Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
HW K17D 4
27 246, 22.5
AV
IAE
AR
DI
DEM
AN
ACA
AE
HRISTO
NO N
I
V
FROM
Edward H. Strobel
27246.22.5
AS
CONTOS ARABES
E REVISTA CUIDADOSAMENTE
SOBRE OS MELHORES TEXTOS
TOMO TERCEIRO
LIVRARIA INTERNACIONAL
DE
ERNESTO CHARDRON , EDITOR
Porto e Braga
1881
7
AS
CONTOS ARABES
PORTO: 1881 TYPOGRAPHIA DE A. J. DA SILVA TEIXEIRA
62, Cancella Velha, 62
AS
CONTOS ARABES
E REVISTA CUIDADOSAMENTE
TOMO TERCEIRO
LIVRARIA INTERNACIONAL
DE
ERNESTO CHARDRON , EDITOR
Porto e Braga
1881
2.5
27246.2
1
2127-/
SET 24 1914
Library of
Edward H. Strobel
CONTOS ARABES
HISTORIA
«
< Senhor, respondeu o corretor , é um homem que
tem uma só palavra : protesta que não póde dal-a por
menos de dez mil peças d'ouro . Jurou-me que sem con-
tar os seus cuidados, seus trabalhos e o tempo que ha
que a está creando, fez quasi a mesma despeza com el-
la, tanto em mestres para os exercicios do corpo e para
instruil-a e formar-lhe o espirito, como em vestuario e
sustento. Como a julgou digna de um sultão, logo depois
de a comprar na sua primeira infancia, não poupou cou-
sa alguma do que pudesse contribuir a eleval -a a esta
alta dignidade. Ella toca toda a casta de instrumentos ,
canta, dança, escreve melhor que os mais habeis n'esta
arte, e faz versos ; não ha livros, finalmente, que não te-
nha lido . Não se ouviu dizer que em tempo algum sou-
besse uma escrava tantas cousas como esta » .
O visir Khacan, que conhecia o merecimento da bel-
la persiana muito melhor que o corretor, que d'ella só
fallava pelo que dissera o mercador , não quiz demorar
a compra para outro dia . Mandou chamar o mercador
por um de seus officiaes, aonde indicou o corretor que
se acharia.
Chegado que foi o mercador da Persia : « Não é para
mim que quero comprar a vossa escrava, disse-lhe o vi-
sir Khacan, é para o sultão ; porém é preciso vender-
lh'a por um preço mais commodo . - Senhor, respondeu
o mercador , teria grande honra em dal-a de presente a
sua magestade, se fosse dado a um mercador como eu
fazer semelhantes presentes. Eu não peço precisamente
senão o dinheiro que desembolsei para educal-a e pôl -a
no estado em que se encontra. O que posso dizer é que
sua magestade fará uma compra de que ficará muito sa-
tisfeito ».
Não quiz o visir Khacan regatear ; mandou dar a dita
quantia ao mercador, e este antes de retirar-se : Senhor,
disse ao visir, visto que a escrava está destinada para o
sultão, consentireis que tenha a honra de dizer-vos que
está em extremo cançada da dilatada jornada que lhe fiz
fazer para trazel -a aqui. Ainda que seja uma belleza sem
igual, tornar-se-ha todavia ainda mais bella se a conser-
vardes en vossa casa sómente uns quinze dias e cuideis
CONTOS ARABES 9
deu Hagi Hassan , não ha cousa mais facil. Fingi que vos
enfadastes contra a vossa escrava e que jurastes que a le-
varieis ao mercado ; porém que não tinheis intenção de
vendel-a, e que o que fizestes foi só para desempenhar-
vos do vosso juramento . Isto satisfará todo o mundo, e
Saouy nada terá que dizer . Vinde , pois ; e no instante de
a apresentar a Saouy, como se fosse por vosso consen-
timento e que fosse terminada a venda, pegai n'ella , dan-
do-lhe algumas pancadas, e levai-a para vossa casa.
- Agradeço -te , disse-lhe Noureddin ; verás que seguirei
o teu conselho >> .
Voltou Hagi Hassan ao quarto , abriu -o e entrou ; e,
depois de ter avisado a bella persiana em poucas palavras
que se não assustasse do que ia acontecer, pegou n'ella
pelo braço e a levou ao visir Saouy, que estava diante
da porta : « Senhor, disse-lhe, apresentando-lh'a , eis-aqui
a escrava, pertence -vos, tomai conta d'ella ».
Não tinha Hagi Hassan acabado de proferir estas pa-
lavras, quando Noureddin pegou na bella persiana . Pu-
xou-a para si, e dando -lhe uma bofetada : « Vinde , inso-
lente, disse-lhe em alta voz para que todos ouvissem , e
voltai para minha casa . O vosso mau genio me obrigou
a fazer o juramento de trazer-vos ao mercado, mas não
de vender-vos . Ainda preciso de vós, e terei tempo de
chegar a este extremo quando não tiver outro remedio > ».
Ficou o visir Saouy em extremo escandalisado d'esta
acção de Noureddin . « Miseravel pródigo ! exclamou elle ;
queres persuadir-me que te fica alguma cousa que ven-
der além da tua escrava ? » Dirigiu o seu cavallo no mes-
mo instante direito a elle, para arrancar-lhe a bella per-
siana. Noureddin , em extremo escandalisado da affronta
que lhe fazia o visir, largou a bella persiana e lhe disse
que o esperasse ; e lançando-se à rédea do cavallo o fez
recuar tres ou quatro passos : « Malvado barbaças ! disse
então ao visir, arrancar-te-hia a vida n'este instante se
não attendesse á consideração devida a toda a gente que
aqui está >>.
Como o visir Saouy não era amado de ninguem e
pelo contrario era aborrecido de todo o mundo , não ha-
via um só, de todos os que estavam presentes , que
CONTOS ARABES 29
rten
Peua
da ag . cia o jardim ao califa , e havia no meio um
grande pavilhão , que se chamava o pavilhão das pin-
turas ; porque o seu principal ornamento eram pinturas
á persiana , da mão de diversos pintores , que o califa
mandára vir expressamente . Oitenta janellas , com um
lustre em cada uma , davam luz ao grande e soberbo sa-
lão, que formava este pavilhão ; e os oitenta lustres não
se accendiam senão quando o califa vinha alli passar o
serão , e quando o tempo estava tão sereno que não ha-
via um sopro de vento . