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Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia

Ciências Biológicas

F
iel a sua missão de interiorizar o ensino superior no estado Ceará, a UECE,
como uma instituição que participa do Sistema Universidade Aberta do
Brasil, vem ampliando a oferta de cursos de graduação e pós-graduação
na modalidade de educação a distância, e gerando experiências e possibili-
dades inovadoras com uso das novas plataformas tecnológicas decorren-
Ciências Biológicas
tes da popularização da internet, funcionamento do cinturão digital e
massificação dos computadores pessoais.
Comprometida com a formação de professores em todos os níveis e
a qualificação dos servidores públicos para bem servir ao Estado, Desvendando o Mundo Invisível
os cursos da UAB/UECE atendem aos padrões de qualidade
estabelecidos pelos normativos legais do Governo Fede-
ral e se articulam com as demandas de desenvolvi-
da Microbiologia
mento das regiões do Ceará.

Germana Costa Paixão

Universidade Estadual do Ceará - Universidade Aberta do Brasil


Lydia Dayanne Maia Pantoja
Erika Helena Salles de Brito
Charles Ielpo Mourão
Geografia

12

História

Educação
Física

Ciências Artes
Química Biológicas Plásticas Computação Física Matemática Pedagogia
Ciências Biológicas

Desvendando o Mundo Invisível


da Microbiologia
Germana Costa Paixão
Lydia Dayanne Maia Pantoja
Erika Helena Salles de Brito
Charles Ielpo Mourão
Geografia
3ª edição
Fortaleza - Ceará 9
12

História
2015

Educação
Física

Ciências Artes
Química Biológicas Plásticas Computação Física Matemática Pedagogia
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados desta edição à UAB/UECE. Nenhuma parte deste material poderá
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Francisco Welton Silva Rios – CRB-3 / 919
Bibliotecário

D478 Desvendando o mundo invisível da microbiologia / Germana


Costa Paixão... [et al.] . – 2. ed. – Fortaleza : EdUECE, 2015.
215 p. : il. ; 20,0cm x 25,5cm. (Ciências Biológicas)
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-7826-347-8
1. Microbiologia. 2. Genética microbiana. 3. Bactérias. 4. Fungos.
5. Vírus. I. Paixão, Germana Costa. II. Pantoja, Lydia Dayanne
Maia. III. Brito, Erika Helena Sales de. IV. Mourão, Charles Ielpo.
V. Título.

CDD 579

Editora da Universidade Estadual do Ceará – EdUECE


Av. Dr. Silas Munguba, 1700 – Campus do Itaperi – Reitoria – Fortaleza – Ceará
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Secretaria de Apoio às Tecnologias Educacionais
Fone: (85) 3101-9962
Sumário
Apresentação.......................................................................................... 5
Capítulo 1 – História da Microbiologia e classificação dos
microrganismos...................................................................................... 7
1. Introdução............................................................................................. 9
2. Pioneiros na ciência da Microbiologia................................................. 13
3. Classificação dos microrganismos..................................................... 16
4. Classificação dentro da própria ciência.............................................. 21

Capítulo 2 – Anatomia funcional das células


procarióticas......................................................................................... 25
1. Introdução........................................................................................... 27
2. Estruturas externas à parede celular.................................................. 29
3. A parede celular.................................................................................. 33
4. Estruturas internas à parede celular................................................... 36

Capítulo 3 – Métodos de diagnóstico microbiológico.............. 43


1. Introdução........................................................................................... 45
2. Biossegurança.................................................................................... 46
3. Equipamentos de proteção individual e coletiva................................. 47
4. Boas práticas laboratoriais.................................................................. 48
5. Sinalização em laboratórios................................................................ 48
6. Diagnóstico microbiológico por métodos clássicos............................ 49
7. Principais colorações usadas em Microbiologia................................. 50
8. Breves conceitos de controle microbiano........................................... 57
9. Cultivo de microrganismos.................................................................. 58
10. Diagnóstico microbiológico por métodos moleculares...................... 62

Capítulo 4 – Nutrição e crescimento microbiano....................... 67


1. Introdução........................................................................................... 69
2. Fatores que regulam ou afetam o crescimento bacteriano................. 69
3. Meios de cultura.................................................................................. 73
4. Curva de crescimento bacteriano....................................................... 78

Capítulo 5 – Genética microbiana.................................................. 83


1. Introdução........................................................................................... 85
2. Replicação do DNA............................................................................. 86
3. Transcrição e tradução da informação genética................................. 88
4. Alterações genotípicas........................................................................ 88
Capítulo 6 – As bactérias................................................................. 99
1. Introdução......................................................................................... 101
2. Classificação taxonômica para bactérias......................................... 102
3. Denominações bacterianas.............................................................. 103
4. Diversidade bacteriana..................................................................... 105

Capítulo 7 – Arqueobactérias....................................................... 127


1. Introdução......................................................................................... 129
2. Origem e evolução............................................................................ 129
3. Aspectos morfológicos, bioquímicos e metabólicos......................... 131
4. Diversidade....................................................................................... 138
5. Euryarchaeota................................................................................... 138
6. Crenarchaeota.................................................................................. 140
7. Korarchaeota..................................................................................... 141
8. Nanoarchaeota.................................................................................. 142
9. Importância econômica..................................................................... 142

Capítulo 8 – Fungos........................................................................ 147


1. Intrudção........................................................................................... 149
2. O reino Fungi..................................................................................... 150
3. Biologia dos fungos........................................................................... 151
4. Achados macro e microscópicos que caracterizam
os fungos............................................................................................... 155
5. Classificação das principais doenças fúngicas................................ 159

Capítulo 9 – Vírus............................................................................ 169


1. Histórico da Virologia........................................................................ 171
2. Origem dos vírus............................................................................... 173
3. Componentes virais.......................................................................... 174
4. Morfologia, estrutura e replicação viral............................................. 175
5. As mutações...................................................................................... 178
6. Classificação dos vírus..................................................................... 179
7. Infecções virais................................................................................. 180
8. Viroses, plantas medicinais e fitoterápicos....................................... 183

Capítulo 10 – Microbiologia ambiental e aplicada................... 187


1. Introdução......................................................................................... 189
2. Microbiologia da água....................................................................... 190
3. Microbiologia do solo........................................................................ 196
4. Microbiologia do ar............................................................................ 200

Sobre os autores............................................................................. 215


Apresentação
Desvendar o fantástico e invisível mundo dos microrganismos é uma tarefa
complexa, porém apaixonante. Estudar as bactérias, fungos e vírus e suas
relações com o homem e o meio ambiente nos revela uma total interação e
transdisciplinaridade com inúmeras outras áreas de conhecimento da Biolo-
gia, tais como a Ecologia, a Paleontologia, a Parasitologia, a Bioquímica, a
Biologia Celular, entre outras.
A quase onipresença desses microrganismos nos diferentes habitats é
instigante e traz à tona a enorme capacidade adaptativa e evolucionária des-
ses seres diminutos, que podem contribuir para elucidar vários aspectos ainda
obscuros da origem da vida.
Apresentamos em 10 capítulos noções gerais sobre estrutura, classi-
ficação taxonômica, nutrição, metabolismo, crescimento e genética das bac-
térias, fungos e vírus, técnicas clássicas e moleculares de diagnóstico labo-
ratorial e a participação desses organismos na dinâmica de funcionamento
dos ambientes aquáticos, terrestres e aéreos, bem como sua aplicabilidade
nos processos biotecnológicos. Falamos um pouco sobre o poder patogênico
desses seres e a capacidade de causar doenças em animais e vegetais.
Longe de esgotarmos o assunto ou elaborarmos um livro de referência,
nos propomos apenas a ser um fio condutor para despertar a curiosidade dos
leitores, esperando que assim como nós, os autores, vocês busquem se apro-
fundar nas maravilhas desse universo paralelo, aprendendo a respeitar esses
seres e a conviver com eles de maneira harmônica e simbiótica.

Os autores
Capítulo 1
História da Microbiologia
e classificação dos
microrganismos
Objetivos
• Introduzir o aluno no mundo da Microbiologia discutindo sobre suas princi-
pais constatações históricas;
• Apresentar e discutir os sistemas de classificação microbiana.

1. Introdução
Microbiologia é a ciência que estuda os organismos que somente podem ser
visualizados com o auxílio do microscópio. O termo deriva das palavras gre-
gas mikros (pequeno), bios (vida) e logos (ciência).
Com base neste conceito, a Microbiologia aborda um vasto e diversi- 1
As bactérias medem, em
ficado grupo de organismos unicelulares (bactérias1) e pluricelulares (fungos média, 1-10µm. A menor
filamentosos), de dimensões reduzidas, e que podem ser encontrados como bactéria conhecida é a
células isoladas ou agrupadas em diferentes arranjos. Assim, envolve o estu- Chlamydia com 0,2µm de
do de organismos procarióticos (bactérias (Figura 1) e archaeas), eucarióticos tamanho, enquanto que
Epulopiscium fishelsoni,
(fungos e algas (Figura 2 e 3), protozoários (Figura 4)), e também seres ace- encontrada no, intestino de
lulares (vírus) (Figura 5). peixes do mar vermelho
e costa da Austrália é
conhecida como a maior
bactéria descrita, medindo
600km de comprimento.

Figura 1 – Bactéria em forma de bacilo com presença de flagelos.


Fonte: www.venganza.org
10 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Figura 2 – Fungo filamentoso do gênero Aspergillus.


Fonte: www.aspergillus.org.uk

Figura 3 – Rhodophyta, uma alga vermelha.


Fonte: www.nucloedeaprendizagem.com.br
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 11

Figura 4 – Protozoário do gênero Trichomonas.


Fonte: www.btinternet.com

Figura 5 – Vírus da imunodeficiência humana (HIV).


Fonte: GOOGLE, 2010.

Esta área do conhecimento teve seu início com os relatos de Robert


Hooke (1635 – 1703) e Antony van Leeuwenhoek (1632 – 1723), que desen-
volveram instrumentos de ampliação – microscópios – (Figuras 6 e 7), pos-
sibilitando as primeiras observações de bactérias e outros microrganismos a
partir da análise de diversos espécimes biológicos.
12 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Figura 6 – Microscópio construído por Robert Hooke e esquema de um fungo


observado por este pesquisador.
Fonte: TORTORA; FUNKE; CASE, 2005.

Os microrganismos são considerados os primeiros indícios de vida na


Terra, portanto ancestrais de todas as demais formas de vida. Muitas informa-
ções foram acumuladas desde os primeiros relatos dos microrganismos, mas
ainda há muito por descobrir acerca da ecologia e classificação dos mesmos.
Os conhecimentos de ultra-estrutura, metabolismo e propriedades here-
ditárias dos microrganismos têm contribuído para os conhecimentos atuais so-
bre a natureza fundamental de todos os organismos vivos, visto que muitos dos
processos bioquímicos que ocorrem em microrganismos são essencialmente
os mesmos em todas as formas de vida, inclusive no homem, e que toda infor-
mação genética de todos os organismos é codificada pelo DNA.
A maior importância desta ciência vem do fato dos microrganismos par-
ticiparem de quase todos os aspectos da existência humana com efeitos e
repercurssões benéficas e nocivas. Além do mais, os micróbios têm sido utili-
zados em muitas situações, como melhoramento na produção de alimentos,
exploração de minérios, solução para derramamento de óleo, produção de
compostos industriais e medicamentos valiosos, vacinas e outros produtos.
Como efeitos maléficos, os microrganismos provocam doenças no homem,
animais e plantas e apesar de existir tratamento para a maioria das doenças
infecciosas, é crescente o surgimento de linhagens bacterianas e de outros
microrganismos cada vez mais resistentes aos medicamentos existentes.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 13

2. Pioneiros na ciência da Microbiologia


Um dos pioneiros no estudo dos microrganismos foi Antony van Leeuwenhoek
(1932-1723) (Figura 8), um zelador que servia como provador de vinhos para
a cidade de Delft, na Holanda que ao montar lentes de vidro entre finas placas
de prata ou bronze formava microscópios simples (Figura 7A), tornando-se
um dos fundadores da Microbiologia.
Leeuwenhoek usou seu microscópio para observar águas de rios, in-
fusões de pimenta, saliva, fezes etc. Ao ver um grande número de diminu-
tos seres móveis e invisíveis a olho nu chamou-os de “animalículos” porque
acreditava que eram pequenos animais vivos (Figura 7B). Motivado por seus
achados ele fez mais de 250 microscópios, o mais poderoso aumentava um
objeto 200 a 300 vezes.

Figura 7 – Réplica do microscópio construído por Leeuwenhoek (A) e de suas


ilustrações, descrevendo os “animalículos” observados (B).
Fonte: TORTORA; FUNKE; CASE, 2005.

Devido a riqueza de detalhes com que descreveu seus animalículos,


esse pesquisador deixou poucas dúvidas para o observador moderno de que
ele viu bactérias, fungos e protozoários. Na época acreditou-se que estes se-
res eram resultado da decomposição de plantas e tecidos animais por meio de
fermentação ou putrefação dos mesmos. Eles seriam resultado e não a causa
das mudanças observadas nos tecidos. Isto, basicamente foi o conceito da
geração espontânea, ou abiogênese linha de pensamento que perdurou até
segunda metade do século XIX.
Por outro lado, Rudolf Virchow (1821-1902) desafiou a geração espon-
tânea afirmando que células vivas poderiam surgir somente a partir de células
vivas preexistentes. A esta teoria foi dado o nome de biogênese.
14 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

A teoria da geração espontânea continuou até 1861, quando a questão


foi resolvida definitivamente pelo químico francês Louis Pasteur (Figura 1.8)
que comprovou a teoria da biogênese. Este brilhante cientista demonstrou
que os microrganismos estavam presentes no ar e podiam contaminar solu-
ções estéreis, embora o ar por si próprio não criasse micróbios.
Pasteur colocou caldo nutritivo em um balão de vidro de pescoço com-
prido (vidraria chamada pescoço de cisne), em seguida aqueceu e esticou
o gargalo do balão, curvando sua extremidade de modo que ficasse voltada
para cima. Ferveu o caldo existente no balão o suficiente para matar todos os
possíveis microrganismos que poderiam existir nele. Cessado o aquecimento,
vapores da água proveniente do caldo condensaram-se no gargalo do balão e
se depositaram, sob forma líquida, na sua curvatura inferior (Figura 9).
Como os frascos ficavam abertos não se podia falar da impossibilidade
da entrada do “princípio ativo” do ar. Com a curvatura do gargalo, os micror
ganismos do ar ficavam retidos na superfície interna úmida e não alcançavam o
caldo nutritivo. Quando Pasteur quebrou o pescoço do balão, permitindo o con-
tato do caldo existente dentro dele com o ar, constatou que o caldo rapidamente
contaminou-se com os microrganismos provenientes do ar. Assim, o trabalho
de Pasteur forneceu evidências inequivocas de que os microrganismos não po-
diam originar-se de forças místicas presentes nos materiais não-vivos.
Pasteur demonstrou que microrganismos estavam presentes na maté-
ria não-viva sobre sólidos, dentro de líquidos e no ar e que a vida microbiana
pode ser destruída pelo calor, essas descobertas serviram como base para
as técnicas de assepsia, que impedem a contaminação por microrganismos
não-desejados e que são atualmente práticas rotineiras nos laboratórios e em
muitos procedimentos médicos.

Antony van Leeuwenhoek Louis Pasteur


(1632-1723) (1822-1895)
Figura 8 – Galeria de fotos dos pioneiros no estudo da Microbiologia.
Fonte: GOOGLE, 2010.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 15

Figura 9 – Experimento de Pasteur que comprovou a teoria da biogêne-


se; 1. caldo nutritivo em um frasco de pescoço longo; 2. aquecimento do
gargalo do frasco e curvatura no formato de S; 3. Caldo nutritivo livre de
microrganismos, mesmo após longos períodos.
Fonte: TORTORA; FUNKE; CASE, 2005.

A partir dos trabalhos de Louis Pasteur, houve uma explosão de des-


cobertas na Microbiologia. O período de 1857 a 1914 foi apropriadamente
nomeado a Idade de Ouro da Microbiologia. Durante esse período, rápidos
avanços, liderados principalmente por Pasteur e Robert Koch (1843-1910),
levaram ao estabelecimento da Microbiologia como ciência.
Dentre as descobertas destacaram-se a teoria microbiana das doenças
e o papel da imunidade na preservação e cura das doenças. Os microbiolo-
gistas também estudaram as atividades químicas dos microrganismos, aper-
feiçoaram as técnicas de microscopia e de cultivo dos mesmos e desenvolve-
ram vacinas e técnicas cirúrgicas.
Todas essas descobertas forneceram a base para o conhecimento que
continuou sendo produzido nos séculos XX e XXI. Novos ramos da Microbio-
logia foram desenvolvidos, incluindo a imunologia e a virologia. Mais recente-
mente, o desenvolvimento de um conjunto de métodos novos denominados
tecnologia do DNA recombinante vem revolucionando a pesquisa e as aplica-
ções práticas em todas as áreas da Microbiologia.

Saiba mais
Lixo gera moscas?
Uma idéia bastante antiga, dos tempos de Aristóteles, é a de que seres vivos podem surgir por
geração espontânea. Apesar de se conhecer o papel da reprodução, admitia-se que certos or-
ganismos vivos pudessem surgir espontaneamente da matéria bruta. Observações do cotidiano
mostravam, por exemplo, que larvas de moscas apareciam no meio do lixo e que poças de lama
podiam exibir pequenos animais. A conclusão a que se chegava era a de que o lixo e a lama ha-
viam gerado diretamente os organismos...
Fonte: http://ateus.net/artigos/ciencia/a-origem-da-vida/
16 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Galeria de estudiosos
2
3. Classificação2 dos microrganismos
que contribuíram para
a classificação dos Desde Aristóteles (384 - 322 a.C.), os naturalistas têm tentado classificar e
organismos. dar nomes às plantas, aos animais e aos microrganismos baseando-se na
sua aparência e comportamento. A ciência denominada de Taxonomia (do
grego, taxis: arranjo e nomos: lei, ordem) foi criada com base no sistema bi-
nomial desenvolvido no século XVIII pelo cientista sueco Carolus Linnaeus
(1707-1778). Nesse sistema, cada organismo recebe dois nomes (por exem-
plo, Escherichia coli, nome científico de uma bactéria muito conhecida por
sua presença em amostras fecais). O primeiro nome é referente ao gênero
(Escherichia) e o segundo é o termo específico (coli). O primeiro e segundo
nomes juntos formam o nome da espécie (Escherichia coli).
A Taxonomia fornece uma referência comum na identificação de mi-
Aristóteles (384 - 322 a.C.):
crorganismos já descobertos. Por exemplo, quando uma bactéria suspeita é
Filósofo grego, que trouxe isolada de um paciente, características daquele isolado são comparadas a
contribuição para diferentes uma lista de características de bactérias previamente classificadas. Por tanto
áreas, inclusive a biologia. a taxonomia para a Microbiologia é uma ferramenta básica e necessária pois
fornece uma linguagem universal de comunicação.
Novas técnicas de biologia molecular e genética vêm fornecendo sub-
sídios para a taxonomia moderna. Vários sistemas de classificação e testes
usados na identificação de microrganismos têm permitido sua classificação e
seu posicionamento filogenético.

3.1. Como tudo começou


A partir da descoberta e do início dos estudos dos microrganismos, ficou claro
que a divisão dos seres vivos em dois reinos, animal e vegetal, como proposto
por Linnaeus, era insuficiente.
Linnaeus (1707-1778):
Botânico, zoólogo e Em 1857, Carl von Nägeli (1817-1891), um contemporâneo de Louis
médico sueco, criador da Pasteur (1822-1895), propôs que as bactérias e fungos fossem colocados no
nomenclatura binomial e da reino vegetal.
classificação científica.
Fonte: GOOGLE, 2010. Em 1866, Ernest Haeckel (1834-1919) estabeleceu um novo reino, o
Protista, para incluir os organismos que não possuíssem núcleo (bactérias) e
alguns organismos nucleados (protozoários, algas e fungos). Devido as dis-
cordâncias sobre a definição de protista, durante os 100 anos seguintes, os
estudiosos continuaram a seguir a proposição de Carl von Nägeli. É irônico
que a partir do sequenciamento de DNA, os fungos foram classificados mais
próximos dos animais que das plantas. Os fungos somente foram posiciona-
dos em um reino próprio em 1969.
Pode-se notar que nem todos os cientistas concordam com um esque-
ma universal de classificação e que existem vários esquemas de classifica-
ção taxonômica que devem ser discutidos.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 17

3.2. Sistema em cinco reinos


De acordo com o conhecido esquema de classificação de Robert H. Whit-
taker (1920-1980), proposto em 1969, os organismos vivos (e extintos) foram
classificados em cinco reinos (Figura 10), levando em consideração que os
procariotos são os ancestrais de todos os eucariotos.

Carl von Nägeli (1817-1891):


Biólogo e botânico suíço,
propôs a classificação de
bactérias e fungos dentro do
reino vegetal.

Figura 10 – Esquema de classificação dos seres vivos segundo Robert H.


Whittaker, 1969.

Neste sistema, todos os procariotos estão incluídos no Reino Monera


(bactérias e cianobactérias), e os eucariotos compreendem os demais reinos.
Observa-se então que quatro dos cinco reinos consistem em organismos eu-
cariotos que são diferenciados de acordo com necessidades nutricionais, pa- Ernest Haeckel (1834-1919):
drões de desenvolvimento, diferenciação dos tecidos e presença de “9 + 2” fla- Naturalista alemão, criador do
reino Protista.
gelos (lembre-se que os flagelos de eucariotos são compostos de nove pares Fonte: GOOGLE, 2010.
externos e dois pares internos de microtúbulos, enquanto que os flagelos de
procariotos consistem de subunidades repetidas de flagelina).
Os organismos eucariotos simples, a maioria unicelular, encontram-se
agrupados no Reino Protista (protozoários e microalgas). Geralmente seus
representantes possuem flagelos em algum estágio do seu ciclo de vida.
Os fungos, os animais e as plantas constituem os três reinos dos or-
ganismos eucariotos mais complexos, sendo que a maioria é multicelular.
O Reino Fungi inclui seres unicelulares (leveduras), multicelulares (fungos
filamentosos) e espécies macroscópicas como os cogumelos. Enquanto o
Reino Animal é formado por esponjas, helmintos, os insetos e animais com
esqueleto (vertebrados) e por fim, o Reino Vegetal que apresenta algumas
algas e todos os musgos, samambaias, coníferas e plantas com flores.
Destaca-se que os vírus não são classificados por não serem constituí-
dos por células vivas; eles são acelulares.
18 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Cada reino apresenta divisões ou ramos que, por sua vez, são dividi-
dos em classes, ordens, famílias, gêneros e espécies. Subgrupos adicionais
(como subespécies) são também usados na literatura.

3.3. Os três domínios


Novas técnicas de biologia molecular e bioquímica revelaram que existem dois
tipos de células procarióticas em adição às células eucarióticas. Esta descober-
ta baseou-se na observação de que os ribossomos não são os mesmos em to-
das as células. Especificamente, a comparação da sequência de nucleotídeos
do RNA ribossomal (rRNA) de diferentes células mostra que existem três grupos
de células distintos: os eucariotos e dois tipos diferentes de procariotos – as eu-
bacteria (onde eu significa verdadeiro) e as archaea (Figura 11).

Figura 11 – Árvore filogenética da vida baseada na sequência de nucleotídeos do


RNA ribossomal, mostrando o sistema em três domínios.
Fonte: RAVEN; EVERT; EICHORN, 2001.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 19

Saiba mais
Robert Whittaker: vida e obra
Biólogo norte-americano, Robert Harding Whittaker nasceu a 27 de dezembro de 1920, no estado
do Cansas, e morreu a 20 de Outubro de 1980. Em 1942, formou-se em Biologia na Universida-
de Municipal de Washburn, em Topeka, Cansas. Ingressou, depois da sua licenciatura, na Força
Aérea, onde trabalhou como meteorologista até 1948. Neste ano doutorou-se em Zoologia na
Universidade de Illinois. Em 1969, classificou os seres vivos, baseado principalmente nos seus
nível de organização estrutural, tipo de nutrição e interação nos ecossistemas, organizando-os em
5 reinos: Monera, Protista, Fungi (ou Fungos), Plantae (ou Plantas) e Animalia (ou Animais)... cont.
Fonte: ROBERT WHITTAKER. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2011. [Consult. 2011-
01-02]. Disponível em: http://www.infopedia.pt/$robert-whittaker

Em 1978, Carl R. Woese (1928 -) e seus colaboradores da Universida-


de de Illinois propuseram elevar os três tipos de células para um nível acima
de reino, denominado domínio. Woese acreditava que as archaeas e as eu-
bactérias, embora semelhantes em aparência, deveriam formar seus próprios
domínios separados na árvore evolucionária. Enquanto todos os eucariotos
(divididos em Protista, Fungi, Animal e Vegetal) deveriam ser agrupados em
um terceiro domínio denominado Eukarya ou Eucarya (Figura 12).

Robert Whittaker (1920-


1980): Botânico e ecologista
norte-americano, criou o
sistema em cinco reinos.

Carl Woese (1928):


Figura 12 – Esquema de classificação de três domínios. Microbiologista americano e
físico, propôs o sistema em
Originalmente, achava-se que as archaeas eram as células mais primiti- três domínios.
vas, enquanto que as eubactérias foram tidas como as mais intimamente rela- Fonte: GOOGLE, 2010.
20 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

cionadas aos eucariotos. Todavia, estudos de rRNA indicaram que o ancestral


universal dividiu-se em três linhagens. Esta divisão levou às archaea, às eu-
bactérias e ao que eventualmente tornou-se o nucleoplasma dos eucariotos
(Quadro 1). Essa célula nucleoplásmica original era procariótica.
Entretanto dobraduras internas de sua membrana plasmática devem
ter envolvido a região nuclear produzindo o verdadeiro núcleo. Aquela célula
forneceu o hospedeiro original no qual a eubactéria endossimbiótica desen-
volveu-se em organelas. Um exemplo de um procarioto moderno vivendo em
uma célula eucariótica é mostrado na Figura 13.
Numa discussão bem futurística, quem sabe, os taxonomistas combinem
os sistemas de três domínios e o de cinco reinos, produzindo ou um sistema
em seis reinos (Bacteria, Archaea, Protista, Fungi, Vegetal e Animal) ou em sete
reinos (Bacteria, Archaea, Algae, Protozoa, Fungi, Plantae e Animalia).

Quadro 1
DIFERENÇAS FUNDAMENTAIS ENTRE OS TRÊS DOMÍNIOS
Características Eubacteria Archaea Eucarya
Membrana nuclear Ausente Ausente Presente
Número de cromossomos 1 1 >1
Celulose (plantas);
Pseudo-peptideoglicano
Parede celular Peptideoglicano a mureína quitina (fungos) e
a pseudomureína
ausente (animais)
Glicerídeos ligados a
Glicerídeos ligados a éster, Isoprenóide; glicerol
Lipídios na parede éster, não ramificado,
não ramificado, saturado diéter ou di-glicerol
celular saturado ou
ou mono-insaturado tetraéter
poli-insaturado
Mitocôndrias
Ausente Ausente Presente
e cloroplastos
Ribossomo 70S 70S 80S
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 21

Figura 13 – Cyanophora paradoxa. Este organismo, onde o protista


hospedeiro e a eubactéria necessitam um do outro para sobrevivência,
fornece um exemplo de com as células eucarióticas devem ter evoluído.
Fonte: BRYANT, 1992 com modificações.

4. Classificação dentro da própria ciência


A Taxonomia vem fornecendo ferramentas para esclarecer a evolução dos
microrganismos, assim como as suas inter-relações. Novos microrganismos
vêm sendo descobertos diariamente, e os taxonomistas continuam a pesqui-
sar um sistema de classificação natural que reflita as relações filogenéticas.
Vale ressaltar, que em virtude dessa rápida expansão e do crescente
volume de informações, hoje a Microbiologia é praticamente subdividida em
cinco setores, que caminham lado a lado, mas que são independentes: Para-
sitologia (estuda protozoários e helmintos), Bacteriologia (estudo das bacté-
rias), Micologia (estudo dos fungos), Ficologia (estudo das algas) e Virologia
(estudo dos vírus).
A organização destes setores não segue uma uniformidade mundial. Na
escola inglesa, a Microbiologia encampa os cinco setores. Já a escola france-
sa reconhece a Parasitologia como um setor separado que também engloba
a Micologia, ficando a Microbiologia com a Bacteriologia, Ficologia e Virologia.
22 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Independentemente da forma de classificação dos microrganismos, a


Microbiologia tem formas comuns para abordá-los, sendo estas característi-
cas alinhadas em tópicos que evidenciam a organização estrutural, a repro-
dução, as vias metabólicas, a capacidade de adaptação e eventos genéticos.

Síntese do capítulo
No presente capítulo foi introduzido o mundo da Microbiologia enfatizando al-
gumas constatações históricas através dos grandes feitos dos pioneiros da
Microbiologia, como Robert Hooke e Antony van Leeuwenhoek, que desen-
volveram os microscópios, tornando viável a observação dos microrganismos.
Em seguida com os trabalhos de Pasteur, houve uma explosão de des-
cobertas na área, período denominado a Idade de Ouro da Microbiologia, os
achados forneceram a base para as descobertas dos séculos XX e XXI.
Discutiu-se, também, as classificações microbianas, tanto o sistema em
cinco reinos, como o sistema de três domínios. Entretanto, deixou-se claro
que novos microrganismos vêm sendo descobertos diariamente, e os taxono-
mistas continuam a pesquisar um sistema de classificação natural que reflita
as relações filogenéticas.

Atividades de avaliação
1. Descreva a importância da Microbiologia e qual seu objeto de estudo.
2. Pesquise os principais feitos científicos de Louis Pasteur.
3. Qual é a finalidade de um sistema taxonômico?
4. Pesquise as técnicas atuais que permitem a classificação de um organismo
e seu posicionamento filogenético.
5. Descreva as regras para a classificação e nomeação dos organismos vivos
no sistema denominado nomenclatura binomial.
6. Por que a técnica de sequenciamento do RNA ribossômico (rRNA) ainda
é tida como o procedimento mais utilizado para determinar o “parentesco”
entre organismos?
7. Pesquise a vida e obra de Carl Woese Richard.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 23

Leituras
WOESE, C.; KANDLER, O.; WHEELIS, M. Towards a natural system of orga-
nisms: proposal for the domains Archaea, Bacteria, and Eucarya. Proc. Natl.
Acad. Sci. USA, v. 87, n. 12, p. 4.576–4.579, 1990.
PARKER, S. Pasteur e os microrganismos. São Paulo: Editora Scipione, 1999.
BRYSON, B. Breve história de quase tudo. São Paulo: Companhia das Le-
tras, 2005.

Sites
Instituto Pasteur: http://www.pasteur.saude.sp.gov.br/

Vida e obra de Anton Antony van Leeuwenhoek: http://inventors.about.


com/gi/dynamic/offsite.htm?site=http://www.ucmp.berkeley.edu/history/leeu-
wenhoek.html

Vídeos
http://www.youtube.com/watch?v=JHZwMxmLHnk&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=3iZo6qy-Wyc&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=RO_MuzLxjUE

Referências
BLACK, J. G. Microbiologia: fundamentos e perspectivas. 4. ed. Rio de Ja-
neiro: Guanabara Koogan, 2002.
BRYANT, D. A. Puzzles of chloroplast ancestry. Current Biology, v. 2, p. 240–
242, 1992.
BURTON, G. R. W.; ENGELKIRK, P. G. Microbiologia para as ciências da
saúde. 7 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.
MADIGAN, M. T.; MARTINKO, J. M.; PARKERT, J. Microbiologia de Brock.
12. ed. São Paulo: Prentice Hall, 2010.
RAVEN, P. H.; EVERT, R. F.; EICHORN, S. E. Biologia vegetal. 6. ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 2001.
24 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

TORTORA, G. J.; FUNKE, B. R.; CASE, C. L. Microbiologia. 8 ed. Porto


Alegre: Artmed, 2005.
WOESE, C.; KANDLER, O.; WHEELIS, M. Towards a natural system of organ-
isms: proposal for the domains Archaea, Bacteria, and Eucarya. Proc. Natl.
Acad. Sci. USA, v. 87, n. 12, p. 4576–9, 1990.
Capítulo 2
Anatomia funcional
das células procarióticas
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 27

Célula procariótica
Objetivos
• Apresentar conceitos relacionados às diferentes formas e arranjos bacterianos.

• Conhecer as principais estruturas bacterianas.


• Diferenciar as bactérias Gram positivas das Gram negativas e conhecer as
principais características da parede celular bacteriana.

1. Introdução
As bactérias são microrganismos procarióticos invisíveis a olho nu, que medem
cerca de 1µm de diâmetro. Apresentam grande superfície, por onde são absor-
vidos nutrientes em comparação com um pequeno volume celular a ser alimen-
tado, fato que explica a alta taxa de metabolismo e crescimento bacteriano.
Apresentam diversas formas, desde as convencionais (esféricas, cilín-
dricas e espiriladas) até as menos comuns, exemplificadas por formas qua-
dradas, estreladas, embainhadas e pedunculados, dentre outras. As bactérias
esféricas são chamadas cocos, podendo ser encontradas na forma ovoide
isolada ou ligadas a outras células. As bactérias cilíndricas são chamadas
bacilos ou bastonetes e variam em tamanho e espessura, podem ter extre-
midades quadradas, arredondadas, afiladas ou pontiagudas (Figura 14). As
bactérias espiraladas ou helicoidais assemelham-se a um saca-rolha, sendo
chamadas também de espirilos (Figura 15).
Além das formas bem definidas, algumas bactérias também podem
apresentar morfologias intermediárias ou “boderlines”, como os cocobacilos.
Este fenômeno é chamado pleomorfismo e pode confundir o microbiologista
fazendo-o pensar que existem duas ou mais espécies bacterianas diferentes
misturadas. Como exemplo temos o gênero Arthrobacter, cujas células mu-
dam de forma à medida que a colônia envelhece.
Além de diferentes formas, as bactérias podem também estar organi-
zadas em variados arranjos, exceto as bactérias espiraladas, que geralmen-
te aparecem como células únicas. As demais bactérias formam arranjos ou
padrões característicos, isso porque as células-filhas podem permanecer li-
gadas à célula de origem durante o processo de reprodução. Estes arranjos
28 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

são utilizados para identificação, pois são típicos para algumas espécies em
particular. Mas nem todas as células de uma determinada espécie estão ar-
ranjadas em um mesmo padrão e para identificação é preciso levar em consi-
deração o arranjo predominante.
Para os cocos os arranjos existentes são: diplococos, estreptococos,
estafilococos, tétrades e sarcinas. Nos diplococos duas células permanecem
unidas, como no o gênero Neisseria. Nos estreptococos vários cocos perma-
necem ligados formando uma cadeia (exemplo: gênero Streptococcus). Nos
estafilococos vários cocos ligam-se entre si formando estruturas semelhantes
a cachos de uva (exemplo: gênero Staphylococcus). Nas tétrades, quatro co-
cos formam um quadrado (exemplo: genêro Micrococcus) e nas sarcinas, oito
cocos formam um cubo (exemplo: gênero Sarcina) (Figura 14).
Para os bacilos, os arranjos que podem ser encontrados são: em paliça-
da, onde células permanecem alinhadas lado a lado (exemplo: gênero Cory-
nebacterium); rosetas (arranjo típico de bacilos aquáticos); estreptobacilos,
onde os bacilos formam cadeias (exemplo: Bacillus) e tricomas, onde os baci-
los formam cadeias mas com grande superfície de contato entre um bacilo e
outro (exemplo: Saprospira) (Figura 14).
A célula procariótica apresenta organização estrutural relativamente sim-
ples quando comparada às células eucarióticas. Seus componentes estruturais
mais comuns: flagelos, pelos ou fímbrias, cápsula, parede celular, membrana
celular, citoplasma, ribossomos, nucleoide, plasmídios e esporos (Figura 16).

Figura 14 – Formas e arranjos de cocos e bacilos.

Figura 15 – Formas helicoidais (es-


pirilos) apresentada por algumas es-
pécies de bactérias.
Fonte: GOOGLE, 2010.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 29

Figura 16 – Estrutura geral de uma célula procariótica.

Saiba mais
A linguagem das bactérias
Até o final dos anos 60 acreditava-se que as bactérias não passavam de células individuais, que
apenas buscavam nutrientes e se multiplicavam. Nas últimas décadas, porém, diversos estudos
mostraram que esses microrganismos podem se comunicar, tanto entre si quanto com células
eucarióticas (as que têm núcleo definido), como as do corpo humano. Verificou-se ainda que,
além de emitir e receber sinais, bactérias também os empregam para agir em grupo e em bene-
fício próprio com certa eficácia.
Esse fenômeno surpreendente foi descoberto em bactérias luminescentes que vivem em órgãos lu-
minosos e intestinos de lulas, peixes e outros animais marinhos. Nos anos 50, cientistas notaram que
a água do mar de praticamente qualquer parte da Terra continha bactérias que, quando cultivadas,
tinham a capacidade de emitir luz. O fenômeno chamou a atenção de diversos grupos de pesquisa
na época e levou ao surgimento de mais uma área da bioquímica, o estudo da bioluminescência... [...]
Fonte: http://vsites.unb.br/ib/cel/microbiologia/artigos/qs.pdf

2. Estruturas externas à parede celular


As estruturas externas à parede celular bacteriana mais frequentes são: flage-
los, pilis ou fímbrias e cápsula.

2.1. Flagelo
Os flagelos são filamentos finos e helicoidais que se estendem da membrana
citoplasmática e atravessam a parede celular até o meio externo (Figura 17)
Medem cerca de 12 a 20 nm de diâmetro. Sua função está relacionada com a
motilidade da bactéria, mas nem todas as espécies bacterianas os possuem,
mas para as que os tem, estes são utilizados para auxiliar na classificação
taxonômica, levando-se em consideração o número e a disposição ao longo
da célula bacteriana.
30 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Os flagelos apresentam em sua estrutura um corpo basal, o gancho e o


filamento. O corpo basal fica entre membrana citoplasmática e parede celular.
O gancho, juntamente com os anéis, adere o flagelo à célula. Os anéis dife-
rem em quantidade para as bactérias Gram positivas e Gram negativas. As
Gram negativas apresentam dois pares de anéis, um par ligado à membrana
plasmática e o outro par ligado à parede celular. As Gram negativas possuem
apenas um par de anéis, um anel junto à membrana plasmática e o outro junto
à parede celular. Os anéis participam do processo de rotação do flagelo.
O filamento do flagelo fica na parte externa à parede celular e é forma-
do por flagelina. Esta proteína é depositada na porção distal, de forma que o
filamento cresce na ponta e não em sua base.
O flagelo exerce a atividade de locomoção funcionando por rotação, se-
melhante a saca-rolhas. Os anéis rotacionam os flagelos estimulados por rea-
ções químicas. E porquê as bactérias tem a necessidade de se locomover? Para
se afastar ou se aproximar de algo, como, por exemplo, luz ou calor, bem como
por meio de estímulo de substância químicas, processo chamado quimotaxia.
A Quimiotaxia capacita a célula em procurar meios mais adequados
para sua sobrevivência, bem como, fugir dos inadequados.

Figura 17 – Estrutura do flagelo em bactérias Gram negativas (A)


e bactérias Gram positivas (B).

Os flagelos podem diferir não só na quantidade, mas também quanto a


sua disposição ao redor da bactéria, sendo classificados como: monotríquios,
anfitríquios, lofotríquios e peritríquios. Nas bactérias monotríquias um único
flagelo é encontrado em uma de suas extremidades, flagelos em ambos os
polos da célula são encontrados nas anfitríquias, já nas lofotríquias dois ou
mais flagelos (tufos) estão dispostos na extremidade da célula.
Por fim, nas bactérias peritríquias são encontradas vários flagelos ao
redor de toda a superfície das mesmas. São exemplos de monotríquios, anfi-
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 31

tríquios, lofotríquios e peritríquias os gêneros Pseudomonas, Spirila, Pseudo-


monas e Escherichia, respectivamente (Figura 18).
As espiroquetas são bactérias que possuem estrutura e motilidade bem
particulares. Uma das espécies mais conhecidas é o Treponema pallidum,
agente causador da sífilis. Este grupo de bactérias apresenta um tipo especial
de flagelo chamado flagelo periplásmico, filamento axial ou endoflagelos. Esta
estrutura se origina em uma das extremidades da célula e se movimenta ao
longo do corpo celular, fazendo um espiral em torno da célula. Este flagelo fica
localizado abaixo da membrana externa ou da parede celular.
Os flagelos diferem também quanto ao tipo de movimento que realizam,
ou seja, monotríquios, anfitríquios e lofotríquios fazem com que a bactéria se
movimente para frente e para trás, apenas mudando o sentido da rotação
do flagelo. Já os peritríquios promovem movimentos de run, neste tipo de
motilidade a bactéria se movimenta em linha reta e quando precisa mudar de
direção, realiza o tumble, ou seja, faz um movimento semelhante a uma cam-
balhota, e em seguida continua em run.

2.2. Pilis ou fímbria


Os pilis ou fímbrias são estruturas filamentosas, não helicoidais, ocas e, quan-
do comparadas aos flagelos, são mais finos, menores, mais retos e presentes
em maior número, podendo variar de um a várias centenas por célula. Suas
funções principais são as de adesão e transferência de material genético. São
compostos pela proteína pilina e atravessam a parede celular para o meio ex-
tracelular.
Existem diferentes tipos morfológicos de pilis associados a diferentes
funções. Um dos pilis mais conhecidos é o Pili F (Figura 18) ou fator de
fertilidade, também conhecido como pili sexual, bastante estudado em E.
coli. As bactérias que o possuem são denominadas F(+), sendo considera-
das doadoras, e as ditas receptoras, que não possuem o Pili F são F(-) ou
receptoras. Esse pili está relacionado a um tipo de relação sexual primitiva
entre as bactérias, um mecanismo de recombinação genética, chamado
conjugação, onde através do pili F, a bactéria F(+) transfere material gené-
tico para bactérias F(-).
32 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Figura 18 – Bactéria apresentando pilo F (Fonte: GOOGLE, 2010).

Outros tipos de pilis estão associados com adesão a superfícies e são


importantes para processos infecciosos, sendo mais especificamente denomi-
nados de fímbrias. A Neisseria gonorrhoeae é um exemplo de espécie que lan-
ça mão de suas fímbrias para aderir ao tecido do hospedeiro durante infecção.

2.3. Cápsula
Algumas bactérias podem apresentar uma camada de material viscoso que
a circunda, formada por grandes polímeros, chamada de cápsula ou camada
limosa (Figura 19) de acordo com suas características. Esta estrutura é invisí-
vel ao microscópio sendo visualizada apenas com a utilização de colorações
negativas ou contra-colorações como a tinta da china.

Figura 19 – Bactérias capsuladas coradas por coloração negativa


Fonte: TORTORA et al., 2005.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 33

Na cápsula ou glicocálice, o material é bem organizado e firmemente


aderido à parede celular, podendo ser formada de polissacarídeos e/ou poli-
peptídeos. Existem as chamadas cápsulas homopolissacarídea e heteropo-
lissacarídea, ambas formadas por uma rede de finos fios de polissacarídeos.
A homopolissacarídea é formada por apenas um tipo de polissacarídeo e já a
heteropolissacerídea é formada por dois ou mais açúcares. A cápsula forma-
da de polipeptídios pode ser encontrada na espécie Bacillus anthracis, forma-
da por um polímero de ácido glutâmico.
A camada limosa é desorganizada e frouxamente aderida à parede celu-
lar, sendo solúvel em água. As bactérias que apresentam este tipo de cápsula
são um inconveniente para as indústrias, pois formam lodo nos equipamentos.
Dentre as funções da cápsula, destacam-se: evitar ou dificultar os
mecanismos de fagocitose, aderência, evitar dessecamento e atuar como
reservatório de alimento. Esta estrutura quando presente está associada
ao aumento da virulência dos microrganismos, um exemplo é o Strepto-
coccus pneumoniae, que causa pneumonia somente quando as células
apresentam a cápsula de mucopolissacarídeo. As células de S. pneumo-
niae que não possuem cápsula não são patogênicas, pois são fagocitadas
logo ao invadir o hospedeiro.

3. A parede celular
A parede celular é uma estrutura rígida que envolve as bactérias. É respon-
sável pela forma bacteriana e pela sua proteção, pois impede a expansão e
rompimento celular por entrada excessiva de água. A parede celular difere
entre as bactérias em espessura e composição e suas características estru-
turais ajudam a identificar e classificar as bactérias, bem como, explicam o
comportamento diante da coloração de Gram.
A parede celular é essencial para o crescimento e divisão da célula,
podendo corresponder a cerca de 10 a 40% do peso seco da célula. Quanto
às suas propriedades e composição química, as paredes celulares não são
estruturas homogêneas, elas variam de acordo com o tipo de bactéria.
Nas eubactérias e arqueobactérias Gram negativas a parede celular é
mais fina que nas Gram positivas. Nas eubactérias, o principal componente da
parede celular e que determina sua forma é o peptideoglicano (também cha-
mado mureína), que é um polímero poroso e insolúvel de grande resistência.
Trata-se de uma macromolécula simples, encontrada apenas em procariotos
e que forma uma rede em torno da célula. O peptideoglicano contém três
tipos de unidades estruturais básicas: 1) N-acetilglicosamina (NAG); 2) ácido
N-acetilmurâmico (NAM) e 3) um tetrapeptídeo contendo D-aminoácidos.
34 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Para formar a rede ao redor da célula bacteriana ligações cruzadas são


formadas entre os tetrapeptídeos com auxílio das enzimas autolisinas. Alguns
antibióticos como a penicilina atuam inibindo a formação das ligações cruza-
das entre os tetrapeptídeos, inibindo assim a formação da parede celular e
causando a morte da bactéria.
As paredes celulares das arqueobactérias diferem das eubactérias em
espessura e composição química. Elas são formadas por proteínas, glicopro-
teínas ou polissacarídeos complexos, mas não contêm peptideoglicano, pois
não possuem ácido N-acetilmurâmico e D-aminoácidos.
As paredes celulares de algumas bactérias Gram positivas e Gram ne-
gativas, pertencentes às arqueobactérias ou eubactérias, possuem uma ca-
mada externa de proteínas. Sua função não é bem conhecida, mas em Gram
negativas protege contra o ataque de bactérias predadoras.
A parede celular também funciona como uma barreira evitando a entra-
da e saída de algumas substâncias, prevenindo a evasão de certas enzimas e
o influxo de substâncias que poderiam causar danos à célula.
A parede celular das eubactérias Gram positivas apresenta uma maior
quantidade de peptideoglicano quando comparada as eubactérias Gram ne-
gativas e por isso sua parede é muito espessa, representando 50% ou mais
do peso da parede de algumas espécies Gram positivas, mas somente 10%
da parede de Gram negativas. Além do peptideoglicano é possível encontrar
ácidos tecoicos na parede de eubactérias Gram positivas. Os ácidos tecoicos
são polímeros de glicerol e ribitol fosfatos e encontram-se ligados ao peptide-
oglicano ou à membrana plasmática (Figura 20).

Figura 20A – Parede celular de bactérias Gram positivas.


Fonte: GOOGLE, 2010.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 35

Figura 20B – Bactérias Gram negativas.


