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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS AMBIENTAIS
DOUTORADO EM AMBIENTE E SOCIEDADE

POLÍTICAS PÚBLICAS, ATORES SOCIAIS E


CONHECIMENTO: A GESTÃO SUSTENTÁVEL DAS
FLORESTAS PÚBLICAS NO BRASIL

RENATO CADER DA SILVA

CAMPINAS
2010

i
ii
Dedico esta tese aos meus pais Nélio (in memorian) e Kadige

iv
AGRADECIMENTOS

A elaboração desta tese contou com a ajuda preciosa de muitos. Mesmo correndo o

risco de omitir alguém, quero fazer alguns agradecimentos especiais:

A Deus, por ter me capacitado para este desafio.

Ao meu pai, que com seus exemplos de vida, ensinou-me os valores da simplicidade, da

humildade e, sobretudo, do respeito às pessoas.

À minha mãe, pelo apoio e dedicação constantes em minha vida e por ensinar-me a

enfrentar os desafios com força e nunca desistir dos meus sonhos.

Ao meu orientador Roberto Pereira Guimarães, pelo apoio, paciência e perspicácia na

condução das minhas ideias, cujos questionamentos e exigências ajudaram a extrair o

melhor de mim.

Às professoras Leila da Costa Ferreira e Lúcia da Costa Ferreira, pelas valiosas

contribuições, que foram significativas para realização deste trabalho.

Aos professores José Augusto Drummond, Laymert Garcia dos Santos e Celso Simões

Bredariol, pela colaboração e participação da Comissão Julgadora dos trabalhos de

Defesa de Tese de Doutorado.

Ao meu amigo Liszt Vieira, pelas contribuições feitas a esta tese e pelo apoio dado no

dia a dia de nossa convivência ao meu desenvolvimento intelectual e profissional.

v
Aos entrevistados, que foram fundamentais para a realização da pesquisa e conclusão

deste trabalho: Philip Fearnside; Rogério Gribel; Niro Igush; Roberto Smeraldi; José

Humberto Chaves; João de Deus Medeiros; Tasso Azevedo; Antônio Carlos Hummel;

José Natalino Macedo Silva; Fernando Castanheira Neto; Márcia Muchagata e Joldes

Muniz Ferreira.

Aos amigos da turma de Doutorado, especialmente à Paula Chamy, cujo apoio e

presença, cada um ao seu modo, tornaram mais fácil a conclusão do Doutorado;

Aos meus irmãos Ricardo, Armed, Jussara e Alia, pela presença constante em minha

vida, seja planejando, seja consolando, seja simplesmente sorrindo, mas sempre juntos;

Aos amigos Renato Pizarro, Alda Heizer, Denise de Souza, Luís Abtibol Bianchi,

Emersom Ferreira, Carla Beatriz e outros que contribuíram para elaboração deste

trabalho.

À gentileza e simpatia dos funcionários do NEPAM/IFCH, especialmente, à Maria de

Fátima Rodrigues, pela dedicação, paciência e carinho em todo o período do

Doutorado; e todos os que, por algum lapso de memória, eu não tenha mencionado

neste momento, o meu muito obrigado.

vi
“The most beautiful experience
we can have is the mysterious. It
is the fundamental emotion
which stands at the cradle of
true art and true science”

Albert Einstein

vii
Resumo: Esta tese analisa, sob os aspectos econômico, político-institucional, ecológico e
social, a política ambiental no Brasil, por meio do estudo da Lei de Gestão Sustentável das
Florestas Públicas. Cientistas, tomadores de decisão, representantes do setor produtivo, do
Estado e da sociedade civil organizada identificam os problemas, desafios, ameaças,
oportunidades, bem como os conflitos de interesses no processo de formulação e
implementação da lei. Numa perspectiva histórica, ao analisar a evolução do Estado e da
política ambiental no Brasil, verifica-se a necessidade das políticas ambientais adotarem a
transversalidade no processo de formulação do conjunto das políticas públicas, e o uso
sustentável, com utilização de conhecimento técnico, científico e tradicional, dos recursos e
do patrimônio natural do país. O conhecimento restringe-se, muitas vezes, a um
pensamento simplificador na formulação das políticas ambientais, o que dificulta a
construção sólida de uma noção coletiva e aplicável do consagrado preceito da
sustentabilidade. Na dinâmica de relações existentes entre os diferentes atores sociais, as
políticas públicas e o conhecimento, observa-se o desafio da conciliação dos diversos
interesses, num contexto político-institucional com problemas estruturais e conflitos entre
os diversos atores envolvidos na formulação e implementação das políticas ambientais.
Nesse processo, é fundamental o fortalecimento das instituições e o uso do conhecimento.
O presente estudo procura demonstrar que a fragilidade político-institucional existente no
cenário de formulação da política ambiental no Brasil impede que a Lei de Gestão de
Florestas Públicas seja implementada de forma efetiva para a gestão sustentável e
estratégica das florestas brasileiras.

viii
Abstract: This doctorate thesis analyzes the economic, political and institutional,
ecological and social aspects of environmental policy in Brazil through study of the Public
Forest Management Law. Scientists, decision makers, representatives from the productive
sector, the State and organized civil society have identified problems, challenges, threats,
opportunities as well as conflicts of interest when formulating and implementing the law.
Placed in a historical perspective by analyzing the evolution of the Brazilian State and
environmental policy, it is acknowledged the need for environmental policies to follow a
tendency for cross-disciplinary collaboration and sustainable use of the natural resources
and endowment of the country through technical, scientific and traditional knowledge.
Often, knowledge is restricted to a simplified thought when formulating environmental
policies, and this renders difficult the solid construction of a collective and applicable
notion of the widely accepted precept of sustainability. This thesis notes the challenges in
reconciling different interests in a political and institutional context with structural
problems and conflicts between the different actors involved in formulating and
implementing environmental policies concomitant to the existing relationship dynamics
between different social actors, public policies and scientific knowledge. In this process, it
is crucial to strengthen institutions and knowledge use. The present study seeks to
demonstrate that, when formulating environmental policy in Brazil, the existing political
and institutional weaknesses prevent the Public Forest Management Law from being
implemented effectively for the sustainable and strategic management of Brazilian forests.

ix
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 16

2. ESTADO E POLÍTICA AMBIENTAL NO BRASIL 22

3. A ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O DESENVOLVIMENTO


SUSTENTÁVEL 61
3.1. A IMPORTÂNCIA DO CONHECIMENTO NO PROCESSO DE
FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PARA O DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL 67
3.2. SUSTENTABILIDADE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL:
CONCEITOS E APLICAÇÕES NA GESTÃO DAS FLORESTAS 79

4. A LEI DE GESTÃO SUSTENTÁVEL DAS FLORESTAS PÚBLICAS 95


4.1. O CONTEXTO 95
4.2. A LEI COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DAS FLORESTAS
PÚBLICAS 101
4.3. AS TRÊS FORMAS DE GESTÃO 103
4.4. PERÍODO DE TRANSIÇÃO 104
4.5. A REGULAMENTAÇÃO DA LEI DE GESTÃO DE FLORESTAS
PÚBLICAS 107
4.6. O PLANO ANUAL DE OUTORGA FLORESTAL 109
4.7. - O PROCESSO DE CONCESSÃO FLORESTAL 117
4.7.1. O PASSO A PASSO DA CONCESSÃO FLORESTAL 119
4.8. AS FLORESTAS COMUNITÁRIAS 122

5. ANÁLISE CRÍTICA DO PROCESSO DE FORMULAÇÃO E


IMPLEMENTAÇÃO DA LEI DE GESTÃO DE FLORESTAS PÚBLICAS 125
5.1. PERSPECTIVA POLÍTICO-INSTITUCIONAL 125
5.2. PERSPECTIVA ECONÔMICA 138
5.3. PERSPECTIVA SOCIAL 143
5.4. PERSPECTIVA ECOLÓGICA 147
5.5. ASPECTOS SELECIONADOS DO REFERENCIAL TEÓRICO
RELEVANTES AO OBJETO DE PESQUISA 152

6. CONCLUSÃO 159

x
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 167

ANEXO I 180

ANEXO II 185

xi
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

TABELA 1 39

TABELA 2 97

TABELA A 42

TABELA B 117

TABELA C 118

TABELA D 122

TABELA E 125

FIGURA 1 113

FIGURA 2 114

FIGURA 3 115

FIGURA 4 123

GRÁFICO 1 89

GRÁFICO 2 98

GRÁFICO 3 98

GRÁFICO 4 116

xii
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABEMA - Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente

ANAMMA - Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente

APA - Área de Proteção Ambiental

AUTEX - Autorização de Exploração Florestal

BASA - Banco da Amazônia

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CDB - Convenção sobre Diversidade Biológica

CGEN - Conselho de Gestão do Patrimônio Genético

CGFLOP - Comissão de Gestão das Florestas Públicas

CNRH - Conselho Nacional de Recursos Hídricos

CNUC - Cadastro Nacional de Ucs

CONAFLOR - Comissão Nacional de Florestas

CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente

CPDS - Comissão de Política de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21

DETEX – Sistema para o Monitoramento da Exploração da Madeira da Amazônia

EIA - Estudo de Impacto Ambiental

EIR - Exploração de Impacto Reduzido

EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

FCO - Fundo de Financiamento do Centro-Oeste

FLONAS - Florestas Nacionais

xiii
FNE - Fundo de Financiamento do Nordeste

FNMA - Fundo Nacional do Meio Ambiente

FNO - Fundo de Financiamento do Norte

FUNAI – Fundação Nacional do Índio

IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

IBDF - Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICMBIO - Instituto Chico Mendes da Biodiversidade

IMAZON - Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia

INMETRO - Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial

INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INPA – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia

INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

MCT – Ministério da Ciência e Tecnologia

MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário

MDIC – Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior

MMA – Ministério do Meio Ambiente

MME – Ministério de Minas e Energia

MP – Medida Provisória

OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

OEMAs - Órgãos Ambientais Estaduais

OGMs - Organismos Geneticamente Modificados

xiv
ONGs - Organizações Não Governamentais

PAOF - Plano Anual de Outorga Florestal

PMFS - Plano de Manejo Florestal Sustentável

PNDs - Planos Nacionais de Desenvolvimento

PNF - Programa Nacional de Florestas

PNPB - Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel

PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

PRONABIO - Programa Nacional de Diversidade Biológica

PRONAF-Florestal - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

RAP - Relatório Ambiental Preliminar

REDEFLOR – Rede de Monitoramento da Dinâmica das Florestas Tropicais da Amazônia

RIMA - Relatório de Impacto Ambiental

SEMA - Secretaria Especial de Meio Ambiente

SFB - Serviço Florestal Brasileiro

SINGREH - Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos

SISNAMA - Sistema Nacional do Meio Ambiente

SISPROF – Sistema Integrado de Monitoramento e Controle dos Recursos e Produtos

SNUC - Sistema Nacional de Unidade de Conservação da Natureza

SUDAM - Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia

TEEB - The Economics of Ecosystem and Biodiversity

UC - Unidade de Conservação

UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas

xv
1. INTRODUÇÃO

As políticas públicas estão cada vez mais imersas em um universo cuja


complexidade vai além dos limites da racionalidade, em que o conhecimento e a
diversidade de interesses dos atores sociais são fatores que confluem para a configuração de
um processo decisório que pode ou não contribuir para o bem-estar das futuras gerações. A
gestão sustentável das florestas públicas brasileiras está diretamente relacionada à
variedade de interesses dos diferentes atores capazes de influir nas decisões referentes à
formulação das políticas ambientais no país. Estas estão engendradas em um campo de
forças onde residem questões conflituosas de ordem econômica, político-institucional,
ecológica e social.
Nesse sentido, o objetivo geral do trabalho é analisar, sob os aspectos econômico,
político-institucional, ecológico e social, a política ambiental no Brasil, por meio do estudo
da Lei de Gestão Sustentável das Florestas Públicas e de suas respectivas regulamentações,
no período de 2004 a 2010.
O estudo está ancorado com maior profundidade na dimensão político-institucional,
sem deixar de lado as outras dimensões que contemplam este objeto de pesquisa. Analisar
apenas o aspecto político-institucional levaria o trabalho ao reducionismo, considerando
que a política ambiental envolve múltiplas relações sociais, econômicas e políticas, dentre
outras.
Essas relações estão intrínsecas na gestão dos recursos naturais, na qual se sugere
que o poder público formule políticas que visem a conciliar as perspectivas de conservação
e uso sustentável da biodiversidade. Até o momento, no Brasil, o uso das florestas públicas
tem sido desordenado, com vários pontos de exploração ilegal e insustentável dos recursos
florestais, contribuindo para um cenário caótico de desmatamento. Isto em um país em que
a escassez de recursos financeiros, humanos e organizacionais reduz a capacidade de
monitoramento das áreas exploradas, bem como a de formulação e implementação de
políticas orientadas para redução dos desequilíbrios ambientais, sociais e econômicos
resultantes da dinâmica de exploração existente em diversos setores.

16
Nessa perspectiva, o Estado lança mão de instrumentos regulatórios como normas,
resoluções e subsídios jurídicos e institucionais, bem como de instrumentos econômicos
como tarifas, multas, subvenções, dentre outros. O poder público federal tem adotado tanto
medidas regulatórias como econômicas para contenção da degradação ambiental, e um dos
exemplos dessas medidas é a promulgação da Lei nº 11.284, de 2 de março de 2006, que
dispõe sobre a gestão de florestas públicas para a produção sustentável (com a possibilidade
de concessão das mesmas), e também institui o Serviço Florestal Brasileiro e o Fundo
Nacional de Desenvolvimento Florestal (BRASIL, 2006a).
Na presente pesquisa é analisado o processo de formulação e implementação da
mencionada lei, à luz de duas questões fundamentais - Como se encontram configurados os
interesses de ordem ecológica, social, econômica e político-institucional no processo de
formulação e implementação da Lei de Gestão Sustentável das Florestas Públicas e de suas
respectivas regulamentações? Quais as ameaças, oportunidades, problemas e desafios
identificados no processo de execução da Lei de Gestão Sustentável das Florestas Públicas
e de suas respectivas regulamentações?
A lei, como uma tentativa do Estado de promover a sustentabilidade na gestão das
florestas públicas brasileiras, apresenta três formas de gestão: criação e manutenção de
unidades de conservação, destinação das áreas florestais para manejo comunitário e, depois
de esgotadas as opções anteriores para uma determinada região, a realização de contratos de
concessão florestal por meio da licitação pública. Alguns países já adotam o modelo de
concessão florestal, existindo na esfera internacional iniciativas bem e mal-sucedidas, como
será detalhado mais adiante1 - A ideia de se conciliar meio ambiente e desenvolvimento é
um desafio com complexidade crescente, considerando o aumento do consumo e da
produção industrial e a escassez dos recursos naturais.
Nesse cenário, os recursos florestais desempenham um papel vital na saúde de nosso
planeta e as questões ambientais passaram a ganhar uma importância cada vez mais
expressiva no contexto político e social, tanto no âmbito nacional como no internacional. O
Estado, as organizações não-governamentais, as comunidades locais, os trabalhadores, os
consumidores, os empresários, os pesquisadores e os investidores não estabelecem formas

1
Ver páginas 133 a 135

17
de cooperação adequadas que combinem políticas e estratégias ajustadas às diferentes
situações, visando ao desenvolvimento sustentável.
Tal terminologia não deve ser apenas rótulos de programas governamentais e
discursos políticos, mas sim o conteúdo das políticas públicas, que precisam internalizar
esse conceito com eficácia, eficiência e coerência. O Estado, portanto, passa a ter um papel
relevante, não apenas na elaboração das políticas ambientais, mas também em sua
organização política e administrativa, que influi diretamente na dinâmica do processo
decisório referente à gestão sustentável das florestas públicas no Brasil.
Dessa forma, o referencial teórico se inicia com uma análise, sob uma perspectiva
histórica, da evolução do Estado e da política ambiental no Brasil. É observada a
necessidade das políticas ambientais seguirem uma tendência para a transversalidade e o
uso sustentável, conciliando os interesses relacionados ao crescimento econômico e de
conservação ambiental. Serão apresentados ainda elementos teóricos e conceituais do
campo de análise de políticas públicas, e é abordada, também, a importância do
conhecimento no processo de formulação de políticas para o desenvolvimento sustentável,
em que se discute não apenas a importância, mas também os limites do conhecimento à luz
da relação existente entre a ciência e a política. Nessa relação, há os interesses políticos de
curto prazo, que se encontram num ambiente com um processo contínuo de busca de
conhecimento para subsidiar as políticas públicas. Todavia, em um contexto com interesses
conflitantes, surge a interrogante sobre como é feito ou não o uso desse conhecimento no
processo de tomada de decisões e formulação de políticas públicas.
É desejável descrever e interpretar a importância e os limites do conhecimento no
processo de formulação das políticas orientadas para gestão sustentável das florestas
públicas, analisando as possibilidades de aplicação dos conceitos de desenvolvimento
sustentável e sustentabilidade nas mesmas. Sendo assim, ainda no referencial teórico, são
discutidos os referidos conceitos e suas aplicações na gestão das florestas.
Os conceitos de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável são abordados sob a
ótica de diferentes disciplinas científicas. Algumas dessas disciplinas, consideradas
fundamentais, apresentam grande dificuldade de interagir e dialogar com outros saberes, o
que dificulta a geração de conhecimento, restringindo-se a um pensamento muitas vezes

18
simplificador na formulação das políticas ambientais e dificultando a construção sólida de
uma noção coletiva e aplicável do termo sustentabilidade.
Em verdade, o desafio central na aplicação e alcance da sustentabilidade reside no
desenvolvimento de uma abordagem interdisciplinar. O diálogo entre os diversos saberes e
entre as diversas disciplinas científicas é a base para se estabelecer uma noção
implementável dos conceitos de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável no
processo de formulação das políticas ambientais. Além disso, o descompasso existente
entre cientistas e políticos na relação com o conhecimento e a incerteza são fatores que
dificultam a perspectiva do desenvolvimento sustentável.
O estudo aborda a questão da sustentabilidade local nas áreas de floresta e a
importância da qualidade técnica do Plano de Manejo Florestal Sustentável – PMFS, que
deverá levar em conta todos os atributos específicos do local de atuação. Teóricos da
ecologia salientam a importância do conhecimento das especificidades locais na gestão
florestal, incluindo os aspectos ecológicos, sociais e culturais de cada região na aplicação
dos conceitos de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável.
O setor florestal interage com diversos atores sociais de partes interessadas,
incluindo a opinião pública e as tendências de mercado. Alguns desses atores irão perceber
e interpretar os impactos resultantes das atividades do setor, estabelecendo os limites
aceitáveis para sua realização; outros irão conflitar com os objetivos das políticas voltadas
para a gestão sustentável das florestas brasileiras. Na dinâmica de relações existentes entre
os diversos atores sociais, as políticas públicas e o conhecimento científico, observa-se o
desafio na harmonização dos interesses econômicos, sociais, ambientais e político-
institucionais, numa conjuntura político-institucional com diversos problemas estruturais e
conflitos que dificultam a perspectiva da gestão sustentável das florestas públicas no Brasil.
Nesse contexto, surge a hipótese de que a fragilidade político-institucional existente
no cenário de formulação da política ambiental do país impede que a Lei de Gestão de
Florestas Públicas seja implementada de forma efetiva para a gestão sustentável e
estratégica das florestas brasileiras. A pesquisa procura comprovar esta hipótese a partir de
duas dinâmicas igualmente testadas ao longo do estudo. Por um lado, constata-se que o
conflito de interesses entre os atores envolvidos, muitas vezes pautado na predominância

19
dos interesses políticos de curto prazo, contribui para que a formulação e execução das
políticas ambientais sejam contextualizadas sem o nível de conhecimento técnico e
científico satisfatório. Por outro lado, observa-se, também, a baixa capacidade institucional
existente nos órgãos ambientais no Brasil, nos diferentes entes federativos, revelada pela
insuficiência quantitativa e qualitativa de recursos humanos, materiais, financeiros,
tecnológicos, organizacionais, gerenciais e de informação.
As políticas ambientais muitas vezes são elaboradas num contexto organizacional
precário e com pouco conhecimento técnico ou científico. A ciência e o conhecimento têm
seus limites relacionados à incerteza científica e há um distanciamento entre o horizonte
temporal dos políticos e cientistas. Existe ainda algo que está implícito nessa constatação,
que é a forma como os interesses políticos são construídos e conduzidos. A configuração
desses interesses e como eles são priorizados são fatores determinantes na gestão
sustentável das florestas públicas e no bem-estar das populações futuras.
Com o objetivo de compreender a relação entre o processo de formulação das
políticas públicas, os atores sociais e o conhecimento na gestão sustentável das florestas
públicas no Brasil, são propostas ações, previstas na metodologia, que visam, por meio da
pesquisa realizada, responder às principais questões e comprovar a hipótese assinalada no
presente estudo. Para tanto, a metodologia2 utilizada nessa investigação consiste na Análise
do Discurso.
Na Análise do Discurso, observa-se o ser humano falando e problematiza-se seu
discurso. Os dados coletados nas entrevistas com representantes de órgãos governamentais,
do setor produtivo, da sociedade civil organizada e da comunidade científica possibilitaram
a contextualização de forma mais aprofundada da política ambiental, por meio do estudo do
processo de formulação e implementação da Lei de Gestão Sustentável das Florestas
Públicas Brasileiras. No capítulo: “Análise Crítica do Processo de Formulação e
Implementação da Lei de Gestão de Florestas Públicas”, foram apresentados os
depoimentos dos entrevistados, quando se pôde identificar os principais problemas e
desafios no processo, sob as perspectivas político-institucional, ecológica, econômica e

2
A metodologia desta tese encontra-se detalhada no Anexo I.

20
social. Ao final do capítulo, procurou-se estabelecer um link entre a literatura apontada no
referencial teórico e a pesquisa de campo realizada.
A presente pesquisa permitiu observar como os interesses políticos, institucionais,
econômicos, sociais e ecológicos são materializados no texto da lei e de suas
regulamentações de uma forma em que se pode priorizar um em detrimento dos demais.
Nesse contexto, foi possível constatar que a fragilidade político-institucional existente no
cenário de formulação da política ambiental do país impede que a Lei de Gestão de
Florestas Públicas seja implementada de forma efetiva para a gestão sustentável e
estratégica das florestas brasileiras.

21
2. ESTADO E POLÍTICA AMBIENTAL NO BRASIL

O Estado Brasileiro sofreu diversas transformações no decorrer dos séculos XX e


XXI, que acarretaram mudanças significativas no processo de formulação de políticas
públicas ao longo da história. Na área ambiental, o Estado usa sua força por meio dos
chamados instrumentos de comando-e-controle e atua como propulsor do desenvolvimento
sustentável, utilizando também os chamados instrumentos econômicos capazes de
incentivar tal desenvolvimento.
Considera-se neste trabalho o conceito weberiano de Estado. Para Weber (1999), o
Estado é uma manifestação histórica da política. Em suas obras, o autor procurou formular
categorias gerais que pudessem ser aplicadas a todos os períodos históricos. Ele mostra que
a partir da complexidade das atividades sociais é formada a base de organizações sociais,
entre elas a organização institucional. E, a partir desta organização, o Estado é definido por
Weber como uma forma moderna do agrupamento político, caracterizado pelo fato de deter
o monopólio do constrangimento físico legítimo sobre um determinado território. Neste
ponto, o uso da força é determinante na concepção de Estado de Weber.
Desta forma, o Estado consiste numa relação de dominação do homem sobre o
homem, dominação esta baseada no uso da força de coerção legítima que garante a
existência do Estado, sob a condição de que os homens dominados se submetam à
dominação. Logo, para que um Estado exista, é necessário que um conjunto de pessoas
obedeça à autoridade alegada pelos detentores do poder no referido Estado. Por outro lado,
para que os dominados obedeçam, é necessário que os detentores do poder possuam uma
autoridade reconhecida como legítima. Assim, existem dois elementos essenciais que
constituem o Estado: a autoridade e a legitimidade (WEBER, 1991).
De acordo com Weber (1991), a partir da autoridade e legitimidade do Estado,
surgem três tipos puros de dominação legítima, e cada um deles gerando diferentes
categorias de autoridade. O primeiro tipo de dominação é chamado de tradicional. Nela, a
obediência se dá por motivos de hábito. Tal dominação é enraizada na cultura da sociedade,
baseada nos costumes, se especifica por encontrar legitimidade na validade das ordenações

22
e poderes de mando herdados pela tradição. O segundo tipo de dominação é a carismática.
Nela, a relação se sustenta na crença dos subordinados nas qualidades superiores do líder. A
dominação carismática encontra legitimidade no fato de que a obediência dos dominados é
uma obediência ao carisma e ao seu portador. O último tipo de dominação é a racional-
legal, ou seja, por meio das leis. Nessa, um grupo de indivíduos se submete a um conjunto
de regras formalmente definidas. Segundo Weber (1999), as leis só existem quando há a
probabilidade de que a ordem seja mantida pelo uso da força, com a intenção de obter
conformidade com a ordem ou de impor sanções pela sua violação A dominação racional-
legal encontra legitimidade no direito constituído de forma racional, com um conjunto
abstrato de regras a serem aplicadas em casos concretos.
O Estado weberiano é considerado também uma instituição econômica que gere as
finanças públicas ou as empresas nacionalizadas, e intervém em diversos domínios
(educação, meio ambiente, saúde, economia ou cultura). O Estado brasileiro3 passou por
diversas transformações que influenciaram diretamente a política ambiental nacional. As
diferentes características das formas de dominação do Estado weberiano estão presentes no
Estado brasileiro em seus diversos períodos.
No período colonial, o Estado Brasileiro era uma unidade política representada pelo
rei e seus conselheiros. As esferas locais tinham pouca autonomia e os cargos públicos
pertenciam aos nobres e eram adquiridos pela burguesia (FAORO, 1995). As esferas
política e econômica se confundiam, dominadas por políticos e burocratas, que se

3
De acordo com Vieira (2010), o Estado brasileiro foi diretamente influenciado pelo processo de
intensificação da globalização. Apesar de o Estado-nação continuar sendo vital, isso não significa que sua
estrutura soberana e autônoma não tenha sido afetada pelas mudanças na interseção das forças nacionais e
internacionais. O atual processo de globalização impõe a necessidade de, cada vez mais, os Estados
colaborarem uns com os outros. Forças transnacionais têm reduzido e restringido a influência de governos
particulares sobre as atividades de seus cidadãos.
Áreas de domínio tradicional dos Estados e de responsabilidade dos mesmos como, por exemplo,
defesa, planejamento econômico, comunicações, administração e ordem legal, atualmente não estão
completas sem recorrer às formas de colaboração internacional, visto que fluxos de bens e serviços, ideias e
produtos culturais não são capazes de ser controladas pelos Estados-nação. Em função disso, os Estados
foram impulsionados a aumentar o nível de integração. A integração, por sua vez, refere-se a atores,
governamentais (como o Poder Executivo dos Estados) ou não-governamentais (como as ONGs), que se
unificam. (VIEIRA, 2010)

23
apropriavam do excedente econômico no seio do próprio Estado, constituindo-se então um
sistema patrimonialista (SWARTZMAN, 1982).
A herança colonial trouxe à administração pública brasileira durante a República
Velha (1889-1929) e a era Vargas (1930-1945) uma característica centralizadora e
autoritária (LAFER, 1975). Nesse período surge uma classe tecnoburocrática, por
intermédio dos militares, que dominaram a implementação das políticas públicas no Brasil
durante grande parte do século XX – num período em que as políticas ambientais não eram
prioridade para o Estado.
A legislação antiga sobre florestas regulamentava a colheita de espécies valiosas,
como o Pau-Brasil (Caesalpinia echinata) e a colheita de áreas adjacentes à água. O
desmatamento ocorreu primeiramente na região da Mata Atlântica para atender à demanda
europeia por produtos, produzir energia e estabelecer fazendas e ranchos. Como o declínio
das reservas de madeira e drástica transformação deste campo, a necessidade de
regulamentar o uso florestal foi reconhecida já nos anos 20.
Em 1925 foi criado o Serviço Florestal Federal, que se manteve inoperante diante
até mesmo da inexistência de legislação sobre o tema. Drummond (1998) explica que esse
órgão não tinha orçamento, autoridade política e nem sequer terras públicas para manejar.
Anos após a criação do Serviço Florestal, a Constituição Federal de 1934 veio tratar da
questão florestal ao prever a competência privativa da União para legislar sobre florestas e
a competência concorrente da União e dos estados para proteger as belezas naturais. A
competência para legislar sobre florestas não excluía a legislação estadual supletiva ou
complementar sobre o mesmo tema. No mesmo ano foi publicado o primeiro Código
Florestal e o Código de Águas. Também em 1934 foi convocada a primeira Conferência
Brasileira sobre Proteção da Natureza.
Essa época foi marcada por um movimento de políticos, jornalistas e cientistas que
se organizavam para discutir políticas de proteção ao patrimônio natural. Esses grupos
certamente contribuíram para elaboração do primeiro Código Florestal Brasileiro em 1934
– instituído pelo Decreto nº 23.793/1934, no qual eram definidas bases para proteção dos
ecossistemas florestais e para regulação da exploração dos recursos madeireiros (URBAN,
2001). Com a publicação do decreto, a Reserva legal, que existe ainda hoje, embora os

24
requisitos tenham mudado, ditavam que não mais do que 25% do solo florestal em
propriedade privada poderia ser desmatado (Art.23).
Além disso, um fato raramente mencionado nos atuais debates sobre a exploração
madeireira e concessões em florestas públicas brasileiras, o quadro de base para as
concessões florestais, a venda do direito à colheita de madeira em terra pública foi escrita
no Código de 1934, embora concessões florestais não tenham sido implementadas naquela
época. A lei era ambiciosa para a época, mas resultou em poucas mudanças substanciais em
práticas florestais; as prioridades do governo eram a industrialização e a integração da
Amazônia Brasileira à economia nacional por meio de colonização e expansão agrícola.
O Código Florestal contribuiu para a criação do primeiro Parque Nacional brasileiro
em 1937, o Parque Nacional de Itatiaia e, dois anos depois, foram criados os Parques
Nacionais de Iguaçu e da Serra dos Órgãos. Porém, nos 20 anos seguintes, nenhum outro
parque foi criado (MEDEIROS, 2003).
No ano de criação do Itatiaia, foi publicada a Constituição de 1937, que manteve a
competência privativa da União para legislar sobre florestas. Previa que,
independentemente de autorização, os estados poderiam legislar para suprir as deficiências
da lei federal ou atender às peculiaridades locais, desde que não dispensassem ou
diminuíssem as exigências da lei federal ou, em não havendo lei federal, até que esta
regulasse o tema (DRUMMOND, 1998).
De forma diferenciada, a Constituição de 1946 reafirmou a competência da União
para legislar sobre florestas, já não se fazendo presente o caráter privativo dessa
competência. Ressalte-se que a política ambiental conservacionista dos anos 30 perdeu a
força nas décadas de 40 e 504, quando realmente foram concentrados esforços na
industrialização e no desenvolvimento acelerado5.

4
Apesar dessa constatação, a questão ambiental continuava sendo discutida pelos diversos grupos de
proteção à natureza. Em 1953, foi realizado o primeiro Congresso Florestal Brasileiro, em Curitiba. O temário
era dividido em três partes: Ciência Florestal, Economia Florestal e Política Florestal (CONGRESSO
FLORESTAL BRASILEIRO, 1, 1953)
5
De acordo com Drummond e Franco (2009), houve avanços importantes no conhecimento sobre a
natureza do Brasil e na formação de novas gerações de cientistas preocupados com a proteção à natureza. Por
outro lado, no plano mais geral da sociedade e da economia, prevaleceu o projeto político mais amplo do
desenvolvimentismo, que se tornou hegemônico até os dias atuais. Esse projeto prioriza o crescimento
econômico, mesmo que à custa da devastação da natureza.

25
Na visão de Drummond e Franco (2009), a série de códigos decretados pelo
governo Vargas, regulamentando as expedições científicas, o uso da água, dos recursos
minerais e das florestas, além das atividades de caça e pesca, somada à criação dos
primeiros parques nacionais indicam o relativo sucesso alcançado pelo grupo de protetores
da natureza da época. Houve uma prevalência do desenvolvimentismo como uma ideologia
que galvanizou todos os componentes do espectro político e de todos os grupos sociais.
Essa prevalência acabou gerando uma série de regulamentações na década de trinta,
provocadas pela manifestação de grupos de cientistas da época. A exigência de concessões
específicas para exploração de florestas, águas e minérios foi um marco e um avanço
importante na intervenção do Estado na exploração dos recursos naturais (DRUMMOND,
FRANCO, 2009)
Em verdade, o Estado Brasileiro passou por uma grande transformação na era
Vargas com a implantação da Reforma Burocrática Brasileira, que visava à eliminação do
elemento patrimonialista nos processos decisórios governamentais, bem como na
formulação de políticas públicas, atribuindo um grau mais técnico as mesmas6
(WAHRILICH, 1984). No entanto, pode-se considerar que a era Vargas ainda foi a
expressão de um Estado patrimonial (FAORO, 1995).
A Reforma de Vargas representou a afirmação dos princípios hierárquicos e
centralizadores da burocracia clássica, com características do modelo racional-legal
weberiano. Todavia, os esforços no sentido de implantar o referido modelo não foram
completados e o formalismo burocrático revelava-se incompatível com as necessidades do
país. O Estado Brasileiro necessitava de uma burocracia profissional, mas fazia concessões
ao velho patrimonialismo que, na democracia nascente, assumiu a forma de clientelismo
(BRESSER, 1984). Esse processo histórico contribuiu para que a administração pública no
Brasil seja ainda hoje repleta de formalismo, regras e desenhos organizacionais
incompatíveis com as reais necessidades da sociedade e da política brasileira.

6
Ophuls (1977) argumenta em favor do papel dos peritos enquanto atores fundamentais para a
realização do processo de fundação do Estado Sustentável (Steady State), visando à formação de um Estado
forte, centralizador e com capacidade técnica. A Reforma de Vargas buscou consolidar esses elementos
vislumbrados pelo autor.

26
Na década de 60, os elementos patrimonialistas e clientelistas se faziam presentes
principalmente na Mata Atlântica, que estava sendo largamente removida e intensamente
fragmentada. Por outro lado, as florestas da Amazônia Brasileira permaneciam
relativamente intactas (FEARNSIDE, 2004). O período protecionista do Brasil foi
caracterizado pela promulgação de legislação restritiva, a criação de grandes áreas a serem
protegidas e a oferta de incentivos para a plantação de florestas. Iniciativas para o
desenvolvimento do setor de gerenciamento de florestas naturais eram geralmente ausentes.
Embora tenha sido organizada uma variedade de instrumentos e instituições, os
mesmos eram bastante ineficientes no que diz respeito ao controle do desmatamento como
um recurso de extração para o modelo de crescimento que teve vantagem sobre o uso
racional de recursos florestais. Com o pobre registro de execução do antigo Código
Florestal, discussões sobre a criação de um novo Código Florestal começaram no
Congresso em 1948 (AHRENS, 2003). Dezessete anos mais tarde, a preocupação com a
conservação do meio ambiente foi institucionalizada com a aprovação da Lei nº 4.771 de
15/09/1965, que instituía o novo Código Florestal Brasileiro.
A Lei, aprovada pelo novo governo militar de Humberto de Alencar Castelo
Branco, visava, sobretudo, à conservação dos recursos florestais, criando novas tipologias
de áreas protegidas com as Áreas de Preservação Permanente7, que permaneceriam
intocáveis para garantir a integridade dos serviços ambientais; e a Reserva Legal 8, que
transferia compulsoriamente para os proprietários rurais a responsabilidade e o ônus da
proteção (BRASIL, 2006b).
A estratégia do governo militar de substituição de importação demandava matéria-
prima para alimentar a indústria da nação. O carvão feito de madeira era, particularmente,

7
O Código Florestal entende como Área de Preservação Permanente as áreas ao longo dos rios e
qualquer curso d'água; ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d’água, nas nascentes e “olhos d'água” num
raio de 50 metros de largura, no topo de morros, montes, montanhas e serras; nas encostas e partes destas com
declividade superior a 45 graus, equivalente a 100% da linha de maior declive; nas restingas como fixadoras
de dunas e estabilizadoras de mangues; nas bordas de tabuleiros e chapadas; a partir da linha de ruptura do
relevo, em faixa nunca inferior a cem metros em projeções horizontais; em altitude superior a 1800 metros,
qualquer que seja a vegetação (BRASIL, 2006b)
8
A Reserva Legal deve compreender a área de 80% das propriedades rurais da Amazônia Legal; 35%
na propriedade rural em área de cerrado localizada na Amazônia Legal; 20% da propriedade rural em área de
floresta ou vegetação nativa nas demais regiões e 20% na propriedade rural em área de campos gerais em
qualquer região.

27
importante para as indústrias de metal e minerais. Para assegurar o suprimento destes
produtos, créditos subsidiados e isenções de taxas para plantações foram declarados em
uma lei aprovada em 1966 (Lei Nº. 5.106, de 2 de Setembro de 1966). Estes incentivos
eram o principal instrumento do Estado para o desenvolvimento do setor florestal e
resultaram de 6 milhões de hectares entre 1965 a 1987, quando os subsídios foram
encerrados. (MERY et al., 2001).
No plano estatal, o formalismo burocrático e o engessamento da máquina pública
trazidos com a Reforma de Vargas foram atenuados com o surgimento da Reforma
Desenvolvimentista de 1967. A nova Reforma reconhecia que formas burocráticas rígidas
constituíam um obstáculo ao desenvolvimento, visando substituir a administração
burocrática por uma administração para o desenvolvimento – observavam-se os primeiros
passos para a adoção da chamada administração pública gerencial no país. Um dos aspectos
mais marcantes da Reforma Desenvolvimentista foi a perspectiva de maior desconcentração
e descentralização das atividades de Estado para a administração indireta. Por outro lado,
na Constituição de 1967, retomou-se a competência exclusiva da União para legislar sobre
florestas.
Quase dois anos após a criação do novo código florestal brasileiro, em consonância
com as diretrizes da Reforma de 1967, foi criado o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento
Florestal (IBDF), autarquia vinculada ao Ministério da Agricultura, que tinha a missão de
“formular a política florestal bem como orientar, coordenar e executar ou fazer executar
as medidas necessárias à utilização racional, à proteção e à conservação dos recursos
naturais renováveis” (BRASIL, 2006c). Embora o IBDF tenha sido criado para engajar-se
na formulação de políticas florestais, pesquisa, extensão e criação de áreas de conservação,
dada a importância dos incentivos para a industrialização da nação, o principal papel da
entidade na prática foi a administração de incentivos de plantio e a comercialização de
produtos madeireiros.
O governo militar buscou desenvolver e ocupar Amazônia Brasileira e integrá-la à
economia nacional. Preocupações geopolíticas orientadas para a segurança das fronteiras
com outros países amazônicos e garantir a posse de recursos minerais outros da nossa
região motivaram os esforços do governo em demonstrar o controle sobre as florestas

28
brasileiras. O governo empenhou-se na construção de grandes estradas, projetos de
colonização agrícola e ofereceu incentivos fiscais para a indústria e a agricultura. A
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e o Banco da Amazônia
(BASA) foram criados respectivamente para gerenciar e financiar a estratégia.
O governo financiou as Estradas Transamazônicas e de Cuiabá-Santarém,
importantes corredores comerciais que sempre geraram severas perdas florestais e conflitos
de terra. A colonização agrícola na região foi encorajada pela atribuição de terras na faixa
de 20 km de cada lado das rodovias para estes pequenos colonos. Os mesmos foram
atraídos da seca do nordeste, bem como do sul do Brasil por ofertas de subsídios de
habitação, financiamentos de colheitas, e empréstimos para a compra de terrenos agrícolas
de habitação.
O modelo de colonização e desenvolvimento da Amazônia Brasileira contradizia
bastante o que estava disposto no Código Florestal. Por exemplo, uma lei aprovada em
1971 colocou todas as terras na Amazônia brasileira a 100 km de uma rodovia federal ou
150 km de uma fronteira internacional sob a jurisdição do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA). De acordo com as políticas do INCRA, um
colono receberia títulos transferíveis de terras se o mesmo a houvesse limpado. Além disso,
os colonos recebiam títulos de terras três vezes maior do que a área que havia sido
desmatada, até um máximo de 270 hectares. Esta política acelerou drasticamente o
desmatamento e a especulação na região (MAHAR, 1989).
Nessa mesma época, ganhava corpo na comunidade internacional a ideia de que o
meio ambiente e desenvolvimento são incompatíveis – essa concepção, defendida no
relatório Limites do Crescimento9, foi trazida à tona na Conferência de Estocolmo de 1972,
na qual os países desenvolvidos argumentavam que as nações ricas eram as únicas viáveis
do mundo e os países que não haviam enriquecido até aquele momento deveriam desistir de
fazê-lo em prol da sobrevivência da vida na terra. Em posição contrária, o Brasil defendia a

9
Relatório patrocinado pelo Clube de Roma, formado principalmente por cientistas e intelectuais onde
se previa que se fossem mantidos os níveis de industrialização, poluição, produção de alimentos e exploração
dos recursos naturais, os limites do crescimento seriam atingidos em menos de cem anos (MEADOWS,
1972).

