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HAMLET

PERSONAGENS:
Hamlet
Horácio
Fantasma
Cláudio
Gertrude
Polônio
Laerte
Ofélia
Atores

CENA 01 - Castelo de Elsinore

Entram em cena Claudio, Gertrude, Polônio, Ofélia e Laerte.

CLÁUDIO - Meus amigos, muito me alegro em recebê-los em minha casa neste que é o dia
mais feliz da minha vida. Hoje começa um novo capítulo em nossas vidas, o mais doce de
todos, agora que estou com minha amada companheira…a coroa da Dinamarca!

GERTRUDE - Querido…

CLÁUDIO - Ah, e você também, meu amor! Me desculpe a indiscrição, às vezes mal posso
acreditar que estamos casados de verdade agora…se ao menos meu querido irmão
estivesse aqui.

POLÔNIO - Se o antigo rei estivesse aqui, não teríamos lhe dado a coroa e a mulher dele…

CLÁUDIO - O que disse, Polônio?

POLÔNIO - Viva o rei Cláudio, meu voto é pra ele!

CLÁUDIO - Isso aqui não é democracia. Mas não se preocupem…a partida inesperada de
meu irmão foi uma tragédia, e é com grande pesar que eu assumi o trono. Mas é das cinzas
dessa tragédia que surgirá uma nova Dinamarca, com um rei melhor a comandá-la!

GERTRUDE - Vai ter que ralar muito pra isso, então.

POLÔNIO - É verdade, o antigo rei era um excelente estadista!

OFÉLIA - Botou as leis para funcionar, deu educação pro país…

LAERTE - Venceu inúmeras batalhas…ele teve mesmo um bom desempenho.

GERTRUDE - Não houve um rei melhor em toda a história da Dinamarca…


CLAUDIO - O que é isso? Ele tinha seus pontos fortes, claro, mas também teve seus
deslizes… como aquela guerra desastrosa contra o rei da Noruega.

LAERTE - Nós não vencemos essa guerra?

CLAUDIO - Bem ... sim, mas agora o filho dele, aquele tal Fortimbrás, está por aí, rondando
pelos alpes e reunindo um exército para nos destruir!

GERTRUDE - Que reação desnecessária. Nós conquistamos as terras deles numa invasão
limpa e justa.

CLAUDIO - É isso que direi ao governo Norueguês. Soube que agora o tio dele é quem
senta no trono. Ele há de controlar o sobrinho. Polônio, amanhã mesmo você partirá para a
Noruega e entregará esta missiva ao rei (entrega a Polônio uma carta), nela tem um
pequeno lembrete do que acontece com quem faz pouco do rei da Dinamarca.

POLÔNIO - Tipo uma ameaça, senhor?

CLAUDIO - Ameaças não pegam bem em um documento oficial. Ela está nas entrelinhas.
Você só precisa transmitir o subtexto para ele.

POLÔNIO - (sem entender muito bem) Está bem…o senhor toma mesmo as ações mais
sábias, Majestade!

CLAUDIO - Apenas a primeira de muitas. Mas chega de falar de trabalho! (ergue uma taça)
Eu proponho um brinde! À mim, à minha nova esposa, e à uma nova Dinamarca!

POLÔNIO - Vida longa ao rei!

TODOS - Vida longa ao rei!

Entra Hamlet, trajando roupas escuras e aplaudindo sarcasticamente. Carrega consigo um


crânio embaixo do braço.

LAERTE - (para si mesmo) Ah, vai começar…

GERTRUDE - Hamlet, querida, precisa fazer isso agora? Acho que o castelo inteiro está
ouvindo seu sarcasmo.

HAMLET - Não é minha intenção, minha mãe. Esta é toda energia de que disponho no
momento. (olha em volta) Mas onde está o caixão de meu pai?

POLÔNIO - Nós tivemos que levar lá para fora por causa do cheiro. Mas se quiser podemos
trazer de volta.

CLAUDIO - Polônio, agora não. (para Hamlet) Sobrinha, por que está tão triste? Hoje é um
dia de celebração!
HAMLET - Devemos celebrar quando um rei morre ?

