tratar-se do chamado <'direito de congruo», mas direito
verdadeiro, porque derivado dmna promessa de Deus.
A CONVERSA◊ iDA RúSSl!A. 175

de Lúcia, pareciam «ser toda a amargura e toda


a. pr eocupação do Coração Imaculado» de Maria.
Quem morre na g;raça de Deus, não precisa de
ser levado para o Céu. Vai para lá, poderíamos
dizer, pele seu próprio pé. Elevados à ordem so-
brenatural, tornados pelo Bapt ismo, filhos de
Deus, adquirimos o Céu, como herança, p01· direito
próprio. «Si filii et heredes». Se somos filhos, so-
mos herdeiros, ensinava S. P a:ulo aos, romanos ( 1 ) .
O pecado porém anula essa herança. O que nesta
oração pedimos é no fim de contas, a vitória sobre
o pecado, ou por outras pa:lavras, a vida da graça
- que é, como vimos o fim último (relativamente,
é clarn•) da mensagem de Fábma.
Entendida assim,a jaculatória aparece..nos per-
feitamente enquadrada n a,s linha:s mestra:s da re-
velação da Cova da Iria. O seu significado é muito
mais rico e muito mais profundo, do que à pri-
meira vista paTece.
Tal como dissémos acerca da oração do Anjo,
se outro argumen to não houvesse, bastava a pró-
pria estrutura da jaculartória, para •abonar a reali-
dade das aparições. Crianças de tão terura idade
e ram incapazes de compreender e mais ainda, de
inventar e exprimir verdades tão ailtas. A perfei-
ção desta pequena paculatória é de tal ordem, que
parece ultrapassar os pTóprios teólogos, pois du-
rante tantas dezenas de anos que já decorreram
após a sua publicação, não apareceu ,um só que

(1) Cfr. ad Rom. VIII, 17.


176 A•S ORA'ÇOES DE FATliMA

dela fosse capaz de extrair t oda a riqueza que


lá se col)centra (1 ) .
Jl',.d.&~1. ..,,.i..

jP\f ~ JoIJ JJIJ JIJ±J A I, J J


O~ m•u Jes us perdoai ----noa . E livrai-nos do

~ J--
1n n'J 1/1 Alfi JI n ;1 1 . 1
togo do iufer-no. Leva i a s al--mae toda.a para o Clu,

: 1,•.,.u i.i,.,.ci

J Jld I JJtJ I J'·•IIJ IJI


aobr etudo as que maia preci9a---rcm. Levai a s ••-r•••

E assiln qu,e o povo canta, mais ou menos em. toda


a parte. A única a:lteração, digna de nota, que esta letra
apresenta, reside naquele sobretudo,. ( ... sobretudo as que
ma'.is precl.9arem; A Visão dissera : prlncipalmente as que
mais pnecisarem) .
O sentido é o mesmo. Contudo, todos nós prefe1irla-
mo3 uma .versão mais iflel, uma ve rsão qu e fosse mate-
màticamenre, exactwmente igua!l à da Mãe de D eus, até
para te rmos a certeza de que, ao cantá-la, repetlamos as
suas próprias palavras.
•F8.!lámos nisto ao distlnto professor d e música do Se-
minárt0 do Fundão, IRiev. P. Bernardo Terreiro do Nascr-
mento, a quem Fátima já inspirara uma outra música,
a conhecida e.Senhora dos IPastorinhos> . iNão !foi em vão
que 1baitemos a ta!l porta. Momentos d epois , Sua Rev.• a,pre-

( 1) A UtUJl0 d e curiosidade e para mais ajudar a


dl!usão da jaculatória, aqui' deixamos ,a melodia popular
de que !falámos atrás.
A CONVERSÃO DA RúSSIA 177

s entava-nos a Linda melodia gu.e a seguir publicamos. Tra-


ta -se dum motete de sabor acentuadanlente gregoriano,
todo ungido de sentimentos de esperança no _P_e rdão de
D eus e d e compa ixão e ,temura pelos pobres pêcadores. O
-flno.J , em dueto, dá-lhe um r emate dellcad1.sslmo, cheio
de graça e suavidade.

{A,provada pela Com:ls.são de Música


Sacra da Diocese da Guarda).

12
,
O PRIMEIRO E O MAIOR
PEDIDO DE NOSSA
SENHORA DE FÃTIMA
1
1
1

A mensagem de Fátima é viver na graça de


Deus. E sta é a vontade expTessa de Nossa Senhora
e este foi o fi m último (·r elativamente último) das
aparições.
Mas se a revelação da Cova da Iria se tivesse
limitado a apontar o fim, forçoso era considerá-
-la, se não incompleta, pelo menos ineficaz. Viver
na graça de Deus é o escopo do Evangelho e de
tudo quanto faz e ensina a Igreja. Ser,ia a men-
sagem de Fátima, como já se afirmou, uma repe-
t ição pura e simples do que o mundo sabia?
É clarr o que não. Fát ima t.em a sua novidade.
Fátima acrescentou alguma coisa de novo, ao t.e-
souro da piedade privada e até às normas da Teo-
logia Pastoral. Fátima não se contentou com indi-
car o fim. Apontou também os meios, mais aptos
e mais adequados para o alcançar, nas circunstân-
cias actuais. ,,
Nem sempre porém têm sido esses meios devi-
damente expostos e aplicados. Nota-se até uma
certa confusão entre os devotos de Noss•a Senhora,
desejoso·s par um lado de at.ender os mat.ernais
apelos da Virgem e duvidosos, ou mesmo desorien-
182 O iMAlOR p ,E )DIDO DE N .• S .• DE FÃ'l'IiMA

tados, por outr o, em virtude das explicações e ins-


truções tão desencontrada,s !3 divergentes que vão
r ecebendo.
Felizmente, os meios que Fátima aponta e su-
gern estão todos munidos e entrelaçados, não só
pela ad mirável analogia da fé, tãCJ eloquentemente
testemunhada na r evelação da Cova da Iria, como
ainda pela própriãestrutura monolítica da men-
sagem de Nossa Senhora. R ealmente, eles não se
excluem, nem se repelem. Completam-se. Mas à
força de se encarecer em alguns, podem fàcilmente
esquecer-se e préjudicar-se os outros. Isto será um
bem, se a preferência for rectamente ordenada,
m a-s será um m al, se der como resultado, o esque-
cimento ou o desprezo do que é por natureza pri-
m ário e de certo modo insubstituível.
Há portanto que estabelecer a hierarquia de
valores, entre os difei-entes meios que Nossa Se- -
nhora apontou, ou peio menos, indicar os que, de
forma nenhuma, deverão omitir-se. Pràticamen te,
toda a questão se resume nisto: qual é o primeiro
e o maior pedido de Nossa Senhora de Fátima? Ou
por outras palaV1ras, qual o aspecto prático sob
que deve apresentar-se a mensagem? Qual o ponto
em que é mais necessário insistir?
Toda a gente conhece a multiplicidade de opi-
niões que circulam a este respeito, alg,umas at~
sob o nome e a autoridade de vultos altamente re-
presentativos. Para não nos . alongarmos demasia-
damente, omitiiremos a e·x posiçã:o dessa opiniões e
a refutação de cada uma delas. A prova da que a
seguir vamos expor é, só por si, condenação súfi-
ciente de todas as outras. -
r-

A CONVERSÃO DA ROSSIA 183

O primeiro e o mais importante meio que Nossa


Senhora ele Fátima apontou para se alcançar o
fim da mensagem de Fátima, é a devoção ao seu
Imaculado Cor ação.
Apr esentaremos va.rr10s a,r gumentos, como
prova cio que fica dito.
Comecemos pela própria sequência ideológica
das aparições. Da, primeira à últ ima, todas elas se
ordenam a sugerir, a expo1·, a r ealçar, a enrique-
cer, a ped ir, ou a exigir esta inspirada e promis-
sora devoção. Pode mesmo dizer-se que ela é a es-
pinha dorsal, o leit rnotiv de toda a revelação de
Fátima, tanto em Aljustrel, no Arneiro, na Loca
cio Cabeço, n os Valinhos, como na Cova da Iria,
como mais tarde em Pontevedra e em Tuy. Ora isto
seria inexplicável se a devoção ao Coração Ima-
cul ado não desempenhasse um pa,pel de relevo, na
mensagem de Nossa Senhora.
A p r imeira entrevista d QI Anjo foi apenas o
preâmbulo. Apesar disso, nota-se nela uma signifi-
cativa refer ência ao Coração de Maria. Esse Co-
ração, diz o mensageiro celeste aos pastorinhos,
está atento, «à voz das vossas s úplicas».
Da segunda vez que falou, foi ainda bastante
mais explícito. Há já nas suas palavras, um es-
boço da missão que os videntes hão-de realizar. «O
Co1·ação de Maria - afirma ele - tem sobre vós
desígnios de misericórdia».
Finalmente, na última vez, naquela belíssima
oração eucarística que precedeu e seguiu a comu-
nhão, ó Mensageirr o Cefoste ensinou aos pequenos
a recorrer não só ao Coração de Jesus, mas tam-
184- O iM<AIOR P •EDIDO DE N .• S .• DE F'A T™A

bém aos méritos do Coração de Maria, para obte-


rem a conversão dos pecadores.
Com as visitas de Nossa Senhora, começa a
e:-,.rposição formal, sistemática, da devoção ao Co-
ração Imaculado. Em 13 ele Maio, embo'!:a a Vir-
gem não fale expressamente do tema que mais
tarde irá desenvolver , n ão deixa contudo ele o s uge-
rir, ao indicar como preocupação máxima do seu
Coração, a reparação dos pecados com que Deus
é ofendido e o oferecimento de orações e sacrifí-
cios pela. conversão dos pecadores ( 1 ) .
Ao mesmo tempo, pede a reza do terço, cujo
mistérios nada mais são, do que o compêndio das
alegrias, das dores e das glórias do seu Coração
Imaculado (Z ) .
Foi em Junho que a Virgem entrou expressa-
mente no assunto. Primeiro pede ao pastorinhos
que aprendam a ler. Jacinta e Francisco, morre-
rão dentro de pouco, mas Lúcia terá necessidade
das letras, para t r ansmitir por escri to, à Au to-
ridade Eclesiástica, nomeadamen te ao Bispo de
Fátima e ao Santo Padre, certas revelações de
Nossa Senhora, sobre a homenagem privada e
pública que ela exige ao seu Imaculado Cor ação.
Respondendo a um pedido de Lúcia, a Mãe de
Deus declara que brevemente levará para o Céu,
os dois mais novos. Quanto à mais velha, uma mis-

(1) cQuerel.s oferecer-vos a Deus, para suportar to-


dos os sofrimentos que Ele quiser en:viar-vos, em acto, de
repa.ração pelos peca.dos com que Ele é ofendido e de
súplica pela conversão dos pecadores? ... >
(2) <-Rezem o terÇo todos os dias ...>
A CONVERSÃO DA ROSSIA 185

são importantíssima lhe é destinada - promovei·


a devoção ao Coração de Maria.
«Tu ficas cá mais algum tempo. Deus quer
servir-se de t i, para me fazer conhecer e amar.
Deus quer estabelecer ·n o mundo a devoção ao meu
Imaculado Coração. A quem a abraçar prometo~
salvação e ser ão queridas de Deus estas a;lmas,
como flores postas por mim, a adornar o Seu
Trono» (1).
Será nesse Coração que a vidente encontrará
do•r avante, a chave de todos os problemas, segundo
as próprias palavi·as de Nossa Senhora:
«Eu nunca te deixarei. O meu Imaculado Co-
ração será o •t eu refúgio e o caminho que te con-
duzirá até Deus» .
Foi nesta altura, que a Virgem abriu os bra-
ços e mostrou o seu Coração. Era um Coração do-
loroso, rodeado de espinhos. «Compreendemos -
escreve Lúcia (2 ) - q,ue era o Coração de Maria,
ul t rajado pelos pecados da Humanidade». Este
Coração havia de tornar-se mais tarde, o símbolo
não só da aparição de Junho, mas da própria men-
sagem de Fátima. Nele estavam realmente sinte-
tizados, resumidos, condensados, como num es-
quema, todos os ensinamentos e pedidos de Nossa
Senhora.
O quadro que os pequenos contemplaram im-
pressionou-os tão profundamente, que não quise-
ram falar dele, nem aos próprios pais. Sem que

( 1) Cfr. Jnácio Ma~·tlns in Em Outubro Dlrel o que


Quero, pág. 90.
( 2) otr. Inácio Martins, tbldem, pág. 65.
186 O MAiIOR PEDIDO DE N .• S .• DE FATlMA

ning uém lh o aconselhasse, sem que ninguém lho


pedisse, r esolveram g uardar segredo absoluto so-
bre tudo o que pr oximamente se relacionava com
a devoção ao Coração de Maria. E sse, o motivo
por que ocultaram as •r evelações acerca do se u
próprio fu t uro. A isto se r eferiam os pastorinhos,
quando afirmavam que a Virgem lhes confiara um
segredo, segredo, que nasceu apen as d uma exigên-
cia espontâ nea das suas almas, cheias de Sobrena-
tura:1. «Sentíamos que Deus a isso nos movia»,
dirá mais tarde a Irmã Lúcia, tentando explicar
o curioso fenóme no de que fo r a testemunh a.
É por causa desse segr edo, que os r elatórios
de 1917 são• a!lheios a qualquer refe.rência ao Co-
ração Imaculado de Maria.
Embora já bastante pormenorizada, a revela-
ção de Junho tem, no entanto, um aspecto eminen-
temente individual. A Celeste Embaixatriz con-
centra quase todas as suas decla1·ações sobre a
vida dos videntes, especialmente de Lúcia. Dir-
-se=-á que quis prepará-los para a r evelação do
mês seguinte, com a antevisão do papel que lhes
destinava no futuro e ao mesmo tempo, da riqueza
incomensurável que aquele Coração de Mãe guarda
para eles e pa•ra todos os que o venerarem.
Foi em Julho, que Nossa Senhora fez a expo-
sição cabal e total elas prerrogativas e· dos direi-
itos do Coração Imaculado. Este mês foi o centro.
o ápice, o zénite da grande revelação. Tudo o que
está antes, a prepaira, tudo o que está depois, _a
explica, esclarece e repete.
A Virgem começa por ensinar uma breve or~
A CONVIDRSAO DA RúSSIA 187

ção que os pequenos devem dizer, sempre que fa-


çam sacrifícios.
«O Jes us, é por vosso amo1r, pela conve1.·são
dos pecadores e em reparação pelos pecados come-
Lidos con tra o• Imaculado Coração de Maria».
Aparece aqui, pela primei•r a vez, a ideia da
reparação que os espinhos de Junho haviam anun-
ciado. Depois, vem a exposição do poder do, Cora-
ção de Maria. Mostrado o inferno, os réprobos e
e os demónios, a Senhora explica que para sal-
var as almas dos pecadores, Deus quer estabelecer
no mundo a devoção ao seu CO'ração Imaculado.
«Vistes o Inferno para onde vão as almas dos
pobres pecadores. Para as salvar, Deus quer esta-
belecer no mundo, a devoção a meu Imaculado
Cor ação».
Esta devoção é assim exposta, não a.peinas
como um simples meio, mas sobretudo•- e isto
tem sido tão esquecido! - como o único meio de
salvar os pecadores.
Trata-se dum plano divino - plano único que
a ninguém é lícito desrespeitar, ou esquecer. Se
houvesse outros planos paJJ:alelos, ou por outras
palavras, se este plano fosse· meramente faculta-
tivo, nem a: Virgem o expunha deste modo, nem
a ele ligava tantos e ·tão gra111des castigos.
Não há aqui nenhuma espécie de exagero. Tra-
t~-se apenas dum corolário de Mediação Universal
de Maria, doutrina que Fátima documentou desta
e doutras vezes, d uma maneira extraordinària-
men te exl)'ressiva.
Mas não é só para a salvação dos pecadores
que a referida devoção é precisa. É também para
188 O MAIOR PEDIDO D E N .• S.• DE FATFMA

se obter a paz. « e fizerem o que eu vos d isser,


t erão paz».
Um assun to de tamanha imporLância e com im-
plicações tão sérias no plaino individual, social e
polít ico, merecia uml'\ exposição mais circunstan-
ciada. E isso foi o que a Virgem fez, logo a segu ir,
declarando expressamente que a devoção ao seu
Coração Imaculado impediria, por si só, a futu ra
guerra - a II Grande Guerra!
Para que o mundo p udesse avaliar o que essa
guerra significa, a, a Mãe de Deus profetizou ex-
pressament.e, quase taxativamen te, os castigos que
a acompanhariam - sofrimentos, martírios, er-
ros, perseguições, desLruições, mort.es, sem con ta.
Finalment.e, prediz o triunfo do seu Coração
Imaculado. «O me u Imaculado Coração t riunfará
O Santo Padre consagrar-me-á a Rússia que se
converterá e será concedido ao mundo algum
tempo de paz ».
Quer dizer, apesar de tudo, será dela a vitória
fina'!.
Duas são portanto as linhas gerais em que
Nossa Senhora expõe a devoção ao seu Coração
Imaculado: reparação e consagração. A p1:imeira,
mais no plano individual; a segunda, predominan-
temente, no plano social.
Como resultado, virá depois o triunfo glorioso
do Coração de Maria.
Nas aparições de Agosto, Setembro e Outubro,
não se fala expressamente desta devoçã-o. Pelo
menos, nenhum dos documentos lhe faz referência.
O tema tinha sido exposto e exp'licado, com toda
a claireza. Nada mais e:r;-a preciso acrescentar.
A CONVERSÃO DA RO'SSIA 189

Qu ando mui to, restava ver as conclusões que dessa


devoção se podiam t irar . Ora foi precisamente
esse, o object ivo das últimas aparições da Cova
ela Iria.
Em Agosto, a Mãe ele Deus mostra como seria
grandiosa e solene, a vitória. do seu Coração Ima-
culado. Se não fora a maldade dos homens, seria
mais imponente o milagre do sol e ela apa,r eceria·
no Céu, com o Rainha do Mundo, rodeada de anjos
e cercada de f lor es.
«Se não t ivessem abalado contigo para a a'1-
cleia, o milagre seria mais conhecido. Havia de
vir S. José com o Menino J esus dar a paz ao
Mundo. Havia de vir Nosso Senhor benzer o povo.
Vinha Nossa Senhora do Rosário com um anjinho
de cada lado.Vinha Nossa Senhora da.s Dores com
um arco de flores à roda» .
De igual modo, naqueles dois andores que a
Visão mandou CO'l1struir, estavam figuradas, se-
gundo a opinião corrente, as peregrinações da
Imagem de Fátima que, mais do que nenhum ou-
tro elemento, contribuíram e contribuh-ão para
ala rgar o r eino do Imaculado Coração de Maria,( 1 ) .

(,) Os andores de que a Virgem fa!lou nas aiparlções


de Agos to e Setembro, não eram para levar Nossa Se-
nhora em, triunfo, como pode parecer. Era e é costume,
na r egião de Fátima, organizar cortejos com as ofertas
d os devotos do Santo, cuja solenidade se celebra. Essas
ofertas são transportadas em p.equenos andores e, depois,
airrematadas em hasta pública. Era a esta espécie de an-·
doiies que a Virgem se referia. O dinheiro deles destinar-
-se-ia, declarou, à festa da Senhora do Rosário.
!Muitos têm visto nesta alusão aos andores, o slmbolo
190 O ·M AIOR P EDIDO D E N .• S .• D E F AT IMA

Em Setemb1·0, volta a repetir que a paz está


nas suas m ãos e que só ela a p0<:le dar. E s ta fora
afina•! uma das ideias m ais cla r a e pr ofusamente
expostas, na a parição de J'Ulho. Ao mesmo tempo,
pede a er ecção da capela d a Cova d a Iria que.
p l'imeir o destruída e depois recons tn:uída, havia
de con s1tit uir a m aior r iqueza de F á ti ma, ser o
maior cen fro de irradiação da mensagem do Cor a-
ção Imaculado e simbolizar , ao mesmo tempo, o
futuro da revelação de Nossa Senhor a, p1·imeiro,
con trariada, mas depoi , v itor iosa e t r iunfante no
mundo inteiro.
F in almente em Out ubro, como que r ecapit u-
lando o que anteriormen te d issera, fez um vee-
men te a pelo para que cessem as ofen sas a seu
Divino Filho - causa única dos es pinhos que fe-
rem o seu I macul ado Coração. Repetiu o pedido
do terço e no fecho de t udo, mostrou-se ao lado
do sO'I, segundo pareceu a Lúcia, sob a forma de
Senho-ra do Carmo, com o escapulá rio n a mão.
Ora este, como Pio X II afirm ou, out r a coisa não
é, senão o símbolo da consagr ação ao Coração de
Maria (2 ).
e ao mesm o t.empo a profecia das viagens m a.ra,vUhosos
da Virgem P e regrina . N ã o h á mot Lvo para contrariar tal
interpretação, e.mlbora ela p rovenha dum conceito errado.
S e os andor.es se de.stln8JVam a flgu.rar na p rocissão
da Senhora do Rosário e o seu dinheiro era para a mesma
festa. contrtbulam directamente p a ra a glória externa da
iMãe de Deus, ta,J como as viagens da Sen-hora P eregrina.
( 2) Não é aibsolutaimente 'Certa a aparição da Se-
nhora do Cam10. Estuda.remos à f.rent.e este pormenor,
quando •tratarmos dos fundamentos da consagração que
Fátlma pede.
A CONVIDRSAO DA ROSSIA 191

*
Na apançao de Julho, a Mãe de Deus prome-
tera q_ue viria pedir duas homenagens especiais
ao seu Coração Imaculado. E veio, realmente. A
p rimeir a, pediu-a em 10 de Dezembro de 1925,
quando a Irmã se encontrava em Tuy; a segunda,
em Junho d e 1929 (') no convento de Pontevedra.
E stas duas aparições que podem considerar-se o
epílogo da r evelação· de Fátima foram, única e to-
talmente, consagradas à devoção ao Coração de
Maria.
Em 10 de Dezembro de 1925, enquanto a SS,
Vh-gem lhe mostrava o Co•ração Doloroso, cercado
de espinhos, o Menino Jesus que estava ao lado,
pronunciou estas pa1lavras:

- T em pena do Coração d e bua Santlssima


!Mãe, qu e está coberto de espinhos que os homens
ingratos a todos• os momentos lhe cravam, sem
ha ver quem faça ·um acto de repa,ração para os
tirar (• ) .

Depois, falou a SS. Virgem:

- Olha, minha flrlna, o meu Coração cercado


de espinhos, que os homens ingratos a todos os
' ' momentos m e cravam com bl!l8fém1as e ingrati-
dões . Tu ao m enos vê de me consolar e diz que j
todos aqueles que clu,rant.e ,cinco meses, no pri-
meiro sábado, se confessarem, recebendo a Sa-
grada Comunhã o, rezarem. um terço e me fizerem
quinze minutos de companhia, meditan'Cio nos
mistérios do Rosário com o fim de me desagra-

( 1) Ignora-se o dia.
(2) Cfr. Inácio Martins, ob . cit. pé.g. 90.
192 O M AI OR PEIDIDO DE N .• S .• D E FATii?vlA

varem, Eu prometo assistir-lhes na hora da morte


com todas as graças n ecessárias para a saJvação
dessas a lmas (1).

P or q ue os apelos da. SS. Virgem não ei·am


atendidos, como mereciam, voltou _ osso Senhor
a apare<!er em 1926 e 1927, a encar ecer mais uma
vez a importâ.n cia do q ue Sua Mãe ped ira e a ini-
citar a J.rmã a que fi zesse t udo o que lhe era pos-
sível, para espaihar a · devoção ao Coração de
Maria.
A úl tima r evelação sobre o Coração Imaculado
foi em Junho de 1929. Como nem podia deixar de
ser , revestiu-se de toda a solenidade. Era o epílogo,
a chave, o ·r emate de todas as aparições ,anterio-
res. Eis como Lúcia a contou n a carta que em
1940, dirigiu ao Santo P adre :

«•Em 1929 Nossa S enhora por m elo doutra


a parição p ediu a consagração -da Rússia a s eu
Imiwulado Cora çã o prometendo por este m eio im-
p edil' a p ropa gação dos seus erros e a s ua con-
ver são.
De repente Hwninou-se t oda a ca pela com uma
iuz sobr.enatura1l e sobr.e o altar apa receu uma
cruz de luz, qu e chegava a té ao tecto. Em uma
luz mais cla,ra via-se na parte superior da cruz
uma face de homem com o corpo até à cinta
(Pai). sobre o peito uma pomba ta1nibém de luz,
(Elgpfrito Santo) e pregado na cruz o corpo de
outro homem (~o) .
Um pouco ll!baixo da cinta, suspenso no ar,
via-se um cáillx e uma hóstia gran'de sabre a qual
ca.fam algumas gotas de sangue que corriam pelas

(1) Ibidem, pág. 90.


A CONVERSÃO DA RúSSIA 193

faces do Crucifica.do e duma f e rida no pel to. Es-


correndo pela hóstia essas gotas caiam dentro do
cálix. Sob o braço dlreito da cruz estava Nossa
S e nhora ( .. .Era N ossa S enhora de ]i'átlina com
o seu Imaculado Coração... na mão esquerda...
sem espa:da nem rosas, mas com Üma coroa de
esplruhos e c hamas ... ) com o seu Imaculado Cora-
ção na mão . ..
So·b o braço esquerdo (da cruz) umas letras
grandes como se fossem de água cristaUna que
co1Tesse para cima do a ltar, formavam estas pa-
lavras: <Graça e 'M:lse rlcórdla>.
Compreendi que m e era mos trado o nús t érlo
da Sant!sslma Trindade e recebi luzes sobre este
m.lstérlo, que me n ã o é permitido revelar .
D epois Nossa Senhora disse-m e: - 11: chegado
o. momento em que D eu s pede para o Santo Pa-
dre fazer, em uniã o com todos os bispos do mundo,
a consagração da RJússla, ao meu Coração, pro-
metendo salvá-la por este m elo ( 1 ) .

Após a aparição de 1929, não há notícias cer-


tas de qualquer O'Utra comunicação de Nossa Se-
nhora. Concluimos assim que a doutrina da devo-
ção ao Coração Imaculado, esteve não só presente
em cada uma d as aparições, como constituiu o
elo que entrelaçou todas as étwpes da mensagem,
desde a 1.A fala do Anjo da Paz, em 1916, à última
de Nossa Senhora, em 1929.
A revelação do Coração de Maria durou por-
tanto 13 anos e foi feita em 13 a.parições suces-
sivas - 3 do Anjo, duas das quais na Loca do Ca,..
beço e uma, junto-do Poço do Arneiro; 8 de Nossa
Senhora, cinco na Cova da Iria, uma nos V aJlinhos,

( 1) CfT. Fernando Le1'te S . J . 1n Jacint-a. pá:g. 158-,159.

IS
194 O MiAIOR PEDIDO DE N .• S .• DE FA'HiMA

outra em Tuy, em 1926, e out ra em Pontevedra,


em 1929 ; e d uas de Nosso Senhor, em Tuy, em
1926 e 1927.
A expos ição que aí fica poderia ainda ser au-
mentada com as aparições de Nossa Senhor a à
J acinta, tanto antes, como depois de sair para
Lisboa. Se a pequena se tornou tão entusiasta
a,póstola da devoção ao Cor ação de Maria, a ponto
de dar ordens e conselhos à própria Lúcia ( ' ), é
natural que tenha s ido instruída particularmente
por Nossa Senhora n as várias v:isitàs que dela
recebeu. Por outro lado, se todas e cada uma das
aparições de F á,tima obedeceram a um só leit
motiv, não há razão para supor que as aparições
com que Jacinta foi particularmente favorecida,
tenham constituído excepção à regra.