Fonte: GOOGLE, 2010.
3
Parede celular
As eubactérias Gram negativas possuem parede celular3 mais comple- e coloração de Gram
xa que as Gram positivas. Há a presença de uma membrana externa cobrin- A diferença na coloração
do uma fina camada de peptideoglicano. Esta camada de peptideoglicano é de Gram entre bactérias
Gram + e bactérias Gram - é
encontrada no espaço periplasmático, que fica entre a membrana citoplas-
relativa a sua resistência ao
mática e a membrana externa. Este espaço não existe nas bactérias Gram descoramento pelo álcool.
positivas, assim como a membrana externa. Quando uma bactéria
Gram - é tratada com
Parede celular e coloração de Gram: A diferença na coloração de Gram
etanol, o lipídeo presente
entre bactérias Gram + e bactérias Gram - é relativa a sua resistência ao des- na membrana externa é
coramento pelo álcool. Quando uma bactéria Gram - é tratada com etanol, o dissolvido e removido,
lipídeo presente na membrana externa é dissolvido e removido, isto rompe a isto rompe a membrana
externa e aumenta sua
membrana externa e aumenta sua permeabilidade. Assim, o complexo forma-
permeabilidade. Assim, o
do por cristal violeta e iodo é removido, descorando a bactéria Gram -, que complexo formado por cristal
pode ser então tingida pelo contracorante que é a fucsina. Já em bactérias violeta e iodo é removido,
Gram + o etanol promove a contração entre os filamentos de peptideoglicano descorando a bactéria Gram
-, que pode ser então tingida
da parede, fechando os poros da parede e retendo o complexo cristal violeta-
pelo contracorante que é
iodo no interior da célula. a fucsina. Já em bactérias
A membrana externa funciona como uma barreira seletiva que controla Gram + o etanol promove a
contração entre os filamentos
a passagem de algumas substâncias para dentro e para fora da célula. Pode
de peptideoglicano da
ainda causar efeitos tóxicos sérios em seres humanos e animais infectados. parede, fechando os poros da
Estruturalmente a membrana externa é semelhante a membrana plas- parede e retendo o complexo
cristal violeta-iodo no interior
mática, ou seja, é formada por uma bicamada de fosfolipídeos, com sua face
da célula.
apolar voltada para dentro e face polar voltada para fora. Está ancorada ao
peptideoglicano por uma lipoproteína, uma molécula composta por uma pro-
teína e um lipídio.
36 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Além dos fosfolipídios, são encontrados na membrana externa da parede,


proteínas e lipopolissacarídios (LPS). Os lipopolissacarídios são característicos
de bactérias Gram negativas, não sendo encontrados em Gram positivas. Os
LPS ocorrem somente na membrana externa e são compostos por um lipídio
(Lipídio A), cerne do polissacarídio, localizado na superfície da membrana, e
antígenos O, que são polissacarídeos que se estendem como pelos a partir da
superfície da membrana em direção ao meio extracelular (Figura 21).
O lipídio A, composto por ácidos graxos saturados e não de fosfolipí-
dios, é conhecido como uma endotoxina, podendo atuar como um veneno,
causando febre, diarreia, destruição das células vermelhas do sangue e cho-
que potencialmente fatal em hospedeiros infectados.

Figura 21 – Estrutura do lipopolissacarídio presente na membrana externa


de células procarióticas.

Os antígenos O são responsáveis por muitas das propriedades soroló-


gicas das bactérias que contém LPS. Eles também servem como sítios para
adsorção de bacteriófagos pelas células bacterianas.
A membrana externa tem sua permeabilidade controlada sendo perme-
ável a purinas e pirimidinas, dissacarídeos, peptídios e aminoácidos. As molé-
culas passam através de canais de difusão formados por proteínas chamadas
porinas, que atravessam a membrana externa.
Algumas proteínas da membrana externa também servem como sítios
receptores para adsorção de bacteriófagos e bacteriocinas, que são proteínas
produzidas por algumas bactérias que inibem ou matam espécies bacterianas
intimamente relacionadas. As proteínas da membrana externa, incluindo porinas
e receptoras, são geralmente chamadas de Omp (outer-membrane proteins).

4. Estruturas internas à parede celular


As estruturas encontradas no interior das células procarióticas mais comuns
são: membrana plasmática, citoplasma, área nuclear, ribossomos, inclusões
e endósporos.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 37

4.1. Membrana plasmática


A membrana plasmática ou citoplasmática dos procariotos é formada princi-
palmente por fosfolipídios e proteínas. Difere das células eucarióticas porque
não possui esteróis e por isso são menos rígidas. Assim como nos eucariotos,
a membrana apresenta uma dupla camada de fosfolipídios, cada molécula de
fosfolipídio contendo uma cabeça polar, que fica localizada nas duas super-
fícies da camada dupla de fosfolipídios, e uma cauda apolar, encontradas no
interior da membrana.
As proteínas podem estar distribuídas em uma variedade de formas,
algumas denominadas proteínas periféricas que ficam situadas na superfí-
cie externa ou interna da membrana. Elas funcionam como enzimas, servem
como suporte e como mediadores das alterações na forma da membrana
durante movimento.
Existem também as chamadas proteínas integrais que penetram comple-
tamente na camada dupla da membrana plasmática, sendo denominadas pro-
teínas transmembranas. Este grupo de proteínas funciona como canais pelos
quais as substâncias entram e saem da célula. O arranjo dinâmico de fosfolipí-
dios e proteínas da membrana é denominado modelo do mosaico fluido.
A principal função da membrana plasmática é servir como uma bar-
reira seletiva através da qual os materiais entram e saem da célula. Ela
tem permeabilidade seletiva. As membranas plasmáticas também são im-
portantes para a digestão de nutrientes e produção de energia. Vista ao
microscópio eletrônico as membranas bacterianas apresentam invagina-
ções grandes e irregulares denominadas mesossomos, cujas reais funções
ainda são desconhecidas.

4.2. Citoplasma
Cerca de 80% do citoplasma é composto por água, contendo também pro-
teínas, carboidratos, lipídios, íons orgânicos e compostos de peso molecular
muito baixo. O citoplasma é espesso, aquoso, semitransparente e elástico. As
estruturas presentes no citoplasma são área nuclear, contendo DNA, ribosso-
mos e depósitos de reserva denominados inclusões. Diferente do citoplasma
de células eucarióticas, o citoplasma de células procarióticas não possui cito-
esqueleto e correntes citoplasmáticas.

4.3. Nucleoide
O nucleoide ou área nuclear de uma célula bacteriana é formado por uma
única molécula longa, contínua, arranjada de forma circular de DNA de dupla
fita, que é o cromossomo bacteriano. Esta molécula de DNA contém todas
as informações necessárias para a estrutura e as funções celulares. O cro-
38 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

mossomo bacteriano não é envolto por uma membrana nuclear e não possue
histonas mas esta fixado a membrana plasmática.
Além do cromossomo é possível encontrar pedaços de DNA circulares
livres no citoplasma da célula bacteriana denominados de plasmídios, os quais
não estão conectados ao cromossomo e se replicam de forma independente.
Podem conter de 5 a 100 genes que geralmente não são determinan-
tes para a sobrevivência da bactéria em ambientes normais, mas lhes confe-
rem características que permitem sobreviver em ambientes adversos como na
presença de antibióticos, pois podem transportar genes para atividades como
resistência aos antibióticos, tolerância a metais tóxicos, produção de toxinas e
síntese de enzimas. Os plasmídios podem ser ganhos ou perdidos sem causar
danos para as células, podendo ser transferidos de uma bactéria para outra.

4.4. Ribossomos
Os ribossomos estão presentes em células eucarióticas e procarióticas e em
ambas servem como local para síntese protéica. São compostos por duas
subunidades, cada qual contendo uma proteína e um tipo de RNA chamado
RNA ribossômico (RNAr).
Os ribossomos procarióticos diferem dos eucarióticos no número de
proteínas e moléculas de RNAr que eles contém, por isso os ribossomos pro-
carióticos são denominados 70S e os das células eucarióticas 80S. A letra
S refere-se às unidades Svedberg, que indicam a velocidade relativa de se-
dimentação durante a centrifugação em velocidade ultraelevada, velocidade
esta que é influenciada pelo tamanho, peso e forma de uma partícula. As su-
bunidades de um ribossomo 70S são uma pequena subunidade 30S, con-
tendo uma molécula de RNAr, e uma subunidade maior 50S, contendo duas
moléculas de RNAr (Figura 22)

Figura 22 – Subunidades do ribossomo bacteriano


Fonte: GOOGLE, 2010.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 39

4.5. Inclusões citoplasmáticas


As inclusões presentes nos citoplasmas das células procarióticas são tipos de
depósitos de reserva, isso porque a célula pode acumular certos nutrientes para
usá-los quando os mesmos estão escassos no ambiente. Estas inclusões po-
dem servir como base para identificação de diferentes espécies de bactérias.
As inclusões podem resultar do acúmulo de fosfato inorgânico, forman-
do os chamados grânulos metacromáticos. Existem grânulos de polissaca-
rídios, compostos de glicogênio e amido, inclusões lipídicas, que aparecem
em várias espécies de bactérias como Mycobacterium, Bacillus, entre outros.
Há ainda os grânulos de enxofre e os chamados carboxissomos, que
são inclusões contendo a enzima ribulose 1,5-difosfato carboxilase, presentes
em bactérias nitrificantes, nas cianobactérias e nos tiobacilos. Os vacúolos de
gás são cavidades ocas formadas por muitas bactérias aquáticas, este tipo
de inclusão mantém a flutuação para que as células possam permanecer na
profundidade apropriada da água recebendo quantidades suficientes de oxi-
gênio, luz e nutrientes. Por fim, os magnetossomos são inclusões de óxido de
ferro (Fe3O4), formado por várias bactérias Gram negativas.

4.6. Endósporos
Algumas espécies de bactérias produzem formas latentes chamadas de es-
poros que podem resistir a condições desfavoráveis, tais como dessecamen-
to e calor. Estas formas de repouso são metabolicamente inativas, mas não
inviáveis, pois em condições ambientais ideais eles podem germinar (voltar a
crescer) e tornar-se células vegetativas metabolicamente ativas, capazes de
crescer e se multiplicar novamente.
Os endósporos, que são esporos que se formam dentro da célula, são
exclusivos das bactérias. Eles possuem parede celular espessa e são alta-
mente refratáveis e resistentes as mudanças ambientais. Variam em forma e
localização dentro da célula, podendo ser classificados como terminais, sub-
terminais e centrais. São frequentes nos gêneros Clostridium e Bacillus.
As bactérias que produzem endósporos são um problema na indústria
alimentar e para saúde, pois como são resistentes ao calor e dessecamen-
to intensos, bem como a exposição a compostos químicos tóxicos, podem
sobreviver a procedimentos de processamento inadequados em alimentos,
podendo causar quadros clínicos como o botulismo.
40 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Síntese do capítulo
A leitura desse capítulo proporciona o conhecimento acerca das principais
formas das bactérias, bem como elas se agrupam, podendo formar arranjos
de células ou serem encontradas individualizadas.
Além disso, esse capítulo aborda a anatomia das bactérias, mostrando
as principais estruturas bacterianas relacionadas à locomoção, reprodução,
adesão aos tecidos do hospedeiro ou meio ambiente, proteção e outras fun-
ções fisiológicas.
A parede bacteriana também é discutida aqui, onde se diferenciam as
paredes das células Gram positivas e negativas, relacionando os principais
componentes moleculares às suas respectivas funções.

Atividades de avaliação
1. Descreva a estrutura geral de uma célula procariótica.
2. Diferencie os flagelos bacterianos dos flagelos das células eucarióticas.
3. Como se dá o processo de transferência de plasmídios entre bactérias e
como isso se relaciona com o aparecimento de resistência bacteriana aos
diversos antibióticos?
4. Cite as diferenças entre a parede celular de bactérias Gram positivas e
Gram negativas.
5. Endósporos bacterianos de Bacillus subtilis são comumente usados como
teste de eficácia de algum processo de esterilização, principalmente a au-
toclavação. Discorra sobre essa utilização e seu princípio.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 41

Leituras
KOCH, A. L. Bacterial Wall as Target for Attack: Past, Present and Future Re-
search. Clinical Microbiology Reviews. v. 16. n. 4. 2003, p. 673–687.

Vídeos
http://www.youtube.com/watch?v=MgjYSJGAKBU
http://www.youtube.com/watch?v=lwzNOdF7L2c

Referências
BLACK, J. G. Microbiologia: Fundamentos e Perspectivas. 4. ed. Rio de Ja-
neiro: Guanabara Koogan, 2002.
KRIEG, N. R.; HOLT, J. G. Bergey’s manual of systematic bacteriology. 9
th. Baltimore: Williams & Wilkins, 1984.
PELCZAR, J. P., CHAN, E. C. S.; KRIEG, N. R. Microbiologia: conceitos e
aplicações. 2. ed. São Paulo: MAKRON Books do Brasil, 1997. v. 1 e 2.
PINHEIRO, A. F. Nova bactéria revoluciona as bases da vida. Disponível
em: <http://www.biologando.com.br/?p=520>. Acesso em: 07 jan. 2010.
TORTORA, G. J.; FUNKE, B. R.; CASE, C. L. Microbiologia. 8. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2004. 920 p.
Capítulo 3
Métodos de diagnóstico
microbiológico
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 45

Objetivos
l Apresentar os conceitos relacionados à Biossegurança em laboratórios de
Microbiologia, descrevendo a postura e cuidados necessários para um tra-
balho seguro.
l Conhecer as principais colorações que permitem a visualização das células
bactérias e seu estudo por microscopia.
l Descrever os principais métodos de diagnósticos em Microbiologia e listar
os principais passos do processamento manual de amostras microbiológi-
cas na rotina do laboratório.

1. Introdução
Laboratórios são essenciais em institutos de pesquisa, hospitais, universida-
des, escolas e em vários outros locais. Nesses ambientes é preciso seguir
normas de segurança e conduta, visando evitar acidentes que comprometam
o funcionamento adequado das instalações do laboratório e a proteção das
pessoas que o frequentam.
Grande parte dos acidentes que envolvem profissionais de saúde e téc-
nicos laboratoristas acontece devido à não observância de um conjunto de
normas que visam manter a segurança, evitar acidentes e padronizar o fun-
cionamento de um laboratório. Esse conjunto de normas é chamado de BPL
(Boas Práticas Laboratoriais).

Saiba mais
Microscopia: A ciência do mundo-micro
Nem todos os seres são possíveis de serem visualizados a olho nu. Alguns de vocês conseguiriam
visualizar melhor com a ajuda de uma lupa, no entanto, outros ainda continuariam invisíveis aos
seus olhos. Por muito tempo os seres humanos ignoraram a existência de um mundo microscó-
pico e invisível.
Imagine a excitação sentida pelo holandês Antonyvan Leeuwenhoek em 1674, quando ele,
pela primeira vez, olhou cheio de curiosidade através das lentes de seu rudimentar microscópio
cuidadosamente posicionado sobre uma gota d’agua e descobriu um mundo com milhões de
pequenos “animáculos”- como ficou denominado por ele aqueles minúsculos seres...
Fonte: http://biointerativa.com/tag/Microbiologia/
46 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

3
Em 1995 foi estabelecida 2. Biossegurança
a Lei Brasileira de
Biossegurança - Lei 8.974/95 Biossegurança3 é o principal termo utilizado quando se fala em Boas Práticas
– relacionando o trabalho Laboratoriais. Na década de 1970, a Organização Mundial de Saúde definiu
com DNA recombinante no
biossegurança como sendo “práticas preventivas para o trabalho com agen-
Brasil à saúde do homem,
animais e meio ambiente e tes patogênicos para o homem”. Com o passar do tempo, à definição foram
em 2005 foi criado através da agregados termos que tratavam de ética em pesquisa, meio ambiente, pro-
Lei 11.10/2005, o Conselho cessos envolvendo DNA recombinante e até substâncias radioativas.
Nacional de Biossegurança
que estabelece normas de A definição de biossegurança pode ser adaptável à realidade e época
segurança e fiscalização onde está inserida, mas de uma maneira geral é “o conjunto de ações voltadas
de atividades que para a prevenção, minimização ou eliminação de riscos inerentes às ativida-
envolvam Microrganismos
des de pesquisa, produção, ensino, desenvolvimento tecnológico e prestação
Geneticamente Modificados
(OGM) e seus derivados. de serviços, visando à saúde do homem, dos animais, a preservação do meio
ambiente e a qualidade dos resultados” (TEIXEIRA; VALE, 1996).

2.1. Níveis de biossegurança


Atividades práticas de Microbiologia em laboratório incluem uma série de cuida-
dos que vão desde a paramentação adequada dos profissionais, passando pela
correta utilização dos equipamentos até o manuseio seguro de amostras biológi-
cas que podem conter microrganismos. Existem inúmeras espécies de microrga-
nismos, e cada uma delas é classificada quanto ao seu grau de periculosidade.
Para tanto, existem quatro classes de risco biológico que incluem des-
de microrganismos avirulentos até os mais potencialmente perigosos. Essas
classes são utilizadas para designar os níveis de biossegurança, que são me-
didas de contenção e cuidado que os laboratórios devem adotar em suas
instalações e pesquisas, e estão representados em quatro níveis (NB1 a NB4,
em ordem crescente de complexidade). Assim, quanto mais virulento e perigo-
so é o microrganismo, maior o nível de biossegurança que deve ser adotado.
A classe de risco 1 representa baixo risco individual e para a cole-
tividade e inclui os agentes que não possuem capacidade comprovada de
causar doença em pessoas ou animais sadios, como Bacillus subtilis. Os
laboratórios de ensino básicos estão incluídos no nível de biossegurança 1
(NB1), onde são manipulados microrganismos pertencentes à esta classe.
Normalmente para este nível, as atividades são conduzidas em bancadas,
com adoção das boas práticas laboratoriais (BPL), e equipamentos de prote-
ção individual geralmente não são exigidos. Desse modo, faz-se necessário
apenas que o pessoal do laboratório tenha treinamento adequado às ativida-
des exercidas e seja supervisionado por um profissional com conhecimentos
específicos em biossegurança.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 47

A classe de risco 2 representa moderado risco individual e limitado ris-


co para a comunidade, incluindo os agentes que podem causar doença no
homem ou animais, mas não apresentam riscos sérios para os profissionais
do laboratório, para a comunidade, para animais e para o meio ambiente, tais
como S. aureus, E. coli, Salmonella sp., Shigella sp., Aspergillus sp., Penicillium
sp., Rotavírus e Adenovírus. O nível de biossegurança 2 (NB2) está relaciona-
do ao trabalho com os microrganismos referentes à essa classe, e aplica-se a
laboratórios ou hospitais de níveis primários de diagnóstico, sendo necessário
considerar que o pessoal do laboratório tenha um nível de treinamento adequa-
do ao manejo dos microrganismos acima citados, bem como o uso de barrei-
ras primárias individuais e de cabine de segurança biológica em determinadas
situações que possibilitem a formação de aerossóis contaminantes.
A classe de risco 3 é caracterizada por representar alto risco individual
e baixo risco para a comunidade, onde os agentes são causadores de doen-
ças graves em humanos ou animais, mas que podem ser tratadas e represen-
tam risco baixo para a comunidade e para o meio ambiente, como Clostridium
botunilum, Mycobacterium tuberculosis, cepas conhecidamente patogênicas
de E. coli, Histoplasma capsulatum, Coccidioides sp., Arenavírus e Hantaví-
rus. Nesta classe estão incluídos os laboratórios de nível de biossegurança
3 (NB3), que possuem instalações adequadas de contenção, onde o pessoal
do laboratório deve possuir treinamento específico para manejo de agentes
patogênicos e potencialmente letais, além de se fazer necessário o uso de
equipamentos de proteção individuais adequados e cabine de segurança bio-
lógica dotada de filtros apropriados.
Já a classe de risco 4 apresenta um alto risco individual e coletivo, in-
cluindo agentes causadores de doenças de alta gravidade e capacidade de
disseminação, como o vírus Ebola. Laboratórios que operam em nível de bios-
segurança 4 (NB4), ou contenção máxima, são dotados de um aparato de segu-
rança completamente diferenciado e estão sob controle direto das autoridades
de vigilância sanitária. As instalações devem estar localizadas em um local se-
parado, com acesso restrito e rigorosamente controlado. O trabalho nesse tipo
de laboratório requer treinamento específico e diferenciado, trajes de contenção
especiais, máscaras de proteção com filtros potentes e complexas soluções de
segurança, dado o extremo risco dos microrganismos manipulados.

3. Equipamentos de proteção individual e coletiva


A rotina de trabalho em qualquer laboratório de Microbiologia exige que to-
dos adotem medidas de proteção para manterem-se seguros frente à bioae-
rossóis contaminantes, reagentes tóxicos e amostras clínicas contaminadas.
Para tanto, faz-se necessário o uso de equipamentos que visam proteger ou
minimizar o risco do trabalho laboratorial. Tais equipamentos podem ser de
utilização individual ou coletiva.
48 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Equipamento de proteção individual (EPI) é todo dispositivo de uso indi-


vidual que visa proteger a integridade física e a saúde do profissional, agindo
como uma barreira entre a amostra e o manipulador. Luvas, jaleco ou avental,
óculos de proteção, máscaras, calçados e toucas são exemplos comuns de
EPI´s utilizados na rotina de laboratórios de Microbiologia.
Equipamento de proteção coletiva (EPC) são equipamentos que visam
a segurança de todos os trabalhadores do laboratório, desde os que manipu-
lam alguma amostra infecciosa até o pessoal da limpeza. Cabine de segu-
rança biológica, lava-olhos, extintores de incêndio e capela de exaustão são
exemplos de equipamentos que protegem a coletividade.

4. Boas práticas laboratoriais


As regras e recomendações para uma postura correta são necessárias para
evitar acidentes e erros na rotina de qualquer laboratório. Para tanto, todos de-
vem ter responsabilidade no seu trabalho e zelar pela segurança coletiva, evi-
tando quaisquer atitudes que provoquem danos. Atenção, responsabilidade,
zelo, concentração, senso comum e planejamento são condições indispensá-
veis durante a permanência nas instalações laboratoriais. Dentre as principais
regras universais de boas práticas laboratoriais, destacam-se:
● Usar sempre os equipamentos de proteção individual adequados ao trabalho
realizado, como por exemplo não manipular amostras biológicas sem luvas
e avental de proteção. Atenção especial deve ser dada às amostras que
possam produzir aerossóis, sendo necessário o uso de máscara e óculos
de proteção;
● Jamais beber, comer ou fumar no laboratório;
● Cabelos longos devem ser amarrados;
● Não devem ser utilizados adornos como lentes de contato, relógios, pulsei-
ras, anéis e similares;
● Líquidos não devem ser pipetados com a boca. Use pipetadores para tal;
● Calma e concentração são itens indispensáveis em qualquer laboratório.
Portanto, evite correr nas dependências, principalmente se estiver carre-
gando algum reagente perigoso. Em caso de acidente, mantenha a calma,
desligue os aparelhos próximos, realize combate à incêndio se houver e
procure ajuda especializada. Também é importante evitar trabalhar sozinho
e em horários não convencionais;

5. Sinalização em laboratórios
Para auxiliar na segurança do laboratório, existem sinalizações padronizadas
(Figura 23) que devem ser seguidas por todos os trabalhadores. Desse modo,
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 49

são apresentados a seguir os principais símbolos utilizados nas dependências


de um laboratório:

Figura 23 – Principais símbolos de advertência utilizados em laboratórios de Microbiologia.


Fonte: GOOGLE, 2011.

As normas de conduta em laboratório citadas nesta página são apenas


algumas das muitas recomendações que devem ser seguidas. Para uma leitura
mais abrangente, sugerimos a consulta do Manual de Boas Práticas de Labora-
tório e do Guia de Biossegurança em Laboratórios Biomédicos e Microbiologia
da ANVISA, disponíveis no site: http://www.anvisa.gov.br/reblas/publica.htm

6. Diagnóstico microbiológico por métodos clássicos 5


As normas de conduta em
laboratório citadas nesta
Agora que você já conhece as principais recomendações5 de trabalho em página são apenas algumas
ambiente de laboratório, podemos avançar no estudo prático dos microrganis- das muitas recomendações
que devem ser seguidas.
mos. Para estudo e investigação de bactérias, fungos ou vírus, faz-se neces-
Para uma leitura mais
sário a visualização, identificação e o cultivo dos mesmos. abrangente, sugerimos a
Quando uma amostra biológica é encaminhada ao laboratório de Micro- consulta do Manual de Boas
Práticas de Laboratório e do
biologia, alguns passos são seguidos para a sua correta identificação. Anali-
Guia de Biossegurança em
ticamente, a observação de células bacterianas, elementos fúngicos (tanto Laboratórios Biomédicos e
miceliais quanto leveduriformes), parasitas e partículas virais podem forne- Microbiologia da ANVISA,
cer informações suficientes para a suspeição de diagnóstico imediato. Desse disponíveis no site: http://www.
anvisa.gov.br/reblas/publica.
modo, a primeira etapa é a microscopia, realizada por exame direto ou com o
htm
auxílio de colorações.
Os métodos para exame direto são os mais simples, e constituem em
suspender a amostra em uma lâmina de microscopia com solução salina ou
hidróxido de potássio (KOH), cobrir com uma lamínula e visualizar em micros-
cópio. O segundo passo é realizar uma coloração que pode ser primária, dife-
rencial, ácido-resistente, ou fluorescente, a depender da amostra em estudo.
50 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

7. Principais colorações usadas em Microbiologia


A observação de amostras biológicas ao microscópio óptico necessita, na
maioria dos casos, de algum método que aumente o contraste do material,
que é normalmente muito translúcido. Este contraste pode ser aumentado
utilizando-se alguns tipos de microscópios ópticos com maneiras diferentes
de tratar o feixe luminoso gerando contraste em diferentes áreas do material
biológico ou por colorações.
O microscópio óptico composto de campo claro é o mais utilizado para
a observação de microrganismos. No entanto, a observação de material bio-
lógico neste tipo de microscópio exige a utilização de métodos de coloração.
Basicamente existem corantes simples e corantes específicos que são utiliza-
dos para distinguir diferentes tipos de material (lipídios, carboidratos ou prote-
ínas) ou associação de diferentes materiais (Figura 24).

Figura 24 – Tipos de colorações utilizadas em micros-


copia óptica para visualização de microrganismos.

7.1. Tipos de colorações


● Coloração simples
As colorações simples podem ser positivas ou negativas. A coloração simples
positiva utiliza apenas um corante para constatação da presença de microrga-
nismo em alguma amostra ou substrato. É baseada na utilização de corantes
carregados positivamente que se ligam às cargas negativas da superfície de
células e de material nucléico.
O Quadro 2 mostra alguns exemplos de corantes simples utilizados na
Microbiologia.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 51

Quadro 2

CORANTES UTILIZADOS EM COLORAÇÕES SIMPLES POSITIVAS


Tipo de corante básico Tempo de fixação
Azul de metileno 1-2 minutos
Cristal violeta 20-60 segundos
Carbolfucsina 15-30 segundos

O Giemsa é um corante muito utilizado para visualização de protozoá-


rios (Figura 25A), é comprado concentrado e deve ser diluído em água para
uma concentração de 20%. Este tipo de coloração permite apenas a visu-
alização da forma do microrganismo o que em alguns tipos de estudo já é
suficiente, como na pesquisa do fungo dimórfico Histoplasma capsulatum que
parasita células sanguíneas. Já o azul de metileno é bastante utilizado para
visualização de estruturas fúngicas, conforme mostra a Figura 25B.
Nas colorações simples negativas o corante é acídico e repelido pela
carga negativa da superfície de células. A lâmina de vidro sobre a qual está o
material a ser observado ficará corada enquanto o microrganismo aparecerá
mais claro, dando a idéia de um negativo fotográfico. Este tipo de coloração tem
sido muito utilizado para demonstração de cápsulas mucoides que envolvem
algumas espécies de bactérias e fungos como o Cryptococcus neoformans.

A B
Figura 25 A. – Protozoários (Trypanosoma cruzi) corados pelo Gimsa; B. Estrutura
fúngica corada com azul de metileno
Fonte: GOOGLE, 2010 e medmicro.wisc.edu.

Na coloração negativa pode ser utilizada a tinta nanquim ou a nigrosina.


Estes corantes não conseguem penetrar o microrganismo, de forma que a
coloração deve ser feita misturando o microrganismo diretamente ao corante.
Este preparado não pode ser aquecido, pois o calor danificaria a cápsula caso
ela esteja presente.
A detecção de cápsula em amostras clínicas de pacientes com doenças
infecciosas é importante, pois a presença dessa estrutura está associada à viru-
lência do microrganismo envolvido, pois ajuda na adesão aos tecidos, evita fago-
citose do mesmo e sua destruição por células do sistema imune do hospedeiro.
52 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

● Coloração diferencial
Nas colorações diferenciais são empregados dois corantes contrastantes que
vão gerar colorações diferentes em grupos distintos de bactérias. As colo-
rações diferenciais visam separar grupos de bactérias e a visualização de
estruturas particulares de alguns grupos de bactérias. As duas técnicas de
colorações diferenciais mais utilizadas para classificação de bactérias são o
método de Gram e a coloração de Ziehl-Neelsen.
Para visualização de estruturas particulares existem a coloração de
endósporos conhecida como técnica de Schaeffer-Fulton, a coloração para
flagelos, cápsulas e material nuclear. Neste tipo de coloração, os corantes se
ligam apenas a determinadas porções da célula, facilitando sua visualização,
sendo consideradas especiais.
Devido a sua extensa utilização e importância para Microbiologia a co-
loração de Gram será detalhada a seguir.

● Coloração de Gram
A coloração de Gram foi desenvolvida em 1884, pelo bacteriologista dinamar-
quês Hans Christian Gram. Ele descreveu esta técnica enquanto pesquisava
uma maneira para mostrar a bactéria pneumococo em tecido pulmonar de pa-
cientes que morreram de pneumonia. Esta coloração separa as bactérias em
dois grandes grupos: as Gram positivas e as Gram negativas, com base nas
diferenças estruturais existentes na parede celular destes microrganismos.
Neste tipo de coloração são utilizados quatro reagentes: cristal violeta
como corante primário, lugol que é um mordente, álcool a 95% utilizado como
um descolorante/agente diferenciador e, por fim, a fucsina que é o contraco-
rante. Para realização da coloração de Gram inicialmente é colocado sobre
um esfregaço contendo os microrganismos e previamente fixado pelo calor, o
corante primário que é o cristal violeta.
Este corante irá corar todas as bactérias com a cor roxa. Em seguida, as
células são recobertas por uma solução de iodo/lugol que age como um mor-
dente que é qualquer substância que forma um complexo insolúvel quando se
liga ao corante primário, formando-se então um complexo cristal violeta-iodo no
interior dos microrganismos.
As lâminas contendo o esfregaço são então lavadas com etanol 95%,
que é um agente descolorante, que descora seletivamente alguns tipos de cé-
lulas. O álcool é então removido por lavagem em água e as bactérias descora-
das são coradas pela fucsina (contracorante). As bactérias Gram positivas se-
rão coradas pelo cristal violeta e adquirem a cor púrpura (roxo), já as bactérias
Gram negativas apresentaram coloração cor-de-rosa, pois serão coradas pela
fucsina. As etapas do procedimento estão resumidas na Figura 26.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 53

Figura 26 – Sequência de procedimentos utilizados na coloração de Gram.

O princípio da técnica está baseado na diferença de espessura e estrutu-


ra da parede celular de bactérias Gram positivas e Gram negativas e na capaci-
dade destas paredes em reterem os corantes utilizados. As bactérias Gram po-
sitivas possuem uma parede celular com espessa camada de peptideoglicano,
diferente da parede das bactérias Gam negativas, que possuem fina camada de
peptideoglicano e uma membrana externa de natureza lipídica.
O complexo formado pelo cristal violeta e pelo iodo cora, a princípio, os
dois tipos de células. Durante a utilização do álcool é que a diferença na com-
posição da parede celular das bactérias será de extrema importância, pois o
álcool terá duas funções: dissolver lipídios e desidratar as células.
O corante presente no interior das bactérias Gram negativas, associado
a sua parede, não consegue se difundir de volta para o meio externo durante a
lavagem com o álcool e, por isso, a célula permanece corada na cor roxa. Nas
bactérias Gram positivas o álcool irá dissolver a membrana externa que é de
natureza lipídica e como a camada de peptideoglicano é mais fina o complexo
cristal violeta-iodo é capaz de se difundir, deixando a célula descorada. Essas
células são então coradas pelo contracorante que é a fucsina e por isso as
bactérias Gram negativas adquirem a cor vermelha.

● Coloração de Ziehl-Neelsen
Também conhecida como coloração de resistência ao álcool-ácido. Esta co-
loração é a de escolha para identificação de bactérias do gênero Mycobacte-
rium, em especial Mycobacterium tuberculosis e Mycobacterium leprae e do
gênero Nocardia.
54 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

O princípio da técnica desta coloração se baseia no fato de que a parede


celular de micobactérias possui espessa camada de lipídios (ácido micólico)
que evita a penetração de diversos corantes. Mas quando o corante penetra
e alcança o citoplasma da célula ele não pode ser removido com facilidade,
mesmo utilizando agentes descolorantes como a solução de álcool-ácido.
A célula que permanece corada após a aplicação do álcool-ácido é de-
nominada álcool-ácido resistente, enquanto as células que se descoram por
não possuírem a mesma composição de parede celular são denominadas
álcool-ácido sensíveis. Da mesma maneira como acontece na coloração de
Gram, a composição da superfície das células é o fator preponderante na
obtenção da coloração.
Esta coloração tem alto valor diagnóstico, uma vez que as espécies M.
tuberculosis e M. leprae são patogênicas para seres humanos e animais.
Para realização da coloração, inicialmente a lâmina contendo o esfre-
gaço deverá ser coberta com o corante carbofucsina e esta lâmina deverá ser
aquecida, sem deixar o corante evaporar. A alta temperatura facilita a penetra-
ção do corante pela parede rica em lipídios da bactéria.
Após este processo a lâmina deverá ser lavada com água corrente e
então a lâmina é tratada com a solução de álcool-ácido que age como um
agente descolorante. As células álcool-ácido sensíveis são então coradas pelo
azul de metileno. Duas populações de cores diferentes surgem após este tipo
de coloração: células vermelhas (álcool-ácido resistente, como as bactérias
do gênero Mycobacterium) e células azuis (álcool-ácido sensíveis). O corante
após a lavagem com o agente descolorante apenas continua impregnado em
células cuja composição da parede pode ser encontrada tipos especiais de
lipídios (Figura 27).

(1) (2) (3)


Figura 27 – Sequência de procedimentos utilizados na coloração de Ziehl-Neel-
sen. 1) esfregaço é coberto com carbofulcsina e a lâmina é aquecida; 2) esfrega-
ço é lavado com álcool-ácido; 3) por fim, é colocado o azul de metileno.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 55

● Colorações especiais
As colorações especiais são utilizadas para visualização de partes específicas
da célula bacteriana como flagelos, endósporos, cápsulas e material nuclear.
Nestas colorações, os corantes se ligam apenas a determinadas porções de
uma célula, facilitando sua visualização. Dentre estas colorações estão colora-
ções para cápsulas, coloração para endósporos e coloração para flagelos.

● Coloração negativa para cápsula


A coloração da cápsula é mais difícil que outros tipos de procedimento de co-
loração, pois os materiais capsulares são solúveis em água e podem ser de-
salojados ou removidos durante uma lavagem mais intensa. Para visualização
desta estrutura mistura-se as bactérias ou fungos em uma solução corante
(geralmente tinta naquim ou nigrosina), fornecendo assim um fundo escuro e
então corar as bactérias com uma coloração simples, como a safranina.
Devido a sua composição química, as cápsulas não aceitam a maioria
dos corantes biológicos e por isso aparecem como halos circundando cada
célula bacteriana ou fúngica corada (Figura 28).

Figura 28 – Leveduras do gênero Cryptococcus apresentando cápsula


Fonte: pgodoy.com.
56 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

● Coloração para endósporos


Endósporo ou esporo é uma estrutura de resistência que alguns gêneros bac-
terianos têm a capacidade de desenvolver. Esta estrutura, formada no interior
da bactéria a protege de condições ambientais adversas. As colorações mais
comuns não conseguem corar os endósporos pois os corantes não conse-
guem penetrar na parede desta estrutura.
A coloração mais utilizada para endósporos é a técnica de Schaeffer-
Fulton. Esta coloração consiste em colocar um corante primário que é o verde
malaquita em um esfregaço e aquecido em vapor por 5 minutos.
O calor auxilia a penetração do corante na parede do endósporo. O
verde malaquita é então removido com água corrente permanecendo apenas
no interior dos endósporos. Em seguida é colocado um contracorante, a safra-
nina, para corar as demais porções da célula, menos o endósporo. Ao final da
coloração os endósporos aparecem dentro de células vermelhas ou rosadas
(Figura 29A).

● Coloração dos flagelos


Para serem visualizados ao microscópio óptico, os flagelos bacterianos preci-
sam estar corados. Procedimentos laboriosos e delicados de coloração utili-
zam um mordente e o corante carbolfucsina para aumentar os diâmetros dos
flagelos até que eles se tornem visíveis no microscópio óptico.
Um dos métodos utilizados para coloração de flagelos é o de Leifson. O
mordente utilizado é o ácido tânico. O corpo da célula e o flagelo aparecerão
corados igualmente apresentando cor vermelho-escuro ou azul muito escuro
(Figura 29B).

(A) (B)
Figura 29 A. – Bactérias com endósporos destacados. B. Bactéria apresentando
flagelos
Fonte: GOOGLE, 2010.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 57

8. Breves conceitos de controle microbiano


Existem três conceitos básicos relacionadas ao controle microbiano: esterili-
zação, desinfecção e antissepsia. Em qualquer laboratório que trabalhe com
microrganismos, o controle de infecções e a garantia de esterilidade de rea-
gentes, vidrarias e meios de cultura é vital para manter a qualidade e a confia-
bilidade dos métodos diagnósticos.
Esterilização é a destruição total de todas as formas de vida microbia-
nas, inclusive das mais resistentes como os esporos bacterianos, vírus não
envelopados, micobactérias e fungos. A esterilização pode ser garantida com
métodos físicos e químicos. Dos métodos físicos os mais utilizados são os
que utilizam calor úmido e calor seco, além da filtração e radiação ionizante. A
autoclavação, método baseado em calor úmido é o mais utilizado na maioria
dos laboratórios e hospitais, devido à sua alta eficiência e baixo custo.
Desinfecção é o processo de eliminação da maioria das formas de
vida microbiana existentes em superfícies inanimadas. O processo consiste
no uso de substâncias químicas (chamados desinfetantes) ou processos
físicos capazes de remover grande parte dos contaminantes presentes em
uma dada superfície, sem, no entanto garantir a extinção de formas esporu-
ladas e mais resistentes.
Já a antissepsia é o processo pelo qual se impede a proliferação de mi-
crorganismos em tecidos vivos utilizando para isso antissépticos, que podem
ser microbicidas ou microbiostático. Vale relembrar que uma mesma substân-
cia pode ser desinfetante e antisséptico.
Entretanto, o mesmo precisa ser eficiente no combate aos microrganis-
mos e ao mesmo tempo não causar danos aos tecidos vivos. Um exemplo
bem comum é a clorexidina, que funciona como antifúngico e bactericida en-
quanto antisséptico para lavagem de mãos e desinfetante para lavagem de ins-
trumentos e instalações de frigoríficos, abatedouros e indústrias de laticínios.
Apresentados esses conceitos, é hora de vermos como uma amostra
biológica é processada ao chegar a um laboratório de Microbiologia.
58 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Saiba mais
Funcionamento da autoclave
O processo de autoclavagem ou autoclavação consiste em colo-
car o material a ser esterilizado em contato com o vapor úmido
sob pressão e a altas temperaturas (121ºC – 127ºC) em um auto-
clave, espécie de “panela de pressão gigante” com uma resistên-
cia interna que gera calor.
O autoclave é dotado de uma tampa, travas e válvulas. O
primeiro passo do seu funcionamento são as fases de pré-vá-
cuo e vácuo, que consiste na retirada de todo o ar do interior
do equipamento após fechado o autoclave, por meio de uma
válvula, aquecendo-se a água até cerca de 100ºC e criando-se
vácuo no interior.
Atingida a temperatura desejada, espera-se um tempo de-
terminado (15 min a 121ºC e 10 min a 127ºC) de modo que o
vapor penetre no material a ser esterilizado e atinja a letalidade mínima desejável. Após esse
período, é iniciado o processo de secagem, onde o vapor e parte da água condensada no material
são retirados.
Fonte: http://www.manufacturer.com

9. Cultivo de microrganismos
Após a etapa de microscopia, segue-se o processamento da amostra, ha-
vendo então a necessidade de se responder a quatro perguntas básicas:
● Qual o meio de cultura apropriado para a amostra?
● Qual a temperatura e a atmosfera de incubação ideais para o(s) microrganismo(s)
de interesse na amostra?
● Quais os microrganismos de interesse podem estar na amostra e quais de-
les precisam ser melhor caracterizados?
Há necessidade de serem feitos testes de sensibilidade antimicrobiana?

9.1. Selecionando o(s) meio(s) de cultura


Normalmente, apenas alguns meios de cultura são necessários na rotina labo-
ratorial diária, seja em forma de ágar ou caldos/infusões. Como você lerá no
próximo capítulo, os meios podem ser seletivos ou não-seletivos, de enrique-
cimento, diferencial etc., e para cada grupo de microrganismos há passos a
serem seguidos na escolha do meio de cultura apropriado.
Em amostras oriundas da orofaringe de uma pessoa, por exemplo, é
comum a utilização de ágar sangue e ágar manitol para isolamento de cocos
Gram positivos, como Streptococcus sp. O Agar sangue é altamente nutriti-
vo, sendo indicado principalmente para cultivo e isolamento de Streptococcus
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 59

spp. e Staphylococcus spp., além do crescimento de microrganismos fasti- 6


O método de inoculação de
diosos, pois contém em sua composição sangue desfibrinado de carneiro ou microrganismos em meios de
cavalo, favorecendo a atividade de hemólise por muitas bactérias. cultura depende de alguns
fatores, tais como tipo de
Outro meio de cultura6 bastante utilizado é o Agar Mac Conkey, um meio
amostra, consistência do
seletivo para detecção e isolamento de Salmonella, Shigella e coliformes tanto meio de cultura e finalidade
de materiais clínicos quanto de alimentos e ambientes poluídos, que diferen- do isolamento. Para saber
cia bactérias que fermentam lactose das que não possuem essa capacidade, sobre todos esses métodos,
consulte o site: http://www.
além de inibir o crescimento de bactérias Gram positivas.
biologando.com.br/?p=606
Já em amostras de fungos, é clássica a utilização concomitante de três
meios: ágar Sabouraud, ágar Sabouraud com cloranfenicol e ágar Sabouraud
com cloranfenicol e cicloheximida. O objetivo da adição de cloranfenicol (um
antibiótico de amplo espectro) é inibir o crescimento de bactérias contami-
nantes na amostra, já que o rápido crescimento bacteriano na amostra pode
acabar gerando uma competição por nutrientes e superfície de crescimento,
uma vez que os fungos normalmente possuem um tempo de geração maior
comparado aos procariotos.
Já a cicloheximida é um inibidor da síntese proteica em fungos ane-
mófilos, frequentemente descritos como contaminantes do ar que acabam
por atrapalhar o crescimento de outros fungos de interesse médico e até
mesmo bactérias em amostras clínicas suspeitas, dado que o seu tempo de
geração e diâmetro de suas colônias pode ser maior quando comparado à
bactérias e leveduras.

9.2. Inoculando a amostra no meio


O equipamento mais utilizado para inocular uma amostra biológica num meio
de cultura é bem simples. Utiliza-se uma haste cilíndrica com uma inserção
metálica (geralmente platina ou níquel cromo) em uma das extremidades, po-
dendo ser uma agulha, garfo ou alça bacteriológica.
Para semear uma amostra em um meio de cultura há vários métodos
(Figura 30). Em meios sólidos distribuídos em placas de Petri, por exemplo, a
inoculação primária pode ser realizada com uma alça ou um swab (uma haste
flexível previamente estéril semelhante a um “cotonete”). Feita a inoculação,
a amostra é espalhada na placa sucessivamente, de modo a facilitar o cresci-
mento microbiano em toda a superfície do meio.
60 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Figura 30 – Métodos de semeadura de microrganismos em placa de Petri. As


linhas tracejadas representam o movimento realizado pela alça bacteriológica
na superfície do meio. A. método de esgotamento ou semeadura em quadran-
tes, onde se obtém colônias isoladas. B. método de semeadura em tapete, que
permite obter crescimento em toda a superfície do meio, cobrindo-o, como se
fosse feito um “tapete” de microrganismos. C. método quantitativo utilizado para
isolar e quantificar colônias bacterianas.
Fonte: GOOGLE, 2010.

9.3. Interpretando as culturas


A interpretação das culturas após o crescimento do(s) microrganismos(s)
de interesse requer certa habilidade. Inicialmente, deve-se avaliar se o cres-
cimento está satisfatório ou se são necessários outros procedimentos para
complementar o resultado. O ponto inicial é checar a natureza das colônias
que se desenvolveram (se são de bactérias ou fungos), determinar a morfo-
logia das colônias e se houveram mudanças no meio de cultura geradas por
atividades metabólicas do microrganismo.
Colônias bacterianas devem ser identificadas de acordo com sua ma-
cromorfologia, tamanho, cor, aspecto da superfície, densidade, se ocasiona-
ram hemólise quando inoculadas em ágar sangue, se houve produção de pig-
mentos no meio de cultura e outras reações bioquímicas, tais como produção
aparente de enzimas e outros metabólitos.
Em relação aos fungos, uma grande dificuldade para o microbiologista
menos experiente é a semelhança que algumas colônias de leveduras apre-
sentam diante de colônias bacterianas. Leveduras de um modo geral são iden-
tificadas pelas suas características macro e micromorfológicas, além da assimi-
lação e fermentação de carboidratos. Já fungos filamentosos são identificados
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 61

de acordo com a macromorfologia das colônias, uma vez que seu micélio se
apresenta na grande maioria de maneira bem vistosa, aliada à microscopia, já
que possuem estruturas bem particulares que as permitem ser identificadas.
Ainda em relação a bactérias e fungos, nos últimos anos estão sendo
utilizados meios cromogênicos para identificação laboratorial. Os meios cro-
mogênicos são meios diferenciais e não seletivos, utilizados para identificação
direta do agente, que contem em suas formulações substratos especiais que
liberam compostos de várias cores de acordo com a sequência da sua degra-
dação por enzimas microbianas específicas. Ou seja: em uma amostra mista,
os diversos microrganismos ali presentes irão crescer com uma determinada
cor, diferenciando-se assim dos outros, e sem a necessidade da realização de
outros testes para a confirmação.
Já os vírus, por serem parasitas celulares obrigatórios requerem outros
métodos de isolamento, a depender da sua quasiespécie7. As técnicas de diag-
7
Quasiespécie é o conjunto
de amostras constituídas
nóstico mais comum são a caracterização de antígenos e ácidos nucleicos,
por genomas virais muito
além do isolamento e identificação dos vírus através de sistemas vivos, onde relacionados. Ou seja,
os mesmos são propagados em culturas de células ou animais de laboratório. como os vírus não são
Outras técnicas bastante utilizadas são aquelas baseadas em testes considerados seres vivos,
não podemos dizer que
sorológicos, onde são utilizados métodos para identificação e detecção de
eles estão classificados em
anticorpos específicos que são produzidos pelo hospedeiro em resposta à espécies. Normalmente
infecção viral. Um exemplo destes métodos é o teste de ensaio imunoenzimá- os vírus recebem a
tico (ELISA), muito comum no diagnóstico da AIDS. denominação da doença
que eles causam, mas
nos últimos anos os
9.4. Testes de sensibilidade aos antimicrobianos pesquisadores têm se
referido aos vírus como
Em muitas doenças bacterianas há a necessidade de se determinar qual an- quasiespécies.
timicrobiano servirá para matar o agente causador, e qual a concentração
mais indicada da droga para tal. Assim, o teste de susceptibilidade a antimicro-
bianos ou TSA é frequentemente recomendado como orientador na terapia
de infecções bacterianas, uma vez que submete um microrganismo a vários
tipos de antibióticos e indica qual terá o melhor poder microbicida na menor
concentração possível.
É interessante saber que para algumas bactérias já se sabe o tipo e a
concentração de uso de cada antibacteriano. Entretanto, muitas podem não
possuirem um padrão específico. Um problema bastante incidente na atuali-
dade é o aumento da resistência bacteriana, uma vez que o uso indiscrimi-
nado de antibióticos favorece a seleção de cepas resistentes à determinadas
drogas, o que faz com que uma dose de um dado antibacteriano que antes
era eficaz em um tratamento para uma determinada bactéria passe a ser ine-
ficaz, havendo a necessidade de aumentar a sua dosagem ou até mesmo a
adoção de uma outra droga de classe diferente.
62 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

O antibiograma é comum para testes com bactérias aeróbias e ana-


eróbias facultativas. Para bactérias anaeróbias obrigatórias, fungos e vírus,
apesar de poder ser realizado, não é rotineiro e aplicável em todos os casos.

10. Diagnóstico microbiológico por métodos molecula-


res
Com os constantes avanços tecnológicos na área da Biologia, a Microbiolo-
gia pôde dar um importante salto qualitativo no que diz respeito aos métodos
laboratoriais de diagnóstico microbiológico. Nas duas últimas décadas, impul-
sionada pelas ferramentas desenvolvidas a partir da Biologia molecular, as
rotinas laboratoriais e clínicas conseguiram maximizar seus trabalhos em um
tempo hábil menor e com uma margem de segurança adequada.
As técnicas de expressão e clonagem de genes foram de extrema impor-
tância para o desenvolvimento da engenharia genética e produção de biopro-
dutos, ao passo que as técnicas de amplificação de DNA geraram progressos
consideráveis no diagnóstico de doenças causadas por diferentes patógenos.
Nos últimos anos, o desenvolvimento de técnicas baseadas em micro-
arranjos de DNA e a implantação do PCR em tempo real têm aberto novas
perspectivas para o diagnóstico molecular de diversas doenças e para estu-
dos de microrganismos resistentes.

10.1 Diagnóstico molecular


As ferramentas moleculares fornecem um diagnóstico mais rápido e preci-
so em diversos casos, o que é indispensável para o tratamento de inúmeras
doenças, visando orientar uma quimioprofilaxia adequada e/ou evitar a disse-
minação do patógeno. Em laboratórios de pesquisa, tais ferramentas podem
propiciar resultados mais rápidos e confiáveis, além de validar os diagnósticos
por métodos clássicos, o que atualmente dá uma maior segurança na publi-
cação de dados à comunidade científica.
Os diagnósticos moleculares podem ser aplicados em várias áreas da
Microbiologia. Em Virologia, por exemplo, pode-se estimar e detectar carga
viral em doenças como hepatite B e C, AIDS e herpes, além de outras viroses
causadas por Citomegalovírus, Papiloma vírus humano e Epstein-Barr. Já na
Bacteriologia podem ser aplicadas técnicas moleculares no diagnóstico da
tuberculose, gonorréia, uretrites causadas por Chlamydia trachomatis e septi-
cemias, que também podem ser causada por fungos oportunistas.
Os principais métodos moleculares de diagnóstico microbiológico são
baseados na técnica de PCR (Polymerase Chain Reaction ou Reação em
Cadeia da Polimerase), que foi descoberta em 1983 por Kary Mullis e lhe
rendeu o Prêmio Nobel de Química dez anos depois. Simplificadamente, a
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 63

reação de PCR permite criar múltiplas cópias de uma dada sequência de áci-
dos nucléicos a partir uma única ou poucas cópias da amostra em interesse,
utilizando reagentes específicos.

Síntese do capítulo
Esse capítulo apresenta uma visão geral sobre biossegurança, descrevendo
os principais fatos que impulsionaram sua discussão no Brasil, além dos prin-
cipais conceitos relacionados, tais como as definições dos termos classes de
risco e níveis de biossegurança, explorando as características e exigências
atreladas a cada um.
É discutida também a importância da utilização de equipamentos de
proteção individuais e coletivos, conhecimentos da sinalização característica,
bem como as principais recomendações de postura e trabalho em laborató-
rios, denominadas de Boas Práticas Laboratoriais.
Em seguida, são contemplados os principais métodos de diagnóstico
microbiológico, tanto clássicos (colorações e cultivos) como os moleculares,
mais recentes e complexos. Nos itens que tratam dos métodos clássicos, é
mostrada a importância da microscopia e as principais colorações e das con-
dições de esterilidade para um correto diagnóstico, além dos métodos de aná-
lise e semeadura, seleção dos meios de cultura apropriados e a interpretação
dos resultados obtidos.

Atividades de avaliação
1. Conceitue bioaerossol e cite pelo menos quatro doenças que podem ser
transmitidas via aérea a partir de uma manipulação errada de material bio-
lógico em laboratórios de Microbiologia.
2. Observe a seguinte afirmativa: “Ao utilizar bico de Bunsen ou lamparina para
flambar uma alça bacteriológica, deve-se colocar a ponta da alça na região
onde a chama se mostra na cor vermelha, pois esta será a de maior calor.”
Julgue se esta afirmativa está correta, e não estando, justifique, corrigindo-a.
3. Pesquise sobre o tipo e a composição química dos extintores de incêndio
mais comuns, e cite qual deles se aplica ao combate ao fogo em laboratório
causado por combustão de álcool e ácidos fortes.
4. Cite os tipos de cabines de segurança biológica existentes e suas respecti-
64 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

vas características e aplicações.


5. “É possível esterilizar o ferimento de uma pessoa utilizando álcool 70% e
água oxigenada.” A frase que você acabou de ler apresenta pelo menos
dois erros conceituais relacionados ao controle de crescimento microbiano.
Identifique-os e justifique sua resposta.
6. Qual a finalidade de se realizar um teste de sensibilidade aos antimicrobianos?
7. É bastante comum a ocorrência de infecções mistas, ou seja, aquelas cau-
sadas por diferentes espécies de fungos ou bactérias. Pesquise sobre os
meios cromogênicos citando pelo menos dois exemplos, e como eles são
utilizados na rotina de um laboratório clinico.
8. Uma das principais dificuldades para isolamento de bactérias anaeróbias
é a necessidade de equipamentos e metodologia diferenciada. Pesquise
duas maneiras de como você poderia inocular e manter uma cepa de Bac-
teroides fragilis em laboratório.
9. Um dos erros mais comuns dos iniciantes em laboratórios de Microbiologia
é “rasgar” a superfície do meio de cultura ao semear uma amostra. Cite os
problemas que isso pode ocasionar nas análises posteriores dessa amostra.
10. João, técnico do Laboratório de Microbiologia de um hospital de referência,
após fazer uma doação de sangue, foi convocado a comparecer com ur-
gência ao hemocentro. Lá foi informado ser portador do vírus HIV. Indagado
sobre seus hábitos, informou ser casado, monogâmico, heterossexual e só
ter tido relações sexuais com sua esposa durante toda a vida. Entretanto,
lembrou de ter sofrido um acidente há cerca de 3 anos enquanto trabalhava,
tendo deixado exposto um pequeno ferimento recente que havia em sua mão
enquanto limpava uma amostra de sangue humano derramada na bancada
por acidente ao atender seu telefone celular. Com base nessas informações,
avalie as atitudes de João durante o regime de trabalho no dia descrito por
ele, e como o mesmo poderia ter evitado o contágio acidental. Em seguida,
com base nos conhecimentos adquiridos nessa unidade e nas leituras com-
plementares, monte um protocolo adequado de processamento de amostras
sanguíneas para bactérias e vírus.
11. Antônia, em uma consulta com seu médico otorrino, informou ter constan-
tes dores de garganta e febre concomitante por 3 a 5 dias. Ao ser receitada
com um antibiótico, a mesma perguntou ao médico se poderia tomar dois
outros antibióticos diferentes, pois haviam comprimidos sobrando dos seus
últimos tratamentos, uma vez que ao sentir-se melhor, interrompeu o tra-
tamento. O médico então suspendeu a receita, prescreveu-lhe um exame
laboratorial e disse-lhe para retornar ao consultório de posse do resultado.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 65

Sabendo disso, responda:


a) Qual o provável exame receitado à Antônia e como o mesmo pode
auxiliar na resolução do caso?
b) Em que se baseia o princípio de resistência bacteriana e como isto pode
ser verificado em laboratório?
c) Quais os cuidados relacionados à biossegurança que o(a) atendente do
laboratório deverá ter ao realizar a coleta do material clínico de Antônia?

Sites
Centro de Controle de Doenças (CDC): http://www.cdc.gov/

Aulas da disciplina de Microbiologia, na Universidade Federal da Bahia


http://www.Microbiologia.ufba.br/aulas

Vídeos
http://www.youtube.com/watch?v=6Gn_yOt8T8Y
http://www.biologando.com.br/videos

Referências
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nistério da Saúde, 1998.
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ria Adelaide Millington, Mário César Althoff. Biossegurança em laboratórios
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TEIXEIRA, P.; VALLE, S. Biossegurança: uma abordagem multidisciplinar.
Rio de Janeiro: Fiocruz, 1996.
Capítulo 4
Nutrição e crescimento
microbiano
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 69

Objetivos 8
Biofilmes são compostos
por uma ou mais populações
l Apresentar os principais conceitos relacionados à cinética da curva de cres- microbianas, formando uma
comunidade complexa,
cimento bacteriano e suas características.
que interage entre si e com
l Discorrer sobre os principais fatores nutricionais e físicos que regulam o o meio, em superfícies
crescimento bacteriano. bióticas e até abióticas.
A dinâmica da formação
l Apresentar as características dos meios de cultura disponíveis no merca- de um biofilme é bastante
do, bem como suas classificações. complexa: um microrganismo
inicial (colonizador primário)
1. Introdução se fixa numa determinada
superfície rica em proteínas
Agora que você já conhece a morfologia das bactérias é hora de entender e outros compostos
como esses microrganismos crescem e se multiplicam. Quando o assunto é orgânicos, produzindo uma
matriz polissacarídica que
crescimento, temos que saber que embora as bactérias sejam unicelulares, servirá como substrato
estão sempre agrupadas formando colônias. para aderência de
A idéia de se estudar bactérias como seres individuais é uma solução outros microrganismos
(colonizadores secundários).
didática, uma vez que na natureza é praticamente impossível se encontrar O modo pelo qual os
uma única bactéria, vivendo isolada das outras. Normalmente elas formam microrganismos se fixam
“consórcios”8, seja de mesma espécie, grupos diferentes, ou até mesmo com uns aos outros produz
outros microrganismos, como algas e fungos. canais semelhantes a um
sistema circulatório primitivo,
Apesar das bactérias serem unicelulares, o termo crescimento não se promovendo a troca de
aplica individualmente. Quando falamos em procariotos, crescimento é sinô- nutrientes e metabólitos e
nimo de divisão, multiplicação, aumento do número de células ou ainda cres- a remoção de compostos
tóxicos. A placa dentária é um
cimento populacional. A típica linha do tempo dos seres vivos, que nascem, exemplo clássico de biofilme.
crescem, reproduzem-se e morrem, normalmente percorre muitos meses ou
anos. Em bactérias isso não ocorre. Na maioria das espécies, em condições
físicas, químicas e nutricionais adequadas, bastam apenas 20-30 minutos
para que um novo indivíduo seja gerado, originando rapidamente populações.

2. Fatores que regulam ou afetam o crescimento bacteriano Figura 31 – Biofilme de placa


dentária.
Diversos fatores são capazes de alterar a dinâmica de crescimento bacte- Fonte: http://patologiaemacao.
riano, tanto na natureza quanto em condições experimentais. As condições blogspot.com
nutricionais e físicas/ambientais interferem diretamente na sobrevivência, pois
as bactérias, apesar de estarem amplamente difundidas e adaptadas a muitos
70 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

ambientes, não conseguem crescer em um meio que não lhe ofereça condi-
ções adequadas.
O número de indivíduos na população é fator determinante, princi-
palmente em condições in vitro. Quanto maior o número de indivíduos em
um dado de meio de cultura, por exemplo, maior a pressão seletiva e pro-
dução de metabólitos tóxicos nessa comunidade, e consequentemente me-
nor a quantidade de nutrientes disponíveis e condições favoráveis. Fatores
químicos e físicos como pH, temperatura, concentração de oxigênio, e
nutrientes disponíveis no meio são capazes de alterar toda a dinâmica do
crescimento bacteriano.

Saiba mais
Descoberta de bactéria pode revolucionar os conhecimentos sobre as
bases da vida
A NASA anunciou em dezembro de 2010 a descoberta de uma bactéria pela astrobióloga Felisa
Wolfe-Simon. A bactéria contém arsênio em sua composição no lugar de fósforo, o que é inédito
até agora na Ciência. O estudo divulgado na Revista Science abre novas possibilidades para estudo
da existência de novas formas de vida dentro e fora do planeta.
Segundo Felisa Wolfe-Simon, a presença de arsênio está restrita a uma parte das bactérias do
tipo GFAJ-1 da família Halomonadaceae. “Nós medimos as taxas de arsênio dentro das células e
descobrimos que o elemento estava associado a um gene no DNA do organismo”, disse a cientista
durante a entrevista coletiva promovida pela NASA. “Nós conseguimos notar experimentalmente
que esses organismos podem existir.”
Segundo estudiosos, a descoberta ainda é única e uma grande exceção, e precisa ser confron-
tada com todas as pesquisas anteriores que apontam para a presença de seis elementos como bá-
sicos para a vida: carbono (C), hidrogênio (H), nitrogênio (N), oxigênio (O), fósforo (P) e enxofre (S).

2.1. Nutrição bacteriana

Todo microrganismo precisa de uma fonte de energia para realizar seu cres-
cimento. O carbono é um elemento fundamental para que as bactérias con-
sigam sintetizar todos os compostos orgânicos necessários para seu de-
senvolvimento. Além disso, para sintetizar aminoácidos, proteínas e ácidos
nucleicos, elas necessitam de outros elementos, como nitrogênio, fósforo e
enxofre, oxigênio e gás carbônico. Esses seis macro-nutrientes, juntos, repre-
sentam aproximadamente 70% do peso seco de uma célula bacteriana.
Além de macronutrientes, as bactérias também necessitam de alguns
elementos minerais (elementos traços) como cobre, ferro e zinco, que estão
envolvidos em reações enzimáticas, funcionando como cofatores essenciais
para a ativação de algumas enzimas.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 71

Desse modo, a presença ou ausência de uma ou algumas dessas fon-


tes em um dado meio é fator determinante para o crescimento bacteriano. Na
rotina de laboratórios, os meios de cultura voltados para bactérias possuem,
de um modo geral, uma fonte de carbono (normalmente na forma de um açú-
car), uma fonte de nitrogênio e elementos traços (normalmente já presentes
na água), todos em quantidade suficiente para promover o crescimento dos
microrganismos de interesse.
Entretanto, existem espécies mais exigentes do que outras do ponto de
vista nutricional. Além disso, a baixa disponibilidade de nutrientes essenciais
faz com que as bactérias reduzam seu metabolismo – e consequentemente
seu crescimento – uma vez que uma alta atividade metabólica requer uma
grande quantidade de nutrientes. Assim, podemos concluir que quanto maior
a oferta de nutrientes no meio, maior a capacidade de crescimento e reprodu-
ção bacteriana.

2.2. Temperatura
No que se refere à temperatura de crescimento, as bactérias são classificadas
em: psicrófilas, mesófilas e termófilas. Ressaltamos que cada microrganismo
é capaz de crescer em uma determinada faixa de temperatura, possuindo
limites mínimo, máximo e um ponto de crescimento considerado ótimo, onde
a taxa de multiplicação é a maior possível para a espécie.
A temperatura mínima é dita como o menor valor térmico no qual as
bactérias conseguem crescer. A temperatura máxima é o limite térmico supor-
tável pela espécie, ou seja: a temperatura máxima que a espécie aguenta sem
morrer. Já a temperatura ótima é aquela na qual a espécie consegue crescer
mais rapidamente, gerando o maior número de novos indivíduos no menor
tempo possível, quando as condições nutricionais são adequadas.
Bactérias mesófilas são as mais comumente encontradas no ambien-
te. Elas são capazes de crescer na faixa de temperatura entre 15 ºC a 45 ºC,
e a grande maioria tem como ponto ótimo a faixa entre 25 ºC e 40 ºC. Note
que essa faixa de temperatura é a que predomina no nosso planeta, e con-
sequentemente onde mais bactérias concentram seu valor de crescimento
máximo. Entre os mesófilos estão grande parte das bactérias patogênicas,
das que fazem parte da microbiota normal humana e das que são capazes de
degradar alimentos, possuindo uma temperatura ótima de crescimento próxi-
mo de 37 ºC.
Bactérias psicrófilas são aquelas que crescem em baixas temperaturas,
características de ambientes profundos de oceanos e também nas regiões dos
pólos. Entretanto, a faixa de temperatura definida para esse grupo costuma ser
entre -10 ºC e 30 ºC. Vale ressaltar que algumas bactérias mesófilas também
são capazes de sobreviver nessa temperatura por um determinado tempo, re-
72 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

duzindo seu metabolismo e taxa de reprodução à valores mínimos, vindo a mor-


rer com o passar dos dias. É nessa característica que se baseia a preservação
de alimentos por refrigeração.
Bactérias psicrófilas conseguem crescer lentamente em temperaturas
próximas do congelamento, mas as mesófilas, apesar de conseguirem sobre-
viver por algum tempo, são incapazes de permanecer ativas. A presença de
proteínas e enzimas estáveis e funcionais em baixas temperaturas, além de
uma maior proporção de ácidos graxos insaturados (em comparação com os
saturados) nos fosfolipídios da membrana plasmática atua diretamente como
mecanismo de adaptação dessas bactérias.
Bactérias termófilas conseguem crescer em altas temperaturas, normal-
mente variando entre 45 ºC e 75 ºC graças à adaptações nas membranas celu-
lares, maquinário protéico e fisiológico das bactérias. Na membrana celular há
uma maior proporção de ácidos graxos saturados frente aos insaturados, o que
permite às bactérias habitarem ambientes mais quentes sem se danificarem.
Além disso, a presença de proteínas e enzimas termoestáveis atua
como fator crucial para impedir a desnaturação proteica. Grande parte dessas
bactérias possui uma temperatura ótima de crescimento na faixa entre 50 ºC
e 60 ºC. Há ainda um grupo, dentro das termófilas, que conseguem crescer
em temperaturas ainda maiores, chamadas bactérias extremófilas ou hiper-
termófilas, cujo crescimento pode ocorrer acima de 1O0 ºC. Os principais
habitats dessas bactérias são águas termais e fossas oceânicas.

2.3. Potencial hidrogênico (pH)


Potencial hidrogeniônico, ou pH, pode ser definido como sendo o quão ácido
ou básico pode ser um meio. Quanto mais baixo o pH de uma solução (entre 0
e 6,5), mais ácida ela será. Quanto mais alto o pH (acima de 7,5 até 14), mais
básico o meio, e valores que variam entre 6,5 a 7,5 indicam neutralidade, onde
a grande maioria das bactérias prefere crescer. Entretanto, existem aquelas
que são tolerantes à acidez, principalmente bactérias láticas, que realizam
fermentação e produzem ácido lático.

2.4. Concentração de oxigênio


Normalmente classificamos os seres vivos em aeróbios ou anaeróbios, depen-
dendo de como eles se comportam na presença de oxigênio. Para bactérias,
essa classificação é mais expandida. Entretanto, antes de prosseguirmos nosso
estudo, é necessário compreender como o maquinário enzimático atua para uti-
lizar o oxigênio (ou não, no caso de seres anaeróbios) na produção de energia.
O oxigênio disponível na atmosfera é altamente tóxico para os seres
vivos, incluindo as bactérias, e é capaz de provocar injúrias oxidativas como:
peroxidação de lipídios, desnaturação de proteínas e mutações no DNA. Para
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 73

ser utilizado, existe um sistema enzimático de defesa, que contém enzimas


que degradam o oxigênio reativo que é tóxico e o transforma para ser utilizado.
Bactérias aeróbias e anaeróbias facultativas possuem maquinário enzi-
mático protetor composto por peroxidase, catalase e superóxido-dismutase.
Nas bactérias anaeróbias a maquinaria enzimática é um pouco mais comple-
xa, pois além de não viverem na presença de oxigênio, está ausente a enzima
catalase e em muitas a superóxido-dismutase.
As bactérias que necessitam de oxigênio para crescerem são chama-
das de aeróbias obrigatórias. Há um pequeno número de bactérias que
além de oxigênio, necessitam de concentração de 5 a 10% de CO2. São as
chamadas microaerófilas.
As bactérias anaeróbias podem se comportar diferentemente, depen-
dendo do seu grupo. Há aquelas que crescem apenas na ausência quase to-
tal de O2, como o gênero Clostridium, sendo assim chamadas de anaeróbias
estritas. Há ainda bactérias anaeróbias que toleram a presença de oxigênio
no meio onde estão, mas não são capazes de utilizá-lo, conhecidas por anae-
róbias aerotolerantes. Algumas espécies bacterianas, como as que vivem no
intestino humano, por exemplo, que são originalmente aeróbias, desenvolveram
a capacidade de crescer também na ausência de O2, realizando fermentação
ou respiração anaeróbia, e são chamadas de anaeróbias facultativas.

3. Meios de cultura
O cultivo dos microrganismos em condições laboratoriais é um pré-requisito
para seu estudo adequado. Para que isso possa ser realizado é necessário o
conhecimento de suas exigências nutricionais e dos fatores físicas e/ou am-
bientais requeridos. Assim, os meios de cultivo, também chamados meios de
cultura são utilizados com o propósito de fornecer as condições nutricionais
mínimas para o cultivo artificial de microrganismos.
Os meios de cultura devem conter todas as substâncias nutritivas exigi-
das pelos microrganismos para o seu crescimento e multiplicação. Para que
os microrganismos possam fazer a síntese de sua própria matéria nutritiva
devem dispor de fontes de carbono (proteínas, açúcares), fontes de nitrogênio
(peptonas) e outras fontes de energia. São também necessários alguns sais
inorgânicos, vitaminas e outras substâncias favorecedoras do crescimento.
Certos microrganismos crescem em qualquer meio de cultura (como a
Escherichia coli), outros necessitam de meios especiais, por isso são chama-
dos de fastidiosos (como as bactérias do gênero Streptococcus que neces-
sitam de meios especiais contendo sangue em sua composição) e existem
ainda aqueles que não são capazes de crescer em nenhum meio de cultura já
desenvolvido (como o Treponema pallidum).
74 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Os meios de cultura devem ser utilizados para os seguintes propósitos:


● Promover o crescimento e isolamento de microrganismos;
● Pesquisar as características bioquímicas
● Conhecer as necessidades nutritivas
● Estudar as morfologias das colônias
● Pesquisar o perfil de susceptibilidade dos microrganismos às drogas anti-
microbianas.
São inúmeros meios de cultura disponíveis para promoção do cresci-
mento microbiano. Classificados de acordo com sua composição, consistên-
cia, finalidade, natureza, pH, dentre outros fatores.

3.1. Classificação dos meios de cultura


● Quanto à consistência

A consistência de um meio de cultura está diretamente relacionada com a pre-


9
Composição do ágar: é sença e a concentração de um agente solidificante, como o ágar9. Baseando-
um composto orgânico,
se nisso, os meios podem ser classificados como:
que contém 0,4 a 0,9%
de nitrogênio total, 0,03 a a) Líquidos: Não possuem agentes solidificantes em sua composição. São
0,009% de amino nitrogênio, utilizados principalmente para promover crescimento da cultura, replicação
70 a 75% de polissacarídios, da amostra, provas bioquímicas e estudos de fermentação. Também são
11 a 22% de umidade e 2 a
chamados de caldo ou infusões. Ex.: Caldo Tioglicolato, BHI Caldo.
4% de cinzas. Galactose,
arabinose, xilose e uma b) Semi-sólidos: Possuem uma baixa concentração de ágar, em torno de
pequena quantidade 0,075% a 0,5%. Esse tipo de meio permite verificar a motilidade dos micror-
de aminoácidos livres ganismos, crescimento em tensões variadas de oxigênio ou estocagem.
fazem parte do ágar. Os
Ex.: Meio SIM (sulfeto indol motilidade).
polissacarídeos do ágar são
uma mistura de agarose e c) Sólidos: Possuem agente solidificante em uma concentração aproximada de
agaropectina. 1% a 2% (ou mais comumente 15 g/L de ágar). A principal característica desse
tipo de meio é permitir o isolamento dos microrganismos presentes na amos-
tra, além de possibilitar uma análise mais delicada da morfologia da colônia.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 75

Saiba mais
O que é o ágar?
O ágar é um hidrocoloide extraído de algas marinhas largamente utilizado na indústria alimentícia e farmacêu-
tica. Dentre as suas principais propriedades apresentam temperaturas de fusão/gelificação bem definidas. O
ágar é obtido de diversos gêneros e espécies de algas marinhas vermelhas da classe Rodophyta (Figuras 32 e 33)
(Ahnfeltia spp, Gracilaria spp., Gelidium spp.).
O ágar funde a 94ºC e volta a se solidificar a 42ºC. Assim, o mesmo é adicionado ao meio de cultura líquido
para torná-lo sólido. Salienta-se que o ágar é apenas um agente solidificante, nunca sendo adicionado ao meio
de cultura como nutriente, pois, em geral, não consegue ser utilizado pelas bactérias.

Figura 32 – Algas vermelhas do gênero Ahnfeltia sp. Figura 33 – Algas vermelhas do gênero Gracilaria sp.
Fonte: www.marlin.ac.uk, 2010. Fonte: www.marlin.ac.uk, 2010.

● Quanto à função
Os meios podem ser utilizados com diversos propósitos, como por exemplo,
promover o crescimento e/ou o isolamento dos microrganismos, conhecer as
necessidades nutritivas dos mesmos, pesquisar características bioquímicas
e o perfil de susceptibilidade a antimicrobianos, entre outros. Eles podem ser
classificados em:
a) Seletivos: Favorecem o crescimento do organismo de interesse impedindo
o crescimento de outros microrganismos. Ex.: ágar Sabouraud dextrose,
ágar MacConkey.
b) Diferenciais: Possibilitam identificar a presença dos microrganismos de
interesse, pois provoca reações características nos mesmos, funcionan-
do, assim, como meios de identificação presuntiva. O ágar sangue, por
exemplo, é frequentemente utilizado para a identificação de bactérias com
padrões hemolíticos (que destroem células sanguíneas pela ação de he-
molisinas), como Streptococcus pyogenes.
76 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

c) Enriquecimento: Utilizados quando o microrganismo de interesse está em


baixo número na amostra, estimulando o crescimento dos mesmos e possi-
bilitando sua detecção. Uma outra função desses meios é a de nutrir organis-
mos fastidiosos, ou ainda recuperar uma cepa, promovendo seu rápido cres-
cimento. Geralmente são meios basais adicionados de produtos biológicos
ricos em nutrientes, como soro, sangue ou ovo. São exemplos os meios BHI
(infusão de cérebro e coração), ágar sangue (ASA) e ágar chocolate.
d) Redutores: Utilizados no cultivo de microrganismos anaeróbios, contêm
substâncias em sua composição que são capazes de reagir com oxigênio
dissolvido no mesmo e eliminá-lo. Um dos reagentes utilizados para esse
fim é o tioglicolato de sódio.
e) Transporte: servem para o transporte de uma dada amostra biológica que
se deseja isolar microrganismos. São importantes por manterem a viabilida-
de das amostras, evitando que haja multiplicação durante aproximadamen-
te 72 horas. O meio de Stuart é um exemplo clássico.
● Quanto à composição
a) Sintético ou Quimicamente definido: é quando sua composição e con-
centração de cada um dos seus componentes é conhecida. São com-
postos por produtos químicos bem definidos, e quando dissolvidos em
água destilada, formam uma solução nutritiva devidamente tamponada.
b) Complexo: a composição química pode conter variações, sendo compos-
tos por uma variedade de substâncias de origem animal (carne, peptona,
bile bovina), vegetal (ceras, extratos vegetais) ou microbiana (extrato de
levedura). São exemplos o ágar lacrimel e ágar BHI.

● Quanto à natureza
a) Animados: São constituídos de células vivas, como, por exemplo, tecidos ou
ovos embrionários.
b) Inanimados: Possuem apenas moléculas inorgânicas em sua composição,
podendo ser classificados como naturais, ou seja, constituídos por substân-
cias provenientes da natureza, ou sintéticos, ou seja, formado por substân-
cias químicas produzidas em laboratório.

● Quanto ao pH
a) Tamponado: Para que não haja variação de pH, em consequência da eli-
minação de metabólitos pelas bactérias, alguns meios são acrescidos de
tampões. Um exemplo é o meio RPMI, que ao ser preparado apresenta pH
em torno de 7,9, sendo tamponado com MOPS (ácido 3-Nmorfolino propa-
no sulfônico), para atingir pH 7.
b) Não tamponado: Não são acrescidos de tampões, embora alguns consti-
tuintes como a peptona e os aminoácidos possam funcionar como tampões.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 77

3.2. Preparo de meio de cultura


A maioria dos meios de cultura usados num laboratório de Microbiologia é dis-
ponívél em forma de pós desidratados, os quais contêm todos os componen-
tes desejados, sendo necessário somente a adição de água para posterior es-
terilização. Os meios de cultura estão constantemente sendo desenvolvidos
ou atualizados visando otimizar e facilitar a identificação dos microrganismos.
Os meios de cultura são preparados e armazenados seguindo um ri-
goroso controle de qualidade. Entretanto, para que sejam mantidas todas as
suas propriedades nutricionais, garantida a esterilidade até o momento de sua
utilização e o crescimento dos microrganismos desejados, é necessário que
alguns critérios sejam rigorosamente seguidos, tais como:
l Pesagem do pó, geralmente orientada pelo próprio fabricante e condiciona-
da à quantidade final de meio necessária.
l Diluição do mesmo em quantidade adequada de água destilada.
l Distribuição em tubos ou placas para posterior autoclavação ou autoclavação
em um recipiente para, então, proceder à distribuição em tubos ou placas
previamente autoclavados.
l Análise e possível correção do pH.

l Distribuição do meio em tubos ou placas, caso este não tenha sido autocla-
vado nos mesmos.
l Armazenamento do meio em condições adequadas que permitam a manu-
tenção das suas propriedades nutricionais e a garantia da sua esterilidade
até o momento da utilização.
A seguir encontram-se listadas as etapas do preparo do meio de cultura
desidratado:
l Escolha do meio de cultura
l Pesagem do pó desidratado
l Diluição em água
l Esterilização
l Correção do pH
l Distribuição do meio
l Armazenamento do meio.
Inoculando um microrganismo em um meio de cultura que possua to-
dos os requisitos nutritivos necessários e fatores ambientais favorecidos, o mi-
crorganismo inicia seu desenvolvimento neste meio, passando pelas diversas
fases da curva de crescimento, desde a fase de latência, logarítmica, estacio-
nária, até a fase da morte.
78 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Saiba mais
Ágar: Hidrocolóide de algas vermelhas
Ágar foi o primeiro hidrocolóide descoberto e preparado como um extrato purificado.
De acordo com uma lenda japonesa o método de fabricação original do ágar foi descoberto
no meio do século 17, provavelmente em 1658, quando um oficial japonês, no inverno daquele
ano chegou a uma pequena estalagem. O dono da estalagem Minoya Tarozaemon cerimonio-
samente recebeu e ofereceu um prato tradicional de geléia de algas marinhas no jantar, que foi
preparada pelo cozimento Gelidium sp. com água.
Depois do jantar, o excedente de geléia foi jogado ao ar livre. A geléia foi congelada durante a
noite, e descongelada e seca ao sol, por vários dias, tornando-se uma substância branca, porosa e
seca. Tarozaemon encontrou essa substância mole e a cozinhou em água. Sendo assim o método
de fabricação de ágar foi descoberto acidentalmente... cont.
Fonte: http://www.fao.org/docrep/field/003/AB730E/AB730E03.htm

4. Curva de crescimento bacteriano


No início deste capítulo falamos que a “linha do tempo” bacteriano é dife-
renciada. O modo pelo qual as bactérias se multiplicam, dando origem à novas
gerações, é dividido em fases bem estabelecidas. As fases da geração de novos
indivíduos se constituem em uma curva de crescimento bacteriana (Figura 34).
O ciclo de crescimento bacteriano envolve fatores que vão desde a
adaptação das células ao meio onde estão, passando pelo início do seu cres-
cimento após se estabelecerem, uma fase onde a taxa de divisão celular é
máxima, e terminando na morte das células.
Todas essas etapas podem ser expressas em um gráfico, que traduz o
número de células em um determinado meio durante um período de tempo,
e que é dividido em quatro fases. Para facilitar o entendimento, imagine a se-
guinte situação: você e seus colegas de turma vão à uma lagoa coletar uma
amostra de água para investigar a presença ou não de bactérias.
Ao chegar no laboratório é preciso inocular parte da água a ser investi-
gada em um meio de cultura para promover o crescimento dos microrganis-
mos que podem estar presentes. As fases da curva de crescimento bacteria-
na serão explicadas em função dessa situação.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 79

Figura 34 – Curva de crescimento bacteriana.


Fonte: http://www.delaval.com.br, com adaptações.

4.1. Fase lag


Também chamada de latente ou de adaptativa, essa fase se constitui no perío-
do onde as bactérias estão se adaptando ao meio de cultura. Isso se deve ao
fato de elas estarem em um meio diferente do qual estavam antes. Para tanto,
é necessário que desenvolvam novos mecanismos metabólicos para assimi-
larem os nutrientes disponíveis no meio de cultura, bem como produzirem os
fatores de crescimento necessários a partir de então, principalmente síntese
de DNA e novas enzimas. Nessa fase, apesar de haver uma intensa atividade
metabólica, a divisão celular é quase inexistente.

4.2. Fase log


Após bem estabelecidas no novo meio de cultura, as bactérias que você cole-
tou da água já estão prontas para crescer. Nessa fase, também chamada de
logarítmica ou exponencial, a taxa de divisão bacteriana e a atividade metabó-
lica atingem valores máximos, e o tempo de geração permanece constante.
Entretanto, apesar do grande crescimento, as bactérias estão bastante pro-
pensas às mudanças ambientais nessa fase, pois a síntese dos novos com-
ponentes bacterianos (parede e membrana celular, DNA, metabólitos primá-
rios) se encontra no nível máximo.

4.3. Fase estacionária


Você tem mantido suas bactérias em uma mesma placa, sem adicionar meio
de cultura ou outros nutrientes até agora. Diante disso, devido à intensa divi-
são celular na fase log, começa a haver escassez de nutrientes e acúmulo
de metabólitos na sua cultura. Com isso, as bactérias passam a crescer mais
lentamente, fato ocasionado pela pressão seletiva no meio. Há ainda uma ace-
leração da morte celular, o que faz com que o número de bactérias que surgem
seja equivalente ao das que morrem, havendo um equilíbrio na população.
80 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

4.4. Fase de declínio ou morte


Com o acúmulo de metabólitos tóxicos e a falta de nutrientes, as condições da
sua placa não são mais adequadas ao aparecimento de novas células. Com
isso, o número de bactérias que morrem supera enormemente o das que nas-
cem, e essa fase continua ocorrendo até a morte total das bactérias da sua
amostra. Vale ressaltar, no entanto, que essa fase pode se dar de modo lento ou
exponencial, dependendo da espécie bacteriana envolvida na cultura.
De um modo geral, o ciclo de crescimento bacteriano é característi-
co de cada espécie. Algumas espécies, como Escherichia coli, por exemplo,
pode realizar esse ciclo em apenas 20 - 30 minutos. Já Mycobacterium tuber-
culosis possui uma taxa de crescimento mais demorada, podendo levar dias
ou até semanas para completar um ciclo de crescimento.

Síntese do capítulo
Nesse capítulo apresentou-se os principais conceitos relacionados ao cres-
cimento bacteriano isoladamente ou em comunidade, formando biofilmes e
como as bactérias se comportam em situações de pH, temperatura, condi-
ções de oxigênio, pressão, salinidade, entre outros.
Além disso, foram demonstradas as etapas da curva de crescimento
bacteriano e suas características, bem como o comportamento das células
frente a cada uma dessas etapas. Também se discutiu assuntos relacionados
aos meios de cultura, como suas classificações, aplicações e características.

Atividades de avaliação
1. Qual a diferença entre os meios de cultura Ágar sangue e Ágar chocolate?
Por que é preferível usar sangue de carneiro ao invés de sangue humano
em meio ágar sangue?
2. Por que o meio de cultura Mac Conkey é dito seletivo diferenciador e o Ágar
Sangue é dito enriquecedor diferenciador?
3. Observa a receita de um meio de cultura descrito por Dahmen em 1943:
“Cozinhar 500 gramas de carne sem tendões nem gordura em um litro de
água durante 2 horas e meia. Filtrar. Adicionar peptona e sal. Cozinhar du-
rante outras duas horas. “Distribuir em tubos ou balões e esterilizar por três
dias consecutivos”. A partir dessa descrição, classifique esse meio quanto
a composição, função, consistência e natureza.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 81

Leituras
WATNICK, P.; KOLTER, R. Biofilm, City of Microbes. Journal of Bacteriolo-
gy. v. 182. n. 10. 2000. p. 2675–2679.
STEWART, R. J.; MADDEN, R.; PAUL, G.; TADDEI, F. Aging and death in an
organism that reproduces by morphologically symmetric division. PLOS Bio-
logy. v. 3. n. 2. 2005. p. 295-300.

Sites
http://www.youtube.com/watch?v=Z76NiL395co

Referências
http://www.anvisa.gov.br/servicosaude/microbiologia/ mod_4_2004.pdf
http://www.ucg.br/ACAD_WEB/professor/siteDocente/admin/arquivosU-
pload/3909/material/MEIOS%20DE%20CULTURA.pdf
http://www.mbiolog.com.br/micro_macconkey.asp
http://www.mbiolog.com.br/micro_sabouraud.asp
http://www.biocendobrasil.com.br/meio_MacConkey.asp
http://www.biocendobrasil.com.br/placa_AgarSangue.asp
PELCZAR, J. P., CHAN, E. C. S.; KRIEG, N. R. Microbiologia: conceitos
e aplicações. 2. ed. São Paulo: Makron Books, 1997. v. 1.
RIBEIRO, M. C.; SOARES, M. M. S. R. Microbiologia prática. 1. ed. São
Paulo: Atheneu, 2002.
TORTORA, G. J.; FUNKE, B. R.; CASE, C .L. Microbiologia. 8. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2004.
Capítulo 5
Genética microbiana
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 85

Objetivos
l Apresentar os principais conceitos relacionados à maquinaria genética nas
células bacterianas.
l Descrever os processos genéticos de divisão celular e transferência de infor-
mações bacterianas. 10
Alguns antimicrobianos
l Apresentar informações sobre a ocorrência de resistência bacteriana à como as quinolonas
atuam inibindo a DNA das
antimicrobianos10.
bactérias, impedindo a sua
replicação, causando a morte
1. Introdução microbiana.

A informação genética em uma célula é chamada de genoma e está organizado


em cromossomos, que são estruturas que contêm o DNA que transportam fisi-
camente a informação hereditária. Os cromossomos são formados por genes,
que por sua vez são segmentos de DNA que codificam os produtos funcionais.
Boa parte do metabolismo celular está relacionada a tradução da men-
sagem genética dos genes em proteínas específicas. Um gene normalmente
codifica uma molécula de RNA mensageiro (RNAm), que resulta na formação
de uma proteína. Quando a molécula final que um gene codifica foi produzida,
dizemos que o gene foi expresso.
O genótipo de um organismo é sua composição genética, a informação
que codifica todas as características particulares do organismo. O genótipo
representa as propriedades potenciais, mas não as propriedades em si. Já o
fenótipo refere-se às propriedades reais, expressas, como a capacidade de
um organismo em produzir determinada enzima e assim por diante. O fenótipo
é a manifestação do genótipo. O fenótipo dos microrganismos diz respeito a
maioria das proteínas que ele produz.
A maior parte do material genético bacteriano está contida em um único
cromossomo formado de uma molécula circular de fita dupla de DNA com pro-
teínas associadas (Figura 35). O cromossomo encontra-se aderido à mem-
brana plasmática em um ou vários pontos. A molécula de DNA encontra-se
torcida e compactada pela ação de uma enzima chamada topoisomerase II
ou DNA girase. Dentre as propriedades e funções do DNA está a replicação e
transmissão de moléculas hereditárias durante divisão celular possibilitando o
fluxo de informação genética de uma geração para a seguinte.
86 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Figura 35 – Molécula de DNA


helicoidal de dupla fita
Fonte: GOOGLE, 2010.

Além do material genético contido no cromossomo as bactérias podem


apresentar estruturas chamadas plasmídios (Figura 36), que são moléculas
circulares de DNA de fita dupla presentes no citoplasma. Estas moléculas
de DNA contem genes que codificam informações usualmente desnecessá-
rias à sobrevivência da bactéria, mas que podem capacitar seus hospedeiros
a sobreviver em ambientes desfavoráveis, tornando-as aptas a matar outras
bactérias ou resistir a ação de antimicrobianos, por exemplo.

Figura 36 – Plasmídios bacterianos.


Fonte: Google, 2012

2. Replicação do DNA
Durante a replicação do DNA ocorre a cópia da molécula de DNA parenteral
de fita dupla em duas moléculas de DNA-filhas de fita dupla. Este processo é
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 87

denominado replicação semiconservativa porque cada molécula filha contém


uma fita da molécula parenteral e uma fita nova sintetizada.
O processo de replicação tem início por ação da enzima DNA girase
que desenrola as duas fitas parenterais formando duas forquilhas de replica-
ção (Figura 37). As fitas do DNA já separadas servem como modelo para sín-
tese de uma nova fita que é completar à fita parenteral, de forma que a base
nitrogenada adenina (A) de uma fita emparelha com timina (T) da outra fita, e
guanina se liga a citosina. Este arranjo é mantido à medida que uma nova fita
é sintetizada.
A enzima DNA polimerase é responsável pela adição dos nucleotídeos
e da complementaridade da nova fita que está sendo formada com a fita pa-
renteral. Cada molécula de nucleotídeo contém duas extremidades: o terminal
desoxirribose (chamado extremidade 3’) e o terminal fosfato (chamado 5’).
Se os nucleotídeos da fita parenteral estão arranjados na direção 5’ → 3’, os
nucleotídeos da nova fita complementar estarão dispostos na direção 3’ →
5’. Desta forma, a fita parenteral velha e a fita recentemente sintetizada terão
polaridade opostas.

Figura 37 – Replicação da molécula de DNA.


Fonte: GOOGLE, 2010.

A DNA polimerase acrescenta um nucleotídeo de cada vez, mas ape-


nas na extremidade 3’ de uma fita em crescimento, e as duas novas fitas con-
tinuam a crescer em ambas as forquilhas de replicação, ou seja, no sentido
3’ → 5’ e 5’ → 3’. Mas como é possível o crescimento a partir da fita molde de
sentido 3’ → 5’? É possível porque moléculas de RNA primer se ligam a fita
molde e permitem que a DNA polimerase alongue a fita de DNA complemen-
tar adicionando desoxirribonucleotídeos na extremidade 3’ da fita 3’ → 5’.
A elongação é interrompida quando a extremidade 3’ da fita comple-
mentar de DNA atinge o RNA primer de uma fita previamente sintetizada. A
DNA polimerase remove o primer e então os vários fragmentos de fita de DNA
88 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

complementar formados são juntos pela enzima DNA ligase formando uma
fita contínua.

3. Transcrição e tradução da informação genética


Sequências de nucleotídeos específicas no DNA chamadas genes codificam
mensagens genéticas que orientam a produção de RNA e proteínas. Cada
gene codifica uma proteína específica. Para um gene resultar na produção de
uma proteína ocorre a seguinte sequência de eventos:
1. Primeiro ocorre a transcrição do DNA, onde a informação no gene é copia-
da para uma molécula de RNA mensageiro (RNAm);
2. O RNAm deixa o núcleo e carrega as informações transcritas para os ribos-
somos no citoplasma;
3. Nos ribossomos ocorre a tradução, onde a informação contida no RNAm é uti-
lizada para sintetizar uma proteína, com auxílio do RNA transportador (RNAt).
Uma enzima chamada RNA polimerase DNA dependente é respon-
sável por transcrever o gene para o RNAm que é complementar a uma das
fitas do DNA.
A tradução do RNAm ocorre nos ribossomos, que contém RNA ribos-
sômico (RNAr) e proteínas, sendo formados pelas subunidades 50S e 30S.
A informação contida no RNAm é baseada em unidades chamadas códons,
que são compostos por três ou quatro bases nitrogenadas e durante a tra-
dução, cada códon determina um aminoácido específico que deverá ser
acrescido na cadeia protéica em formação. As moléculas de aminoácidos
que serão adicionadas para formar a proteína são carreadas para os ribos-
somos pelo RNAt.

4. Alterações genotípicas
Alterações genotípicas podem ocorrer em microrganismos através de diferen-
tes mecanismos, e essas alterações podem resultam em variabilidade geno-
típica e/ou fenotípica.
Alterações no DNA podem ocorrer como resultado dos processos de
mutação e recombinação.

4.1. Mutação
Mutação é a alteração na sequência de nucleotídeos de um gene. Se um
gene tem sua sequência de nucleotídeos alterada, a proteína que ele codifi-
ca poderá ter alteração na sequência de aminoácidos. As mutações podem
ocorrer em todos os organismos vivos, mas na natureza são eventos raros
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 89

que podem acontecer ao acaso, sem uma causa aparente ou por exposição
a agentes mutagênicos, como, por exemplo, a luz ultravioleta e os raios X.
As mutações podem ser classificadas em vários tipos. Dois tipos co-
muns são mutação pontual e mutação por deslocamento do quadro de
leitura (frameshift). Na mutação pontual ocorre a substituição de um nucle-
otídeo por outro em um gene, esta mutação pode não resultar em nenhuma
alteração proteica, mas pode resultar também na síntese incompleta de prote-
ínas ou na produção de proteínas alteradas. Um exemplo de mutação pontual
é a anemia falciforme em humanos, cuja substituição de uma base no códon
para sexto aminoácido da hemoglobina muda o aminoácido ácido glutâmico
para valina, o resultado é a síntese anormal da proteína hemoglobina.
A mutação por deslocamento do quadro de leitura ocorre por adição
ou perda de um ou mais nucleotídeos, sendo denominadas mutação por in-
serção e mutação por deleção, respectivamente. Em ambas as situações
ocorrem alterações na leitura dos códons no ribossomo, resultando na forma-
ção de proteínas não funcionais.