GERTRUDE - Querida, isso já faz uma semana! Por que continua com essa aparência
desolada?

HAMLET - É o que pareço? Sinto muito, é como eu sou.

OFÉLIA - É verdade. Ano passado, ela só usou preto durante o verão aqui na Dinamarca.
Pelos Três dias inteiros.

HAMLET - Não se preocupem com minha aparência. Não é apenas minha capa negra, os
trajes pretos de circunstância, não são os soluços ou os suspiros do fundo do peito, nem o
jorrar dos meus olhos, minha boa mãe, e tampouco todos as formas e maneiras do
sofrimento e o aspecto tristonho do semblante que podem mostrar o que sou. São coisas
que os homens podem simular, e por isso dizemos que “parecem”. Dentro de mim, no
entanto, tenho algo que supera a aparência. Todo o resto é adorno para a dor.

CLAUDIO - Sobrinha, é louvável que queira manter a memória de seu pai viva, mas chega
um momento em que temos que encarar a verdade: Seu pai se foi, da mesma forma que o
pai dele, e o pai do pai dele, e assim por diante, desde que Deus fez o mundo. O que cabe
a nós é ficar de luto por certo tempo, sim, mas então seguimos a nossa vida. Fazer o
contrário não é só uma ofensa aos céus, mas a marca de um coração fraco. E você não é
fraca, não é, minha filha?

HAMLET - Não me chame de filha, é consternante.

CLAUDIO - Vamos lá, dê um abraço no seu novo pai!

HAMLET - (pondo o crânio entre os dois)Prefiro abraçar o antigo!

GERTRUDE - Hamlet, por favor. Sei que não era bem isso que você queria, mas vamos ter
que conviver nessa nova situação pelo futuro próximo. Não acha melhor passarmos por isso
sem mais nenhuma morte?

HAMLET - (controlando a raiva) A você, senhora, vou obedecer. (para todos) Peço
desculpas pela comoção que causei. Devo ter confundido o velório com o casamento.
Afinal, um se sucedeu ao outro tão rápido, que até parecia uma cerimônia só. (para Claudio)
Prometo que, para a próxima coroação, estarei vestida de acordo.

CLAUDIO - Pronto, tudo resolvido! Vejam só, sobrevivemos à nossa primeira discussão
familiar! Você é muito nobre, Hamlet. Tenho certeza que dará uma boa rainha…algum dia.
Por enquanto, a festa continua no grande salão! Soube que a trupe de atores trouxe um
urso que dança! Não é maravilhoso? Sigam-me, amigos!

Todos saem, menos Hamlet e Ofélia.

LAERTE - Irmã, você não vem?


OFÉLIA - Agora não (olha para Hamlet, que admira tristonha o seu crânio) Acho que a
princesa está precisando de companhia agora. Olha só como ela está tristonha!

LAERTE -(rindo) Ela me parece estar bem acompanhada.

OFÉLIA - Não ria! Aquele é o crânio de apoio emocional dela!

Laerte sai.

OFÉLIA - Não liga pra aquele velho babão. Ele só está esquentando o trono pra você. Logo
será você sentada nele! Mas é bom dar uma limpada nele antes…espera, alguém já limpou
aquela cadeira? Talvez seja melhor arrumar outra.

HAMLET - O problema não é o trono. Meu pai sequer foi enterrado e parece que todos já o
esqueceram. Tudo com o que a corte se importa é a coroa que ele deixou…como você se
sentiria se seu pai morresse?

OFÉLIA - Eu nem quero pensar nisso! Acho melhor pensar em coisas boas!

HAMLET - Alguns não possuem esse luxo. Agora, mais do que nunca, estou ciente de que
a morte nos acompanha a cada passo.

OFÉLIA - Mas também, estamos no século catorze! Uma brisinha gelada pode derrubar
alguém. Acho que as pessoas se acostumaram a morrer de repente.

HAMLET - (com ar desconfiado)E, ainda assim, algumas mortes são mais repentinas do
que outras…

OFÉLIA - Como assim?

HAMLET - Não é nada. Apenas pensamentos sombrios que ando tendo. Você é muito pura
e inocente para esses assuntos.