29
ideia de que o melhor instrumento para combater a poluição é o desenvolvimento
econômico e social.
A opinião pública nacional e internacional interpretaria a posição brasileira como
um elogio à poluição – isso ocorreu na época em que estavam sendo discutidos os Planos
Nacionais de Desenvolvimento (PNDs), quando militares e tecnocratas priorizavam
políticas voltadas para infraestrutura industrial e substituição de importações. Diante das
pressões externas e da sociedade, era emergente a necessidade de se criar um projeto
ambiental nacional que contribuísse para reduzir os impactos ambientais decorrentes do
crescimento causado pela política desenvolvimentista.
Como resposta às demandas de se desenhar uma política ambiental consistente, foi
criada em 1973 a Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), vinculada ao Ministério
do Interior, “orientada para conservação do meio ambiente e uso racional dos recursos
naturais”, passando a dividir funções com o IBDF. Esperava-se que a SEMA fosse
acumular todas as funções de gestão das áreas protegidas, deixando ao IBDF somente a
responsabilidade de fomentar o desenvolvimento da economia florestal, o que não ocorreu.
A SEMA acabou estabelecendo programas próprios para as áreas protegidas, que ficariam a
ela subordinadas (MEDEIROS, 2006).
A Secretaria teve grande importância nas áreas protegidas do país, criando 3,2
milhões de hectares de estações ecológicas, e as áreas de proteção ambiental aumentaram
em 13 milhões de hectares. O IBDF, num sistema de áreas de proteção paralelo ao da
SEMA, entre 1979 e 1986, criou 8,5 milhões de hectares de Parques Nacionais e Reservas
Biológicas. Estas áreas protegidas formam uma das áreas de conservação mais importantes
do Brasil hoje.
Embora a criação da SEMA tivesse representado um avanço na política ambiental
na década de 70, os órgãos estaduais não tinham poder de polícia e apenas o governo
federal poderia suspender o funcionamento de estabelecimentos industriais cujas atividades
fossem consideradas de interesse do desenvolvimento e da segurança nacional. O padrão de
crescimento adotado pela tecnocracia militar, baseado em uma vigorosa política de
implantação de infraestrutura industrial, trouxe impactos ambientais significativos oriundos
das grandes obras das indústrias de siderurgia, petróleo e carvão mineral.

30
Por outro lado, ganhava força a visão de ecodesenvolvimento, que era pautada por
princípios de crescimento econômico baseados em estruturas técnicas e produtivas que
minimizem a destruição ambiental e a desigualdade social e maximizem a saúde e o bem-
estar (SACHS, 1986). O grande desafio era trazer essa visão de desenvolvimento para a
arena política do Brasil, ambiente no qual o crescimento econômico era o objetivo da
maioria das políticas formuladas na época. O movimento ambientalista era constituído por
atores excluídos do processo.
A oportunidade política para a formação de um movimento ambiental começou no
final de 1974, quando o então governo do Presidente Ernesto Geisel anunciou a abertura do
sistema político para o cumprimento gradual da democracia. O governo moderado do
Presidente João Figueiredo declarou anistia aos exilados, acabou com a censura na mídia
impressa, permitiu a formação de novos partidos políticos e anunciou as eleições diretas
para governador (CHADWICK, 2000). Essa abertura possibilitou ao crescente movimento
ambiental associar-se a setores estabilizados da sociedade civil e a aliar-se a movimentos
ambientais organizados também em crescimento.
O crescimento de organizações não-governamentais ambientais parece estar
correlacionado a importantes eventos na democratização brasileira. A democratização
também trouxe com ela novas instituições governamentais que eram mais sensíveis às
demandas da sociedade civil sobre as questões ambientais. A área ambiental passa a ganhar
mais força no país e no início da década de 80 a política ambiental no Brasil é premiada
com a promulgação da lei nº 6.938/81, que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente,
em cujos objetivos encontram-se “a compatibilização do desenvolvimento econômico
social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico”
(BRASIL, 2006d).
A lei passa a utilizar como instrumento de planejamento do desenvolvimento dos
territórios o Zoneamento Econômico Ecológico e como um dos instrumentos de política
ambiental a “avaliação de impactos ambientais”. Com a criação do Sistema Nacional do
Meio Ambiente (SISNAMA)10 e do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA)11,

10
O SISNAMA surge com a finalidade de estabelecer um conjunto articulado de órgãos, entidades,
regras e conselhos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, que são responsáveis pela proteção e

31
instituídos pela Lei, foram definidos os principais instrumentos de uma política ambiental
orientada para ações descentralizadas e com participação social institucionalizada.
As atividades causadoras de degradação ambiental passaram a depender do prévio
licenciamento do órgão estadual competente, integrante do SISNAMA, e do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA. O
licenciamento tornou-se obrigatório em todo o país com a regulamentação da Lei pelo
Decreto nº 88.351, de 1983 (OLIVEIRA, 2005), e a primeira Resolução do Conselho
Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, de 1986, cita as atividades que requerem
elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental
(RIMA).
Observa-se que a década de 80 teve grande relevância na política ambiental no
Brasil. A concepção de compatibilizar meio ambiente e desenvolvimento foi fortalecida nas
esferas nacional e internacional quando a Comissão Brundtland, criada pela Organização
das Nações Unidas - ONU em 1983, divulgou a expressão “desenvolvimento sustentável”.
A emergência de um novo paradigma fez com que esse termo passasse a ser utilizado nos
discursos e preâmbulos de projetos governamentais.
No Brasil, o número de organizações não-governamentais crescia mais, e crescia
também a habilidade do movimento ambiental para coordenar e agir coletivamente. A
crescente orientação social dos atores ambientais possibilitou direcioná-los a outras agendas
importantes e promovê-los ao debate ambiental na arena política. A iniciativa foi de êxito
ao pressionar o governo a incluir um capítulo dedicado ao meio ambiente na Constituição
de 1988 – o texto determina ser direito de todos o meio ambiente ecologicamente
equilibrado, e é dever do poder público e da coletividade defendê-lo e preservá-lo.
Apesar dos avanços da política ambiental na década de 80, o Estado brasileiro se
deparava com grande crise fiscal e política. Por outro lado, com a volta da democracia em

pela melhoria da qualidade ambiental. Estrutura-se no âmbito federal, dos estados e municípios com
conselhos de meio ambiente em cada um desses níveis, nos quais é materializada a participação da sociedade
(BRASIL, 2007e).
11
O CONAMA é o órgão consultivo e deliberativo do SISNAMA, com representação de órgãos
federais, estaduais, municipais, setor empresarial e sociedade civil, que tem como principais objetivos o
estabelecimento de diretrizes, normas técnicas, critérios e padrões relativos à proteção ambiental e ao uso
sustentável dos recursos naturais (BRASIL, 2007d).

32
1985, o poder da União descentraliza-se novamente, retornando para os estados e
municípios da federação12. Os governadores de estado recuperam o poder e os prefeitos
surgem como atores políticos relevantes (ABRÚCIO, 1998).
Na segunda metade da década de 80, destaca-se o fortalecimento da importância do
poder local no processo de execução de políticas públicas – uma perspectiva que foi
legitimada com a Constituição de 1988 que, no caso das políticas ambientais, confere
competência a estados e municípios para formularem suas próprias políticas13.
No plano político e administrativo, a descentralização, ainda que necessária e
inevitável, foi longe demais ao permitir que estados e municípios incorressem em crise
financeira – autonomia só pode ser concedida com responsabilidade correspondente
(BRESSER, 1997). Além disso, diante da crise de Estado e da dimensão da dívida externa
em que o país estava mergulhado, abriu-se espaço para que as ideias neoliberais e
globalistas se infiltrassem no país a partir da quase hiperinflação no final da década de 80
(ABRÚCIO, 1998).
Nesse período, a crise econômica não era só do Brasil, mas dos países em
desenvolvimento, o que levou os organismos internacionais de financiamento a redefinirem
suas políticas e prioridades (LICHTENSZTEJN e BAER, 1997). No ano de 1989, em uma
reunião realizada em Washington com representantes de diversos países, foram avaliadas
experiências em reformas recentes em alguns países da OCDE, sobretudo o Reino Unido. E
foi estabelecido um consenso, conhecido como “Consenso de Washington”, de que os
países em desenvolvimento deveriam realizar reformas para o mercado, baseadas nas

12
Muitas prefeituras, em períodos recentes, experimentam “formas alternativas de envolvimento da
população na formulação e execução de políticas públicas, sobretudo no que tange ao orçamento e às obras
públicas. A parceria aqui se dá com associação de moradores e com organizações não-governamentais. Essa
aproximação não tem os vícios do paternalismo e do clientelismo porque mobiliza o cidadão. E o faz no nível
local, onde a participação sempre foi mais frágil, apesar de ser aí que ela é mais relevante para a vida da
maioria das pessoas” (Carvalho, J. Murilo. Cidadania no Brasil – o longo caminho. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2006, p. 228).
13
Ferreira, em uma excursão teórica pertinente sobre a internalização da questão ambiental e políticas
públicas no Brasil (2003), considera que a Constituição de 88 revelou-se como o marco principal da ação
pública para a área ambiental, à medida que, entre outros aspectos garantes, traduzidos na extensão do seu
artigo 225 e incisos, assegurou a ampliação do papel dos municípios para executarem políticas públicas
ligadas à proteção ambiental.

33
experiências recentes bem-sucedidas – essas reformas se transformaram em um parâmetro
para a América Latina (KRUGMAN, 1996).
Todavia, as experiências desses países foram reveladoras na medida em que
surgiam sucessivas crises, corrupção política e reaparecimento das máfias. Na visão de
Boaventura de Souza Santos (1998), o problema não se resolve com a redução da
“quantidade de Estado”, mas sim com a “qualidade de Estado”, partindo da ideia de que ele
é reformável. A busca da descentralização e da maior participação da sociedade nas
políticas públicas indica uma possibilidade de um Estado mais democrático e gerencial.
No plano ambiental, o Estado brasileiro se transformava com a criação do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA14, em 22 de
fevereiro de 1989, influenciado pela Constituição de 88, que apontava expressamente a
responsabilidade do Estado pela preservação ambiental. A formação do IBAMA deu-se
pela fusão de quatro entidades que trabalhavam na área ambiental: Secretaria de Meio
Ambiente, Superintendência da Borracha, Superintendência da Pesca e o Instituto
Brasileiro de Desenvolvimento Florestal. A partir de 1990, o IBAMA vinculou-se à
Secretaria de Meio Ambiente da Presidência da República15 com a missão de formular,
coordenar e executar a Política Nacional de Meio Ambiente.
Em 1992, foi criado o Ministério do Meio Ambiente16, órgão de hierarquia superior
com o objetivo de formular a política de Meio Ambiente no Brasil, e o IBAMA passa a ter
uma atuação mais voltada para a fiscalização (BRASIL, 2007g). A década de 90 se inicia
com avanços na estrutura dos órgãos ambientais de Estado e também nas discussões sobre a
necessidade efetuar-se de um modelo de desenvolvimento ambiental e socialmente
sustentável em escala planetária.
Essas discussões permearam a II Conferência das Nações Unidas de Meio Ambiente
e Desenvolvimento – a RIO 92, realizada no Rio de Janeiro, repercutindo profundamente
na política ambiental brasileira. A Conferência reuniu 179 chefes de Estado e de Governo e

14
O IBAMA foi criado pela Lei nº 7.735 de 22 de fevereiro de 1989 (BRASIL, 2007f).
15
Criada pela Medida Provisória nº 150 de 15 de março de 1990.
16
Criado pela lei nº 8.490 de 9 de outubro de 1992, que dispõe sobre a organização da Presidência da
República e dos Ministérios. Nesse momento, a Secretaria da Presidência da República se transforma em
Ministério do Meio Ambiente.

34
contou com uma inédita participação da sociedade civil por meio do Fórum Global, que
reuniu mais de três mil ONGs de todo o mundo. Diversos documentos foram assinados na
RIO 92, como a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima17,
Convenção da Diversidade Biológica18, Carta da Terra19, Protocolo de Florestas, Agenda 21
Global20, entre outros (VIEIRA, 1997).
A participação das empresas ainda foi considerada tímida na Conferência – o
universo empresarial, de uma forma geral, ainda via a dimensão ambiental, na melhor das
hipóteses, como um mal necessário. Eram poucas as iniciativas voltadas para
responsabilidade ambiental nas empresas no início da década de 90, que com muita
dificuldade se submetiam aos controles estabelecidos pelo poder público.
Nesse contexto, o Secretário-geral da conferência da ONU em 92, Maurice Strong,
solicitou ao seu principal conselheiro em indústria e comércio que formulasse uma
perspectiva global sobre o desenvolvimento sustentável do ponto de vista dos empresários,
que resultou na publicação em 1992 do livro-relatório Mudando o rumo: uma perspectiva
empresarial global sobre desenvolvimento e meio ambiente.
Enquanto o relatório da Comissão Brundtland enfatizava a dilapidação do capital
ambiental tomado emprestado às gerações futuras, o livro-relatório Mudando o Rumo
propõe um compromisso empresarial mais imediato, demonstrando que investir em meio

17
A Convenção deu origem ao Protocolo de Quioto, que estabelece que os países desenvolvidos
(anexo I) deverão reduzir a emissão de gases estufa em pelo menos 5,2% no período de 2008 a 2012 em
relação aos níveis de 1990. Este instrumento legal reconhecia o princípio da “responsabilidade compartilhada
e diferenciada” pelo aquecimento global, impondo maiores atribuições aos países industrializados, maiores
responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa. Caberia ainda à estas potencias industriais a obrigação de
transferir tecnologias limpas aos países em desenvolvimento.
O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, uma das quatro alternativas para redução das
emissões de gases efeito estufa contempladas pelo artigo 12 do Protocolo de Quioto, consiste na diminuição
destes gases mediante a adoção de projetos que promovam a sustentabilidade do desenvolvimento em países
não incluídos no Anexo I (países em desenvolvimento). Esta transferência de tecnologia entre países
desenvolvidos e não desenvolvidos, é um viés para que estes primeiros atinjam parte de seus compromissos
estipulados naquele Tratado internacional.
18
A CDB funciona como guarda-chuva legal/político para diversas convenções e acordos ambientais
específicos e é o principal fórum mundial na definição do marco legal e político para temas e questões
relacionados à biodiversidade (168 países assinaram a CDB e 188 já ratificaram) (BRASIL, 2006e).
19
A Carta da Terra consiste em um conjunto de princípios voltados para o respeito e cuidado da
comunidade de vida, integridade ecológica, justiça social e econômica, democracia e paz (BRASIL, 2007h)
20
A Agenda 21 Global é um documento que dispõe sobre as principais ações e diretrizes que os países
devem seguir para o desenvolvimento sustentável, onde cada país assume o compromisso de elaborar sua
própria agenda.

35
ambiente deve ser visto como estratégia para aumentar a vantagem competitiva das
empresas (SCHMIDHEINY, 1992). Esse relatório trouxe conceitos novos, como
ecoeficiência, e contribuiu para que houvesse uma evolução no setor empresarial na década
de 90, saindo de uma postura reativa para um pouco mais pró-ativa.
Em 1997, a Assembleia Geral das Nações Unidas convocou nova reunião,
conhecida como Rio + 5, para avaliar os progressos realizados cinco anos após a RIO 92,
na qual as organizações da sociedade civil estavam presentes para debater e cobrar o que
não foi feito para assegurar o bem-estar das populações futuras. A RIO 92, de uma forma
geral, produziu mecanismos efetivos de alcance global para assegurar a aplicação de suas
resoluções. Entretanto, como a responsabilidade pelo cumprimento das decisões foi
transferida aos estados, que priorizam seus interesses nacionais, muitas ainda aguardam sua
efetiva execução.
Ademais, a RIO 92 foi um catalisador de um processo de aglutinação de diferentes
atores sociais que até então não eram ligados à questão ambiental (FERREIRA, 2003), e as
organizações não-governamentais passaram – mesmo que aquém das expectativas – a
participar mais da política ambiental no país. A evolução do Estado brasileiro influenciou
significativamente esse processo.
O Brasil, influenciado pela experiência de reforma dos países da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE, iniciou sua Reforma Gerencial em
1995, visando à construção de um Estado que pudesse ser um agente efetivo e de regulação
de mercado, um Estado transparente, com maior grau de responsabilização de seus agentes
públicos (accountabillity) e, sobretudo, um Estado eficiente, que atenda às reais
necessidades do cidadão e acompanhe as mudanças políticas e sociais globais (OSBORNE
e GAEBLER, 1994). Essa visão de Estado traz novas perspectivas para o processo de
elaboração de políticas, uma vez que pode contribuir para que o mesmo seja mais efetivo e
democrático e menos burocrático e centralizador.
Assim, o Estado passa a ser um ente mais fomentador do que propriamente
executor, e que continuará protegendo os direitos sociais e promovendo o desenvolvimento
econômico, com mais controle de mercado, e realizará suas atividades sociais e científicas

36
notadamente por meio de instituições “públicas não estatais”, conhecidas como “terceiro
setor” (BRESSER PEREIRA, 1998).
Um dos maiores avanços proporcionados pela Reforma Gerencial foi, sem dúvida, a
transformação dos serviços sociais e científicos prestados pelo Estado em organizações
sociais financiadas pelo orçamento do Estado e supervisionadas por meio de contratos de
gestão. Essa perspectiva reflete um avanço na dinâmica de execução das políticas, visto que
as mesmas passam a ter maior participação da sociedade21, podendo contribuir para que as
políticas tenham um grau mais técnico e mais efetividade no âmbito local (EVANS, 1979).
A Reforma Gerencial revela um avanço na democracia na medida em que permite a
ampliação da dimensão pública não estatal, orientada para maior participação social no
processo de formulação de políticas públicas, e materializadas pela existência e proliferação
de entidades e movimentos não-governamentais, não-mercantis e não-partidários. Tais
entidades e movimentos são privados por sua origem, mas públicos por sua finalidade. Eles
promovem a articulação entre a esfera pública e o âmbito privado como uma nova forma de
representação, com a perspectiva de desenvolver e consolidar a democracia.
De acordo com Vieira (2010), a sociedade civil global está se expandindo
rapidamente desde o fim do comunismo no Leste Europeu. Desde a queda do Muro de
Berlim, em 1989, três grandes e pouco celebrados fenômenos estão dando forma ao mundo
contemporâneo. O primeiro é o fato de que, pela primeira vez na história, mais pessoas
vivem sob governos democráticos do que vivem sob ditaduras. O segundo é a expansão
geométrica da internet. O terceiro é a consolidação das ONGs como organismos de ação de
amplitude mundial.
O número de Organizações Não Governamentais - ONGs cresceu vertiginosamente
nos últimos anos. No Brasil, segundo o estudo publicado pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística - IBGE, “Fundações Privadas e Associações Sem Fins Lucrativos no
Brasil em 2005”, o número total de fundações privadas e associações sem fins lucrativos,
em 2005, era de 338.162. Entre 1996 e 2005, observou-se um crescimento da ordem de
215,1% das fundações privadas e associações sem fins lucrativos no Brasil. Pode-se
21
Ferreira (2003) assevera que, no caso brasileiro, uma questão relevante para as ações no âmbito da
municipalização sustentável ainda depende de mudanças de mentalidade, e por derivação, de comportamento
dos integrantes da própria sociedade local, por meio de seu envolvimento ativo nos processos decisórios.

37
constatar nesse estudo o notável crescimento dessas organizações após a Reforma
Gerencial do Estado de 1995.
Na tabela 1 abaixo é demonstrado o crescimento das fundações privadas e
associações sem fins lucrativos no país. Tais indicadores revelam o desenvolvimento das
instituições democráticas no Brasil e a vontade da sociedade ter maior participação na
realização das políticas públicas.

Tabela 1 - Crescimento das Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos no


Brasil
Até 1970 De 1971 a 1980 De 1981 a 1990 De 1991 a 2000 De 2001 a 2004 2005

10.939 44.347 108.735 248.996 322.843 338.162

Fonte: IBGE, Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos no Brasil em 2005.

Touraine (1996) esclarece que a consolidação da democracia pode ser medida pelo
grau de desenvolvimento das instituições democráticas e depende diretamente do grau de
comprometimento do sujeito social com a vontade de participar. Ou seja, existe uma
correspondência recíproca entre o processo de consolidação da democracia e o
desenvolvimento de uma cultura cívica no seio da sociedade, sendo esta cultura cívica
manifestada por sujeitos sociais, grupos, instituições, classes e movimentos sociais. A
construção do sujeito social passa por um processo que o autor denomina subjetivação. Ser
um sujeito social é sentir-se responsável pelos assuntos do mundo coletivo, impondo
limites à ação do poder político e reconhecendo que sua emancipação é importante para o
governo de sua sociedade.
A política ambiental no Brasil passou a ser orientada cada vez mais para essa
perspectiva, com a participação crescente de diversos atores sociais. Com tal entendimento,
foi publicada a Lei nº 9.433, de oito de janeiro de 1997, que institui a Política Nacional de
Recursos Hídricos e cria o Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos, com a
participação efetiva de representantes da União, Estados, Municípios e Sociedade
(BRASIL, 2007i).

38
Dificuldades técnicas, estruturais e regulatórias prejudicam a execução da política
de recursos hídricos no Brasil. No que diz respeito à cobrança pelo uso da água que a lei
prevê, houve poucos avanços. Aproximadamente dez anos após a publicação da Lei, apenas
duas bacias, envolvendo três Estados – Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo – foram
contempladas. E, ainda assim, ela se dá praticamente apenas nas calhas dos rios federais,
estando excluídos os afluentes estaduais e as águas subterrâneas nas duas bacias – com
exceção do Rio de Janeiro, que iniciou a cobrança nos rios de domínio do Estado e em
relação às águas subterrâneas, e de São Paulo, que passou a cobrar dos usuários de águas
situados na bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí.
Outro traço revelador da demora no avanço da referida lei é a previsão de um
Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos – o SINGREH. Todos os
Comitês de Bacia integram o órgão. Das 443 unidades estaduais de planejamento e gestão
pré-definidas, em dez anos de existência, menos do que 140 tiveram o seu Comitê de Bacia
instalado. Apenas seis Comitês federais foram instalados no Brasil. Ou seja, apenas seis
unidades de planejamento e gestão federais foram definidas e possuem o seu Comitê de
Bacia criado.
Ainda no ano de 1997, foi publicada a Política Nacional Energética, por meio da Lei
9.478, de seis de agosto de 1997 (BRASIL, 2007j) A Lei define políticas e diretrizes para o
uso racional das fontes de energia e institui o Conselho Nacional de Política Energética,
que tem a atribuição de propor ao Presidente políticas nacionais e medidas específicas para
o setor. Apesar de esta norma estar fundamentalmente voltada para o setor do petróleo,
principal complexo energético da matriz nacional, há uma preocupação com o
desenvolvimento sustentável, na medida em que desponta a potencialidade do Brasil na
promoção de energia limpa capaz de incrementar o mercado de trabalho e valorizar os
recursos energéticos.
Na área ambiental, grande parte das políticas que são elaboradas enfrentam
dificuldades na sua implementação. Os diversos sujeitos sociais, representados por
entidades e movimentos da sociedade civil, de caráter não-governamental, assumiram o
papel estratégico em cobrar do Estado a formulação de políticas mais eficazes, orientadas
para a redução da degradação ambiental.

39
Isso pode ser observado com a aprovação da Lei de Crimes Ambientais ou Lei da
Natureza, nº 9.605/98, um marco na política ambiental brasileira. Com ela, a sociedade
brasileira, os órgãos ambientais e o Ministério Público passaram a contar com um
instrumento que lhes garante agilidade e eficácia na punição aos infratores do meio
ambiente. Não se trata apenas de punições severas, a Lei incorpora métodos e
possibilidades de não-aplicação da penas, desde que o infrator recupere o dano, ou, de outra
forma, pague sua dívida à sociedade. Com o surgimento da Lei, as pessoas jurídicas
passaram a ser responsabilizadas criminalmente, permitindo a responsabilização da pessoa
física autora ou co-autora da infração (BRASIL, 2006f).
O ano 2000 se inicia com intensa preocupação com a gestão das unidades de
conservação, considerando o uso sustentável pelas comunidades locais, que culminou com
a aprovação da Lei nº 9985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidade de
Conservação da Natureza – SNUC, após oito anos de intenso debate, envolvendo questões
polêmicas como populações tradicionais, participação popular no processo de criação e
gestão das unidades de conservação, bem como indenizações para desapropriações
(MEDEIROS, 2006). O SNUC ficou definido com a criação de 12 categorias de Unidades
de Conservação, reunidas em dois grupos: Unidades de Proteção Integral22 e Unidades de
Uso sustentável23.
O SNUC reflete um avanço na política ambiental brasileira por instituir um
conjunto organizado de áreas naturais protegidas, sejam elas federais, estaduais e
municipais, que, planejado, manejado e gerenciado, visa viabilizar os objetivos nacionais e
internacionais de conservação. O SNUC veio fortalecer a perspectiva de uso sustentável

22
As unidades de proteção integral têm o objetivo de preservar a natureza, sendo permitido apenas o
uso indireto dos seus recursos naturais. São elas: Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional,
Monumento Natural, Refúgio da Vida Silvestre (BRASIL, 2007k)
23
As unidades de uso sustentável visam compatibilizar a conservação da natureza com o uso
sustentável de seus recursos naturais. A lei define uso sustentável como ä exploração do ambiente de maneira
a garantir a perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a
biodiversidade e os demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável. São
elas: Área de Proteção Ambiental; Área de Relevante Interesse Ecológico; Floresta Nacional; Reserva
Extrativista; Reserva de Fauna; Reserva de Desenvolvimento Sustentável; Reserva Particular do Patrimônio
Natural (BRASIL, 2007k).

40
dos recursos naturais, das medidas compensatórias e de uma descentralização mais
controlada da política ambiental no Brasil24.
Com a publicação da Lei do SNUC, a criação de um parque nacional, antes decidida
exclusivamente pelos agentes governamentais, hoje deve ser precedida de uma consulta
pública. Cada unidade de conservação deve possuir um conselho consultivo ou
deliberativo, conforme o caso, constituído por representantes da sociedade e das
comunidades locais, além do governo. Observou-se um esforço do Ministério do Meio
Ambiente na criação das UCs, mas os dados apresentados na Tabela A abaixo, revelam que
o país está muito aquém das expectativas:

Tabela A

UNIDADE DE CONSERVAÇÃO QUANTIDADE


Federal 304
Estadual 797
Municipal 689
Terra Indígena 517
Fonte: Ministério do Meio Ambiente, 2010

O Setor agropecuário pode ser considerado um entrave à criação das UCs no Brasil,
por entenderem que as UCs e as terras indígenas são áreas de restrição à agricultura e às
atividades econômicas em geral. Um equívoco, pois apenas as UCs de Proteção Integral
representam uma restrição, já que a agricultura é praticada em larga escala nas UCs de Uso
Sustentável – geralmente nas Áreas de Proteção Ambiental – APAs, por grandes
agricultores e nas Ucs de Terras Indígenas por pequenos agricultores.
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente (2010), do total de unidades de
conservação cadastradas no Cadastro Nacional de UCs – CNUC, apenas 316 são de
Proteção Integral, o que corresponde a 5,12% do território. A maior parte das UCs de
Proteção Integral está no Bioma Amazônia, 8,33% do bioma – e nos demais biomas
24
Pondere-se que embora o SNUC não inclua em seu texto algumas tipologias de áreas protegidas
como as Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal, sendo relegadas à forma de gestão e ao
tratamento dado historicamente às mesmas, não dispondo de instrumentos de integração e articulação com as
ações previstas para as unidades de conservação.

41
somados, 1,99% dos biomas. Observa-se que no Brasil há baixa representatividade de UCs
de Proteção Integral. Muito abaixo da média dos países da América Latina (18,8%), e das
metas nacionais definidas pela Comissão Nacional de Biodiversidade (30% para a
Amazônia e 10% para os demais biomas). O grande desafio é fazer com que o SNUC seja
implementado atingindo as metas nacionais e dialogando com os demais programas e
projetos ambientais do Brasil.
Além do SNUC, foi publicado no mesmo ano, em 20 de abril de 2000, o Decreto
3.420, que cria o Programa Nacional de Florestas – PNF, com o objetivo de articular as
políticas públicas setoriais para promover o desenvolvimento sustentável, conciliando o uso
com a conservação das florestas brasileiras. O Programa objetiva aumentar a parcela
brasileira no mercado madeireiro internacional, aumentar a área de gerenciamento de
florestas sustentáveis em área privada, criar áreas de produção de florestas sustentáveis em
área pública, e aumentar a exploração de florestas naturais (BRASIL, 2007b).
Observa-se que após a publicação do Código Florestal de 65, surgiram diversos
instrumentos normativos para as florestas brasileiras. Desde 1965, numerosas medidas
provisórias foram feitas para modificar o Código Florestal, a maioria tratava de aspectos da
Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente. Em 25 de junho de 1996, é editada a
primeira versão da Medida Provisória - MP nº 1.511, que, alterando o Código Florestal
brasileiro, aumenta para 80% o percentual da propriedade rural na qual é vedado o corte
raso nas áreas de floresta da Amazônia Legal. No ano de 2001 foi publicada a Medida
Provisória Nº. 2.166 que estabeleceu os Requisitos da Reserva Legal em 80 % e 35% para a
alta floresta tropical e o cerrado, respectivamente, e 20% para outras regiões (VERÍSSIMO,
2006).
No mesmo ano, foi publicada a Medida Provisória - MP que regula o acesso ao
patrimônio genético, Medida Provisória nº 2186/01 (BRASIL, 2007l). Essa legislação
recebeu várias críticas de pesquisadores e acadêmicos, considerando que a mesma paralisou
boa parte das pesquisas envolvendo recursos genéticos, na medida em que estabeleceu uma
série de exigências, cujo controle e fiscalização não foram atribuídos de maneira adequada.
A MP, como instrumento de proteção aos direitos dos povos indígenas e de comunidades

42
locais, frustrou as expectativas, considerando que as comunidades tradicionais continuam a
ser ameaçadas pelos interesses em saquear os seus conhecimentos e recursos naturais.
No gerenciamento de florestas naturais surgiam novos incentivos financeiros, que
coincidiam com o estabelecimento do PNF. Os recursos financeiros derivam de Fundos
Constitucionais para Financiamento Regional estabelecidos pela Constituição de 1988, tais
como o Fundo de Financiamento do Norte (FNO), Fundo de Financiamento do Centro-
oeste (FCO) e Fundo de Financiamento do Nordeste (FNE). Provenientes destes fundos,
linhas de crédito adequadas para o longo período de maturação de investimentos florestais
foram desenvolvidas. Os bancos são responsáveis pelo desembolso destes fundos, de
acordo com as diretrizes governamentais, oferecendo linhas de crédito com taxas de juro
abaixo do mercado.
A criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(PRONAF-Florestal) também prevê recursos para agricultores familiares envolvidos no
manejo florestal e agroflorestal. Todos estes programas têm desembolsado uma pequena
fração dos recursos disponíveis. No caso do Pronaf-Florestal, os empréstimos
provavelmente podem aumentar no futuro, quando os agricultores estiverem informados do
programa e dispuserem de melhor suporte técnico para o desenvolvimento e implementação
de projetos.
Dois anos após a criação do SNUC e do PNF, foi lançada a Agenda 21 brasileira,
em julho de 2002, num contexto de Estado mais democrático e descentralizador, trazido
pela Reforma Gerencial. O processo de elaboração da Agenda 21 brasileira foi
participativo, com vasta consulta à população brasileira, às universidades, às organizações
não-governamentais e aos órgãos públicos dos diversos entes federativos.
A elaboração da Agenda foi coordenada pela Comissão de Políticas de
Desenvolvimento Sustentável – CPDS, que em articulação com o Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão, conseguiu elevá-la à condição de Programa no Plano
Plurianual, passando a ser um instrumento relevante na política ambiental no país.
A criação da Agenda 21 brasileira foi um avanço na medida em que sensibiliza os
governos locais e estaduais a assumirem suas responsabilidades para o desenvolvimento
sustentável e a tomarem iniciativas para elaboração de suas agendas 21 locais, por meio de

43
planejamento estratégico e participativo. No entanto, as agendas locais têm sido realizadas
com bastante lentidão e dificuldade, tendo em vista a insuficiência de recursos financeiros e
humanos necessários para sua implementação com maior abrangência, aliada ao fato de a
mesma não ter sido considerada prioridade por muitos burocratas e políticos.
Todavia, pode-se considerar que a criação do SNUC e da Agenda 21 brasileira
representa um avanço no processo de descentralização e na participação da sociedade na
política ambiental brasileira, o que se reflete também na maior participação do nível local
na formulação das políticas públicas. Tal constatação não deve ser interpretada como uma
melhoria da qualidade da descentralização da política ambiental no país. A descentralização
ambiental no Brasil está sendo forçada de cima para baixo, sem que seja observada a
capacidade institucional dos subníveis estadual e local em muitas ocasiões, o que contribui
para corroer a legitimidade dos governos locais (BURSZTYN, 2007). O governo federal
acaba exercendo o papel de coordenador do processo, transferindo competências e criando
novos espaços conjuntos de gestão descentralizada.
A perspectiva da descentralização da política ambiental no Brasil não deve,
portanto, ser encarada de forma romântica, como sendo a solução de problemas
historicamente fundados na sociedade brasileira e que passariam a ser resolvidos com a
simples mudança do âmbito de atuação. Bursztyn (2007) afirma que esse contraponto é tão
relevante quanto à constatação de que o Brasil tem uma história política e institucional
fortemente marcada por mazelas como o clientelismo, o coronelismo e o patrimonialismo,
que certamente impactaram na gestão e política ambiental no país.
Por outro lado, a política ambiental evoluiu com a criação dos conselhos ambientais,
contribuindo para maior participação dos segmentos não-governamentais na formulação e
implementação da política ambiental nacional. Os conselhos são instâncias legítimas de
caráter consultivo e /ou deliberativo, que visam subsidiar a execução de políticas públicas
que trazem mais transparência e porosidade ao controle social (EVANS, 1979).
O aumento desses canais institucionalizados que viabilizam a participação social na
formulação de políticas revela uma evolução do Estado brasileiro e vai ao encontro do
modelo de democracia deliberativa proposto do Habermas, orientado para a perspectiva
emancipatória de reconstrução democrática da esfera pública, na qual se contempla o

44
implemento de procedimentos racionais, discursivos, participativos e pluralistas, que
permitam aos sujeitos, no enfrentamento dos conflitos sociais, desenvolver mecanismos de
coordenação da ação social com base nos princípios ético-normativos da racionalidade
comunicativa, resgatando e ampliando os espaços interativos de comunicação pública, em
que a democracia é pensada a partir da intensificação possível dos processos comunicativos
nas deliberações públicas (HABERMAS, 1984).
Habermas (1984) entende que o Estado evolui por meio da racionalização cultural e
social, e das consequências desse processo sobre os diversos atores sociais. O autor
reconhece dois processos de racionalização: a “racionalização técnica instrumental” e a
“racionalização comunicativa”. Enquanto a “racionalização técnica instrumental” está
centrada no sistema (Estado e mercado), a “racionalização comunicativa” está centrada no
“mundo da vida”, constituída pelos elementos da cultura, sociedade e personalidade. O
autor reage à ação colonizadora do mundo sistêmico sobre o “mundo da vida”.
No pensamento habermasiano, a relação entre o mundo sistêmico e o “mundo da
vida” deve ser mediada por meio de um processo político-comunicativo, que denomina
“ação comunicativa”, baseada na linguagem e na busca do consenso entre os indivíduos,
por intermédio do diálogo. Nessa perspectiva, a participação das organizações não-
governamentais no processo de formulação das políticas ambientais, por meio de
conselhos, reflete um movimento contrário à colonização do “mundo da vida”. A disputa
do espaço social, nos pontos de encontro entre sistema e mundo da vida, constitui a disputa
política fundamental das sociedades contemporâneas e é um elemento constitutivo na
consolidação do processo democrático.
No Brasil, a Política Nacional de Meio Ambiente, a Constituição Federal de 88, a
RIO 92 e a Reforma Gerencial foram marcos que fomentaram a consolidação da
democracia no país e o crescimento das Organizações Não-Governamentais e Conselhos
Ambientais no cenário das políticas ambientais. O meio ambiente passou a mobilizar cada
vez mais interesses conflitantes entre órgãos governamentais, empresas e sociedade civil
organizada.
O século XXI se inicia com o surgimento de novos conselhos com papel
fundamental na política ambiental, como a criação, em agosto de 2001, do Conselho de

45
Gestão do Patrimônio Genético - CGEN25, um órgão deliberativo e normativo que tem a
atribuição de controlar o acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais
associados, além de elaborar critérios, normas e orientações técnicas sobre o tema.
Em maio de 2003, foi estabelecida a Comissão Nacional de Biodiversidade –
CONABIO26, com o objetivo de promover a efetuação dos compromissos assumidos pelo
Brasil junto à CDB, bem como identificar e propor áreas e ações prioritárias para pesquisa,
conservação e uso sustentável dos componentes da biodiversidade. No mesmo ano foi
criada a Comissão Nacional de Florestas – CONAFLOR, com a denominação de Comissão
Coordenadora do Programa Nacional de Florestas e a participação de 20 representantes de
governo e 19 da sociedade civil, que visa conciliar o uso e conservação dos recursos
florestais (BRASIL, 2007c).
Nessa época, com a mudança de gestão no Ministério do Meio Ambiente, surgem
novas diretrizes para a política ambiental no Brasil: a promoção do desenvolvimento
sustentável, aliada a uma estratégia de conservação da biodiversidade voltada para a
sustentabilidade ambiental, social e econômica; a necessidade de controle e participação
social, visando à participação qualificada e consolidada da sociedade com a criação de
novos espaços institucionais nos processos decisórios; o fortalecimento do Sistema
Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), com objetivo de promover a gestão ambiental
compartilhada entre os governos federal, estadual e municipal; e a efetivação do chamado
princípio da transversalidade, no qual a política ambiental deixa de ser setorial para entrar
na agenda dos diversos ministérios e órgãos públicos.
No que diz respeito à gestão compartilhada, o Art.23 da Constituição Federal de
1988 afirma que a proteção do meio ambiente é responsabilidade da União, Estados,
Distrito Federal e Municípios. Portanto, não define claramente as situações em que cada um
deve atuar. A regulamentação do Art. 23 é aguardada pelos integrantes do SISNAMA. O
Ministério do Meio Ambiente colaborou para a elaboração de um projeto de lei

25
O CGEN foi criado pela Medida Provisória nº 2.186-16 de 23 de agosto de 2001, que dispõe sobre o
acesso ao patrimônio genético, a proteção e acesso ao conhecimento tradicional associado, a repartição de
benefícios e o acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para sua conservação e utilização.
26
O CONABIO foi instituído pelo Decreto nº 4.703, de 21 de maio de 2003, que dispõe sobre o
Programa Nacional de Diversidade Biológica – PRONABIO e a Comissão Nacional da Biodiversidade e dá
outras providências (BRASIL, 2007o).

46
complementar que fixa normas e define regras para a fiscalização e gestão florestal, além
de harmonizar as competências para a realização do licenciamento ambiental e autorizar a
supressão da vegetação.
Essa proposta vem do debate que se iniciou formalmente em maio de 2001, quando
o MMA criou a Comissão Técnica Tripartite Nacional, composta por representantes do
próprio ministério, da Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente
(ABEMA) e da Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente
(ANAMMA), com o objetivo de propor medidas para consolidar o SISNAMA.
Um dos grandes desafios da política ambiental é estabelecer instrumentos que
promovam sua descentralização e harmonização com os diversos setores. A formulação de
políticas que conciliassem simultaneamente o crescimento econômico e o equilíbrio
ambiental passou a ser pauta crescente na agenda conjunta de diversos ministérios. Tal fato
pôde ser observado com a criação, em abril de 2002, de um ambicioso programa de apoio
às Fontes Alternativas de Energia, o PROINFA, coordenado pelo Ministério das Minas e
Energia - MME. O programa foi considerado uma grande iniciativa do governo, embora
aproximadamente seis anos depois que o mesmo definiu a meta de 3,3 mil MW de geração
de energia por meio de fontes eólicas, de pequenas centrais hidrelétricas e de biomassa,
pouco avançou e a meta não foi alcançada.
Na mesma perspectiva de transversalidade e sustentabilidade, em 2004, o Governo
lançou oficialmente o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB),
vinculado a programas de inclusão social e de desenvolvimento regional. Logo após, em
2005, com vistas a incentivar o uso do biodiesel, foi estabelecido que, a partir de 2008, o
óleo diesel vendido no país deveria conter 2% de biodiesel. Além disso, fixou-se em 5% o
percentual mínimo obrigatório de adição de biodiesel ao óleo diesel comercializado no
Brasil a partir de 2013. Definiu-se, igualmente, sistema de incentivos fiscais e subsídios
para a produção de matérias-primas para o biodiesel em pequenas propriedades familiares
das regiões Norte e Nordeste, em especial na região do semiárido.
Apesar da formulação dessas políticas, muitas críticas têm sido direcionadas na
execução das mesmas. Uma das diretrizes básicas do programa Biodiesel era promover a
inclusão da agricultura familiar na cadeia produtiva. Mas as mudanças feitas pelo

47
Congresso Nacional e a falta de foco do executivo no cumprimento desta diretriz deixaram
à agricultura familiar o papel de mero fornecedor de parte das sementes oleaginosas
necessárias. As ações do governo em relação aos biocombustíveis estão delineadas no
documento “Diretrizes de Política de Agroenergia, 2006 – 2011”, elaborado pelos
ministérios de Agricultura, Ciência e Tecnologia, Minas e Energia e do Comércio Exterior,
elaborado, portanto, sem a participação dos ministérios do Meio Ambiente e do
Desenvolvimento Agrário.
Apesar das críticas, a política ambiental contemporânea já traz essas diretrizes na
sua implementação, com a participação de diversos setores dos governos federal, distrital,
estaduais e municipais, e da sociedade civil organizada – o que de certa forma reflete um
avanço na política ambiental, que passa cada vez mais a ser pautada por discussões pelos
vários grupos de interesse, nos foros dos conselhos, para definição de políticas e diretrizes,
permitindo a participação de ONGs, setor produtivo, cientistas, profissionais liberais,
trabalhadores. Essa dinâmica contribui para a melhoria da qualidade da governança
ambiental, embora não garanta que na definição das políticas ambientais sejam priorizados
os interesses socioambientais.
As discussões em torno das resoluções do CONAMA fortaleceram o diálogo entre
os diversos setores, e as negociações nas comissões tripartites nacional e estaduais que
antecedem o debate no plenário do conselho têm sido crescentes, o que favorece a
articulação entre os governos federal, estaduais e municipais. O aumento de
representatividade do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) de 29 para 57
membros em 2003 e da Comissão de Política de Desenvolvimento sustentável e da Agenda
21 (CPDS) de 10 para 34 membros em 2007, a possibilidade de participação dos povos
indígenas, das comunidades locais, das empresas, e de organizações ambientalistas como
convidados permanentes com direito a voz nas reuniões do CGEN, a ampliação do
conselho do Fundo Nacional do Meio Ambiente – FNMA são indicadores que refletem a
maior participação da sociedade na Política Ambiental.
Essa participação passa a ser ampliada com a realização da Conferência Nacional do
Meio Ambiente, uma iniciativa que conta com a crescente participação de milhares de
pessoas a cada evento, representantes dos mais diversos segmentos do governo e sociedade.

48
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente - MMA, grande parte das propostas
das conferências realizadas em 2003 e 2005 foi transformada em ações, tais como: o Plano
de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia, o Plano BR-163
Sustentável, as operações de combate à corrupção do IBAMA e órgãos estaduais e a sanção
da Lei de Gestão de Florestas Públicas em 2006.
A estratégia de uma política ambiental integrada para o desenvolvimento
sustentável está diretamente relacionada à estratégia de conservação da biodiversidade, que,
no Brasil, tem sido pautada por políticas de combate ao desmatamento nos biomas,
recuperação e uso sustentável da diversidade biológica e aumento das áreas protegidas 27. A
efetivação dessas políticas tem sido baseada na articulação de políticas específicas para
cada bioma, na organização de espaços de participação social, na reforma do setor florestal
e na ampliação do conhecimento sobre a biodiversidade.
Essa perspectiva é revelada com a publicação da Lei da Mata Atlântica, Lei 11.428
de 2006, que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata
Atlântica. A Lei aborda questões como instrumentos econômicos, com a possibilidade de
criação de um fundo para restauração do bioma. A lei contribui também para a definição do
que é pequeno produtor e principalmente do que são questões de interesse social, evitando,
assim, interpretações que abram brechas para o desmatamento (BRASIL, 2007m)
Observa-se que a política ambiental contemporânea procura abordar com mais
especificidade a relação dos aspectos econômicos, sociais e ambientais. Essa orientação é
reforçada na Lei de Gestão de Florestas Públicas. O governo brasileiro entendia que o país
necessitava de um mecanismo para regular a gestão florestal em terras públicas. Em 2002,
foi encaminhada a proposta da referida lei, motivada pela necessidade de controlar o uso
ilegal de florestas públicas, manter a sua capacidade de produzir bens e serviços e fomentar
o desenvolvimento socioeconômico. Em 2003, a proposta foi retirada e o processo de
consulta foi reaberto. Em março de 2006, foi publicada a Lei de Gestão de Florestas
Públicas.

27
Ressalte-se que, em 21 de maio de 2004, o Decreto nº 5.092 estabelece regras para a identificação de
áreas prioritárias para a conservação, utilização sustentável e repartição dos benefícios da biodiversidade.

49
A partir desse momento, a política florestal passa a ser reorientada com a criação do
Serviço Florestal Brasileiro, órgão gestor das florestas públicas federais que atua na
promoção do manejo sustentável, com programas de capacitação, assistência técnica, e de
pesquisa e desenvolvimento. A criação da Comissão de Gestão de Florestas Públicas –
CGFLOP, com representantes de diversas áreas do poder público, de empresários, de
trabalhadores, da comunidade científica, dos movimentos sociais e das ONGs, tem o
objetivo de atender às reivindicações da sociedade referentes ao assessoramento, à
avaliação e à proposição de diretrizes para a gestão sustentável das florestas públicas da
União. Essa nova ótica da política florestal reflete a tentativa de nortear a política ambiental
brasileira para o desenvolvimento sustentável (BRASIL, 2007g)
Os primeiros seis anos de 2000 também foram marcados por eventos que criaram
oportunidades políticas para o desenvolvimento e a eventual instituição da Lei de Gestão
das Florestas Públicas. O registro dos níveis de desmatamento em 2002 levantou
preocupações sobre este problema aparentemente insustentável. Entre 2003 e 2006, várias
operações secretas de aplicação coercitiva e expuseram os interesses das empresas, bem
como de funcionários públicos. O assassinato da ativista americana, Dorothy Stang, em
2005, motivado por disputas de terras, chamou a atenção nacional e internacional para a
crescente violência nas regiões rurais da Amazônia brasileira.
A crise no setor florestal chamou a atenção do governo para as questões de
irregularidades de posse de terra e utilização ilegal de terras públicas. Através da direção do
IBAMA, desde agosto de 2003, planos de gestão florestal já não eram aprovados sem a
devida documentação legal dos títulos de terra. Antes de 2003, os planos de gestão eram
aprovados com base em documentação precária do INCRA e registros de propriedade
estatal. Além disso, contanto que uma empresa fornecesse provas de que tinha dado início
ao processo de legalização junto ao INCRA, isto já era suficiente para provar a legalidade
do pedido de posse de terra. Muitas vezes, antes que a entidade responsável pela titulação
da terra chegasse a uma decisão, a propriedade já havia sido devastada e o empreiteiro já
havia partido.
Em 2000, havia 3000 planos de manejo na Amazônia brasileira. Após a inspeção
destes planos, muitos foram cancelados ou suspensos e esse número foi reduzido para 1100

50
planos. Com o acesso da indústria florestal a terras particulares transformado em um
sistema quase imobilizado, o acesso às terras públicas para a colheita de madeira tornou-se
criticamente importante. Em meados de 2004, sindicatos de trabalhadores e associações do
setor florestal pediram que o governo começasse a aprovar novos projetos de manejo
florestal. Embora o governo houvesse decidido não autorizar novos planos de gestão
florestal em terras públicas até que a questão da posse da terra fosse resolvida, ele aceitou
avaliar 49 áreas de florestas públicas pelo seu potencial em gestão de madeira.
O INCRA georeferenciou 33 destas áreas e ocorreram discussões sobre elas estarem
disponíveis para a exploração madeireira. Enquanto os planos de gestão estavam sendo
desenvolvidos, um Decreto Governamental requerendo o registro de todas as propriedades
rurais foi baixado (Portaria Conjunta nº. 10, Dezembro, 2004). Em 28 de dezembro de
2004, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), no estado do Pará, anunciou que
as 33 áreas ainda não estavam disponíveis e que a indústria teria de esperar até o final de
janeiro de 2005. A indústria estava sob tensão considerável e carecia de um volume
suficiente de madeira abatida legalmente para satisfazer a demanda. A situação atingiu
proporções críticas com a suspensão de 26 planos de gestão florestal na região de Santarém.
Os próximos anos irão revelar se as novas políticas e instituições criadas a partir de
2000 representam uma ruptura com os baixos níveis de execução das políticas e programas
do passado. A experiência com concessões florestais, por exemplo, sua habilidade de
controlar o uso ilegal de terras públicas, rendimentos e gestão sustentável da floresta para
usos múltiplos, poderão dizer se a política de florestas tem, na prática, caminhado em
direção à gestão sustentável dos recursos naturais.
A transição do Brasil para uma política de gestão sustentável de florestas está
ocorrendo num momento em que o próprio conceito de gestão sustentável está evoluindo
rapidamente. O foco do movimento ambiental sobre as questões climáticas e dos serviços
ambientais que as florestas geram tem aumentado a necessidade de as florestas atingirem
metas mais amplas de sustentabilidade ambiental.
Nesse cenário, surgiram novos instrumentos para a promoção e gerenciamento de
florestas, tais como pagamentos por serviços ambientais, créditos de carbono, autorizações
negociáveis de desmatamento, entre outros. A complexidade e quantidade dos instrumentos

51
econômicos aumentaram na primeira década do século XXI, e as florestas passam
crescentemente a serem mais valorizadas pelos produtos e serviços ambientais que elas
oferecem. A política ambiental passa cada vez mais a ser orientada para conciliar interesses
ecológicos, econômicos e sociais, embora muitas vezes as orientações não saiam do papel.
No plano institucional, a área ambiental do Governo Federal sofreu uma grande
transformação com a aprovação da Lei nº 11.516, de 28 de agosto de 2007, que dispõe
sobre a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (BRASIL,
2008), fruto do desmembramento do IBAMA, que passa a ser responsável apenas pelo
licenciamento ambiental, o controle da qualidade ambiental, a autorização do uso dos
recursos naturais e a fiscalização. Já o Instituto Chico Mendes fica responsável pela gestão
e proteção de unidades de conservação, orientando-se para políticas de uso sustentável.
Essa divisão gerou resistência por partes dos servidores e alguns representantes da área
ambiental – criou-se, assim, a visão de que essa mudança estaria prejudicando a política
ambiental do país.
Um dos maiores problemas da política ambiental hoje é a dificuldade em efetivar a
perspectiva da transversalidade, considerando os múltiplos interesses que permeiam os
diversos setores do governo, sejam eles econômicos, políticos ou sociais. São interesses que
muitas vezes consideram o ambiental um entrave ao desenvolvimento de suas atividades e
ao crescimento do país.
A política ambiental brasileira deve estar pautada na agenda internacional, uma vez
que os maiores problemas globais, como o das mudanças climáticas, têm forte relação de
dependência com a política ambiental brasileira. O Brasil é um dos maiores emissores de
gás de efeito estufa do mundo e a maior parte das emissões é proveniente do desmatamento
da Amazônia, o que reflete a importância da política florestal brasileira.
O processo de formulação da política ambiental tende cada vez mais a se basear na
atuação conjunta de diversos atores, incluindo todos os entes federativos, bem como as
organizações não-estatais. A nova Política Nacional da Biodiversidade28 já institui
princípios e diretrizes para sua implementação com a participação dos governos federal,

28
O Decreto nº 4.339, de 22 de agosto de 2002, institui princípios e diretrizes para implementação da
Política Nacional da Biodiversidade (BRASIL, 2007h).

52
distrital, estaduais e municipais, e da sociedade civil organizada, refletindo também um
avanço na política ambiental, que passa cada vez mais inserida em discussões de vários
grupos de interesse, nos foros dos conselhos, para definição de políticas e diretrizes,
permitindo a participação de ONGs, setor produtivo, cientistas, profissionais liberais,
trabalhadores.
Em muitos casos, há um intenso debate entre diversos atores que demandam a
formulação de uma determinada política durante anos, e a mesma carece de uma articulação
política mais coesa e de um debate mais ampliado entre os diversos setores envolvidos. É o
que ocorreu com a formulação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que define as
diretrizes nacionais para a gestão dos resíduos sólidos, determina que o poder público e a
coletividade sejam responsáveis pela efetividade das ações que envolvam os resíduos
gerados.
A política é discutida há quase vinte anos. No ano de 2007, foi encaminhado novo
PL, que começou a tramitar no Congresso e teve, após análise de diversas propostas, uma
audiência pública realizada no dia 21 de outubro de 2009, com a Comissão de Meio
Ambiente da Câmara dos Deputados e a Frente Parlamentar Ambientalista para discutir o
projeto, que contou com o apoio do Ministério do Meio Ambiente, de entidades
empresariais, associação de catadores e parlamentares. O relatório da proposta seguiu para
votação no plenário da Câmara, e foi aprovada a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, que
dispõe sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Com a nova lei, objetos como lâmpadas fluorescentes, pilhas, baterias, pneus, óleos
lubrificantes e produtos eletrônicos deverão ser retirados de circulação após o uso pelo
consumidor. O sistema implantado nesse caso será o da logística reversa, em que o setor
empresarial passa a ser responsável por estruturar uma rede de coleta, reaproveitamento
e/ou destinação final de produtos descartados pelos consumidores. Já os setores que não
estão obrigados a adotar a logística reversa estarão enquadrados no conceito de
responsabilidade compartilhada, o que significa que essas empresas deverão elaborar um
plano de gerenciamento de seus resíduos, que deve ser apresentado à instituição pública
responsável pelo licenciamento ambiental.

53
De forma diferenciada, com o nível de diálogo bem mais restrito, o Ministério do
Meio Ambiente, em articulação com diversos Ministérios, a Presidência da República e o
Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, propôs o Plano Nacional de Mudanças
Climáticas, que resultou na publicação do Decreto n° 6.263, de 21 de novembro de 2007. O
plano dispõe sobre oportunidades de mitigação nas áreas de energia, florestas, indústrias,
resíduos, transportes, entre outros. Além disso, o documento orienta ações de pesquisa e
desenvolvimento, educação, capacitação e comunicação, bem como propõe instrumentos
econômicos, legais e de cooperação internacional para implementação das ações. A
proposta recebeu críticas de diversos setores da sociedade por não ter sido discutida com
órgãos e entidades que têm fundamental importância no processo.
As iniciativas públicas relacionadas ao Clima se estenderam ao poder legislativo,
que aprovou em novembro de 2009, a Política Nacional de Mudanças Climáticas e o Fundo
Nacional sobre Mudança do Clima. A Política estabelece, entre outras coisas, como
instrumento de combate ao aquecimento global, que a área de plantio de árvores deve
passar, até 2020, de 5,5 milhões de hectares para 11 milhões. Destes, dois milhões serão
com espécies nativas e o restante com espécies exóticas. No que se refere ao Fundo, o
mesmo será administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social -
BNDES, por meio de um Comitê Gestor, com a participação de representantes do
Executivo e entidades não-governamentais. O Fundo receberá recursos provenientes dos
royalties do petróleo e do setor de mineração, podendo ainda receber doações de empresas
privadas nacionais e internacionais.
Tais iniciativas foram relevantes, mas o que causou grande impacto foi o
estabelecimento de metas para redução das emissões de gases estufa. As mesmas ainda são
consideradas por muitos como subutilizadas, tendo em vista as diretrizes e os princípios
voltados para mitigação e adaptação. Um instrumento que pode carecer de efeitos práticos,
considerando que não há mecanismos claros de como essas metas serão atingidas.
Esse é um dos grandes desafios dos formuladores da política ambiental, que se
deparam com as metas do Programa de Aceleração do Crescimento e do setor produtivo
como um todo. Alguns meses antes da aprovação da Política de Mudanças Climáticas, o
governo contingenciou o orçamento do Ministério do Meio Ambiente e baixou impostos

54
para produção de veículos automotores, sem a exigência de melhora nos padrões de
consumo de combustível ou apoio equivalente do desenvolvimento de transporte público.
Observa-se, nesse caso, uma iniciativa desprovida de transversalidade. Tal constatação
pode ser observada nas principais políticas ambientais, que têm gerado bastante polêmica
na mídia nos últimos anos.
A despeito de a legislação ambiental brasileira ser considerada densa, muitos
ambientalistas têm criticado os diversos instrumentos legais e políticas, que formulados
com a intenção de conciliar interesses ambientais, sociais e econômicos, parecem priorizar
os econômicos em detrimento dos sociais e ambientais. Esses são os argumentos do setor
ambiental, que são contrários, em grande parte, aos do setor produtivo, que preconiza,
sobretudo, a geração de emprego e renda. Muitas políticas são formuladas e reformuladas,
priorizando algum interesse em detrimento de outro.
São diversos os exemplos que ilustram essa dinâmica e conflito na política
ambiental atual. Em novembro de 2008, por exemplo, o governo federal mudou o decreto
6514/08, que exigia o cumprimento da legislação federal, obrigando ruralistas a replantar
reservas florestais destruídas. Com a mudança, na prática eles ganharam mais um ano de
prazo para averbar suas reservas florestais em cartório. A partir daí, um futuro mecanismo
de fiscalização é que obrigaria o replantio.
Um mês após a publicação do referido decreto, o governo revogou a legislação da
década de 90 que protegias as cavernas brasileiras. Em substituição, foi publicado um
decreto que, segundo as organizações não-governamentais, põe em risco a maior parte do
patrimônio espeleológico brasileiro. A justificativa foi que a proteção total das cavernas
impedia atividades econômicas como mineração e novas hidrelétricas.
O primeiro semestre de 2009 foi marcado pela discussão polêmica e respectiva
publicação de duas medidas provisórias, a 452 e 458/09. A MP 452 dispensa de
licenciamento prévio as obras em rodovias brasileiras, estabelece o prazo máximo de 60
dias para a licença de instalação. Após esse período, a licença passa a ser automática.
Houve abaixo-assinado e a MP passou a ser acusada pelas organizações não-
governamentais por ter sido feita sob medida para possibilitar a abertura da BR 319,
localizada no coração da Floresta Amazônica.

55
Em fevereiro de 2009, foi publicada a Medida Provisória 458/09, que, a título de
regularizar posses de pequenos agricultores ocupantes de terras públicas federais na
Amazônia, abriu a possibilidade de se legalizar a situação de grande quantidade de
grileiros. As organizações não governamentais criticavam principalmente a existência de
alguns pontos, entre eles, a liberação de terras da Floresta Amazônica para empresas,
regularizando as terras griladas de até 1500 hectares; a permissão para que as pessoas que
não moram nas terras reclamassem a posse usando preposto, a possibilidade de venda a
preços menores de áreas até 400 hectares, quando os posseiros podem obter lucro na posse
sem contrapartida à sociedade.
As áreas ocupadas até 100 hectares são doadas. A partir daí a até 400 hectares, será
cobrado apenas valor simbólico aos seus ocupantes, dispensando-as de vistoria prévia. Já as
áreas com 400 hectares até 1.500 hectares, serão alienadas a valor de mercado, podendo ser
revendidas após três anos da posse. Os pequenos proprietários, com terras de 100 a 400
hectares, precisam aguardar 10 anos.
Após a transferência, o proprietário terá que recuperar áreas que tinham sido
degradadas. Pelo Código Florestal, pelo menos 80% de cada propriedade da Amazônia
deve ser preservada. Para a regularização, as terras não podem estar em litígio. Ocorre que
há muitos casos de indefinição fundiária que alimenta os graves conflitos agrários da
Amazônia. Os pequenos agricultores ficam vulneráveis à violência no campo e o Estado
não tem estrutura para fiscalizar essas propriedades e garantir que a legalização seja justa.
Os conflitos entre a agricultura e meio ambiente vão desde os pequenos agricultores
até os grandes latifundiários. A revisão do Código Florestal foi uma tentativa de conciliar
os diversos interesses, mas culminou em grandes embates políticos entre essas áreas do
governo, organizações não-governamentais e setor empresarial. A bancada ruralista propôs
a revogação tácita do Código Florestal, pressionando pela diminuição da reserva legal da
Amazônia de 80% para 50% e pela anistia a todas as ocupações ilegais em áreas de
preservação permanente.

56
Surgiram novos acordos, tais como a simplificação dos procedimentos de aprovação
da localização e averbação da área de reserva legal29; a criação do Programa Federal de
Apoio à Regularização Ambiental da Agricultura Familiar30, a possibilidade de realizar nas
áreas de preservação permanente atividades de manejo florestal sustentável praticadas pela
agricultura familiar e pelas comunidades tradicionais, entre outras ações propostas.
No mesmo ano, foi colocada em destaque na política ambiental a publicação do
decreto 6.848 de 14 de maio de 200931, que estabelece o teto de 0,5% do valor do
empreendimento para todos aqueles que causam impacto ambiental significativos, não
fazendo distinção entre aqueles com impactos de grande relevância daqueles que são de
relevância menor. O Supremo Tribunal Federal já havia considerado inconstitucional o
artigo da lei 9.985/00, que estabelece o valor mínimo de 0,5% do valor dos
empreendimentos que causam impacto ambiental significativo, com o objetivo de não
conceder alto grau de liberdade aos tomadores de decisão do Estado em estabelecer o valor
para cada caso.
Nos anos de 2008 e de 2009, travou-se grande debate relacionado ao licenciamento
das hidrelétricas, notadamente, as do Belo Monte e do Rio Madeira. De um lado, cientistas,
ambientalistas, parte do Ministério do Meio Ambiente e algumas organizações e
movimentos sociais defendem estudos mais aprofundados para o licenciamento, alegando
que a aplicação de tais empreendimentos causaria impactos ambientais e sociais
significativos. Por outro lado, cientistas, parte do Ministério do Meio Ambiente, Ministério
de Minas e Energia, Casa Civil, empresários, entre outros atores defendem a implantação
de tais empreendimentos, mas com medidas compensatórias aos impactos ambientais e
sociais causados pelos mesmos, alegando o fortalecimento da matriz energética com a
geração de energia limpa, geração de emprego e renda, entre outras vantagens. O processo

29
Essa iniciativa foi uma tentativa de melhorar a situação da agricultura familiar, criando critérios
técnicos para o regime de manejo florestal sustentável da reserva legal, com a prestação de assessoria técnica
necessária à agricultura familiar
30
O objetivo do programa é promover e apoiar a regularização ambiental desses imóveis, com o prazo
de adesão de três anos, criando uma alternativa para estimular a regularização ambiental e resolução do
passivo dos agricultores, gerando clima de segurança e tranquilidade no campo.
31
A publicação do decreto vai de encontro à Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, assinada na ECO 92, que determina que aquele que causa a declaração deve ser
responsável, integralmente, pelos custos sociais dela derivados (princípio do poluidor pagador)

57
de licenciamento dessas usinas tem sido de alta complexidade e com intervenção ativa do
Ministério Público, que chegou a aplicar penalidades ao dirigente do IBAMA por ter
concedido um dos licenciamentos.
A despeito de todos os pontos polêmicos existentes na política ambiental no Brasil,
é inexorável considerar como carro chefe das discussões as mudanças climáticas, tanto no
plano nacional como no internacional. Um estudo divulgado no segundo semestre de 2009
pelo Ministério do Meio Ambiente mostra que o desmatamento é responsável por pouco
mais da metade (51,9%) das emissões de dióxido de carbono do país. A segunda atividade
que mais contribui para o aquecimento global é a agropecuária, com 25%, seguida do setor
de energia, com 20%. Logo após vem indústria e resíduos com 1,7% e 1,4%,
respectivamente (BRASIL, 2009).
Diante do exposto, pode-se considerar que o Brasil necessita adotar políticas
florestais mais eficazes, com metas bem definidas de redução de desmatamento, que
certamente irão contribuir para redução das emissões de gases estufa. O Brasil já estipulou
meta voluntária de redução de gases estufa para 2020, uma redução de 36,1% a 38,9%,
apresentada na COP 15, em dezembro de 2009, em Copenhague. O setor industrial e
agrícola resistiam às metas impostas pelo governo. O conflito entre os interesses
econômicos, ambientais e sociais persistem na política ambiental contemporânea e o grande
desafio é conciliar esses diversos interesses.
As propostas de redução de metas de emissão têm relação direta com o tema
desmatamento dos biomas brasileiros. A Amazônia, em primeiro lugar, sempre foi o que
mais chamou atenção, mas não se pode deixar de lado a situação em que se encontra o
cerrado. O Ministério do Meio Ambiente lançou tardiamente, em 2009, uma proposta de
plano nacional de combate, de controle do desmatamento no cerrado brasileiro e anunciou
um índice de cerca de cinquenta e quatro por cento do cerrado hoje já desmatado, um valor
muito alto. Isso quer dizer que mais da metade do cerrado brasileiro hoje é degradado, ou
em vias degradação, em função da ocupação desordenada, da ocupação que não considera o
valor da biodiversidade existente na região do cerrado do Brasil.
A criação do Instituto Chico Mendes - ICMBIO proporcionou ao país melhores
condições para criar as unidades de conservação, mas o processo de criação se deu num

58
ritmo bem mais reduzido nos últimos tempos em função da reação, principalmente do setor
da agropecuária, do setor mineral, bem como de vários setores que disputam áreas ricas em
diversidade biológica ou mineral.
A Casa Civil tem arbitrado cada vez mais no debate em torno das unidades de
conservação, justamente por conta dos múltiplos interesses nessa área, mas o fato objetivo é
que tem resultado dessa mediação uma queda no ritmo de criação de unidades, a despeito
de tantas unidades de conservação já criadas. Pode-se considerar certamente um percentual
global baixo pelo tamanho do país com dimensão continental e uma riqueza em termos de
biodiversidade que gira em torno de 22% das espécies de fauna e flora do mundo (MMA,
2008). Ocorre que a criação de unidades de conservação, mesmo que sejam de uso
sustentável, ainda é vista como um entrave ao desenvolvimento do país. A agenda nacional
é consubstanciada prioritariamente por interesses e metas econômicas.
A promoção do Desenvolvimento Sustentável depende da conciliação de interesses
de diversos setores e atores, que devem buscar, sobretudo, uma sociedade socialmente justa
e ecologicamente correta, levando em consideração o conjunto de desafios institucionais
para o desenvolvimento local, e propondo uma serie de ações estratégicas que reúnam
esforços conjuntos do Estado, mercado e sociedade civil, nos níveis local, regional e global
(GUIMARÃES, 2003).
Esse contexto, portanto, orienta o Estado moderno a efetivar suas políticas por meio
da atuação conjunta de diversos atores nos níveis local, regional e global, que podem se
organizar essencialmente como uma rede, constituindo o que Castells chama de Estado-
Rede – uma forma política que permite a gestão cotidiana da tensão entre o local e o
global32 (CASTELLS, 1999). A concepção de Estado-Rede, concebido para um contexto
globalizado e informatizado, aponta para um Estado mais leve, mais flexível, menos
centralizado e com maior participação da sociedade civil, o que pode contribuir para que se
tenha justiça social, equilíbrio ambiental e eficiência econômica no processo de
implementação de políticas públicas.

32
Castells (1999) argumenta que as redes pessoais mantêm-se com mais força nos níveis locais e
estaduais, que são frequentemente os níveis mais corruptos da administração, do que no nível federal. Por
outro lado, a proximidade do governo e dos cidadãos no nível local permite um controle social mais
transparente e reforça as oportunidades de participação política.

59
A perspectiva do Estado-Rede não se restringe a um movimento para
descentralização, com maior envolvimento dos estados e municípios na política ambiental
como ocorreu no Brasil nos últimos anos33. O Estado não deve induzir a política e gestão
ambiental brasileira a um processo de descentralização de forma vertical nos municípios,
sem levar em consideração a capacidade administrativa e financeira dos mesmos. Esses
entes devem ser capacitados e os espaços institucionalizados de participação devem ser
criados para efetivamente funcionarem com vistas a exercerem o controle e participação
sobre as ações das políticas governamentais.
A política ambiental brasileira deve buscar um conjunto de leis e normas, num
modelo de descentralização coerente com a realidade institucional do Estado Brasileiro, que
permita ao mesmo tempo mais transparência e controle social, contextualizada na
concepção de um Estado-Rede. Essa dinâmica contribui para a melhoria da qualidade da
governança ambiental34, embora não garanta que na definição das políticas ambientais
sejam priorizados os interesses socioambientais. No processo de formulação das políticas
ambientais, é fundamental que empresas, sociedade e governo estejam em sintonia, visando
conciliar também os interesses sociais e ambientais. Os interesses econômicos e políticos
de curto prazo que procuram inviabilizar a transversalidade constituem o grande obstáculo
para promoção de uma política ambiental integrada para o desenvolvimento sustentável.

33
O Relatório Perfil dos municípios Brasileiros (IBGE, 2004) demonstra o aumento de estruturas
formais e conselhos de meio ambiente nos municípios brasileiros nos últimos anos.
34
Rosenau (2000) define governança como sendo um sistema no qual “atores governamentais e não-
governamentais que concordam intersubjetivamente em que a cooperação em nome dos seus interesses
compartilhados justifica a aceitação de princípios, normas, regras, e procedimentos que diferenciam e dão
coerência a suas ações, exigindo a acomodação entre interesses conflitantes”

60
3. A ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL
Nas definições dos dicionários de ciência políticas, nas políticas públicas
encontram-se os seguintes componentes comuns: a) institucional: a política é elaborada ou
decidida por autoridade formal legalmente constituída no âmbito de sua competência e é
coletivamente vinculante; b) decisório: a política é um conjunto-seqüência de decisões,
relativo à escolha de fins e/ou meios, de longo ou curto alcance, numa situação específica e
como resposta a problemas e necessidades; c) comportamental: implica ação ou inação,
fazer ou não fazer nada; mas uma política é acima de tudo, um curso em ação e não apenas
uma decisão singular; d) casual: são os produtos de ações que têm efeitos no sistema
político e social.
Os diferentes autores coincidem no conceito geral e nas características essenciais
das políticas públicas. O formato concreto delas dependerá de cada sociedade específica. O
estágio de maturidade de cada uma delas contribuirá, ou não, para a estabilidade e eficácia
das políticas, para o grau de participação de grupos interessados, para a limpidez dos
procedimentos de decisão (SARAVIA, 2006).
De acordo com Saravia (2006), as etapas normalmente consideradas em matéria de
política pública – formulação, implementação e avaliação – precisam de um certo grau de
especificação na América Latina. É possível, portanto, verificar várias etapas num processo
de política pública:
1) Agenda: inclusão de determinado pleito na lista de prioridades do poder
público. A inclusão na agenda induz e justifica uma intervenção pública legítima
sob a forma de decisão das autoridades públicas.
2) Elaboração: consiste na identificação e delimitação de um problema atual ou
potencial da comunidade, a determinação das possíveis alternativas para a
solução ou satisfação, a avaliação dos custos e efetivos de cada uma delas e o
estabelecimento de prioridades.
3) Formulação: inclui a seleção e especificação da alternativa considerada mais
conveniente, seguida de declaração que explicita a decisão adotada, definindo
seus objetivos e seu marco jurídico, administrativo e financeiro.

61
4) Implementação: constituída pelo planejamento e organização do aparelho
administrativo e dos recursos humanos, financeiros, materiais e tecnológicos
necessários para executar uma política. Trata-se da preparação para pôr em
prática a política pública, a elaboração de todos os planos, programas e projetos
que permitirão executá-la.
5) Execução: é o conjunto de ações destinado a atingir os objetivos estabelecidos
pela política. É pôr em prática efetiva a política, é a sua realização.
6) Acompanhamento: é o processo sistemático de supervisão da execução de uma
atividade e de seus diversos componentes. Essa etapa tem o objetivo de fornecer
a informação necessária para introduzir eventuais correções, a fim de assegurar
a consecução dos objetivos estabelecidos.
7) Avaliação: consiste na mensuração e análise, a posteriori, dos efeitos
produzidos na sociedade pelas políticas públicas, especialmente no que diz
respeito às realizações obtidas e às conseqüências previstas e não previstas.

Na presente tese, os conceitos de elaboração e formulação serão utilizados sem


diferenciação e englobam as explicações existentes nos itens dois e três acima. Da mesma
forma, a implementação e execução contemplam o que está explicitado nos itens quatro e
cinco do processo de política pública mencionado acima.
De acordo com Parada (2006), o processo de política pública deve ser pensado
levando em consideração uma série de elementos que podem contribuir ou não para que a
política pública seja considerada de excelência. O quadro 1 abaixo ilustra as características
necessárias de uma política pública de excelência:

62
Características de uma política pública de excelência:

1. Fundamentos amplos e não somente específicos (qual é a ideia? para onde vamos?)

2. Estimativa de custos e de alternativas para financiamento

3. Fatores para uma avaliação de custo-benefício social

4. Beneficio social marginal comparado com o de outras políticas (o que é prioritário?)

5. Consistência interna e agregada (agrega-se a que? ou inicia-se o que?)

6. De apoios e críticas prováveis (políticas, corporativas, acadêmicas)

7. Oportunidade política

8. Posicionamento na sequência de medidas pertinentes (o que vem primeiro? o que


condiciona o que?)

9. Clareza de objetivos

10. Funcionalidade dos instrumentos

11. Indicadores (custo unitário, economia, eficácia, eficiência)

Fonte: CIPE, Directory of Public Policy Institutes in Emerging Markets. Washington:1996 in


Parada (2006)

Na Análise de Políticas Públicas, deve-se considerar os diversos elementos


apontados anteriormente e ressaltar que o processo de análise de campos específicos de
políticas públicas como a política ambiental não se restringe meramente a aumentar o
conhecimento sobre planos, programas e projetos desenvolvidos e implementados pelas
políticas setoriais. É relevante também o conhecimento sistêmico das políticas dos setores
que têm interface com as diversas políticas setoriais, o uso de metodologias capazes de
promover um grau mais técnico no processo de formulação, implementação e avaliação das
políticas públicas, bem como o conhecimento dos principais elementos técnicos e
conceituais existentes no campo das ciências política e administrativa.

63
Para Faria (2003), há atualmente uma série de abordagens, teorizações incipientes e
vertentes analíticas que buscam dar significação à diversificação dos processos de formação
e gestão das políticas públicas, considerando um mundo cada vez mais caracterizado pela
interdependência assimétrica, incerteza e complexidade das questões. A literatura tem
conseguido maior relevância ao categorizar tais abordagens e vertentes analíticas em
diversos elementos, o que contribui para o melhor entendimento na análise das políticas
públicas.
A abordagem analítica da policy analisys pretende analisar a inter-relação entre as
instituições políticas – polity, o processo político – politics; e os conteúdos de política –
policy, como o arcabouço dos questionamentos tradicionais da ciência política. A polity se
refere à ordem do sistema político, delineada pelo sistema jurídico e à estrutura
institucional do sistema político-administrativo. A politics tem em vista o processo político,
frequentemente de caráter conflituoso, no que diz respeito à imposição de objetivos e aos
conteúdos e decisão de distribuição. A policy se refere a conteúdos concretos, ou seja, à
configuração de programas políticos, aos problemas técnicos e ao conteúdo das decisões
políticas (FREY, 2000).
Além desses elementos de abordagem da policy analisys, existem outros como a
policy networks, policy arena e policy cycle. A policy networks é a interação das diferentes
instituições e grupos, tanto do executivo, do legislativo e como da sociedade na
implementação dos conteúdos da política (HECLO, 1978). Deve ser enfatizado que a
tendência é, cada vez mais, entender as redes de políticas públicas como um conceito
abrangente, que tem merecido grande relevância no ramo das políticas públicas. Pode-se
afirmar que a progressiva prevalência das abordagens de redes tem-se imposto pela
necessidade de refletir a dinâmica política do mundo globalizado, em que a ideia de um
Estado monolítico que concentra as decisões não mais se sustenta.
O conceito de redes de políticas públicas nas análises específicas de policy science,
deriva do paradigma da racionalidade limitada e dos modelos que compreendem a política
pública como resultante de um processo em que interagem múltiplos atores. FREY (2000)
destaca que as redes de políticas públicas são de grande importância para a análise de
problemas concretos, sobretudo enquanto fatores dos processos de conflito e de coalizão na

64
vida político-administrativa. Afirma que, na realidade das democracias mais consolidadas,
os membros das redes de políticas públicas costumam rivalizar-se, mas criam laços internos
de solidariedade, o que lhes possibilita se defender e agir contra outras redes consideradas
concorrentes.
A policy arena considera que as reações e expectativas das pessoas afetadas por
medidas políticas têm um efeito antecipativo sobre o processo político de decisão e
implementação (LOWI,1992). E o chamado policy cycle decorre do fato de que as redes e
as arenas das políticas setoriais podem sofrer modificações no decorrer dos processos de
formulação e implementação das políticas, considerando o caráter dinâmico dos processos
político-administrativos (COUTO, 1998).
As políticas públicas, por sua vez, são outputs, resultantes dos processos políticos
(politics): compreendem o conjunto das decisões e ações relativas à alocação imperativa de
valores. Nesse sentido é necessário distinguir entre política pública e decisão política. Uma
política pública geralmente envolve mais do que uma decisão e requer diversas ações
estrategicamente selecionadas para executar as decisões tomadas. Já uma decisão política
corresponde a uma escolha dentre um leque de alternativas conforme a hierarquia das
preferências dos atores envolvidos, expressando, em maior ou menor grau, certa adequação
entre os fins pretendidos e os meios disponíveis. Assim, embora uma política pública
implique decisão política, nem toda decisão política chega a constituir uma política pública.
As políticas públicas envolvem, portanto, atividade política. De acordo com Easton
(1970), resultam do processamento, pelo sistema político, dos inputs originários do meio
ambiente e, frequentemente, de withinputs (demandas originadas no interior do próprio
sistema político).
Os inputs e os withinputs podem expressar demandas e suporte. As demandas
podem ser, por exemplo, reivindicações de bens e serviços, como conservação ambiental.
Podem ser, ainda, demandas de participação no sistema político, como reconhecimento do
direito de voto em conselhos ambientais.
O suporte ou apoio nem sempre estão diretamente vinculados a cada demanda ou
política específica. Geralmente, estão direcionados para o sistema político ou para a classe
governante. Por outro lado, embora os inputs de apoio nem sempre estejam diretamente

65
vinculados a uma política, eles não podem estar sempre totalmente desvinculados das
políticas governamentais, pois neste caso o governo não conseguiria cumprir seus
objetivos.
Exemplo de suporte ou apoio são a obediência e o cumprimento de leis e
regulamentos emanados pelo Poder Público, atos de participação política, a disposição para
pagar tributos ambientais. Mas podem ser também atos mais fortes, como o envolvimento
na realização de determinados programas governamentais, a participação em manifestações
públicas.
Assim, quando os empresários, por exemplo, deixam de pagar multas ambientais,
constata-se a ausência de um input de apoio; o mesmo ocorre com a as manifestações de
ambientalistas, por exemplo, contra os governantes: estes fatos significam que falta apoio,
seja ao governo, seja ao próprio sistema político.
Finalmente, os withinputs também expressam demandas e apoio, e distinguem-se
dos inputs pelo fato de que são provenientes do próprio sistema político: dos agentes do
executivo (ministros, burocratas, tecnocratas, etc.), dos parlamentares, dos governadores de
estado, do judiciário.
Assim, de maneira bastante simplificada, pode-se considerar que grande parte da
atividade política dos governos se destina à tentativa de satisfazer as demandas que lhes são
dirigidas pelo atores sociais ou aquelas formuladas pelos próprios agentes do sistema
político, ao mesmo tempo em que articulam os apoios necessários. Na realidade, o próprio
atendimento das demandas deve ser um fator gerador de apoios, mas isto nem sempre
ocorre ou, mais comumente, ocorre apenas parcialmente. De qualquer forma, é na tentativa
de processar as demandas que se desenvolvem os procedimentos formais e informais de
resolução pacífica de conflitos que caracterizam a política.
É importante ressaltar que os elementos estruturais de política em policy analisys
foram bastante criticados por sua tradição em atribuir, na análise dos processos políticos,
aos conteúdos da política, uma importância maior que as condições institucionais. Surge,
então, a necessidade de reforçar a perspectiva institucional na análise de políticas públicas,
que é criada em torno de ideias de identidades e de concepções de comportamento
apropriado, contrapondo-se à perspectiva de troca que é constituída em torno de ideias de

66
formação de coalizões e de uma troca voluntária de atores políticos impulsionados pelo
interesse próprio (MARCH and OLSEN, 1995).
Na análise de políticas públicas devem-se considerar as instituições no sentido de
saber se elas realmente exercem um papel importante e decisivo nos processos de formação
de vontade e de decisão e, se não, quais consequências isso acarreta para o processo
político em geral (O'DONNELL, 1991). Deve se considerar, ainda, a interferência de
padrões peculiares de comportamento político, como clientelismo e patrimonialismo, que,
eventualmente, exercem uma influência maior na definição de políticas públicas do que as
instituições formais, podendo desconfigurar e/ou descaracterizar os arranjos institucionais
formais.
As questões relacionadas a arranjo institucional ganharam grande centralidade na
agenda nos anos 80-90 e foram criados diversos programas de pesquisa de caráter empírico
sobre questões relativas à eficiência de políticas e programas. No entanto, houve uma
abundância de estudos setoriais que acabam prejudicando o crescimento da essência
multidisciplinar no processo de análise das políticas públicas (MELO, 1999).
Todavia, os diversos conceitos, abordagens e pesquisas no campo de análise de
políticas públicas tornam-se relevantes na medida em que se pretende analisar a implicação
dos mesmos na realidade político-administrativa do país. Tal argumento se aplica ao
processo de formulação de políticas orientadas para o desenvolvimento sustentável.

3.1. A Importância do Conhecimento35 no Processo de Formulação de Políticas para


o Desenvolvimento Sustentável

Os Estados Nacionais desempenharam um papel central na busca do progresso e


desenvolvimento baseados numa racionalização que se eximiu de conceber a sociedade
como um sistema natural, mecânico ou orgânico, do qual é preciso respeitar e descobrir as
leis, na busca do bem comum. Touraine (1994) argumenta que o crescimento desordenado
e o uso inadequado dos recursos naturais fizeram com que o progresso passasse a ser
35
Esta tese se enquadra no enfoque de que o conhecimento não é apenas aquele oferecido pela ciência, mas
também o conhecimento técnico aplicado e o tradicional.

67
encarado, por muitos, com desconfiança e incerteza na construção de um mundo capaz
trazer bem-estar para as futuras gerações. Nas palavras de Touraine (1994):
Não confiamos mais no progresso; não acreditamos mais que o
crescimento traga consigo a democratização e a felicidade. À
imagem libertadora da razão sucedeu o tema inquietante de uma
racionalização que concentra no cume o poder de decisão. Cada vez
mais tememos que o crescimento destrua equilíbrios naturais
fundamentais, aumente as desigualdades em nível mundial,
imponha a todos uma corrida esgotante às mudanças. Por trás
dessas inquietações surge uma dúvida mais profunda: não está a
humanidade em vias de manter sua aliança com a natureza, de
tornar-se selvagem no momento em que ela se acredita liberada das
exigências tradicionais e senhora de seu destino? (TOURAINE,
1994, p. 391).

Certamente, a crise dos atuais paradigmas de desenvolvimento está relacionada ao


esgotamento de um estilo de desenvolvimento ecologicamente depredador, socialmente
perverso, politicamente injusto, culturalmente alienado e eticamente repulsivo. A crise atual
é fundamentalmente uma “crise ecopolítica”, ou seja, relacionada com os sistemas
institucionais e de poder que regulam a propriedade, distribuição e uso de recursos. Pode-se
considerar uma crise de civilização, caracterizada como o resultado de uma “transição
ecológica” que começou com a chegada da Revolução Agrícola há nove mil anos.
(GUIMARÃES, 1991; GUIMARÃES, 2003).
A Revolução Industrial trouxe um modelo de progresso e desenvolvimento a
qualquer custo, que refletia as matizes do pensamento da economia clássica, no qual os
recursos naturais eram considerados fontes inesgotáveis. As políticas ambientais foram
historicamente relegadas a segundo plano e passaram a ganhar respeito e força no final dos
anos 60, beneficiando-se da liberdade de expressão anti-guerra e de interação cultural que
cruzava as maioria dos países ocidentais daquela época. Elas surgem como resposta às
demandas de algumas camadas da sociedade que resistiam a um modelo que sempre
priorizou as políticas econômicas em detrimento daquelas orientadas para o meio ambiente.
O meio ambiente como objeto de políticas públicas apresenta um conjunto peculiar
de características que se diferenciam das outras áreas de políticas públicas. A política
ambiental, em regra, atua sobre problemas que envolvem bens comuns, o que implica

68
gerenciar problemas relevantes de ação coletiva. Os benefícios gerados pelo uso de um bem
público muitas vezes estão concentrados nas mãos de produtores, enquanto os custos são
espalhados amplamente. Essa constatação fundamenta posições como a do movimento de
justiça ambiental, bem como a demanda inserida no paradigma do desenvolvimento
sustentável por justiça distributiva entre a presente geração, em especial, no que toca aos
países do Terceiro Mundo, e em relação às futuras gerações.
As políticas ambientais surgem no cenário político como sendo “as estraga-
prazeres”. As chamadas “ecopolíticas” são caracteristicamente “negativas” em comparação
a outras políticas, sempre ressaltando o que “não” deveria ser feito, geralmente enfatizando
o lado negativo da implementação de políticas “positivas” (GUIMARÃES, 2006). O
mesmo ocorre com a imagem do ecólogo no processo de formulação das políticas
ambientais. No Brasil, como em muitos países, o ecólogo não é visto como um cientista
profissional, mas como um ativista/ambientalista, e, assim, não é levado a sério
(LEWINSOHN, 2006). Nesse contexto, pode-se considerar que o meio ambiente sempre foi
historicamente visto por políticos, burocratas, empresários, entre outros atores como um
entrave ao desenvolvimento. Os diversos atores sociais que participam do processo de
formulação de políticas públicas formam um campo de forças que orientam o rumo dessas
políticas.
Ocorre que esse campo de forças está diluído em estruturas institucionais
fragmentadas sob ponto de vista administrativo, o que gera a tendência de que se formulem
e executem importantes decisões nas áreas industrial, energética, agrícola, dentre outras;
sem a devida atenção à questão ambiental. Há, sem dúvida, um conflito de interesses que
são evidenciados na medida em que na esfera institucional é observada uma preponderância
da atuação governamental por meio do comando-e-controle36 sobre as atividades que
potencialmente degradam o meio ambiente. O comando-e-controle é, sem dúvida,
fundamental instrumento de políticas públicas no campo da política ambiental.

36
Os instrumentos de comando-e-controle podem ser definidos como um conjunto de regulamentos e
normas impostos pelo governo com a finalidade de restringir as ações que causam impacto ambiental. Como
exemplo, podem ser destacados os regulamentos que determinam padrão de emissão de poluentes, as
legislações que dispõem sobre o licenciamento de atividades potencialmente poluidoras, que podem proibir a
produção, comercialização e uso de produtos específicos.

69
Por outro lado, o uso excessivo e exclusivo do comando-e-controle em conjunto
com a multiplicidade e conflito dos diversos atores envolvidos na formulação da política
ambiental é um fator que contribui para a pouca agilidade, altos custos transacionais e ao
comportamento resistente a mudanças. Faz-se necessário ressaltar que as políticas públicas
são estruturadas em diversos sistemas constituídos pelo conjunto de atores individuais ou
coletivos, de organizações públicas e privadas, que lidam com uma determinada área ou
problema de ordem pública. Os atores envolvidos apresentam um conjunto de crenças
preestabelecidas sobre como enfrentar adequadamente os diferentes problemas que se lhes
apresentam e, mais do que isso, diferentes projetos políticos e interesses.
Sendo assim, o Estado tem papel fundamental no sentido de reduzir a tensão entre
crescimento econômico e proteção ambiental. Os racionalistas econômicos criticam o uso
excessivo do comando-e-controle e os ambientalistas defendem o crescimento e aplicação
rigorosa da legislação ambiental. À luz desse cenário, o Estado deve atuar como facilitador.
Cabe dizer que, além da regulação, há a possibilidade de o Estado atuar em política
ambiental pelo incentivo a ações voluntárias, mediante a sensibilização tão defendida pelos
românticos verdes e acordos voluntários que são bem aceitos, por exemplo, pelos adeptos
do pragmatismo democrático, bem como pelos chamados instrumentos econômicos37 de
política ambiental.
Há uma extensa lista de instrumentos econômicos já em aplicação no Brasil e em
diferentes países. Podem-se citar as “taxas ecológicas”, os subsídios à produção menos
poluente e os sistemas de compensação, bem como os impostos e subsídios a

37
Os Instrumentos Econômicos- IEs podem ser considerados como alternativas economicamente
eficientes e ambientalmente eficazes para complementar as estritas abordagens de comando-e-controle.
Teoricamente, ao fornecer incentivos ao controle da poluição ou de outros danos ambientais, os IEs permitem
que o custo social de controle ambiental seja menor. Podem, ainda, fornecer aos cofres do governo local
receitas fiscais de que tanto necessitam. Os instrumentos econômicos podem ser classificados em dois tipos:
(i) incentivos que atuam na forma de prêmios e (ii) incentivos que atuam na forma de preços. Os primeiros
requerem um comprometimento de recursos do Tesouro, enquanto os segundos geram fundos fiscais. Os
incentivos que atuam na forma de prêmios são basicamente o crédito subsidiado, as isenções de imposto e
outras facilidades contábeis para efeito de redução da carga fiscal. Os incentivos econômicos via preços são
todos os mecanismos que orientam os agentes econômicos a valorizarem os bens e serviços ambientais de
acordo com sua escassez e seu custo de oportunidade social. Para tal, atua-se na formação dos preços privados
destes bens ou, no caso de ausência de mercados, criam-se mecanismos que acabem por estabelecer um valor
social. Em suma, adota-se o "princípio do poluidor/usuário pagador". O objetivo da atuação direta sobre os
preços é a internalização dos custos ambientais nos custos privados que os agentes econômicos incorrem no
mercado em atividades de produção e consumo (SERÔA DA MOTTA & MENDES, 1996)

70
equipamentos, processos, insumos e produtos. As políticas ambientais que criam
instrumentos econômicos que incentivem o setor produtivo a investir em meio ambiente são
alternativas cada vez mais presentes e necessárias para mitigar o impasse entre
desenvolvimento e meio ambiente presente na relação entre os diversos atores envolvidos
com as políticas ambientais.
Ocorre que tais incentivos dependem de interesses de diversos atores que defendem
diferentes objetivos institucionais. Por exemplo, o Ministério da Fazenda visa maximizar a
arrecadação, o Ministério do Meio Ambiente visa à conservação e uso sustentável dos
recursos naturais. Há um conflito de metas, o que reflete claramente a complexidade e
dificuldades encontradas nas políticas orientadas para o desenvolvimento sustentável.
Soma-se ainda a relevância dos problemas relacionados a esse campo de políticas públicas
no quadro geral das questões referentes ao desenvolvimento do país, o grande número de
organizações ambientalistas que têm como foco de atuação temas como desmatamento,
unidades de conservação e biodiversidade. Observe-se que esse campo de políticas públicas
estaria sendo objeto de mudanças graduais nos últimos anos. Logo, é necessário aperfeiçoar
cada vez mais o diálogo entre os diversos atores que tratam de diversos temas e áreas de
conhecimento nas políticas públicas.
Guimarães (1991) corrobora essa concepção e afirma que o desenvolvimento
sustentável exige o conhecimento de variados campos temáticos, e se torna mais complexo
tendo em vista o envolvimento da diversidade de atores com interesses conflituosos. De um
lado, há empresários, empreendedores, corporações, multinacionais, os quais todos se
beneficiam enormemente do crescimento da economia acelerada. De outro lado, há um
grupo de conservacionistas, organizações comunitárias, cientistas e pessoas afetadas
diretamente pelo impacto que o crescimento desordenado traz para o meio ambiente
(GUIMARÃES, 1991).
No processo de formulação da política ambiental há diferentes atores que
necessitam cada vez mais harmonizar seus interesses e aperfeiçoar a comunicação, para que
a relação entre o conhecimento e tomada de decisão seja otimizada. Nessa relação, Scarano
(2010) aponta para os aspectos relacionados aos problemas de comunicação entre os
cientistas e tomadores de decisão, que decorrem notadamente pelos diferentes perfis desses

71
profissionais. De acordo com Scarano (2010), a literatura geralmente relaciona os
problemas de comunicação a três diferenças fundamentais entre eles: 1) suas prioridades e
foco, 2) a escala de tempo em que eles operam, 3) a linguagem e cultura.
Os cientistas trabalham de forma mais individualizada, focando em suas
curiosidades, operam no longo prazo e usam seus jargões técnicos engajados numa cultura
de debate. Por outro lado, os tomadores de decisão trabalham mais coletivamente, são
conduzidos a tomar decisões mais imediatas e usam seus jargões técnicos para promover
acordos. Tais diferenças dificultam a comunicação, que é pautada pelo processo de falar e
escutar, que é intermediado por um conjunto de códigos chamado linguagem.
Na visão de Scarano (2010), mesmo que eles compartilhem da mesma linguagem, a
comunicação pode ser complexa e com dificuldades no processo. Fabio Scarano, em seu
artigo - “Brasilian List of Threatened Plant Species: Reconciling Scientific Uncertainty and
Political Desicion-making” – relata essas dificuldades na experiência brasileira da
elaboração da Lista de Espécies da Flora Brasileira Ameaçadas de Extinção, recentemente
publicada no Brasil. A experiência relatada revela que é tarefa hercúlea afinar a
comunicação entre os cientistas e tomadores de decisão para que o conhecimento seja
utilizado da forma mais efetiva no processo de formulação das políticas públicas.
É importante ressaltar que o horizonte temporal38 dos políticos é diferente dos
cientistas. Os políticos procuram gerar resultados no período que compreende sua gestão,
visando materializar projetos que podem gerar impactos econômicos positivos e, por outro
lado, fazem uso muitas vezes equivocado dos recursos naturais. Nesse sentido, é
fundamental que os formuladores de política estabeleçam uma ponte de diálogo com os
atores que geram conhecimento técnico e científico, seja na área ecológica, econômica,
social, político-institucional, dentre outras.
No caso do Brasil, esse esforço se torna maior considerando os problemas
relacionados à qualidade, quantidade e distribuição regional da informação científica

38
O pronunciamento de Niro Igush, pesquisador titular do INPA, revela claramente esse ponto de vista
quando esclarece os problemas relacionados à formulação de políticas para o manejo sustentável, visando ao
atendimento de interesses econômicos mais imediatos. Nas palavras de Igush: “Em uma floresta de 1500
anos, cuja pesquisa mais antiga tem 32 anos, com pesquisas pequenas, sem escala, e dificilmente se teria
condições de extrapolar alguma coisa daquilo em uma realidade de uma escala comercial”.

72
existente. De acordo com Lewinsohn (2009), a informação sobre a biodiversidade, o
conhecimento científico, e mesmo a informação institucional são muito dispersos. Os
formuladores de política e tomadores de decisão necessitam de ferramentas de apoio que
tenham base de conhecimento técnico e científico.
Como resposta às necessidades de uso de ferramentas de apoio à tomada de decisão
no Brasil, o Ministério do Meio Ambiente publicou em 2006 o relatório “Avaliação do
Estado do Conhecimento da Biodiversidade Brasileira”, coordenado pelo cientista Thomas
Lewinsohn, da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Além de sistematizar
informações sobre a biodiversidade, o documento é uma ferramenta de gestão estratégica
na medida em que apresenta um diagnóstico e propõe recomendações e o estabelecimento
de objetivos e prioridades, bem como novas iniciativas para a formulação de políticas
orientadas para a biodiversidade brasileira.
De acordo com Lewinsohn (2006), são necessários investimentos em ações de
melhoria de gestão e do conhecimento da biodiversidade, tais como: mecanismos de custeio
e infraestrutura para facilitar e melhorar a produção científica, criação e fortalecimento de
núcleos regionais de pesquisa, novos inventários, novas tecnologias bioinformáticas, entre
outros. Ainda de acordo com Lewinsohn (2009), o país está numa dinâmica de produção
intensa e é preciso pensar em como se pode ser mais eficiente, aproveitar melhor os
recursos, centrando em áreas que sejam mais críticas, identificando as grandes lacunas de
conhecimento geográfico.
A constatação de Thomas Lewinsohn é relevante para a perspectiva de se agregar
mais conhecimento ao processo de formulação de políticas, bem como de estreitar as
relações com a ciência para que a mesma possa fornecer mais subsídios à elaboração de
políticas. Ademais, a ciência e o conhecimento têm seus limites, o que reforça o fato de o
conhecimento muitas vezes não ser internalizado de forma adequada e satisfatória no
processo de formulação das políticas ambientais. Em verdade, existe algo que vai além de
todo esse processo, que é a forma como os interesses políticos são construídos e conduzidos
– Até que ponto esses interesses refletem uma preocupação com o bem-estar das
populações futuras?

73
Faz-se necessário, portanto, compreender cada vez mais a importância do
conhecimento no processo de formulação e implementação de políticas públicas para o
desenvolvimento sustentável. O uso do conhecimento na formulação e aplicação de
políticas públicas é uma questão bastante complexa, especialmente nos casos em que
envolve uma atuação interdisciplinar, o que ocorre na Lei de Gestão das Florestas Públicas.
Seu processo de execução envolve diversos atores – cientistas, políticos, comunidades
locais, entre outros. É desejável que seja estabelecida uma harmonia entre esses atores.
Entretanto, são encontrados problemas de ordens diversas no alcance dessa harmonia – um
desafio que já se inicia na relação entre cientistas e políticos, bem como entre os próprios
cientistas.
Na dinâmica entre a ciência e a política, há um fator que, muitas vezes, inviabiliza a
aplicação do conceito de sustentabilidade nas políticas públicas – a incerteza científica. Na
explicação de Morin:
O conhecimento comporta, no seu princípio mesmo, relações de
incerteza e, no seu exercício, riscos de erro. Pode, certo, adquirir
inúmeras certezas, mas não poderá jamais eliminar o problema da
incerteza. (...) A incerteza não é apenas o câncer que rói o
conhecimento, mas é também o seu fermento: leva-o a investigar,
verificar, comunicar, refletir, inventar. A incerteza é ao mesmo
tempo o horizonte, o câncer, o fermento, o motor do conhecimento
(MORIN, 2005, p. 248-9).

Na aplicação de políticas para o desenvolvimento sustentável, é requisito


fundamental o uso do conhecimento ecológico. Todavia, o conhecimento ecológico
encontra limitações de ordens diversas, visto que grande parte dos problemas ambientais se
depara com o problema da incerteza, e o progresso das ciências tem descoberto mais
incertezas do que precisões absolutas. A incerteza, muitas vezes, contribui para que as
questões ambientais possam ser manipuladas por interesses políticos e econômicos, fazendo
com que os formuladores de política mascarem seus projetos com equivocados critérios
técnico-científicos (COSTANZA, 1993). Os métodos científicos têm suas limitações e
muitos ecologistas são despreparados para assumir a tarefa de subsidiar políticas e projetos
ditos sustentáveis (HILBORN et al., 1993).

74
Apesar das limitações da ciência e do conhecimento, é fundamental que os
formuladores de política interajam com cientistas na busca de conhecimento fidedigno. Isso
não quer dizer que a ciência e o conhecimento sejam suficientes para que as políticas
atendam às demandas da sociedade com efetividade. As relações sociais existentes no
processo de formulação de políticas são engendradas por diversos problemas derivados da
aplicação das mesmas, do que Herbert Simon chamou de “Racionalidade Limitada” 39 – a
capacidade limitada da mente humana comparada ao número de problemas aos quais
precisa se dirigir (GUIMARÃES,1991). Como resultado disto, as coisas que são
frequentemente consideradas critérios “técnicos” e “científicos” (padrões, regulamentos e
normas) terão de ser barganhados, em suma, politicamente negociados.
De acordo com Guimarães (2006), há uma relação circular entre ciência e política –
a ciência não vem em um vácuo da política e não opera no vácuo do conhecimento. Esta é a
razão pela qual, precisamente, a política está encaixada nesta interação desde o começo.
Segundo o autor, este círculo pode ser expresso em três questões diretas. Primeiro:
devemos inquirir como um interesse social pode ser inserido na agenda de decisões
públicas, particularmente através de conhecimento gerado por pesquisa científica. Em
segundo lugar: uma vez que este específico desafio social estiver totalmente integrado no
discurso político, na agenda pública, como trazer de maneira eficaz, o conhecimento
científico para foro de ações concretas. Em terceiro lugar: deve-se apresentar a pergunta de
como os verdadeiros resultados de políticas mudam a agenda científica através da
identificação de brechas no conhecimento que requerem pesquisa adicional. Logo, a relação
entre ciência e política se constitui em um processo contínuo de busca de conhecimento
para subsidiar as políticas públicas. Assim, o conhecimento é gerado a partir de interesses
que podem ser políticos, econômicos, ecológicos, sociais, etc.
Nessa relação, Latour (2004) propõe a expressão “matéria de interesse” em
substituição ao que ele chama de “matérias de fato”. Matérias de fato são indiscutíveis,

39
O paradigma da racionalidade limitada é extremamente relevante para a compreensão dos temas que
permeiam a formulação das decisões em políticas públicas e sua implementação. As limitações das
capacidades cognitivas, as ineficiências adaptativas, a multidimensionalidade e os múltiplos contextos
associados às questões que se apresentam para decisão, os diferentes enquadramentos conceituais etc.
constituem elementos relevantes para a análise consistente do processo decisório. Os modelos de escolha
racional não parecem refletir a contento a complexidade do mundo fático.

75
eram produzidas em laboratórios fechados e não tinham consequências. Matérias de
interesse são altamente discutíveis; têm inúmeras consequências indesejadas e são
produzidas por muitas outras pessoas e não apenas por cientistas e industriais. Tudo que
antes estava sob a classificação de fatos científicos num jornal pode agora ser encontrado
sob a classificação de direito, negócios, política, cultura, etc. É isso que ele chama de
“matérias de interesse”.
Antes, quando havia matérias de fato, todo um vocabulário foi projetado para julgar
o que era e o que não era de fato. Filósofos se desentendiam sobre isso, mas acreditavam
haver uma solução. Já com matérias de interesse, faz-se necessário reinventar inteiramente
um vocabulário normativo. A relação da incerteza na política ambiental é um exemplo que
comprova a constatação do autor. Seria possível dizer, usando a antiga filosofia: se não há
provas de perigo na utilização de Organismos Geneticamente Modificados – OGMs –, por
exemplo, então não há base racional para impedir sua expansão. Mas as questões mudaram,
elas se tornaram matérias de interesse.
Logo, há outras questões que têm que ser resolvidas: é interessante? Tem
consequências? Queremos viver com isso? É compatível com o resto de nossa vida em
comum? Foi decidido coletivamente? Modifica o modo como outras criaturas habitam o
mundo? Então, uma sólida matéria, de fato, pode se tornar uma matéria de interesse
bastante incerta. Isso é exatamente o que ocorre, por sua vez, na relação do conhecimento
com a política ambiental.
Nessa relação, é fundamental o papel dos políticos e tomadores de decisão, que vão
decidir quais tipos de conhecimento serão utilizados para fundamentar suas políticas
públicas. No que diz respeito ao conhecimento sobre a natureza, o saber tradicional é
extremamente relevante, mas, muitas vezes, relegado a segundo plano. Merece destaque a
visão de Laymert Garcia dos Santos (2006) sobre a relação dos conhecimentos tradicionais
e tecno-científicos. O autor considera que há um desequilíbrio grande entre o valor que se
confere ao conhecimento tecno-científico e o baixo valor dado ao conhecimento tradicional.
Nas palavras de Santos (2006):
A dificuldade em reconhecer o valor do conhecimento tradicional
reside no fato de a ciência contemporânea não reconhecer o legado
do passado, de se considerar em ruptura com o passado, de achar

76
que ela é muito melhor, e que não deve nada ao passado.
(SANTOS, 2006, p.91)

Existe um entendimento comum entre o conhecimento tradicional e a ciência


contemporânea, porque ambos estabelecem um diálogo com a natureza. Ainda de acordo
com Santos (2006), é muito difícil que os cientistas sejam capazes de reconhecer o valor
dos conhecimentos tradicionais. Em sua visão, os cientistas são muitas vezes limitados e
estreitos e, por mais contemporâneos que sejam, atrasados demais por não perceber que o
valor do conhecimento não está na novidade, mas na relação positiva entre o novo e o
antigo (SANTOS, 2006). Ressalte-se que a ciência tem papel ético e fundamental na
construção do conhecimento, que, com todos os seus limites, será substrato para o processo
de formulação das políticas públicas.
Nesse contexto, a ciência deve contribuir para a construção de conhecimento
fidedigno, que se verte numa atitude de respeito para com a maioria das formas de
especialidade. De acordo com Giddens (1991), cientistas e políticos devem compreender,
sobretudo, os limites da ciência e do conhecimento. A ciência não é capaz de solucionar os
problemas da sociedade, e as atitudes leigas em relação à ciência e ao conhecimento técnico
são, em geral, tipicamente ambivalentes.

Trata-se de uma ambivalência que reside no âmago de todas as


relações de confiança, seja em sistemas abstratos40, seja em
indivíduos... só se exige confiança onde há ignorância – ou das
reivindicações de conhecimento de peritos técnicos ou dos
pensamentos e intenções de pessoas íntimas com as quais se conta...
(GIDDENS,1991, p.92,).

A ignorância, entretanto, sempre fornece terreno para ceticismo ou, pelo menos,
cautela. É nesse contexto que surge a lógica do princípio da precaução – um caminho que
alguns grupos têm encontrado para lidar com o problema da incerteza científica. No
entanto, encontra forte resistência na arena política, já que muitas vezes são priorizados

40
Giddens (1991) denomina sistemas abstratos o “conjunto de sistemas peritos e de fichas simbólicas”,
pois os mesmos removem as relações sociais das imediações do contexto. Os sistemas peritos são “sistemas
de excelência técnica ou competência profissional que organizam grandes áreas do ambiente material e social
em que vivemos hoje.

77
investimentos em projetos que trazem maior visibilidade política, relegando a segundo
plano a importância ecológica e social dos mesmos. A formulação de políticas para o
desenvolvimento sustentável exige que políticos e tomadores de decisão tenham não apenas
o domínio sobre a condução do tema, mas, sobretudo, a postura ética ao pensar no bem-
estar das populações do presente e futuras.
Sendo assim, políticos e tomadores de decisão devem identificar e selecionar quais
habilidades necessárias para subsidiar a formulação de determinada política. De nada
adianta selecionar o parecer de um ecólogo se não tiver o de um economista e de um
sociólogo, por exemplo. Deve-se, portanto, diferenciar quem tem habilidade de quem tem o
domínio, e quem toma a decisão de quem deva dar subsídios à mesma.
Latour, em seu livro Políticas da Natureza (2004), propõe que as posições sejam
organizadas na diferenciação entre as habilidades de cientistas, políticos, economistas,
pessoal de mídia e assim por diante, e suas funções. Fazer uma distinção entre os domínios
em que eles são chamados a atuar e as suas habilidades. Para ele há um mal-entendido na
medida em que os atores sociais envolvidos no processo de formulação de políticas
públicas interpretam que as habilidades dos cientistas são também o seu domínio, que é
separado do resto. Para Latour, as habilidades são diferentes, mas o domínio é o mesmo. É
como construir uma casa, em que há carpinteiros, eletricistas, encanadores; eles não estão
construindo várias casas diferentes, uma do encanador, outra do eletricista; mas trabalhando
no mesmo prédio.
Esse raciocínio deve estar no processo de formulação de políticas para o
desenvolvimento sustentável, de modo que os tomadores de decisão conheçam os atores
envolvidos, seus papéis, domínios e habilidades que devem estar no jogo. Entretanto, há,
muitas vezes, uma espécie de não-adequação e desequilíbrio entre o uso dos diversos
conhecimentos no processo político. Ademais, existem muitos projetos e políticas públicas
que são formulados com alto grau de incerteza sobre os impactos negativos que possam
trazer para o ambiente e a sociedade, que recebem o rótulo de “sustentáveis”.41 Talvez seja

41
Aqui caberia o contraponto de Viola e Leis (2001), quando afirmam que se por um lado a
governabilidade implica a existência de regras democráticas e cosmopolitas, de outro exige que os atores, em
relação ao problema que os convoca, e comprometidos com a dinâmica real da contemporaneidade,
estabeleçam regras de ação realistas.

78
uma forma de dizer que a questão ambiental está sendo contemplada, quando na verdade os
interesses econômicos encontram-se claramente priorizados. Até que ponto e de que forma
os tomadores de decisão se apropriam da ciência e do conhecimento ambiental na
elaboração de políticas e diretrizes nacionais? Quais os reais interesses dos diversos atores
sociais envolvidos no processo de formulação de políticas públicas para o desenvolvimento
sustentável?
Guimarães (2006) argumenta que os interesses políticos são sempre os fatores
determinantes na forma como a ciência e a política comunicam-se entre si. Segundo o
autor, o fenômeno pode ser explicado através de uma das Leis de Miles - “A posição que
você assume sobre qualquer tema depende da localização da sua janela”. Em outras
palavras, os formuladores de políticas enxergam o conhecimento e a ciência através de suas
próprias “lentes” burocráticas. Uma implicação geralmente esquecida da Lei de Miles é
que, quanto mais controversa uma política, maior probabilidade de que a mesma nunca será
formulada e, se o for, nunca será implementada. Infelizmente, políticas ambientais são, por
definição, controversas e envolvem desacreditados e, frequentemente, interesses sociais e
econômicos diferentes. A forma como esses interesses estão configurados pode parecer que
estejam orientados para o desenvolvimento sustentável, mas, em muitos casos, pode haver
um hiato entre o discurso e a realidade.

3.2. Sustentabilidade e Desenvolvimento Sustentável: conceitos e aplicações na


gestão das Florestas

Sustentabilidade e desenvolvimento sustentável42 são conceitos que transitam nos


discursos e preâmbulos de projetos governamentais43, bem como nos mais diversos círculos

42
Este trabalho considera "sustentabilidade" como um conceito ou categoria síntese da proposta de
Desenvolvimento Sustentável tal como endossada pela Organização das Nações Unidas a partir da
do Relatório Nosso Futuro Comum: "o desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do
presente sem comprometer as possibilidades de as gerações futuras atenderem suas próprias necessidades”. O
mesmo documento define sustentabilidade como um princípio de uma sociedade que mantém as
características necessárias para um sistema social justo, ambientalmente equilibrado e economicamente
próspero por um período de tempo longo e indefinido (ONU, 1987).
43
As definições encontradas na literatura sobre o termo sustentabilidade são diversas. Ferreira (2006)
esclarece, por exemplo, que a sustentabilidade mencionada no discurso ecológico oficial é mediada

79
e grupos sociais, muitas vezes com notável e estranho consenso, como se fossem palavras
mágicas ou fetiches. Em verdade, é um grande desafio para pesquisadores e políticos
estabelecerem uma noção aplicável desses termos.
De acordo com Drummond e Burstyn (2009), sustentabilidade é uma ideia que
surgiu dentro de um processo de discussão que inspirou doutrinas, teorias e políticas, desde
que a revolução industrial deu margem a preocupações sistemáticas com o
desenvolvimento. Nas palavras desses autores: “Sustentável” é uma entre várias palavras ou
expressões cunhadas ao longo de muitas décadas para indicar direções preferenciais para o
desenvolvimento – “integrado”, “autônomo”, “social”, “endógeno”, “territorial”, etc.
(DRUMMOND, BURSTYN, 2009, p.11)
Um “sistema sustentável” pode ser considerado aquele que sobrevive ou persiste
(COSTANZA, 1995; PATTEN, 1995). Nota-se que há um problema de precisão com essa
definição: qual é o sistema, por quanto tempo ele persiste e quando se pode averiguar se o
mesmo persistiu? A aplicação do conceito de sustentabilidade depende do contexto em que
está sendo utilizado (MEYER et al., 1993), e é fundamental, portanto, que aqueles que
fazem uso do termo especifiquem qual o tipo de conhecimento que está sendo utilizado e de
que forma o mesmo será aplicado.
Pode-se considerar um equívoco epistemológico quando se pavimenta um caminho
de aplicação do conceito de sustentabilidade pautando-se na perspectiva de uma única
ciência. Há diferentes visões de como se alcançar a sustentabilidade por diferentes
disciplinas científicas. No entanto, algumas dessas disciplinas, consideradas fundamentais,
apresentam grande dificuldade de interagir (MCMICHAEL et al. 2003). O que é verificável
em face dessa incapacidade para dialogar e interagir abriga, na verdade, uma atitude
teimosa e voltada para o chamado pensamento simplificador, isto é, não ser capaz de
desobedecer ao princípio de redução/disjunção e, ao mesmo tempo, não conseguir saber
implicar ou distinguir (MORIN, 2002).
A dificuldade de interação entre diferentes conhecimentos contribui para a
ignorância e para o reducionismo científico, o que, em grande parte, pode inviabilizar a

unicamente pela tecnologia, enquanto Goldman (1995) chama a atenção para as distintas definições de
biólogos, ecólogos e economistas.

80
construção sólida de uma noção coletiva e aplicável do termo sustentabilidade. McMichael
(2003) entende que o desafio central na aplicação e alcance da sustentabilidade reside no
desenvolvimento de uma abordagem interdisciplinar, baseada no conhecimento de diversas
disciplinas científicas, notadamente a demografia, a economia, a ecologia e, também, a
epidemiologia.
Na sua interface com as ciências sociais, o conceito de desenvolvimento sustentável
revigora não apenas a teoria do desenvolvimento, como também renova o interesse num
tema que acompanha a teoria social em todos os seus momentos: a relação do homem com
a natureza (DRUMMOND, BURSTYN, 2009). De acordo com Scarano et al. (2010a),
sustentabilidade é a palavra-chave quando se pensa em modelos alternativos de
desenvolvimento, demanda conciliação entre conservação, produção e bem-estar humano.
Em sua visão, isso é bem mais fácil de ser dito que feito, especialmente porque o ser
humano ainda não juntou na mente aquilo que a modernidade separou – homem e natureza.
Os conceitos de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável têm sido discutidos
e criticados por diferentes correntes teóricas e científicas, especialmente, no que diz
respeito a sua aplicabilidade. O conceito de desenvolvimento sustentável, considerado por
muitos como um conceito político, foi colocado em evidência quando a ONU (1987) pôs a
expressão em circulação em um encontro internacional que gerou a publicação do Relatório
“Nosso Futuro Comum”. O conceito apresentado no relatório revela a preocupação com o
bem-estar das populações futuras e a necessidade de se conciliar as dimensões econômica,
política, social, ambiental e cultural do desenvolvimento.
Desde seu lançamento, o conceito de desenvolvimento sustentável se enraizou e se
espalhou substancialmente no tecido institucional, nas esferas pública e privada,
sensibilizou a mídia e moldou o universo das decisões políticas. Na academia, após um
estranhamento inicial, dado o caráter conservador da universidade, o desenvolvimento
sustentável alcançou impacto e legitimidade (DRUMMOND, BURSTYN, 2009).
O uso das expressões desenvolvimento sustentável e sustentabilidade tem em
grande parte um caráter ilusório e político44, e a comunidade científica, muitas vezes,

44
Leff (2006) afirma que, embora o discurso do desenvolvimento sustentável busque erigir as bases
para uma política de consenso apta a conciliar os diferentes interesses de países, povos e classes sociais sobre

81
contribui para que seja perpetuada uma lógica equivocada na aplicação das mesmas,
precipuamente quando lidam com a questão da incerteza (LUDWIG, 1993). Tal variável
deve ser constantemente considerada no processo de formulação e implementação de
políticas públicas.
A formulação de políticas ambientais em nível nacional afeta diretamente as
populações locais. Muitas delas são formuladas num ambiente de total incerteza e sem o
conhecimento adequado das especificidades locais – os aspectos ecológicos, sociais e
culturais de cada região (MEYER et al. 1993). Logo, políticos e tomadores de decisão
devem fazer uso do conhecimento existente e observar a questão da incerteza, para se
estabelecer uma noção implementável de sustentabilidade nas políticas públicas.
Neste contexto, portanto, para compreender a complexidade dos problemas locais,
além da clara participação da sociedade civil, é necessário o intercâmbio eficaz entre
cientistas e formuladores de políticas, sem ignorar o fato de que estes últimos devam estar
dispostos a validar a qualidade da informação científica ofertada.
A partir desse processo dialético, poderá ser viabilizada uma dinâmica de interação
efetiva entre os atores sociais interessados, visando a construir um caminho orientado para
o desenvolvimento sustentável. Da interação desses atores é que os problemas ambientais
devem ser identificados (HANNINGAN, 1995; YEARLEY, 1996) para conciliar as
variáveis ecológicas, sociais e econômicas no processo de desenvolvimento.
No caso da aplicação do conceito de sustentabilidade na gestão das florestas, é
fundamental que o Estado disponha de instrumentos que visem harmonizar as perspectivas
político-institucional, ecológica, econômica e social da gestão florestal. No Brasil, um dos
mais importantes instrumentos de gestão da política florestal é o Plano de Manejo Florestal
Sustentável (PMFS), que deverá levar em conta todos os atributos específicos de cada
região de atuação. O Decreto n° 1.282/94 define Manejo Florestal Sustentável como “a
administração da floresta para a obtenção de benefícios econômicos e sociais,
respeitando-se os mecanismos de sustentação do ecossistema objeto do manejo”. Em seu
Art. 2°, é informado que o Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS) atenderá a

o tema conflitivo da apropriação da natureza, ao agregar em sua raiz a ambivalência, cujos significados
derivam-se respectivamente em “sustentabilidade” e “desenvolvimento sustentável”, este último, por sua vez,
implica a perdurabilidade no tempo do progresso econômico.

82
alguns princípios gerais, como a conservação dos recursos naturais e o desenvolvimento
socioeconômico da região e, também, a alguns fundamentos técnicos, como a identificação,
análise e controle dos impactos ambientais, a viabilidade técnico-econômica, a análise das
consequências sociais, os procedimentos de exploração florestal que minimizem os danos
sobre o ecossistema, entre outros.
Houve uma evolução na concepção de manejo florestal quando o Decreto n°
2.788/98 definiu o “manejo florestal sustentável de uso múltiplo” como:
A administração da floresta para obtenção de benefícios
econômicos, sociais e ambientais, respeitando-se os mecanismos de
sustentação do ecossistema objeto do manejo e considerando-se,
cumulativa ou alternativamente, a utilização de múltiplas espécies
de madeiras, de múltiplos produtos e subprodutos não madeireiros,
bem como a utilização de outros bens e serviços de natureza
ambiental.

No manejo florestal sustentável de uso múltiplo deve se entender o importante papel


desempenhado pelas técnicas de modelagem, pelas projeções e pelos indicadores de
sustentabilidade. Entretanto, faz-se necessário o constante aprofundamento e uso do
conhecimento científico existente na avaliação dos planos de manejo e, sobretudo, ter
cautela ao agregar o termo sustentável à expressão “manejo florestal”.
A expressão "Manejo Florestal Sustentável", com toda a sua abrangência,
complexidade e incerteza, deve ser analisada criticamente na discussão ou diagnóstico
sobre a sustentabilidade dos planos de manejo. Na perspectiva da sustentabilidade, é
necessário incorporar diferentes conhecimentos visando à análise interdisciplinar no
gerenciamento dos ecossistemas (LUDWIG, 1993; MANGEL et al., 1993), estabelecendo o
compromisso de uma relação harmoniosa com o meio ambiente, em termos de seus reflexos
de curto e longo prazos sobre o solo, a água, a flora, a fauna e todos os elementos da
natureza.
Esse compromisso deve estar implícito na elaboração dos planos de manejo. É
imprescindível considerar os possíveis impactos de atividades sobre o meio ambiente,
prever medidas mitigadoras e ter conhecimento prévio das espécies que serão prejudicadas
e daquelas que serão beneficiadas em resposta às diferentes atividades que possam ser

83
implementadas. Além disso, é recomendável que se tenha razoável conhecimento sobre
como todas as operações irão afetar a estabilidade do ecossistema (BAUER, 1993).
A sustentabilidade dos planos de manejo é difícil de ser materializada e interpretada
para condições operacionais e há um intenso esforço em criar mecanismos que contribuam
para o progresso do chamado manejo florestal sustentável (EVANS, 1996). As questões
relativas à sustentabilidade do manejo florestal têm merecido constante atenção de vários
segmentos da sociedade, nas esferas nacional e internacional, o que exige que cientistas e
formuladores de política estejam engajados com os problemas no nível local.
Essa perspectiva é desafiadora quando se tenta estabelecer um modelo de gestão
sustentável das florestas no Brasil, considerando a importância econômica, ecológica e
social dessas florestas. O Brasil é o maior produtor e consumidor mundial de produtos
florestais tropicais. O setor florestal tem papel estratégico para diversos setores da
economia do país como: a siderurgia, as indústrias de papéis, embalagens, madeiras e
móveis, construção civil, entre outros. Estima-se que o setor florestal é responsável por
3,5% do PIB brasileiro, gera cerca de dois milhões de empregos formais e representa 8,4%
das exportações do país (BRASIL, 2007b).
As florestas brasileiras abrigam diversos produtos naturais (madeiras, fibras,
alimentos, elementos químicos e farmacêuticos) e serviços ecológicos (absorção e
reciclagem de resíduos, manutenção da qualidade do ar e da água e dos ciclos
biogeoquímicos globais). Embora a maior parte dos produtos extraídos da floresta tenha o
seu valor reconhecido pelo mercado, os serviços ambientais por ela gerados são ignorados
(KITAMURA, 2001) e não têm preço nos mercados convencionais.
Esse fato tem levado a uma subestimativa do valor da floresta em pé, o que favorece
o desmatamento e a conversão da floresta para áreas agrícolas que dependem da derrubada
da floresta para expandir. As inter-relações entre o crescimento das atividades humanas e o
meio ambiente têm promovido consequências não desejadas para a manutenção de muitas
espécies, inclusive a humana, o que deu destaque para a atribuição de valor aos recursos
naturais como ferramenta de decisão de políticas públicas e, neste sentido, a abordagem
preventiva da economia ecológica, embora também não esgote a complexidade das funções
e relações ecológicas para conferir-lhe valor, mostra-se bastante útil.

84
Valorar ativos ambientais, em linhas gerais, corresponde à atribuição de preço para
uma dimensão sistêmica e somente tem sentido quando ultrapassa a teoria de mercado da
economia clássica e enfoca questão de modo integrativo (MOTA, 2001). A abordagem da
economia ecológica, por sua vez, pressupõe limites ao crescimento em decorrência da
escassez dos recursos naturais e da capacidade de resiliência dos mesmos (MAY, 1995),
mas tal enfoque não está livre de dificuldades. Uma primeira dificuldade diz respeito ao
valor subjetivo dos recursos ambientais, já que envolve o bem-estar coletivo. Outra
dificuldade encontra-se na incerteza científica.
A Lei de Gestão Sustentável das Florestas Públicas prevê a manutenção da floresta
em pé com atribuição de valor respectivo. No entanto, o texto legal não define
especificamente o uso de recursos biológicos como objeto de concessão, não havendo
menção a metodologias específicas de cálculo do valor da floresta. Além disso, não há
procedimentos definidos no processo de exploração florestal referente a novos produtos ou
serviços ambientais que venham a assumir valor de mercado ao longo do contrato de
concessão.
A manutenção da floresta em pé implica benefícios diretos e indiretos, atuais e
futuros tanto no âmbito global, como no regional e local. Na esfera internacional, a
manutenção da floresta tem como prioridade regular os efeitos climáticos (efeito estufa) e
fornecer condições para a resiliência dos recursos naturais. Para as comunidades locais,
essas mesmas florestas significam não só fonte de subsistência (KITAMURA, 2001) como
alicerce mantenedor de seu modo de vida. As políticas florestais devem ser orientadas sem
relegar a segundo plano os interesses das comunidades locais, considerando que o valor
econômico da floresta deva trazer benefícios sociais diretos com a perspectiva de uso
sustentável da mesma.
As florestas tropicais do mundo ainda conservadas armazenam mil gigatoneladas de
carbono, equivalente ao dobro do total acumulado na atmosfera (BRASIL, 2007b). A
manutenção deste estoque é um serviço ambiental reconhecido. O custo de oportunidade da
proteção de florestas em oito países responsáveis por 70% das emissões oriundas da
mudança no uso da terra poderia ser por volta de US$ 5 bilhões por ano inicialmente
(STERN, 2007).

85
A comunidade internacional tem grande interesse nas florestas brasileiras, tendo em
vista que sua manutenção gera serviços ecológicos para o planeta. Apesar desses serviços
ainda não serem totalmente reconhecidos pelo mercado, a valoração dos mesmos vem
ampliando os espaços das discussões ambientais internacionais. Um obstáculo para o
reconhecimento pelo mercado do valor dos serviços que a floresta oferece corresponde à
incerteza que permeia os problemas ambientais (PEARCE & MYERS, 1990).
Há ainda conflitos referentes aos métodos de valoração dos recursos naturais, os
aspectos subjetivos implicados (como, por exemplo, a diferença da percepção local e
global), ao mercado e à administração pública, entre outros. Além disso, ainda não se tem o
conhecimento adequado de como se interagem os diferentes recursos naturais, sejam
bióticos ou abióticos, e como a partir dessa interação surgem as funções ou serviços
ecossistêmicos, e como a geração desses serviços fica danificada devido à depleção dos
recursos florestais (DALY, 2004).
Apesar de toda a incerteza relacionada ao conhecimento e estimativa do valor
econômico dos serviços ecossistêmicos, parte das comunidades nacionais e internacionais
tem buscado incorporar nas políticas públicas a valoração dos bens e serviços florestais. De
acordo com Scarano et al. (2010a), a forma pragmática e mais recente de lidar com a crise
tem sido atribuir valor à biodiversidade. Um exemplo disso é um documento muito
utilizado atualmente, The Economics of Ecosystem and Biodiversity – TEEB, produzido
pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). O documento afirma
que a perda da biodiversidade terrestre somente na última década custará quinhentos
bilhões de dólares anuais para a economia global.
Isso reforça a necessidade de as políticas serem construídas com aporte científico e
gestão de negociação entre os diferentes tipos de usuários, levando em consideração a
incerteza, mas não deixando que a mesma inviabilize a implementação de leis, normas e
acordos voltados para o bem-estar das populações presente e futura.
O grande desafio em aplicar o conceito de sustentabilidade na gestão florestal e
valorar de forma justa os nossos recursos florestais está na carência de base científica na
elaboração das normas e dos planos de manejo, dada a complexidade de variáveis que
envolvem a gestão e o manejo florestal. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, o

86
experiências da Embrapa (Tapajós) e do INPA, com a medição de parcelas permanentes
instaladas em áreas submetidas à exploração florestal.
A partir da década de 90, outras instituições da região iniciaram trabalhos
semelhantes de monitoramento da dinâmica da floresta e, no ano de 2002, foi criada uma
rede de parcelas permanentes - Rede de Monitoramento da Dinâmica das Florestas
Tropicais da Amazônia – REDEFLOR - apoiada pelo MMA (IBAMA, PNF, SFB). As
parcelas mais antigas da rede são as da Embrapa (PA), Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia - INPA (AM) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA
(AC), esta última direcionada para projetos de manejo comunitário (pouco mais de dez anos
de medições). Um dos grandes avanços até o momento foi a padronização da metodologia
de instalação e medição de parcelas para facilitar a comparação e aplicação regional dos
dados.
A despeito de tais avanços, nas florestas tropicais naturais manejadas para a
produção de madeira, os impactos causados pela exploração florestal influenciam a
qualidade da floresta remanescente, a ser manejada para os ciclos de corte futuros. Tais
impactos podem causar a mortalidade e danos nas árvores remanescentes, distúrbios no
solo, abertura do dossel e a composição da regeneração natural que, combinados, podem
determinar a qualidade da floresta e o tempo para a recuperação do estoque comercial de
madeira. Os impactos da exploração florestal são relacionados à intensidade de corte e aos
métodos empregados para a extração da madeira.
A partir de meados da década de 90, as técnicas de Exploração de Impacto
Reduzido (EIR) ganharam importância. A EIR compreende um conjunto de atividades para
aumentar a eficiência da exploração e reduzir danos à vegetação remanescente em até 50%,
comparado com os métodos convencionais. Compreende a adoção de inventário a 100%,
corte de cipós, queda direcionada, planejamento de estradas e trilhas de arraste, uso de
máquinas e equipamentos adequados e, sobretudo, emprego de equipes treinadas. Diretrizes
estão disponíveis para a região, mas a capacidade de disseminação das técnicas ainda é
reduzida pela existência de poucos centros de treinamento, de modo que a adoção das
técnicas de EIR na Amazônia ainda é limitada a algumas empresas.

89
No que se refere à aplicação do conceito de sustentabilidade no manejo florestal em
florestas tropicais, ressalte-se que um importante indicativo sobre a exploração é a relação
entre o volume produzido e as perdas decorrentes de sua extração. As pesquisas sobre os
danos causados pela exploração ainda são escassas na Amazônia e, quase sempre, utilizam
metodologias diferentes, dificultando a comparação.
De acordo com técnicos do Ministério do Meio Ambiente, sempre há perdas de
volume comercial em decorrência da exploração florestal para remoção do volume
produzido, podendo em alguns casos chegar a 50%. Por outro lado, tem sido amplamente
reconhecido na literatura que os fatores importantes relacionados com a exploração são a
intensidade de corte e os métodos utilizados para a extração das árvores removidas. E que o
aumento da intensidade para além de certo número de árvores pode tornar sem efeito o
emprego de técnicas de exploração de impacto reduzido, o que não assegura a
sustentabilidade florestal.
Outro elemento a ser considerado para subsidiar a adoção de parâmetros técnicos
para o manejo florestal sustentável é a modelagem do comportamento da floresta, a partir
de modelos ajustados com dados de parcelas permanentes da região. Os modelos são
importantes para simular possíveis cenários, decorrentes do emprego de técnicas
silviculturais, de exploração, e os seus possíveis impactos sobre a produção florestal ao
longo do tempo. São importantes para subsidiar os manejadores, assim como para guiar a
formulação de políticas florestais, mostrando extremos a serem evitados, por exemplo.
A Embrapa tem se destacado no desenvolvimento de modelos de crescimento e
produção para florestas manejadas na Amazônia. Nos últimos anos, dois modelos foram
desenvolvidos, o CAFOGROM e o SYMFLORA. Resultados preliminares do primeiro
modelo, com dados de parcelas permanentes da Embrapa-PA sugerem que explorações
pesadas (75 m³/ha) em ciclos de corte de curtos trinta anos levam a uma situação de
insustentabilidade a partir do terceiro ciclo, e que, um cenário onde o corte é limitado a seis
árvores por hectare, ou um volume explorado de 27-28 m³/ha, a produção mostra ser
sustentável por um período analisado de 200 anos. Resultados do segundo modelo
(SYMFLOR), utilizando também uma base de dados de parcelas permanentes da Embrapa-
PA, sugerem que o tempo necessário para a recuperação do estoque comercial (máximo de

90
40 m³/ha; DAP>45 cm) é de 35-40 anos quando a EIR é empregada e de cerca de 60 anos
quando a exploração não é planejada, sendo que em ambos os casos pode haver uma
redução do estoque comercial explorada em sucessivas colheitas.
Apesar de estes serem resultados preliminares, tanto porque a base de dados ainda
não contempla um período completo de um ciclo de corte de medições, e porque ambos os
modelos podem ser aprimorados e serem submetidos a simulações mais direcionados com
as estratégias atuais de manejo, tanto técnicas como políticas, certamente uma indicação
fica evidente: explorações pesadas (>40 m3/ha) em ciclos de corte curtos (<30 anos)
podem levar a não sustentabilidade do manejo florestal, causado pela redução do
estoque disponível a cada colheita (ciclo de corte), que por sua vez é ocasionado pelo
empobrecimento gradual da floresta.
Os técnicos do Ministério do Meio Ambiente têm desenvolvido estudos para a
introdução de parâmetros que limitam a produção florestal nas normas do manejo. Isso se
deu, principalmente nos últimos anos, na Instrução Normativa (MMA) nº 5, de 2006. Esta
norma substituiu a IN-04, de 2002, a partir de uma demanda de vários segmentos, tanto do
governo como da sociedade. É importante notar, que a formulação de normas técnicas de
abrangência regional como é o caso, não é tarefa fácil pela diversidade de interesses em
jogo (ambientais, sociais, econômicos), e algumas considerações são importantes:

- Devem servir para orientar a elaboração de PMFS, mas principalmente precisam


servir de referência e suporte para a análise por técnicos do órgão ambiental. Por
exemplo, a não definição de uma intensidade máxima de corte em normas
anteriores, significou que 25% das autorizações de explorações (AUTEX)
(N=2445) em PMFS empresariais fossem emitidas autorizando volumes acima
de 40 m³/ha (23%) ou acima de 65 m³/ha (2%) (Fonte: Sistema Integrado de
Monitoramento e Controle de Recursos e Produtos - SISPROF/IBAMA, outubro
de 2004);
- Não precisam, necessariamente, corresponder exatamente a resultados de
pesquisas específicas, mas sim refletir o contexto atual de todas as pesquisas em
andamento. Resultados apresentados acima mostraram, por exemplo, que o

91
incremento volumétrico de florestas manejadas na Amazônia varia amplamente
e está sujeito a especificidades de várias ordens. São resultados fundamentais
para o manejo florestal, mas que, sozinhos, não servem para estabelecer os
parâmetros de regulação da produção (ciclo de corte e intensidade de corte, por
exemplo);
- Os parâmetros técnicos devem ser compatíveis com a realidade, denotada por
um conjunto de situações observadas, tanto em publicações científicas, como
conhecimento de especialistas e experiências de profissionais do setor privado;
- O Estado, como responsável pela gestão das florestas (bem comum), deve
buscar alternativas que sejam cautelosas, ainda que comporte flexibilidade nas
normas com base no avanço do conhecimento e disponibilidade de informações
locais;
- O manejo florestal deve ser encarado como atividade de longo prazo, não sendo
possível maximizar a produção da primeira colheita em detrimento das colheitas
futuras. O argumento da viabilidade econômica deve ser analisado com cautela,
uma vez que na Amazônia há exemplos de empreendimentos de manejo,
certificados, funcionando com base em intensidades de corte variando entre 20-
25 m³/ha;

A definição dos parâmetros de intensidade máxima permitida e ciclos de corte para


diferentes categorias de manejo (Pleno e Baixa Intensidade), na norma federal (IN05), foi
amplamente discutida com especialistas em manejo florestal da região, sendo que muitos
dos aspectos acima expostos serviram como base para os valores assumidos na norma.
Ocorre que os parâmetros definidos na referida norma ainda são desprovidos de base
científica suficiente, de modo que não assegura a sustentabilidade prevista nos planos de
manejo. De acordo com o depoimento do pesquisador sênior do INPA, Rogério Gribel, o
Brasil carece de informação científica na formulação da política florestal. Além do número
reduzido de estudos, não há maturação no uso de determinadas técnicas chamadas de
manejo florestal sustentável.

92
Na definição de parâmetros para o manejo sustentável pelos técnicos do Ministério
do Meio Ambiente, optou-se por arbitrar um ciclo de corte máximo inicial de 35 anos,
como forma de evitar ciclos longos para justificar aumentos na intensidade de corte na
primeira colheita. De acordo com o MMA, ciclos de corte muito longos resultam em longos
períodos sem que a floresta tenha qualquer atividade econômica, o que encoraja o seu uso
ilegal. Além disso, limitações ambientais não permitem explorações de alta intensidade que
justifiquem os ciclos de corte longos, já que os danos são pesados a ponto de alterar
significativamente a estrutura da floresta e sua capacidade em suprir serviços como a
proteção da fauna e o funcionamento do ecossistema.
Dessa forma, para valores extremos adotados para a regulação da produção (ciclo de
corte de 35 anos para intensidades de 30 m³/ha) tem-se na prática uma produtividade
associada, de 0,86 m³/ha/ano. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, esse valor é
aceitável para a região, em função de resultados e considerações feitas neste documento, e
até otimista segundo alguns autores, mas pessimista em relação a outros. Tais divergências
técnicas colocam em xeque o estabelecimento de uma noção aplicável da sustentabilidade
no manejo florestal.
Na prática, ocorre a não declaração explícita de uma produtividade, o que ocasiona
uma série de interpretações equivocadas por parte dos proponentes em alguns estados. A
solicitação da intensidade máxima de corte (30 m³/ha) para um ciclo de corte mínimo (25
anos) é a mais simples, mas tem sido comum a solicitação de intensidades de corte de 35-
40 m³/ha com ciclos de corte de 25 anos. Esses eventos têm sido observados pelo IBAMA,
por meio de atividades conjuntas com áreas técnicas de alguns estados e vistorias de
campo.
Diante do exposto, houve a clara necessidade de se estabelecer uma produtividade
de referência. Ocorre que os valores que os técnicos do MMA propuseram - uma
produtividade de referência única (0,86 m³/ha/ano), para diferentes intensidades de corte
previstas na Unidade de Manejo Florestal - podem ser questionados. Entretanto, eles
entendem que esse valor é aceitável como ponto de partida para qualquer combinação de
intensidades e ciclos.

93
No caso das florestas tropicais naturais, não há ciclo de corte ótimo definido para
uma Unidade de Manejo Florestal, dada a heterogeneidade que pode haver e a falta de
informações locais por ocasião da elaboração do PMFS. Desta forma, o ciclo de corte foi
definido com base em aspectos administrativos, econômicos e legais. Embora o mesmo
possa ser alterado ao longo do tempo de recuperação da floresta, isso não assegura a
sustentabilidade da mesma.
Portanto, os valores de referência estabelecidos pelo Ministério do Meio Ambiente
para a produtividade considerada na elaboração e análise de parâmetros técnicos de PMFS
propostos para as florestas da Amazônia, são desprovidos de base científica suficiente. De
acordo com Fearnside (2010), o discurso e a prática do manejo florestal têm uma tendência
embutida de hipocrisia, porque a legislação brasileira exige concordar com os regulamentos
sobre a intensidade da colheita e a duração do ciclo de corte. Nas palavras de Fearnside:

Na verdade, os proponentes de planos de manejo florestal vão


prometer qualquer coisa que as autoridades governamentais
poderiam desejar, independente de quão economicamente não
atrativas as demandas podem ser, desde que seja concedida a
permissão para explorar o primeiro ciclo de manejo...
(FEARNSIDE, 2010).

O chamado manejo florestal sustentável não significa necessariamente a redução do


impacto ambiental nas florestas. Muitos Planos de Manejos Florestais Sustentáveis,
aprovados pelo IBAMA, trazem grandes impactos e pouca contribuição para a
sustentabilidade (FEARNSIDE, 2003). O primeiro passo para o manejo florestal ter um
papel positivo no desenvolvimento da Amazônia é um reconhecimento ético dos impactos
ambientais da exploração madeireira e das chances reais de sua sustentabilidade na forma
como é praticada.

94
4. A LEI DE GESTÃO SUSTENTÁVEL DAS FLORESTAS PÚBLICAS

4.1. O Contexto

O Brasil possui uma área de floresta estimada em 524 milhões de hectares, o que
corresponde a 61,5% do seu território de florestas naturais e plantadas (SFB, 2009). É a
maior área contínua de floresta tropical do mundo, que abriga a maior diversidade de
espécies e ecossistemas do planeta, onde abriga uma das mais diversas concentrações de
povos e culturas indígenas (BRASIL, 2007 a). As áreas de florestas públicas do Brasil estão
em processo de identificação e cadastramento pelo Serviço Florestal Brasileiro. As florestas
inseridas no Cadastro Nacional de Florestas Públicas até novembro de 2009 compreendem
uma área de aproximadamente 239 milhões de hectares, o que representa mais de 50% da
cobertura florestal do país (SFB, 2009).
Isso reflete a importância do Estado em promover mecanismos orientados para a
conservação e uso sustentável das florestas nacionais, bem como de combate ao
desmatamento – que é o maior problema atualmente enfrentado na formulação da política
florestal no país. A lógica do desmatamento é essencialmente econômica. A conversão de
florestas ocorre para dar lugar a atividades agrícolas, pecuárias ou outras que na lógica do
produtor seja mais rentável que a manutenção da floresta.
Embora a floresta amazônica seja desmatada por inúmeras razões, a criação de gado
ainda é a causa predominante. As fazendas de médio e grande porte são responsáveis por
cerca de 70% das atividades de desmatamento (FEARNSIDE, 2005). Por outro lado, na
última década, o cultivo de soja tornou-se uma das forças econômicas principais da
expansão da fronteira agrícola na Amazônia brasileira. Entre 1990 e 2004, a produção de
soja na Amazônia cresceu de 3 para 16 milhões de toneladas/ano e a área plantada
aumentou 275% (NEPSTAD, 2004).
Tal fato demonstra as dificuldades com que a política ambiental vem se deparando
nas últimas décadas em sua formulação e implementação. Entre o extenso conjunto de
indicadores que poderiam ser utilizados para comprovar as dificuldades enfrentadas na
atuação governamental em relação tanto à conservação da biodiversidade e proteção das

95
florestas, os dados amplamente divulgados relativos ao desflorestamento ocorrido na
Amazônia Legal nos últimos anos (Tabela 02 e Gráficos 02 e 03) podem ser tomados
também como uma referência para a problemática florestal no país.

Tabela 2

ESTADO/ANO 77 - 91 91- 95 95 - 99 99 - 03 03 - 07 07 - 09

Acre 2.090 2.572 1.766 2.927 1.902 465

Amazonas 4.190 3.653 3.002 3.689 3.405 1.010

Amapá 850 45 48 32 148 100

Maranhão 5.640 3.624 3.702 4.030 2.941 2.252

Mato Grosso 17.960 27.505 25.243 32.369 25.970 4.305

Pará 21.410 20.200 21.076 26.505 25.887 9.293

Rondônia 6.550 12.185 8.817 11.834 10.762 1.641

Roraima 1.490 981 841 1.121 984 690

Tocantins 3.400 1.872 1.485 801 616 163

Amazônia Legal 63.580 72.637 65.980 83.308 72.615 19.919

Fonte: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (2009), adaptado pelo autor.

96
Embora a legislação ambiental brasileira seja considerada rigorosa e as pressões do
movimento ambientalista têm sido crescentes nos últimos anos, o desmatamento continua a
apresentar taxas elevadas, fazendo do Brasil um dos maiores emissores de gases estufa do
mundo. A atividade de exploração madeireira e o agronegócio no país sempre foram e
continuam a ser marcados pela ilegalidade e por padrões ambientalmente insustentáveis.
As dificuldades enfrentadas pelos órgãos ambientais para o controle do
desmatamento são diversas e estão historicamente associadas a um quadro de carências
generalizadas em termos de recursos humanos e materiais. Entende-se, contudo, que as
explicações46 para os problemas que marcam a questão ambiental atualmente no Brasil não
se limitam a essas carências. Os maiores desafios estão relacionados também às
dificuldades de atender aos interesses ambientais, econômicos e sociais sem prejudicar uma
das partes.
Como uma forma de tentar conciliar os diferentes interesses e combater a situação
em que se encontram as florestas brasileiras, conforme mencionado anteriormente, o Estado
propôs a Lei de Gestão das Florestas Públicas, cuja concepção está voltada para o fomento
às atividades produtivas sustentáveis, com monitoramento e controle ambiental e
perspectiva de ordenamento fundiário e territorial. Embora grande parte das florestas
brasileiras esteja localizada em terras públicas, nunca houve um marco regulatório para sua
gestão.
A noção de gestão surgiu na esfera privada, e grosso modo, refere-se à
administração de bens por um proprietário. O conceito foi ampliado para diversas
significações. Na França, por exemplo, o conceito foi adotado para florestas submetidas a
regimes jurídicos particulares, denominados “regime florestal” e aproximou as
responsabilidades profissionais dos gestores florestais com a administração estatal voltada
para atender os interesses da coletividade (GODARD, 2000).

46
De acordo com o depoimento de Fernando Castanheira, Superintendente Executivo do Fórum
Nacional de Atividades de Base Florestal, o que muitas vezes é chamado de desmatamento, na verdade é
povoamento. Foi uma estratégia de governo para povoar a região, que inclui os assentamentos de reforma
agrária, assentamos rurais com extensão rural pesada, com Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária - INCRA, Fundação Nacional do Índio - FUNAI, Ministério de Agricultura, EMBRAPA envolvidos
nesse processo. Para Castanheira, é necessário criar um arco verde, que seria uma barreira de unidade de
conservação, que freasse o desmatamento. Foi dentro dessa lógica o governo federal pensou em formular a
Lei de Gestão de Florestas Públicas.

98
Segundo Godard (2000), há dois tipos de gestão relacionados aos recursos naturais.
O primeiro diz respeito às ações e decisões defensivas ou limitantes de prejuízos
relacionadas a um uso determinado e os arranjos necessários para aliviar tensões entre esses
diferentes tipos de uso. O segundo tipo de gestão é prospectivo e alcança as esferas globais
e de longo prazo.
A concepção da Lei de Gestão de Florestas Públicas vai ao encontro dessa
perspectiva na medida em que a mesma prevê a criação e manutenção de unidades de
conservação, destinação para manejo comunitário e a realização de contratos de concessão
florestal por meio da licitação pública, atendendo aos dois tipos de gestão: a preventiva e a
prospectiva.
O projeto de gestão sustentável de florestas públicas veio num momento em que as
florestas sofriam com o avanço da fronteira agropecuária e a grilagem de terras públicas e
num contexto político-institucional de um país que carece de formulação de políticas
eficazes que assegurassem a qualidade da conservação e uso sustentável das florestas
brasileiras.
Essa situação motivou o governo federal a iniciar a preparação de um marco legal
que permitisse a criação de um modelo de gestão de florestas públicas que vise manter a
capacidade da floresta em oferecer bens e serviços perpetuamente, servindo como uma
alternativa de desenvolvimento socioeconômico.
Nesse contexto, o Poder Executivo apresentou ao Congresso Nacional, em 18 de
dezembro de 2002, um projeto de lei que contemplava normas sobre as concessões à
iniciativa privada da exploração das Florestas Nacionais (FLONAS), PL nº 7.492, de 2002.
As Florestas Nacionais (FLONAS) são consideradas unidades de conservação de uso
sustentável, segundo a Lei do SNUC, que as define como área com cobertura florestal de
espécies predominantemente nativas e tem como objetivo básico o uso múltiplo sustentável
dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração
sustentável de florestas nativas.
A FLONA é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas
em seus limites devem ser desapropriadas de acordo com o que dispõe a lei. É admitida a
permanência de populações tradicionais que habitavam a área quando da criação da UC, em

99
conformidade com o disposto em regulamento e no plano de manejo da unidade. A mesma
modalidade de UC, quando criada por estados e municípios, recebe a denominação
respectivamente de Floresta Estadual e Floresta Municipal.
Na Câmara dos Deputados, o projeto de lei que tratava das concessões das florestas
nacionais recebeu várias críticas no sentido de que ele geraria a privatização47 das terras
públicas e, até mesmo, a internacionalização da Amazônia, preocupação também dos
militares. Vários atores entendiam também que a referida lei estaria na contramão da
estratégia de conservação ambiental48 do país. Além disso, representantes da comunidade
acadêmica explicitaram que a proposta poderia excluir as populações carentes que moram
nas florestas.
Em 07 de julho de 2003, o Poder Executivo solicitou a retirada de tramitação do
referido projeto. Os técnicos organizaram a discussão de uma proposta alternativa ao texto
do projeto retirado pelo Poder Executivo. Foram realizados alguns debates em diferentes
regiões do país, contando com a participação de representantes do setor produtivo, do
movimento ambientalista e de comunidades locais. Foi gerada, então, uma proposta bem
mais ampla que a anterior a partir desse processo, que previa a outorga de concessões
florestais não apenas nas FLONAS, mas sim nas chamadas “florestas públicas”, definidas
como florestas, naturais ou plantadas49, localizadas nos diversos biomas brasileiros, em
bens sob o domínio da União, dos Estados, dos Municípios, do Distrito Federal ou das
entidades da administração indireta.
Em 21 de fevereiro de 2005, o Poder Executivo apresenta ao Congresso Nacional,
em regime de urgência, projeto de lei pretendendo regular a gestão das florestas públicas,

47
Para Tasso Azevedo, essa interpretação equivocada da lei foi um dos grandes desafios no processo
de formulação, na medida em que as pessoas entendiam a concessão para o uso da floresta como privatização.
Além disso, houve divergências no conceito de floresta pública. Para facilitar o processo, a equipe da então
Diretoria de Florestas fez um apanhado com todos os tipos de uso da terra, classificando cada um deles e, com
isso, foi montando definições, onde ficou claro que tudo o que não era privado, era público. Assim foi mais
fácil definir. E tudo o que era privado era basicamente aquilo que teria título definitivo.
48
Segundo Tasso Azevedo, ex-diretor do Serviço Florestal Brasileiro, no processo de elaboração da lei,
o uso da floresta não era comumente entendido por diversos atores envolvidos como uma forma de conservar
a floresta, esse era ponto central. Era necessário que o uso sustentável fosse claramente entendido como uma
estratégia de conservação, que se alinhava ao sistema de conservação.
49
Fernando Castanheira se manifestou contrariamente a esse ponto em sua entrevista. Para ele, é
negativo para a gestão florestal no país o fato da lei de gestão só lidar com florestas públicas, pois o setor
privado tem papel significativo na área de plantados.

100
PL nº 4.776, de 2005. Após 13 audiências públicas realizadas, o projeto de lei foi aprovado
no Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente Luís Inácio Lula da Silva, em 2 de
março de 2006, quando foi publicada a Lei de Gestão das Florestas Públicas (BRASIL,
2006a).
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, estima-se que nos dez primeiros
anos de aplicação da Lei – a fase experimental prevista nas disposições finais, haverá treze
milhões de hectares de concessões florestais, aproximadamente 3% de toda a Amazônia
brasileira, e 25 milhões de hectares de florestas destinados ao uso comunitário e familiar, o
que corresponde a aproximadamente 6% (BRASIL, 2007a).

4.2. A Lei como Instrumento de Gestão das Florestas Públicas

A Lei de Gestão de Florestas Públicas apresenta três formas de gestão: 1) criação e


manutenção de unidades de conservação; 2) destinação das áreas florestais para manejo
comunitário; e, depois de esgotadas as opções anteriores para uma determinada região; 3) a
realização de contratos de concessão florestal por meio da licitação pública. As florestas
poderão ser utilizadas tanto para fins extrativistas, como a retirada de madeira, extração de
frutas, óleos e seringa, quanto para atividades não-extrativistas, como o ecoturismo.
Com a sanção da lei, a gestão florestal passa a contemplar um rol maior de
instituições, incluindo os três níveis de governo: federal, estadual e municipal. No governo
federal, a gestão florestal passa a estar sob a responsabilidade direta de quatro instituições:

- O Ministério do Meio Ambiente – responsável pela formulação das políticas


florestais, atuando como poder concedente da produção florestal sustentável;

- O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis –


IBAMA – entidade de controle e fiscalização ambiental responsável pelo
licenciamento e controle ambiental das florestas;

- O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBIO – é


responsável por propor, implantar, gerir, proteger, fiscalizar e monitorar as unidades
de conservação geridas pela União;

101
- O Serviço Florestal Brasileiro – SFB – é o órgão gestor das florestas públicas
federais para a produção sustentável de bens e serviços. Possui também a
responsabilidade de geração de informações, capacitação e fomento na área
florestal. Além disso, com a sanção da lei, o Serviço Florestal Brasileiro e os órgãos
de gestão estadual são responsáveis pela fiscalização do cumprimento dos contratos
de concessão e pelas auditorias independentes obrigatórias, que serão realizadas no
mínimo a cada três anos.

A criação do Serviço Florestal Brasileiro alterou a Estrutura Organizacional do


Ministério do Meio Ambiente e passa a existir um órgão que foi estruturado para atuar
como gestor das florestas públicas brasileiras, que deve, sobretudo, estar em plena sinergia
e articulação com os órgãos e entidades mencionados acima. Uma das primeiras atividades
do Serviço Florestal foi organizar o órgão consultivo – a Comissão de Gestão das Florestas
Públicas – CGFLOP50, que foi regulamentada pelo Decreto nº 5.795, de 5 de maio de 2006.
A comissão é composta por vinte e quatro membros do governo e da sociedade. Depois de
um amplo processo de consulta pública, totalizando oito audiências, a Comissão subsidiou
a elaboração do Decreto nº 6.063 de 20 de março de 2007, que regulamenta a Lei de Gestão
de Florestas Públicas.
As áreas destinadas para concessão estão contempladas no Plano Anual de Outorga
Florestal51, elaborado pelo órgão gestor, no caso federal, o Serviço Florestal Brasileiro. O
Plano deve passar por uma consulta pública e ser submetido à análise do órgão consultivo,
a Comissão de Gestão de Florestas Públicas.
O processo de formulação e regulamentação da lei prevê, também, o
desenvolvimento de instrumentos de gestão para o monitoramento das florestas públicas,

50
Cabe ponderar que a Comissão de Gestão de Florestas Públicas, de natureza consultiva, instituída
nos termos do art. 51, não contempla a participação dos Ministérios das Relações Exteriores, Transportes,
Fazenda e Educação, além de outras organizações do governo que poderiam contribuir para a mesma,
restringindo sua atuação de forma mais transversal.
51
O Decreto nº 6.063 de 20 de março de 2007, que regulamenta a Lei de Gestão de Florestas Públicas
exige que o Plano Anual de Outorga florestal (PAOF) informe sobre a área total já submetida a concessões
federais e a previsão de produção dessas áreas, bem como a delimitação geográfica das áreas passíveis de
concessão naquele ano, sua proximidade de áreas indígenas, unidades de conservação e todos os mecanismos
de acesso democrático às concessões florestais.

102
especialmente aquelas que entrarão em regime de concessão. Dentre os instrumentos em
desenvolvimento, destacam-se a estruturação do Cadastro Geral de Florestas Públicas, o
Sistema de monitoramento das Concessões e dos Contratos, e um Sistema de Detecção da
Exploração da Madeira da Amazônia – DETEX, em colaboração com o INPE (Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais) e o IMAZON (Instituto do Homem e do Meio Ambiente
da Amazônia), entre outros.
O processo de efetivação da lei se iniciou com um recorte espacial concebido e
orientado para a criação dos chamados Distritos Florestais Sustentáveis. Em 2006, foi
criado o primeiro Distrito Florestal Sustentável, o da região da BR163, com área de 19
milhões de hectares.

4.3. As Três formas de Gestão

a. Áreas destinadas ao uso comunitário: Essas áreas são destinadas de forma


não-onerosa ao uso sustentável da floresta por comunidades locais e a
criação dessas áreas é acompanhada pelo Serviço Florestal. As diferentes
modalidades de florestas de uso comunitário são geridas por órgãos
distintos. As Reservas Extrativistas e de Desenvolvimento Sustentável
federais são administradas pelo Instituto Chico Mendes52. As Terras
Indígenas são de responsabilidade da Fundação Nacional de Apoio ao Índio
– FUNAI. As diferentes categorias de projetos de assentamentos, inclusive
os Projetos Especiais Quilombolas, são geridos pelo Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária – INCRA. As florestas públicas já
destinadas ao uso comunitário abrigam uma população superior a 450 mil
famílias (BRASIL, 2006,a).
b. Criação e Manutenção de Unidades de Conservação: Essa é uma das opções
para cumprir os objetivos de conservação das florestas brasileiras, e
compreende a criação de florestas nacionais, estaduais e municipais nos
52
A Medida Provisória nº 336/07 cria o Instituto Chico Mendes, que tem a competência para executar
as ações da Política Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, bem como propor, implantar, gerir,
proteger, fiscalizar e monitorar as unidades de conservação instituídas pela União.

103
termos da lei que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação – SNUC, e sua gestão direta. Assim, o Poder Público poderá
exercer diretamente a gestão das florestas públicas, sendo-lhe facultado, para
execução de atividades subsidiárias, firmar convênios, termos de parceria,
contratos ou instrumentos similares com terceiros. Na definição do Distrito
da BR 163 foi considerada a composição de mosaicos de unidades de
proteção integral e de áreas de uso sustentável, de modo a permitir o
equilíbrio e a complementaridade na conservação da biodiversidade em
escala sustentável.

c. A Realização de Contratos de Concessão por Meio de Licitação: A


concessão florestal será, depois de esgotadas as opções do item a e b,
realizadas por meio da licitação pública. A elaboração dos contratos de
concessão exige que sejam realizados cadastramento das florestas,
preparação do Plano Anual de Outorga Florestal, licenciamento, consultas
públicas, licitação, contratação e, finalmente, fiscalização e auditoria.

4.4. Período de Transição

Antes do processo de licitação, as Unidades de Manejo deviam ser submetidas à


autorização prévia do IBAMA, visando assegurar se essas áreas estariam aptas ou não para
o manejo florestal. A lei prevê mecanismos que podiam ser utilizados na transição para
garantir o manejo florestal sustentável mesmo antes do primeiro Plano Anual de Outorga
Florestal – PAOF. Entre eles estavam os contratos de transição53 para planos de manejo
localizados em áreas públicas e já aprovados até 2002, a autorização de concessões na faixa
de 100 km ao longo da BR 163 antes do primeiro PAOF e a concessão em florestas
nacionais (BRASIL, 2007a).

53
Ver Instrução Normativa nº 2 de 10 de agosto de 2006, que disciplina a convocação para a
celebração do contrato de transição objetivando a continuidade do manejo florestal de que trata o art. 70 da
Lei nº 11.284 de 02 de março de 2006.

104
a. Contratos de Transição

Um dos mecanismos de transição previstos na lei foi a possibilidade de


continuidade de execução de Planos de Manejo Florestal Sustentável – PMFS localizados
em áreas públicas que tinham sido aprovados e operados até a publicação da Lei de Gestão
de Florestas Públicas. Os PMFS eram vistoriados pelos órgãos ambiental (IBAMA) e
fundiário (INCRA) para verificar sua situação técnica e fundiária. Caso aprovados, os
mesmos podiam continuar a operar até vinte e quatro meses mediante assinatura de um
contrato de transição com o Ministério do Meio Ambiente, definido como poder
concedente do sistema de gestão de florestas públicas do governo federal. Após esse
período, a floresta pública deve passar por um processo de licitação para que possa ser
manejada.
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, o Serviço Florestal optou por
avaliar apenas os planos de manejo cujos detentores manifestassem interesse em celebrar o
contrato de transição. Os demais planos ficariam suspensos caso seus detentores não
manifestassem interesse. O procedimento de adesão ao contrato consiste no cadastro do
plano e na vistoria, em que o INCRA informava se o PMFS encontrava-se em terra da
União, se havia registro de existência de conflitos com as comunidades locais e incidência
de assentamentos e terras indígenas. Na vistoria, caberia ao IBAMA informar sobre o
andamento das atividades do manejo florestal, quais requisitos técnicos deveriam ser
cumpridos no caso de existência de condicionantes. No caso das irregularidades insanáveis,
a solicitação era indeferida.
Após a vistoria, ocorria o credenciamento e a emissão da Autorização de
Exploração Florestal (AUTEX) pelo IBAMA. Os contratos de transição previam os valores
a serem pagos pelo uso das florestas, que é determinado com base nos produtos a serem
explorados. Além disso, devia ser paga uma caução em garantia pelo cumprimento do
contrato e observadas as normas técnicas de manejo florestal determinadas pelo IBAMA.
De acordo com as informações do Ministério do Meio Ambiente, a implementação
do mecanismo de transição encontrou uma série de dificuldades, incluindo a sobreposição
de PMFS com unidades de conservação, o que inviabilizava a aplicação do instrumento.

105
Uma das principais dificuldades foi a falta de informações sobre os assentamentos
existentes nas regiões onde houve demanda por contratos de transição. Houve situações em
que os assentamentos dos Planos de Desenvolvimento Sustentável foram criados em locais
onde já estavam aprovados contratos de transição ou em locais onde já havia PMFS
operando com Termos de Ajustamento de Conduta.

b. Faixa de 100 km ao longo da BR 163

Um segundo mecanismo de transição que foi previsto para a implementação da Lei


de Gestão foi a autorização de concessões até o primeiro PAOF, em unidades de manejo
localizadas numa faixa de até 100 km ao longo da BR 163, desde que a área total concedida
não ultrapassasse 750 mil ha, conforme dispõe o Art. 78 da lei.
O Serviço florestal elaborou os estudos necessários para realização de concessões
na faixa de 100 km ao longo da BR 163, identificando áreas públicas ainda não destinadas
para concessão e com potencial para o manejo florestal. A área total da faixa dos 100 km do
entorno da BR 163, em toda a sua extensão entre Cuiabá e Santarém, é de 42.407.706 ha.
Nas áreas consideradas passíveis de concessão, foram excluídas as Unidades de
Conservação de Proteção Integral, Terras Indígenas, Áreas Militares, Unidades de
Conservação Estaduais, as Reservas Extrativistas, bem como os assentamentos e Projetos
de Desenvolvimento Sustentável do INCRA. As Florestas Nacionais foram computadas à
parte.
c. Florestas Nacionais

As Florestas Nacionais eram geridas pelo IBAMA, e podiam ter atividades de


manejo florestal por meio de gestão direta ou por concessão florestal. Foram objeto de
concessão florestal até a aprovação do primeiro PAOF. Dentre os requisitos necessários
para a concessão no período anterior ao primeiro PAOF estavam a necessidade de
aprovação prévia do plano de manejo da unidade e o estabelecimento de um conselho
consultivo, formado por representantes locais e de instituições que participam de programas
relacionados à unidade. Existem no Brasil 63 Florestas Nacionais, dentre as quais 33 estão
localizadas na Amazônia (BRASIL, 2007a).

106
4.5. A Regulamentação da Lei de Gestão de Florestas Públicas

Em 20 de março de 2007 foi publicado o decreto que regulamenta a Lei de Gestão


de Florestas Públicas, após a realização de consultas públicas em oito cidades, e também a
participação da Comissão de Gestão de Florestas Públicas – CGFLOP em várias etapas, da
Comissão Nacional de Florestas – CONAFLOR, além da participação de especialistas nos
principais temas, tais como Cadastro de Florestas Públicas, Monitoramento e Fiscalização,
Licitações e Outorga, Contratos e Auditorias.
O primeiro decreto de regulamentação da lei priorizou aspectos relacionados com as
concessões florestais e à destinação de florestas públicas às comunidades, formulando,
assim, um arcabouço legal para a preparação das concessões no mais curto prazo. Dentre os
temas tratados no processo de regulamentação, destacam-se os seguintes:

- Cadastro Nacional de Florestas Públicas: o cadastro é integrado por bases de


informações produzidas pelo Serviço Florestal e também por bases compartilhadas
por órgãos gestores das florestas públicas da União, estados e municípios.

- Destinação das Florestas Públicas às comunidades locais: essa destinação deve


preceder às licitações para concessões onerosas e o planejamento das dimensões das
florestas públicas destinadas às comunidades deve considerar o uso sustentável dos
recursos florestais, bem como o processamento dos produtos. O decreto prevê os
casos em que poderá haver substituição de cobertura vegetal por espécies
cultiváveis, a realização de estudos para caracterizar o usuário como comunidades
locais e a definição de critérios para formalização de termos de uso por
comunidades nas florestas nacionais. Esse tema foi bastante questionado pelos
representantes da Comissão de Gestão de Florestas Públicas, que não concordavam
com alguns critérios definidos para o uso das comunidades locais.

- O Plano Anual de Outorga Florestal (PAOF): o decreto dispõe de forma mais


detalhada as informações que devem constar no plano. Além disso, o decreto
determina o prazo de conclusão do PAOF, que terá vigência no ano subsequente à
sua conclusão.

107
- O Licenciamento Ambiental: o decreto estabelece o conteúdo mínimo do
Relatório Ambiental Preliminar – RAP, que deve preceder o licenciamento dos lotes
e unidades de manejo. Nos casos dos lotes de concessão, o Serviço Florestal deve
elaborar cada termo de referência em conjunto com o IBAMA. Já nos casos de
unidades de manejo florestal, o licenciamento se dará por meio do Plano de Manejo
Florestal Sustentável, submetido à análise técnica do IBAMA.

- A Licitação das Concessões: deve obedecer ao conteúdo do PAOF e nas florestas


públicas é necessária a delimitação das mesmas. O decreto dispõe sobre os
procedimentos necessários à realização das consultas públicas que precedem as
licitações, incluindo seus objetivos e sua ampla divulgação. Além disso, exige que o
Serviço Florestal apresente justificativa técnica sobre a conveniência de cada
licitação, bem como descrever claramente a metodologia que utilizará para o
julgamento das propostas, inclusive com a definição dos indicadores que utilizará
para eleger a melhor proposta.

- O Contrato de Concessão Florestal Federal: o decreto define as atividades que


serão inerentes e subsidiárias ao manejo florestal e podem ser utilizadas por meio da
contratação de terceiros, tais como inventário florestal, vigilância e manutenção.
Além disso, define os critérios de bonificação para os concessionários que atingirem
parâmetros de desempenho socioambiental além de suas obrigações legais e
contratuais.

- O Monitoramento e as Auditorias das Florestas Públicas Federais: deve ser


feito considerando um grupo mínimo de dez aspectos socioambientais, para os quais
o Serviço Florestal deverá estabelecer os procedimentos. Os procedimentos de
Auditoria devem ser consolidados pelo Instituto Nacional de Metrologia,
Normalização e Qualidade Industrial – INMETRO, tanto no que se refere às
instituições credenciadas para auditar, como aos critérios mínimos das auditorias e o
que elas devem informar sobre as concessões.

108
Além do Decreto, duas resoluções CONAMA foram aprovadas com vistas a
regulamentar o Art. 83 da lei, que dispõe sobre a responsabilidade dos estados relacionada
ao licenciamento e controle das atividades florestais. A Resolução 378 de 19 de outubro de
2006 define quais são os empreendimentos potencialmente causadores de impacto
ambiental, estabelece as competências dos estados e IBAMA, relacionadas ao
licenciamento das atividades florestais. Já a Resolução 379, da mesma data, determina
procedimentos e regras para integração e transparência na gestão florestal nos entes
federativos.

