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Grupoterapia Psicanalitica DAVID. ZIMERMAN ‘Huma longa polémica geradora dos seguintes questionamentos: a grupoterapia inspi- ada e processada em fundamentos psicanaliticos pode ser considerada uma “psicand- lise verdadeira”? Ela pode ser denominada “ grupandlise”? Os autores se dividem nas respostas, desde os grupoterapeutas, que mais discretamente advogama simples deno- minagao “grupoterapia”, até aqueles que assumem com absoluta naturalidade a condi- ‘¢4o de grupanalistas, como so os reconhecidamente competentes e sérios colegas da Sociedade de Grapandlise de Lisboa. Nessa controvérsia, nao levo em conta a opi- nido francamente contrétia em relago ao método grupoterdpico de pretenstio psicana- Iitica, que & provinda de psicoterapeutas e psicanalistas, os quais, embora muitas vvezes se trate de profissionais respeitaveis, nunca trabalharam com grupos. ‘Nao vale a pena aqui nos aprofundarmos nesse t6pico, pois isso exigiria uma discussio por caminhos controvertidos e complicados, algo que esté fora do propési- to do presente capftulo; no entanto, eu particularmente assumo a posicdo de que, no obstante existam claras diferencas com a psicandlise individual em diversos aspec- tos, nao me resta a menor diivida quanto & possibilidade relativa a obtengao de resul- tados autenticamente psicanaliticos, com evidentes transformagies caracterolégicas e estruturais do psiquismo do sujeto. Por outro lado, da mesma forma como nas psicoterapias individuais, também as grupoterapias podem funcionar psicanaliticamente com uma finalidade voltada ao insight destinado a mudangas caracterolégicas, ou podem se limitar a beneficios terapéuticos menos pretenciosos, como o de uma simples remogao de sintomas; além. disso, podem objetivar A manutengdo de um estado de equilibrio (por exemplo, com pacientes psicéticos egressos, ou borderline, etc.); ou ainda ficarem limitadas unica- ‘mente & busca de uma melhor adaptabilidade nas inter-relagdes humanas em geral. Ha -um outro aspecto que necessita ser registrado: o fato da psicoterapia grupal ser mais barata que as individuais esta longe de ser reconhecido como um aspecto alvigareiro e singularmente vantajoso, pela acessibilidade que isso poderia represen- tar para uma ampla fatia da populagao. Pelo contrério, ser mais barata a desqualifica € desvaloriza, em um meio s6cio-cultural como é 0 nosso, no qual hé um apelo ao consumismo daquilo que melhor impressione aos outros, pelo que possa significar um melhor status e, certamente, por um culto & propriedade privada. O que importa consignar € que importantes autores tém manifestado a sua posi- fio de que no se justfica a existéncia de uma concepedo psicanalitica que faga uma Separagao e distingao profunda entre os problemas que se passam no individuo e nos grupos. Assim, podemos mencionar, dentre outros, 0 nome do préprio criador da 128 2 _ZIMERMAN & 0S0R10 psicandlise’— visto que em indmeras oportunidades Freud afirmou que “a psicologia individual e a social nao diferem em sua esséncia” - 0 de Bion, que foi um grande criador e entusiasta da dindmica grupal em bases psicanaliticas, € 0 de Joyce Mac Dougall, que, em uma entrevista concedida & revista Gradiva (n. 41, p. 16, 1988) fez. esta surpreendente declaragio: “..E tive 0 prazer de descobrir que as terapias de ‘grupo tocavam em aspectos da personalidade que ndo eram notados na psicandlise individual”. Existem muitas variagdes na forma, no nivel e no objetivo grupoterdpico, os ‘quais dependem fundamentalmente dos referenciais te6rico-técnicos adotados pelos respectivos grupoterapeutas. Na América Latina e em cftculos psicanaliticos de al- ‘guns outros paises que sofreram uma nftida influéncia kleiniana, estes ultimos refe- renciais fundamentaram toda a prética grupoterdpica de sucessivas geracdes de grupo- terapeutas, e isso prevalece até a atualidade, embora venha se observando uma tendén- cia B adogiio de novos modelos de teoria e técnica. Particularmente, ainda conservo e utilizo os principais fundamentos da escola Kleiniana, no entanto, sem aquela conhecida rigidez que a caracterizou em certa épo- ca, ao mesmo tempo adotei uma linha pluralista de referenciais provindos de outras escolas e, acima de tudo, fui sofrendo transformagdes na forma de entender e traba- Ihar psicanaliticamente com grupos, & medida que fui aprendendo o que os pacientes me ensinavam na clinica privada. essa forma, incorporo-me aqueles que pensam que a problemética atual vai “mais além” da conflitiva cléssica das pulsGes e defesas, fantasias ¢ ansiedades, agres- sio destrutivae culpas, etc. O aspecto predominante na atualidade consiste em que se teconhega em cada individuo e no grupo como um todo, além da habitual presenga dos sintomas e tragos caracteroldgicos, o desempenho de papéis, posigdes, valores, modelos, ideais, projetos, atitudes, configuragées vinculares, pressdes da realidade exterior, sempre levando em conta que a subjetividade permanentemente acompanha © € insepardvel dos processos da cultura e da vida social contempordnea. De modo algum, isso implica subordinar a terapia psicanalitica as condigdes da cultura atual, ‘mas, sim, em ajudar as pessoas do grupo a se harmonizarem com ela, a partir da aquisigao de uma liberdade intema. Os limites da pessoa se estendem aos do grupo e da sociedade na qual estao inseridos. A ideologia grupal preconiza que o costumeiro ‘movimento inicial de “eu frente a eles” se transforme gradativamente em “nds frente a0 problemas do mundo”. Achei ser necessario fazer essa introducao, porque as consideragdes que se- guem neste capitulo acerca dos aspectos eminentemente préticos da grupoterapia psicanalitica em grande parte refletem a atual posi¢ao do autor e, portanto, é bem possfvel que ndo reflita exatamente um consenso entre os grupoterapentas latino- americanos. Em obedigncia & proposicio didética deste livro, utilizarei um esquema que descreva separadamente as situagdes que dizem respeito a formagdo de um grupo de finalidade