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GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

SECRETARIA DE ESTADO DO TRABALHO, DA HABITAÇÃO E DA ASSISTÊNCIA SOCIAL


FUNDAÇÃO DE APOIO À PESQUISA NO RIO GRANDE DO NORTE
INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR PRESIDENTE KENNEDY

GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE


SECRETARIA DE ESTADO DO TRABALHO, DA HABITAÇÃO E DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
FUNDAÇÃO DE APOIO À PESQUISA NO RIO GRANDE DO NORTE
INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR PRESIDENTE KENNEDY

PROMOÇÃO DOS DIREITOS DA


POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE
PROMOÇÃO DOS DIREITOS DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO RIO GRANDE
DO NORTE: DIAGNÓSTICO RUA NO RIO
E INTERVENÇÃO NOS GRANDE DO NORTE:
CAMINHOS DE INOVAÇÃO NO
DIAGNÓSTICO
SISTEMA ÚNICO E INTERVENÇÃO
DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

NOS CAMINHOS DE INOVAÇÃO


NO SISTEMA ÚNICO DE
VERSÃO PROVISÓRIA*

ASSISTÊNCIA SOCIAL

Natal, Rio Grande do Norte


2022

SECRETARIA DE ESTADO DO
TRABALHO, DA HABITAÇÃO E DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL – SETHAS
"A solidariedade, a compaixão e a misericórdia, não são
dimensões religiosas. São dimensões humanas".
Padre Júlio Lancellotti

Natal/RN
Fevereiro de 2023
GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

Maria de Fátima Bezerra


Governadora do Estado

Antenor Roberto Soares de Medeiros


Vice-governador do Estado

SECRETARIA DE ESTADO DO TRABALHO, DA HABITAÇÃO E DA ASSISTÊNCIA SOCIAL -


SETHAS

Iris Maria de Oliveira


Secretária de Estado

Adriano Gomes de Oliveira


Secretário-adjunto

Josiane Bezerra Tibúrcio Mendes


Subsecretária do Trabalho

Haroldo Gomes da Silva


Chefe de Gabinete

Marília Paiva de Souza


Coordenadoria de Estudos e Projetos

Edvânia Freitas de Lima


Coordenadoria de Gestão Estadual do Sistema Único de Assistência Social

Jair Macedo de Lima


Coordenadoria de Projetos Especiais

Jankarly Varela de Oliveira Morais


Coordenadoria Operacional de Desenvolvimento Social

Karla Pereira da Silva


Coordenadoria de Planejamento e Orçamento

Pedro de Souza Siqueira


Coordenação da Assessoria Jurídica
GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SECRETARIA DE ESTADO DO TRABALHO, DA HABITAÇÃO E DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
FUNDAÇÃO DE APOIO À PESQUISA NO RIO GRANDE DO NORTE
INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR PRESIDENTE KENNEDY

Equipe responsável pela escrita do relatório:


João Victor Moura Lima
Lisandra Chaves de Aquino Morais
Mateus Cavalcante de França
Shirlenne Nascimento dos Santos

Coordenação:
Edvânia Freitas de Lima
José Paulino Filho
Larissa Mércia Feitosa de Carvalho
Marília Paiva de Souza
Sueilton Júnior Braz de Lima

Colaboração com a pesquisa e o relatório:


Carlos André Lucena Cruz
Cobra Preta dos Santos Galvão
Elizângela Cardoso de Araújo Silva
Giovanna Lima Gurgel
Rodrigo dos Santos Nunes
Yago Giovanni Scachetti
Yara Maria de Nassau
Hellen Tattyanne de Almeida
Tábita Pollyana Alves de Souza
FUNDAÇÃO DE APOIO À PESQUISA NO RIO GRANDE DO NORTE – FAPERN
Maria Lúcia Pessoa Sampaio
Diretora Presidente

Jucirema Ferreira da Silva


Diretora Científica

Arthur César Barbosa Nunes


Diretor Administrativo-Financeiro

Marta Maria Souza Matos


Diretora de Desenvolvimento Tecnológico e de Inovação

Ana Angélica Rego de Queiroz


Coordenadora de Estudos e Análise de Projetos

Sueilton Júnior Braz de Lima


Coordenador de Acompanhamento e Avaliação de Projetos

José Ricardo da Silveira


Analista de Ciência, Tecnologia & Inovação

INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR PRESIDENTE KENNEDY – IFESP


Márcia Maria Alves de Assis
Diretora Geral

José Paulino Filho


Coordenador Administrativo e Coordenador Geral de Assessoria Científica
Equipe do projeto institucional:
Cobra Preta dos Santos Galvão
João Victor de Moura Lima
Helierba Patrícia de Souza
Lisandra Chaves de Aquino Morais
Mateus Cavalcante de França
Sanielle Katarine Rolim de Oliveira
Shirlenne Nascimento dos Santos

Equipe do Projeto Educação Popular em Assistência Social para População


em Situação de Rua no Rio Grande do Norte:
Adelmo Lopes da Silva Junior
Amanda Patrícia Gomes
Antônio Carlos Gomes da Silva
Cleomar Melo
Hallison Silva da Costa
Jean Pierre Tertulino Câmara
José Vanilson Torres da Silva
Márcio Francisco de Andrade
Mirnaiame Aglaia de Almeida
Neurivania da Silva

Equipe de pesquisadores voluntários:


Andréa Galdino Rocha
Carlos Alberto Cavalcante da Costa
Giovanna Lima Gurgel

Equipe da Assessoria de Comunicação:


Sílvio Andrade
Subcoordenação da Assessoria de Comunicação

Gabriel Valentim da Silva


Estagiário de design - Diagramação

João Gabriel Soares Gameleira Rêgo


Estagiário de comunicação social - publicidade e propaganda- Fotos
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO - 9

1 - INTRODUÇÃO - 11

2 - DESENHO METODOLÓGICO - 13
2.1 O CONCEITO DE POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA - 13
2.2 O MAPEAMENTO - 17
2.3 OS QUESTIONÁRIOS - 20
2.4 A REALIZAÇÃO DA COLETA DE DADOS PRIMÁRIOS - 21
2.5 A ANÁLISE DOS DADOS - 25

3 - RESULTADOS: A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO RN - 28


3.1 A PANDEMIA DE COVID-19 - 38
3.1.1 O PERFIL DAS PESSOAS QUE FICARAM EM SITUAÇÃO DE RUA DURANTE A PANDEMIA
DO COVID-19 - 43
3.1.2 SERVIÇOS OFERTADOS NA PANDEMIA - 44

3.2 DIFERENÇAS TERRITORIAIS - 49


3.2.1 TERRITÓRIO ASSU/MOSSORÓ - 52
3.2.2 TERRITÓRIO SERTÃO DO APODI - 53
3.2.3 TERRITÓRIO TRAIRÍ - 54
3.2.4 TERRITÓRIO SERIDÓ - 55
3.2.5 TERRITÓRIO MATO GRANDE - 56
3.2.6 TERRITÓRIO POTENGI - 57
3.2.7 TERRITÓRIO SERTÃO CENTRAL CABUGI E LITORAL NORTE - 58
3.2.8 TERRITÓRIO AGRESTE LITORAL SUL - 59
3.2.9 TERRITÓRIO ALTO OESTE - 60
3.2.10 TERRITÓRIO TERRAS POTIGUARAS - 61
3.2.11 MOTIVOS QUE LEVARAM À SITUAÇÃO DE RUA -63
3.2.12 LOCAL DE DORMIDA E MOTIVOS QUE LEVARIAM A SUPERAR A SITUAÇÃO DE RUA - 66
3.2.13 SAÚDE - 68
3.2.14 SEGURANÇA ALIMENTAR - 72
3.2.15 OFERTA E ACESSO A SERVIÇOS - 74
3.2.16 ACESSO À DOCUMENTAÇÃO - 82
3.2.17 VIOLÊNCIAS SOFRIDAS - 85
3.3 ASPECTOS DE GÊNERO, SEXO E ORIENTAÇÃO SEXUAL - 89
3.3.1 AS PESSOAS TRANSGÊNERO EM SITUAÇÃO DE RUA - 91
3.3.2 AS TRAJETÓRIAS DE MULHERES EM SITUAÇÃO DE RUA - 94
3.3.3 DEMANDAS DO SEXO FEMININO EM SITUAÇÃO DE RUA - 106
3.3.4 PESSOAS NÃO-HÉTEROSSEXUAIS EM SITUAÇÃO DE RUA - 107

3.4 ASPECTOS RACIAIS - 110


3.5 ACESSO À DOCUMENTOS - 115
3.6 ACESSO À ALIMENTAÇÃO - 119

3.7 ACESSO À ASSISTÊNCIA SOCIAL - 126


3.7.1 UNIDADES DE ACOLHIMENTO - 132
3.7.2 O ATENDIMENTO DAS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA NO CRAS,
CREAS E CENTRO POP - 134

3.8 ACESSO À SAÚDE - 137


3.8.1 VACINAÇÃO - 143
3.8.2 USO DE ALCOOL E OUTRAS DROGAS - 148

3.9 ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL - 152


3.10 ACESSO À JUSTIÇA - 157
3.11 FAMÍLIAS, CRIANÇAS E ADOLESCENTES - 165
3.12 VIOLÊNCIA E TRAJETÓRIAS - 167

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS - 171

4.1 LIMITAÇÕES DA PESQUISA - 172


4.2 O PERFIL DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO RIO GRANDE DO NORTE - 173
4.3 RECOMENDAÇÕES - 175

5. REFERÊNCIAS - 178
APRESENTAÇÃO
Temos a alegria de apresentar à sociedade potiguar o presente relatório com os resultados
e achados do Censo da População em Situação de Rua no Rio Grande do Norte. Um estudo
inédito na história do RN, que se efetivou, em primeiro lugar pelo compromisso e determinação
da Governadora Profa. Fátima Bezerra com a defesa e garantia de direitos e prestação de serviços
à população em situação de vulnerabilidade.
Cabe destacar também que o presente estudo foi previsto pela SETHAS no Plano Plurianual
2020-2023 quando este se refere à realização de estudos sobre “as condições de vida de diversos
segmentos em situação de vulnerabilidade social, pobreza extrema e violência, bem como mapeamento
e monitoramento de oferta de políticas públicas destinadas a esses públicos no RN.”
Em políticas públicas um primeiro passo para que o Estado em todos os níveis possa
garantir direitos é conhecer as necessidades sociais e a realidade da população destinatária dessas
políticas, programas ou projetos. É nesta direção que se coloca a importância do presente estudo
e dos resultados neste momento apresentado. O censo se efetivou a partir da diretriz de trabalho
integrado, colaboração e parceria realizadas através de um Acordo de Cooperação Técnica-
Científica entre três órgãos do Governo do RN: Secretaria de Estado do Trabalho, Habitação
e Assistência Social – SETHAS; Fundação de Apoio à Pesquisa do RN – FAPERN; e Instituto de
Educação Superior Presidente Kennedy.
Ao mesmo tempo em que foi realizada a contagem e identificado o perfil da População em
Situação de Rua no Rio Grande do Norte, se buscou identificar a atuação dos serviços da rede
de proteção social básica, de média e alta complexidade do Sistema Único de Assistência Social
(SUAS) e das demais políticas públicas para esta população.
Com a conclusão da pesquisa a SETHAS e todos os órgãos do executivo estadual e
municipal com interesse e oferta de serviços para a população em situação de rua passam a dispor
de informações, dados quantitativos e qualitativos sobre o perfil, as necessidades sociais, as
violações de direitos, dentre outras informações que permitem conhecer melhor esta população.
Informações que poderão contribuir para qualificar a oferta de serviços, programas, projetos e
benefícios da Assistência Social e de outras políticas públicas, tanto pela gestão estadual, como
pelos municípios.

Desejamos a todos uma ótima leitura!

Rio Grande do Norte, novembro de 2022

Iris Maria de Oliveira

Secretária de Estado do Trabalho, Habitação e Assistência Social do RN

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1. INTRODUÇÃO
O Governo do estado do Rio Grande do Norte, através da parceria entre a Secretaria de
Estado do Trabalho, da Habitação e da Assistência Social (SETHAS), a Fundação de Apoio à Pesquisa
do Rio Grande do Norte (FAPERN) e o Instituto de Educação Superior Presidente Kennedy
(IFESP) assumiu o compromisso da constituição de equipe de coordenação e desenvolvimento de
pesquisa e atividades interventivas do projeto “Promoção dos direitos da população em situação
de rua no Rio Grande do Norte: diagnóstico e intervenção nos caminhos de inovação no Sistema
Único de Assistência Social” para atuar na construção de respostas às demandas da população em
situação de rua no estado do Rio Grande do Norte.
O projeto teve como objetivo geral desenvolver ações de natureza investigativa e
interventiva diretamente voltadas às demandas da população em situação de rua no estado do Rio
Grande do Norte. Seus dois objetivos específicos, nesse sentido, foram: a) Realizar mapeamento,
contagem e diagnóstico do cenário da população em situação de rua; b) Realizar ações de
intervenção direta visando a resultados de curto, médio e longo prazo, comprometendo-se em
responder e transformar objetivamente as condições de vida dessa população, no estado do RN.
Este relatório apresenta, inicialmente, os resultados da realização do primeiro objetivo do
projeto, que pode ser melhor especificado como a realização da contagem e a identificação do perfil
da População em Situação de Rua no Rio Grande do Norte. Para este fim, delimitaram-se aspectos
norteadores para a identificação desse perfil: a) características demográficas; b) características
sociais e econômicas (cor/raça, etnia, idade, gênero, orientação sexual, escolaridade, trabalho,
renda, origem territorial, vínculos familiares na rua, condições de saúde e moradia/acolhimento
de passagem); c) acesso a serviços e políticas públicas; d) participação social em espaços coletivos,
organizações sociais.
Essa investigação se justifica pela escassez de pesquisas, sobretudo com desenhos
metodológicos que objetivem um recenseamento sobre a população em situação de rua, em
especial, no contexto do estado do Rio Grande do Norte. Compreender a realidade dessa
população em situação alarmante de violação de direitos e de vulnerabilidade social é essencial
para a elaboração de respostas do poder público que sejam adequadas às necessidades desses
sujeitos.
Desse modo, a investigação realizada no âmbito do projeto “Promoção dos direitos da
população em situação de rua no Rio Grande do Norte: diagnóstico e intervenção nos caminhos de
inovação no Sistema Único de Assistência Social” contou com a aplicação de questionários a todas as
pessoas em situação de rua, identificadas no estado do Rio Grande do Norte, durante o período
de execução da pesquisa, em todos os municípios do estado, onde pelo menos uma pessoa em
situação de rua foi identificada. Os questionários foram tabulados e analisados, e, neste relatório,
são apresentados os resultados obtidos.
O segundo capítulo dedica-se à exposição do desenho metodológico adotado na pesquisa,
explicitando o conceito de população em situação de rua adotado e as etapas que envolveram a
etapa de natureza investigativa do projeto. No terceiro capítulo, são apresentados os principais
resultados obtidos a partir dos dados coletados, no que diz respeito a diferentes aspectos sensíveis
na vivência da população em situação de rua no estado do RN. Por fim, no quarto capítulo são feitas
as considerações finais da pesquisa, e recomendações ao poder público, a partir dos resultados
apresentados.

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2. DESENHO METODOLÓGICO
2.1 - O CONCEITO DE POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA

Um ponto crucial para esta pesquisa é o conceito de população em situação de rua adotado.
Ele foi definido a partir de discussões em mais de uma ocasião com a Coordenação do Projeto, com
a Secretária da SETHAS, com representantes do Movimento Nacional da População em Situação
de Rua (MNPR) e com agentes dos consultórios na rua (CnR) de Natal e Parnamirim. Diante deste
contexto, foi adotada a definição estabelecida pela Política Nacional para a População em Situação
de Rua, que considera como pessoas em situação de rua:
o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos
familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular,
utilizando os logradouros públicos (ruas, praças, jardins, canteiros, marquises e baixos de
viadutos) e as áreas degradadas (prédios abandonados, ruínas, cemitérios e carcaças de
veículos) como espaços de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente,
bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia
provisória (BRASIL, 2011).

Reitera-se, também, o fato de o conceito aqui adotado dialogar com aquele legitimado
pela literatura internacional sobre o tema (cf. LAURENSON; COLLINS, 2007). Nesse sentido, a
pesquisa utilizou fontes de dados primários e secundários. A fase de levantamento e busca de dados
secundários foi fundamental na definição de conceitos, categorias e estratégias metodológicos,
conforme será exposto nos itens a seguir.
A esse respeito cabe destacar que durante a aplicação dos instrumentos de coleta de
dados primários, seu preenchimento era antecedido por uma pergunta-filtro: “Nos últimos 7 dias,
você dormiu pelo menos três dias na rua? Por quê? ”. A partir daí, foram trabalhados os critérios de
inclusão e exclusão no conceito adotado, determinante para a aplicação dos questionários. Foram
incluídas as pessoas que responderam “sim” a essa pergunta (abarcando como “rua”, os conceitos de
logradouros públicos e áreas degradadas descritas acima). No entanto, pessoas que responderam
“não” porque dormiram em algum tipo de domicílio de caráter temporário (abrigos, albergues,
unidades de acolhimento, comunidades terapêuticas ou casas de amigos ou conhecidos), ou
beneficiários do aluguel social (também de caráter temporário), também são inclusas, tornando-se
passíveis de aplicação do questionário. Por outro lado, indivíduos domiciliados que responderem
“sim” porque não tiveram dinheiro para voltar para casa, porque trabalham distante de suas casas,
porque não tiveram condição de retornar para casa por questões envolvendo o uso de álcool e
drogas, porque perderam a condução para casa ou motivo semelhante não estão passíveis de
aplicação do questionário, pois são domiciliados, não cabendo no conceito adotado.
Nesse ínterim, alguns apontamentos mostram-se necessários sobre as situações
contempladas pelo conceito de pessoa em situação de rua adotado nessa investigação.
Evidentemente, o conceito adotado determina quais sujeitos seriam recenseados, e a quais
sujeitos os resultados da pesquisa dirão respeito. O critério adotado, portanto, centra-se no local
utilizado pelos sujeitos para dormir. Algumas situações, naturalmente, eram enquadráveis no

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conceito objetivamente, como no caso de pessoas que utilizam logradouros públicos como local
de dormida. O uso de prédios abandonados para essa finalidade também significou uma situação
objetivamente enquadrada no conceito, o que não implica, no entanto, que o mesmo se estenderá
necessariamente a ocupações de terrenos abandonados. Nesses casos, foi necessário considerar
qual o tipo de moradia utilizada para o abrigo, sendo consideradas como pessoas em situação de
rua, os sujeitos que utilizavam moradias improvisadas como local de dormida. Para reconhecer
uma moradia como improvisada, foram utilizados alguns critérios objetivos, são estes: o grau
de consolidação do assentamento em seu entorno, o acesso à água potável e à eletricidade, a
presença de fossa séptica ou acesso ao sistema de esgoto, o nível de consolidação dos materiais
utilizados para a construção da estrutura de abrigo, a subdivisão ou não em cômodos e o tamanho
em área da unidade. Um exemplo de moradia improvisada identificada em uma ocupação de
terreno abandonado pode ser vista na Imagem 1:

IMAGEM 1: EXEMPLO DE MORADIA IMPROVISADA IDENTIFICADA EM UMA


OCUPAÇÃO DE TERRENO ABANDONADO.

Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022. / Foto por: Shirlenne Nascimento dos Santos

Essa decisão metodológica, de não recensear na totalidade as ocupações de terrenos


abandonados, leva a dois apontamentos. Em primeiro lugar, a razão de ser de um recenseamento
da população em situação de rua vem de uma carência de investigações desse tipo no Brasil.

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Assentamentos informais, no entanto, são recenseados por outras pesquisas, inclusive pelo Censo
Nacional realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que denomina tais
comunidades como “aglomerados subnormais”:

Aglomerado Subnormal é uma forma de ocupação irregular de terrenos de


propriedade alheia – públicos ou privados – para fins de habitação em áreas urbanas
e, em geral, caracterizados por um padrão urbanístico irregular, carência de serviços
públicos essenciais e localização em áreas com restrição à ocupação. No Brasil, esses
assentamentos irregulares são conhecidos por diversos nomes como favelas, invasões,
grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, loteamentos irregulares, mocambos e
palafitas, entre outros. Enquanto referência básica para o conhecimento da condição
de vida da população brasileira em todos os municípios e nos recortes territoriais intra-
municipais – distritos, subdistritos, bairros e localidades –, o Censo Demográfico aprimora
a identificação dos aglomerados subnormais. Assim, permite mapear a sua distribuição
no País e nas cidades e identificar como se caracterizam os serviços de abastecimento
de água, coleta de esgoto, coleta de lixo e fornecimento de energia elétrica nestas áreas,
oferecendo à sociedade um quadro nacional atualizado sobre esta parte das cidades que
demandam políticas públicas especiais (IBGE, 2010).

Por esse motivo, unidades habitacionais informais com algum grau de consolidação, isto é,
que não foram consideradas improvisadas visto que sua tendência era a permanência no local e
maior consolidação com o passar do tempo (cf. JACQUES, 2033, p. 25-26), não foram consideradas
como local de abrigo de pessoas em situação de rua. Por outro lado, em segundo lugar, as habitações
consideradas improvisadas foram apontadas pela investigação como situação de rua, haja vista
a maior fragilidade de suas estruturas e a maior potencialidade de uma permanência efêmera
ou intermitente por seus ocupantes. Exemplo disso é a desocupação de pessoas em situação
de rua, parte delas ocupantes de moradias improvisadas, no Viaduto do Baldo, no município de
Natal (SILVA, 2022, p. 67-68), realizada por via administrativa e executada pela Guarda Civil
Municipal (GCM), e não por um processo de reintegração de posse expedido judicialmente, que
normalmente origina desocupações de aglomerados subnormais, a exemplo do processo aberto
contra os moradores da Ocupação Olga Benário, no bairro do Planalto (BURITI, 2018, p. 67).
Ainda sobre o conceito adotado, é necessário realizar alguns apontamentos sobre as
pessoas identificadas em abrigos ou unidades de acolhimento. É nebuloso afirmar a efemeridade
da permanência de alguém em uma unidade de acolhimento. A Unidade de Acolhimento para

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Adultos e Famílias em Situação de Rua do município de Natal, por exemplo, conta com vagas fixas,
nas quais um usuário pode permanecer por muitos anos e até a superação da situação de rua.
Visto isso, foi adotado como critério para realização da entrevista a história precedente
dos sujeitos. Isto é, os sujeitos que encontravam-se em situação de rua (conforme os critérios
previamente explicitados) antes do acolhimento foram considerados pelo conceito adotado. Essa
decisão metodológica foi feita para considerar equipamentos públicos que não são exclusivos
para pessoas em situação de rua, como unidades de acolhimento para crianças e adolescentes e
unidades de saúde. Do mesmo modo, foram consideradas instituições de acolhimento geridas por
projetos sociais ou organizações não governamentais, como Instituições de Longa Permanência
para Idosos (ILPI), comunidades terapêuticas1 e casas de acolhida temporária (como o projeto
Alimentando com Amor, o Projeto Nosso Lar e a Casa Lumen, todos localizados em Natal). O
mesmo critério foi adotado para a realização de entrevistas dos beneficiários do aluguel social2,
visto que nem todos o receberam por estarem em situação de rua.
Portanto, não foram contemplados pelo conceito adotado nesta pesquisa: pessoas que
utilizam logradouros públicos como espaço de trabalho, mas que dispõem de uma referência
domiciliar; pessoas que utilizam logradouros públicos como espaço de conseguir alimentos
ou dinheiro por meio de doações, mas que dispõem de uma referência domiciliar; moradores
de aglomerados subnormais ou de moradias informais consolidadas; pessoas em unidades
de acolhimento (estatais ou não) que não se encontravam anteriormente em situação de rua;
beneficiários de aluguel social que não se encontravam anteriormente em situação de rua. É
inegável que esses grupos são constituídos por indivíduos em situação de vulnerabilidade social
e que merecem a atenção de políticas públicas. No entanto, nesta pesquisa, eles não foram
considerados em situação de rua e, portanto, os resultados aqui apresentados não dirão respeito
a esses sujeitos.

2.2 O MAPEAMENTO
O mapeamento foi o processo de identificação e planejamento de municípios a serem
visitados, isto é, municípios nos quais era notificada a presença de pelo menos uma pessoa em
situação de rua. Essa etapa da pesquisa foi feita a partir de uma triangulação de dados, estratégia
metodológica que utiliza mais de uma fonte de dados de maneira a analisá-las em conjunto, para que
cada uma possa suprir as limitações das demais. Dada a inviabilidade de circular simultaneamente
em todas as ruas do estado, foram buscadas evidências sobre a existência de pessoas em situação
de rua em cada município do Rio Grande do Norte. A primeira fonte de informações foi o banco de
dados do Cadastro Único para programas sociais, instrumento de coleta de dados e informações
das famílias ou indivíduos de baixa renda de todo o Brasil. Os dados de agosto de 2021 revelavam
a seguinte distribuição de pessoas cadastradas que declararam estar em situação de rua no Rio
Grande do Norte:

¹ Embora comunidades terapêuticas não sejam unidades de acolhimento institucional, elas foram consideradas em conjunto com essas
instituições pelo fato de que, objetivamente, elas oferecem abrigo temporário à população em situação de rua.
² Trata-se de benefício eventual que consiste no subsídio, pelo poder público municipal, de recursos para o pagamento de valores
referentes ao aluguel para famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade social, por um período limitado e previamente determinado.

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IMAGEM 2: MAPA DE FREQUÊNCIA DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO
RIO GRANDE DO NORTE CONFORME DADOS DE AGOSTO DE 2021 DO CECAD.

Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

A partir do olhar sobre a população em situação de rua no Rio Grande do Norte, tendo
como ponto de partida da pesquisa as informações do Cadastro Único, que apresenta defasagem
e subnotificação de registro de pessoas em situação de rua em todo o Brasil, a equipe foi ciente,
no entanto, de que essas informações poderiam não corresponder totalmente à realidade. Foram
buscadas, portanto, outras fontes de dados. Um ofício foi enviado aos gestores da Política de
Assistência Social de todos os municípios do Rio Grande do Norte, indagando sobre a existência
de pessoas em situação de rua na cidade, a previsão de sua quantidade e os principais pontos
onde elas podem ser encontradas. Outras fontes também foram consultadas: a partir do curso
de capacitação “Assistência social e atendimento à população em situação de rua” oferecido
a trabalhadores da assistência social de municípios de todo o estado, no qual a equipe de
pesquisadores discorreu sobre o histórico e os desafios enfrentados pela Política Nacional para a
População em Situação de Rua, foi organizado um módulo para discutir a realidade dos municípios
do Rio Grande do Norte, e, as mesmas questões enviadas aos gestores foram colocadas.
Além desse fator, foram consultados dados sobre a vacinação contra COVID-19 de
pessoas em situação de rua, fornecidos pela Secretaria de Saúde Pública (SESAP), após diálogo
entre a equipe de pesquisadores do Censo Estadual da População em Situação de Rua e uma
representante da Secretaria, atuante na imunização desse segmento populacional.

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Foram ainda consultados projetos sociais filantrópicos que atuam junto à população em
situação de rua em Natal 3, por meio da aproximação com o Grupo União, que inclui representantes
de diferentes iniciativas com a finalidade de organizar os itinerários desses projetos. Do mesmo
modo, foram feitas reuniões com os Consultórios na Rua (CnR) dos municípios de Natal, Parnamirim
e Mossoró. Esses dados foram triangulados e foram identificadas as estimativas a seguir.

IMAGEM 3: MAPA DE FREQUÊNCIA DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO RIO


GRANDE DO NORTE A PARTIR DE DADOS COLETADOS DE MÚLTIPLAS FONTES.

Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Cumpre mencionar que no caso do município de Natal, foi feita uma parceria com o
Serviço de Assistência Rural e Urbano (SAR), por meio do Projeto “Educação Popular em
Assistência Social para a População em Situação de Rua no RN”, que selecionou, com o apoio do
MNPR, uma equipe de pessoas em situação de rua para realizarem o mapeamento dos pontos de
concentração desse público no município. Essa equipe, a partir de suas vivências, experiências e
redes de contatos, percorreu todos os bairros da cidade com o objetivo de localizar locais onde
poderiam ser encontradas pessoas em situação de rua. A equipe do mencionado Projeto enviou,
periodicamente, documentos com listagem por bairro e por zona do município de Natal, indicando
os pontos de concentração de pessoas em situação de rua. A partir dessa identificação, as idas a
campo foram planejadas e realizadas. Além desse papel, essencial para a realização do Censo da
População em Situação de Rua no Rio Grande do Norte, a equipe do referido Projeto também
realizou atividades interventivas com a população em situação de rua, por meio de oficinas, cujo

³ A partir do contato com o Grupo União, foram feitas conversas com representantes dos seguintes projetos: Anjos da Madrugada, Toca de
Assis, RN Invisível, Abraça-me, Pastoral Irmãos de Francisco e Heróis Solidários. Além da participação na etapa de mapeamento, esses projetos
cumpriram um importante papel no desenvolvimento do projeto, informando às pessoas em situação de rua sobre a importância de responder
ao questionário do censo. Ainda, o projeto Abraça-me e a Pastoral Irmãos de Francisco acompanharam a equipe, em mais de uma ocasião, para
auxiliar o contato dos pesquisadores com as pessoas em situação de rua em alguns pontos de concentração no município de Natal.
objetivo foi fortalecer a compreensão sobre a realidade desses sujeitos e sobre seus direitos.
Também foi feita uma consulta à Federação de Comunidades Terapêuticas do Rio Grande do
Norte, que forneceu uma listagem identificando as unidades onde podem ser encontradas pessoas
em situação de rua, além de contatos telefônicos com as ILPI identificadas como filantrópicas. A
partir de todas essas fontes, foram reunidas evidências sobre a existência de pessoas em situação
de rua em cada município do estado. Havendo evidências da existência de, ao menos uma pessoa
em situação de rua em um município, seria prevista pela equipe, uma ida a campo.

2.3 OS QUESTIONÁRIOS
O período inicial da pesquisa foi dedicado à formação da equipe e à revisão de literatura
sobre a realidade da população em situação de rua no Brasil, o que serviu de base para a elaboração
dos questionários. A construção dos questionários envolveu consultas a instrumentais utilizados
em outras pesquisas, em especial à experiência do Rio de Janeiro (2020), conversas com a
Coordenação do Projeto, com as responsáveis pela Coordenadoria de Gestão do Sistema Único
de Assistência Social (COGESUAS), pela Coordenadoria Operacional de Desenvolvimento Social
(CODES) e pela Coordenação de Estudos e Projetos (COEP) da SETHAS, com a Secretária da

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SETHAS, com representantes do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR)
e com agentes dos consultórios na rua (CnR) de Natal e Parnamirim.
Isto posto, foram formulados quatro modelos de questionário: a) básico (33 questões); b)
amostra (82 questões); c) famílias (20 questões); d) observação (3 questões). O questionário básico
é aplicado a todo o universo estudado. O questionário de amostra contém todas as perguntas do
questionário básico, com o acréscimo de questões mais aprofundadas sobre cada bloco temático
dos questionários, e foi aplicado a 1 (uma) a cada 10 (dez) pessoas entrevistadas. O questionário
das famílias, por fim, foi aplicado a responsáveis por pessoas com menos de 18 (dezoito) anos
de idade, em situação de rua, tendo em vista que os questionários não poderiam ser aplicados
diretamente e esse segmento. Contudo, se fosse encontrada uma criança ou um adolescente sem
acompanhamento por um responsável, poderia ser aplicado o questionário de observação, contido
no início dos questionários básico e de amostra, onde os indivíduos podem ser contados, e podem
ser identificados dados sobre: raça, sexo e faixa etária aparente. O questionário de observação
também pode ser aplicado a indivíduos que se recusaram a responder às perguntas e a indivíduos
que não tinham condição de respondê-las.
Os questionários básico e de amostra foram organizados em 10 (dez) blocos de perguntas,
a saber: 1) identificação; 2) trajetória, 3) deslocamento e permanência nas ruas; 4) família; 5)
cidadania; 6) assistência social; 7) acesso à justiça; 8) trabalho e renda; 9) educação; 10) saúde;
segurança alimentar e nutricional, higiene e lazer. O questionário de família é organizado em 2 (dois)
blocos de perguntas, sendo o primeiro destinado à unidade familiar e o segundo a cada criança
ou adolescente em situação de rua daquela família. Os questionários podem ser consultados, na
íntegra, no anexo deste relatório. O questionário de amostra, por sua vez, é composto pelos mesmos
dez blocos do questionário básico, diferenciando-se em virtude da adição de questões, com vistas
a identificar de forma mais aprofundada, algumas nuances da realidade dos entrevistados.
No dia 26 de outubro de 2021, foi realizado um pré-teste dos questionários no município
de Macaíba, a fim de conferir a adequação e a exequibilidade do instrumental. Na ocasião, não foi
identificado nenhum problema substancial nos questionários, tendo sido feitas apenas algumas
correções na redação de alguns trechos e validação da exequibilidade do instrumental. Desse
modo, definiu-se o instrumental a ser utilizado na pesquisa.

2.4 A REALIZAÇÃO DA COLETA DE DADOS PRIMÁRIOS


A partir daí, foi possível iniciar as idas a campo. Elas foram articuladas com equipes municipais
da rede socioassistencial: equipes de Centros de Referência de Assistência Social (CRAS); Centros
de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS); Centros de Referência Especializados
para População em Situação de Rua (Centro POP) e Serviços Especializados em Abordagem Social
(SEAS), conforme a realidade de cada município – Além de equipes de consultório na rua (CnR), no
caso dos municípios de Natal, Mossoró e Parnamirim. Nos municípios em que havia algum tipo de
unidade (estatal ou não) que oferece o serviço de acolhimento a pessoas em situação de rua, foi
feito contato direto com seus responsáveis, para a aplicação de questionários.
As idas a campo consistiram na visita da equipe de pesquisadores, normalmente

21
acompanhada por trabalhadores da rede socioassistencial ou do CnR, aos pontos de concentração
de pessoas em situação de rua, previamente mapeados, nos horários sugeridos como aqueles
de maior afluência. Ainda assim, durante a aplicação dos questionários, outros pontos foram
mapeados, seja em conversas com moradores domiciliados nos municípios, ou mesmo com
as pessoas entrevistadas. Ainda, em mais de um município, foram feitas idas a campo sem o
acompanhamento de equipes municipais, seja pela indisponibilidade delas em algum horário ou
local de concentração, seja em casos nos quais a presença de um grande número de pessoas
poderia ser desfavorável à aplicação de questionários.
Para cada município, foi estabelecida uma data-referência, correspondente às datas em
que foram feitas idas a campo e realizado o recenseamento da população em situação de rua no
local. Isso significa que os resultados obtidos para cada município dizem respeito à respectiva
data-referência. Naturalmente, a realidade de cada município é cambiante, sobretudo no que
diz respeito à população em situação de rua: após o fechamento da data-referência, é possível
que pessoas identificadas tenham superado a situação de rua, tenham se locomovido para outro
município ou mesmo ido a óbito; ainda, outras situações de rua, não-identificadas, podem ter
surgido. Assim, as afirmações feitas sobre cada município são limitadas, metodologicamente, à
sua data-referência.
Uma ressalva deve ser feita no que diz respeito ao município de Natal. Sendo o município
mais populoso do estado, a capital é o principal centro econômico estadual e apresentou, desde
a fase de mapeamento, a maior quantidade prevista de pessoas em situação de rua. Isso fez com
que o período de campo em Natal tenha sido muito extenso para a determinação de uma única
data-referência, já que isso fragilizaria os dados coletados. Portanto, as datas-referência foram
organizadas em cada uma das zonas da cidade (Norte, Sul, Leste e Oeste). Ainda, visto que a
zona Leste corresponde à área central, com a maior concentração de pessoas em situação de rua
observada no município, as idas a campo foram organizadas por bairro, tendo cada um sua data-
referência. A Ocupação Palmares, ocupação de prédio abandonado com quantidade considerável
de indivíduos no bairro das Rocas, surgida após a saída da equipe da Zona Leste, também teve uma
data-referência específica.
Ressalva semelhante precisa ser feita no que diz respeito às ILPI: essas foram contatadas na
etapa final da pesquisa. No entanto, é válido ressaltar que, em todos os casos, as pessoas acolhidas
em vagas filantrópicas que se encontravam anteriormente em situação de rua, tiveram entrada
nas instituições em momento anterior ao início da execução do Censo Estadual da População em
Situação de Rua. Portanto, no caso de ILPI em municípios já recenseados pela equipe, isso não
alterou suas datas-referência, sendo acrescentadas apenas as datas-referência dos municípios
onde as únicas pessoas em situação de rua identificadas encontravam-se acolhidas em ILPI. O
Hospital Geral Doutor João Machado, no município de Natal, também foi visitado ao final da
coleta de dados, possuindo uma data-referência própria, devido à alta rotatividade de pacientes, o
que foi alertado à equipe pelo setor de Serviço Social da instituição. Por fim, também receberam
datas-referência específicas a Ocupação Emmanuel Bezerra, a Missão Braços Abertos, o Centro
POP e a Unidade de Acolhimento para Adultos e Famílias em Situação de Rua, todos na Zona Leste

22
do município de Natal, pelo fato de que foram locais com relativo controle no fluxo de ocupantes
onde foram feitas idas a campo de maneira desvinculada das datas-referência dos bairros onde
estão localizados.
Dito isso, as datas-referência estabelecidas diante da realização da coleta de dados
primários foram:
QUADRO 1: DATAS-REFERÊNCIA DA REALIZAÇÃO DA COLETA DE DADOS POR
MUNICÍPIO, BAIRRO, ZONA MUNICIPAL OU LOCAL.
Município Data De Início Data De Encerramento
Macaíba 26/10/2021 06/12/2021
São Gonçalo do Amarante 29/11/2021 08/12/2021
Extremoz 09/12/2021 13/12/2021
Ceará Mirim 14/12/2021 14/12/2021
Montanhas 15/12/2021 15/12/2021
Brejinho 15/12/2021 15/12/2021
Caiçara do Norte 17/12/2021 17/12/2021
Canguaretama 20/12/2021 20/12/2021
Mossoró 17/01/2022 19/01/2022
Grossos 18/01/2022 18/01/2022
Caraúbas 19/01/2022 19/01/2022
Serra do Mel 20/01/2022 20/01/2022
Assu 20/01/2022 20/01/2022
Pendências 21/01/2022 21/01/2022
Poço Branco 24/01/2022 26/01/2022
Parazinho 25/01/2022 26/01/2022
Taipu 27/01/2022 27/01/2022
Pureza 28/01/2022 28/01/2022
Pau dos Ferros 31/01/2022 31/01/2022
Patu 01/02/2022 01/02/2022
Umarizal 01/02/2022 01/02/2022
Apodi 02/02/2022 02/02/2022
Areia Branca 03/02/2022 04/02/2022
Caicó 07/02/2022 10/02/2022
São Fernando 08/02/2022 08/02/2022
Jardim do Seridó 09/02/2022 09/02/2022
Parelhas 09/02/2022 09/02/2022
Cruzeta 10/02/2022 10/02/2022
Acari 11/02/2022 11/02/2022

23
Touros 15/02/2021 15/02/2021
São Miguel do Gostoso 15/02/2022 15/02/2022
Nova Cruz 16/02/2022 17/02/2022
Tibau do Sul 17/02/2022 17/02/2022
Nísia Floresta 11/02/2022 18/02/2022
Guamaré 21/02/2022 21/02/2022
Macau 21/02/2022 21/02/2022
Afonso Bezerra 22/02/2022 22/02/2022
Angicos 22/02/2022 22/02/2022
Jardim de Angicos 23/02/2022 23/02/2022
Vera Cruz 24/02/2022 24/02/2022
Serra Caiada 25/02/2022 25/02/2022
São José de Mipibu 09/02/2022 18/03/2022
Parnamirim 07/03/2022 18/03/2022
Natal (De 31/01/2022 A 26/05/2022)
Areia Preta (Zona Leste) 03/02/2022 07/02/2022
Praia do Meio (Zona Leste) 03/02/2022 07/02/2022
Ribeira (Zona Leste) 03/02/2022 24/02/2022
Santos Reis (Zona Leste) 07/02/2022 10/02/2022
Petrópolis (Zona Leste) 08/02/2022 15/02/2022
Mãe Luiza (Zona Leste) 10/02/2022 08/03/2022
Lagoa Seca (Zona Leste) 15/02/2022 16/02/2022
Barro Vermelho (Zona Leste) 15/02/2022 16/02/2022
Tirol (Zona Leste) 16/02/2022 21/02/2022
Rocas (Zona Leste) 17/02/2022 22/02/2022
Ocupação Emmanuel Bezerra 23/02/2022 03/03/2022
(Zona Leste)
Missão Braços Abertos (Zona 04/02/2022 22/02/2022
Leste)
Unidade de Acolhimento para
Adultos e Famílias em Situação 31/01/2022 16/03/2022
de Rua (Zona Leste)
Centro POP (Zona Leste) 01/02/2022 03/02/202
Natal (Zona Norte) 19/03/2022 08/04/2022
Natal (Zona Oeste) 06/04/2022 27/04/2022
Natal (Zona Sul) 25/04/2022 17/05/2022

24
Natal (Aluguéis Sociais) 23/05/2022 23/05/2022
Natal (Hosp. Geral Doutor João
Machado) 26/05/2022 26/05/2022
Caraúbas 27/05/2022 27/05/2022
Currais Novos 27/05/2022 27/05/2022
Arês 27/05/2022 27/05/2022
Bom Jesus 27/05/2022 27/05/2022
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Mais algumas observações mostram-se necessárias. No que diz respeito ao município de


Touros, foi feita uma primeira visita no dia 16/12/2021 e algumas pessoas em situação de rua
foram identificadas, mas não entrevistadas, pois na ocasião esse município apresentava uma
alta incidência de casos de COVID-19. Na segunda visita, no entanto, não foram identificadas
alterações no número de pessoas em situação de rua no município. Efetivamente, a equipe do
CREAS afirmou que, entre as duas visitas, algumas pessoas em situação de rua passaram pelo
município, mas permaneceram por poucos dias e partiram (indivíduos conhecidos como andarilhos),
tendo permanecido apenas as pessoas já identificadas na primeira visita. Por esse motivo, a data-
referência mantida foi a da segunda visita, a mais recente.
No caso do município de Mossoró, por outro lado, foi feita uma segunda visita no dia
02/02/2022, exclusivamente para entrevistar uma pessoa em situação de rua acolhida na Casa
de Acolhimento Anatália de Melo Alves, que já encontrava-se na unidade quando foram aplicados
os questionários nas ruas e outras unidades de acolhimento do município. Por esse motivo, foi
mantida a data-referência correspondente à primeira visita.
Por fim, cabe um apontamento no que diz respeito à data-referência atribuída aos
aluguéis sociais do município de Natal. Alguns beneficiários do aluguel social foram identificados
e entrevistados ao longo da execução da pesquisa de campo no município, sendo encontrados
em logradouros públicos. Após a pesquisa de campo nos bairros, foram buscados os demais
beneficiários do aluguel social do município que encontravam-se previamente em situação de rua,
com o apoio das unidades de assistência social de referência de cada família. Todos os beneficiários
informados por mais de uma listagem fornecidas pelo setor responsável pelos benefícios eventuais
da Secretaria Municipal do Trabalho e da Assistência Social (SEMTAS) foram identificados. Por
esse motivo, a data-referência adotada é a da listagem mais atualizada recebida pela equipe do
Censo Estadual da População em Situação de Rua.

2.5 A ANÁLISE DOS DADOS


Após a coleta de dados primários, os questionários foram tabulados em uma planilha
no software Microsoft Excel. Para encontrar tendências sobre a população em situação de rua,
foram adotadas ferramentas de análise quantitativa dos dados. No entanto, tanto algumas das
informações colhidas por meio dos questionários quanto aspectos observados pela equipe de

25
pesquisadores durante a etapa de aplicação foram analisados, também, de forma qualitativa, com
o intuito de elucidar alguns dos resultados encontrados.
Os dados foram analisados por meio de testes estatísticos com o uso do software Statistical
Package for Social Sciences (SPSS). Investigar a realidade a partir desses testes é importante porque
a população estudada não é homogênea, e sua realidade pode mudar em diferentes contextos e a
partir de diferentes características que marcam a vivência de seus indivíduos. Além disso, entender
estatisticamente tendências observáveis em diferentes elementos da realidade da população
em situação de rua no Rio Grande do Norte fornece melhores evidências para a elaboração de
políticas públicas destinadas a esse segmento.
Uma das formas de tratamento de dados foi a análise de estatísticas descritivas, isto é,
a representação da realidade observada em frequências, ou seja, o número absoluto de casos
observados, e percentuais, o número relativo daqueles casos em relação ao universo estudado.
No caso de respostas ao questionário de amostra, foi estimada a margem de erro dos resultados.
Esse tipo de informação é útil para compreender o perfil geral da realidade estudada, das pessoas
em situação de rua no estado do Rio Grande do Norte, sem, no entanto, permitir a percepção de
diferenças em categorias desse grupo heterogêneo.
Para melhor compreensão das diferenças entre grupos, divididos a partir das categorias
definidas pelas variáveis correspondentes aos itens dos questionários, foram feitas tabulações
cruzadas, que associam os resultados observados entre duas variáveis, o que permite perceber
se há diferenças proporcionais entre grupos. Para isso, foi calculado, também, a “contagem
esperada”, isto é, a contagem que seria observada, caso não houvesse diferença proporcional
entre os grupos. Essas diferenças foram calculadas com testes de “contingência” (no caso de haver
variáveis qualitativas em que há uma ordem em forma de escala) e “chi quadrado” (no caso de
variáveis em que não há uma escala). Esses testes permitem concluir se as eventuais diferenças
observadas entre os grupos têm significância estatística, isto é, apresentam uma probabilidade
inferior a 5% de constituírem fruto do acaso. Esse coeficiente é indicado no rodapé dos quadros
pela letra “p”, cujo valor, se multiplicado por 100, confere o resultado da probabilidade de aquele
resultado ser fruto do acaso.
Em alguns casos, mostrou-se necessário realizar um maior controle de variáveis, de modo
a entender que características são significativamente mais determinantes a tendências que
marcam vivências da população em situação de rua no Rio Grande do Norte. Para isso, foram
montados alguns modelos estatísticos, em especial regressões lineares (quando o objeto estudado
comporta-se como escala) e logísticas (quando o objeto estudado não se comporta como escala).
Nessas regressões é adotado um conjunto de variáveis independentes, que são testadas em sua
interação com a variável dependente (ou seja, o objeto estudado em questão). O conjunto de
variáveis controla-se internamente, ou seja, as regressões permitem entender o impacto de uma
variável independente sobre a variável dependente de modo controlado pelas demais variáveis
independentes.
Nas regressões lineares, o efeito de uma variável independente sobre a variável
dependente (que comporta-se como uma escala) diz respeito às variações médias observadas

26
naquela escala, de acordo com variações na variável dependente. Por exemplo: “cada ponto de
variação na variável independente X está associado a 2 pontos (positivos ou negativos) de variação
na variável dependente Y”. Já nas regressões logísticas, o efeito de uma variável independente
sobre a variável dependente (que não se comporta como uma escala) diz respeito à probabilidade
média de a variável dependente se comportar de outra forma de acordo com variações na variável
dependente. Por exemplo: “uma alteração em um ponto na variável independente X é 50% maior
ou menor à probabilidade de a variável dependente Y se comportar de outra forma”.
Nos quadros de regressão, há dois coeficientes que precisam ser observados. Um deles,
já assinalado, é o de significância estatística, que demonstra a probabilidade de aquele resultado
ser fruto do acaso. Por isso, nos quadros de regressão, os resultados em que foram observadas
associações com significância estatística foram assinalados com asteriscos (“*”). Outro deles é
o R2, o “coeficiente explicativo”, cujo valor multiplicado por 100 permite entender o quanto, em
percentuais, da oscilação da variável dependente pode ser explicado pelo conjunto de variáveis
independentes adotadas no modelo.