4.6. O Plano Anual de Outorga Florestal

A Lei 11.284/2006 criou uma série de instrumentos para gestão das florestas
públicas, dentre eles o Cadastro Nacional de Florestas Públicas e o Plano Anual de Outorga
Florestal – PAOF. A elaboração do plano se faz obrigatória como instrumento preliminar
da concessão florestal, conforme o disposto nos respectivos artigos da Lei 11.284/2006 de
Gestão de Florestas Públicas:

Art. 9. São elegíveis para fins de concessão as unidades de manejo


previstas no Plano Anual de Outorga Florestal.

Art. 10. O Plano Anual de Outorga Florestal – PAOF, proposto


pelo órgão gestor e definido pelo poder concedente, conterá a
descrição de todas as florestas públicas a serem submetidas a
processos de concessão no ano em que vigorar.

Ressalte-se que o Decreto 6.063/2007 que regulamenta a referida lei dispõe com
maior detalhamento sobre a aplicação do PAOF, conforme explicitado em seu Art. 19:

Art. 19. O PAOF, proposto pelo Serviço Florestal Brasileiro e


definido pelo Ministério do Meio Ambiente, conterá a descrição de
todas as florestas públicas passíveis de serem submetidas à
concessão no ano em que vigorar.

Parágrafo único. Somente serão incluídas no PAOF as florestas


públicas devidamente identificadas no Cadastro Geral de Florestas
Públicas da União.

109
O PAOF 2007/2008 previu apenas as florestas públicas federais. Seus objetivos
principais são:

1. Identificar florestas públicas passíveis de ter unidades de manejo licitadas


para contrato de concessão florestal em 2007 e 2008, assim como áreas
prioritárias para aplicação desse mecanismo;

2. Identificar as atividades a serem executadas no período de agosto de 2007 a


dezembro de 2008.

O PAOF 2007/2008 contém algumas simplificações, descritas a seguir, conforme


disposições transitórias do Decreto nº 6.023/2007:

- A Divisão das florestas públicas incluídas no PAOF em duas categorias: florestas


passíveis de concessão e florestas com concessão prioritária (não se identificam as
unidades de manejo);

- Não são feitas estimativas de receita com as concessões;

- Análise de convergência com políticas públicas setoriais realizada após a seleção


das florestas prioritárias, e não previamente como parte do processo de seleção das
áreas;

- Análise de convergência com políticas estaduais limitada às áreas prioritárias


devido a não existência de PAOFs estaduais.

Na metodologia de seleção das áreas do PAOF, foi aplicado um conjunto de três filtros
com os seguintes objetivos:

I. Identificar as florestas públicas legalmente passíveis de aplicação do


instrumento da concessão florestal;

110
II. Identificar as florestas públicas que poderiam ter a aplicação da concessão
florestal no período de 2007 a 2008;

III. Identificar as florestas públicas que seriam prioritárias para realizar as


primeiras licitações para concessão florestal.

Na primeira etapa (Figura 1), para identificar as florestas legalmente aptas para
concessão florestal, foram excluídas do PAOF 2007/2008 aquelas inseridas no Cadastro de
Florestas Públicas da União que se enquadrassem nos seguintes casos: Unidade de Proteção
Integral, Terra Indígena, Área Militar, Assentamentos, Reserva Extrativista e Reserva de
Desenvolvimento Sustentável. As que não se enquadrassem nessas categorias são
consideradas legalmente aptas para concessão.

111
Figura 1

Na segunda etapa (Figura 2), as florestas legalmente aptas para concessão seriam
submetidas a um novo filtro. Se elas fossem consideradas com potencial destinação para
uso comunitário ou área remota ou distante de mercados formais ou tivessem potencial
destinação para uso especial, seriam excluídas do PAOF 2007/2008 e não seriam
consideradas florestas públicas da União passíveis de concessão. Se elas não se
enquadrassem nos casos anteriores e tivessem potencial para produtos e serviços florestais,
as mesmas não seriam excluídas do PAOF 2007/2008 e seriam passíveis de concessão. No
caso das Florestas Nacionais, só seriam incluídas no PAOF 2007/2008 e consideradas
passíveis de concessão aquelas que tivessem Plano de Manejo pronto ou em elaboração.

112
Figura 2

Na terceira etapa (Figura 3), a partir das florestas públicas passíveis de concessão
selecionadas na etapa anterior, foram selecionadas as florestas públicas prioritárias para
concessão. Foram priorizadas aquelas que integrassem o Distrito Florestal Sustentável ou a
estratégia de desenvolvimento local, ou, ainda, aquelas que tivessem justificativa tática que
a priorizasse.

113
Figura 3

No Cadastro Geral de Florestas Públicas da União, foram inseridos 193,8 milhões


de hectares de florestas públicas federais. Apenas 43 milhões de hectares são considerados
legalmente passíveis de concessão. No PAOF 2007/2008, foram consideradas passíveis de
concessão as florestas públicas inseridas numa área de 11,7 milhões de hectares – 6% do
total. Além disso, foram considerados prioritários para a aplicação dos mecanismos de
concessão florestal o total de 3,9 milhões de hectares, todos localizados em Rondônia e
Pará. Ressalte-se que a Amazônia concentra 92% das florestas públicas identificadas. De
acordo com o Ministério do Meio Ambiente, o Cadastro não é exaustivo e serão incluídas
outras florestas públicas federais em processo de identificação. As florestas públicas foram
cadastradas em dois tipos diferentes: com destinação definida (TIPO A) e com destinação
não definida (TIPO B), conforme gráfico a seguir:

114
Gráfico 4

Fonte: Serviço Florestal Brasileiro/Ministério do Meio ambiente

No total, o PAOF 2007/2008 limitou as áreas de concessão florestal a um milhão de


hectares, equivalente a 0,5% das florestas públicas federais já cadastradas. As Tabelas B e
C estão expressas as áreas de florestas públicas federais, por bioma, inseridas no Cadastro
Geral de Florestas Públicas da União e as áreas de florestas públicas com possibilidade de
concessão florestal no PAOF 2007/2008, respectivamente:

115
Tabela B - As florestas públicas brasileiras inseridas no cadastro geral de florestas
públicas da união
(em 1.000 ha)

Bioma/Região CO NE N SE S TOTAL

AMAZÔNIA 9773 1850 166870 178468

CAATINGA 936 5 941

CERRADO 5919 2486 3330 574 12310

MATA 117 218 404 817 1557


ATLÂNTICA

PAMPA 148 148

PANTANAL 412 412

TOTAL 16222 5463 170200 983 963 193836


Fonte: Serviço Florestal Brasileiro/ Ministério do Meio ambiente

116
Tabela C - A área das florestas públicas federais (FPF) quanto à possibilidade de
concessão florestal (CF) no PAOF 2007-2008 em hectares

Tipo de Total de Legalmente Incluídas Prioritárias Área Projetada


Floresta Florestas passíveis de no PAOF para CF de Unidades de
Pública Federal Públicas concessão 07/08 (CF Manejo para CF
(FPF) florestal permitida)

FPF destinadas 1645390 14449042 8778506 3957044 1000000


61

FPF não 2929664 29296649 2890514


destinadas 9

Total de FPF 1938357 43745691 11669020 3957044 1000000


10

% das FPF 100,00% 22,60% 6,00% 2,00% 0,50%


Fonte: Serviço Florestal Brasileiro/ Ministério do Meio ambiente

As florestas públicas incluídas no PAOF foram agrupadas em seis regiões, quatro


delas na Amazônia. A região do Purus Madeira inclui quatro florestas públicas, todas em
florestas Nacionais: Flona de Macauã (AC), Flona de Humaitá (AM) e Flonas de Jacundá e
Jamari (RO). A Flona do Jamari foi considerada uma das áreas prioritárias para a aplicação
do instrumento de concessão florestal – e foi a primeira concessão florestal do país.

4.7. - O Processo de Concessão Florestal

A licitação é feita para cada unidade de manejo e a escolha é definida baseada nos
critérios de melhor técnica e melhor preço. Os ganhadores da licitação, após a assinatura do
contrato, devem preparar um Plano de Manejo Florestal Sustentável – PMFS, de acordo
com a legislação vigente, e submeter à aprovação do órgão ambiental responsável, antes do
início das operações. Portanto, os órgãos que participam do processo de aprovação dos

117
planos de manejo devem assegurar a qualidade técnica dos mesmos, visando, sobretudo, ao
manejo florestal sustentável e à sustentabilidade local.
No que diz respeito aos recursos provenientes das receitas das concessões florestais,
até 20% devem ser destinados para cobrir os custos de concessão florestal, incluindo
recursos para o Serviço Florestal Brasileiro e para o IBAMA realizarem atividades de
monitoramento e controle; e, no mínimo, 80% divididos para os estados e municípios onde
se localizam as florestas públicas, e para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal,
que deve promover o desenvolvimento tecnológico, a promoção da assistência técnica e
incentivos para o desenvolvimento florestal sustentável.
O edital para o primeiro lote de concessão florestal foi publicado no dia 14 de
novembro de 2007 e a primeira concessão florestal foi assinada no dia 01 de outubro de
2008. Três madeireiras receberam autorização para explorar, no período de 40 anos, 96 mil
hectares da Floresta Nacional do Jamari, entre os municípios de Itapoã do Oeste e Cujubim,
no Estado de Rondônia.
Como são requisitos básicos para concessão florestal a inclusão da Floresta no
Cadastro Nacional de Florestas Públicas e também no Plano Anual de Outorga Florestal
(PAOF), no dia 6 de julho foi publicada Resolução nº 2/07, que regulamenta o Cadastro
Nacional de Florestas Públicas, e em 31 de julho de 2007 foi publicado o primeiro PAOF.
No que diz respeito ao Plano de Manejo Florestal Sustentável, elaborado pela
madeireira, em geral, a área concedida à empresa é dividida em 30 partes iguais, em que
cada pedaço deve ser explorado por um ano. Quando todas as partes da floresta já tiverem
sido exploradas, o corte de madeira volta a ser feito no primeiro lote, que teve 30 anos para
se recuperar. O prazo máximo do contrato é de 40 anos.
De acordo com a Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio
Ambiente, em cada hectare há cerca de 1000 árvores, das quais 300 a 400 são adultas. A
empresa deve retirar 4 a 5 árvores de cada hectare. Todavia, não há dados suficientes que
assegurem que a floresta continuará igual, ou que haverá perdas. Após o término do
contrato, deverão ser realizados estudos que avaliem a possibilidade de submeter a área
novamente à exploração.

118
Ao assumir o uso da floresta, a empresa concessionária fica responsável por
verificar se a área não está sendo invadida por madeireiras ilegais ou por grileiros. Caso
isso aconteça o IBAMA deve ser acionado. Para verificar se a derrubada das árvores está
seguindo o plano estabelecido, será utilizado o sistema DETEX (Detecção de Exploração
Florestal Seletiva). O sistema é capaz de detectar pequenas modificações na mata, como a
abertura de pátios para processar as toras e até a modificação das copas das árvores na
floresta.
O financiamento para a fiscalização virá da arrecadação proveniente da concessão,
em que o valor arrecadado será destinado ao IBAMA, Instituto Chico Mendes e Serviço
Florestal Brasileiro, e os recursos deverão ser aplicados em ações de conservação e uso
sustentável das florestas. O valor mínimo de manutenção do sistema será no máximo de
30% dos recursos arrecadados, direcionados ao Serviço Florestal Brasileiro e IBAMA. A
distribuição dos recursos restantes, no mínimo 70% do valor arrecadado, no caso de
concessão em Floresta Nacional, deverá respeitar a seguinte distribuição:

- 20% Estado;

- 20% Municípios;

- 40% Instituto Chico Mendes

- 20% Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal.

4.7.1. O Passo a Passo da Concessão Florestal

No processo de concessão florestal, a fase preliminar, chamada de fase pré-edital,


inclui todas as etapas até a publicação do edital de licitação. Após a publicação do PAOF,
que define as florestas públicas que terão suas unidades de manejo licitadas e que comporão
o lote de concessões, deverá ser realizado o licenciamento prévio por meio do Relatório
Ambiental Preliminar – RAP, preparado pelo Serviço Florestal e avaliado e aprovado pelo
IBAMA. No caso das Florestas Nacionais – FLONAS, o Plano de Manejo das Unidades de
Conservação, aprovado pelo Conselho Consultivo, representa o licenciamento prévio. A

119
realização de licitação para concessões florestais em FLONAS deve ser apreciada pelo
Conselho Consultivo.
Para a preparação do edital de licitação, devem ser feitos estudos técnicos
preliminares, que incluem o inventário florestal e o levantamento potencial das cadeias
produtivas florestais na região. O edital indica os produtos e serviços, o objeto da concessão
florestal, e todas as condições obrigatórias para qualificar os concorrentes da licitação. Com
trinta dias de antecedência da publicação definitiva, deve ser publicado o pré-edital,
juntamente com a minuta de contrato de concessão florestal. O pré-edital passa por uma
consulta pública incluindo audiências públicas no local de concessão, com os municípios
envolvidos. Em outros aspectos, as audiências públicas identificam e aprimoram os
indicadores a serem utilizados para definir o ganhador da concessão florestal.
O Edital de Licitação54 deve conter todas as regras detalhadas de como serão
pontuadas as propostas e de como será definido o vencedor para cada unidade de manejo. O
critério de melhor técnica deve ter sempre o peso maior do que o preço. O critério técnica
inclui quatro temas:
a. Maior benefício social;

b. Menor impacto ambiental;

c. Maior eficiência;

d. Maior agregação de valor local.

Para cada um dos temas é preciso existir pelo menos um indicador com parâmetros
objetivos para efeito de pontuação ou bonificação de uma proposta. Os indicadores podem
ter parâmetros diferentes para cada unidade de manejo de acordo com o seu tamanho e
condições. A Tabela D apresenta dois exemplos de indicadores, com seus respectivos
critérios, parâmetros e verificadores:

54
Cada edital de licitação contém um lote com diferentes unidades de manejo.

120
Tabela D

CRITÉRIO INDICADOR PARÂMETRO VERIFICADOR


Menor Impacto Árvores danificadas Menor número de Relatório pós-
Ambiental por m3 explorado árvores danificadas = exploratório
mais pontos
Maior Benefício Número de empregos Maior número de Dados de registro em
Social diretos empregos diretos = carteira
mais pontos

Para se habilitar55, os concorrentes devem ser empresas brasileiras com sede e


administração no país. Cada unidade de manejo florestal pode ter apenas um contrato de
concessão florestal, que deve incluir todos os produtos e serviços autorizados. Pondere-se
que não pode ser objeto de concessões florestais o uso dos recursos genéticos, fauna,
recursos minerais, recursos hídricos e os créditos de carbono, exceto para florestas
plantadas. Produtos de uso para subsistência das comunidades locais também são excluídos
do objeto de concessão.
No que diz respeito ao monitoramento, fiscalização e auditorias, durante a execução
dos PMFS, o concessionário é fiscalizado pelo IBAMA e Serviço Florestal Brasileiro, além
de ser obrigatória uma auditoria independente, pelo menos uma vez a cada três anos. Para
melhor compreensão do passo a passo do processo de concessão florestal, a figura 4,
abaixo, demonstra as diferentes fases do respectivo processo: A fase Pré-Edital, que
termina com a publicação do Edital de Licitação, a fase Seleção e Contratação, que termina
com a assinatura do contrato, e, finalmente, a fase de execução, que inclui todas as
atividades relacionadas à implantação do manejo florestal e seus respectivos
monitoramento, fiscalização e auditoria.

55
O §1º do art. 19 prevê que somente poderão ser habilitadas nas licitações para concessão florestal
empresas ou outras pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras que tenham sede e administração no
país. Todavia, tal previsão não afasta o risco de exploração indevida pelo capital estrangeiro, inclusive, do
patrimônio genético e dos recursos hídricos das unidades de manejo florestal concedidas, até mesmo pela
conhecida deficiência na fiscalização em atividades similares.

121
Figura 4

4.8. As Florestas Comunitárias

A Lei de Gestão de Florestas Públicas prevê que essas florestas deverão ser
prioritariamente destinadas às comunidades locais, antes de serem definidas como passíveis
de concessão. As Florestas Comunitárias têm grande relevância social na medida em que as
mesmas geram emprego e renda, promovendo a subsistência de diversas famílias. Por outro
lado, o Manejo Florestal Comunitário não deve ser uma atividade realizada a partir das
práticas da população. O mesmo requer o uso de conhecimento técnico sobre manejo
sustentável de modo que as florestas possam ser devidamente utilizadas, minimizando os
impactos ambientais decorrentes do uso.
O Serviço Florestal Brasileiro, no âmbito da competência prevista na Lei nº 11.284,
de 2006, apoiará a pesquisa e a assistência técnica para o desenvolvimento das atividades

122
florestais pelas comunidades locais, inclusive por meio do Fundo Nacional de
Desenvolvimento Florestal. O órgão deverá apoiar a elaboração dos planos de manejo em
assentamentos selecionados. Além disso, o Serviço Florestal deverá promover discussões
de instruções normativas conjuntas do MMA, INCRA e Instituto Chico Mendes para
regulamentar os procedimentos de planos de manejo.
O decreto de 20 de março de 2007 determina que, nas florestas públicas destinadas
às comunidades locais, a substituição da cobertura vegetal natural por espécies cultiváveis
somente será permitida quando houver previsão da substituição da cobertura vegetal no
plano de manejo, no plano de desenvolvimento de assentamento ou em outros instrumentos
de planejamento pertinentes à modalidade de destinação. Além disso, a área total de
substituição não for superior a dez por cento da área total individual ou coletiva, limitado a
doze hectares por unidade familiar.
O Manejo Florestal Comunitário requer planejamento, recursos relativamente altos
para a exploração, licenças difíceis de serem obtidas e problemas de regularização
fundiária. Os Assentados e outras populações com território legalizado são assediados em
função de acesso legal a recursos escassos, principalmente nas áreas mais novas onde as
organizações são muito frágeis. A rapidez das transformações não permite a instalação
rápida de mecanismos para apoiar essas comunidades. O resultado é a crescente realização
de acordos dos mais diversos possíveis entre assentados e madeireiros. De acordo com o
Serviço Florestal Brasileiro/MMA, 62% das florestas públicas são comunitárias. A
Tabela E demonstra em números os dados de uso comunitário por tipo de unidade:

123
Tabela E - Dados de Uso Comunitário

TIPO DE UNIDADE NÚMERO DE UNIDADES ÁREA (HA)


Projeto de Assentamento Agr 104 2608213
Projeto de Assentamento 4 101353
Florestal
Projeto de Des. Sustentável 97 2900068
Projeto de Ass. Esp. 7 182333
Quilombola
Reservas Extrativistas 35 9571875
Reserva de Des. Sustentável 6 7529623
Terras Indígenas 589 108989441
Total 844 131882906
Fonte: Serviço Florestal Brasileiro/MMA

A promoção do manejo florestal de qualidade requer um esforço conjunto do


Estado, do mercado e das organizações comunitárias, visando conciliar os diversos
interesses conflitantes. Tal conciliação deve ter como base alguns aspectos, tais como:
benefícios ambientais, econômicos, sociais, respeito às leis, garantia da regeneração da
floresta, envolvimento e organização da comunidade, critérios técnicos adequados,
distribuição justa dos benefícios, capacitação, monitoramento, dentre outros que vão ao
encontro de um manejo comunitário sustentável.

124
5. ANÁLISE CRÍTICA DO PROCESSO DE FORMULAÇÃO E
IMPLEMENTAÇÃO DA LEI DE GESTÃO DE FLORESTAS PÚBLICAS

É notória a expectativa do governo e da sociedade com relação à lei que dispõe


sobre a gestão sustentável das florestas públicas, visto que a mesma reúne elementos
teóricos aparentemente favoráveis ao desenvolvimento sustentável. Por outro lado, há
opiniões divergentes quanto à eficácia das medidas a serem implementadas. Seguem abaixo
os principais problemas e desafios que foram identificados por meio de estudos e dados
coletados a partir das entrevistas realizadas com os atores envolvidos no processo,
representantes do governo, sociedade civil, setor produtivo, cientistas. A partir da pesquisa
realizada, foi feita uma análise, sob as perspectivas político-institucional, ecológica,
econômica e social, conforme descrita a seguir:

5.1. Perspectiva Político-institucional

As primeiras intenções de ordem político-institucional no processo de criação da lei


eram solucionar e equacionar um grave problema no setor florestal brasileiro que ocorria
basicamente pela exploração das florestas públicas, que vinham sendo utilizadas de forma
totalmente predatória, com ocupações via grilagem, de baixa tecnologia, com pouca base
cientifica, bem como com os graves problemas fundiários nas áreas de florestas. Nesse
modelo, a floresta remanescente era invariavelmente substituída por áreas normalmente de
pastagem ou alguma outra cultura. Observou-se sempre um impacto de curto prazo da
exploração ilegal.
Na avaliação do pesquisador titular do INPA, Rogério Gribel, a lei tenta atacar uma
questão relevante no desenvolvimento do país e da Amazônia, especialmente. Ou seja,
ordenar o uso de terras públicas em termos de exploração florestal. Ele considera esse um
aspecto positivo da lei. Por outro lado, Gribel considera que sua implementação já se
deparou com uma série de dificuldades. Em seu entendimento, o fato da lei existir não
impede que os processos tradicionais de ocupação da terra sejam paralisados, conforme seu
depoimento abaixo:

125
Pelo contrário. Você provavelmente vai ter a partir de agora e já
está acontecendo, duas frentes de exploração: continua a frente de
exploração via grilagem, ocupação integral, e existe a frente de
exploração, digamos, autorizada, inicialmente em áreas públicas e
florestas nacionais. Não existe nenhum mecanismo claro que faça
com que esse processo seja minimizado e desacelerado.

De acordo com Niro Igush, pesquisador titular do INPA, embora a lei traga a
criação do Serviço Florestal, do Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal e a
possibilidade de concessão, no processo de formulação, parecia que tudo convergia para
concessão florestal e era o único objetivo de fato, não havia outra justificativa. Para ele, em
última palavra, era o mercado internacional que estava ditando como deveria ser feito e a
oferta de madeira é muito maior que a demanda. Segue seu pronunciamento:
Aí eu fui analisar porque essa preocupação com a concessão
florestal. Primeiro lugar, nós temos na Amazônia uma
característica peculiar, nós não temos a situação fundiária
resolvida, propriedade privada aqui é minoria. Então, o que
acontece? Pra você ter um projeto aprovado pelo IBAMA de
manejo florestal você tem que ter título da terra, e se é um projeto
aprovado pelo IBAMA sem certificação, você não chega ao
mercado internacional.

Isso não era mencionado pelos atores que defendiam a lei, principalmente pela
equipe do Ministério do Meio Ambiente. Eles utilizavam sempre em suas argumentações o
fato de a mesma estar orientada para produção sustentável. Na visão de Niro Igush, o termo
“sustentável” utilizado é uma forma de dar uma visibilidade ética para os atores envolvidos
que defendem a referida lei. A ideia é passar para sociedade que se é sustentável, é boa.
Todavia, a mesma não explicita técnica e conceitualmente de que forma será
aplicado o termo “sustentável”. A mesma descreve os arranjos institucionais, atores,
competências, e alguns critérios para a produção “sustentável” dos recursos florestais, e não
assegura se realmente haverá reconhecimento da qualidade técnica e científica dos
instrumentos que serão utilizados para a gestão florestal - apenas informa os atores que têm
competência para reconhecê-los, o que não é suficiente para assegurar a chamada
sustentabilidade das florestas.

126
O conceito de manejo sustentável foi discutido na formulação da lei com muitas
divergências e/ou falta de compreensão. No processo de formulação da lei, Tasso Azevedo
tentava simplificar usando exemplos do que seria o manejo florestal. Suas palavras refletem
como era realizada a discussão:
Eu vivia falando que você vai tirar cinco ou seis árvores, de cada
mil, um hectare, a cada trinta anos. Como uma forma de ir fazendo
com que as pessoas capturassem a ideia, então era simplificar o
conceito de manejo e a pessoa também capturar. Para quem
entende um pouco de floresta, entende na simplificação como a
forma de você ser menos rigoroso com o manejo. Mas, na verdade,
era uma forma especificar para as pessoas - é obvio que manejo é
muito mais do que isso, mas é uma forma simples de explicar que
manejo não é desmatamento. Quando você tem uma árvore caindo,
a imagem que mostra quando você mostra desmatamento é um cara
com uma motoserra derrubando árvore. Um cara com uma
motoserra derrubando uma árvore é desmatamento, e, pode ser
manejo, por exemplo.

Parecia que o “plano de manejo” seria suficiente para assegurar tal sustentabilidade,
mas isso era constantemente colocado em dúvida, ainda mais quando feito pelos
empresários. Inclusive, houve divergências sobre quem iria aprová-lo e controlá-lo.
Ressalte-se que na discussão do projeto de lei no Congresso, foi feita alteração no texto
original com a inserção de dispositivo que modifica o Código Florestal para descentralizar
a aprovação dos planos de manejo florestal de forma geral, ligados ou não a processos de
concessão florestal. Até então, o Código Florestal concentrava toda a aprovação desses
planos no IBAMA, muitas vezes conflitando com leis estaduais que previam a aprovação
por órgão estadual.
O MMA, portanto, acatou a descentralização de atribuições em relação ao controle
do manejo florestal. Dessa forma, a lei inclui algumas medidas de descentralização para os
estados de atribuições quanto ao controle da proteção das florestas. Houve reação negativa
de algumas organizações ambientalistas após a aprovação dessas medidas.
Afirmou-se que a decisão de incluir a descentralização na Lei de Gestão das
Florestas Públicas teria sido tomada de última hora e sem discussão com a sociedade civil
organizada, passando a impressão de que o governo federal estaria aproveitando a
oportunidade para transferir toda a responsabilidade sobre as florestas públicas no Brasil

127
para os estados. Tal medida pode enfraquecer a função nacional estratégica da floresta,
principalmente na região amazônica, onde municípios, em larga escala, e até alguns estados
guardam certa conivência com a exploração e o comércio ilegal de riquezas naturais.
Para Tasso Azevedo, consultor, a execução dos Sistemas de Gestão Estaduais é um
dos grandes desafios, considerando que os estados andam num ritmo muito mais lento. Ele
afirma que não adianta você ter tudo regulado na esfera federal se não tiver bem regulado
na esfera estadual, o que demonstra claramente sua preocupação com esse processo dos
estados, que é, sem dúvida, muito importante, na medida em que cada estado pode criar a
sua ferramenta. Ou seja, a qualidade da execução da referida lei, e, da gestão florestal no
país depende muito da estrutura dos órgãos ambientais do país nos diversos estados
brasileiros.
Em entrevista realizada com a gestora do Serviço Florestal, Márcia Muchagata, foi
demonstrada sua preocupação com a referida questão. Para ela, os órgãos ambientais
estaduais – OEMAs estão totalmente despreparados para atender qualquer demanda de
licenciamento da atividade florestal e de licenciamento em geral.
Em verdade, a falta de estrutura dos órgãos ambientais brasileiros pode ser um fator
de fracasso na efetivação da referida lei. Além disso, a fiscalização do IBAMA resulta
muitas vezes corrompida por madeireiras e latifundiários, que continuam a destruir
impunemente as florestas. O Brasil já possui diversas leis que dispõem sobre as atividades
florestais, que até o momento se mostraram ineficazes contra o desmatamento, não havendo
garantia de que uma nova lei poderá conter a desordem na Amazônia.
Tal constatação é reforçada quando se trata de assentamentos, que envolve órgãos
de outros ministérios como o INCRA, que tem muita dificuldade de encaminhar os
processos de licenciamento ambiental, e as OEMAs têm muita dificuldade de tratar esses
processos de maneira adequada. O licenciamento da atividade florestal só pode ser
pleiteado depois que o licenciamento ambiental do assentamento for dado. Para Muchagata,
as comunidades locais demoram cerca de dois anos para ter um plano de manejo florestal
aprovado. Enquanto isso, eles continuam sendo aliciados pelo atores do comércio de
madeira ilegal.

128
No que diz respeito aos direitos e deveres do concessionário, pode se considerar que
a lei transfere para o concessionário a responsabilidade por uma pretensa exploração
sustentada e conservação das florestas, cada vez mais atingidas pelo desenfreado
desmatamento ilegal e outros danos. Com a concessão, a responsabilidade direta pelos
danos ambientais e pelo pagamento do valor de uso são atribuídas às concessionárias, o
que, de certa forma, diminuiria a responsabilidade oficial por desastres ambientais. Para
mitigar problemas futuros, a lei possibilita o concessionário oferecer como garantia os
direitos emergentes da concessão.
De acordo com Roberto Smeraldi, Diretor da ONG Amigos da Terra, o grande
desafio do processo licitatório reside na questão da garantia, que gerou uma emenda
elaborada por ele, entregue ao relator, Deputado Alberto Albuquerque. Com a referida
emenda, o concessionário poderá contratar seguro para cobrir os riscos inerentes à
execução do contrato, que envolve desde os riscos de não poder pagar o valor da concessão
em determinado momento, até os danos relacionados à manutenção. Segue o depoimento de
Smeraldi acerca do assunto:
São modalidades do seguro fiança, do seguro garantia, ou até de
outras formas de garantias financeiras a serem providenciadas
indiretamente, por bancos, etc. O Estado não pode confiar na sua
capacidade de controle, de monitoramento, quando se começa a ter
milhões de hectares. Se não tem nem para cuidar dos seus próprios
parques nacionais, imagina quando você começar a tirar 10
milhões de hectares, 20 milhões de hectares de construção, quem é
que vai lá ver se teve incêndio?

É uma forma de mitigar realmente problemas futuros, mas apenas sob o ponto de
vista econômico. Aqueles que defendem os interesses ecológicos tenderiam a argumentar
que os danos causados à biodiversidade decorrentes do uso podem ser irreversíveis, e não
há atualmente estrutura e condições de se mensurar corretamente o valor financeiro de tais
danos.
A lei traz dispositivos que podem dificultar o monitoramento e controle por parte do
Estado – qualquer atuação irresponsável e desprovida de conhecimento técnico e científico
suficiente pode gerar danos ambientais irreversíveis. Tal fato pode ser observado na

129
possibilidade que a lei oferece ao concessionário de contratar terceiros para o
desenvolvimento de atividades inerentes ou subsidiárias ao manejo florestal sustentável dos
produtos, bem como a possibilidade de formação de consórcios empresariais, que
aumentam a probabilidade para formação de condomínios empresarias madeireiros de
difícil monitoramento.
De acordo com Niro Igush, pesquisador titular do INPA, outra questão de extrema
relevância que merece atenção é a permissão que esse processo possibilite a certificação
florestal. Ele diz que no próprio estado do Amazonas há duas empresas madeireiras
certificadas. Uma mantém a certificação e a outra fechou. Fechou por fechar. Só que tinha
antes de fechar, tanto uma como outra, multa de 36 milhões e 12 milhões de reais aplicados
pelo IBAMA. O princípio número um da certificação é o cumprimento da lei. Sendo assim,
essas empresas não poderiam estar certificadas nunca. Para ele, a certificação florestal nada
mais é do que a terceirização do papel fundamental do Estado, que é cuidar da floresta,
cuidar dos projetos de manejo florestal.
Um dos aspectos mais relevantes da dimensão institucional da lei é que as
atribuições do SFB podem conflitar diretamente com atribuições de outro órgão já existente
e responsável pela execução da política ambiental nacional, o IBAMA. Técnicos do
IBAMA afirmam que o projeto dá continuidade a um processo de esvaziamento do órgão,
atribuindo suas competências sucessivamente a outros órgãos e entidades das várias esferas
federativas. O quadro do IBAMA, de uma forma geral, argumenta que, com todo seu know
how na execução da política ambiental nacional, foi colocado em segundo plano no projeto.
Durante o processo de entrevistas, representantes do MMA e IBAMA afirmavam
que há um sucateamento do IBAMA que avança a passos largos, e os recursos destinados à
autarquia são insuficientes para suas necessidades básicas e o pessoal é diariamente
desestimulado pelos baixos salários e pela falta de perspectivas. Para eles, o projeto prevê a
criação de um novo órgão, quando a solução poderia ser a reestruturação e o fortalecimento
do IBAMA, com destinação direta dos recursos arrecadados nas atividades relacionadas ao
licenciamento e fiscalização, por exemplo, além de dotar a autarquia da necessária e
verdadeira independência econômica e gerencial para o exercício de suas atribuições.

130
Segundo o depoimento de José Humberto Chaves, Diretor de Uso Sustentável da
Biodiversidade e Florestas do IBAMA, há uma fragmentação na atuação dos órgãos
governamentais. O IBAMA tem competência regimental de autorizar o licenciamento de
planos de manejo das áreas de concessão e, quando a concessão acontecer em unidade de
conservação federal, fica a cargo do Instituto Chico Mendes da Biodiversidade, que é o
gestor da unidade que tem que prever a exploração dessas áreas no seu plano de manejo.
É necessário que o plano de manejo esteja aprovado para que o Serviço Florestal
possa incluir essas áreas no Plano Anual de Outorga Florestal. Posteriormente, o IBAMA
vai licenciar na medida em que os planos de manejo forem apresentados. Para ele, é
necessário rediscutir esse arranjo institucional para evitar que a burocracia prejudique o
processo de concessão.
Por exemplo, existe a tentativa de transformar o Serviço Florestal numa autarquia,
para que ele possa ter autonomia financeira e administrativa, principalmente no que diz
respeito à questão de demarcação, mapeamento das florestas públicas e organização do
processo de concessão. Na visão de José Humberto, esse modelo poderia, em um primeiro
momento, ser mais bem avaliado nesse contexto de arranjo institucional, que é, em sua
visão, muito burocrático. Seu depoimento abaixo revela claramente sua constatação:
Para você ter uma ideia, a gente já tem três anos da lei, e o
primeiro plano de manejo foi aprovado ontem... Então, de fato, a
concessão começou no país porque a gente teve o primeiro plano
de manejo aprovado para exploração florestal. É lógico que é um
processo demorado porque tem todo um processo de consulta
pública, elaboração do Plano Anual de Outorga Florestal,
construção do edital, até que a gente chega ao estágio de ter
efetivamente o plano de manejo elaborado.

Para Fernando Castanheira, Superintendente-Executivo do Fórum Nacional de


Atividades de Base Florestal, há fatores que também reduzem a capacidade de gestão do
Serviço Florestal, que tem como foco as concessões, uma vez que o ICMBIO e IBAMA
têm papel relevante na gestão florestal. Segue depoimento de Castanheira:
Nas unidades de conservação quem gerencia é o ICMBIO, e quem
licencia o manejo florestal é o IBAMA. Quem regula a política
florestal, em tese, seria o Programa Nacional de Floresta, e não o

131
Serviço Florestal Brasileiro. E você ainda tem o INCRA56,com os
assentamentos rurais57, que são assentamentos em florestas
públicas. E você tem a FUNAI, que tem florestas públicas.
Inclusive, um terço das florestas públicas é área indígenas. Então,
Serviço Florestal não tem gerência nenhuma desses órgãos. Ou
seja, ele não gerencia nada.

Com uma visão diferenciada, Nilo Diniz, Diretor do Conselho Nacional do Meio
Ambiente – CONAMA – entende que era necessário criar uma estrutura institucional que
fosse capaz de fazer o fomento na área florestal, pois isso não era função do Ministério do
Meio Ambiente – MMA. Para ele, havia uma certa zona cinzenta entre o MMA e o
Ministério da Agricultura nessa área do fomento da atividade florestal, e o Serviço Florestal
Brasileiro absorveu essa competência. O IBAMA fazia o trabalho de fiscalização e o
acompanhamento dos planos de manejo, o ministério definia políticas. Faltava, então, esse
braço que era das concessões, que é a forma de colocar o manejo sustentável em prática no
país, especialmente na Amazônia. Ele considera, portanto, que foi correto ter criado o
Serviço Florestal. Philip Fearnside aponta como aspecto favorável a criação do referido
órgão num ambiente onde há conflito de interesses. Para ele a fiscalização, licenciamento e
gestão devem estar em órgãos diferentes. Por outro lado, provavelmente seria mais
adequado estar vinculado a outros ministérios.
Segundo depoimento de Fernando Castanheira, no processo de formulação da lei de
gestão, o setor privado passou a apoiar, e o Setor Florestal seguiu na linha de gestão de
florestas públicas. Quem foi mais atuante no processo foi a Associação das Indústrias de

56
Na perspectiva político-institucional, há um problema de fundo que diz respeito aos conflitos
existentes entre os órgãos ambientais com o INCRA e a FUNAI. A madeira ilegal que sai da Amazônia vem
de áreas de assentamentos concedidos pelo INCRA.. Há muitos anos o INCRA não pode fazer novos
assentamentos em áreas florestais, e naqueles assentamentos onde não tinham florestas, o assentado poderia
desmatar três hectares ano para agricultura, mantendo a reserva legal. Ocorre que em muitos casos não houve
o respeito à manutenção da reserva legal, e os assentados passaram a usufruir dos recursos fora dos limites da
lei e sobreviverem com aquela renda, que se tornou indispensável para determinadas comunidades.
57
Para Castanheira, esses assentamentos são grandes responsáveis pela redução da extensão florestal
no país. Em seu depoimento, a maioria das comunidades que vão para a floresta não conhece a floresta e nem
o que é manejo. Se o setor privado não conhece manejo direito, imagina um assentado, que não tem
assistência técnica. Além disso, o licenciamento para assentamentos são geralmente feitos por órgãos
estaduais, e muitos existem sem licenciamento ambiental. O assentado extrai a madeira ilegal, que ele não
tem ou tem grandes dificuldades de legalizar junto ao IBAMA – muitas vezes esses assentados passam fome e
têm um grande ativo florestal na mão.

132
Madeira do Estado do Pará. O Serviço Florestal Brasileiro não encontrou muito apoio no
Fórum Nacional de Atividades de Base Florestal, pois a referida organização não
concordava com questões consideradas centrais na lei de gestão. Nas palavras de
Castanheira:
Nós discutíamos questões essenciais na lei que não concordávamos.
A primeira delas é que o Serviço Florestal Brasileiro não podia ser
daquele jeito, era justamente o inverso do que estava sendo
proposto. Com esse nome, deveria ser criado o inverso, ou seja, era
o serviço e a concessão, um dos produtos que o serviço trabalharia.
E eles inverteram a questão, eles criaram a concessão e para
aderir à concessão precisa de um apoio. A primeira proposta era
uma Agência Nacional de Floresta, como não pode fazer uma
agência, eles botaram o nome de Serviço e perderam a história da
grande oportunidade, e essa era uma discussão que a gente tinha,
que a lei de gestão de florestas públicas pudesse ter outra lei
atrelada àquela criação do Serviço Florestal Brasileiro, autônomo,
e uma série de ações mais horizontais e não tão vertical igual eles
fizeram.

No que diz respeito aos instrumentos de gestão da lei, a mesma prevê a criação do
Cadastro Nacional de Florestas Públicas e o Plano Anual de Outorga Florestal, e seu
decreto de regulamentação procura detalhar com os critérios técnicos que deverão ser
seguidos para a formação de tais instrumentos, que têm possíveis implicações de outros
processos, contratos de concessão e outras políticas que incidam sobre as áreas de florestas
públicas. O problema fundiário, por exemplo, é um elemento de grande relevância nesse
processo.
Na visão de Roberto Smeraldi, Diretor da ONG Amigos da Terra, o primeiro grande
desafio de implementação da lei tem uma função histórica, que antes de florestal ela é
fundiária, que vem desde o Código de Terras, de 1854 – desde então, o Brasil não
implementou esse Código, na medida em que as terras devolutas não são arrecadadas. Tais
terras são responsáveis por problemas de desmatamento, de ocupação, de conflito, de
grilagem, etc.

133
Para ele, a função arrecadatória de terras está sendo deixada de lado, que significa
incorporar no cadastro aquelas terras como florestas públicas, de maneira que qualquer
posse em cima delas perde o valor, desestimulando qualquer expectativa de regularização
em cima daquela unidade. Em sua visão, essa função deveria ser prioritária e ainda está
acontecendo de maneira ainda muito modesta.
No que toca à definição de critérios para aprovação do POA, o pesquisador do
INPA, Niro Igush, critica o fato de a legislação e suas regulamentações permitirem a
escolha das florestas prioritárias passíveis de concessão inadequadas, o que vai de encontro
ao que é preconizado na lei. Se a lei veio tentar resolver diversos problemas, entre eles o da
grilagem, por que não incluiu tais terras na concessão?
A FLONA Jamari, segundo ele, foi a primeira a vencer o processo licitatório,
porque havia interesse de mineradoras. Para Igush, deveria ter começado pela Floresta
Nacional do Tapajós58, que é mais bem conhecida no Brasil. Há mais de mil trabalhos
publicados sobre ela, diferente de Jamari, que não tem nenhum. A única coisa que havia era
um inventário da década de 80. Igush entende que se o objetivo é, realmente, desenvolver
um modelo de manejo florestal na Amazônia, o melhor lugar seria, realmente, na Flona
Tapajós, onde se tem mais informação técnica, bem como maior número de associações e
organizações não-governamentais instaladas – o que geraria maior controle social no
processo.
De acordo com Philip Fearnside, pesquisador titular do INPA, a lei de gestão de
florestas públicas tinha como principal argumento o raciocínio de se ter algo urgente para
resolver o problema da grilagem. A prioridade no início do processo de formulação era a
área da BR 163, onde realmente tem um grande problema de grilagem e a situação das
madeireiras está a todo vapor com relação a problemas legais. Para ele, é questão de dar
ordem na situação caótica que já existia. Só que, depois que se aprovou a lei, não foi lá que
começou e acabou sendo priorizada a área da BR 319. Em sua visão, esse é um problema
grave, pois o que realmente fazia sentido é, justamente, ordenar uma situação caótica.
Porém, quando são abertas novas áreas para serem exploradas, isso causa mais impacto.