psicanalftica e aosfendmenos que se processam no campo grupal, procuran- do, sempre que possivel, ilustrar com vinhetas clfnicas. FORMACAO DO GRUPO ‘A formagio inicial de um grupo desta natureza passa por trés etapas sucessivas: 1) ‘encaminhamento, 2) seleedo, 3) grupamento. coMoTRABALHAMOS com cruPos + 129 Encaminhamento. A etapa da divulgagao, junto a demais colegas, tendo em vista 0 encaminhamento de pacientes para a formacdo de um grupo, & importante particularmente para um terapeuta que esteja se iniciando na pritica de grupoterapia ainda nfo tenha uma expressiva procura por parte de pessoas interessadas em trata~ ‘mento grupal. O realce deste aspecto justifica-se pela razio de ser muito comum, e, ‘muito frustrante, que 0 terapeuta jé tenha um ou dois interessados, com o contrato ‘erapéutico alinhavado e possa decorrer um perfodo de tempo significativo até que se defina um terceiro e um quarto ou quinto pacientes, o que pode gerar desisténcias dos primeiros, e assim por diante. Nestes casos, € recomendavel a prética de manter algu- ma linha de comunicagao com os poucos pacientes jé selecionados, inclusive com a possibilidade de manter sessdes individuais para os que se sentem mais necessitados pene leanings ineeeoning repens i naaira fato de que alguns grupoterapeutas preferem iniciar a grupoterapia com qualquer mimero, inclusive com uma tinica pessoa, enquanto aguardam a entrada de novos elementos. Este importante passo inicial de um encaminhamento satisfat6rio, ainda dentro da hip6tese de que se trate de um grupoterapeuta iniciante, implica preenchimento, no minimo, de uma condigdo basica: a de que ele tenha para si uma definigao muito clara quanto ao nfvel de seus objetivos terapéuticos e, portanto, de qual é 0 tipo de paciente que ele divulga e aguarda que Ihe seja encaminhado, Essa condigdo € relevante nna medida em que se sabe que um mesmo paciente borderline, por exemplo, pode funcionar exitosamente e muito se beneficiar num grupo homogéneo, enquanto ele ppode fracassar em um grupo formado exclusivamente com pacientes neuréticos, que funcione em um nivel egdico muito mais integrado que o dele. Um ponto controvertido relativo & politica de encaminhamento diz respeito a0 A % 130 - ZIMERMAN OSORIO tes, tanto individualmente como em grupos, preconizam a indicagio prioritéria des- tes tiltimos. Uma outra indicagio que pode ser prioritaria € quando o préprio consulente ‘manifesta uma inequfvoca preferéncia por um tratamento grupal. Da mesma forma, sabemos que determinados pacientes nao conseguem suportar o enquadre de uma terapia individual, devido ao incremento de temores, como, por exemplo, os de natu- reza simbiotizante, homosexual, com 0 terapeuta. A experiéncia clfnica ensina que tais pacientes que fracassaram em terapias individuais por nfo terem suportado uma relagao bipessoal fntima podem funcionar muito bem em grupoterapia (6 claro que, para outros casos, a recfproca também é verdadeira). ‘Quanto as contra-indicagdes, os seguintes pontos merecem uma considerago especial para aqueles pacientes que: + Esto mal-motivados tanto em relagdo & sua real disposigo para um tratamento longo e dificil quanto ao fato de ser especificamente em grupo. Nao € raro que algumas pessoas procurem um grupoterapeuta sob a alegagtio de que querem ter uma oportunidade de “observar como funciona um gupo”, ou que vao unicamen- te em busca de um grupo social que thes falta, e assim por diante. + Sejam excessivamente deprimidos, paranGides ou narcisistas: os primeiros, por- {que exigem atengao e preocupacdo concentradas exclusivamente em si préprios (titi repetir que isso nfio exclui que possam evoluir muito bem em grupos homo- géneos, compostos exclusivamente com pessoas mais seriamente deprimidas); os segundos, pela razio de que a exagerada distoredo dos fatos, assim como a sua atitude defensivo-beligerante, pode impedir a evoluedo normal do grupo; os tercei- ros, devido sua compulsiva necessidade de que o grupo gravite em torno de si, (que os leva a se comportarem como “monopolistas crénicos”. © Apresentem uma forte tendéncia a actings de natureza maligna, muitas vezes envolvendo pessoas do mesmo grupo, como é 0 caso, por exemplo, da incluso de pacientes psicopatas. + Aqueles que inspiram uma acentuada preocupagao pela possibilidade de graves riscos agudos, principalmente o de suicidio. + Apresentem um déficit intelectual, ou uma elevada dificuldade de abstragio, ou de entrar em contato com o mundo das fantasias (tal com costuma ocorrer com pacientes excessivamente hipocondrfacos), pela razdo de que todos eles dificilmen- te poderio acompanhar o ritmo de crescimento dos demais de seu grupo. + Aqueles que esto no auge de uma séria situagdo critica aguda, em cujo caso & recomendével o esbatimento da crise por um atendimento individual para depois, cogitar incluf-lo numa grupoterapia. + Pertencem a uma certa condigo profissional ou politica que representa sérios riscos para uma eventual quebra do sigilo grupal. ‘+ Apresentam uma hist6ria de sucessivas terapias anteriores interrompidas, o que nos autoriza a pensar que se trate de “abandonadores compulsivos” (nestes casos, hd um sério risco de que este tipo de paciente faga um abandono prematuro, com uma forte frustragdo para todos do grupo). Grupamento. Os termos, conceitualmente sinénimos, “grupamento” ou “com posigo” designam um arranjo, um “encaixe” das pecas isoladas, sendo que, no caso de uma grupoterapia, eferem-se a uma visualizacdo antecipada de como seré a partici- ago interativa de cada um dos individuos selecionados na nova organizacao gestél- tica. Neste contexto, o sentimento contratransferencial do grupoterapeuta durante as como TRABALHAMOSComGRUPOs + 131 prévias entrevistas de selegdo funciona como um excelente indicador quanto & previ- sio de como seré a complementaridade dos papéis a serem desempenhados, # adequado incluir um adolescente em um grupo cuja totalidade é composta por adultos? E vidvel a incluso de um paciente homossexual num grupo em que ele seré 0 tinico nessas condigées? Podem participar de um mesmo grupo psicoterépico ana- Iitico pessoas que tenham algum grau de conhecimento ou de parentesco? Esté indicada incluso de um paciente que seja escessivamente silencioso? Ou que esteja atraves- sando uma crise aguda? Essas sto algumas das inimeras questdes que costumam set levantadas, e cujas respostas no podem ser dadas com regras fixas, porém podem ser respondidas, em grande parte, através do feeling contratransferencial relativo a0 grupamento, para cada situaedo em particular, No entanto, muitas vezes, o sentimento contratransferencial despertado pela entrevista preliminar com um individuo, tendo em vista o grupamento, pode conduzit ‘a equivoces de selegio. Vale ilustrar com uma situago da minha clinica grupal: por ‘ocasiao da formagao de meu primeiro grupo de finalidade psicanalitica, inclu uma pessoa que desde 0 infcio se mostrou exageradamente loquaz, debochada, jubilosa e com uma permanente irriquictude; enfim, um claro estado de funcionamento manfa- co que quase impossibilitou que o grupo tivesse um curso normal. Decorrido algum tempo, perguntei-me o que teria me impelido a uma selecio tio desastrosa e, ja mais experiente, encontrei a resposta: os outros pacientes que jé estavam selecionados antes dele apresentavam catacterfsticas mais marcadamente depressivas e de timi- dez, e inconscientemente eu estava ansioso coma possibilidade de que o grupo resul- tasse “sem vida”; assim, a presenga de um “agito manfaco” seria a minha salvagéo... E necessério levar em conta que as consideragdes anteriores a respeito da sele- 40 e incluso de pacientes em um grupo referem-se unicamente & situagio da com- posigio inicial de um grupo que vai comegar a funcionar, porquanto a conduta em relagao a pacientes a serem inclufdos num grupo jé em andamento obedece também a outros critérios. Pode servir como exemplo desta tiltima afirmativa a experigncia que tive com uum paciente homosexual que me procurou para tratamento grupal em duas ocasiées.. Na primeira delas, eu estava selecionando e compondo um grupo novo, com pacien- tes normalmente neur6ticos e, nao obstante ele ter me despertado uma empatia, deci- i no inelu(-lo no grupo movido por um desconfortével sentimento contratransfe- rencial ao imaginé-lo entregue a uma possfvel rejeicdo dos demais, uma rejeigo extensiva a mim também, com o risco do grupo logo se dissolver. Na segunda oca- sitio, quase 2 anos apés, ele me procurou novamente, minha reago contratransferencial foi de absoluta aceitagio, e eu The propus a necessidade de declinar o seu nome e a sua condigdo de homosexual para o grupo poder compartir comigo a decisio dele ser incluido, Ele aceitou essa premissa, e durante umas quatro sess6es o grupo anali sou as respectivas angtstias que a situaco nova despertaria; apés, foi inclufdo, per- ‘manecendo neste grupo por 5 anos aproximadamente, nio s6 com um bom aproveita- ‘mento, como também a sua participagdo auxiliou todos demais a ressignificarem fantasias, tabus e preconceitos em relago 3 homossexualidade. Guardo uma convic- io de que, caso esse paciente fosse selecionado na primeira ocasio, nfo teria havi- do a evolucdo favordvel que houve, pois era muito forte a carga de ansiedades parandides que estavam presentes nos movimentos iniciais deste grupo. 132+ _zierman eosonio ENQUADRE (SETTING) GRUPAL enquadre é conceituado como a soma de todos os procedimentos que organizam, normatizam e possibilitam 0 processo psicoterdpico. Assim, ele resulta de uma con- _jungdo de regras, atitudes e combinagSes, como, por exemplo, local, hordrios, ntime- ro de sessdes semanais, tempo de duracdo da sessao, férias, honordrios, ntimero de pacientes, se serd aberto ou fechado, ete. (© enquadre grupal nfo se comporta como uma situago meramente passiva e formal, unicamente paraa facilitacao de aspectos praticos do funcionamento do gru- po; pelo contrério, ele esté sujeito a uma continua ameaca em vir a ser desvirtuado e serve como um cenério ativo da dindmica do campo grupal, que resulta do impacto de constantes e miiltiplas pressdes de toda ordem. Além disso, 0 estabelecimento de um setting, por si s6, também funciona como um agente de agdo terapéutica, tendo em vista que ele assegura uma necesséria colocacao de limites, delimitacao de fungées e também pode funcionar como um “continente”. Vale repetir que uma condigao bési- ea para que uma grupoterapia funcione de forma adequada é a de que, independente- mente da combinagdo do enquadre no qual o grupo vai trabalhar, a sua consténcia seja preservada ao maximo, sem uma rigidez radical ~6 claro, porém, que com bastante firmeza, ‘Segue a enumeracao dos principais elementos que devem ser levados em conta na configuragio do setting do campo grupal: + Homogéneo ou heterogéneo. Por grupo homogéneo entende-se aquele que é composto por pessoas que apresentam uma sétie dé fatores e de caracteristicas que, em certo grau, so comuns a todos os membros, Esses grupos também costumam ser ‘chamados “grupos especiais”. Pode servir como exemplo um grupo que seja compos- to unicamente por pacientes deprimidos, borderline, drogadictos, etc. Grupo heterogéneo designa uma composi¢ao grupal em que ha uma maior di- ‘versificagdio entre as caracteristicas basicas de seus membros. E 0 caso de uma grupoterapia analitica em que, por exemplo, um dos integrantes seja uma mosa histé- rica, um segundo, um senhor de meia idade, obsessivo, um terceiro é estudante soltei- ro com problemas de identidade de género sexual, e assim por diante. E claro que a conceituagao de grupo homogéneo ou heterogéneo é muito relati- -va, dependendo do aspecto que serve de referencial, pois o grupo pode ser homogé- neo quanto & patologia (por exemplo, deprimidos) e, ao mesmo tempo, ser heterogé- ‘neo quanto A idade, sexo, tipo e graui da doenca, etc. A recfproca também € verdadei- 1a, isto 6, um grupo heterogéneo na forma de patologia (como antes exemplificado) pode ser homogéneo em muitos outros aspectos, ‘Na pritica clinica parece ser consensual