4.2. Recombinação
Recombinação é um processo que produz um novo genótipo por meio da tro-
ca de material genético entre dois cromossomos homólogos. Em organismos
eucarióticos a recombinação pode ocorrer durante a meiose onde os pares de
cromossomos podem cruzar, quebrar e rearranjar-se de maneira que resulte
em modificações no genótipo.
Em células procarióticas, há somente um cromossomo, de forma que
as trocas ocorrem por transferência de material de uma bactéria doadora para
uma receptora. Como a recombinação só acontece entre cromossomos ho-
mólogos, a bactéria receptora e a doadora pertencem a mesma espécie ou
à espécies relacionadas. Três são as maneiras pelas quais pode ocorrer a
transferência de material genético entre bactérias resultando em recombina-
ção, estas são: transformação, transdução e conjugação.
Na transformação ocorre absorção de moléculas de DNA dispersas no
ambiente, provenientes de bactérias mortas e decompostas. A bactéria recep-
tora é capaz de absorver os fragmentos de DNA e incorporá-los em seu pró-
prio cromossomo. As bactérias capazes de realizar este tipo de recombinação
são ditas bactérias competentes.
Transdução é o processo de recombinação no qual o DNA bacteriano
é transferido de uma bactéria para outra através dos vírus chamados bacteri-
ófagos ou fagos. Durante o processo de replicação viral, os bacteriófagos po-
dem eventualmente incorporar pedaços do DNA bacteriano ao invés de DNA
90 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

viral, e, após serem liberados, podem infectar outra bactéria e transmitir a ela
os genes bacterianos que transportavam. A bactéria infectada incorpora em
seu cromossomo os genes recebidos do fago e estes passam a fazer parte do
mesmo de forma permanente. Desta forma, o segundo hospedeiro bacteriano
do fago adquire um ou mais genes do primeiro hospedeiro (Figura 38). Genes
cromossômicos e plasmídios podem ser transferidos para célula receptora
por meio de fagos.

Figura 38 – Mecanismo de transdução.


Fonte: sobiologia.com.br, 2010.

A conjugação é um processo de recombinação considerado uma for-


ma de reprodução sexuada primitiva entre as bactérias, onde ocorre trans-
ferência de genes de uma bactéria doadora para uma receptora através do
contato entre as duas (Figura 39).

Figura 39 – Processo de conjugação entre uma bactéria doadora (A) e


uma bactéria receptora (B).
Fonte: Google, 2010 – com adaptações.

As células doadoras contêm um plasmídio chamado plasmídio F, e por


isso são referidas como células F+, as células receptoras que não contém o
plasmídio F são denominadas células F-. O plasmídio F é um pequeno frag-
mento de DNA circular de fita dupla que não faz parte do cromossomo bacte-
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 91

riano e que pode replicar-se de forma independente. Ele codifica o chamado


pili sexual.
Dessa forma, a extremidade do pili sexual da célula F+ liga-se à célula
F-. Um canal é formado entre as duas por meio do qual é transferida uma fita
de DNA do plasmídio F da célula F+ para a célula F-. Desta forma a célula
F- recebe um plasmídio F e torna-se capaz de doar DNA (Figura 40).

Figura 40 – Transferência do Plasmídio F de uma bactéria F+


para uma bactéria F- através de conjugação.
Fonte: sobiologia.com.br, 2010.

Na conjugação apenas o plasmídio F é transferido de uma bactéria para


a outra. Os genes cromossômicos podem ser transferidos juntos com o plas-
mídio, mas esse é um evento raro. Este tipo de recombinação difere da trans-
dução e tradução, pois plasmídios e grandes segmentos ou até mesmo todo o
cromossomo podem ser transferidos para a bactéria receptora, enquanto nos
demais processos somente pequenos fragmentos de cromossomos podem
ser transferidos.

4.3. Transferência de plasmídios e resistência bacteriana


O processo de transferência de plasmídios está diretamente relacionado à
ocorrência de resistência bacteriana às diversas drogas antimicrobianas dis-
92 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

poníveis no mercado. Inicialmente, é importante compreender que, devido ao


ambiente constantemente hostil no qual as bactérias estão inseridas, qualquer
condição vantajosa de sobrevivência é extremamente importante e benéfica à
comunidade microbiana envolvida.
Ao iniciarem uma infecção no corpo humano, as bactérias encontram
pela frente diversas dificuldades para poderem aderir aos tecidos do hospedeiro
e se multiplicarem. São barreiras físicas, metabólicas, imunológicas e químicas
que precisam ser transpassadas. Durante esse início, muitas células morrerão
e muitas conseguirão prosseguir.
Caso o sistema imunológico não seja capaz de barrar uma infecção, a
terapia antimicrobiana é outra barreira a ser rompida pelas bactérias. Nesse
processo, muitas irão morrer nas primeiras horas de tratamento, outras nos pri-
meiros dias e o restante próximo ao final do tratamento. Entretanto, algumas
bactérias podem simplesmente não morrer, o que nos leva a concluir que há
resistência desses microrganismos à droga utilizada, graças à modificações ge-
néticas diferenciadas. Mas por que isso acontece?
Conforme você já leu nesse capítulo, os plasmídios carregam informa-
ções genéticas que podem ser transferidas para outras bactérias facilmente,
via pili de conjugação. Uma das informações que pode estar contida nesse
plasmídio é justamente aquela que codifica os mecanismos de resistência à
diversas drogas antimicrobianas e alguns fatores de crescimento bacteriano.
Os plasmídios que carregam essa informação são chamados de plasmídio
R. A resistência se baseia na presença de pelo menos um gene codificante de
uma enzima capaz de inativar um determinado antibiótico.
Os plasmídios R foram descobertos na década de 1950 em bactérias
intestinais que eram resistentes às sulfas, uma classe de antibióticos. Foi de-
monstrado anos depois que essas bactérias conseguiam transmitir a informa-
ção de resistência à outras bactérias não-resistentes e, ao se reproduzirem,
essas bactérias geravam novas cepas resistentes. Umas das drogas mais
famosas para qual bactérias conseguiram estabelecer resistência rapidamen-
te foi a Penicilina G.
Descoberta em 1929, a penicilina foi extensamente usada antes, duran-
te e após a Segunda Guerra Mundial, principalmente contra estafilococos e
estreptococos, grandes causadores de infecções respiratórias e septicemias.
Entretanto, a grande utilização – muitas vezes incorreta – ocasionou o apare-
cimento rápido de resistência bacteriana à droga.
No início da sua utilização, estima-se que praticamente todas as linha-
gens conhecidas de Staphylococcus aureus eram sensíveis à penicilina G.
Somente uma década após, quase todas as infecções hospitalares ocorridas
à época eram causadas por cepas resistentes ao antibiótico, que produziam
penicilinase, enzimas atualmente conhecidas como β-lactamases.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 93

Inicialmente, o problema da resistência bacteriana parecia não ser tão


grave, já que novas drogas antimicrobianas foram descobertas, como os ami-
noglicosídeos e macrolídeos, além das modificações estruturais em drogas
já existentes.
Com isso, o espectro de utilização dos antibióticos aumentou. Entre-
tanto, os problemas de refratariedade dos pacientes aos tratamentos conti-
nuaram a existir, e atualmente, apesar do número de antibióticos disponíveis
comercialmente superar uma centena, há existência de microrganismos dota-
dos de multirresistência, que não apresentam sensibilidade a nenhuma droga
de uso clínico, levando rapidamente à morte pacientes hospitalizados.
Esse fato representa um problema de saúde pública mundial cada vez
mais grave, inclusive no Brasil, onde recentemente (2010), dezenas de pesso-
as morreram em um surto decorrente de infecções hospitalares causadas por
cepas modificadas de Klebsiella pneumoniae, que apresentavam mutações
que conferiram multirresistência a diversas drogas antimicrobianas.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), juntamente com a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), lançaram um comunicado de
abrangência mundial com recomendações aos médicos e demais profis-
sionais da saúde, bem como pacientes, acerca dos cuidados nas insta-
lações hospitalares, visando prevenir o aumento dos casos de infecções
hospitalares (Figura 41).
94 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Figura 41 – Alerta emitido pela OMS e


ANVISA com recomendações para evitar
infecções hospitalares.
Fonte: ANVISA, 2010.

11
Escherichia coli O157:H7
foi isolada pela primeira
vez em 1975 na Califórnia,
de uma mulher com
diarreia sanguinolenta.
O microrganismo foi
reconhecido como causador
de doenças em humanos em
1982 quando foi associado
a dois surtos de colite A KPC, cepas de Klebsiella pneumoniae produtoras de carbapenemase
hemorrágica nos estados de foram apelidadas de “superbactérias”, devido ao seu amplo espectro de resis-
Oregon e Michigan. Ambos
tência. As “superbactérias”, de um modo bem generalista, são cepas bacteria-
os surtos foram relacionados
epidemiologicamente à nas de algumas espécies que apresentam multirresistência. Algumas cepas
ingestão de hambúrguer de Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA), Escherichia coli
contaminado em uma cadeia sorotipo O157 : H711 e a própria KPC podem ser vistas causando infecções
de “fast-food”. Na década hospitalares de gravidade importante.
de 1990 vários surtos de
Escherichia coli O157:H7
As comunidades médica e científica atribuem o aparecimento dessas
foram registrados nos bactérias multirresistentes ao uso inadequado de antibióticos e à facilidade
Estados Unidos, Canadá e com que as bactérias combatidas de modo inadequado adquiram algum me-
Grã-Bretanha. canismo de resistência e repasse-o às outras da colônia via plasmídio R.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 95

Visando coibir essa prática, a ANVISA, seguindo recomendação da


Organização Mundial da Saúde, baixou uma portaria em meados de 2010
proibindo a venda de antibióticos nas farmácias brasileiras sem a apresen-
tação e recolhimento do receituário médico devidamente preenchido. Dados
preliminares indicam que a recomendação foi extremamente bem recebida
pela comunidade médica e que a venda de antibióticos caiu cerca de 13%,
sugerindo que essa parcela de vendas deficitárias seja fruto da compra e uso
indiscriminado dessas drogas.

Saiba mais
Anvisa orienta estabelecimentos de saúde sobre a KPC
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou nesta segunda-feira uma nota técnica
direcionada a hospitais, secretarias de saúde e comissões de controle de infecção hospitalar com di-
retrizes para identificação, prevenção e controle de infecções por microrganismos multirresistentes.
De acordo com o documento, é necessário “enfatizar a importância da higienização das mãos
para todos os profissionais de saúde, visitantes e acompanhantes”. Além disso, acrescenta que é
preciso “reforçar a aplicação de precauções de contato”. As medidas são decorrentes do surto da
superbactéria KPC.
Ainda segundo a nota da Anvisa, é recomendada a “implementação de medidas de pre-
cauções de contato para pacientes admitidos em hospitais brasileiros, oriundos de instituições
hospitalares no exterior, ou que tenham sido recentemente hospitalizados no exterior”. Essa re-
comendação ocorre por conta dos recentes relatos de disseminação de outras superbactérias
produtoras de carbapenemases em diversos países, como o tipo NDM, oriundo da Índia e do
Paquistão, relatado em hospitais da Europa...
Fonte: http://veja.abril.com.br/noticia/saude/anvisa-orienta-estabelecimentos-de-saude-sobre-kpc

Síntese do capítulo
Nesse capítulo apresentamos os principais conceitos relacionados à maquina-
ria genética na célula bacteriana, bem como as principais características do seu
material genético. Os processos de transformação, transferência e expressão
gênica foram abordados, com ênfase nos processos de origem plasmidial.
As principais estruturas envolvidas na transferência genética foram ci-
tadas, bem como foi discutido o histórico, processo e características da ocor-
rência de resistência bacteriana às drogas antimicrobianas. Relacionado à
isso, foi citado exemplos de infecções causadas por bactérias multirresisten-
tes e os últimos surtos de infecções hospitalares no Brasil.
96 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Atividades de avaliação
1. Cite e descreva os mecanismos que podem resultar em variabilidade gené-
tica nos microrganismos.
2. É possível que a informação de resistência bacteriana a drogas antimicro-
bianas seja inserida diretamente no cromossomo bacteriano e este por sua
vez repasse a informação para células filhas?
3. Cite duas classes de antibacterianos disponíveis comercialmente e infor-
me seus mecanismos de ação. Dica: utilize a bula dos medicamentos para
consultar a resposta.
4. Observe a seguinte situação: Roberta, 21 anos, técnica de Enfermagem,
apresentava constantemente infecções bacterianas de garganta. Como
tratamento, utilizava comprimidos de amoxilina segundo recomendação
médica. Tempos após, Roberta passou a exibir refratariedade ao tratamen-
to com amoxilina. De posse dos seus conhecimentos adquiridos nessa uni-
dade e por meio de pesquisas adicionais, responda o que significa o termo
“refratariedade” e indique as possíveis causas do acontecido levando em
conta que o ocorrido pode ter relação com a profissão de Roberta.

Leituras
ANGERT, E. R. Alternatives to binary fission in bacteria. Nature. v. 3. 2005.
p. 214-224.
BARKAY, T.; SMETS, B. F. Horizontal Gene Flow in Microbial Communities.
ASM News. v. 71, n. 9. 2005. p. 412-419.

Sites
http://www.youtube.com/watch?v=UertSvu68qg
http://www.youtube.com/watch?v=NHfK8Q4c8DQ&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=dCutzJJgcFM&feature=related
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 97

Referências
BLACK, J. G. Microbiologia: Fundamentos e Perspectivas. 4. ed. Rio de Ja-
neiro: Guanabara Koogan, 2002.
http://mundohoje.com.br/superbacteria-kpc-o-que-e-como-tratar-prevencao-
-e-sintomas.html
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI16760-15257-1,00-
O+ATAQUE+DAS+SUPERBACTERIAS.html
PELCZAR, J. P., CHAN, E. C. S.; KRIEG, N. R. Microbiologia: conceitos e
aplicações. 2. ed. São Paulo: Makron Books, 1997. v. 1 e 2.
TORTORA, G. J.; FUNKE, B. R.; CASE, C. L. Microbiologia. 8. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2004. 920 p.
Capítulo 6
As bactérias
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 101

Objetivos
l Descrever as características gerais dos principais grupos de bactérias.
l Compreender as principais regras utilizadas no sistema de classificação do
manual de sistemática bacteriológica de Bergey.

1. Introdução
As bactérias (do latim, bacterium) são organismos unicelulares, relativamente
simples e muito pequenos (Figura 42), cujo material genético não está envolto
por uma membrana nuclear especial. Por essa razão, as bactérias são deno-
minadas seres procariotos, que em grego significa pré-núcleo.

a) b) c)
Figura 42 – Diversidade bacteriana. (a) Pseudomonas aeruginosa, em for-
ma de bacilo e com presença de flagelos. (b) Streptococcus, apresenta
cocos que se dividem e permanecem ligados em forma de cadeia. (c) Spi-
rillum volutans, forma espiralada com flagelos em arranjo anfitríquio.
Fonte: RAVEN; EVERT; EICHORN, 2001.

O domínio Bacteria é constituído por 23 filos, 32 classes, 5 subclasses,


77 ordens, 14 subordens, 182 famílias, 871 gêneros e 5.007 espécies.
Os organismos nesse domínio são divididos em três categorias fenotípi-
cas: (1) as que são Gram-negativas, (2) as que são Gram-positivas e (3) sem
parede celular. Utilizando ferramentas de bioinformática, os microbiologistas
criaram sistemas taxonômicos numéricos que não apenas ajudam a identifi-
102 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

car as bactérias por suas características físicas, mas também podem ajudar
a estabelecer o grau de “parentesco” desses organismos ao se comparar a
composição de seu material genético e outras características celulares.
Muitas características das bactérias são examinadas para fornecer
dados para a identificação e classificação. Essas características incluem a
morfologia celular (forma), reações a corantes, motilidade, morfologia colo-
nial, exigências nutricionais, atividades bioquímicas e metabólicas, enzimas
específicas que o organismo produz, patogenicidade e composição genética.

2. Classificação taxonômica para bactérias


O mais utilizado esquema de classificação taxonômica para bactérias é en-
contrado no Bergey’s Manual of Systematic Bacteriology, algumas vezes re-
ferido como a “Bíblia” dos bacteriologistas. Nesse manual, as bactérias estão
separadas em quatro divisões: três consistem em células eubacterianas (do-
12
As regras para a
denominação de novas mínio Bacteria), e a quarta consiste nas archaea (domínio Archaea). Vale res-
bactérias recentemente saltar que esse esquema encontra-se continuamente sendo revisado. Espera-
classificadas e a designação -se que quando todos os volumes estiverem concluídos, conterão descrições
destas para um táxon são
de mais de 6 mil espécies de bactérias.
estabelecidas pela Comissão
Internacional de Bacteriologia Nos últimos anos vem sendo proposta uma revisão desses táxons12
Sistemática e publicado no superiores para estabelecer os reinos nos domínios Bacteria e Archaea. A
Código Bacteriológico. As
classificação nesses táxons é baseada em similaridades nas sequências de
descrições das bactérias
e das evidências de sua rRNA. Cada divisão é separada em classes, havendo ao todo sete classes
classificação são publicadas de bactérias. As classes são divididas em ordens; as ordens, em famílias; as
no International Journal of famílias, em gêneros; e os gêneros, em espécies.
Systematic Bacteriology,
antes de serem incorporadas Como as decisões e controvérsias taxonômicas são arbitradas por um
no Bergey’s Manual of comitê, o conhecimento e os vieses individuais introduzidos a esse nível tor-
Bacteriology. nam algo arbitrária a classificação fenotípica acima do nível de espécie. Entre-
tanto, as regras de nomenclatura que indicam uma classificação hierárquica
são aceitas há anos como a convenção taxonômica para esses esquemas de
classificação não-hierárquicos.
Em consequência, os nomes de famílias têm a terminação latinizada –
aceae (por exemplo, a família Entebacteriaceae), os nomes de ordens têm a
terminação – ales (exemplo: a ordem Eubacteriales), e os nomes de tribos ter-
minam por – eae (exemplo: a tribo Proteae).
A espécie bacteriana é definida de maneira diferente das espécies eu-
carióticas, as quais são um grupo de organismos intimamente relacionados
que podem cruzar entre si. Diferentemente da reprodução em organismos eu-
carióticos, a divisão celular em bactérias não é diretamente ligada à conjuga-
ção sexual, a qual não é frequente e é, necessariamente, espécie-específica.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 103

Uma espécie bacteriana, entretanto, é definida simplesmente como uma


população de células com características similares. Os membros das espé-
cies bacterianas são essencialmente semelhantes entre si, porém distintos dos
membros das outras espécies, em geral com base em várias características.
Em alguns casos, culturas puras de uma mesma espécie não são idên-
ticas. Cada um desses grupos é denominado de linhagem, que é uma cole-
ção de células derivadas de uma única célula. As linhagens são identificadas
por números, letras ou nomes que seguem uma denominação específica.

3. Denominações bacterianas
Além dos pesquisadores proporem nomes científicos adequados para as bac-
térias, algumas vezes os nomes remetem à sua forma. Caso a palavra “co-
13
Sempre que você vir a
palavra Bacillus escrita com a
cos” apareça no nome de uma bactéria, automaticamente sabe-se a forma
inicial maiúscula e sublinhada
do microrganismo – esférica. Os exemplos incluem gêneros como Entero- ou escrita em itálico, refere-
coccus, Peptococcus, Peptostreptococcus, Staphylococcus e Streptococcus. se a um gênero particular
Entretanto, nem todos os “cocos” apresentam a palavra cocos no nome (por de bactérias em forma de
bastonete. Entretanto, se
exemplo, Neisseria spp.).
você vir a palavra bacilos,
O mesmo ocorre para a palavra “bacilo”, caso ela apareça no nome da sem estar escrito com
bactéria, já se sabe que a forma é bastão. Os exemplos incluem gêneros como a inicial maiúscula, nem
sublinhado ou escrita em
Actinobacillus, Bacillus13, Lactobacillus e Streptobacillus. Entretanto, nem todos
itálico, isto significa qualquer
os “bacilos” apresentam a palavra bacilo no nome (ex.: Escherichia coli14). bactéria em forma de
São também comumente usados termos como estafilococos (para es- bastonete.
pécies de Staphylococcus), estreptococos (para espécies de Streptococcus), 14
Escherichia coli O157 : H7
clostrídios (para espécies de Clostridium), riquétsias (para espécies de Ricket- foi isolada pela primeira
tsia), entre outros. Nos hospitais, são frequentemente utilizadas alcunhas e vez em 1975 na Califórnia,
de uma mulher com
abreviaturas como: gonococos (para Neisseria gonorrhoeae), pneumococos
diarreia sanguinolenta.
(para Streptococcus pneumoniae), entre outros. É comum ouvir alguns pro- O microrganismo foi
fissionais utilizarem expressões como: meningite meningocócica, pneumonia reconhecido como causador
pneumocócica, faringite estreptocócica etc. de doenças em humanos em
1982 quando foi associado
Com bastante frequência as bactérias são denominadas pelas doen- a dois surtos de colite
ças que causam, como antraz (causada pelo Bacillus anthracis), tuberculose hemorrágica nos estados de
(Mycobacterium tuberculosis), gonorreia (Neisseria gonorrhoeae), cólera (Vi- Oregon e Michigan. Ambos
os surtos foram relacionados
brio cholerae). Também existem casos que as mesmas recebem designações
epidemiologicamente à
errôneas, por exemplo, a Haemophilus influenzae não causa a influenza, que ingestão de hambúrguer
se trata de uma doença respiratória causada por vírus. contaminado em uma cadeia
E, por fim, algumas vezes os microrganismos, recebem nomes rela- de “fast-food”. Na década
de 1990 vários surtos de
cionados com o nome da pessoa que os descobriu, tais como Yersinia pestis Escherichia coli O157:H7
(Alexandre Yersin), Bordetella (Jules Bordet), Escherichia (Theodor Escheri- foram registrados nos
ch), Neisseria (Albert Neisser) e Salmonella (Daniel Salmon) (Figura 43). Estados Unidos, Canadá e
Grã-Bretanha.
104 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Albert Ludwig Jules Jean Baptiste


Daniel Elmer Salmon
Sigesmund Neisser Vincent Bordet
(1850-1914)
(1855-1916) (1870-1961)
Figura 43 – Galeria de fotos de bacteriologistas que deram seus nomes para a
denominação de algumas bactérias.
Fonte: GOOGLE, 2010.

Saiba mais
Fleming: o acaso e a observação
Tem-se dito que muitas descobertas científicas são feitas ao acaso. O acaso, já dizia Pasteur, só
favorece aos espíritos preparados e não prescinde da observação. A descoberta da penicilina
constitui um exemplo típico.
Alexander Fleming, bacteriologista do St. Mary’s Hospital, de Londres, vinha já há algum
tempo pesquisando substâncias capazes de matar ou impedir o crescimento de bactérias nas fe-
ridas infectadas. Essa preocupação se justificava pela experiência adquirida na Primeira Grande
Guerra (1914-1918), na qual muitos combatentes morreram em consequência da infecção em
ferimentos profundos. Em 1922 Fleming descobrira uma substância antibacteriana na lágrima e
na saliva, a qual dera o nome de lisozima.
Em 1928 Fleming desenvolvia pesquisas sobre estafilococos, quando descobriu a penicilina.
A descoberta da penicilina deu-se em condições peculiaríssimas, graças a uma sequência de
acontecimentos imprevistos e surpreendentes. No mês de agosto daquele ano Fleming tirou
férias e, por esquecimento, deixou algumas placas com culturas de estafilococos sobre a mesa,
em lugar de guardá-las na geladeira ou inutilizá-las, como seria natural.
Quando retornou ao trabalho, em setembro, observou que algumas das placas estavam con-
taminadas com mofo, fato que é relativamente frequente. Colocou-as então, em uma bandeja
para limpeza e esterilização com lisol. Neste exato momento entrou no laboratório um seu cole-
ga, Dr. Pryce, e lhe perguntou como iam suas pesquisas. Fleming apanhou novamente as placas
para explicar alguns detalhes ao seu colega sobre as culturas de estafilococos que estava reali-
zando, quando notou que havia, em uma das placas, um halo transparente em torno do mofo
contaminante, o que parecia indicar que aquele fungo produzia uma substância bactericida. O
assunto foi discutido entre ambos e Fleming decidiu fazer algumas culturas do fungo para estudo
posterior... cont.
Fonte: http://usuarios.cultura.com.br/jmrezende/penicilina.htm
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 105

4. Diversidade bacteriana 15
A diversidade patogênica de
E. coli chega a ser fantástica.
4.1. Bactérias Gram negativas A espécie compreende cinco
categorias que causam
Como visto nos capítulos anteriores, as bactérias denominadas de Gram- infecção intestinal por
-negativas apresentam essa denominação devido a sua típica parede celular, diferentes mecanismos e
mais fina e mais complexa que a parede celular das Gram-positivas. várias outras especificamente
associadas com infecções
Seus principais representantes são descritos dentro dos seguintes urinárias, meningites e
grupos: Bacilos Gram-negativos anaeróbios facultativos; Bacilos e Cocos provavelmente outras
Gram-negativos Aeróbios; Bacilos Gram-negativos, Aeróbios/Microaerófilos, infecções extraintestinais.
As categorias que causam
Móveis, Helicoidais/Vibrioides; Bacilos Gram-negativos, Anaeróbios, Retos,
infecção intestinal são
Curvos e Helicoidais e Bacilos Gram-negativos de taxonomia incerta. coletivamente chamadas
de E. coli diarreiogênicas e
4.2. Bacilos Gram negativos anaeróbios facultativos as associadas a infecções
extraintestinais de EXPEC
Os bacilos Gram-negativos anaeróbios facultativos constituem um grupo mui- (Extraintestinal Pathogenic
to importante de bactérias, das quais muitas causam doenças no trato gas- E. coli). Além de ser um
trointestinal e em outros órgãos. Três famílias merecem destaque: Enterobac- patógeno importante, E. coli
é membro da microbiota
teriaceae, Vibrionaceae e Pasteurellaceae. intestinal normal do homem,
Enterobacteriaceae: A mais conhecida família bacteriana. Pertence a ela o sendo encontrada nas fezes
ser vivo mais estudado (Escherichia coli15) e muitos dos patógenos mais im- de indivíduos normais. Esta
estreita associação com as
portantes para o homem e demais animais (Figura 44). Seus membros tem fezes do homem (e também
distribuição ubíqua16, sendo particularmente encontrados no trato intestinal de de outros animais) representa
seres humanos e outros animais. Muitas espécies são de considerável im- a base do teste para verificar
portância econômica devido a seus efeitos patogênicos na agricultura e em contaminação fecal da água
e dos alimentos.
animais. Os principais gêneros estão descritos na Quadro 3.

Microrganimos ubíquos:
16

seres que estão amplamente


distribuídos na natureza,
sendo encontrados no solo,
na água, em vegetais etc.

Figura 44 – E. coli. Bacilos retos, não formadores


de esporos, tamanho 2,0 x 0,5 μm.
Fonte: http://en.academic.ru/dic.nsf/enwiki/25252.
106 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Quadro 3
DESCRIÇÃO DOS PRINCIPAIS GÊNEROS DE BACTÉRIAS ENTÉRICAS
Gênero Habitat Características especiais
Organismo mais familiar para a Microbiologia.
Trato intestinal
Sua presença na água e em alimentos é um importante
Escherichia 17
de animais de sangue
indicador de contaminação fecal.
quente
Algumas linhagens produzem enterotoxinas.
Potencialmente patogênicos e causam infecções alimentares
Trato intestinal de aves (salmoneloses).
Salmonella
E. coli diarreinogênicas:
17 e bovinos Nenhum dos métodos de nomenclatura descritos para o
São divididas em 5 categorias: gênero é satisfatório.
• E. coli enterotoxigênica Shigella Trato intestinal do homem Causam shigelose que pode evoluir para disenterias mortais.
• E.coli enterohemorrágica
• E. coli enteroagregativa Causam pneumonia.
Água, solo, trato intestinal
• E. coli enteroinvasora Klebsiella Sua patogenia está intimamente associada à composição
do homem, nasofaringe
• E. coli enteropatogênica química da cápsula polissacarídica.

Trato intestinal do homem, Ativamente móveis.


Proteus
água, solo, plantas Promovem infecções no trato urinário, feridas e diarreias infantis.
Água, esgoto, solo e animais
Enterobacter Envolvidas em infecções hospitalares e no trato urinário.
de sangue quente

Vibrionaceae: Seus representantes são ligeiramente curvos e apresentam


como principal habitat o ambiente aquático. As vibrioses estão associadas
ao consumo de alimentos de origem marinha (crus ou inadequadamente
cozidos), a manipulações traumáticas do pescado (feridas) e à exposição
direta à água do mar.
O gênero mais importante da família é o Vibrio, descoberto em 1883
por Robert Koch, e deve seu nome à sua aparência quando observado ao
microscópio óptico. Existem cerca de 30 espécies descritas, com destaque
para a espécie V. cholerae (Figura 45).

Figura 45 – V. cholerae. Observar a leve curvatura característi-


ca destes bastonetes.
Fonte: TORTORA; FUNKE; CASE, 2010.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 107

V. cholerae, também conhecido como vibrião colérico, é o agente cau- 18


Quando invadem um novo
sador da cólera. A espécie pode ser encontrada naturalmente em diversos espaço – isto inclui, a espécie
humana – as bactérias
ecossistemas, na forma de vida livre ou aderida a superfícies de plantas, algas
podem assumir duas formas:
verdes filamentosas, zooplânctos, crustáceos e insetos. A espécie também a planctônica, quando
pode ser encontrada dentro de comunidades multicelulares conhecidas como circulam isoladamente, e a
biofilmes18, estruturas embebidas por uma matriz extracelular polissacarídica forma em biofilme. Nesta,
elas inicialmente aderem
que as defendem das agressões ambientais.
a um substrato - próteses,
cateteres, rochas - e
posteriormente produzem
uma matriz, denominada
Saiba mais glicocálice, onde formam
microcolônias. Em
suma, os biofilmes são
V. cholerae e as 7 pandemias agregados microbianos
Primeira pandemia (1817-1824 - Ásia, África, Europa e América do Norte). que se desenvolvem
Segunda pandemia (1826-1837 – Rússia, Europa, América do Norte). espontaneamente em
Terceira pandemia (1846-1862 – Europa, América do Norte e Sul (Brasil)). qualquer superfície sólida
Quarta pandemia (1863-1875 – 4 continentes). em condições fisiológicas
Quinta pandemia (1881-1896 – Europa e América do Sul).
adequadas. Esta agregação
Sexta pandemia (1899-1923 – Europa e Ásia).
Sétima pandemia (1961-2001 – África, Ásia e America Latina). de microrganismos em
Merece destaque a séatima pandemia de cólera, iniciada em 1961, quando o Vibrio cholerae, biofilmes tem grande
biótipo El Tor, ultrapassou os limites de uma área endêmica em Célebes, Indonésia e foi in- importância em várias
troduzido na América Latina através do litoral peruano. Atingiu posteriormente outros países atividades humanas como
sul-americanos, inclusive o Brasil, onde os primeiros casos foram detectados em abril de 1991, a saúde e a indústria. No
no Estado do Amazonas, de onde se alastrou progressivamente pela região Norte. No final de âmbito da engenharia
1991, atingiu o Maranhão e no final de 1992 todos os Estados do Nordeste já haviam sido atin-
biológica os biofilmes
gidos. Em 1993 e 1994 foram registrados casos em Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro,
São Paulo e Paraná. são utilizados em certos
bioprocessos, em particular
para o tratamento de
Pasteurellaceae: Incluem dois gêneros importantes Pasteurella e Haemophilus. efluentes, aproveitando a
No momento atual, a estrutura taxonômica desta família está complicada e con- capacidade natural dos
microorganismos de formar
fusa, e os taxonomistas estão procurando estabelecer as relações entre os mem-
agregados para produzir
bros dos gêneros descritos acima e a inclusão apropriada de várias espécies. processos mais eficientes.
O gênero Pasteurella é um cocobacilo Gram-negativo, imóvel e sensível
a penicilina. É responsável por infecções enzoóticas em humanos e animais.
Muitos mamíferos e aves abrigam essa bactéria nos seus tratos respiratórios
como integrante da microbiota normal.
Já o gênero Haemophilus, cujo nome deriva de radicais gregos que
significam “amantes do sangue”, necessitam de sangue na composição do
meio de cultura para seu pleno desenvolvimento. Algumas espécies também
necessitam do fator X (grupo de compostos tetrapirrólicos, provenientes por
vários pigmentos que contêm ferro), e do fator V (nicotinamida adenina dinu-
cleotídeo – NAD). Ambos os fatores são encontrados no interior de eritrócitos,
incluindo os eritrócitos de carneiro utilizados nas formulações de ágar sangue
rotineiramente utilizados nos laboratórios. Trata-se de uma bactéria bacilar pe-
108 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

19
Existem microrganismos quena, Gram negativa e imóvel, que provoca meningites e septicemias, geral-
resistentes a quase a mente em crianças menores de 5 anos de idade.
totalidade das classes de
antimicrobianos, incluindo
os de uso controlado e de Bacilos e cocos Gram negativos aeróbios
uso restrito pela Comissão Este grupo é formado por espécies de importância ambiental, industrial e mé-
de Controle de Infecção
Hospitalar (CCIH). As
dica. Um dos mais interessantes gêneros é Pseudomonas19 (Figura 46). São
espécies de P. aeruginosa bacilos com flagelo polar, que excretam pigmentos extracelulares (piocianina,
multirresistentes atacam piorubina, fluoresceína, pioverdina), solúveis em água que se difundem em
geralmente pessoas seu próprio meio e conferem colorações peculiares.
com quadros de saúde
complicados, agravado por
alguma doença. As vítimas
preferidas são pessoas
gravemente enfermas, ou que
estão internadas em UTIs,
submetidas a procedimentos
invasivos.

20
Um dos sucessos
mais promissores da
biorremediação na Figura 46 – Micrografia eletrônica da es-
degradação de poluentes pécie Pseudomonas aeruginosa.
Fonte: CARR (CDC), 2006.
ocorreu no Alaska, após
o vazamento do petroleiro
Exxon Valdez. Várias Também merece destaque sua atuação na biorremediação16 do petróleo,
bactérias de ocorrência visto que, a presença de derivados de petróleo no meio ambiente é de grande
natural do gênero interesse ecológico e sanitário, devido ao seu grande tempo de degradação,
Pseudomonas, existentes
toxicidade e habilidade de acumularem-se. Entre as tecnologias utilizadas para
no local do vazamento,
foram capazes de degradar recuperar os solos contaminados, a biorremediação, processo pelo qual mi-
lentamente o petróleo crorganismos, como Pseudomonas putida, transformam os contaminantes em
para suas necessidades compostos menos tóxicos, tem atraído grande interesse na área ambiental.
de carbono e energia.
Para acelerar o processo Na atualidade, a espécie P. aeruginosa se posiciona entre as principais
de degradação foram bactérias causadoras de infecções hospitalares. Relatos de redução da sensi-
derramados fertilizantes bilidade da P. aeruginosa aos antimicrobianos vêm sendo publicados no Brasil
vegetais ricos em nitrogênio
e em outros países20.
e fósforo aumentando o
número de bactérias e, por Recentemente, com base no RNA ribossomal, várias espécies de Pseu-
consequência, a taxa de domonas foram reclassificadas no gênero Burkholderia. A espécie Burkhol-
degradação, livrando as
deria pseudomallei causa uma doença denominada melioidose21, que possui
praias do óleo.
alta taxa de letalidade. A doença ocorre principalmente na Austrália e sudeste
da Ásia, Oceania e China continental. No Brasil, a melioidose foi diagnostica-
da pela primeira vez no Ceará, em 2003. A infecção se dá por meio do solo ou
da água contaminados, através da ingestão, inoculação cutânea ou inalação
do bacilo.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 109

Dentro do grupo de bacilos e cocos Gram-negativos aeróbios, ainda 21


A melioidose no Ceará:
merecem destaque os gêneros Legionella, Neisseria, Rhizobium, Bradyrhizo- Todos os sete casos
registrados no Brasil
bium (os dois últimos merecem atenção especial para a agricultura), outros ocorreram no Ceará, sendo
são fixadores de nitrogênio, como Azotobacter e Azomonas, existem também quatro no município de
patógenos de vegetais, Agrobacterium e alguns de importância industrial, Tejuçuoca, um em Banabuiú
como Acetobacter e Gluconobacter, que convertem o etanol em vinagre. Se- e outro em Aracoiaba. Houve
ainda um caso de um turista
gue breve descrição sobre alguns desses gêneros. holandês que foi contaminado
Legionella: Em 1977, em Filadélfia, EUA, uma epidemia de uma misteriosa pela bactéria quando visitou
doença atingiu 182 pessoas, das quais 34 morreram. O responsável foi o sis- o litoral cearense, vindo
a falecer em seu país. As
tema de ar condicionado contaminado que difundiu uma bactéria denominada autoridades de saúde da
Legionella pneumophila. Após intensivos esforços, foram desenvolvidos meios Holanda comunicaram
de cultura especiais que permitiram aos pesquisadores isolarem e cultivarem a morte à Secretaria da
em laboratório a Legionella. Recentes estudos mostram que esse gênero é Saúde do Estado (SESA).
Recentemente registrou-se
relativamente comum em fluxos de água, e colonizam habitats como linhas um novo caso de melioidose
de suprimento de água quente em hospitais e águas de torres de resfriamento no município de Granja, a
em sistemas de ar condicionado. 488 km de Fortaleza. O caso
foi confirmado em março
Neisseria: O gênero Neisseria apresenta espécies de bactérias Gram-nega- de 2009 e continua sob
tivas, aeróbias, na forma de diplococos “riniformes” ou “grãos de café”. As investigação epidemiológica
espécies que merecem destaque são: N. gonorrhoeae22, espécie relacionada da SESA. Subindo para
a uma doença sexualmente transmissível (DST) denominada gonorreia e a oito o número de pessoas
acometidas pela doença.
espécie N. meningitidis, agente da meningite meningocócica. A letalidade da doença no
Rhizobium e Bradyrhizobium: São bactérias fixadoras de nitrogênio simbió- Estado do Ceará chega a
ticas que atuam positivamente no crescimento das plantas. Os gêneros têm a 85,7%.
habilidade de infectar raízes de plantas leguminosas, tais como soja, feijão, er- 22
Os principais métodos de
vilha, amendoim, alfafa, entre outras (Figura 47). Após essa infecção, a planta diagnóstico da gonorreia são
fornece condições anaeróbias e nutrientes para o crescimento da bactéria, e a a bacterioscopia e a cultura.
bactéria fixa o nitrogênio para ser incorporado às proteínas da planta. Milhões A Organização Mundial
de toneladas de nitrogênio são fixados desta forma a cada ano. da Saúde (OMS) indica a
bacterioscopia como método
de escolha para o diagnóstico
da gonorreia no homem, em
função de sua sensibilidade
e especialidade. Já para as
mulheres, devido o número
de casos assintomáticos e a
presença de um ecossistema
vaginal, é indicada a cultura
de amostras do canal
endocervical.
110 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Figura 47 – Membros dos gêneros fixadores de nitrogênio


Rhizobium e Bradyrhizobium formam estes nódulos em le-
guminosas. Esta associação mutualística é benéfica para
ambos, planta e bactéria.
Fonte: http://sublimart.blogspot.com/2010/02/rhizobium.html

Azotobacter e Azomonas: Bactérias fixadoras de nitrogênio de vida livre no


solo. São utilizadas com frequência em demonstrações de fixação de nitrogê-
nio em laboratórios didáticos e de pesquisa.
Agrobacterium: Entre as doenças bacterianas de plantas, a galha-da-coroa
tem-se destacado nos últimos anos, não pela importância econômica dos pre-
juízos causados por ela, mas pelo impacto que o estudo dessa doença trouxe
para a ciência moderna, pois através das pesquisas, principalmente com a
espécie A. tumefaciens, foi possível a descrição de que as células vegetais in-
fectadas pela bactéria adquirem a propriedade de se multiplicarem de manei-
ra autônoma, sem a necessidade de estímulos externos, algo não constatado
na literatura até então.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 111

4.4. Bacilos Gram negativos, aeróbios/microaerófilos, móveis, 23


Biorremediação: Remediar
helicoidais/vibrioides é atenuar com remédio o mal,
reparar, corrigir, evitar, obstar,
As bactérias helicoidais ou espirais, diferente das espiroquetas, apresentam
prevenir, minorar, atenuar,
hélices rígidas ou bacilos curvos, sendo frequentemente microaerófilas. entre outros. Tecnologia
A maioria das bactérias espiriladas trata-se de inofensivos organismos que visa à prevenção e
minimização de impactos
aquáticos, como Spirillum volutans, microrganismo peculiarmente grande,
antrópicos negativos e a
medindo até 60 µm de comprimento (Figura 48). restauração de habitats
naturais contaminados
utilizando agentes biológicos,
ou seja, realizar o controle de
poluentes por meio do uso de
processos biológicos.

24
Os principais métodos de
diagnóstico da gonorreia são
a bacterioscopia e a cultura.
A Organização Mundial
Figura 48 – Spirillum volutans. da Saúde (OMS) indica a
Fonte: http://www.eol.org/pages/975077
bacterioscopia como método
de escolha para o diagnóstico
Dentro do grupo de Bacilos Gram-negativos, Aeróbios/Microaerófilos, da gonorreia no homem, em
função de sua sensibilidade
Móveis, Helicoidais/Vibrioides, merece atenção para a agricultura23 o gênero
e especialidade. Já para as
Azospirillum e para a medicina os gêneros Helicobacter e Campylobacter. mulheres, devido o número
Azospirillum: Encontrada naturalmente no solo, essa bactéria consegue cres- de casos assintomáticos e a
presença de um ecossistema
cer em íntima associação com as raízes de diferentes plantas, melhorando a
vaginal, é indicada a cultura
fixação de nitrogênio e produzindo auxinas, substâncias responsáveis pelo es- de amostras do canal
tímulo ao crescimento das plantas, podendo reduzir a utilização de fertilizantes endocervical.
nitrogenados na cultura de diferentes vegetais, como por exemplo, o milho.
Helicobacter: Apontada como agente causador de gastrites e úlceras gás-
tricas, essa bactéria (Figura 49) vem sendo encontrada em todo o mundo,
infectando pessoas de todas as idades, sobretudo as de baixo nível sócio-
-econômico e pouca higiene, podendo ser transmitida das mães para os fi-
lhos. Na atualidade mostra resistência aos tratamentos com muita frequência
e pode permanecer em reserva nas placas dentárias, por exemplo, vindo à
re-infectar o indivíduo uma vez cessado o tratamento.
112 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Figura 49 – Helicobacter pylori, agente causador da gastrite e


úlcera duodenal, bem como fator de risco do câncer gástrico.
Fonte: http://www.shef.ac.uk/mbb/staff/kelly

Campylobacter: São bactérias com a forma de vírgula, que compreende 14


espécies, das quais sete ou oito produzem doenças no homem. São móveis,
tem grande capacidade de adesão às células, poder de invasão e produzem
toxinas. As duas espécies mais encontradas no homem são o Campylobacter
jejuni, com 50 sorotipos, e o Campylobacter fetus. Estão entre as causas mais
comuns de diarreia em todo o mundo. Fora o homem, outros animais podem
ser acometidos, por exemplo, as aves, onde a espécie C. jejuni é a mais fre-
quente e a mais patogênica; o C. laridis, muito encontrado em gaivotas, tem
patogenicidade ainda não bem definida, enquanto o C. coli é considerado não
patogênico. Além da forma em vírgula, o Campylobacter pode ser encontrado
em aves na forma de “s” e na forma degenerativa cocoide.

Saiba mais
No dia 3/10/2005 a Nobel Assembly at Karolinska
Institutet decidiu que o prêmio Nobel de Fisiolo-
gia/Medicina em 2005 seria entregue aos cien-
tistas australianos Barry Marshall (1951) e Robin
Warren (1937) pelo trabalho sobre a bactéria He-
licobacter pylori e seu papel na gastrite e úlcera
péptica (Figura 50).
A aceitação pela comunidade científica não foi
fácil. Ainda na década de 1970, quando os estudos Figura 50 – À esquerda Robin Warren
começaram, achava-se que nada poderia crescer (1937) e à direita Barry Marshall (1951)
no estômago por causa do corrosivo suco gástrico.
Convencer a comunidade médica interna- ganhadores do prêmio Nobel de Fisiologia/
cional exigiu tempo e dedicação dos dois pes- Medicina em 2005, ao comprovarem que
quisadores, já que, por cerca de 100 anos, o pa- o H. pylori é o causador da úlcera péptica.
drão ensinado nas escolas de medicina indicava Fonte: http://www.isomed.com/english/helico-
que o estômago era estéril, e que, portanto, bacter.htm
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 113

nenhuma bactéria poderia viver ali. Quando os pesquisadores afirmaram que isso acontecia,
ninguém acreditou.
Para comprovar a sua tese, Warren consumiu, propositalmente, a bactéria, desenvolvendo
uma gastrite. Após esse trabalho e inúmeras outras pesquisas sabe-se que se trata de uma das
infecções mais frequentes no mundo, atingindo mais de 50% da população mundial. A maior parte
da população infectada com o H. pylori permanece saudável, sem sintomas e não necessita de
tratamento. Apenas uma minoria desenvolve doença clínica.

4.5. Bacilos Gram negativos, anaeróbios, retos, curvos e helicoidais


Dentre as bactérias anaeróbias Gram-negativas, os gêneros que se destacam
são: Bacteroides, Prevotella, Porphyromonas e Fusobacterium.
Bacteroides: São organismos imóveis não formadores de esporos, que fa-
zem parte da microbiota intestinal de mamíferos. Algumas espécies também
residem em locais anaeróbios tais como fenda gengival e são frequentemente
recuperados de infecções teciduais profundas. A espécie B. fragilis vem sendo
bastante estudada, tanto que pesquisas recentes mostraram que essa espé-
cie é enterotoxigênica, podendo ser encontrada no intestino de 20 a 35% das
crianças e dos adultos e em cerca de 40% das pessoas com câncer de cólon.
Fusobacterium: Bactérias em forma de bastonete, que são encontradas nas
cavidades de humanos e outros animais (Figura 51). Não formam esporos.
Algumas espécies são patogênicas e ocorrem em diversas infecções puru-
lentas ou gangrenosas.

Figura 51 – Fusobacterium nucleatum.


Aumento de 1000X.
Fonte: http://www.asm.org/division/c/photo/fnu-
clea1.JPG

4.6. Bacilos Gram negativos de taxonomia incerta


As riquétsias e clamídias são parasitas intracelulares obrigatórios que se re-
produzem somente no interior da célula, semelhantes aos vírus, mas com
as características bioquímicas e morfológicas que as fazem ser classificadas
como bactérias.
114 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Rickettsia: São bacilos ou cocobacilos Gram-negativos pequenos que não


crescem em meios de cultura artificiais e assim só podem ser cultivadas em
culturas de células, ovos embrionados e em alguns animais (Figura 52). Uma
característica bem marcante deste grupo é que são transmitidas ao homem
por insetos e carrapatos.