58
De acordo com José Natalino, Diretor do Serviço Florestal Brasileiro, a FLONA Tapajós está
prevista no próximo Plano Anual de Outorga Florestal – PAOF.

134
Outro aspecto relevante é a relação que a lei guarda com diversos diplomas da
legislação nacional, tais como o Código Florestal, a Política Nacional do Meio Ambiente,
Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, entre outros. O Código Florestal
tem como seus principais instrumentos de tutela: as Áreas de Preservação Permanente –
APPs e as Reservas Florestais.
A lei não se refere ao tratamento que será destinado às APPs e Reservas Legais, o
que pressupõe que as mesmas serão mantidas segundo o Código Florestal. Os atuais
percentuais de reserva legal59 não são atrativos para os investidores, que, no caso da
Amazônia Legal, poderão explorar apenas lotes de 20% da área total concedida, ressalvado
o disposto no § 2º da Medida Provisória nº 2.166-67/01, conforme descrito abaixo:
A vegetação da reserva legal não pode ser suprimida, podendo
apenas ser utilizada sob regime de manejo florestal sustentável, de
acordo com princípios e critérios técnicos e científicos
estabelecidos no regulamento, ressalvadas as hipóteses previstas
no § 3o deste artigo, sem prejuízo das demais legislações
específicas.

Com a execução da lei, os critérios de manejo florestal sustentável, previstos em tais


dispositivos legais em suas respectivas regulamentações, parecem estar cumpridos,
59
Eis os limites definidos no Código Florestal na redação dada pela Medida Provisória 2.166-67/2001:
"Art. 16. As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação
permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação
específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal, no mínimo:
I - oitenta por cento, na propriedade rural situada em área de floresta localizada na Amazônia Legal;
II - trinta e cinco por cento, na propriedade rural situada em área de cerrado localizada na Amazônia
Legal, sendo no mínimo 20% na propriedade e quinze por cento na forma de compensação em outra área,
desde que esteja localizada na mesma microbacia, e seja averbada nos termos do § 7o deste artigo;
III - vinte por cento, na propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas de vegetação
nativa localizada nas demais regiões do País; e
IV - vinte por cento, na propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do
País.
1o O percentual de reserva legal na propriedade situada em área de floresta e cerrado será definido
considerando separadamente os índices contidos nos incisos I e II deste Artigo.
2o A vegetação da reserva legal não pode ser suprimida, podendo apenas ser utilizada sob regime de
manejo florestal sustentável, de acordo com princípios e critérios técnicos e científicos estabelecidos no
regulamento, ressalvadas as hipóteses previstas no § 3o deste artigo, sem prejuízo das demais legislações
específicas.
3o Para cumprimento da manutenção ou compensação da área de reserva legal em pequena
propriedade ou posse rural familiar, podem ser computados os plantios de árvores frutíferas ornamentais ou
industriais, compostos por espécies exóticas, cultivadas em sistema intercalar ou em consórcio com espécies
nativas.

135
possibilitando, assim, a exploração das áreas de reserva florestal legal. E não poderia ser
diferente, na Amazônia, considerada principal foco da lei de gestão de florestas públicas.
Ainda no que toca à necessária harmonia com os diversos dispositivos legais, vale
ressaltar a relação da lei com as políticas, também, de ocupação na Amazônia nessas áreas.
Então, da mesma maneira que existe uma lei de gestão de florestas publicas, há também
uma política de governo orientada para essas áreas de reforma agrária. Isso tem que estar
muito bem afinado no plano governamental, justamente para não fazer com que se tenha
um conflito muito mais de duas políticas públicas, que deveriam ser complementares, e,
que não podem ser, de forma alguma, concorrentes. Tanto que algumas áreas que, no inicio,
o serviço florestal mapeou como florestas públicas, foram automaticamente
desconsideradas para concessão futura.
No que diz respeito à experiência internacional, muitos países que adotaram o
referido modelo revelam que foi um modelo fracassado, tendo em vista que os mesmos
continuaram a perder suas florestas e não melhoraram seu desempenho econômico. Foi o
caso da Nova Zelândia, Gana, Sudeste Asiático, Nigéria, Costa do Marfim, Indonésia. Em
muitos desses países foram adotadas forma de exploração semelhante e o resultado foi
devastação após a concessão de suas florestas. Além disso, a exploração da madeira foi
superior ao que seria permitido, sem que a fiscalização pudesse reparar os estragos.
Segundo Niro Igush, a maioria dos países que tiveram concessão florestal é, hoje,
muito mais pobre que o Brasil, com uma diferença – os mesmos não têm mais floresta. O
Brasil ainda tem. Então, em sua visão, baseada também na experiência internacional, a
concessão florestal não aumenta a qualidade de vida e não gera riqueza pra ninguém.
Por outro lado, há países que tiveram experiências consideradas bem-sucedidas, que
é o caso da Guatemala. A técnica do Serviço Florestal Brasileiro, Márcia Muchagata, foi
realizar um estudo sobre o modelo de gestão de concessão na Guatemala e identificou uma
série de resultados positivos. A Guatemala é uma experiência muito diferente da brasileira,
embora o país tenha floresta tropical.
O país criou um mosaico de unidade de conservação para as concessões florestais, e,
das concessões florestais que eles conseguiram implantar, poucas foram de caráter
empresarial, e a maioria acabou sendo envolvimento comunitário, diferente de como é feito

136
no Brasil. Os pequenos madeireiros se mobilizaram para poder conseguir uma concessão
florestal. Lá, os comunitários agiram de uma maneira muito forte no sentido de provocar as
devidas mudanças e seus direitos.
Um grande diferencial é que nas florestas da Guatemala têm muito mogno e cedro,
o que gera manejo florestal de baixíssimo impacto porque eles extraem poucas espécies de
altíssimo valor – o que facilita a comercialização e adequação sadia ao mercado legal
madeireiro. E como eles conseguiram fazer várias concessões para vários grupos, é um
processo que já está mais ou menos estabelecido, eles conseguiram, aos poucos, aprender a
trabalhar.
Para Muchagata, o que é mais interessante no caso do Guatemala é que quando se
observa o mapa das áreas protegidas e das áreas que estão sob concessão, observa-se que as
áreas que estão efetivamente conservadas são as áreas que estão sob concessão. Lá, o
Estado não tem a capacidade de fiscalizar e monitorar as áreas protegidas, e nas concessões
são as comunidades e os empresários quem cuidam. Para ela, o mesmo vai acontecer no
Brasil.
Nas palavras de Muchagata:
Pra mim está claro que as áreas que entrarem em concessão
florestal que estiverem sob uso de comunidades vão ser as áreas
efetivamente conservadas. A filosofia do Serviço Florestal é que o
uso que vai salvar a floresta, vai proteger a floresta. A gente, na
Guatemala, viu isso na prática. As florestas que estão conservadas
são as florestas que estão utilizadas. A perspectiva da lei traz uma
agenda, sobretudo, econômica que tem o plus de resolver um
problema ambiental. É você realmente perceber que a conservação
só vai se dar se você tiver o econômico. Então, o econômico é que
puxa.

Outro país, cuja experiência é conhecida no Brasil, explicitada por José Humberto
Campos, Diretor do IBAMA, como um caso bem-sucedido, foi a do México, na Península
de Yucatán, que é uma realidade um pouco diferente. Era uma concessão não-onerosa junto
às comunidades, na qual as comunidades se organizavam muito bem num contexto muito
mais local do que do próprio governo num processo de ordenamento da exploração em si.
Eles vivem da exploração do mogno numa região com um nível de conflito muito baixo, o

137
que facilita a capacidade organizacional daquela comunidade, que está no local há anos.
Para ele, esse é um pré-requisito básico para que a concessão não-onerosa em comunidades
seja bem-sucedida.

5.2. Perspectiva Econômica

A lei procura trazer, em sua essência, uma perspectiva econômica que viabilize as
demandas do mercado, reduza o desmatamento e legalize o setor, que encontra sérios
problemas de comercialização de madeira ilegal. Essa é a visão de Antônio Carlos
Hummel, Diretor Geral do Serviço Florestal Brasileiro. De acordo com José Humberto
Chaves, Diretor de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas, do IBAMA, a lei de
gestão é uma tentativa de buscar alternativas legais para atender a uma demanda para
produção de madeira, seja para o mercado interno, seja para o mercado externo. Para ele,
alguma coisa precisava ser feita e o caminho era esse mesmo.
Para Philip Fearnside, a perspectiva econômica da lei de gestão de florestas públicas
pode ser comprometida tendo em vista que a lógica econômica não é compatível com a
lógica da biologia. Para ele, as florestas tropicais não crescem de uma forma que concorrem
com outros investimentos interessantes no mercado. Isso faz com que a lógica seja de cortar
o máximo possível e o mais rápido possível. Para ele, há várias maneiras de tentar
solucionar com mais eficácia os problemas das florestas públicas, tais como fiscalização,
multas, ações de combate à corrupção. Segue abaixo o pronunciamento de Fearnside:
Os problemas inerentes ao manejo florestal, como um todo, são em
termos de lógica econômica, porque tudo depende da faixa de
crescimento das árvores, que é uma coisa determinada pela
biologia, e não tem nada a ver com mercado de ações ou outras
coisas do mercado financeiro, mas, na verdade, fica concorrendo –
quer dizer – se pode investir em manejo florestal ou se pode ter
dinheiro e investir em imóveis, dinheiro, fábricas, qualquer coisa
que quiser. Os formuladores de política procuram brechas para
poder tirar mais do que sustentar.

A ilegalidade no setor madeireiro é considerada um dos vetores na dinâmica


econômica desse setor no Brasil. No entendimento de Antônio Carlos Hummel, a

138
perspectiva é que a lei de gestão vá influir diretamente na modelagem econômica desse
mercado. Atualmente, um dos balizadores do preço da madeira do mercado é a madeira
ilegal, que tem custos muito menores que a certificada. O madeireiro geralmente faz isso
em uma terra invadida, usa mão-de-obra de maneira exploratória. Portanto, os custos dele
são bem menores que o da madeira certificada. Por outro lado, a madeira certificada é cada
vez mais exigida no comércio internacional. O grande desafio é fazer com que a lei de
gestão seja salutar para a economia madeireira do país e seja adequada da melhor forma ao
contexto sócio-econômico local.
Ainda de acordo com Philip Fearnside, o segundo ciclo de corte, após trinta anos, é
economicamente menos vantajoso que o primeiro ciclo. Além das árvores serem maiores e
mais valiosas no primeiro ciclo, as que serão cortadas estão lá há centenas de anos e nunca
houve custo para manejo, pois as áreas não foram submetidas às técnicas de manejo
florestal. Nelas, não foram investidos recursos para manejar durante essas centenas de anos.
No segundo ciclo, há mais gastos e menos árvores. Portanto, em sua visão, o primeiro ciclo
será sempre mais atraente. A visão de sustentabilidade e longo prazo 60 fica comprometida,
pois não se sabe o que poderá acontecer no futuro, considerando que o país não tem a
experiência de segundo ciclo.
Segundo o depoimento de Nilo Diniz, Diretor do CONAMA, com execução da lei,
será instalado na Amazônia um processo competitivo na área de concessão, uma alternativa
sustentável de exploração florestal, que é, sem dúvida, a principal economia da Amazônia,
seja a economia madeireira, seja a exploração florestal madeireira ou não madeireira. Nas
palavras de Diniz:
O fato é que a economia florestal é a vocação da Amazônia, então,
como é que você faz isso se transformar do ponto de vista
econômico, em incentivo, fomento, em alternativa à exploração
irregular, exploração irresponsável tanto de madeireiros como de
não madeireiros também na Amazônia, sem uma política de gestão
pública?
60
Outro fator apontado por Fearnside é relacionado à periodicidade de cortes permitida dentro do ciclo
de 30 anos. Antes, era permitido retirar uma fatia para cada ano, divididas em 30 parcelas. Com as mudanças
na normatização, é possível retirar mais fatias no início do manejo, o que possibilita ser retirado o número de
árvores definidos no ciclo em seis parcelas. Tal constatação poderá colocar em risco a viabilidade econômica
do projeto, pois depois de certo tempo, haverá mais custo que benefício.

139
No entendimento de Fernando Castanheira, o ritmo das concessões é lento e
extremamente aquém do necessário. Estima-se que a produção florestal na Amazônia, em
2009, foi de dezesseis milhões de metros cúbicos, reduzindo o patamar em relação aos
níveis de 2004, que foi consumido na Amazônia, vinte e quatro milhões de metros cúbicos.
Ocorre que as previsões das concessões é de atingir seis milhões de metros cúbicos para
2014 e doze milhões de metros cúbicos para 2019; e ainda não será atingido nas mais
otimistas das previsões para 2019. Para Castanheira, a lei desmotiva o uso de madeira na
Amazônia de uma maneira muito agressiva.
Em seu ponto de vista, desde 2004 se tem um desestímulo total ao manejo, cancela-
se tudo quanto plano de manejo e cria-se um grande peso no comando de controle, como
combater o desmatamento, entram estratégias de mudança de combate, entre outras, e, na
sua visão, a lei de gestão já entrou dentro desse processo, sem considerar a realidade das
economias locais. A questão central, do ponto de vista econômico, é se daqui a cinco ou
dez anos o setor florestal vai conseguir se manter61.
Na visão de Castanheira, a perspectiva ecológica e social é priorizada na lei em
detrimento da econômica, na medida em que foram criadas várias diretrizes e estratégias de
fomento a Unidades de Conservação como, por exemplo, o Distrito Florestal Sustentável, e
uma configuração de unidade de conservação na BR 163. A viabilidade econômica das
concessões é questionada. Para ele, o Serviço Florestal preconiza concessões que criem
estruturas, façam estradas que, muitas vezes, não são acessíveis, etc. Nas palavras de
Castanheira:
A lei busca viabilizar as unidades de conservação, os planos de
manejo, mobilizar os diversos atores, como criar uma estrutura
para que as comunidades possam acessar, valorizar o
conhecimento tradicional, quer dizer, aquelas comunidades que
estão no entorno ou dentro dela, que elas possam ter um
tratamento; e a área privada, a área econômica propriamente dita,
61
Ressalte-se que há um ritmo de plantio florestal no Brasil gigantesco. Atualmente, é produzido cerca de
dois terços do consumo de madeira no país por meio de florestas plantadas. As florestas plantadas hoje
rendem cerca de cento e cinquenta milhões de metros cúbicos. Segundo Castanheira, a melhor estratégia seria
focar no aumento dessa produtividade. Deve-se levar em consideração também que a demanda de madeira
sólida tem reduzido consideravelmente no mundo. É só MDF, que é madeira de resíduo de eucalipto. Então é
isso que o setor madeireiro quer com madeira tropical, na visão de Castanheira.

140
está totalmente desfocada do processo, tanto é que se fosse verdade
que o econômico tivesse algum tipo de prioridade, a gente já teria
um volume de concessão bem maior.

No que diz respeito aos critérios de técnica e preço nas licitações, a regulamentação
trouxe a possibilidade mais clara de, também, priorizar os critérios sociais e ambientais que
segundo Tasso Azevedo, passam a valer mais do que o critério econômico. O que pode
ocorrer é de alguém vencer uma concessão, mesmo pagando menos, porque a questão
social e ambiental pode valer mais do que a questão econômica na hora de selecionar a
concessão. Esse caso é especial no Brasil, de acordo com o depoimento abaixo de Tasso
Azevedo:
Isso não existe em nenhum lugar do mundo. Nenhum outro sistema
de concessão em todo o planeta. Mesmo antes de você permitir a
concessão para conservação, como é o caso do Peru, o que vale é o
argumento econômico, você tem que ir lá e apostar, pagar mais do
que os outros para poder manter a floresta em pé, mais conservada.
No nosso caso, não, no caso é: você não precisa pagar mais para
poder fazer mais conservação, se você fizer mais conservação, o
sistema entende que isso é bom para a floresta e, portanto, você
pode pagar menos pelo uso dos produtos.

É importante lembrar que a lei estabelece como critério para a fixação do preço
mínimo também – o estímulo à competição e à concorrência na exploração da floresta e o
equilíbrio econômico financeiro do contrato. Na prática, pode ocorrer por parte do
concessionário o avanço na exploração da floresta além do que foi estabelecido,
consubstanciado no argumento da obtenção do equilíbrio financeiro-contratado. Deve-se
ponderar que a sustentabilidade florestal é fundamental para o equilíbrio daquele
ecossistema, que será base para o equilíbrio econômico e financeiro dos futuros contratos
de concessão. Ressalte-se que uma floresta explorada leva dezenas de anos para recuperar-
se.
Outro aspecto relevante é que a lei define alguns critérios para a configuração do
preço mínimo no edital, deixando lacunas no que diz respeito à metodologia a ser utilizada
no cálculo e à inserção da variável relacionada à possibilidade de escassez ou surgimento
de novos bens e serviços que serão explorados, sem ter uma avaliação e conhecimento mais

141
aprofundados da biodiversidade existente nas respectivas unidades de manejo. A floresta,
no caso, a amazônica, mantém ainda a sustentabilidade da maior bacia hidrográfica do
mundo e contribui decisivamente para a fixação das condições climáticas no planeta, o que
demonstra o seu imensurável valor agregado que não pode ser tratado apenas como metros
cúbicos de madeira.
Ainda no que diz respeito à valoração econômica dos recursos florestais, pode se
considerar que as florestas brasileiras têm grande valor mantendo a biodiversidade, o clima,
o ciclo de árvores, estoque de carbono, etc. Para Philip Fearnside, ninguém paga pelo seu
uso com todos esses valores embutidos, pois os mesmos são mais valiosos do que o valor
da madeira retirada para pastagem e outros. A lei de gestão traz a perspectiva de
manutenção da floresta em pé, mas a mesma precisa prover a valoração econômica
adequada dos bens e serviços que a floresta oferece ao planeta.
Nesse ponto, Roberto Smeraldi também faz uma ponderação, também, no que diz
respeito a não inclusão dos serviços florestais relacionados ao sequestro de carbono. Isso
não é tratado na lei – uma perspectiva que deve ser crescente no futuro próximo. Seguem
abaixo as palavras de Smeraldi relativas ao assunto:
Outra coisa também que eu queria tocar é a questão do serviço
florestal, estamos mudando, os paradigmas estão mudando, a
tendência agora é que a valorização dos recurso e dos serviços
florestais seja crescente e a lei não leva em consideração essa
questão dos serviços, ela está claramente focada em produto.

Soma-se ainda o fato de o investimento em pesquisa nas áreas de floresta ser ínfimo
diante da gigantesca biodiversidade existente, que, com o ritmo da exploração econômica,
muito dessa riqueza será perdida antes de ser conhecida É necessário conhecer melhor a
floresta para que a mesma possa ser mais valorizada. A visão de futuro de uso é
incompatível com o que ocorre na prática – com técnicas de exploração precária, que, do
ponto de vista estratégico e de longo prazo, pode ser economicamente comprometedor.
De acordo com o depoimento de Gribel, a exploração então em terras públicas e
nominalmente em florestas nacionais onde, principalmente, estão sendo abertas as
concessões, vem sendo feita com base no processo de exploração madeireira tradicional,
com baixa tecnologia, baixa aplicação de conhecimento científico para o chamado manejo

142
sustentável, ou seja, o procedimento é localizar área de florestas com bom potencial
madeireiro e abrir licitações para empresas madeireiras locais, essas muito descapitalizadas
não só no sentido financeiro, mas no sentido de conhecimento de exploração florestal. Para
ele, estão se repetindo os mesmos processos de degradação de florestas, exploração de alto
impacto e muitas vezes sem sequer agregação de valor ao produto no local.
Um aspecto importante é entender se a perspectiva econômica é economicamente
viável para o Estado e também para o concessionário. Ser economicamente viável para o
Estado significa dizer se seus recursos florestais estão sendo valorados de forma adequada.
Esse entendimento pode não estar assegurado no depoimento de Tasso Azevedo abaixo:
É um sistema que tem que ser economicamente viável para os
agentes que estão operando, não necessariamente ele será
economicamente mais vantajoso para o Estado que é o dono da
floresta. Por que o interesse do Estado não é ganhar mais dinheiro
com a floresta, o interesse do Estado é gerar mais benefícios
sociais e mais benefícios ambientais.

É necessário atentar para o fato de que não basta ser economicamente viável para o
concessionário, é relevante, sobretudo, inclinar para a adequada valoração de nossos
recursos florestais e para as perspectivas macro e microeconômica das regiões envolvidas,
onde se tem um setor florestal que pode buscar agregar valor ambiental, social e econômico
em seus produtos e serviços.

5.3. Perspectiva Social

Na perspectiva social, a lei tem salvaguardas para garantir que comunidades que
atuam em terras públicas, sejam elas reservas indígenas62, reservas extrativistas, entre
outras, possam fazer o seu manejo. O segundo ponto importante, já visto anteriormente, é

62
É fundamental que o Estado promova ações concretas de capacitação técnica e financeira para
comunidades indígenas, bem como residentes em Reservas Extrativistas e de Desenvolvimento Sustentável.
De acordo com Philip Fearnside, algumas comunidades indígenas estão desmatando mais que os municípios
que mais desmatam no Mato Grosso. O mesmo problema que é também social acontece em áreas de Reserva
Extrativista. Junto com Chico Mendes, na reserva onde ele foi criado, os dois compartilhavam da mesma ideia
de que não se deveria ter exploração madeireira em reservas extrativistas. Depois de tanta pressão, tais
reservas foram abertas para exploração madeireira.

143
que a lei prevê que o processo de definição do uso das florestas públicas tem um ritual que
começa com a definição do que será unidade de conservação, depois as áreas de uso
comunitário e apenas quando esgotadas essas possibilidades é que entra em cena o processo
de concessão.
A salvaguarda social consiste no fato de a lei procurar garantir que as comunidades
não terão as suas áreas impactadas e não pagarão pelo uso do recurso florestal. Além disso,
a lei criou uma serie de regras para o concessionário, para que o processo de concessão gere
uma espécie de reserva ou salvaguarda para as comunidades locais explorarem produtos e
serviços da floresta. Então, mesmo nas áreas de concessão, são excluídos produtos de uso
comunitário. Mesmo assim, há riscos de impacto social causado por possíveis conflitos
com invasores, bem como a possibilidade de a lei de gestão engessar o crescimento de
determinadas comunidades.
O desafio se torna maior quando observamos nossa pouca experiência em manejo
comunitário sustentável e a atuação na gestão desse manejo por parte do Serviço Florestal
Brasileiro, um órgão recém-criado com problemas que vão desde a estrutura organizacional
até a insuficiência de recursos humanos, orçamentários, logísticos, etc.
De acordo com a gestora do Serviço Florestal Brasileiro, Márcia Muchagatta, as
experiências de manejo florestal comunitário eram poucas e não havia um arcabouço legal
específico pra isso. Foi realizado um trabalho de rearticulação da rede que trabalha com
manejo florestal comunitário. A rede entendia que, embora a Lei de Gestão de Florestas
Públicas considere muito a questão de direitos das comunidades locais e tenha
desenvolvido muito bem os mecanismos para a Gestão Florestal, não foram desenvolvidos
adequadamente os mecanismos de suporte de manejo florestal comunitário.
Conforme depoimento de Muchagatta, os técnicos do Serviço Florestal Brasileiro
tiveram que trabalhar na solução desses problemas de forma paralela e foi quando eles
deram conta das lacunas existentes. O decreto que regulamenta a lei deveria acabar com
tais lacunas existentes, mas o mesmo não foi assinado da forma como os técnicos
gostariam. Tal fato, aliado à pouca experiência em manejo comunitário, pode prejudicar o
processo de implementação, conforme pronunciamento abaixo de Muchagatta:

144
Houve muita ingerência das áreas jurídicas e hoje a gente está
justamente montando aqui um plano anual de manejo florestal
comunitário que procura colar as diferentes políticas de governo
para apoiar o manejo florestal comunitário. A outra dificuldade
que a gente tem é que se manejo florestal é uma coisa nova, manejo
florestal comunitário é mais ainda. São poucas experiências, as
pessoas não sabem como fazer direito, os técnicos que trabalham
em campo desconhecem as coisas, tanto a parte técnica quanto a
parte do tipo de organização que é necessária para fazer isso.

É um desafio na gestão das florestas públicas dar um tratamento às comunidades


locais, socialmente justo e ambientalmente adequado. O Serviço Florestal Brasileiro tem o
papel de fazer um censo demográfico para avaliar a situação de todas as populações que
vivem nas florestas. A perspectiva é que as comunidades continuem a usar os recursos
florestais. Para Muchagata, o Serviço Florestal deve tentar fazer o que pode ser feito para
licenciar o que for possível ser licenciado. Por exemplo, em algumas situações há
agriculturas familiares não-extrativistas. Nessas áreas, para comunidade que entra antes da
criação das Unidades de Conservação, a estratégia é criar dentro dessas unidades um
zoneamento que permita uma habitação de forma a impedir a continuidade de atividades de
uso alternativo. Inclusive, o decreto que regulamenta a lei é bastante claro sobre a área que
pode ser aberta.
A equipe do Serviço Florestal Brasileiro tem elaborado planos de trabalho com as
comunidades e identifica que tipo de atividade vai receber suporte, inclusive financeiro,
para as consideradas tradicionais e não tradicionais. Todavia, é um trabalho demorado que
requer aporte técnico e financeiro, não apenas por parte do Serviço Florestal, mas também
por parte dos diversos atores que participam do processo da gestão florestal no país.
Para Roberto Smeraldi, o Estado não está dedicando a atenção devida às
comunidades locais no que diz respeito à lei de gestão de florestas publicas. Por exemplo,
ao identificar comunidades de seringueiros tradicionais, que tenham milhares de moradores,
com associação constituída, o ideal seria a criação de uma Reserva Extrativista. Porém,
para ele, a criação tanto de RESEXs como de RDSs leva muito mais tempo do que fazer, à
luz da lei de gestão, um contrato de concessão direto, que, independentemente de
regularização, poderia elaborar um plano de manejo da área, protegê-la contra possíveis

145
invasões, inclusive, remunerar as comunidades simbolicamente, evitando que a comunidade
tenha que enfrentar em iguais condições o mercado. Nas palavras de Smeraldi: “O Estado,
ao identificar a existência da comunidade, deveria chegar como parceiro e isso ele não
está fazendo, ele não está mandando embora, o que ele está fazendo? Ele está deixando
isto de lado...”
De acordo com Tasso Azevedo, consultor, e, com Antônio Carlos Hummel, Diretor-
Geral do Serviço Florestal Brasileiro, um dos maiores desafios na perspectiva social é a
escala de velocidade dada ao mecanismo de concessão e ao mesmo tempo em que se dá tal
escala para o mecanismo de manejo florestal por comunidades, quer dizer, os dois
mecanismos de floresta pública. Então, o desafio é fazer com que os dois consigam andar
rapidamente. Para ele, se os dois correrem com a devida velocidade, seguramente a maioria
da produção do Brasil será sustentável num futuro bem próximo.
Essa visão otimista tem sido questionada por diversos atores envolvidos nos
processos de gestão sustentável das florestas públicas brasileiras, considerando nossa
realidade político-institucional e o contexto social vigente. Parece que a lei de gestão veio
resolver a problemática florestal no país. A mesma visão é revelada no do discurso abaixo
de José Humberto Chaves, Diretor do IBAMA:
Quanto mais a gente demorar mais se consolida um processo de
desmatamento, um processo de invasão dessas áreas, e a gente
pode ter ainda que seja na esfera jurídica, por exemplo, brigas
jurídicas com relação à legitimidade mesmo da posse dessas áreas.

Na visão crítica e diferenciada de Fernando Castanheira, ele não vincula


diretamente a velocidade de implementação da lei ao sucesso da mesma, apontando outros
problemas. Para ele, sob o ponto de vista social, a Lei de Gestão de Florestas Púbicas pode
excluir comunidades consideradas invasores, o que não reflete uma justiça social no
tratamento dado pela lei. Segue abaixo seu depoimento:
A lei e todo esse aspecto de você privilegiar uma minoria que são
as comunidades, que não se discute a importância dela, o valor
social, o valor ecológico, mas é uma minoria principalmente na
Amazônia. Então, você está desconsiderando todo o resto da
população que foi pra lá e foi induzida, inclusive, pelo Poder
Público para ocupar aquela região. Porque a política pública para

146
o resto da população não existe, então toda aquela moçada que
você levou pra lá, os gaúchos, os mineiros, os paranaenses não são
comunidades, não são brasileiros para a Lei de Gestão de
Florestas Públicas. Eles são invasores. São invasores e
destruidores, inclusive, que eu tenho que combater. Você vai ter
que provar que essa terra é sua, que você está aí há tantos anos, e
vai ter que se adaptar ao que eu estou falando e ponto final.

Na visão de José Humberto do IBAMA, a perspectiva social foi e é a mais difícil de


ser priorizada no processo de formulação da lei. Segue seu depoimento com relação dos
interesses que são mais priorizados na lei:
Eu acho que é o único é o ambiental mesmo, o segundo é o
econômico, ou seja, fazer com que a floresta seja atrativa do ponto
de vista econômico para que ela se mantenha em pé durante vários
anos e, em terceiro, é pensando nas comunidades que
eventualmente podem sobreviver de uma concessão não-onerosa.
Tanto é que concessão não-onerosa a gente não tem nenhuma
ainda.

A equipe do IBAMA chegou a contabilizar o número de artigos dedicados à


concessão em detrimento das outras formas de gestão da lei, para argumentar que os
interesses econômicos estão sendo priorizados em relação ao social e ambiental. Eles
informavam que no texto do projeto, mais de 60% dos artigos tratavam das concessões, e o
restante sobre a criação do Serviço Florestal Brasileiro – SFB, a gestão direta das Flonas e a
destinação das áreas florestadas às comunidades locais. Cabe ponderar, portanto, que ter
uma quantidade maior de artigos não significa dar tratamento prioritário. A lei
expressamente prioriza a criação de unidades de conservação e o uso comunitário e, depois
de esgotadas as possibilidades anteriores, entram as concessões, o que também não quer
dizer que isso se dará na prática.

5.4. Perspectiva Ecológica

A Lei de Gestão de Florestas Públicas e suas respectivas regulamentações dispõem


de alguns dispositivos que põem em dúvida se haverá ou não a sustentabilidade das
florestas públicas brasileiras. Por exemplo, a mesma define que os planos de manejo

147
deverão destinar à reserva absoluta o percentual de no mínimo 5% do total da área
concedida ao mesmo tempo em que entrega a ato normativo específico à definição dos
conteúdos mínimos do relatório ambiental preliminar e do EIA relativos ao manejo
florestal. Tais atos normativos são fáceis de serem alterados de acordo com as mudanças de
governo, deixando a estrutura normativa da gestão das florestas públicas muito vulnerável a
flutuações políticas.
Além disso, a definição dos prazos dos contratos de concessão florestal e os
parâmetros e critérios definidos em normas e regulamentações sobre a elaboração dos
planos de manejo não asseguram a sustentabilidade das florestas públicas. Até que ponto
essas definições poderão afetar o equilíbrio ecológico dos ecossistemas no médio e longo
prazo? Qual o grau de qualidade da informação científica e conhecimento técnico existente
nas decisões sobre as áreas que serão ofertadas para concessão e sobre os planos de
manejo? O manejo florestal será realmente sustentável?
Para Tasso Azevedo e Antônio Carlos Hummel, Diretor-Geral do Serviço Florestal
Brasileiro, o que caracteriza o manejo florestal não é que a floresta seja a mesma, e sim que
ela tenha o mesmo nível de diversidade e que a área seja mantida. Para eles, isso pode ser
feito de várias formas: diminuir o volume num determinado momento para depois aumentar
no futuro, usar de uma estratégia de corte, de limite de corte por espécie, etc.
A estratégia de manejo na lei de gestão das florestas inclui as salvaguardas gerais,
que são espécies de freios, independente daquilo que você está fazendo com o manejo. Eles
são representados pelo percentual de área absoluta, que é uma quantidade de área que você
deixa separada e fica intocada para servir de parâmetro no futuro. Outro aspecto é incluir
outras regras como: volume por hectare, limitantes do número de árvores de cada espécie,
percentual de área, etc. José Natalino, Diretor do Serviço Florestal, afirma que a lei de
gestão e as regras de manejo emanadas pelo poder público são tecnicamente adequadas
para assegurar a sustentabilidade dessas florestas. Até que ponto tais salvaguardas e regras
definidas em nosso arcabouço legal asseguram o chamado manejo sustentável?
Nesse aspecto há divergências entre o conhecimento que a ciência oferece hoje ao
formulador de política e o de alguns técnicos envolvidos no processo decisório da gestão
florestal no Brasil. Diferente de alguns cientistas, Tasso Azevedo, consultor técnico,

148
assegura, no pronunciamento abaixo, a qualidade das regras e salvaguardas definidas na
esfera federal, mas, mesmo assim, põe em dúvida a dinâmica do manejo implantada em
alguns estados:
Diferentes estados estão aplicando diferentes regras agora, elas
são regras para garantir a diminuição do impacto por espécie, e,
portanto, viabilizar a diversidade. Se esses números são os mais
precisos ou menos precisos, eu acho que o tempo dirá, mas,
seguramente, com a salvaguarda que a gente tem hoje a gente
mantêm a diversidade e mantêm a função da floresta.

Um posicionamento divergente é explicitado por Philip Fearnside, quando informa


que os parâmetros de ciclo de corte definidos pela legislação não batem com o teste de
crescimento das árvores, pois o mesmo varia para cada tipo de árvore. O ciclo é
padronizado para trinta anos em todas as árvores, o que não é adequado. Em geral, são as
árvores mais de madeira dura e crescimento lento que são mais valiosas e que, também,
levam mais tempo para o ciclo. Se há um problema é o de corte geral, que acabam sendo
retiradas as melhores árvores de cada vez, e, então, o que fica são as menos valiosas como
mogno, por exemplo, e de pior qualidade genética. E isso não é muito bom.
Para Niro Igush, pesquisador titular da área de manejo florestal do INPA, a forma
como foi explicada o manejo sustentável para os políticos e atores leigos em geral, que
desconhecem tecnicamente manejo florestal, omitia informações sobre os reais impactos
que aquela técnica poderia trazer. Nas palavras de Igush:
Então se usava números que criavam uma falsa ideia do impacto
que vai causar isso aqui, quer dizer, eles omitiram informações,
eles diziam, por exemplo, que tinha uma floresta com 1.200 árvores
e que essas propostas de manejo seriam intervir nessas 1.200
árvores por hectare e a proposta era retirar cinco, seis árvores.
Quer dizer, para um leigo, para um político, eles não sabem que
para isso tem que entrar com um trator, com moto serra, etc. E os
nossos números são simples, cada árvore que você tira você mata
outras 20. Então, não é bem assim.

É fundamental que se tenha uma avaliação crítica da informação científica e do


conhecimento técnico que é utilizado para definir determinados parâmetros de uso e
conservação. Sugere-se que conjugar as abordagens de conservação e uso sustentável pode

149
gerar benefícios econômicos em todas as escalas (KREMEN et al., 2000). Todavia,
dimensionar essas abordagens de forma equivocada pode gerar desequilíbrios ecológicos
irreversíveis.
No entendimento de Rogério Gribel, há uma distância considerável da comunidade
científica nas iniciativas de exploração de madeira na gestão das florestas públicas. Existe
um volume acumulado de dados científicos, genéticos, ecológicos, florestais e genealógicos
que permitiria gerar bases científicas muito mais consistentes para a exploração florestal.
Não parece que isso está sendo ou será aplicado nas concessões. Tal constatação pode ser
observada no pronunciamento de Gribel abaixo:
Particularmente em áreas como a Floresta Nacional do Jamari e
Sarapataquera que já tenho um contato mais próximo e não vejo
qualquer uso de ciência mais refinada para transformar a
exploração de fato sustentável quanto se quer. Então, esse
distanciamento da ciência é outro fator muito grave. As florestas
tropicais mantêm uma grande diversidade de espécies, então a
exploração de madeira com base cientifica sustentável não é
simples porque a diversidade de espécies na realidade ela cria uma
complexidade de exploração. Você não pode ter um plano de
manejo pra cada uma das árvores. No entanto, hoje nós temos 40,
50, 60 espécies que podem ser agrupadas em cinco ou seis, ou sete
grupos ecológicos que se conhecem o suficiente também sobre
demografia, estrutura do tamanho da população, estrutura de
idade, taxa de crescimento, regeneração, demanda de polinização,
demanda de dispersão de semente, estrutura genética de
população, sistema de treinamento - um conjunto de informações
que já existem e que estão sendo produzidos, que não estão sendo
incorporados nos planos de manejo. Infelizmente, ainda nos
baseamos muito nos planos de manejo em dados de distribuição de
diâmetro das áreas. Acima de determinado diâmetro se move todas
ou quase todas as árvores daquele diâmetro sem se preocupar com
taxa. E considero que na maneira que está sendo realizada a
exploração não pode ser denominada sustentável.

O uso das expressões “gestão sustentável das florestas públicas” e “sustentabilidade


dos planos de manejo” tem uma base dimensional, que envolve conceito, meta, alvo, o que
o torna dinâmico em sua essência e implica bastante juízo de valor. Na visão de João de
Deus, Diretor de Áreas Protegidas do Ministério do Meio Ambiente, dada a complexidade
natural do ecossistema florestal que se quer manter sustentável, a implementação do

150
conceito de sustentabilidade nas concessões florestais deve, por necessidade, estar baseada
em elementos e critérios construídos com informação científica de qualidade, visando a
evitar que as inconsistências da lei de gestão sustentável das florestas públicas se traduzam
em desequilíbrios ecológicos, sociais e econômicos.
Outro ponto relevante é que a lei veda a outorga do direito de acesso ao patrimônio
genético para fins de pesquisa e desenvolvimento, bioprospecção e constituição de
coleções. Porém, os mecanismos de controle são frouxos e não asseguram que as empresas
irão cumprir tal imposição. A retirada do habitat natural dos melhores espécimes pode
desencadear um processo de danos irreversíveis à biodiversidade local.
O Estado terá grandes dificuldades na realização do referido dispositivo63 e em
assegurar que a iniciativa privada, com toda sua conhecida tendência ao lucro, se limitaria à
exploração ecológica da floresta, observando os princípios éticos do contrato e da
legislação. Os concessionários deverão observar todas as limitações previstas no projeto,
como, por exemplo, não cortar árvores que contenham ninhos da fauna silvestre; ignorar os
recursos hídricos da área de concessão; ignorar o ouro e os demais minerais preciosos do
subsolo da floresta; bem como o patrimônio genético tão valioso no mercado internacional,
dentre tantas outras coisas.
O grande desafio reside na fiscalização do atendimento a todas as limitações
previstas. É notável a ineficiência atual da fiscalização para impedir o espantoso
desmatamento ilegal da Amazônia e todos os demais desmandos ambientais diariamente
noticiados. Como acreditar que, a toque de mágica, por força de uma nova lei, seria
possível fiscalizar, por exemplo, o acesso ao patrimônio genético ou ao o uso dos recursos
hídricos existentes no interior de uma unidade de manejo florestal concedida? E a chamada
"biopirataria" como seria combatida, visto que grande parte dos produtos florestais destina-
se ao exterior? Essas inconsistências poderão ser atenuadas com futuras regulamentações e
ações de fortalecimento das instituições ambientais.

63
Art. 16, &1º- É vedada a outorga de qualquer dos seguintes direitos no âmbito da concessão florestal:
I- titularidade imobiliária ou preferência em sua aquisição; II- acesso ao patrimônio genético para fins de
pesquisa e desenvolvimento, bioprospecção ou constituição de coleções; III- uso dos recursos hídricos acima
do especificado como insignificante, nos termos da Lei nº 9.433 de 8 de janeiro de 1997; IV- exploração dos
recursos minerais; V- exploração de recursos pesqueiros ou de fauna silvestre e VI – comercialização de
créditos decorrentes da emissão evitada de carbono em florestas naturais.