entre os grupoterapeutas que, em uma. grupoterapia analitica com pacientes neurdticos, é desejavel que o grupo seja heterogé- neo quanto a um certo tipo e grau de patologia, estilo de comunicagao e desempenho de papéis, para que se propicie uma maior integra¢o dos individuos através de uma complementaridade de suas fungSes; ao mesmo tempo, € necessério que haja um mfnimo de homogeneidade nos nfveis intelectuais e s6cio-culturais, Nao sendo as- sim, corre-se 0 risco de que falte uma possibilidade de entrosamento, ritmo e um idioma comum de comunicagao entre os integrantes do grupo, bem como que o mem bro mais “diferente” seja expulso, ou se auto-expulse devido ao sentimento de margi nalizagio. COMOTRABALHAMOScomonuPos « 133 + Aberto ou fechado. Por grupo aberto entendemos aquele que no tem prazo de término previamente fixado; ficando claro que, na eventualidade de haver vaga no grupo, ou diante da safda de algum membro, por interrupeo ou por témino, ele poderd vir a ser substitufdo por um outro. Ao contrério, grupo fechado alude ao fato de que a combinagao feita com o grupo originario prevé que, uma vez composto 0 ‘grupo, ndo entra mais ninguém. Virtualmente, todos os grupoterapeutas diante de grupoterapias psicanaliticas adotam o método de trabalhar com grupos abertos, de duracdo ilimitada, No entanto, podem ocorrer duas eventualidades: a primeira é a possibilidade de que, ap6s decorri- dos alguns anos, o préprio grupo queira se transformar em grupo fechado, até 0 seu término. Ainda nfo tive essa experiéncia, porém alguns autores que tiveram recomen- ‘dam que nesses casos deve ser fixada uma data de finalizacdo. A segunda possibili- dade, com a qual jé tive uma experiencia, €a de fundir dois grupos que estavam com ‘um ntimero reduzido de integrantes, transformando-os em um grupo tnico. Conside- ro que foi uma experiéncia bastante interessante e que no trouxe maiores problemas. * Numero de pacientes. Em caso de grupoterapia analitica, o ideal 6 que o niimero de participantes nao seja inferior a 4 que ndo passe de 9. Na verdade, 0 ‘iimero timo deve ser ditado pelo estilo particular de cada um, o que varia muito de terapeuta para terapeuta, Particularmente, trabalho melhor com um nfimero médio de 6 pacientes, * Sexo e idade. Em relaciio ao sexo dos pacientes parece ser quase undnime a posicio dos grupoterapeutas em preferir uma composi¢do mista, o que propicia uma sétie de vantagens inegaveis. Os que se posicionam contrérios a isso alegam que um ‘grupo misto representa um sério risco de ocorténcia de actings de envolvimento afetivo e sexual, eventualidade que nunca ocorreu ao longo de minha pratica, ‘Quanto a idade dos pacientes ha uma maior diversificagao de opinides, alguns defendendo a necessidade de manter uma homogeneidade de idade, enquanto outros preferem uma ampla diferenga etéria para que ocorram vivéncias mais completas, em que cada um poderd se espelhar no outro. Inclino-me mais para essa segunda posigao desde que nao haja discrepincias maximas. * Nimero de sessdes por semana e tempo de duragio da sesso. Alguns ‘grupoterapeutas preferem realizar uma sesso semanal, porém de duragao longa; ou- ‘ros grupanalistas adotam a realizacdo de trés sessdes semanais como uma forma de ‘manter um enguadre o mais similar possivel ao de uma psicandlise individual; no entanto, a maioria no nosso meio, entre os quais me incluo, trabalham com duas sessdes semanais. Em relagio ao tempo de duragdo da sessio, ela costuma variar de acordo como ‘iimero de pacientes, o niimero de sessGes semanas ¢ 0 esquema referencial te6rico- técnico do grupoterapeuta, Aqueles que trabalham com uma sesso semanal geralmente utilizam um tempo que fica numa média de noventa minutos (alguns preferem um tempo de duas horas); os demais, habitualmente, reservam a duragao de sessenta ‘minutos por sesso. + Tempo de durag%o do grupo. Um grupo pode ser de “duragao limitada” ou de ““duragio ilimitada’” A primeira situacdo diz respeito aos grupos fechados, enquanto a segunda comumente acompanha os grupos abertos. 134 + zomeamaneosono s grupos de duragao ilimitada prevalecem na clinica privada de cada grupote- rapeuta, com a ressalva de que em determinado momento a totalidade grupal resolva estabelecer uma data para o encerramento definitivo. Os grupos de duragio limitada geralmente acontecem em instituigSes, e podem adquirir duas modalidades. A pri- meira é ade funcionar em regime de grupo fechado e devers existir um tipo de combi- nagio relativa ao tempo de duracao, o qual varia muito em fungao das particularida- des préprias de cada instituigao. A segunda possibilidade € a de que o grupo de dura~ ‘sao limitada funcione em regime aberto (permite o rodizio de pacientes), porém com lum prazo combinado de término, ¢ nestes casos geralmente se utiliza a tética de ‘combinar que, ao final da data prevista — digamos, 2 anos — proceda-se a uma avalia- ‘go, com 0 direito de prosseguirem por mais um perfodo, ou nao. Observador co-terapeuta supervisor. A presenga de um observador que se mantivesse mudo durante todo o curso da grupoterapia que ele deveria assistirsistema- ticamente e se limitar a fazer apontamentos era preconizada pelos pioneiros como uma forma de perceber os eventuais pontos cegos do grupoterapeuta e de dinamizara dinamica do campo grupal através do natural surgimento das dissociagées que reprodu- iriam aquelas que os filhos vivenciaram com a dupla dos pais. Na atualidade, esse recurso est reservado as situagdes de ensino, Eu mesmo passei por essa experiéncia de ser observador durante o inicio de minha formagdo e posso testemmunhar o quanto ela é titi Quanto & co-terapia, ela tem sido bastante utilizada, principalmente por aqueles que trabalham com criangas, adolescentes e familias. Parece que dé bons resultados; noentanto, é necessério destacar que deve haver uma harmonia entre os dois terapeutas: aso contrario, o grupo, através de um jogo de identificagGes projetivas de seus pré- prios conflitos nos grupoterapeutas, poderd conseguir criar uma