27
3 RESULTADOS: A POPULAÇÃO
EM SITUAÇÃO DE RUA NO RN
Foram identificadas pessoas em situação de rua em um total de 49 (quarenta e nove)
municípios potiguares, que podem ser visualizados no mapa a seguir:
IMAGEM 4: MAPA DE MUNICÍPIOS DO RIO GRANDE DO NORTE ONDE FORAM
IDENTIFICADAS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA.

Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

A distribuição espacial revela, a um primeiro olhar, uma tendência de presença de pessoas


em situação de rua perto do litoral e em polos territoriais próximos de fronteiras estaduais, como
Mossoró, Caicó, Apodi e Pau dos Ferros. Isso pode ser explicado pela rotina migracional de parte
dessa população e pela maior oferta de meios de sobrevivência em municípios de maior porte e
centralidade econômica.
Essa hipótese é suportada por evidências coletadas em outros contextos no Brasil e
no exterior que indicam tendências intramunicipais na distribuição espacial da população em
situação de rua. Garcia e Vieira (2022) percebem que, no município de Cáceres (MT), há pontos
estratégicos para a concentração dessas pessoas, sobretudo na área central4. A partir de dados
do censo da população em situação de rua de São Paulo em 2000, Schor, Artes e Bomfim (2003)
perceberam que a densidade construtiva, a concentração de estabelecimentos comerciais e o
fluxo de pessoas são variáveis determinantes na concentração dessas pessoas no município.
Comparando dados de abordagem de pessoas em situação de rua em São Paulo entre 2009 e 2014,
Albuquerque (2017) percebeu que, além da área central, pontos caracterizados como espaços

⁴ O que é natural, visto que a área central de uma cidade exerce importante papel na oferta de serviços e no fluxo de pessoas (CORRÊA, 1989,
p. 39-40), implicando em uma maior gama de recursos para a subsistência da população em situação de rua.

29
de passagem do município também propiciam a concentração de pessoas em situação de rua. A
partir de dados de municípios estadunidenses, Snow e Mulcahy (2001) percebem também que a
hostilidade apresentada à presença de pessoas em situação de rua em algumas áreas urbanas é
uma variável determinante de sua permanência. A partir do primeiro Censo e Pesquisa Nacional
sobre a População em Situação de Rua, Santos (2009) também percebe que a concentração dessa
população em um município depende de questões como a distribuição de recursos, o acesso a
serviços e resistência à hostilidade da população domiciliada.
Esses estudos, no entanto, debruçam-se sobre características, sobretudo, intramunicipais.
O principal esforço em observar tendências na distribuição intermunicipal de pessoas em
situação de rua pode ser percebido no trabalho de Suzuki (2008), que observou, a partir de dados
coletados no Japão, que a concentração de parques e praças, a oferta de empregos e a oferta de
serviços públicos são variáveis determinantes na concentração de pessoas em situação de rua.
Essas informações, naturalmente, não podem ser completamente extrapoladas para a realidade
potiguar. No entanto, os dados espaciais obtidos permitem evidenciar que municípios norte-
riograndenses com uma maior oferta de serviços - públicos e comerciais - e um maior fluxo de
pessoas, efetivamente, parecem ser territórios mais favoráveis para a presença de pessoas em
situação de rua.
Um mapeamento muito definitivo da distribuição de pessoas em situação de rua, no
entanto, não é tarefa simples, visto que, por diversos motivos, parte dessa população tem uma
rotina marcada por deslocamentos, inclusive para além de fronteiras municipais (cf. GRAND
JUNIOR; GONZAGA; ALMEIDA, 2022). É preciso, portanto, entender o mapa apresentado como
reflexo das datas-referências adotadas para cada município.
Além disso, o mapa informa apenas os municípios em que foram identificadas pessoas em
situação de rua. Quando considerada a quantidade de questionários aplicados em cada um deles,
essa tendência também é refletida. A esse respeito, vale salientar que foram aplicados, no total,
2.211 questionários, entre questionários básicos, de amostra, de família e de observação, a partir
dos quais foram identificadas 2.202 pessoas em situação de rua, visto que 9 desses questionários
- 7 no município de Natal e 2 no município de São Gonçalo do Amarante - foram anulados por
duplicidade ou pela situação do entrevistado não adequar-se ao conceito adotado de situação de
rua. Conforme esperado, a maioria (1491) das pessoas em situação de rua foram identificadas no
município de Natal, seguido pelos municípios de Parnamirim (103), Mossoró (70), Extremoz (68)
e São José de Mipibu (48). Desses municípios, Mossoró (a segunda cidade mais populosa do Rio
Grande do Norte), é o único que não se encontra na Região Metropolitana de Natal. O número
total de pessoas nessa situação, identificadas por município foi o seguinte:

30
QUADRO 2: PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA IDENTIFICADAS POR MUNICÍPIO DO RIO
GRANDE DO NORTE.
Quantidade de Pessoas
Municípios %
em Situação de Rua
Natal 1491 67,71%
Parnamirim 103 4,68%
Mossoró 70 3,18%
Extremoz 68 3,09%
São José de Mipibu 48 2,18%
Macaíba 39 1,77%
Poço Branco 36 1,63%
Caicó 35 1,59%
Nísia Floresta 33 1,5%
Parazinho 33 1,5%
Jardim de Angicos 25 1,13%
Nova Cruz 23 1,04%
Pureza 20 0,91%
São Gonçalo do Amarante 18 0,82%
Areia Branca 15 0,68%
São Fernando 12 0,54%
Taipu 12 0,54%
Touros 11 0,5%
Serra do Mel 10 0,45%
Assu 07 0,32%
Canguaretama 07 0,32%
Carnaúba dos Dantas 07 0,32%
Serra Caiada 07 0,32%
Parelhas 06 0,27%
Guamaré 05 0,23%
Jardim do Seridó 05 0,23%
Pau dos Ferros 05 0,23%
Tibau do Sul 05 0,23%
Umarizal 05 0,23%
Afonso Bezerra 04 0,18%
Caiçara do Norte 04 0,18%
Pendências 04 0,18%

31
Currais Novos 03 0,14%
Cruzeta 03 0,14%
Vera Cruz 03 0,14%
Acari 02 0,09%
Angicos 02 0,09%
Bom Jesus 02 0,09%
Carnaubais 02 0,09%
Ceará Mirim 02 0,09%
Patu 02 0,09%
Apodi 01 0,04%
Arês 01 0,04%
Brejinho 01 0,04%
Caraúbas 01 0,04%
Grossos 01 0,04%
Macau 01 0,04%
Montanhas 01 0,04%
São Miguel do Gostoso 01 0,04%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Essas informações podem ser expressas espacialmente no mapa:


IMAGEM 5: MAPA DE FREQUÊNCIA DE PESSOAS EM SITUAÇÃO IDENTIFICADAS
NOS MUNICÍPIOS DO RIO GRANDE DO NORTE.

32 Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.


A nítida concentração de pessoas em situação de rua no município de Natal, capital do
estado e município mais populoso, é explicável a partir de evidências já mencionadas, disponíveis na
literatura sobre o tema. Os municípios que seguem Natal imediatamente na lista acima são, quase
todos, municípios também marcados por um maior fluxo de pessoas, seja por representarem centros
regionais (como Mossoró, Caicó e Nova Cruz), seja por constituírem a Região Metropolitana de
Natal (como Parnamirim, São José de Mipibu e Macaíba). Extremoz, embora também componha a
Região Metropolitana de Natal, diferencia-se pelo fato de que todas as pessoas em situação de rua
identificadas estavam acolhidas em comunidades terapêuticas, instituições não-governamentais
que são consideravelmente numerosas no município. Outro município que vale menção é o de
Jardim de Angicos, que não possui características que determinariam tendências à concentração
de pessoas em situação de rua, contudo, diferentes gestões municipais autorizaram a ocupação
de prédios públicos abandonados por famílias em situação de vulnerabilidade social, sendo esses
indivíduos correspondentes à maioria dos entrevistados no município.
No total, foram aplicados 1776 questionários básicos, 186 de amostra (entre esses dois
grupos, 620 foram questionários de observação) e 249 questionários de família (correspondentes
a crianças e adolescentes de um total de 120 famílias com membros menores de 18 anos de idade
em situação de rua, entrevistadas). Entre os questionários básicos e de amostra, 885 (44,43%)
foram aplicados no turno da manhã, 396 (20,18%) no turno da tarde e 681 (34,7%) no turno da
noite.
Os 620 (31,6% do total de básicos e de amostra) questionários de observação decorreram
de situações em que foi impossível realizar questionários. Além disso, houve 31 (1,58%)
questionários interrompidos por algum motivo. Os demais 1311 (66,81%) dos questionários
básicos e de amostra foram aplicados inteiramente.
Entre os questionários cuja aplicação foi impossível ou interrompida, 176 (27,2%) o foram
por motivo de sonolência ou indisposição do entrevistado, 52 (8%) por alteração ou torpor por
uso de álcool ou drogas, 73 (11,3%) por algum motivo de saúde, 12 (1,9%) por alguma situação
de risco ou agressividade, 170 (26,2%) por alguma interferência externa, 3 (0,5%) por surdez, 62
(9,6%) por terem sido identificados mas posteriormente não localizados, 69 (10,6%) por recusa a
responder e 31 (4,8%) por serem pessoas com menos de 18 anos de idade, desacompanhados.
Entre as pessoas que responderam à pergunta filtro nos questionários básicos e de
amostra, 355 estavam em alguma instituição de acolhimento, 153 em habitação alugada graças ao
benefício do aluguel social, 31 dormindo provisoriamente na casa de amigos ou conhecido, 1333
utilizando logradouros públicos como local de dormida:

33
IMAGEM 6: GRÁFICO REFERENTE ÀS RESPOSTAS À PERGUNTA FILTRO.

Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Esse dado não compreende as 81 pessoas que não responderam à pergunta filtro. No
geral, são pessoas que encontravam-se dormindo no momento em que foram identificadas, tendo
sido aplicados questionários de observação. Cabe mencionar, ainda, que entre os questionários
básicos e de amostra, foram identificadas 203 pessoas (correspondentes a 10,35% de todos os
questionários básicos, de amostra e de observação aplicados) que encontravam-se em ocupações
de prédios abandonados. A partir da informação de que 9 pessoas responderam não estar em
situação de rua, pode-se inferir, portanto, que foram identificadas 2202 pessoas em situação
de rua no Rio Grande do Norte (considerando todos os questionários aplicados, inclusive os de
família).
Alguns dados gerais podem ser analisados a partir da junção de informações dos
diferentes tipos de questionário. Um deles diz respeito à faixa etária das pessoas em situação
de rua identificadas, sobre a qual podem ser reunidas informações de todos os quatro tipos de
questionário, em um total de 2190 casos. As frequências foram reunidas e estão expressas no
quadro a seguir:

34
QUADRO 3: PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA IDENTIFICADAS NO RIO GRANDE DO
NORTE POR FAIXA ETÁRIA.
Quantidade de Pessoas
Faixa Etária
(N°) (%)
0-4 anos 109 5%
5-9 anos 59 2,7%
10-14 anos 74 3,4%
15-17 anos 55 2,5%
18-25 anos 228 10,4%
26-35 anos 496 22,6%
36-45 anos 564 25,8%
46-59 anos 460 21%
60-75 anos 123 5,6%
Mais de 75 anos 22 1%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

A partir da reunião de informações dos questionários de família e do campo “0-4 anos” do


questionário de observação, pode ser feita uma estimativa de que há 131 pessoas em situação de
rua na primeira infância (com idade entre 0 e 6 anos) no Rio Grande do Norte. Essa previsão não
contempla eventuais crianças de 5 ou 6 anos que por ventura foram identificadas em questionários
de observação.
Informações sobre o sexo das pessoas também podem ser combinadas a partir de todos os
questionários, em um total de 2199 casos, sendo identificadas 1647 pessoas em situação de rua
do sexo masculino e 552 pessoas em situação de rua do sexo feminino:
IMAGEM 7: DADOS CONJUNTOS SOBRE SEXO EM PERCENTUAIS.

Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.


35
Outras informações coletadas pelos questionários básicos, de amostra e de família, mas
não reunidas a partir dos questionários de observação, também podem ser combinadas. Uma
delas é a categoria gênero, cujos resultados conjuntos, a partir de 1578 casos, são:
QUADRO 4: PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA IDENTIFICADAS NO RIO GRANDE DO
NORTE POR GÊNERO AUTODECLARADO.
Quantidade de Pessoas
Identidade de Gênero (n°) (%)
Mulher cis 419 26,6%
Homem cis 1146 72,6%
Mulher trans 11 0,7%
Homem trans 1 0,1%
Travesti 1 0,1%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Percebe-se uma preponderância, seja de homens, seja de pessoas do sexo masculino, em


situação de rua, o que contrasta com estimativas demográficas e recenseamentos nacionais, em
que o percentual de pessoas do sexo masculino e do sexo feminino aproximam-se de 50%.
Se combinadas, as pessoas transgênero são, no total, 13, correspondendo a 0,82% do
universo. Havendo uma carência de identificação de pessoas transgênero em nível nacional por
recenseamentos. Não sendo a identidade de gênero um aspecto estudado nos últimos censos
demográficos, não há como comparar esse percentual com um panorama nacional ou estadual
que considere, também, pessoas domiciliadas. Informações sobre raça, etnia ou cor da pele podem
ser combinadas a partir dos questionários de observação, básicos e de amostra, não sendo feita
coleta desses dados nos questionários de família. Desse modo, os dados conjuntos sobre raça, cor
de pele e etnia são:
QUADRO 5: PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA IDENTIFICADAS NO RIO GRANDE DO
NORTE POR RAÇA, COR DE PELE OU ETNIA.
Quantidade de Pessoas
Raça/Cor/Etnia (n°) (%)
Preta 415 22,5%
Parda 991 53,8%
Branca 412 22,4%
Amarela 10 0,5%
Indígena 13 0,7%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

É possível combinar as pessoas identificadas como pretas e pardas, sendo possível afirmar
que há 1406 (76,37%) pessoas negras em situação de rua no Rio Grande do Norte. Esses dados

36
contrastam com estimativas nacionais, em que o percentual de pessoas brancas supera 40%, e
o percentual de pessoas pretas é inferior a 10%, como demonstrado pela Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílio (PNAD) de 2019 (IBGE, 2019).
Apesar de os questionários perguntarem se os entrevistados são pertencentes a alguma
comunidade cigana ou quilombola, ninguém respondeu positivamente. No questionário de família,
apenas uma família, com três membros, foi identificada como descendente de uma comunidade
quilombola (não sendo, no entanto, pertencente a ela). Em que pese haver um número expressivo
de comunidades quilombolas e ciganas no Rio Grande do Norte, isso pode ser explicado pelo
fato de que são grupos caracterizados por fortes laços comunitários, a exemplo dos achados de
Gaudêncio (2018) e Souza (2016).
As respostas sobre deficiência também podem ser combinadas, a partir de 1571 casos.
Foram identificadas 591(37,62%) pessoas que declararam apresentar alguma deficiência. Dessas
pessoas, 254 (16,2%) têm dificuldades em locomover-se, 332 (21,13% em relação ao universo)
têm dificuldade para enxergar, 115 (7,32%) têm dificuldade para ouvir e 96 (6,11%) têm alguma
deficiência de ordem cognitiva, psicológica ou psiquiátrica. É importante ressaltar que essa
pergunta permitia a resposta simultânea a mais de uma alternativa, o que justifica que a soma dos
percentuais ultrapasse 100%.
A partir da pergunta sobre, em decorrência de uma deficiência, a pessoa em situação de
rua receber cuidados permanentes de terceiros, é possível combinar os dados dos questionários
de amostra e de família, em um total de 103 casos. Os resultados, com uma margem de erro de 9%
para uma estimativa com todo o universo, são:
QUADRO 6: RESPOSTAS À PERGUNTA SOBRE RECEBER CUIDADOS DE TERCEIROS
EM DECORRÊNCIA DE DEFICIÊNCIA.
Sobre Receber Cuidados de Quantidade de Pessoas
Terceiros em Decorrência de
(n°) (%)
Deficiência.
Não. 82 79,6%
Sim, de alguém da família. 10 9,7%
Sim, de cuidador
03 2,9%
especializado.
Sim, de instituição da rede
04 3,9%
socioassistencial.
Sim, de outra forma. 04 3,9%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Esses dados expressam que, mesmo levando-se em conta a margem de erro, o panorama
geral da pessoa em situação de rua com deficiência é o não-recebimento de cuidados, sendo
minoria aqueles que os recebem, seja por parte de familiares ou por outros meios.

37
Os tópicos a seguir serão destinados a analisar, de modo mais aprofundado, diferentes
aspectos da realidade das pessoas em situação de rua no Rio Grande do Norte.

3.1 A PANDEMIA DE COVID-19


Essa pesquisa foi realizada durante a Pandemia de Covid-19, uma doença infecciosa causada
pelo vírus SARS-CoV-2 que foi identificada em dezembro de 2019 na cidade de Wuhan, na China
(OMS, 2022). Em março de 2020 a doença se alastrou rapidamente pelo mundo e a OMS declarou
estado de pandemia. O Covid-19 matou mais de 680 mil pessoas no Brasil e mais de 6 milhões
de pessoas no mundo. A transmissão da doença acontece por vias aéreas, através da fala, tosse,
ou até mesmo da respiração através dos aerossóis e por superfícies contaminadas. Desse modo,
a forma de prevenir e barrar a transmissão do vírus é por meio do distanciamento e isolamento
social, quarentena, assim como, o uso de máscaras de proteção e higienização das mãos com água
e sabão ou álcool em gel.
A pandemia produziu uma nova dinâmica social, cultural, econômica e epidemiológica. Além
disso, à medida que avançava causava profundos impactos na saúde pública, economia e mercado
de trabalho (COSTA, 2020). Os índices de pobreza, desigualdade social e desemprego alavancaram
no mundo inteiro, trazendo consequências drásticas para a população mais empobrecida. Os
dados do Relatório dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável de 2021 das Organizações das
Nações Unidas (ONU, 2021), apontam que a taxa global de extrema pobreza teve um aumento
pela primeira vez desde 1998, passando de 8,4% em 2019 para 9,5% em 2020, com o contexto
pandêmico. No Brasil o cenário se apresenta de forma semelhante. A pesquisa intitulada “Inquérito
Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil”, realizada
pela Rede Penssan, apontou que concluiu que cerca de 116 milhões de brasileiros(as) estavam em
situação de insegurança alimentar e 19 milhões passam fome (PENSSAN, 2022). Ao mesmo passo,

38
os índices de desemprego crescem no país. A exemplo disso, em setembro de 2020 o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou uma pesquisa, a qual apontava que naquele
mês que o país chegava à marca de 13,5 milhões de desempregados, o que representa uma alta
de 33,1% em relação ao mês de maio do mesmo ano, elevando a taxa de desemprego para 14%.
O contexto pandêmico colocou o mundo à frente de enormes desafios epidemiológicos,
econômicos e sociais, sobretudo para a população mais vulnerável, como as pessoas em situação
de rua. Isso porque embora a covid possa infectar pessoas de qualquer idade, sendo as mais
velhas e com doenças crônicas as que se encontram em maior risco (OMS, 2022), configurando
assim uma ausência de seletividade na contaminação, os impactos do contágio são sentidos de
maneira diferente a depender da classe, raça e gênero, já que o Brasil é um país marcado por uma
profunda desigualdade social que se agudizou durante o contexto pandêmico. Desse prisma, cabe
ressaltar que a condição de pessoas em situação de rua merece destaque, já que essa população,
em decorrência das condições em que se encontra, está mais exposta à infecção por vírus, por
estarem mais desprotegidas (Honorato & Oliveira, 2022), já que não possuem os direitos mais
básicos como moradia, segurança alimentar e saúde.
Nesse sentido, o Censo da População em Situação de Rua, buscou compreender os impactos
causados pelo contexto pandêmico na população em situação de rua do estado do Rio Grande
do Norte. Para isso, foi feita uma pergunta sobre o tempo de situação de rua em decorrência da
pandemia. Essa pergunta fornece alternativas com recortes temporais e os dados obtidos foram:
QUADRO 7: PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA IDENTIFICADAS NO RIO GRANDE DO
NORTE POR TEMPO EM SITUAÇÃO DE RUA.
Quantidade de Pessoas
Tempo em situação de rua
(n°) (%)
Há menos de 6 meses 213 16,54%
De 6 meses a 1 ano 126 9,78%
De 1 a 3 anos 249 19,33%
De 3 a 5 anos 149 11,57%
De 5 a 10 anos 192 14,91%
Há mais de 10 anos 359 27,87%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Para obter os dados sobre as pessoas que ficaram em situação de rua em decorrência
da pandemia do covid-19 é possível combinar os dados referentes às pessoas que responderam
estar em situação de rua há menos 6 meses e de 6 meses a 1 ano, o que caracteriza justamente o
período da pandemia. Considerando essas respostas, os dados indicam que 339 (31,6%) pessoas
ficaram em situação de rua no Rio Grande do Norte em decorrência da pandemia. Pode-se
observar que embora a maioria dos (as) respondentes já estivessem em situação de rua antes
do contexto pandêmico, tem-se um número significativamente alto de pessoas que perderam a
moradia durante a pandemia.

39
No questionário de amostra há uma pergunta específica sobre as razões pela qual a
pessoa ficou em situação de rua no contexto pandêmico, caso a resposta seja positiva para tal.
As perguntas eram próprias desse modelo de questionário, portanto, a margem de erro é de 8%
e o número da amostragem é menor, tendo em vista a especificidade metodológica adotada para
ele. Do universo de 52 pessoas que responderam, no questionário de amostra, que ficaram em
situação de rua em decorrência a pandemia do covid-19, os motivos apontados foram:
QUADRO 8: RESPOSTAS À PERGUNTA SOBRE OS MOTIVOS QUE LEVARAM À
SITUAÇÃO DE RUA APÓS O INÍCIO DA PANDEMIA DE COVID-19.
Motivos Que Levaram à Situação de Quantidade de Pessoas
Rua (n°) (%)
Perda de Trabalho. 15 30%
Perda de Moradia. 08 16%
Perda de Renda. 08 16%
Perda de Familiares. 05 10%
Soube que Estavam Distribuindo
01 2%
Comida.
Outros. 13 26%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Entre os motivos que levaram a ficar em situação de rua, os dados demonstram que
a maioria, 15 (30%), das pessoas que ficaram em situação de rua durante a pandemia foi em
decorrência da perda de trabalho. No que diz respeito ao segundo maior dado, a alternativa
“outros” 13 (26%), todos os respondentes informaram que a situação de rua se deu por conflitos
familiares, o que, se casado com o dado geral dos motivos que as pessoas entram em situação de
rua, os conflitos familiares seguem sendo um fator determinante antes ou depois da pandemia.
Em seguida os dados indicam perda de moradia (16%) e perda de renda (16%) que, somados com a
perda de trabalho indicam que 31 pessoas ficaram em situação de rua em consequência da perda
de trabalho, renda e moradia.
As análises desses dados podem se configurar através dos quadros a seguir:
QUADRO 9: TABULAÇÃO CRUZADA DE PESSOAS QUE RESPONDERAM ESTAR EM
SITUAÇÃO DE RUA POR PERDA DE MORADIA E O TEMPO QUE ESTÃO NESSA CONDIÇÃO.
Há quanto tempo você está em Situação De Rua? /
Perda de Moradia***
Há Menos de 06
Não Sim Total
Meses
Contagem Esperada 162,5 50,5 213

40
Contagem Observada 148 65 213
Percentual Observado 15,23% 21,52% 16,72%
De 06 Meses a 1 Ano Não Sim Total
Contagem Esperada 93,8 29,3 123
Contagem Observada 77 46 123
Percentual Observado 7,92% 15,23% 9,65%
De 1 a 3 Anos Não Sim Total
Contagem Esperada 188,4 35,1 148
Contagem Observada 187 42 148
Percentual Observado 19,24% 19,87% 19,39%
De 3 A 5 Anos Não Sim Total
Contagem Esperada 112,9 35,1 148
Contagem Observada 106 42 148
Percentual Observado 10,91% 13,91% 11,62%
De 5 a 10 Anos Não Sim Total
Contagem Esperada 145 45 190
Contagem Observada 155 35 190
Percentual Observado 15,95% 11,59% 14,91%
Há Mais de 10 Anos Não Sim Total
Contagem Esperada 269,3 83,7 353
Contagem Observada 299 54 353
Percentual Observado 30,76% 17,88% 27,71%
***p (coeficiente de contingência) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

O quadro acima revela diferenças proporcionais, e com significância estatística, no que diz
respeito ao tempo da situação de rua das pessoas que afirmaram que a perda de moradia foi um
de seus motivos. No caso de pessoas que estavam há menos de um ano em situação de rua, é
perceptível que, proporcionalmente, são mais numerosas às que se depararam com essa situação
devido à perda de moradia há mais tempo. No caso de pessoas que estavam há mais de cinco anos
em situação de rua, os resultados revelam que são proporcionalmente menos numerosas, as que
apontaram a perda de moradia como motivo.

41
QUADRO 10: TABULAÇÃO CRUZADA DE PESSOAS QUE RESPONDERAM ESTAR EM
SITUAÇÃO DE RUA POR PERDA DE TRABALHO, EMPREGO OU RENDA E O TEMPO QUE
ESTÃO NESSA CONDIÇÃO.
Há quanto tempo você está em Situação de Rua? /
Perda de Trabalho, Emprego ou Renda
Há Menos de 06
Não Sim Total
Meses
Contagem Esperada 177,9 35,1 213
Contagem Observada 155 58 213
Percentual Observado 14,57% 27,62% 16,72%
De 06 Meses a 1 Ano Não Sim Total
Contagem Esperada 102,7 20,3 123
Contagem Observada 100 23 123
Percentual Observado 9,4% 10,95% 9,65%
De 1 A 3 Anos Não Sim Total
Contagem Esperada 206,3 40,7 247
Contagem Observada 191 56 247
Percentual Observado 17,95% 26,67% 19,39%
De 3 a 5 Anos Não Sim Total
Contagem Esperada 123,6 24,4 148
Contagem Observada 121 27 148
Percentual Observado 11,37% 12,86% 11,62%
De 5 A 10 Anos Não Sim Total
Contagem Esperada 158,7 31,3 190
Contagem Observada 173 17 190
Percentual Observado 16,26% 8,09% 14,91%
Há Mais de 10 Anos Não Sim Total
Contagem Esperada 294,8 58,2 353
Contagem Observada 324 29 353
Percentual Observado 30,45% 13,81% 27,71%
***p (coeficiente de contingência) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Os quadros acima são referentes a testes estatísticos feitos por tabulação cruzada e tem
como objetivo entender a existência ou não de diferenças entre grupos. Os dados foram cruzados
de modo a obter um resultado sobre as relações do tempo em situação de rua com os motivos
que levaram à situação de rua. Sobre isso, os dados demonstram que as pessoas em situação de
rua, estão nessa situação em decorrência da perda de moradia, trabalho, emprego e renda, há

42
menos de um ano, ou seja, no período pandêmico. Já as pessoas que estão há mais de cinco anos
responderam que a situação de rua é em decorrência de conflitos familiares e uso de álcool e
outras drogas.
Os dados descritos acima indicam que o contexto pandêmico provocou um aumento das
pessoas em situação de rua no Rio Grande do Norte, tendo em vista que o cenário atual, enfrenta
uma crise sanitária combinada a altíssimas taxas de desemprego e intensificação da desigualdade
social no país. Com isso, pode-se inferir que esses dados estão consonantes com o contexto
econômico mundial e, especificamente, o brasileiro, tendo em vista a agudização da questão social
enfrentada nesse período histórico específico, conforme apontam os relatórios da ONU (2021),
IBGE (2021) e (PENSSAN, 2022).

3.1.1 Perfil das pessoas que ficaram em situação de rua durante a pandemia do Covid-19 no Rio
Grande do Norte

QUADRO 11: REGRESSÃO LOGÍSTICA COM O FATO DE O ENTREVISTADO TER SE DE-


PARADO COM A SITUAÇÃO DE RUA APÓS O INÍCIO DA PANDEMIA DE COVID-19 COMO
VARIÁVEL DEPENDENTE.
Variável Descrição Associação Observada
Idade Escala Em Anos - 1,7%
Gênero 0 = Homem, 1 = Mulher + 102,5%
Raça 0 = Negro, 1 = Não Negro + 22,7%
Grau de Escolaridade* Escala De 1 A 10 + 25,5%*
Capital/Interior 0 = Interior, 1 = Natal + 0,5%
Interior/Litoral 0 = Interior, 1 = Litoral - 1,8%
Não Foi Atendido por Nenhu-
0 = Não, 1 = Sim + 27,6%
ma Instituição
*p < 0,05
R2 = 0,123 (12,3%)
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Esse quadro diz respeito a uma regressão logística que remete a probabilidades do
fenômeno. O teste foi controlado pelas variáveis independentes, sendo estas: idade, gênero,
raça, grau de escolaridade, território e acesso à assistência social nos últimos seis meses. Dentro
das análises estatísticas, chama atenção o valor inferior a 0,001 do coeficiente de significância
estatística, o que indica a única variável com significância estatística, sendo esta o grau de
escolaridade. Chama atenção os dados apresentados acima tendo em vista que estes indicam que
quanto maior o grau de escolaridade, maior a probabilidade de a pessoa ter ficado em situação de
rua depois da pandemia. Isto é, existe uma tendência que pessoas em situação de rua com maior
grau de escolaridade tenham ficado em situação após o contexto pandêmico. Transformando esse

43
dado em probabilidade, é possível inferir que a cada grau de escolaridade a mais na escala de 1 a
10, cresce em 25,5% a probabilidade de a pessoa ter ficado em situação de rua durante o período
da pandemia.
Sobre esse dado, as explicações podem repousar no fato de que talvez as pessoas com
menor escolaridade estejam sujeitas à situação de rua antes e depois do contexto pandêmico,
como demonstra o perfil da população em situação de rua do RN. Ou seja, o contexto pandêmico
pode ter provocado uma mudança no perfil das pessoas em situação de rua à medida que, aliado
à questão da escolaridade mencionada acima, 30% afirmaram estar em situação de rua durante a
pandemia por de perda de trabalho, 16% por perda de moradia e 16% por perda de renda. Entre
os(as) entrevistados(as), 34,78%, afirmaram que se tivessem um emprego, sairiam da situação
de rua. Isso indica que a classe trabalhadora, a mais afetada pelas transformações econômicas,
culturais e epidemiológicas causadas pela pandemia covid, também esteja mais vulnerável à
situação de rua.

3.1.2 Serviços ofertados na pandemia


Os desafios perpetrados pelo contexto pandêmico exigiram a reorganização tanto das
políticas públicas de saúde quanto das políticas de assistência social. Nesse sentido, o censo da
população em situação de rua buscou apreender como a População em Situação de Rua acessou
os benefícios/serviços ofertados durante a pandemia do Covid-19. Assim, aos respondentes, foi
realizada uma pergunta de múltipla escolha no questionário, relativa à utilização de serviços ou
recebimento benefícios e/ou itens durante a pandemia da Covid-19. Os dados obtidos foram:
QUADRO 12: RESPOSTAS À PERGUNTA SOBRE OS AUXÍLIOS RECEBIDOS PELA
POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA DO RIO GRANDE DO NORTE EM DECORRÊNCIA DA
PANDEMIA DE COVID-19.
Auxílios recebidos devido à pandemia de Quantidade de Pessoas
Covid-19 (n°) (%)
Auxílio emergencial 656 49,77%
Não recebi/utilizei 463 35,13%
Máscaras de proteção 180 13,66%
Cesta básica 159 12,06%
Gratuidade no Restaurante Popular 152 11,53%
Itens de higiene 144 10,92%
Oferta de lugares para higiene pessoal 139 10,54%
Alimentos 133 10,09%
Albergue temporário 126 9,56%
Aluguel social 100 7,59%
Outros 06 0,45%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

44
Conforme é possível observar, uma parte considerável das pessoas em situação de rua
recebeu o auxílio emergencial, seguido de máscara de proteção, cesta básica, gratuidade no
restaurante popular e itens de higiene pessoal. Outros dados também merecem destaque, a
oferta de lugares para higiene pessoal, alimentos, albergue temporário e aluguel social. Isso ajuda
a compreender a forma como as políticas públicas se organizam para atender à população em
situação de rua na pandemia.
Um dado interessante a ser analisado é que apenas 126 pessoas, correspondente à 9,56%,
tiveram acesso ao albergue e 100 (7,59%) ao benefício eventual de aluguel social. Se, neste censo
foi contabilizado 2202 pessoas em situação de rua no Estado e, durante a pandemia, somente
226 pessoas tiveram acesso ao albergue e aluguel social, fica evidenciado que as políticas de
assistência social não deram conta de atender às urgências inerentes ao contexto pandêmico, nem
mesmo àqueles que eram assistidos(as) por seus serviços.
A situação de rua no período pandêmico é um fator determinante para uma maior exposição
ao vírus e contaminação da PSR. No período inicial da pandemia e nos picos de contaminação
da doença, a disseminação da campanha “fique em casa” em decorrência da necessidade da
quarentena para barrar a transmissão do vírus, suscitou intensas mobilizações dos movimentos
sociais, em destaque o Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR) e parte da
sociedade civil, para a necessidade de pensar de forma urgente em políticas públicas para quem
não tem casa. Desse modo, a assistência social se vê diante de um enorme desafio de proteger essa
população que, pelas condições em que vivem, estão mais suscetíveis à infecção (HONORATO;
OLIVEIRA, 2020). Os movimentos sociais pleiteavam, junto aos municípios, a disponibilização de
mais vagas nos albergues/abrigos, assim como a disponibilização do benefício de aluguel social
para a população em situação de rua. No entanto, esse dado demonstra que, ainda, as políticas de
assistência social não conseguiram se efetivar de modo satisfatório durante o período pandêmico.
Essa problemática nos serviços socioassistenciais durante a pandemia de Covid-19, pode ser
analisada em conjunto com outra evidência que os dados nos fornecem: Uma quantidade bastante
expressiva e significativa de pessoas não teve acesso e não recebeu nenhum benefício durante a
pandemia. Conforme o quadro acima demonstra, a opção “Não recebi nenhum benefício” obteve
o segundo maior percentual amostral, correspondendo à 35,13% das respostas, especificamente
463 pessoas. Esse dado é sintomático e revela que boa parte das pessoas em situação de rua não
receberam nenhum auxílio do Estado durante o período pandêmico. No entanto, entre as pessoas
que marcaram que não receberam nenhum benefício e o tempo que elas estão em situação de rua,
os dados apontam a seguinte tendência:

45
QUADRO 13: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE AS RESPOSTAS SOBRE RECEBER BE-
NEFÍCIOS DURANTE A PANDEMIA E O TEMPO DE SITUAÇÃO DE RUA.
Recebimento de benefícios em decorrência da Situação de Rua durante a Pandemia de Covid-19
Há Quanto Tempo Você Está em Si- Recebeu Algum Benefício?
tuação de Rua?* Total
Não Sim

Contagem Espe-
137,4 73,6 211
rada
Há Menos de 06 Contagem Obser-
130 81 211
Meses vada
Percentual Ob- 16,46%
15,57% 18,12%
servado
Sim Não Total
Contagem Espe-
81,4 43,6 125
rada
De 06 Meses a 1
Contagem Obser-
Ano 87 38 125
vada
Percentual Ob-
10,42% 8,5% 9,75%
servado
Sim Não Total
Contagem Espe-
162,2 86,8 249
rada
De 1 a 3 Anos Contagem Obser-
178 71 249
vada
Percentual Ob- 19,42%
21,32% 15,88%
servado
Sim Não Total
Contagem Espe-
97 52 149
rada
De 3 a 5 Anos Contagem Obser-
106 43 149
vada
Percentual Ob-
12,69% 9,62% 11,62%
servado

46
Sim Não Total
Contagem Espe-
124,4 66,6 191
rada
De 5 a 10 Anos Contagem Obser-
115 76 191
vada
Percentual Ob-
13,77% 17% 14,9%
servado
Sim Não Total
Contagem Espe-
232,5 124,5 357
rada
Há Mais de 10
Contagem Obser- 357
Anos 219 138
vada
Percentual Ob-
26,23% 30,87% 27,85%
servado
*p (coeficiente de contingência) < 0,05
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

As pessoas que estão há menos de 6 meses em situação de rua, em sua maioria, de fato,
fazem parte do grupo de pessoas que estão descobertas dos auxílios/serviços prestados durante
a pandemia. As pessoas que estão em situação de rua de 5 a 10 anos e há mais de 10 anos também
fazem parte desse universo da PSR que não teve acesso aos benefícios. Já o grupo de pessoas que
mais receberam auxílios/serviços são justamente as que estão de 1 a 3 anos e de 3 a 5 anos em
situação de rua. No geral, as pessoas que estão recentemente em situação de rua e as que estão
em um tempo mais longo têm acesso a menos benefícios. Já as pessoas que estão em situação
de rua num período inicial da pandemia, e até 4 anos antes, tiveram mais acesso aos serviços e
benefícios destinados a elas.
Essas evidências necessitam de uma análise minuciosa para compreender o perfil das
pessoas que não conseguiram acessar os serviços/benefícios durante a pandemia. Para isso, o
quadro abaixo apresenta o cruzamento de dados feitos através de testes estatísticos de regressão
logística, o qual indica que:
QUADRO 14: REGRESSÃO LOGÍSTICA COM O NÃO-RECEBIMENTO DE BENEFÍCIOS
EM DECORRÊNCIA DA PANDEMIA DE COVID-19 COMO VARIÁVEL DEPENDENTE.
Variável Descrição Associação Observada
Idade Escala em Anos - 0,3%
Gênero*** 0 = Homem, 1 = Mulher - 46,2%***
Raça 0 = Negro, 1 = Não Negro + 2,2%
Grau de Escolaridade*** Escala de 1 A 10 - 13,4%***
Capital/Interior 0 = Interior, 1 = Natal + 11,3%

47
Interior/Litoral 0 = Interior, 1 = Litoral - 13,3%
Não Foi Atendido Por Nenhu- 0 = Não, 1 = Sim + 241,9%***
ma Instituição***
Tempo em Situação de Rua Escala De 1 A 6 + 2,1%
***p < 0,001
R2 = 0,145 (14,5%)
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Os dados foram cruzados com as seguintes variáveis: idade, gênero, raça, escolaridade,
território, com não ter sido atendido(a) por nenhum equipamento da assistência social nos últimos
seis meses e com o tempo em situação de rua. Dentre essas, apenas três tiveram significância
estatística relevante. Sendo estas: A) Gênero: O quadro demonstra que mulheres têm uma menor
probabilidade de não ter recebido nenhum benefício. Ou seja, as mulheres em situação de rua, no
geral, recebem mais benefícios que os homens que estão na mesma condição. A hipótese levantada
para justificar esse dado, repousa no fato de que possivelmente as mulheres, especialmente as
mães, foram priorizadas no acesso aos benefícios e serviços ofertados no período pandêmico,
por serem mais vulneráveis a diversas situações de violências no contexto de situação de rua;
B) Escolaridade: Os dados indicam que pessoas com maior escolaridade tiveram acesso a mais
benefícios durante a pandemia. Uma possível explicação para isso é que, embora as pessoas com
maior grau de escolarização, no contexto pandêmico, tenham uma probabilidade maior de ficar
em situação de rua, o acesso à informação corrobora para o alcance dos seus direitos; C) Acesso
a equipamentos da assistência social: As pessoas que informaram não ter sido atendidas por
nenhum equipamento da assistência social nos últimos 6 meses tem uma probabilidade de 241,9%
na chance de não ter recebido nenhum benefício. Esse dado dialoga com a hipótese apresentada
acima de que a PSR que não é assistida pelos serviços do SUAS, acessam menos os direitos
ofertados pelas demais políticas sociais.
Esse dado, a priori, parece óbvio, já que os serviços do Sistema Único de Assistência Social
(SUAS), são organizados justamente para a proteção social dos indivíduos e/ou famílias que dela
necessitam. Logo, se a população em situação de rua não tem acesso a esses serviços, estará mais
propensa a não receber auxílios ou acessar serviços específicos. No entanto, esse dado tem uma
enorme significância analítica, pois indica a falta de acesso de boa parte da PSR aos equipamentos
socioassistenciais e, consequentemente, reverbera na precarização da efetivação da prestação
desses serviços durante o período pandêmico. Em outras palavras, esse dado indica que houve
uma falha na proteção social desse grupo durante a pandemia.5

⁵Dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde. Os dados citados compreendem o período temporal do início da pandemia até o dia 21 de
agosto de 2022. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/

48
3.2 DIFERENÇAS TERRITORIAIS
O censo foi aplicado em 49 municípios, de modo que a quantidade de questionários
aplicados em cada um deles foi contabilizado da seguinte forma:
QUADRO 15: NÚMERO DE PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA IDENTIFICADAS POR
MUNICÍPIO DO RIO GRANDE DO NORTE.
Questionários apli- Questionários
Município Município
cados aplicados
Natal 1491 Jardim do Seridó 05
Parnamirim 103 Pau dos Ferros 05
Mossoró 70 Tibau do Sul 05
Extremoz 68 Umarizal 05
São José de Mipibu 48 Afonso Bezerra 04
Macaíba 39 Caiçara do Norte 04
Poço Branco 36 Pendências 04
Caicó 35 Currais Novos 03
Nísia Floresta 33 Cruzeta 03
Parazinho 33 Vera Cruz 03
Jardim de Angicos 25 Acari 02
Nova Cruz 23 Angicos 02
Pureza 20 Bom Jesus 02
São Gonçalo do
18 Carnaubais 02
Amarante
Areia Branca 15 Ceará Mirim 02
São Fernando 12 Patu 02
Taipu 12 Apodi 01
Touros 11 Arês 01
Serra do Mel 10 Brejinho 01
Assu 07 Caraúbas 01
Canguaretama 07 Grossos 01
Carnaúba dos Dantas 07 Macau 01
Serra Caiada 07 Montanhas 01
Parelhas 06 São Miguel do Gostoso 01
Guamaré 05
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.
Nesse cenário, é importante destacar, aqui, a importância dos marcadores territoriais
enquanto uma importante ferramenta de gestão pública com vistas a compreender as
particularidades culturais, econômicas e políticas dos territórios. Destaca-se, ainda, a relevância

49
destas particularidades, bem como seus impactos, na vida e nas trajetórias dos indivíduos que
dele fazem parte e, sobretudo da população em situação de rua, objeto desta pesquisa. Assim,
adotados, aqui, o conceito de território enquanto:

[...] um espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo, compreendendo


cidades e campos caracterizados por critérios multidimensionais, tais como o ambiente, a
economia, a sociedade, a cultura, a política e as instituições, e uma população com grupos
sociais relativamente distintos, que se relacionam interna e externamente por meio
de processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam
identidade e coesão social, cultural e territorial (MDA, 2005, p.11).

Partimos, portanto, da compreensão de que a definição de território deve levar em


consideração diferentes dimensões da vida em sociedade, e de elementos ambientais e históricos
fundamentais. No que tange à organização socioespacial do estado do Rio Grande do Norte, para
além da divisão territorial fundamentada na dicotomia rural/urbano, adota-se, aqui, a distribuição
com base em Territórios de Cidadania, conceito utilizado, também, no Plano Plurianual (PPA) do
Governo do Estado do Rio Grande do Norte para os anos de 2020-2023.
Nesse sentido, a Gestão estadual do Sistema Único de Assistência Social – SUAS no RN
atua junto aos municípios a partir da divisão dos 10 Territórios de Cidadania definidos por regiões,
a saber: (1) Alto Oeste, (2) Sertão do Apodi, (3) Assú/Mossoró, (4) Sertão Central Cabugi e Litoral
Norte, (5) Mato grande, (6) Potengi, (7) Terras Potiguaras, (8) Trairi, (9) Seridó, (10) Agreste Litoral
Sul. Nessa perspectiva, compreende-se, portanto, que:
A identificação da formação sócio-territorial em que se baseia a intervenção da política
de assistência social constitui o ponto de partida para formatar o trabalho social a ser
desenvolvido, respeitando-se o processo de formação do território e a trajetória das
famílias que com ele se relacionam (BRASIL, 2005 p. 29).

Em 2008, o Governo Federal lançou o Programa Territórios da Cidadania. Os Territórios da


Cidadania constituíram-se a partir dos objetivos de promoção do desenvolvimento econômico e
universalização de programas básicos de cidadania por meio de uma estratégia de desenvolvimento
territorial sustentável. No contexto contemporâneo da gestão da Política de Assistência Social no
Estado do RN, a configuração territorial do estado orienta o planejamento e monitoramento das
políticas públicas por identidade regional.

50
IMAGEM 8: MAPA DOS TERRITÓRIOS DE CIDADANIA DO RIO GRANDE DO NORTE.
ASSÚ / MOSSORÓ
14 MUNICÍPIOS
SERTÃO CENTRAL CABUGI E LITORAL NORTE
Tibau 10 MUNICÍPIOS
Grossos
Areia Branca

Baraúna S. Bento
Mossoró Porto do Mangue do Norte
Macau Pedra S. Miguel MATO GRANDE
Galinhos Grande do Gostoso 16 MUNICÍPIOS
Guamaré Caiçara
Serra do Mel
do Norte Touros
Carnaubais
Pendências
Parazinho
SERTÃO DO APODI Alto dos Jandaíra
17 MUNICÍPIOS Rio do
Rodrigues
Gov. Dix-Sept Pureza Fogo
Rosado
Afonso Bezerra João Maxaranguape
Pedro Avelino
Assu Câmara
Felipe Ipanguaçu Pedra
Guerra Preta
Poço TERRAS
Branco Ceará Mirim
Upanema Jardim de Taipu POTIGUARES
Angicos 05 MUNICÍPIOS
Apodi Angicos
Itajá Bento Fernandes Extremoz
Lajes
Fernando Pedroza Caiçara do
Severiano Caraúbas Espírito Santo Ielmo S. Gonçalo
Melo do Oeste Rio dos Ventos Riachuelo Sta.
Marinho do Amarante
Campo Maria
Rodolfo Itaú São Rafael Natal
Grande Ruy
Fernandes Barbosa
Riacho Triunfo S. Pedro
Santana do Matos S. Paulo Parnamirim
Tabuleiro da Cruz Potiguar Macaíba
Olho d’Água Barcelona do Potengi
Grande Umarizal dos Borges Bodó Cerro São Tomé
S.Fco Viçosa Janduís Corá Lagoa dos Bom Jesus S. José
do Oeste Sen. Elóy do Mipibu Nísia
Fco. Portalegre Rafael Velhos Vera Cruz
Martins Jucurutu de Souza
Dantas Godeiro Messias Floresta
Dr. Lagoa Nova Sítio Novo Mte.
Lucrecia Patu Targindo Serra
Severiano Pau dos Ten. Alegre
Serrinha Almino Lajes Caiada Lagoa
Encanto Ferros dos Pintos Frutuoso Laurentino Salgada Sen. Georgino
Afonso Pintadas
São Rafael Gomes Cruz Boa Saúde Avelino
Água Tangará Lagoa de Arês
Miguel Fernandes Antônio Florânia Campo Jundiaí
Nova São Currais Novos Sta. Cruz Pedras Tibau
Martins Redondo Brejinho
Cel. João Riacho de Vicente Serrinha do Sul
Pessoa Santana Marcelino
Pilões João S. José do Goianinha
Passagem Vila
Venha Vieira Dias Campestre Esp.
Ver José da Sto. Flor
Jardim de São Cel. Santo
Luís Penha Cruzeta S. Bento Antônio Várzea
Gomes Major
Alexandria Piranhas Fernando Ezequiel do Trairi Lagoa Canguaretama
Acari Mte. das d’Anta
Sales Ten. Jaçanã Gameleiras Baía
Paraná Ananias Timbaúba Caicó Japi Nova Cruz Pedro Formosa
São José Velho
dos Batistas Serra de Passa
do Seridó
S. Bento e Fica Montanhas
Carnaúba POTENGI
Serra Negra Jardim do dos Dantas 11 MUNICÍPIOS
do Norte Seridó
TRAIRÍ
São João Ouro 15 MUNICÍPIOS AGRESTE LITORAL SUL
ALTO OESTE do Sabugi Branco Santana Parelhas 24 MUNICÍPIOS
30 MUNICÍPIOS do Seridó
Ipueira

Equador

SERIDÓ TERRITÓRIOS DA CIDADANIA


25 MUNICÍPIOS E TERRITÓRIOS RURAIS
SECRETARIA DE ESTADO DO
TRABALHO, DA HABITAÇÃO E DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL – SETHAS

Fonte: Vigilância Socioassistencial, COGESUAS/SETHAS, 2019.