OFÉLIA - (acanhada) Ah, pára! Sabe o que eu acho, isso que você tem é fome. Você não
está fazendo uma daquelas dietas malucas que as damas da corte inventaram, né? Vamos
pro banquete! (mostra uma faca) Papai disse que hoje eu poderia destrinchar o porco!

Hamlet tem uma reação adversa à faca e se afasta, desconfortável.

HAMLET - Outro dia, talvez.

Entra Horácio, correndo, muito nervoso.

HORÁCIO - Alteza! Alteza!

HAMLET - Horácio, por onde esteve?

OFÉLIA - Você perdeu a princesa estragando a festa do tio.


HORÁCIO - (para Ofélia) Olá, senhora. (para Hamlet) Alteza, você sabe o que está
acontecendo no castelo?

HAMLET - Difícil não saber, afinal foi o meu pai quem morreu. Não tenho cabeça para
qualquer outro assunto, ao contrário do resto da corte.

HORÁCIO - Mas o assunto é justamente o senhor seu pai.

HAMLET - O que tem ele?

OFÉLIA - É fofoca, é?

HORÁCIO - Sabe o que é, ontem estávamos eu, Bernardo e Marcelo na guarda do muro. A
gente tava meio entediado, já era altas horas da noite, e a gente, pra passar o tempo, ficou
discutindo a situação política do reino, sabe, porque essas transições de regime costumam
ser muito caóticas, a nossa moeda está desvalorizada, e tem uma guerra perigando de
acontecer, que era inclusive a razão de estarmos de vigia naquela noite…

OFÉLIA - Ai, meu deus, fala logo o que tem pra falar!

HORÁCIO - Certo! Em algum momento da nossa conversa, nós notamos outra figura na
muralha conosco. E acredita que era o finado rei?

HAMLET - Meu pai? Está delirando, Horácio?

HORÁCIO - Juro pra você que foi o que eu vi. E não fui só eu, não. Muita gente em Elsinore
já viu a aparição na muralha, sempre na mesma hora da noite. Ele aparece, anda de um
lado pro outro, dá comida pros pombos e vai embora.

HAMLET - E por que só estou ouvindo isso agora?

HORÁCIO - Quando foi a última vez que algum nobre foi fazer a ronda nas muralhas?

Ofélia levanta a mão. Os dois olham para ela, surpresos.

OFÉLIA - Eu também gosto de dar comida pros pombos…

HAMLET - Horácio, leve-me para este local imediatamente!

HORÁCIO - Não prefere que eu chame o Bernardo ou o Marcelo? Não é que eu não queira
ir, é só que eu ando meio ocupado…

HAMLET - Horácio…

HORÁCIO - Tá, eu confesso, eu morro de medo de alma! Não me mande pra lá de novo,
alteza, eu tô pedindo!

HAMLET - Pedido negado. Vamos!


OFÉLIA - Ai, que tudo! Eu sempre quis ver um fantasma!

HAMLET - Ofélia, acho melhor você ficar aqui.

OFÉLIA - O quê?! Mas você sabe que meu sonho sempre foi ver um fantasma! E agora que
esse castelo finalmente arruma um eu não posso ver?

HAMLET - Isso deve ser uma conversa de pai para filha. Não quero arriscar espantar o
espírito com a presença de outra pessoa.

OFÉLIA - (desanimada) Tá bem, então…

HORÁCIO - E eu não sou gente?Já vi que nessa peça eu vou ser acessório de protagonista
de novo!

OFÉLIA - Mas depois você me conta como foi! Nós podemos aproveitar e fazer o cabelo
uma da outra! Ou então fazer miçangas uma pra outra! Aí você vai se animar!

HAMLET - Eu prometo. Mas até lá, não fale disso com ninguém, está certo?

OFÉLIA - Que é isso, amiga, acha que eu sou fofoqueira? Minha boca é um túmulo!

Ofélia sai. Hamlet e Horácio saem para o outro lado.

CENA 02 - Muralhas do castelo

Entram Hamlet e Horácio.

HAMLET - Foi aqui que ele apareceu?

HORÁCIO - Aqui mesmo, alteza. Ele marca presença aqui todos os dias.