Vimos como a devoção ao Coração Imacu1ad~


· foi demorada e P'rofusamente exposta em todas as

(1) Eis algumas frases de Jacinta, segundo a trabs·


crição que a Irmã Lúcia apresenta nos sell.9 manuscritos:
«Já me fa:lta pouco tempo para ir para o Céu. Tu
ficas cá para dizeres qua Deus quer estaibelecer no Mundo,
a devoção do Imacll'lado Coração de Maria. Quando for
para dizeres lsso, não te escondas. Diz a toda a gente
que Deus nos concede as graças por melo do Coraçãv
Imaculado de Maria, que Lhas peçain a Ela, que o Cot a-
ção de Jesus quer que .seu lado se venere o Coração Ima-
culado de Maria. Que peçam a paz ao Coração Imaculado
de Maria, que Deus lha entregou a Ela. Se eu pudesse
meter no Coração de toda a gente o lume que tenho cA
dentro no peito, a queimar-me e a fazer-me go.star tanto
do Coração Jesus e do Coração de Maria!>. (Cfr. InAc1o
Martins, ob. c1t. pá'g'. 30) .
A CONVERSÃO D,A ROSSIA 195

apari ções de F átima. Se examinarmos as palavras


de Nossa Senhora, veremos que nenhum outro
assunto lhe mer eceu tanto apreço, nem tamanha
insi iência. Isto é de certo s inal da impor.t ância
que o Céu atribui à devoção ao Coração de Maria
e também do 1ugar de relevo que a mesma devo-
ção ocupa, entre os vários elementos da mensa-
gem de Fátima.

O ele mento m ais importante duma mensagem


é com certeza aquele que, só por s i, s ubstitui e
condensa todos os outros. Ora na mensagem de
Fátima, acontece isso com a devoção ao COTação
de Maria.
A Virgem pede o terço, mas o terço está con-
t ido na devoção ao Coração Imaculado, t a l como
nela estão contidos, o cumprimento dos deveres de
estado, a oração, a penitência, a pureza, a mu-
dança de vida, a isenção de pecado e o interesse
pela salvação dos pecadores. Na verdade, só pro-
curando evitar as ofensas a Deus, tanto próprias,
como alheias, só rezando e cumprindo os nossos
deveres, poderemos venerar e desagravar o Cora-
ção de Maria.
*
Chegamos à mesma conclusão, seguindo qual-
quer outro caminho da hermenêutica fatimista.
Se veneramos o Coração•Imaculado de Maria,
é porque ele é o órgão e o símbolo do amor que a
SS. Virgem consagra a Deus e aos homens, seus
filhos. Ora tudo quanto Nossa Senhora disse em
Fátima, foi, como é evidente, uma resultante desse
amor. Não há aparição nenhuma em que a Vir-
196 O MAIOR PEIDIDO DE N .• S.• DiE FA'I\IiMA

gem se não mostre preocupada com a salva~o dos


seus filhos, sobretudo dos pecadores e com a gló-
ria de Deus que ela vê esquecido e ultrajado. E s-
tes são os dois pontos que marcam o ritmo do seu
Coração Imaculado. Tudo quanto ela disse em
Fátima, tinha necessàriamente de provir do seu
Coração e ser, de certo modo, um eco das suas
glórias, angústias, anseios e dores. Tudo tinha
portanto necessàriamente de contribuir para pro-
mover a devoção ao seu Coração Imaculado.

A mensagem de Fátima é a palavra de Deus,


traduzida em linguagem do século XX. Foi o ho-
mem do nosso tempo que a SS. Virgem quis sal-
var. Ora es·t e homem que anda realmente perdido,
perdeu-se pelo coração. Perdeu-se, porque esque-
ceu o 1.0 mandamento - Diliges Dominurn Deu1n
tu1im - amarás o Senhor teu De us. Esqueceu o
primeiro amor e passou a amar os outros. Mas se
foi pelo coração que se perdeu, só pelo coração se
poderá salvar. Fátima tinha por força de apresen-
tar ·um antídoto contra este ma:!. Esse antídoto é
a devoção ao Coração Imaculado de Maria.

Que a devoção ao Coração Imaculado é o ele-


mento principal da mensagem de Fátima, con-
clui-se ainda, não só da importância, como do
poder com que o Céu a apresentou e enriqueceu.
Na aparição de Junho, Nossa Senhora declara
que Deus quer estabelecer no mundo a devoção
ao seu Imaculado Coração. Não se trata portanto
duma intenção qualquer; trata-se dum plano de
A CONVERSÃO DA ROSSIA 197

Deus que ning uém poderá licit amente desprezar e,


muito menos, cont rariar. O interesse que Deus
tem pela devoção ao Coração· Imaculado de Maria,
ficou ainda testem unhado, e bem claramente, nas
a pa rições de 'I'uy e Pontevedra.
Na piiimeira, em 1925, apareceu o Menino Je-
s us a in t roduzir e a justificair a prática dos pri-
meiros sábados.
Em 1926 e 1927, Nosso Senhor voltou a mani-
fes tar-se, com o fim único de activar a propa-
ganda da devoção ao Coração de• Maria e de escla-
r ecer certas dúvidas que Lúcia tinha sobre ela.
F inalmente, em 1929, é toda a Sant íssima Trin-
dade, o P ai, o Filho, o Epírito Santo que vêm
assistir ao pedido da consagração da Rússia.
Na hist&ria das aparições privadas, não há
nada de semelhante, nem mesmo quando o Céu
pediu a devoção ao Coração de Jesus.
Evidentemente que não foi sem um motivo
es pecial, que o próprio Deus quis associar-se de
tal maneira ao pedido da devoção ao Coração Ima-
culado. De todas as conclusões que daqui pode-
riam tirar-se, não deverá esquecer-se a extraor-
diná ria importância que o Céu atribui à devoção
ao Coração de Maria.
Quanto ao poder e à força desta devoção, fa-
lam eloquentemente as palavras da SS. Virgem.
Em 13 de Junho, declara que ela será para
Lúcia, o refúgio e o caminho que a conduzirá até
Deus. Ao mesmo tempo, promete a sa:lvação e
uma predilecção especia1J de Deus, às ailmas que a
abraçarem.
Em Julho, voltando a insistir na mesma nota,
198 O 'MAIOR PEDIDO DE N .• S .• DE F A TliMA

começa por decla r ar que a devoção ao eu Cor a-


ção, é o meio por Deus escolhido para se conse-
guir a salvação dos pecadores. E logo a seguir, à
apr esenta, como sendo também, a cond ição da
paz. P ara q ue a ning uém fiquem dúvidas sobr ~ .
este ponto, . a Virgem desenvolve-o pr ofusamente,
chegando a declarar que a devoção ao seu Cor a-
ção I maculado é a única maneira de impedi r a
g,uen-a e de obter a conver são da Rússia. ão se
t r ata duma guerra qualq uer , ne m duma conver são
de somenos importância. O que uma e out ra repre-
sentam, ficou magistralmen te· expresso nas breves
p inceladas em que a Visão desenhou o quadro dos
castigos que o MW1do terá de sofü·er , caso não
atenda aque le pedido.
Não é apenas um pa ís, não são a penas os cren-
tes, são vár ias nações, é o Papa, é o mundo todo
que fi ca m deba ixo da mesma ameaça. O castigo
profet izado atinge pr opor ções inaud itas, apocalí p-
ticas, únicas n a história, a inda que não dem os às
p alavras, todo o sen t ido que elas com por tam. P ois
a única maneira de evitar essas desgr aças, é, diz
a SS. Virgem, a devoção ao seu Coração Ima-
culado.
Quer como causa da paz, quer como causa da
conver são da Rússia, a devoção ao Coração de
Maria aparece-nos assim, mais forte e mais pode-
rosa do que todos os exércitos, todos os engenhos
que existem ou venham a existir, t odas as conven-
ções e tratados, tudo quanto o esforço dos ho-
mens ou a vontade da paz, possam engendrar.
As revelaçõesi de 1925 e 1929 nada mais fiz&-
ram do que sublinhar as ideias expostas em Junho
A CONVERSÃO DA RúSSIA 199

e Julho de 1917. Num excesso de generosidade


materna, a Virgem chegou ao ponto de comp1·ome-
ter a sua palavra, para que ninguém duvide dos
favores que anuncia'. Em 1925, as graças prome-
tidas s ituam-se no plano individual. A Virgem
promete uma assistência especialíssima aos seus
devotos, na hora da morte. É uma maneira deli-
cada de lhes garantir a salvação eterna. Em 1929,
a p1·omessa tem um carácter m ais amplo. É a so-
ciedade, são as nações, é o mundo que será livre
da guerr a e dos erros do comunismo ateu, se o
Santo Padre lhe consagrar a Rússia, como ela
pede.
Não que1·íamos passar adiante, sem focarmos
um outro pormenor curiosíssimo que tem causado
escândalo a muita gente. A Senhora de Fátima
atribui tanta importância à devoção ao seu Cora-
ção Imaculado, que chega a pedir a Sagrada Co-
munhão para que ele possa ser r eparado dos ultra-
jes e das ofensas que lhe são feitas. Que ela peça
sacrifícios e orações, ninguém estranha, mas re-
con·e1· à Eucaristia, parece à primeh·a vis-ta, um
a buso inqualificável. . .. Ora a verdade é que Nossa
Senhora tinha toda a razão para proceder assim.
Os que se admiram desta atitude de SS. Virgem,
confundem simplesmente os termos da questão.
Não é que ela esteja, ou se coloque acima da Eu-
caristia. De forma nenhuma isso seria admissível.
Não. O motivo é apenas este. Os pecados dos ho-
mens são a única causa dos espinhos do Coração
de Maria. Estes só deixarão de o ferir, quando os
pecados cessa1·em, ou seja, quando os homens vi-
verem Dfl graça de Deus. Ora a Eucaristia, rec-
200 O MALOR P.EDIDO DE N .• S .• DE F A TliMA

ta.mente r ecebida, é, t anto pelo for ça que encerra,


como pela preparaçã o que exige, o melhor e o mais
seguro meio de levar as almas a viver em graça
e, consequentemen te, a consolar o Cor ação· da Mãe
de Deus.
Se a SS. Virgem pede que a E ucaris tia seja
recebida e ofer ecid a em espírito de r eparação, isso
significa apenas que ela quer da r à nossa vida es- •
pirit ual, todas as suas dimensões; quer que co-
mung ue mos para a consola11·mos, não apenas dos
nossos pecados , mas também, dos alhe ios, ou por
outras palavras, quer que alcancemos não só para
nós, mas t ambém para os out ros, a graça da per-
severança na amizade de Deus.
Nesta época. em que as preocupações de oi·-
dem socia,J dominam todas as actividades privadas
e públicas, é deveras sintomático este curioso por-
menor da mensagem de Fátima.
Está definitivamente ultrapassado o tempo em
que o cristão podia cuidar apenas de si. A Vir-
gem de Fátima manda que nos incomodemos tam-
bém com os outros. E isto é tão importante, que
depende daí não só a concessão de muitas graças,
como também o afastamenio de inúmeros casti-
gos.

Para se ver bem o lugar que a devoção ao Co-


ração de Mairia ocupa, entre os pedidos de Nossa
Senhora, será mister ter ainda em conta o paren-
tesco que existe entre a dita devoção e o fim das
aparições que é, como vimos, a vida da graça.
O pedido mais importante há-de ser, como é
lógico, o que mais e melhor contribua para evitar
A CONVERSAO DA RO'SSIA 201

o pecado. Ora esse é precisamente a devoção ao


Coração de Maria.
Na verdade, esta devoção, quando bem com-
preendida e vivida, não só se incompatibiliza com
qualquer ofensa contra Nossa Senhoxa, corno pro- ,1,
cura impedir e reparar os pecados alheios. Mas se
toda a falta contra Deus, magoa o Coração da
Virgem, segue-se que a verdadeira devoção ao
Coração de Maria tende a evitar toda e qualquer
espécie de pecado.

Para terminar, resta-nos ver o lugar que a


Hierarquia assinala à devoção ao Coração Ima-
culado, adentro da mensagem de Fátima.
Comecemos pelo imorta1 Pio XII cujo nome
para sempre ficará ligado à história da Cova da
Iria.
-O glorioso Papa de Fátima na rádio-mensagem
de 31 de Outubro de 1942, depois de afirmar que
o, Coração d e Maria se comoveu perante as ruínas
que se acumulavam na nossa pátria e rnaraviTh.o-
samente veio em nosso socorro, consagrou-lhe o
mundo todo, tal como ao Co•r ação de Jesus, fora
outrora consagrada, a Igreja e o género humano.
Em 1946, ao coroar por meio dum Legado a
latere, a imagem da capelinha das aparições, Sua
Santidade frisou mais uma vez, que em Fátima
se sentia mais de perto, o Coração Imaculado e
que, ao coroar aquela está•t ua, era ao CCYração
materno da Rainha qU8 nós aclamáv amos e a,grar
decíamos. No finaí da alocução, o Vigário de
Cristo exprimiu o voto de que se apressasse o
triunfo do Coração Imaculado de Maria.
202 O MAIOR REDIDO DE N .• S .• DE FAT™A

Pela ter ceir a vez voltou o Santo Padre a fa-


zer-se ouvir em Fátima, em Outubro de 1951 e
pela ter ceira vez, exaltou o Cor ação da Mãe de
Deus, declarando que era atr avés dele, que ofe're-
cia ao Senhor, os frutos salutares do Ano Santo
que acabava de find a r .
No ano seguin te, em homenagem e a inda em
obediência a Fátima, Pio XII consagrou a Rússi a
ao Imaculado Cor ação de Mari a.
Mais explícito foi ainda o Augusto P ontífice,
na carta encícl ica que em 2 de Julho de 1957, diri-
g iu à França, a propósito do centenário de Lour-
des. Nela afirmava que um dos m eios mais fecun-
dos para estabelecer o rein o de Maria nas almas
e na Igreja, era a devoção ao Coração Imaculado.
Dir-se--ia que era Fátima, a fazer-se ouvir nas ver-
tentes dos Pirinéus.
O actual Pont ífice João XXIII que em 1956
visitara Fát ima e presidira às cerimónias de 13
de Maio, começou a formosa homilia que então
proferiu, por falar precisamente no Coração Ima-
culado.
Fora Fátima, dissera o então Patriarca de
Veneza, que lhe dera a noção perfeita do laço que
une intimamente a devoção deste Coração Ima-
culado, à devoção do Coração de Jes us. E ao ter-
minar, fez o seguinte apelo ao Coração de Maria:
«Senhora de Fátima, pela virtude do teu Cora-
ção Imaculado, obtem-nos de Jesus bendito, fonte
de todas as graças, a justiça, a caridade e a paz».
, • Quer dizer, foi pelo Coração de Maria que o
actua-1 Pontífice começou e terminou a sua prega-
• 1

A CONVERSAO DA RúSS-IA 203

ção em Fátima. Realmente, nele se concentra toda


a mensagem da Cova da Iria.
<Fátima - escreveu o Eminentíssimo Cardeal
Cerejeira, no prefácio do livro ·Jacinta - abriu
para o mundo, um período novo - o do Imaculado
Coração de Maria.
Durante a visita ela Imagem Peregrina à Capi-
tal espanhola, Sua Eminência foi ainda ma•i s ex-
1

pressivo. «A mensagem de Fátima, exclamou en-


tão, pode r esumir-se nestes termos: a revelação do
Cor ação Imaculado de Maria, ao mundo actual ».
Como se sabe, só em 1942 se tornou público o
segr edo de Fátima em que se fala da devoção ao
Coração de Maria. Ainda antes porém dessa data,
começara a m ensagem da Cova da Iria, a inspirar
a dita devoção. E assim foi que, em Maio de 1931,
os nossos bispos, r eunidos na Cova da Iria, consa-
g rara m solenemente Portugal, ao Coração Ima-
culado . Nessa hora, já Lúcia tinha recebido ordem
de promover e espalhar a devoção, mas o próprio
Cardeal Patriarca afirmou que ignorava comple-
tamente nessa data, as revelações de 1925, 1926,
1927 e 1929 e que elas não tiveram qualquer espé-
cie de influência naquela homenagem pública e
solene do Venerando Episcopado Português.
Quer dizer, a consagração de P ortuga,l fluiu
naturalmente, espontâneamente, da mensagem de
Fátima. Esta consagração foi depois renovada em
1938, 1957 e 1959.
Prova da impo1·tància que a, hierarquia atribui
à devoção ao Coo·ação Imaculado, são ainda as inú-
meras consagrações ele paróquias, dioceses e paí-
ses inteiros que àquele Coração, foram e conti-
204 O MAIOR PEDIDO DE N .• S .• DE FATiiMA

nuam a ser feitas em toda a parte, onde chegou a


mensagem de Nossa Senhor a.
Este capí tulo nunca mais Lerminaria se fôsse-
mos inumerar aqui os depoimentos das cen tenas
e centenas de bispos que, já em alocuções, já em
pastorais, expressamente condensaram a mensa-
gem ele Fátima, na devoção ao Cor ação de Maria.
E sita devoção a.tinge tal m agni t ude em Fátima
que, no sen ti r de vári os teólogos, ul t r apassa a pró-
pria mensagem da Cova da Iria. Assim dizem pelo
menos os que se dedicam ao estudo elas apar ições
marianas, mais r ecentes. As de Beauxaing, por
exemplo, seriam apenas o epílogo da r evelação do
Coração Imaculado que a Mãe de Deu iniciou na
Serra de Aire. Além destas, temos notícias de vá-
rias out ras, nomeadamente na Itália e n a Ale-
manha, das qua is não fazemos rnaios r eferêncía
por não estarem ainda aprovadas pela Igreja. Se
o vierem a ser, como se espera, só confirmarão o
que fica dito, pois em algumas delas, a Mãe de
Deus, repetiu, quase ipsis verbis, o que ensinara
em FáJtima, sobre os direitos do seu Imaculado
Caração.
É de salientar ainda o número sempre cres-
cen1te de templos que vão sendo· consagrados e de
festividades que, em toda a parte, se celebram, em ,
honra do Coração de Maria.
T·a mbém neste ponto, Fátima se mostra <lo-
tada duma influência universal. Foi em atenção
a Fátima e para apressar o triunfo predi-to por
Nossa Senhora, que Pio XII em 1944 estendeu a
toda a Igrej•a , a festa do Coração Imaculado, fi-
xad·a a 22 de Agosto. FO'i por reconhecer o predo-
A CONVERSÃO DA Rú SSIA 20:í

mínio des ta ideia em toda a mensagem, que a


Santa Sé, de pois de ter conéedido ao Santuário
da Cova da Iria, a missa votiva do SS. Rosário,
não hesito u em lhe conceder o priviilégio da nússa
votiva do Cor ação Imaculado que hoje todos os
sacerdotes lá podem celebrar, em qualquer altura
cio ano, sa,l vo as poucas excepções que os preceitos
litúr gicos assina la m.

' influência do Coração


Como p r ova a ind a da
de Maria, na devoção part icular dos peregrin·os
de Fátima, poderíamos aponta·r as múltiplas es-
tátuas que por t oda, a parte se veneram e sobre-
t udo, os preciosos e originais corações de ouro e
praita que à Senhora de F á tima têm sido ofereci-
dos, em todos os continentes, para simbolizar a
homenagem e o amor dos fiéis, ao Coração Ima-
culado da Mãe de Deus.
A Irmã L úcia que, segundo Nossa Senh'Ora
d isse, ficou no mundo, para tornar conhecido e
a mado· o Coração de Maria, nutriu sempre tanto
a preço por esta devoção, que chegoo a. compor-lhe
a seguinte poesia:

Ao m eio dia
A nós descia
Teu peito aberto, celeste luz !
Teu Coraçã o
' Traz o perdão
Ao pobre filho que a Deus conduz!

Em ti Maria
O snl sorria
206 O MAIOR PEDIDO D E N .• S .• D E FAT .LMA

Formosa estrela lá do alto céu !


Com h armonia
Meiga dizia :
Tens doce asilo no peito meu !

Terna aliança
F il·me espe1·ança,
Sob o teu m an to vem-me a br igar ;
Tu que és pura,
Toda ternw·a,
Dentro em teu peito quer o. habitar .

Vendo o tufão,
N a escuridão
Que sob a terra a,vançando vem,
Dá-me o teu braço
E no regaço,
Salv,a •teu filho piedosa mãe.

Meu coração
Em tua mão
ó Mãe bondosa, deixa viver ;
Salva teu filho
No escuro trilho
Não mo devolvas se o requ'rer.

Nesta procela,
ó Mãe tão bela,
Na noit.e escura faz brilhar
O fogo ardente
Amor fervent.e
Que o peito frio venha. abrasar.
A CONVERSÃO DA ROSSIA 207

Esta poesia que foi musicada por J. Martins


S. J ., data de 29 de Junho de 1944, quando a Irmã
Lúcia se enconb·ava em Tuy. Esse foi de certo,
o motivo por que ela apareceu l'!imultâneamente
em espanhol. O texto que a seguir transcrevemos
dá-nos até a ideia de que a composição teria sido
originàl'iamente redigida naquele idioma e, só de-
pois, traduzida para português.

AI mediodia,
Resplandecia
Tu pecho abierto, celeste Sol!
Tu corazon,
Me da el perdón
Y al pobre hijo 11ervas a Dios.

Por ti, Maria,


Dios sonreía
Estrela hermosa en claro azul ;
Tu labio abrias,
Y me decias:
«Busca en mi pecho, corumelo y luz»

Tierna aliianza,
Firme esperanza
Bajo tu manto, dejame estar;
Mi Virgen pura,
Toda ternura,
Dentro de •bu pecho quiero habita•r .

Veo la tormenta
Negra .e sedienta,
Sobre 18- tierra su honor sembra,,i•;
208 O MAIOR PEIDIDO DE N .• S .• D E FATI!MA

Gorro a t u a brazo,
Y en tu r egazo
Sólo a t u hij o pod rás salvar .

Madre que rida


Toda mi vida
E sté en t us m anos m i corr azón ;
La vida es dura
Per o segura
Tiene mi alma tu pr otección.

En la tormenta
Madre, yo sient a
Que estás ai lado s iempre de mi ;
Mi alma en tu Hama,
Enciende, inflama,,
Nunca me apartes, Madre, de ti ( ').

A COMUNHÃO REPARADORA
DOS PRIMEIROS SABA D OS

A devoção ao Coração de Maria consta de vá-


vios actos. Os autores espirituais costumam redu-
zi-los a seis: vener~ção, amor, consagração, repa-
ração, irrútação e invocação.
Trata-se como é evidente duma divisão teó-
rica. Na prática, será d ifícil, se não impossível,
realiziar qualquer deles, sem implícita ou explici-
tamente incluir os, outros. Quem poderá por exem-
plo amar o Coração de Maria, sem ao mesmo

( 1) Cfr. Sebastião Martins dos Reis ln B1m\rJo de


F•tlma, pAg. 106-107-108.
A CONVERSÃO DA ROSSIA 209

tempo o reparal'? Quem o poderá reparar, sem o


vener a r , o invocar e imitar?
Como já vimos, as duas homenagens que a Se-
nhora de Fátima expressamente pediu, são a con-
sagração e a comunhão reparadora. Esta última
foi posteriormente enriquecida com 'Uma promessa
de valor incalculáve'l, desde que seja acompanhada
do terço e da meditação de 15 minutos sobre os
mistérios do rosário.
Vamos agora demonstrar que a comunhão re-
paradora é não só o pedido mais veemente da SS.
Virgem, como também o mais importante e o qua
mais perfeitamente resume toda a mensagem de
F átima.
Embora de grande valor, a consagração indi-
vid'tlal ao Coração de Maria n ão é de forma ne-
nhuma, o maior pedido da Virgem de Fátima. Não
esqueçamos que a Mãe de Deus falou para o povo.
A sua l'inguagem era portanto simples e clao:a, tal
como outrora •a de Jesus, nas aldeias da Pail estina.
Se a consagração individual fosse o seu maior
desejo, como já se afirmou, tê-la-ia pedido expres-
samente. Ora em todo o diálogo de-Fát ima que foi,
como s e sabe, um dos mais extensos e completos
da ruistória das aparições, não há uma só palavra,
a pedir a consagração individual. A única espécie
de consagração que se pede é a da Rússia, uma
consagração de carácter social, oficial e público,
feita pelo Ohefe visível da Igreja e por todos os
bispos em união com ele. Nossa Sen'hora nQnca
falou da consagraçã-o individual de ninguém.
O que honestamente se poderá .encontra·r na
mensagem de Fátima, acerca da consagração indi-
H
210 O !MAIOR PiEDIDO D,E iN.• S .• DE FATilMA
• I

vidual não u1lt ra,passa os limites dwna sugerência.


A Senhora, dizem alg uns, suger iu duplamente
a consag ração ao seu Cor ação Imaculado - en-
quanto se mostrou como Senhor a do Carmo, com
o escapulário na mão (a parição de Outubro) e en-
quanto se apTesentou como Rainha do Mundo.
Ex,a minemos de por si, cada um destes funda-
mentos.

1- A Aparição da S enhora do Carmo.

Comecemos por notar , an tes <le m a is, que esta


aparição não é certa.
No r~latório do Prior de Fát ima, redigido no
dia 16 de Outubro de 1917, de acordo com as de-
clélirações da vidente, não se faz a mínima refe-
rência nem ao escapulá rio, nem à aparição da Se-
nhora. do Carmo. Eis o que a:li se afirma:

« (Lúcia) Vlilu S. José, a meio corpo, vestido de


,branco, com o Me nino J esus assentado no braço
esquerdo. S . José estava à esquerda do Sol e aben-
çoava o povo com a mAo direita. Pareceu--lhe que
fez três ou quatro cruzes sobre o povo . O Menino
Jesus viu-o a todo o coi,po, vestido de encarnado.
E viu, ao lado direito do Sol, Nossa Senhora, a
todo o corpo, viestida de encarnado com um manto
azul, pela cabeça, brochado ao pescoço, e as mãos
à cintura com os dedos entrelaçados>. e-Desapare-
ceu esta visão, diz ela, e ficou tudo ama.relo por
algnms Instantes, e Jogo viu wparecer Nosso Se-
nhor, a meio cor.po, vestido de branco, à direita
do Sol; e à direita de Nosso Senhor, viu Nossa
Sen·hora, a todo o corpo, de pé, vestida de branco,
com um manto azul pela caibeça e as mão.s sobre
o peito de palmas para dentro, uma ao lado da
A CON\T.ERSAO DA RúSSIA 211

outra, em posição horizontal>. <Deo larou maJs a


Lúcia que neste momento também disse ao povo
qu e olhasse para lá - para o So1 - , que esta,va lú
S . José e depois Nosso Senhor> .