Os territórios da cidadania apresentam-se como uma importante ferramenta de gestão


pública para acompanhar a oferta de serviços, programas, projetos e benefícios da política de
assistência social no estado, considerando a particularidade cultural, econômica e política dos
territórios. O ordenamento, bem como algumas das características básicas de cada território
serão apresentadas a seguir.

51
3.2.1 Território Assu/Mossoró – RN
O Território de Cidadania Assu/Mossoró - RN está localizado na região Nordeste e é
composto por 14 municípios: (1) Assu; (2) Alto do Rodrigues; (3) Areia Branca; (4) Baraúna; (5)
Carnaubais; (6) Grossos; (7) Ipanguaçu; (8) Itajá; (9) Mossoró;(10) Pendências; (11) Porto do
Mangue; (12) São Rafael; (13) Serra do Mel e (14) Tibau (BRASIL, MDA, 2015).

IMAGEM 9: MAPA DE ASSU/MOSSORÓ - RN.

Tibau

Grossos
Areia Branca

Baraúna
Mossoró Porto do Mangue

Serra do Mel
Carnaubais
Pendências

Alto dos
Rodrigues

ASSU / MOSSORÓ Assu


Ipanguaçu

Itajá

São Rafael
SECRETARIA DE ESTADO DO
TRABALHO, DA HABITAÇÃO E DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL – SETHAS

Fonte: Vigilância Socioassistencial, COGESUAS/SETHAS, 2020.

A região Assu/Mossoró possui uma área de 8.017,23 km², tendo uma população total
de 455.521 habitantes. Destes, 368.552 estão situados em áreas urbanas, enquanto 86.969
habitam áreas rurais. O território conta com 6.846 famílias assentadas, contempladas por 80
Projetos de Reforma Agrária, numa área de 185.574 hectares reformados. Existem, ainda, 6.306
estabelecimentos de agricultura familiar, com 17.728 pessoas com ocupação nesse segmento.

52
3.2.2 Território Sertão do Apodi – RN.
O Território da Cidadania Sertão do Apodi - RN está localizado na região Nordeste e é
composto por 17 municípios: (1) Apodi; (2) Augusto Severo; (3) Caraúbas; (4) Felipe Guerra; (5)
Governador Dix-Sept Rosado; (6) Itaú; (7) Janduís; (8) Messias Targino; (9) Olho-d’Água do Borges;
(10) Paraú; (11) Patu; (12) Rafael Godeiro; (13) Rodolfo Fernandes; (14) Severiano Melo; (15)
Triunfo Potiguar; (16) Umarizal e (17) Upanema (BRASIL, MDA, 2015).

IMAGEM 10: MAPA DO SERTÃO DO APODI – RN

Gov. Dix-Sept
Rosado

Felipe
Guerra
Upanema
Apodi

Severiano Caraúbas Espírito Santo

SERTÃO APODI Rodolfo


Fernandes
Melo
Itaú Campo
Grande
do Oeste

Triunfo
Potiguar
Olho d’Água
Umarizal dos Borges
Janduís
Rafael
Godeiro
Patu Messias
Targindo
SECRETARIA DE ESTADO DO
TRABALHO, DA HABITAÇÃO E DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL – SETHAS

Fonte: Vigilância Socioassistencial, COGESUAS/SETHAS, 2020.

A região Sertão do Apodi possui uma área de 8.177,95 km², tendo uma população total
de 157.203 habitantes. Destes, 101.420 estão situados em áreas urbanas, enquanto 55.783
habitam áreas rurais. O território conta com 2.506 famílias assentadas, contempladas por 53
Projetos de Reforma Agrária, numa área de 76.544 hectares reformados. Existem, ainda, 9.152
estabelecimentos de agricultura familiar, com 26.286 pessoas com ocupação nesse segmento.

53
3.2.3 Território Trairí – RN
O Território Rural Trairí - RN, observado na Imagem 4 a seguir, é composto por 15 municípios:
(1) Campo Redondo; (2) Coronel Ezequiel; (3) Jaçanã; (4) Boa Saúde; (5) Japi; (6) Lajes Pintadas; (7)
Monte das Gameleiras; (8) Passa e Fica; (9) Serra Caiada; (10) Santa Cruz; (11) São Bento do Trairí;
(12) São José do Campestre; (13) Serra de São Bento; (14) Sítio Novo e (15) Tangará (BRASIL,
MDA, 2015).

IMAGEM 11: MAPA DO TRAIRÍ – RN

Sítio Novo
Serra
Lajes Caiada
Pintadas
Boa Saúde
Tangará
Campo
Sta. Cruz
Redondo
S. José do
Campestre

TRAIRÍ Cel.
Ezequiel
S. Bento
Lagoa
do Trairi Mte. das
Jaçanã d’Anta
Gameleiras
Japi
Serra de Passa
S. Bento e Fica
SECRETARIA DE ESTADO DO
TRABALHO, DA HABITAÇÃO E DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL – SETHAS

Fonte: Vigilância Socioassistencial, COGESUAS/SETHAS, 2020.

A região do Trairí possui uma área de 3.065,11 km², tendo uma população total de 141.866
habitantes. Destes, 93.901 estão situados em áreas urbanas, enquanto 47.965 habitam áreas
rurais. O território conta com 834 famílias assentadas, contempladas por 11 Projetos de Reforma
Agrária, numa área de 20.841 hectares reformados. Existem, ainda, 7.918 estabelecimentos de
agricultura familiar, com 20.307 pessoas com ocupação nesse segmento.

54
3.2.4 Território Seridó – RN
O Território da Cidadania Seridó - RN é composto por 25 municípios: (1) Acari; (2) Bodó;
(3) Caicó; (4) Carnaúba dos Dantas; (5) Cerro Corá; (6) Cruzeta; (7) Currais Novos; (8) Equador;
(9) Florânia; (10) Ipueira; (11) Jardim de Piranhas; (12) Jardim do Seridó; (13) Jucurutu; (14) Lagoa
Nova; (15) Ouro Branco; (16) Parelhas; (17) Santana do Matos; (18) Santana do Seridó; (19) São
Fernando; (20) São João do Sabugi; (21) São José do Seridó; (22) São Vicente; (23) Serra Negra do
Norte; (24) Tenente Laurentino Cruz e (25) Timbaúba dos Batistas (BRASIL, MDA, 2015).

IMAGEM 12: MAPA DO SERIDÓ – RN

Santana do Matos
Bodó Cerro
Corá

Jucurutu
Lagoa Nova
Ten.
Laurentino
Cruz
Florânia São Currais Novos
Vicente
São
Fernando
Jardim de
Piranhas Cruzeta
Acari

SERIDÓ Timbaúba
dos Batistas
Caicó
São José
do Seridó
Carnaúba
Serra Negra dos Dantas
Jardim do
do Norte Seridó

São João Ouro


do Sabugi Branco Santana Parelhas
do Seridó
Ipueira

Equador
SECRETARIA DE ESTADO DO
TRABALHO, DA HABITAÇÃO E DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL – SETHAS

Fonte: Vigilância Socioassistencial, COGESUAS/SETHAS, 2020.

A região do Seridó possui uma área de 10.796,72 km², tendo uma população total de 295.726
habitantes. Destes, 225.066 estão situados em áreas urbanas, enquanto 70.660 habitam áreas
rurais. O território conta com 1.016 famílias assentadas, contempladas por 22 Projetos de Reforma
Agrária, numa área de 24.888 hectares reformados. Existem, ainda, 11.266 estabelecimentos de
agricultura familiar, com 31.242 pessoas com ocupação nesse segmento.

55
3.2.5 Território Mato Grande – RN
O Território da Cidadania Mato Grande - RN é composto por 15 municípios: (1) Bento
Fernandes; (2) Caiçara do Norte; (3) Ceará-Mirim; (4) Jandaíra; (5) João Câmara; (6) Maxaranguape;
(7) Parazinho; (8) Pedra Grande; (9) Poço Branco; (10) Pureza; (11) Rio do Fogo; (12) São Bento do
Norte; (13) São Miguel do Gostoso; (14) Taipu e (15) Touros (BRASIL, MDA, 2015).

IMAGEM 13: MAPA DO MATO GRANDE – RN

S. Bento
do Norte
Caiçara Pedra S. Miguel
do Norte Grande do Gostoso

Touros
Parazinho

Jandaíra
Rio do
Pureza Fogo

MATO GRANDE João Maxaranguape


Câmara
Poço
Branco Ceará Mirim
Jardim de Taipu
Angicos
Bento Fernandes

SECRETARIA DE ESTADO DO
TRABALHO, DA HABITAÇÃO E DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL – SETHAS

Fonte: Vigilância Socioassistencial, COGESUAS/SETHAS, 2020.

A região do Mato Grande possui uma área de 5.702,25 km², tendo uma população total
de 224.107 habitantes. Destes, 109.589 estão situados em áreas urbanas, enquanto 114.518
habitam áreas rurais. O território conta com 5.375 famílias assentadas, contempladas por 84
Projetos de Reforma Agrária, numa área de 137.680 hectares reformados. Existem, ainda, 7.234
estabelecimentos de agricultura familiar, com 18.907 pessoas com ocupação nesse segmento.

56
3.2.6 Território Potengi – RN
O Território da Cidadania Potengi - RN, como se observa na Imagem 7 a seguir, está
localizado na região Nordeste e é composto por 11 municípios: (1) Barcelona; (2) Bom Jesus; (3)
Ielmo Marinho; (4) Lagoa de Velhos; (5) Riachuelo; (6) Ruy Barbosa; (7) Santa Maria; (8) São Paulo
do Potengi; (9) São Pedro; (10) São Tomé e (11) Senador Elói de Souza (BRASIL, MDA, 2015).

IMAGEM 14: MAPA DO POTENGI – RN

Ielmo
Riachuelo Sta.
Marinho
Maria
Ruy
Barbosa
S. Pedro
S. Paulo
Barcelona do Potengi
São Tomé
Lagoa dos Bom Jesus
Velhos Sen. Elóy
de Souza

POTENGI

SECRETARIA DE ESTADO DO
TRABALHO, DA HABITAÇÃO E DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL – SETHAS

Fonte: Vigilância Socioassistencial, COGESUAS/SETHAS, 2020.

A região do Potengi possui uma área de 2.773,69 km², tendo uma população total de 82.195
habitantes. Destes, 44.318 estão situados em áreas urbanas, enquanto 37.877 habitam áreas
rurais. O território conta com 1.232 famílias assentadas, contempladas por 14 Projetos de Reforma
Agrária, numa área de 32.580 hectares reformados. Existem, ainda, 5.221 estabelecimentos de
agricultura familiar, com 13.485 pessoas com ocupação nesse segmento.

57
3.2.7 Território Sertão Central Cabugi e Litoral Norte - RN
O Território Rural Sertão Central Cabugi e Litoral Norte - RN é composto por 10 municípios:
(1) Afonso Bezerra; (2) Angicos; (3) Caiçara do Rio do Vento; (4) Fernando Pedroza; (5) Galinhos;
(6) Guamaré; (7) Lajes; (8) Macau; (9) Pedra Preta e (10) Pedro Avelino (BRASIL, MDA, 2015).

IMAGEM 15: MAPA DO SERTÃO CENTRAL CABUGI E LITORAL NORTE – RN

Macau
Galinhos
Guamaré

SERTÃO CENTRAL Afonso Bezerra

CABUGI E LITORAL
Pedro Avelino
Pedra
Preta
NORTE
Angicos

Lajes
Fernando Pedroza Caiçara do
Rio dos Ventos

SECRETARIA DE ESTADO DO
TRABALHO, DA HABITAÇÃO E DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL – SETHAS

Fonte: Vigilância Socioassistencial, COGESUAS/SETHAS, 2020.


A região possui uma área de 5.215,17 km², tendo uma população total de 92.214 habitantes.
Destes, 61.596 estão situados em áreas urbanas, enquanto 30.618 habitam áreas rurais. O
território conta com 1.800 famílias assentadas, contempladas por 19 Projetos – Reforma de
Agrária, numa área de 41.421 hectares reformados. Existem, ainda, 2.416 estabelecimentos de
agricultura familiar, com 6.293 pessoas com ocupação nesse segmento.

58
3.2.8 Território Agreste Litoral Sul – RN
O Território Rural Agreste Litoral Sul - RN é composto por 24 municípios:(1) Arês, (2) Baía
Formosa; (3) Brejinho; (4) Canguaretama; (5) Espírito Santo; (6) Goianinha; (7) Jundiá; (8) Lagoa
d›Anta; (9) Lagoa de Pedras; (10) Lagoa Salgada; (11) Montanhas; (12) Monte Alegre; (13) Nísia
Floresta; (14) Nova Cruz; (15) Passagem; (16) Pedro Velho; (17) Santo Antônio; (18) São José de
Mipibu; (19) Senador Georgino Avelino; (20) Serrinha; (21) Tibau do Sul; (22) Várzea; (23) Vera
Cruz e (24) Vila Flor (BRASIL, MDA, 2015).

IMAGEM 16: MAPA DO AGRESTE LITORAL SUL – RN

S. José
do Mipibu Nísia
Vera Cruz
Floresta
Mte.
Alegre
Lagoa
Salgada Sen. Georgino
Avelino
Lagoa de Arês
Pedras Jundiaí
Brejinho Tibau
AGRESTE LITORAL Serrinha
Passagem Goianinha
do Sul
Vila
SUL Sto.
Antônio
Esp.
Santo
Flor
Várzea
Canguaretama
Baía
Nova Cruz Pedro Formosa
Velho

SECRETARIA DE ESTADO DO
TRABALHO, DA HABITAÇÃO E DA Montanhas
ASSISTÊNCIA SOCIAL – SETHAS

Fonte: Vigilância Socioassistencial, COGESUAS/SETHAS, 2020.

A região Agreste Litoral Sul possui uma área de 3.572,84 km², tendo uma população total
de 332.398 habitantes. Destes, 194.264 estão situados em áreas urbanas, enquanto 138.134
habitam áreas rurais. O território conta com 223 famílias assentadas, contempladas por 6
Projetos de Reforma Agrária, numa área de 4.084 hectares reformados. Existem, ainda, 9.019
estabelecimentos de agricultura familiar, com 23.327 pessoas com ocupação nesse segmento.

59
3.2.9 Território Alto Oeste – RN
O Território da Cidadania Alto Oeste - RN é composto por 30 municípios: (1) Água Nova; (2)
Alexandria; (3) Almino Afonso; (4) Antônio Martins; (5) Coronel João Pessoa; (6) Doutor Severiano;
(7) Encanto; (8) Francisco Dantas; (9) Frutuoso Gomes; (10) João Dias; (11) José da Penha; (12)
Lucrécia; (13) Luís Gomes; (14) Major Sales; (15) Marcelino Vieira; (16) Martins; (17) Paraná; (18)
Pau dos Ferros; (19) Pilões; (20) Portalegre; (21) Rafael Fernandes; (22) Riacho da Cruz; (23) Riacho
de Santana; (24) São Francisco do Oeste; (25) São Miguel; (26) Serrinha dos Pintos; (27) Taboleiro
Grande; (28) Tenente Ananias; (29) Venha-Ver e (30) Viçosa (BRASIL, MDA, 2015).

IMAGEM 17: MAPA DO ALTO OESTE – RN

Riacho
Tabuleiro da Cruz
Grande
S.Fco Viçosa
do Oeste
Fco. Portalegre
Dantas Martins
Dr. Lucrecia
Severiano Pau dos Serrinha
Encanto Ferros dos Pintos Frutuoso Almino
São Rafael Gomes Afonso
Miguel Água Antônio
Fernandes
Nova Martins
Cel. João Riacho de

ALTO OESTE Venha


Pessoa Santana
José da
Marcelino
Vieira
Pilões João
Dias
Ver
Luís Penha
Alexandria
Gomes Major
Sales Ten.
Ananias
Paraná

SECRETARIA DE ESTADO DO
TRABALHO, DA HABITAÇÃO E DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL – SETHAS

Fonte: Vigilância Socioassistencial, COGESUAS/SETHAS, 2020.

A região do Alto Oeste possui uma área de 4.045,95 km², tendo uma população total de
196.291 habitantes. Destes, 127.158 estão situados em áreas urbanas, enquanto 69.133 habitam
áreas rurais. O território é o único que não conta com nenhuma família assentada, não havendo,
portanto, nenhum projeto de Reforma Agrária na área. Existem, contudo, 11.170 estabelecimentos
de agricultura familiar, com 30.039 pessoas com ocupação nesse segmento.

60
3.2.10 Território Terras Potiguaras – RN
O território Terras Potiguaras é composto por 5 municípios: (1) Macaíba, (2) Parnamirim,
(3) Natal, (4) São Gonçalo do Amarante e (5) Extremoz. Possui uma população total estimada em
2018 de 1.342.500, que corresponde a 39,38% da população do estado.

IMAGEM 18: MAPA DAS TERRAS POTIGUARAS – RN

Extremoz

S. Gonçalo
do Amarante
TERRAS Natal
POTIGUARES
Macaíba Parnamirim

SECRETARIA DE ESTADO DO
TRABALHO, DA HABITAÇÃO E DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL – SETHAS

Fonte: Vigilância Socioassistencial, COGESUAS/SETHAS, 2020.

Na região das Terras Potiguaras estão os municípios de Extremoz, Natal e Parnamirim,


localizados na zona costeira do estado, onde está presente um grande trecho com ecossistemas
importantes da condição ambiental. Encontram-se ali estuários, restingas, dunas, falésias, baías,
recifes, corais, praias, planícies, entre outros. Também se encontra nessa região uma ampla área
remanescente da floresta tropical: a Mata Atlântica.
Isto posto, no âmbito da presente pesquisa, a aplicação dos questionários por território
dividiu-se da seguinte forma:

61
QUADRO 16: PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA IDENTIFICADAS POR TERRITÓRIO
DA CIDADANIA DO RIO GRANDE DO NORTE.
nº de municípios
nº de pessoas em situação de
Território da Cidadania com questionários
rua identificadas
aplicados
Assú/Mossoró 7 109
Sertão do Apodi 4 9
Trairí 1 7
Seridó 8 73
Mato Grande 9 144
Potengi 1 2
Sertão Central Cabugi e Litoral
4 12
Norte
Agreste Litoral Sul 9 122
Alto Oeste 1 5
Terras Potiguaras 5 1.719
TOTAL: 49 2.202
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Quando observada a distribuição entre o número de questionários aplicados em cada


território, evidencia-se o fato de terem sido identificadas pessoas em situação de rua em todos os
10 Territórios da Cidadania, sendo o território Terras Potiguaras, aquele com o maior número de
questionários aplicados e Natal surgindo enquanto município com mais pessoas em situação de
rua identificadas (1.491).
Destacam-se, ainda, os territórios do Mato Grande e Agreste Litoral Sul enquanto aqueles
com maior número de municípios com pessoas em situação de rua identificadas (9 municípios
em cada território), sendo aplicados 134 e 122 questionários, respectivamente. Os territórios
do Trairi, Potengi e Alto Oeste, por sua vez, surgem enquanto aqueles com maior número de
municípios com questionários aplicados (1 município em cada território), e os menores números
de pessoas em situação de rua identificadas.
No que tange às análises por tabulação cruzada dos dados coletados na pesquisa, foram
utilizadas duas variáveis, a saber: litoral/interior e capital/interior. A escolha se justifica em razão da
observação realizada pelos pesquisadores, e confirmada posteriormente através do cruzamento
das variáveis, de que o perfil da População em Situação de Rua no estado tem relação direta com
o território em que estes se encontram. Nesse sentido, na variável dicotômica litoral/interior,
entende-se por “interior” o conjunto de municípios interioranos que não apresentam limites com
o litoral. A categoria “litoral”, por sua vez, compreende o conjunto de municípios que possuem
faixa litorânea. Ressalta-se, contudo, que, na variável dicotômica capital/interior, os municípios
que compõem a categoria “interior” compreendem todos aqueles que não são a capital do estado,
inclusive os litorâneos.

62
Sob esta ótica, quando cruzadas as variáveis interior/capital e litoral/capital com os fatores
que levaram à situação de rua, foram identificados os seguintes resultados com relevância
estatística.

3.2.11 Motivos que levaram à situação de rua


QUADRO 17: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE OS MOTIVOS QUE LEVARAM À
SITUAÇÃO DE RUA E O TERRITÓRIO (CAPITAL OU INTERIOR).

Motivos que levaram à Situação de Rua


Entrevista realizada em Natal ou em
Dependência de
outro município Total
Drogas lícitas**
No interior Na capital
Contagem Esperada 92,0 168,0 260
Contagem Observada 136 124 260
Percentual Observado 29,44% 14,69% 19,91%
Dependência de
No interior Na capital Total
Drogas Ilícitas**
Contagem Esperada 102,2 186,8 289
Contagem Observada 127 162 289
Percentual Observado 27,49% 19,19% 22,13%
Perda de Moradia* No interior Na capital Total
Contagem Esperada 109,7 200,3 310
Contagem Observada 95 215 310
Percentual Observado 20,56% 25,47% 23,74%
Perda de Trabalho,
desemprego ou Per- No interior Na capital Total
da de Renda ***
Contagem Esperada 76,1 138,9 215
Contagem Observada 38 177 215
Percentual Observado 8,22% 20,97% 16,46%
Migração* No interior Na capital Total
Contagem Esperada 18 33 51
Contagem Observada 12 39 51
Percentual Observado 2,6% 4,62% 3,9%
Andarilho, Nômade,
Viajante ou Ciga- Total
No interior Na capital
no***

63
Contagem Esperada 11,3 20,7 32
Contagem Observada 23 9 32
Percentual Observado 4,98% 1,07% 2,45%
*p (chi quadrado) < 0,05, **p (chi quadrado) < 0,01, *** p (chi quadrado) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.
O quadro revela que, em alguns dos possíveis motivos que levaram os entrevistados à
situação de rua, foram observadas diferenças proporcionais com significância estatística entre
as pessoas em situação de rua no município de Natal em relação às dos demais municípios. Por
um lado, no interior foram proporcionalmente mais frequentes os casos de pessoas em situação
de rua devido à dependência de drogas, tanto lícitas quanto ilícitas. Ainda, no interior foram mais
frequentes os casos de andarilhos, isto é, pessoas em situação de rua que costumam migrar entre
cidades. Por outro lado, na capital foram proporcionalmente mais frequentes os casos de pessoas
em situação de rua por perda de moradia, por perda de trabalho, emprego ou renda e por migração.
QUADRO 18: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE OS MOTIVOS QUE LEVARAM À
SITUAÇÃO DE RUA E O TERRITÓRIO (LITORAL OU INTERIOR).
Motivos que Levaram à Situação de Rua
Entrevista realizada no Litoral ou em Outro
Andarilho, Nômade, Municípios
Total
Viajante ou Cigano**
No interior No Litoral

Contagem Esperada 6,5 25,5 32


Contagem Observada 12 20 32
Percentual Observado 4,49% 1,92% 2,45%
Perda de Trabalho, De-
semprego, ou Perda de Total
No interior No Litoral
Renda***
Contagem Esperada 44 171 215
Contagem Observada 19 196 215
Percentual Observado 7,12% 18,86% 16,46%
**p (chi quadrado) < 0,01
*** p (chi quadrado) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Esse quadro revela que, no que diz respeito a municípios da faixa litorânea em comparação
aos demais municípios, também foram encontradas diferenças proporcionais, com significância
estatística, no que diz respeito a algumas causas que levaram os entrevistados à situação de rua.
Por um lado, foi constatada, no litoral, uma maior frequência, proporcionalmente, de pessoas cuja
situação de rua foi provocada pela perda de trabalho, emprego ou renda. Quando esses dados são

64
contrastados com o quadro anterior, no entanto, podemos ver que esse motivo é, efetivamente, mais
frequente na cidade do Natal. Por outro lado, foi constatada uma menor presença proporcional de
pessoas em situação de rua por serem andarilhos, nômades, viajantes ou ciganos nos municípios
litorâneos. Mesmo assim, comparando esse resultado com o do quadro anterior, percebe-se que
há uma menor presença proporcional de pessoas em situação de rua por esse motivo em Natal do
que nas demais cidades litorâneas.
A tabulação cruzada revelou, sobretudo, a quebra de alguns paradigmas disseminados pelo
senso comum acerca da População em Situação de Rua, dentre eles, a falácia de que os indivíduos
que estão em situação de rua entraram nesta condição em razão da dependência de drogas lícitas
e/ou ilícitas. Esses dados ficam evidentes no quadro a seguir, vendo as frequências das respostas
à pergunta6 sobre os motivos que levaram à situação de rua:
QUADRO 19: MOTIVOS DA SITUAÇÃO DE RUA REPORTADOS PELOS
ENTREVISTADOS.
Que motivos te levaram à situação Quantidade de Pessoas
de rua? (n°) (%)
Conflitos familiares 587 44,95%
Dependência de drogas ilícitas 289 22,13%
Dependência de drogas lícitas 260 19,91%
Perda de moradia 310 23,74%
Perda de trabalho, emprego ou renda 215 16,46%
Perda de familiares 197 15,08%
Sofreu ameaças, abuso ou violência 62 4,75%
Migração 51 3,9%
Problema de saúde 42 3,21%
Andarilho, nômade, viajante ou cigano 32 2,45%
Escolha 29 2,22%
Para ficar perto do trabalho 26 1,99%
Egresso do sistema prisional 19 1,45%
Estava internado na rede de saúde 11 0,84%
Nasci nas ruas e permaneço nelas 10 0,76%
Abandono 6 0,46%
Imigração 4 0,3%
Egresso do acolhimento institucional 3 0,27%
Egresso do sistema socioeducativo 1 0,07%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

⁶ Pergunta que permite múltiplas respostas, o que justifica a soma dos percentuais ultrapassar 100%.

65
Tal fato se evidencia quando observamos que, dentre os respondentes, 1046 pessoas
afirmaram que a dependência de drogas lícitas não foi uma das condições que as levaram à
situação de rua, enquanto 1306 pessoas afirmaram que a dependência de drogas ilícitas não
as levou à situação de rua. Quando observamos este número, analisando também as variáveis
capital/interior, é possível perceber, ao comparar a contagem real e a contagem esperada7, um
número maior de respostas concentradas na capital em detrimento do interior.
No tocante às variáveis de perda de moradia, perda de trabalho, desemprego ou perda
de renda, identificou-se que 23,74% dos respondentes apontou a primeira condição como
determinante para os levar à situação de rua, enquanto a segunda concentrou 16,46% das
respostas. A partir da tabulação cruzada, foi possível identificar que, neste caso, a contagem
esperada apontava para uma tendência de um número maior de pessoas em situação de rua nos
interiores em razão de perda de moradia, trabalho, desemprego ou perda de renda. Sobretudo
nesta última variável, observou-se uma discrepância considerável, com uma contagem esperada
de 76 pessoas que estivessem em situação de rua no interior por causa da perda de trabalho, e
uma contagem real de 38 pessoas.
Quando cruzadas as variáveis de interior/litoral, observa-se que, dentre as pessoas que
apontaram a perda de trabalho ou renda enquanto condição determinante para estarem em
situação de rua, a maioria está concentrada no litoral em detrimento do interior, com números
absolutos também discrepantes com relação à contagem esperada.
Com relação àquelas pessoas que apontaram o fato de serem andarilhos, nômades,
viajantes ou ciganos enquanto condição para a situação de rua, foram identificadas apenas 9
pessoas na capital. Quando cruzadas as variáveis interior/litoral, foi possível observar 20 pessoas
no litoral e 12 no interior. Destaca-se o fato de que, no interior, a contagem esperada era de quase
a metade do número real identificado, o que aponta para um número maior do que o esperado, em
detrimento do número menor do que o esperado no litoral.

3.2.12 Local de dormida e motivos que levariam a superar a situação de rua


No que tange ao local de dormida na última semana, os respondentes foram questionados se,
nos últimos 7 dias anteriores à aplicação havia passado a noite na rua, em unidades de acolhimento,
rodoviária e terminal de ônibus, ou domicílio de outros. As respostas estão discriminadas no
quadro a seguir:
QUADRO 20: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE O LOCAL DE DORMIDA NA SEMANA
ANTERIOR À ENTREVISTA E O TERRITÓRIO (CAPITAL OU INTERIOR).
Nos Últimos 7 Dias, Em Qual Lugar Você Dormiu Na Maioria das Vezes?***
Entrevista realizada na Capital ou em Outros Municípios
No Interior Na Capital Total
Rua Contagem Esperada 33,4 64,6 98
Contagem Observada 23 75 98
Percentual Observado 48,94% 82,42% 71,01%

⁷ Contagem esperada se não houvesse diferença proporcional entre os grupos.

66
No Interior Na Capital Total
Unidade de Contagem esperada 7,8 15,2 23
Acolhimento Contagem Observada 18 5 23
Percentual Observado 38,3% 5,49% 16,67%
No Interior Na Capital Total
Domicílio de Contagem esperada 5,8 11,2 17
outros Contagem Observada 6 11 17
Percentual Observado 12,77% 12,09% 12,32%
*** p (chi quadrado) < 0,001
Obs: Dados específicos e provenientes do questionário de amostra, com margem de erro de 8%.
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.
O quadro revela diferenças proporcionais entre a população em situação de rua
identificada no interior e na capital, com significância estatística, no que diz respeito a seus locais
de permanência. Na capital foi observada uma maior frequência, em termos proporcionais, de
pessoas que haviam dormido nas ruas na semana antecedente à entrevista. Já no interior, foram
observados, proporcionalmente, mais casos de pessoas em situação de rua em algum tipo de
unidade de acolhimento (o que inclui, também, comunidades terapêuticas, embora não sejam
unidades de acolhimento institucional). Essas diferenças mantêm-se mesmo com a margem de
erro de 8%. Ainda, não foram observadas diferenças proporcionais entre pessoas em situação
de rua que dormiram em domicílios de outras pessoas na capital ou no interior, sobretudo se
considerada a margem de erro.
Diante do cruzamento das variáveis, uma informação que se destaca é o fato de o número
de pessoas em situação de rua que passam a noite em unidades de acolhimento nos interiores ser
mais do que o triplo dos acolhidos na capital.
Quando questionados acerca das situações que os ajudariam a sair da situação de rua8,
62,32% dos respondentes afirmaram que ter uma moradia permanente será o fator mais
determinante, seguido por ter um emprego fixo (34,78%) e receber algum benefício (13,04%).
Quando cruzamos esta variável com as variáveis interior/capital, foram encontrados os seguintes
resultados.
QUADRO 21: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE AS ALEGAÇÕES SOBRE O QUE
AJUDARIA A SUPERAR A SITUAÇÃO DE RUA E O TERRITÓRIO (INTERIOR E CAPITAL).
O Que te Ajudaria a Superar a Situação de Rua?
Entrevista Realizada Em Natal ou em Outro
Ter um Emprego Fixo* Município Total
No interior Na capital
Contagem Esperada 16,0 32,0 48,0
Contagem Observada 11,0 37,0 48,0

⁸Dados específicos e provenientes do questionário de amostra, com margem de erro de 8%.

67
Percentual Observado 23,91% 40,22% 34,78%
Superar a dependência
No interior Na capital Total
Química*
Contagem Esperada 4,3 8,7 13
Contagem Observada 8 5 13
Percentual Observado 17,39% 5,43% 9,42%
*p (chi quadrado) < 0,05
Obs: Dados específicos e provenientes do questionário de amostra, com margem de erro de 8%.
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

O quadro permite perceber diferenças proporcionais e estatisticamente significantes


entre capital e interior no que diz respeito a caminhos para a superação da situação de rua, na
percepção dos entrevistados. Por um lado, os resultados indicam que, proporcionalmente, mais
pessoas em situação de rua na capital entendem que ter um emprego fixo as ajudaria a superar
essa situação. Por outro lado, foram proporcionalmente mais frequentes no interior os casos de
pessoas que afirmaram que vencer a dependência química as ajudaria a superar a situação de rua.
No entanto, apenas a primeira diferença mantém-se, se considerada a margem de erro de 8%.

3.2.13 Saúde
Quando questionados acerca dos problemas de saúde, apesar das dores crônicas
surgirem com maior frequência, houve uma distribuição relativamente equânime, sobretudo
entre os problemas de saúde bucal, depressão, doenças do aparelho digestivo e consequências
de acidentes. No cruzamento destas variáveis com a variável dicotômica de território, podem ser
apresentados nos seguintes dados:
QUADRO 22: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE AS RESPOSTAS SOBRE PROBLEMAS
DE SAÚDE E O TERRITÓRIO (INTERIOR E CAPITAL).
Você Sofre de Algum Problema de Saúde?
Entrevista Realizada Na Capital ou em Ou-
Consequência de
tros Municípios Total
Acidentes*
No interior Na capital
Contagem Esperada 58 106 165
Contagem Observada 70 95 165
Percentual Observado 15,18% 11,28% 12,66%
Dores Crônicas*** No interior Na capital Total
Contagem Esperada 110,7 202,3 313
Contagem Observada 138 175 313
Percentual Observado 29,93% 20,78% 24,02%

68
Depressão ou Doença
No interior Na capital Total
dos Nervos***
Contagem Esperada 77,1 140,9 218
Contagem Observada 99 119 218
Percentual Observado 21,47% 14,13% 16,73%
Não Tenho Problemas de
No interior Na capital Total
Saúde*
Contagem Esperada 151,1 175,9 427
Contagem Observada 135 292 427
Percentual Observado 29,28% 34,68% 32,77%
*p (chi quadrado) < 0,05
*** p (chi quadrado) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

O quadro acima revela que há diferenças proporcionais, com significância estatística, entre
a população em situação de rua no interior e na capital do Rio Grande do Norte. Em específico,
esses resultados revelam que há mais demandas de saúde para a população em situação de rua
no interior do estado. Em média, há mais casos de pessoas em situação de rua que afirmaram
sofrer com consequências de acidentes, dores crônicas e depressão ou doenças dos nervos no
interior do que na capital. Ainda, há, proporcionalmente, mais casos de pessoas que afirmaram
não ter problemas de saúde na capital do que no interior. Isso revela a necessidade de uma política
interiorizada de saúde para pessoas em situação de rua no Rio Grande do Norte.
QUADRO 23: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE AS RESPOSTAS SOBRE PROBLEMAS
DE SAÚDE E O TERRITÓRIO (INTERIOR E LITORAL).
Você Sofre de Algum Problema de Saúde?
Entrevista Realizada No Litoral ou em Outros
Dores Crônicas* Municípios Total
No Interior No Litoral
Contagem Esperada 64,1 248,9 313
Contagem Observada 76 237 313
Percentual Observado 28,46% 22,88% 24,02%
*p (chi quadrado) < 0,05
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Esse quadro revela que, mesmo fazendo-se o recorte de municípios litorâneos em contraste
com os demais municípios, ainda foram observadas diferenças proporcionais, especificamente no
que diz respeito aos entrevistados que declararam sofrer com dores crônicas. Nos municípios do
litoral, esses casos foram proporcionalmente menos frequentes, o que permite perceber mais um
recorte nas demandas de cuidados em relação a esse problema de saúde. É revelador, no entanto,

69
que mesmo tendo-se o recorte da capital ou dos municípios litorâneos, dores crônicas marcam a
realidade de mais de 20% da população em situação de rua entrevistada.
Já com relação à resolução desses problemas de saúde, as variáveis cruzadas apontaram
os seguintes resultados.
QUADRO 24: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE AS RESPOSTAS SOBRE ONDE SÃO
TRATADOS PROBLEMAS DE SAÚDE E O TERRITÓRIO (INTERIOR E CAPITAL).
Onde Você Vai Para Tratar Seus Problemas de Saúde?
Entrevista Realizada em Natal ou em Outros
Pronto Socorro, Hospi-
Municípios Total
tal ou UPA**
No Interior Na Capital
Contagem Esperada 185,7 337,3 523
Contagem Observada 162 361 523
Percentual Observado 35,06% 43,03% 40,2%
Consultório na Rua ou
No Interior Na Capital Total
Agentes de Saúde**
Contagem Esperada 25,6 46,4 72
Contagem Observada 36 36 72
Percentual Observado 7,79% 4,29% 5,53%
**p (chi quadrado) < 0,01
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.
O quadro revela algumas diferenças com significância estatística, em termos proporcionais,
entre capital e interior, no que tange ao acesso a serviços públicos para o tratamento de problemas
de saúde pela população em situação de rua. Por um lado, um número proporcionalmente
mais expressivo de pessoas entrevistadas na capital afirmaram cuidar de seus problemas de
saúde em prontos-socorros, hospitais ou Unidades de Pronto Atendimento (UPA), o que revela,
proporcionalmente, um menor acesso a essas unidades no interior pela população em situação de
rua. Por outro lado, foi observado que, proporcionalmente, mais pessoas têm atendimento para
resolver problemas de saúde pelo consultório na rua ou por agentes de saúde no interior do que
na capital. Isso revela, inclusive, que as equipes de consultório na rua dos municípios de Mossoró e
Parnamirim conseguem atender, proporcionalmente, a mais usuários do que as equipes de Natal.
QUADRO 25: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE AS RESPOSTAS SOBRE ONDE SÃO
TRATADOS PROBLEMAS DE SAÚDE E O TERRITÓRIO (INTERIOR E LITORAL).
Onde Você Vai Para Tratar Seus Problemas de Saúde?
Entrevista Realizada No Litoral ou em Outros
Consultório na Rua ou
Municípios Total
Agentes de Saúde*
No Interior No Litoral
Contagem Esperada 14,8 57,2 72
Contagem Observada 21 51 72

70
Percentual Observado 7,84% 4,94% 5,53%
Não Faço Nada** No Interior No Litoral Total
Contagem Esperada 54,6 210,4 265
Contagem Observada 39 226 265
Percentual Observado 14,55% 21,88% 20,37%
*p (chi quadrado) < 0,05
**p (chi quadrado) < 0,01
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Esse quadro revela mais algumas diferenças territoriais, com significância estatística, no
que diz respeito ao acesso a serviços de saúde pela população em situação de rua. O primeiro
resultado é de que pessoas em situação de rua em cidades potiguares litorâneas reportaram,
proporcionalmente, um menor acesso a equipes de consultório na rua ou agentes comunitários
de saúde para tratar de problemas de saúde. Se comparado com o quadro anterior, esse resultado
revela que, efetivamente, a equipe de consultório na rua de Mossoró atende a, proporcionalmente,
mais demandas de saúde de pessoas em situação de rua do que as demais. Ainda, a comparação
permite concluir que a equipe de consultório na rua de Parnamirim também consegue atender
a, proporcionalmente, mais usuários do que as equipes de Natal. Outro resultado expresso no
quadro é de que, em cidades litorâneas, são proporcionalmente mais frequentes os casos de
pessoas em situação de rua que não fazem nada para tratar seus problemas de saúde.

71
3.2.14 Segurança alimentar
No questionário de amostra, os entrevistados foram perguntados sobre onde se
alimentaram naquele dia. As respostas apontaram para a maior prevalência de pessoas em
situação de rua que se alimentam em Restaurantes Populares (13,33%), Serviços da Prefeitura
(13,33%) e Centros POP (8,15%). Tal fato denota a presença do Estado junto a esta parcela da
situação, no sentido da oferta de alimentos. Quando cruzada a variável de alimentação com as
variáveis dicotômicas de território, foram identificados os seguintes resultados.

QUADRO 26: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE AS RESPOSTAS SOBRE ONDE SE


CONSEGUE ALIMENTOS E TERRITÓRIO (INTERIOR E CAPITAL).
Onde Você Costuma Conseguir Alimento?
Entrevista Realizada Na Capital ou em Outros
Restaurante Popular*** Municípios Total
No Interior Na Capital
Contagem Esperada 118,5 216,5 335
Contagem Observada 85 250 335
Percentual Observado 18,48% 29,76% 27,31%
Serviços da
No Interior Na Capital Total
Prefeitura***
Contagem Esperada 81,7 149,3 231
Contagem Observada 58 173 231
Percentual Observado 12,61% 20,59% 17,77%
Centro POP*** No Interior Na Capital Total
Contagem Esperada 52,4 95,6 148
Contagem Observada 19 129 148
Percentual Observado 4,13% 15,36% 11,38%
Abrigo*** No Interior Na Capital Total
Contagem Esperada 20,7 36,8 57
Contagem Observada 7 50 57
Percentual Observado 1,52% 5,95% 4,38%
Ganha Comida
de Restaurante, No Interior Na Capital Total
Lanchonete ou Bar***
Contagem Esperada 120,3 219,7 340
Contagem Observada 76 264 340
Percentual Observado 16,52% 31,43% 26,15%

72
Recebe de Grupos que
Distribuem Comida na No Interior Na Capital Total
Rua***
Contagem Esperada 133 336 376
Contagem Observada 40 243 376
Percentual Observado 8,7% 40% 28,92%
Ganha de Pessoas na
No Interior Na Capital Total
Rua***
Contagem Esperada 176,6 322,4 499
Contagem Observada 147 352 499
Percentual Observado 31,96% 41,9% 38,38%
Comunidade
No Interior Na Capital Total
Terapêutica***
Contagem Esperada 63 115 178
Contagem Observada 165 13 178
Percentual Observado 35,87% 1,55% 13,69%
*** p (chi quadrado) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.
O quadro acima revela diferenças territoriais proporcionais e com significância estatísticas
importantes no que diz respeito ao acesso à alimentação pela população em situação de rua no
Rio Grande do Norte. Entrevistados na capital reportaram, proporcionalmente, um maior acesso
a alimentos em restaurantes populares, serviços da prefeitura e mesmo por terceiros, como
bares, lanchonetes ou restaurantes, grupos que distribuem comida nas ruas e de transeuntes. A
única situação em que foram encontrados proporcionalmente e com significância estatística mais
casos no interior que na capital foi entre as pessoas em situação de rua que se alimentam em
comunidades terapêuticas, visto que, efetivamente, essas instituições são numericamente mais
presentes em municípios do interior.
QUADRO 27: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE AS RESPOSTAS SOBRE ONDE SE
CONSEGUE ALIMENTOS E TERRITÓRIO (INTERIOR E LITORAL).
Onde Você Costuma Conseguir Alimento?
Entrevista Realizada No Litoral ou em Outros
Serviços da
Municípios Total
Prefeitura***
No Interior No Litoral
Contagem Esperada 47,3 183,7 231
Contagem Observada 30 201 231
Percentual Observado 11,28% 19,44% 17,77%

73
Ganha Comida
de Restaurante, No Interior No Litoral
Total
Lanchonete ou Bar***
Contagem Esperada 69,6 270 340
Contagem Observada 44 296 340
Percentual Observado 16,54% 28,63% 26,15%
Recebe de Grupos Que
Distribuem Comida na No Interior No Litoral
Total
Rua***
Contagem Esperada 76,9 299,1 376
Contagem Observada 32 344 376
Percentual Observado 12,03% 33,27% 28,92%
Faz a Própria Comida** No Interior No Litoral Total
Contagem Esperada 39,3 152,7 192
Contagem Observada 55 137 192
Percentual Observado 20,68% 13,25% 14,77%
**p (chi quadrado) < 0,01
*** p (chi quadrado) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.
O quadro acima mostra que, em alguns casos, algumas diferenças territoriais se mantêm
entre o acesso a alimentos por pessoas em situação de rua, em termos proporcionais. Mesmo se
agrupadas, ao município de Natal, outras cidades litorâneas, ainda são mais frequentes os casos de
pessoas em situação de rua que se alimentam em serviços da prefeitura e ganhando de terceiros.
Fazendo esse recorte, os resultados revelam, ainda, que há proporcionalmente mais casos de
pessoas que afirmaram preparar sua própria comida em municípios que não estão no litoral.