HAMLET - Não estou vendo nada.

HORÁCIO - É que ainda é meio cedo, não é? Ele só deve mostrar as caras lá pras três
horas.

HAMLET - Mas já são três horas.

HORÁCIO - Da manhã.

HAMLET - Maldição! Não podemos ficar plantados aqui esse tempo todo!

HORÁCIO - E é por isso que só os guardas já viram o fantasma. Quer tentar falar de
política? Vai ver ele se anima e vem mais cedo.
HAMLET - Eu não tenho tempo para isso! Ouça-me, espírito! Sou eu, sua filha, que a muito
anseia por vê-lo! Se estás mesmo aí, então venha, por terra, pelo vento ou pela água, e
venha falar comigo!
Silêncio.

HORÀCIO - Parece que não deu certo.

HAMLET - ….(irritada) Tá bem, me fala aí da desvalorização da moeda…

Surge o fantasma, uivando e gemendo seus pesares.

FANTASMA - BUUUUUUU!!!! MINHA FILHAAAAAA!!!!

HAMLET - Meu pai!

HORÁCIO - (assustado) Valha-me, Nossa Senhora! Sangue de Cristo tem poder! Leve de
volta esse despatriado para sua morada!

FANTASMA - FILHAAAAAA….VOCÊ SE ESQUECEU DE MIIIIM, FILHAAAAA….

HAMLET - Não, meu pai!

FANTASMA - VOCÊEE SE ESQUECEU DE MIM, FILHAA…E ENTÃO SE ESQUECEU DE


MIM….

HAMLET - Pai? O senhor está bem?

FANTASMA - Desculpe, é que estar morto acaba com a sua memória. Agora ouça bem,
Hamlet, por que eu não tenho muito tempo. O interurbano daqui do além é uma fortuna.
ELE CUSTA OS OLHOS DA CARA!BUUUUUUU!!!!

HAMLET - Pai, eu estou aqui! Por que ainda está neste plano?

FANTASMA - Por que há algo que tenho que lhe contar. Eu sei que lhe disseram que eu
morri de causas naturais.

HAMLET - Foi mesmo. Você comeu manga com leite e teve um mal súbito.

FANTASMA - Pois saiba que essa história é mentira. É FAKE NEEEEEEEEWS!!!! SEU PAI
MORREU MESMO DE MORTE MATADA. MATAAAAAAADAAAAA!

HAMLET - O quê?

A essa altura, Horácio assistia a tudo com um balde de pipoca nas mãos.

HAMLET - Quem fez isso, meu pai? Quem viria a lucrar com tamanha vilania, quem seria
capaz de um ato tão covarde e, espera, foi o Cláudio, não foi?
FANTASMA - Isso mesmo. AQUELE FURA-OLHO QUE AGORA TOMOU O MEU TRONO
E A MINHA MULHER! Agora não posso partir sem antes fazer uma coisinha. Eu quando
digo “eu”, quero dizer você!
HAMLET - O que posso fazer por você, meu pai?

FANTASMA - Filha, você sabe que eu sempre esperei que um dia você seguisse meus
passos e aprendesse a arte da guerra. Pois agora este dia chegou. (estende para Hamlet
sua espada) Está na hora de ser firme e decisiva, minha filha! VOCÊ DEVE VINGAR
MINHA MORTE! UUUUUUUUU!!!!!

HAMLET - Oi?

FANTASMA - É só chegar no seu tio e espetá-lo com isso!

HAMLET - (fugindo da espada) Não tem uma solução menos radical? Daqui a pouco eu
tenho idade para ser rainha, e então é só botá-lo na cadeia.

FANTASMA - Ele vai aproveitar enquanto ainda é rei e dar a si mesmo foro privilegiado. Aí
ele vai ser intocável.INTOCÁÁÁÁÁÁVELLL!

HORÁCIO - É bem a cara dele fazer isso.

FANTASMA - Pegue a espada, filha.

HAMLET - Essa espada sequer está limpa? Vai que eu pego tétano…

FANTASMA - Pega logo essa espada!

O fantasma corre atrás de Hamlet pelo palco, até colocar a espada na mão dela.