A figura vestida de encarnado, com o manto


azul pela cabeça e as mãos à cintura, com os dedos
entrelaçados, não é por certo a Senhora do Carmo.
Como também o não é a «Senhora vestida de
branco, com um manto az-ul pela cabeça e as mãos
sobre o peito». Nunca dessa maneira se represen-
tou a Ra,i nha do Carmelo, nem mesmo na pintura
modernista!
A única r eferência expressa e ainda assim
duvidosa, à apa•r ição, da SenhoTa do Carmo, fê-la
a vidente, durante os interrogatórios do Dr. For-
migão, na tarde do dia 13 de Outubro, pe1as 19h.
- Apareceu ma,i s alguém? - perguntou o Vis-
conde de Montelo.
E Lúcia respondeu:
- Apoo:eceu também Nosso Senhor -abençoa~-
do o povo e a Senhora dos dois naipes.
- Que queres dizer com isso - a Senhora dos
dois naipes?
- Apareceu a Senhora vestida como a Senhora
das Dores, mas sem espada no peito, e a Senhora
vestida não sei bem como, mas parece-me que
fosse a Senhora d'O Ca1smo.
Mais adfante o Dr. Formigão tenta esclarecer
a dúvida da pequena:
- Porque disseste que a Senho1·a, duma. das
vezes, te pareceu estar vestida como a Senhora do
Cmmo-?
212 O MiAIOR P,EDID(' DE N .• S .• DE FÃTEMA

- Porque t inha umas coisas penduradas na


mão - r esponde u a vid ente.
No interrogatório elo Francisco, fe ito a 19 de
Outubrn, há esta passagem que vem a propósito
citar:
- Viste a SenJ10ra das Dores, e a Senhora do
Carmo? - perguntou o Dr. F ormigão.
- Não vi - r esponde u o pastorinho - a Nossa
SenJ10ra parecia-me a que estava em baixo. Est ava
vestida, do mesmo modo.
Nos depoimentos da Jacinta, não apar ece refe-
r ência nenhuma à Senhor a do Carmo. A mais
nova das videntes limi to·u-se apenas a dizer que a
Senhora, jw1to do sol, tinha vestido branco e
m anto azul, enquanto a que vh·a sobr e a carras-
queira, estava toda de branco.
Compreende-se perfeitamente que Lúcia, crian-
ça como era, tivesse dúvidas quanto à identifica-
ção da Senhora do Carmo. É cert o que, na igrej a
paroquial de Fátima h avia um velho quadro das
almas do Purgatório, com a Senhora do Carmo,
po-r cima. Mas isso nada impedia que a pequena
esquecesse este ou aquele pormenor e confundisse
por exemplo, uns raios de luz como os que Cata-
rina LabO'uré viu na Rua du Bac, com «umas coi-
sas penduradas na mão» que alguns~querem por
força, seja o escapulário e o escapulário do
Carmo. Ora a verdade é que, mesmo que fosse um
escapulá1·io, nada prov-a que fosse o do Carmo.
Poderia ser qualquer outro, como por exemplo, o
escapulário azul, o de Nossa Senhora das Dores,
o da Virgem das Mercês, o da Saúde dos Enfer-
mos, o do Imaculado Coração, o da Virgem d_o
A CONVERSAO DA ROSSIA 213

Bom Conselho, ou mesmo, o dos Sagrados Cora-


ções de J esus e Maria.
U ma vez que Lúcia não distinguiu o símbolo
exp 1·e ~so nas ditas cO'isas penduradas, só pela
form a e pela cor do vestuário de Nossa Senhora,
se pode r á identificar o escapulário apresentado.
Proceder às avessas, como se tem feito, isto é iden-
t if icar a Visão, pelas «coisas penduradas», é um
erro grave; tenta-se uma conclusão que de forma
nenhuma está contida nas pTemissas.
Das cores, da forma, do fato, da atitude, das
circuns tâ ncias, e tc., é que será lícito deduzir
alguma coisa.
Ora a verdade, é que os dados fornecidos pelos
videntes podem abonar outros escapulários, mas
de forma nenhuma abonam o do Carmo. Ainda
mesmo que punhamos de parte as cores com que
Nossa Senhora se apresentou, não há dúvida ne-
nhuma que «aquelas coisas penduradas» de que
fala a Lúcia, têm muito mais probabilidade de
s imbolizar o escapulário de Nosa Senhora das Do-
res e o do ImacU'lado Coração, ou o dos Corações
de Jesus e Maria, precisamente po1·que qualquer
destas devoções está mais adentro das linhas ge-
rais da mensagem de Fátima que, como já atrás
vimos, é uma revelação perfeifamente monolítica.
Vinte e quatro anos depois das aparições, ao
redigir o último manuscrito, Lúcia manifesta a
mesma. dúvida de 1917 sobre a identificação do
que vira. «Pareceu-me ver ainda Nossa Senhorá,
em forma semefüante a Nossa Senhora do Car-
mo».
Se quisermos ser exactos, deveremos acrescen-
214 O MAIOR PEDIDO DE N .• S .• DE F A TlIMiA

ta r que a dúvida expressa pela última da.s viden-


tes é não só quanto à espécie do que viu, mas até
quanto ao próprio facto de ver.
No relatório do Prior de F á tima aci ma citado,
fal~se apenas de duas apar ições ele Nossa Senhora
junto d·o sol. N o úl t imo manuscrito, Lúcia fala de
t r ês: a primeira ser ia a Senhora do Rosá rio; a
segunda, a Senhora das Dor es e finarlmente, a pro-
blemática Senhora do Carm o ( 1 ) .
Poderá alguém objectar que apesar de t udo,
devemos ter como cer ta, a aparição da Senhor a dó
Carmo, em 13 de Outubro, uma vez que Nossa a
prometeu em Setembro.
A suposta promessa enconbra-se apenas no úl-
timo ma:nuscrito de Lúcia, r edigido como se sabe
em 1941. «Em Ou t ubro, diz esse documento, ci-
tando as palavras da SS. Virgem, virá também
Noss o Senhor, N·ossa Senhora das Dores e do Car-
mo, S. José, com o Menino, etc.. . . »
Em contrapartida, o relatório do Prior de Fá-
t ima, redigido apenas dois dias após a a parição,
diz apenas:
.
(t) d:>_e saparecida <Nossa Senhora n a imensa distância
do firm.amento--d.iz o manuscrito -vimo$ a o lado do Sol,
S . José, com o Menlno e Nossa Senhora, vestida de branco,
com um manto ·azul. S . José com o Menino pareciam aben-
çoar o mundo com os gestos que fazia,r n com a mão em
forma de cruz. Pouco d epois, desvanecida esta aparição,
vi Nosso Senhor e Nosa Senhora, q,ue me dava a ideia de
ser Nossa Senhora das Dores. Nos so Senhor parecia abén-
çoar o Mundo da mesma forma qUe S . José. Desvaneceu-se
_esta aparição e pareceu-me ver alnda Nossa Se.nhora, em
forma semelhante a Nossa S enhora do Carmo>. (Ofr. Iná-
cio Martins in Em Outubro, pé.g. 71-72) .
A CONVERSAO DA RúSSIA 21:S

«Para o último, dia, há-de vir S. José com o


Menino Jesus dar a paz ao Mundo, e Nosso Senhor
dar a bênção ao povo».
Temos de confessar que, neste particular, du-
vidamos da exactidão não só das palavras, como
até das ideias expressas no manuscrito de 1941.
$e de facto, a Mãe de Deus tivesse prometido, em
Setembro, a vinda da Senhora do Carmo, seriam
inexplicáveis as repetidas dúvidas de Lúcia sobre
a realidade e a identidade da figura «com umas
coisas pend uradas », que ela diz ter visto junto do
sol.
Além disso, como explicar que nenhum dos
depoimentos de 1917 fale da promet ida vinda da
Senhora do Carmo? Seria mais fiel a memória da
vidente em 1941, isto é vinte e quatro a.nos depois,
do que em 1917, a dois dias dos acontecimentos?
H á realmente no relatório do Prior de Fátima,
uma promessa parecida à do manuscrito de 1941.
É a que foi feita em 19 de Agosto, nos Valinhos.
Eis como o precioso dooumento do Pároco de Lú-
cia, a r egistou no dia 21, ou seja dois dias depois
ela a,parição:

<Se não tivessem a;badado contigo para a aldeia,


o milagre seria ma1s conhecido. Havia de vir S .
José com o Menino Jesus dar a paz a.o Mundo.
Ha.v1a de vir Nosso Senhor benzer o povo. V.inha.
No~a -Senhora do Rosário com um anjinho de
cada lado. Vinha Nossa Senhora da Dores, com
wn arco de fflores à roda>.

Vimos atrás que os depoimentos de 1917 nos


mereciam mais confiança d◊ que os de 1941, no
216 O MAIOR PEDIDO DE N .• S .• D E F ATIMA

que ailiás toda a gente está de acordo . De resto· a


promessa de Agosto que acabámos de citar, está
perfeitamente confirmada no depoimento sobre a
aparição de Out ubro que a videnle fez ao seu Pá-
roco, n o dia 16. Exa minando es e d epoimento,
atr ás r eproduzido, vemos que a profecia da 4.•
aparição se cumpriu à le t r a. A Senhora das Do1·es
é com certeza a figura ela Virgem «vest ida de en-
carnado, com um manto azul pela cabeça, bro-
ch ado ao pescoço e as m ãos à cin t ura com os dedos
en trelaçados». Nada cusrta a admitir que Lúcia
tenha confundido o encarnado com o r oxo, tanto
m ais que esta cor é uma derivada d a mistura da-
quela com o azul. Debaixo dum manto azul que
cobria todo o vulto da Senhor a, m aior era o r ealce
do elemento vermelho que en tr ava na. composição
do r oxo. De resto, é muito frequent e terem as
crianças dificuldade em distinguir as cores, sobre- ,
tudo qua ndo se trata da distinção entre uma pri-
mitiva. e uma derivada, como é o caso p resente. É
portanto perfeitamente admissível que a Visão
de que Lúcia. fala, tenha r ealmen te s ido a da Se-
nhora das Dores, tal como fora prometido em
Agosto e que a cor do seu vestido fosse o roxo,
segundo os velhos cânones da iconografia ma-
riana.
A outra figura, «vestida de branco, com um
manto azul pela cabeça, e as mãos sobre o p~ito»,
era evidentemente a Senhora do Rosário.
Isto é o que a crític~ interna dos documentos
perm..iite concluir.
Apesar de tudo, não podemos nem queremos
negar, pura e simplesmente, a aparição da Senhora
A CONVERSAO DA ROSSIA 217

do Carmo, em Fát ima. O que concluímos é ape-


nas que não é certo que ela tenha aparecido e
muito menos é certo que tenha aparecido, com o
escapulário do Carmo.
A s ignifica.tiva e preciosa homenagem que é
a consagração ao Cor ação Imaculado de Maria
há-de baseal'-se nalg uma coisa mais sólida e mais
estável, do que uma simples hipótese, bem pouco
s ustentável, como se viu.
Será portanto infundada toda essa maravi-
lhosa e benemérita campanha que, enquadrada na
difusão da mensagem de Fátima, se tem feito, a
pr omover a consagração dos indivíduos, das famí-
lias e das sociedade ao Coração Imaculádo?
De forma nenhuma. A consagração recta-
mente fei.ta e generosamente vivida é uma das
maiores homenagens que se podem prestar à Mãe
de Deus. Já que mais não fosse, etaria muito bem
aden tro dos pedidos genéricos de devoção ao Cora-
ção de Maria que a Virgem pedi'U e Deus quer se
estabeleça no Mundo.

2- A realeza universal, de Maria.


Mas há em Fátima um outro fundamento
muito mais sólido e exipressivo, a sugerir e a exi-
gir a consagração. É a Realeza Uni versal de Ma-
ria. Nunca será de mais encarecer esta prerroga-
tiva que Fátima tão· profusamente documentou.
Se quisermos ser objectivos, deveremos mesmo
dizer que a grande revelação de Fátima se con-
centra e resume na Realeza do, Coração Imacu-
lado.
218 O /MAIOR PEDIDO DE N ." S .• DE FATIMA

É como Rainha e, sobretudo, enquan to Rainha,


que ela fala, promete, 011·dena e se propõe defen-
der-nos dos perigos actuais.
O comunismo ateu, cont ra o qual F átima abriu
uma luta de mor te, t irou toda a s ua força das in-
justiças cometidas no donúnio dos bens da terra.
O homem julgou-se senhor absoluto do Mundo e
começou a dividi-lo a seu arbítrio, segw1do um
critério materialista. Aquilo que nos planos de
Deus, e r a meio, tornou-se fim. Tudo terminava no
rei da criação. O Mundo era para o homem e o ho-
mem, para si mesmo. Os mais extremistas nega-
vam arté a existência de qualquer ser superior e
ninguém admitia que o Céu tivesse alguma espé-
cie de domínio ou interferência na Terra.
Esta heresia foi tão longe, que chegou a infil-
trar-se nos meios cris tãos. Para a vencer, era pre-
ciso uma reacção violenta de que o homem já não
era ca'}Jaz. Foi então que o Céu se decidiu a inter-
vir.
Primeiro, na aparição da Rua du Bac, em Pa-
ris, naquele Paris bimilenário da Enciclopédia,
onde; a rigor, o mal começara; depois em Fátima,
numa altura em que a douti-ina materialista era
semeada aos quatro ventos, no Oriente, e no Oci-
dente; e, alguns anos depois, em Beauraing, pre-
ci.3amente quando no centro da Europa, surgia um
novo monstro, tanto ou mais terrível que o russo
- o nazismo.
Na primeira aparição, a Mãe de Deus l1imitou-
. -se a apresentaT o símbolo do seu poder real. Ca-
tarina Labouré viu apenas um globo, figura do
A CONV•ERSAO DA ROSS•I A 219

Mundo, que a Santíssima Virgem levant&va e ofe-


recia a seu Filho. Era o início.
Em F áti ma, a Virgem apresenta-se como Rai-
nha que intervem directamente no destino tem-
por al das nações e dos indivíduos, que manda na
próp ria natureza, que exige um tributo especial
ele vassalagem e pede reparação pelas faltas dos
que a não r econhecem, como soberana.
otSe não atenderem a meus pedidos . .. muitas
nações serão aniquiladas». Não é uma hipótese. É
uma cer teza. Uma ameaça.
Há um a relação íntima entre a vontade da
Rainha e a independência das nações.
É no mesmo tom que ela fala da guerra- e da
paz, assegurando que ambas dependem da res-
posta que os homens derem aos seus pedidos. Na
aparição de Julho, chegou a dizer que só ela podia
dar a paz ao Mundo.
Além disso, as suas visitas à Cova da Iria são
acompanhadas de manifestações especiais da na..-
tureza, Primeiro, faz-se preceder de relâmpagos
e trovões, depois, anuncia. e realiza o grande mila-
gre do sol - uma dança gigantesca, apocalíptica
que nunca os as,trónomos seriam capazes de ima-
ginar.
Eis a lista dos oito fenómenos misteriosos que
acompanharam as aparições de Fátima:
1 - Relâmpagos e trovões, antes da. aparição,
ou momento precjs~ em que ela começava;
2 - Perfume suavíssimo que se exalava do
220 O MAIOR PEDID O DE N .• S .• DE FATEMA

ramo cortado da azinheira da aparição dos Vali-


nhos ;
3 - Curvatura dos ramos da azinheira sobre
a qual Nossa Senhora aparecia ;
4 - Globo luminoso que descia majestosamente
do espaço, até poisar na azinheira da aparição;
5 - N uvem câ ndida que se formava em volta
dos videntes, com vaporações de fu mo, que subiam
a,té 5 e 6 metros de alt ura ;
6 - Chuva de rosas brancas que decresciam
à medida que se apr oximava do solo;
7 - Dimi nuição da luz sola r, em pleno meio-
-dia, a pon to de se verem a lua e as estrelas ;
8 - - O grandioso milagre do sol de 13 de Ou-
tubro de 1917.

Há um pormenor interessantíssimo na história


de Fátima: a Senhora trazia uma bola de ouro
suspensa dum cordão que lhe descia até ao peito.
Durante muito tempo,, o g,lobo foi esquecido e os
escul tores subs,tituiram-no por uma borla. Mas a
Irmã Lúcia rectificou o engano. Ora não é crível
que haja simples coincidências, ou coisas supér-
fluas no Mundo sobrenatural.
Aquele globo nã·o é apenas, um ornato. Tem
um significado. Os reis e os chefes das nações
fazem-se acompanhar do emblema, ou da bandeira
do seu povo. Aquela bola que a Virgem trazia so-
bre os vestidos de neve, era o s ímbo'1o do Mundo
sobre o qual e1a governa., o mesmo símbolo que
trazia, ao aparecer na Rua du Bac, em Paris.
Quanto aos indivíduos ela interfere não só na
sua salvação- eterna, levando-os para o Céu, para

. ,.
A OONVERSAO DA ROSSIA 221

empregar as suas próprias palavras, mas também


na vida física, operando curas e milagres em seu
próprio nome, o que os outros taumaiturgos não
fizeram, pois atribuiram sempre a Deus, as mara-
vilh as que operavam.
«A uns curá-los-ei, a outros não». A Senhora
co11juga este verbo na l.• pessoa, para mostrar
bem claramente que é dela, a acção miraculosa.
Mais porém cio que tudo isto, é revelador da
sua realeza, o facto de ela pedir e exigir a consa-
gração ela Rússia ao seu Imaculado Coração. Uma
consag1·ação é um oferecimento, uma dedicação,
uma doação sagrada que não se pode violar. Se a
SS. Virgem exige tal coisa, é porque tem direi-to
a ela, é porque a Rússia lhe pertence e a f01·tio,r-i
lhe pertencem todos 9s indivíduos e nações do
catolicismo, sobre os quais ela reina, quer os ho-
mens queiram, quer não.
À grand e revelação da realeza de Maria em
Fátima, seguiu-se a de Beauraing (Bélgica). Aí
a Visão não diz uma palavra sequer acerca das
suas prerrogativas reais, mas mostra-se com a
fronte cingida dum diadema. Era o epílogo, o fim
deste ciclo maravilhoso de revelações.
Como um incêdio, a chama ateada na orla
a•blântica da Europa, alastrou pelo mundo todo.
Hoje, há santuários em honra da Rainha d·o Mun-
do, na Europa, na África e na Ásia. Alguns deles
são resultado dep romessas que o Céu satisfez e
outrns de milagres que a Mãe de Deus operou (1).

( 1) A titulo de curiosidade vamos enumerar alguns


dos santuários erigidos ein honra da Rainha do Mundo. Ex-
222 O MAIOR PEDIDO D E N .• S .• DE FATThLA

Se na segu11da par te do segredo de Fátima, a


Visão disse «no f.im o meu Imaculado Coração
triunfará », há-de ser com o R a inha do Mundo, que
esse triunfo se há-de mate1·ializar. orno sobera-
na, lá foi ela, de terra em terra, de continente em
continente, a visitar o que é seu. As memórias
deste it ine:rário falam de milagTes espantosos. À
sua chegada a chuva parava de r epente, o sol bri-
lhava no céu, antes coberto de nuvens espessas,
as pombas aninhavam-se-lhe aos pés, os muçulma-
nos r ojavam-se por terra e até os protes tantes e
os pagãos lhe dirigiam cânt icos e pr eces.
Como R a inha, vai ela ensinando aos homens.

cluimos o da Riua du Bac que f oi rigorosamente o pri-


meiro, o de Fátima onde t eve lugar, como vimos, a grande
revelaç.ã.o da r ealeza de Maria {para qu e ninguém o es-
queça, lá está um mosaico sobre o pórtico principal da
Basfllca, com a Coroação d e Nossa Senhora, como Rainha
do Céu e da Terr a) e o d e B eauraing, onde as denomina-
ções oficiais da Mãe de Deus são respectivamente, Senhora
das graças, Senhora do Rosário e Senhora do Coração
de Ouro.
O primeiro templo dedicado a Nossa Senhora, como
IRa.l.nha do Mundo foi o de Porto ·said, à entrada do tão
falado e discutido Cana[ de Suez. A história d esta igreja
é muito interessante e t ev e origem num milagre.
iEm 31 de Julho de 1932, Mons. Hlral entrava em ago·
n!a. Despedido dos médicos, desengana'do dos amigos.
ag1Uardava resignadamente a última hora, enquanto ao
lado se recitavam as orações dos agonizantes. Ao chegar
àquele versículo <Parte, alma cristã> os seus dl'hos exta-
siados contemplaram um quadro estranho, maravilhoso,
ar.rebatado:r. Estava na sua !.rente a Rainha do Oéu, a
tixá-llo com temura e a. perguntar-lhe se aceitava a morte
e estava contente por morrer. ·Tendo respondido atinna•
A CONVERSAO DA ROSSIA 223

que n ada afi nal é inteiramente deles. Ela é que é


a Rainha do Mundo. A dis,t ribuição das l'iquezas
tem de se fazer portanto, segundo os seus dita-
me , e não segundo os de Marx, ou Lenine.
A maior catástrofe do nosso tempo coincidiu
com a maior revetação da história mariana. Não
há dúv ida nenhuma que a r ealeza de Maria será a
devoção e o s igno dos tempos vindouros.
Ora é esta reaoJeza de Maria, tão luminosa-
mente exposta nas últimas aiparições, que funda-
menta e justifica a nossa consagração ao seu Co-
ração Imaculado.

tlvamen te, o enfermo ouviu a Celeste Visita a 11(:rescentar


que pcdlra para ele, o prolongainento da vida, a tlm de
qu e, cá em balxo, na t erra onde ela outrora passara como
refugiada, lev a ndo nos braço.s, o Deu.s Menino, ele lhe
construisse uma catedral, sob a invocação de Maria, Rai-
nha do Mundo. <A!, dl.sse a Vlsão, derramarei l!Obre todos,
as torrentes da minha misericórdia>.
Anos depois, Moos. Hiral, comple tamente 1-estabelec!do,
era nomeado Vigário A.postóllco do Cana!! de Suez. Pôde
então realizar o desejo de Nossa S enhora. A modema e
·l inda igreja de P orto Sa1d começou a levantar-se. No dia
do lançamento da primeira pedra (17 de Feverelro de
1934) apareceu no céu, um a.r.c o-irls de beleza extraordi-
n á.ria. O fenómeno causou sen.saçã.o, porque .se seguiu a
uma trovoada violenta que terminou abruptamente às
lõh., isto é, no momento maircaldo para o inicio das oori-
mónlas litúrgicas. T inha acontecido o mesmo, dois meses
antes, em 6 de Dezembro, quando os engenheiros a.caba-
vnm de de.sen:har sobre o •terreno, o traçado da catedral.
O arco-I.ris voLtoru a aparecer, com brilho igualmente
extraordinário, em 13 de Janeiro de 1937, no momento em
que o !Legado Pontlflcto, cardeal Dougherty, procedia à
,sagração do templo e depois, em 26 de Fevereiro do mesmo
224 O MAIOR PEDIDO DE N .• S .• DE F ÁTIMA

Embora na posse de todos os seus direitos, ela


não qiuer de forma nenhuma forçar os seus súbdi-
tos. Sabe que somos li vr es, que podemos aceitar,
o-u r ecusaT o seu d orrúnio. P ar a que ela r eine por-
tan to, será mis ter que n ós queir a mos o seu rei-
nado, que reconheçamos as s uas prerrogat ivas e
nos consideremos seus vassalos.
F az-se isto precisam en te pela con sagr açã o. No
fim de contas, neste acto, n ão há, em rigor, uma
doaçã o, pois já somos dela, mas sim um reconheci-
mento. Reconhecemo-nos vassalos seus, entrega-

a no, quando os sinos, pela prlmeira ve z, repicavam ao


nngelus.
Conhecedor de tudo, o Santo Pad re, r evelou um cari-
nho especial por esta ig:re ja. P e rmitiu que n ela e em todas
a s ma.Is da diocese de Port Sald , se acrescentasse à la-
da inha, a invocação <Rainha do Mundo, rogai por nós > e
ofe receu um colar de ouro e diamantes, à imagem de
Nossa S enhora que domina o altar-mor. E s ta imagem que
repr~enta a aparJção da Rua du Bac, mostra a SS. Vi r-
gem, a ofe recer um globo, slm'bolo do Mundo, a s eu ,F llilo.
No clia 31 de Outubro d e 1956, precisamente na altura
em que os acontecimentos do M édio Or ie nte se p recipi-
tavam, eram oferecidos naquela catedral, vários núlhões
de .ANe~arias, rezadas em 1956, pelo mundo árabe e pela
paz.
cA1 derramar-e! sobre todos, as torrentes da núnha
mlse1icórdla>, disse a AipM"lção. Oxalá que a promessa se
rerullze brevemente para dai· ,u m pouco mais de sossego
e paz àqueJ.e Oriente, tão volúvel e conturbado.

O segundo santuário, dedicado à Rainha do Mundo,


foi construido no Continente ,Negro, em Porto Novo, capl-
trul de Da1homey, na Afrlca F.rancesa.
Ao suI de Paris, e:stá agora a levantar-se um outro,
A CONVERSÃO DA ROSSIA 225

mo-nos ao seu ser viço, tal como um súbdito se en-


t r ega à sua Ra inha, ou melhor ainda, como um
fi lho se ent rega nos braços de s ua mãe.
Fátima tem, na verdade, elementos suficientes
para j ustificar o extraordinário apreço que cer-
tos movimentos, nascidos para servir a sua men-
sagem, têm dado à consagração ao Coração de
Ma ria.

Apesar d isso, ousamos afirmar, que não é este


o maior aoto de homenagem que a Senhora de Fá-
t ima pediu. Não o é, pelas razões já apresentadas
e a ind a pelo que adiante diremos acerca da comu-
nhão reparadora.
E sta fo i, no campo individual, a única home-
nagem directa ao Coração Imaculado que o Céu
expressamente pediu, antes, durante e após as
aparições da Cova da Ir-ia. Isto é, de si, um índice
do valor extraordinário que a reparação ocupa na
mensagem de Fátima.
Vimos atrás que a reparação ao Coração de
Maria é inseparável da reparação ao Coração de
Jesus. As ofensas contra o Filho, são necessària-
mente ofensas contra a Mãe. Impossível impedir
as últimas, sem evitar as primeiras. Repairando-se
estas, reparam-se aquelas, exactamente porque

precisamente no cruzamento das duas e.9trada..s de Char-


tres e Lourdes.
O 4.0 santuário será o que os, católicos ofereceram em
homena,gem ao imorta.J •P fo XII, em 2 de Março de 1956,
quando o saudoso Pontlfice completou 80 anos e que val
erigir-Se no sul da Itá!lla.
226 O -MAIOR PiEIDIDO D E N .• S .• D1E FATIIMA

e liminada a causa, eliminado fica o efeito. É cer to


que o Anjo não falou express amente na r epa.ração
ao Coração de Maria, mas sugeriu-a em cada uma
das t r ês aparições, não só remotamente, quando
ped iu a reparação dos pecados alheios, mas até
proximamente, quando associou o Coração de Je-
sus ao de Maria e os apresento u como causa., estí-
m ulo e fim das orações e dos sacrifícios que os
pequenos deviam fazer.
Da primeira vez que falou às crianças, o
Anjo ensino u-il1es aquela pequena fórmula que
h oje todo o mundo conhece: «Meu Deus, eu creio,
ador o, esper o e amo-Vos ... » Ora a segunda par te
«peço-V'◊s perdão etc. », outra coisa não é, senão
um acto de r epar ação pelos descren tes e pelos pe-
cadO'l:es em geral. Depois de r epetir seis vezes
aqueiJa prece, o Anjo le vantou-se e disse, como
despedida: «Orai assim. Os Corações de J esus e
Ma ria estão a ten tos à voz das vossas súplicas».
A exp ressão «as vossas súplicas» r efere-se
como é evidente às súplicas que o, p róprio Anjo
ensinara e Jnandara r epetir. Mas a pr imeira pa1-te
da oração ensinada, não é uma súplica. É um aoto
de fé, de adoração, de esperança e de a mor. A se-
gunda parte é que é rigor os amente súplica. «Peço-
-Vos perdão». Pedir perdã'O é reparar. As pala-
vras «vossas súplicas» referiam-se portanto à
ideia da reparação.
Como se vê, há aqui uma referência expressa
não apenas ao Coraçã o de Maria, mas também ao
interesse que ele presta aos actos de i·eparação.
Na segunda entrevista do Mensageir.o Celesté,
repete-se pràticamente a mesma coisa.
A CONyIDRSAO DA. ROSS,IA 227

«Or a i ! Ora i muirto ! ,Os corações de Jesus e Ma-


1·ia t êm sobre vós desígnios de misericórdia. Ofe-
i-ecei constan temen te ao Altíssimo orações e sacri-
fícios».
Ao fazer tão veemente apelo à oração, não era
estranha à mente do Anj o, a fórmula que, ele mes-
mo ens inar a e m anda r a r epetir, na visita anterior
e cuj a pa·rte fi nal conúi.n.hia, como vimos, um acto
de r epa-r ação. Ao mesmo tempo, pediu sacrifícios.
«Ofer ec~i constantemente ao Altíssimo, ora-
ções e sacrifícios». Ora o sacrifício é já de si,
uma r eparação. Para que de forma alguma ficas-
1

sem d úvidas sobre este ponto, o Mensageiro Ce-


les te apr esenta expressamente a r epar ação,, como
fi m daquilo que pede.
«De t udo o que puderdes, oferecei um sacrifí-
cio em acto de r eparação pelos pecados com que
E le é ofendido».
Mais cla r o é ainda o Anjo, na última visita. A
ideia da repa,r ação informa tud 0 quanto diz e
1

quan to faz.
É em espírito de r epai-ação, que oferece à SS.
Trindade, o Preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e
Divindade de J esus Cristo, segundo a belíssima
fÓlmula que então ensina e é no mesmo espírito,
que pede a conversão dos pecadores e dá a comun-
gar o Corpo e o Sangue de Jesus CTisto.
«Reparai os seus crimes (dos homens ingra-
tos ) e consolai o vosso Deus».
Da hóstia que t razia e dei,cou suspensa no ar,
caíam gotas de s angue - diz Lúcia nas suas me-
mórias. Estas gotas não significavam apenas R-
Eucaristia. Significavam também e sobretudo, os
228 O MAIOR P•IDDIIDO DE N .• S.• DE FATIMA

sofrimentos que os pecados dos homens causam


a Jes us Cristo o qual, no dizer do Anjo, é «ho~-ri-
velrriente ultrajado pelos h omens ».
Não será exagero afirmar que naquelas gotas
de sangue, havia um convite mudo, mas nem por
isso menos expressivo, a. actos de r epar ação.
E s tes foram os pr eâmbulos da grande mensa-
gem de Fátima. A ide ia da r eparação, exposta nas
visitas do Anjo, vai agora. ser continuada, esclare-
cida e ampliada pela próp'l·ia Mãe de Deus.
Na primeira visita, ela quase r epete as paila-
vras do E s píüto Angélico:
- Quereis oferecer-vos a Deus, para suportar
todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos,
em acto de r epar ação pelos pecados com que Ele
é ofendido e de súplica pela conversão dos pecado-
res?
Cheios de generosidade, os pequenos não hesi-
tam em responder que sim.
Ides pois ter muito que sofrer - esclarece a
Senhora.
A conversão dos pecad'O:res é sem dúvida algu-
ma, um dos melhores elementos de r eparação.
Quando um pecador se converte, não é a,penas o
Coração dé Deus, são_ os próprios anjos do Céu
que se a!legram, no dizer da Escritura.
Mas se assim é, pode concl,ufr-se que a repa,.
f ração é o fim único de· tudo o que a Virgem pediu
aos seus pequenos· confidentes, na primeiTa visita
que lhes fez.
Foi contudo na terceira a-p a1rição, que a Mãe
de Deus mais claral'!lente definiu a amplitude e os
efeitos da reparação ·ao CÕração_ Imaculado. ·Até
A CONVERiSAO DA ROSSIA 229

aqui, es ta ideia só implicitamente fora referida.