3.2.15 Oferta e acesso a serviços


No tocante à oferta de serviços durante a pandemia, identificou o auxílio emergencial
enquanto resposta mais frequente (49,77%), enquanto 35,13% afirmaram não ter acessado
nenhum serviço ou benefício na pandemia. Quando cruzadas as variáveis de serviços ofertados
na pandemia com as variáveis dicotômicas de território, obtiveram-se os seguintes resultados.
QUADRO 28: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE OS BENEFÍCIOS RECEBIDOS EM
DECORRÊNCIA DA PANDEMIA DE COVID-19 E O TERRITÓRIO (INTERIOR E CAPITAL).
Dos Benefícios Recebidos em Decorrência da Pandemia de Covid-19
Entrevista Realizada na Capital ou em Outros
Oferta de Lugares Para
Municípios Total
Higiene Pessoal*
No Interior Na Capital
Contagem Esperada 49,1 89,9 139

74
Contagem Observada 60 79 139
Percentual Observado 12,87% 9,27% 10,55%
Aluguel Social* No Interior Na Capital Total
Contagem Esperada 35,4 64,6 100
Contagem Observada 45 55 100
Percentual Observado 9,66% 6,45% 7,59%
Gratuidade no
No Interior Na Capital Total
Restaurante Popular***
Contagem Esperada 53,7 98,3 152
Contagem Observada 36 116 152
Percentual Observado 7,72% 13,61% 11,53%
*p (chi quadrado) < 0,05
*** p (chi quadrado) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Esse quadro permite constatar diferenças proporcionais no acesso a benefícios em


decorrência da pandemia de Covid-19, pela população em situação de rua no Rio Grande do Norte.
Proporcionalmente, foi reportado um maior acesso a lugares para higiene pessoal e ao benefício
do aluguel social pela população em situação de rua no interior do que na capital. Ainda, foi
reportado um maior acesso ao benefício da gratuidade em restaurantes populares pela população
em situação de rua entrevistada na capital.
QUADRO 29: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE OS BENEFÍCIOS RECEBIDOS EM
DECORRÊNCIA DA PANDEMIA DE COVID-19 E O TERRITÓRIO (INTERIOR E LITORAL).
Dos Benefícios Recebidos em Decorrência da Pandemia de Covid-19
Entrevista Realizada no Litoral ou em Outros
Alimentos*** Municípios Total
No Interior No Litoral
Contagem Esperada 27,2 105,8 133
Contagem Observada 42 91 133
Percentual Observado 15,56% 8,68% 10,09%
Cesta Básica*** No Interior No Litoral Total
Contagem Esperada 32,6 126,4 159
Contagem Observada 52 107 159
Percentual Observado 19,26% 10,21% 12,06%
Aluguel Social*** No Interior No Litoral Total
Contagem Esperada 20,5 79,5 1100
Contagem Observada 41 59 100

75
Percentual Observado 15,18% 5,63% 7,59%
Gratuidade no
No Interior No Litoral Total
Restaurante Popular*
Contagem Esperada 31,1 120,9 152
Contagem Observada 21 131 152
Percentual Observado 7,78% 12,5% 11,53%
*p (chi quadrado) < 0,05
*** p (chi quadrado) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Esse quadro acrescenta informações às diferenças territoriais identificadas no quadro


anterior. Quando feito um recorte com as cidades litorâneas, percebe-se que nessas, foi reportado,
pela população em situação de rua entrevistada, um menor acesso proporcional a alimentos, cestas
básicas e ao benefício do aluguel social em decorrência da pandemia de Covid-19. Por outro lado,
as pessoas entrevistadas nesses municípios reportaram, proporcionalmente, um maior acesso ao
benefício da gratuidade em restaurantes populares.
Quanto ao atendimento por algum serviço socioassistencial nos seis meses anteriores à
aplicação das entrevistas, as respostas foram as seguintes:
QUADRO 30: RESPOSTAS À PERGUNTA SOBRE O ATENDIMENTO POR SERVIÇOS
DA REDE SOCIOASSISTENCIAL NOS SEIS MESES ANTERIORES À ENTREVISTA.
Atendimentos Pelos Serviços da Rede Quantidade de Pessoas
Socioassistencial (n°) (%)
Não fui atendido por nenhuma insti-
527 40,29%
tuição
Centro POP 341 26,07%
CRAS 312 23,85%
Abrigo/albergue para população adul- 120 9,17%
tos e famílias em situação de rua
Consultório na rua 123 9,4%
CREAS 153 11,7%
Unidade de acolhimento 126 9,63%
Equipe de abordagem social 77 5,89%
CAPS 43 3,29%
Cadastro Único 37 2,83%
Conselho Tutelar 13 0,99%
Defensoria Pública 12 0,92%
Ministério Público 5 0,38%

76
Agente Comunitário de Saúde 5 0,38%
Centro Dia 4 0,3%
ACESSUAS Trabalho 3 0,23%
Serviço de Centro Dia 1 0,07%
Abrigo para mulheres vítimas de vio- 3 0,23%
lência
Abrigo para crianças e adolescentes 2 0,15%
Serviço de Orientação e Apoio Espe- 1 0,07%
cializado a Crianças, Adolescentes e
Famílias
Centros e Grupos de Convivência para 1 0,07%
Idosos
Serviço de Acompanhamento Social a 1 0,07%
Adolescentes em Medida socioeduca-
tiva de Prestação de serviços à Comu-
nidade
Abrigo para pessoas idosas 1 0,07%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Quando cruzamos as variáveis de acesso a serviços socioassistenciais e as variáveis


dicotômicas de território, chegamos aos seguintes resultados.
QUADRO 31: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE O ACESSO AOS SERVIÇOS DA REDE
SOCIOASSISTENCIAL E TERRITÓRIO (INTERIOR E CAPITAL).
Acesso aos Serviços da Rede Socioassistencial
Entrevista Realizada na Capital ou em Outros
CRAS/PAIF* Municípios Total
No Interior Na Capital
Contagem Esperada 109,7 202,3 312
Contagem Observada 123 189 312
Percentual Observado 26,74% 22,29% 23,85%
CREAS/PAEFI*** No Interior Na Capital Total
Contagem Esperada 53,8 99,2 153
Contagem Observada 105 48 153
Percentual Observado 22,83% 5,66% 11,7%
Centro POP*** No Interior Na Capital Total

77
Contagem Esperada 119,9 221,1 341
Contagem Observada 37 304 341ww
Percentual Observado 8,04% 35,85% 26,07%
Equipe da Abordagem
No Interior Na Capital Total
Social***
Contagem Esperada 27,1 49,9 77
Contagem Observada 46 31 77
Percentual Observado 10% 3,66% 5,89%
Outros (CAPS)* No Interior Na Capital Total
Contagem Esperada 15,1 27,9 43
Contagem Observada 29 14 43
Percentual Observado 6,3% 1,65% 3,29%
Outros (Consultório na
No Interior Na Capital Total
Rua)*
Contagem Esperada 15,1 27,9 43
Contagem Observada 29 14 43
Percentual Observado 13,26% 7,31% 9,4%
Não Fui Atendido por
No Interior Na Capital Total
Nenhuma Instituição***
Contagem Esperada 185,5 341,5 527
Contagem Observada 157 370 527
Percentual Observado 34,13% 43,68% 40,32%
*p (chi quadrado) < 0,05
*** p (chi quadrado) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.
O quadro acima é demonstrativo da necessidade de aprimoramento dos serviços da Rede
Socioassistencial no atendimento da população em situação de rua, sobretudo no município de
Natal. Nele, os entrevistados reportaram, proporcionalmente e com significância estatística,
serem menos atendidos por CRAS, CREAS e SUAS. No mesmo sentido, a respeito de alguns
serviços de saúde, em especial CAPS e equipes de consultório na rua, os entrevistados na capital
apresentaram proporcionalmente menos casos de atendimento. Ainda, foi proporcionalmente
maior em Natal, o número de casos de pessoas que relataram não terem sido atendidas por
nenhum serviço da Rede Socioassistencial nos seis meses que antecederam a entrevista.

78
QUADRO 32: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE O ACESSO AOS SERVIÇOS DA REDE
SOCIOASSISTENCIAL E TERRITÓRIO (INTERIOR E LITORAL).
Acesso Aos Serviços da tRede Socioassistencial
Entrevista Realizada no Litoral ou em Outros
CRAS/PAIF*** Municípios Total
No Interior No Litoral
Contagem Esperada 63,7 248,3 312
Contagem Observada 98 214 312
Percentual Observado 36,7% 22,56% 23,85%
CREAS/PAEFI*** No Interior No Litoral Total
Contagem Esperada 31,2 121,8 153
Contagem Observada 80 73 153
Percentual Observado 29,96% 7,01% 11,7%
Equipe da Abordagem
No Interior No Litoral Total
Social***
Contagem Esperada 15,7 31,3 77
Contagem Observada 40 37 77
Percentual Observado 14,98% 3,55% 5,89%
Cadastro Único* No Interior No Litoral Total
Contagem Esperada 7,6 29,4 37
Contagem Observada 13 24 37
Percentual Observado 4,87% 2,3% 2,83%
Outros (CAPS)*** No Interior No Litoral Total
Contagem Esperada 8,8 34,2 43
Contagem Observada 23 20 43
Percentual Observado 8,61% 1,92% 3,29%
Outros (Consultório na
No Interior No Litoral Total
Rua)***
Contagem Esperada 25,1 97,9 123
Contagem Observada 46 77 123
Percentual Observado 17,23% 7,4% 9,4%
Não Fui Atendido por
No Interior No Litoral Total
Nenhuma Instituição***
Contagem Esperada 107,7 419,3 527
Contagem Observada 58 469 527
Percentual Observado 21,72% 45,1% 40,32%
*p (chi quadrado) < 0,05, *** p (chi quadrado) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

79
Quando outros municípios litorâneos são agrupados à capital, as diferenças se mantêm,
revelando, ainda, que outros municípios litorâneos também são marcados, proporcionalmente,
por menos casos de atendimento a pessoas em situação de rua por equipamentos e serviços da
Rede Socioassistencial. Isso revela a necessidade de aprimoramento desses serviços, sobretudo
em municípios da faixa litorânea, e com ênfase em Natal.
Ao observarmos o cruzamento das variáveis dicotômicas de território com a variável de
atendimento no CRAS, CREAS e/ou Centro POP, identifica-se a menor presença proporcional de
pessoas atendidas na capital em comparação àquelas atendidas no interior. Foi possível, também,
perceber que, na capital, o número de pessoas que tiveram e que não tiveram dificuldades
para serem atendidos e aqueles que nunca procuraram serviços nesses equipamentos foi bem
aproximado (243, 285 e 233 pessoas, respectivamente). No interior, por sua vez, a tendência é
que quem procure esses serviços, tenha acesso, sem tantas dificuldades, conforme ilustram os
quadros a seguir.
QUADRO 33: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE O ACESSO À REDE SOCIOASSISTENCIAL
E TERRITÓRIO (INTERIOR E CAPITAL).
Acesso à Rede Socioassistencial
Você Tem Dificuldade Para ser atendido Entrevista Realizada Na Capital
em Centros Como CRAS, CREAS ou Centro ou Em Outros Municípios Total
POP?*** Na Capital No Interior
Contagem Esperada 113,5 213,5 327
Sim Contagem Observada 84 243 327
Percentual Observado 18,92% 29,1% 25,57%
Contagem Esperada 173,9 327,1 501
Não Contagem Observada 216 285 501
Percentual Observado 48,65% 34,13% 39,17%
Nunca Contagem Esperada 113,9 214,1 328
Procurei esses Contagem Observada 95 233 328
Serviços Percentual Observado 21,4% 27,9% 25,64%
Não Sei o que Contagem Esperada 42,7 80,3 123
São Esses Contagem Observada 49 74 123
Serviços Percentual Observado 11,04% 8,86% 9,62%
***p (chi quadrado) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Esse quadro agrega informações aos resultados apresentados nos dois quadros anteriores.
Proporcionalmente, foram observadas, com significância estatística, diferenças territoriais no
que diz respeito ao acesso a equipamentos como CRAS, CREAS ou Centro POP. Em Natal, foram

80
proporcionalmente mais frequentes os casos de entrevistados que reportaram terem dificuldades
em acessar esses equipamentos, e também foram mais frequentes os casos de pessoas em
situação de rua que afirmaram nunca terem procurado por eles. Por outro lado, no interior,
foram observados, proporcionalmente, mais casos de pessoas em situação de rua que afirmaram
desconhecer o que são esses equipamentos.
QUADRO 34: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE O ACESSO À REDE SOCIOASSISTENCIAL
E TERRITÓRIO (INTERIOR E LITORAL).
Acesso à Rede Socioassistencial
Você Tem Dificuldade para ser atendido
em Centros Como CRAS, CREAS ou Centro No Interior No Litoral Total
POP?***
Contagem Esperada 65,7 261,3 327
Sim Contagem Observada 48 279 327
Percentual Observado 18,68% 27,3% 25,57%
Contagem Esperada 100,7 400,3 501
Não Contagem Observada 141 360 501
Percentual Observado 54,86% 35,22% 39,17%
Contagem Esperada 65,9 262,1 328
Nunca Procurei
Contagem Observada 46 282 328
Esses Serviços
Percentual Observado 17,9% 27,59% 25,64%
Não Sei o Que Contagem Esperada 24,7 98,3 123
São Esses Contagem Observada 22 101 123
Serviços Percentual Observado 8,56% 9,88% 9,62%
*** p (chi quadrado) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Os resultados dispostos nesse quadro mostram que, quando agregados outros municípios
litorâneos ao município de Natal, quase todas as diferenças anteriormente percebidas se mantêm.
No entanto, a redução na diferença proporcional entre pessoas em situação de rua que relataram
sentir dificuldades no atendimento por equipamentos como CRAS, CREAS ou Centro POP revela
que, proporcionalmente, esses casos são mais frequentes em Natal do que nos demais municípios
litorâneos. O aumento da diferença proporcional nos resultados sobre pessoas que responderam
nunca terem procurado esses serviços revela que esses casos são proporcionalmente mais
frequentes nos municípios litorâneos em geral, e não apenas na capital. Por fim, observa-se que,
com esse recorte, são mais frequentes, proporcionalmente, na faixa litorânea os casos de pessoas
que responderam desconhecer o que são esses serviços, o que revela que, essa realidade é mais
sensível nos municípios litorâneos em conjunto.

81
3.2.16 Acesso à documentação
Com relação ao acesso à documentação, foram identificados três documentos com mais
de 50% de frequência de ocorrência junto à população em situação de rua, foram eles: (1) certidão
de nascimento/casamento, com 72,2%; (2) CPF, 68,17% e (3) carteira de identidade, com 67,25%.
Quando cruzamos a variável acesso à documentação com a variável dicotômica de território,
foram identificados os seguintes resultados.
QUADRO 35: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE A POSSE DE DOCUMENTOS E
TERRITÓRIO (INTERIOR E CAPITAL).
Sobre a Posse de Documentação
Entrevista Realizada Na Capital
Cartão de Vacinação / Cartão do SUS** ou Em Outros Municípios Total
Na Capital No Interior
Contagem Esperada 315,4 575,6 891
Tenho Contagem Observada 339 552 891
Percentual Observado 76,01% 67,81% 70,71%
Contagem Esperada 99,5 181,8 281
Tive, Mas não
Contagem Observada 74 207 281
tenho mais
Percentual Observado 16,59% 24,43% 22,3%
Contagem Esperada 31,1 56,9 88
Nunca Tive Contagem Observada 33 55 88
Percentual Observado 7,4% 6,76% 6,98%
**p (chi quadrado) < 0,01
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

A tabulação cruzada apresentada no quadro acima identifica que, quando contrastados os


casos do interior e da capital, houve diferenças proporcionais, com significância estatística, no que
diz respeito à posse de cartão de vacinação ou de cartão do SUS pela população em situação de
rua. Embora os percentuais de indivíduos que nunca tiveram esse documento sejam semelhantes,
os dados revelam que, proporcionalmente, mais pessoas perderam esse documento na capital do
que no interior.

82
QUADRO 36: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE A POSSE DE DOCUMENTOS E
TERRITÓRIO (INTERIOR E LITORAL).
Sobre a Posse de Documentação
Entrevista Realizada no Litoral ou
CPF** em Outros Municípios Total
No Litoral No Interior
Contagem Esperada 182 711 893
Tenho Contagem Observada 202 691 893
Percentual Observado 75,65% 66,25% 68,17%
Contagem Esperada 80,1 312,9 393
Tive, Mas não
Contagem Observada 63 330 393
tenho mais
Percentual Observado 23,59% 31,64% 30%
Sobre a Posse de Documentação
Carteira de Identidade*** No Interior No Litoral Total
Contagem Esperada 180,2 700,8 881
Tenho Contagem Observada 207 674 881
Percentual Observado 77,24% 64,68% 67,25%
Contagem Esperada 83,3 323,7 407
Tive, Mas não
Contagem Observada 59 348 407
tenho mais
Percentual Observado 22,01% 33,4% 31,07%
Sobre a Posse de Documentação
Título de Eleitor* No Interior No Litoral Total
Contagem Esperada 128,8 498,2 627
Tenho Contagem Observada 144 483 627
Percentual Observado 53,3% 46,44% 47,9%
Contagem Esperada 119 460 579
Tive, mas não
Contagem Observada 113 466 579
tenho mais
Percentual Observado 42,01% 44,81% 44,23%
Contagem Esperada 21,2 81,8 103
Nunca Tive Contagem Observada 12 91 103
Percentual Observado 4,46% 8,75% 7,87%
Sobre a Posse de Documentação
Cartão de Vacinação / Cartão do SUS** No Interior No Litoral Total
Contagem Esperada 183,9 707,1 891
Tenho Contagem Observada 211 680 891
Percentual Observado 81,15% 68% 70,71%

83
Contagem Esperada 58 223 281
Tive, mas não
Contagem Observada 31 250 281
tenho mais
Percentual Observado 11,92% 25% 22,3%
Contagem Esperada 18,2 69,8 88
Nunca Tive Contagem Observada 18 70 88
Percentual Observado 6,92% 7% 6,98%
*p (chi quadrado) < 0,05
**p (chi quadrado) < 0,01
*** p (chi quadrado) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

O quadro 36 mostra que, quando é feito o recorte territorial a partir dos municípios
litorâneos, mais diferenças, em termos proporcionais, podem ser observadas entre os grupos,
com significância estatística. Os resultados mostram que, proporcionalmente, menos pessoas em
situação de rua possuem Cadastro de Pessoa Física (CPF), Carteira de Identidade, Título de Eleitor
e Cartão de Vacinação ou Cartão do SUS nas cidades litorâneas em relação aos demais municípios.
Esses resultados mostram que uma política de acesso a documentos voltada à população em
situação de rua no Rio Grande do Norte pode considerar estrategicamente essas diferenças
territoriais.

84
3.2.17 Violências sofridas
No que concerne às violências sofridas por quem está em situação de rua no estado do
Rio Grande do Norte9, 57,21% dos respondentes afirmaram ter sofrido violência verbal, enquanto
40,43% afirmaram ter sofrido espancamento/briga, 36,77% se queixaram de roubo/furto; 30,13%
disseram não ter sofrido nenhum tipo de violência; 22,73% foram retirados da rua à força; 13,88%
foram vítimas de tiro/facada/queimadura; 13,65% tiveram seus pertences retirados, sobretudo
pela Guarda Civil; e 3,97% foram vítimas de abuso sexual. Quando cruzadas as variáveis de
violência com as variáveis dicotômicas de território, foi possível se chegar aos quadros a seguir.
QUADRO 37: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE RELATOS DE VIOLÊNCIA E TERRITÓRIO
(INTERIOR E CAPITAL).
Você Sofreu Algum Tipo de Violência?
Entrevista Realizada na Capital ou em Outros
Espancamento, Briga,
Municípios Total
Luta Corporal ou Etc.***
No Interior Na Capital
Contagem Esperada 187 343 530
Contagem Observada 229 201 530
Percentual Observado 49,46% 35,45% 40,4%
Roubo ou Furto** No Interior Na Capital Total
Contagem Esperada 170,1 311,9 482
Contagem Observada 149 333 482
Percentual Observado 32,18% 39,22% 36,74%
**p (chi quadrado) < 0,01
*** p (chi quadrado) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

o quadro 37 revela diferenças territoriais na vivência das pessoas em situação de rua
no Rio Grande do Norte também, proporcionalmente, nos relatos de violência. Com significância
estatística, os resultados revelam que em média mais pessoas em situação de rua declararam ter
sofrido violência física no interior em relação à capital. Por outro lado, houve proporcionalmente
mais casos de relatos de violência patrimonial pelas pessoas em situação de rua na capital.
QUADRO 38: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE RELATOS DE VIOLÊNCIA E TERRITÓRIO
(INTERIOR E LITORAL).
Você Sofreu Algum Tipo de Violência?
Entrevista Realizada no Litoral ou em Outros
Espancamento, Briga,
Municípios Total
Luta Corporal ou Etc.***
No Interior No Litoral
Contagem Esperada 107,9 422,1 530
Contagem Observada 132 398 530
Percentual Observado 49,44% 38,09% 40,4%

⁹ A soma das porcentagens excede 100%, em razão da questão referente a esta variável admitir múltiplas respostas.

85
Roubo ou Furto* No Interior No Litoral Total
Contagem Esperada 98,1 389,3 482
Contagem Observada 82 400 482
Percentual Observado 30,71% 38,28% 36,74%
*p (chi quadrado) < 0,05
*** p (chi quadrado) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

As tabulações cruzadas reveladas no quadro anterior revelam que, mesmo quando outros
municípios litorâneos são agrupados à capital, as diferenças proporcionais observadas no quadro
anterior são mantidas. Comparando-se os dois quadros, percebe-se que, se contrastadas a
capital com os demais municípios litorâneos, nela são efetivamente observados menos relatos de
violência física e mais relatos de violência patrimonial, em termos proporcionais, pelas pessoas em
situação de rua entrevistadas.
Ao cruzarmos as variáveis acerca de quem foi o agressor a praticar essas violências com as
variáveis dicotômicas de território, foi possível chegar aos seguintes resultados.
QUADRO 39: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE QUEM PRATICOU A VIOLÊNCIA
RELATADA E TERRITÓRIO (INTERIOR E CAPITAL).
Quem Praticou a Violência?
Entrevista Realizada na Capital ou em Outros
Polícia* Municípios Total
No Interior Na Capital
Contagem Esperada 100,9 182,1 283
Contagem Observada 87 196 283
Percentual Observado 19,08% 23,81% 22,13%
Pessoas que Passam na
No Interior Na Capital Total
Rua*
Contagem Esperada 156,9 283,1 440
Contagem Observada 142 298 440
Percentual Observado 24,78% 30,13% 28,22%
Outras Pessoas em
No Interior Na Capital Total
Situação de Rua*
Contagem Esperada 128,7 232,3 361
Contagem Observada 113 248 361
Percentual Observado 31,14% 36,21% 34,4%

86
Moradores Locais
No Interior Na Capital Total
Domiciliados***
Contagem Esperada 77 139 216
Contagem Observada 97 119 216
Percentual Observado 21,27% 14,46% 16,89%
*p (chi quadrado) < 0,05
*** p (chi quadrado) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Esse quadro é revelador na medida em que apresenta diferenças territoriais, com


significância estatística, no que diz respeito aos agentes que praticaram violência contra pessoas
em situação de rua. Proporcionalmente, mais pessoas em situação de rua no município de Natal
relataram terem sido alvo de violência por policiais, por pessoas que passam na rua e por outras
pessoas em situação de rua. Por outro lado, pessoas em situação de rua em municípios do interior
relataram, em média, terem sofrido mais violência por moradores locais domiciliados.
QUADRO 40: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE QUEM PRATICOU A VIOLÊNCIA
RELATADA E TERRITÓRIO (INTERIOR E CAPITAL).
Quem Praticou a Violência?
Entrevista Realizada no Litoral ou em Outros
Guarda Civil Municipal* Municípios Total
No Interior No Litoral
Contagem Esperada 38,4 149,6 188
Contagem Observada 29 159 188
Percentual Observado 11,11% 15,62% 14,7%
Outras Pessoas em
No Interior No Litoral Total
Situação de Rua***
Contagem Esperada 89,8 350,2 440
Contagem Observada 60 380 440
Percentual Observado 22,99% 37,33% 34,4%
Namorado ou
No Interior No Litoral Total
Companheiro**
Contagem Esperada 7,6 29,4 37
Contagem Observada 15 22 37
Percentual Observado 5,75% 2,16% 2,89%
*p (chi quadrado) < 0,05
**p (chi quadrado) < 0,01
*** p (chi quadrado) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

87
Esse quadro acrescenta informações aos achados do quadro anterior, ao revelar diferenças
territoriais, em termos proporcionais, nos agentes que praticaram violência contra pessoas em
situação de rua, tomando-se as cidades litorâneas como referência. Nelas, foram reportados,
em média, mais casos de violência contra pessoas em situação de rua por agentes da guarda civil
municipal e por outras pessoas em situação de rua. Essas informações, articuladas com a do quadro
anterior, mostram que é necessário uma resposta, sobretudo em Natal e na faixa litorânea, no que
diz respeito à redução da violência de agentes das forças de segurança contra pessoas em situação
de rua, o que pode ser feito, por exemplo, a partir de estratégia de capacitação continuada. Ainda,
em municípios do litoral foram reportados, proporcionalmente, menos casos de violência advinda
de namorado, namorada, companheiro ou companheira.
Esses resultados revelam que, por um lado, as variáveis territoriais mostraram-se
importantes marcadores de diferenças nas vivências de pessoas em situação de rua no Rio Grande
do Norte, e que, portanto, precisam ser consideradas variáveis de controle nas demais análises
deste relatório. Por outro, eles também revelam, por si mesmos, a importância do planejamento
de uma política estadual para a população em situação de rua que considere essas diferenças
territoriais, que revelam importantes esforços que precisam ser empreendidos para atender às
necessidades desse segmento populacional, com ênfase em Natal e em municípios litorâneos, sem
esquecer, naturalmente, das demandas e particularidades dos demais municípios em que foram
identificadas pessoas em situação de rua.

88
3.3 ASPECTOS DE GÊNERO, SEXO E ORIENTAÇÃO SEXUAL
Gênero, sexo e orientação sexual são elementos importantes na determinação da vivência
dos indivíduos em sociedade. Como demonstra Schwarcz (2019), esses são marcadores sociais,
estabelecidos, inclusive, por um sistema de desigualdades (não apenas econômicas, mas em maior
escala) e por diferentes tipos de violência. Desse modo, é importante que seja feita uma distinção
entre esses três conceitos.
A distinção entre sexo, gênero e orientação sexual não é recente no Brasil e no mundo, sendo
feita, não apenas como forma de melhor compreender a diversidade de identidades humanas, mas
também para que ela seja adequadamente tratada em situações concretas cotidianas, como Case
(1995) demonstrou a partir de litígios jurídicos originados de conflitos no ambiente de trabalho.
Por mais que essa definição tenha sido iniciada no campo acadêmico, também é verdade que ela
foi absorvida no senso comum em diferentes sociedades, como Lloyd e Galupo (2019) observaram
a partir de um estudo conduzido nos Estados Unidos. Os conceitos adotados nesta pesquisa
correspondem a definições mais adotadas no estado da arte da literatura sobre o tema, conforme
observado na revisão sistemática de Lau et al. (2020):
• Sexo: “o status de uma pessoa como masculino, feminino ou intersexo baseado em
características biológicas e fisiológicas” (LAU et al., 2020, p. 1777, tradução nossa).
• Gênero: “o status de uma pessoa como homem ou garoto [cisgênero], mulher ou
garota [cisgênero], pessoa transgênero, pessoa não-binária” (LAU et al., 2020, p.
1777, tradução nossa). Os questionários contaram com definições visando facilitar a
compreensão desse conceito, pelos entrevistadores.
• Orientação sexual: “o desejo de ter relações sexuais com alguém da mesma ou de
outra identidade de gênero e/ou sexo anatômico” (LAU et al., 2020, p. 1778, tradução
nossa). Os questionários também incluíram a dimensão da afetividade ao conceito,
contendo a nota: “Orientação sexual tem a ver com o desejo afetivo e sexual que uma
pessoa sente por outra do sexo oposto e/ou do mesmo sexo”.

É importante salientar que, enquanto marcadores sociais, sexo, gênero e orientação sexual
determinam elementos importantes da vivência dos sujeitos em diferentes contextos. Como
Nogueira, Pereira e Toitio (2020) percebem, são observadas, no decorrer da história, diferentes
práticas de controle, discriminação e violência contra minorias sociais, seja em termos de sexo,
gênero ou orientação sexual. Muitas dessas práticas perduram na atualidade, expressando-se em
diferentes relações cotidianas (cf. GALVÃO; BARRETO; SANTOS, 2013, GALVÃO; SILVA, 2021), o
que enseja a organização política desses grupos (JESUS, 2013).
Como é de se esperar, isso também repercute na população em situação de rua. A partir
da Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua, Quiroga e Novo (2009) descrevem
a situação das mulheres em situação de rua como de vulnerabilidade consideravelmente maior,
marcada por uma maior exposição a diferentes agressões, maiores necessidades no que diz
respeito ao acesso à saúde e menos oportunidades de ingresso no mercado de trabalho formal, o
que justifica o menor percentual de mulheres em situação de rua, em relação a homens (proporção

89
também observada no Rio Grande do Norte, conforme já exposto). Desse modo, há uma
multiplicidade de evidências na literatura brasileira sobre o recorte de pessoas do sexo feminino
em situação de rua, seja sobre questões de saúde, acesso ao trabalho, vínculos sociais, trajetórias
ou violências sofridas, identificando especificidades no que diz respeito à realidade desse grupo10.
Esses estudos ganham novos contornos quando a variável gênero é levada em consideração.
Essa literatura, embora menos abundante, também é considerável em investigações sobre pessoas
em situação de rua no Brasil. Alguns estudos sobre mulheres (p. ex. SILVA, 2019, FREIRE, 2021)
já mobilizam o conceito como gênero, e não sexo, incluindo dados sobre a realidade de mulheres
transgênero em conjunto com informações sobre vivências de mulheres cisgênero. Outros
estudos concentram-se em estudar a realidade em específico de pessoas transgênero em situação
de rua, em especial sobre violência, trajetórias e questões de saúde, com uma maior parte das
investigações concentradas em compreender a vivência de mulheres transgênero e travestis11.
Esses estudos permitem perceber que a categoria gênero, tanto no que diz respeito à vivência de
mulheres em geral quanto à de pessoas transgênero, é determinante na realidade de pessoas em
situação de rua no Brasil.
A orientação sexual, no mesmo contexto, também é um marcador social relevante na
determinação da vivência de pessoas em situação de rua no Brasil. E a literatura sobre o tema
também é abundante em estudos empíricos que demonstram aspectos da realidade desse
segmento da população. Esses estudos, em sua maioria, analisam, na verdade, as experiências de
pessoas LGBTQIA+, incluindo, portanto, considerações sobre pessoas transgênero, mas também
tratando de outras minorias sexuais, como bissexuais e homossexuais. Esses estudos permitem
compreender elementos da vida dessas pessoas no que diz respeito à saúde, ao trabalho, às
trajetórias e ao acesso à assistência social12.

¹⁰ Para exemplos coletados de maneira não-sistemática e não exaustiva, cf. ROCHA et al., 2022, FERNANDES; PIRES, 2021, PEREIRA; MA-
GALHÃES;
LOPES, 2021, ROSARIO, 2015, SANTOS, 2022, BISCOTTO et al., 2016, ROSA; BRÊTAS, 2015, LOPES; BORBA; REIS, 2010, NUNES; SOUSA,
2020, SANTOS; BAPTISTA; CONSTANTINO, 2021, VILLA et al., 2017, RIOS et al., 2021, SANCHOTENE; ANTONI; MUNHÓS, 2019, NARDES;
GIONGO, 2021, ESMERALDO; XIMENES, 2022, JORGE; CRISTINA, 2020, TIRADENTES; FERNANDES, 2008 e SILVA; JORDÃO; SILVA, 2020
¹¹ Para exemplos coletados de maneira não-sistemática e não exaustiva, cf. PRADOS; BRANDÃO; PERUCCHI, 2020, FERNANDES, 2018, DIAS
et al., 2015, MENDES; JORGE; PILECCO, 2019, SOUZA; TANAKA, 2022, SILVA et al., 2021 e FERNANDES, 2021.
¹² Para exemplos coletados de maneira não-sistemática e não exaustiva, cf. MACHADO, 2015, CARDOSO; MORETTI-PIRES; CAMPOS, 2020,
SALGADO, 2011, CAMPOS; CARDOSO; MORETTI-PIRES, 2019, MEDEIROS; AMORIM; NOBRE, 2020, SANTOS, 2019, GARCIA et al., 2010,
COELHO, 2022, MACHADO, 2022, SALGUEIRO, 2020, MOREIRA; OLIVEIRA, 2019, ARAÚJO NETO, 2018 e CAMPOS; MORETTI-PIRES, 2016.

90
3.3.1 As pessoas transgênero em situação de rua
Com os dados coletados pelos questionários aplicados à população em situação de rua do
Rio Grande do Norte, algumas tendências podem ser observadas. No entanto, foram observadas,
entre os respondentes dos questionários básicos e de amostra, um número proporcionalmente
menor, em relação ao universo estudado, de pessoas transgênero: dez mulheres transgênero, um
homem transgênero e uma travesti, totalizando doze pessoas transgênero. O número reduzido
diante das demais identidades de gênero (293 mulheres cisgênero e 1024 homens cisgênero)
torna inviável uma análise quantitativa que permita compreender diferenças com significância
estatística entre as vivências de pessoas transgênero e cisgênero. Mesmo assim, a realidade
de pessoas transgênero pode ser analisada qualitativamente, a partir de respostas a algumas
questões.
Todas as doze pessoas transgênero que responderam os questionários básicos ou de
amostra são negras (pretas ou pardas), o que já pode ser revelador de uma vivência marcada por
uma maior vulnerabilidade social13. Dessas doze pessoas, quatro afirmaram ter alguma deficiência,
sendo três pessoas identificadas com dificuldade para enxergar, uma pessoa com dificuldade para
ouvir e uma pessoa com algum transtorno psicológico (ou seja, uma pessoa apresentava mais de
uma deficiência). Ainda, delas, seis afirmaram ter nascido no município onde foram entrevistadas
(todas foram entrevistadas em Natal), cinco em outro município do Rio Grande do Norte e uma em
outro estado. Dessas doze pessoas, oito dormiam nas ruas ou em áreas degradadas, três em alguma
unidade de acolhimento ou comunidade terapêutica e uma na casa de um amigo ou conhecido.
Boa parte dessas pessoas são jovens, tendo seis delas entre 18 e 25 anos, duas entre 26 e 35
anos e quatro entre 36 e 45 anos. Por fim, das doze pessoas, quatro afirmaram não ter contato
com a família, enquanto oito afirmaram possuir algum contato com familiares domiciliados. Essas
informações revelam que, dentre as pessoas transgênero em situação de rua no Rio Grande do
Norte, que já são de extrema vulnerabilidade pela situação de rua e por sua identidade de gênero,
parte delas apresenta características que as tornam ainda mais vulneráveis.
Os motivos da situação de rua são reveladores das trajetórias das pessoas transgênero
nessa situação. Conflitos familiares foram motivo para a situação de rua de seis dessas pessoas,
dependência de drogas ilícitas para duas delas, a perda de moradia para uma delas, a perda de
trabalho para duas delas, a migração para uma delas, algum problema de saúde para uma delas, ter
sofrido violência para três delas e perda de familiares para três delas. Dessas doze pessoas, uma
está em situação de rua há menos de seis meses, duas, entre seis meses e um ano, duas, de um a
três anos, outras duas, de três a cinco anos, uma de cinco a dez anos e quatro há mais de dez anos.
Essas pessoas, no geral, relataram um acesso precário a benefício, sobretudo no contexto da
pandemia de Covid-19. Apenas duas dessas pessoas receberam Auxílio Emergencial, uma recebeu
cesta básica, uma recebeu itens de higiene, uma recebeu máscaras de proteção, duas receberam
ofertas de lugar para higiene pessoal e duas receberam albergue temporário. Três dessas pessoas
não receberam benefício algum.
A questão da documentação das pessoas transgênero em situação de rua também é
preocupante: quatro delas afirmaram ter perdido sua certidão de nascimento; seis delas, o CPF;

¹³ As questões raciais serão melhor analisadas no tópico a seguir.

91
sete delas, a carteira de identidade; seis delas, a carteira de trabalho (sendo que, ainda, outras
pessoas jamais tiveram tal documento); sete delas, o título de eleitor e cinco o cartão de vacina ou
cartão do SUS.
Das doze pessoas transgênero em situação de rua identificadas, apenas duas afirmaram
não terem sido vítimas de nenhum tipo de violência desde a situação de rua. Nove afirmaram que
já sofreram agressões verbais, oito sofreram agressões físicas, uma sofreu violência com o uso
de armas, cinco sofreram abuso sexual, cinco foram roubadas ou furtadas, uma já foi retirada à
força do local em que estava e uma já teve seus pertences retirados pelas forças de segurança. Os
agressores citados foram diferentes. Três pessoas afirmaram terem sido agredidas por policiais,
quatro por guardas civis municipais, cinco por pessoas que passam na rua, cinco por outras
pessoas em situação de rua, duas por moradores locais domiciliados, uma por comerciantes e
duas por seguranças privados ou vigilantes. Uma das pessoas que foi vítima de violência preferiu
não responder à pergunta sobre quem a agrediu.
O acesso dessa população a equipamentos de assistência social também não é ideal. Três,
das doze pessoas transgênero entrevistadas afirmaram não terem sido atendidas por nenhuma
equipe de assistência social, nos seis meses que antecederam a entrevista. Entre as que receberam
algum atendimento, quatro foram atendidas em um CREAS, sete foram atendidas no Centro POP,
uma pela equipe de abordagem social, três pela Unidade de Acolhimento para Adultos e Famílias
em Situação de Rua, uma pela equipe do Cadastro Único, uma pelo Consultório na Rua e uma pelo
Centro de Cidadania LGBTQIAP+.
No bloco de perguntas sobre acesso à justiça, seis das doze pessoas transgênero em
situação de rua responderam que nunca precisaram passar por nenhuma instituição do sistema
de justiça, cinco já foram detidas em delegacia, quatro foram encarceradas e apenas duas foram
atendidas pela Defensoria Pública. Entre as seis pessoas que tiveram contato com o sistema de
justiça, três disseram que foram adequadamente informadas sobre seus processos, uma afirmou
que foi informada sobre várias coisas, mas teve dúvidas, uma afirmou que foi informada sobre
poucas coisas e uma afirmou que não recebeu informação alguma.
Perguntadas sobre dificuldades para conseguir um trabalho formal, três responderam
ter dificuldades de contato, duas afirmaram que um dos motivos é sua baixa escolaridade, cinco
afirmaram que têm dificuldades devido ao preconceito que sofrem, uma por já ter sido presa,
uma pela ausência de comprovante de residência, uma por falta de vagas e oportunidades e uma
disse não ter dificuldade ou interesse em acessar um trabalho formal. É de destaque o papel do
preconceito (que perpassa questões socioeconômicas, de gênero e raciais) na dificuldade dessas
pessoas no acesso ao emprego. Perguntadas sobre como conseguem dinheiro, uma afirmou
trabalhar com construção civil, três com serviço de limpeza, duas com comércio ambulante, duas
como ajudantes gerais, uma com a coleta de materiais recicláveis, uma com prostituição, quatro
com mendicância, duas com estética e duas afirmaram não realizar nenhuma atividade para
conseguir renda. O acesso a benefícios sociais também mostra-se reduzido: das doze pessoas,
cinco recebem Auxílio Brasil, e nenhuma delas recebe outro benefício.
Perguntadas sobre sua alfabetização, oito das doze pessoas transgênero em situação de

92
rua afirmaram saber ler e escrever, duas afirmaram ter dificuldades, uma afirmou saber apenas
assinar seu próprio nome e uma afirmou não saber ler e nem escrever. Sobre sua escolaridade,
duas dessas pessoas afirmaram terem concluído o ensino médio, duas afirmaram ter ensino médio
incompleto, duas afirmaram ter o ensino fundamental (até a 8a série) completo, uma afirmou ter o
ensino fundamental (até a 8a série) incompleto, três afirmaram terem concluído a 4a série do ensino
fundamental e uma afirmou ter o ensino fundamental (até a 4a série) incompleto. Perguntadas
sobre interesse em realizar algum curso profissionalizante, cinco delas manifestaram interesse
por um curso na área de estética, três na área de saúde, uma na área artística, duas na área de
serviços, uma na área de informática, uma manifestou interesse em concluir sua educação formal
e três afirmaram não terem interesse em nenhum curso.
De todas as doze pessoas transgênero em situação de rua, apenas duas afirmaram não
enfrentar nenhum problema de saúde. Entre as demais: duas afirmaram sofrer de tuberculose;
uma de HIV/AIDS; uma de outras ISTs; uma de dores crônicas; três de depressão; três de doenças
respiratórias; uma de doença no aparelho digestivo; duas de problemas de saúde bucal e uma de
alergias. Para cuidar de seus problemas de saúde, quatro afirmaram ir a hospitais ou UPAs, sete a
postos de saúde ou UBS, uma a um CAPS, uma a farmácias e três afirmaram não fazer nada.
Uma questão preocupante no que diz respeito à saúde dessa parcela da população em
situação de rua é o consumo de drogas. Apenas três das doze pessoas transgênero em situação de
rua afirmaram não consumir nenhum tipo de droga, enquanto sete afirmaram consumir tabaco,
cinco afirmaram consumir bebidas alcoólicas, três afirmaram consumir maconha, uma afirmou
consumir inalantes, três afirmaram consumir crack e uma afirmou consumir cocaína.
Sobre a vacinação, no entanto, a realidade destas pessoas é mais otimista. Todas elas
tomaram alguma vacina, o que revela que este grupo não enfrentou dificuldades para acessar as
campanhas de vacinação. Inclusive, todas foram vacinadas contra a Covid-19, tendo três delas
recebido a dose única, sete tendo recebido ao menos duas doses e apenas uma, no momento
da entrevista, havia recebido apenas a primeira dose. Dessas doze pessoas, ainda, quatro foram
vacinadas contra a influenza, duas contra o tétano e duas contra a hepatite B.
Perguntadas sobre onde costumam se alimentar, duas, das doze pessoas transgênero em
situação de rua responderam que vão a restaurantes populares, quatro a serviços da prefeitura
(uma no Centro POP, duas na Unidade de Acolhimento para Adultos e Famílias em Situação de Rua
e uma em um CAPS), uma ganha a comida de restaurante, lanchonete ou bar, uma compra a comida
em restaurante, lanchonete ou bar, cinco recebem de grupos que distribuem comida nas ruas, seis
ganham de pessoas na rua, uma coleta o próprio alimento e duas fazem a própria comida. Sobre o
acesso a higiene e banheiro, quatro pessoas responderam que o fazem na rua ou no mato, duas em
Centro POP, CRAS ou CREAS, duas em unidade de acolhimento, uma em banheiro público, uma
em estabelecimentos comerciais ou postos de gasolina, uma em ONG ou projeto social, três na
casa de amigos, uma na praia, rio ou lagoa e uma em uma ocupação de prédio abandonado.
A realidade das pessoas transgênero em situação de rua no Rio Grande do Norte, assim,
parece assemelhar-se com evidências encontradas em outras pesquisas. Trata-se, desse modo,
de um segmento preocupantemente exposto a violências e em uma situação de vulnerabilidade

93
que perpassa questões de saúde, acesso a documentos e à assistência social. Ainda, são pessoas
que dependem de algumas redes sociais, como amigos e grupos filantrópicos, como estratégia de
sobrevivência nas ruas. Mesmo sendo um grupo reduzido, ele merece uma atenção específica do
poder público na garantia de seus direitos.

3.3.2 As trajetórias de mulheres em situação de rua


Sendo proporcionalmente poucas as pessoas transgênero identificadas, perde o sentido
(à exceção de alguns casos, que serão tratados em particular ainda neste tópico) realizar análises
quantitativas das categorias sexo e gênero de maneira separada, pois as diferenças entre pessoas
cisgênero e transgênero não surtem efeito na comparação entre grupos com um grande número
de indivíduos identificados. Por esse motivo, optou-se por compreender as diferenças de vivências
conforme sexo e gênero a partir de uma variável dicotômica baseada em gênero, dividindo a
população estudada em homens (homens cisgênero somados ao homem transgênero) e mulheres
(mulheres cisgênero somadas às mulheres transgênero e à travesti). A partir dessa variável, foram
feitos quadros de referência cruzada, envolvendo diferentes variáveis decorrentes de campos do
questionário, sendo calculados, a depender da variável considerada, testes de chi quadrado ou de
coeficientes de contingência.
Algumas evidências sobre diferenças na vivência de homens e mulheres em situação de rua
podem ser encontradas nos próprios locais de realização da entrevista. Essas evidências, é claro,
não dizem respeito, necessariamente, ao local de dormida dessas pessoas (uma pessoa que recebe
o benefício do aluguel social pode ter sido entrevistada na rua, por exemplo). Mesmo assim, os
locais de entrevista eram, geralmente, pontos de concentração, ou seja, locais de permanência
de pessoas em situação de rua, o que é relevante para compreender seu cotidiano, suas vivências
e suas trajetórias. Em alguns casos, pela quantidade reduzida de ocorrência, também não cabe
maior análise. Alguns exemplos, mesmo assim, chamam a atenção, como pode ser observado no
quadro a seguir:
QUADRO 41: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE O LOCAL DE ENTREVISTA E GÊNERO.
A Respeito do Gênero e o Local de Entrevista
Gênero
Rua***
Homem Mulher
Total
Contagem Esperada 460,3 136,6 597
Contagem Observada 503 94 597
Percentual Observado 49,03% 30,92% 44,92%
Unidade de
Homem Mulher Total
Acolhimento***
Contagem Esperada 49,4 14,6 64
Contagem Observada 53 11 64
Percentual Observado 5,17% 3,62% 4,82%

94
Centro POP*** Homem Mulher Total
Contagem Esperada 57,1 16,9 74
Contagem Observada 67 7 74
Percentual Observado 6,54% 2,3% 5,57%
Aluguel Social*** Homem Mulher Total
Contagem Esperada 39,3 11,7 51
Contagem Observada 17 34 51
Percentual Observado 1,66% 11,18% 3,84%
Comunidade
Homem Mulher Total
Terapêutica***
Contagem Esperada 136,5 40,5 177
Contagem Observada 166 11 177
Percentual Observado 16,2% 3,62% 13,32%
CREAS*** Homem Mulher Total
Contagem Esperada 19,3 5,7 25
Contagem Observada 19 6 25
Percentual Observado 1,85% 1,97% 1,88%
Ocupação*** Homem Mulher Total
Contagem Esperada 108,7 32,3 141
Contagem Observada 39 102 141
Percentual Observado 3,8% 33,55% 10,61%
Prédio Abandonado*** Homem Mulher Total
Contagem Esperada 23,1 6,9 30
Contagem Observada 14 16 30
Percentual Observado 1,37% 5,26% 2,26%
Projeto Social*** Homem Mulher Total
Contagem Esperada 59,4 17,6 77
Contagem Observada 64 13 77
Percentual Observado 6,24% 4,28% 5,79%
Restaurante Popular*** Homem Mulher Total
Contagem Esperada 59,4 17,6 77
Contagem Observada 74 3 77
Percentual Observado 7,22% 0,99% 5,79%
***p (chi quadrado) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.
O valor inferior a 0,001 do Chi Quadrado indica uma alta significância estatística, aplicável
a algumas diferenças observadas. Chama a atenção que o número de mulheres entrevistadas na

95
rua, no Centro POP e em comunidades terapêuticas foi consideravelmente inferior ao esperado
caso não houvesse diferença entre os grupos. Por outro lado, o número de mulheres entrevistadas
em imóveis alugados com o benefício do aluguel social, em ocupações organizadas e em prédios
abandonados foi consideravelmente superior ao esperado caso não houvesse diferenças entre os
grupos. Isso pode ser discutido a partir de diferentes aspectos.
Sobre as ocorrências tocantes ao aluguel social, a explicação passa pelo fato de que,
provavelmente, mulheres, e sobretudo mães, foram percebidas como grupos prioritários para
receber o benefício, a partir de uma compreensão do poder público de que são usuárias mais
vulneráveis a diferentes violências em um contexto de situação de rua. As respostas à pergunta filtro
(igualmente, com chi quadrado com significância estatística inferior a 0,001) são esclarecedoras
em mostrar que, mesmo considerando beneficiários e beneficiárias do aluguel social que foram
entrevistados na rua, ainda existe uma maior observação, em termos proporcionais, de mulheres
em situação de rua recebendo o benefício:
QUADRO 42: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE A PERGUNTA FILTRO E GÊNERO.
Pergunta Filtro
Na última semana, você dormiu pelo menos Gênero
Total
três dias na rua?*** Homem Mulher
Contagem Esperada 708 210 918
Sim*** Contagem Observada 694 224 918
Percentual Observado 67,71% 73,68% 69,1%
Não, Porque Contagem Esperada 218,3 64,7 283
Dormi em uma Contagem Observada 255 28 283
Unidade de
Percentual Observado 24,88% 9,21% 21,29%
Acolhimento.***
Não, Porque Contagem Esperada 19,3 5,7 25
Dormi na Casa de Contagem Observada 24 1 25
um Amigo*** Percentual Observado 2,34% 0,33% 1,88%
Não, Porque Contagem Esperada 79,4 23,6 103
Recebo o Contagem Observada 52 51 103
Benefício do
Percentual Observado 5,07% 16,78% 7,75%
Aluguel Social***
***p (chi quadrado) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Esse quadro também dialoga com a diferença observada nos questionários aplicados
em comunidades terapêuticas. Entre as respostas à pergunta filtro, também é perceptível
que há uma quantidade inferior ao esperado, caso não houvesse diferença entre os grupos, de
mulheres em situação de rua acolhidas em instituições, o que também inclui unidades mantidas
pelo poder público, como abrigos e albergues (diferenças também percebidas nos dados sobre

96
o local de realização das entrevistas). Uma hipótese que explique essa diferença proporcional
pode dizer respeito, naturalmente, ao número de vagas ofertadas: de fato, entre as trinta
comunidades terapêuticas identificadas que acolhiam pessoas em situação de rua, apenas
duas eram exclusivamente femininas, e uma tinha vagas femininas, além das vagas masculinas.
Mesmo assim, vale observar que uma das comunidades terapêuticas femininas não se encontrava
lotada, e a comunidade terapêutica mista não estava com todas as vagas femininas preenchidas,
ou seja, o número de vagas disponíveis nessas instituições não explica a diferença proporcional
observada. A questão das comunidades terapêuticas está relacionada ao uso abusivo de drogas
ilícitas ou álcool, visto que são instituições dedicadas a auxiliar usuários na recuperação contra a
drogadição. Pode-se, então, observar se há diferenças nos números de mulheres e homens que
consomem entorpecentes (desconsiderando-se, aqui, o tabagismo). De fato, houve diferenças
com significância estatística no que diz respeito ao consumo de álcool, maconha, crack e cocaína:
QUADRO 43: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE O CONSUMO REPORTADO DE
DROGAS LÍCITAS E ILÍCITAS E GÊNERO.
Consumo de Drogas Lícitas e Ilícitas
Consumo de Bebida Gênero
Total
Alcoólica*** Homem Mulher
Contagem Esperada 512,4 152,6 665
Contagem Observada 559 106 665
Percentual Observado 55,84% 35,57% 51,19%
Consumo de Maconha** Homem Mulher Total
Contagem Esperada 194,2 57,8 252
Contagem Observada 210 42 252
Percentual Observado 20,96% 14,09% 19,38%
Consumo de Crack*** Homem Mulher Total
Contagem Esperada 198 59 257
Contagem Observada 219 38 257
Percentual Observado 21,88% 12,75% 19,78%
Consumo de Cocaína** Homem Mulher Total
Contagem Esperada 65,5 19,5 85
Contagem Observada 76 9 85
Percentual Observado 7,58% 3,02% 6,54%
**p (chi quadrado) < 0,01
***p (chi quadrado) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.
Em todos os casos, o consumo de drogas por mulheres foi inferior ao esperado caso não
houvesse diferença entre os grupos. Essas evidências mostram que a vivência de mulheres em

97
situação de rua no Rio Grande do Norte envolve proporcionalmente menos casos de consumo
de drogas em comparação à vivência de homens. Isso pode ser explicado por diferenças na
socialização dos grupos ou no perfil de suas trajetórias na situação de rua. Porém, o motivo para
essa diferença proporcional também pode associar-se a uma possível explicação da diferença
observada de mulheres em unidades de acolhimento institucional, na rua propriamente dita e
em ocupações14. É possível que a vivência de mulheres em situação de rua seja tão marcada por
violências ou pelo medo da violência, que, como estratégia de sobrevivência, elas evitem lugares
com maiores concentrações de homens. Talvez o número menor de ocorrências de consumo de
entorpecentes envolva uma estratégia de evitar a inconsciência ou algum estado de letargia que
tornaria a usuária mais exposta a diferentes formas de violência, sobretudo violência sexual, visto
que, no geral, a quantidade de homens que relataram ter sofrido os demais tipos de violência foi
proporcionalmente maior do que o de mulheres, mas o inverso ocorreu no que diz respeito a esse
tipo de agressão:
QUADRO 44: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE GÊNERO E O RELATO DE SOFRER
AGRESSÃO VERBAL.
Cruzamento entre Violências Sofridas e Gênero
Agressão Verbal, Gênero
Xingamento ou Total
Homem Mulher
Humilhação***
Contagem Esperada 578,4 171,6 750
Contagem Observada 608 142 750
Percentual Observado 60,14% 47,33% 57,21%
Espancamento, Briga,
Homem Mulher Total
Luta Corporal Etc.***
Contagem Esperada 408,8 121,2 530
Contagem Observada 441 89 530
Percentual Observado 43,58% 29,67% 40,4%
Tiro, Facada,
Homem Mulher Total
Queimadura Etc.***
Contagem Esperada 140,4 41,6 182
Contagem Observada 161 21 182
Percentual Observado 15,92% 7% 13,88%
Abuso Sexual*** Homem Mulher Total
Contagem Esperada 40,1 11,9 52
Contagem Observada 9 43 52
Percentual Observado 0,89% 14,33% 3,96%
Roubo ou Furto*** Homem Mulher Total
Contagem Esperada 371,8 110,2 482

¹⁴ É possível, também, que esse resultado seja a repercussão do maior número de mulheres em ocupações,
espaços onde o consumo de drogas ilícitas e bebidas alcoólicas é controlado, conforme evidenciado em diferentes
relatos.
Contagem Observada 416 66 482
Percentual Observado 41,11% 22% 36,74%
Retirada de Rua à
Homem Mulher Total
Força***
Contagem Esperada 229,9 68,1 298
Contagem Observada 258 40 298
Percentual Observado 25,49% 13,33% 22,71%
Retirada de Pertences* Homem Mulher Total
Contagem Esperada 138,1 40,9 179
Contagem Observada 148 31 179
Percentual Observado 14,62% 10,33% 13,64%
Não Sofri Violência*** Homem Mulher Total
Contagem Esperada 304,5 90,5 395
Contagem Observada 269 126 395
Percentual Observado 26,63% 42% 30,15%
*p (chi quadrado) < 0,05
*** p (chi quadrado) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Talvez pela questão da segurança, participar de ocupações, sobretudo aquelas organizadas


por movimentos sociais, seja uma estratégia mais segura de sobreviver à situação de rua, visto
que esses espaços oferecem dinâmicas de organização interna que visam controlar eventuais
agressões entre ocupantes (o que também pode explicar a menor quantidade de ocorrências
das demais agressões entre mulheres). É verdade que unidades de acolhimento institucional,
como abrigos e albergues, também podem propiciar essa insegurança, mas, pelos discursos dos
entrevistados, percebe-se que há, entre pessoas em situação de rua, uma imagem construída (que
provavelmente não correspondente à realidade) sobre esses espaços como locais desordenados,
onde diferentes violências acontecem livremente. Mais evidências a esse respeito podem ser
encontradas em um item do questionário de amostra15, que pergunta as estratégias de ocupação
de espaço já utilizadas pelo entrevistado:
QUADRO 45: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE AS ESTRATÉGIAS DE OCUPAÇÃO DO
ESPAÇO E GÊNERO.
Estratégia De Ocupação Do Espaço
Gênero
Viadutos* Total
Homem Mulher
Contagem Esperada 43,1 11,9 55
Contagem Observada 49 6 55

¹⁵ Cuja margem de erro obtida foi de 8%.