atmosfera de rivalidade € competicdo entre ambos. A efetivacao de uma supervisio sistemética, parece-me que ninguém duvida, deve ser uma tarefa obrigat6ria para quem esté iniciando, e é recomendével que pros- siga por um bom tempo para aqueles que desejam ampliar os seus horizontes e nfio ‘querem ficar presos numa forma estereotipada de trabalhar com grupos. Outras combinagées. f claro que existem intimeros outros detalhes que devem ficar bem esclarecidos, como é o caso da modalidade e da responsabilidade pelo pagamento, 0 plano de férias, etc. Todavia, desejo me referir mais especificamente 20 fato de que os grupoterapeutas nio sdo uniformes quanto ao procedimento em rela- ‘¢40.a0 modo como os pacientes devem participar na grupoterapia, as regras de conduta exterior, como, por exemplo, a importantissima questdo do sigilo, etc, Alguns grupoterapeutas preferem fazer uma longa dissertagdo inicial, esmiu- ‘¢ando detalhe por detalhe aquilo que se espera de cada um e do que presumivelmente vid a acontecer. Outros, no entanto, preferem fazer as combinagdes iniciais basicas ¢, medida que o grupo for evoluindo e situagdes novas forem aparecen-do (inclu- siio de algum paciente novo, algumas formas de acting preocupantes, problemas com horérios ou pagamentos, necessidade de viagens, participagao excessivamente silenciosa,etc.), vao analisando as situagdes que surgem e, a partir daf, estabelecem algumas combinagdes a mais. Eu me incluo entre estes tltimos. Entrada de um novo elemento. Cabe um registro quanto ao procedimento da entrada de um elemento novo em um grupo jé em funcionamento. A técnica que eu utilizo é a de que, uma vez tendo selecionado um individuo para uma vaga existente, COMO TRABALHAMOS COM GRUPOS Bs ’ eco a sua permissZo para declinar o seu nome no grupo e esperar pela democrética deliberagao do mesmo. Alids, uma das formas de avaliar a evolugo mais ou menos exitosa de um grupo é pela maneira mais ou menos receptiva com que recebern uma pessoa nova e ainda desconhecida, MANEJO DAS RESISTENCIAS ‘A resisténcia costuma ser definida como sendo tudo o que no decorrer de um trata- mento analitico — ou seja, atos, palavras e atitudes do analisando — se opde ao acesso deste ao seu inconsciente. No entanto, é de fundamental importancia que se faga a distingao entre as resistencias realmente obstrutivas ao livre curso da andlise e aque~ Jas que devem ser acolhidas como bem-vindas, porquanto traduzem a forma de como cada um e todos se defendem diante das suas necessidades e angiistias. Na situagdo grupal importa muito discriminar quando a resisténcia est provin- do de uma pessoa em particular, ou se ela estd sendo coletiva. Nesta titima hipétese, cabe ao grupoterapeuta se questionar se 0 grupo niJo est4 reagindo a alguma impro- priedade sua. ‘A experiéncia clinica comprova que as formas de manifestagdes resistenciais mais comuns, quer da parte dos individuos isoladamente, ou da totalidade grupal, costumam ser as seguintes + Atrasos e faltas reiteradas. + Tentativas de alterar as combinagdes do setting (por exemplo, continuados pedi- dos por mudangas de horérios, telefonemas, intervengao de familiares, pedidos por sessées individuais, etc.) + Prejutzo na comunicagao verbal através de siléncios excessivos, de reticéncias ‘0u, a0 contrério, uma prolixidade imétil. + Bnfase excessiva em relatos da realidade exterior, ou em queixas hipocondriacas, ‘com 0 rechago sistematico da atividade interpretativa dirigida ao inconsciente. + Manutenedo de segredos: isso tanto pode ocorrer por parte dos individuos em relagio as confidéncias que fizeram particularmente ao grupoterapeuta na entre- vista de selegiio, mas que sonegam ao restante do grupo, como também pode ocorrer por parte do grupo todo em relago ao terapeuta daquilo que eventual- ‘mente eles falaram entre si, fora do enquadre grupal. + Excessiva intelectualizagio. Um acordo, inconsciente, por parte de todos, em nao abordar determinados as- ssuntos angustiantes, como, por exemplo, os de sexo ou morte. Complicagdes com o pagamento e horérios. ‘Surgimento de um (ou mais de um) Ifder no papel de “sabotador”. Uma sistemitica tentativa de expulso de qualquer elemento novo. Excesso de actings, individuais ou coletivos. O grau maximo da manifestagdo resistencial € o da formago de impasses terapéuticos, ou até mesmo o das tio temiidas “reagdes terapéuticas negativas”. As causas mais provdveis que determinam o surgimento de resisténcias no cam= po grupal analitico costumam ser as seguintes: + Medo do surgimento do novo (especialmente quando hé 0 predominio de: ansiedade parancide). 136+ _zoermaneosonio + Medo da depressao (a ansiedade depressiva os leva a crer que vio se confrontar com um mundo interno destruido, sem possibilidade de reparagao). + Medo da regressio (de perder o controle das defesas neursticas, como as obsessi- vas, por exemplo, e regredir a um descontrole psicstico).. + Medo da progressio (0 progresso do paciente pode estar sendo proibido pelas culpas inconscientes que o acusam de “nio merecimento” + Excessivo apego ao ilusério mundo simbiético-natcisista. + Evitago de sentir humilhagdo e vergonha (de se reconhecer e ser reconhecido ‘como alguém que nao é e nunca seré aquilo que ele cré ser ou aparenta ser). + Predominio de uma inveja excessiva (e, por isso, ndo concedem ao terapeuta 0 “gostinho” deste ser bem-sucedido com ele). + Manutengao da “ilusio grapal” (nome que designa uma situagdo espectfica da dindmica grupal, que se manifesta sob a forma de “nosso grupo estd sempre éti- mo”, “ninguém é melhor do que nés” etc.) através da qual o grupo se ilude que é auto-suficiente. + Por iiltimo, vale dizer que a resistencia do grupo pode estar expressando uma sadia resposta as possiveis inadequagdes do grupoterapeuta. elo menos seis tipos de resisténcia que podem surgir a partir de determinados indiyiduos merecem um registro especial: 1) silencioso: a experiéncia mostra que a melhor forma de manejar com esse tipo de ppaciente 6 ter paciéncia, fazer pequenos estimulos sem