Toda a atenção de Nossa Senhora, do Anjo e dos
identes se concentrara J1.a reparação ao Coração
de Jes us. Agor a fa,la-se expressamente na necessi-
dade ele reparar o próprio Coração de Maria.
A primeira referência a esta ideia, fê-la a Mãe
de Deus, logo no início do diálogo, quando ensinou
a seguinte jaculaitória:
«ó J esus, é por vosso amor, pela conversão dos
pecadores e em r eparação pelos pecados cometi-
dos contra o Imaculado Coração de Maria».
Afirma-se aqui a existência de pecados cometi-
dos contra o Coração de Maria. Não é só destes
porém, mas de todos os outros, que é pedida e de
certo modo, exigida, a repa ração.
Um pouco mais adiante, a Virgem declara que
duas coisas são necessárias para evitar a guen·a
- um a, a consagração da Rússia; outra, a comu-
nhão reparadora.
A primeira nã'O diz respeito a cada um de nós.
Tra,ta-se do reconhecimento público dos direitos
reais de Nossa Senhora, feito pela Autoridade Su-
prema d a Terra. De nada valerá porém essa ho-
menagem, se faltar a comunhão reparadora. A
maneh-a como a Visá-o a pede e a insistência com
que dela fala, leva-nos mesmo a supor que tem
mais importância, do que a própria consagração
da Rússia.
De resto, pode concluir-se o mesmo, da própria
natureza dum e doutro acto.
A consagração da Rússia é apenas, o reconhe-
cimento dos direitos reais de Nossa Senhora sobre
aquela terra. Pelo facto de serem reconheeidos
230 O MAIOR PEDIDO DE N .• S.• DE FATDMA

pelo Papa e pelos bispos de •todo o Mundo, nã'O se


segue necessàriamente que o sejam também pelo
povo russo, nem pelas suas autoridades políticas,
ou religiosas.
Mesmo depois de feita a consagração, Nossa
Senhora pode ser e tem sido imped id a de r einar.
É bem diferente o que se passa na reparação.
O fim desta é reparar, quer dizer, r epor as coisas
no seu lugar. T rata-se de compensar, de expiar, ele
pagar, com acções• boas e meri tórias, o mal que
alguém fez.
Daqui se conclui que a r eparação, quando bem
feita, alcança sempre o fim que tem em vista, o
que nem sem pre se dá com a con sagração dum
país, sobretudo se e•l e é oficialmente ateu e perse-
g,uidor da r eligião.
Nas presentes circunstâncias, evidencia-se
mais ainda o valor da reparação, pelo facto de a
consagração da Rússia já t er sido d'ei ta ( 1 ) .
Po•r conseguinte, todas as graças de que a Apa-
rição fala - o fim da guerra, a paz (que são coi-
sas distintas), a conversão da Rússia, a tranquili-
dade e o progresso d a Igreja, o próprio r einado
do Coração de Maria, es1tão dependentes unica-
mente do seg-undo pedido da Virgem, ou seja, da
comunhão reparadora.
Nas resitantes aparições da Cova da Iria, con-

(1) Estudaremos adiante, a conversão da Rússia, à


luz ida mensagem de Fátima. Responder emos então à p er-
gunta tantas vezes formulada, se já está, ou n ã o, feita, a
consag;l'S.ção que a Mãe de D eus pediu. Poderemos assim
ver, em todas as suas dimensões, o ,p oder e a importância
da comunhão :r,eparadora.
A CONVERSÃO DA ROSSIA 23.1

ti nua latente a ideia da reparação. A Virgem pede


com insistência, orações e sacrifícios e sobretudo,
a reza do ter ço, pela paz e pela conversão dos pe-
cad oTes. Ora como já acima se frisou, rezar pelos
pecadores, nada mais é, do que reparar.
Mas o momento culminante da mensagem so-
b re a reparação ao Coração Imacll'lado, foi a apa-
rição de Tuy, em 10 de Dezembro de 1925. Eis
como Lúcia a contou por escrito, a pedido do seu
clirector espiritual. Por sugestão deste, usou a ter-
ceira pessoa, para garantir o, incógnito.

<N o dia 17-2-1927, foi junto do sacrário per-


g untar a J esus como satisfaria o pedldo que lhe
e ra f eito, s e a orige m da d evoção ao Imaculado
Coração de Marla estava ence1Tada n 0 segredo
que a Sant!ssima Virgem lhe tinha confiado.
J esllil, com voz clara, fez-lhe ouvir es tas• pala-
vras:
- Minha fliha, escreve o que te ,p edem; e tudo
o que te revelou .a Santfssima. Virgem na aparição
cm que te fn.Iou desta tlevoção, escrev~ também;
quanto a.o resto do seg:rdo, continua o silêncio.
O que em 1917 foi confiado a este respeito, é
o seguinte: ela pediu para os levaJT" para o Céu.
A Sant!ssima Virgem respondeu:
- Sim a Jacinta e o Francisco levo-os em
breve; mas tu fica& cá mais algum tempo. Jesus
quer servir-se ele ti para. me fazer conhecer e
amar. Ele qtier estabelecer no mu»do a devoção
ao meu Imaculado Coração. A quem a abraçar,
prometo a salvação e serão queridas de Deus es-
tas almas, como flores postas por Mim a a.<lomar
o Seu trono.
- Fico sôzlnha? - disse com tristeza
-Não, filha! Eu nunca, te delxare!. O Meu
232 O :MAIOR PEDIDO DE N .• S .• DE F A TllMA

Imaculado Cora~1o será o teu r efúgi o e o cami-


nho que t e, conduzlrá a té D eu s.
iNo clia 1 0-12-1925 apareceu-lhe a S antlsslma
Virgem e ao aado, suspenso numa. n uvem duml-
nosa, u m M e nino . A S antfssima Virgem, pondo-
-J,he a ·m ão no ombro, motrou ao m esmo t empo
um coração q u e tinha na oubra m ão, cercado de
esplnhos. A o m esmo t empo, d isse o Menino:
- Tem p e na do Cor~o ela tua Santíssima
M.ile, que está coberto de es11tnJ1os que os liomens
ingratos a todos os, momentos lhe c ravam, sem
hhaver quem ra~.a um act.o de r epara,ão para os
tirar.
Em s eguida d isse a santisslma V<irgem:
- Olha min.ha. filha, o m e u Coração cercaclo
de espinhos, que os hom e ns ingratos a todos os
momentos m e cravam co1n blas.fém.las e ingrati-
dões. Tu, ao m enos, vê de m e c.onsolar e diz que
todos aq"tteles que durante cinco m ~ , no pri-
meiro sábado, se c.onfessarem , r ecebendo a Sa-
grada Comunhão, rezare m um terço e me fizerem
quinze minutos de c.ompanhia, meditando nos
quinze mistérios do Rosãrio, e.oro o fim de me
d esa.gravarem., Eu prometo assistir-lhes na hora
da morte, com todas as gra~ nccessãrlas para
a salvação dessas a.Imas.
No dia 15-12-1926, apareceu-lhe de novo Q
Menino Jesus. Perguntou-dhe se já tinha esp~ado
a devoção a sua Santfssima Mãe. Ela expôs-lhe
as dificulda'Cles que tinha o c.onfessor e que a
Madre Supei·lora estava pronta a propagá~la, mas
qu.e o confessor tinha dito que ela só nada podia.
Jesus respondeu:
-1!: verdade que a tua Superiora só, nada
pode, ma.s com a minha graça pode tudo.
Apresentou ,a dl!iculdade de se confessl!-1' ao
sábado e pediu para ser válida a confissão de oito
_,,, dias. Jesus respondeu:
- Sim, pode ser de muitos mais a1Dda, con-
A CONVIDRSAO DA R'OSSIA 233

tanto quo quando mo reeeberem, eatejam eni graça


e que tenham n. lntcnçilo do desagravar o Ima,-
c ulado Coração de Maria.
Elia pergl\llltou:
- M eu Jesus, as que se esquecerem de for-
mar essa intenção?
J esus respondeu:
- Podem formá-la na. outra confissão seguin-
te, aproveitando n. piin:Jel.ra. ocasl!lo que tiverem
d e se confessar» ( 1).

É curioso notar que não foi só a Mãe de Deus,


foi também o Menino Jesus que interveio direc-
tamente, a pedir a r eparação ao Coração de Maria.
Este pedido, impicitamente começado nas apa-
rições do Anjo, claramente exposto nas de Nossa
Senhora, primeiro na Cova. da Iria e depois no
convento de Tuy, teve o seu epílogo na aparição
de Pontevedra, em Dezembro de 1929, quando a
Mãe de Deus revelou que chegara a hora de pedir
a consagração da Rússia.
O assunto principal da visita era, como é evi-
dente, a consag ração daquele país. Nem assim po-
rém, a Senhora quis deixar de lembrar, mais uma
vez, a necesidade de reparar o seu Coração Ima-
culado.
Não ameaçou corno em Fátima, nem se quei-
xou como em Tuy. Mostrou simplesmente o seu
Coração de Mãe, «sem espada n:em rosas, mas com
uma coroa de espinhos e chamas». Nada mais era
preciso dizer. Já tudo estava dito. De resto, o sím-

( 1) Ofr. Inácio iMar~ins 1n Em Outubro Dlret o Que


Quero pág-a. 89-90-91.
234- O MA•IOR PEDIDO DE N .• S .• DE FATilMA

bolo assi m apresen tado, era suficienrtemente claro


e expressivo.
Pelo que acaba mos de ver, a idei a da repara-
ção não só está cont ida. em cada uma das apari-
ções, como é a espinha dorsal, o tr avejamento, a
linha mes tra de t odas elas. Sobre nenhum outro
pedido, ·o Céu fal ou ou insistiu tan to. Não será
portanto descabido concluir d aqui, par a o lugar
primacial que a mensagem de Fátima a-ss inala à
reparação ao Imaculado Coração de Ma-ria.
Comecemos por r ecordar que a reparação tal
corno fo i exposta em Fátima, é inseparável da Eu-
caristia. A Virgem nã o ped iu qualquer espécie de
repa·r ação. Tanto quando falou da guerra e da ma-
nefra de a evitar , como mais tarde, quando apa-
r eceu em Tuy, r eferiu-se concretamente à comu-
nhão r eparad'Ora. A oração e o sacrifício de certo
que repar a m, mas ela foi mais longe. P a,r a conce-
der a paz, a conversão da Rússia e as graças que
promete aoo seus devotos, à 'hora da mm·te, exige
a comunhão reparadora nos primeiros sábados.
Trata-se, como é evidente, da comunhão euca-
1fatica., devidamente recebida. Nem de outra ma-
neira, ela podia ser r eparadora.
Ora, para muita gente, podemos mesmo dizer,
para a maioria dos fiéis, basta uma comunhão por
m ês, sobretudo se for recebida e _o.ferecida com o
fim de desagravar o Coração de Ma·ria, para se
manterem habitualmente na graça de Deus.
A impo•r tância da reparação ao Coração de
Maria pode ainda evidenciar-se, pondo-a em con-
fronto com qualquer doo outros p~idos da Mãe
de Deus. Não há dúvida que o elemento de mais
A CONVERSÃO DA ROSSIA 235

valor n uma mensagem, é aquele que de certo· modo,


s upre e engloba todos os outros. Ora <tal é o que
acontece com a r eparação ao Coração de Maria.
Tudo o que ossa Senhora de Fátima pediu,
está implícita ou expllcit amente contido na ideia
da repar ação. É p ara a repararmos, que rezamos
o ter ço (mesmo quando com o terço pedimos a
paz, n ada mais fazemos do que repara,1· os pecados
que causaram a guen·a) ; é esse m esmo o fim que
a p r ópria Virgem assinala para os sacrifícios, ora-
ções e comunhões dos primeil'os sábados.
Dentr o d a ideia da reparação, cabe a pTópria
consagr ação que j á tem sido defendida e apresen-
tada, erradamente, como s,ubstitu t-o daquela. A
consagr ação individual é impossível, se não hou-
ver, primeiro a reparação dos pecados. Só depois
de r epar adas as nossas fal tas, é que podemos con-
sagr ar-nos. Sem isso não 'há, nem pode haver con-
sagração. A r eparação dos pecados pr~prios e
alheios é já de si, uma espécie de consagração. Re-
parar o Coração de Maria, é b:abalhar ao seu ser-
viço, lutar sob a sua bandeira, preparar o terreno
para o seu reinado d·e amor.

F alá mos atrãs da Realeza Universal de Nossa


Senhora que é uma das notas mais salientes da
mensagem de Fátima. Na segunda parte do se-
gredo, há mesmo a profecia do triunfo do, Coração
Jmacufado. Quanto mais se estuda a revelação
de Fátima, mais ela parece resumh--se na realeza '
do Co·r ação Imaculado. Tudo quanto em Fátima
236 O M AIO R PEDIDO DE N.• S .• DE FAT iiMA

se diz, ou sugere, é ornamento do diadema r ea,l de


Ma r ia.
T ambém este pormenor esclarece o luga r e a
importân cia da reparação. Se a realeza de Maria
é a linha mestra da mensagem de F átim a, o ele-
men to m ais importante há-de ser aquele que mais
de per to contribua par a a dita r ealeza. Ora esse
é a repar ação ao Cor ação I maculado. Com efeito,
a reparação ou tro f im não tem, senão r estaibelecer
o equilíbrio, que o pecado rnmpeu.
Poderfamos m esmo dizer que, o füm da repa-
r ação é unicamente este: evitar o pecado e con-
sequentemente, os seus efei tos. A realeza de Ma-
ria não é uma r ea le2a compulsiva . A SenhoTa res-
1

peit a a nossa liberdade. Em qua,lquer hipó tese, a


sua realeza será sempre uma r ealeza de di-reito,
m as SÓ pode tornar-se r ea.Jeza de facto, se nós a
quisermos, ou melhor , se a não impedirmos. É o
pecado, o seu único impedimento. Tudo portanto
o que for contra o pecado, ser á a favor da realeza
de Nossa Senhora.
Ora nl:J. mensagem de Fát ima, n ad.a é t anto con-
tra o pecado, como a repar-ação ao Coração de Ma-
ria, pois nos leva não só a evitar, como a ex,piar
os pecados próprios e a1lheios. Logo, nada mais
contribui em t ão -alto grau, para o anunciado
triunfo do Coração Imaculado.
,;,

Não quereríamos te•r minar, sem a.presentar


mais um outro argumento, ou melhor, sem enca-
rarmos a questão de um outro ângulo.
O pedido mais important.e de Nossa Senhora
A CONVERSÃO DA RúSSJ.A 237

de Fátima, é com certeza aquele a que a Mãe de


Deu s ligou maris graças. Ora tal é a reparação
ao Coração Imaculado. Duas graças deixou a SS.
Virgem dependentes da reparação: uma de carác-
ter internacional, social e político que •a brange o
fim da guerra, o triunfo da Igreja, a conversão
da Rússia, etc. e OU'tro de carácter privado - uma
assistência especial, à hora da morte, como todas
as graças necessárias à sailvação.
A •p rimeira graça ficou dependente de duas
condições: a consagração da Rússia e a reparação.
as circunstâncias presentes, como a primeira \

está satisferita, é lícito concluir que tudo depende
da segunda, ou seja d a repa1ração.
A outra graça é p-rémio da devoção dos cinco
primeiros sábados. A assistência à hora da morte
com as graças necessárias à salvação significa
pràticamente a garantia da. bem-aventurança.
Qu ando o Sagrado Coração de Jesus revelou
a promessa das nove p1,imeiras sextas-fei-ras e lhe
assegurou, como recompensa, a graça incompará-
vel da salvação eterna, grande foi a celeuma que
surgiu nos círcuJ.os teológicos de meio mundo. Não
faltou quem se insurgisse contra a autenticidade
de tal revelação e apresentasse as decisõe3 do Con-
cílio de Trento, para concluh· que uma promessa
ass im e•r a absolutamente •impossível. De facto, o
Concílio declarara: seja excomungado quem dis-
ser que tem a certez.a da sua própria salvação.
Não há porém oposição nenhuma entre a pro-
messa do Sagrado Coração e aquele anátema do
Concílio. A questã.O' está mais que esclarecida e por
isso não nos demoraremos· com ela.
238 O MAIOR PEDIDO D E N .• S .• DE FATIM.A.

Conhecedor a das dificu!ldades que a devoção ao


Coração de J esus encontrara da parte dos teólo-
gos, por causa daquele excesso de franq ueza e de
generosidade do seu Divino Filho, a Mãe de Deius
escolheu uma expr essão mais discr eta, mais sim-
ples, m as que no fim de contas, vem a dar no
mesmo·. A rpr omessa de todas as graças necessá-
rias, inclui evidentemente a graça de a alma se
dispar a recebê-las, ou para usar uma ling uagem
mais técnica, a graça preveniente,, a g raça s ufi-
ciente e a graça eficaz e portanto, a garan tia da
salvação eterna.
Assim exposta a pr omessa, não cremos que al-
g'um teólogo se ponha o pr oblema da sua 01·todo-
xia. Nossa Senhora até neste pormenor, quis dar
uma amostra da s ua int uição materna.
Toda esta desmedida generosidade da Mãe de
Deus• foi pa'l·a nos mostrar quanto•, aos seus olhos,
é valiosa a, reparação ped~da na Cova da Iria.
Basta de argumentos. O que .füca exposto é
suficiente, para se concluix que o ped'ido mais
importante da mensagem de Fát ima é sem dúvida
alguma a reparação ao Coração Imaculado.
Veremos agora qual o acto em que esta. repa-
ração melhor se concretiza.

DOIS PLANOS OE REPARAÇÃO

Um dos grandes obstáculos que se têm oposto


à difusão da comunhão reparadora, entre os de-
votos de Fátima, é, ev,idenitemente, a confusão
entre os· dois g.randes meios de reparação, pedidos
por Nossa Senhora.
A CONVERSAO DA ROSSIA 239

A comunhão reparadora pos primeiros sába-


dos, de que a Mãe de Deus falou em Julho, tem
s ido confundida em dezenas de livros e folhetos,
com a chamada devoção dos cinco primeiros sába-
dos. Daí resultaram dois grandes inconvenientes.
Um foi a ideia de que Nossa Senhora só pediu
cinco comunhões reparad oras, exactamente nos
pr imeiros sábados de cinco meses seguidos. Te-
mos encontrado quem d iga ter já cumprido tudo
o que Nossa Senhora pediu, pelo facto de já haver
feito os cinco primei ros sábados!. ..
O out ro inconveniente foi j ulgar-se que a co-
munhão r e par adora é inseparável da meditação
d e 15 minutos sobre todos, ou alguns dos misté-
rios do Rosá rio, coisa que aos olhos de certos fiéis
se afigura difícil, ou até impossível.
Ora a verdade é que há em Fátima, dois pedi-
dos diferentes. Um é a devoção dos cinco primei-
r os sábados ; outro, a comunhão reparadora nos
primeiros sábados do mês.
Ao fazer esta afirmação, temos consciência
perfeita do alarme e da estranheza que ela vai
causar. Realmente, de tantos 1livros que se têm es-
cri to sobre Fátima, alguns mesmo de autores mais
que consagrados, n em um só que nós saibamos,
atento u nesta diferença. Todos à uma enfileiram
pela confusão (a palavra é realmente dura!) dos
dois planos que a Vü-gem a p1·esentou. Porque as-
sim é, justificaremos o que fica dito.
Uma vez que a revelação do Coração Imaculado
fazi a parte do segredo, basear-nos-emos· quase ex-
clusivamente nos manuscritos da Irmã Lúcia. Já
atrás se viu OI valor crítico destes d.epoomentos,
24.0 O MAIOR PEIDIDO DE N .• S .• DE FATIMA

t anto à 1luz da. an á lise interna, como em face das


declarações da sua própria autora.
Se no que diz respeito às aparições da Virgem,
eles nos não dão, com cer teza, as palav ras exac-
tas, mas apenas as ideias da Visão, já se vê que
será descabido qua lquer argumento, baseado a-pe-
nas na análise textual do que Lúcia escreveu.
Não pod:emos também pa1·tir do princípio que
os referidos documentos guardam tudo quanto
Nossa Senhora disse.
Lúcia nw1ca afirmou tal coisa; várias vezes
porém s ugeriu o, contrário. De resto, já atrás se
viu que tem os forçosamente de admitir algumas
lacunas (se bem que poucas e pequenas) nos diá-
logos que a -vidente transcreve.
Que neiles falta a:lguma coisa, é conclusão certa
e fácH para quem os examine. Difícil será desco-
brir o que •n eles falta. Neste caso porém, não tere-
m os necessidade de nos preocuparmos com tal
pormenor.
Posto isto, avancemos.
Em 13 de Julho de 1917, a Visão, depois de
profetizar que se os homens não deixassem de
ofender a Deus, viria uma nova guerra, a II
Grande Guerra, acrescentou:
«Para a impedir, vire,i pedir a consagração da
Rússia e a comunhão reparadora nos primeiros
,sábados».
A guerra não foi impedida. A guerra veio e
dizimou o mundo como sabemos. Não vale a pena
nem interessa por agora, expor as razões por que
assim aconteceu. -
Se a Senhora não houvesse dito mais nada,
A CONVERSÃO DA R-OSSIA 241

terí a mos de ficar por aqui. Mas a Visão ac1·esce11-


Lou: «se atenderem a meus pedidos, a Rússia se
conver ter á e ter ão paz».
Quer dizer, embora a consagração da Rússi,a e
a comunhão reparadora n ão tenham já qualquer
uti lidade em r elação à guerra (por ela ser dopas-
sado) têm con t ud o grande valor, em relação à con-
versão d a Rússia e à segurança da paz que, o
mesmo é dizer, ao afastamento de novas guerras.
Virei pedirl·. É o anúncio duma visita futura.
De certo que essa vis ita se realizou. Seria mesmo
inconcebível que e la se não t ivesse realizado, antes
da II Gr a nde Guerra e bastante antes mesmo,
pa1·a dar tempo à difusão da mensagem e à reali-
zação daqueles dois pedidos.
Sabemos, pelos depoimentos da última das vi-
dentes, que a Virgem lhe apareceu em Dezembro
de 1929, no conven t o de Pontevedra, a pedir a
consagração da Rússia. Em nenhum manuscrito
da Irmã , se fala porém, de qua'1quer visita a pedir
a comunhão r eparadora que a Virgem anunciara,
em 13 de Julho de 1917.
Alguns autores dizem que ela teve lugar a 10
de Dezembro de 1925, quando a vidente se encon-
Lrava em Tuy e baseiam-se, ,para tanto, nas pala-
vras de Nossa Senhora «olha minha filha o meu
Coração cercado de espinhos, etc. » que atrás citá-
mos. Ora a verdade é que não há neste texto, ne-
nhum pedido.
As únicas palavras que poderiam traduzir um
pedido, são estas: «tu ao menos vê de me conso-
lar». É evidente porém que elas se referem apenas
à pessoa de Lúcia.
10
24-2 O MAIOR P.EDIDO DE N.• S.• DE F ATiiM!A

Não é de admiti r que a Mãe de Deus, sempre


tão clara, tão explícita, tão- completa em todos os
demais diá1'ogos, tivesse agora sido omissa. Se
esta fosse a mensagem prometida em Julho de
1917, rteria pedido com toda a clareza, a comunhão
reparadora nos primeiros sábados, como pediu
com 'OO<l-a a clarezai, a consagração da Rússia, na
aparição de 1929.
O texto que a Irmã Lúcia nos transmitiu, fala
num conV'i,te, numa espécie de contrato bilateral.
Nós fazemos uma coisa e a Virgem dá-nos outra
em paga - paga generosa que excede imensa-
mente o que nós damos.
As palavras «diz que todos aqueles que du-
rante cinco meses etc. » serão quando muiio uma
proclamação, mas não são, de forma nenhuma, um
pedido. De nada vale dizer que este ficou implí-
cito, se não nas palavras, pelo menos na atitude
da Senhora, pois aipareceu com o Coração cercado
de espinhos. Como já at:rás dissemos, a mensagem
de Fátima destina,,se ao povo e não apenas aos
poetas. A Mãe de De us foi sempre modelo de sim-
plicidade, de clareza, de propriedade de termos,
1!ã'O só· em Fátima, como em todas as suas apari-
ções. Se ela em 1917 disse que viria pedir, forçoso
é acreditai que pediu mesmo.
O que nós queremos dizer, é que não foi com
as pailavras que Lúcia apresenta, que ela pediu a
anunciada comunhão reparador-a .
Po·r outro lado, nada nos garante que a vidente
não tenha omitido, ao descrever a aparição de
1925, quaisquer outras palavras de Nossa Senh~
ra, decisivas para o estudo deste ponto.
A CONVERSÃO DA ROSSIA 243

Não poderá demonstrar-se portanto, nem isso


in teressaria, que não foi nesta aparição, que ela
pediu a comunhão reparadora de que falara em
Julho de 1917.
É mui-to natural que a Mãe de Deus tenha dito
coisas q ue Lúcia não escreveu. Sabemos que há
omissões importantes nos seus manuscritos. O que
porém, quanto a nós, se '!)Ode concluir com certeza,
é que não f oi quando disse as palavras acima
transcr itas (' ) que pediu a comunhão reparadorà,
necessária para converter a Rússia e garantir a
paz.
Podemos ·acres centar ainda,, para esclareci-
mento da questão, que é muito provável, é mesmo
quase certo que a Aparição não falou, precisa-
mente como Lúcia diz. Não é que haja erros gra-
ves nas frases que a Irmã lhe atribui. Mas há uns
tantos defe ito3 de sintaxe que não se coadunam
bem com a perfeição, inigualável de Nossa Se-
nhora. A expressão por exem'!)lo «todos aqueles ...
eu prometo assistir-lhes ... » compreende-se na
pena de Lúcia, mas não se admite, nós pelo menos
não a admitimos, na boca da Mãe de Deus.

*
Chegaremos à mesma conclusão, se analisar-
mos o fim do que a Virgem disse em 1917 e do
que disse em 1925. O fim, absolutamente último,
a glória de Deus, é comum a ambos '03 modos de
repaTação. O fim relativamente último que é levar
os homens a viver na graça de Deus, é igualme~te

( 1) Cf.r. págs. 191 e 192.


24,4 O MAIOR PIDDIDO DE N .• S .• DE F'AT™1A

comum a ambos. Há porém uma diferença espan-


tosa entre os fins intermédios que a própria Mãe
de Deus assinala. Trata-se, como é claro, de fins
intencionais.
Em 1917, o fim da comunhão r eparadora nos
primeiros sábados, era o a.fastamento da II Gran-
de Guerra, a conversã o da Rússia e a paz. O fim
da devoção dos p rimeh-os sábados, r evelado em
1925, é a salvação individual. Ora se a promessa
de 1925, fosse a mesma de 1917, não seria natu-
ral que a Mãe de Deus lhe apon tasse também o
mesmo fim?
Como se compr eende que não haja no texto da
promessa de 1925, a mínima referência à g uerra,
à conversão da Rússia e à paz de que a, Virgem
1
tanto falou em 1917, ao expor o plano da comu-
nhã:o reparadora?
Em 1925, e1·a perfeitamente aceitável, a pos-
sibi1lidade de se impedir a II Grande Guerra. que,
como se sabe, ·s ó eclodiu 14 anos depois, preci-
samente em 1 de Setembro de 1939.
A nosso ve-r , esta diferença de fins, tão distin-
tamente assinalados pela SS. Virgem, quer sim-
piesmente realçar a diferença dos pedidos.
Mas há mais. Diferentes no modo como são
expostos, e no fim a que proximamente se diri-
gem, os pedidos em causa são ainda diferentes no
luga1· que ocupam, na estrutura da mensagem de
Fátima.
A promessa de 1925 liga-se logicamente com a
revelação que a Mãe de Deus fez em 13 de Junho,
quando comunicou o primeiro segredo, ao passo
que a ideia reparadora dos primeiros sábados per-
A CONVIDRSÃO DA ROSS,IA 245

tence à revelação do mês seguinte e está intima-


mente ligada, não com a 1.n, mas com a 2.ª parte
do segredo, que fala do Inferno, da guerr•a, da
paz, da conve1·são da Rússia, do martírio dos cris-
tãos e das perseguições à Igreja e ao Papa.
E sta, não é só a nossa opinião. É também a
opinião de Lúcia que, no documento acima ailudido,
faz preceder a narração da visita de 1925, das pa-
lavras que a SS. Virgem prorferiu em 13 de Junho
de 1917, sem, nem de per to, nem de fonge, tocar
no d,iá logo do mês seguinte. De resto, isto mesmo
se conclui da análise ideológica do que a Virgem
disse em 13 de Junho de 1917 e do que depois disse
em 1925. De ambas as vezes, faz a mesma pro-
messa que exprime quase pelas mesmas palavras.
Na primeira, promete a salvação a quem abraçar
a devoção · ao Coração de Maria. «Prometo a sal-
vação» ( ' ). E na segunda, também. «Prometo as-
sis tir-lhes na hora da morte, com todas as graças
necessárias para a sa1lvação» e~).
Ora se assim é, se Nossa Senhora deixou a
promessa de 1925 tão relacionada com a aparição
de Junho e sem a mínima referência à do mês
seguinte, não seria para mostrar que há real-
mente grande diferença entre os seus dois pedi-
dos?
Pa1·ece-nos que se o meio de evitar a guerra
e convertei· a, Rússia, fosse a d~voçã:o, dos cincq
primeiros sábados, a SS. Virgem tê-la-ia expres-
samente referido em Julho de 1917.

(1) Cfr. págs. 191 e 192.


( 2) Ibidem.
246 O MAIOR PED IDO DE N .• S.• D E F A TiiMA

Não venham dizer-nos que também a consa-


gração da Rússia ficou incompletamente esclare-
cida. É certo que a Virgem não di se, no dia 13
de Julho de 1917, que ela devia ser feita pelo
Pa,pa, mas isso não era necessár io. Toda a gente
sabe que o P apa er a a única pessoa, com auto1·i-
dade suficiente para a fazer .
Ora Nossa Senhora falou apenas n a comu-
nhão rep aradora, sem acrescentar mais nada.
Note-se, além disso, que a devoção dos cinco
primeiros sábad os requere além da comunhão, a
confissão, a medi tação de 15 minutos sobre os mis-
térios do Rosário e a recitação do ter ço, t udo fei to
em espírito de reparação.
Se tivesse acontecido o contrário, isto é, se a
reparação expressa em 1917, fosse mais extensa,
do que a de 1925, não víamos grande dificuldade
em congraç,ar as duas coisas. Nossa Senhora man-
tinha--se igualmente fiel à sua promessa e gó dava
provas de bondade e generosidade, em reduzir as
condições impostas.
Desta maneira porém, se quisermos ser 1·igo-
rosos, teremos de admitir 'Uma certa infideli-
dade na Mãe de Deus, pois o que promete, de
maneira tão clara em 1917, com a comunhão repa-
radora, só o concede agora, com a comunhão, a
confissão, a meditação e o terço.
Esta conclusão porém seria simplesmente blas-
fema.
, É P<?r isso, que continuamos a afirmar a dife-
rença entre os dois pedidos de reparação expostos
por Nossa. Senhora.
A CONVl!JR'SAO DA ROSSIA 2-f!I

O pedido da comunhão reparadora de que a


Mãe de De us falou, destina-se ao povo e não ape-
nas às elites-. Nossa Senhora porém não podia exi-
gir como condição da sua promessa, uma coisa
impossível. Ora a devoção dos cinco primeiros
sábados é moralmente imp<>Ssível para muitas al-
mas, e até fisicamente, para algumas. Há almas
que se julgam incapazes de meditar e há outras
que só muito dificilmente o poderão fazer, já por-
que nunca aprenderam a meditar, já porque não
sabem ler, já porque não têm quem ,as ajude.
Quando o Papa Bento XIII impôs a meditação
dos mis•t érios, como condição necessária para se
lucrarem as indu1gências anexas ao terço, excluiu -
dessa obrigação, a gente rude, ,a gente que, se-
gundo ele mesmo dizia, era incapaz de meditar.
Não podemos admitir que o maior e o mais
importante pedido de Fátima seja, de a,lgum modo,
ou sob alguns aspectos, um pedido impossíveil.
É legítimo p01·tanbo concluir que esse pedido
não consiste na devoção dos cinco primeiros sába-
dis, mas sim na comunhão reparadora a,penas, nos
primeiros sábados de cada mês - coisa que a
too os é acessível ( 1 ) •

Para terminar, só mais um argumento. Não

(1 ) Na carta enviada ao Sumo Pontlfice, em Dezem-


bro de 1940, a Irmã Lúcia defende ipr~amente esta opi-
niã o. <... A Santlsslrna Virgem ... revielou ... que viria. pedir
a consa,graçã:o da Rússia e a comunhão reparadora nos
iprlmeiros sábados ... > e não a devoção dos 5 primeiros sá-
•ba.dos.-
248 O MiAiIOR PEDIDO DE N .• S .• DE FATiiMA

há dúvida que a promesGa da paz e da conver são


da Rússia, veio dar a Fátima uma projecção ex-
traord.iná'l·ia, poderíamos mesmo dizer extra-ecle-
siástica e extra-religiosa. Eila tem sido de facto
a grande bandeira que presidiu à difusão da men-
sagem, entre 0s indiferentes e até os sem-religião.
Socia•I mente, politicamente, a conversão da Rúss ia
será o· maior e o mais importante m_i,J agre ele Fá-
tima.
É natural, como acima vimos que, ao maio1·
milagre ele Fátima, ande ligado o maior pedido
de Nossa Senhora, como é natural também que
este maior pedido seja o que melhor contribui
para o fim da mensagem que é, como já se de-
monstrou, a vida da graça. Daqui deduzimos nós
um novo e mais poderoso argumento, a favor ela
presente tese.
Uma comunhão repa•r adora nos primeiros sá-
bados de todos os meses é o único pedido que, só
por si, se pode considerar suficiente para ai maio-
ria elos cris,tãos viverem habitualmente em estado
de graça. Não se pode afirmar o mesmo acerca
da devoção dos cinco primeiros sábados, findos os
quais, nada mais se exige. Cinco meses é uma
pequena fracção do ano e uma pequeníssima frac-
ção da vida. Todos conhecemos gente que se julga
desobrigada de rezar peila conversão da Rússia e
pelo advento da paz, só porque já fez os cinco pri-
meiro3 sábados.
Os que assim pensam são- lógicos na atitude
que tomam. Se o fim está garantido, se fizeram
tudo o que se lhes exigia, nada mais têm a fazer ...
Estes foram vítimas da lamentável confusão
A CONVERSÃO DA ROSSIA 24.9

com que os pedidos de Nossa Senhora de Fátima


têm sido expos,tos, em milhares de livros, jornais,
pregaçõe e conferências. E ste é o grande e peri-
goso erro que importa desfazei·.
Concluamos.
O que a 1 fãe de Deus pede, como condição
para a paz e para a conversão da Rús-s:ia, é a co-
1n1mhão re,pcuradorci nos primeiros sábados. Não
apena em cinco prime iros sábados, mas em todos,
ou quase todo , os primeiros sábados do ano.
E sie é o maior, o mais importante e o mais
veemente pedido de Nossa Senhora de Fátima.
Aqu i é que está condensada, toda a sua mensa-
gem. Mas se assim é, tiremos as conclusões que se
impõem .
Por aqui, é que deviam começar todos os apos-
tolados fatimjstas, quer individuais, quer colecti-
vos, desde os púlpitos aos livros, das tribunas aos
jornais e das simples associações, ou Pias Uniões,
aos movimentos de carácter nacional e internacio-
nal.
Faz pena verificar que, depois de tantos anos,
não tenha aparecido ainda um único movimento,
destinado ao povo, com o fim específico de o inte-
ressar pela reparação ao Coração Imaculado.
Algumas elas organizações fatimistas ignoram
completamente a necessidade da r eparação. Ou-
tras relegam-na para o último lugar, outras ainda
apresentam-na a,penas como um conselho, uma
sugerência.
Esta é a maio1· lacuna de Fátima. Esta, a ex-
plicação do· atraso em que a mensagem se encon-
tJra. Este, o motivo por que não, se realizou ainda,
250 O MAIOR PEDIDO DE N .• S .• DE FATiiMA

nem se realizará tão depres-sa, o grande mila,g re


da conversão da Rússia.
Quando um número suficientemente grande de
fiéis atender este tão simples pedido, não há dú-
vid•a que estamos a cumprir a mensagem de Fá-
tima.
Essa sei-á a hora em que se converterá a Rús-
sia e virá a paz, a paz das armas, a paz das almas
e a paz de Deus.
Então duplica-r-se-á a Igreja e começar á o
anunciado e suspirado triunfo do Imaculado Cora-
ção de Maria.
Das bênçãos e das glórias de que, nessa hora,
seremos testemunhas, ninguém poderá ainda fa-
lar.
Uma coisa -porém é certa. Quando Nossa Se-
nhora reinar verdadeiramente neste Mundto, como
Fátima anuncia, será coon toda a generosidade e
liberalidade de Rainha, que ela fará descer sobre
nós, ás incomparáveis toirrentes das suas graças.
OS OUTROS PEDIDOS DE
NOSSA SENHORA DE FATIMA
Embora a comunhão reparadora seja o princi-
pal desejo de Nossa Senhora de Fátima, até por-
que toda a mensagem está, .pelo menos virtual-
mente, contida nela, de forma alguma podemos
esquecer ou desprezar os restantes pedidos da
Mãe de Deus.
Se outra razão não houves,se, bastava terem
sido expressos por ela, para merecerem toao o
nosso interesse.
Já falámos da devoção •ao Coração de Ma•r ia
que vimos sintetizada, primeiro na reparação e
depois na consagração. É agora a vez de pergun-
tarmos quais os outro5 pedidos que Nossa Senhora
formulou e qual o lugar que cada um deles ocupa
na mensagem de Fátima.
Referimo-nos, é claro, aos pedidos de ortlem
geral, isto é, aos que se destinam ao povo todo e
não apenas aos três pastorinhos, como foram por
exemplo, aque1las, repetidas -instâncias para que
voltassem à Cova da Iria, no dia aprazado, apren-
dessem a •l er, levassem dois andores na ifesta da
Senhora do Rosáirio, etc....
Formaimente, alim d-a devoção ao Coração
254- OU11'1ROS PElDIDOS DE N.• S .• DE FATIMA

Imaculado, Nossa Senhora só pediu mais duas coi-


sas: a oração, especialmente a reza diária do terço
e o oferecimento ele sacrifícios, sobretudo daque-
les que Deus envia.
Imiplicitamente por ém, há em Fátima muitas
outras sugestões. A Ascética e a Mística têm
a:li uma fonte inesgotável de directrizes e alvitres.
Nós porém só consideramos os pedidos formais,
isto é, aqueles que foram feitos a todos e na lin-
guagem clara do povo a que a mensagem se des-
tina.
ORAÇÃO

Fátima não só convidou a orar, como ensinou


vá·r ias fórmulas de oração. Destas já atrás falá-
mos. Limitar-nos-emos portanto a cons iderar a
importância que a oração ocupa na mensagem de
Fátima.
A primeira coisa que o Anjo pediu aos pasto-
rinhos, foi precisamente a oração.
«Não temais. Sou o Anj o da Paz . Orai co-
migo».
E prostrando-se por terra, proferiu aquela
belíssima fórmula que os pequenos nunca mais
esqueceriam. «Meu Deus, eu creio, adoro, esipei-o
e amo-Vos ... ».
O próprio significado das palavras mostra a
necessidade de orar; a falta de oração é ali aJpon-
tada como um pecado do, qual se pede perdão.
« . .. Peço-Vos perdão para os que não crêem,
não adoram, não esiperam, e não Vos amam», isto
é par.a os que não rezaan, porque 1·ezar é crer, ado-
rar: esperar, amar e pedir.
A CONVERSÃO DA RúSSIA 255

À despedida, o Mensageiro Celeste repet iu a


recomendação do princípio :
- Orai assi m. Os Cor ações de Jesus e Maria
estão aten tos à voz das vossas súplicas».
Quer d izer, a ideia da ·oração foi não só um
dos elementos, como o tema, o r esumo de tudo o
que o Anjo disse, da primeh:a vez que falou aos
pastorinhos.
É também pela mesma ideia, que começa o
diálogo na apa r ição do Poço do Arneiro.
Era à hora da sesta. As crianças brincavam,
à sombra das á rvores do quintal de Lúcia.
- «Que fazeis? - pergunta-lhes o Anjo, numa
censura ao mesmo tempo doce e m agoada. - Orai!
Orai mui-to! Os, Corações de Jesus e Maria têm
sobre vós desígnios de misericóttlia. Oferecei
constantemente ao Altíssimo, orações e sacrifí-
cios.
Da últ ima vez que apareceu, o Mensageiro Ce-
leste não fa-lou na necess idade de orar. Esse ponto
estava já suficientemente esclarecido nas visitas
anteriores. De resto, ele sabia muito bem que as
crianças fixam m ais e melhor o que vêem do que
o que ouvem. Por isso, sem dizer palavra, pros-
trou-se por terra e começou a rezar:
- Santíssima Trindade, Pai, Filho, Espírito
Santo . ..
Os pastfrinhos entendeTam a 1ição e sem hesi-
tar, imitaraim-no, p·r ostrando-se por terra e repe-
tindo as suas pa:laivras.
A oração do Anjo é uma ·or.ação teológica, per-
feita, veroadeiramente ·angélica. Quatro são os
fins da oração, no dizer dos teólogos: adorar,
256 OU/DR.OS PIIDDIDOS ,DE N .• S .• DE FAT.IU\1A

agradecer, reparat· e pedir. O A.n jo adora, agr a-


dece e r epara, m as não pede nada para si. Pede
apenas a glória ele Deus. E ·le sabe que t udo o mais
virá por acréscimo. A sua prece não é interes-
seira, não tem como coo1tlenadas, as s uas neces-
sidades individuais.
E ste a,pelo à oração tão clal'amente expresso
nas vis itas do Mensageiro Celeste, continuou com
maior intensidade ainda., nos diálogos de Nossa
Senhora. Agora não é já o teólogo que fa la ; é a
Mãe, a Mãe que ensina, pede, suplica e ordena. É
a Mãe que ciente das necessitlades dos seus filhos,
desce a um plano concreto, prático, acessível a
todos.
Nas palavras de Nossa Senhora, há com efeito
alusões genéricas à oração - sobretudo ao espí-
rito de oração - e alusões específicas e algumas
orações que lhe merecem uma estima muito, parti-
cular.
Rezai, rezai muito - d'isse a Virgem em Agos-
to. E fogo acrescentou: vão muitas almas para o
Inferno, por não haver quem ... peça por elas.
:É ,preciso que peçam perdão dos seus pecados
- insistiu a Visão em Outubro, no fecho das apa-
rições.
Mas não foi só nas palavras que Fátima con-
cretizou es,te apelo à oração, foi também no gesto
das mãos postas, no símbolo do terço que a Vir-
, gem trazia consigo e ainda nas inspirações ínti-
mas que os videntes sentiam dentro de si mesmos.
Foi por uma dessas ins-p irações, que durante o
A CONVERSÃO DA RúSSIA 257

p1·imeira visita de Nossa Senhora, os pequenos es-


pontâneamen te começaram a r epetir:
- ó Santíssima Trindade, eu Vos adoro! Meu
Deus, meu Deus, eu vos amo no Santíssimo Sa-
cramento!
Embora de mane i•r a diferente, continuam ainda
hoje a sentir-se em Fátima essas características
inspirações e pred isposições em ordem à prece e
à união com Deus. Ainda que breve, no tempo, a
história de Fátima é já um testemunho impres-
sionan te neste sentido.
Indivíduos que a li vão por desporto, algumas
vezes com a intenção confessada de se d'ivertirem.,
surpr eendem-se inesperadamen te a rezqr e não
apenas com a boca, mas com todo o coração.
Nem todos estes casos são, ou podem ser co-
nhecidos do público. Bastam porém os que trans-
parecem pa,ra atesta,r o apelo, a força, o poder de
Fátima, em ordem à oração.
Realmente não foi só perante os três pasto~
rinhos, que o SobrenatUTal se tornou sensível na
Cova da Iria. Tem sido perante centenas, e por-
ventura milhares de pessoas de todas as idades
e condições.
Fátima não é só a Cidade da Penitência, é
também e, mais aind-a, a Cidade da Oração.
Viria a propósito, citar as poesias e os cânti-
cos que a piedade e a arte, de mãos dadas, compu-
seram, a esclarecer a roens.agem de oração que
Fátima trouxe. Isso pórém seria um nunca mais
acabar. Remetemos o le'itor para os livros Can--
cionevro, de Fátima e Hinário de Fátima de Se,-
1T
258 OUIT\ROS PEDIDOS •DE N .• S.• iDE F'A'TIEMA

bastião Martins dos Reis, onde exuberantemente


se documenta o que acabamos de dizer.

Evidencia-se ainda a impO'l:tância da prece, na


maneira corno a Mãe de Deus ex pressam ente fala
daquela fórmula cláss ica de oração que é o santo
terço.
N ão há dúvi~a. ne nhuma que este ocupa um
lugar de destaque, ent re os pedidos de Nossa Se-
nhora de Fátima.. Se outra prova não houvesse:
bastava a insistência com que ~le foi recomendado.
Não houve nenhuma a parição em que a SS. Vir-
gem o não lembrasse . Eis as suas próprjas p ala-
vras: •
EM MAIO: Rezem o terço todos os dias, para
a:lcança1rem a paz para o Mundo e o, fim da gue1Ta.
EM JUNHO: Que'l•o,. . . que reze is o ter ço todos
os dias.
EM JULHO: Quero que continuem a r ezar o
terço todos os dias em honra de• Nossa Senhora do
Rosário, para obter-a paz par-a o Mundo e o fim
da guerra, que só ela lhes poderá valer (1}.
EM AGOSTO: Quero que continueis a rezar o
terço todos os dias.
EM SETEMBRO: Continuem a rezar o terço
para alcançarem o fim da g,uen-a (2).

(1) Rezem o terÇO a Nossa Senhora do Riosá.r!o que


aibrande a guerra que só ela é que ,J he pode :vailer. (Rela-
tór.io do Prrlor de Fátima).
( 2) Quero-te dizer que continues a rezar o terço
,sempre à Senhora do Rosário, que aibrande ela a g:uerra
·c R.elatório do Prior de Fátima).
A CONVERSÃO DA ROSSIA 259

EM OUTUBRO: Quero-te dizer . .. que sou a


Senhora do Rosário, que continuem sempre a re-
za,1_· o ter ço todos os dia'S ( 1 ) .
A importância que F átima ,a tribui ao terço é
aintla maior do que estas palavras indicam. Para
vincar bem o lugar de relevo que ele deve ocupar
no co-r ação dos seus devotos, quis a Mãe de Deus
multiplicar, duma maneira extraordinária, os tes-
temunhos de predi'lecção e apreço por esta multi-
secula!l: coroa de rosas.
Assim, a primeira imagem que aos pastori-
nhos mostrou, foi a duma Senhora vestida de
branco, com o terço nas mãos. E ste terço acom-
panharia sempre a Celeste Visitante, como se
fosse o emblema, o sinal, a bandeira das suas ma-
ternais prerrogativas.
«A Senhora, escreve Lúcia, tinha as mãos pos-
tas, um pouco acima da cintura e delas pendia um
te·rço· branco» (2) .
« (Ela) traz entre as pa•l mas e as costas da
mão direita, umas contas que pendem sobre oves-
tido» - explicou o Francisco ao Dr. Formigão em
27 de Setembro de 1917» ( ª).
« ( As contas) - declarou Lúcia no mesmo dia
-terminavam por uma cruz branca e •as contas
também eram brancas. A cadeia era também
branca ( 1 ) .

( 1) Quero-te dizer.. . que rezem o terÇo a Nossa. Se-


nhora. (JJbidem).
(• ) Cfr. Fernando ·I.Jeite in ~aclnt.a. pá,g. M.
( 3) Cfr. .João de IMarchi in Era uma Senhora, .. 3.•
edição pág. 141.
(·') lbidem pág. 144.
260 OU'ffiOS PEDIDOS DE N .• S .• DE FA'l\IiMA

Que o terço não era a,penas um ornamento,


mas um testemunho e um símbolo, p rova--0 o
facto de a Virgem o associar intimamente ao nome
que escolheu.
Na primeira aparição, Lúcia tenta averig uar
a identidade da Senhora que os seus olhos con-
templam.
«Depois vos direi quem sou ... » - ·r esponde a
Visão.
E no último m ês, a. dúvida esclarece-se:
- Sou a Senhora do Rosário.
No princípio da aparição de 13 de Maio, se-
gundo alguns testemunhos fidedignos, o Francisco
nada via. Começou porém a rezar o ter ço e mo-
mentos depois, os seus olhos puderam con templar
a Geles.te Visitante. Nesse mesmo dia, d isse Nossa
Senhora que o pastorinho iria par a o Céu, mas
só depois de reza r as contas.
A ideia do terço invade e domina todos os diá-
logos da Virgem .
É à Senhora do Rosário, que - declara a Vi-
são - se deve pedir o fim da g uerra. É em h onra
da Senhora do Rosá:rio, que se devem construir
os andores de que a Aparição falou em Agosto. É
à festa da Senho-ra do Rosário, que o dinheiro des-
tes se destina, é em honra, da Senhora do Rosário,
que se deve edificar a capela. É a Senhora do Ro-
sário que vem, no mês de Outubro, fechar o ciclo
das aparições.
«Se não tivessem a:ba,lado contigo para a al-
deia - diz a Virgem em Agosto - o m.Hagre do
,s ol seria mais conhecido. Havia de vir S. José com
o Menino Jesus dar a paz ao Mundo. Havia de vh-
I

A CONVERSÃO DA RO'SSIA 261

Nosso Senhor benzer o povo. Vinha Nossa Se-


nhor a do Rosá rio com um anj inho de cada lado.
Vinha Nossa Senhor a d as Dores com· um arco de
flor es à roda».
E realmente apesa,r d aqu~la afron ta à fé e às
aparições, em Outubro, os pequenos v iram «Nossa
Senhor a, a todo o corpo, de pé, vestida de branco,
com um man to azul pela cabeça e as mãos sobre
o peito».
Era a Senhora do Rosár io. A Lúcia ident ifi-
cou-a bem, pois logo nesse m esmo dia, às 19h,
declar ou ao Visconde de Montelo:
- «P r imeir o vj a Senhor a do Rosário, S. José
e o Menino Jesus. Depois a Senhora das Dores . .. »
Outra pr ova da importância que Fátima atri-
bui ao terço, está n o facto de o ter incluído, na
devoção dos cinco primeiros sábados, j untamente
com um qu arto de hora de meditação sobre os
mis térios.
F oi por esta metlitação se haver esquecido, ou
considerado desprezível, q'l1e o terço p erdeu aquela
aura de car inho que, nos te mpos áureos da Igreja,
o tornou insepará vel da vida espiritual, tanto dos
simples fiéis, como dos grandes santos.
As aparições de Fátima trouxeram um contri-
buto n ovo, magnífico, à r eintegração do terço no
lugar que lhe compete, entre as devoções clássicas
do cristianismo.
Quando ele se reza bem, isto é, quando os mis-
térios são medit ados, transforma-se num compên-
dio vivo das alegrias, das dores e das glórias do
262 OUTROS i?ED(lj[)0S DE N .• S .• DE F -ÃTliMA

Coração Imaculado, cuja devoção, como vimos,


resume toda a mens agem de Fátima (1)
É por isso q ue o tei-ço dificilmen te poderá con-
gr açar -se com uma vida de tibieza ou pecado. N ele
têm os devotos d a Virgem um auxiliar p1·ecioso de
persever ança na graça de Deus que é, com o sabe-
mos, o fi m r e lativamente último das apar ições de
Fát ima.

(1) H á quem diga t e r dificuldades em contemplar os


mis t é rios do rosário. H á m esmo quem se confesse inca,paz
d e jun tar a meditação, ou a con t emp lação, à recitação das
ANe-Marias.
O contrário é qu e d eve ser verdade. P or mais estra-
n ho que par eça, ni nguém pode r eza:r, sem con templar. D a -
m os à palavra <cont emplação>, o seu significado próprio.
f ilosófico - v e1· com os olhos do esphito, una ginar, ou
como diz o L arous e, son har int electualm ente.
A maté ria está d e tal man eira unida ao nosso espírito,
que oo·dlnàriamente só com grande dificulda de consegui-
m os pensar, sem auxilio da imaginação. 11:: por isso que
1basta ouvirmos fada r dum incêndio, para <v e nnoS> o <fan-
t asm a > das laiba,redas, do f umo, do povo, dos bombeiros ...
Se demos no jorna l que um a utom óvel emba t eu com outro,
Gog0 sul"ge n a nossa mente a ima,g em do c hoque, com to-
dos os dados e rpormenores que a noticia f o rnece. Ora que
é isto s enão contemplar?
Contemplamos o incêndio e contemplamos a colisão
dos v eículos, ,s em esforço d e espécie alguma . Con templa -
mo-<los numa <visão> que nós m esn1os fonnamos, com o
,m ateria l que nos é fornecido. E isto é tão n a tura!! e tã o
espontâneo, que acontece com a m esma facilidade n a
criança e no adulto, no sáibio e no ignorante e quase sem-
pre sem que nenhum de:les provoque, ou constate o apare-
cimento do fenómeno.
\ Acontece o mesmo, mutatis mutandis com a recitação
do ,terço.
Se rezannos oom atenção as paliwras da Av,e-Marla,
I

.A CONVERSÃO iDA ROSSIA 263

PENIT~NCIA

A ideia da penitência andou desde sempre li-


gada à mensagem da Cova da Iria. São testemu-
nho deste facto, as poesias, os ,cânticos, os livros,
as exortações e as pregações que desde o inicio se
fizeram sobre este tema.
A própria nat ureza geográfica, sociológica e
fisiológica do planalto da Serra de Aire convid-a
e dispõe ao sacrifício.
Quando p rincipiou a his tória de Fátima, até
o acesso ao local das aparições era difícil, parti-
cularmente nos dias de peregrinação. Sobre estra-

temos por força de imaginar diante d e nós, a M ã.e de Deus,


uma vez que a Ela nos dirigimos. Como e onde a imagi-
naremos porém? No Presépio, cheia d e 8Jlegrla, no Tem-
plo, t oda a,preensões, no calJváJrio, f eita estátua de dor?
l!: o ~ tério que vai decidir. O misté.r io é que nos dá
o cenário e o ambiente da <Yração. Ele é que foroece os
dados, as cores e as dimensões da nossa prece.
No primeiro mistério gozoso, por exemplo, vemos a
Virgem n a s ua casinha d e Nazaré, a diallogar com o A.ajo;
no segundo, em casa de Santa Isa'bell; no terceiro, no Pre-
sépio de B elém ; no quair.to, no Temp1o, etc ..
IElla é empre a 1111-esma em qualquer momento da sua
vida, mas são diferentes as lições que nos dá e diferentes
os sentimentos qu-e em nós desperta.
J,'; dai que o terço tira •a sua admirável riqueza e va-
lI'ledade. .Aa Ave-Marias são Iguais nas pa,!avras, mas
diferentes no s entido. A forma extericxr é a mesma, mas
o conteúdo va1ia. l!: por Isso que o terço é realmente parte
dwn rosário, 1.sto é duma coroa de rosas, rosas violetas de
dor, na Agonia, vermeJ.has de sang;ue na Flagelação, aom-
br.las de llul:,o no Ca.!Lvário, cor de rosa na Anunciação, ver-
des de esperanÇa na infância de Jesus, azuis cel-este na
subida para o Céu e ama.relas, bran<:as, castanhas, clnzen-
264 OU'I\ROS PEDIDOS OE N.• S .• DE FATIM!A

d-as primit ivas, ora com um sol tropical a darde-


jar nas pedras e nos corpos, ora sobre lamaçais
contínuos e com o látego implacável do vento e da
chuva, quanta penitência se não ifazia, na escalada
daquela montanha santa?
Depois vêm a falta de conforto, os apertões,
a sede, as noites passadas ao relento e todas as
demais resultantes d·a natuTeza e da grandeza da
multidão que poderão vir a ser dim.inuídas, mas
nunca, comp11etamente eliminadas. P orque F átima
terá de ser assim mesmo - uma mensagem e mais

tas nas demais etapes da vida de Cristo que os mistérios


põem diante d e nós.
E por causa desta va1iedade, que o t erço contem-
plado não cansa e produz efeitos tão salutares na saúde
fisica e psíquica de quem o reza.
1S·e m atenção aos mistérios, a r ecitação das Ave-.Ma-
rias ,torna-se necessàriamente monótona e diflcil. Mas
quando a saudação evangélica se enquadra no ambiente
próprio, •h á não só düerença de dezena para dezena, mas
até de Ave-Ma1ia, para Ave~arja.
Cada mistério é urna espécie de viagem ma-ravilhosa
à Terra Santa, a Nazaré, a Be.lém, a J·eI1USadém, viagem
que refresca, conforta, anima e nos introduz no ambiente
geográfico e espiritua.J do drama da Redenção.
Se mals razões não houvera, esta bastaria paira mos-
trar as vantagens do terÇO contemplado. Há mais porém.
Há a vontade expressa de Nossa Senhora de i<iátima. Ela
pediu o terça em todas as suas aparições. Pediu-o com in-
sistência e pediu que o vezá.ssemos bem.
Ora sem a m •editação ou a contempITação dos misté-
rios, não só se não reza lbem·, como nem há terço, de forma
nenhuma. Pode haiver wn conjunto de Ave-Marias, mais
ou menos fervorosas, mas !llão foi isso o qu,e a Mãe de
Deus pediu.
A CO!NVIDRSAO DA RúSSIA 265

do que uma mensagem, uma exigência de s-acr'i-


fício.
É o amor do bem-estar , o amor desenfreado do
pr azer que perde o homem dos nossos dias. A re-
denção que Fátima anuncia e ,p r.omete, tem por
força de ser um antídoto deste mal.
É por isso que tal como a reparação e a ora-
ção, -também a ideia da penitência invade e do-
mina todos os diálogos da Cova da Iria.
A primeira. mensagem de penitência, aparece
na Loca do Cabeço, ainda antes das visitas de
Nossa Senhora.
- Oferecei constantemente ao Mtíssimo, ora-
ções e s1acrifícios - diz o Anjo a.os pastorinhos.
- Como nos devemos sam·ificar? - pergunta
a mais velha das videntes.
E o Mensageiro Celeste resiponde, sem hesita-
ção, ampliando duma mane·i ra surpreendente, a
necessidade da peni·tência.
«De tudo o que puderdes, oferecei um sacrifí-
cio em a.cto de reparaçãO'... Sobretudo aceitai e
suporta,i o sorfrimento que o Senhor vos enviar».
Na última visita do Espírito Angélico, há um
convite •g enérico à penitência., naquelas palavras
que· acompanham a distribuição da Eucaristia:
- Reparai os seus crimes ( d.os homens ingra-
tos) e consolai o vosso Deus.
Não era preciso dizer qual a maneü,a da repa-
ração. E.Ja es:tava já bem express·a nas palavras
<la visita anterior. «De tudo o que pudercl'es, ofe-
1·ecei um sacrifício em a'Cto de reparação».
Como é ,fácil de compreender, N os-s a Senhora
foi muito mais explícita neste pormenor.
266 OUTROS Pi0DID0S D E N .• •S.• D:E F .ATiiM.A.

Ê logo n a primeü·a aparição que faz o convite


expresso à penitência:
«Quereis oferecer-vos a Deus para s uport ar
tidos os sofrimen tos que Ele quiser enviar-vos,
em a.cto de re,paração pelos pecados com que Ele
é ofendido e de súplica pela conver são dos pecad·o-
res ? ... Ides pois ter mui-to que sofrer ».
«Sacrificai-vos pelos pecadores» - insiste a
Mãe de Deus em Julho - e dizei muitas vezes,
em especi-a,l sempre que fizerdes alg um sacrifício :
«ó Jesus é por vosso amor, pela conver são dos pe-
cadores e em r epa1·ação pelos pecados cometidos
conti,a o Imaculad·o Coração de Maria».
E no mês seguinte, continua:
«Rezai, reza'.i muito e fazei sacrifícios pelos pe-
cadores, que vão muitas almas pa•r a o Inferno• por
não haver quem se sacrifique e peça por elas».
Foram tã o veementes e instantes apelos que
levaram os pastorin:hos àqueles sacriifícios herói-
coo que constelair am toda a sua vida. Era de tal
maneira evidente para eles, a exigência e a neces-
sidade do sacrifício, que chega1,am ao extremo de
usa:r o tormento da corda, durante a noite. Desse
santo e·x agero•, qs repreendeu meigaanente a Vir-
gem, na apariçao de Setembro.
- Deus está contente com os vossos sacrifí-
cios, mas não quer que durmais com a corda. Tra-
zei-a só durante o dia.
Na mensagem de Fátima, a penitência não
aparece a.penas como um acessório, nem me-smo
como urna sim'Ples sugestão, mas como uma ne-
cessid·ade imperiosa.
«É preciso que se emendem» -disse ,a Mãe de
A CONVERSÃO :DA ROSSIA 267

Deus na última <las apa•r ições. E sta é realmente a


penitência m a is necessária - a em enda de vida,
ou por ou tras palavras, o estado habitual de
gr aça. Em vão tentar á alg uém cumprir a mensa-
gem de Fátima, sem se dispor firmem ente, eficaz-
mente, à p ureza de con sciência.
An alisando bem a r evelação de F á,,tima, distin-
guimos d uas espécies de sacrifícios - os vo1luntá-
r ios e os faoul tativos.
« . .. Aceitai e supor tai -0 sofrimen to qu e o ~e,...
nho·1· v os envian·» - disse o Anj o.
«Quereis oferecer-vos a Deus para. supor t ar
todos os sofrimentos· que E le qiiise;r enviar-v os?»
per g untou N ossa Senhora.
Estes sacrifícios que .o Senhor envia, são os
sacrifíc ios necessários, os que estão inerentes à
nossa condição de v ida e ao nosso temper ament o,
os que procedem d a e>rpiação dos nossos pecados
e defeitos,, os que a Providência liberrimamente
nos quer en viar, como e quando lhe apraz.
Tudo isto está afinal incluído n o cu:nvprimento
dos de11H?n-e-s de estado que ailg•uns mov.i.mentos fati-
mistas ( 1 ) expressam ente inoluiram entre as obri-
gações dos se us fitliados.
O cumprimento cristão dos deveres de estado é
uma fó1'lTl.ufa s imples, mas dum alcance enornüs-
simo. Cabem n ela todos os p r eceitos do Decálogo,
todos os preceitos d a Igreja, t udo o que constitui
a santificação individual.
Se nós cumprís semos os nossos deveres, não
haveria contenclas, nem indisposições, nem ódios,

(1) Como por exem.plo o Exército Azul.

,,
268 OUIDROS PiEDIDOS tDE N .• S .• DE F AT:EMA

nem guerras. O mundo seria um paraíso - toda


a gente viveria em graça, porque todos obedece-
riam o 1.0 mandamento•- amar a Deus sobre
todas a,s coisas.
Se os deveres de estado· se não cumprem, é
unicamente porque contrariam as nossas paixões,
porque e>..igem mortificação e sacrifício. Ora esta
é a grande penitência que Fátima pede. Foi isto
mesmo, que Nosso Senhor expressamente 1·evelou
à J.rmã Lúcia em 1943, para que ninguém :f.icasse
com dúvidas sobre este tão importante ponto da
mensagem de Fátima.
·E is como a vidente transmitiu o conteúdo
dessa apa•r ição, numa carta de 20 de AbrH de
1943.

«E s ta é agora a p enitência que o Bom Deus


pede: O sacrificio que cada pessoa tem que s e
.impor a si mesma para levar uma vida de justiça,
na observância da Sua Lei; deseja que se faça
conhece r com oia,~za este caminho à.s aJmas,, pois
muitas, juilgando o sentido da palavra penitência
nas grandes austeridades, não sentindo forçrui,
nem g,enerosidade para eilas, de.$8JD.imam e descan-
sam numa vida de tibieza e pecado.
tDe 5.• para 6.• feira, estando na capela com
.Jicença das Madres Superio1res, às 12h da noite,
me dizia Nosso Senhor: O sacrificio de cada um
exige o cumprimento do, p1róprio d ever e a obser-
vância da M.i.nha 1Lei; é a penitência que agora
peço e exijo> (1 ) .

Os outros sacrifícios - os voluntários - dei-

(1) Cfr. Inácio UVI-~ rtins in Em Outubro Direi o Que


Quero pág. Zl .
... - u:-:=: i:H

A CONVIDRSAO DA ROSSIA 269

xou-os Nossa Senhora dependentes da generosi-


dade de cada um.
Quer dizer , em Fátima não há apenas um es-
quema rígido, h á também um apelo ,ao heroísmo,
aquele m esmo he r ofamo que •l evO'u os p ~storinhos
a atar uma corda à cinta, a passar fome e sede, a
comer bofotas, pinhões, raízes, amor-a s, cogumelos
e a passar horas esquecidas, de joelhos, a rezar
pelos pecadores.

O convite à penitência é uma das notas mais


curiosas e mais típicas, de Fátima. Parece brota1·
da própria exigência d-a mensagem, com a mesma
naturalidade e a, mesma clareza, com que de lá
brotaram o terço e -a oração.
Antes dos mam.rusÚitos, de Lúcia, não se conhe-
cia nenlruma pa:lavra de Nossa Senhora a pedir
sacrifícios. T.odas as declarações dos videntes nos
vários inquéritos, que a'Comp-anha.ram e seguiram
o período das aparições, omitem referências ex-
pressas à mortificação.
Expõe,..se -a necessidade de não ofender a Deus,
a necessidade da oração e particularmente do
terço para se obterem certas graças, entre as
quais, o fim da gue1,ra, mas nem uma pailaV!ra a
fãla,r expressamente da mortificação e da peni-
tência.
Apesar disso, a ,p enitência impôs-se por si
mesma, áo espírito de todos os verdadeiros pere-
grinos. Tal -como os viclen1tes1, também eles se não
contentaram com a penitência necessária, talvez
até, porque sentissem a verdade daque{e aforisma

/
270 01.J'TIROS P®DIDOS DE N.• S .• DE FATIMA

fi,ancês: «fail·e le devoir, c'est faire plus que le


devoir».
Datam da primeira hora, os cânticos, as pre-
ces, os slogc/1/'1,S em que Fátima aparece sintetizada
na oração e na pen itência, as caminhadas a pé, até
à Cova da fria, não só das terras vizinhas, m as
dos, confins de Port ugal e dos confins da Europa,
os jejuns, os cilícios, as voltas de joelhos à cape-
linha e à basílica e as demais mortificações que
todos os dias ou quase todo os dias, se vêem em
Fátima.
Destas mortificações espontâneas e indivi-
duais, justo é salientar os colectivas, como aquela
marcha sobre Fátima, verdadeira epopeia me-
dieva, mas nem por isso menos acbual que, em
Agosto de 1954, levou, de Lisboa à Cova da. Iria,
600 peregrinos em acto de des-a gravo e de súplica.
A esta primeira marcha, organizada pelo poeta
Miguel Trigueiros, pelo Engenhei'l',0 Pacheco de
Castro e pelas estudantes D. Maria P a ulo Cunha
e D. Ana de Mêndi-a, outras se têm seguido, oriun-
das tanto de Lisboa, como das restantes cidades
do país. O programa vai naturalmente mudando,
evoluindo, mas o que nunca ev.olui é o espírito de
penitência - espírito que afinal é anterfor a Fá-
tima e anterior ao Evangelho, pois remonta aos
primei-ros livros da Bíblia.
A penitência está presente em todas, ou quase
todas as peregrinações de Fátima, até mesmo
quando exteriormente nada a assinala. Algumas
conhecemos nós, organizadas em comboios e au-
tocarros, . sem nenhuma a,pairência de sacrifício,
.A CONVERSAO DA R-Oss,rA 271

mas com o voto fielmente cum prido do jejum a


pão e água.
Va,leria a pena condensar , num só v,olume, es-
tes tes temunhos colectivos, com toda a odisseia
de dores fís icas e morais que as enriquecem e su-
bHmam.
No ambien te modernis ta e paganizante do séc.
XX, em. que a preocupação máxima de uma boa
parte se concentra n a busca do prazer e do di-
nheiro, Fátima continua a sei·, hoje, como no prin-
cípio, um sinal de contradição a defender, a gri-
tar, a impor a necessidade da expiação, do sacri-
fício, da penitência.

CONCLUINDO:
Três são por tanto os pedidos expressos por
Nossa Senhora de F átima. V•amos expôJlos pela
ordem do seu valor :
1 - DEVOÇÃO AO CORAÇÃO DE MARIA
- concretizada, de maneira muito especial, na
comunhão reparadora dos primeiros sáibados;
2 - ORAÇÃO - especialmente ·a reza diária
d.o terço;
3 - PENI~N CIA- sobretudo, a necessária
ao cumprimento cristão dos deveres de estado.
Esite deve ser o p rograma de todos os que se
propõem cumprir a mensagem de Fátima. Estas,
as alíneas necess-álrias em todos os movimentos e
organizações q,ue se proponham difundir integral-
mente a revelação da Cova da Iria; este, o t.ema a
que fundamentalmente deveriam obedecer todas

.,,.
272 OUTROS PtEDiiiDOS DE N.• S .• DE FATiiMA

as pregações, conferências, livros, cursos, ou en-


saios de carácter fatimista..
É bem pouco afinal o que a Mãe de Deus pede.
Mas quem não vê o alcance enorme, incomen-
surável, <lestas três. exigências malternais ?
A demonstrá-lo, aí estão as maravilhas e as
graças que. Fátima promete, como recompensa.
O QUE . FALTA PARA A
CONVERSÃO DA RúSSIA
Para estimular o cumprimento da sua mensa-
gem, a Mãe de Deus deu-se ao cuidado de expor,
com toda a cHareza, as graças e as desgraças que
hã<Kle acompanhai·, r espectivamente a nossa boa,
CYU má correspondência aos seus maternais apelos.
O dilema- prémio, ou castigo - que, queira-
mos ou, n ão, somos for~ados a aceitar, mostra à
saciedade, que ninguém pode ,ficar indiferente pe-
rante a mensagem de Fátima. Ou a cumprimos e
recebemos o prémfo, ou a esquecemos e sofremos
o castigo. Não há meio termo.
Esta é uma particularidade de Fátima. Em
nenhuma outra aparição, aconteceu o mesmo. Em
muito poucas, terá acontecido algo de semelhante.
Fátima é rigorosamente um ultima/to.
Tanto os prémios como os castigos são de ca-
rácter privado e público.
Dos segundos, já muito se disse na imprensa.
Talvez se tenha até acentuado demasiadamente o
seu aspecto negativo. A nós, é o lado positivo que
mais interessa.
Veremos sumàriamente quais as graças que a
Mãe de Deus promete e as condições· que da nossa
parte exige.
276 A CONVERSAO DA R'úS&IA

No campo individual, a maior graça deixou-a


Nossa Senhora dependente da chamada devoçüo
d;os p1-irneiros sábados. A quem, nos primeir os sá-
bados de cinco meses seguidos, se confessar, co-
mungar, rezar um terço e meditar, durante 15
minutos n os mistérios do Rosário, em espírito de
r eparação ao Cor ação Imaculado, promete ela uma
assistência especial, à h ora da morte com todas
as gTaças necessárias à salvação - o que equivale
prà:ticarmente à graça da peni'tência fina l e po·r-
tanto, à graça da salvação eterna.
Na segunda aparição, a 13 de Junho, prometeu
a SS. Vir gem uma protecção muito especial, não
só da sua parte, mas também da par te de Deus, a
todos os que abraçarem a devoção ao Coração
Imaculado.
Da primeü·a vez que apareceu, sugeri u que o
terço era caminho para o Céu. A análise do texto
e do contexto em que a Virgem falou do Fran-
p cisco, leva-nos até a concluir que a lg umas almas
só se salva r ão, mediante a reza do terço. Isto foi,
pelo menos, o que aconteceu ao pastorinho de quem
a Mãe de Deus disse expressamente que tinha de
rezar as contas, para ir para o Céu.
Da segunda e da terceira, prometeu milagres
de ordem física a alguns doen tes, desde que se
convertessem.
Foi porém nas graças de ordem pública e so-
cial, que mais largamente se patenteou a genero-
sidade da Senhora de Fátima. Ent re estas, há
umas de ca·r ácter absoluto que devemos conside-
rar infalíveis e outras, de carácter condicionado.
Entre as últimas, estava a conversão da Rússia
A CONV.0RSAO DA R-OSSIA 277

(que já teria acontecido) e a ausência da II Gran-


de Guerr a. Estas graças não foram concedidas,
por ter faltado a cond ição imposta.
Outras graças do mesmo género, mas que te-
mos a inda possibilidade de assegurar, são o fim
das guerras, a paz, a conversão dos pecadores e
a sal'Vação d muritas almas, se rezarmos o terço
cliàriamente, ofer ece1mos sacrifícios (sobretudo
aqueles que Deus envia ) e abraçarmos a devoção
ao Coração Imaculado.
Há fina lmente as graças de carácerte absoluto
que a Mãe de Deus prometeu incondicionalmente,
embora em época indete,r minada. São elas o
triunfo do seu Imaculado Coração e a conversão
da Rússia.
Tudo parece indicar que se aproxima a hora
em que estas duas mara,vifüas acontecerão. É
claro que a segunda será uma consequência da
primeira. E studando esfa, vê-se claramente a
razão de ser daq'Uela.
Assim pr ofebizada, a conversão da Rússia que,
humanamente, nada ainda ,f az prever, assume as
proporções dum milagre espantoso, milagre que
, não só há-de confirma.r a verda,de e a importância
das aparições da Cova da Iria, como acelerar o
progresso e a vivência da sua mensagem.
A conversão da Rússia, é a grande novidade
de Fátima. E não há que negá-lo. Esta foi a ban-
deira, es,te, o cartaz que levou Fátima a todos os
cantos do Mundo.
Os problemas sociais e políticos de ordem re-
g,iona:l e mundial que, nas últimas décadas, a Rús-
sia tem levantado e multiplicado, de contínuo, vão,
278 A CONVERSAO DA R OS SIA

a pouco e pouco esgotando os últimos recursos do


Ocidente. Nem as convenções, nem a propaganda,
nem as armas se consider am já capazes de solu-
cionar o gr ande en igma que sur ge do Levan te.
'Iludo por ém é p r ovidencia,!.
Sobre as cinzas dos orgulhos abatidos, sobr e
os escombros das esper anças desfeitas, sobre os
fiascos de tantos esforços frustr ados, brilhará
com mais e melhor luminosidade, a ún ica e inde-
fedtíve'l esper an ça que Fátima nos tr ouxe.
Por uma associação de ideias, tem-se atribuíd o
também à mensagem de F átima, a derrota total
do comunismo. É eviden te que quan to m ais se
alarga o reino d e Deus, mais r ecua o de Sata~ás.
Indirectamente por tanto, Fátima contribuir á par a
o fiasco d as doutrinas m ar xistas.
Ainda que a Mãe de De us jamais houvesse fa-
lado ela Rússia, Fátima seria na mesma a conde-
nação da ideologia marxist a .
Infelizmen1te, o mundo ocidental n em sempre
compreendeu o que é o comunismo. Há até quem
considere de excessivo rigor, aquela pena de exco-
munhão que a Santa Sé cominou contra os filia-
dos do Partido Comunista. Outros admiram-se de
que a Igreja associe Fátima a esta doutrina, sendo
ela, como se diz, uma coisa de ordem meramente
social. E até se ouve ,p or vezes, entre católicos,
que se não fora a negação de Deus, seria o comu-
nismo o regime ideal.
Querer porém separar o ateísmo, da re.Jigião
marxista, é uma igen'U'idade tão grande, como ten-
tar a quadratura do círculo. A douitrina comunista
é puro materialismo dialético. Para est.e, a maté-
A CONVERSA.O DA RúSSIA 279

ria é e a r ealidade fundamental e única que existe


desd'e sempre, realidade infinita no espaço, no
t empo e em «profundidade», como d-i zia Lenine.
Isto é, não se podem encontrar os seus limites, nem
mesmo na análise profunda dos microcosmos e dos
infinitamen1te pequenos.
Por uma força inata, por um dinamismo pró-
prio que faz pa rte dela, a matéria a.g,ita--se, cami-
nha, avança, e sobe do inferior ao superior, do
simples ao composto, do primitivo ao actual. As
reacções físfoas dão lugar ao psiquismo animal
e este, à consciência humana.
Uma 'Vez no homem, a matéria não descansa.
A evolução cont inua. Aparece a competição entre
os produtos, a luita de classes e por fim a revolu-
ção que, para o comunista, tem um signifücado
perfetamente etimológico - volta ao princípio,
isto é, ao tempo em que não havia prop1,iedade,
nem classes, de qualquer espécie. Tudo o que há
no Mundo, se resume portanto na, matéria. Ela é
a única reallidade existente, o único fadtor que
explica não só a natureza do Mundo, como tam-
bém a sua história, o presente e o futuro.
Desta maneira, toda a ,i deia religios•a está
condenada a mor:r er. O comunismo teriia de se
negar a si mesmo, para admitir qualquer espécie
de religião. É por sso que os membros do Partido
são constantemente incitados à propaganda ateia,
mesmo depois de todos os pactos e acordos entre
o Governo e a Igreja OÍ-todoxa Russa.
Contudo, por mais paradoxa,! que pareça, sendo
o comunismo, ateísmo puro e constituindo uma au-
têntica e declarada anti-relig,ião, o certo é que

I
280 A OONV@RiSAU DA RúSSIA

acabou por c1iar uma Teligião nova, 'Uma religião.


orig1inaJ que é rum d ecalque pm·meno1·izad o, do cris-
tianismo.
Os p rincípios do matePialismo dialético leva-
ram logicamente à di vinização da matéria. Esta
tornou-se uma espécie de deus, à volta do ijual
g ira o• culto do «homo soviebicus ». Nesta rel igião,
também houlVe um pecado original, uma queda, no
início da humanidade. Não foi a desobediência de
Adão e Eva. Foi o aparecimento da propriedade
privada. E s,te, pecado, fülho primogénito do 01·gu-
ltho, adquiriu um ca1·ácter unilVer sal, m er cê sobre-
tudo d uma classe, a que se chamou ca:pitrulismo.
Hoove t ambém um cor deir o, inocente que foi e é
o proletar ,i ado. É dos sacrifícios deste, que nasce
a r edenção da Humanidade, através sobretudo da
Revolução. Há também uma revelação, à luz da
qual t udo se compreende e explica. Essa r evela-
ção é o chamado sentido da, histór·ia que, segundo
eles, se exprime por uma revolita positiva e per-
manen te contra Deus.
Este é o pensar e o sentir do comunismo ofi-
cial. Isto é o que se p rega e ensina na imprensa
do Partido e na cadeira de AterÍSmo Científico,
recentemente criada no Instituto de Filosofia da
Academia de Ciências de Moscovo.
Quando o Comiité Cen'tra:l do Partido publicou
aquele decreto de Novembro de 1954, a condenar
os erros da propaganda anti-religiiosa e as violên-
cias exercidas contra os sentimento dos fiéis,
muita gente se aJeg:rou, supondo ver nessa medi-
da, o primeiro passo no caminho da conversão.
Mas o fim era bem diferente. Tratava,.s não de
A CONVERSÃO DA R OSSIA 281

suprimir a propaganda anti-religiosa, mas apenas


de a intensif•icar, libertando-a de certos métoaos
antiquados e contr aproducentes. O citado decreto
dizia expr essamente : «a propaganda ateia faz
parle integran te da educação marxista».
De resLo, todos sabemos o que aconteceu
ao,s cristãos dos países dominados pela Rússia.
Vimos como a Polónia ;ficou sem padres e sem
imprensa, como a Ohina expulsou os missionários
e os catequistas, como a URSS proscreiveu tudo
o que era católico e a Hungria foi privada das
escolas, das instituições e das demais obras que a
Igreja fundara.
Nisto como em t udo, são os factos que têm a
palavra. Eis o drama das terras por onde o comu-
nismo passou:
Georgi,a,: de 15 bispos, restam apenas 6. Só já
há 100 paróquias;
Ar-méni,a,: nem um único bispo, nem um único
padre;
Albctni,a,: de 7 bispos, 6 .foram mortos e 1 está
na prisão;
Jugoslávia,: 384 padtres fuz.ilados e 200 na pri-
são ;
T checoslováquia,: 11 bis,pos mortos e 2.000 pa-
dres encarcerados;
Estóntia : de 13 padres, só restava um, em
1945;
Lituânia: foram deportados para a Sibéria,
300.000 cristãos. De 4 seminários maiores, foram
fechados três. Só metade das igrejas se mantêm
abertas ao culto;
282 A CONV:ERSAO DA ROSSIA

L etóni,a,: desconhece-se se ainda lá haverá al-


gum sacerdote;
Rú.ssia: todos os bispos foram deportados, ou
exi1ados;
Ucráni,a,: todos os bispos, mortos, ou enviados
para a Sibéria;
Polóni,a,: a ,p erseguição é menos violenta, m as
a Igreja continua entr avada;
Alemamha Oriental: faz-se boicotagem à Ac-
ção Católica e ao ministério, eclesiástico ;
BulgáJria: de 3 bispos, 1 foi -assassinado, outro
ex,i!ad'o e o úl tim o, condenado a trabalhos for çados;
Roméni,a,: todos- os bispos p,resos, deportados,
ou mortos ;
China: 6 bispos mortos na prisão e 77 expul-
sos;
Coa·ei,a, elo N 01·te: de 4 bispos, 2 foram m odos,
1 preso e o último, exilado (1).
Quer dizer, de Budapeste a Shangai e da Sibé-
ria ao Tonkin, há 80 milhões de perseguidos, 80
milhões de vítimas.

A Rádio Mosc<YVo, num esforço desesperado


para lançar novas colunas de fumo, afirma a pés
j,untos que tudo isto se deve à oposição que a Igre-
ja mostrou ao comunismo, que só os culpados é
que foram ex.pulsos e que da parte do Kremlin,
nada se opõe à tão falada e mail ograda coexistên-
cia com os católicos. Mas para que a ninguém fi-
quem. dúrvidas, aqui deixamos algumas transcri-
~

( 1) :Dados colhidos na Pavilhão da lg;reja do Sl.!lênclo


da Exposição Mlssloné.rla de I.Jurdes, Setembro de 19118.
A CONVERSAO DA RúSSIA 283
.•
ções, respigadas, a esmo, n os documentos oficiais ...
do mundo comunista:
«Corrigi r os erros da pr opaganda anti-reli-
giosa não deve significar o enfraquecimento na
propaganda do ateísmo cien tífico, parte inte-
gran te c1 a formação comunista dos trabalhadores
que tem por fi m a difusão das ciências materia-
listas nas massas e a <libertação, dos crentes da
..
!

influência dos preconceitos religiosos» (').