99
Percentual Observado 44,95% 20% 39,57%
Prédios Abandonados* Homem Mulher Total
Contagem Esperada 54,1 14,9 69
Contagem Observada 48 21 69
Percentual Observado 44,04% 70% 49,64%
Bancos de Praças ou
Homem Mulher Total
Paradas de Ônibus*
Contagem Esperada 49,4 13,6 63
Contagem Observada 54 9 63
Percentual Observado 49,54% 30% 45,32%
Marquises*** Homem Mulher Total
Contagem Esperada 65,1 17,9 83
Contagem Observada 74 9 83
Percentual Observado 67,89% 30% 59,71%
*p (chi quadrado) < 0,05
*** p (chi quadrado) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

A única estratégia de ocupação espaço em que houve proporcionalmente mais respostas


de mulheres foi, justamente, os prédios abandonados, e essa diferença é mantida mesmo
considerando-se a margem de erro de 8%. Viadutos, marquises e paradas de ônibus podem
significar, por um lado, pontos com uma maior concentração de homens e, por outro, espaços
com maior visibilidade para agressões vindas de transeuntes. Essas informações evidenciam
que, de fato, mulheres têm uma vivência consideravelmente diferente daquela experienciada por
homens em situação de rua, e a proteção contra a violência parece ser central em seus cotidianos.
Essa diferença, na verdade, está expressa já nas causas da situação de rua, conforme pode ser
observado a seguir:
QUADRO 46: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE MOTIVOS QUE LEVARAM À SITUAÇÃO
DE RUA E GÊNERO.
Causas que Levaram à Situação de Rua
Gênero
Conflitos Familiares*** Total
Homem Mulher
Contagem Esperada 452,2 134,8 587
Contagem Observada 497 90 587
Percentual Observado 49,4% 30% 44,95%
Dependência de Drogas
Homem Mulher Total
Lícitas***
Contagem Esperada 200,3 59,7 260

100
Contagem Observada 243 17 260
Percentual Observado 24,15% 5,67% 19,91%
Dependência de Drogas
Homem Mulher Total
Ilícitas***
Contagem Esperada 222,6 66,4 289
Contagem Observada 258 31 289
Percentual Observado 25,65% 10,33% 22,13%
Perda de Moradia*** Homem Mulher Total
Contagem Esperada 238,8 71,2 310
Contagem Observada 175 135 310
Percentual Observado 17,4% 45% 23,74%
Perda de Trabalho De-
semprego ou Perda de Homem Mulher Total
Renda***
Contagem Esperada 165,6 49,4 215
Contagem Observada 147 68 215
Percentual Observado 14,61% 22,67% 16,46%
Sofri Ameaças, Abusos
Homem Mulher Total
ou Violência*
Contagem Esperada 47,8 14,2 62
Contagem Observada 40 22 62
Percentual Observado 3,98% 7,33% 4,75%
Para Ficar Perto do Tra-
Homem Mulher Total
balho**
Contagem Esperada 20 6 26
Contagem Observada 14 12 26
Percentual Observado 1,39% 4% 1,99%
*p (chi quadrado) < 0,05
**p (chi quadrado) < 0,01
***p (chi quadrado) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Essas evidências apontam para algumas tendências no que diz respeito ao motivo que levou
à situação de rua, considerando o gênero do indivíduo. Em alguns casos, houve mais ocorrência
que o esperado (caso não houvesse diferença entre os grupos) de homens, como em conflitos
familiares e dependência de drogas lícitas e ilícitas. Já em outros casos, como perda de moradia,
perda de trabalho ou renda, ter sofrido ameaças ou precisar se mover para perto do trabalho,
houve uma maior ocorrência de mulheres em relação ao esperado, caso não houvesse diferença
entre os grupos. Inclusive, o resultado que trata de conflitos familiares como a origem da situação

101
de rua, explica, também, porque há proporcionalmente mais homens, em comparação a mulheres,
que não têm contato com suas famílias:
QUADRO 47: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE GÊNERO E CONTATO COM ALGUM
FAMILIAR.
Contato Com Familiares de Acordo com o Gênero
Você Possui Família com Quem Mantém Gênero
Total
Contato?*** Mulher Homem
Contagem Esperada 657,7 194,3 852
Sim, Fora da
Contagem Observada 653 199 852
Rua***
Percentual Observado 64,63% 66,56% 64,99%
Contagem Esperada 72,6 21,4 94
Sim, Mora na
Contagem Observada 34 60 94
Rua***
Percentual Observado 3,36% 20,07% 7,17%
Contagem Esperada 281,8 83,2 365
Não*** Contagem Observada 325 40 365
Percentual Observado 32,11% 13,38% 27,84%
***p (chi quadrado) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Por um lado, esse resultado revela que homens, por, em média, terem menos contato com
a família, podem estar expostos a certas vulnerabilidades. Por outro lado, o fato de que há uma
maior contagem proporcional de mulheres cujas famílias também se encontram em situação de
rua implica em uma vivência marcada por inseguranças, sobretudo quando estão acompanhadas
por crianças. Ainda, esse resultado parece dialogar com o dado já exposto sobre perda de moradia
e perda de trabalho ou renda ser, proporcionalmente, uma causa mais relevante para a situação
de rua de mulheres: é possível que nessas ocasiões, uma família inteira tenha ficado em situação
de rua. Esse resultado parece refletir no dado sobre o tempo em situação de rua, quando cruzado
com a variável dicotômica de gênero:
QUADRO 48: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE GÊNERO E O TEMPO EM SITUAÇÃO
DE RUA.
Tempo da Situação de Rua de Acordo com o Gênero
Há Quanto Tempo Você Está em Situação de Gênero
Total
Rua*** Mulher Homem
Contagem Esperada 164 49 213
Há Menos de 06
Contagem Observada 151 62 213
Meses***
Percentual Observado 15,25% 20,95% 16,56%

102
Contagem Esperada 97 29 126
De 06 Meses a 01
Contagem Observada 80 46 126
Ano***
Percentual Observado 8,08% 15,54% 9,8%
Contagem Esperada 191,7 57,3 249
De 01 a 03
Contagem Observada 184 65 249
Anos***
Percentual Observado 18,59% 21,96% 19,36%
Contagem Esperada 114,7 34,3 149
De 03 a 05
Contagem Observada 114 35 149
Anos***
Percentual Observado 11,51% 11,82% 11,59%
Contagem Esperada 147 44 191
De 05 a 10
Contagem Observada 161 30 191
Anos***
Percentual Observado 16,26% 10,13% 14,85%
Contagem Esperada 275,6 82,4 358
10 Anos ou
Contagem Observada 300 58 358
Mais***
Percentual Observado 30,3% 19,59% 27,84%
***p (coeficiente de contingência) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Esse resultado parece apontar que há, proporcionalmente, mais mulheres que homens
que se depararam com a situação de rua mais recentemente, sobretudo, há menos de três anos.
Resultado semelhante pode ser observado quando o marco temporal estabelecido é, precisamente,
o início da pandemia global de Covid-19, a partir de um item do questionário de amostra16:
QUADRO 49: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE GÊNERO E O FATO DE A SITUAÇÃO DE
RUA TER SIDO DEFLAGRADA APÓS O INÍCIO DA PANDEMIA DE COVID-19.
Você Foi para a Rua Depois do Início da Pandemia de Covid-19?
Gênero
Sim* Total
Homem Mulher
Contagem Esperada 40 11 51
Contagem Observada 35 16 51
Percentual Observado 32,11% 53,33% 36,69%
*p (chi quadrado) < 0,05
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

O quadro evidencia que, proporcionalmente e com significância estatística, mais mulheres


que homens depararam-se com a situação de rua após o início da pandemia, e essa diferença
mantém-se mesmo considerando a margem de erro de 8%. Entendendo que perda de trabalho ou
renda e perda de moradia foram consequências sensíveis da pandemia de Covid-19, esse conjunto

103
de resultados permite compreender que as mulheres em situação de rua no Rio Grande do Norte
foram, proporcionalmente, mais afetadas pela pandemia do que homens. Isso aparentemente teve
um retorno pelas políticas públicas implementadas em resposta a esse cenário epidemiológico:
QUADRO 50: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE GÊNERO E TER RECEBIDO O AUXÍLIO
EMERGENCIAL EM DECORRÊNCIA DA PANDEMIA DE COVID-19.
Benefícios Recebidos em Decorrência da Pandemia de Covid-19
Gênero
Auxílio Emergencial*** Total
Homem Mulher
Contagem Esperada 506,2 149,8 656
Contagem Observada 471 185 656
Percentual Observado 46,31% 61,46% 49,77%
Alimentação** Homem Mulher Total
Contagem Esperada 102,6 30,4 133
Contagem Observada 92 41 133
Percentual Observado 9,05% 13,62% 10,09%
Cesta Básica*** Homem Mulher Total
Contagem Esperada 122,7 36,3 159
Contagem Observada 80 79 159
Percentual Observado 7,87% 26,25% 12,06%
Aluguel Social*** Homem Mulher Total
Contagem Esperada 77,2 22,8 100
Contagem Observada 53 47 100
Percentual Observado 5,21% 15,61% 7,59%
Gratuidade no
Homem Mulher Total
Restaurante Popular***
Contagem Esperada 117,3 34,7 152
Contagem Observada 135 17 152
Percentual Observado 13,27% 5,65% 11,53%
Não Recebi/Utilizei*** Homem Mulher Total
Contagem Esperada 355,6 105,4 461
Contagem Observada 388 73 461
Percentual Observado 38,19% 24,25% 35%
**p (chi quadrado) < 0,01
*** p (chi quadrado) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

¹⁶ Cuja margem de erro obtida foi de 8%.

104
Percebe-se, a partir desses dados que, de uma maneira geral, mulheres tiveram,
proporcionalmente, um maior acesso a benefícios em decorrência da pandemia de Covid-19
do que homens, à exceção da gratuidade em Restaurante Popular - o que pode ser explicado,
inclusive, pelo fato de que o cadastro não é feito a beneficiários do aluguel social, ou pelo fato de
menos mulheres, proporcionalmente, frequentarem os Centros POP. Esses resultados podem ser
explicados, também, pelo fato de que, no geral, mulheres revelaram ter, proporcionalmente, um
maior acesso a um tipo equipamentos de assistência social:
QUADRO 51: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE GÊNERO E TER TIDO ACESSO A UM
CRAS NOS ÚLTIMOS SEIS MESES.
Acesso aos Serviços da Rede Socioassistencial
Gênero
CRAS/PAIF*** Total
Homem Mulher
Contagem Esperada 240,7 71,3 312
Contagem Observada 186 126 312
Percentual Observado 18,43% 42,14% 23,85%
Centro POP*** Homem Mulher Total
Contagem Esperada 263 78 341
Contagem Observada 293 48 341
Percentual Observado 29,04% 16,05% 26,07%
Equipe de Abordagem
Homem Mulher Total
Social***
Contagem Esperada 59,4 17,6 77
Contagem Observada 67 10 77
Percentual Observado 6,64% 3,34% 5,89%
Abrigo ou Albergue para
População Adulta em Homem Mulher Total
Situação de Rua*
Contagem Esperada 92,6 27,4 120
Contagem Observada 101 19 120
Percentual Observado 10,01% 6,35% 9,17%
*p (chi quadrado) < 0,05
*** p (chi quadrado) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Os dados mostram que, proporcionalmente, mais mulheres que homens haviam


acessado um CRAS nos seis meses que antecederam as entrevistas, enquanto mais homens que
mulheres acessaram um Centro POP, uma equipe de abordagem social ou um abrigo ou albergue
para população adulta em situação de rua. Isso explica porque, por um lado, mais mulheres,

105
proporcionalmente, acessaram benefícios como cestas básicas, mais facilmente solicitados em
CRAS, enquanto mais homens, proporcionalmente, conseguiram a gratuidade em Restaurantes
Populares, cujo cadastro, no município de Natal, foi feito sobretudo pelo Centro POP.
3.3.3 Demandas do sexo feminino em situação de rua
Algumas questões pertinentes a pessoas do sexo feminino também são relevantes. Uma
delas diz respeito à gravidez: foram observadas dezenove mulheres grávidas, correspondentes
a 6,5% das pessoas do sexo feminino entrevistadas. Dessas dezenove mulheres grávidas, nove
fazem algum acompanhamento pré-natal, e dez não o fazem. É relevante apontar que, das dez
pessoas que não fazem acompanhamento pré-natal, sete foram entrevistadas na rua e três em
ocupações. Já entre as nove que fazem acompanhamento pré-natal, apenas uma foi entrevistada
na rua, duas em um Centro POP, uma em um imóvel locado com o benefício do aluguel social e
cinco em ocupações. Essas evidências mostram que oferecer locais estáveis de permanência pode
ser relevante no acesso de gestantes em situação de rua ao acompanhamento pré-natal.
Outra questão pertinente às pessoas do sexo feminino diz respeito ao acesso a absorventes
durante o período menstrual. A esse respeito, 124 respondentes disseram que sempre têm acesso
a absorventes, 71 afirmaram que às vezes precisam usar pedaços de tecido, 20 disseram que usam
apenas pedaços de tecido e 2 afirmaram que não usam nada. As demais 57 pessoas afirmaram
estar na menopausa:
QUADRO 52: RESPOSTAS SOBRE ACESSO A ABSORVENTES NO PERÍODO
MENSTRUAL.
No Período Menstrual, Você Usa Absorventes?
Sim, Sempre Uso Absorventes 45,26%
Sim, Mas às Vezes Uso Panos ou Pedaços de Tecidos 25,91%
Não, Uso Panos ou Pedaços de Tecidos 7,30%
Não Uso Nada 0,73%
Estou na Menopausa 20,80%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Esses resultados revelam que, de fato, uma parcela considerável das pessoas em situação
de rua, do sexo feminino no Rio Grande do Norte relataram ter acesso regular a absorventes
durante o período menstrual, o que pode indicar que essa é uma questão central no dia-a-dia
dessas pessoas. Por outro lado, também é considerável a parcela de pessoas que não acessam
esse item, sendo relevante reforçar as políticas públicas de acesso a absorventes e combate à
pobreza menstrual. É relevante apontar, ainda, que 59 das pessoas entrevistadas que relataram
sempre ter acesso a absorventes encontravam-se em ocupações, 5 em unidades de acolhimento,
5 em comunidades terapêuticas e 13 são beneficiárias do aluguel social, totalizando 66,13% das
respondentes que afirmaram sempre terem acesso a absorventes. Ou seja, contextos de maior
estabilidade para pessoas em situação de rua do sexo feminino parecem propiciar condições mais
adequadas de acesso a esse item.

106
3.3.4 Pessoas não-heterossexuais em situação de rua
As evidências apresentadas anteriormente são suficientes para mostrar que, efetivamente,
homens e mulheres em situação de rua no Rio Grande do Norte têm vivências diferentes em mais
de um aspecto. Seria importante, nesse sentido, que a variável dicotômica de gênero seja uma
constante, enquanto variável de controle, nas demais análises deste relatório. Resta investigar se
o mesmo se aplica à categoria orientação sexual. Em um primeiro momento, é importante ver que,
a esse respeito, nos questionários básicos e de amostra, 1236 pessoas (93,9%) identificaram-se
como heterossexuais, 41 (3,1%) como homossexuais, 7 (0,5%) como assexuais, 31 (2,4%) como
bissexuais e 1 (0,1%) como pansexual:
QUADRO 53: ORIENTAÇÕES SEXUAIS AUTODECLARADAS PELA POPULAÇÃO EM
SITUAÇÃO DE RUA NO RIO GRANDE DO NORTE.
Orientação Sexual dos Entrevistados
Heterossexual Homossexual Assexual Bissexual Pansexual
93,92% 3,12% 0,53% 2,36% 0,08%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Se combinadas, as pessoas identificadas como não-heterossexuais somam 80 (6,1%). Por


isso, pode ser mais interessante, para fins de realizar a análise quantitativa aqui proposta, agrupar
essas respostas em uma variável dicotômica “heterossexual/não-heterossexual”. Algumas

107
diferenças entre as trajetórias desses dois grupos podem ser observadas já na pergunta sobre os
motivos que levaram os entrevistados à situação de rua:
QUADRO 54: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE OS MOTIVOS QUE LEVARAM À
SITUAÇÃO DE RUA E A ORIENTAÇÃO SEXUAL.
Motivos que Levaram à Situação De Rua
Dependência de drogas Orientação Sexual
Total
lícitas** Heterossexual Não Heterossexual
Contagem Esperada 242,9 15,1 258
Contagem Observada 252 6 258
Percentual Observado 20,67% 7,89% 19,92%
Perda de Moradia** Heterossexual Não Heterossexual Total
Contagem Esperada 290,9 18,11 309
Contagem Observada 298 11 309
Percentual Observado 24,45% 14,47% 23,86%
Sofri Ameaças, Abusos
Heterossexual Não Heterossexual Total
ou Violência**
Contagem Esperada 58,4 3,6 62
Contagem Observada 25 10 62
Percentual Observado 4,27% 13,16% 4,79%
**p (chi quadrado) < 0,01
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.
Os resultados mostram que embora mais heterossexuais que não-heterossexuais tenham,
proporcionalmente, a dependência de drogas lícitas como causa da situação de rua, um histórico
de ameaças, abusos ou violência é, em média, uma causa maior para a situação de rua entre não-
heterossexuais. Inclusive, a violência é um dos aspectos que diferencia a vivência de pessoas
heterossexuais e não-heterossexuais em situação de rua no Rio Grande do Norte:
QUADRO 55: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE ORIENTAÇÃO SEXUAL E RELATOS DE
VIOLÊNCIA POR ESTAR EM SITUAÇÃO DE RUA.
Violências Sofridas em Relação à Orientação Sexual
Agressão Verbal, Orientação Sexual
Xingamento ou Total
Heterossexual Não Heterossexual
Humilhação***
Contagem Esperada 700,9 44,1 745
Contagem Observada 691 54 745
Percentual Observado 56,5% 70,13% 57,31%
Espancamento, Briga,
Heterossexual Não Heterossexual Total
Luta Corporal, Etc**

108
Contagem Esperada 493 31 524
Contagem Observada 482 42 524
Percentual Observado 39,38% 54,54% 42,28%
Abuso Sexual*** Heterossexual Não Heterossexual Total
Contagem Esperada 47 3 50
Contagem Observada 36 14 50
Percentual Observado 2,94% 18,18% 3,84%
Retirada dos Pertences* Heterossexual Não Heterossexual Total
Contagem Esperada 168,4 10,6 179
Contagem Observada 161 18 179
Percentual Observado 13,19% 23,38% 13,76%
Não Sofri Violência*** Heterossexual Não Heterossexual Total
Contagem Esperada 366,9 23,1 390
Contagem Observada 378 12 390
Percentual Observado 30,93% 15,58% 30,02%
*p (chi quadrado) < 0,05
**p (chi quadrado) < 0,01
*** p (chi quadrado) < 0,001
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.
Os resultados mostram que pessoas não-heterossexuais em situação de rua no Rio Grande
do Norte experienciam, proporcionalmente, mais violência verbal, física e sexual que pessoas
heterossexuais em situação de rua. Ainda, percebe-se uma interação diferenciada, em termos
proporcionais, com agentes das forças de segurança, visto que pessoas não-heterossexuais
também reportaram com mais frequência terem sofrido a retirada de seus pertences. E o último
quadro mostra que, no geral, proporcionalmente menos pessoas não-heterossexuais em situação
de rua reportaram não ter sofrido nenhum tipo de violência. O resultado pertinente à retirada
de pertences pode ser revelador, mais especificamente, de interações diferenciadas com agentes
da Guarda Civil Municipal, visto que, proporcionalmente, pessoas não-heterossexuais também
reportaram com maior frequência terem sofrido violência por parte desses sujeitos:
QUADRO 56: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE ORIENTAÇÃO SEXUAL E AS RESPOSTAS
SOBRE QUEM PRATICOU VIOLÊNCIA CONTRA OS ENTREVISTADOS.
Quem Praticou a Violência?
Orientação Sexual
Guarda Civil Municipal* Total
Heterossexual Não Heterossexual
Contagem Esperada 175 11 186
Contagem Observada 168 18 186

109
Percentual Observado 14,08% 24% 14,67%
*p (chi quadrado) < 0,05
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Por outro lado, outros serviços municipais mostraram-se, em média, mais acolhedores às
pessoas não-heterossexuais, visto que, proporcionalmente, elas reportaram um maior contato
com o Centro POP.
QUADRO 57: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE ORIENTAÇÃO SEXUAL E O ACESSO A
SERVIÇOS DA REDE SOCIOASSISTENCIAL NOS ÚLTIMOS SEIS MESES.
Você Acessou Algum Serviço da Rede Socioassistencial nos Últimos Seis Meses?
Orientação Sexual
Centro POP** Total
Heterossexual Não Heterossexual
Contagem Esperada 318,9 20,1 339
Contagem Observada 309 30 339
Percentual Observado 25,33% 38,96% 26,14%
**p (chi quadrado) < 0,01
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Esse conjunto de resultados demonstra que sexo, gênero e orientação sexual definem
marcadores sociais que determinam aspectos relevantes e diferenciações notáveis das vivências
de pessoas em situação de rua. Essas variáveis, sobretudo as utilizadas nas análises acima, devem
ser levadas em consideração como variáveis de controle para as demais análises que serão
apresentadas neste relatório. Além disso, políticas públicas que busquem atender às demandas
de pessoas em situação de rua no Rio Grande do Norte precisam considerar esses recortes, visto
que esses mostraram-se importantes marcadores de diferenças nas vivências desses sujeitos,
expressando a heterogeneidade dessa população.

3.4 ASPECTOS RACIAIS


A recente visibilidade do fenômeno das pessoas em situação de rua pelo poder público no
Brasil, com a consequente criação e ampliação de serviços de proteção social destinados a esse
segmento populacional tem demandado a realização de pesquisas de modo a compreender, a
partir das histórias de vida desses sujeitos e da articulação de tais vivências, as questões sociais
mais amplas e os processos de exclusão social que culminam na experiência de sobreviver nas
ruas (ABREU; FARIAS, 2015).
As pessoas em situação de rua se constituem como a expressão máxima de processos de
exclusão social. Nessa trajetória de exclusão existe uma multiplicidade de fenômenos que não se
reduz à ausência de moradia, mas abrange também trajetórias de vulnerabilidade e fragilização
dos laços familiares, das redes de integração primária e do mundo do trabalho (ESCOREL, 2009;
ESMERALDO, 2010; MOURA JR., 2012; WARANDA, 2009).

110
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que 54% da
população brasileira é negra. A população negra é a mais afetada pela desigualdade e pela violência
no Brasil. É o que alerta a Organização das Nações Unidas (ONU). No mercado de trabalho,
pretos e pardos enfrentam mais dificuldades na progressão da carreira, na igualdade salarial e
são mais vulneráveis ao assédio moral, afirma o Ministério Público do Trabalho. Por conseguinte,
pensar a composição da população em situação de rua na sociedade contemporânea implica,
necessariamente, fazer um enfoque na questão étnico-racial.
Ao ser confrontado com as estatísticas, o racismo brasileiro, sustentado em três séculos
de escravidão e muitas vezes minimizados pela branquitude nativa, revela-se sem meias palavras.
Entender o Brasil é inter-relacionar questões, informações, dados de gênero, etnia e também de
classe social. A partir desses dados podemos suscitar uma discussão sobre raça e racismo e como
essas duas categorias afetam de forma direta a população de rua no Rio Grande do Norte.
Almeida (2018) apresenta a noção de raça como referência a distintas categorias de seres
humanos e é um fenômeno da modernidade, que remonta aos meados do século XVI. Por trás da
raça sempre há contingência, conflito poder e decisão, de tal sorte que se trata de um conceito
relacional e histórico. Então, a história da raça ou das raças é a história da constituição política e
econômica das sociedades contemporâneas.
Quando se trata de pensar racismo precisamos analisá-lo dentro de uma estrutura social
pois ele “é sempre estrutural, ele é um elemento que integra a organização econômica e política da
sociedade” (ALMEIDA, 2018, p. 24). Como assevera o autor:
Podemos dizer que o racismo é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça
como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes
que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo
racial ao qual pertençam (ALMEIDA, 2018, p. 24).
Assim, o racismo está intrínseco e maximamente ligado à questão da raça mas também
se correlaciona com a classe social. Na construção da sociedade brasileira há, historicamente,
um processo discriminação com o sujeito negro por causa da raça, quando esse ser negro é uma
pessoa em situação de rua, quantos processos de discriminação, desrespeito, preterição passam
tais indivíduos?
Adilson (2019) relata que a análise da literatura brasileira sobre racismo demonstra que
muitos o compreendem como um ato ou uma expressão de caráter discriminatório baseados
no pressuposto de que todos os membros de uma suposta minoria racial possuem os mesmos
traços. Esses traços, classificados como inferiores, são transmitidos biologicamente, o que os
torna imutáveis. Haveria, assim, uma relação entre características fenotípicas e a qualidade moral
das pessoas. Além disso, uma leitura da legislação nacional sobre esse tema também sugere que
esse termo tem um significado estático. Ele aparece como um ato intencional e arbitrário de um
indivíduo em relação a outro, ação baseada em julgamentos negativos sobre os membros de outro
grupo racial.
Tal seria a forma como o racismo se manifesta em todos os tempos e em todas as sociedades.
Atos racistas seriam exemplos clássicos do que chamamos de discriminação direta: uma ação

111
intencional e arbitrária baseada em um critério de tratamento ilegítimo, o que pode colocar as
pessoas em uma situação de desvantagem temporária ou duradoura. Não há dúvidas de que essa
definição congrega uma variedade significativa de situações que acontecem em diferentes países
e em diferentes momentos históricos. Porém, ao contrário do que sugerem muitos sociólogos
e juristas, o termo racismo tem uma pluralidade de significados, sendo que eles nos ajudam a
compreender suas várias dimensões.
Foucault (1997) apud Mbembe (2016) aponta a funcionalidade do poder a partir do
controle e na divisão entre as pessoas apresentando a ideia de quem deve viver e quem deve
morrer. Operando com base em uma divisão entre os vivos e os mortos, tal poder se define em
relação a um campo biológico – do qual toma o controle e no qual se inscreve. Esse controle
pressupõe a distribuição da espécie humana em grupos, a subdivisão da população em subgrupos
e o estabelecimento de uma censura biológica entre uns e outros. Isso é o que Foucault rotula
com o termo (aparentemente familiar) racismo17. Ele opera de forma a desumanizar o indivíduo
colocando-o como inferior ao outro. Esse mesmo processo acontece quando a população em
situação de rua tem sua existência negligenciada pelo Estado, pelas organizações sociais e pela
sociedade como um todo.
Segundo Adilson (2019) racialização seria uma forma de construção e de diferenciação
dos indivíduos, prática que possui um objetivo específico: a raça é uma marca que representa as
relações de poder presentes em dada sociedade. Dessa maneira, analisar a população em situação
de rua numa acuidade racializada permite perceber os aspectos intrínsecos a esta população,
enquanto sujeitos racializados, na vivência da rua.
De um total de 1841 questionários aplicados à população em situação de rua no RN, como
já apresentado neste documento anteriormente, os dados conjuntos sobre raça, cor de pele e
etnia em percentuais expressam que 415 (22,5%) são pretas, 991 (53,8%) pardas e um total de
1406 (76,37%) são pessoas negras identificadas pelo censo da população em situação de rua, no
RN. Isso indica, para o estado, a necessidade de pensar e propor políticas públicas racializadas,
as conhecidas ações afirmativas, como condição fundamental para melhoria dos serviços e ações
voltadas para a PSR.
A respeito do gênero foram 1.319 respostas dentre elas, das 292 pessoas que responderam
ser mulheres cisgênero 228 (78,08%) são negras, entre os 1015 homens cisgêneros 770 (75,86%)
são negros, todas as 10 (0,8%) mulheres trans, identificadas na pesquisa são negras, o único (0,1%)
homem trans entrevistado também negro e a única (0,1%) travesti entrevistada era uma pessoa
negra. ABREU et al (2015) colocam que as pessoas em situação de rua se constituem como a
expressão máxima de processos de exclusão social, dessa maneira, pensar um indivíduo nessa
situação é destituí-lo do status quo de cidadão, visto que ele é invisibilizado por grande parcela da
sociedade.
O ingresso no mercado de trabalho poderia significar para essa população, uma forma de
inclusão social, uma vez que o trabalho confere um valor social, construído historicamente, que
reproduz coletivamente o imaginário de valorização moral do trabalho. Aos/às entrevistados/as
foram feitos questionamentos sobre o acesso ao mercado de trabalho e aos direitos sociais por

112
este garantidos, uma dessas questões foi: Você já trabalhou com registro em carteira? Cerca de 135
entrevistados na amostra responderam a esse questionamento, dentre eles 36,29% (49 pessoas)
corresponde ao número de pessoas negras que disseram ter trabalhado com Carteira de Trabalho
assinada. Ainda, a respeito das pessoas que afirmaram ter trabalhado com registro em Carteira
de Trabalho, 35,71% delas foi há mais de 10 anos e somente 2,81% esteve trabalhando com esse
registro há cerca de 6 meses a 1 ano. Quando indagados/as sobre as relações de trabalho atuais,
com relação à última remuneração, das 112 respostas, 33,92% (38 pessoas) são pessoas negras
que afirmaram ter recebido remuneração inferior ou igual a oitenta e nove reais (R$ 89) mensais.
O Brasil, entre 2020 e 2022, superou o número de 33 milhões de pessoas passando fome no
país, onde 65% dessas pessoas são pretas e pardas, sendo essas, as mais atingidas pela insegurança
alimentar. Com referência à alimentação, foi questionado às PSR se elas haviam ficado algum dia
sem conseguir se alimentar, das que responderam afirmativamente, 86,48% eram negras.
No bojo das inseguranças do sobreviver na rua e das diversas violências e violações
vivenciadas pela população em situação de rua, sobretudo aquela violência velada sobre uma
parcela racializada, de acordo com o Atlas da Violência 2017, a população negra corresponde à
maioria dos indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídios. E os indivíduos negros
que integram a camada de vulnerabilidade social no que diz respeito à população em situação de
rua apresentam três vezes mais chances de serem agredidos. Na pesquisa em análise, 80,14% das
pessoas que afirmam ter sido agredidas pela polícia ou guarda municipal, são negras. Revelando
que a população negra em situação de rua, carrega o estigma social de ser considerada classe
perigosa, muitas vezes tratada culpada pela situação em que vive, estando sujeita a processos de
opressão, humilhação e abusos de autoridade.
No quesito educação, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Contínua (PNAD)18 e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): 71,7% dos jovens
fora da escola são negros, e apenas 27,3% destes sãos brancos. O mesmo estudo demonstra a
desigualdade de acesso à educação nos índices de analfabetismo. Em 2019, 3,6%19 das pessoas
brancas de 15 anos ou mais eram analfabetas, enquanto entre as pessoas negras esse percentual
chega a 8,9%. Na pesquisa realizada aqui é bastante perceptível o quanto a desigualdade
socioeconômica pode ser responsável por fragilidades no processo educacional da população em
situação de rua. No quadro a seguir, podemos observar uma visão geral do quanto a educação é
um fator abalado pela instabilidade da vida nas ruas.
QUADRO 58: TABULAÇÃO CRUZADA ENTRE RAÇA E O GRAU DE ESCOLARIDADE.
Grau de Escolaridade de Acordo com a Raça
Raça/Etnia/Cor
Até Que Série ou Grau Você Estudou? Total
Negro Não Negro
Educação Contagem Esperada 29,8 95,2 125
Básica ou Nunca Contagem Observada 41 84 125
Estudou** Percentual Observado 13,44% 8,61% 9,76%

¹⁷ Ver Foucault, 1997, sobre a noção de soberania e sua relação com a guerra e biopoder.
¹⁸ Disponível em: <https://observatoriodeeducacao.institutounibanco.org.br/em-debate/desigualdade-racial-na-
educacao>. Acesso em 15 ago. 2022.
¹⁹ Disponível em: <https://observatoriodeeducacao.institutounibanco.org.br/em-debate/desigualdade-racial-na-
educacao>. Acesso em 15 ago. 2022.
113
Ensino Não Negro Negro Total
Fundamental Contagem Esperada 64,3 205,7 270
Incompleto Contagem Observada 61 209 270
(1ª a 4ª Série)** Percentual Observado 20% 21,41% 21,08%
Não Negro Negro Total
Ensino
Contagem Esperada 19,3 61,7 81
Fundamental
Contagem Observada 18 63 81
(1ª a 4ª Série)**
Percentual Observado 5,9% 6,45% 6,32%
Ensino Não Negro Negro Total
Fundamental Contagem Esperada 85,5 273,5 359
Incompleto Contagem Observada 83 276 359
(5ª a 8ª Série)** Percentual Observado 27,21% 28,28% 28,02%
Ensino Não Negro Negro Total
Fundamental Contagem Esperada 27,1 86,9 114
Completo Contagem Observada 13 101 114
(5ª a 8ª Série)** Percentual Observado 4,26% 10,35% 8,9%
Não Negro Negro Total
Ensino Médio Contagem Esperada 33,6 107,4 141
Incompleto** Contagem Observada 36 105 141
Percentual Observado 11,8% 10,76% 11,01%
Não Negro Negro Total
Ensino Médio Contagem Esperada 36,4 116,6 153
Completo** Contagem Observada 39 114 153
Percentual Observado 12,79% 11,68% 11,94%
Não Negro Negro Total
Ensino Superior
Contagem Esperada 9 29 38
Iniciado ou
Contagem Observada 14 24 38
Concluído**
Percentual Observado 4,59% 2,46% 2,97%
**p (coeficiente de contingência) < 0,01
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Os resultados dispostos no quadro anterior mostram, com significância estatística, que em


poucos casos há diferenças proporcionais entre pessoas em situação de rua negras e não-negras
no Rio Grande do Norte, no que diz respeito ao grau de escolaridade. De fato, é observado que
há uma diferença no grupo de pessoas que nunca estudaram ou só tiveram acesso à educação
infantil, no qual foram proporcionalmente mais frequentes os casos de pessoas não-negras. No
entanto, no grupo de pessoas que concluíram o ensino fundamental, mas não conseguiram acessar
o ensino médio, são proporcionalmente mais frequentes os casos de pessoas negras. Ainda, no

114
grupo que conseguiu acessar o ensino superior, foram mais frequentes as pessoas não-negras, o
que reflete o menor acesso de pessoas negras à educação de nível superior.
Nessa perspectiva, construir uma sociedade mais igualitária requer a compreensão do papel
de cada estrutura socioeconômica na construção de políticas públicas de inclusão social. Além
do aspecto econômico, no qual pessoas negras são maioria entre as que possuem rendimentos
mais baixos, a persistência de situações de maior vulnerabilidade no que tange à educação, saúde,
moradia, entre outros, mostram evidente desequilíbrio na garantia de direitos em prejuízo para a
população negra e sobretudo a população em situação de rua.

3.5 ACESSO A DOCUMENTOS


No que tange ao acesso à documentação por parte da População em Situação de rua, é
de conhecimento geral a dificuldade encontrada por esta parcela da população para se manter
de posse de seus documentos, sobretudo em razão da exposição à chuva, ao sol, às abordagens
policiais, e furtos, que acabaram surgindo enquanto fatores determinantes para a perda de
documentação. Apesar deste cenário, mais de 50% dos respondentes afirmaram ter Certidão de
Nascimento/Casamento, CPF e Carteira de Identidade, conforme ilustram os quadros a seguir:

115
QUADRO 59: SITUAÇÃO DOS DOCUMENTOS DAS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA
NO RIO GRANDE DO NORTE.
Qual dos Seguintes Documentos Você Possui?
Documento Tenho Tive, Mas Perdi Nunca Tive
Certidão de Nascimento/
72,2% 26,3% 1,5%
Casamento
CPF 68,2% 30% 1,8%
Carteira de Identidade 67,3% 31,1% 1,7%
Carteira de Trabalho 47% 43,5% 9,4%
Título de Eleitor 47,9% 44,2% 7,9%
Passaporte 2,7% 5,1% 92,2%
Carteira de Motorista 5,7% 7,7% 86,6%
Certificado de Reservista 25,7% 36,5% 37,8%
Boletim de Ocorrência 13,6% 10,9% 75,6%
Cartão de Vacinação 70,7% 22,3% 7%
Outros Documentos 18,1% 17,3% 64,6%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Com vistas a aprofundar as análises acerca do acesso a documentos, por parte da


População em Situação de rua, foi criado um modelo de análise no software SPSS, considerando
a variável dependente dicotômica: 0 para quem tem documentos e 1 para quem não tem. O
modelo foi utilizado, considerando as variáveis certidão de nascimento e identidade, que surgiram
enquanto aqueles de maior relevância estatística. Nesse cenário, o modelo de análise examina
qual a probabilidade de alguém não ter estes documentos, que, nesse caso, chegou a um R2 de
5,6% para certidão de nascimento/casamento e 11% para carteira de identidade.
Dessa maneira, no modelo de regressão logística para estimar as razões de chances em
relação à ausência de certidão de nascimento ou de casamento, pela população em situação de
rua no Rio Grande do Norte, foram identificados os seguintes resultados:
QUADRO 60: REGRESSÃO LOGÍSTICA COM A AUSÊNCIA DE CERTIDÃO DE
NASCIMENTO OU CASAMENTO COMO VARIÁVEL DEPENDENTE.
Associação
Variáveis Descrição da Variável
Observada
Raça 0 = não-negro, 1 = negro + 7,3%
Gênero*** 0 = homem, 1 = mulher - 45,2%***
Orientação sexual 0= heterossexual, 1= não-heterossexual + 13,9%
Capital/Interior 0 = interior, 1 = Natal - 2,8%
Litoral/Interior 0 = interior, 1 = litoral + 27,4%
Idade Escala em anos + 0,9%

116
Tempo em Situação
Escala de 1 a 6 + 6,1
de Rua
Grau de
Escala de 1 a 10 - 5,7%+
Escolaridade+
Comunidade A Pessoa Está em Comunidade Terapêutica?
+ 5,8%
Terapêutica 0 = Não, 1 = Sim
A Pessoa Esteve em Unidades de Acolhimento Nos
Unidade de
Últimos 06 Meses? - 64,5%***
Acolhimento***
0 = Não, 1 = Sim
A pessoa sofreu violência por estar em situação de
Violência rua? - 20,6%
0=sofreu, 1=não sofreu
+
p < 0,1, ***p < 0,001
R2 = 0,056 (5,6%)
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Quando aplicado o modelo, foram identificadas apenas duas variáveis com significância
estatística, a saber: 1) gênero e 2) unidade de acolhimento. Observou-se que, em sendo mulher,
há uma probabilidade, em média, 45,2% menor de não terem certidão de nascimento ou de
casamento. Ou seja, em termos probabilísticos, há uma possibilidade maior de os homens não
terem esses documentos, em detrimentos das mulheres.
Quanto à variável de unidade de acolhimento do Estado, identificou-se que aquelas pessoas
que estão ou estiveram em uma unidade de acolhimento nos 6 meses anteriores à aplicação das
entrevistas têm uma probabilidade 64,5% menor de não terem Certidão de Nascimento ou de
Casamento. Isto é, aquelas pessoas que estão ou estiveram acolhidas têm, em média, 64,5% de
chances de terem esses documentos. Chama atenção, também, o fato de que as pessoas acolhidas
em Comunidades Terapêuticas têm maior probabilidade de não terem acesso a documentos,
contrariando a tendência observada por quem está acolhido em unidades de acolhimento do
estado. Na mesma perspectiva, ao aplicar o modelo para a variável de Carteira de Identidade,
foram obtidos os seguintes resultados:
QUADRO 61: REGRESSÃO LOGÍSTICA COM A AUSÊNCIA DE CARTEIRA DE
IDENTIDADE COMO VARIÁVEL DEPENDENTE.
Associação
Variáveis Descrição da Variável
Observada
Raça 0 = não-negro, 1 = negro + 5,9%
Gênero*** 0 = homem, 1 = mulher - 53,9%***
Orientação sexual 0 = heterossexual , 1= não-heterossexual - 9,3%
Capital/Interior 0 = interior, 1 = Natal - 5,1%

117
Litoral/Interior** 0 = interior, 1 = litoral + 102,7%**
Idade** Escala em anos - 1,5%**
Tempo em Situação
Escala de 1 a 6 + 6,7+
de Rua+
Grau de
Escala de 1 a 10 - 8,9%**
Escolaridade**
Comunidade A Pessoa está em Comunidade Terapêutica?
- 4,6%
Terapêutica 0 = Não, 1 = Sim
A Pessoa esteve em Unidades de Acolhimento nos
Unidade de
Últimos 06 Meses? - 76,4%***
Acolhimento***
0 = Não, 1 = Sim
A pessoa sofreu violência por estar em situação de
Violência*** rua? - 39,1%***
0=sofreu, 1=não sofreu
+
p < 0,1
**p < 0,01
***p < 0,001
R2 = 0,11 (11%)
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Para além de um R2 maior, a análise, considerando a variável de acesso à Carteira de


Identidade, apresentou mais variáveis com relevância estatística, a saber: 1) gênero; 2) território;
3) idade; 4) escolaridade; 5) acolhimento e 6) violência. Identificou-se, ainda, que o tempo em
situação de rua também pode ter relevância, embora tenha surgido como evidência fraca, em razão
da significância estatística de 8,2%, superior a 5%. Contudo, foi possível observar que, quanto
mais tempo em situação de rua (a cada ponto na escala de 1 a 6), cresce em 6,7% a probabilidade
de a pessoa não ter Carteira de Identidade. Quanto à variável de gênero, identificou-se uma
probabilidade 53,9% menor de não ter esse documento, caso a pessoa seja mulher. Isto é, em
geral, a probabilidade de homens não possuírem Carteira de Identidade é 53,9% maior do que
a de mulheres. No tocante à variável de território, observou-se que estar no litoral implica em
uma chance 102,7% maior de essas pessoas não terem o referido documento, quer dizer, no
litoral, existe uma probabilidade maior de as pessoas não possuírem a Carteira de Identidade, em
detrimento de quem foi entrevistado no interior.
Com relação à variável idade, observou-se que, a cada ano de vida, há uma probabilidade
1,5% menor de a pessoa não ter Carteira de Identidade. No geral, quanto mais velha a pessoa,
maior a chance de ela ter seus documentos, revelando uma tendência de pessoas jovens não
o possuírem. No que tange à variável de escolaridade, o modelo de análise revelou que, a cada
ponto na escala de 1 a 10, a probabilidade de não se ter Carteira de Identidade é 8,9% menor.
Isto é, pessoas com maior grau de escolaridade tendem a ter esse documento, em detrimento das

118
pessoas com menor grau de escolaridade.
A análise cruzada com a variável de acolhimento, por sua vez, revelou que, quem está
ou esteve acolhido, no geral, tem uma probabilidade 76,4% menor de não ter a sua Carteira de
Identidade. Assim, as pessoas que estão ou estiveram em unidades de acolhimento do estado
tendem a possuir mais esse documento do que as que não estão ou estiveram acolhidas nestes
espaços.
Por fim, a análise da variável de violência apontou que não ter sofrido violência implica em
uma probabilidade 31,9% menor de não ter o documento de identidade. Assim, as pessoas que
sofreram violência, em média, são pessoas que não têm Carteira de Identidade.