Figura 52 – Presença de células infectadas por R. ri-


cketsii na hemolinfa do carrapato.
Fonte: http://microbewiki.kenyon.edu/index.php/Rickettsia

As riquétsias são responsáveis por doenças como febre maculosa e


que incluem o tifo epidêmico, causado pela Rickettsia prowazekii e transmitida
pelo piolho; tifo murino endêmico, causado por R. typhi e transmitido pelas
pulgas dos ratos; e a febre maculosa das Montanhas Rochosas, causada por
R. ricketsii e transmitida por carrapatos.
Chlamydia: São cocos Gram-negativos que variam de 0,2 a 1,5 µm de tama-
nho. As clamídias apresentam um ciclo de vida bem típico com desenvolvi-
mento bifásico e, por esta razão, existem em duas formas celulares, conheci-
das como corpúsculo elementar (forma extracelular infecciosa) e corpúsculo
reticular (forma intracelular não-infecciosa). Por serem bactérias intracelulares
obrigatórias, não crescem em meios de cultura artificiais.
Diferente da maioria das riquétsias, as clamídias não necessitam de
insetos ou carrapatos para sua transmissão; são transmitidas para os homens
pelo contato entre pessoas ou por rotas respiratórias de origem aérea.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 115

Saiba mais
Bioterrorismo: a ameaça no continente americano
O Bacilus anthracis vem sendo enviada por terroristas a meios de comunicação e autoridades
norte-americanas, na forma de cartas com um pó contendo esse agente de guerra biológica. Os
primeiros casos – incluindo uma morte – foram constatados em 10/2001 em Boca Raton (Florida/
EUA), em uma editora de tabloides que criticavam fortemente o principal suspeito dos ataques
que destruíram as torres do World Trade Center de New York e atingiram o Pentágono, além de
casos suspeitos ocorridos na Europa.
No dia 12/10/2001, foi reportado o primeiro caso de antraz em New York, com uma funcio-
nária da rede de televisão NBC. As autoridades já investigavam episódios no Departamento de
Estado em Washington/DC e no estado do Colorado e já um mês antes haviam sido colocadas em
alerta máximo, proibindo até mesmo o uso de aviões de fumigação agrícola, com receio de um
ataque de terrorismo biológico.
Na verdade, o antraz em si é até bastante comum em todo o mundo, principalmente nos re-
banhos bovino e ovino, registrando-se raros casos de contaminação humana. Grupos terroristas e
mesmo alguns países chegaram a fazer experimentos com diversos organismos (além do antraz,
também as bactérias da peste bubônica, da brucelose e da febre tifoide, a toxina do botulismo e
os vírus de varíola e ebola). A doença é considerada altamente endêmica no Peru, endêmica em
Chile, Argentina, e Bolívia, não ocorrente nas Guianas e no Suriname e esporádica nos demais
países... cont.
Fonte: Observatório Epidemiológico | 19ª Semana Epidemiológica

4.7. Bactérias Gram positivas


Os principais representantes são descritos dentro dos seguintes grupos: Co-
cos Gram-positivos; Bacilos e Cocos Gram-positivos Formadores de Espo-
ros; Bacilos Gram-positivos Regulares Não-Formadores de Esporos e Bacilos
Gram-positivos Irregulares Não-Formadores de Esporos.

Cocos Gram positivos


As espécies de maior importância fazem parte dos gêneros Staphylococcus
e Streptococcus.
Staphylococcus: Seus representantes têm forma esférica (cerca de 1µm de
diâmetro) e formam grupos com aspecto de cachos de uvas (grego, staphyle:
cacho de uvas) (Figura 53). Os estafilococos são aeróbios facultativos, po-
dendo viver em meios aeróbios, usando oxigênio, ou anaeróbios através de
fermentação, mas possuem crescimento mais rápido em aerobiose. Possuem
temperatura ótima de crescimento de 37 °C, a mesma dos animais de san-
gue quente. Apresentam a habilidade de crescer bem sob condições de alta
pressão osmótica (por exemplo, presunto e outras carnes curtidas) e pouca
umidade, o que ajuda a explicar como podem crescer e sobreviver nas secre-
ções nasais e sobre a pele.
116 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Figura 53 – Staphylococcus aureus.


Fonte: http://www.microbelibrary.org/

A espécie de maior importância epidemiológica é S. aureus, denomi-


nada assim devido a pigmentação amarela das colônias (grego, aureus: dou-
rado). Embora essa espécie seja encontrada com relativa frequência como
membro da microbiota normal do corpo humano, trata-se de uma das bacté-
rias patogênicas mais importantes, uma vez que atua como agente de uma
ampla gama de infecções. Seus principais fatores de virulência são a enzima
coagulase, os componentes da superfície celular e toxinas.
25
Uma das vias mais
frequentes de transmissão Dentre as toxinas destacam-se a esfoliatina, causadora da doença da
de microrganismos aos pele escaldada, e a toxina responsável pela síndrome do choque tóxico, uma
alimentos é o próprio infecção grave caracterizada por febre alta e vômitos, podendo evoluir a óbito,
manipulador. Indivíduos
bem como a enterotoxina que causa vômitos e náusea quando ingerida; sen-
doentes (carreamento
transitório) ou portadores do essa uma das causas mais comuns da intoxicação alimentar21.
assintomáticos de Streptococcus: Compreendem conjunto heterogêneo de cocos que se di-
microrganismos patogênicos
videm num só plano, agrupando-se em cadeias de tamanho variável (Figura
(carreamento residente)
podem, em função de falhas 54). Embora esses microrganismos façam parte da microbiota normal, muitos
higiênico-sanitárias durante deles são responsáveis por uma variedade de manifestações clínicas, e são
a manipulação, contaminar considerados importantes agentes infecciosos tanto para o homem quanto
os alimentos, dando origem
para os demais animais. Seu metabolismo é fermentativo e o ácido lático é
a surtos de doenças
transmissíveis por alimentos o produto final predominante da fermentação da glicose. A maioria das es-
(DTA). pécies necessita de meios enriquecidos, geralmente pela adição de sangue,
para o crescimento.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 117

Figura 54 – Streptococcus. Observam-se com detalhes


as cadeias de células características da maioria dos es-
treptococos; muitas das células esféricas estão se divi-
dindo e por isto estão com uma aparência ovalada.
Fonte: ASM Microbe Library, 2006.

Vários sistemas de classificação foram desenvolvidos para os estrep-


tococos, levando a utilização de diversas designações que, frequentemente,
se tornam um obstáculo ao entendimento, já que sua adoção não é universal.
Entre os sistemas se destacam aqueles baseados em características hemolí-
ticas (de acordo com o tipo de hemólise observado em meios contendo san-
gue), fisiológicas (com base no comportamento em diversos testes fisiológi-
cos) e antigênicas (de acordo com a composição antigênica, que é à base da 26
Rebecca Lancefield
classificação em grupos sorológicos de Lancefield26). Craighill (1895 - 1981) foi uma
A partir da observação da atividade hemolítica, os estreptococos são renomada microbiologista
classificados como beta-hemolíticos (quando causam a lise total das hemá- americana, que foi associada
ao longo de sua carreira
cias) ou não beta-hemolíticos. Estes últimos podem ser subdivididos em alfa- ao Rockefeller Institute for
-hemolíticos (quando causam a lise parcial das hemácias) e gama ou não- Medical Research. Sua
-hemolíticos (não sofrem a hemólise). bibliografia compreende mais
de 50 publicações, sendo que
A classificação dos estreptococos de acordo com os grupos sorológi- suas principais realizações
cos baseia-se nas características antigênicas de um polissacarídeo, de com- estão em sua obra sobre
posição variável, chamado de carboidrato C, localizado na parede celular, que estreptococos do grupo A e
pode ser detectado por diferentes técnicas imunológicas, destacando-se entre sua associação com febre
reumática . Ela se tornou
elas, a precipitação em tubo capilar. Tomando por base este polissacarídeo, ainda mais famosa pela
os estreptococos foram divididos em 20 grupos sorológicos (grupos de Lan- idealização da classificação
cefield), designados por letras maiúsculas do alfabeto (A, B, C, D, E, F, G, H, sorológica das bactérias beta-
K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U e V). Esse método é conveniente e amplamente hemolíticas, na atualidade
o sistema de classificação
aceito para identificação dos estreptococos beta-hemolíticos. de Lancefield ainda é usado
internacionalmente.
118 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Bacilos e cocos Gram positivos formadores de esporos


A formação de endosporos por bactérias é importante para a medicina e para
a indústria de alimentos por causa da resistência dos endosporos ao calor e
a vários agentes químicos. A maioria dos microrganismos que forma esporos
são Gram-positivos. Quanto à necessidade de oxigênio, eles podem ser aeró-
bios restritos, anaeróbios facultativos, anaeróbios obrigatórios ou microaerófi-
los. Os dois gêneros mais importantes são Bacillus e Clostridium.
Bacillus: São reconhecidas 51 espécies desse gênero; entretanto, apenas o
Bacillus anthracis é patógeno estrito. Além de formarem esporos, todas as es-
pécies são bacilos Gram-positivos ou Gram-variáveis, aeróbios ou anaeróbios
facultativos e a maioria é móvel e catalase positiva. Estes microrganismos
são saprófitas na natureza, sendo encontrados no solo no mundo inteiro. Em
virtude de sua capacidade de formarem esporos, sobrevivem no solo durante
anos sem a necessidade de se multiplicarem.
A espécie B. anthracis (do grego, anthracis: “carvão carbúnculo”) é um
microrganismo grande (1 x 3 a 5 µm) que ocorre como bacilo único ou em pa-
res em amostras clínicas e em longas cadeias e agregados em cultura (Figura
55). Causa uma doença denominada de antraz ou carbúnculo, sendo conhecida
como uma doença de herbívoros. Cerca de 95% das infecções por antraz resul-
tam da inoculação de esporos de Bacillus através da pele exposta, de solo con-
taminado ou de produtos de animais infectados, como peles, pelo de cabra ou lã.
O antraz por inalação, também denominado doença dos separadores de
lã (antraz pulmonar), resulta da inalação dos esporos durante o processamento
do pelo de cabra. O contágio por ingestão é muito raro nos seres humanos, em-
bora constitua uma via comum de infecção nos herbívoros. O microrganismo
não é altamente contagioso e não ocorre transmissão de pessoa para pessoa.

Figura 55 – Bacillus anthracis (aumento em


1500X): As células têm forma quadrangular.
Os endósporos elipsoidais são modelados e
localizados no centro.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Bacillus_anthracis
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 119

Clostridium: O gênero inclui todos os bacilos Gram-positivos anaeróbios ca- 27


O tétano é uma doença
pazes de formar endosporos. Apesar da maioria ser tolerante (por exemplo, C. infecciosa aguda, não
contagiosa e que ainda se
tertium, C. histolyticum) e poderem crescer em meios de cultura expostos ao ar. constitui em grave problema
Alguns clostrídios parecem ser Gram-negativos (por exemplo, C. ramosum), e, de saúde pública para alguns
em algumas espécies, não se observam esporos (por exemplo, C. perfringens). países subdesenvolvidos.
Todas as espécies de animais
Em geral, os representantes são ubíquos, sendo encontrados no solo, de interesse zootécnico
na água e esgoto e como parte da microbiota do trato gastrintestinal de ani- são sensíveis, mas ocorre
mais. Os clostrídios são, em sua maioria, saprófitas mas alguns são patóge- variação de susceptibilidade,
nos humanos bem reconhecidos, com história claramente documentada de sendo os equinos os mais
suscetíveis e os bovinos
doenças, como o tétano27 (C. tetani), o botulismo (C. botulinum, C. barati) e a
os menos sensíveis. A
gangrena gasosa (C. perfringens, C. septicum, C. sordelli). morbidade é pequena, mas,
Apesar da notoriedade destas doenças, sabe-se, que os clostrídios estão sem nenhum tratamento,
a letalidade é muito alta,
mais comumente associados a infecções da pele e tecidos moles, intoxicação
próxima a 100%.
alimentar, diarreia e colite associadas a antibióticos (colite pseudomembrano-
28
BAL: Trata-se de uma
sa). Sua notável capacidade de produzir doenças é atribuída à propriedade de
classe funcional de
sobreviver em condições ambientais adversas através da formação de esporos; bactérias fermentadoras
ao rápido crescimento em meio enriquecido e privado de oxigênio; e à produção não patogênicas, não
de numerosas toxinas histolíticas, enterotoxinas e neurotoxinas. toxigênicas, Gram-positivas,
caracterizadas por produzir
ácido lático a partir de
Bacilos Gram positivos regulares não-formadores de esporos
carboidratos, tornando-as
O gênero Lactobacillus corresponde aos principais representantes dos bacilos úteis para a fermentação de
alimentos. Neste grupo estão
regulares Gram-positivos não-formadores de esporos.
incluídas as espécies de
Lactobacillus: São bacilos anaeróbios facultativos ou anaeróbios estritos. Lactobacillus, Lactococcus, e
Suas espécies não possuem sistema de citocromo-oxidases e são incapazes Streptococcus thermophilus.
de utilizar o oxigênio como aceptor de elétrons. Ao invés disso, estas bacté- 29
Grânulos metacromáticos:
rias produzem ácido lático a partir de simples carboidratos, sendo conhecida são inclusões grandes
como um dos representantes importantes do grupo BAL28 (bactérias produ- que se coram de vermelho
com certos corantes azuis
toras de acido láctico). A acidez inibe as bactérias competidoras, criando um
como o azul de metileno.
nicho ecológico no qual seus membros levam vantagem (Figura 56). Representam uma reserva de
fosfato inorgânico que pode
ser usado na síntese de ATP.

Probióticos: são
30

micróbios vivos que


podem ser incluídos na
preparação de uma gama
de produtos, incluindo
alimentos, medicamentos e
suplementos dietéticos. As
bactérias mais comumente
usadas são Lactobacillus,
Figura 56 – Micrografia eletrônica da espécie L. acidophilus. Saccharomyces cerevisiae,
Fonte: http://bio-nin.com/Eng/Probiotic%20Organisms-Lacto.htm E. coli e Bacillus.
120 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Bacilos Gram positivos irregulares não-formadores de esporos


Bactérias pleomórficas:
31
Os organismos neste grupo são normalmente agrupados sob o termo geral
Palavra derivada do grego,
pleon = numeroso e de corinebactérias (koryne, significa “forma de clava”). Eles tendem a ser ple-
morphe = forma, tratam-se omórficos31, e sua morfologia muitas vezes varia com a idade das células.
de bactérias que podem Podem ser aeróbias, anaeróbias ou microaerófilas. A espécie mais conhecida
apresentar diferentes formas e mais amplamente estudada é Corynebacterium diphtheriae, o agente cau-
estruturais durante seu ciclo
sador da difteria (Figura 57).
de vida.

Figura 57 – C. diphtheriae. Visualização de baci-


los pleomórficos (forma de alteres), podendo ser
encontrados paralelamente uns aos outros ou
formando ângulos retos (letra chinesa). Desta-
ca-se a presença de grânulos metacromáticos.
Fonte: www.textbookofbacteriology.net/diphtheria.html

As corinebactérias são ubíquas em vegetais e animais e normalmente


colonizam a pele, as vias aéreas superiores, o trato gastrointestinal e o trato
urogenital dos seres humanos.
Uma espécie relacionada ao grupo dos bacilos Gram-positivos irregu-
lares não-formadores de esporos é o Propioniobacterium acnes, comumente
encontrada na pele humana e está relacionada com a acne.

4.8. Bactérias sem parede celular e outros grupos especiais


Micoplasmas
Ao contrário da maioria das bactérias, os micoplamas não têm parede rígida
(não sintetizam pepdideoglicano) e, por esta razão, são colocados em uma
classe especial de bactérias, denominada Mollicutes (mollis = mole, cutis =
pele). Devido ao fato de não possuírem parede celular, são bastante pleomórfi-
cos. Podem produzir filamentos que se assemelham aos fungos; daí seu nome
(myces, que significa fungo, plasma = forma).
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 121

A forma básica dos micoplasmas associados aos animais de sangue


quente é cocoide. As células (0,2-0,3 µm de diâmetro) e o genoma extremamen-
te pequenos e capacidade limitada de biossíntese explicam o parasitismo e o
saprofitismo apresentado por esses microrganismos. O patógeno humano mais
significativo é o M. pneumoniae, o agente causador da pneumonia primária.
Como sua atividade biossintética é muito reduzida, estes microrganis-
mos somente podem ser cultivados em meios complexos, contendo soro, que
fornece ácidos graxos e colesterol, em forma assimilável e não-tóxica, para a
síntese da membrana. Aliás, os micoplasmas são as únicas bactérias a conter
colesterol na composição de sua membrana citoplasmática.
Destaca-se que as colônias são menores de 1 mm de diâmetro e apre-
sentam a morfologia semelhante a um “ovo frito” quando visualizadas sob
grande magnitude. Devido ao pequeno tamanho da colônia no meio artificial,
o cultivo celular muitas vezes é mais satisfatório.

Micobactérias
Dentro da família Mycobacteriaceae, destaca-se o gênero Mycobacterium, 32
A tuberculose humana,
com cerca de 60 espécies, sendo a grande maioria saprófitas de solo e ape- causada principalmente
pelo M. tuberculosis, é uma
nas algumas patogênicas ao homem. Dentre as que merecem destaque estão doença com distribuição
as causadoras de tuberculose32, como Mycobacterium tuberculosis, M. bovis, universal. Segundo a
M. africanum, e causadores de hanseníase, como M. leprae. Os integrantes OMS, cerca de 8 milhões
deste grupo apresentam crescimento lento, levando semanas para formar co- de pessoas contraem
tuberculose no mundo a cada
lônias visíveis em meio sintético. Cabe salientar que M. leprae até o presente ano e 3 milhões morrem em
não pode ser cultivada em laboratórios. decorrência dela. A doença
As micobactérias produzem uma parede celular de estrutura extrema- afeta quase todos os órgãos
do corpo, sendo mais comum
mente singular, na qual o peptidioglicano contém ácido N-glicolilmurâmico em no pulmão.
vez de ácido N-acetilmurâmico, encontrado na maioria das outras bactérias.
Uma característica ainda mais distinta é que cerca de 60% da parede celular
de seus representantes se constitui de ácidos graxos de cadeia longa, com 60
a 90 átomos de carbono, denominados ácidos micólicos. Tal parede permite
que seus membros sobrevivam dentro de macrófagos, que normalmente ani-
quilam patógenos fagocitados.
Devido as particularidades de sua parede celular o gênero Mycobac-
terium não se cora pela técnica de Gram, sendo necessária uma importante
coloração diferencial, a coloração de resistência ao álcool-ácido, que se liga
fortemente apenas as bactérias que apresentam material céreo em suas pa-
redes celulares, também conhecida como técnica de Ziehl-Neelsen.
122 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

4.9. Bactérias fototróficas


Três grupos de procariotos utilizam a luz como fonte de energia. Estes foto-
tróficos são as bactérias púrpuras, as bactérias verdes e as cianobactérias
(antigas algas azuis).
Bactérias fototróficas verdes e púrpuras. Inicialmente destaca-se que
seus representantes não são necessariamente dessas cores. São geralmen-
te anaeróbias e seu principal habitat são os sedimentos mais profundos de
lagos e lagoas. Elas realizam fotossíntese para a produção de carboidratos.
Entretanto, diferente da fotossíntese realizada pelas plantas, a fotossíntese
das bactérias verdes e púrpuras é anoxigênica, isto é, as espécies utilizam
compostos reduzidos de enxofre, como o sulfeto de hidrogênio (H2S), ao in-
vés da água, e produzem grânulos de enxofre (S) ao invés de oxigênio, como
esquematizado a seguir:
luz
2H2S + CO2 (CH2O)n + H2O + 2S0

Cianobactérias. Também conhecidas por cianofíceas ou “algas azuis”


são organismos procariotos, aeróbios e fotossintetizantes. Podem ocorrer nos
mais diversos tipos de ambientes, tanto terrestres quanto aquáticos, além de
habitats extremos com fonte termais, neve e deserto.
As cianobactérias são morfologicamente variadas (Figura 58). Apresen-
tam-se em formas unicelulares que se dividem por fissão binária simples; em
formas coloniais que se dividem por fissão binária e em formas filamentosas
que se reproduzem por fragmentação dos filamentos.

A) B) C)
Figura 58 – Diversidade morfológica das cianobactérias. (A) Chamaesiphon
sp.; (B) Gloeocapsa sp.; (C) Nodularia chucula.
Fonte: http://www.fortium.com.br – com adaptações.

Heterocitos: células
33
A fixação do nitrogênio é realizada em condições anóxicas, seja em cé-
especializadas que contêm
lulas especializadas (heterocitos33) dotadas de paredes espessadas e fotossis-
enzimas que fixam o gás
nitrogênio em amônia para o tema II (produtor de oxigênio) suprimido, seja através da separação temporal
crescimento da célula. entre respiração e fixação de nitrogênio.
A ausência de oxigênio é requisito para a atividade da nitrogenase, enzima
que reduz o nitrogênio atmosférico a amônia. Também apresentam os aeróto-
pos, vesículas gasosas delimitadas por membrana proteica reunidas no interior
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 123

da célula que conferem a inúmeras cianobactérias de vida aquática mobilidade


vertical na coluna d’água. Permitem, ainda, a exploração de recursos nutricio-
nais depositados nas camadas mais profundas dos corpos d’água e favorecem
a permanência nos estratos com condições ideais de irradiância, evitando dano
celular por foto-oxidação.
Ambientes de água doce são mais favoráveis para o crescimento de
cianobactérias, visto que a maioria das espécies apresenta um melhor cresci-
mento em águas neutro-alcalinas (pH 6-9), temperatura entre 15 a 30ºC e alta
concentração de nutrientes, principalmente nitrogênio e fósforo.
As cianobactérias, devido sua grande plasticidade ecológica, têm sido
estudadas no ramo alimentício, farmacêutico e agrícola pelo seu alto valor nu-
tritivo, possível potencial farmacológico e pela influência que exercem sobre a
fertilidade de solos e águas. Entretanto, algumas espécies têm a capacidade
de produzir metabólitos secundários que dão gosto e odor desagradáveis à
água, além de poderosas toxinas. Daí seu principal interesse e estudos sobre
os impactos no meio ambiente e na saúde. No Brasil, entre os gêneros poten-
cialmente nocivos, destacam-se Microcystis, Anabaena, Cylindrospermopsis,
Oscillatoria, Planktothrix e Aphanocapsa.
Denominadas cianotoxinas, essas substâncias causam graves injúrias
a animais terrestres, aquáticos e humanos, através da ingestão ou contato
com a água contaminada. As principais e mais perigosas toxinas produzidas
por esses gêneros são microcistinas, nodularinas, anatoxinas, cilindrosper-
mopsinas e saxitoxinas. As cianotoxinas são classificadas como hepatotóxi-
cas, neurotóxicas, dermatotóxicas ou promotoras da inibição da síntese de
proteínas, de acordo com seu mecanismo de ação.

Síntese do capítulo
O presente capítulo abordou as características inerentes as bactérias que são
organismos de uma única célula, relativamente simples e muito pequenos,
cujo material genético não está envolto por uma membrana nuclear especial.
Por essa razão, as bactérias são denominadas seres procariotos, que
em grego significa pré-núcleo. Bem como, foi possível descrever as carac-
terísticas gerais dos principais grupos bacterianos, a saber: os principais co-
cos Gram-positivos e Gram-negativos, os principais bacilos Gram-positivos e
Gram-negativos e por fim os grupos bacterianos ditos especiais, com desta-
que para suas atuações nas áreas médica, ambiental e industrial.
124 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Atividades de avaliação
1. Defina espécie bacteriana.
2. Pesquise sobre o tema: cepas versus sorotipos.
3. Como podemos classificar e diferenciar o iogurte e o leite fermentado?
4. Diferencie prebióticos dos probióticos.
5. Explique como os agentes tensoativos podem amenizar a barreira dos bio-
filmes facilitando a ação dos desinfetantes.
6. Pesquise os riscos à saúde oferecidos pelas bactérias Staphylococcus au-
reus e Salmonella choleraesuis, microrganismos comuns em ambientes
como cozinhas e banheiros.
7. Cite as razões por que a Escherichia coli é a bactéria mais utilizada como
indicador de contaminação de água e dos alimentos.
8. Pesquise sobre as cianobactérias e como estas podem tornar-se um risco à
saúde humana quando presentes em grandes quantidades nas águas dos
reservatórios de abastecimento.
9. Pesquise sobre os actinomicetos, levando em consideração o habitat, prin-
cipais gêneros e importância comercial.

Leituras
Breve história de quase tudo. Autor: Bill Bryson. Editora: Companhia das Letras.

Sites
Vídeo sobre a Escherichia coli:: http://www.youtube.com/watch?v=446i9s47
zqU&feature=related
Melioidose no Ceará: http://noticias.terra.com.br/ciencia/interna/0,,OI568479-
EI1432,00-Bacteria+rara+causa+doenca+e+morte+no+Ceara.html
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?Codigo=527309
H. pylori e Nobel:http://www.hpylori.com.au/
Bacillus anthracis e o bioterrorismo: http://www.acm.org.br/revista/pdf/arti-
gos/61.pdf
Cianobactérias:http://www.cvs.saude.sp.gov.br/pdf/cianobacterias.pdf
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 125

Referências
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Health Image Library>. Acesso em: 02 abr. 2006.
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diagnosis and management of Melioidosis. Rev. Inst. Med. Trop., São Paulo,
v. 48, n. 1, p. 1-4, 2006.
JEULIN, P. Le Cholera: la petite gazette généalogique. Disponível em: <http://
www.amicale-genealogie.org/Histoires_temps-passe/Epidemies/chol01.htm>.
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Capítulo 7
Arqueobactérias
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 129

Objetivos
l Descrever as características gerais das arqueobactérias, abordando sua diver-
sidade e importância econômica.

1. Introdução
Os microrganismos do Domínio Archaea são considerados únicos, com pro-
priedades metabólicas extraordinárias e filogenia particular. Compreendem
os microrganismos anaeróbios mais sensíveis ao oxigênio, os termófilos mais
extremos e halófitos cujas enzimas são adaptadas às elevadas concentra-
ções salinas.
Apesar da organização celular procariótica, são organismos evoluti-
vamente distintos das demais bactérias do domínio Bacteria, em função de
características de organização do genoma, expressão gênica, composição
celular e filogenia.
As Archaea são divididas em quatro filos: Crenarchaeota, Euryarchae-
ota, Korarchaeota e Nanoarchaeota. O conhecimento da filogenia e taxono-
mia do domínio Archaea é fundamental na compreensão da ecologia micro-
biana de ecossistemas extremos. Os estudos taxonômicos ainda são raros,
com um notável direcionamento para as espécies anaeróbias produtoras do
gás metano, de ampla aplicação em tratamentos anaeróbios de resíduos e
geração de biogás.

2. Origem e evolução
Os recentes estudos sobre filogenia, baseados na análise de sequências do
ácido ribonucleico ribossomal (RNAr), revelaram que a vida na Terra é domina-
da pelos microrganismos. São três as divisões que definem a organização filo-
genética atual dos seres vivos, os domínios Bacteria, Archaea e Eukarya. Os
dois primeiros domínios compreendem os organismos constituídos por células
procarióticas e o último engloba aqueles formados por células eucarióticas.
O domínio Archaea inicialmente era formado por três filos, represen-
tadas por Crenarchaeota, que contém as Archaea redutoras de enxofre hi-
pertermófilas; Euryarchaeota, que compreende uma grande diversidade de
130 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

organismos, incluindo as espécies metanogênicas, as halófilas extremas e


uma espécie hipertermófila; e Korarchaeota, uma divisão descrita mais recen-
temente, que engloba organismos hipertermófilos pouco conhecidos, ainda
não cultivados em laboratório, tendo sido apenas encontrados vestígios do
seu DNA em ambientes extremos semelhantes aos frequentados pelos Cre-
narchaeotas.
A Figura 59 mostra a árvore filogenética de Archaea, baseada na com-
paração de sequências do RNAr 16S.

Figura 59 – Árvore filogenética do Domínio Archaea, baseada na análise de se-


quências do RNAr 16S.
Fonte: http://www.prenhall.com/~brock

Entretanto nos últimos anos, foi proposto mais um filo, denominado de


Nanoarchaeota. Trata-se de um táxon especialmente criado para a espécie
Nanoarchaeum equitans, descoberta em 2002 habitando as águas quentes
em volta das chaminés vulcânicas submarinas da Islândia, e que possui a
menor célula (cerca de 0,4 μm) e a molécula de DNA mais reduzida (cerca
de 500 mil bases) até agora conhecidas e cujas relações de parentesco são
incertas (Figura 60).
Geneticamente, N. equitans tem a peculiar característica de que a sua
sequência RNAr 16S não é detectável pelos métodos usuais. O exame inicial
desta sequência indica que o organismo pertence muito provavelmente ao do-
mínio Archaea. Ao comparar esta sequência com os demais filos são encontra-
das diferenças tão grandes quantos a diferença entre os próprios filos. Portanto,
foi-lhe consignado o seu próprio filo, chamado Nanoarchaeota.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 131

Figura 60 – Filogenia atual do domínio


Archaea.
Fonte: http://www.almargem.org/index.
php?article=112&visual=2&id_area=23

Saiba mais
Bactéria suporta calor infernal
Elas conseguem sobreviver em ambientes escaldantes como a água em ebulição, salgados
como o Mar Morto, ácidos como os sucos gástricos. São as arqueobactérias, microrganismos
capazes de se adaptar a meios hostis e que constituem uma família genética à parte das demais
bactérias, como se descobriu há treze anos.
Ao estudar as arqueobactérias dos vulcões da Itália, que suportam até 110 graus - a maior
temperatura em que um ser vivo sobrevive -, pesquisadores alemães descobriram que, além de
passarem bem em tal inferno, os microrganismos ainda se reproduzem com mais entusiasmo
quando a temperatura ultrapassa 98 graus [...]
Fonte: Revista Superinteressante. 32 edição. http://super.abril.com.br/superarquivo/1990/con-
teudo_112078.shtml

3. Aspectos morfológicos, bioquímicos e metabólicos


3.1. Estruturas celulares

No plano morfológico existe uma imensa diversidade, seus represen-


tantes podem ser esféricos, bacilares, espiralados, achatados, quadrados,
discóides ou alguns podem ser considerados pleomórficos (morfologia irregu-
lar) (Figura 61). Suas dimensões são extremamente variáveis, de 0,1 a 15 µm,
com alguns filamentos atingindo 200 µm.
132 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Figura 61 – Morfologia do gênero Sulfolobus,


exemplo de uma Archaea do filo Crenarchaeota,
habitante de lagoa quente, rica em enxofre, que é
convertido a ácido sulfúrico.
Fonte: MADIGAN et al., 2003.

As Archaea apresentam várias características especiais, que permitem


seu desenvolvimento em uma vasta gama de ambientes. Estas incluem alte-
rações de composição de membrana, composição variada de paredes celu-
34
O gênero Thermoplasma
cresce bem em temperaturas lares, presença de proteínas tipo histonas, íntrons, mecanismos de splicing,
de 55°C e pH 2, em entre outros.
meios complexos. Estes
Parede celular: apresentam uma grande diversidade quanto à composição quí-
organismos apresentam a
membrana citoplasmática mica e, diferentemente das eubactérias, não apresentam peptideoglicano. Além
bastante diferente, contendo disso, existem também outras Archaea que não exibem parede celular (por exem-
compostos semelhantes à plo, Thermoplasma34) (Figura 62). Esta variabilidade sugere que o ancestral co-
lipopolissacarídios, contendo
mum seria desprovido de parede, sendo as diversas paredes resultantes de evo-
ligações tetraéter.
lução independente, de acordo com os diferentes ambientes e grupos.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 133

Figura 62 – Thermoplasma, uma Archaea desprovida de parede celular.


Fonte: http://vsites.unb.br/ib/cel/microbiologia/archaea/archaea.html

Quando coradas pelo método de Gram, algumas Archaea comportam-se


como Gram-positivas e outras como Gram-negativas, embora suas paredes se-
jam completamente distintas daquelas de eubactérias como mostra o Quadro 4.
Quadro 4
DIFERENÇAS FUNDAMENTAIS ENTRE OS TRÊS DOMÍNIOS
Caracterísitcas Bacteria Archaea Eucarya
Membrana nuclear Ausente Ausente Presente
Número de cromossomos 1 1 >1
Celulose em plantas,
Pseudo-peptideoglicano,
Parede Celular Peptideoglicano quitina em fungos e
glioproteínas e outros
nenhuma em animais
Mureína na parede
Sim Não Não
celular
Glicerídeos ligados a éster, Isoprenóde; glicerol Glicerídeos ligados a
Lipídeos da membrana
não ramificado; saturado diéter ou di-glicerol éster; não ramificado;
celular
ou mono-insaturado tetraéter poli-insaturado
Organelas (mitocôndria
Ausente Ausente Presente
e cloroplastos)
Ribossomo 70S 70S 80S
Síntese de proteínas
inibida por cloranfenicol Sim Não Nao
e estreptomicina
Síntese de proteínas inibida
Não Sim Sim
pela toxina da difteria

Fonte: CARDOSO et al., 2003.


134 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Várias Archaea exibem uma parede espessa, rígida, semelhante à


parede Gram-positiva (Methanobacterium, Methanopyrus, Halococcus), en-
tretanto, os polímeros que compõem a estrutura podem ser: pseudopeptide-
oglicano ou metanocondroitina. O pseudopeptideoglicano diferencia-se do
peptideoglicano pela ocorrência de ácido talosaminurônico em substituição
ao murâmico, pela ligação do tipo β-1,3 ao invés de β-1,4 entre os açúcares e
pela ausência de D-aminoácidos nas porções peptídicas da molécula.
Nestas bactérias, a lisozima não exibe qualquer atividade de degrada-
ção da parede, uma vez que seu sítio de ação são as ligações β-1,4. Da
mesma forma, a penicilina é ineficaz contra estes organismos porque o me-
canismo de síntese de parede é distinto nas Archaea. A metanocondroitina é
um polímero de 4 açúcares (galactosamina, ácido glucorônico, N-acetil-galac-
tosamina e glicose), muito semelhante ao tecido conectivo animal, composto
por sulfato de condroitina.
As Archaea que se coram como Gram-negativas podem ter paredes
compostas por proteínas, polissacarídeos ou glicoproteínas. As paredes pro-
teicas podem variar entre si, podendo ser do tipo monocamada de natureza
cristalina, ou policamadas, de proteínas tubulares. As glicoproteínas são tam-
bém comuns, muitas vezes contendo grandes quantidades de aminoácidos
carregados negativamente. As halobactérias são um exemplo desse modelo,
onde as cargas negativas da parede interagem com os íons de sódio do am-
biente, estabilizando a parede.
O gênero Halococcus apresenta a parede celular composta por um he-
teropolissacarídio altamente sulfatado, nunca observado em qualquer outro
ser vivo. Eventualmente, algumas Archaea exibem uma camada proteica adi-
cional ao redor da parede celular, ou compondo a própria parede, denominada
“camada S”, em um estado cristalizado.
Membrana citoplasmática: as membranas de Archaea apresentam alto con-
teúdo proteico e vários lipídios: glicolipídios, sulfolipídios, fosfolipídios (raros) e
lipídios apolares do tipo isopreno. A presença de hidrocarbonetos ramificados
aumenta a fluidez da membrana, uma vez que dificultam a formação de es-
truturas cristalinas. Dentre os principais lipídios estão aqueles do tipo glicerol-
-éter-isopreno (hidrocarbonetos de 20, 25 ou 40 Carbonos). Uma caracterís-
tica da porção lipídica da membrana é o fato desta não ser composta por
ácidos graxos convencionais. Em seu lugar encontram-se longas cadeias de
hidrocarboneto ramificadas. Os hidrocarbonetos ligam-se ao glicerol por liga-
ções do tipo éter (ao invés de éster) e podem apresentar-se como bicamadas
(como em todas as membranas) ou como monocamadas.
Flagelos: muitas Archaeas, inclusive as sem parede celular, podem apresentar
flagelos. Estes diferem totalmente dos flagelos bacterianos, pois não apresen-
tam a estruturação em corpo basal, gancho e filamento. Nas Archaeas, o flagelo
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 135

não possui os anéis observados nas bactérias e, geralmente, é composto por


vários tipos de “flagelina”, que exibe composição similar a várias fímbrias. Ao
que parece, o flagelo é composto por flagelina, que se organiza a partir da mem-
brana citoplasmática, projetando-se para o exterior da célula.
Ribossomos: são do tipo 70S, semelhantes aos das eubactérias, entretan-
to, sua composição proteica é bastante distinta, tornando-os resistentes aos
antibióticos que afetam a síntese protéica bacteriana. A tradução também é
diferente das eubactérias, assemelhando-se mais aos Eucarya, sem a partici-
pação da formil-metionina no início do processo.
Cromossomos: é bastante semelhante ao cromossomo das eubactérias,
uma vez que é único e, na maioria dos casos, circular. Por outro lado, sua
organização é semelhante aos eucariotos e se observam proteínas (do tipo
histona) associando-se ao DNA, atuando na manutenção da estrutura do
DNA, afetando também a expressão gênica. Foi observado que em muitos
hipertermófilos a associação das proteínas ao DNA promove um enove-
lamento do tipo positivo no DNA, enquanto em eucariotos, este é negativo.
Foi também relatada à presença de íntrons no cromossomo de Archaea, em
genes de RNA de hipertermófilos e halófilos, sendo processado através de
endonucleases.
No tocante aos aspectos metabólicos, as Archaeas apresentam enorme
diversidade. Muitas são quimiorganotróficas, com metabolismo semelhante às
demais células, outras são quimiolitotróficas, utilizando o H2 como doador de
elétrons nas reações de oxi-redução. Várias Archaea são anaeróbias e geral-
mente termófilas e suas vias para obtenção de energia geralmente envolvem:
1. Redução do CO2 a metano ou conversão do acetato a CO2 e então meta-
no; sendo incorporado pela via do Acetil-Coa CO2 + 4H2 k CH4 + 2H2O nas
metanogênicas;
2. Redução de SO4 a H2S; SO42- + H+ + 4H2 k HS- + 4H2O
3. Redução de Enxofre elementar a H2S. S + H2 k HS- + H+

3.2. Aspectos fisiológicos


Archaea halófilas extremas
É um grupo de organismos que habita ambientes altamente salinos, como:
lagoas com elevada concentração salina ou mesmo a superfície de alimen-
tos preservados por salmora. Os habitats das Archaeas halófilas extremas
são denominados hipersalinos e as espécies em cultivo laboratorial podem
requerer entre 1,5 e 4 M de NaCl para crescimento. A concentração elevada
de sódio é essencial para a manutenção da estabilidade da parede celular em
alguns organismos, como em Halobacterium halobium (Figura 63).
136 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Figura 63 – Morfologia da espécie


Halobacterium halobium.
Fonte: http://www.uni-giessen.de/

Dentre os ambientes naturais hipersalinos mais estudados encontram-


se os sistemas lacustres com salinidade ao redor de 10 vez a da água do mar,
com predomínio de sais de sódio e presença de sulfatos e pH ligeiramente al-
35
Bacteriorodopsinas: calino. Os ambientes mais estudados localizam-se em zonas hipersalinas de
Halófitos extremos sintetizam regiões temperadas, como os lagos salgados em Utah e na Califórnia (EUA),
em suas membranas uma bem como o Mar Morto.
proteína denominada
bacteriorodopsina, sua As espécies halófilas extremas são, em geral, quimiorganotróficas ae-
denominação se deve a róbias obrigatórias, com raros representantes halófilos anaeróbios. Apresenta,
sua similaridade estrutural na sua maioria, morfologia celular em forma de cocos e bacilos. Podem ainda
e funcional com o pigmento
apresentar a propriedade de síntese de energia mediada pela luz, na ausência
rodopsina.
de bacterioclorofilas, através da ação de bacteriorodopsinas35.
As espécies de Archaea hiperhalófilas são classificadas filogenetica-
mente em 8 gêneros e 18 espécies, através da sequência do RNAr 16S e de
características morfo-fisiológicos como: composição de parede celular, pre-
sença de flagelos, coloração de Gram, tolerância à salinidade, plasmídios e
conteúdo de G+C do DNA.

Archaeas metanogênicas
As Archaeas metanogênicas são microrganismos anaeróbios obrigatórios,
que requerem condições anóxicas de crescimento, e altamente redutoras,
com potenciais de oxi-redução na ordem de –300 mV. Provavelmente, a
característica mais evidente das metanogênicas está relacionada com sua
especificidade de substratos para crescimento e produção de metano. São
conhecidos até o momento os seguintes substratos para a metanogênese:
formiato, monóxido de carbono, metanol, 2-propanol, aminas metiladas, dime-
tilsulfeto, metilmercaptanas e acetato, sendo universal o dióxido de carbono,
que necessita de hidrogênio como doador de elétrons.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 137

Os metanogênicos36 apresentam metabolismo quimiorganotrófico ou


36
A bioquímica da
formação de metano é
autotrófico. Apesar de requererem condições fastidiosas para crescimento e
encontrada apenas nas
anaerobiose obrigatória, esses organismos são amplamente distribuídos na Archaea metanogênicas. A
natureza, sendo encontrados em diversos ambientes associados à decompo- metanogênese é uma reação
sição de matéria orgânica e/ou atividades geoquímicas. que proporciona um fluxo de
prótons nas células e pode
As arqueas metanogênicas37 atuam no passo final de consórcios mi- suportar um mecanismo
crobianos presentes em sedimentos aquáticos, pântanos, gêiseres, interior de quimiosmótico de produção
árvores e sistemas de tratamento de resíduos, como biodigestores anaeróbios de energia e ATP. A produção
de metano pode, portanto,
e aterros sanitários38. Sob o ponto de vista ecológico, o metabolismo metano-
ser encarada como um
gênico é dependente da presença de outros microrganismos, cuja atividade marcador taxonômico para a
no meio anaeróbio gera os precursores para a metanogênese32. identificação de Archaea.
As Archaeas metanogênicas representam um grupo de microrganis- 37
Existe problema ambiental
mos polifilético, compreendendo três ordens e oito famílias. Apresentam mor- associado à produção de
fologia comum às células procarióticas, com forma de bacilos de diferentes metano pelas Archaea,
tamanhos, cocos, sarcinas e filamentos. Alguns representantes apresentam pois este metano expelido
contribui ao agravamento
propriedade de coloração Gram-positiva e outros Gram-negativa.
do efeito estufa. Estudos
recentes indicam que a
quantidade de metano
Archaeas hipertermófilas
expelida pelas Archaea pode
A divisão Crenarchaeota compreende microrganismos capazes de crescer em ser de 400 ton3/ano (cerca de
temperaturas extremas (acima do ponto de ebulição da água, com temperatu- 50 litros por dia).
ra ótima acima de 80 ºC), conhecidos como hipertermófilos. Estes organismos 38
Já foi descrita a ocorrência
foram inicialmente observados em amostras de solos e águas geotermais con- de metanogênicas
tendo enxofre elementar e sulfetos. Posteriormente, os primeiros microrganismos endossimbiontes em
hipertermofílicos foram isolados de comunidades microbianas em fendas termais protozoários que habitam
vulcânicas no leito oceânico, sob temperaturas de 100 °C. o rúmen de vertebrados.
Foi descrita a associação
Os hipertermófilos são, em sua maioria, anaeróbios obrigatórios, quimior- de Archaea com animais e
ganotróficos ou quimiolitotróficos, que, de alguma forma, utilizam compostos de em alguns tecidos vegetais,
enxofre no seu metabolismo. O estudo de uma variedade de habitats terrestres embora até o momento não
e aquáticos resultou no isolamento de diversas espécies hipertermófilas, com tenha sido comprovada
a capacidade de invadir
morfologia peculiar, em geral esféricas e irregulares, ou mesmo organismos
tecidos ou manifestar
com ausência de parede celular (Thermoplasma acidophilum). potencial patogênico
A classificação dos hipertermófilos compreende organismos distribuídos nesses organismos. Em
em pelo menos 4 ordens: Thermoproteales, Thermococcales, Sulfolobales e muitos casos a presença de
metanogênicas no rúmen
Thermoplasmatales. Existem ainda alguns organismos não classificados, isolados
pode levar a prejuízos
de ambiente marinho como os organismos do gênero Hyperthermus (Figura 64). ao gado, uma vez que
competem pelo acetato
produzido na fermentação da
celulose.
138 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Número de espécies de
39

arqueobactérias no mundo:
108 Figura 64 – Hyperthermus butylicus, habita
No Brasil: não se sabe ao águas com temperatura em torno de 112°C,
certo.
sua descoberta ocorreu na ilha de São Mi-
Conhecidas no estado de
guel, Azores, no oceano Atlântico.
São Paulo: 04
Fonte: http://cmore.soest.hawaii.edu/
Estimadas no estado de São
Paulo: não se sabe ao certo.
4. Diversidade
40
No Brasil foram As Archaeas são estudadas e agrupadas de acordo com o seu metabolismo
desenvolvidos dois e fisiologia, sendo alocadas em diversos grupos, como: as metanogênicas, os
programas de formação
de recursos humanos
halófilos extremos (ou hiperhalófilos) e os termófilos extremos (ou hipertermó-
para estudo da biologia filos), como discutido anteriormente.
de microrganismos Sem dúvida, as espécies de Archaea mais conhecidas são as meta-
metanogênicos. Em 1982,
nogênicas, cuja classificação taxonômica molecular data de 1979. Provavel-
um projeto conduzido
pela Sociedade Brasileira mente, pela facilidade de estudos de ambientes anóxicos, ou mesmo pela
de Microbiologia na USP sua importância em saneamento ambiental, existem cerca de 66 espécies de
promoveu o treinamento de metanogênicas descritas39, em contraste com aproximadamente 24 espécies
cerca 50 profissionais sobre de hipertermófilas e 18 de halófilas extremas40.
microrganismos presentes
em processos biológicos Contudo, o número de novas espécies descritas nestes dois últimos
anaeróbios, destacando-se grupos vem aumentando, em razão do crescente interesse em estudos da
procedimentos práticos para diversidade de Archaea em novos ambientes, que empregam metodologias
o isolamento de organismos
anaeróbios estritos, como
moleculares para a identificação dos organismos através de DNA extraído
Archaea metanogênicas. Em diretamente das amostras.
1987, o projeto “Formação
de Recursos Humanos em
Microbiologia da Digestão 5. Euryarchaeota
Anaeróbia”, financiado pela
São organismos estritamente anaeróbios que vivem enterrados em sedimen-
FINEP e CNPq e conduzido
na CETESB, envolveu tos marinhos, no lodo de pântanos, no subsolo, no interior do tubo digestivo
essencialmente treinamento de animais (Figura 65) e, até, em estações de tratamento de lixos e esgotos.
de pessoal em técnicas Utilizam hidrogênio e dióxido de carbono como fontes de energia, produzindo
laboratoriais para isolamento
e liberando metano.
de microrganismos
anaeróbios estritos.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 139

As suas células podem ter formas muito variadas: cocos isolados (Me-
thanococcus) ou em cachos (Methanosarcina), bacilos (Methanobacterium,
Methanobrevibacter), espiraladas (Methanospirillum), filamentos (Methano-
saeta) e polígonos quadrangulares (Methanoplanus). A maioria das espécies
prefere temperaturas médias, mas algumas proliferam em altas temperaturas
(Methanothermus).