«A Mora,l par a nós - acrescenta Lenine -
está subordinada aos interesses da luta das clas-
ses».
«A destruição da religião, como falsidade do
povo - continua Marx - é uma ex igência da feli-
cidade real do porvo».
«A ditadura do Proletariado - prossegue Le-
nine - é a guerra mais h eroica e mais implacá-
vel da classe nova, contra um inimigo que ainda é
poderoso, é uma luta obs•t inada, com ou sem efu-
são de sangue, violenta ou pacífica, militar e ad-
ministrativa, contra as forças e as tradições da
antiga sociedade... a reli·g ião é o ópio do povo.
Esta frase de Marx constitui a pedra angular de
toda a concepção marxista em matéria de religião.
A nossa propaganda compreende necessàriamente
o ateísmo. Devemos combater a religião; este é o
ABC de todo o materialismo. . . e portanto do mar-
xismo. Toda a ideia religiosa é uma. abominação
incrível» .
«O amor cristão e a misericórdia - afirma
Lounatcha.lsky, são contrários aos nossos princí-

( 1) Kroutchev, Docwnento de 10-X-64.


284 A OONVERSAO DA RúSSIA

pios. O amor cris tão é um entrave ao desenvol,vi-


mento d a r evolução. Abaixo, o amor do próximo!
O que nós precisamos é de ódio. Nós devemos sa-
ber odiar».
«Não 1t r aba.Jhar ao domingo - diz um do-
cumento governamental da Checoslováquia- é
um crime contra a nação».

Se Fát ima é um testemunho do Céu, temos m o-


tivos de sobejo para afirmar que ela contr aria o
comunismo e o contraria naquilo que ele tem de
mais v ulnerável. A melhor r efutação deste não
está, por isso mesmo, na crítica dos seus métodos
e princípios, como tantos j ulgam. Isso é inú til. A
única refutação eficaz é a pr ova da existência do
Sobrenatural.
E tal foi o que F áitima fez, com aquela. viru-
lência inautida a que Claudel chamou «explosão».
A vitória de Fátima porém não imped irá que
o comunismo continue dalguma sorte, dentro, ou
fora da Rússia.. Nossa Senhora nunca falou cleile,
e nem implícita, n em exp1Hcitamente, anunciou o
seu desaparecimento da face da terra. Nem é isso
o que se entende por conversão da Rússia. Esta
significa pura e simplesmente o regresso ao cato-
licismo, do povo eslaVI()•, daquele po•v o generoso e
são que outrora constituiu a histórica «Santa
Rússia».
A «conversão» de que Nossa Senhora fallou,
não é somente o desmoronamento do materiaoJismo
ateu e o retorno às igrejas ortodoxas, como no
tempo do Czar. Ela vai mais longe e abrange tam-
A CONVERSAO DA Rú'SSIA 285

bém o ingresso da maioria do povo russo, na orto-



doxia católica.
Se a conversão da Rússia significasse apenas
o retorno às práticas religiosas de outro,r a, as pa-
lavra de No sa Senhora não tinham sentido. Com
efe ito, em Junho de 1917, a religiã o ortodoxa era
a inda a r elig ião oficial do país.
Após o golpe de estado de 2 de Março de 1917,
implantou-se o cham ado «Governo Provisório»
que favorece u bastante a causa da r eligião.
Anteriormente, as r elações entre o Governo
e a Igreja Católica, eram reguladas pelo «Código
dos Negócios par a as Confissões Heterodoxas»
que dizia assim no artigo 66: «a religião principal
e dominante do Governo Russo• é a ortodoxa,
cristã, oriental. Mas todos os súbditos do Estado
Russo, aqui residentes, gozam do livre exercício
da fé e do culto, segundo os seus ri tos» .
A•pesar desta d,isposição, a Igreja Católica não
usufruia de perfei ta liberdade. O Ministério dos
Negócios Estrangeiros tinha de ser informado de
,t odas as a~tividades e manifestações religiosas e
só através dele, podiam circular quaisquer cartas
ou documentos, entre oo russos e o Vaticano. Por
outro lado, nenhuma bula, instrução, ou pastoral
podia ser publicada, sem o «placet» de S·ua Majes-
tade. Além disso, a Igreja não possuía o direito
de exercer qualquer espécie de propaganda e ~ó
lhe era permitido ensinar o catecismo às crianças
católicas.
Durante o «Governo Provisório», a situação
melhorou consideràvelmente e os dignitários da ·
Igreja chegaram até a pedir a supressão de todas
286 A CONV,E R!SÃO DA RO'SSIA

as medidas que contrariavam a p r opaganda e as


demais actividades da s ua r elig ião.
Assim se mantive ram as coisas, até 23 de Ja-
neiro de 1918, data em que o Governo R evolucio-
nário p ubl,icou o decreto que sepa r ou definitiva-
mente a Igreja, do Estado. Seis m eses depois, Le-
nine tornaiva pública, a pr imeira cons tituição bol-
chevista que prodama,va, no airtigo 13 (int eres-
sa.nte a: coincidência dos números!) «liberdade de
propaganda retigiosa e anti-religios a para todos
os c idadãos soviéticos».
Resumindo, em 13 de Julho de 1917, dia da
promessa de Nossa Senhora, a Rússia continuava
oficialmente religiosa e, portanto, a sua profeti-
zada conversão só pode entender-se, no sentido do
retorno à fé católica. De resto, só esta é ver da-
deira conversão.
A promessa, d·e Noss•a Senhora de Fátima signi-
fica portanto que a Rússia se torna:r á católica.
Isto n ã o quer dizer que todos os· russos se conver-
tam, nem que o governo soviético se torne oficial-
mente católido.
Portug-a;l é uma nação católica e continuaria a
sê-fo ainda mesmo que 30 ou 40 por cento da sua
população se convertesse ao protestantismo. O
nosso governo não é oficialmente católico, embora
favoreça, ajude e preconize a religião tradicional
do país. Há mesmo nações católicas cujo governo,
por vezes, se mostrou contrário à ideia religiosa.
Recorde-se, por exemplo, o que aconteceu entre
nós, no princípio da República e na Argentina,
·no tempo do Peronismo, ou que há pouco se pas-
s·oo. na Bélgica.
A CONViE)RJSÃO DA RúSSIA 287

Quer isto dizei· que um povo pode considerar-


-se católico, somente pelo facto de a maioria da
sua gente professar o catolicismo. Este é o con-
ceito vulgar das palavras e este foi o sentido em
que a Mãe de Deus falou aos pastorinhos de Al-
justrel.
Uma coisa portanto é certa: a maioria do povo
russo converter-se-á ao catolicismo. Ora a Rússia
tem hoje cerca de 200 milhões de habitantes. A
sua conversão implica portanto um aumento de
100 milhões, pelo menos, no contingente dos cató-
licos. Mas podemos ir mais longe.
O comunismo domina actualmente uma terça
parte do Mundo. O número dos que direcia ou indi-
reotamente estão sob o jugo d'e Mo'Scovo, anda à
volta de 900 milhões. É muito possível que essa
massa imensa, um dia seduzida pelas promessas
comunistas, venha a encontrar o caaninho do re-
gresso, onde encontrou o do desvario.
É muito provável que, uma vez desfeito o mito
e destronado o ídolo, eles imitem o gesto d'a Rússia
e se convertam também. Isso si~ificaria cerca de
500 milhões de cató'licos, a mais.
Era a maior vitó1iia da Igreja!
Seria então uma no,v a boda na casa do Pai do
filho pródigo. Nós bendiríamos os cárceres, os
campos de concentração, as torturas, as &gemas
e todos os demais instrumentos desta ges•tação
imensa! Faríamos uma festa, a maior festa da His-
tória, porque não se tratava apenas do encontro
eh.una ovelha perdida, contra 99 que ficaram no
aprisco, mas sim de todo um rebanho novo que
entra~a no redil.
288 A CONVERSAO D A R ú.SS LA

A face do Mundo t r ansfonnar-se-ia. A liitera-


tura, os costumes, as escolas, t udo ser ia influen-
ciado. De for ma nenhuma, podiam deixar de se
ressent ir profun da me n te os arraiais .ortodoxos,
protestan tes e m uç,ulmanos. Seria wn n9ivo, Pen-
tecostes, m a is extenso ainda, do que o ' na n:ado
nos livros bíblicos.
Ninguém pode ai nda pr ever o que de belo e
grandioso então acon tecer á.
Mais porém do que as marav iThas que• nessa
hora hão-de ter lug ar , inter essa-nos, de momento,
ver em que p é se s itua a con ver são da Rússia e
qual a cooperação que a Mãe de De us esper a da
nossa parte, para a relização de t ão g r andioso
milagre.
QUE FALTA PARA A CONVERSÃO DA RÚSSIA?

Poderá a mensagem de Fátima res ponder a


esta pergunta?
Há quem pense que nã o. Há quem defenda que
Fát ima e a Rússia não têm ligação nenhuma entre
si e que, só ultimamen1te, a imaginação febril de
certos «Huminados» se lembrou de relacionar coi-
sas tão díspares e até opostas.
São desta op,inião, os comunistas russos (recor-
de-se a propósito a tese de Cheinmann, no livro «O
Vati·c ano Actual» publicado em 1956) (1) e certos

(1) iEis um . resumo do que o autor diz no ca.pftuio


<0 Fenómeno de Fátima>:
<0 Vaticano - afinna Cheinmann- or,ganiza mila-
gres em escala mundia.l. O mi!laigre de que actualmente faz
propaganda, oom participação do Papa Pio XII, é o deno-
minado <Milagre da Aparição da SanUssima Virgem de

J
A CONVERSÃO DA ROSSIA 289

cristãos que mais por ignorância do que por outro


mdtivo, vêem em Fátima um factor espiritual,
des pido de qualque1· influência de ordem pública,
tanto política, como social.
No extremo oposto, estão os velhos devotos de
Fátima- velhos porque desactuailizados - que
fazendo profissão de fé no poder sacramental das
palavras de Nossa Senhora, dispensam pura e sim-
puesmente, toda a colaboração humana. A Rússia,
dizem eles, converter-se-á, quer queiram quer não,
porque a Mãe de Deus assim o prometeu. Ainda
mesmo que não apresent em a questão com esta

Fátima>. S egue-~e a d escrição do lugar, das crianças e


do f enóm eso solar «como os jesultas o contaram>.
<A Vi rgem M aria t eria dito às crianças portuguesas
qu e desejava qu e o P a pa consagrasse ao seu Coração, o
mundo iatc rio, comp1,eendendo a Riússia. Além disso, afir-
mam os j esuítas, a Mãe de Deus dis~ que a Rússia se
devia converter ao catdlicismo e ,q ue se isso não acontecer
haverá guerras. Para que haja a paz é preciso que a
Rúss ia se converta. O carácter anti-soviético d-esta inven-
ção é e vidente, como é evidente o interesse que o Papa
tem mos trado em Jmpor o catolicismo ao nosso povo. O
clero católico não -esconde que o fim de toda esta vergo-
nhos a especulação é atear as hostilidades contra a URSS.
Pelo artigo sobre o MJiLAGRE DE FA'I1IiMA publicado em
Fevereiro de 5l. no jornal católico americano OA'IIHOLIC
tMIIND, tomámos conhecimento de como e quando os diri-
gentes do Vaticano ligaram a toda esta invenção da San-
tissima Virgem, um carácter anti-soviétioo. Parece que
no fim de 1942, quando a União Soviética se batia herói-
camente contra os invasores fascistas, sa•Lvarndo a Europa
e o mundo da ameaça da ser.vidão, o Vaticano a fim de
ajudar Hitler, pôs em circulação o conto do milagre de
Fátima. t: evidente que foi por ordem do Vaticano, talvez
a conselho dos amigos de Hitler ,e Mussolini em Portugal
10
290 A CONVERSÃO DA RO-SSTA

clareza, é fácil descobrir-'l hes o modo de pensar,


na indiferença com que ofüam as iniciativas, de
apostolado fatimista, na modorra com que reagem
aos pedidos que lhes são dirigidos e até no apreço
que mostram pelo que os outros fazem, em prol
da rev~lação da Cova da Iria.
Aqui, como aliás em tudo, é no meio termo que
está a verdade.
Antes porém de avançarmos, queremos ref.utar
as correntes opostas.
Negai· que Fá!tima tenha qualquer relação com
a Rússia, é negar todo o facto de Fátima. Enga-

que uma das três clianças a quem se diz que a Virgem


aJPareceu ,se lembrou, depois de vinte o cinco anos, do que
a Virg,em Maria lhe tinha dito em 1917: queria que a
Rússia se convertesse e então haverua paz. Se a Rússia
se não convertesse, espailhalia. o.s seus erJ·os p elo mund.:>
e havelia. g:uer.ras e perseg:ulções contra a Igreja. Na boca
dessa mu1her tornada criteriosa, à força de px·essão bem
.d etermlnada, a Virgem Maria falou a Hnguag,em das
torças reaccionálrias dos ,p ai.ses da Europa e da América
que procuravaan fazer frente comwn com a A:lcmanha
hitle1iana contra a UiRSS. Assim foi atrLbu!do ao milagre
de Fátima, carácter anti-soviético. Para excitaa· a hosti-
llda,de contra a URSS, o Vaticano utiliza ainda actual-
mente essa história.
<A Igreja Católica organiza peregrinações de massas
a Fátima, tornada uma segunda. Lurdes, o que traz à
Igreja e ao Vaticano imensos rendimentos>.
< •.•O icone da Virgem de Fáitima foi enviado pelo
Vaticano nwna tournée por diversos países com o fim
de propaganda. anti-soviética>.
As pa:la.vras, Santlssima Virgem, VlI"gem Ma:r:ia, Deus,
Igreja, etç., aparecem sempre com Jetra minúsclill.a no
llvro de Ohelnman.
Os leitores podem fazer .ideia da honestidade e do crl-
A OONV•E RSÃO DA RúSS'IA 291

nam-se quantos s upõem que a menção da Rússia


é episódica nas apa,r ições da Cova da Iria. Ela
p1-ecede, acompanha e segue todas as visitas da
Mãe de Deus aos pastorinhos de Aljustrel. Explí-
cita ou implicitamente, a Rússia estava presente
em F átima, n as aparições do Anjo - nos ritos da
comunhão, da prostração etc. - .nos fenómenos e
nos diá logos da Mãe de Deus e até nas comuni-
cações sobrena turais que Lúcia recebeu, depois de
1917, em P ontevedra e em Tuy. Isto é de tal ma-
neira t ranspar ente para quem conheça a história
e o con teúdo das aparições, que seria de igua:l
modo claro, ainda que Nossa Senhora nunca ho!\.1-
vesse pronunciado o nome daquele país.

t ério com que a h istória se estuda e escreve na Academia


de Ciências de iMOSCO,V O.
O acervo de asn eiras é taJ, que dispensa refutação
Nun·c a a m ensagem de Fátima teve ou poderá t er um
carác t er ,bélico ou politlco. Nuncá a mais pequena esmola
of-ereclda em honra de Aquela Senhora mais Brilhante
que o Sol foi desviada para o Va:ticano. Quis obter a cer-
teza sobre este iponto e fui jnterrogar pr-0,posltadamente
o R eitor do Santuário que era ao tempio o Sr. Cónego
Amilcar Fontes. <Nunca, resposdeu-me eJ.e, nunca esse
dinheiro foi para íRoma. Tem sido gasto B..!!l obras da espla-
nada, da colUData e da basf.lica. As esmolas não são tan-
tas como por vezes se julga. Dw·ante os meses d e inverno,
já mais duma vez fomos forçados a suspender os tra-
balhos por fallta de 1iecursos rfinancelnos>.
1:: olaro que o livro de Oheinmann escrito para com-
bater Fátima, n8Jda mais fará do que despertar nos russos
a curiosidade pela história da Cova da Iria. A Academia
de Ciêncla,s. d'e Moscovo ainda um dia há-de ver como
Deus escreve direito por linhas tortas. (Cfr. c!Mensa,gem'
de Fátima,>, pág. 1 e 3 n.• 5. A'bril e Maio de 1958).

/
292 A CONVERSÃO DA RúSSIA

Remetemos o leitor initeressado '!)ara o folheto


Rússia e Fáti'rna, de J. Mowa tt ( 1 ) onde se expõem
desenvolvidamente alguns aspectos desta tese.
Trairia o nosso pensamento quem concluisse
daqui, que a conve1·são d a Rússia é o fim, ou o
elemento principal das a.parições de Fát in1a. Não
nos interessa de momento, o lugar que este mila-
g r e ocupa n a r evelação da Cova da Iria. Essa é
uma outra questão que não tem nada que ver com
a presente.
A coniversão da Rússia entra na essência da
mensagem, mas não é toda a essência, nem sequer
a. S'tla parte m a is importante.
Apesar de aparentemente inofensiva, não é
menos perigosa a tese contrária e a ela se deve
mesmo imputar grande pa·rte do atraso em que
ainda actualmente se encontra o conhecimento de
Fátima.
Supor que Nossa Senhora fará t udo, indepen-
dentemente cio n osso concurso, pode ser um acto
de fé na Mediação Universal de Maria, mas é
também um grande erro na interpretação da men-
sagem de Fátima. Na verdade, a Mãe de Deus foi
bem explícita na m a ne ira como condicionou a sua
promessa. «-Se atenderem a meus pedidos, a Rús-
sia converter-se-á e terão paz».
E para que _não houvesse dúvidas de que a
graça referida dependia também de nós, quis taxa-
tivamente profetizar o que aconteceria, caso a
condição imposta nã,o fosse aceite.
A história das últimas décadas ilustra profu-

( 1) Edição do Exército Azu4 - Fátima, 1956.


A CONVERSAO DA ROSSIA 293

sarnente a verdade das palavras de Nossa Se-


nhora.
Se a conversão da Rússia dependesse só dela,
seriam não só ininteligíveis, como falsas, muitas
das afirmações de Nossa Senhora em 1917, 1925
e 1929.
Finalmente, se -0 mi'lagre nã:o fosse também
cois a nossa, quem poderia explicar toda essa odis-
seia de guenas, ódios e mortes que parece não
1Le1· fim, tanto dum, como doutro lado da Cortina

de Fen·o? P or que esperaria a Mãe de Deus para


por cobro às perseguições à lgrej a, aos desaca.itos
às imagens, às profanações dos templos, aos aten-
tados contra a dignidade da pessoa humana?
Se não somos chamados a colaborar com ela,
se o n osso contributo não é necessário, então pode-
ríamos concluir que foram inúteis e sem razão,
as aparições da Cova da Iria.
Na veTdade, seja qual for o ângulo, ou o pris-
ma, por que se olhem, el~ aparecem-nos sempre,
como um convite, um apelo, uma súplica que nos
é feita em ordem à colaboração directa com o Céu.

A refutação das teses expostas, já inclui a


prova de que a mensagem de Fátima tem uma
ligação intima com a Rússia e de que a conversão
desta. depende, em grande parte, de nós mesmos.
Do que acima ficou exposto, poder-se-ia con-
clu.i r também que o fim do comunismo russo não
pode de forma alguma ser efeito das armas, nem
de qualquer outra expressão de força, simples-
mente humana. Nossa Senhora apresentou a sua
294 A CONViERSAO DA R-OSSIA

mensagem não apenas como um antídoto, mas


como o único antídoto do tri unfo marxis ta.
Nada repugnava que houvesse outros meios d<.>-
combater o comunismo e converter a Rússia. Não
esqu eçamos porém que é Deus e não nós quem
tn:a_ça o destino das coisas, do indivíduos e ·das
nações.
Ora n os planos da Providência, a mensagem
de Fátima apar ece como o único meio de vencer
a heresia vermelha. Isto é o que ensinam as pala-
vras de Nossa Senhora, interpretadas no seu sen-
tido literail. O dilema é claríssimo: ou o mundo
atende os seus pedidos, e a Rússia se converte, ou
não os atende e então a Rússia 11ão só continuará
comunista, como tentará domin ar o mundo, espa-
lhando os seus erros, guerras e perseguições aos
bons e à Igreja.
O que se tem passado nas últimas décadas, dis-
pensa-nos de fazer um acto de fé nas palavras
de Nossa Senhora. Está bem patente aos olhos de
todos, este quadro de proporções aterradoras: dum
lado, esforços hercúleos de indivíduos e nações,
para. deter o avanço do inimigo; do outro, o fiasco
total do Ocidente e o triunfo sempre constante da
UR-SS.
Por vezes, -o evolucionar dos acontecimentos
ohegou a pei"IllÍll;ir uma réstea de esperança, mas
logo a cruel realidade se impôs, aos olhos de to-
dos. A guerra contra o comunismo terá quando
muito impedido um, ou outro progresso parcial
e momentâneo, mas jamais o fez retroceder.
Até quando continuará este pesadelo a ensom-
brar a visão do futuro?
A CONVERSAO DA RúSSIA 295

Só Fátima pode responder.


Só ela s ab e, dizer quanto farJta para a tão sus-
pirada conve rsão da Rússia.
A Senhor a deixou o milagre dependente dares-
posta aos seus pedidos «Se a tenderem a meus pe-
didos .. . » É p recisamen te nest ~s termos que os
manuscritos de Lúcia referem as pa,lavras da Mãe
de De us.
De que pedidos se Lrata, por ém ? O contexto
é claríssimo. «V irei pedir a consagr ação da Rús-
sia e a comunhão reparador a nos P'rimeiros sá-
bados». 1
Parece impossível que um «milagre» tão
grande dependa apenas disto. Contudo, está em
jogo, a paJa vra da Mãe de Deus. F oi ela quem
disse : «se a tenderem os m eus pedidos, a Rússia
converte r-se-á . . . » Negando esta profecia, tería-
mos de reduzir às proporções dum mi,to, toda a
hist61·ia de Fátima.
Se a conversão predit a não teve ainda lugar,
não foi porque a Mãe de Deus faltasse à sua pro-
messa. Nós é que faltámos à condição por ela im-
posta. Nós é que esquecemos ambos, ou algum dos
seus pedidos.
Examinemos de per si, cada um deles; nesse
exame, está a resposta à pergunta aoima for-
mulada.

A CONSAGRAÇÃO DA RÚSSIA

Pio XII c<msagrO'U o mundo ao Coração


Imaculado de Maria, na radi~mensagem, diri-
296 A C ONVERSÃO DA RúSS IA

g ida a Por tuga l, em 31 de Out ubro ele 1942 ( ' ).


E sta consagr ação, fo i deuois repetida, com t oda
a solenid ade, na, Basílica de S. Pedro, em 8 de
Dezembro do mesmo a no. Que o San to Padre fez
isto por inspiração de F átir~-ia, decla r ou--o ele
m esmo, ao P. Gabriel M. Roschin i (').
T er á essa consagr ação s atisfeito o pedid o de
Nossa Senhora, r elativo à con sagração, ela Rússia?
H á várias opiniões. Os que dizem q ue não,
apon tam dois defeitos naquele acto do S umo Pon-
tífice. O pr ime iro seria o facto de o object o da
r eferida consagração ser o Mundo todo e não ape-
nas a Rússia. O segundo, o fa cto de ela não ter

(1) E ssa consagraçã o f oi f eita em português . E ls o


t ex to que o S anto P adre usou :
«'Rai n ha do Sant!ssim o R osár io, a uxílio dos Cristãos,
R efúgio do g é nero humano, Ve ncedora de todas a s g ran -
des 1ba talhas de D eus, a o Vosso ti-on o, súplices nos p ros-
t ramos , seguros d e cons eguir m iser.icórdia e de encontrar
graça ,e a uxilio oportuno n a s prese n t es caJlanúdades, não
pelos nossos m é ritos, que n ão presumimos , m as unica-
m ente p ela imensa bonda de do Vosso Co raçã·o mat erno.
A Vós ao Vos-so Imacula do coração, N ós, como Pai comum
da grande fam!,lla cristã, c omo v .igárJo de Aquele a guiem
f oi dado todo o pode r no Céu e n a T erra, e de quem
r ecebemos a solicitud a de quantas almas r emidas com o
Seu San•g ue povoam o mundo universo; a Vós, ao Vosso
Coração Imaculado, nesta hor a trágica da his tória hu-
mana , confla:rnos, entregamos , consa g ramos, n ão só _ a
Santa Igreja, corpo místico do Vosso Jesus , que pena e ,
( 2 ) Cfr. La Madonna secondo la Fede e la Teologia,
trad. espanhola, !Madrid, 1955, II vol., pág. 748.
A CONVIDRSAO DA RúSSIA 297

sido fe ita s imultâneamente por todos os bispos do


mundo inteiro.
Examinemos de per si, cada uma destas objec-
çõe .

a) O OBJECTO DA CON-
SAGRAÇÃO DA R.úSSIA

N o text.o que Pio XII le u em 31 de Outubro


e 8 ele Dezembro de 1942, fa.Ja-se expressamente
em consagrar, não apenas a Santa Igreja, mas «o
Mundo inteiro, dilacerado por cruciais discórdias,
abrasado em incêndios d e ódio, -vítima das suas
própri as iniquidades».
É claro que neste Mundo, está incluída a Rús-
sia. O mais contem ,o menos. Se o Mundo inteiro
foi consagrado, consagrada ficou a Rússia, a Po-

s angra em tantas par.tes, po1· tamtos nl!odos atribulada,


mas ta mbém toclo O n1Undo dilacerado por cruciais dis-
córdias, abrasa do em incêndios de ódio, vitima de suas
próprias iniquidades. Comovam-Vos tantas ruinas mate-
riais e m'o rais, tantas dores, tantas agonias dos pais, das
mães, dos es posos, dos irmãos, das criancinhas inocentes,
tantas vidas ceifadas em flor, tantos corpos despedaçados
numa hori-enda carnüicina, tantas a!lmas torturadas e ago-
nizantes, tantas em perigo de se perderem eternamente.
Vós Mãe de Misericórdia, impetrai-nos de Deus a paz
e primeiro as graças que podem num momento con,v,erte1·
os maus corações, as graças que preparam, conciliam,
asseguram a paz! Rainha da Paz, rogai por nós e dai ao
mundo em gue1,ra a paz por que os povos suspiram, a
paz na v erdade, na justiça, na caridade de Cristo! Dai-'1-he
a paz das armas e das almas• para que, na tranqufüdade
da ordem, se di'late o Reino de Deus.
Estendei a Vossa prote·cçii:o aos infiéis e a quantos
208 A CONVERSÃO DA RúSSIA

lónia, a Hungria, a Itália, a Espanha, a China e


todas as demais nações.
A primeira objecção não tem portanto r azão
de ser . Para dar mais realce à presença da Rússia,
o texto oficial faz uma referência expr essa «aos
povos pelo erro ou pela d iscórd<ia epar ados, no-
meadaimen te aqueles que Voo professam singular
devoção, onde não havia casa que não ostentasse
a Vossa vener anda ícone, hoje talvez escondida e
reservada para melhores d ias ... »
Além de se referirem à Rú ia estas pala vras
evocam um dos seus mais antigos e peculiares cos-
tumes - o culto das ícones que Lodas as famí lias
guardavam e veneravam na sala principal ela casa.
Nenhum outro país foi tão particularmente lem-
brado como este.
Dez anos depois, em 1952, P io XII fez ele novo
a consag:r ação da Rússia., m as du m modo a inda

jazem ainda nas s om bras da morte; dai-lhes a pa z e fazei


que. lhes ra ie o sol da verdade e possam connosco diant e
do únieo Sallvador .cio mundo repet ir: Glória a D eus nas
a lturas e paz aos homens de boa vontade !
Aos p ovos pelo erro e pela d iscórd ia sepa ra.dos, no-
m eadamente aqueles que vos professam singular devoçã o,
onde n ã o havia casa que não osten tasse a Vossa vene randa
!cone, h'o je t alv ez escondida e reservada para melhores
dias, dal-'lhes a pa z e reconduzi-os ao único redil de
C risto, sob o único e ve rdadeiro P astor. Obtende a paz e
liberdade comple ta para a ligreja Sa nta de D eus . Sustai
o dilúvio Inundante d e noo"i)ag anlsmo, todo matéria, e
fomentru nos fiéls o amor da pureza, a prática da vida
cristã e do zelo apostólico paira que o pov0 dos que s e rvem
a Deus awnoente em mérito e em número .
Enfim, como ao Coração de V<>sso Jesus foram con-
A CONVERSAO DA ROSSIA 299
.•
mais explícito. Aproveitando a festta dos Santos
Cirilo e Metódio, o Sumo Pontírfice dirigiu aos
povos es,l a os, a carta apostólica «Sacro• Vergente
Anno ».
Foi no J im desse documento, que o Papa fez a
referida consagração. Eis os te rmos em que se
eX'J)rimiu:
«Que a Mãe Santíssima se digne olhar com
bondade e misericórdia aqueles mesmos que orga-
zam as forças militantes do ateísmo. Que Ela se
digne iluminar os seus espíritos, com a luz celeste
e orientar os seus corações com a graça divina, em
ordem à salvação.
E nós, para que as nossas e as vossas fervo-
r osa~ pr eces sejam ouvidas e para vos darmos um
testemu nho especial da Nossa Benevolência, o<n1r
scigrci1nos e d edicamos hoie, duma; tnuuneira muito
espec-ial, t odos os vorvos da Rússia, ao Coração ,..
Imaculado da Mãe de DeJWS, com firme esperança
de que bem depressa se realizem, graças ao patro-
cín io poderosíssimo da Virgem Maria, os votos

sagrados a Igreja e todo o género humano para que, colo-


cando nele todas as suas esperanças, lhes fosse s inal e
penhor de vitória e salvação, assim desde hoje Vos sejam
p:?rpêtuamente consagrados, também a Vós e ao VosEo
Coração Imacu lado, ó Mãe Nossa e Rainha do Mundo,
para que o Vosso amor e patrocin1o apr essem o triunfo do
R eino de D eu s, e todas as/ g erações humanas, pacifica das
entre si e com Deus, a Vós proclamem B em-aventurada e
convosco entoem de wn polo ao outro da terra, o eterno
Magn11lc.-it de glória, amor, reconhecimento ao Coraç.ão
do Jesus, onde só podem encontrar a Verdade, a Vida e
a Paz>. (Cfr. P. Joá.o de Marchl in Era Uma Senhora
mais brilhante que o Sol», 3.• edição, pág. 298499) .
300 A CONVERSAO DA R ú SSIA
' :···., ~:~ Jl
que formulamos pelo adven to da verdadeira
paz» ( 1 ) .
Se algumas dúvidas h a, ia, acer ca. do objecto
da consagração, elas fi caram agor a comple tamen1te
desfeitas.
A Rússia fo i expressa e especialmente consa-
grada ao Coração Imaculado de Maria. Passemos
portanto ao exame da. segunda objecção.

b) EM UNIAO COM TODOS


OS BISPOS DO !MiUNDO

Tem-se perguntado vá rias vezes, se foi Nossa


Senhora, que expressamen te exigiu a união de to-
dos os bispos no acto da consagração, ou se este
pormenor é apenas uma interpretação da Irmã
Lúcia. Só quem desconheça os depoimentos da úJ:.
tirna das videntes, pode ignorar
I
a r es~)osta a. esta
pergunta. A Mãe de Deus teria. sido incompleta
se, quando pediu a. consagração, não tivesse, tam-
bém exposto, todas as condições necessárias à sua
validade. Ora. quais foram as suas palavras?
A Irmã Lúcia cita-as numa ca.rta que dirigiu
a Pi-o XII em 1940. Depois de contar a visão de
tnaravilha que os seus olhos contemplaram, na-
quela noite de 5.~ para 6. feira, no mês de Junho
0

de 1929, Nossa Senhora disse-lhe:


«É chegado o momento em que Deus pede para
o Santo Pad.r e fazer em 'União com todos os bispos

( 1) Ofr. A:bbé R. Payriere in Fatima Signe du Ciel,


Clermont-Fernand, ,pág. 62.