3.6 ACESSO À ALIMENTAÇÃO


A alimentação é uma preocupação central no que diz respeito à vivência da população em
situação de rua, dada a condição de extrema vulnerabilidade social desse segmento. Conforme
Casemiro, Valla e Guimarães (2010) observaram, em estudo junto à Pastoral da Criança de São
João de Meriti (RJ), o desemprego, o subemprego e o acesso deficitário a serviços públicos de
saúde, assistência social e saneamento básico são obstáculos à efetivação do direito humano
à alimentação adequada. Em pesquisa realizada no Presídio Central de Porto Alegre (RS),
Rudnicki (2011) percebeu que parte dos apenados estavam satisfeitos com a alimentação na

119
unidade prisional, apesar dos vários problemas relatados nas cozinhas, pois ela era superior à
alimentação que tinham antes do encarceramento. Esses achados sobre pessoas em situação de
vulnerabilidade social, que não dizem respeito, necessariamente, à situação de rua, mostram a
urgência do problema da fome e do acesso à alimentação adequada no Brasil. Entre indivíduos em
situação de rua, a urgência é ainda maior.
Não por acaso, existe uma quantidade relevante de pesquisas, tanto no âmbito brasileiro
como no de outros países, sobre relações alimentares da população em situação de rua. No
caso da literatura brasileira, no entanto, também é verdade que ela é consideravelmente mais
recente, havendo ainda lacunas a serem exploradas, conforme observado na revisão sistemática
conduzida por Soares et al. (2020). Considerando o contexto da pandemia de Covid-19 e a
realidade de pessoas em situação de rua no centro da cidade do Rio de Janeiro (RJ), Oliveira e
Alcântara (2021) apontaram que as violações ao direito humano à alimentação adequada desses
indivíduos relacionam-se com uma multiplicidade de fatores, como a redução do poder de escolha,
a disponibilidade incerta de alimento, falta de locais apropriados para comer e a escassez de renda.
Às vezes, mesmo no caso de acesso a determinados equipamentos públicos, as particularidades
das necessidades alimentares de usuários em situação de rua não são levadas em consideração,
conforme Mattos e Backes (2019) observaram em um Centro de Atendimento Psicossocial
Álcool e Outras Drogas (CAPS-AD). Isso faz com que, mesmo que essas pessoas tenham acesso a
refeições todos os dias, elas ainda não tenham segurança alimentar e nutricional, como também
observa Rodrigues et al. (2022) em pesquisa com um grupo de homens em situação de rua, em um
município paulista.
Nesse cenário, o acesso da população em situação de rua à alimentação depende
fortemente de terceiros, sejam eles serviços públicos ou doações da sociedade civil. No entanto,
mais de um registro na literatura brasileira (cf. ONGARATTO, 2020) percebem que os serviços
ofertados pelo poder público são comumente aquém do que se enquadraria em no conceito de
alimentação adequada, perseguido pelas políticas de segurança alimentar e nutricional, seja no
quesito da qualidade, seja na quantidade da alimentação ofertada. Curiosamente, é nas iniciativas
de projetos sociais da sociedade civil que são identificados os maiores esforços para atender, de
maneira mais satisfatória, às demandas de segurança alimentar e nutricional da população em
situação de rua (cf. LEMÕES, 2010). No entanto, há de se reconhecer que não há como essas
ações filantrópicas atenderem plenamente às necessidades desse segmento populacional, e está
longe do ideal, que a responsabilidade para tanto, seja conferida à sociedade civil. Nesse sentido,
a literatura brasileira sobre alimentação da população em situação de rua revela que existe uma
incompatibilidade entre situação de rua e segurança alimentar e nutricional, ou alimentação
adequada. Há evidências que tornam possível partir do pressuposto de que, estando em situação
de rua, um indivíduo já se encontra, também, em situação de violação a seu direito humano à
alimentação adequada.
A literatura internacional sobre alimentação da população em situação de rua também traz
evidências importantes para a análise proposta neste tópico20, com as devidas ressalvas de que,
em se tratando de outras realidades, essas evidências devem ser transferidas com cautela para

²⁰ Para uma revisão sistemática recente, cf. Loftus et al. (2021).

120
o contexto potiguar. Evans e Dowler (2001), a partir de uma amostra de pessoas em situação de
rua de Londres que dormiam em calçadas, unidades de acolhimento ou na casa de conhecidos,
perceberam que a alimentação dessas pessoas é, no geral, incompleta em termos nutricionais.
Li, Dachner e Tarasuk (2009), a partir de uma amostra de jovens em situação de rua em Toronto,
Canadá, também perceberam índices de qualidade alimentar e nutricional abaixo do recomendado.
Resultados semelhantes foram encontrados por Sprake, Russell e Barker (2013) em Sheffield,
Reino Unido. Whitbeck, Chen e Johnson (2006), em pesquisa feita com adolescentes em situação
de rua no centro-oeste dos Estados Unidos, constataram que um terço deles não tinha acessado
alimento ao menos uma vez, no mês que antecedeu a entrevista. Martin-Fernandez et al. (2018),
em estudo feito com famílias em situação de rua em abrigos da região de Paris, constataram que
cerca de metade delas apresentaram índices baixos ou muito baixos de segurança alimentar.
A insegurança alimentar pode condicionar o comportamento de pessoas em situação
de rua, ou ser influenciada por diferentes variáveis. Smith e Richards (2008), em pesquisa com
jovens em situação de rua em Minnesota, registraram que os mesmos se percebem enquanto em
situação de insegurança tanto alimentar quanto nutricional, e adotam estratégias como ingestão
em excesso ao encontrar alimentos ou consumir alimentos desagradáveis, o que pode levar a
problemas de saúde. A partir de pesquisa feita em Vancouver, Canadá, Parpouchi et al. (2016)
perceberam que maiores índices de insegurança alimentar em adultos com problemas de saúde
mental estavam associados à idade, escolaridade, drogadição, percepção sobre saúde mental,
não recebimento de tratamentos de saúde necessários, doenças cardíacas e acesso a centros de
distribuição de alimentos. Tong et al. (2019), a partir de estudo feito nos Estados Unidos, perceberam
que problemas de saúde bucal, problemas cognitivos e sintomas depressivos estão associados a
uma menor segurança alimentar, enquanto o acesso a unidades de acolhimento está associado a
uma maior segurança alimentar de pessoas em situação de rua com mais de 50 anos. Reitzel et al.
(2020) também perceberam uma associação entre insegurança alimentar e uso abusivo de álcool
entre pessoas em situação de rua na Cidade de Oklahoma, Estados Unidos. Fitzpatrick e Willis
(2021), a partir de dados coletados em dois condados do noroeste do Arkansas, Estados Unidos,
perceberam que encarceramento no passado, problemas de saúde física e sintomas de ansiedade
estão associados a uma maior insegurança alimentar, enquanto vínculos comunitários e acesso à
saúde estão associados a menores índices de insegurança alimentar entre adultos em situação de
rua.
Mais pesquisas, sobretudo qualitativas, permitiram perceber com profundidade, as relações
alimentares de pessoas em situação de rua. Dachner e Tarasuk (2002) despertaram o interesse no
assunto a partir de uma pesquisa com jovens em situação de rua em Toronto que, dependendo
de trabalhos de limpeza de carros para comprar alimentos, se deparam com uma situação de
extrema insegurança alimentar, sujeita, inclusive, às intempéries, visto que não conseguem
trabalho em períodos chuvosos. Crawford et al. (2014) coletaram, entre pessoas em situação de
rua em Sydney, Austrália, relatos de dificuldade de acesso físico e financeiro a alimentos, além de
um desejo dessas pessoas em economizar tempo, evitando longas filas de espera por comida para
poderem buscar outras formas de socialização. Richards e Smith (2006), a partir de estudo feito

121
em Minnesota, Estados Unidos, perceberam que mesmo pessoas em situação de rua abrigadas
têm de lidar com falta de escolha alimentar e nutricional, o que os leva a buscar outras fontes de
alimentação. De modo semelhante, Booth (2006), em pesquisa com jovens em situação de rua em
Adelaide, Austrália, observou que, mesmo que a maioria deles dependam de órgãos públicos para
conseguir alimentos, também a maioria deles buscam alimentos por outros meios, como furtos,
mendicância ou com a ajuda de terceiros. Rodriguez et al. (2009) registraram, inclusive, visitas
de pessoas em situação de rua em um pronto-atendimento de saúde motivadas pela busca de
alimento e abrigo.
A insegurança alimentar pode levar a diferentes consequências à população em situação de
rua. Smith, Butterfass e Richards (2010) perceberam, por exemplo, que uma parcela considerável
de uma amostra investigada em Minnesota apresentava tendências ao sobrepeso e obesidade.
Baggett et al. (2011) perceberam uma associação positiva entre insegurança alimentar de
pessoas em situação de rua e hospitalização em geral, hospitalização psiquiátrica em específico e
atendimento em unidades de pronto-atendimento. Palar et al. (2015) perceberam uma tendência
maior ao desenvolvimento de depressão entre pessoas soropositivas em situação de rua em São
Francisco, Estados Unidos, quando deparadas com uma maior situação de insegurança alimentar.
No Censo da População em Situação de Rua do Rio Grande do Norte, foi feita, aos
respondentes do questionário de amostra, uma pergunta comumente adotada em estudos sobre
insegurança alimentar, adaptada da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (SARDINHA,
2014) à realidade da população em situação de rua e às condições de execução dos questionários,
indagando se, na semana anterior à entrevista, o entrevistado havia ficado um dia inteiro sem se
alimentar. Dos 134 respondentes, 38 responderam que sim e 96 responderam que não (a margem
de erro é de 8%):
QUADRO 62: PERGUNTA SOBRE SEGURANÇA ALIMENTAR NOS QUESTIONÁRIOS DE
AMOSTRA.
Na Última Semana, Você Ficou Algum Dia sem Comer
Sim Não
28,36% 71,64%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Os resultados, semelhantes aos obtidos por Whitbeck, Chen e Johnson (2006), que
utilizaram a referência temporal de um mês, revelam que uma parcela considerável da população
em situação de rua do Rio Grande do Norte vive um nível preocupante de insegurança alimentar
e de violação ao direito humano à alimentação adequada. Ainda, entre os que responderam que
sim, 23 (60,63%) afirmaram não terem conseguido alimento por falta de dinheiro e 26 (48,42%)
afirmaram não terem se alimentado por falta de acesso a alimentos. Essas três respostas foram
somadas em uma escala de insegurança alimentar, que varia entre 0 e 3, sendo 3 o maior nível de
insegurança alimentar21.
Tendo essa escala como variável dependente, foi feita uma regressão linear para
compreender em que contextos as pessoas em situação de rua do Rio Grande do Norte tendem a

²¹ Foi estimado o valor da alfa de Cronbach, que tem como finalidade estimar a confiabilidade de uma escala
social. O valor obtido para o coeficiente foi de 0,854, o que significa que há confiabilidade na escala adotada para
estimar o grau de insegurança alimentar das pessoas em situação de rua no Rio Grande do Norte.
ter um maior índice de insegurança alimentar. O modelo foi construído por etapas, selecionando
variáveis a partir de outros achados expostos neste relatório e evidências da literatura, sendo
adotado o modelo de regressão linear com o maior R2 obtido, de 0,242, isto é, o conjunto de
variáveis consideradas tem poder explicativo sobre 24,2% da variância da variável dependente
(grau de insegurança alimentar). As seguintes variáveis foram consideradas:
Os resultados obtidos foram:
QUADRO 63: REGRESSÃO LINEAR COM A ESCALA DE INSEGURANÇA ALIMENTAR
COMO VARIÁVEL DEPENDENTE.
Associação Observada
Variáveis Descrição da Variável
(na escala de 0 a 3)
Gênero 0 = homem, 1 = mulher - 0,164
Orientação
0 = heterossexual, 1= não-heterossexual + 0,312
sexual
Raça 0 = não-negro, 1= negro + 0,293
Consumo de Escala com o número de dias da semana em
+ 0,101**
álcool** que o entrevistado afirma consumir álcool
Deficiência Dicotômica, sendo 1 os entrevistados que
mental, cognitiva responderam ter alguma dificuldade dessa + 0,212
ou psicológica natureza
Depressão ou
Dicotômica, sendo 1 os entrevistados que re-
doença dos + 0,342
portaram lidar com esse problema de saúde
nervos
Litoral/Interior 0 = interior, 1= litoral - 0,416
Capital/Interior+ 0 = interior, 1= capital + 0,53+
Grau de
Escala de 1 a 10 - 0,102*
Escolaridade*
Consumo de Escala com o número de dias da semana em
+ 0,036
Crack que o entrevistado afirma consumir crack
Problema de Dicotômica, sendo 1 os entrevistados que re-
+ 0,822*
saúde bucal* portaram lidar com esse problema de saúde
Dicotômica, sendo 1 referente aos entrevis-
tados que responderam que costumam se
Centro POP + 0,482
alimentar neste equipamento de assistência
social
+
p < 0,1, *p < 0,05, **p < 0,01, R2 = 0,242 (24,2%)
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.
Os resultados indicam três variáveis que, com significância estatística, associam-se ao grau
de insegurança alimentar (na escala de 0 a 3), controladas pelas demais variáveis. Uma delas é o
número de dias, em uma semana, em que os entrevistados reportaram consumirem álcool: a cada

123
dia na semana, aumenta em média em 0,1 o grau de insegurança alimentar. Outra variável diz
respeito ao grau de escolaridade dos entrevistados: a cada grau de escolaridade a mais, reduz-se,
em média, em 0,1 o grau de insegurança alimentar. Ainda, o fato de um entrevistado apresentar
problemas de saúde bucal está associado a, em média, um grau de insegurança alimentar maior em
0,8 ponto, o que, é claro, pode não significar uma associação direta, mas alguma correspondência
com falta de acesso à saúde ou à higiene básica. Com menor significância estatística, ainda pode ser
mencionada, como evidência fraca, a constatação de que pessoas em situação de rua entrevistadas
em Natal apresentaram, em média, 0,5 ponto a mais na escala de insegurança alimentar.
Outro ponto relevante, dessa vez presente nos questionários básicos, diz respeito ao local
onde os entrevistados costumam conseguir alimento. Esse item do questionário permite que mais
de uma resposta seja assinalada e, por esse motivo, a somatória dos percentuais ultrapassa 100%.
Os resultados foram:
QUADRO 64: LOCAIS UTILIZADOS PARA A OBTENÇÃO DE ALIMENTAÇÃO PELA
POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA.
Locais Utilizados Como Meio de Obter Alimentação
Local (n°) (%)
Restaurante Popular 335 25,77%
Serviços da Prefeitura 231 17,77%
Centro POP 148 11,38%
Abrigo 57 4,38%
Albergue 27 2,08%
CREAS 11 0,85%
CRAS 11 0,85%
Ganha Comida de Restaurante/Lanchonete/Bar 340 26,15%
Compra em Restaurante/Lanchonete/Bar 173 13,31%
Recebe de Grupos que Distribuem Comida na Rua 378 29,08%
Ganha de Pessoas na Rua 499 38,38%
Coleta/Cata 56 4,31%
Ganha em Feiras/Mercados 72 5,54%
Faz a Própria Comida 192 14,77%
Comunidade Terapêutica 178 13,69%
CAPS 06 0,46%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.
Os resultados mostram que, no perfil da população em situação de rua no Rio Grande do
Norte, há uma dependência de terceiros para a alimentação, expressa no fato de que as maiores
parcelas de respondentes conseguem alimentos ganhando de pessoas na rua, de grupos que
distribuem alimento e de restaurantes, lanchonetes ou bares. Os resultados mostram, ainda, a
importância dos Restaurantes Populares no acesso à alimentação pela população em situação de

124
rua. Por outro lado, os resultados mostram que o Centro POP ocupa um papel consideravelmente
mais modesto no acesso a alimentos para esse segmento populacional. Sobre isso, alguns
comentários podem ser tecidos.
No que diz respeito à doação de alimentos por parte de terceiros, sobretudo por
grupos que distribuem alimentos nas ruas, foi notável, durante a execução da pesquisa, o papel
desempenhado por esses projetos sociais. São projetos filantrópicos compostos por diferentes
perfis de participantes, que comumente circulam pelas cidades, no turno da noite, distribuindo
alimento, não apenas para pessoas em situação de rua, mas também para outras pessoas em
situação de vulnerabilidade social. A maioria desses projetos concentra-se no município de
Natal, e apresenta relações de proximidade com a população em situação de rua que atende.
Esse resultado chama a atenção para o fato de que essas iniciativas estão preenchendo lacunas
deixadas pelo poder público na garantia de maior segurança alimentar à população em situação
de rua no Rio Grande do Norte. Nesse sentido, o reconhecimento desses projetos pelo Estado
poderia, em alguma medida, dar-lhes melhores condições de atuação em proporcionar o acesso
ao alimento a essas pessoas.
No tocante ao Centro POP, é inegável a importância desse equipamento não apenas no
acesso da população em situação de rua à alimentação, mas também à assistência social. No
entanto, o que ele proporciona, ao menos em termos de alimentação, está aquém da necessidade
apresentada pela realidade. Isso se dá, certamente, pela quantidade reduzida desses equipamentos
no estado. Há, em Natal, um único Centro POP, localizado na Zona Leste da cidade, que atende
um máximo de 100 pessoas por dia. O outro Centro POP do Rio Grande do Norte está em
Parnamirim, com capacidade de atender um máximo de 30 pessoas por dia. Uma expansão da
oferta desse equipamento poderia contribuir, também, com o acesso da população em situação
de rua à alimentação, permitindo-lhe um maior grau de segurança alimentar.
Um último comentário pode ser feito no que diz respeito aos Restaurantes Populares. É
inegável, a partir dos dados apresentados, a importância desse serviço no acesso à alimentação
pela população em situação de rua. Contribui para isso, também, a decisão do Governo do Estado
em garantir que esse público terá acesso a Restaurantes Populares sem precisar pagar o valor
de R$1,00 cobrado ao público geral, e aos Cafés Cidadãos e Sopas Cidadãs sem precisar pagar o
valor de R$0,50 normalmente cobrado. No entanto, havia mais de uma área com concentração de
pessoas em situação de rua em que não há nenhuma oferta próxima, desses serviços, a exemplo
da Vila de Ponta Negra, em Natal. Além disso, foi observado que o cadastro desse público para
usufruir da garantia à gratuidade depende de determinados equipamentos da assistência social de
cada município e, em mais de um município, foi comum que a equipe de pesquisadores se deparasse
com indivíduos cadastrados como pessoas em situação de rua nos restaurantes populares que, no
entanto, responderam que são domiciliados, embora em situação de vulnerabilidade social. Esse
aspecto da execução da política pública pode precisar ser revisto, já que, sobretudo em Natal,
foram observados restaurantes cuja capacidade máxima de cadastros para gratuidade havia sido
atingida. Isso pode fazer com que pessoas em situação de rua tenham permanecido sem acesso a
esses serviços e, consequentemente, vivam em uma situação de maior insegurança alimentar.

125
3.7 ACESSO À ASSISTÊNCIA SOCIAL
A assistência social no país ganha um novo contorno com o advento da Constituição Federal
de 1988 (CRUZ; GUARESCHI, 2014). As políticas de assistência social que antes eram voltadas
a ações de caridade e filantropia, adquirem um caráter de política pública de proteção social,
impondo um caráter de direito e obrigatoriedade do Estado (YAMAMOTO; OLIVEIRA, 2014). A
assistência social se consolidou no Brasil em 1993 com a aprovação da Lei Orgânica de Assistência
Social (LOAS) e com a elaboração do Plano Nacional de Assistência Social (PNAS) em 2004.
No entanto, é somente em 2005 que ocorre a aprovação do Sistema Único de Assistência
Social (SUAS) que surge com o objetivo de unificar as ações de assistência social em todo o país
e, conforme preconiza a PNAS (2004) as ações socioassistenciais têm como intuito a garantia dos
mínimos sociais de acordo com as desigualdades territoriais. Assim, de acordo com o MDS (2005),
o SUAS se organiza em dois níveis de complexidade diferentes: a Proteção Social Básica (baixa
complexidade), que conta como equipamento público o Centro de Referência de Assistência Social
(CRAS), e a Proteção Social Especial (PSE) que é dividida em dois níveis de complexidade: a proteção
social especial de média complexidade e de alta complexidade. A PSE de média complexidade
é destinada a famílias e indivíduos que tenham seus direitos violados, cujos vínculos familiares
e comunitários não foram completamente rompidos e tem como equipamento de referência o
Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) (MDS, 2005).
Particularmente em relação às pessoas em situação de rua, a PSE oferta o Serviço

126
Especializado para Pessoas em Situação de Rua no Centro POP. Esse equipamento socioassistencial
tem como objetivo possibilitar a construção de novos projetos e trajetórias de vida, visando à
construção do processo de saída das ruas e o alcance da referência como sujeitos de direitos. Vale
salientar que essa incorporação de um serviço específico para a PSR no SUAS só aconteceu em
2009, através do decreto Decreto nº 7.053/2009 que institui a Política Nacional da Situação de
Rua e da Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. (MDS, 2013)22. Caso o município não
tenha Centro POP, o serviço especializado à pessoa em situação de rua é realizado pelo CREAS,
através da abordagem social.
Se considerarmos todos os dados analíticos que englobam a proteção social das pessoas
em situação de rua fica evidente que a política de assistência social, especialmente a de média
complexidade, deve trabalhar de forma intersetorial na articulação dos serviços em vista à
garantia de direitos dos seus usuários. Essa difícil tarefa de articulação intersetorial por si só
fornece diversos pontos para análise. No entanto, vale salientar que os dados discutidos neste
tópico referem-se ao acesso da PSR do Rio Grande do Norte aos serviços socioassistenciais.
Por seu turno, a apresentação dos dados a seguir não se propõe a esgotar as inúmeras variáveis
analíticas da relação entre população em situação de rua e assistência social, mas de apresentar
problematizações acerca do acesso da PSR a esses equipamentos socioassistenciais.
Sendo assim, o Censo da População em Situação de Rua do RN contou, no instrumento
de pesquisa, com um bloco específico sobre o acesso da PSR aos serviços socioassistenciais. Os
dados dos respondentes sobre ter sido atendido por algum serviço socioassistencial nos últimos
6 meses, indicam que:
QUADRO 65: ACESSO AOS SERVIÇOS SOCIOASSISTENCIAIS DO SISTEMA ÚNICO
DE ASSISTÊNCIA SOCIAL POR PARTE DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA.
Porcentagens Sobre o Acesso ao Sistema Socioassistencial
Não Fui Atendido por Nenhu-
527 40,29%
ma Instituição
Centro POP 341 26,07%
CRAS 312 23,85%
Abrigo/Albergue para Popu-
lação Adultos e Famílias em 120 9,17%
Situação de Rua
Consultório na Rua 123 9,4%
CREAS 153 11,7%
Unidade de Acolhimento 126 9,63%
Equipe de Abordagem Social 77 5,89%
CAPS 43 3,29%
Cadastro Único 37 2,83%
Conselho Tutelar 13 0,99%

²² Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua – Centro POP,
Ministério do Desenvolvimento Social, 2013.
127
Defensoria Pública 12 0,92%
Ministério Público 5 0,38%
Agente Comunitário de Saúde 5 0,38%
Centro Dia 4 0,3%
Acessuas Trabalho 3 0,23%
Serviço de Centro Dia 1 0,07%
Abrigo Para Mulheres Vítimas
3 0,23%
de Violência
Abrigo para Crianças e Ado-
2 0,15%
lescentes
Serviço de Orientação e
Apoio Especializado a Crian- 1 0,07%
ças, Adolescentes e Famílias
Centros e Grupos de Convi-
1 0,07%
vência Para Idosos
Serviço de Acompanhamen-
to Social a Adolescentes em
Medida Socioeducativa de 1 0,07%
Prestação de Serviços à Co-
munidade
Abrigo para Pessoas Idosas 1 0,07%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.
Os números aqui apresentados revelam um dado preocupante: a maioria da população em
situação de rua, correspondente a 527 pessoas, afirmaram não ter sido atendidas por nenhuma
entidade socioassistencial nos últimos seis meses. O que se espera é que esse dado fosse
justamente o contrário, já que a função dos serviços socioassistenciais é fornecer proteção social
à essa população, principalmente durante o período pandêmico, conforme foi detalhado no item
3.1 deste relatório. Esse dado indica que houve, no Rio Grande do Norte, uma ineficiência no
atendimento à PSR, por parte dos equipamentos socioassistenciais.
Se combinados os dados das pessoas que foram atendidas pelo CRAS e Centro Pop e CREAS,
temos um número expressivo de pessoas que foram assistidas pelos serviços socioassistenciais,
mas, considerando que essa é uma alternativa de múltipla escolha, o respondente poderia
responder a mais de uma alternativa. Em linhas gerais, a tendência é que a população em situação
de rua não tenha sido atendida adequadamente pelos serviços da assistência social. O que aponta
para a urgência em planejar ações com equipes técnicas desses serviços, no intento de tentar
sanar as possíveis lacunas que tenham causado a desproteção dessas pessoas.
Ainda sobre o atendimento nos serviços socioassistenciais, no questionário de amostra o
respondente que informou ter sido atendido por algum serviço da assistência social, nos últimos

128
seis meses, poderia também fazer uma avaliação do atendimento recebido, conforme expressa o
seguinte gráfico.
IMAGEM 19: AVALIAÇÃO DAS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA AO ATENDIMENTO
NOS EQUIPAMENTOS SOCIOASSISTENCIAIS.

Margem de erro de 10%


Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.
Os dados obtidos indicam que, de forma geral, as pessoas que acessaram os serviços
socioassistenciais consideraram o atendimento satisfatório, de modo que, mesmo que se efetue
uma somatória daqueles que avaliaram o atendimento nos serviços socioassistenciais como:
Ruim, Péssimo ou Regular, ainda assim, não se evidenciaria significância estatística diante dos que
afirmaram que o atendimento foi Ótimo e Bom. Esse é um ponto interessante se combinado os
dados sobre uma pergunta específica do questionário de amostra que diz respeito à informação
sobre o papel da rede socioassistencial. A maioria das pessoas, 36,7%, responderam que durante
o atendimento não foram informadas sobre nada, seguido de 33,03% que responderam ter
sido adequadamente informados. No entanto, opções como: fui informado sobre poucas coisas
(11,93%); fui informado sobre algumas coisas, mas tive dúvidas - 12 (11,01%) e fui informado sobre
várias coisas, mas tive dúvidas - 8 (7,34%), se somadas, indicam que as pessoas que passaram por
atendimento nos serviços socioassistenciais citados anteriormente, embora tenham classificado
como, ótimo ou bom, não entenderam o papel da rede e nem de seus direitos. Sobre isso pode-se
levantar duas hipóteses: Há uma tendência de os usuários da assistência social ainda enxergarem
os serviços prestados como uma benesse do Estado e não como um direito que lhe é assegurado.
Assim como talvez a resposta positiva sobre o atendimento, diga respeito à resolução do problema
específico, o qual os levam até o serviço. Todavia, é necessário um estudo mais aprofundado sobre
essa relação.
Às pessoas respondentes do questionário básico e de amostra foi perguntado sobre a
existência de alguma dificuldade no atendimento no CRAS, CREAS e/ou Centro POP, as respostas
indicaram que 501 pessoas disseram não ter dificuldade no atendimento, seguido de 328 pessoas

129
que nunca procuraram esses serviços. 327, informaram que tiveram dificuldade no atendimento
e 123 pessoas não sabem o que são esses serviços. Em dados percentuais, pode-se observar o
gráfico a seguir.
IMAGEM 20: AVALIAÇÃO DO ATENDIMENTO NO CRAS, CREAS E CENTRO POP.

Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Sobre isso há dois elementos interessantes para se analisar. O primeiro é a constatação


de que a maioria das pessoas disseram não terem enfrentado problema para seu atendimento, o
que indica que quando se tem acesso aos serviços socioassistenciais, o atendimento é satisfatório
e efetivo. No entanto, um dado chama a atenção. Combinando a quantidade de pessoas que
responderam que nunca procuraram esses serviços, 25,6% com as pessoas que disseram não
saber o que são esses serviços, 9,6%, em quantitativo de pessoas temos 451 pessoas que não
estão inseridas nos serviços socioassistenciais. Esse dado serve para reiterar a discussão feita
anteriormente de que os programas da assistência social têm apresentado uma ineficiência na
efetivação de prestação de seus serviços. Em outros termos, a população em situação de rua no
Rio Grande do Norte, tem um acesso precarizado às políticas públicas de assistência social.
Diante da problemática apresentada, é possível traçar o perfil das pessoas que foram
atendidas pelos serviços socioassistenciais, no intuito de compreender a trajetória e tessituras
que fazem pelo serviço, bem como compreender o perfil das pessoas que não tiveram acesso às
políticas de assistência social. Para tanto, o quadro abaixo apresenta esses dados:

130
QUADRO 66: REGRESSÃO LOGÍSTICA COM O FATO DE O ENTREVISTADO NÃO TER
SIDO ATENDIDO POR NENHUM SERVIÇO SOCIOASSISTENCIAL NOS SEIS MESES ANTE-
CEDENTES À ENTREVISTA COMO VARIÁVEL DEPENDENTE.
Associação
Variáveis Descrição da Variável
Observada
Idade Escala em Anos - 1,8%
Raça 0 = não-negro, 1 = negro + 1,3%
Gênero 0 = homem, 1 = mulher - 12,5%
Orientação Sexual 0 = heterossexual, 1 = não-heterossexual - 25,9%
Capital/Interior+ 0 = interior, 1 = Natal - 25,1%+
Litoral/Interior*** 0 = interior, 1 = litoral + 277%***
Grau de Escolarida-
Escala de 1 A 10 - 10,2%***
de***
Tempo em Situação
Escala de 1 A 6 - 13,5%***
de Rua***
A Pessoa Possui Certidão de Nascimento ou de
Certidão de Nasci-
Casamento? + 40,2%*
mento*
0 = Não, 1 = Sim
Carteira de Identida- A Pessoa Possui Carteira de Identidade?
+ 50,7%**
de** 0 = Não, 1 = Sim
+
p < 0,1 *p < 0,05 **p < 0,01 ***p < 0,001 R2 = 0,111 (11,1%)
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Para chegar ao resultado apresentado, foi feito o cruzamento de dados com variáveis
controladas, sendo estas: Idade, gênero, raça, diferenças territoriais (capital/interior e litoral e
interior), escolaridade, tempo em situação de rua, e condição da ausência de Carteira de Identidade
e Certidão de Nascimento. Com isso, os resultados com significância estatística foram:
a) Diferenças territoriais: Os dados demonstram que o fato de a pessoa em situação de
rua, estar no território litoral implica em uma probabilidade maior de 277% de não ter
sido atendida nos últimos meses por nenhum equipamento da assistência social. Com
exceção de Natal, que é uma cidade litorânea, mas, dentro do recorte territorial dessa
pesquisa entra como capital, há uma maior probabilidade de pessoas que estão na região
litoral do Rio Grande do Norte não terem contato com os serviços socioassistenciais. (à
exceção de Natal, nas outras cidades litorâneas há uma probabilidade maior das pessoas
não terem sido atendidas). Pessoas que estão no litoral têm maior probabilidade de não
terem contato com os equipamentos socioassistenciais, isso pode estar relacionado com
o fato de que essas regiões são as que a PSR apresenta maior rotatividade, fato esse que
pode estar relacionado com a fragilização da vinculação dessa população com os serviços
socioassistenciais.

131
b) Escolaridade: Um dado relevante que a pesquisa apresenta é que quanto maior a
escolaridade maior a probabilidade de a pessoa em situação de rua ter sido atendida por
algum equipamento da assistência social. Ou seja, isso leva a considerar que as pessoas
com menor grau de escolaridade têm em média menos acesso às políticas públicas de
assistência social. Talvez pela falta de informação e, consequentemente, de acesso a esses
serviços.

c) Tempo em situação de rua: No quadro anterior é possível notar que, quanto maior o tempo
em situação de rua, menor a probabilidade de a pessoa não ter sido atendida. Quer dizer
que quanto mais tempo a pessoa está em situação de rua, mais chances ela tem, em média,
de ter passado por algum equipamento da assistência social.

d) Não possuir Certidão de Nascimento ou RG: Ambas as variáveis estão associadas a uma
probabilidade maior de não terem sido atendidas pelos equipamentos de assistência
social. Ou seja, pessoas que não possuem documentação, em regra, tendem a não fazer
contato com os serviços socioassistenciais. Esse fato pode ser explicado em razão de
serviços de assistência social serem o local o qual realizam atendimento/acompanhamento
especializado a essa população e, ter documentos básicos, é um fator determinante para
que a pessoa seja inserida nos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família/
Auxílio Brasil.

Ou seja, as estatísticas citadas acima revelam que as pessoas que não tiveram acesso aos
serviços socioassistenciais, seja porque não conhecem, ou porque não procuraram, são em sua
maioria, pessoas que estão na área litorânea do estado, que estão há mais tempo em situação
de rua, que possuem menor índice de escolaridade e não possuem documentação básica como
Registro de Identidade e Certidão de Nascimento.
3.7.1 Unidades de acolhimento
Considerando que as unidades de acolhimento são um importante equipamento da Proteção
Social Especial, responsável pelo acolhimento, alimentação, guarda de pertences e atendimento
social a pessoas adultas em situação de rua, essa pesquisa buscou compreender as questões
pertinentes ao acesso da PSR a esse serviço no estado. A respeito da forma como as unidades
de acolhimento foram utilizadas pela PSR, os dados indicam que 805 pessoas, correspondente a
62,35% disseram não utilizar as unidades de acolhimento. O gráfico a seguir apresenta a forma
como as unidades de acolhimento foram utilizadas pela PSR:

132
IMAGEM 21: FORMA COMO AS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA UTILIZAM AS UNI-
DADES DE ACOLHIMENTO.

Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.


As evidências que os dados indicam, são extremamente relevantes, uma vez que
demonstram que a população em situação de rua, em sua maioria, não tem tido acesso às unidades
de acolhimento, apresentando uma tendência dessa ocorrência, por falta de vagas.
Não obstante, os índices descritos permitem fazer um levantamento do perfil das pessoas
que utilizam unidades de acolhimento. Para este fim, foi feito um cruzamento de dados com
variáveis controladas, sendo: escolaridade, idade, gênero, raça e tempo em situação de rua.
QUADRO 67: REGRESSÃO LOGÍSTICA COM O FATO DE O ENTREVISTADO TER
SIDO ATENDIDO POR UNIDADE DE ACOLHIMENTO NOS SEIS MESES ANTECEDENTES À
ENTREVISTA COMO VARIÁVEL DEPENDENTE.
Variáveis Descrição da Variável Associação Observada
Idade+ Escala em Anos + 1,6%+
Raça 0 = não-negro, 1 = negro - 17,5%
Gênero 0 = homem, 1 = mulher - 35%
0 = heterossexual,
Orientação Sexual + 30,5%
1 = não-heterossexual
Grau de Escolaridade** Escala de 1 A 10 + 16,4%**
Tempo Em Situação de Rua** Escala de 1 A 6 + 20%**
+
p < 0,1, **p < 0,01, R2 = 0,048 (4,8%)
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.
Como se pode observar, os índices no quadro apresentam duas variáveis como evidência
forte: escolaridade e tempo em situação de rua, e uma variável (idade) com evidências fracas, mas

133
que, ainda assim, são consideráveis.
Os números mostram que à medida que cresce o grau de escolaridade, a probabilidade das
pessoas utilizarem as unidades de acolhimento crescem em 16,4%, indicando que pessoas com
mais escolaridade apresentam maior tendência a utilizar esses serviços. Não obstante, as pessoas
com mais tempo em situação de rua apresentam uma probabilidade 20% maior de utilizarem
unidades de acolhimento, assim como as pessoas mais velhas tendem a ter um maior acesso às
unidades de acolhimento. Em outras palavras, as pessoas em situação de rua que mais têm acesso
às unidades de acolhimento são justamente as que têm um maior grau de escolaridade, mais tempo
em situação de rua e uma idade mais avançada. É interessante notar que nos dados apresentados
nesse tópico de acesso à assistência social há uma forte tendência a pessoas que têm um maior
grau de escolaridade acessarem todos os serviços e receberem mais benefícios/auxílios.
É mister destacar que, no que tange o acesso às unidades de acolhimento, o Estado
apresenta um altíssimo déficit de vagas. As pessoas em situação de rua, em sua maioria, não
acessam o serviço porque não há vagas. Para exemplificar o quão alarmante esse dado chega a
ser, temos um total de 2.202 pessoas em situação de rua no Rio Grande do Norte, sendo que
apenas 120 pessoas informaram que foram acolhidas em albergues nos últimos seis meses e 805
disseram que, em algum momento, já utilizaram serviços das unidades de acolhimento. Há então a
necessidade urgentemente na ampliação da quantidade de vagas desses equipamentos.

3.7.2 O atendimento das pessoas em situação de rua no CRAS, CREAS e Centro POP
Os quadros seguintes fazem referência ao acesso das pessoas ao CREAS, CREAS e Centro
POP, serviços da assistência social. Os dados buscam analisar o perfil das pessoas que relataram
que tiveram dificuldade no atendimento, as que nunca procuraram os serviços e as pessoas que
não sabem o que são esses serviços. Cumpre ressaltar que todos os quadros foram feitos através
de dados cruzados com as mesmas variáveis: idade, raça, gênero, orientação sexual, escolaridade,
tempo em situação de rua e território:
QUADRO 68: REGRESSÃO LOGÍSTICA COM O FATO DE O ENTREVISTADO TER
DIFICULDADE EM SER ATENDIDO NO CRAS, CREAS OU CENTRO POP COMO VARIÁVEL
DEPENDENTE.
Variáveis Descrição da Variável Associação Observada
Idade+ Escala Em Anos - 1,1%+
Raça 0 = não-negro, 1 = negro - 21,3%
Gênero 0 = homem, 1 = mulher + 20,2%
0 = heterossexual,
Orientação Sexual - 27,5%
1 = não-heterossexual
Grau de Escolaridade* Escala De 1 A 10 + 8,5%*
Tempo em Situação de Rua Escala De 1 A 6 + 2,4%
Capital/Interior* 0 = interior, 1 = Natal + 62%*

134
Litoral/Interior 0 = interior, 1 = litoral - 3,6%
+
p < 0,1, *p < 0,05, R2 = 0,034 (3,4%)
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

No geral, o quadro 68 aponta que pessoas jovens e com maior escolaridade reportaram,
em média, maior dificuldade em ser atendido nesses serviços. Outro dado expressivo e que
chama bastante atenção é que as pessoas em situação de rua que transitam na capital reportam
maior dificuldade no atendimento aos serviços socioassistenciais. A priori, isso pode revelar a
precarização desses serviços nesse território específico.

QUADRO 69: REGRESSÃO LOGÍSTICA COM O FATO DE O ENTREVISTADO TER PROCU-


RADO SERVIÇOS COMO CRAS, CREAS OU CENTRO POP COMO VARIÁVEL DEPENDENTE.
Variáveis Descrição da Variável Associação Observada
Idade+ Escala em Anos - 1,1%+
Raça 0 = não-negro, 1 = negro - 1%
Gênero 0 = homem, 1 = mulher - 18,3%
0 = heterossexual,
Orientação Sexual - 7,9%
1 = não-heterossexual
Grau de Escolaridade+ Escala de 1 A 10 - 6,3%+
Tempo em Situação de Rua** Escala de 1 A 6 - 1,04%**
Capital/Interior 0 = interior, 1 = Natal + 13,5%
Litoral/Interior+ 0 = interior, 1 = litoral + 57,2%+
+
p < 0,1, **p < 0,01, R2 = 0,031 (3,1%)
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Nesse ponto, pode-se observar que o tempo em situação de rua é um dado expressivo,
tendo em vista que as pessoas que estão em situação de rua há mais tempo, têm uma probabilidade
menor de nunca terem procurado esse serviço em algum momento. Além disso, quanto mais
avançada a idade, menor a probabilidade de nunca terem acessado esses equipamentos
socioassistenciais. Seguido disso, os números sugerem que as pessoas que estão na área litorânea
têm uma probabilidade 57,2% maior de nunca terem procurado esses serviços. Ou seja, esse dado
se complementa com o dado referente ao atendimento nos últimos seis meses, onde, a pessoa
estar no litoral implica uma probabilidade maior de 277% de não ter sido atendida nos últimos
meses por nenhum equipamento da assistência social.
Um dado interessante que serve para explicar esse fenômeno específico é que nas cidades
do litoral, existe a probabilidade de 57,2% das pessoas em situação de rua não saberem o que são
esses serviços.
Ou seja, os dados indicam que existe uma maior possibilidade de, as pessoas que estão

135
em situação de rua na região litorânea, não terem sido atendidas nos últimos seis meses, pelos
serviços socioassistenciais, porque não procuram os serviços justamente por não saberem da
sua existência. Essas informações podem inferir que os serviços de abordagem social da PSE não
estão se efetivando de maneira satisfatória.
Já os dados relativos às pessoas que não sabem o que são esses serviços, indicam o que se
segue.

QUADRO 70: REGRESSÃO LOGÍSTICA COM O FATO DE O ENTREVISTADO NÃO SABER O


QUE É CRAS, CREAS OU CENTRO POP COMO VARIÁVEL DEPENDENTE.
Variáveis Descrição da Variável Associação Observada
Idade Escala Em Anos + 0,1%
Raça 0 = não-negro, 1 = negro + 18,3%
Gênero* 0 = homem, 1 = mulher - 45,2%*
0 = heterossexual,
Orientação Sexual - 0,9%
1 = não-heterossexual
Grau de Escolaridade*** Escala de 1 A 10 - 19,2%***
Tempo em Situação de Rua Escala de 1 A 6 - 2,7%
Capital/Interior+ 0 = interior, 1 = Natal - 35,8%+
Litoral/Interior* 0 = interior, 1 = litoral + 90,2%*
+
p < 0,1, *p < 0,05, ***p < 0,001, R2 = 0,041 (4,1%)
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Ao realizar a análise, pode-se inferir que três variáveis apresentam uma boa significância
estatística: Gênero, escolaridade e território. As mulheres apresentam uma maior probabilidade
de saber quais são esses serviços, o que pode ser associado com o dado de que, as mulheres têm
mais acesso aos auxílios e benefícios do que os homens. Além disso, quanto maior o grau de
escolaridade, maior a possibilidade de se ter conhecimento a respeito do CRAS, CREAS e Centro
POP. Há também, uma diferença territorial que merece destaque: nas cidades do litoral, há uma
probabilidade de 90,2% de as pessoas em situação de rua que transitam naquele ambiente,
desconhecerem esses serviços. Já em Natal, existe uma probabilidade 43,8% menor de que as
pessoas não tenham conhecimento sobre esses equipamentos socioassistenciais, o que demonstra
que a PSR que vive na capital, em relação ao interior, tem um conhecimento maior acerca dos
serviços socioassistenciais.

136
3.8 ACESSO À SAÚDE
No Brasil o direito universal à saúde é relativamente recente. Foi apenas no período de
retorno do país ao regime democrático, com a Constituição Federal de 1988 que a saúde foi
transformada em direito de cidadania, dando origem ao processo de criação do Sistema Único de
Saúde (SUS), um sistema público, universal e descentralizado de saúde (PAIVA; TEIXEIRA, 2014). O
SUS foi regulamentado pelas Lei 8.080 e 8.142 em 1990. Anteriormente, conforme aponta Jorge e
Ricci (2022), a história da saúde pública no país ficava a cargo de ações pontuais do Estado, diante
das epidemias ou doenças específicas da população e, para as pessoas que não contribuem com a
previdência social, a saúde era acessada por ações filantrópicas.
Com o advento do SUS, conforme explicam Vasconcelos e Posche (2014) foram organizados
princípios e diretrizes para a saúde no Brasil, esta adquire um caráter universal que garante a todos
os cidadãos o direito à saúde e acesso a todos os serviços ofertados pelo sistema sem discriminação.
Esse sistema, segundo os autores, é complexo e tem como responsabilidade, articular ações de
promoção, prevenção e reabilitação em saúde. Nesse período de 31 anos de existência, o SUS
encontrou diversos desafios para sua consolidação. Um desses desafios é justamente a garantia do
acesso igualitário aos serviços de saúde, tendo em vista que, embora os artigos da CF assegurem
esse direito (CARVALHO, 2013), as pessoas em situação de rua, enfrentam barreira no acesso a
esses serviços em detrimento da burocracia e dos processos de estigmatização e preconceito que
vivenciam, dada à situação de rua (JORGE; RICCI, 2022).