permitir uma pressio exage- rada; 2) monopolizador: 0 manejo com esse paciente é 0 do continuo assinalamento de sua enorme necessidade de ser visto por todos, diante do intenso pénico de cair no anonimato, ficar marginalizado; 3) desviador de assuntos: como 0 nome diz, trata-se de um tipo de paciente que “capta” 0 risco de certos aspectos ansiogénicos, © consegue dar um jeito de mu- dar para assuntos mais amenos, embora interessantes; 4) atuador: como sabemos, as atuagdes substituem a destepressdo de reminiscénci- as, a verbalizacdo de desejos e conflitos, e 0 pensar as experiéncias emocionais; por essa razdo, tanto no caso de o individuo estar atuando pelos demais, ou se tratar de um acting coletivo, representa uma importante forma de resistencia; 5) sabotador: ’& moda de um lider negativo, através de inimeras maneiras, um indivt- ‘duo pode tentar impedir que um grupo cres¢a exitosamente e que os seus compo- nentes facam verdadeiras mudancas, pois ele se revela como um pseudocolaborador € prefere as pseudo-adaptacdes; 6) ambiguo: trata-se paciente que apresenta contradigo em seus micleos de identida- de, por isso maneja os seus problemas com técnicas psicopdticas e com isso gera uma confusdo nos demais, ao mesmo tempo em que aparenta estar bem integrado no grupo. ‘Manejo técnico. Como antes foi referido, é de fundamental importincia a ade- quada compreensio e o manejo das resisténcias que, inevitavelmente, surgem em qualquer campo grupal; caso contrério, o grupo vai desembocar em desisténcias ou ‘uma estagnaco em impasses terapéuticos. O primeiro passo, como jé foi dito, é anecessidade de que o grupoterapeuta saiba fazer a discriminagao entre as resistencias que sio de obstrucdo sistemética ¢ as que simplesmente so reveladoras de uma maneira de se proteger ¢ funcionar na vida real CoMoTRABALHAMOS CoMGRUPos «137 A segunda discriminagdo que ele deve fazer € se a resisténcia 6 da totalidade ‘grupal, ou se € por parte de um subgrupo, ou de um determinado individuo, em cujo caso hd duas possibilidades: ou 0 individuo esté resistindo ao grupo, on ele é um representante da resisténcia do grupo. O terceiro passo do grupoterapeuta é o de reconhecer, e assinalar ao grupo, o que estd sendo resistido, por que, por quem, como e para que isso esté se processando. Finalmente, 0 quarto passo € 0 de que 0 coordenador do grupo procure ter claro para si qual a sua participacao nesse processamento resistencial, e isso nos remete a0 ‘importantfssimo problema da contra-resisténcia, a qual pode assumir miltiplas for- ‘mas de o préprio grupoterapeuta se aliar&s resisténcias dos pacientes do grupo. ‘TRANSFERENCIA E CONTRATRANSFERENCIA E de consenso entre os psicoterapeutas que o fendmeno essencial em que se baseia 0 processo de qualquer terapia psicanalitica é o da transferéncia, termo que embora empregado no singular deve ser entendido na forma coletiva, ou seja, como uma abreviagdo de mltiplas e variadas reagGes transferenciais. Particularmente nas grupoterapias, as transferéncias aparecem de forma milti- pla e cruzada, segundo quatro vetores: 1) de cada indivfduo em relagdo ao grupoterapeuta; 2) do grupo, como uma totalidade gestiltica, em relagdo ao grupoterapeuta; 3). de cada individuo em relacdo aos seus pares; 4) de cada um em relagao ao grapo como um todo. Além disso, cada uma dessas formas pode adquitirdistintos modos, graus enfveis de manifestacées, através de uum jogo permanente de identificagdes projetivas e introjetivas ‘Nao obstante isso, na atualidade, acredita-se que em todo processo terdpico hi transferéncia, mas nem tudo deve ser entendido e trabalhado como sendo transferén- cia, Assim, existem controvérsias acerca da concepgao de qual é o papel do psicote- rapeuta nessas situagdes. Para alguns autores, ele, sempre, no é mais do que uma ‘mera figura transferencial modelada pelas identificagdes projetivas dos personagens «que cada paciente carrega dentro de seu interior. Para outros, o psicanalista é também uum objeto real, com valores ¢ idissioncrasias prprias e, como tal, ele vird a ser introjetado. Assim, cada vez mais expresses como “pessoa real do analista” e “alianga terapéutica” esto ganhando espago nos trabalhos sobre transferéncia. Da mesma forma, vem ganhando forga 0 ponto de vista de autores que créem que a atitude do ‘analista € em grande parte responsfvel pelo tipo de resposta transferencial dos pacien- tes. Para uma compreensio mais profunda do fendmeno da transferéncia é vil que facamos uma reflexio a partir desta questo: O fendmeno transferencial é unicamen- te uma necessidade de repetigdo (nos termos cléssicos, tal como Freud postulow) ou, antes, é a expresso de repeticio de necessidades (no satisfeitas no pasado)? Uma __grupoterapia psicanalitica permite observar com clareza o quanto est presente a se- gunda postulagao. Esse aspecto relativo a necessidade das pacientes terem um novo espago e uma nova oportunidade de reexperimentarem antigas e mal-resolvidas ex- petiéncias emocionais é muito importante que esteja bem claro para grupoterapeuta, Porquanto ele determina uma atitude psicanalitica interna de natureza mais empética. 