FANTASMA - Pronto, agora seu voto está selado. Lembre-se, minha filha, seja firme e
decisiva. É só matar uma pessoa, e tudo estará resolvido.

HAMLET - Essa frase nunca foi verdadeira em toda a história da humanidade.

FANTASMA - TUDO SERÁ RESOLVIDO!!!BUUUUUUUUU!!!

HAMLET - Ai, por que ainda está falando assim?

FANTASMA - DESCULPE. É MAIS FORTE DO QUE EU! AGORA EU TENHO QUE


VOLTAR PARAS OS MISTÉRIOS DA MORTE. LEMBRE- SE DE QUEM VOCÊ É, MINHA
FILHA!!!!LEMBRE-SE DE QUEM VOCÊ ÉÉÉÉÉ!!!!!

O fantasma sai uivando.

HORÁCIO - Que presente de grego. O que você fará agora, alteza?


HAMLET - Um fardo pesado paira sobre minha cabeça. Antes de qualquer coisa, preciso ter
certeza de que o que o espírito falou é verdade.

HORÁCIO - Quer mais certeza pra quê, você não ouviu da boca do próprio defunto quem
matou ele?
HAMLET - Mesmo assim, eu preciso ter certeza! Eu abomino imprevistos, Horácio. Eu gosto
de tudo às claras.

HORÁCIO - Está bem…

HAMLET - (mais insistente) Tudo às claras!

HORÁCIO - Tá, já entendi! Pelo menos vamos explicar tudo à Ofélia, e então podemos
pensar em um plano…

HAMLET - Espere! Ofélia não pode saber do que transcorreu aqui.

HORÁCIO - Não pode? Pensei que ela fosse sua melhor amiga.

HAMLET - Amiga que também é filha de Polônio, que é pau mandado daquela cobra do
meu tio. Ela não pode esconder nada do pai, e o pai não pode esconder nada do rei. Por
isso esse assunto fica entre nós.

HORÁCIO - Parece que estou até vendo a tragédia se formando…mas você é quem
manda. O que vamos fazer então?

HAMLET - Eu tenho um plano que fará aquele ladrão traiçoeiro mostrar sua cara. Mas
primeiro, temos que arranjar uma trupe de atores.

HORÁCIO - E agora ela quer envolver mais gente ainda. É, vai acabar em tragédia.

Saem os dois.

CENA 03

Entra Cláudio. Está a perambular pelo palco, muito irritado. Polônio entra logo em seguida.

POLÔNIO - Majestade, Polônio se apresentando com notícias de trás das linhas inimigas!

CLÁUDIO - Entregou minha mensagem para o rei da Noruega?

POLÔNIO - Está entregue,senhor! Pode ficar tranquilo, que eu deixei bem claro nas
entrelinhas aquilo que o senhor falou! Eu fiz cara de perigoso e tudo, assim ( faz uma
expressão patética que tenta passar por intimidante) Eles ficaram mortos de medo! Aqueles
Noruegueses não mexem mais com o senhor!

Eis que entra Fortimbrás, o príncipe da Noruega, montado em uma rena. Traz na cabeça
um gorro natalino e um balde de lixo nas mãos.
FORTIMBRÁS - AÍ, Dinamarca, se liga! O natal chegou mais cedo!

Fortimbrás derrama o conteúdo do balde em cima de Cláudio e Polônio. São vários papéis
amassados.

FORTIMBRÁS - A Noruega manda! (Sai)

CLÁUDIO - (lendo um dos papéis) “O barquinho que bobeia, o tubarão afunda, e o rei da
Dinamarca vai beijar a minha…” (furioso) Mas o que é isso? Polônio!

POLÔNIO - Está bem, majestade, eles não se assustaram! Aqueles noruegueses são osso
duro! Já viu o valor do IDH deles? E ainda por cima eles tem o Papai Noel!

CLÁUDIO - Como se não bastasse a fedelha da minha sobrinha no meu pé, agora tenho
que aturas esses atos de terrorismo! Estão todos se levantando contra mim! Mas eles vão
ver só! Eu vou derrubar meus inimigos um por um! Eu vou ter esse reino nas minhas mãos!