Figura 65 – Methanosarcina, um eu-


ryarchaeota metanogênico que vive no
estômago dos animais ruminantes.
Fonte: www.earthlife.net

Existem membros hiperhalófilos vivem em ambientes, naturais ou artifi-


ciais, onde a concentração de sal seja particularmente elevada, desde o Mar
Morto até aos tanques de cristalização das salinas, passando por minas de sal
gema como a de Loulé. Normalmente são microrganismos heterotróficos e aeró-
bios, com células em forma de cocos (Halococcus) ou bacilos (Halobacterium).
Um pequeno grupo se distingue pela sua resistência a valores de pH ex-
tremamente baixos. Picrophilus é o organismo que detém o recorde de resis-
tência à acidez, prosperando em terrenos vulcânicos no Japão com pH igual
ou menor que 0,7 e morrendo quando o pH sobe acima de 4. Thermoplasma
acidophilum, alia condições ótimas extremas de temperatura (60 ºC) e pH (entre
1 e 2), vivendo em fontes hidrotermais e escórias auto aquecidas de carvão.
Algumas Archaea hipertermófilas são também incluídas nos Euryarcha-
eotas, embora a maioria pertença aos Crenarchaeotas. Pyrococcus ocorre
nas imediações de chaminés vulcânicas submarinas, entre 80 e 100 ºC de
temperatura, degradando matéria orgânica na ausência de oxigênio. No mes-
mo tipo de ambiente, Archaeoglobus vive à custa de sulfatos, produzindo gás
sulfídrico. Em explorações profundas de petróleo e gás natural, pode degradar
o próprio aço transformando-o em sulfureto de ferro.
140 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

6. Crenarchaeota
São microrganismos procariontes com células de tamanhos variados, des-
de cocos com um diâmetro inferior a 1 µm até filamentos com mais de 100
µm (0,1 mm). A forma das células é também muito diversa: cocos (Staphylo-
thermus), células lobuladas (Sulfolobus), discos (Thermodiscus), filamentos
(Thermofilum) e bacilos (Thermoproteus, Pyrobaculum). A maioria das espé-
cies move-se com auxílio de flagelos.
Alguns são seres autotróficos, produzindo matéria orgânica a partir da
oxidação de substâncias inorgânicas como o enxofre. Outros são seres hete-
rotróficos que crescem sobre substratos orgânicos e os degradam na presen-
ça ou na ausência de oxigênio. Por exemplo, Sulfolobus, habitante comum de
nascentes hidrotermais, prospera aerobicamente à custa da degradação de
açúcares (Figura 66).

Figura 66 – Morfologia da espécie Sulfolobus solfataricus.


Fonte: http://www.spectroscopynow.com/

A característica mais conhecida destes microrganismos é a hipertermo-


filia, o que significa que proliferam em condições de temperatura capazes de
matar instantaneamente a maior parte dos outros seres vivos. Assim, a tem-
peratura ótima para muitos dos seus membros varia de 75 a 105 ºC, podendo
algumas espécies viver até 113 ºC (Pyrolobus fumarii), temperatura ambiente
mais elevada até agora registrada para um ser vivo.
Diversas espécies adaptaram-se também a ambientes extremamente
ácidos (pH entre 1 e 2). A maioria das espécies mais conhecidas vive, em
ambientes marinhos ou terrestres situados em zonas vulcânicas, tal como
chaminés submarinas e nascentes hidrotermais.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 141

7. Korarchaeota
O Korarchaeota representa o que poderia ser uma das linhagens menos evoluí-
das da vida moderna. O primeiro representante deste filo foi descoberto um uma
fonte hidrotermal no Parque Nacional de Yellowstone há mais de uma década
atrás. O grupo foi posteriormente definido apenas pela análise do rRNA obtido a
partir de uma variedade de ambientes marinhos e terrestres hidrotermais.
Nos últimos anos, alguns pesquisadores tiveram a oportunidade única de
testar e comparar amostras de vários longínquos ambientes extremos: águas
termais na Islândia e Kamchatka, na Rússia e de fontes hidrotermais no fundo
do mar. Eles compararam a diversidade, distribuição e abundância de micróbios
Korarchaeota em suas amostras e constatou que havia uma separação clara na
sequência de DNA entre as populações obtidas em terra e no mar.
Curiosamente também havia uma separação dentro das sequências
terrestres, indicando uma distribuição biogeográfica. Outra característica inte-
ressante foi que os cientistas só acharam Korarchaeota nos filamentos e es-
teiras microbianas, isso pode indicar que o Korarchaeota tem a necessidade
de obter os nutrientes essenciais a partir de outros microrganismos.
Até o momento, não há representantes da Korarchaeota em cultura
pura, e nada se sabe sobre suas propriedades (Figura 67). No entanto, a análi-
se do material genético sugere que não pertence aos outros grupos principais,
Crenarchaeota e Euryarchaeota, sendo de origem mais antiga. Entretanto, ou-
tros cientistas acham ser possível que o Korarchaeota não seja um grupo
separado, mas simplesmente um organismo que tenha sofrido uma mutação
rápida ou não usual do gene rRNA 16S.

Figura 67 – Korarchaeota. Mi-


crografia eletrônica de varredu-
ra de uma cultura de enriqueci-
mento em Obsidian Pool.
Fonte: http://en.wikipedia.org/
142 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

8. Nanoarchaeota
Filo criado em 2002 para abrigar a espécie hipertermófila Nanoarchaeum
equitans cujas relações de parentesco são incertas. Ao comparar a sequência
rRNA com as dos outros dois filos, são encontradas diferenças tão grandes
quantos a diferença entre ambos os filos.
Outros pesquisadores, no entanto, sugerem que esta Archaea seja re-
lacionada as Thermococcales, do filo Euryarchaeota. No momento existem
grandes discussões, mas sem conclusões pertinentes.

9. Importância econômica
Conforme as descrições feitas acima, comprova-se que os organismos
do domínio Archaea apresentam uma ampla diversidade metabólica e distribui-
ção em habitats considerados inóspitos aos demais seres vivos. Pouco se sabe,
porém, sobre sua importância funcional nestes ecossistemas e sobre a atuação
dos mesmos nos processos biogeoquímicos em ambientes não extremos.
Além disso, em termos tecnológicos, as descobertas de novos produtos
microbianos gerados em ambientes extremos (por exemplo, enzimas extre-
mófilas) realçam o potencial de exploração deste grupo de organismos como
fonte de novas alternativas para a Biotecnologia.
A tecnologia enzimática vem apresentando um considerável avanço
nos últimos anos, principalmente devido à utilização de extremoenzimas (en-
zimas provenientes de microrganismos extremófilos), sendo naturalmente es-
táveis em ambientes adversos, suprindo a demanda industrial, que sempre
esteve em desvantagem com a utilização de enzimas tradicionais.
Dentre as enzimas de grande aplicabilidade para a biotecnologia des-
tacam-se as termoenzimas, sendo que os principais processos de potencial
utilização dessas enzimas são o beneficiamento do amido, a manufatura e o
branqueamento da polpa para produção de papel e a bem estabelecida práti-
ca laboratorial da reação em cadeia da polimerase (PCR), entre outras.
Processamento do amido: o amido trata-se de um polímero abundante no
planeta, estando presente nos vegetais e servindo diretamente como alimento
na dieta animal. Esse amido pode ser hidrolisado, gerando glicose, maltose e
xapore de oligossacarídios, que podem ser utilizados como substrato de fer-
mentações. De modo geral, o processo de hidrólise do amido envolve liquefa-
ção e a sacarificação, as quais ocorrem em altas temperaturas. Na atualidade
é discutida a melhoria desse processo com a utilização de extremoenzimas,
por exemplo, a α-amilases hipertermofílicas com maior tempo de resistência,
barateando os custos do processo.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 143

Produção de papel: o processo de manufatura do papel envolve o polpeamen-


to (remoção da lignina por ação mecânica ou quimicamente – adição de ácidos
ou bases em altas temperaturas) e o branqueamento (retirada da lignina resi-
dual através de cloro, ozônio, peróxido de hidrogênio, entre outros adicionados
de altas temperaturas, gerando na natureza muitos poluentes). Em ambos os
processos podem ser utilizados as enzimas extremofílicas, tanto reduzindo os
gastos com o processamento, quanto liberando menos poluentes ambientais.
PCR: a reação em cadeia da polimerase revolucionou a prática da biologia
molecular. O método foi extremamente simplificado com a utilização das en-
zimas hipertermofílicas. Embora a principal DNA polimerase seja oriunda de
uma bactéria, Thermus aquaticus, as DNA polimerases de Arquaeas, como
as de Pyrococcus furiosus, Pyrococcus woesei, entre outros, apresentam uma
vantagem sobra a Taq polimerase, pois elas possuem uma maior capacidade
de correção de pareamentos errôneos, diminuindo a frequência de erros na
replicação in vitro.
Por fim, percebe-se claramente que o domínio Archaea é pouco conhe-
cido e explorado frente a todos os ramos da Microbiologia. No que se refere
à sistemática e taxonomia, não há nenhum esforço acadêmico concentrado,
mesmo que individual, na direção de aprofundar o conhecimento sistemático
deste grupo de organismos. Algumas iniciativas atuais ainda são incipientes
e necessitam de apoio de agências de fomento e desenvolvimento científico
para a sua consolidação. É necessário um esforço direcionado à formação de
profissionais com interesse nessa área.

Saiba mais
Pesquisadores italianos “acordaram” microrganismos adormecidos
num meteorito de 4,5 bilhões de anos
Pesquisadores italianos “acordaram” microrganismos adormecidos num meteorito de 4,5 bilhões
de anos. Mil vezes menor que um milímetro, microrganismo extraído de meteorito volta à vida.
Sente-se numa cadeira e preste muita atenção. Pode ser verdade, pode ser loucura, mas o fato
é que cientistas italianos da Universidade Federico II em Nápoles anunciaram ao jornal Corriere
della Sera haver ressuscitado bactérias extraterrestres que estavam dormentes há 4,5 bilhões de
anos. Seu berço era um meteorito encontrado em 1882 na Transilvânia, atual Romênia, e conser-
vado no Museu Mineralógico de Nápoles [...]
Fonte: http://griefkiller.blogspot.com/2010/10/pesquisadores-italianos-acordaram.html
144 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Síntese do capítulo
Os microrganismos do Domínio Archaea são considerados únicos, com pro-
priedades metabólicas extraordinárias e filogenia particular. Compreendem os
microrganismos anaeróbios mais sensíveis ao oxigênio, os termófilos mais ex-
tremos e halófitos cujas enzimas são adaptadas às elevadas concentrações sa-
linas.
Apesar da organização celular procariótica, são organismos evolutivamen-
te distintos das demais bactérias (domínio Bacteria), em função de características
de organização do genoma, expressão gênica, composição celular e filogenia.
Durante o capítulo houve a discussão da origem e evolução, dos as-
pectos morfológicos, bioquímicos e metabólicos, da diversidade, com ênfase
para os filos: Crenarchaeota, Euryarchaeota, Korarchaeota e Nanoarchaeota.
Finalizou-se com destaque para a importância econômica na atualida-
de. Por fim, destaca-se o pouco conhecimento do domínio Archaea, sendo
minimamente explorado frente a todos os ramos da Microbiologia.

Atividades de avaliação
1. Cite e explique três características que as Archaeas têm em comum.
2. Pesquise sobre a enzima DNA girase reversa e explique sua importância
para os hipertermofílicos.
3. Em termos de composição da parede celular, quais as principais diferen-
ças observadas entre os domínios “Eubacteria” e “Archea”?
4. Descreva três mecanismos bacterianos de adaptação à termofilia.
5. Explique porque as arqueobactérias do filo Korarcheota são consideradas
“relógios evolutivos”.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 145

Leituras
Breve história de quase tudo. Bill Bryson. Companhia das Letras.

Sites
http://www.msi.harvard.edu/downloads/teacherworkshop/Readings/Micro-
beWorld_archaea.pdf

Vídeos
http://www.youtube.com/watch?v=lidGsTUyFSk
http://www.youtube.com/watch?v=3s4mmMO0zhw

Referências
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TERRE, P. C. Nanoarchaea: representatives of a novel archaeal phylum or a
fast-evolving euryarchaeal lineage related to Thermococcales? Genome Biol-
ogy, v. 6, n. 5, 2005.
BRYANT, D. A. Puzzles of chloroplast ancestry. Current Biology, v. 2, p. 240–
242, 1992.
CARDOSO, A. M.; CLEMENTINO, M. B. M.; MARTINS, O. B.; VIEIRA, R. P.;
ALMEIDA, R. V.; ALQUERES, S. M. C.; ALMEIDA, W. I. Archaea: potencial
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p. 71-77, 2003.
MADIGAN, M. T.; MARTINKO, J. M.; PARKERT, J. Microbiologia de Brock.
12 ed. São Paulo: Prentice Hall, 2010.
WOESE, C.; KANDLER, O.; WHEELIS, M. Towards a natural system of organ-
isms: proposal for the domains Archaea, Bacteria, and Eucarya. Proc. Natl.
Acad. Sci. USA, v. 87, n. 12, p. 4576–9, 1990.
Capítulo 8
Fungos
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 149

Objetivos
l Descrever as características gerais dos principais grupos de fungos.
l Apresentar a classificação das principais doenças fúngicas, com destaque
para as micoses.

1. Introdução
Os fungos são encontrados em quase todos os lugares da Terra; fungos sa- 41
Saprófitas: O termo
relaciona-se ao modo
prófitas41 vivem na matéria orgânica, na água e no solo, enquanto que fungos
como um organismo obtém
parasitas habitam a superfície ou o interior de animais e vegetais. nutrientes; os saprófitas
Alguns são benéficos (usados na fabricação de queijos (Figura 68), iogur- absorvem nutrientes da
matéria orgânica morta ou
tes, cervejas, vinhos e outros alimentos, bem como certos antibióticos e quimiote-
em decomposição.
rápicos), outros são prejudiciais (causam deterioração do couro e plástico, podem
estragar alimentos e causar sérias infecções em animais e vegetais).

Figura 68 – Queijo maturado por fungos.


Fonte: http://bioestrategias.no.comunidades.net/

Os fungos constituem um grupo diversificado de eucariontes que in-


cluem seres macroscópicos e microscópicos. De um modo geral, os fungos
são os “aproveitadores de lixo” da natureza – os “recicladores” do mundo mi-
150 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

42
Decompositores: Relaciona- crobiano. Ao secretar suas enzimas digestivas sobre vegetais e animais mor-
se ao que um organismo tos, eles decompõem42 esses materiais em nutrientes que podem ser absorvi-
“faz para viver”, ou seja, os
decompositores degradam
dos por eles próprios, bem como por outros organismos vivos.
materiais.
2. O reino Fungi
Robert H. Whittaker (1920-1980), vislumbrando o equívoco que incluía os fun-
gos no reino vegetal, evidenciou três pontos-chaves: ausência de pigmento
fotossintético, ausência de celulose na parede e presença de glicogênio como
fonte de reserva energética, os quais justificavam a inclusão dos fungos em
um reino à parte, denominado de reino Fungi.
Durante muitos anos, a situação taxonômica dos fungos foi motivo de
controvérsia, em virtude do conceito clássico que os colocava no reino Vege-
tal. A partir da contribuição de Whittaker, a Micologia toma ares de ciência de
importância ímpar e experimenta grande evolução.
Desde então muitas classificações têm sido propostas, entretanto, ne-
nhuma é adequada a todos os propósitos. Na atualidade, grande parte dos
pesquisadores aceita que o reino Fungi está subdividido em dois grandes gru-
pos: o grupo Mycomycota (formado por fungos inferiores, sem parede celular
e não patogênico aos animais) e o grupo Eumycota (fungos verdadeiros, com
parede celular e patogênico aos animais e vegetais).
O agrupamento Eumycota é subdividido em cinco filos: Basidiomycoti-
na, Ascomycotina, Zigomycotina, Deuteromycotina e Mastigomycotina (Figura
69), de acordo com o tipo de reprodução apresentado.

Figura 69 – O reino Fungi, seus agrupamentos e filos.


Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 151

Saiba mais
Múmia não assusta: fungo, sim, apavora
É uma sucessão de coincidências macabras que acabaram criando um mito. Tudo começou em
1923, com a abertura da tumba do faraó Tutankamon, no Vale dos Reis, uma região 500 quilô-
metros ao sul do Cairo, no Egito. A série de tragédias é assustadora: em seis anos, morreram 22
exploradores que participavam das escavações.
Uma das vítimas foi o lorde inglês George Edward Carnarvon (1866-1923), que financiava os
arqueólogos. Ele bateu as botas seis semanas após a violação da tumba. É claro que os cientistas
têm uma boa explicação para isso. “Como o local esteve fechado por três milênios, a hipótese
mais aceita é a de que houve uma contaminação por fungos”, diz o egiptólogo Antonio Branca-
glion, da Universidade de São Paulo. A propósito, o mito é uma invenção do ocidente. “No Egito
ninguém acredita nessa história de maldição”, ressalta.
Fonte: Revista Superinteressante. Edição 143. http://super.abril.com.br/superarquivo/1999/conteudo_94655.shtml

3. Biologia dos fungos


Algumas estruturas fúngicas podem ser observadas a olho nu; entretanto,
para a grande maioria delas, a utilização da microscopia se faz necessária.

3.1. Aspectos morfológicos e bioquímicos


Na arquitetura da célula fúngica observa-se, de modo constante, a presença de
algumas estruturas, tais como parede celular, citoplasma e núcleo (Figura 70).

Figura 70 – Célula fúngica.


Legenda: n – núcleo; cw – parede celular; m – vesícula mitocon-
drial; s – septo.
Fonte: LACAZ et al., 2002.
152 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Parede celular: formada por polissacarídios associados a polipeptídios, cons-


tituindo as glicoproteínas da parede, as quais desempenham papel enzimático
e estrutural, também atuam como peças indispensáveis nas vias metabólicas,
na manutenção da homeostase e nas inter-relações celulares. Algumas es-
pécies fúngicas apresentam melanina na parede celular, o que lhes conferem
resistência aos raios ultravioletas, enzimas líticas produzidas por outros mi-
crorganismos, exposição a metais pesados, entre outros. Esses fungos são
denominados demácios, devido à produção da melanina, pigmento acasta-
nhado (Figura 71).

Figura 71 – Gênero Cladosporium, exemplo de fungo demácio.


Fonte: http://www.emsl.com/

Membrana plasmática: apresenta estrutura semelhante às membranas ce-


lulares animais, com dupla camada de fosfolipídios, na qual estão dispersas
proteínas e glicoproteínas. O principal esterol presente é o ergosterol.
Citoplasma: apresenta organelas, como retículo endoplasmático, aparelho
de Golghi, vesículas mitocondriais, vacúolos, entre outros. Submersas em flui-
do básico e delimitadas por membranas de constituição semelhante às mem-
branas celulares, e outras que são apenas agregações de macromoléculas,
como os ribossomos.
Núcleo: típico como de qualquer célula eucariótica, contudo, de menor tama-
nho, menos quantidade de DNA e com presença de algumas histonas. Frente
a divisão mitótica, a mesma ocorre nos fluidos clássicos, diferindo apenas na
persistência do envoltório nuclear e do nucléolo durante a mitose.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 153

3.2. Nutrição
Os fungos são quimioheterotróficos, necessitando de componentes orgânicos
para energia e fonte de carbono, e assim como as bactérias, eles absorvem
nutrientes ao invés de ingeri-los, como fazem os animais. Todavia, os fungos
43
Os fungos são geralmente
adaptados a ambientes
diferem das bactérias em determinadas necessidades ambientais e nas ca-
que poderiam ser hostis
racterísticas nutricionais apresentadas abaixo: a maioria das bactérias.
● Crescem melhor em ambientes em que o pH é 5, os quais são muito ácidos Exatamente devido as suas
extraordinárias adaptações
para o crescimento da maioria das bactérias comuns43;
nutricionais eles podem se
● Quase são aeróbios. Destaca-se que algumas leveduras são anaeróbias desenvolver em substratos
facultativas; diversos como paredes de
banheiro, couro de sapato,
● O crescimento pode ocorrer sobre substâncias com baixo grau de umidade; jornais e revistas velhas etc.
● Necessitam de menos nitrogênio que a maioria das bactérias;
● São capazes de metabolizar carboidratos complexos, tais como lignina (ma-

deira), que as bactérias não podem utilizar como nutriente.

3.3. Reprodução
Três tipos gerais de reprodução são comumente observados nas diferentes
espécies de fungos: esporulação vegetativa, esporulação aérea e esporula-
ção sexuada. O Quadro 5 contém explicações sobre cada esporulação.
Quadro 5
TIPOS GERAIS DE REPRODUÇÃO DOS FUNGOS
Reprodução Processo reprodutivo Exemplos
Blastoconídios –
Três tipos de esporos ou conídios podem se formar a partir
Leveduras em geral;
do micélio vegetativo: Blastoconídios (formas em brota-
Clamidoconídios – Candida
Esporulação mento), Clamidoconídios (surgem de células preexistentes
albicans;
vegetativa nas hifas, que se tornam espessas e aumentadas) e Artro-
Artroconídios –
conídios (semelhante aos clamidoconídios, exceto pelo fato,
Geotrichum sp.,
de serem liberados pela lise que ocorre no final da hifa)
Coccidioides sp.
Emanando das hifas estão os corpos de frutificação que
dão origem a vários esporos e conídios. Os corpos podem
Esporulação formar sacos fechados (esporângios), dentro dos quais são Esporângio – Mucor sp.;
aérea produzidos os esporos. Enquanto os conídios surgem do Conidióforo – Aspergillus sp.
conidióforo, este se ramifica em segmentos denominados
métulas, que produzem fiálides, produtoras de conídios.
Esporulação Exige a fusão e a recombinação nuclear de duas células
Saccharomyces.
sexuada férteis especializadas originadas nas hifas aéreas.

Sabe-se que a divisão em filos do grupo Eumycota é baseada prima-


riamente nos achados característicos da reprodução assexuada e sexuada
dos fungos.
154 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Filo Mastigomycotina: São seres vinculados ao ambiente aquático, capazes


de produzir esporos endógenos flagelados móveis, conhecidos com o nome
de zoósporos, contidos em zoosporângios (Figura 72). Na atualidade existe
uma corrente de pesquisadores que consideram estes microrganismos como
protistas e não como fungos, mesmo assim ainda integram algumas publica-
ções micológicas.
Filo Zigomycotina: Trata-se de indivíduos que se reproduzem tanto pela
via sexuada do tipo isogâmica, como por via assexuada, com formação de
esporos endógenos (esporogênese), contidos em esporângios (Figura 72).
A reprodução do tipo isogâmica ocorre com a fusão direta de dois gametóci-
tos, homo ou heterotálicos, dando origem a uma grande estrutura encistada,
conhecida como zigosporo, na qual estão contidas formas haploides, produ-
zidas por meiose.
Filo Ascomycotina: Também apresentam os dois tipos de reprodução. A re-
produção sexuada se dá pela formação de estruturas denominadas de ascos.
Os ascocarpos, dependendo de sua morfologia, são subdivididos em quatro
tipos diferentes: apotécio (cúpula largamente aberta), peritécio (lembra um
cantil), cleistotécio (aspecto globoso e compacto) e gimnotécio (variedade do
cleistotécio com parede mais frouxa). Enquanto a reprodução assexuada se
deve a formação de conídios tálicos ou blásticos (Figura 72).
Filo Basidiomycotina: Destaca-se a reprodução sexuada com a formação de
estruturas denominadas basidiósporos, os quais são formados, normalmente, na
extremidade de um elemento alongado, o basídio; sobre essa estrutura encontra-
-se um órgão de frutificação conhecido como basidiocarpo (Figura 72).
Filo Deuteromycotina: Grupo bastante heterogêneo, apresentando afinida-
des com os filos Ascomycotina e Basidiomycotina. Entretanto, a forma de re-
produção sexuada destes fungos é desconhecida. Devido a esse fato, existe
na atualidade uma tendência de considerar os representantes desse filo sem
valor taxonômico real (Fungi imperfecti), o que impede na literatura os autores
falar em ordens, famílias ou mesmos gêneros frente alguns de seus represen-
tantes. Entretanto, com a progressiva descoberta das formas de reprodução
sexuada desses fungos, algumas espécies, hoje pertencentes a este agru-
pamento, serão incluídas num outro filo que apresente reprodução sexuada.
Por fim destaca-se que a grande maioria dos fungos patogênicos ao homem
e demais animais estão justamente neste grupo.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 155

Figura 72 – Esquema com as principais características da reprodução assexuada


dos filos do grupo Eumycota.

4. Achados macro e microscópicos que caracterizam os fungos


Na identificação das leveduras (fungos unicelulares), assim como na identifi-
cação das bactérias, são utilizados testes bioquímicos. Entretanto, os fungos
multicelulares (ou filamentosos) são identificados utilizando sua aparência físi-
ca, incluindo características da colônia e das estruturas reprodutivas. A seguir
encontram-se descrito as principais características das três formas fúngicas
mais comuns na natureza.

Saiba mais
“Formigas Zumbis” controladas por fungo parasita por 48 milhões de anos!
Cientistas descobrem recentemente evidências de um fungo que altera o comportamento de
formigas para seu próprio benefício. As últimas evidências revelam um fungo que transforma
formigas em zumbis e faz com que elas se rastejem para a própria morte.
As bizarras marcas do efeito do fungo foram encontradas nas folhas das plantas que cresciam
em Messel, próximo de Darmstadt (Alemanha) já há 48 milhões de anos, ou seja, essa descoberta
mostra que esses fungos evoluíram a habilidade de controlar o comportamento das criaturas que
elas infectam há muitos anos, antes mesmo do surgimento do Himalaia.
O tal fungo, que ainda está firme e forte nas florestas hoje em dia, trava na “formiga Carpin-
teira” enquanto ela transita pelo chão da floresta antes de voltarem para seus ninhos nos altos
das árvoras, então ele cresce dentro da formiga, liberando alguns químicos que afetam seu com-
portamento. Algumas saem em busca de folhas frescas sozinhas, já outras se jogam do topo das
árvores para as folhas próximas ao chão... cont.
Fonte: http://zumbl.org/2010/09/fungo-transforma-formigas-em-zumbis/
156 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

44
Hifa: estrutura multicelular 4.1. Fungos filamentosos
tubular, de paredes
paralelas, que podem ou A unidade microscópica fundamental de um fungo filamentoso é a estrutura
não apresentar septos. É a tubular denominada hifa. As hifas44 que são subdivididas em células individu-
unidade estrutural básica dos ais por paredes transversais ou septos são denominadas septadas (Figura
fungos filamentosos.
73A); aquelas sem septos são asseptadas ou cenocíticas (Figura 73B). O
conjunto de hifas septadas denomina-se micélio, enquanto que a reunião, em
um mesmo campo de observação de hifas não septadas é chamada de sifão.

Figura 73 – Hifas septadas e não septadas. A. Mycocentrospora acerina,


exemplo de fungos com hifas septadas. B. Cunninghamella sp., exemplo
de fungo com hifas cenocíticas.

45
As hifas podem crescer As hifas45 crescem por alongamento das extremidades. Cada parte de
até imensas proporções. uma hifa é capaz de crescer e quando um fragmento é quebrado, este pode
O maior organismo vivo já se alongar para formar uma nova hifa.
encontrado no planeta é o
fungo Armillaria astoyae, A porção do micélio que se estende para o substrato do meio de cultura,
o cogumelo do mel, cujas responsável pela absorção de água e de nutrientes, é o micélio vegetativo; a
hifas cobrem uma área de porção que se projeta acima do substrato é o micélio aéreo, também deno-
880 hectares e apresentam
peso estimado de mais 10
minado micélio reprodutor, porque esporos especiais ou corpos frutificantes
toneladas. ligados aos conídios são produzidos a partir dessa porção.

4.2. Leveduras
40
Blastoconídio: estrutura
unicelular, arredondada, As leveduras são fungos unicelulares, não filamentosos, caracteristicamente
de paredes refringentes. esféricas ou ovais, que apresenta como unidade estrutural os blastoconídios46
Unidade estrutural básica das
leveduras. (Figura 74).
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 157

Figura 74 – Exame direto da espécie Candida tropicalis, no campo


óptico visualiza-se a unidade estrutural das leveduras, os blascoto-
nídios.
Fonte: GOOGLE, 2010.

Sua multiplicação pode ocorrer por fissão binária (a célula mãe se divi-
de em duas células-filhas idênticas), brotamento simples (a célula mãe origina
um broto que permanece fixado, algumas vezes esses brotos filhos formam
uma pequena cadeia de células chamada de pseudohifa47, seu conjunto é 47
A Candida albicans é a
única levedura até hoje
denominado de pseudo-micélio) e brotamento fissão (a célula mãe origina um
descrita que apresenta
broto que logo vai se destacar da célula original e aumentará de tamanho). pseudohifas, já que esse
As leveduras são capazes de crescimento anaeróbio facultativo. Po- fenômeno independe da
temperatura, o mesmo é
dem utilizar oxigênio ou um componente orgânico como aceptor final de elé-
denominado de pleomorfismo
trons; este é um atributo valioso porque permite que estes fungos sobrevivam fúngico.
em vários ambientes. Assim, se é dado acesso ao oxigênio, as leveduras res-
piram aerobicamente para metabolizar hidratos de carbono formando dióxido
de carbono e água; na ausência de oxigênio, elas fermentam os hidratos de
carbono formando e produzem etanol e dióxido de carbono. Esta fermentação
é usada na fabricação de cerveja, do vinho e nos processos de panificação
(Figura 75).
158 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Figura 75 – Microscopia eletrônica da espécie Saccha-


romyces cerevisiae. Trata-se de um eficiente produtor
de etanol nas bebidas fermentadas e de dióxido de car-
bono para fermentar a massa de pão.
Fonte: http://www.chateauneuf.dk/en/production/vinification.htm

4.3. Fungos dimórficos


Alguns fungos, mais notadamente nas espécies patogênicas, exibem dimor-
fismo – duas formas de crescimento.
Esse fenômeno é dependente da temperatura assim, quando estão
à temperatura de 25 a 28 ºC eles se mostram na forma filamentosa, e
quando estão em temperaturas próximas 37 ºC, apresenta forma de leve-
dura (Figura 76 A e B).

A) B)
Figura 76 – Histoplasma capsulatum, exemplo de fungo dimórfico. A. Forma filamen-
tosa. B. Forma leveduriforme.
Fonte: http://commons.wikimedia.org/
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 159

5. Classificação das principais doenças fúngicas


Os distúrbios orgânicos causados pelos fungos podem se manifestar de qua-
tro maneiras distintas:
1. Micose: quando o fungo é capaz de causar um quadro infeccioso, no qual
são observadas manifestações clássicas de uma patologia.
2. Quadros de hipersensibilidade: algumas espécies fúngicas desenca-
deiam uma resposta inflamatória imediata, além disso, observa-se a produ-
ção de antígenos que são liberados na corrente sanguínea e se localizam
em outros sítios não infectados, causando lesão clínica semelhante à lesão
primária. Um bom exemplo são as mídides, encontradas numa doença de
pele conhecida como dermatofitose.
3. Micetismo: é uma intoxicação aguda, causada pela ingestão de macromi-
cetos, os quais são utilizados propositada ou acidentalmente na alimenta-
ção humana e animal.
4. Micotoxicose: trata-se de uma intoxicação causada pela ingestão de ali-
mentos contaminados com toxinas de fungos anemófilos.
Diante dessa variedade de quadros clínicos, a micologia se subdividiu
em interesses distintos, existindo na atualidade estudiosos interessados basi-
camente nos fungos causadores de resposta inflamatória e processos primá-
rios clássicos, enquanto outros micologistas especializados nos quadros de
intoxicação alimentar, onde se incluem o micetismo e a micotoxicose.

Micoses
Micoses são infecções produzidas por micromicetos (fungos microscópicos)
parasitos, geralmente do filo dos Deuteromicetos. A expressão foi utilizada
pela primeira vez em 1856 por Rudolf Virchow (1821-1902).
As micoses ocupam lugar de destaque nas patologias tropicais, não
existindo ramo da Medicina humana em que os fungos não sejam responsá-
veis por vários distúrbios, alguns dos quais graves e mesmo mortais. Anato-
micamente, classificamos as micoses em quatro grupos: micoses superficiais
(estritas e dermatofitoses), micoses subcutâneas, micoses profundas (ou sis-
têmicas) e micoses oportunistas.
Micoses superficiais estritas: são infecções fúngicas localizadas nas ca-
madas superficiais da pele. Fazem parte deste conjunto a pitiríase versicolor,
piedra negra (Piedraia hortae), piedra branca (Trichosporon sp.) e tinea nigra
(Phaeoannellomyces werneckii). Tais infecções prevalecem em zonas de cli-
ma tropical e subtropical dos continentes americano e africano, estando muito
relacionadas a condições sócio-econômicas pouco favoráveis. Além do mais,
estas entidades clínicas apresentam em comum o caráter contagioso bastan-
te fraco ou inexistente.
160 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Dermatofitoses: são causadas por fungos filamentosos, hialinos, septados,


queratinofílicos, passíveis de colonizar e causar lesões clínicas em pelos e/ou
extrato córneo de homens e animais, denominados de dermatófitos.
Os dermatófitos apresentam uma predileção ecológica, no que diz res-
peito à sua adaptação ao meio ambiente, sendo classificados em geofílicos,
zoofílicos e antropofílicos e são divididos em três gêneros: Trichophyton, Mi-
crosporum e Epidermophyton.
As dermatofitoses são também chamadas de “tineas” ou “impinges”, e
podem afetar a epiderme (regiões de pele glabra), o couro cabeludo e as unhas.
Nas lesões de couro cabeludo, como tinea tonsurante (Figura 77), tinea
supurativa e tinea fávica, ocorre queda de cabelo (alopecia) e intenso prurido
(coceira).

Figura 77 – Área tonsurante microspórica no couro cabeludo.


Fonte: Gürtler; Diniz; Nicchio, 2005.

Micoses subcutâneas: são causadas por fungos saprófitas habituais do solo


e de vegetais em decomposição. O processo infeccioso se inicia por trau-
matismo. As principais micoses subcutâneas são: cromoblastomicose (Figura
78), esporotricose, micetomas, zigomicose, doença de Jorge Lobo, feo-hifo-
micose e hialo-hifomicose.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 161

Figura 78 – Caso de cromoblastomicose. A – Le-


são nos pés. B – Análise microscópica do agen-
te etiológico Fonseca pedrosai. C – Colônia do
agente etiológico Fonseca pedrosai em meio de
cultura ágar Sabouraud.
Fonte: http://bioftbiologia.blogspot.com/2010/11/micoses-sub-
cutaneas.html

Micoses profundas: os fungos que causam as micoses profundas apresen-


48
O professor e micologista
tam à habilidade de invadir a derme e/ou a hipoderme, atingindo órgãos in-
cearense José Julio Costa
ternos, especialmente os pulmões. Destacam-se a paracoccidioidomicose, Sidrim coordena o Centro
coccidioidomicose, blastomicose e histoplasmose48. Os agentes etiológicos Especializado em
apresentam em comum virulência individual e inerente a cada espécie; trata- Micologia Médica (CEMM),
na Universidade Federal
-se de fungos dimórficos e necessitam para seu isolamento laboratórios com
do Ceará, sendo um dos
condições de segurança mínimas e profissionais bem treinados. maiores estudiosos nacionais
Além do mais, esses fungos geralmente são autóctones de regiões de clima da Coccidioidomicose. Todos
quente e úmido, tendo sua distribuição relativamente limitada às zonas tropicais; os autores da presente
obra foram orientados pelo
tais fungos vivem saprofiticamente no solo, na forma filamentosa, e, em condi- ilustre professor Sidrim, que
ções especiais, são capazes de liberar estruturas de reprodução assexuada (co- é precursor da Micologia
nídios) que, ao serem inalados por homens e outros animais, vão ocasionar uma médica no Ceará.
infecção que pode ser, em geral, discreta ou mesmo não aparente.
Paracoccidiodomicose: trata-se de uma micose estritamente localizada na
América Latina. Apresenta maior incidência no Brasil e em particular na região
Sudeste, principalmente em São Paulo. Destaca-se que o habitat do Paracoc-
cidioides brasiliensis ainda é um “quebra-cabeças”, apesar do mesmo já ter
sido isolado diversas vezes do solo; esse isolamento se faz de maneira espo-
rádica, situação essa que dificulta a demarcação de reservárias.
Coccidioidomicose: o Coccidioides sp. é um fungo por excelência geofílico,
adaptado aos climas semiáridos e desérticos, sendo particularmente abundante
logo que uma estação seca sucede uma chuvosa. Ambientes que apresentam
uma vegetação pobre e esparsa, sendo mais abundante numa profundidade
entre 10 e 28 cm da superfície e em solos que apresentem elevada salinidade
e pH alcalino. Assim, o revolvimento da terra favorece a aquisição da infecção.
Histoplasmose: apresenta distribuição cosmopolita, tendo sido descrita em
mais de 50 países e diagnosticada, praticamente, em todas as regiões de
clima tropical e temperado. É relatado na literatura que o Histoplasma cap-
162 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

sulatum tem preferência por solos fofos, com pH levemente ácido e enrique-
cidos por matéria orgânica, como fezes de aves e morcegos. A aquisição da
infecção se deve a atividades como limpar ou demolir viveiros de pássaros,
penetrar em cavernas habitadas por morcegos, entre outros (Figura 79).

Figura 79 – Ciclo biológico do Histoplasma cap-


sulatum, agente etiológico da histoplasmose.
Fonte: Sidrim; Rocha, 2004.

Micoses oportunistas: diversos fungos, presentes no meio am­biente ou inte-


grante da microbiota do homem, podem, em determinadas situações, tornarem-
-se patogênicos. Nessas ocasiões, podem provocar quadros clínicos variáveis,
desde processos benignos a septicemias, que se não forem diagnosticados e
tratados em tempo, podem se tornar fatais. Com destaque para criptococose
(Figura 80) e aspergilose.

Figura 80 – Cryptococcus neoformans, agente


etiológico da criptococose.
Fonte: http://www.infoescola.com/doencas/criptococose/
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 163

5.2. Micetismo
É uma intoxicação causada pelo consumo do corpo frutífero cru ou cozido de
cogumelos altamente tóxicos. O termo “toadstool”, em inglês, para designar
cogumelos venenosos, origina-se da palavra alemã – “todesstuhl” que signifi-
ca “fezes de mortos”, é o nome comumente dado a toxina do cogumelo.
Para indivíduos não especialistas é muito difícil diferenciar espécies de
macromicetos tóxicos dos não tóxicos. As toxinas dos cogumelos veneno-
sos são produzidas naturalmente por eles, e cada espécie tem sua própria
toxina. A maioria dos cogumelos que pode causar intoxicação em humanos
não perde seu efeito tóxico por cozimento, congelamento ou outro método
de processamento. A prevenção consiste em evitar o consumo de espécies
tóxicas. As intoxicações ocorrem quando indivíduos coletam cogumelos sel-
vagens confundindo-os com cogumelos comestíveis ou quando consomem
intencionalmente cogumelos com compostos psicoativos (Figura 81).

Figura 81 – Amanita muscaria. Trata-se de um basidiomice-


to natural de regiões com clima temperado. Possui proprie-
dades psicoativas e alucinógenas em humanos. O compo-
nente ativo é o ácido ibotênico.
Fonte: http://www.shroomery.org/

As intoxicações por cogumelos são geralmente agudas e manifestam-se


por uma variedade de sintomas e prognósticos, dependendo da quantidade e es-
pécie consumida. Como a substância química de muitas toxinas é ainda desco-
nhecida e a identificação de cogumelos muitas vezes difícil, as intoxicações por
cogumelos são geralmente classificadas por seus efeitos fisiológicos.
164 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Existem quatro categorias de toxinas de cogumelos:


a) veneno protoplasmático: que causa a destruição generalizada de célu-
las, seguida de falência dos órgãos;
b) neurotoxinas: compostos que causam sintomas neurológicos como pro-
fusa transpiração, coma, convulsões, alucinações, excitação, depressão e
cólon espástico;
c) irritantes gastrointestinais: compostos que produzem rapidamente náu-
sea passageira, vômitos, dor abdominal e diarreia; e
d) toxina tipo Dissulfiram (dissulfato de tetraetiltiuram).
Cogumelos desta última categoria geralmente não são tóxicos e não
produzem sintomas ao menos que seja consumido álcool nas 72 horas após
ingeri-los, o que causa uma síndrome tóxica aguda, de curta duração.
O curso normal da doença varia com a dose e a espécie do cogumelo
consumida. Cada espécie tóxica contém um ou mais compostos tóxicos que
podem existir em outras espécies. Entretanto, casos de cogumelos tóxicos
geralmente não se parecem um com o outro, ao menos que sejam causados
pela mesma espécie ou espécie muito parecida.

5.3. Micotoxinas e micotoxicoses


Embora a maioria dos fungos49 não produza toxina, estima-se que 300 tipos
de micotoxinas sejam produzidas por mais de 350 espécies fúngicas. Algumas
espécies produzem apenas uma micotoxina, porém outras produzem mais de
uma. Suspeita-se que quase todos os fungos, se testados, mostrariam algu-
ma espécie de toxicidade e que todos os alimentos e rações susceptíveis à
49
Fungos e Feiticeiras: produção de fungos podem ser potencialmente contaminados sob condições
Existem evidências que ambientais apropriadas.
sugerem que o ergotismo
(envenenamento pelo
A micotoxina designa um grupo de metabólitos secundários produzidos
esporão do centeio) causou por determinadas espécies de fungos filamentosos. Estes metabólitos secun-
a execução das “bruxas” em dários são quimicamente diversos e podem estar contidos no interior dos es-
Salem, Massachusetts, no poros, em seus micélios, ou então serem liberados no alimento contaminado
final do séc. XVII. As “vítimas”
dessas “feiticeiras” podem
por estes microrganismos.
ter ingerido pão fabricado Podem ser divididas em três grandes grupos:
com grãos de centeio
● Aflatoxinas, produzidas pelo gênero Aspergillus (as espécies que merecem
contaminados pelo fungo
Claviceps purpurea. Este destaque são A. flavus e A. parasiticus) (Figura 82);
fungo produz uma micotoxina ● Fusariotoxinas, produzidas por fungos do gênero Fusarium, representadas
(ergotina) que, quando
ingerida, pode produzir
pela zearalenona, tricotecenos e fumonisinas;
sintomas, como alucinações, ● Ocratoxinas, produzidas pelo Aspergillus alutaceus (A. ochraceus) e algu-
convulsões etc, semelhante mas espécies do gênero Penicillium.
àqueles vivenciados pelas
“vítimas” em Salem.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 165

Figura 82 – Grão de milho contaminado


com a espécie Aspergillus flavus.
Fonte: http://www.plantpath.cornell.edu/Labs/
Nelson_R/A_flavus3.html

Síntese do capítulo
Os fungos são encontrados em quase todos os lugares da Terra; alguns são
benéficos (usados na fabricação de queijos, iogurtes, cervejas, vinhos e outros
alimentos, bem como certos antibióticos e quimioterápicos), outros são preju-
diciais (causam deterioração do couro e plástico, podem estragar alimentos e
causar sérias infecções em animais e vegetais).
Constituem um grupo diversificado de eucariontes que incluem seres ma-
croscópicos e microscópicos, macromicetos e micromicetos, respectivamente.
Durante o capítulo relatou-se a situação taxonômica dos fungos no passado e
na atualidade, descrevendo sua biologia, com enfoque nos aspectos morfoló-
gicos e bioquímicos, nutrição e reprodução. Os achados macromorfológicos
e micromorfológicos dos fungos filamentosos, leveduras e fungos dimórficos
foram descritos.
Por fim, houve o relato da classificação das principais doenças fúngicas,
com destaque para as micoses (micoses superficiais estritas, dermatofitoses,
micoses subcutâneas, micoses profundas e micoses oportunistas), micetismo
e micotoxicoses.
166 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Atividades de avaliação
1. Durante muito tempo, os fungos foram considerados vegetais e, somente a
partir de 1969, passaram a ser classificados em um reino à parte. Pesquise
quais as características utilizadas para classificá-los junto às plantas, e as
que levaram a essa divisão.
2. Diferencie as funções biológicas das estruturas de ornamentação e frutifi-
cação dos fungos micromicetos, citando, pelo menos, 1 exemplo de cada
uma dessas estruturas.
3. Algumas leveduras, como a Candida albicans, durante sua evolução na vida
vegetativa, isto é, quando os ciclos biológicos de nutrição e reprodução se
encontram ativos, podem apresentar uma forma filamentosa verdadeira,
independente da temperatura. Qual é o nome desse fenômeno? Explique
por que isso acontece.
4. Duas equipes de estudantes discutiam sobre a identificação de uma colônia
fúngica, a equipe A afirmou que ao analisar as características macroscópi-
cas dessa colônia conseguiriam sua identificação até espécie, enquanto a
equipe B afirmou que precisaria da análise conjunta das características mac-
ro e micromorfológicas. Qual equipe está correta? Justifique sua resposta.
5. Escolha uma espécie fúngica fitopatógena e discorra detalhadamente so-
bre suas características laboratoriais e principais patogenias ocasionadas
sobre seus hospedeiros.
6. Monte uma tabela comparativa entre as micoses superficiais estritas, dermatofi-
toses, micoses subcutâneas, micoses profundas e micoses oportunistas.

Leituras
AZEVEDO, J. L. Fungos: uma introdução à biologia, bioquímica e biotecnolo-
gia. 2. ed. Rio de Janeiro: EDUCS, 2010. 638 p.

Sites
http://www.invivo.fiocruz.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?tpl=home
http://www.fcf.usp.br/Ensino/Graduacao/Disciplinas/Exclusivo/Inserir/Anexos/
LinkAnexos/esporo%20e%20cromo.PDF
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 167

http://www.icb.ufmg.br/mic/mic/material/agentesetiologicosdasmicosesoportu-
nistas.pdf
http://www.doctorfungus.org/

Vídeos
http://www.youtube.com/watch?v=4FYN05Zt1kk
http://www.youtube.com/watch?v=pN0t_ws-2xM&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=wixX922y3S0

Referências
BLACK, J. G. Microbiologia: fundamentos e perspectivas. 4 ed. Rio de Janei-
ro: Guanabara Koogan, 2002.
FISHER, F.; COOK, N. B. Micologia: fundamentos e diagnóstico. Rio de Ja-
neiro: Revinter, 2001. 337 p.
GÜRTLER, T. G. R.; DINIZ, L. M.; NICCHIO, L. Microepidemia de tinha do
couro cabeludo por Microsporum canis em creche de Vitória - Espírito Santo
(Brasil). Anais Brasileiros de Dermatologia, v. 80, n. 3, 2005.
LACAZ, C. S.; PORTO, E.; MARTINS, J. E. C. Tratado de Micologia Médica.
9 ed. São Paulo: Editora Sarvier, 2002.
RAVEN, P. H.; EVERT, R. F.; EICHORN, S. E. Biologia vegetal. 6. ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 2001.
SIDRIM, J. J. C.; ROCHA, M.F.G. Micologia médica a luz de autores con-
temporâneos. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004.
WINN Jr. W. C.; ALLEN, S. D.; JANDA, W. M.; KONEMAN, E. W.; PROCOP,
G. W.; SCHRECKENBERGER, P. C.; WOODS, G. L. Koneman, Diagnósti-
co Microbiológico: texto e atlas colorido. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2008. 1.565 p.
Capítulo 9
Vírus
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 171

Objetivos

l Descrever as características gerais dos principais agentes infecciosos ace-


lulares (vírus).
l Conhecer as etapas da replicação viral.
l Apresentar algumas viroses humanas.