137
Traçando uma linha do tempo, apenas em 2009 foram criadas portarias e políticas públicas
específicas para a População em Situação de Rua no Brasil, mais especificamente a PNPSR - Política
Nacional para a População em Situação de Rua, que foi instaurada através do Decreto nº 7.053,
de 23 de dezembro de 2009. A PNPSR surge para garantir à População em Situação de Rua, o
amplo acesso aos serviços e programas das políticas públicas. Um marco importante no avanço da
garantia de direito à saúde da PSR foi a Portaria MS/GM n° 3.305 em 2009, que institui o Comitê
Técnico de Saúde para essa população (BRASIL, 2014). No que diz respeito às transformações
causadas no âmbito das políticas de saúde no Brasil, à luz de Jorge e Ricci (2022), é recente a
organização dos serviços de saúde para a garantia dos direitos da PSR, de modo que foi apenas
em 2012, com a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) que foi atribuída a responsabilidade
sobre a atenção à saúde das pessoas em situação de rua a todos os dispositivos de SUS.
Diante desse cenário, o Censo da População em situação de Rua do Rio Grande do Norte,
buscou compreender como se dá o acesso à saúde da PSR no estado, bem como dados relativos
ao processo de adoecimento, vacinação e uso de álcool e outras drogas. Com os dados coletados
pelos questionários aplicados à população em situação de rua no RN, algumas tendências podem
ser observadas. Foi possível identificar, entre os respondentes dos questionários básicos e de
amostra, o relato de 1549 casos de problemas de saúde e deficiência, sendo estes:
QUADRO 71: PROBLEMAS DE SAÚDE REPORTADOS PELAS PESSOAS EM SITUAÇÃO
DE RUA NO RIO GRANDE DO NORTE.
Quantidade de Pessoas
Problemas de Saúde
(n°) (%)
Dores Crônicas 323 20,85%
Problemas de Saúde Bucal 224 14,46%
Depressão 220 14,2%
Doenças do Aparelho Digestivo 167 10,78%
Consequência de Acidentes 166 10,72%
Hipertensão 148 9,55%
Doenças Respiratórias 130 8,39%
Outros 105 6,78%
Diabetes 72 4,65%
Alergias 56 3,61%
Doença Cardíaca 51 3,29%
Tuberculose 35 2,26%
HIV/AIDS 33 2,13%
Doenças de Pele 22 1,42%
Hepatite 19 1,23%
DST’s 16 1,03%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

138
Sobre deficiência, as respostas foram as seguintes:
QUADRO 72: DEFICIÊNCIAS REPORTADAS PELAS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA
NO RIO GRANDE DO NORTE.
Quantidade de Pessoas
Você Possui Alguma Deficiência?
(n°) (%)
Não tem nenhuma deficiência 760 57,49%
Dificuldade em enxergar 314 23,75%
Dificuldade em caminhar 252 19,06%
Dificuldade em ouvir 112 8,47%
Transtorno mental 90 6,81%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Como é possível observar, os dados indicam que os três problemas de saúde mais apontados
pelas pessoas em situação de rua no Rio Grande do Norte foram: dores crônicas, apontado por
323 pessoas, seguido de problemas de saúde bucal e depressão. Diante da escassez de dados
brasileiros oficiais sobre a PSR, não há como fazer um comparativo com a realidade do país ou do
estado. No entanto, existe a possibilidade de comparar os indicadores de doenças apresentados
no quadro com os dados disponibilizados pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário,
relativos à pesquisa nacional da PSR, realizada entre 2007 e 2008. Os dados dessa pesquisa foram
divulgados em 2012 pelo I Censo e Pesquisa Nacional sobre População de Rua e, os problemas de
saúde mais relatados são: hipertensão (10,1%), problema psiquiátrico (6,1%), HIV/AIDS (5,1%) e
problemas de visão (4,6%). Problemas respiratórios também são recorrentes.
Esse comparativo indica que no Rio Grande do Norte há uma mudança nas doenças mais
frequentes. Percebe-se que os índices de HIV/AIDS caem consideravelmente de uma pesquisa
para outra, o que talvez indique que as políticas de prevenção estejam sendo positivas. No entanto
a hipertensão continua com um valor consideravelmente alto, assim como se combinado os
índices de depressão (12,3%) com Transtorno mental (6,81%), se iguala na categoria das doenças
mais recorrentes, sendo, na realidade do RN, um dado alarmante. A partir do cruzamento desses
dados com os dados fornecidos pelo questionário de amostra23 em uma pergunta específica
sobre tratamento ou acompanhamento no CAPS, tem-se que, apenas 21 (16,03%) pessoas que
afirmaram já terem feito tratamento no CAPS, e somente 9 pessoas (6,87%) responderam fazer
o tratamento atualmente. Destarte, essa relação entre os dados permite levantar a hipótese da
precarização da rede de atenção psicossocial em saúde mental. Indica também uma necessidade
urgente de estratégias que visem ao fortalecimento dessa rede para que possa assistir às pessoas
em situação de rua que têm transtorno mental.
No que tange às pessoas em situação de rua com deficiência ressalta-se que, embora a
maioria não apresente problemas, os dados indicam que uma quantidade significativa dessa
população possui algum tipo de deficiência. Além disso, no questionário de amostra, 62 pessoas
(82,67%), o que corresponde à maioria dessas pessoas, indicaram na pergunta sobre a necessidade

²³ Resultados com margem de erro de 8%

139
de cuidados que não recebem cuidados de ninguém. Isso revela a urgência na necessidade de se
pensar no fortalecimento de políticas públicas que deem conta de estratégias de cuidados para
esse grupo específico.
No que diz respeito ao acesso à rede de saúde mediante adoecimento, entre os entrevistados
obteve-se 1542 respostas, cujos dados obtidos estão expressos no quadro 72.
QUADRO 73: RESPOSTAS SOBRE O QUE É FEITO OU ONDE SE VAI PARA TRATAR
PROBLEMAS DE SAÚDE.
O Que Você Faz/Onde Você Vai Para Tra- Quantidade de Pessoas
tar Seus Problemas de Saúde? (n°) (%)
Posto de Saúde/UBS 744 48,25%
Pronto Socorro/Hospital/ UPA 621 40,27%
Consultório na Rua/Agentes de Saúde 72 4,67%
Farmácias 89 5,77%
CAPS 61 3,96%
Ajuda de Outras Pessoas 15 0,97%
Remédios Caseiros 9 0,58%
Assistência Social 4 0,26%
Unidade de Acolhimento 4 0,26%
SAMU 3 0,19%
Médico Particular 1 0,06%
Nada 274 17,77%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Os dados evidenciam que a maior parcela da PSR, correspondente a 48,25%,


especificamente, 744 pessoas, estas procuram o Posto de Saúde/UBS quando precisam de
auxílio em decorrência dos processos de adoecimento. Esse dado é seguido de 621 (40,27%) que
recorrem ao pronto socorro/Hospital/UPA, equipamentos estes que se encontram, dentro dos
níveis hierárquicos do SUS, localizados na média complexidade. Observa-se que a procura pela
UBS, porta de entrada do SUS, embora seja maior, apresenta uma diferença pequena em relação
à procura pelos prontos-socorros e hospitais, que estão localizados na atenção secundária e
exigem um nível de especialidade maior. No entanto, com esses dados não é possível realizar uma
análise ao acesso de acordo com o princípio da hierarquização e descentralização do SUS, sendo
necessário, para isso, análises mais rebuscadas. Mesmo assim, é possível apontar a hipótese de que
a PSR recorre, a depender do nível de urgência, à unidade mais perto do local em que transitam.
Um dado que chama atenção é a combinação de pessoas que não procuram nada 274
(17,7%) com pessoas que recorrem a farmácias 89 (5,77%), isto é, pessoas que tentam, por si só,
resolver a situação de adoecimento. Esses dados, em geral, são maiores do que as pessoas que
procuram auxílio do consultório na rua 72 (4,67%). Esses números revelam um contrassenso, já
que o consultório na rua é justamente um serviço de atendimento de atenção primária à saúde,

140
específico para populações em situação de rua. No entanto, a PSR no Rio Grande do Norte, acessa
as políticas de saúde em sua maioria através da UBS, dos prontos socorros e, boa parte não procura
os serviços. Há, dentro desse fenômeno específico duas possibilidades: A quantidade reduzida de
consultório na rua do estado, já que apenas Natal, Mossoró e Parnamirim dispõem desse serviço;
e a ineficiência das equipes, que funcionam de forma reduzida, em suprir a demanda da PSR.
Para compreender melhor a atuação do Consultório na Rua em Relação à efetivação dos
direitos, foi realizado o cruzamento de dados com variáveis controladas, conforme demonstra o
quadro 74.
QUADRO 74: REGRESSÃO LOGÍSTICA COM O FATO DE O ENTREVISTADO POSSUIR
CARTÃO DE VACINA OU DO SUS COMO VARIÁVEL DEPENDENTE.
Variáveis Descrição da Variável Associação Observada

Ter Sido Atendido Pelo Con-


Consultório na Rua sultório na Rua Nos Últimos 06
- 4%
(06 Meses) Meses
0 = Não; 1 = Sim

Idade+ Escala em Anos - 4%+


Raça 0 = homem, 1 = mulher + 49,4%
0 = heterossexual, 1 = não-he-
Gênero* - 75,7%*
terossexual
Tempo em Situação de Rua Escala de 1 A 6 - 0,8%
A Pessoa Está em Comunidade
Comunidade Terapêutica* Terapêutica? - 89,3%*
0 = Não, 1 = Sim
Você Foi Atendido pela Equipe
da Abordagem Social pelos Últi-
Equipe da Abordagem Social - 59,1%
mos 06 Meses?
0 = Não, 1 = Sim
Capital/Interior** 0 = interior, 1 = Natal - 4,1%
Litoral/Interior** 0 = interior, 1 = litoral + 50,6%
+
p < 0,1, *p < 0,05, R2 = 0,178 (17,8%)
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.
As variáveis controladas utilizadas são: idade, raça, gênero, contato com consultório na
rua nos últimos seis meses, contato com abordagem social nos últimos seis meses, escolaridade,
diferenças territoriais.
Os coeficientes obtidos apontam que o contato com o consultório na rua não apresentou
relevância estatística no que tange o acesso da PSR ao cartão do SUS. Nesse ponto, cumpre refletir
que a falta de significância estatística pode ser compreendida como um dado sintomático, tendo
em vista que era de se esperar que esse cruzamento de dados tivesse relevância estatística, já que

141
o Consultório na Rua é um serviço do SUS específico para atendimento da PSR, sendo considerado
como a porta de entrada no sistema. Essa problemática se evidencia como mais preocupante
tendo em vista que o mesmo teste foi feito com a abordagem social24, mas com a variável da
Certidão de Nascimento, e os dados indicaram que as pessoas que são atendidas por esse serviço
da assistência social têm uma probabilidade 75,1% menor de não ter essa Certidão. Isto é, como
esperado, o serviço vem cumprindo o papel de inserir as pessoas no sistema de garantia de direito.
Porém, o mesmo não foi observado com o Consultório na Rua, no âmbito das políticas de saúde.
Um fator que merece destaque no que tange ao acesso à saúde da população em situação
de rua, diz respeito a uma pergunta específica do questionário de amostra25 que indaga sobre o
uso de algum medicamento contínuo: 42 pessoas (31,11%) responderam que sim e 93 (68,89%)
responderam que não. E, sobre o acesso a esses medicamentos, a maioria, 22 pessoas (53,66%)
informaram que não têm dificuldade em conseguir medicamentos novos. No entanto, um número
expressivo de pessoas tem dificuldade em conseguir medicamentos novos, 13 pessoas (31,71%)
e receitas novas, 3 pessoas (7,71%), seguido de 2 pessoas que (2,44%) informaram não sentir
necessidade de dar continuidade ao uso do medicamento e, por último, 1 pessoa (2,44%) disse ter
dificuldade em lembrar de tomar o medicamento.
Um dado interessante que o Censo da População em Situação de Rua do Rio Grande do
Norte apresentou é sobre como essas pessoas avaliam os serviços de saúde que utilizam. Esse
dado é específico das pessoas que responderam ao questionário de amostra26 e está expresso na
imagem seguinte.
IMAGEM 22: AVALIAÇÃO DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA SOBRE OS
SERVIÇOS DE SAÚDE.

Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Combinando os dados das respostas “bom” 35,7%; e “muito bom” 16,3%, os dois maiores
índices, conclui-se que a PSR avalia de forma bastante positiva os serviços de saúde prestados.
Em que pese, uma parte expressiva avalia de forma negativa, mas a soma das pessoas que avaliam
bem é superior. Há, portanto, a tendência de que a população em situação, esteja satisfeita com

²⁴ Serviço do SUAS, especificamente da Proteção Social Especial de Média Complexidade.


²⁵ Margem de erro de 8%
²⁶ A margem de erro é de 8%.
os serviços prestados. Isso indica a percepção dessa população sobre os serviços de saúde,
embora os dados apresentados nesse relatório indiquem um déficit enorme e a necessidade de
democratização do acesso à saúde.
Compreendendo que saúde não é somente ausência de doença, mas de acordo com a Organização
Mundial da Saúde, é o bem-estar físico, mental e social, existem outros indicadores de saúde que
foram contemplados no questionário de amostra do Censo da População em Situação de Rua, tais
como o uso de preservativos durante relação sexual. Os dados obtidos foram:
QUADRO 75: RESPOSTAS SOBRE O USO DE PRESERVATIVOS DURANTE AS
RELAÇÕES SEXUAIS.
A Respeito do Uso de Preser- Quantidade de Pessoas
vativos Durante as Relações
(n°) (%)
Sexuais
Sempre 66 57,49%t
Às Vezes 7 5,56%
Não Uso Porque Não Gosto 20 15,87%
Não Uso Porque Meu Parceiro
7 5,56%
Não Gosta
Não Uso Porque Não Tenho 3 2,38%
Não Uso, Não Sei Porque 4 3,17%
Não Tenho Relações Sexuais 19 15,08%
Margem de erro de 8%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

As questões de gênero pertinentes às mulheres também são indicadores do acesso à saúde.


Dentre as mulheres que responderam o questionário, apenas 19 (6,53%) estavam grávidas durante
a pesquisa e uma maioria expressiva de 272 mulheres (93,74%) afirmaram que não. No entanto,
um dado interessante a ser destacado é que, dentre essas 19 mulheres que estavam grávidas, 10
afirmaram estar fazendo acompanhamento pré-natal e 9 não. Essas evidências apontam para a
necessidade do desenvolvimento e fortalecimento de políticas públicas específicas para mulheres
em situação de rua.

3.8.1. Vacinação
A promoção de saúde engloba ações preventivas, tais como a vacinação contra doenças
específicas. Por isso, nessa pesquisa foi realizado um levantamento sobre a vacinação das pessoas
em situação de rua. Mediante o contexto pandêmico, algumas perguntas foram específicas sobre
as vacinas contra a covid-19. Perguntados sobre quais vacinas tomaram, as respostas foram (nos
casos em que há subdivisão, os percentuais se referem especificamente àquele tópico, não ao
universo todo):

143
QUADRO 76: RESPOSTAS SOBRE VACINAÇÃO.
Você Tomou Alguma Dessas Vaci- Quantidade de Pessoas
nas Ultimamente? (%) (n°)
Antitetânica 299 23,07%
Covid-19 Dose única 127 12,04%
(991) Duas doses 698 66,16%
(76,47%) Uma dose 136 12,89%
Influenza 339 26,16%
Hepatite B 190 14,66%
Tomei Vacina, mas não Lembro
47 3,23%
Qual
Nenhuma 294 22,68%
Não, Porque não Consegui 133 45,24%
Não, Porque não Quis 161 54,76%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

A partir dos dados apresentados nesse quadro, os índices de vacinação contra a covid-19
foram bastante significativos, indicando que a política de vacinação a essa população específica,
foi satisfatória. Conforme discorrido no tópico 3.1 desse relatório sobre o contexto pandêmico
e a sua importância nos impactos do cenário atual da PSR, não apenas no estado do RN, mas no
Brasil, cabe um destaque maior aos dados da vacinação dessa população contra a Covid-19.
Ainda que os índices de vacinação contra o Sars-Cov-2 tenham sido altos, cabe esmiuçar
os dados sobre o perfil das pessoas que tomaram e das que não tomaram a vacina. Para isso,
o quadro a seguir diz respeito ao perfil das pessoas que não tomaram a vacina, sendo utilizada
diversas variáveis controladas para o cruzamento desses dados, sendo estas: idade, gênero, raça,
escolaridade, território (capital x interior), não ter sido atendido por equipamentos da assistência
social e tempo em situação de rua.

QUADRO 77: REGRESSÃO LOGÍSTICA COM O FATO DE O ENTREVISTADO NÃO TER


TOMADO VACINA CONTRA COVID-19 COMO VARIÁVEL DEPENDENTE.
Associação
Variáveis Descrição da Variável
Observada
Idade+ Escala Em Anos - 1,1%+
Gênero+ 0 = heterossexual,
- 26,5%+
1 = não-heterossexual
Raça 0 = homem, 1 = mulher + 20%
Grau de Escolaridade*** Escala de 1 a 10 - 14,6%***
Capital/Interior 0 = interior, 1 = Natal - 20,4%

144
Litoral/Interior 0 = interior, 1 = litoral - 6,9%
Não Foi Atendido Por Nenhum 0 = foi atendido, 1 = não foi
+ 162,5%***
Serviço Socioassistencial*** atendido
Tempo em Situação de Rua Escala De 1 A 6 + 4,5%
+
p < 0,1
***p < 0,001
R2 = 0,093 (9,3%)
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

O quadro 77 apresenta, dentre todas as variáveis, apenas duas com boa significância
estatística, sendo estas: escolaridade e contato com serviços da assistência social nos últimos
seis meses. As evidências comprovam que as pessoas em situação de rua que têm um maior grau
de escolaridade, no geral, são as pessoas que se vacinaram mais. Dessa forma, quanto maior a
escolaridade, menor a chance de não ter se vacinado.
No que diz respeito a ter sido atendido(a) pelos serviços socioassistenciais nos últimos seis
meses, o dado obtido é bastante revelador, tendo em vista que revela um aumento em 162,5%
de chances da pessoa que não teve contato com nenhum equipamento do Sistema Único de
Assistência Social (CRAS, CREAS e Centro POP) nos últimos seis meses, não ter se vacinado. Ou
seja, isso indica que a Política de Assistência Social também é importante nas questões pertinentes
à vacinação.
As razões para isso repousam no fato de que dentro dos serviços da Proteção Social
Especial, há necessidade de uma atuação intersetorial com as outras políticas públicas, em especial
a política pública de saúde, no tocante ao atendimento à população em situação de rua. Assim
sendo, a inserção da PSR nos equipamentos do SUAS apresenta uma maior probabilidade de esse
usuário ser também assistido pelas políticas de saúde e, consequentemente, estar inserido nas
campanhas de vacinação.
Há ainda uma evidência em relação à idade: A cada ano de idade a chance de ter se
vacinado é reduzida. Isto é, quanto mais avançada for a idade da pessoa em situação de rua, menor
probabilidade de se vacinar. Outro dado que merece destaque é o recorte de gênero. No geral, as
mulheres se vacinaram mais que os homens. Sendo mulher, existe uma probabilidade menor de
26,5% de não ter se vacinado.
Dentro desse universo de pessoas que não quiseram tomar vacina, há um perfil específico
que deve ser levado em consideração: As pessoas em situação de rua que não conseguiram
se vacinar e as que não quiseram, já que, embora tenha sido o menor percentual, ainda assim,
foram registrados números expressivos, se combinados. Partindo disso, os quadros seguintes
contemplam o conjunto de características que podem levar a pessoa a não conseguir se vacinar ou
não querer se vacinar, respectivamente. As variáveis controladas utilizadas nesses dois quadros
foram: Diferenças territoriais (capital/interior, litoral/interior), raça, idade, gênero, escolaridade,
se foi assistida nos últimos seis meses pelo consultório na rua, UBS, CAPS, se está em comunidade
terapêutica ou se é assistida pelo Centro POP, CREAS, CRAS.

145
QUADRO 78: REGRESSÃO LOGÍSTICA COM O FATO DE O ENTREVISTADO NÃO TER
CONSEGUIDO TOMAR VACINA CONTRA COVID-19 COMO VARIÁVEL DEPENDENTE.
Variáveis Descrição da Variável Associação Observada
Idade+ Escala em Anos - 2,1%+
0 = heterossexual,
Gênero - 10,8%
1 = não-heterossexual
Raça 0 = homem, 1 = mulher - 17,5%
Grau De Escolaridade Escala de 1 a 10 - 7,1%
Capital/Interior 0 = interior, 1 = Natal - 13,8%
Litoral/Interior 0 = interior, 1 = litoral + 26,9%
Tempo em Situação de Rua Escala de 1 A 6 - 7,2%
Você Vai Em Postos de Saúde
ou UBS Para Resolver Proble-
Acesso À UBS + 2,5%
mas De Saúde
0 = Não, 1 = Sim
Ter Tido Contato Com o Con-
Consultório Na Rua / Agentes sultório Na Rua ou Agentes
+ 36,5%
de Saúde Comunitários de Saúde
0 = Não, 1 = Sim
A Pessoa Está em Comunidade
Comunidade Terapêutica* Terapêutica? + 181%*
0 = Não, 1 = Sim
Ter Tido Contato Com os
CRAS/PAIF CRAS/PAIF - 22,7%
0 = Não, 1 = Sim
Ter Tido Contato Com os
CREAS/PAEFI CREAS/PAEFI + 81,6%
0 = Não, 1 = Sim
Ter Tido Contato com o Centro
Centro POP POP + 9,1%
0 = Não, 1 = Sim
+
p < 0,1
*p < 0,05
R2 = 8,8%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

A análise dos dados dispostos nesse quadro, indicam duas variáveis estatísticas como
evidência. A primeira, é variável “estar em comunidade terapêutica’’, a qual indica o resultado mais
significativo. Os números indicam que a pessoa estar em uma comunidade terapêutica implica

146
em uma probabilidade 181% maior de não conseguir se vacinar. A segunda, é a variável da idade,
a qual embora, estatisticamente, se revele como uma evidência não tão significativa quanto a
citada anteriormente, apresenta potencial analítico. Sobre isso, os dados demonstram que, em
média, a PSR mais jovem não consegue se vacinar, ou seja, quanto mais velha, mais chances de ter
conseguido tomar a vacina.
QUADRO 79: REGRESSÃO LOGÍSTICA COM O FATO DE O ENTREVISTADO NÃO
QUERER TOMAR VACINA CONTRA COVID-19 COMO VARIÁVEL DEPENDENTE.
Variáveis Descrição da Variável Associação Observada
Idade+ Escala Em Anos + 2,3%+
0 = heterossexual, 1 = não-
Gênero + 15,9%
heterossexual
Raça 0 = homem, 1 = mulher + 19,3%
Grau de Escolaridade Escala de 1 a 10 + 8,1%
Capital/Interior 0 = interior, 1 = Natal + 13,7%
Litoral/Interior 0 = interior, 1 = litoral - 15,8%
Tempo em Situação de Rua Escala De 1 A 6 + 7,3%
Você Vai em Postos de Saúde
Ou UBS Para Resolver Proble-
Acesso À UBS - 6,9%
mas de Saúde
0 = Não, 1 = Sim
Ter Tido Contato Com O Con-
Consultório Na Rua / Agentes sultório Na Rua Ou Agentes
- 27,1%
de Saúde Comunitários de Saúde
0 = Não, 1 = Sim
A Pessoa Está em Comunidade
Comunidade Terapêutica* Terapêutica? - 64,3%*
0 = Não, 1 = Sim
Ter Tido Contato com os CRAS/
CRAS/PAIF PAIFS + 34,7%
0 = Não, 1 = Sim
Ter Tido Contato com os
CREAS/PAEFI CREAS/PAEFI - 52,8%
0 = Não, 1 = Sim
Ter Tido Contato com o Centro
Centro POP POP - 8,6%
0 = Não, 1 = Sim
+
p < 0,1, *p < 0,5, R2 = 0,093 (9,3%)
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

147
Já no quadro anterior, que se refere às pessoas em situação de rua que não quiseram se vacinar,
as mesmas variáveis citadas anteriormente demonstram evidências significativas. Fica explícito,
no quadro, que as pessoas que estão em comunidade terapêutica têm uma menor chance de não
querer se vacinar. Combinado esse dado com o citado acima, podemos afirmar que na realidade
do Rio Grande do Norte, as pessoas que estavam em comunidades terapêuticas tinham o desejo
de se vacinar, mas não conseguiram. Talvez isso possa ser explicado por duas hipóteses: A forma
como as Comunidades Terapêuticas funcionam não permitem uma abertura e diálogo com
os equipamentos de saúde do município onde ficam localizadas, ou a campanha da vacinação
contra covid-19 não deu conta desse grupo de pessoas que estão acolhidas nessas instituições,
apontando para uma falha na garantia do direito à saúde dessas pessoas. No entanto, diante da
complexidade que esse dado demonstra, tornam-se necessárias análises mais aprofundadas
sobre esse fenômeno.
Outro fator analítico de relevância a respeito desses dois grupos é o da idade. Em conformidade
com os dados apresentados, em regra, quanto maior a idade, maior a chance de a pessoa em
situação de rua não ter tomado a vacina contra covid-19. Isso indica que tanto os jovens aderiram
mais à vacinação, embora, como foi exposto, o grupo da PSR que tem a idade mais avançada tenha
tido mais acesso à vacinação. Ou seja, os dados indicam que há uma tendência de pessoas que
estão em situação de rua, mais velhas terem mais acesso à vacina, mas não quiseram se vacinar.
Outro dado interessante é que as mulheres, de forma geral, apresentaram uma tendência maior à
adesão da vacina do que os homens.

3.8.2 Uso de álcool e outras drogas


A problemática do uso abusivo de substâncias psicoativas tem reflexos significativos na
saúde pública e continua sendo um dos enormes desafios enfrentados na contemporaneidade. As
narrativas que envolvem as questões do uso de álcool e outras drogas são disputadas no campo
epistemológico e ideológico, de modo que os discursos conservadores acabam escamoteando os
reais problemas que o abuso dessas substâncias causa na vida de indivíduos e seus familiares. É
imprescindível destacar que, nessa pesquisa, álcool e cigarro foram considerados como drogas
lícitas e outras drogas como: maconha, inalantes, crack, cocaína e as demais, como drogas ilícitas,
seguindo o consenso científico a respeito da temática.
A OMS realizou, ainda em 2001, um levantamento o qual demonstrou que cerca de 10%
da população utiliza substâncias psicoativas, a depender do gênero, classe e etnia. No Brasil, o
estudo mais completo sobre o uso de álcool e outras drogas é o 3º Levantamento Nacional sobre
o Uso de Drogas Pela População Brasileira, realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz, 2019.
O respectivo relatório apontou que nos 12 meses anteriores à pesquisa, houve um aumento de
3,2% do consumo de substâncias ilícitas pelos brasileiros, o que equivale a 4,9 milhões de pessoas.
Entre os jovens esse percentual cresce vertiginosamente, chegando a 7,4%. Já que o uso de álcool
e outras drogas também é uma questão cultural que perpassa todas as classes, raças e gêneros, é
certo que repercute na população em situação de rua.
Esse tópico apresenta uma enorme relevância para a pesquisa em questão, tendo em vista
que a questão de álcool e outras drogas se configura como um gargalo no que tange às discussões

148
da população em situação de rua, tendo em vista que no imaginário social essa é a determinante
que geralmente associam como causa-efeito que levam as pessoas à condição de rua, de modo
que essa população sofre diversos tipos de violência e violações de direito por carregar o estigma
do “usuário de drogas”. Portanto, além de compreender as questões pertinentes ao uso de álcool
e outras drogas por parte da População em Situação de Rua do Rio Grande do Norte, esses dados
servirão como base, tanto no fortalecimento como na incrementação de Políticas de Atenção
Psicossocial nos municípios, uma vez que o uso o uso de álcool e outras drogas deve ser tratado
como um problema de saúde pública e não de segurança pública, como é, hegemonicamente, feito
no Brasil.
Dito isto, cabe apresentar os dados relativos ao uso de álcool e outras drogas pelas
pessoas que estão em situação de rua no Rio Grande do Norte. Em linhas gerais, 904 pessoas
relataram fazer uso de substâncias químicas lícitas e ilícitas e 396 negaram fazer uso. Os dados
mais esmiuçados podem ser observados no gráfico a seguir:
QUADRO 80: CONSUMO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS AUTODECLARADO PELA
POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA.
Você Utiliza Alguma das Seguintes Drogas? (%)
Bebida Alcoólica 29,0%
Cigarro 26,9%
Não Uso 17,3%
Maconha 11,0%
Crack 10,8%
Cocaína 3,7%
Inalantes 1,8%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Os percentuais dispostos no quadro 80 indicam que a maioria da PSR do Rio Grande do


Norte faz uso de drogas lícitas, sendo a bebida alcoólica (29%) seguida do cigarro (26%). Esses
dados podem ser combinados com os resultados obtidos através da pergunta sobre a frequência
do uso dessas substâncias, o qual indica que a maioria das pessoas, 74,61%, usam cigarro todos os
dias e 50% das pessoas fazem uso de bebida alcoólica todos os dias da semana. Esse levantamento
demonstra que a maioria das pessoas que estão em situação de rua e fazem uso de drogas lícitas
estabelecem uma relação de dependência química com a substância. Ou seja, fazem o uso abusivo
de álcool e cigarro.
De forma geral, o uso de drogas ilícitas, estatisticamente é significativamente menor do
que o das drogas lícitas, embora a frequência do uso siga a mesma padronização. Talvez isso se
explique pelo acesso às drogas. Álcool e cigarro além de serem drogas lícitas e, portanto, mais
acessíveis, são mais baratas. Em relação a isso, não à toa o Crack, dentro do universo das drogas
ilícitas, aparece como o segundo mais utilizado chegando a 10%, ficando atrás apenas da maconha
(11%).

149
No questionário de amostra há uma pergunta específica sobre a razão pela qual as pessoas
que responderam positivamente, começaram a fazer uso de álcool e outras drogas. Considerando
a margem de erro desses dados de 9%, os dados obtidos estão expressos no quadro a seguir.
QUADRO 81: MOTIVOS PARA O USO DE DROGAS REPORTADOS PELA POPULAÇÃO
EM SITUAÇÃO DE RUA.
Porque Você Começou a Utilizar Drogas? (n°) (%)
Perdas Afetivas ou Problemas Familiares 28 26,17%
Por Influência de Amizades 27 25,23%
Senti Vontade / Curiosidade 23 21,49%
Vida Ruim, sem Perspectivas 18 16,82%
Preço barato 6 5,61%
Conseguiu/ganhou a droga 2 1,87%
Perda do emprego/fonte de renda 2 1,87%
Outro motivo 1 0,93%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

A maioria das pessoas começou a fazer uso de álcool e outras drogas em decorrência de
perdas afetivas ou familiares. Com isso, pode-se dizer que há um importante dado: Existe uma
tendência na PSR do Rio Grande do Norte no que diz respeito aos motivos que levam as pessoas à
situação de rua e a sua permanência nelas: conflitos familiares e vínculos afetivos fragilizados. Esse
fator aparece também com uma relevante variável nos fatores que levam as pessoas à situação
de rua. Outro dado significativo é a perda de emprego/renda, tem-se um índice significativo de
pessoas que começaram a usar álcool e outras drogas, em decorrência das condições sociais e
materiais da vida. Sobre isso, Mendes & Fillipehorr (2014) explicam que a dependência dessas
substâncias leva à fragilização dos vínculos sociais, familiares e repercutem diretamente na
dificuldade de manutenção de atividades laborais. Isso traz rebatimentos para uma população
que acaba recorrendo às ruas como estratégia de ocupação e moradia, pelas condições precárias
em que vivem.
A partir dos dados apresentados nesse tópico, é possível traçar um perfil das pessoas em
situação de rua do Rio Grande do Norte que fazem uso de álcool e outras drogas. Para isso, foi
feito um cruzamento de dados com variáveis controladas, sendo estas: idade, sexo, escolaridade e
diferenças territoriais), conforme apresenta o quadro 81.
QUADRO 82: REGRESSÃO LOGÍSTICA COM O FATO DE O ENTREVISTADO NÃO
FAZER USO DE NENHUMA SUBSTÂNCIA PSICOATIVA COMO VARIÁVEL DEPENDENTE.
Variáveis Descrição da Variável Associação Observada
Idade Escala Em Anos + 0,6%
Raça 0 = Negro, 1 = Não Negro - 2,4%
Gênero*** 0 = homem, 1 = mulher + 155,5%***

150
0 = heterossexual, 1 = Não
Orientação Sexual - 39,6%
Heterossexual
Capital/Interior*** 0 = interior, 1 = Natal - 88%***
Litoral/Interior*** 0 = interior, 1 = litoral + 222,1%***
Grau de Escolaridade** Escala de 1 a 10 + 10,5%**
Tempo em Situação de Rua*** Escala de 1 A 6 - 19,2%***
**p < 0,01%
***p < 0,001%
R2 = 0,209 (20,9%)
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.
Esse quadro apresenta o perfil das pessoas que afirmaram não usar nenhuma droga, logo,
conseguiu-se também traçar o perfil das pessoas que afirmaram fazer uso de álcool e outras drogas.
Conforme pode ser observado, os resultados apontam para quatro variáveis com significância
estatística, sendo estes: gênero, diferenças territoriais, escolaridade e tempo em situação de rua.

a) Gênero: os números mostram que há 155,5% de chances de que as mulheres não façam uso
de nenhum tipo de droga. Isso indica que as pessoas que tendem a fazer uso de substâncias
lícitas e ilícitas no RN são, majoritariamente, homens.

b) Diferenças territoriais (capital x interior): esse dado é interessante tendo em vista que
aponta uma diferença territorial bastante considerável. Os números revelam que há 88%
de chances de uma pessoa em situação de rua não fazer uso de álcool e outras drogas se
ela não estiver na capital, Natal. Já as pessoas que vivem no litoral têm uma probabilidade
222,1% maior de não utilizarem álcool e outras drogas (com o controle da variável anterior,
esse resultado diz mais respeito às cidades litorâneas que não são a capital). Ou seja, as
pessoas que vivem em Natal, no geral, usam mais drogas do que a PSR que vive no interior.

c) Escolaridade: os números demonstram que o grau de escolaridade apresenta uma relevância


no que tange ao uso dessas substâncias. De modo que, quanto maior a escolaridade na escala,
cresce em 10,5% a probabilidade de a pessoa não usar nenhuma droga. Isto é, as pessoas
que têm um grau de escolarização mais elevado, também são as pessoas que não utilizam
álcool e outras drogas. Somado esse dado com o indicativo de que, durante a pandemia, as
pessoas com um maior grau de escolarização têm uma tendência maior a ficar em situação
de rua em decorrência da falta de emprego, renda e moradia, esse dado acima é consonante
com a análise desse novo perfil da PSR que se altera com o contexto pandêmico.

d) Tempo em situação de rua: o censo da População em Situação de Rua, através dos dados,
chegou ao indicativo de que, quanto maior o tempo em situação de rua, maior a tendência
ao uso de álcool e outras drogas pelo menos uma vez. Ou seja, quem está na rua há mais
tempo, tem cerca de 19,2% de chances a mais de usar essas substâncias do que aqueles que

151
estão em situação de rua há menos tempo.

Em linhas gerais, o perfil da PSR do Estado que faz uso de álcool e outras drogas é
caracterizado por homens que vivem em sua maioria na região da capital, tem baixa escolaridade
e estão em situação de rua há mais tempo.

3.9 ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL E COMUNIDADES TERAPÊUTICAS


Este documento tem como objetivo compilar e apresentar os dados gerais do Censo da
População em Situação de Rua do Estado do Rio Grande do Norte (Censo Pop Rua RN) aplicado
em 49 municípios, com 1.962 pessoas em situação de rua. A realização desta pesquisa através
da parceria entre a Secretaria de Trabalho Habitação e Assistência Social (SETHAS) do Estado
do Rio Grande do Norte, a Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Norte
(FAPERN) e o Instituto de Formação Superior Presidente Kennedy (IFESP), aplicada à população
em situação de rua, por meio de questionário básico, de amostra e de famílias, sobre diversos
temas, dentre esses, os serviços de acolhimento institucional e as comunidades terapêuticas,
tende a ser uma medida significativa, uma vez que, visa à compreensão de como esses indivíduos
reagem e interagem com os espaços socioassistenciais de receptividade.
O presente tópico faz uma discussão dos dados produzidos durante a pesquisa, no que se
refere aos Serviços de Acolhimento Institucional. De acordo com a Política Nacional para inclusão
social da População em Situação de Rua, entende-se por acolhimento:
(...) nos termos da atual Política Nacional de Assistência Social, serviços continuados
destinados a adultos (inclusive idosos, pessoas com deficiência, migrantes e refugiados)
que se encontram em situação de rua ou abandono. A rede de acolhida oferece condições
para que as pessoas possam repousar e restabelecer-se. Por meio de acompanhamento
profissional devem trabalhar de modo articulado com os demais serviços da rede, visando
ao resgate de vínculos familiares e comunitários ou à construção de novas referências,
bem como à conquista de autonomia para a vida independente (BRASIL, 2008, p. 18).

Conforme a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (BRASIL, 2014), o Serviço


de Acolhimento Institucional, caracteriza-se como um Serviços de Proteção Social Especial de
Alta Complexidade e podem ocorrer nas seguintes modalidades: abrigo institucional; Casa - Lar;
Casa de Passagem e Residência Inclusiva. A modalidade existente no RN é o abrigo institucional
aqui chamadas de Unidades de Acolhimento, geralmente conhecidas como abrigo e/ou albergue.
Esses serviços têm como objetivos: acolher e garantir a proteção integral dos indivíduos
acolhidos, contribuindo para a prevenção do agravamento de situações de negligência, violência
e ruptura de vínculos e também para restabelecer vínculos familiares e/ou sociais; possibilitando
a convivência comunitária, promovendo acesso à rede socioassistencial, aos demais órgãos do
Sistema de Garantia de Direitos e às demais políticas públicas setoriais; favorecer o surgimento
e o desenvolvimento de aptidões, capacidades e oportunidades para que os indivíduos façam
escolhas com autonomia; promover o acesso a programações culturais, de lazer, de esporte e

152
ocupacionais internas e externas, relacionando-as a interesses, vivências, desejos e possibilidades
do público (CNMP, 2015).
No Estado do RN há Serviço de Acolhimento Institucional nos municípios de Natal,
Parnamirim e Mossoró, com capacidade de acolhimento respectivamente de 50, 25 e 5 pessoas em
situação de rua. Durante a pandemia foi criado no município de Caicó um serviço de acolhimento
temporário, à época, com capacidade de acolher 15 pessoas, hoje o serviço já teve suas atividades
finalizadas. Foram identificadas 177 pessoas em situação de rua, sendo acolhidas por unidades de
acolhimento públicas, instituições filantrópicas e em abrigos dos mais diversos, casas acolhedoras,
etc.
Um dado interessante foi a quantidade de pessoas em situação de rua vivendo em
Comunidades Terapêuticas (CTs), um total de 178 pessoas entrevistadas. Essa constatação
foi possível devido a uma parceria com a SESAP (Secretaria de Saúde Pública do Estado do Rio
Grande do Norte) que no processo de pré-mapeamento da PSR disponibilizou o mapeamento
das CTs no RN, que havia sido realizado para o processo de vacinação contra a Covid-19 em
meio à pandemia. As CTs por sua vez são “um serviço residencial transitório, de atendimento a
dependentes químicos, de caráter exclusivamente voluntário” (São Paulo, 2020, p. 15), ou seja,
não se destinam diretamente ao acolhimento de PSR, contudo, eventualmente essa população é
acolhida nas CTs por questões relacionadas ao uso de álcool e outras drogas.
A respeito do uso dos Serviços de Acolhimento, por parte da População em Situação de
Rua no RN, no questionário básico foi feita uma pergunta a todos/as os/as entrevistados/as:
Como você utiliza/ou os abrigos ou unidades de acolhimento? um total de 62,35% (805 pessoas)
respondeu que não utiliza as unidades de acolhimento, 16,11% (208 pessoas) não os utiliza por
falta de vagas, 7,67% (99 pessoas) utilizam as vagas fixas nas unidades de acolhimento, 6,35% (82)
utilizam vagas de pernoite, de forma fixa/regular/constante, outras 5,81% (75 pessoas) utilizam
vagas de pernoite de forma irregular/inconstante, e 1,7% (22 pessoas) utilizam o Atendimento
DIA. Dessas respostas, é possível inferir que 21,53% da população em situação de rua do RN
já faz uso dos serviços de acolhimento institucional, contudo, as vagas existentes ainda não são
capazes de atender totalmente à demanda, em virtude de haver 16,11% dessa população que não
consegue acessar o serviço, por falta de vagas.
Também foram elaboradas algumas questões sobre acolhimento institucional que fizeram
parte do questionário de amostra e, portanto, tem um universo menor de respostas, ainda assim,
foi permitido cunhar algumas considerações. Sobre dormir em unidades de acolhimento 51,45%
(71 pessoas) dos/as entrevistados/as afirmam não ter dormido nessas unidades, outros 23,91%
(33 pessoas) além de não terem dormido em unidades de acolhimento não têm interesse, cerca de
17,39% (24 pessoas) já fizeram uso de unidades de acolhimento, mas deixaram de dormir nessas
instituições e 7,25% (10 pessoas) já utilizaram e continuam dormindo em serviços de acolhimento.
Sendo assim, pouco mais da metade dos entrevistados/as ainda não acessou, até o momento da
pesquisa, os serviços de acolhimento institucional no RN.
No questionário de amostra, ao serem perguntados/as sobre o local de dormida na última
semana (antes da entrevista) 69,72% (99 entrevistados/as) afirmaram ter dormido nas ruas, 16,2%

153
(23 entrevistados/as) dormiram em Unidades de Acolhimento, 12% (17 entrevistados/as), em
domicílio de outros e 2,11% (2 entrevistados/as), em rodoviárias/terminal de ônibus. Podemos
dizer que o número de pessoas que afirmou ter utilizado esse serviço está em consonância com a
capacidade de acolhimento dos equipamentos disponíveis no estado do RN.
Sabe-se que a população em situação de rua é heterogênea e passa por diferentes
trajetórias no processo que a levou a ocupar a rua como espaço de sobrevivência. Aqueles/as que
responderam já ter utilizado os serviços de acolhimento foi perguntado por qual motivo dormiam
em unidades de acolhimento (albergues/abrigos)27, e as principais respostas foram: o fato de não
ter casa, para 53,33% (16 pessoas) dos/as entrevistados/as, o conforto proporcionado por esses
espaços, para 40% (12 pessoas) deles/as, e por se sentirem mais seguros/as, 23,33% (7 pessoas).
Por conseguinte, na perspectiva dos/as usuários dos serviços de acolhimento, esses locais têm se
configurado como espaços de conforto, segurança e assistência social.
Os processos de vulnerabilidade, fragilização, ruptura dos vínculos sociais nas dimensões
econômica, sociofamiliar, da cidadania, das representações sociais, bem como a experiência de
viver nas ruas e a possibilidade de acolhimento em instituições que prestam assistência social
a essa população, são vivências que repercutem em seus processos identitários. Alcântara et
al (2015) afirma que os processos identitários e a sociedade constituem-se e são constituídos
entre si em um processo dialógico e dialético. Se, por um lado, as relações sociais são encarnadas
pelo indivíduo, por outro, ao assimilá-las, ele as modifica, lançando-as nas teias do social. Temos,
assim, um processo contínuo de transformações que assegura, tanto às relações sociais quanto às
identidades, um caráter não estático. Ao trabalhar a ideia de coletivo e comunidade, os serviços
de acolhimento podem se configurar para a população em situação de rua como um suporte
psicossocial para a construção da ideia subjetiva de indivíduo enquanto sujeito social.
Sendo assim, os atendimentos realizados pelas unidades de acolhimento, e demais
equipamentos de atendimento à população em situação de rua, devem ser propostos de forma que
essa população seja acolhida, respeitada e tratada de maneira que se constitua verdadeiramente
como um espaço diferente do senso comum, sem discriminar e/ou oprimir tais sujeitos. Logo, nos
serviços de acolhimento institucional, a população em situação de rua pode/poderá vivenciar
o afloramento da dimensão coletiva, tornando possível a diluição do sentimento de alienação,
anomia, isolamento e solidão.
Também foi perguntado aos/às usuários/as dos serviços de acolhimento se os abrigos ou
unidades de acolhimento apresentam problemas28, 43,75% (14 pessoas) afirmaram que não e
56,25% (18 pessoas) disseram que sim. Nessa esteira, foram apontados os principais problemas29
referentes aos abrigos ou unidades de acolhimento: dificuldade de relacionamento por parte
de outros abrigados 25,81% (8 respostas); falta de liberdade 19,35% (6 respostas); dificuldade
de relacionamento por parte de funcionários 16,13% (5 respostas); falta de infraestrutura nos
edifícios 9,68% (3 respostas); falta de limpeza e/ou conforto 9,68% (3 respostas); ocorrência de
roubos e furtos 9,68% (3 respostas); incômodo pelo uso de drogas no local 6,45% (2 respostas);
falta de atendimento de qualidade 6,45% (2 respostas); localizações ruins 6,45% (2 respostas); não

²⁷ Respostas múltiplas. Margem de erro de 17% a partir de uma estimativa considerando o universo dos que já
utilizaram unidades de acolhimento.
²⁸ A margem de erro é de 16%.
²⁹ Margem de erro de 17% a partir de uma estimativa considerando o universo dos que já utilizaram unidades de
acolhimento e afirmaram ter algum problema nesses equipamentos.
permitem carroça 3,23%(1 resposta); falta de atividades 3,23% (1 resposta); falta de vagas 3,23%
(1 resposta).
Por um lado, os usuários dos serviços de acolhimento institucional, apontaram sentir-
se confortáveis em utilizar tais equipamentos, por outro lado, ao apontar como principal
problema dificuldade de relacionamento, por parte de outros abrigados, a falta de liberdade
e a dificuldade de relacionamento por parte de funcionários revelam que o conforto ao qual se
refere está relacionado ao acesso à estrutura física, sendo portanto, relevante a existência desses
equipamentos para assistir aos sujeitos que vivem em situação de rua.
Evidencia-se ainda a convivência comunitária como fator desafiador dentro dos serviços
de acolhimento institucional, necessitando por parte do estado, de um olhar mais atento para essa
questão. Esses espaços, em primazia, têm o objetivo de favorecer à construção do aprofundamento
dos vínculos interpessoais e grupais; o sentimento de pertença ao espaço onde vivem; a construção
de uma consciência individual e coletiva e do sentimento de fazer parte de uma estrutura maior e
estável que não seja a vulnerabilidade da rua.
No entanto, em um estudo feito, Moura Jr., Ximenes e Sarriera (2013) e Nogueira (2008)
destacam que em geral as práticas de assistência social se apoiam em representações sociais
pejorativas sobre essa população e não no estudo de suas trajetórias de exclusão. Oliveira (2008)
evidencia a precariedade e a descontinuidade dos serviços oferecidos às pessoas em situação de
rua, gerados pelas alternâncias político-partidárias e o descrédito dos profissionais desses serviços
em relação aos usuários. São relações pautadas em modelos assistencialistas, paternalistas e
clientelistas.
Quando convidados/as a avaliar os serviços de acolhimento 20% (5 pessoas) dos/as
entrevistados/as consideram ótimo, 44% (11 pessoas) bom, 24% (6 pessoas) regular, 8% (2 pessoas)
ruim e 4% (1 pessoa) péssimo. Logo, a avaliação30 dos/as usuários/as a respeito das Unidades
de Acolhimento/Albergue/Abrigo no RN foi positiva e os problemas supracitados sinalizam as
necessárias melhorias para se alcançar a excelência na prestação de tal serviço. É nesse ponto
que reafirmamos a importância da realização de pesquisas como esta, para o mapeamento das
questões, o conhecimento de como a população em situação de rua tem se inserido nesses
equipamentos e, ainda, para a melhoria dos serviços socioassistenciais ofertados.
Foi perguntado aos/às usuários/as que haviam respondido que não tinham dormido
em abrigos ou unidades de acolhimento, se tinham dificuldade para conseguir vagas31 nesses
equipamentos e 63,24% disseram não ter dificuldade (43 pessoas), outras 36,76% (25 pessoas)
afirmaram ter dificuldade. Ainda que seja um número reduzido de pessoas que não conseguem
vagas nesse tipo de serviço, é válido refletir a importância da ampliação das vagas nos serviços de
acolhimento, no estado do Rio Grande do Norte. Ainda mais por se compreender que os processos
de acolhimento institucional têm potencial de viabilizar a criação de um sentimento de pertença
da população em situação de rua a esses espaços socioassistenciais:

³⁰ Margem de erro de 19% a partir de uma estimativa considerando o universo dos que já utilizaram unidades de
acolhimento.
³¹ A margem de erro é de 12%. 155
O sentimento de pertença configura-se, portanto, enquanto elemento constitutivo da
identidade social e pessoal, assim como possibilidade de fortalecimento de vínculos
comunitários. Esse fortalecimento é compreendido como processo mediante o qual os
membros de uma comunidade desenvolvem conjuntamente capacidades e recursos para
controlar sua situação de vida, atuando de maneira comprometida, consciente e crítica,
para lograr a transformação de seu entorno segundo suas necessidades e aspirações,
transformando-se ao mesmo tempo a si mesmos (MONTEIRO, 2003, p. 72).

Alcantara et al (2015) expressam que o sentimento de pertença à comunidade depende das


relações que o indivíduo mantém com o espaço onde vive e com as pessoas com quem convive.
Essas relações se constituem nas atividades cotidianas que, dentre outros fatores, se relacionam
com o tempo de permanência do indivíduo no lugar/ comunidade. A análise das histórias de vida de
pessoas em situação de rua, aponta que as trajetórias de vida dessas pessoas entrevistadas estão
marcadas por processos progressivos e cumulativos de desvinculação em várias dimensões sociais
da vida, a saber: trabalho, familiar, cidadania etc. Os componentes ocupacionais e de rendimentos
incidem nos processos de desvinculação sócio familiares, mas não são, nem os únicos, nem os
principais responsáveis pelas trajetórias de exclusão.
O conceito de exclusão social, quando analisado para além da esfera econômica, é
compreendido como um processo que envolve trajetórias de vulnerabilidade/precariedade
e fragilidade/ruptura dos vínculos socioafetivos, nas dimensões familiar e comunitária, das
representações socioculturais e da própria cidadania. É nessa extrema exclusão que a população
em situação de rua vive e sobrevive, dessa maneira se faz necessário “discutir a assistência
atualmente existente apontando formas outras de intervenção psicossocial que considerem
a pessoa em sua singularidade” (ALCANTRA, 2015, p.141). O fenômeno da exclusão incide
diferentemente em cada contexto social e tem relação com o modo como emergem e são tratadas
as questões políticas e sociais nas sociedades, em diferentes épocas.
A iniciativa de atendimento à população em situação de rua por meio das unidades de
acolhimento tende a contribuir para a superação dos modelos assistencialistas, paternalistas e
clientelistas que marcaram, e ainda persistem, na relação entre o estado e a sociedade civil, entre
população e governo, entre gestores públicos, técnicos e usuários das políticas sociais. Intervir,
buscando agregar novos significados à pluralidade e complexidade do fenômeno social “pessoas
em situação de rua” contribui, de maneira a impedir que se legitime uma identidade estigmatizada
e representa um esforço para desnaturalizar um fenômeno que é produzido social, histórica e
culturalmente.