POLÔNIO - E como você vai fazer isso, majestade?

CLÁUDIO - Tudo ao seu tempo. Primeiro, temos que lidar com as ameaças internas.Você
viu como minha sobrinha falou comigo na cerimônia hoje? Falou da “próxima coroação “ me
olhando no olho, como se quisesse me fuzilar!

POLÔNIO - A bichinha acabou de perder o pai, senhor, ela está tristinha…

CLÁUDIO - Tristinha uma ova! Ela está planejando me derrubar! Eu tenho que derrubá- la
primeiro. Por isso, Polônio, eis sua próxima missão: você irá espionar minha sobrinha.

POLÔNIO - Ah, senhor, isso eu não sei se eu sou capaz de fazer! Por que não falamos com
a minha filha? Ela e a princesa são unha e carne.

CLÁUDIO - Ficou maluco? Justamente por isso ela não pode saber de nada. Nem pense
em abrir o bico para ninguém!

POLÔNIO - Está bem, majestade, o senhor manda.

CLÁUDIO - E seja rápido!

Cláudio sai. Entram Laerte e Ofélia.

LAERTE - Olá, papai. Estava falando com o rei?

POLÔNIO - Com o próprio! Não quero me gabar, mas o seu pai é o homem de confiança do
rei. Ele me deu uma missão ultrassecreta! Mas eu não posso dizer o que é!

LAERTE - ( com sarcasmo) Quanta honra…


POLÔNIO - ( nota que Ofélia está triste) O que houve, minha florzinha? Por que está triste?

OFÉLIA - É que eu não tenho conseguido falar com a Hamlet. Ela tinha prometido que nós
poderíamos passar o dia juntas, mas parece que ela está me evitando…eu nem conseguir
dar a miçanga que eu fiz pra ela…

LAERTE - Minha irmã, eu bem que lhe avisei. Essa gente da realeza não vê os outros como
pessoas. Para a princesa, você é apenas uma distração.

OFÉLIA - Que mentira! A Hamlet é minha melhor amiga! Nós fazemos tudo juntas, desde
que me mandaram ser a dama de companhia dela!Papai, isso não é verdade, não é? Nem
todo mundo da realeza é mau desse jeito!

POLÔNIO - Bem, meu docinho, sei que você é muito apegada à princesa, mas é assim que
o mundo funciona. Eles são reis e rainhas, e nós somos meros condes. Mas não fique triste!
Mesmo que a princesa tenha te dado um bolo, papai sempre vai estar com você.

OFÉLIA - Promete?

POLÔNIO - Claro! Mas agora não! Ainda tenho que cuidar daquela missão ultrassecreta
para o rei. Mas prometo que teremos um fim de semana só para família! Até lá, Laerte,
cuide de sua irmã por mim.

LAERTE - Cuidarei, meu pai.

POLÔNIO - Agora deem um abraço no papai!

Os três se abraçam. Entra Horácio.

HORÁCIO - Aí estão vocês! A princesa está convocando a todos para o grande salão.

OFÉLIA - ( empolgada) Ela me chamou? Verdade?

LAERTE - Ela chamou todo mundo, Ofélia. (para Horácio) não dá para esperar? Estamos
tendo um momento em família.

HORÁCIO - ( sorrindo com educação) Não. A presença de todos é obrigatória.

LAERTE - Por que não estou surpreso….

Saem todos.

CENA 04

Entram todos os membros da corte. Hamlet se posiciona na frente de todos.


HAMLET - Saudações, mamãe, tio, e demais membros da corte. Serei direta: fui descortês
mais cedo na cerimônia de meu tio. Imagine, causar uma cena apenas porque meu pai
morreu e meu tio se apossou imediatamente do lugar dele! Que infantil de minha parte!

CLAUDIO - (cauteloso) Quer dizer que está arrependida?

HAMLET - (forçando um sorriso) Quero que haja apenas paz entre nós, meu tio. Por isso,
para me redimir com vocês, trouxe um novo tipo de cena. Gostaria de apresentar o mais
renomado grupo de teatro de toda a europa, com vocês, “Os Homens do Rei”

GERTRUDE - Não é maravilhoso, Cláudio? Nossa filha está tentando se aproximar de você.