1. Histórico da Virologia
A palavra vírus é originária do latim e significa “toxina” ou “veneno”. As evi-
dências sobre a existência das infecções virais surgiram desde os primeiros
registros de atividades humanas, sendo empregados vários métodos para
combatê-las, mesmo antes do conhecimento da existência da partícula viral
como agente etiológico de doenças.
As doenças virais começaram a ser registradas nas civilizações egípcias
e greco-romanas. Hieróglifos egípcios mostram o faraó Ramsés V, com seque-
las de varíola em sua face (Figura 83). Outras doenças virais, conhecidas desde
os tempos ancestrais, são a caxumba, a influenza e a febre amarela.

Figura 83 – Imagem do faraó Ramsés V, detalhe


da face mostra sequelas da varíola.
Fonte: http://news.bbc.co.uk/2/hi/4072392.stm
172 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Galeria de estudiosos Não somente os homens eram afetados pelas infecções virais, como
importantes para a virologia.
também as plantas. Em 1876, Adolf Meyer50 (1842-1942), químico alemão,
estudando doenças associadas ao tabaco, comprovou a natureza infecciosa
da doença do mosaico do fumo, inoculando plantas saudáveis com o sumo de
plantas doentes, reproduzindo a mesma sintomatologia.
Foi Dimitri Ivanowsky51 (1864-1920), cientista russo, ao reproduzir os
mesmos experimentos de Meyer com adição de uma etapa, filtrou o sumo
retirado de plantas doentes em filtros de porcelana, com os resultados desse
experimento providenciou a primeira definição de vírus: vírus são partículas
filtráveis. Esses achados e outros experimentos deram origem a um ciclo de
25 anos de debate sobre se essas partículas eram sólidas ou líquidas, que só
Adolf Meyer (1842-1942)
50 terminaram com os experimentos de d’Herelle e depois da primeira microgra-
Químico alemão, comprovou fia eletrônica do vírus do mosaico do tabaco.
a natureza infecciosa da
Em 1915, Felix d’Herelle52 (1873-1949), médico e bacteriologista cana-
doença do mosaico do fumo.
dense, determinou a primeira etapa do processo de infecção viral, que é a adsor-
ção mediada por receptor, e descreveu também a lise e liberação de partículas
infecciosas, sendo considerado o pai da Virologia moderna.
Na atualidade, com base nos estudos moleculares, sabe-se que os ví-
rus não têm a organização complexa das células; são estruturalmente sim-
ples, constituídos de uma pequena quantidade de ácido nucleico, DNA ou
RNA, cercado por uma espécie de cápsula protetora consistente formada
por proteínas ou por uma combinação de proteínas e lipídeos. Incapazes de
crescer independetemente em meios artificiais, eles somente podem replicar-
-se em células animais, vegetais ou microbianas. Assim sendo, os vírus são
considerados parasitas intracelulares obrigatórios e representam a máxima
51
Dimitri Ivanowsky (1864-
1920) – cientista russo que sofisticação em parasitismo.
forneceu a primeira definição Esses parasitas são entidades naturais muito simples que se encontram
do vírus
Fonte: Google, 2010.
em uma zona de classificação intermediária, existindo um acalorado e polê-
mico debate na comunidade científica sobre a sua classificação, se devem
ser considerados seres vivos ou não, e esse debate é resultado de diferentes
percepções sobre o que vem a ser vida, no conceito biológico. Aqueles que
defendem a ideia que os vírus não são vivos argumentam que organismos
vivos devem possuir características como a habilidade de importar nutrientes
e energia do ambiente, devem ter metabolismo próprio e, através da reprodu-
ção, gerar outros seres semelhantes.
Outra corrente, porém, não concorda com essa perspectiva, e argu-
menta que se vírus são capazes de reproduzir-se, são organismos vivos. Em-
bora eles dependam do maquinário metabólico da célula hospedeira, todos
os seres vivos também dependem de interações com outros seres vivos. Ou
seja, diferentes conceitos sobre vida formam o cerne dessa discussão, por
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 173

esta razão, é preferível utilizar termos tais como “funcionalmente ativos” ou


“inativos”, em vez de “vivos” ou “mortos”, quando nos referimos aos vírus.
Diferente das bactérias, que são entidades vivas, os vírus não possuem
forma de reprodução independente de seus hospedeiros. Eles têm que infectar
células hospedeiras, desnudar seu material genético e então usar a maquinaria
do hospedeiro para copiar ou transcrever o material genético viral, causando
indisposições leves e sutis como uma verruga, irritantes no caso de gripes ou
mortais nas febres hemorrágicas.
Da mesma forma que a maioria dos parasitas, eles, em sua maioria, são
limitados a um hospedeiro e a tipos específicos de células. Os vírus que atacam
as células animais não atacam as vegetais e vice-versa. No entanto, existem
alguns vírus vegetais que se multiplicam nas células de insetos, que os dissemi- 52
Felix d’Herelle
nam de uma planta para a outra. (1873-1949) – médico
canadense, determinou a
Os vírus possuem numerosas estratégias de invasão. Cada vírus pos-
primeira etapa do processo
sui uma configuração única de suas moléculas que compõem a superfície. de infecção viral.
Essas moléculas externas atuam de forma precisa e específica, de acordo Fonte: Google, 2010.
com o conhecido princípio da “chave e fechadura” bastante popularizado e
utilizado para explicar a atividade das enzimas. Essa propriedade especial
permite aos vírus penetrarem em hospedeiros pela ligação precisa de suas
moléculas da superfície com a membrana celular das entidades alvo.
O sucesso evolutivo dos vírus tem sido atribuído a quatro característi-
cas gerais: variação genética, diversidade nas formas de transmissão, eficácia
da replicação nas células hospedeiras e a habilidade de permanecer no hos-
pedeiro. Como consequência, os vírus têm se adaptado a todas as formas de
vida e têm ocupado numerosos “nichos ecológicos” resultando em uma gama
de doenças em humanos, animais e plantas.

2. Origem dos vírus


A origem dos vírus é incerta. No entanto, sabendo-se que eles não podem se
replicar sem uma célula hospedeira, provavelmente eles não estavam presen-
tes antes do desenvolvimento das células primitivas.
Existem algumas hipóteses para o surgimento dos vírus. Um grupo de
pesquisadores sugere que eles e os organismos celulares se desenvolveram
juntos, sendo tanto os vírus como as células originárias de moléculas, com
replicação própria, existentes num mundo “anterior ao celular”.
Outra vertente é que os vírus seriam originários de células que perderam
suas junções, conservando somente a informação para se replicar, utilizando,
então, a maquinaria celular de outra célula. Uma terceira hipótese sugere que
os vírus se desenvolveram a partir de plasmídios, moléculas de DNA com re-
plicação independente encontrados em muitas células bacterianas.
174 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Nesse contexto, há uma grande dificuldade em determinar a origem e


mesmo a evolução dos vírus em função do tamanho demasiadamente peque-
no e fragilidade para resistir aos processos de fossilização, ou mesmo para
preservar pequenos fragmentos dos ácidos nucleicos em tecidos como folhas
ou em âmbar.
Desta forma, o estudo dos vírus está praticamente limitado aos que são
isolados no presente, ou em material que tem no máximo algumas dezenas
de anos. A nova ciência da sistemática molecular dos vírus tem a difícil missão
de encontrar e analisar pistas nas distantes relações de importantes grupos
virais, e em alguns casos presumir a sua origem.
Os picornavírus (pequenos vírus de RNA que ataca os mamíferos), por
exemplo, são estrutural e geneticamente muito semelhantes a um grande gru-
po de pequenos vírus de RNA de insetos e com pelo menos dois vírus de
plantas. Como os vírus de insetos são mais diversificados do que os vírus
de mamíferos, estes têm provavelmente a sua origem em algum inseto que
adaptou a sua alimentação a mamíferos em algum ponto no período evolutivo.
De uma forma geral, os vírus partilham a origem comum da função da
transcriptase reversa, a qual pode ser uma relíquia viva de uma enzima capaz de
53
Capsídio: Representa a fazer a ponte de ligação entre a genética baseada em RNA e a baseada em DNA.
concha ou carapaça de
proteínas que envolve o
ácido nucleico. É constituída 3. Componentes virais
por unidades estruturais
(capsômeros). Os vírions, partículas virais completas, são estruturas simples e pequenas, que
consistem em um genoma DNA ou RNA, revestido por um capsídio53 (capa de
54
Unidades estruturais: São
as unidades funcionais
proteína) que é composto por muitas unidades proteicas54 denominadas cap-
menores, que representam sômeros55 (Figura 84). Esta organização em capsômeros resulta da estrutura
de uma forma simplificada, os terciária regular das proteínas e da morfologia regular da maioria dos vírus.
“tijolos” do capsídio viral.

55
Capsômeros: São as
unidades morfológicas
observadas na superfície
das partículas virais e
representando agrupamentos
de unidades estruturais.

Figura 84 – Esquema de um vírion49 (partícula viral completa).


Fonte: http://equipe4.8m.com/1bim/virus_morfologia.htm
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 175

Existem ainda nucleoproteínas que envolvem o DNA ou RNA viral, 56


Nucleocapsídio: Refere-
como uma capa. É proteção contra ataques das enzimas da célula infec- se ao núcleo do vírus. É a
tada. Assim, alguns vírus possuem a nucleocapsídio56 (ácido nucleico e designação dada ao conjunto
formado pela molécula de
capsídio) envolvida por um envoltório, envelope57 ou invólucro de glicopro- ácido nucleico e o capsídio.
teínas e/ou lipídios. Os vírus sem esse envelope são denominados vírus
nus, e aqueles que possuem esse envelope são denominados encapsula- Envelope: O capsídio pode
57

dos ou envelopados. estar revestido exteriormente


por uma camada lipídica
As proteínas da superfície do capsídio e do envelope determinam a
que pode conter material da
interação dos vírus com o hospedeiro. As espículas são constituídas de célula hospedeira e do vírus.
proteína, e são essas estruturas presentes nos vírus com envoltório que
se ligam aos receptores expressos na superfície da célula. A forma dessas 58
Vírion: É a partícula viral
espículas e dos receptores é o que define que partes do corpo o vírus vai completa e com capacidade
infectante.
infectar (Figura 85).

Figura 85 – Esquema do vírus da gripe. Observar dois tipos de espículas


que se projetam para fora da superfície do envelope, espículas N e H.
Fonte: http://no.comunidades.net/

Algumas partículas virais58 também possuem as enzimas requeridas


para facilitar a replicação do vírus. O tamanho do genoma de cada vírus está
correlacionado com as dimensões do capsídio e do envelope. Vírus grandes
podem conter um genoma maior que codificará um maior número de proteí-
nas.

4. Morfologia, estrutura e replicação viral


Por meio da microscopia eletrônica, é possível determinar as características
morfológicas dos vírus. As fotografias das imagens virais em microscopia ele-
trônica revelaram suas formas, dimensões e estruturas internas, demonstran-
do que cada vírus possui características próprias. As partículas virais variam
em tamanho de 20 a 300 nm (1 nm = 1/1.000 μm). Assim, representam o
menor e mais simples agente infeccioso (Figura 86).
176 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Figura 86 – Alguns exemplos dos tipos morfológicos virais.


Fonte: http://2.bp.blogspot.com/

Quanto à morfologia, as proteínas virais agrupam-se espontaneamente


para fornecer ao capsídio a característica simétrica, podendo os vírus ser or-
ganizados segundo estruturas poliédricas, helicoidais e de estrutura comple-
xa. Alguns exemplos dos tipos morfológicos são descritos abaixo:
1. Vírus icosaédricos: A maioria dos vírus com aspecto poliédrico ou esférico
tem um capsídio cuja estrutura básica é de um icosaedro, o que significa
que sua superfície é constituída de 20 faces triangulares equiláteras, 12
vértices e 30 arestas, os capsômeros dos vértices de cada face são cha-
mados “pentons” e os capsômeros das faces de “hexons”. Ex.: poliomielite,
adenovírus, herpesvírus.
2. Vírus helicoidais ou tubulares: Os vírus com simetria helicoidal têm um
capsídio cujos capsômeros organizam-se em torno do ácido nucleico na
parte interna das unidades proteicas, associado às mesmas, na forma de
uma hélice. Os vírus vegetais com simetria helicoidal apresentam-se tipi-
camente em forma de bastão. Ex.: vírus do mosaico do tabaco, da batata,
vírus da influenza, caxumba.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 177

3. Vírus complexos: Possuem envelope e são geralmente pleomórficos, pois


o envelope não é rígido, apresentando uma simetria indefinida. Ex: Esfé-
ricos (arbovírus; arboencefalites), paralelepípedos (poxvírus; varíola), os
bacteriófagos.
A replicação viral é a fase de multiplicação do material genético viral e
de produção das proteínas virais (Figura 87). Os vírus redirecionam efetiva-
mente os processos metabólicos de muitas células hospedeiras para produzir
novos vírions, em vez de produzir material novo para a célula hospedeira.

Figura 87 – Etapas da replicação viral.


Fonte: www.micro.msb.le.ac.uk/335/orthomyxovir

Muitas enzimas virais específicas, geralmente não fazem parte do ví-


rion, e são sintetizadas somente quando o vírion está dentro da célula hospe-
deira, que dispende grande parte de sua energia sintetizando enzimas virais
em vez de componentes celulares. A replicação viral é mediada pelas proteí-
nas P, que se associam formando o complexo da enzima polimerase.
O RNA genômico do vírus é copiado pela polimerase viral em moléculas
de RNA mensageiro (RNAm) através de um processo denominado transcrição.
As moléculas de RNAm são então transportadas do núcleo para o citoplasma
da célula hospedeira. No citoplasma, o código genético contido no RNAm deter-
mina a síntese das proteínas virais específicas (as moléculas de RNAm contêm
a informação necessária para a síntese das diferentes proteínas virais).
178 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Através de um processo que ainda não foi totalmente elucidado, produ-


zem-se também moléculas de RNA de cópia (RNAc). As cópias de RNAc viral
produzidas durante a replicação viral irão constituir os genomas de novos vírus.

Principais passos da replicação viral


1. Reconhecimento da célula alvo.
2. Ligação do vírus à célula por adsorção.
3. Penetração.
4. Perda do capsídio ou “desnudamento” do vírus.

Síntese de macromoléculas:

a) RNAm e síntese proteica: genes não-estruturais para enzimas e proteínas


que atuam conjuntamente com os ácidos nucleicos.
b) Replicação do genoma.
c) RNAm tardio e síntese protéica: proteínas estruturais.

1. Modificação das proteínas pós-tradução.


2. Montagem do vírus.
3. Libertação do vírus.

No final, o vírus está em condições de infectar novas células. Ressalta-


-se que esse processo vale tanto para a replicação de bacteriófagos quanto
para a replicação de vírus animal e vegetal, porém existem algumas diferen-
ças entre essas replicações, por exemplo, frente aos mecanismos de penetra-
ção, maturação, liberação, entre outros.

5. As mutações
Durante a replicação, podem ocorrer erros ou alterações no genoma viral,
resultando em drifts antigênicos (mutações pontuais) ou shifts antigênicos
(quando há recombinação dos genes).
O material genético dos vírus pode sofrer várias mutações e gerar muitas
variedades a partir de um único tipo viral; um exemplo são as dezenas de dife-
rentes tipos de vírus da gripe humana, gerados por mutações ao longo dos anos.
Durante o processo de replicação viral podem ocorrem mutações, o
que vai originar no genoma uma informação nova e diferente. Se uma mu-
tação é prejudicial, a nova partícula viral pode não conseguir sucesso repro-
dutivo, perdendo capacidade infectante. Pelo simples fato de um vírus poder
originar muitas cópias dele próprio, 100.000 das novas partículas formadas
podem perder a capacidade infectante, mas basta que 100 partículas conti-
nuem “boas” para persistir a infecção no hospedeiro.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 179

Além disso, algumas mutações não causam alteração funcional para o


vírus, sendo inócuas para este, mas podem causar algumas alterações das
moléculas do capsídio viral, o que pode originar a novas estruturas de reco-
nhecimento vírus/célula hospedeira.
Isso pode acontecer, por exemplo, com o vírus da Influenza, causador
da gripe. Uma das suas proteínas da superfície sofre alteração, e a cada mu-
tação no genoma surge um novo tipo de vírus, com uma “cobertura diferente”.
Este aspecto pode obrigar que uma nova vacina antigripe seja feita a cada
ano, porque as novas moléculas de ligação viral passam a ser diferentes, e o
sistema imunológico do indivíduo precisa ser “informado” desta mudança para
poder defender-se do ataque viral.

6. Classificação dos vírus


Ainda não existe sistema de classificação de seres vivos que inclua os vírus,
estes são agrupados por características, tais como: morfologia, tipo de geno-
ma, o modo de replicação e a presença/ausência de envelope lipídico etc.
As configurações dos vírus podem ser reunidas de acordo com o siste-
ma de classificação, proposto em 1971, por David Baltimore (laureado com o
Prêmio Nobel por seu trabalho sobre vírus tumorais), que se baseia na repli-
cação e expressão do genoma viral.
Assim, todos os vírus foram colocados em uma das seis classes de
acordo com a via particular envolvida na síntese de RNAm (Quadro 6).

Quadro 6

CLASSIFICAÇÃO DOS VÍRUS SEGUNDO DAVID BALTIMORE


Classes Características
I Os vírus possuem um genoma de DNA de fita dupla
IIa Os vírus possuem um genoma de DNA de fita única da mesma sequência do RNAm
IIb Os vírus têm DNA complementar ao RNAm
III Os vírus têm um genoma de RNA de fita dupla
IV Os vírus possuem genoma de RNA de fita única
V Os vírus têm um genoma RNA de fita única, o qual é complementar na sequência de base do RNAm
VI Os vírus possuem genoma de RNA de fita simples e têm um DNA intermediário durante a replicação

Um papel importante é designado ao RNAm, pois a síntese proteica ocor-


re pelo mesmo mecanismo em todas as células. Embora este esquema agru-
pe vírus com etapas replicativas semelhantes, também agrupa vírions muito
diferentes na mesma classe (por exemplo, bacteriófagos e vírus animais). Ele
também não leva em consideração outras propriedades dos vírus, sendo mais
aceito por biólogos moleculares. Mas virologistas voltados ao estudo da Biologia
180 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

preferem uma classificação mais geral, baseada no modelo de classificação de


Linnaeus, utilizando nomenclatura para famílias, gêneros e espécies.
O Comitê Internacional de Taxonomia dos Vírus, também utiliza outras
características físicas, químicas e biológicas para nortear sua classificação. As-
sim como os virologistas bacterianos, os virologistas animais têm contribuído
para a sistemática viral. O nome da família termina em – viridae, os nomes das
subfamílias em –virinae e o gênero e as espécies em – virus. Prefixos das fa-
mílias conotam descrições das características da mesma. Por exemplo, Picor-
naviridae significa vírus de RNA pequeno, Hepadnavírus, vírus DNA que causa
doença do fígado. Outras denominações referem-se a origens históricas.
Entretanto, os virologistas vegetais não classificaram os vírus de manei-
ra semelhante. Os vírus foram divididos em grupos de vírus (em lugar de famí-
lias e gêneros) que compartilham propriedades semelhantes. Os nomes para
estes grupos são geralmente derivados de nomes de protótipos ou membros
mais representativos do grupo. Por exemplo, o nome do grupo relacionado ao
vírus do mosaico do tabaco é o grupo tobamo ou tobamovírus.

7. Infecções virais
São várias as vias de transmissão dos vírus. No Quadro 7 estão destacadas
as principais delas:
Quadro 7
MODOS DE TRANSMISSÃO PARA OS VÍRUS MAIS REPRESENTATIVOS
Via de transmissão Vírus
Rhinovírus, Adenovírus, Paramyxovírus,
Respiratória
Orthomyxovírus, Coronavírus
Fecal-Oral Picornavírus, Adenovírus, Reovírus
Sanguínea, transplante de órgãos Herpesvírus, Retrovírus, Hepadnavírus
Togavírus, Flavivírus, Bunyavírus, Arenavírus,
Picadas ou mordidas de animais
Rabdovírus, Reovírus

Diferente das infecções fúngicas e bacterianas, as viroses não são provo-


cadas por organismos autônomos e, desta forma, necessitam de células vivas
para replicar seu agente viral. Consequentemente, a maioria das etapas da re-
plicação viral envolve etapas metabólicas de células sadias, e isso torna muito
difícil o desenvolvimento de um tratamento que ataque o vírus diretamente, ou
sua replicação, sem provocar danos ou efeitos colaterais ás células infectadas.
O controle de infecções virais, como qualquer outro tipo de controle de in-
fecções, pode ser conduzido por medidas profiláticas ou terapêuticas, de forma a
controlar e aliviar a infecção viral, que esteja realmente estabelecida no hospedeiro.
Entretanto, a ciência já conseguiu entender algumas estratégias virais e
conhecer algumas características únicas de sua estrutura e ciclos de replica-
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 181

ção de modo que estes se tornaram alvos potenciais de ataque (Quadro 8). Al-
guns medicamentos desenvolvidos interferem em certas enzimas estratégicas
para a atividade viral, especialmente para o processo de replicação. O objetivo
da indústria farmacêutica é desenvolver inibidores específicos de enzimas para
cada tipo de vírus conhecido. Essa estratégia, no entanto, pode levar muito
tempo e ter um custo elevadíssimo.
Por exemplo, a literatura mostra que o primeiro agente antiviral eficaz
contra HIV (agente etiológico da AIDS) – zidovudina (também conhecido como
AZT) – foi introduzido em 1987. Durante a década de 1990, fsoram produzidos
inúmeros fármacos adicionais para o tratamento da infecção pelo HIV. Alguns
desses fármacos antivirais são administrados simultaneamente, em combina-
ções referidas como “coquetéis”. Infelizmente, tais coquetéis são muito caros e
algumas cepas de HIV tornaram-se resistentes a alguns desses fármacos.

Quadro 8

PRINCIPAIS VIROSES HUMANAS


Prevenção e
Virose Agente Etiológico Transmissão Sintomas
Controle
Febre, mal-estar, delírios,
Vírus da Raiva –
Raiva Saliva de animais convulsões, paralisia dos
Família Vacina e soro
(Hidrofobia) infectados músculos respiratórios
Rhabdoviridae
(mortal)
Gotículas de
Injeção de gama-
muco e saliva;
globulina; sanea-
contaminação
mento; cuidados
Hepatite Vírus das hepatites fecal de água e Febre, anorexia, náuseas,
com alimentos
infecciosa A, B, C, D, E, F objetos, relação mal-estar, icterícia
ingeridos,
sexual (depende
Vacina para
odo tipo de vírus
Hepatite B
envolvido)
Parotidite (inflamação das
Saliva e gotícu- parótidas), com inchaço
Vírus da Caxumba –
las; contato abaixo e em frente das
Caxumba Família Vacina
direto; objetos orelhas (pode tornar a
Paramyxoveridae
contaminados pessoa estéril se atingir os
testículos ou os ovários)
Vírus da Influenza – Febre, prostração, dores
Gripe Família Saliva e gotículas de cabeça e musculares, Vacina
Ortomixoviridae obstrução nasal e tosse.
Aplicação de
Febre, prostração,
Saliva e imunoglobulina
Vírus da Rubéola – erupções cutâneas (em
Rubéola gotículas; contato (com efeito
Família Togaviridae fetos provoca a morte ou
direto protetor
deficiências congênitas)
discutível)
182 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Quadro 8

PRINCIPAIS VIROSES HUMANAS


Vírus do Sarampo – Contato direto Febre alta, tosse,
Sarampo Família Paramyxo- e indireto com vermelhidão por todo Vacina
viridae secreções o corpo
Picada de
mosquitos,
Febre alta, náuseas,
Vírus da Febre entre os quais Vacina e combate
Febre vômitos, calafrios,
Amarela – se destacam o aos mosquitos
Amarela prostração e pele
Família Flaviviridae Aedes aegypti e transmissores
amarelada
o Haemogogus
59
Existem 4 tipos de virus do jarthinomys
dengue: DEN-1, DEN-2, DEN-
3 e DEN-4. A Organização Febre súbita e alta, dores
Mundial da Saúde estima musculares, manchas
Picada da fêmea Combate ao
que 3 bilhões de pessoas Vírus da Dengue – avermelhadas no corpo,
Dengue59 do mosquito mosquito
encontram-se em áreas de arbovirus dores de cabeça, cansaço,
Aedes aegypti transmissor
risco para contrair dengue no fotofobia. A variante
mundo. hemorrágica pode ser fatal

60
Os príons são pequenas Devido à estratégia de ocupar as células dos seus hospedeiros, os ví-
proteínas infecciosas que
rus tornam-se difíceis de matar ou eliminar. As soluções médicas mais efica-
aparentemente causam
doenças neurológicas fatais zes para as doenças virais são, até agora, as vacinas que atuam prevenindo
em animais, como scrapie em as infecções, e drogas que tratam apenas os sintomas das infecções virais.
carneiros e cabras, encefalite As pessoas inadvertidas frequentemente fazem uso de antibióticos (subs-
espongiforme bovina,
tâncias que têm capacidade de interagir com microrganismos, matando-os
“doença da vaca louca”.
ou inibindo seu metabolismo e/ou sua reprodução) que são inúteis contra os
vírus, e seu abuso contra infecções virais é uma das causas de resistência
antibiótica em bactérias.

Saiba mais
AIDS e seus esquemas de tratamento
O Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde e o Comitê Assessor em
Terapia Antirretroviral em Adultos e Adolescentes buscaram, nos princípios da equidade e da
integralidade, fortalecer a resposta nacional a epidemia no âmbito do Sistema Único de Saúde
(SUS). Em consonância com esses paradigmas, foi elaborado um protocolo mais integral e reno-
vado, capaz de indicar rotinas que qualifiquem e atualizem o enfrentamento da epidemia ante os
desafios contemporâneos e emergentes, preparando o sistema de saúde para a segunda década
de acesso universal ao tratamento antirretroviral [...]
Fonte: http://www.aids.gov.br/publicacao/consenso-recomendacoes-para-terapia-antirretroviral-em-adul-
tos-infectados-pelo-hiv-2008
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 183

8. Viroses, plantas medicinais e fitoterápicos Os viroides consistem


61

em pequenos fragmentos
Nos últimos anos, os microrganismos vêm desenvolvendo resistência aos desnudos de RNA de
antimicrobianos tão rapidamente que os cientistas, estão começando a se fita simples que podem
interferir no metabolismo das
preocupar com a possibilidade da ciência estar perdendo a guerra contra os células vegetais e impedir
patógenos. Os trabalhos científicos apontam o surgimento de cepas de mi- o crescimento de plantas,
crorganismos patogênicos resistentes a todos os fármacos conhecidos. Para algumas vezes acarretando a
ganhar a guerra contra a resistência microbiana, é necessário mais prudência morte do vegetal.
na utilização dos fármacos atualmente disponíveis, a descoberta de novos
fármacos bem como o desenvolvimento de novas vacinas.
Nesse contexto, há uma tendência mundial crescente à utilização de
produtos naturais no tratamento e prevenção de doenças e outros problemas
de saúde. Essa tendência tem influenciado muitas companhias farmacêuticas
a desenvolver e produzir formulações extraídas de plantas e ervas.
A Organização Mundial da Saúde tem incentivado o uso de plantas
medicinais, principalmente nos países do terceiro mundo, o que estimulou o
aumento de pesquisa na área. A rica flora do Brasil, país detentor da maior
diversidade biológica do mundo, tem despertado interesses de comunidades
científicas internacionais para o estudo, conservação e utilização racional
destes recursos.
Hoje, há produtos fitoterápicos que substituem com vantagens determi-
nados medicamentos sintéticos. A proposta da utilização de fitoterápicos com
atividades antivirais específicas para a doença está centrada na disponibiliza-
ção de um tratamento eficaz, acessível e de baixo custo para a população.

Saiba mais
Ceará e a vacina tetravalente contra a dengue
O Ceará é o único Estado brasileiro a desenvolver uma vacina tetravalente à base de proteína
contra a dengue. Pesquisadores do Laboratório de Bioquímica Humana da Universidade Esta-
dual do Ceará (UECE) desenvolvem, desde 2003, uma vacina tetravalente contra a dengue. A
falta de recursos financeiros está impedindo o avanço das pesquisas, de acordo com a coor-
denadora dos Projetos do Vírus da Dengue da Uece, Maria Izabel Florindo Guedes. Ela calcula
que seriam necessários R$ 500 mil para equipar o laboratório e realizar as outras etapas da
pesquisa para obter a vacina.
Segundo a doutora em Bioquímica, os resultados obtidos até o momento são promissores
para a produção de uma vacina tetravalente contendo em sua estrutura uma proteína comum
aos quatro tipos do vírus da dengue. “Se recebêssemos apoio, poderíamos produzir a vacina em
cinco anos ou até em menos tempo”, argumenta Izabel Guedes [...]
Fonte: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=531767
184 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Síntese do capítulo
A palavra vírus é originária do latim e significa “toxina” ou “veneno”. As evi-
dências sobre a existência das infecções virais surgiram desde os primeiros
registros de atividades humanas.
Durante o texto relatou-se sobre a história e origem dos vírus. Em seguida
foram abordados os componentes virais, morfologia, estrutura e replicação viral,
bem como se deu ênfase as mutações, classificação das viroses humanas.
Por fim, devido há uma tendência mundial crescente à utilização de pro-
dutos naturais no tratamento e prevenção de doenças, o que tem influenciado
muitas companhias farmacêuticas a desenvolver e produzir formulações ex-
traídas de plantas e ervas, com base nisso pode-se discutir sobre as viroses,
plantas medicinais e fitoterápicos.

Atividades de avaliação
1. Faça uma comparação entre os ciclos lítico e lisogênico dos vírus.
2. Crie um mapa de conceito sobre a “doença da vaca louca”.
3. Descreva a composição química do capsídio.
4. Crie um modelo didático para o vírus HIV, utilizando preferencialmente ma-
terial reciclável e de baixo custo.
4. Explique como se pode detectar um bacteriófago. Escolha uma téc-
nica e descreva.
5. Escreva um pequeno relato utilizando a linguagem de cordel sobre influ-
enza e pandemias.

Sites
http://www.aids.gov.br/
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/febreamarela/
http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/area.cfm?id_area=1534
http://pathmicro.med.sc.edu/portuguese/virol-port-chapter2.htm
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 185

Vídeos
http://www.youtube.com/watch?v=P2CmZkjXBR8
http://www.youtube.com/watch?v=rfXy7MUC_60

Referências
FARAH, S. B. DNA segredos e mistérios. São Paulo: Editora Sarvier, 1997.
MADIGAN, M. T.; MARTINKO, J. M.; PARKERT, J. Microbiologia de Brock.
12 ed. São Paulo: Prentice Hall, 2010.
PELCZAR, J. P.; CHAN, E. C. S.; KRIEG, N. R. Microbiologia: conceitos e
aplicações. 2 ed. São Paulo: Makron Books, 1997. v. 1 e 2.
SANTOS, N. S. O.; ROMANOS, M. T. V.; WIGG, M. D. Introdução à virologia
humana. 1. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. 254 p.
WINN Jr. W. C.; ALLEN, S. D.; JANDA, W. M.; KONEMAN, E. W.; PROCOP,
G. W.; SCHRECKENBERGER, P. C.; WOODS, G. L. Koneman, Diagnósti-
co Microbiológico: texto e atlas colorido. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2008. 1.565 p.
Capítulo 10
Microbiologia
ambiental e aplicada
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 189

62
Fossas abissais e a
vida microbiana: As
fossas oceânicas, ou
abissais, são depressões
formadas abaixo do talude
continental (popularmente
conhecido como “fundo
Objetivos do mar”), nas regiões de
encontro de duas ou mais
l Apresentar conceitos relacionados ao Meio Ambiente e sua relação com placas tectônicas, sendo as
os microrganismos, descrevendo generalidades, funções e características regiões mais profundas dos
mais importantes que influenciam os diversos ecossistemas. oceanos. Nesses ambientes
estão presentes bactérias
l Descrever as principais utilizações dos microrganismos na indústria e como quimiossintetizantes,
o metabolismo microbiano é empregado para a produção de fármacos e heterotróficas, luminescentes
alimentos. e archaeobactérias vivendo
em condições de temperatura
e pressão demasiadamente
1. Introdução hostis. Graças às adaptações
no seu maquinário
Já dizia um ditado descontraído que barata e bactéria existem em todo lugar. protéico e genético esses
microrganismos conseguem
E em grande parte isso é verdadeiro. Excluindo as baratas, que não são alvos
sobreviver em ambientes
de estudo da Microbiologia, as bactérias englobam parte dos seres mais adap- inóspitos.
tados aos diferentes habitats do planeta. Os microrganismos são encontrados
em regiões desde as mais congeladas da Antártica até em fontes termais. 63
O que é um bioproduto?
Bactérias em especial são seres ubíquos, e têm sido encontradas em rochas,
Bioprodutos são os
fossas abissais62 e vulcões. Essa característica se deve à grande capacidade compostos produzidos por
e diversidade metabólica, onde diferentes fontes de carbono e energia podem diversos seres vivos, ou
ser utilizadas na sua sobrevivência. ainda aqueles que possuem
em sua composição
Nesse contexto, o estudo sistematizado da Microbiologia ambiental e microrganismos vivos. Em
aplicada é de extrema importância, uma vez que trata das interações dos mi- se tratando de Microbiologia,
crorganismos com o ambiente e de como o homem pode tirar proveito de bactérias, fungos e algas
seus produtos63. possuem potencial de
produção de diversos
Após a “Era de ouro” da Microbiologia, que foi de 1850 até meados de compostos utilizados pelo
1920, ficou claro que os microrganismos também eram capazes de integrar, homem em várias atividades,
interagir e causar transformações no meio ambiente. Com isso, a Microbio- seja nos setores médicos,
industriais ou de agricultura.
logia ambiental começou a se desenvolver, e atualmente é responsável por
Um exemplo clássico de
definir e caracterizar a composição e os aspectos fisiológicos das comunida- bioproduto são os leites
des microbianas em ambientes como solo, água, ar e sedimentos. Além disso, fermentados, compostos que
outros temas são preocupações da Microbiologia ambiental: contém em sua formulação
bactérias do grupo dos
● Desenvolvimento de estratégias de biorremediação e biodegradação; Lactobacilos, que supõe-se
● Utilização de microrganismos como inseticidas biológicos; gerar benefícios à microbiota
intestinal, equilibrando-a e
● Investigação do potencial dos metabólitos microbianos como bioprodutos57, ampliando as defesas do
entre outros. corpo.
190 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

No tocante à área industrial, é crescente a utilização dos microrganis-


mos nos setores alimentícios e farmacêuticos. Freqüentemente o homem
descobre novas propriedades de bactérias, fungos e algas que podem ser
utilizadas em favor da população gerando bioprodutos.
Microbiota é o conjunto de microrganismos (bactérias, fungos ou proto-
zoários), que habitam de maneira transitória ou permanente um dado ecossis-
tema. São os microrganismos característicos de um ambiente, onde podem
existir como mutualistas ou comensais. Em se tratando de microbiota humana
e animal, pode existir uma terceira relação, chamada de oportunismo, onde os
microrganismos podem passar a causar doenças quando se estabelecem em
sítios diferentes dos quais estão adaptados.

2. Microbiologia da água
Três quartos da superfície do nosso planeta são constituídos por água, onde
oceanos, rios, lagos, lençóis subterrâneos e geleiras representam cerca de
1,6 bilhão de Km3 de reservas aqüíferas na Terra. Desse montante, apenas
algo em torno de 0,5% é própria para consumo humano.
Já as águas contaminadas e impróprias para uso humano são denomi-
nadas de águas residuais, e representam um grande desafio à humanidade. A
limpeza e o tratamento dessas águas residuais são atividades bastante com-
plexas, mas que ajudam a eliminar contaminantes, microrganismos patogêni-
cos e equilibram as populações microbianas já existentes.
A Microbiologia da água (e o termo mais adequado poderia ser Micro-
biologia aquática ou Microbiologia das águas) estuda os microrganismos e
sua relação com a água, seja esta oriunda de lagos, lagoas, rios e oceanos,
bem como resíduos domésticos e industriais que entram em contato com as
fontes naturais.
Em condições normais, o meio aquático possui uma quantidade variá-
vel de nutrientes diluídos, porém apresenta uma baixa diversidade de micror-
ganismos que constitui sua microbiota.
Essa população tende a ser reduzida, mas a disponibilidade de matéria
orgânica pode resultar em um aumento da atividade microbiana e conseqüen-
te elevação das comunidades microbiológicas presentes. Não são raros os
casos nos quais vemos contaminação de lagoas e espelhos de água por es-
goto doméstico, gerando um aumento no número de bactérias ali presentes.
Assim, podemos inferir que o aumento de matéria orgânica disponível
na água em perímetro urbano está quase sempre ligado à poluição. De um
modo geral, a presença dos microrganismos na água pode gerar mudanças
na composição química da mesma, pela produção de resíduos metabólicos
bacterianos, que podem servir de nutrição para outros seres vivos.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 191

Saiba mais
Análise revela corpos d´água comprometidos e poluídos em
Fortaleza, Ceará
Testes feitos pela Universidade Federal do Ceará, a pedido do Diário do Nordeste, mostram que
de 12 pontos analisados, só uma nascente é limpa. A cor turva, uma água que parece inerte cer-
cada de aguapés, as margens cobertas de resíduos sólidos.
O cenário dos rios Cocó, Ceará e Maranguapinho, em áreas urbanas da Região Metropolitana de
Fortaleza, não difere muito. O senso comum condena o mau uso e a poluição dos mananciais. A
Academia confirma e vai além [...]
Fonte: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=940912

Os contaminantes são didaticamente divididos em três categorias: orgâ-


nicos, químicos (ou inorgânicos) e biológicos.
Contaminantes orgânicos são aqueles que provêm de atividades agrí-
colas e domésticas. Adubos, restos alimentares e de seres vivos, excrementos,
dentre outros são classificados nesse nível, e de maneira geral são reconhecida-
mente biodegradáveis em água. Vale lembrar, porém, que o excesso desses ma-
teriais pode gerar eutrofização das águas, e consequente desequilíbrio ambiental.
Contaminantes químicos são mais complexos e perigosos ao meio am-
biente. Normalmente são compostos tóxicos oriundos de atividades industriais,
e tendem a se acumular no local e no corpo dos seres vivos. Pesticidas, com-
postos organoclorados e derivados de hidrocarbonetos são exemplos clássicos.
Já os contaminantes biológicos representam microrganismos capa-
zes de causar doenças. Podem estar intimamente associados aos contami-
nantes orgânicos, no caso das fezes e outros excrementos, e quando inge-
ridos pelo homem ou animais podem ser patogênicos. Coliformes fecais são
os principais microrganismos associados às doenças veiculadas pela água.

2.1. O ciclo da água e a microbiota


Vale a pena recordarmos as principais etapas do ciclo da água, de modo a en-
tender algumas características relacionadas aos microrganismos presentes
nesse meio em algumas situações (Figura 88).
192 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Figura 88 – Imagem esquemática representando o ciclo da água.


Fonte: Google, 2010.

O ciclo hidrológico prevê a circulação das águas na superfície, abaixo e


acima dela. Admitindo que o ponto de partida desse ciclo seja a água contida
em rios, lagos, mares e espelhos d’água que seguirão para a atmosfera, há
evaporação de uma parte dessa água ocasionada pela energia solar, e ainda
um percentual oriunda da transpiração de plantas.
O vapor de água presente na atmosfera acaba por se condensar, e retorna
à superfície na forma de chuva. A água oriunda da chuva tem dois caminhos: re-
torna para os reservatórios naturais ou infiltra no solo abastecendo os lençóis fre-
áticos, que por sua vez encaminham água para os reservatórios naturais, em rios,
lagos, mares e espelhos d’água. Você pode agora estar se perguntando onde
estão inseridos os microrganismos nesse ciclo. É o que veremos mais adiante.
As águas subterrâneas, e principalmente as de superfícies, se consti-
tuem um habitat para diversos microrganismos. A coleção de vida microbiana
que flutua e se movimenta na região superficial dos pântanos, lagos e ocea-
nos é denominada plâncton, subdividido em fitoplâncton (algas planctônicas e
cianobactérias) e zooplâncton (crustáceos minúsculos, larvas de animais de
diferentes filos, muitos protistas heterotróficos e bactérias).
No ambiente aquático podemos encontrar grande quantidade de or-
ganismos patogênicos e não-patogênicos ao homem. Entretanto, o tipo de
microrganismo que irá habitar nesse meio depende de condições químicas
e físicas. A temperatura é uma dessas condições, e pode ser determinante
inclusive para diferenciar habitats de eubactérias e archaeobactérias.
Na superfície, por exemplo, a temperatura pode variar de 0 ºC a 40
ºC, o que permite o crescimento e manutenção de grande quantidade de mi-
crorganismos. Nessa faixa de temperatura se enquadram os mesófilos e os
psicrófilos. Nos oceanos, por exemplos, podemos encontrar bactérias mesó-
filas vivendo em áreas tropicais, e bactérias psicrófilas vivendo próximas de
grandes geleiras na Antártida.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 193

Ainda nos oceanos, porém numa profundidade muito maior, encon-


tramos bactérias termófilas vivendo em fossas abissais e fendas oceânicas.
Pyrodictium organothrophum é um exemplo de uma archaeobactéria que ha-
bita o fundo dos oceanos.
As bactérias heterotróficas, os coliformes e as cianobactérias são as
bactérias mais comumente encontradas em ambientes aquáticos.
Bactérias heterotróficas são bactérias capazes de produzir unidades
formadoras de colônias (UFC), na presença de compostos orgânicos conti-
dos em meio de cultura apropriada, sob condições pré-estabelecidas de in-
cubação: 35 ± 0,5 ºC por 48 horas. São exemplos os gêneros Pseudomonas,
Clostridium, Desulfovibrio, Serratia e Mycobacterium.
Coliformes totais (bactérias do grupo coliforme) são bacilos Gram nega-
tivos, aeróbios ou anaeróbios facultativos, não formadores de esporos, e capa-
zes de fermentar lactose com produção de ácido, gás e aldeído a 35 ± 0,5ºC em
24-48 horas. A maioria das bactérias do grupo coliforme pertence aos gêneros
Escherichia, Citrobacter, Klebsiella e Enterobacter. Coliformes termotolerantes
são um subgrupo das bactérias do grupo coliforme capazes de crescer em
temperaturas próximas a 44,5 ± 0,2 ºC, e tem como principal representante a
Escherichia coli, de origem exclusivamente fecal (Quadro 9).

Quadro 9

COMPARAÇÃO ENTRE COLIFORMES TOTAIS E FECAIS


Coliformes totais Coliformes fecais (atualmente coliformes termotolerantes)
Habitam o intestino de mamíferos inclusive o homem;
Habitam o intestino de mamíferos inclusive o homem;
Não causam doenças;
Frequentemente podem causar doenças intestinais,
Inclui, dentre outros, os seguintes gêneros: Escherichia,
como gastroenterites;
Citrobacter, Enterobacter e Klebsiella.
Inclui os gêneros Enterobacter e Klebsiella (ambos de
Fermentam lactose somente até 37ºC;
origem não fecal) e Escherichia coli (de origem fecal);
Sua presença na água não indica necessariamente
Fermentam lactose até 44,5ºC;
contaminação fecal ou ocorrência de enter-
A presença de Escherichia coli na água está direta-
opatógenos. São associados à decomposição de
mente relacionada à contaminação de origem fecal;
matéria orgânica em geral;
Podem ser aeróbios ou anaeróbios facultativos;
Podem ser aeróbios ou anaeróbios facultativos;

Já as cianobactérias são microorganismos procarióticos autotróficos,


capazes de ocorrer em qualquer manancial superficial especialmente naque-
les com elevados níveis de nutrientes (nitrogênio e fósforo), podendo produzir
toxinas com efeitos adversos à saúde.

2.2. A poluição das águas e os microrganismos patogênicos


A presença de contaminantes na água pode alterar as características da mi-
crobiota residente, favorecendo ou inibindo o crescimento de microrganismos
194 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

característicos. Entretanto, a poluição não se dá somente por compostos or-


gânicos ou inorgânicos. Existe também a poluição microbiana, que ocorre
principalmente por microrganismos que podem causar doenças.
O meio aquático é extremamente favorável à disseminação de doenças
causadas por microrganismos patogênicos, cuja presença está diretamente
ligada à fontes orgânicas de contaminação, como fezes e urina de origens hu-
mana ou animal. Bactérias patogênicas são responsáveis por cerca de 51%
das doenças de veiculação hídrica (sem considerar aquelas causadas por
helmintos). Entretanto, fungos, vírus e protozoários também são patógenos
ocorrentes, frequentemente encontrados em águas onde há pouca, inade-
quada ou nenhuma condição de saneamento básico.
Fungos aquáticos são vistos com frequência parasitando peixes, en-
tretanto, leveduras e fungos oriundos do solo e que migraram para a água
são causadores comuns de dermatites. Em relação aos vírus patogênicos, a
poliomielite foi uma das principais doenças virais e de veiculação hídrica que
ocorreram na década de 1980.
A falta de estrutura sanitária nos grandes centros foi fator determinante
para a ocorrência da doença, que devido ao avanço das políticas públicas de
saneamento básico e maior abrangência da vacina contra pólio, está pratica-
mente erradicada do nosso país e em grande parte do mundo. Ainda em rela-
ção aos vírus, HVA e HVB (causadores de hepatite tipo A e B, respectivamente)
também podem ser encontrados, além de vírus causadores de gastroenterites.
Protozoários ciliados e amebas são igualmente agentes comuns de
doenças de veiculação hídrica, causando quadros de doenças intestinais. O
Quadro 10 reúne as principais doenças relacionadas ao meio aquático e seus
respectivos agentes.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 195

Quadro 10
PRINCIPAIS AGENTES CAUSADORES DE DOENÇAS DE VEICULAÇÃO HÍDRICA
Microrganismos Exemplos Algumas Doenças
Shigella dysenteriae, Disenteria Bacilar
Bactérias
Escherichia coli, Gastroenterites
Leptospira sp., Leptospirose
Salmonella typhy, Febre Tifóide
Vibrio cholerae. Cólera
Cianobactérias Microcystis sp., Dermatites
Anabaena sp.,
Cylindrospermopsis sp.
Fungos Candida Albicans Dermatites
C. tropicalis
Protozoários Entamoeba histolítica Disenteria amebiana
Helmintos Ascaris lumbicoides Ascaridiase
Schistosoma mansoni Esquistossomose
Vírus Poliomielite Poliomielite
Hepatitie (A) Hepatite infecciosa
Rotavirus Gastroenterites
Adenovirus

Saiba mais
Água x doenças
A água, após utilizada por nós para vários fins, é devolvida ao meio ambiente. Entretanto, essa
devolução acarreta poluição e aumenta o risco de doenças veiculadas pela água. Das doenças de
veiculação hídrica mais comuns, as causadas por protozoários, helmintos e bactérias são as mais co-
muns, e geralmente estão associadas à problemas de saneamento básico e destinação inadequada
de resíduos. O Quadro 11 traz um resumo das principais doenças bacterianas veiculadas pela água.