138 ZIMERMAN # OSORIO Habitualmente, as transferéncias sfo classificadas, em fungo de sua qualidade afetiva, como “positivas” ou “negativas”. No entanto, essas denominagdes, embora consagradas no jargio psicanalitico, nao sio adequadas pelo fato de conotarem um. juizo de valor moralistico. Ademais, sabemos que muitas transferéncias considera- ‘das “positivas” nio passam de conluios resistenciais, enquanto que outras manifesta- ‘ges transferenciais de aparéncia agressiva, rotuladas como “negativas”, podem ser positivas do ponto de vista psicoterdpico, desde que bem absorvidas, entendidas & manejadas. ‘A tendéncia atual € a de considerar 0 fenémeno transferencial no tanto pelos afetos que veicula, mas muito mais pelos efeitos que produz nos outros, através do ‘mecanismo conhecido como “contra-identificagdo projetiva”, quando essa se proces- ‘sa dentro da pessoa do psicoterapeuta, caracterizando 0 conhecido fenémeno da con- tratransferéncia. ‘A contratransferéncia, como antes foi ressaltado, resulta essencialmente das contra-identificagées projetivas dos pacientes, raziio porque ela tanto pode servir como um instrumento de empatia como pode assumir caracterfsticas patogénicas, caso 0 psicoterapeuta se confunda e se identifique com os objetos parentais nele projetados. "Também é indispensdivel que tenhamos bem clara a distingo entre o que é con- tratransferéncia propriamente dita ¢ 0 que é simplesmente a transferéncia pessoal do proprio terapeuta em relago aos seus pacientes. Uma vez que o analista tenha condi- ‘Goes de fazer essa necesséria discriminago, entdo, sim, ele pode utilizar os seus sentimentos contratransferenciais como um meio de entender que esses correspondem. ‘auma forma de comunicagdo primitiva de sentimentos que 0 paciente niio consegue reconhecer e, muito menos, verbalizat. No processo grupal, importante que todos os componentes da grupoterapia desenvolvam a capacidade de reconhecimento dos proprios sentimentos contratrans- ferenciais que os outros Ihe despertam, assim como os que ele despertou nos outros. Isso tem uma dupla finalidade: uma, a de auxiliar a relevante funco do ego de cada jndividuo em discriminar entre 0 que é seu e o que é do outro; a segunda razdo é ada necessidade, para o crescimento de cada pessoa, de que ela reconhega, por mais pe- rnoso que isso seja, aquilo que ela desperta e “passa” para os outros, Finalmente, cabe destacar 0 sério tisco de que se formem surdos conluios transferenciais-contratransferenciais, sob modalidades como as de: um ilus6rio “faz de conta”; uma reciproca fascinagao narcisfstica; um vinculo de poder de natureza sadomasoquista, etc. Um conluio inconsciente que representa um sério prejuizo para ‘uma grupoterapia psicanalitica € quando o espago do campo grupal esta unicamente ‘ocupado pela idealizagao, pois assim fica inibido o surgimento de sentimentos agres- sivos contidos na chamada “transferéncia negativa”, e sem a andlise da agressio e da agressividade um tratamento analftico nfo pode ser considerado completo. COMUNICACAO. {As grupoterapias, mais do que o tratamento individual, propiciam o surgimento dos problemas da comunicagio e, portanto, favorecem o reconhecimento ¢ o tratamento de seus costumeiros distirbios. ‘A normalidade e a patologia da comunicago abarcam um universo tio amplo de configuragdes que seria impossivel detalhé-los aqui; no entanto, em estilo telegré- fico, alguns pontos devem ser destacado: (COMO TRABALHAMOS COM GRU Falar no € 0 mesmo que comunicar; assim, a fala tanto pode ser utilizada e instrumento essencial da comunicago como, pelo contrério, pode estara da incomunicagao. Cada paciente, assim como cada grupoterapeuta, tem um estilo peculiar de tr tir as suas mensagens que, de modo geral, traduz como & a sua perso (assim, pode-se reconhecer 0 estilo arrogante do narcisista, o dramético do his co, o detalhista ¢ ambiguo do obsessivo, 0 evitativo do fébico, o falacioso “falso self”, 0 autodepreciativo dos deprimidos, o defensivo-litigante dos p ides, o superlativo do hipomaniaco, ¢ assim por diante). E de especial importancia que o grupoterapeuta observe detidamente o des que as mensagens de uns ressoam nos outros, principalmente o de sua ati interpretativa. E igualmente importante que o grupoterapeuta este atento as miltipas form de comunicacao ndo-verbais (gestos, posturas, maneirismos, choro, riso, mentas, tonalidade de voz, somatizagGes, actings, efeitos contratransferencis O que deve ser enfatizado é o fato de que, nas grupoterapias em que 0 e1 (grupoterapeuta) e o receptor (grupo) nao estiverem sintonizados num mesmo a comunicagao nao se fard. Isso € particularmente importante para os problemas interpretagio, ATIVIDADE INTERPRETATIVA Ainda que a interpretago nio seja o tinico fator terapéutico, ela 6, sem diivida, instrumento fundamental. No entanto, é itil estabelecer uma distingdo entre in taco propriamente dita e atividade interpretativa, tal como ela esta descrita nas tervengdes do grupoterapeuta” no capitulo deste livro que versa sobre “Como age 0s grupos terapeuticos?”. A interpretagio consta de trés aspectos: 0 contesido, a forma e 0 estilo, naturalmente, de um s6lido respaldo te6rico-técnico, e cada um desses permit uma alongada e relevante abordagem sobre a sua normalidade e patologia. Toda nao pretendo fazé-la aqui, pois seria uma exposi¢Ho relativamente longa, ¢ ela ser lida em um outro texto similar (Zimerman, 1993). Creio ser siti partilhar com o leitor as profundas transformagées que vém processando em mim em relagZo & técnica interpretativa nesses meus 30 anos continuada pratica grupoterdpica. Assim, bem no infcio de meu trabalho com g1 tetapéuticos psicanaliticos, mantive-me obediente aos postulados que os en vigentes na época postulavam: sempre interpretar 0 grupo como um todo, i evitando a nominagao dos individuos; sempre interpretar no aqui-agora trans e munca na extratransferéncia; evitar incluir na interpretacdo os aspectos int ppassado pela razo de que o grupo € uma abstrago e, portanto, diferentemente: individuos, ele ndo tem uma hist6ria evolutiva desde a infincia; entender o cs gtupal sob uma 6ptica Kleiniana, isto €, sob a égide das pulses destrutivas e respectivas ansiedades de natureza psicética. Minha fidelidade a tais principios durou pouco tempo: tudo me pa artificial e eu me sentia um tanto violentado e, a0 mesmo tempo, como que do os pacientes. Aos poucos, e cada vez mais, fui me permitindo fazer técnicas quanto & atividade interpretativa nos seguintes sentidos: 140 - + Disctiminar as individualidades, ainda que sempre em conexfo com o denomina- dor comum do contexto grupal. + Uma maior valorizagao dos aspectos extratransferenciais. + Nao fago mais uso de uma forma sistemdrica de interpretar no aqui-agora-conosco (com excecio, é claro, das situagdes em que a ansiedade emergente do grupo estiver, de fato, ligada a mim). + Emcontrapartida, utilizo mais uma atividade interpretativa