CLAUDIO - É louvável, minha cara, mas não é necessário. Já esqueci qualquer desavença
entre nós. Agora, se me der licença, preciso estar em outro lugar…

GERTRUDE - Que tolice, sente-se.

CLAUDIO - Mas…

GERTRUDE - (insistente) Senta na cadeira, Claudio!

CLAUDIO - Está bem…

Hamlet se senta com os demais. Ofélia tenta chamar sua atenção, mas ela a ignora.

Entram os atores.

ATOR 1 - Boa noite, Dinamarca! Hoje, vocês vão conhecer a corrente mais vanguardista do
teatro moderno : o Teatro do Improviso. Porque quem sabe, faz ao vivo!

ATOR 2 - E a gente é analfabeto, então um texto não serve de muita coisa…

ATOR 1 - Eles não precisam saber disso! Bem, para os desinformados, o Teatro do
Improviso funciona assim: vocês nos dão uma situação, e nós criamos uma peça baseada
nela, na mesma hora, exclusivamente para vocês! Então, ideias?

HAMLET - Fratricídio!

ATOR 1 - Boa, cena de morte é a nossa especialidade.

ATOR 2 - O público sempre adora!

ATOR 1 - Agora deem os personagens!

Claudio tenta falar, mas Hamlet o interrompe.

HAMLET - Rei e usurpador do trono!


ATOR 2 - Agora só falta um lugar!

HAMLET - O castelo de Elsinore!

ATOR 1 - Está montada a cena! Respeitável público, preparem-se para a magia…do teatro!
Em alguns instantes. Primeiro, temos que nos preparar!

Os atores dão as mãos e fazem uma rotina de exercícios de respiração e aquecimento de


voz, tudo enquanto um contrarregra toca um sino três vezes, e três vezes faz um som de
alarme. Ao fim disso, os atores fazem um aperto de mão elaborado entre os dois e dizem
“Merda pra você!” Então começam a atuar, em tom exagerado.

ATOR 1 - Veja, meu irmão! Que bela noite temos hoje!

ATOR 2 - Não vejo nada que a distinga de qualquer outra noite, irmão meu!

ATOR 1 - Falas como um nobre comum, meu irmão descoroado! Quando se é rei, não há
tempo para aproveitar momentos simples como este. Pesada é a cabeça que carrega a
coroa! Agradeça todos os dias por não carregá-la!

ATOR 2 - Deve estar exausto, irmão! Aqui,tome desta taça!

ATOR 1 - Do que se trata?

ATOR 2 - Apenas leite quente para ajudá-lo a dormir!

ATOR 1 - Que atencioso tu és, meu irmão!

Enquanto o ator 1 não está olhando,o ator 2, com expressão maquiavélica, mergulha uma
manga inteira no copo. Os espectadores ficam chocados.

ATOR 1 - (bebendo da taça) Oh, estou me sentindo mal…(pega a manga) o que isso estava
fazendo aqui dentro?

ATOR 2 - Oh, desalento! Que descuidado eu fui!

ATOR 1 - Que forma horrorosa de se morrer! Ainda bem que eu sempre ando com meu kit
de antídoto contra leite com manga!

ATOR 2 - O quê?! Não, é pra você morrer!

O ator 2 pega a manga e a força goela abaixo do ator 1.

ATOR 2 - Morre, criatura!

GERTRUDE - Que coincidência! Não haviam encontrado meu antigo marido com uma
manga na boca também?
CLAUDIO - (nervoso) Deve ter ouvido errado, querida…

ATOR 1 - (cospe a manga fora) Irmão, o que está fazendo?

ATOR 2 - (puxa uma adaga cênica) O rei está morto! Vida longa ao novo rei!

O ator 2 apunhala o ator 1, que demora a reagir.

ATOR 2 - Morre logo, desgraça!

ATOR 1 - Oh! (passa ketchup no rosto) Estou morto! OOOOOOhhhhhhh…..(morre)

POLÔNIO - Que engraçado, majestade, parece até o que aconteceu com o antigo rei. Mas
ele só caiu por acidente na própria faca.