,.
A CONVERSÃO DA RúSSIA 301

do mundo, a consagração da Rússia, ao meu Ima-


culado Coração .. . » ( 1 )
Não foi portanto a hmã Lúcia, mas a própria
Mãe de Deus que fa lou na uniã-o de todos os bispos
com. 'º Santo Padre, no m omento da consa·g ração _
da Rússia.
Ora as lrês consagrações a que atrás a,l udimos
foram fe itas unicamente pelo Sumo Pontífice. Pa-
rece portanto - dizem a,lguns - que ainda não
..
estará sabisfei'to o pedido de Nossa Senhora. A
co11clusão é precipitada. Antes de mais seria pre-
ciso saber, se a união oficial e sensível de tõdos
os bispos do Mundo, com o Santo Padre, no acto
da consagi·ação, será -ou não um elemento essen-
cial do pedido e consequentemente, d-a promessa da
Vit·gem. É mui to natural que o não seja, não só
porque o Chefe da Cristandade tem poder bas-
tante para fazer só por si, uma consagração vá-

(,) iDa ci tacla carta que tem a data de 2 de Dezem-


bro de 1940 só se tornou púb-llco, até agora, o seguinte
trecho:
Tuy, 2-XII-40
...... .................................
<Venho Santissimo Padre, renovar um pedido que foi
jã levado várias vezes junto de Vossa Santidade. O pedido,
Santissimo Padre, é de NoSEo Senhor e da nossa boa Mãe
do Céu.
Em 1917 na parte das aparições que temos designado
o seg.redo, a Santissima Virgem revelou o fim da guerra
que -então ~ligia a Europa e anunciou outra futura di-
zendo que para a impedir, vi'l"ia pedir a consagração da
Rússia a seu ImacUJ!ado Coração e a comunhão reparadora
, nos primeiros sálbados, prometendo, se atendesse:rn os seus
pedidos a coniversão dessa nação e a p.az ... Até 1926 ficou
302 A CONVERSAO DA RúSSIA.

lida da Rússia e do· Mundo, como ainda porque os


bispos da Igreja Católka estão sempre, virtual-
mente, unidos ao P apa.
Esta ques't.-"io contudo é puramente teórfoa e
n ão tem importância nenhuma, porque a consa-
gração do Mundo e consequentemente a consagra-
çã:o d a Rússia n ão foi fe ita apenas aquelas três
vezes; tem sido fe ita. todos os anos, desde 1954,
na festa da Realeza Universa,l de Maria, pelo Papa
e por ,t odos os bispos do Mundo inteiro, em união
com ele.
Com efeito, em 1954, ao instituir a festa da
Rainha do Mundo, Pio XII ordenou que nesse dia
se renovasse todos os anos, e em todo o Mundo
católico, a dita consagr ação. Se examinarmos o
documento papa•! (Eneí'olica «Ad Coeli Reginam»)
veremos que não se t ra ta apen as dum conselho,

isto cm silêncio segundo a ordem expressa de Nossa Se-


nhora.
Lúcia conta enn segilida ·a aparição de 1926 e
vrossegue:
«Em 1929 Nossa S enhora por melo de outra aiparição,
pediu a consagração da Rússia ao seu Coração Imaculado,
prometendo por este meio impedir a propagação de seus
erros e a sua conversão .
. . .De repent-e iluminou-se toda a capela com uma
luz sobrenatural e sobre o altar apareceu uma cruz de
luz que chegava até ao tecto. Em uma luz Illalis clara
vta-se na parte superior ela cruz uma face 'de homem
com o corpo a.té à cin~ura (Pai) sobre o peito uma pomba
-t ambém de luz (Espirito Santo) e pregado na cruz o
corpo de outro homem (Filho) . .
Um pouco abaixo ela cinta, .suspenso no ar, via,-se
um cáillx e uma hóstia grande sobre a qual caiam algumas
A CONVERSAO DA RúSSlA 303
E .•
duma sugestão, ou d um pedido. TiraJta-se duma
E
ordem. E <is como Pio XII se exprimiu: 'I
. I
« .. . com a Nossa Autoridade Apostólica, decre-
tamos e ins t i't uimos a festa de Nossa Senhora
Rainha que se celebrar á todos os anos no dia 31
de Maio. ORDENAMOS ig,ua,Imenite que nesse dia,
se r enove a consagração do género humano ao Co-
r ação Imaculado da Bem-aiventu-rad-a Virgem Ma-
ria» .
Trata-se, como é óbvio, da consagração do
Mundo, da consagTação para. a qiual o próprio
Sumo P ontífüce compusera o texto oficial. . .,
O sen tido da palavr a «ORDENAMOS» é tanto
mais de saHenta•r quanto é certo ser pi-àticamente
alheio a:os documentos pon tifícios. As mais das

gotas de sangue que co1Tirun <pelas faces do Crucificado e


duma ferida no peito. Escorrendo p ela hóstia, essas gota.9
caiam dentro do cálix. Sob o braço direito da cruz, estava
Nossa Senhora ( ...<Era Nossa Senhora de Fátima com o
seu Imacula do Coração ... na mão esquerda .. . sem espa da
nem rosas, mas com wna coroa de espinhos e chamas .. . )
com o seu Imaculado Coração na, Mão ...
Sob o braÇo esquerdo (da cruz) umas letras grandes,
como se fossem de água crista,llna, que comesse para cima
do aJ!tar, formavam estas palavras: ~GRAÇA E MISE-
RlCôRDIA>.
Compreendi que me era mostrado o mistério da San-
tissbna T,rindade e rece,bi luzes sobre este mistério que
me não é permitido revelar.
Depois disse-me:
- :li: chegado o momento em que Deus pede para o
Santo Padre fazer em união com todos os bl.spos do mundo
a consagração da Rússia ao meu Coração, prometendo
salivá-a por eslte meiô . . .
Allg:um tempo depois dei conta ao confessor do pedido
304 A CONVERSÃO ,DA ROSSTA

vezes, o Papa diz a.penas: desejarnos, aconselha,-


m.os, exortarnos. Atenta porém a g r avidade da
hora e a m ·gência com que a Mãe de De us falot1,
não podia Pio XII exprimir-se doutra maneira.
P ara justificar a veemência daquele «o,rclena-
mos», acrescentou o P.apa, as segu intes ,p alavras:
« É nessa. consagração que r epousa a grande
esperança de ver surgir uma era de ,fe!ticidacle em
que a paz reine e a Religião triunfe».
Este foi o objectivo que a Visão de Fáitima
apontou em 1917, quando disse : «po1.· fim o meu
Imaoulado Coração triunfará, a Rússia converter-
-se-á e será concedido ao mundo, algum tempo de
paz».
UMA NOVA CONSAGRAÇÃO DA R0SSIA

últimamente tem-se fa·laclo muito numa, espé-


cie de repetição da consagração da Rússi•a, feita
ao mesmo tempo, pelo Papa de Roma e por todos

de Nossa Se nlhora; sua Reverência empregou alguns meios


para que se realizasse, fazendo-o chegar ao conhecimento
d Sua Santidade Piio XI.
Em várias comunicações intimas Nosso Senhor não
tem deixado de insistir neste pedido, prometendo ultima-
mente, se Vossa Santidade se digna fazer a consagração
do Mundo ao Imaculado Coração de Ma1ia, com menção
especial P'ela Rússia e ordenar que em união com Vossa
Santidade e ao mesmo tempo a façam tam:bém todos os
bispos do mundo, abreviar os dias de tribulação com que
t-em determinado punir as nações de seus crimes por rnei0
da guerra, da fo1ne e da perseguição à Lgreja e a Vossa
Santidade.
Para o• fim da, cwrta:
Sant1ssimo Padre, se é que na união da minha alma
A CONV®RSA0 DA RúSSI.A. 305

os bispos, nas s uas respeotivas, catedrais e, há


ainda, quem acrescente, por todos os párocos, nas
suas igrejas.
De certo, que se,r ia uma manifestaçã,o esp1en-
dorosa, magnífica da unive,r salidade, da vüali-
clade e da pujança da Igreja e também da impor-
tância das aparições de Fá,tima e da grandeza e
das glórias de Maria. ~ justo trabailhar com entu-
siasmo paira tal rim, começando pela consagração
dos indivíduos e depois das famíl,ias, das paró-
quias, das dioceses e das nações. Se essa consag:ra-
ção for bem prepairada e bem compreendida, será
mesmo uma maneira óptima de 'levar o povo, a
vi,ver a mensagem de Nossa Senhora que, como se
sabe, consis te acima de itudo, na isenção do pe-
cado. Ora a consagração só é possível, só tem
validade, para quem queira ViÍver habitualmente
na graça ele Deus.
O que não nos parece certo, porém, é dizer-se
que a Rússia se não converteu ainda,, por fa'1tar a

com D eus não sou enganada, Nosso Senhor promete em ;I


atenção à consagração que os Ex.mos e Rev .mos Rrelados
•P or,tugueses fizeram da Nação, ao Imaculado Coração de
Mar!.a uma protecção esp eciaO à nossa Pátrla dw·ante esta
guerra e que esta protecção será p'lX>Va dBs graças que
concederia à!, outras nações se como ela lhe tivessem
sido consagradas>
Parece-me, Santissimo Padre, que não sou enganada
pois que D eus se faz sentir tão realmente na minha alma
qu,e me é impossivel duvldan. (Cfr. Luis Gonzaga da Fon-
seca ln Fátima e a Critica, Brotérla, 1951, pág. 630 e 531
e ,Fernando L eite in Jacinta•, Braga, 1958, páigs. 158 e 159
e Dr. Gallamba de Oliveira in Fátima Altar do Mun<lo,
Aparições de Fátima, pág. 153.
20
306 A CO NVERSÃO D A ROSSIA

dit a consagração, como também se não poderá


a,f irm ar que a Rússia se converterá, logo que a
di'ta consagração se ef ectue.
Se não é a consagr ação que falta, pois já está
feita e todos os anos é r epetida pelo Papa e pelos
bispos d o mund o in teir o (nada in ter essa que haja
uma,, ou out ra excepção) se portanto está satis-
feito o primeiro pedido da Virgem, é legítimo con-
cluir que, actualmen te, t udo depende do segundo,
ou seja, da comunhão r epar adora.
É grande a confusão acer ca deste apelo e mui-
tos são os livros, t anto nacion a is como estran-
geiros que o têm deturpad o. Import a por isso, sa-
ber concret amen te, o que a Mãe de De us pediu e
qual a resposta que até agor a o Mund o lhe deu.
O que Nossa Senhora exigiu par a converter a
Rúss ia e nos poupar aos e as tigos preditos, foi como
vimos atrás, a s imples comunhão e ucarística, de-
vidamente recebida e oferecida e m espírito, de re-
paração - comunhão est a que deverá ser feita,
não apenas nadguns, mas em todos os primefros
sábados.
Que o mundo ainda nã o sabisfez este pedido
da Mãe de Deus, conclui-se a priori, do facto de
se não 1terem a~nda realizado as promessas que
dcle dependem e, mais C'laramente, do número de
comunhões distribuídas, nas nossas igrejas, no
primeiro sábado de cada mês.
A resposta que este aipelo de Nossa Senhora
tem merecido aos homens, varia evidentemente
de diocese para diocese e de terra par-a terra, de
acordo com o zelo do clero e dos demais apóstolos
de Fátima e sobretudo com a doutrinação que se

/
A CONVERSÃO DA ROSSIA 307

tem feito, sobre a mensagem da Cova da Iria. A


quase m e io século de distância das aparições, há
ainda paróquias no nosso pais, onde não só nin-
guém sabe ao certo o que Nossa Senhora pedíu,
para convei·ter a Rússi·a, como até se ignora que
ela tenha pedido alguma coisa, com tamanha ur-
gência.
AdnciLamos que toda as comunhões dos pri-
me iros sábados são feitas em obediência à men-
s agem de Fátima (o que é falso). Teríamos na
maior parte das paróquias do país, uma percenta-
gem inferior a 3% dos fiéis, a satisfazer os pedi-
dos de Nossa Senhora.
Já não falamos do es't rangeiro, onde um cál-
culo deste género é particularmente difícil, não
só por falta de estatísticas, como alinda porque, se
nalguns países há um conhecimento bastante
exacto da mens agem de Fátima, noutros, grassa
uma ignorância quase completa, até acerca da
próp1·ia existência das apa,r ições.
Porque será afina•!, que o nosso povo cuja de-
voção foi sempre tão a,r reigadamente eucarística
e mariana, não se dispôs ainda a atender o pedido
da comunhão r eparadora? P01: desprezo? Porr in-
cúria? Por fal ta de fé? Por maldade?
De forma nenhuma. A única razão é a. igno-
rância. Muiitos, mu'itíssimos são os que ignoram
não só o conteúd'O do pedido, como a sua própria
existêncià. O que falta portanto é o estudo e a
difusão da mensagem de Nossa Senhora, uma e
outra cois·a, organiza<las oficialmente, para se lhes
garanti!· a eficácia e a ortodoxia.
Esta é a grande falta. O que já se fez pode ser
308 A CON•V ERSAO DA RúSSIA

muito, pode ser óptimo, pode ser dig110 de todos


os elogios, mas não chega. É preoiso mais e me-
lhor. Fátima tem eX'igências que ainda não foram
satisfeitas.
Quando se fala deste assunto, quase sempre se
desce à crítica fáci1l, mordaz e por vezes escanda-
io,sa dos ohamados erros, ou faltas do passado e
da suposta má intenção de quem os apQll1ta. Será
muito mais nobre e muito ma,is inteligente, deixar
as d'ÍScussões inúteis sobre a culpabilidade de A,
B, ou C, e, aceitando a verd ade, a nosso, ver incon-
oussa, do muito que há a fazer, meter ombros à
empresa de congraçar, estimular e unir todos os
contributos dispersos que o Mundo tem oferecido
e por certo continuará a ofereoer, ao serviço da
mensagem de Fátima.
Nada disto porém será viável, se pa1,tirmos
do falso suposto de que já tudo está feito.
É por isso que, sinceramente, reputamos insen-
sa.tos, ou filhos duma cegueira doentia., oertos
dith-ambos que por vezes se estampam na im-
prensa, como este por exemplo:
«A História de Fátima constitui já um voliume
imponente. É árvOTe frondosa, nascida do grão
de mostarda que a todo o Orbe estende já os seus
ramos, carregados de frutos » ( 1 ) .

( 1) Cfr. P. L . in Fáthna Semente de Vida e Pomo do


Diabo-ln <A VOZ> de 24 de Nov. de 1957. Diga-.se, de
pa.s.sa,gern, que bastaria um ipouco de bom sen.so para pou-
par a Fátima, a vergoD!ha e o escândailo daquele subtitudo,
pomo do diabo que em toda a parte causou indignação ..
Porque é que Fátima há-de ser pomo do dl.aoo'l Como se
~compreende que alguém que estã, ou trabalha ao se!Wiço

f
A CONV®RSA0 DA R0SSM 309

Frases como esta são apenas bailões de sabão


que nem h om·am F á,tima, nem a inteligência, nem
a honesbidade de quem as escreve. P~ra quê «este
engan o de alma» es tulto e perigoso que nada maiis
f airá do que a trasar a, Mf.usão da mensagem?
Será muitto melhor e muito ma,is inteligente
r econhecer a verdade do caminho que temos a per-
000:reir e fazer a•l guma coisa para o encurtar.
Fátima não precisa de fa,Jáci1as, nem de exage-
1·os, aJinda que, bem intencionados (se é que bem
intencionados!). Basta,.,lhe a força da verdade -
a verdade do seu conteúdo e a verdade das exi-
gências que apresenta a todos e a cada um de nós.
Só quando esta verdade for suficie111temente co-
nhecida e vi'V ida, serão possíveis a paz e as de-
m a is pr,om essas da Mãe de Deus.

QUANDO SE CONVERTERA A RÚSSIA?

Ev,identemente, quando se cumprirem as condi-


ções impos'tas, ou .seja, quando um número sufi-
ciente fi zer a comunhão reparadora dos primei-
ros sábados.
Que é que se entende por número suficiente?

de F á tima, t enha t ão pouco apreço e mostre tão minguado


respeito pelo luga r que a Mãe de Deus escolheu para falar
ao Mundo? Casos destes deviam s er escalpelizados de vez,
por quem de direito . Compreende-se que se dlscutàln ou
comba tam os defeitos r eais, ou aparentes que sempre hão-
-de rodear o Santuárlo e tudo o que é de a:Jgum modo, hu-
mano . Mas nã.o se pode tolerar que a'1guém Insulte o nome
de Fátima e para mais, .sob a :ca:pa e o pretexto de o
dectendeir. Pomo do diabo! Esta é que nem ao dlwbo lem-
brava!
310 A CONVIER.SÃO DA RúSSIA

Número s uficiente n ão sign ifica a totalidade.


nem a maioria, nem sequer metade. úmero su-
ficiente é aque'le que, atentas as circunstâncias,
é só por si capaz de dar realização aos projectos
de Nossa Senhora. Ora o fim que Nossa Senhora1
teve em vista, ao descer à Cova da Iria, foi, como
e la mesma declarou, levar os homens a não ofen-
der mais a Nosso Senhor.
Número suficient e é p ortanto aquele que seja
capaz de inf-l'uenciar de tal maneira a fracção
r estan te, que faça predominar, pübhcamente, so-
cialmente, o bem sobre o maJ, a v irtude sobre o
vício, a religião sobre a indiferença, a graça sobre
o peeado.
O conceito de número suficiente é portanto
uma resultante de vários factores.
Doze apósto.Jos, cheios do Espíri'to Santo, fo-
ram número· suficiente paira levar o Evangelho a
todos os confins do Mrundo. U m pequeno grupo de
comunistas tem siiclo suficiente pa.ra mud·ar o ru-
mo de várfos países. H aija em v-ista po1· exemplo
o caso da Rússia, em que 4% apenas dos cidadãos
~influencia.iram e dominaram, por completo, os ·res-
tantes 96% .
S~ puséssemos ao se1"'Viço da -mensagem de Fá-
tima, a coragem dos primeiros apóswlos, ou o
entusia1Smo dos aotua=is comunist as, talve2 tivés-
semos já o número suficiente que Nossa Senhora
espera e exige para convei1;er a Rús sia.
Mas todos sabemos que is'So não acontece.
O rai9 de acção d.os apóstolos era incomensu-
ráve'l, o raio de acção dos comunistas tem sido
em vários países de um mínimo de 10 pe&soas, en-
A CONVERSAO DA RúSSLA. 311

quanto o raio de acção de uma boa parte de nós,


não passa de 1, 2 ou 3. E muitos há cuja influên-
cia social é absolu tamen te nu1a,. Vivem ensimes-
mados. Não fazem pr oseli'tismo. Não ü,rad'iam.
Não comunicam. São compartimentos estanques,
lagos de á gua em repouso, sem esco•a,mento ne-
nhum, onde por isso é difícil a sa,úd·e e impossível,
a vida.
Não é isto que Fátima pede. Fátima é um con-
vi te ao t rabalho. É uma mobilização geral. Fátima
é uma cruzada. Não há investidu1,as, nem após-
tolos oficia-is. Todos são chamados, todos têm lu-
ga,r , na linhas de batalha. É um erro supor que a
mensagem se destina às elites. O destinatário é
o povo, o po,vo oristão e até o povo não cristão,
como tão eloquentemente se viu durante as via-
gens maravilhosas da Virgem Peregrina.
Fal1ta-nos a vivência da, mensagem de Fátima.
É necessário que esta cresça, tanto em profundi-
dade, como em extensão. É necessário que aqueles
que a vivem, a faça,m viver à sua volta. 4
Mesmo abstraindo dos númeTos - não esque-
çamos que eles têm a,penas um vailor representa-
tivÓ, simbólico - considerando só o pensar e o
sentfr colectivo da gente portuguesa, que se re-
flecte com toda a sinceridade, nos costumes, nas
preferências, nos acontecimerrtos, etc., temos da-
dos bastantes para concluir que estamos longe,
muito longe de ter atingido o núme1·0 suficiente.
Fátiima já operou uma 1·evolução em Port ugal,
m_as essa, revolução não chegou ao füm e pode,r e-
mos hoje perguntar, com g,ra,nde apreensão, se
caminhará paira ele ... .
312 A CONVERSAO DA ROSSIA

,.
Paira se alcançar o nú11iero suficiente, n ecessá-
rio à reaHz·ação das promessas da Vi r gem, há dois
caminhos possíveis - o caminho vertica,I da pro-
frundtidade, da valo1~ização, ou da especialização
dos apóstolos de Fát ima e o caminho longituàinal
da expansão da mensagem . Qua·I deles será prefe-
rível?
Ambos têm a sua oport unidade, mas o pri-
meiro merece-nos mais simpatia e parece-nos até
mais necessá1,io e m atls eficiente. E le ser á mesmo
a melhor garaintia da f.idelidade do segundo.
Poderão depois organizar-se em todas as al-
dei•a s, em todos os a,r ciprestados, em todas as ci-
dades e em todas as dioceses, cursos especial i-
zados de v ulgarização da mensagem de Fátima,
onde se estude, à luz das palavras de Nossa Se-
nhora e do testemunhos da Hiera rqufa, a mensa-
gem da Virgem e a nossa. r esponsabilidade de cris-
tãos e portugueses, como seus intermediários e
conf.identes.
Esta será por:ventura a melhor, se não a. única
maneira de apressar a too suspirada, como d·i fícil,
conversão da Rússia.
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tNDICE
P6g .

A MENSAGEM DE F ATIMA 9
A fé nas revelações prLvadas ].3
•E s.ta pa,lavra «IMensa:gem> ...... . . .. .... ............ . . 16
O que é uma .Mensagem ? .... ..... ........ ........ .... . 19
Que entendemos por caMensagem de Fátima> ..... . 22
Qua l é a Mensagem de Fátima? ........... ......... . 24
A M ensa,gem de Fátima não é o uso do Esca-
p ulário .......... .... ..... .. ....... . ...... . .. .... •.. ..... . 27
A Mensagem de Fátima não é a recitação do
Terço ......,.. . .. ... . .... .. .. . ... . .............. ... .. .. . . . 29
«'Em Ou-tubro direi o que quero> ...... ....... .. .. ... . 32
Viver .n a graça de ,Deus . ....... ...... .,. . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
Não ofenda m mais a Nosso Senhor! . . . . .. . ... .. . . . 37
A 'VOZ da Igreja . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . as .
A voz do povo .... ........ . .. . .. .. .. ... . .. .. ... :.... . . ..... 40
Antidoto do Comunismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
A missão de Nossa Senhora. .. . .. . . . ... ... ... . .. ... . .. . 44

OS DEP OIMENTOS DA IRMÃ LúCIA . . ... . . 49


D epoimentos informativos 52
1.• aparição 58
2 .• > 50
3.• > 59
1.' > 61
5 .• > 62
6.• > 63
!Depoimentos inteqn·etativos . . . .. . .. . . .. . .. .. . .. .. ... .. 83

A PROFECIA DO FIM DA GUERRA ······ 03


Lúcia afirmou que a gu erra t erminava cm 13
d-e Outubro de 1917 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111

AS ORAÇõES DE F ATIMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135


As duas orações do Anjo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138
.A t eologia das oraçõ es do knj 0 • . • . . . . • . . . . . . . . . . • • . 147
A s duas orações de Nossa S enJ10ra . . . . . . . . . . . . . . . 157
Inte rpretação da Jacula tória ........ .. ..... .. .. .... . 171

O PRIMEIRO E O MA~OR PEDIDO DE N .•


SENHORA DE F ATIMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
A comu'll'hão r eparadora dos prlmelros sá,bados 208 -
Dois planos de reparação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 238

OS -OUTROS PE-DIDOS DE N .ª SENHORA


DE FATIMA . . .. . . . . .. . .. .. . . . . ... .... .. ... . . 251
Oração ..... .. . .. .... .... . .. ...... .. .... . ... . ...... ..... ... .. .. .. 254
.Penitência . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 263

O QUE FALTA PARA A CONV•ER:SÃO DA


RúSSIA ..... . ..... .......... ... ..... . .. ..... ... . 213
Qua fa.:lta para a Conversão da Rússia? . . . . . . . . . 288
A consag,ração da Rússla . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 295
O obj0<:to da consagração da Rússia .... ... .. .. , . . . 297
Em união com todos os Bispos do Mundo . . . . . . 300
Uma nova consagração da Rússia . , . . . . . . . . . . . . ... . . 304
Quando se con,v erterá a Rússia? .. .... , . , . . . . . . . . . 309
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TIP. DO .JORNAL DO FUNDÃO. 1
EM ABRIL - MAIO DE 1959

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