Quadro 11
PRINCIPAIS DOENÇAS DE VEICULAÇÃO HÍDRICA
Doença Agente Caracterização
Doença intestinal aguda,
Cólera Vibrio cholerae caracterizada por forte diarreia aquosa, rápida desidratação,
câimbras e colapso respiratório.
Transmissão pela ingestão de água ou
alimentos contaminados, provocando febre alta constante, mal
Febre tifoide e
Salmonella typhi estar, comprometimento
Paratifoide
do sistema linfático e manchas de cor rosa no tronco. Na febre
paratifoide, a letalidade é menor em comparação à febre tifoide.
Shigelose Shigella sp., sendo
Infecção aguda no intestino grosso, causando
(disenteria S. dysenteriae a mais
diarreias, febre, náuseas, cólicas e dores na bexiga ou região anal
bacilar) frequente.
196 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

3. Microbiologia do solo
O solo é um sistema organizado e dinâmico, sendo o maior reservatório de mi-
crorganismos do planeta, com grande abundância e diversidade. A microbiota
presente no solo possui um papel fundamental na manutenção dos ecossis-
temas, participando diretamente da transformação de matéria orgânica em
substâncias nutritivas.
Além disso, os microrganismos presentes no solo também estão rela-
cionados com o intemperismo das rochas, atuando na gênese do solo, de-
composição de matéria orgânica, ciclagem dos elementos, transformações
bioquímicas específicas (como a nitrificação, desnitrificação, oxidação e re-
dução do enxofre, etc.), sendo assim uma fonte de nutrientes para as plantas
e outros seres presentes no mesmo.

3.1. Constituição da microbiota do solo


Por ser um ambiente rico em matéria orgânica, o solo acaba sendo um meio
perfeito para a sobrevivência e proliferação de uma gama de microrganismos.
A microbiota do solo é formada basicamente por quatro grandes grupos de
microrganismos: bactérias, fungos, algas e protozoários.
Além destes, outros grupos não estudados diretamente em Microbiolo-
gia são encontrados, como pequenos nematódeos e artrópodes. Apesar de
representarem cerca de 4% do carbono total e preencherem menos de 5% do
espaço poroso do solo, estima-se que em apenas 1 hectare de solo podem
ser encontrados cerca de 4 toneladas de microrganismos. O Quadro 12 apre-
senta um resumo da diversidade microbiológica presente no solo.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 197

Quadro 12

PRINCIPAIS COMPONENTES DA MICROBIOTA DO SOLO


Solos agrícolas Solos florestais
10 a 10 organismos
13 14
10 a 1013 organismos
12

Biomassa: 50 g/m2
Grupo mais numeroso e diversificado. Corresponde de 3x106
Bactérias a 5x108 por grama de solo seco. Os gêneros mais frequentes
presentes são: Bacillus, Clostridium, Arthrobacter, Pseu-
domonas, Nocardia, Streptomyces, Micromonospora, além de
Rizóbios e Cianobactérias.
1010 a 1011 organismos 1010 a 1011 organismos
Biomassa: 100 g/m2
Representam 5x10 a 9x105 por g de solo seco. Estão limitados
3

à superfície do solo, presentes mais comumente nos primeiros


Fungos 15cm de profundidade. São ativos decompositores da matéria
orgânica. Grande maioria é filamentosa, e também podem ser
encontrados fungos dimórficos de interesse médico.
Gêneros mais frequentes: Penicillium, Mucor, Rhizopus,
Fusarium, Aspergillus, Trichoderma.
1010 organismos 109 organismos
Biomassa: 9 g/m2
Protozoários Atuam diretamente no equilíbrio das populações, sendo
predadores e parasitas de bactérias, fungos e plantas. Em
solos agrícolas, flagelados e amebas são predominantes; já
em solos florestais há poucos ciliados.
109 a 1010 organismos 109 a 1010 organismos
Biomassa: 1 g/m2
Algas Presentes em número de 103 a 5x105 por g de solo seco. Estão
abundantes na superfície, podendo estar presentes também
em profundidades intermediárias. São os principais microrgan-
ismos fotossintetizantes que vivem no solo.

Apesar da grande disponibilidade de nutrientes, o solo normalmente é


um ambiente estressante para os microrganismos devido ao grande número e
variedade dos mesmos, tanto que 15 a 30% das bactérias e somente 10% dos
fungos presentes no solo estão em estado ativo. Mesmo em menor número,
os fungos respondem por 90% da atividade microbiana do solo.

3.2. Solo: uma complexa comunidade


Já sabemos que o solo é o maior reservatório de microrganismos do plane-
ta. Por receber – direta ou indiretamente – a quase totalidade dos dejetos
dos seres vivos, é o local de transformação de toda a matéria orgânica em
substâncias nutritivas. A grande abundância e diversidade de microrganismos
geram inúmeros benefícios ao solo, como a promoção da reciclagem e reten-
198 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

ção de nutrientes, melhoria da estrutura química e física do solo, redução da


sensibilidade de plantas à pragas e doenças de cunho microbiológico, além
da degradação ou imobilização de poluentes.
Bactérias e fungos, como principais componentes da microbiota do
solo, atuam em diversas funções. Em relação às bactérias, estas podem exer-
cer funções de decompositores, mutualistas (estabelecendo associação com
plantas para a fixação de nitrogênio), seres patogênicos, além de litotróficos e
quimioautotróficos, obtendo sua energia de compostos sulfurados, azotados
e ferrosos, ao invés de carbono.
Os quatro principais grupos bacterianos presentes no solo são as bac-
térias fixadoras de nitrogênio atmosférico, bactérias nitrificantes, bactérias
desnitrificantes e os actinomicetos. Já os fungos podem existir no solo dividi-
dos em três grupos funcionais: decompositores, mutualistas ou patogênicos.
Vale lembrar que todos os fungos atuam decompondo matéria orgânica, en-
tretanto, algumas espécies realizam esse processo de maneira primária, não
sendo capazes de se associar à outros organismos vivos ou causar doenças.
Em Geologia, o solo é a camada que se encontra recobrindo as rochas,
sendo constituído basicamente de minerais e matéria orgânica, como húmus.
É dividido em seis perfis, ou horizontes, e cada uma dessas divisões possui
características bem definidas. Dos quatro horizontes, a Microbiologia se in-
sere costumeiramente em dois (horizontes O e A), com foco nas camadas
superficiais (Figura 89).
No horizonte A está o maior acúmulo e diversidade de microrganismos,
em um ambiente denominado rizosfera, situado em 2 a 20 cm de profundidade.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 199

Figura 89 – Divisão do solo de acordo com seus perfis.


Fonte: http://www.escola.agrarias.ufpr.br/perfildosolo.html

A rizosfera é a região do solo onde se encontram as raízes das plantas,


havendo uma atividade microbiana em níveis máximos, o que acaba sendo
importante para o desenvolvimento das plantas, uma vez que metabólitos se-
cundários produzidos por bactérias são utilizados por vegetais, como auxina,
antibióticos, ácidos e enzimas extracelulares.
Além disso, bactérias próprias do solo também podem atuar como com-
petidores frente a outras bactérias e fungos patogênicos, que atacam as raí-
zes das plantas, principalmente bactérias do gênero Pseudomonas e fungos
do gênero Puccinia.
Como vimos, as bactérias podem atuar como simbióticas, em associação
com outras plantas. É comum a atuação de bactérias simbióticas no processo de
fixação do nitrogênio atmosférico. O ar que respiramos contém cerca de 78% de
nitrogênio. Entretanto, as plantas não conseguem utilizá-lo na forma gasosa. Para
tanto, é preciso que bactérias atuem promovendo a fixação desse nitrogênio, que
é convertido em amônia pela ação de uma enzima chamada nitrogenase, cujos
únicos seres que a possui são algumas bactérias e cianobactérias.
200 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

64
A associação de uma Há bactérias fixadoras de nitrogênio vivendo em vida livre ou associa-
cianobactéria fixadora de das às raízes de plantas. Independente do modo de vida, elas são encontra-
nitrogênio (Anabaena sp.)
com uma samambaia do
das em grande quantidade na rizosfera. Muitas bactérias dos gêneros Azoto-
gênero Azolla traduz mais bacter, Beijerinckia e Clostridium, além de espécies de cianobacterias64 são
um exemplo de cooperação responsáveis pela fixação do nitrogênio no solo. Já aquelas que atuam em
entre microrganismos e associação com raízes são de extrema importância para a agricultura.
vegetais. Nesta associação,
a samambaia fornece Bactérias do gênero Rhizobium comumente infectam as raízes de legu-
proteção, carboidratos minosas (soja, feijão, alfafa, amendoim, ervilha, etc.), formando nódulos. Nes-
e nutrientes minerais à ses nódulos, cheios de bactérias, o nitrogênio é fixado em um processo simbió-
Anabaena, enquanto
esta lhe provê fixação do
tico entre a planta e os microrganismos. A planta fornece condições anaeróbias
nitrogênio necessário ao bom e nutrientes para promover o crescimento bacteriano. Estas, por sua vez, fixam
desenvolvimento da planta. o nitrogênio da atmosfera para incorporação nas proteínas vegetais.

4. Microbiologia do ar
O ar geralmente não oferece condições para o crescimento de microrga-
nismos, mas ele representa um excelente meio de dispersão. Podendo os
microrganismos permanecerem no ar por segundos ou até anos. Seu des-
locamento também é muito variado, podendo ocorrer variar de milímetros a
milhares de quilômetros.
A quantidade e qualidade de microrganismos no ar dependem das fon-
tes de contaminação. A poeira levantada pelas correntes de ar, vento, deslo-
camento de pessoas ou de veículos, depósitos de lixo, abatedouros, postos
de desembarque de pescados e os aerossóis produzidos nos mares, lagos e
rios são os principais responsáveis por suprir o ar com microrganismos.
Quando no ar, os microorganismos, são afetados pela umidade, tem-
peratura e radiação. Logo, cada região apresenta uma microbiota típica,
que pode variar em função das condições ambientais e atividades huma-
nas. Desta forma, visando uma avaliação da qualidade de determinado am-
biente, são necessários estudos prévios para se conhecer as populações
características de cada região. Esse tipo de conhecimento permite detec-
tar diferenças nessas populações e determinar as providências adequadas
para controlar eventuais problemas.

4.1. Aerobiologia
Em junho de 1968, uma epidemia caracterizada por febre, dores de cabeça e
musculares, afetou 114 pessoas, entre elas, 100 empregados de um edifício
do Departamento de saúde em Pontiac, Michigan (EUA). Um defeito no sis-
tema de condicionamento de ar foi considerado como a fonte da difusão do
agente patogênico. Assim foi batizada a febre de Pontiac.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 201

Já em 1977, no hotel Bellevue-Strafford (Filadélfia, EUA), durante a ce-


lebração de uma convenção da legião americana, uma epidemia de uma mis-
teriosa doença atingiu 182 pessoas, das quais 34 morreram. O responsável foi
o ar condicionado que espalhou a bactéria Legionella pneumophila. Tais fatos
ressaltam a importância da inspeção periódica de tais ambientes e a adequa-
da manutenção dos equipamentos utilizados nos sistemas de refrigeração.
Desde então esse problema passou a ser denominado de “Síndrome
dos Edifícios Doentes”, e as análises da qualidade do ar se tornaram mais
frequentes, visto que esses sintomas levam os funcionários a desenvolverem
problemas de saúde que implica em aumento do índice de absenteísmo, que-
da da produtividade, insatisfação etc.
Nesse contexto, a Aerobiologia é a ciência que estuda os organismos
biológicos presentes no ar ou bioaerossóis.

4.2. Bioaerossóis
São definidos como partículas de origem biológica suspensas no ar65, geradas 61
Vírus; Bactérias; Propágulos
natural ou artificialmente, que podem existir na forma de uma única célula, fúngicos; Cistos de
protozoários; Grãos de pólen;
aglomerados de microrganismos viáveis ou partículas não viáveis de vários
Fragmentos de plantas;
tamanhos (Figura 90). Fragmentos de insetos,
dentre outros.

Figura 90 – Esporos de fungos coletados do ar e fotogra-


fados utilizando-se um microscópio eletrônico.
Fonte: www.robotdobrasil.com.br

A colonização do ar depende das condições do ambiente, de forma


que os microrganismos variam em qualidade e quantidade, dependendo do
local analisado.
Existem dois tipos de microbiota aérea:
202 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Microbiota aérea de ambientes fechados;


Microbiota aérea de ambientes abertos.
Muitos bioaerossóis presentes em ambientes internos são originados de
ambientes externos, daí as concentrações de ambientes fechados serem ge-
ralmente inferiores as de ambiente aberto. Caso este cenário seja revertido, é
São fungos encontrados
66
provável, que haja uma fonte de bioaerossóis no ambiente fechado, tais como
dispersos no ar na forma
de propágulos (esporos,
materiais de construção úmidos, livros e roupas sem conservação, entre outros.
conídios, artroconídios), que, Os efeitos na saúde humana, decorrentes da exposição a microrganismos,
em contato com animais ou podem depender não somente da respectiva concentração do ar, como também
plantas, podem vir a causar
da espécie, viabilidade, condições de crescimento e tamanho do bioaerossol.
doenças, como alergias,
afecções respiratórias e Várias infecções transmitidas pelo ar são causadas por fungos, denomi-
micoses. nados comumente de fungos anemófilos66.

Saiba mais
Produção de bioaerossóis
O uso incorreto de equipamento de laboratório como pipetas, alças de inoculação, agulhas, se-
ringas, centrífugas e homogeneizadores, pode produzir grandes quantidades de aerossóis poten-
cialmente infectantes.
Exemplos de procedimentos que produzem aerossóis:
• Destampar frascos que foram fechados com tampa de pressão;
• Esvaziar seringas ou eliminar o ar das seringas;
• Quebrar frascos que contenham cultura de microrganismos;
• Centrifugar tubos ou frascos sem tampa adequada, entre outros.
O tampão de algodão normalmente usado em laboratório para tampar os tubos de ensaio
que contem meios de cultura ou soluções estéreis trata-se de um exemplo de controle microbia-
no através da filtração.
Fontes geradoras de partículas capazes de carrear microrganismos causadores de infecção
hospitalar são classificadas em internas e externas. Dentre as fontes internas destacamos as pes-
soas, os ventiladores, os aparelhos de ar condicionado, os nebulizadores e umidificadores, os pi-
sos e vasos de plantas e certos tipos de alimentos. Quanto às fontes externas temos o solo, a água,
o material orgânico em decomposição, a poeira de construções e reformas.

4.3. Técnicas de análise do ar


Diferentes métodos têm sido utilizados na avaliação das populações micro-
bianas no ar. No geral, eles se baseiam em três princípios: sedimentação,
impacto e filtração. As principais são:

Técnica da sedimentação passiva em placas de Petri


Trata-se da exposição de placas de Petri contendo meio de cultura apropriado
(ágar Sabouraud ou ágar batata), as mesmas devem ser dispostas a uma altu-
ra de 1,5 a 2,0 m, o que corresponde a área de respiração humana. O tempo
de exposição é variável (15 minutos a 12 horas).
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 203

Obs.: O volume do ar não pode ser avaliado, servindo essa técnica apenas
como um alerta microbiológico.

Coletores do tipo crivo (aparelhos de impacto sólido) e fenda (aparelhos


de impacto líquido)
São equipamentos automatizados que permitem a análise do volume de ar
do local a ser analisado. Os equipamentos do tipo Crivo são aparelhos de im-
pacto sólido e os do tipo Fenda são de impacto líquido. Exemplos: Anderson®,
SAS® (Surface Air System), AGI-30®.

Análise de filtros de membrana


A análise consiste em passar volumes da amostra através de uma membrana
com poros suficientemente pequenos para reter os microrganismos, em se-
guida transfere-se a membrana para meios de cultura específicos.

4.4. Legislação
No Brasil, o Conselho Nacional do Meio Ambiente, por meio da Resolução nº
3, de junho de 1990, estabelece os padrões de qualidade do ar nos ambientes
externos que, ultrapassados, poderão afetar a saúde, a segurança e o bem-
-estar da população (CONAMA, 1990). Porém para os níveis de contaminantes
biológicos do ar de interiores, que variam enormemente em função do tempo e
espaço, não existem métodos e padrões amplamente aceitos no país.
Ressalta-se ainda a publicação de uma Orientação Técnica elaborada
por Grupo Técnico Assessor, sobre Padrões Referenciais de Qualidade do Ar
Interior, em ambientes climatizados artificialmente de uso público e coletivo,
cujo valor máximo recomendável é < 750 ufc/m3, sendo inaceitável a presen-
ça de fungos patogênicos nesse tipo de ambiente (Resolução n. 176, 24 de
outubro de 2000).
Segundo a legislação em vigor, todas as fontes de poluição do ar devem
se adequar a determinadas condições, de forma a não ocasionarem danos ao
ambiente e à população. Desse modo, toda fonte de poluição existente que
não esteja adaptada à legislação pode se denunciada ao órgão competente
federal, estadual ou municipal, o qual estabelecerá um prazo viável para que
seja feita a adequação aos padrões estabelecidos. Assim, como pessoas e
cidadãos, membros da sociedade, a população tem parcela de responsabili-
dade no controle da poluição do ar.

4.5. Controle da qualidade do ar


Diferentes métodos têm sido utilizados na tentativa de controle da qualidade
do ar. No contexto geral, existem alternativas que visam apenas à redução dos
204 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

microrganismos, para isso a ventilação natural ou mecânica pode ser eficiente.


Bem como a utilização de aparelhos de limpeza à vácuo, como o aspirador de
pó, podem ser usados visando minimizar o número de partículas microbianas.
No âmbito específico, três tipos são descritos na literatura: utilização de
agentes químicos, radiação ultravioleta e filtração.
Agentes químicos: algumas substâncias químicas com ação antimicrobiana
quando borrifadas ou vaporizadas em certos ambientes podem ser efetivos
meios de controle da flora microbiana instalada. Algumas exigências são fei-
tas frente a essas substâncias, como ação microbicida, fácil dispersão, du-
ração relativamente longa após a aplicação, não ser tóxico para animais e
vegetais e não provocar nenhum dano (manchas, descoloração) aos objetos
do recinto no qual será aplicado. Como nenhum agente químico obedece a
todos os requisitos de um agente químico ideal, a utilização desse tipo de
meio de controle exige cuidados na aplicação. Entre as substâncias usadas
na atualidade destaca-se ácido hipocloroso e β-propiolactona.
Radiação ultravioleta: usada em superfícies de salas cirúrgicas e em salas
assépticas onde produtos esterilizados são distribuídos em grandes recipien-
tes ou em ampolas estéreis. Apresenta um comprimento de onda que varia
entre 136 a 400 nm, comprimentos que atingem principalmente o DNA cau-
sando a formação de dímeros de pirimidina (união de 2 pirimidinas adjacentes
na fita de DNA), podendo esses inibir ou alterar a replicação do DNA, causan-
do a morte ou mutação do organismo atingido. A principal forma de utilização
é através da instalação planejada de lâmpadas germicidas, por exemplo em
ductos aéreos dos hospitais.
Filtração: sua eficiência dependerá de fatores como ritmo de circulação de
ar através dos filtros, tamanho das partículas que se objetiva reter, bem como
da natureza, espessura e compactação do material. Geralmente são confec-
cionados com material fibroso, como algodão, vidro, entre outros. Dentro das
cabines de segurança biológicas, apresentam aberturas por onde o ar entra
e sai, passando obrigatoriamente por um filtro, denominado HEPA (filtro de
partículas de ar de alta eficiência), com capacidade de reter até 99% das
partículas microbianas.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 205

Saiba mais
Síndrome do Edifício Doente
“Tratado há mais de 30 anos na Europa e Estados Unidos, o tema no Brasil é recente, pouco co-
mentado e até confuso.” Desta forma, Fábio Assumpção iniciou sua palestra sobre Síndrome do
Edifício Doente – termo que, segundo ele, passou a ser utilizado para definir o conjunto de sinto-
mas agudos que se manifestam em prédios contaminados. De acordo com a Organização Mun-
dial de Saúde (OMS), os sintomas mais comuns são dor de cabeça, irritação nos olhos, nariz ou
garganta, náusea, fadiga mental e física, que desaparecem tão logo as pessoas deixam o edifício.
Assumpção explicou que há um grupo de doenças que, de forma equivocada, tem sido tra-
tado como SED: a Doença Relacionada ao Edifício, ou DRE, cujos sintomas se mantêm por longos
períodos, são diagnosticáveis, crônicos e diretamente relacionados ao ar contaminado (tosse, dor
no peito, febre, calafrio e dor muscular). “Um dos exemplos mais conhecidos é a Legionella sp,
doença que matou o ex-ministro Sergio Mota.”
No caso da SED, as causas mais frequentes são ventilação inadequada (52%), contaminação
interior (17% - cigarro é o principal vilão), exterior (11%) e microbiológica (0,5%). A maioria dos
poluentes, conforme alertou o especialista, vem de fontes internas do prédio, como carpetes,
produtos de limpeza, de madeira, dentre outros.
Fonte: http://www.licitamais.com.br/noticias/Meio-Ambiente/2337.html

4.6. Microbiologia industrial


Há centenas de anos o homem tira proveito dos microrganismos. A fabricação
e o consumo de alimentos produzidos pela ação de microrganismos é antiga,
e os primeiros relatos datam de 6000 a.C., quando os povos da Suméria e
da Babilônia obtiveram álcool a partir do processo de fermentação de grãos
e cereais. Os egípcios, quatro milênios depois, foram os primeiros a dominar
técnicas – ainda que desconhecessem o mecanismo verdadeiro – da fabrica-
ção de pão e aperfeiçoaram o mecanismo de obtenção de cerveja.
Embora os processos envolvendo microrganismos sejam bastante anti-
gos, os povos que os utilizavam não faziam idéia do que lhes permitia a obten-
ção de tais produtos. Somente a partir do século XVII é que se começou a ter
noção dos verdadeiros responsáveis pelo processo.
Em meados de 1860, Louis Pasteur (1822 – 1885) a pedido de produ-
tores franceses, começou a investigar o motivo pelo qual cervejas e vinhos
azedavam com o passar do tempo. Com o auxílio da microscopia conseguiu
identificar o motivo: uma bactéria. A partir de então, a “era de ouro” da Micro-
biologia se desenvolveu, tendo como um dos pontos culminantes os experi-
mentos de Eduard Buchner (1860 – 1917) em 1897, onde o mesmo conse-
guiu realizar a conversão de açúcar em álcool utilizando leveduras. No século
seguinte, por volta de 1928, Alexander Flemming (1881 – 1955) descobriu
acidentalmente a penicilina, que se tornou um dos antibióticos mais utilizados
de todos os tempos.
206 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

A Microbiologia industrial é um ramo da Microbiologia que se dedica


à produção de bens, serviços e produtos por microrganismos, e possui uma
vasta aplicabilidade, sendo aplicada nas áreas farmacêutica, alimentar, agro-
pecuária, energética, têxtil e ambiental.
Pode-se dizer que, mesmo tendo início há vários séculos, somente a par-
tir do desenvolvimento das técnicas de engenharia genética e de DNA recom-
binante em meados de 1973, é que o homem moderno acordou para a impor-
tância e o desenvolvimento da área. A Biotecnologia anda de mãos dadas com
a Microbiologia industrial, uma vez que grande parte dos processos envolvidos
necessita de técnicas modernas para produção em grandes números.

Saiba mais
O uso industrial de microrganismos está relacionado principalmente ao processo de fermenta-
ção. No início do século XX, a fermentação microbiana foi bastante utilizada na produção de com-
postos químicos como o glicerol, comumente utilizado na indústria bélica. Atualmente, os princi-
pais processos tecnológicos na indústria se dão pela utilização de microrganismos geneticamente
modificados, que permitem otimizar o processo de fermentação e produção de bioprodutos de
acordo com as necessidades do fabricante.
Com isso, grande parte dessas necessidades parte do princípio da fermentação industrial,
geralmente realizada em bioreatores, que são recipientes de tamanhos variados nos quais mi-
crorganismos são cultivados e produzem compostos. Um tanque de produção de álcool em uma
cervejaria é um exemplo de um bioreator.
Durante o processo de fermentação, os microrganismos produzem metabólitos primários e se-
cundários. Metabólitos primários são compostos produzidos pelas células e que são essenciais para
o seu crescimento e manutenção. Já os metabólitos secundários são produtos oriundos do meta-
bolismo microbiano, normalmente produzidos a partir dos metabólitos primários.

4.7. A indústria farmacêutica


A área farmacêutica está diretamente ligada ao surgimento da Microbiologia
industrial, logo após a 2ª Guerra Mundial, com a produção de antibióticos em
larga escala. Trata de descoberta, estudos e fabricação de produtos voltados à
área médica e saúde, como antibióticos, vacinas, enzimas e demais bioprodu-
tos. Porém, antes de continuarmos falando da utilização dos microrganismos
nessa indústria, faz-se necessário que você entenda como se dá a “essência”
do principal processo de obtenção de alguns produtos microbianos.
A Microbiologia na área farmacêutica utiliza tanto metabólitos primários
quanto secundários. A produção de antimicrobianos é realizada por fermenta-
ção, com a inoculação de esporos fúngicos ou estreptomicetos em meios de
cultura, seguido de uma aeração vigorosa. Com o crescimento do organismo,
há a produção dos compostos antimicrobianos, que são extraídos do meio por
processos industriais como filtração e precipitação.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 207

Vacinas e hormônios também podem ser produzidos pela ação de mi-


crorganismos. Toxinas microbianas também podem ser utilizadas pela indús-
tria. Um famoso exemplo disso é a obtenção da toxina botulínica, conheci-
da comercialmente como BOTOX®, que é um complexo protéico purificado
produzido por Clostridium botulinum, uma bactéria anaeróbia causadora do
botulismo. Utilizada em várias aéreas médicas, tem aplicações práticas em
melhorias estéticas e tratamentos musculares principalmente em crianças.
O Quadro 13 lista os principais antimicrobianos comercialmente dispo-
níveis e seus respectivos microrganismos produtores.
Quadro 13

RELAÇÃO DOS PRINCIPAIS ANTIMICROBIANOS E SUA ORIGEM


Nome Descoberta Microrganismo
Penicilina 1929-40 Penicillium notatum
Tirotricina 1939 Bacillus brevis
1939 Penicilium griseofulvum
Griseofulvina
1945 Penicillium janczewskii
Estreptomicina 1944 Streptomyces griseus
Bacitracina 1945 Bacillus lincheniformis
Cloranfenicol 1947 Streptomyces venezuelae
Polimixina 1947 Bacillus polymyxa
Framicetina 1947-53 Streptomyces lavendulae
Clortetraciclina 1948 Streptomyces aureofaciens
Cefalosporina 1948 Cephalosporium sp.
Neomicina 1949 Streptomyces fradiae
Oxitetraciclina 1950 Streptomyces rimosus
Nistatina 1950 Streptomyces noursei
Eritromicina 1952 Streptomyces erithreus
Espiramicina 1954 Streptomyces ambofaciens
Vancomicina 1956 Streptomyces orientalis
Kanamicina 1957 Streptomyces kanamyceticus
Ácido fusídico 1960 Fusidium coccineum
Lincomicina 1962 Streptomyces lincolnensis
Gentamicina 1963 Micromonospora purpurea
Tobramicina 1968 Streptomyces tenebraeus

Hormônios também podem ser obtidos pela ação de microrganismos,


tais como a insulina. Anteriormente produzida por bovinos, havia alto custo de
produção e alguns problemas de compatibilidade de uso em alguns pacientes.
Com auxílio da Engenh a deu um grande salto para o tratamento de insu-
linodependentes, pois a produção desse hormônio passou a ser de responsabi-
lidade de bactérias que tiveram a sequência genética humana para a produção
de insulina inserida em plasmídios.
208 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

Com isso, microorganismos a produzem não somente em grande quan-


tidade, com custo relativamente mais baixo, mas como também o produto final
é perfeitamente compatível com todos os usuários, pois a insulina produzida é,
geneticamente, de origem humana.

4.8. Indústria alimentícia: comemos bactérias e fungos?


Antecipando a resposta, sim, comemos! E na maioria das vezes nem sabe-
mos que um determinado alimento contém microrganismos ou então são pro-
duzidos a partir de seus produtos. A utilização de microrganismos na fabrica-
ção de alimentos data dos seus primórdios, há milênios antes de Cristo.
Com o passar dos séculos e o desenvolvimento industrial, as técnicas
foram ficando mais aprimoradas e o desenvolvimento passou a ser feito em
larga escala. Entretanto, processos artesanais ainda são vistos, e muitos de-
les são considerados com de qualidade superior, como a fabricação de quei-
jos tradicionais em zonas francesas, por exemplo.
Os principais microrganismos utilizados no processo alimentício são as
bactérias e fungos, tanto filamentosos como leveduras, e na grande maioria
tudo se baseia na fermentação láctea e fermentação alcoólica. A fermentação
é um processo anaeróbio, realizado por muitas espécies de bactérias e leve-
duras, onde moléculas orgânicas são utilizadas na produção de ATP.
De um modo geral, podemos dividir o processo de fermentação em três
etapas, que envolvem conjuntos de reações enzimáticas. A primeira dessas
etapas é a glicólise, onde irá ocorrer a degradação da glicose e a formação
de ácido pirúvico. Na segunda etapa, há a redução desse ácido pirúvico que
foi produzido, gerando comumente gás carbônico, aldeído acético e etanol.
Esses componentes fazem parte da formação dos produtos da fermentação,
que representa a terceira etapa do processo.
A indústria de laticínios é talvez a que mais utilize os microrganismos,
seguida pela panificação, de bebidas, e indústria de condimentos e enlatados.
Na produção de derivados do leite, os principais organismos utilizados fazem
parte da família Lactobacteriaceae, do gênero Lactococcus. De um modo ge-
ral, essas bactérias produzem ácido lático, imprescindível na fabricação de
iogurtes e queijos, por exemplo.
Na fermentação alcoólica, os microrganismos utilizados são, em geral,
do gênero Saccharomyces, cuja espécie mais conhecida é S. cereviseae.
Este tipo de fermentação está diretamente relacionado com a produção de
pães e de diversas bebidas como o vinho, a cerveja, a cachaça e o uísque.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 209

● Fermentação alcoólica: do pão à cerveja


Um dos produtos da fermentação é o etanol, que é o principal componente
de bebidas como cerveja e vinho. A fermentação alcoólica é um processo
realizado por leveduras, que utilizam a glicose disponível no meio para a ob-
tenção de energia. A quebra dessa glicose produzirá moléculas de ácido pirú-
vico (piruvato), que é convertido em etanol e gás carbônicos em duas etapas:
na primeira, há formação de acetaldeído a partir do piruvato, e na segunda o
acetaldeído é reduzido formando etanol.
A fabricação de pães segue esse processo pela ação de uma levedura
chamada Saccharomyces cereviseae, que promove a hidrólise (quebra) do ami-
do contido na massa do pão em açúcares simples (glicose). Essa quebra gera
CO2 e etanol em pequenas quantidades.
No caso da panificação, o gás carbônico produzido é o produto desejado
do processo de fermentação, pois o mesmo é o responsável pelo crescimen-
to da massa. A fermentação inicia com a adição das leveduras (fermento) na
massa, seguido de um período de descanso. Nesse tempo as leveduras irão
produzir o CO2, expandi-lo e fazer a massa aumentar de volume. O calor do
forno termina o processo de fermentação, matando as leveduras presentes na
massa e fazendo o álcool evaporar.
Já a produção de bebidas objetiva o etanol como produto. No caso da
fabricação de vinhos, por exemplo, leveduras contidas nas cascas das uvas são
as responsáveis pelo processo. Após colhidas as uvas são esmagadas, forman-
do o mosto, que é ligeiramente agitado para promover aeração e o conseqüente
crescimento das leveduras ali presentes. Em seguida é deixado em repouso,
promovendo com isso condições anaeróbias adequadas à fermentação.
Durante o processo de fermentação o mosto “borbulha”, quando o gás
carbônico que é produzido acaba sendo liberado para a atmosfera. Conco-
mitantemente, a concentração de etanol aumenta e acaba por matar grande
parte das leveduras ali presentes. Quando o etanol atinge cerca de 12% de
concentração, a fermentação acaba.
Para a fabricação da cerveja é seguido um processo semelhante ao da
produção de vinhos, porém com maior controle das condições de fermenta-
ção e adição de outros compostos. Fabricada com malte, sorgo, lúpulo, água
e leveduras do gênero Saccharomyces, o processo é dividido em três etapas.
Na primeira, há a sacarificação, onde açúcares simples serão produzidos a
partir do amido, presente na mistura de cereais.
Durante a fermentação (segunda etapa), as leveduras produzem gás car-
bônico e etanol, além de uma pequena quantidade de glicerol e ácido acético.
Ao final desse processo, o gás é liberado e a concentração de etanol é controla-
da para chegar a 3,8% do volume total. Após a fermentação, na terceira etapa,
210 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

a cerveja é armazenada em tanques por alguns meses para ocorrer a precipita-


ção das leveduras, proteínas e outras substâncias que não são desejáveis. Em
seguida a cerveja é carbonatada, clarificada, filtrada e engarrafada.
Vale lembrar um fato interessante: atualmente, as indústrias cervejeiras
de todo o mundo possuem protocolos de fabricação extremamente rígidos. O
que diferencia o sabor da cerveja entre marcas é a qualidade dos grãos adi-
cionados, a quantidade dos mesmos e o tipo de microrganismo presente. As
indústrias possuem leveduras exclusivas, muitas modificadas geneticamente
e que estão protegidas sob patentes e direitos de marca, sendo praticamente
impossível uma marca reproduzir o sabor de outra.
Além da produção de bebidas, a fermentação acética faz uso da cadeia
produtora da fermentação alcoólica para produzir vinagres e derivados. Esse
tipo de fermentação nada mais é do que uma oxidação do etanol, que gera
ácido acético, principal componente do vinagre, que é um subproduto da fa-
bricação do vinho e da cerveja. Na sua fabricação, após a produção do etanol
por parte das leveduras, são adicionadas bactérias dos gêneros Acetobacter
ou Glucanobacter, que transformam o álcool em ácido acético.

● Fermentação láctica: os derivados do leite


Ao contrário da fermentação alcoólica, nesse processo o ácido pirúvico é
diretamente reduzido à ácido láctico. Esse processo pode ocorrer de dois
modos. Na fermentação homolática grandes quantidades de ácido láctico
são produzidas diretamente e não geram subprodutos. Na fermentação hete-
rolática são produzidas outras substâncias além do ácido láctico, como CO2,
etanol e ácido acético.
Diversos alimentos são produzidos a partir desse processo, principal-
mente derivados do leite. Para tanto se faz utilização de bactérias lácticas,
que serão as responsáveis por utilizar a lactose presente no leite como fonte
de açúcar para produção de diversos produtos. Para a produção de iogurtes,
por exemplo, utilizam-se as bactérias Lactobacillus bulgaricus e Streptococ-
cus thermophilus.
Inicialmente, há a pasteurização, que é um aquecimento prévio do leite
entre 85 ºC até 92 ºC que visa à destruição de bactérias contaminantes. Em
seguida, o leite é resfriado até atingir a temperatura ambiente e ao mesmo
é adicionada uma cultura mista das bactérias acima citadas, que serão res-
ponsáveis por acidificar o leite e promover a coagulação de suas proteínas,
gerando o iogurte.
A fabricação de queijos segue processo semelhante, porém pode tam-
bém haver a participação de fungos nas etapas finais. Após pasteurização,
são adicionadas ao leite bactérias dos gêneros Lactobacillus, Streptococcus,
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 211

Leuconostoc e Propionibacterium, que serão responsáveis pela produção de


ácido láctico e algumas outras substâncias que irão ser responsáveis pelos
diferentes aromas e consistências dos queijos.
O aumento da acidez gerado pela produção de ácido láctico provoca
a coagulação das proteínas do leite. Nesse momento podem ser utilizados
outros microrganismos como bactérias e fungos para determinar característi-
cas diferentes. Em diversas regiões da França são ainda produzidos queijos
artesanais contendo fungos filamentosos, como Penicillium roquefortii e Pe-
nicillium camemberti, que dão características e sabores únicos aos queijos
dessas regiões.

Síntese do capítulo
Esse capítulo apresentou conceitos gerais sobre a Microbiologia e sua relação
e inserção no Meio Ambiente, caracterizando e descrevendo as relações dos
microrganismos presentes na água, no solo e no ar, além de exemplificar as
principais utilizações dos microrganismos na indústria.
São discutidos os principais problemas relacionados às doenças de vei-
culação hídrica, bem como a microbiota característica dos corpos de água. Ao
tratar dos microrganismos presentes no solo, são mostrados os principais me-
canismos de atuação microbiana no solo e suas associações, bem como o
papel da microbiota nos principais ciclos biogeoquímicos.
Sobre a presença microbiana no ar, é mostrada a composição e os princi-
pais microrganismos presentes, bem como os métodos de identificação e con-
trole (incluindo as legislações pertinentes) dos mesmos.
Sobre a utilização industrial dos microrganismos, são citados os princi-
pais ramos industriais que se beneficiam da ação microbiana, bem como alguns
mecanismos de obtenção de produtos produzidos por bactérias e fungos volta-
dos à utilização nas indústrias farmacêutica e alimentícia.

Atividades de avaliação
1. Cite as razões pelas quais Escherichia coli é a bactéria mais utilizada como
indicador de contaminação de água.
2. Pesquise sobre as cianobactérias, destacando como elas podem tornar-se
um risco à saúde humana quando presentes em grandes quantidades nas
águas dos reservatórios de abastecimento.
212 PAIXÃO, G. C., PANTOJA , L. D. M., BRITO, E. H. S., MOURÃO, C. I.

3. Compare as vantagens e desvantagens de duas técnicas de análises de


coliformes totais e termotolerantes.
4. Descreva as fases do método de análise Número Mais Provável- NMP en-
fatizando o que se pode diagnosticar após cada fase.
5. Em um congresso de Microbiologia, um estudante, ao apresentar um traba-
lho, afirmou que quanto maior a profundidade, menor vai ser a densidade
microbiana. Você concorda com o aluno? Explique.
6. Quais as vantagens dos fungos que vivem em simbiose com raízes de
plantas superiores? Pesquise dois gêneros fúngicos sapróbios de interesse
ambiental.
7. Num texto de 3 a 6 linhas conceitue solo e explique a sua constituição, des-
crevendo suas principais características microbiológicas e mecanismos
que possam causar alterações na sua microbiota.
8. Conceitue rizosfera. Explique as principais funções desta região exemplifi-
cando os principais microrganismos que lá habitam.
9. Pesquise sobre o gênero Rhizobium e descreva sua importância para o
ciclo do Nitrogênio.
10. Você foi contratado para assessorar na qualidade do ar de um novo sho-
pping da cidade, qual técnica você irá utilizar para fazer um levantamento
prévio do ar? Aproveite para explicar essa técnica, citar uma vantagem e
uma desvantagem.
11. Descreva, detalhadamente, como ocorre o controle da qualidade do ar em
um centro cirúrgico.
12. Trace um paralelo entre alergias respiratórias e padrões de qualidade do ar.
13. A que se refere a “Síndrome dos Edifícios Doentes”?
14. Pesquise sobre a Resolução n. 176, de 24 de outubro de 2000. Aponte
aspectos positivos e negativos.
15. Dona Maria estava tentando fazer uma receita de pão salgado, e viu que
teria que adicionar açúcar. Ajude Dona Maria e explique porque devemos
adicionar açúcar quando estamos preparando pão, mesmo no preparo de
pães salgados.
16. A indústria alimentícia é dependente de inúmeros processos desenvolvi-
dos por microrganismos. Quanto à indústria de laticínios, quais microrga-
nismos são utilizados? Quais os processos bioquímicos envolvidos?
17. Recentemente foi publicado um artigo sobre uma bactéria com material
genético completamente sintetizado a partir de informações de computa-
dor. Comente sobre os possíveis riscos e benefícios dessa criação.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 213

18. Uma garrafa de vinho tinto “orgânico” (sem conservantes) parcialmente


consumida é novamente tampada e armazenada sob refrigeração. Ao
provar novamente o vinho, você percebe um novo sabor azedo caracte-
rístico, que impossibilita seu consumo. Descreva o que pode ter aconteci-
do com o vinho e que processo microbiano ocorreu.

Leituras
ATLAS, R. M. Bioterrorism Before and After September 11. Critical Reviews
in Microbiology. v. 27. n. 4. 2001. p. 355–379.
PANTOJA, L. D. M.; COUTO, M. S.; PAIXÃO, G. C. Diversidade de bioae-
rossóis presentes em ambientes urbanizados e preservados de um Campus
universitário. O Biológico. v. 69. 2007. p. 41-47.
SILVEIRA, A. P. D.; FREITAS, S. S. Microbiota do solo e qualidade ambien-
tal. São Paulo: Instituto Agronômico, 2007. 312 p.
Brasil. Fundação Nacional de Saúde. Manual prático de análise de água. 2
ed. rev. – Brasília: Fundação Nacional de Saúde, 2006. 146 p.

Sites
http://www.cetesb.sp.gov.br/Ar/ar_boletim.asp
http://www.saudepublica.web.pt/06-saudeambiental/
http://www.youtube.com/watch?v=7l2qjN8UYdk

Referências
ARORA, A.; SINGH, P. K. Comparison of biomass productivity and nitrogen fix-
ing potencial of Azolla ssp. Biomass and Bioenergy, v. 24, p. 175-178, 2003.
CARDOSO, E. J. B. N.; TSAI, S. M.; NEVES, M. C. P. Microbiologia do solo.
Campinas: Sociedade Brasileira de Ciência do solo, 1992. 360 p.
CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução N° 3 de 18 de
junho, 1990. Padrões de qualidade do ar. Diário Oficial da União, 22/08/1990.
CORDEIRO, R. A.; BRILHANTE, R. S. N.; PANTOJA, L. D. M.; MOREIRA FIL-
HO, R. E.; VIEIRA, P. R. N.; ROCHA, M. F. G.; MONTEIRO, A J.; SIDRIM, J. J.
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C. Isolation of pathogenic yeasts in the air from hospital environments in the city
of Fortaleza, northeast Brazil. Braz. J. Infect. Dis., v. 14, n. 1. p. 30-34, 2010.
LEE, S. H.; KIM, J. K.; YI, B. Y. Detection methods for biotech cotton MON 15985
e MON 88913 by PCR. J. Agric. Food Chem. v. 55, p. 3.351-3.357, 2007.
LEHNINGER, A. L.; NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de Bioquímica.
São Paulo: Sarvier Editora, 1999. 842p.
MADIGAN, M. T.; MARTINKO, J. M.; PARKERT, J. Microbiologia de Brock.
12. ed. São Paulo: Prentice Hall, 2010.
PANTOJA, L. D. M.; COUTO, M. S.; PAIXÃO, G. C. Diversidade de bioae-
rossóis presentes em ambientes urbanizados e preservados de um Campus
universitário. O Biológico, v. 69, p. 41-47, 2007.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia 215

Sobre os autores

Germana Costa Paixão: É Médica Veterinária formada pela Universidade Es-


tadual do Ceará/UECE e Mestre em Patologia pela Universidade Federal do
Ceará/UFC. É professora da UECE desde 2000, onde leciona a disciplina de
Microbiologia para os Cursos de Ciências Biológicas, Nutrição, Enfermagem
e Medicina. Coordena o Curso de Ciências Biológicas à distância da Univer-
sidade Aberta do Brasil-UAB/UECE, desde 2008. Desenvolve pesquisas em
Aeromicrobiologia, e ensino de Microbiologia. É membro efetivo da Sociedade
Brasileira de Microbiologia/SBM.

Lydia Dayanne Maia Pantoja: É Bióloga (licenciada e bacharel) pela Universi-


dade Estadual do Ceará/UECE Mestre em Microbiologia Médica pela Univer-
sidade Federal do Ceará/UFC. É professora de Microbiologia e Parasitologia
da Universidade Estadual do Ceará/ UECE. Atuou como tutora à distância do
curso de Ciências Biológicas da Universidade Aberta do Brasil – UAB/UECE
entre 2009 e 2013. Apresenta publicações em artigos científicos na área de
Microbiologia, com ênfase em Microbiologia ambiental.

Erika Helena Salles de Brito: É Médica Veterinária, Mestre e Doutora em Ci-


ências Veterinárias pela Universidade Estadual do Ceará/UECE. É professora
de Microbiologia Veterinária, Patologia Humana e Bioquímica do Instituto Su-
perior de Teologia Aplicada – INTA. Tem experiência na área de Microbiologia,
com ênfase em Micologia.

Charles Ielpo Mourão: É Biólogo licenciado formado pela Universidade Esta-


dual do Ceará/UECE e Mestre em Ciências Médicas da Universidade Federal
do Ceará/UFC. É professor substituto da Universidade Estadual do Ceará.
Apresenta publicações na área de micologia, com ênfase em variabilidade
molecular, virulência e perfil antifúngico. Bem como, tem destaque na área de
ensino em Microbiologia, tendo sido premiado pela Sociedade Brasileira de
Microbiologia por mérito científico.
A não ser que indicado ao contrário a obra Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia, disponível em:
http://educapes.capes.gov.br, está licenciada com uma licença Creative Commons Atribuição-Compartilha
Igual 4.0 Internacional (CC BY-SA 4.0). Mais informações em: <http://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0/
deed.pt_BR. Qualquer parte ou a totalidade do conteúdo desta publicação pode ser reproduzida ou compartilhada.
Obra sem fins lucrativos e com distribuição gratuita. O conteúdo do livro publicado é de inteira responsabilidade de
seus autores, não representando a posição oficial da EdUECE.
Desvendando o Mundo Invisível da Microbiologia
Ciências Biológicas

F
iel a sua missão de interiorizar o ensino superior no estado Ceará, a UECE,
como uma instituição que participa do Sistema Universidade Aberta do
Brasil, vem ampliando a oferta de cursos de graduação e pós-graduação
na modalidade de educação a distância, e gerando experiências e possibili-
dades inovadoras com uso das novas plataformas tecnológicas decorren-
Ciências Biológicas
tes da popularização da internet, funcionamento do cinturão digital e
massificação dos computadores pessoais.
Comprometida com a formação de professores em todos os níveis e
a qualificação dos servidores públicos para bem servir ao Estado, Desvendando o Mundo Invisível
os cursos da UAB/UECE atendem aos padrões de qualidade
estabelecidos pelos normativos legais do Governo Fede-
ral e se articulam com as demandas de desenvolvi-
da Microbiologia
mento das regiões do Ceará.

Germana Costa Paixão

Universidade Estadual do Ceará - Universidade Aberta do Brasil


Lydia Dayanne Maia Pantoja
Erika Helena Salles de Brito
Charles Ielpo Mourão
Geografia

12

História

Educação
Física

Ciências Artes
Química Biológicas Plásticas Computação Física Matemática Pedagogia

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