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O cigarro.

Era orgulhoso de si o cigarro. Quando deu por si, vivo de fato, sentia-se muito bonito.
Era em cor vermelha e sobre seu papel, havia um lacre de plástico, que apesar de fino, era belo
e lhe conferia um ar de elegância e brilho. Quando a luz atravessou a primeira vez seu plástico,
um homem de mãos sujas e calejadas, com um bigode feio e grisalho rasgava a embalagem em
que chegaram. Cada maço, era assim que o chamavam, foi separado de seu irmão e colocado
lado a lado em uma vitrine de vidro amarelado de sujeira.

Repousaram ali por vários dias, no entanto, cada dia que passava, um de seus irmãos
era levado. Dias havia em que mais de um, misteriosamente, era subtraído por uma mão que o
levava. Digo misteriosamente porque nenhum irmão havia retornado do além vidro para
contar o que acontecia, muitos diziam que lá tinha uma deidade que os levava para viver em
um paraíso, outros porém, diziam que a vida acabava ali. Nosso herói pensava, com grande
curiosidade, se tratar de uma continuidade. Mas continuidade do que?

Seus irmão foram sendo levados um a um, até o dia que o cigarro sentiu pegar em seu
plástico uma mão fria que cheirava a café - mas o que era café? - Foi posto por sobre o mesmo
balcão de onde saiu. Então, era isso o que existia além do vidro? Mas o que era essa coisa que
começava ou continuava?

Foi entregue a uma mulher, era linda, seus cabelos eram cacheados, seus lábios eram
grossos e vermelhos, seus olhos castanhos escuros, suas bochechas rosadas, seu corpo tinha
curvas nos lugares que faziam o cigarro ficar vermelho, não em sua embalagem, mas nas
bochechas se as tivesse.

A mulher começou a andar, pegou em um pedaço do seu plástico, sinal de nascença, e


puxou abrindo-lhe o topo da cabeça. O maço sentiu uma dor intensa, mas era como se saísse
do corpo e voltasse, essa sensação só teve uma vez, só possuía um lacre, não possuía mais seu
plástico, mas foi único e memorável. Logo depois, foi retirado de dentro um único cigarro. Suas
pontas foram colocadas na ponta dos lábios e a sensação do toque era macia e firme.

Sentia seu filtro ser puxado e sua cabeça queimava, era um fogo que o consumia e o
transformava. Ardia, pegava fogo, e o cigarro desejava a cada hora de cada dia aquela
sensação. Passava os minutos nos lábios da mulher e, quando não estava nos lábios, desejava
estar. No entanto, a cada vez que se sentia fora do seu corpo, sentia também um vazio maior
em seu interior. Não se importava com isso já que o orgulho de saciar a mulher que o levava
aos lábios fechava seus olhos.

Foi colocado ao lado da cabeceira da cama, sobre um criado mudo. Naquele dia, no
entanto, um homem estava acompanhando a mulher. Sentiu-se sozinho aquela noite, mas
durante a madrugada, acendeu-se no quarto uma luz. Pensou que aquela altura seria puxado
mais um de seus integrantes, foi puxado mais um cigarro, mas a mão era diferente, mais
áspera mais quente.

A mão que o retirou era como o fogo e o lábio que o tocou era fino, macio e tinha um
sabor diferente, não era tão doce ou tão vermelho mas do mesmo jeito fazia sentir o fogo
costumeiro. Nesta boca, era mais forte e mais rápido. O fogo então o consumiu e ao final
apagou-se no cinzeiro. O cigarro estava confuso, afinal, satisfazia a mulher e sentia-se tão feliz
na boca do homem. Sentia-se mais orgulhoso todos aqueles que o pusessem em seus lábios
sentiam-se satisfeitos e seus problemas pareciam amenizados. A confusão se encerrou quando
era tragado ora pelo homem, ora pela mulher. Sabia que esse era seu propósito, entretanto,
seu orgulho o deixou cego para o vazio que se preenchia apenas pelos sorrisos que arrancava
do homem e da mulher, era feliz assim, mas seu problema aumentava.

Acendeu-se a luz do dia, o casal acordou, entre carinhos e beijos levantaram e foram
agitar a vida. A mulher pegou novamente o maço, vazio, amassou e jogou no lixo. Não havia
mais nada que a interessava, o homem disse que na volta do trabalho compraria outro maço e
o cigarro completamente vazio se findou. Foi substituído no mesmo dia e a vida continuou.

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