156
3.10 ACESSO À JUSTIÇA
O tópico do acesso à justiça é central em uma ampla literatura de estudos sociojurídicos,
que desenvolveu-se, sobretudo, a partir da investigação de Cappelletti e Garth (1988), que
tratam o conceito como o direito fundamental à tutela jurídica do estado durante interações com
o sistema de justiça. Apesar de o tema despertar o interesse de uma série de investigações no
campo da sociologia do direito, também é verdade que os registros de pesquisas que analisam
a efetivação desse direito à população em situação de rua são menos frequentes, sobretudo, no
que diz respeito à realidade brasileira, havendo ainda consideráveis lacunas que precisam ser
exploradas.
Ainda, é importante ressaltar que uma parcela desses trabalhos não parte de uma pesquisa
empírica, aproximando-se de proposições teóricas alinhadas à dogmática jurídica (cf. KONZEN;
BORDINI, 2019), não investigando a realidade de maneira direta. Nesse sentido, Haonat, Costa
e Silva (2020) percebem consideráveis lacunas na literatura, mas, a partir dela, levantam que a
perda de documentos pode comprometer o acesso à justiça. Fernandes (2016) chama a atenção
para o fato de que a situação de rua configura um grave quadro de violação de direitos, o que torna
necessária a ação responsiva por instituições do sistema de justiça como a Defensoria Pública e
o Ministério Público. Guedes (2018) também discute, a partir de fontes bibliográficas, o papel da

157
Defensoria Pública no atendimento jurídico a essa população.
Parte da literatura também reúne relatos de experiências, de iniciativas de diferentes
instituições do sistema de justiça, na promoção do acesso à justiça à população em situação de rua.
Menezes (2018), por exemplo, narra experiências do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos
da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, no atendimento à população em situação de rua.
Oliveira (2019) também aponta a responsabilidade da Defensoria Pública em garantir a defesa
de direitos constitucionais da população em situação de rua, e faz um mapeamento de diferentes
atividades da instituição que perseguem esse objetivo. Almeida et al. (2019) traçam um perfil
histórico de experiências da Defensoria Pública no Brasil, no que diz respeito ao acesso à justiça
de pessoas em situação de rua. Sorrentino (2022) também registra uma experiência do Tribunal
de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios nesse sentido.
Algumas pesquisas, de caráter mais próximo do etnográfico, registram algumas interações
entre a população em situação de rua e a Defensoria Pública no contexto brasileiro. Cardoso e
Noronha (2018) registram aproximações entre o Movimento da População em Situação de Rua
de Salvador (MPRS) e essa instituição do sistema de justiça como estratégia de mobilizar ações
coletivas em defesa de direitos humanos dessa população. Ribas (2014; 2015), acompanhando a
atuação das Defensorias Públicas Estadual e Federal na cidade de São Paulo, analisou estratégias
de reconhecimento de direitos da população em situação de rua, defendendo interpretações da
legislação que confiram um maior reconhecimento ao rol de garantias desses sujeitos.
Outras investigações, com outros desenhos metodológicos, também permitem observar
outras características das interações entre pessoas em situação de rua e sistema de justiça no
contexto brasileiro. Carvalho (2021), a partir da análise de decisões judiciais envolvendo direitos
fundamentais de pessoas em situação de rua, viu dificuldades no judiciário em efetivar o direito
à moradia desse segmento populacional, e alertou que demandas de judicialização da saúde
recaem no risco de uma determinação de internação compulsória. Em um estudo com idosos
em situação de rua, em centros de acolhida em São Paulo, Silva (2018) percebeu que as pessoas
idosas em situação de rua tinham pouco acesso a informações pertinentes a processos judiciais
em andamento, que eles tinham pouco conhecimento sobre suas garantias enquanto sujeitos de
direitos e que os centros de acolhida têm poucas estratégias de acesso à justiça destinadas a esse
público. O acesso à justiça da população em situação de rua no Brasil, portanto, envolve a questão
da informação e do diálogo compreensível entre esses sujeitos e instituições do sistema de justiça.
Nos questionários, havia um bloco de perguntas especialmente destinado à compreender
interações entre a população em situação de rua do Rio Grande do Norte com instituições do
sistema de justiça e do campo jurídico. O bloco inicia-se, nos questionários de amostra, perguntando
se os entrevistados já tiveram algum contato prévio com o sistema de justiça. As respostas, com
8% de margem de erro, estão expressas no quadro que se segue.

158
QUADRO 83: CONTATO COM O SISTEMA JUDICIÁRIO REPORTADO PELA
POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO RIO GRANDE DO NORTE.
Contato Com o Sistema Judiciário Pela População em Situação De Rua
Você Já Teve Contato Com o
(n°) (%)
Sistema Judiciário?
Nunca Tive Contato 78 57,78%
Eu Abri um Processo 4 2,96%
Eu Fui Alvo de um Processo 22 16,3%
Fui Condenado na Esfera Criminal 31 22,96%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Esses resultados são reveladores de uma população que, no geral, não tem acesso ao
sistema de justiça, e, quando tem contato com ele, é, na maioria dos casos enquanto parte ré.
O número visivelmente reduzido de pessoas em situação de rua no Rio Grande do Norte que
afirmaram ter sido parte ativa em um processo, pode indicar um desconhecimento desses sujeitos
em relação às possibilidades de demandas que podem ser judicializadas, sobretudo considerando-
se sua situação de violação de direitos.
Em seguida, ainda no questionário de amostra, os entrevistados foram perguntados sobre
suas interações com a Defensoria Pública, em específico. As respostas, com uma margem de erro
de 8%, foram:
QUADRO 84: CONTATO COM A DEFENSORIA PÚBLICA REPORTADO PELA
POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO RIO GRANDE DO NORTE.
Contato Com a Defensoria Pública Pela População Em Situação De Rua
Você Já Teve Contato Com a
(n°) (%)
Defensoria Pública?
Nunca tive contato 104 77,04%
Tive contato, mas não fui bem
7 5,18%
tratado
Tive contato, mas não posso 2,96%
4
opinar sobre como fui tratado
Tive contato e fui bem tratado 19 14,07%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

É perceptível que, mesmo que a parcela de pessoas em situação de rua que tiveram contato
com o sistema de justiça seja minoritária, é ainda menor a de pessoas que tiveram contato com a
Defensoria Pública. Durante a execução do recenseamento, alguns entrevistados afirmaram que,
de fato, preferiram recorrer a suas famílias, que providenciaram um advogado particular, o que
pode refletir uma percepção negativa desses sujeitos a respeito da Defensoria Pública. Por outro

159
lado, outros entrevistados comentaram que não foram assistidos por ninguém, inclusive enquanto
réus na seara criminal. Essas alegações precisam ser melhor investigadas, mas podem significar
que, na verdade, esses sujeitos tiveram um contato com representantes da Defensoria Pública,
mas que não se recordam por algum motivo, o que pode significar um indicativo de melhorias na
atuação da instituição.
Também no questionário de amostra, os entrevistados foram questionados sobre terem
sido alvo de abordagens por agentes das forças de segurança. 78 (61,9%) pessoas responderam
que sim e 48 (38,1%) responderam que não, com margem de erro de 8%: Os resultados revelam
que a abordagem por agentes de segurança pública é uma situação à qual pessoas em situação de
rua podem estar sujeitas cotidianamente. Em seguida, perguntados sobre como avaliam o papel
desempenhado pelas forças de segurança, os entrevistados responderam, com margem de erro
de 9%:
QUADRO 85: CONTATO COM AGENTES DE FORÇAS DE SEGURANÇA PELA
POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO RIO GRANDE DO NORTE.
Contato Com Agentes das Forças De Segurança pela População em Situação de Rua
Você Já Foi Abordado Por
(n°) (%)
Agentes das Forças de Segurança?
Sim, Fui Tratado de Forma Violenta 44 41,9%
A Maioria me Trata de Forma Justa 5 4,76%
Cumprem Seu Papel, mas com
16 15,24%
Falhas
Cumprem Adequadamente Seu
40 38,1%
Papel
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Apesar de esse resultado mostrar uma proximidade estatística entre aqueles que avaliam
positivamente o papel desempenhado pelas forças de segurança e aqueles que afirmam terem
sido tratados de forma violenta, uma ressalva deve ser feita: das 40 pessoas que avaliaram
positivamente a atuação dessas instituições, 20 também afirmaram nunca terem passado sequer
por uma abordagem policial. Desse modo, os resultados revelam uma situação preocupante de
violência praticada contra pessoas em situação de rua por agentes das forças de segurança no Rio
Grande do Norte. Pode ser viável, nesse sentido, repensar a formação desses profissionais, no que
diz respeito a exercitar a compreensão sobre a realidade da população em situação de rua.
Nos questionários básicos, os entrevistados foram perguntados se já passaram por
algumas instituições do sistema de justiça, em especial instituições do sistema de justiça criminal.
As respostas foram:

160
QUADRO 86: CONTATO COM O SISTEMA DE JUSTIÇA REPORTADO PELA
POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO RIO GRANDE DO NORTE.
Contato Com o Sistema de Justiça Pela População em Situação de Rua
Você Já Passou por Alguma das
(n°) (%)
Seguintes Instituições?
Sistema socioeducativo 73 5,41%
Detenção em delegacia policial 293 2,64%
Sistema prisional 338 26,12%
Defensoria Pública 131 10,12%
Nunca passei por essas instituições 572 44,2%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Esse resultado dialoga com as respostas à pergunta sobre contato com o sistema de justiça,
e revela, ainda, que uma parcela considerável da população em situação de rua do Rio Grande do
Norte sofreu encarceramento ou detenção em delegacia de polícia. Ainda assim, mais de 40% dos
entrevistados jamais passaram por essas instituições, o que fragiliza o estereótipo amplamente
repercutido que associa situação de rua à criminalidade, e que possivelmente influencia no
resultado que indica um alto índice de violência policial contra esse segmento populacional.
Por meio de uma regressão logística, pode ser compreendido o perfil de pessoas em
situação de rua que passaram por essas instituições. Foi usada, como variável dependente32, a
resposta “Nunca passei por essas instituições” (valor 1 para quem respondeu esse campo, valor 0
para quem respondeu algum dos demais campos), isto é, o modelo explica a não-passagem pelas
instituições elencadas. Os resultados foram:

³² Foram utilizadas as seguintes variáveis independentes: a) “racadic” (variável dicotômica de raça, classificada
em 0=não-negros e 1=negros); b) “dicgênero” (variável dicotômica de gênero, classificada em 0=homem e
1=mulher); c) “dicorientsexu” (variável dicotômica de orientação sexual, classificada em 0=heterossexual e
1=não-heterossexual); d) “capitalinterior” (variável dicotômica de território, dividida em 0=interior e 1=capital); e)
“litoralinterior” (variável dicotômica de território, dividida em 0=interior e 1=litoral); f) “VAR00019” (variável de
escala referente à idade do entrevistado); g) “VAR00175” (variável categórica ordinal correspondente ao tempo
em situação de rua dos entrevistados); h) “VAR00333” (variável categórica ordinal correspondente ao grau de
escolaridade dos entrevistados).

161
QUADRO 87: REGRESSÃO LOGÍSTICA COM A NÃO-PASSAGEM POR INSTITUIÇÕES
DO SISTEMA DE JUSTIÇA COMO VARIÁVEL DEPENDENTE.
Associação Obser-
Variável Descrição da Variável
vada
Raça 0 = Negro, 1 = Não Negro - 16,4%
Gênero*** 0 = Homem, 1 = Mulher + 189,8%***
0 = Heterossexual,
Orientação Sexual + 38,7%
1 = Não Heterossexual
Capital/Interior* 0 = Interior, 1 = Natal + 42,7%*
Interior/Litoral 0 = Interior, 1 = Litoral - 8,3%
Idade*** Escala Em Anos + 2,7%***
Tempo Em Situação De Rua*** Escala De 1 A 6 - 15,8%***
Grau De Escolaridade Escala de 1 a 10 + 5%
*p < 0,05, *p < 0,001, R2 = 0,111 (11,1%)
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

O R2 obtido revela que 11,1% da variância da variável dependente pode ser explicada
pelo conjunto de variáveis independentes adotadas no modelo. Isso significa, naturalmente,
que muito ainda pode ser explorado para explicar a passagem das pessoas em situação de rua
no Rio Grande do Norte pelas instituições elencadas. Mesmo assim, os resultados permitem
compreender um perfil desses sujeitos. Em quatro variáveis, foram observados resultados com
significância estatística: gênero, território (em relação à capital), idade e tempo em situação de
rua. Sobre gênero, os resultados mostram que mulheres têm uma probabilidade 189,8% maior
de não passarem pelas instituições elencadas, do que homens. Sobre território, os resultados
mostram que pessoas em situação de rua em Natal têm uma probabilidade 42,7% maior de não
passarem pelas instituições mencionadas, em relação a pessoas em situação de rua em outros
municípios. Sobre idade, os resultados mostram que, a cada ano de idade, aumenta, em média, em
2,7% a probabilidade de não ter passado por essas instituições. Sobre o tempo de situação de rua,
por fim, os resultados mostram que, a cada ponto na escala que indica tempo em situação de rua,
reduz-se, em média, em 15,8% a probabilidade de não ter passagem pelas instituições elencadas.
Isso revela um perfil de que homens jovens em situação de rua tendem a ter experienciado
passagem nas instituições do sistema de justiça elencadas. Ainda, que pessoas em situação de rua
em municípios que não na capital também experienciam, relativamente, uma maior probabilidade
de passar por essas instituições. Isso pode ser explicado, hipoteticamente, pelo fato de que, em
Natal, há uma oportunidade maior de serem travados vínculos com redes de apoio, seja com outras
pessoas em situação de rua, movimentos sociais ou projetos filantrópicos. Ainda, os resultados
mostram que, quanto maior o tempo em situação de rua, maior a probabilidade de um sujeito ter
passado por essas instituições, o que revela que a criminalização pode significar algo que tem
chances de acontecer na trajetória de uma pessoa em situação de rua no Rio Grande do Norte.

162
A última pergunta do bloco de acesso à justiça, presente nos questionários básicos, indaga
aos entrevistados sobre o quanto de informações receberam em seus contatos com o sistema
de justiça. Naturalmente, esse item do questionário só foi aplicado aos entrevistados que
responderam que tiveram, previamente, algum contato com uma instituição do sistema de justiça.
Os resultados obtidos foram:
QUADRO 88: INFORMAÇÕES RECEBIDAS PELAS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA
EM SEUS CONTATOS COM INSTITUIÇÕES DO SISTEMA DE JUSTIÇA.
Informações Recebidas Quando em Contato Com o Sistema De Justiça
Respostas (N°) (%)
Não Fui Informado Sobre Nada 177 32,72%
Fui Informado Sobre Poucas
51 9,43%
Coisas
Fui Sobre Algumas Coisas,
31 6,28%
Mas Tive Dúvidas
Fui Informado Sobre Várias
33 6,1%
Coisas, mas Tive Dúvida
Fui Adequadamente
246 45,47%
Informado
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Os resultados revelam que, por um lado, uma parcela expressiva de entrevistados relatou
ter sido adequadamente informada em suas interações com o sistema de justiça, enquanto, por
outro lado, uma parcela, também expressiva de entrevistados, afirma não ter recebido informação
alguma.
Sobre esse item, podem ser buscadas algumas evidências sobre o acesso à justiça da
população em situação de rua no Rio Grande do Norte. Foi feita uma regressão linear, tendo esse
item como variável independente, correspondente a uma escala de 1 a 5. O modelo formado contou
com as seguintes variáveis independentes: a) “Q. 43 Defensoria Pública” (variável dicotômica
com valor 0 para os entrevistados que não tiveram contato com a defensoria pública e 1 para os
que tiveram); b) Idade (escala da idade do entrevistado em anos); c) “Gênero (dic)” (dicotômica,
com 0=homem e 1=mulher); d) “Orientação sexual (dicotômica)” (com 0=heterossexual e 1=não-
heterossexual); e) “Raça (dicotômica entre negro e não-negro)” (onde 0=não-negro e 1=negro);
f) “Entrevista realizada em Natal ou em outro município” (dicotômica com 0=outro município
e 1=Natal); g) “Entrevista realizada no litoral ou no interior” (dicotômica com 0=interior e
1=litoral); h) “Até que série você estudou?” (variável categórica ordinal, com uma escala de 1 a
10 correspondente ao grau de escolaridade do entrevistado). Os resultados estão expressos no
quadro a seguir.

163
QUADRO 89: REGRESSÃO LINEAR COM O NÍVEL DE INFORMAÇÕES RECEBIDAS
DURANTE CONTATOS COM INSTITUIÇÕES DO SISTEMA DE JUSTIÇA COMO VARIÁVEL
DEPENDENTE.
Associação Observada
Variável Descrição Da Variável
(na escala de 1 a 5)
Ter Tido Contato com a Defen-
0 = Não, 1 = Sim + 1,118***
soria Pública***
Idade Escala Em Anos + 0,011
Gênero 0 = Homem, 1 = Mulher + 0,047
0 = Heterossexual,
Orientação Sexual - 0,148
1 = Não Heterossexual
Raça 0 = Negro, 1 = Não Negro + 0,179
Capital/Interior 0 = Interior, 1 = Natal + 0,107
Interior/Litoral 0 = Interior, 1 = Litoral - 0,289
Grau de Escolaridade** Escala de 1 a 10 + 0,125**
**p < 0,01
***p < 0,001
R2 = 0,087 (8,7%)
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

O R2 obtido indica que 8,7% da variância da variável dependente pode ser explicada pelo
conjunto de variáveis independentes adotadas no modelo, o que indica que ainda há mais aspectos
que precisam ser investigados no que diz respeito ao acesso à justiça, por pessoas em situação de
rua no Rio Grande do Norte. Mesmo assim, os resultados mostram que duas interações possuem
uma associação com significância estatística com a variável dependente. Em primeiro lugar, os
resultados mostram que as pessoas em situação de rua que tiveram contato com a Defensoria
Pública demonstraram, no geral, relatos mais positivos sobre as informações recebidas sobre seu
processo, com uma média de 1,118 ponto a mais na escala de 1 a 5 da variável dependente. Ainda,
em segundo lugar, os resultados expostos no quadro mostram que, o aumento de cada ponto na
escala de 1 a 10 referente ao grau de escolaridade dos entrevistados está associado a um aumento
de em média 0,125 ponto na escala de 1 a 5 da variável dependente. Assim, há uma tendência, no
contexto do Rio Grande do Norte, de maior acesso à justiça por parte de pessoas em situação de
rua com maior grau de escolaridade e que tiveram contato com a Defensoria Pública.
Isso leva a dois comentários. O primeiro, no que se refere ao resultado referente à
associação entre grau de escolaridade e acesso à justiça, mostra uma necessidade de ampliação
das políticas judiciárias voltadas para a inclusão e para o diálogo, especialmente com grupos
sociais vulneráveis e de menor acesso à informação e à educação. Em um cenário ideal, não é
desejável que um indivíduo sinta-se desinformado durante seus contatos com o sistema de justiça,
independentemente de seu grau de escolaridade. O segundo comentário diz respeito à atuação

164
da Defensoria Pública, que mostra-se mais exitosa na garantia do acesso à justiça da população
em situação de rua no Rio Grande do Norte. A ampliação da atuação dessa instituição, por meio
de políticas judiciárias, mas também pelo fortalecimento da Defensoria Pública, pode significar,
também, maiores avanços no acesso à justiça de pessoas em situação de rua.

3.11 FAMÍLIAS, CRIANÇAS E ADOLESCENTES


O questionário aplicado à população com o foco na questão familiar, teve como objetivo
obter respostas espontâneas dos indivíduos entrevistados. Foram vinte e quatro questões
mescladas sobre o tema. Todas as questões foram respondidas de forma espontânea. A aplicação
do questionário tem aproximadamente quinze minutos de duração.
Os respondentes deveriam ter 18 anos de idade ou mais. Caso o indivíduo abordado tivesse
idade inferior a 18 anos e estivesse presente no momento da entrevista, o/a responsável deveria
responder por ele/a. Se não houvesse responsável, o/a entrevistador/a apenas responderia ao
questionário de observação.
Considera-se população em situação de rua o grupo populacional heterogêneo que
possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a
inexistência de moradia convencional regular, utilizando os logradouros públicos (ruas, praças,
jardins, canteiros, marquises e baixos de viadutos) e as áreas degradadas (prédios abandonados,
ruínas, cemitérios e carcaças de veículos) como espaços de moradia e de sustento, de forma
temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou
como moradia provisória (BRASIL. MDS. Guia de Cadastramento de Pessoas em Situação de Rua
2011).
Temos a definição do que é ser um indivíduo em situação de rua, mas o que é ser uma
família nessa situação? Para fins dessa pesquisa cunhamos o conceito de família em situação
de rua a partir do conceito de PSR e do conceito de família utilizado pelo Cadastro Único para
programas sociais do Governo Federal. Para tanto, considera-se família em situação de rua a
unidade nuclear composta por uma ou mais pessoas que contribuem para o sustento ou tenham
as suas despesas/necessidades atendidas pelo grupo, todas utilizando logradouros públicos e/ou
áreas degradadas como espaço de moradia de forma temporária ou permanente, bem como as
unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória.
Elias (1939) afirma que todo ser social é munido de relações que lhe constrói. Os ciclos que
compõem a vida cotidiana de cada indivíduo refletem nas suas reflexões e indagações particulares.
Diante das relações sociais, o núcleo familiar faz parte do ciclo de vivência da vida cotidiana de
cada indivíduo inserido na sociedade e, de certa forma, interfere na construção social e pessoal
desses indivíduos.
“Cada pessoa singular está realmente presa; está presa por viver em permanente
dependência funcional de outras; ela é um elo nas cadeias que ligam outras pessoas, assim como
todas as demais, direta ou indiretamente são elos nas cadeias que a prendem. E é a essa rede de
funções que as pessoas desempenham umas com as outras que chamamos de sociedade.” (ELIAS,
1939, p. 23)

165
Podemos nos considerar seres que vivemos em constante contato com o meio social e com
todos os dinamismos que esse meio impõe. A família faz parte desse meio social e evidentemente
recebe toda a influência das dinâmicas sociais. As famílias em situação de rua vivem uma realidade
adversa por passarem por várias privações de direitos, um deles é o de uma moradia segura
que estruturalmente aglutinava aquela unidade nuclear. Socialmente a casa, o endereço fixo, a
construção de uma vivência no bairro, rua se unem a referências de pertencimento ao espaço
tempo e principalmente a noção de vivências de núcleos familiares.
Conforme Soares (2012), os sujeitos são simbólicos e históricos, ou seja, se trata, portanto,
de indivíduos compreendidos como seres que têm uma existência particular no mundo, mas estão
unidos à historicidade dos contextos sociais. Então, as famílias em situação de rua estão ligadas a
todos os mecanismos socioeconômicos e sociais que as rodeiam.
Ao longo do século XX, a América Latina passou por processos ditatoriais violentos
que contribuíram para consolidar elites econômicas intimamente vinculadas ao sistema de
representação política e ao aparelho burocrático do Estado.
Pase e Melo (2017) apontam que após o período de redemocratização dos países latino-
americanos nas décadas de 1990 e 2000, com a eleição de presidentes reformistas e, com políticas
mais populares, se instaura na região a possibilidade de construção de políticas públicas como
materialização da correlação de forças políticas, presentes na sociedade. Frente a este contexto,
percebe-se que entre as diversas expressões da ‘questão social’ que marcam a vida nas cidades
latino-americanas, encontra-se o fenômeno da população em situação de rua e sobretudo,
núcleos familiares nessa situação. Silva (2009) aponta que os núcleos familiares em situação de
rua são a expressão radical da questão social, sendo um dos grupos que expressa mais fortemente
a materialização da violência imposta pelo sistema capitalista sobre as vidas humanas. Trata-se de
um fenômeno complexo, urbano, internacional e que possui múltiplas determinações.
A história da população em situação de rua não é recente, mas paralela à história das cidades.
Para desvelar fenômeno tão complexo faz-se necessário considerar os fatores econômicos,
políticos e sociais que determinam sua historicidade. Bursztyn (2000) coloca que viver no meio
da rua não é um problema novo. Se não é tão antigo quanto à própria existência das ruas na vida
urbana, remonta, pelo menos, ao renascimento das cidades, no início do capitalismo.
No Brasil, assim como na maior parte dos países latino-americanos, foram criadas, desde
o período colonial, ações voltadas para o atendimento das populações que viviam nas ruas,
sobretudo crianças e jovens mestiços, filhas e filhos ilegítimos de senhores de engenho com
indígenas ou africanas escravizadas, que eram abandonadas e acolhidas por instituições católicas,
que seguiam a lógica de docilização e domesticação dos povos nativos pela via da conversão ao
cristianismo (FALEIROS, 2004). Além das ações filantrópicas, a repressão, ao longo dos séculos,
marcou a história das ações voltadas para a população sem situação de rua.
Nas ruas das grandes e médias cidades de diversos países da América Latina há contingentes
cada vez maiores de pessoas que, por diversas situações, encontram nas ruas o espaço mais
significativo de sociabilidade, trabalho e/ou moradia. São homens, mulheres, idosos, crianças e
adolescentes, famílias inteiras, desempregados, egressos do sistema penitenciário, sujeitos com/

166
em sofrimento e/ou transtorno mental, representantes de grupos étnicos, migrantes, profissionais
do sexo, entre outras populações invisibilizadas socialmente quem compõem o grupo heterogêneo
de pessoas em situação de rua.
Diante de tamanha diversidade e da gravidade das violações de direitos vivenciadas pela
população em situação de rua e sobretudo os núcleos familiares, é possível dimensionar o desafio
que se põe para a criação e execução de políticas sociais de atendimento a tal segmento, bem
como para a garantia do acesso das pessoas que vivem nas ruas às políticas públicas e aos seus
direitos. Apesar de existirem algumas ações filantrópicas voltadas ao atendimento da população
desde a colonização dos países latino-americanos, é recente a atenção a tal segmento por políticas
executadas pelo estado, a partir de uma perspectiva de reconhecimento dessas pessoas, como
sujeitos de direitos.

3.12 VIOLÊNCIA E TRAJETÓRIAS


Violência e trajetórias são importantes marcadores sociais, que fazem parte do cotidiano,
bem como da formação dos indivíduos e, consequentemente, de suas vivências. A relação desses
marcadores, sobretudo o de violência, com a População em Situação de Rua mostra-se estreita, à
medida em que a condição de rua já configura, por si só, uma violência imaterial, pois viola o direito

167
social fundamental à moradia, presente no Art. 6º da Constituição Federal 1988.
Nesta perspectiva, buscando entender como se manifesta a relação entre violência e a
população em situação de rua, foi possível identificar que a grande maioria daquelas e daqueles
que estão nestas condições sofreram algum tipo de violência, conforme ilustra o quadro adiante.
QUADRO 90: RELATOS DE VIOLÊNCIA PELA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA
NO RIO GRANDE DO NORTE.
Você Já Sofreu Algum Tipo de Violência?
Respostas (N°) (%)
Verbal 750 57,21%
Espancamento/Briga 530 40,43%
Tiro/Facada/Queimadura 182 13,88%
Abuso Sexual 52 3,97%
Roubo/Furto 482 36,77%
Retirada da Rua à Força 282 22,73%
Retirada de Pertences 179 13,65%
Não Sofri 395 30,13%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Ainda, o quadro a seguir apresenta os agentes que provocaram a violência, segundo o


relato das pessoas em situação de rua entrevistadas.
QUADRO 91: AGENTES CAUSADORES DA VIOLÊNCIA RELATADA PELA POPULAÇÃO
EM SITUAÇÃO DE RUA NO RIO GRANDE DO NORTE.
Você Já Sofreu Algum Tipto de Violência?
Respostas (N°) (%)
Polícia (Militar Ou Civil) 283 22,13%
Guarda Civil Municipal 188 14,7%
Pessoas que Passam na Rua 361 28,22%
Moradores Locais Domicilia-
216 16,89%
dos
Comerciantes 87 6,8%
Outras Pessoas em Situação de
440 34,4%
Rua
Segurança Privada 85 6,65%
Organizações Criminosas 62 4,07%
Namorado/a ou Companhei-
37 2,89%
ro/a
Agentes Públicos do CRAS 6 0,47%

168
Agentes Públicos do CREAS 4 0,31%
Agentes Públicos do Centro
3 0,26%
POP
Agentes Públicos do Abrigo 3 0,26%
Agentes Públicos do Albergue 3 0,26%
Agentes Públicos do Serviço
2 0,16%
De Abordagem Social
Outros Agentes Públicos na
8 0,62%
Rua
Outros 2 0,16%
Não Sofri Violência 397 31,04%
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

Buscando compreender, de forma mais aprofundada, a relação entre a variável violência


e a população em situação de rua, foi criado um modelo de análise no software SPSS. De início,
foram consideradas as variáveis que consideramos, aqui, transversais à pesquisa, a saber: 1) raça;
2) gênero; 3) território e 4) orientação sexual. Para estas variáveis, o R2 foi de 2,9%, o que quer
dizer que este conjunto de variáveis explica 2,9% da variância de as pessoas terem ou não sofrido
violência.
Isto posto, para aplicar o modelo de análise criado e identificar os resultados com relevância
estatística para quem sofreu ou não sofreu algum tipo de violência, as variáveis independentes
utilizadas foram:
QUADRO 92: REGRESSÃO LOGÍSTICA COM O FATO DE O ENTREVISTADO NÃO TER
SOFRIDO VIOLÊNCIA POR ESTAR EM SITUAÇÃO DE RUA COMO VARIÁVEL DEPENDENTE.
Descrição Da Variável Associação Observada
Raça 0 = Negro, 1 = Não Negro + 17,6%
Gênero*** 0 = Homem, 1 = Mulher + 88,7%***
0 = Heterossexual, 1 = Não
Orientação Sexual* - 57,7%*
Heterossexual
Capital/Interior 0 = Interior, 1 = Natal - 7%
Interior/Litoral 0 = Interior, 1 = Litoral + 11,9%
Idade** Escala em Anos + 1,6%**
Tempo em Situação de Rua*** Escala de 1 A 6 - 22,7%***
Grau de Escolaridade Escala de 1 a 10 - 2,4%
A Pessoa Está em Comunidade
Comunidade Terapêutica Terapêutica? - 25,1%
0 = Não, 1 = Sim
*p < 0,05, ** p < 0,01, ***p < 0,001, R2 = 0,094 (9,4%)
Fonte: SETHAS/RN; FAPERN; IFESP, 2022.

169
Quando aplicado o modelo, foi obtido um R2 de 0,094, o que quer dizer que 9,4% da
variância da variável dependente pode ser explicada pelo conjunto de variáveis independentes
deste modelo. Nesse contexto, foram identificadas 4 variáveis com significância estatística, a
saber: 1) gênero; 2) orientação sexual; 3) idade e 4) tempo em situação de rua.
Nesse cenário, no que concerne à variável de gênero, identificou-se que mulheres têm uma
probabilidade 88,7% maior de não terem sofrido violência em relação a homens, relação que se
apresenta mais aprofundada no capítulo que trata da relação gênero e população em situação de
rua. Outrossim, evidências da pesquisa mostraram que mulheres buscam procurar mais formas
de se proteger do que os homens. Neste cenário, observou-se, nesta pesquisa, a possibilidade da
presença em ocupações enquanto hipótese de uma possível estratégia de proteção.
No tocante à variável orientação sexual, o modelo de análise apontou que o fato de a
pessoa em situação de rua não ser heterossexual significa uma probabilidade 57,7% menor de não
ter sofrido violência. Ou seja, há uma probabilidade 57,7% maior de pessoas não heterossexuais
terem sofrido violência, o que implica que pessoas não heterossexuais sofrem mais violência do
que pessoas heterossexuais.
A análise do cruzamento da variável de idade, por sua vez, indica que a cada ano de vida, a
pessoa em situação de rua tem uma probabilidade 1,6% maior de não ter sofrido violência. Isto é,
pessoas jovens tendem a sofrer mais violência. Assim, pessoas mais velhas têm uma probabilidade
menor de sofrer violência do que pessoas jovens no estado do Rio Grande do Norte. Por fim, a
variável de tempo em situação de rua, medida a partir de uma escala de 1 a 6, revela que, a cada
ponto nessa escala, cai em 22,7%, em média, a probabilidade de não ter sofrido violência. Isto
quer dizer que, a cada ponto, aumenta em 22,7% a chance de uma pessoa em situação de rua ter
sofrido violência. Assim, quanto mais tempo uma pessoa passa em situação de rua, maior sujeição
a diferentes tipos de violência.

170
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

171
4.1 LIMITAÇÕES DA PESQUISA
Tendo sido expostos os resultados da pesquisa, é importante salientar as suas limitações.
Elas podem ser agrupadas em limitações decorrentes de decisões metodológicas, limitações
intrínsecas à natureza da pesquisa e limitações contextuais.
Entre as limitações decorrentes das decisões metodológicas, a primeira que pode ser citada,
e que já foi mencionada, diz respeito ao conceito de “pessoa em situação de rua” adotado na pesquisa.
Cada conceito, isto é, cada definição, molda consideravelmente o andamento da pesquisa e seus
resultados. Desse modo, os resultados aqui obtidos dizem respeito ao universo de pessoas que
atendem aos critérios definidos para esta pesquisa. Uma investigação que adote outros critérios,
naturalmente, chegaria a resultados distintos. Um conceito de situação de rua que não considere
pessoas com vaga fixa em unidades de acolhimento, ou que não considere ocupantes de prédios
abandonados, por exemplo, levaria a um número mais reduzido de pessoas identificadas. Por
outro lado, um conceito que considere pessoas que possuam uma referência domiciliar, mas que
trabalham na rua durante o dia, ou que contemple habitantes de aglomerados subnormais, chegaria
a um número mais ampliado. Esse tipo de decisão metodológica é importante e determinante para
o andamento de uma pesquisa desse tipo, e permite diferentes instrumentalizações da pesquisa.
Apontar essa limitação é importante para ressaltar a que universo esses resultados parciais finais
dizem respeito. Outras contagens baseadas em outros critérios, como as observáveis nos dados
de vacinação contra a COVID-19, por exemplo, chegaram a números diferentes, e isso é mais que
esperado. De fato, essa limitação pode até mesmo ser considerada como intrínseca à pesquisa,
como o conceito básico utilizado ocasionará limitações a qualquer outra pesquisa.
Outra limitação decorrente de decisões metodológicas diz respeito à etapa de mapeamento.
Foi feita uma triangulação de dados com o intuito de controlar o máximo possível problemas de
alguma das fontes. No entanto, essa etapa contou, sobretudo, com dados secundários. Não é
impossível, portanto, que algum município que apresenta pessoas em situação de rua, não tenha
sido visitado pela equipe durante a execução do censo. No entanto, a solução para esse problema
envolveria que a equipe se deslocasse por todos os municípios, o que exigiria mais recursos
humanos, materiais e temporais, e muitos esforços em vão. Por isso, a estratégia adequada
permitiu uma redução de limitações e que afirmações possam ser feitas com maior segurança.
Entre as limitações intrínsecas à natureza da pesquisa, pode-se mencionar o fato de que
um recenseamento parte de uma data-referência. Após esse momento temporal, a realidade
pode alterar-se. A população em situação de rua de um município pode aumentar ou diminuir
após a aplicação dos questionários em seu território. Essa limitação é incontornável, e é essencial
a recenseamentos, visto que não são pesquisas de caráter longitudinal. O que pode ser feito é
que, na interpretação dos dados, as datas-referência sejam consideradas, visto que os resultados
dizem respeito a esse momento temporal específico.
Outra limitação intrínseca à natureza da pesquisa diz respeito às respostas dadas aos
questionários. As respostas são assinaladas no questionário a partir do que é afirmado pelos
entrevistados. É possível que alguma informação prestada não diga respeito, necessariamente,
à realidade. A abordagem desse tipo de pesquisa, naturalmente, é que as informações prestadas

172
sejam tomadas como verdadeiras. No entanto, é importante ter em mente que elas são,
essencialmente, autodeclaratórias, por parte dos sujeitos entrevistados.
Uma limitação contextual que vale ser mencionada, por fim, é o fato de que trata-se de
uma pesquisa de grande envergadura realizada por uma equipe consideravelmente pequena,
contando com quatro bolsistas durante o período de aplicação de questionários, ou mesmo três
bolsistas, na execução dessa etapa no final do ano de 2021. Essa limitação pode potencializar uma
limitação intrínseca ao tipo de pesquisa, visto que o tamanho reduzido da equipe torna possível
que tenha ocorrido, eventualmente, alguma subnotificação. No entanto, também é verdade que
essa limitação sempre foi tida em mente pela equipe envolvida na aplicação do Censo da População
em Situação de Rua do Rio Grande do Norte, sendo empreendidos esforços consideráveis para
controlar o risco de subnotificação.

4.2 O PERFIL DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA DO RIO GRANDE DO NORTE


Os resultados apresentados no capítulo anterior permitem vislumbrar aspectos
relevantes sobre o perfil da população em situação de rua do estado do Rio Grande do Norte. Os
resultados mostram que essa população é, em sua maioria, masculina, negra, em faixas etárias
economicamente ativas e sensivelmente concentrada na capital do estado. Além disso, os dados
obtidos possibilitam investigar aspectos relevantes da vivência desses sujeitos, também expostos
no terceiro capítulo deste relatório.
Um aspecto que chamou a atenção, dentre os dados obtidos, diz respeito aos impactos
da pandemia de Covid-19 no perfil da população em situação de rua no estado do Rio Grande do
Norte. Os dados sobre tempo em situação de rua cruzados com os motivos da situação de rua,
além de respostas a outros itens dos questionários, revelam uma quantidade maior de pessoas
que se depararam com essa situação após o início da pandemia por motivos envolvendo a perda
de trabalho e de moradia. Isso significa que o contexto sanitário estadual desencadeou diferentes
trajetórias entre pessoas em situação de rua no Rio Grande do Norte.
Além disso, os resultados demonstraram que as vivências da população em situação de
rua no estado não são homogêneas. Aspectos como território, raça, gênero, sexo e sexualidade
determinam diferenças nas trajetórias, no acesso a serviços essenciais e nas violações de direitos
sofridas. Isso significa que tratar da população em situação de rua no Rio Grande do Norte implica
em compreender que ela é um grupo heterogêneo em diferentes recortes, e que precisa ser
entendido como tal.
Outro aspecto relevante da vivência da população em situação de rua no Rio Grande do
Norte revelada pelos resultados é o fato de que seus contatos com o poder público são, em mais de
um caso, precários. Isso pode ser expresso no fato de que parcelas consideráveis dessa população
não têm acesso a benefícios, na quantidade reduzida de vagas em unidades de acolhimento em
relação à demanda, ou na falta de mais equipamentos socioassistenciais especializados, como os
Centros POP. Isso pode ser ilustrado pelo fato de só existirem dois Centros POP no estado e,
mesmo onde eles são observados - Natal e Parnamirim -, eles não atendem a toda a demanda
de população em situação de rua: no caso da capital, essa população é identificada em todas as

173
zonas da cidade, mas o Centro POP localiza-se na Zona Leste, e atende a um número limitado de
usuários. O mesmo pode ser dito sobre o acolhimento institucional, cujas unidades direcionadas à
população em situação de rua foram identificadas em apenas três municípios, em um total de dois
abrigos e dois albergues, com número de vagas reduzido diante da demanda municipal.
Além disso, as interações insuficientes com o poder público são expressas pelo recurso
a outros meios para a resolução de necessidades básicas da população em situação de rua.
O número reduzido de vagas em unidades de acolhimento institucional e a oferta reduzida de
benefícios de aluguel social diante da demanda torna as ocupações de prédios abandonados uma
alternativa de moradia e abrigo para esses sujeitos, a qual oferece, ainda, melhores condições
de segurança, especialmente a mulheres. Pelo mesmo motivo, e também por uma resposta
insuficiente dos serviços de saúde, comunidades terapêuticas mostram-se, também, como
alternativas de acolhimento, alimentação, higiene e tratamento não apenas da drogadição, mas de
outros problemas de saúde, desenvolvidas sem a participação direta do poder público.
Por fim, as vivências das pessoas em situação de rua no Rio Grande do Norte são marcadas
por diferentes violações de direitos. Para além da falta de acesso a serviços básicos e fundamentais,
os resultados revelam que a trajetória da situação de rua é marcada por agressões de diferentes
tipos e por diferentes agentes, associadas ao tempo em que os sujeitos se encontram nas ruas.
Isso associa-se, ainda, a relações de pouca confiança com forças de segurança e com o sistema de
justiça.

174
4.3 RECOMENDAÇÕES
A partir dos resultados obtidos, algumas recomendações podem ser feitas no que diz
respeito a possíveis respostas do poder público ao cenário observado. Trata-se de reflexões
trazidas a partir dos dados apresentados neste relatório, que podem envolver a formulação ou
reformulação de políticas públicas ou estratégias de aperfeiçoamento de serviços já ofertados à
população em situação de rua no estado do Rio Grande do Norte.
Em primeiro lugar, é importante salientar que as diferenças observadas nas vivências
dessa população a partir de diferentes recortes devem ser consideradas no atendimento que lhe
é oferecido pelo poder público. Se raça, gênero, sexo, sexualidade e território são características
relevantes para determinar aspectos sensíveis na vida de pessoas em situação de rua, é importante
que políticas e serviços públicos que atendam essa população reflitam essa realidade. Recomenda-
se, nesse sentido, que a Política Estadual para a População em Situação de Rua não perca de vista
esses resultados desta pesquisa.
Em segundo lugar, os dados apontam para a necessidade de melhorias nos serviços
ofertados pelo poder público à população em situação de rua. Nesse sentido, um primeiro elemento
que chama a atenção é o acesso a equipamentos da rede socioassistencial, que mostrou-se aquém
do esperado para uma população em tamanha situação de violação de direitos. A capacitação
continuada de trabalhadores do Sistema Único de Assistência Social, não apenas de CREAS,
SEAS e de Centros POP, mas também de CRAS, seria uma estratégia valiosa nesse sentido. A
ampliação da oferta de certos serviços, como Centros POP, CREAS e SEAS, também mostra-se
recomendável.
Além disso, os resultados obtidos revelaram que uma parcela considerável da população em
situação de rua jamais procurou equipamentos da rede socioassistencial, ou mesmo desconhece
esses serviços. A superação desse cenário envolve a conscientização dessa população sobre o
atendimento que podem receber nesses equipamentos, ou mesmo o encaminhamento dessas
pessoas até eles. Isso pode ser feito por equipes do SEAS, mas também por equipes do CNR.
Esses serviços podem ser ampliados, integrados e aperfeiçoados no atendimento à população
em situação de rua, a partir do mapeamento dos melhores horários e pontos de concentração
para encontrar esse público. Seria recomendável, inclusive, um incentivo à integração de equipes
do CNR com equipamentos da rede socioassistencial, encorajando, a partir de processos de
formação continuada, que elas também promovam encaminhamentos de pessoas em situação
de rua com demandas de assistência social. Exemplo disso, inclusive, é o acesso deficitário à
documentação, identificado nos resultados da pesquisa, que também pode ser aprimorado a
partir do aperfeiçoamento desses serviços. Também nesse sentido, interlocuções com cartórios
localizados no Rio Grande do Norte e mesmo em outros estados e com o Instituto Técnico-
Científico de Perícia (ITEP) podem ser pensados estrategicamente para a emissão de novos
documentos.
Ainda, os dados analisados revelaram relações problemáticas entre pessoas em situação
de rua e determinadas autoridades públicas, sobretudo agentes das forças de segurança, a
respeito dos quais foram consideráveis os relatos de violência, e o próprio Judiciário, descrito

175
pelos entrevistados como de difícil acesso e cujas informações prestadas são, não raro, de difícil
compreensão. Capacitações direcionadas a essas instituições podem ser úteis para atenuar índices
de diferentes tipos de violência reportados pelos entrevistados. Por outro lado, os resultados
indicaram que, em termos de acesso à justiça, a Defensoria Pública parece cumprir um papel
relevante na providência de informações em interações de pessoas em situação de rua com o
sistema de justiça. O fortalecimento do papel prestado pela instituição pode ampliar essa atuação
favorável à população em situação de rua.
Outro problema identificado durante a realização da pesquisa, já exposto no tópico
referente à segurança alimentar e nutricional, diz respeito ao cadastro de pessoas em situação
de rua para o usufruto da gratuidade nos restaurantes populares, nos cafés cidadãos e nas sopas
cidadãs. Como esse processo é difuso entre os municípios e mesmo contingente em diferentes
equipamentos da rede socioassistencial, responsáveis por sua execução, a equipe de pesquisadores
identificou uma quantidade considerável de beneficiários da gratuidade que não se encontravam
em situação de rua, nos termos definidos neste relatório e na Política Nacional para a População
em Situação de Rua. Uma padronização no conceito adotado pode ser recomendada, para evitar
que, no caso de uma superlotação das vagas disponíveis para cadastro, pessoas efetivamente em
situação de rua sejam prejudicadas em seu acesso ao benefício.
Também vale mencionar que os resultados mostram que, diante da insuficiência da
resolução de necessidades essenciais pelo poder público, pessoas em situação de rua do Rio
Grande do Norte recorrem a alternativas oferecidas por particulares. Exemplo disso são os
acolhimentos em organizações não-governamentais ou em comunidades terapêuticas e o recurso
a projetos sociais filantrópicos para o acesso à alimentação. Diante disso, mostra-se necessário que
o poder público reconheça, em alguma medida, esse dado, por meio de alguma parceria que possa
garantir melhores recursos para garantir um atendimento de qualidade à população em situação
de rua por esses projetos. No caso das comunidades terapêuticas, é verdade que algumas delas
têm acesso a recursos federais, mas foram poucas as interlocuções identificadas com os poderes
públicos estadual e municipais, e, quando há, costumam envolver unicamente o encaminhamento
de acolhidos. Novas interações podem incluir, inclusive, a capacitação em atendimento à população
de rua, promovida pelo poder público, direcionada a agentes que trabalham nessas instituições.
Por fim, podem ser feitas recomendações no que diz respeito a estratégias adotadas no
desenvolvimento desta pesquisa que podem ser úteis para novas investigações sobre pessoas
em situação de rua, as quais, sem dúvida, serão sempre necessárias e de grande importância.
Um desafio na pesquisa com pessoas em tamanha situação de vulnerabilidade social envolve
a conquista da confiança dos interlocutores. Nesse sentido, o acompanhamento por agentes
que já tenham alguma proximidade com os sujeitos entrevistados, como trabalhadores da rede
socioassistencial, voluntários de projetos sociais ou representantes de movimentos sociais nos
quais, pessoas em situação de rua são organizadas. Conhecer o território a ser estudado também
é importante: durante a pesquisa, alguns cuidados a mais foram tomados em ambientes em que
é frequente o uso de drogas ilícitas. Nesses momentos, a transparência sobre a pesquisa e seu
propósito é importante, para evitar que os interlocutores sintam-se de algum modo ameaçados

176
pela presença de pesquisadores. Do mesmo modo, o trabalho em duplas mostrou-se importante
para garantir a segurança dos entrevistadores no decorrer da pesquisa de campo: enquanto um
pesquisador realizava a entrevista, outro podia ficar atento ao entorno.
Recomenda-se, portanto, que a realidade da população em situação de rua, no Rio Grande
do Norte, em seus municípios ou em outros contextos, continue sendo investigada. Isso pode ser
feito por pesquisas de diferentes desenhos metodológicos e que considerem aspectos distintos
da realidade dessas pessoas. Novos dados também poderão permitir mais sugestões de melhorias
nas políticas públicas que atendem a pessoas em situação de rua no Rio Grande do Norte e no
Brasil.

177
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