CLAUDIO - Não precisa me lembrar, Polônio…

ATOR 2 - Agora eu sou o rei! É o triunfo da maldade! Hahahahahahaha!!!!!

CLAUDIO - Muito bem, já chega! A apresentação acabou!

HAMLET - Ora, tio, por que está tão nervoso? Trata-se apenas de uma obra de ficção.

CLAUDIO - Não é nada! Apenas um mal estar temporário.

ATOR 2 - Não sumam ainda, respeitável público! Vocês ainda não viram a grande surpresa
do final!

CLAUDIO - O que ainda falta acontecer? Vocês já não mostraram tudo que eu…digo, que
esse vilãozinho aí fez?

ATOR 2 - A surpresa…(o ator tira a máscara, revelando que era, de fato, Fortimbrás, o
príncipe da Noruega!) é que a Dinamarca vai tomar na cara!

Fortimbrás pega um saco de mangas e atira contra a plateia.

CLAUDIO - Estamos sob ataque! Salve-me, Polônio!

Eventualmente, todos na plateia escapam.

FORTIMBRÁS - A Noruega manda!

ATOR 1 - Espera…você é o príncipe da Noruega? O que houve com o William?

FORTIMBRÁS - Não esquenta, eu paguei pra ele me deixar entrar no lugar dele.

ATOR 1 - Logo vi…Você até que tem talento pra ser ator!
FORTIMBRÁS - Verdade, cara?

ATOR 1 - Claro! O palco te adora! Muito melhor do que o William! Aquele ali não sabe atuar
nem como uma pedra!

Saem os dois.

CENA 5

Entram Hamlet e Horácio.

HORÁCIO - Acho que despistamos o Fortimbrás. Como é que ele continua conseguindo
entrar no castelo?

HAMLET - Você viu como ele ficou nervoso? Aquilo confirma tudo! Velhaco! Assassino de
meu pai! Temos uma cobra no trono da Dinamarca!

HORÁCIO - É, alteza, confirmamos o que já sabíamos. Agora é só dar um fim no malandro.

HAMLET - (indecisa) Claro…vou precisar de um tempo, para pensar na melhor forma de


cuidar disso.

HORÁCIO - O que tem pra pensar? É só ir até ele e aí (faz um gesto de apunhalada)
morreu Maria Preá.

HAMLET - Não me peça para virar uma assassina, Horácio. Me falta coragem para um ato
tão extremo.

HORÁCIO - Ás vezes não é questão de coragem, e sim necessidade. Pode chegar um dia
em que será você ou ele. Por mim, já teria acabado com a raça do velho.

HAMLET - Poderia fazer isso?

HORÁCIO - Não, né, a peça não se chama “Horácio”. Nunca ouviu falar de Hamartia? De
falha fatal? Pois é isso que você tem que resolver. Eu vou ver se já expulsaram o
Fortimbrás.

Sai Horácio.

HAMLET - Eu tenho mesmo fígado de pombo, sem fel para retribuir a amargura a quem o
oprime. (encara seu crânio) Ser, ou não ser…eis a questão. Será mais nobre suportar as
pedradas de uma fortuna cruel, ou pegar em armas contra um mundo de sofrimentos,e,
resistindo, acabar com eles? Morrer, dormir, nada mais, e com o sono dizer que demos
cabo da aflição no coração, e das demais enfermidades da carne humana. Morrer, dormir.
Sonhar, talvez, é este o ponto: pois a ideia de quais sonhos podem sobrevir no sono da
morte, quando nos livramos dos estorvos mortais, é a reflexão que nos detém, é a dúvida
que mantém por tão largo tempo a vida dos infelizes. Pois quem quereria suar e praguejar
sob o fardo de uma vida ingrata, não fosse pelo receio das terras incógnitas do além, país
do qual ninguém jamais voltou? Eis o que estorva a vontade e nos decide a suportar os
males que sofremos, com medo de enfrentarmos outros que não conhecemos. Eis porque a
consciência faz de todos nós covardes. Eis por quê as cores vivas da resolução desmaiam
no clarão indefinido do pensamento e os projetos de grande alcance e momento perdem o
rumo, voltando ao atoleiro da imaginação…

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