constante de pergun- tas (que instiguem indagagées ¢ reflexes); clareamentos; assinalamentos (de paradoxos, lapsos, desempenho de papéis, formas de linguagem ndo-verbal, etc.); abertura de novos vértices de percept dos fatos; confrontos com a realidade exterior, ete. + Uma maior importincia e utilizacdo ao assinalamento de como os pacientes utili- zam as suas fungdes do ego, notadamente as de percepcdo, pensamento, lingua ‘gem, comunicagao, jufzo eritico e conduta. + Valorizo os aspectos positivos da personalidade, como, por exemplo, os que es- tao nas entrelinhas de muitas resisténcias e atuagdes. + Enfatizo o desempenho de papéis fixos e estereotipados presentes no grupo e que reproduzem os da vida Ié fora. + Uma valorizagio especial aos problemas da comunicagiio, em suas méiltiplas ma- nifestagdes. + Uma maior valorizacdo dos aspectos contratransferenciais tanto porque isso pode. ser um importante vefculo de comunicagéo primitiva como porque pode levar a0 risco de contrair conluios inconscientes com os pacientes. + Permitire, de certa forma, estimular que os proprios pacientes exergam uma fun- do interpretativa. + Fazer, ao final de cada sesso, uma sintese (nfo 6 0 mesmo que um resumo) das principais experiéncias afetivas ocorridas ao longo dela, sempre visando a uma integragdo e coesio grupal. ACTINGS ‘Sabemos que os actings ocorrem como uma forma substitutiva de nao lembrar, no pensar, nao verbalizar, ou quando as ansiedades emergentes dos pacientes nao foram, devidamente interpretadas pelo psicanalista. Por essa raz4o, eles se constituem num, ‘importantissimo elemento do campo grupal, uma forma de comunicar algo, que tanto pode ser de natureza benigna, e até sadia, como pode adquirir caracterfsticas bastante malignas. Dentre estas tiltimas, além do risco nao-desprezivel de que possa ocorrer um envolvimento amoroso entre pessoas do grupo, um acting que devemos considerar grave € 0 que diz repeito a uma quebra de sigilo do que se passa na intimidade do ‘grupo, inclusive com a divulgaedo publica de nomes das pessoas envolvidas. Guardo ‘uma convicgao que muito do declinio das grupoterapias analiticas se deve a um des- crédito que em grande parte foi devido a esse tipo de atuacdo, o qual costuma resultar de uma selec mal feita Osactings também podem estar a servigo das resistencias do grupo e se confun- ‘dem com o desempenho de alguns papéis, tal como foi descrito no t6pico relativo as: resistencias, COMOTRABALHAMOSCoMGRUPOS « 141. CRITERIOS DE CURA Conquanto eu esteja empregando o termo “cura” por ele ser de uso corrente na préti- ca analitica, creio que, acompanhando Bion, o conceito dessa palavra esté muito figado & medicina, no sentido tinico de uma remogao de sintomas; por conseguinte, a expresso mais adequada seria a de “crescimento mental”. Em termos mais estritamente grupais, pode-se afirmar que um processo exitoso da grupoterapia psicanalftica, em uma concepedo ideal, deveria abarcar os seguintes aspectos das mudancas psiquica + Diminuigdo das ansiedades parandides e depres duos possam assumir a parcela de responsabi ram de fazer para os outros e para si mesmos. + Desenvolvimento de um bom “espfrito de grupo”, com um sentimento geral de “pertencéncia” e de coesio. + Capacidade de comunicacao e interagdo com os demais, sem a perda dos neces- sérios limites, + Uso adequado das identificagées projetivas, sendo que isso tanto vai possibilitar uma menor distorgao de como eles percebem os demais, como o desenvolvimen- to de uma empatia, ou seja, a capacidade de se colocar no lugar do outro, + Ruptura da estereotipia cronificada de certos papéis, + Desenvolvimento da capacidade de fazer reconhecimentos: de si pr6prio; do ou- tro como pessoa diferente e separado dele; ao outro, como uma expressfio de consideragdo e gratidio; e reconhecer 0 quanto cada um necessita vitalmente ser reconhecido pelos outros. + Em pacientes muito regressivos, a passagem do plano imaginério para o simbli- 0, 0 que, por sua vez, permitiré a passagem da posigtio de narcis-ismo para a de social-ismo. + Desenvolvimento do senso de identidade individual, grupal e social, assim como de uma harmonia entre essas. + Capacidade de elaborar situagdes novas, com as respectivas perdas e ganhos. + Capacidade de fazer discriminagdes entre aspectos dissociados: do que € dele e 0 que é do outro; entre 0 pensar, 0 sentir e 0 agir; entre a ilusdo e a realidade, etc. + Capacidade de se permitir ter uma boa dependéncia (€ diferente de submissio ou simbiose), assim como o de uma relativa independéncia (6 diferente de rebeldia, autoritarismo ou de “néo precisar de ninguém”). Aquisigao de novos modelos de identificagao e, ao mesmo tempo, uma necessaria des-identificagao com arcaicos modelos de identificagdes pat6genas. + Desenvolvimento das capacidades de ser continente de ansiedades — das de ou- tros e das suas préprias. Transformagtio da onipoténcia em capacidade para pen- sar; da omnisciéncia pela capacidade de extrait umaprendizado com as experién- ‘cias emocionais; da prepoténcia pela humildade em reconhecer a fragilidade e a necessidade dos outros. + Desenvolvimento de uma funedo psicanalttica da personalidade, expressio de Bion que designa uma boa introjecio do psicanalista e, portanto, uma capacidade para alcancar insights e, no grupo, poder fazer assinalamentos interpretativos. ivas. Isso implica que os indivi- idade pelo que fizeram ou deixa- Em resumo, um verdadeiro crescimento mental de cada individuo do grupo con- siste no fato dele ter tirado um aprendizado com as experiéncias emocionais vividas 142 + zosermaneosonio nas recfprocas inter-relagdes que o grupo propiciou, de modo a se posicionar na vida pensando que o realmente valioso € adquirir a liberdade para fantasiar, desejar, sen- tir, pensar, comunicar, softer, gozar e estar junto com os outros. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ZIMERMAN, DE. Fundamentos bésicos das grupoterapias, Porto Alegre: Artes Médicas, 1993,

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