151
5.5. Aspectos Selecionados do Referencial Teórico Relevantes ao Objeto de Pesquisa

Existem diversos atores envolvidos na política ambiental, com interesses


conflituosos, que podem estar ou não em consonância com as perspectivas da
sustentabilidade e do desenvolvimento sustentável. Tais interesses, que permeiam o
processo de formulação da lei, deverão estar inclinados para conciliar as dimensões
ecológicas, sociais, econômicas e políticas do desenvolvimento, que são mencionadas em
boa parte da literatura existente sobre os conceitos de sustentabilidade (GUIMARAES,
1991; FERREIRA, 2006; LEFF, 2006; DALY, 2004; CONSTANZA, 2005).
No capítulo inicial “Estado e Política Ambiental no Brasil”, é assinalado que o
Estado mais contemporâneo deve efetuar suas políticas por meio da atuação conjunta de
diversos atores nos níveis local, regional e global, que podem se organizar essencialmente
como uma rede, constituindo o “Estado-Rede”, mais flexível, menos centralizado e com
maior participação da sociedade civil (CASTELLS, 1999). Na Lei de Gestão de Florestas
Públicas, mesmo que seja expressa em seu texto essa perspectiva, seus instrumentos e
modelo de gestão exigem um Estado com consistência político-institucional para que os
mesmos sejam efetivamente aplicados.
No subcapítulo que trata sobre “A Importância do Conhecimento no Processo de
Formulação de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável”, a literatura explorada
apontou para a necessidade de se ter mais diálogo entre as diferentes disciplinas científicas
e de internalizar mais o conhecimento técnico e científico e/ou tradicional existente nas
políticas ambientais, além de demonstrar a preocupação com a qualidade desse
conhecimento (GUIMARAES, 1991, LEWINSOHN, 2010, SANTOS, 2006). Nessa
relação entre as políticas públicas, os atores sociais envolvidos e o conhecimento, existem
problemas de diversas ordens, que vão desde a incerteza científica até a configuração de
interesses conflituosa (MORIN, 2005, GIDDENS, 1991, LATOUR, 2004, CONSTANZA,
1993, HILBORN et al., 1993, SCARANO, 2010, GUIMARAES, 1991, 2006).
Na configuração de interesses existente nas políticas orientadas para o
desenvolvimento sustentável, observou-se que os interesses econômicos e políticos de curto

152
prazo são sempre os fatores determinantes na forma como a ciência e a política
comunicam-se entre si. Na visão de Guimarães (2006), as políticas ambientais são, por
definição, controversas e envolvem desacreditados e, frequentemente, interesses sociais e
econômicos diferentes. A forma como esses interesses estão configurados pode parecer que
estejam orientados para o desenvolvimento sustentável, mas, em muitos casos, pode haver
um hiato entre o discurso e a realidade.
No caso da Lei de Gestão de Florestas Públicas, ao analisar o discurso, na presente
pesquisa, notadamente, dos cientistas, observou-se que os problemas e desafios
mencionados por grande parte da literatura sobre as políticas ambientais ou orientadas para
o desenvolvimento sustentável64foram identificados também no processo de formulação e
implementação da referida lei.
Logo, considera-se que a Lei de Gestão de Florestas Públicas, assim como a política
ambiental no Brasil, carece de ações concretas de gestores que visem à utilização de
informação técnica e científica de qualidade e adequada para atender às perspectivas de
conciliar conservação e uso sustentável dos recursos naturais; à geração de benefícios
efetivos para o mercado de bens e serviços florestais, gerando emprego e renda; ao direito
das comunidades locais de acesso às florestas públicas e aos benefícios decorrentes de seu
uso; ao arranjo institucional adequado que inclua qualidade técnica e participação no
processo decisório.
No capítulo teórico “Análise de Políticas Públicas para o Desenvolvimento
Sustentável”, é apresentado um modelo que demonstra as características e elementos
necessários para se chegar ao nível de excelência nas políticas públicas. Se for aplicado o
referido modelo no processo de formulação da Lei de Gestão de Florestas Públicas, são
encontradas algumas inconsistências que não asseguram a excelência no processo em
questão. Tal constatação pode ser observada na aplicação da pesquisa realizada no quadro
abaixo:

64
Ver páginas 19 a 57 e 64 a 91

153
CARACTERÍSTICAS DE UMA POLÍTICA PÚBLICA DE EXCELÊNCIA

1. Fundamentos amplos e não somente específicos (qual é a ideia? para onde vamos?)

As primeiras intenções expressadas no processo de formulação da lei eram prover soluções


concretas para o grave problema no setor florestal, considerando a forma predatória de
exploração, com ocupações via grilagem, de baixa tecnologia, com pouca base científica e
graves problemas fundiários. A lei é balizada por fundamentos amplos e por planos que
projetam de certa forma o futuro das florestas públicas. Ocorre que de acordo com o
pronunciamento de alguns atores entrevistados na pesquisa, principalmente dos cientistas,
na perspectiva político-institucional deste capítulo, a mesma não assegura que em sua
implementação será efetivamente realizado o que foi previsto e atendidas as suas principais
intenções65.

2. Estimativa de custos e de alternativas para financiamento

A lei expressa claramente como vão ser distribuídos os recursos da arrecadação da


concessão66. Por outro lado, de acordo com a pesquisa realizada, a mesma deixa a desejar
nas estimativas de valoração dos bens e serviços florestais. Isso pôde ser claramente
observado no depoimento dos atores neste capítulo, quando é abordada a perspectiva
econômica67. Há custos que não foram suficientemente contabilizados, e, considerando
que a lógica da economia é incompatível com a da ecologia, não é assegurada a vantagem
econômica para o Estado e/ou até para o concessionário. Sendo assim, o rompimento da
cláusula referente ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato pode impactar
negativamente no financiamento.

3. Fatores para uma avaliação de custo-benefício social

Nesse item, pode se interpretar o social, incluindo o ambiental. Ao analisar sistemicamente


o depoimento dos entrevistados, observou-se que a Lei de Gestão de Florestas Públicas e

65
Ver páginas 122 a 125 e 128 a 131.
66
Ver páginas 114 e 115
67
Ver páginas 135 a 140

154
suas respectivas regulamentações definem critérios e parâmetros de manejo que não
asseguram a sustentabilidade das florestas públicas68, embora os proponentes da lei
garantam que a Lei tem salvaguardas que assegure os benefícios ambientais e sociais69. Ao
mesmo tempo, representantes da sociedade civil organizada apontam para os cuidados que
se deve ter para que a mesma traga reais benefícios sociais70.

4. Beneficio social marginal comparado com o de outras políticas (o que é


prioritário?)

A lei guarda relação com diversos diplomas legais. Já existem legislações orientadas para a
perspectiva de uso sustentável de manutenção da floresta em pé71, mas a mesma tem o
diferencial da concessão e a perspectiva de fortalecimento das UCs e das florestas
comunitárias. Ao mesmo tempo em que a lei traz claramente a possibilidade de benefício
marginal social72, a expectativa de escala pode e já está sendo frustrada, considerando as
deficiências estruturais do Estado, os problemas sociais no campo e a pouca experiência
dos órgãos ambientais em manejo comunitário73

5. Consistência interna e agregada (agrega-se a que? ou inicia-se o que?)

A lei procura trazer em sua essência uma perspectiva econômica que viabilize as demandas
do mercado, reduza o desmatamento, legalize o setor, e, sobretudo agregue valor ao setor
florestal. Esse é o pensamento dos representantes do Ministério e de parte dos técnicos
envolvidos na proposição da lei74. Por outro lado, cientistas e representantes do setor
produtivo entendem que a lei não necessariamente agregará valor econômico para o setor
florestal, podendo, inclusive, impactar negativamente naquele setor75.

68
Ver páginas 144 a 148.
69
Ver páginas 145 e 146
70
Ver página 143
71
Ver página 132
72
Ver página 139
73
Ver páginas 142 a 144
74
Ver páginas 135 e 136
75
Ver páginas 137 a 139

155
6. De apoios e críticas prováveis (políticas, corporativas, acadêmicas)

Como uma forma de tentar conciliar os diferentes interesses e combater a situação em que
se encontram as florestas públicas, o Estado recebeu apoio político de diversos partidos, o
que levou à publicação da Lei de Gestão de Florestas Públicas. Todavia, na tramitação do
projeto de lei houve diversas críticas de que ele geraria a privatização das florestas
públicas e, até mesmo, a internacionalização da Amazônia, preocupação também dos
militares. Vários atores, especialmente os cientistas, entendiam que a lei estaria na
contramão da estratégia de conservação ambiental76.

7. Oportunidade política

A formulação da lei foi uma oportunidade política na medida em que a gestão das florestas
públicas brasileiras se encontrava numa situação caótica, e o Estado carece de políticas que
valorizem a floresta em pé e que preconizem projetos de uso sustentável dos recursos
naturais77. A despeito dos pontos fracos e inconsistências apontados nesta pesquisa, a lei
traz em seu texto essa perspectiva.

8. Posicionamento na sequência de medidas pertinentes (o que vem primeiro? o que


condiciona o que?)

A lei apresenta três formas de gestão: 1) criação e manutenção de unidades de


conservação; 2) destinação das áreas florestais para manejo comunitário; e, depois de
esgotadas as opções anteriores para uma determinada região; 3) a realização de contratos
de concessão florestal por meio de licitação pública. Ocorre que, na realidade, a escala de
velocidade não tem sida a mesma, considerando o contexto político-institucional vigente.
O processo de criação de UCs e a destinação para o manejo comunitário têm sido mais
lentos que as próprias concessões78.

Ressalte-se que o processo de implementação da lei se iniciou com um recorte especial

76
Ver páginas 96, 123 a 125 e 147 a 149
77
Ver páginas 92 a 98
78
Ver páginas 142 a 144

156
concebido e orientado para a criação dos chamados Distritos Florestais Sustentáveis, e o
primeiro Distrito foi na região da BR 163. No entanto, essa priorização não tem ocorrido
de fato no processo de concessão, considerando a previsão de concessões na área da BR
319.79

9. Clareza de objetivos

A lei demonstra claramente seus objetivos80. Porém, há um gap entre a formulação e


implementação, entre o que está no texto da lei e o que pode ser realmente efetivado à luz
dos objetivos descritos81.

10. Funcionalidade dos instrumentos

A lei criou uma série de instrumentos para a gestão das florestas públicas, dentre eles o
Cadastro Nacional de Florestas Públicas e o Plano Anual de Outorga Florestal – PAOF. A
elaboração do plano se faz obrigatória como instrumento preliminar da concessão florestal
e segue uma metodologia que define as áreas prioritárias para a concessão82. Ocorre que o
PAOF foi muito criticado por não incluir áreas que realmente estariam mais aptas para a
concessão, onde há mais estudos técnicos e científicos que permitiriam implementar a
gestão das florestas públicas com mais qualidade, por meio dos instrumentos previstos na
lei83.

11. Indicadores (custo unitário, economia, eficácia, eficiência)

O Ministério do Meio Ambiente estima a área a ser destinada para concessão e para uso
comunitário nos primeiros dez anos de aplicação da lei84. A mesma exige que na
preparação do edital de licitação devam ser feitos estudos técnicos preliminares que
incluam o inventário florestal e o levantamento potencial das cadeias produtivas da região.

79
Ver páginas 132 e 133
80
Ver páginas 98 a 101
81
Ver páginas 123 a 126; 129 a 132; 138 a 140 e 143 a 145
82
Ver páginas 96 a 116
83
Ver página 132
84
Ver página 98

157
No edital, deverão constar os indicadores sociais, ambientais e econômicos a serem
utilizados no processo de concessão85. Ocorre que há poucos estudos técnicos e científicos
para subsidiar a construção dos indicadores previstos no edital, o que põe em risco a
qualidade da implementação da referida lei86
Fonte: CIPE, Directory of Public Policy Institutes in Emerging Markets. Washington:1996 in
Parada (2006)

Observa-se no quadro acima a aplicação do modelo evidenciado por Parada (2006)


no processo de formulação da Lei de Gestão de Florestas Públicas, por meio da análise do
discurso dos atores entrevistados. Cabe ponderar que o modelo proposto não contempla a
avaliação da capacidade institucional dos órgãos diretamente envolvidos no processo de
formulação das políticas públicas. No caso do Brasil, é notória a baixa capacidade
institucional existente nos órgãos ambientais nos diferentes entes federativos, revelada pela
insuficiência quantitativa e qualitativa de recursos humanos, materiais, financeiros,
tecnológicos, organizacionais, gerenciais e de informação. Isso pôde ser constatado no
depoimento dos diversos atores envolvidos no processo, por meio da pesquisa realizada.
Nesse contexto, pode se considerar que a Lei de Gestão de Floretas Públicas não
atende aos elementos e características necessários a se chegar a uma política pública de
excelência. Ao observar o pensamento dos cientistas que dialogam no capítulo teórico desta
tese e as inconsistências apresentadas na aplicação do modelo acima, constata-se que os
problemas não são inerentes apenas ao processo de formulação da Lei de Gestão de
Florestas Públicas, mas também à política ambiental no Brasil.

85
Ver páginas 118 a 129
86
Ver páginas 127, 140 e 141, 147 a 149

158
6. CONCLUSÃO
A dimensão político-institucional do processo decisório ambiental influi
diretamente na efetividade da política ambiental no Brasil. Nela, encontram-se atores com
uma configuração de interesses conflituosa, que podem usar ou não o conhecimento técnico
e/ou científico existente na implementação das políticas públicas orientadas para a gestão
sustentável das florestas públicas brasileiras.
Na presente pesquisa, cuja metodologia escolhida foi “análise do discurso”, foi
possível desvelar, sob os aspectos econômico, político-institucional, ecológico e social, a
política ambiental no Brasil, por meio do estudo da Lei de Gestão Sustentável das Florestas
Públicas e de suas respectivas regulamentações, no período de 2004 a 2010.
Na pesquisa de campo, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com cientistas,
técnicos, gestores, ambientalistas, burocratas e políticos, efetivamente envolvidos no
processo, bem como representantes do Estado, do setor produtivo e de organizações não-
governamentais. A partir das entrevistas, foram observados a configuração de interesses, a
dinâmica de interação entre os atores e os arranjos institucionais envolvidos no processo de
formulação da Lei de Gestão de Florestas Públicas. Foram também identificados os
principais problemas, desafios, ameaças e oportunidades existentes no mesmo, sob a ótica
das perspectivas político-institucional, ecológica, social e econômica, dando ênfase à
dimensão político-institucional.
Na realização da pesquisa, por meio das entrevistas, do levantamento bibliográfico e
de documentos existentes nos órgãos públicos envolvidos, foi confirmada a hipótese de que
a fragilidade político-institucional existente no cenário de formulação da política ambiental
do país impede que a Lei de Gestão de Florestas Públicas seja implementada de forma
efetiva para gestão sustentável e estratégica das florestas brasileiras.
No nível federal, os órgãos e entidades ambientais carecem de fortalecimento
institucional e de reorganização de suas competências regimentais. Predominam ainda a
fragmentação e falta de sinergia entre os órgãos ambientais federais. Problemas
relacionados ao conflito e sobreposição de competências entre essas instituições prejudicam
também a eficiência e eficácia do processo decisório ambiental no país.

159
Esse cenário foi reforçado com a criação do Serviço Florestal Brasileiro em 2006,
que aumentou a estrutura organizacional do Ministério do Meio Ambiente sem otimizar a
modelagem dos processos na área ambiental federal. O IBAMA tem competência
regimental de autorizar o licenciamento de planos de manejo das áreas de concessão, e,
quando a concessão acontecer em unidade de conservação federal, a autorização fica a
cargo do Instituto Chico Mendes da Biodiversidade, que é o gestor da unidade responsável
por prever a exploração dessas áreas no seu plano de manejo. É necessário que o plano de
manejo esteja aprovado para que o Serviço Florestal possa incluir essas áreas no Plano
Anual de Outorga Florestal- PAOF.
A despeito das terras indígenas e assentamentos serem excluídos do PAOF, o
arranjo institucional florestal se torna mais complexo quando inclui o INCRA, que tem
muita dificuldade de encaminhar os processos de licenciamento ambiental nos
assentamentos rurais em florestas públicas, e a FUNAI, que coordena as terras indígenas.
Nesse cenário, o Serviço Florestal fica com a capacidade decisória e gerencial reduzida. É
necessário, portanto, rediscutir esse arranjo institucional no sentido de otimizar o processo
decisório do setor.
Esse desenho deve ser concebido à luz do Sistema Nacional do Meio Ambiente –
SISNAMA, onde são incluídos os estados. Foi observado nesse estudo que o Estado
brasileiro sofreu uma série de transformações decorrentes de suas reformas administrativas,
influenciando diretamente a política ambiental no país, que, após a Constituição Federal de
1988, a publicação da Política Nacional de Meio Ambiente, a realização da Rio 92 e outros
marcos históricos, trouxe uma crescente perspectiva da descentralização. A Lei de Gestão
de Florestas Públicas é um exemplo concreto de tal perspectiva. Salienta-se que um dos
grandes desafios da Lei reside na criação dos Sistemas de Gestão Estaduais, que exige dos
estados capacidade institucional para implementá-la.
Ocorre que os órgãos ambientais estaduais – OEMAs estão totalmente
despreparados para atender com eficácia as demandas de fiscalização, licenciamento da
atividade florestal e de licenciamento em geral. Com isso, a perspectiva de descentralização
adotada na lei fica comprometida em sua qualidade. Soma-se a isso o fato de o setor
florestal brasileiro estar inserido num ambiente de corrupção entre madeireiros e

160
latifundiários, que continuam a destruir impunemente as florestas - e a fragilidade político-
institucional é um fator que contribui para esse cenário.
Na análise crítica, sob as perspectivas político-institucional, ecológica, econômica e
social do processo de efetivação da Lei de Gestão de Florestas Públicas, foram
demonstrados os principais problemas e desafios do processo, bem como a influência e
relação entre essas diferentes perspectivas para a gestão sustentável das florestas públicas
brasileiras.
A Lei de Gestão de Florestas Públicas e suas respectivas regulamentações dispõem
de alguns dispositivos que põem em dúvida se haverá ou não a sustentabilidade das
florestas públicas brasileiras. No depoimento dos cientistas entrevistados, foi apontado que
os limites de exploração e os parâmetros e critérios definidos na lei, em suas respectivas
regulamentações e nas normas sobre a elaboração dos planos de manejo não asseguram a
sustentabilidade das florestas públicas.
A exploração, então, em terras públicas e nominalmente em florestas nacionais,
onde principalmente estão sendo abertas as concessões, vem sendo feita com base no
processo de exploração madeireira tradicional, com baixa tecnologia e escassa aplicação de
conhecimento científico para o manejo sustentável. Em verdade, estão se repetindo os
mesmos processos de degradação de florestas com a exploração de alto impacto, sem
agregar o devido valor ao produto no local.
No presente estudo, foi enfatizada a importância do conhecimento no processo de
formulação das políticas públicas para o desenvolvimento sustentável. No caso da Lei de
Gestão de Florestas Públicas, foi identificada a clara necessidade de se agregar mais
conhecimento à execução da referida lei, aproximando a ciência da tomada de decisão. No
entanto, a ciência e o conhecimento existente, com todas suas limitações, não são
suficientes para que as políticas assegurem a gestão sustentável das florestas públicas.
Existe algo que vai além de todo esse processo, que é a forma como os interesses políticos
são construídos e conduzidos.
De acordo com os proponentes da lei, a mesma dispõe de salvaguardas gerais, que
são espécies de freios, tais como o percentual de área absoluta definido, que é uma
quantidade de área que se deixa intocada para servir de parâmetro no futuro, limite de

161
volume por hectare e do número de árvores a serem cortadas por espécie, bem como do
diâmetro das mesmas.
Todavia, houve e ainda há divergências técnico-científicas relacionadas aos
parâmetros definidos na legislação. Um exemplo emblemático são os parâmetros do ciclo
de corte, que, segundo alguns cientistas entrevistados, não são compatíveis com o teste de
crescimento das árvores – eles deveriam variar para cada tipo de árvore, e o ciclo é
padronizado, de 30 anos para todas. Em geral, são as árvores de madeira mais dura e
crescimento lento que são mais valiosas e que também levam mais tempo para o ciclo. Há
outro problema de corte geral relacionado à qualidade das árvores cortadas, na medida em
que são retiradas primeiramente as melhores árvores, e, então, as que ficam são as menos
valiosas e de pior qualidade genética.
Certamente, o Brasil ainda carece de vultosos investimentos em pesquisa na área
florestal, que está em flagrante descompasso em relação à gigantesca biodiversidade
existente. Com o ritmo da exploração econômica, muito dessa riqueza poderá ser perdida
antes mesmo de ser conhecida. É necessário conhecer melhor a floresta para que a mesma
possa ser mais valorizada e manejada com o refinamento maior que a ciência permite. Os
tomadores de decisão poderiam começar com uma experiência piloto, em vez de incluir, de
forma apressurada, uma série de concessões previstas no Plano Anual de Outorga Florestal
– PAOF, com critérios que carecem de maior conhecimento técnico e científico.
Essa observação pode ser verificada na primeira concessão, que foi bastante
criticada justamente pelo fato da FLONA Jamari não dispor de estudos suficientes para que
a mesma possa ser manejada com alto nível de conhecimento. Seria interessante ter sido
adotada, como experiência-piloto, a Floresta Nacional do Tapajós, que é mais bem
conhecida no Brasil, objeto de milhares de trabalhos publicados, com mais informação
técnica, bem como maior número de associações e organizações não-governamentais
instaladas – o que geraria maior controle social no processo. Dessa forma, a aplicação dos
conceitos de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável fica comprometida na Lei de
Gestão de Florestas Públicas, considerando os critérios da concessão e os parâmetros de
ordem ecológica estabelecidos.

162
Tal fato é também corroborado na leitura da perspectiva econômica da lei. A lei e
suas respectivas regulamentações definem que o processo licitatório é pautado por técnica e
preço. A nota técnica procura valorizar os benefícios sociais e ecológicos, o que é
considerado um ponto favorável. Por outro lado, é fundamental atentar para a lógica
econômica da lei e compreender o que é economicamente viável para o Estado e o que é
economicamente viável para o concessionário, considerando que a concessão deve ser
vantajosa para ambos. Ocorre que ser economicamente viável para o Estado significa
afirmar, sobretudo, que seus recursos florestais estão sendo valorados de forma adequada,
orientados para as perspectivas macro e microeconômica das regiões envolvidas, onde se
tem um setor florestal que deve buscar agregar valor ambiental, social e econômico em seus
produtos e serviços.
Esse entendimento não é revelado na lei. Na formação do preço do edital não são
incluídos os recursos da biodiversidade existente no local, até porque não se conhece com
precisão esse ativo. Além disso, não são contemplados os serviços oferecidos pela floresta
como os créditos de carbono, considerando que as florestas brasileiras têm grande valor
mantendo a biodiversidade, o clima, o ciclo de árvores, estoque de carbono, etc. Não cabe
dúvida que esses serviços são maios valiosos do que o valor da madeira retirada para
pastagem e outros fins econômicos. A lei de gestão traz a perspectiva de manutenção da
floresta em pé, mas a mesma precisa prover a valoração econômica adequada dos bens e
serviços que a floresta oferece ao país e ao planeta.
A perspectiva econômica da lei de gestão de florestas públicas pode ser
comprometida tendo em vista que a lógica econômica não é compatível com a lógica da
ecologia. As florestas tropicais não crescem de uma forma que concorrem com outros
investimentos interessantes para o mercado. Isso faz com que a lógica seja de cortar o
máximo possível e o mais rápido possível, comprometendo o valor da floresta no longo
prazo. O segundo ciclo de corte, após trinta anos, é economicamente menos vantajoso que o
primeiro ciclo. Além das árvores serem maiores e mais valiosas no primeiro ciclo, as que
serão cortadas estão lá há centenas de anos, e nunca houve custo de manejo florestal. Nelas,
não foram investidos recursos para manejar durante essas centenas de anos.
Consequentemente, a partir já do segundo ciclo, há mais gastos e menos árvores.

163
A concepção da modelagem econômica trazida pela lei pode trazer impactos
positivos para algumas empresas no curto prazo, mas tem o risco de causar impactos
ecológicos e sociais negativos no longo prazo.
No que diz respeito às comunidades da floresta, a lei procura beneficiá-las em seu
modelo de gestão proposto, mas há um hiato entre o discurso e a prática, entre a formulação
e a implementação, considerando-se a demora em implantar o manejo florestal comunitário.
Isso se deve, novamente, à fragilidade institucional do Estado brasileiro e ao contexto
social vigente das florestas brasileiras. De fato, não foram desenvolvidos adequadamente os
mecanismos de suporte de manejo florestal comunitário. Junte-se a isso a pouca experiência
acumulada em manejo florestal comunitário no Brasil. Um dos maiores desafios na
perspectiva social, é a escala de velocidade dada ao mecanismo de concessão ao mesmo
tempo que se dá tal escala para o mecanismo de manejo florestal por comunidades, que são
os dois mecanismos de uso da floresta pública previstos na lei.
Outro aspecto observado na pesquisa que merece uma atenção especial é o risco de
exclusão social na execução da lei. De fato, a mesma pode excluir algumas comunidades
consideradas invasoras. O mesmo ocorre com os assentamentos concedidos pelo INCRA.
Os assentados passaram a usufruir dos recursos fora dos limites da lei e sobreviveram com
aquela renda, que se tornou indispensável para determinadas comunidades. É certo que tais
assentamentos são grandes responsáveis pela redução da extensão florestal no país, pois a
maioria das comunidades que vão para a floresta não conhecem sua dinâmica de
funcionamento, tampouco as técnicas e instrumentos que constituem o manejo florestal
sustentável.
Diante desse cenário, o Estado deve promover ações concretas de capacitação
técnica e financeira para tais comunidades, inclusive, as indígenas, bem como para aqueles
residentes em reservas extrativistas e de desenvolvimento sustentável. Se, na prática, o foco
for a concessão, corre o risco de essas comunidades serem relegadas a segundo plano. Até o
momento, quatro anos após a publicação da lei, foram observadas poucas ações nesse
sentido.
A perspectiva de se aplicar o conceito de sustentabilidade na Lei de Gestão de
Florestas Públicas e na política ambiental do Brasil exige esforços no sentido de conciliar

164
os interesses de diversos setores e atores, que devem buscar, sobretudo, uma sociedade
socialmente justa e ecologicamente correta. Para tanto, torna-se imprescindível que o
processo de formulação das políticas ambientais seja consubstanciado na lógica da
transversalidade, pautado constantemente pelo diálogo propositivo entre os diversos setores
do governo, mercado e sociedade civil, nos níveis local, regional e global.
O Brasil já possui diversas leis que dispõem sobre as atividades florestais, que até o
momento se mostraram ineficazes para frear o desmatamento, não havendo garantia de que
uma nova lei poderá conter a desordem nas florestas brasileiras, embora a Lei de Gestão de
Florestas Públicas traz em seu texto alguns elementos que demonstram um avanço na
política florestal do país. Por outro lado, o excesso de legislação e a falta de harmonia entre
os dispositivos legais imprimem uma complexidade à estrutura normativa ambiental do
país, que dificulta a realização das políticas e também provoca maior distanciamento dos
formuladores de política e tomadores de decisão em relação ao conjunto da sociedade.
Os conselhos com representantes da sociedade civil, técnicos e cientistas são
elementos importantes para aproximar a ciência e a sociedade do processo decisório
ambiental, mas os mesmos perdem a eficácia quando as políticas são formuladas num
ambiente com pouca maturidade técnica e institucional. O Estado brasileiro tem uma
cultura burocrática que prioriza a formulação de normas e leis em detrimento de ações
gerenciais, que são fundamentais no processo. Em outras palavras, há mais formuladores de
política e tomadores de decisão que bons gestores.
Enquanto os problemas e desafios apontados no presente estudo não dispuserem de
instrumentos adequados para serem solucionados, a Lei de Gestão de Florestas Públicas
será apenas uma lei a mais no ordenamento jurídico ambiental do país. Entende-se que a
referida lei não está adequada ao contexto sócio-ambiental e econômico do setor florestal. É
necessário, sobretudo, que o país tenha um plano de gestão estratégico para as florestas
públicas brasileiras, com metas e ações de curto, médio e longo prazo, que vão desde o
fortalecimento das instituições até a resolução dos problemas fundiários e a promoção de
capacitação técnica e financeira às comunidades, com os instrumentos de comando-e-
controle e econômicos adequados à realidade do país.

165
Na análise crítica da execução da Lei de Gestão de Florestas Públicas, observaram-
se os principais problemas e desafios desse processo, que, em verdade, nas diferentes
perspectivas apresentadas, revelam os problemas da política ambiental do Brasil, que são,
em grande parte, de ordem político-institucional. Os conflitos de interesses entre os atores
envolvidos, muitas vezes pautados pela predominância dos interesses econômicos e
políticos de curto prazo, contribuem para que as políticas ambientais sejam
contextualizadas sem o nível de conhecimento técnico e científico satisfatório. Ademais, é
notável a baixa capacidade institucional existente nos órgãos ambientais no Brasil nos
diferentes entes federativos, revelada pela insuficiência quantitativa e qualitativa de
recursos humanos, materiais, financeiros, tecnológicos, organizacionais, gerenciais e de
informação.
Nesse contexto, portanto, pode-se considerar que as afirmações e declarações
apontadas no presente estudo levam à constatação de que a fragilidade político-institucional
existente no cenário de formulação da política ambiental do país impede que a Lei de
Gestão de Florestas Públicas seja implementada de forma efetiva para a gestão sustentável
e estratégica das florestas brasileiras.

166
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87
* Baseadas na norma NBR 6023, de 2002, da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT).

167
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179
ANEXO I

Metodologia

O método utilizado nessa investigação consiste na Análise de Discurso. Para


Orlandi (2001), a Análise de Discurso, como seu próprio nome indica, não trata da língua,
não trata da gramática, embora todas essas coisas lhe interessem. Ela trata do discurso. E a
palavra discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de percurso, de movimento.
O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso
observa-se o ser humano falando e problematiza seu discurso. Segue abaixo
pronunciamento de Orlandi:
Problematizar as maneiras de ler, levar o sujeito falante ou o leitor a
se colocarem questões sobre o que produzem e o que ouvem nas
diferentes manifestações da linguagem. Perceber que não podemos
não estar sujeitos à linguagem, a seus equívocos, sua opacidade.
Saber que não há neutralidade nem mesmo no uso mais
aparentemente cotidiano dos signos. A entrada no simbólico é
irremediável e permanente: estamos comprometidos com os
sentidos e o político. Não temos como não interpretar. Isso, que é a
contribuição da AD, nos coloca em estado de reflexão e, sem
cairmos na ilusão de sermos conscientes de tudo, permite-nos, ao
menos, sermos capazes de uma relação menos ingênua com a
linguagem. (ORLANDI, 2001, p.09)

Na Análise de Discurso, procura-se compreender a língua fazendo sentido, enquanto


trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do ser humano e da sua
história. Por esse tipo de estudo se pode conhecer melhor aquilo que faz do ser humano um
ser especial com sua capacidade de significar e significar-se. A Análise de Discurso
concebe a linguagem. Não se pode deixar de considerar que o discurso consiste em uma
prática sociocultural de um momento histórico específico. Assim, a Análise de Discurso diz
respeito à averiguação de textos e falas relacionadas a um contexto sócio, cultural e
temporal determinado (ORLANDI, 2005).

180
O processo de formulação da política pública, objeto de estudo dessa investigação,
será abordado por meio da Análise de Discurso do processo – o sistema de políticas
públicas deve ser visto como um processo, que se caracteriza por constantes barganhas,
pressões e contrapressões. Não se deve aqui confundir a análise da política com a avaliação
feita na sequência final de um processo de formulação e implementação de uma política – a
avaliação deve ser remetida strictu sensu à noção de análise (FARIAS, 2002).
A natureza da pesquisa é preponderantemente qualitativa, pois a mesma prevê a
coleta de dados a partir de interações sociais do pesquisador com o fenômeno pesquisado e
a análise dos dados se dará a partir da hermenêutica do próprio pesquisador, ou seja, o
mesmo irá interpretar os fatos e dar-lhes um sentido (FIRESTONE, 1987).
De acordo com a classificação proposta por Cooper & Schindler (2003), quanto ao
tipo, a pesquisa será descritiva e explicativa – descritiva porque irá caracterizar a dinâmica
de interação entre os diversos atores envolvidos com a gestão das florestas públicas,
descrevendo as características, interesses e especificidades da atuação desses atores, com o
objetivo de adquirir mais base para descrição do fenômeno estudado. Explicativa porque,
com base no que foi caracterizado na pesquisa descritiva, serão esclarecidos quais fatores
contribuem para atingir o objetivo proposto.
Para realização do presente estudo, foram desenvolvidas as seguintes atividades:
a. Levantamento bibliográfico do material existente sobre a análise de políticas
públicas, a relação entre ciência e política, a evolução do Estado e da política
ambiental no Brasil, bem como sobre a gestão das florestas públicas, em artigos
apresentados tanto em congressos como em revistas científicas, livros, jornais e
materiais editados em meio eletrônico. Sua utilização foi o instrumental analítico
para o desenvolvimento do estudo.
b. Identificação dos atores e interesses envolvidos no processo de formulação e
implementação da Lei de Gestão Sustentável das Florestas Públicas no Brasil e suas
respectivas regulamentações;
c. Análise da legislação, regulamentação e normatização referentes à gestão das
florestas brasileiras e demais instrumentos relacionados à política ambiental no
Brasil.

181
d. Levantamento de dados referentes aos critérios, instrumentos, metodologia e
procedimentos necessários à elaboração e execução da Lei de Gestão de Florestas
Públicas, do Plano Anual de Outorga Florestal, do Cadastro Nacional de Florestas
Públicas, dos Planos de Manejo Florestais Sustentáveis.
e. Análise do processo da primeira concessão florestal do país.
f. Análise dos arranjos institucionais e processo decisórios existentes no processo de
formulação e implementação da Lei de Gestão das Florestas Públicas brasileiras,
bem como as competências organizacionais dos órgãos e entidades envolvidos no
processo.
g. Análise da dinâmica de interação entre os atores envolvidos no processo, visando
identificar as ameaças e oportunidades e os principais problemas e desafios
existentes no mesmo, sob a ótica das dimensões político-institucional, ecológica,
social e econômica, dando ênfase à dimensão político-institucional.
h. Identificação das experiências consideradas bem-sucedidas e mal-sucedidas pelos
atores envolvidos no processo de concessão.
i. Levantamento de documentos existentes no interior dos órgãos públicos envolvidos
como Ministério do Meio Ambiente, Serviço Florestal Brasileiro – SFB, Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBIO, Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, INCRA – Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária, órgãos estaduais e municipais.
Deverão ser encontradas nos arquivos das organizações envolvidas com o tema leis,
portarias, instruções normativas, decretos, contratos de transição, planos de manejo
florestal sustentável, editais de licitação, bem como quaisquer instrumentos que
foram utilizados na execução da legislação referente à gestão das florestas no Brasil
e em outros países.
Na pesquisa de campo, foram realizadas entrevistas semiestruturadas88 com
cientistas, técnicos, gestores, ambientalistas, burocratas e políticos, efetivamente

88
De acordo com Cooper & Schindler (2003), nas entrevistas semiestruturadas há um roteiro
previamente estabelecido (Anexo II), mas também há espaço para elucidação de elementos que surgem de
forma imprevista.

182
envolvidos no processo, representantes do Estado, do setor produtivo e de organizações
não-governamentais. Segue abaixo lista de entrevistados:

- Philip Fearnside – Pesquisador titular do INPA


Entrevistador: Renato Cader
Local: Manaus Data: Março/2010

- Rogério Gribel – Pesquisador titular do INPA


Entrevistador: Renato Cader
Local: Rio de Janeiro Data: Abril/2010

- Niro Igush – Pesquisador titular do INPA


Entrevistador: Renato Cader
Local: Manaus Data: Março/2010

- Roberto Smeraldi- Diretor da ONG Amigos da Terra


Entrevistador: Renato Cader
Local: São Paulo Data: Março/2010

- José Humberto Chaves – Diretor de Uso Sustentável do IBAMA


Entrevistador: Renato Cader
Local: Brasília Data: Outubro/2009

- João de Deus Medeiros – Diretor de Áreas Protegidas do MMA


Entrevistador: Renato Cader
Local: Brasília Data: Novembro/2009

- Tasso Azevedo – Consultor técnico


Entrevistador: Renato Cader
Local: São Paulo Data: Setembro/2009

- Antônio Carlos Hummel- Diretor Geral do Serviço Florestal Brasileiro


Entrevistador: Renato Cader
Local: Brasília Data: Setembro/2009

183
- José Natalino Macedo Silva – Diretor do Serviço Florestal Brasileiro
Entrevistador: Renato Cader
Local: Brasília Data: Maio/2010

- Fernando Castanheira Neto – Superintendente Executivo do Fórum Nacional de


Atividades de Base Florestal
Entrevistador: Renato Cader
Local: Brasília Data: Outubro/2009

- Márcia Muchagata – Gestora do Serviço Florestal Brasileiro


Entrevistador: Renato Cader
Local: Brasília Data: Novembro/2009

- Joldes Muniz Ferreira - Consultor do Senado


Entrevistador: Renato Cader
Local: Brasília Data: Novembro/2009

184
ANEXO II
Diagnóstico

O diagnostico sobre a gestão das florestas públicas no Brasil tem por objetivo enfatizar os
processos de (1) planificação, (2) de formulação e implementação da política ambiental no
Brasil á luz do conhecimento (3) lei de gestão sustentável das florestas públicas. Para
cumprir com tais objetivos, os diagnósticos deverão estar orientados no sentido de
responder as seguintes perguntas:

1. Em relação ao processo de planificação:

1.1. Quais são os principais objetivos das políticas e programas florestais e quais são os
instrumentos de que dispõe o governo para a sua realização?

1.2. Existe alguma oposição regional ou local em relação às ações executadas ao nível
nacional?

1.3. De onde provêem (e como se atribuem) as prioridades estabelecidas e qual é a base de


poder real dos responsáveis pelas políticas florestais?

1.4. Qual é o processo utilizado para garantir a participação de todos os setores sociais na
formulação dessas políticas?

1.5. Como se definem os níveis de recursos destinados às políticas florestais?

1.6. Quais são as principais fontes de financiamento com o qual conta o setor florestal
(nacionais, internacionais, privadas, publicas, participação do usuário)?

1.7. Qual foi a recente evolução do gasto público dedicado a programas e políticas
ambientais (percentual do PIB, do gasto publico total e gasto por habitante), bem
como aquela voltada para o setor florestal?

185
2. Em relação à formulação implementação da política ambiental no Brasil à luz do
conhecimento.

2.1. Qual é a estrutura organizacional do setor ambiental e florestal no Brasil e como estão
organizados os programas nesta área?

2.2. As organizações governamentais ambientais que atuam a nível local dependem do


poder central ou existem níveis de autonomia entre a estrutura nacional, regional e
local?

2.3. Quais são os aspectos marcantes da “cultura” e da historia recente de organizações


encarregadas das políticas e programas ambientais; e em que medida a “essência”
dessas organizações é compatível com a participação de distintos setores sociais na
formulação de políticas?

2.4. Quais são os grupos políticos, grupos de interesse e organizações de base com especial
expressividade na área ambiental e no Setor Florestal, e qual é a composição e
atuação social de seus membros, e como definem seus objetivos?

2.5. Qual grau de importância tem as organizações voluntarias e não-governamentais na


política ambiental e florestal?

2.6. Que graus de concessão ou de conflito prevalecem na formulação e implementação da


política ambiental e especificamente a florestal no Brasil? Como se conseguiu que
diversos grupos sociais aceitem as decisões relacionadas a essas políticas?

2.7. Que tipo de controle exerce os partidos políticos e o poder legislativo nas ações da área
ambiental da Administração Pública?

2.8. Qual tem sido o tipo de resposta do Estado às mobilizações populares e reivindicadoras
em torno às questões ambientais no Brasil?

2.9. O interesse criado a partir da execução de políticas e programas ambientais representa


amplos setores sociais ou permitiu, em troca, o surgimento de clientelas (oligarquias?)
cujos objetivos a longo prazo poderiam contrariar a própria finalidade dos programas?

186
2.10. A execução de programas ambientais favorece o domínio de uma perspectiva
profissional especifica? De que maneira isto poderia distorcer os objetivos acordados?

2.11. Que medidas específicas foram previstas para garantir que nenhum grupo social fique
excluído da formulação da política ambiental ou florestal, ou seja, discriminado na
distribuição de resultados?

2.12. Existem mecanismos de cogestão nos programas de meio ambiente e/ou florestais?
Como operam e quem participa desses?

2.13. Quais os mecanismos o governo utiliza para fazer a ponte entre a formulação da
política ambiental e geração de conhecimento?

2.14. Como se dá a relação dos formuladores de política com o conhecimento gerado pelas
comunidades científica e tradicional?

2.15. Quais mecanismos utilizados para avaliação da qualidade da informação científica e


técnica utilizada pelos formuladores de política? Como se configura o processo
decisório nesse caso?

3. Em relação à Lei de Gestão de Florestas Públicas

3.1. Como você avalia a criação do Serviço Florestal Brasileiro?

3.2. Como os aspectos históricos, culturais e institucionais refletem na formulação da Lei


de Gestão de Florestas Públicas?

3.3. Quais mecanismos e critérios técnicos foram considerados na formação do Cadastro


Nacional de Florestas Públicas e no Plano Anual de Outorga Florestal?

3.4. Quais instrumentos e mecanismos foram utilizados para a participação dos diversos
atores das esferas pública, privada e social no processo de formulação da Lei de
Gestão de Florestas Públicas? Você identifica a falta de algum ator relevante no
processo?

187
3.5. Como foram definidos os conteúdos mínimos do Estudo de Impacto Ambiental exigido
para o manejo florestal bem como os critérios para aprovação dos Planos de Manejo
Florestal Sustentável? Quais tipos de conhecimento são utilizados na avaliação dos
mesmos?

3.6. Como se dá a configuração e distribuição dos recursos do Fundo de Desenvolvimento


Florestal, criado pela Lei de Gestão de Florestas Públicas, e quem participa nas
diversas etapas de decisão em relação ao montante de recursos atribuídos?

3.7. Quais os mecanismos e critérios de valoração dos bens e serviços florestais utilizados
na concessão florestal previstos na lei, em suas respectivas regulamentações, bem
como na formulação do preço mínimo no processo licitatório?

3.8. Como e quais atores e entidades que participaram do processo decisório na valoração
das áreas previstas para concessão?

3.9. Quais critérios foram utilizados na formulação das fórmulas para atribuir nota técnica
aos projetos na licitação?

3.10. Até que ponto os percentuais previstos para a reserva absoluta previstos em lei
asseguram a manutenção do equilíbrio ecológico?

3.11. Quais impactos que a lei pode trazer para o mercado de bens e serviços florestais e
para a geração de emprego e renda nas comunidades?

3.12. De que forma a lei pode impactar no acesso das comunidades locais às florestas
públicas e aos benefícios decorrentes da criação de Reservas Extrativistas e de
Desenvolvimento Sustentável?

3.13. Existem instrumentos e atividades efetivas para o fomento ao conhecimento e


conscientização da população sobre a importância da conservação e uso sustentável
das florestas, bem como programas e projetos de capacitação para empreendedores
locais?

188
3.14. Quantas consultas públicas e de que forma as mesmas foram consideradas no
processo decisório na formulação e implementação da Lei?

3.15. Como os Estados, Distrito Federal e Municípios irão promover as adaptações


necessárias de sua legislação à prescrição da lei?

189

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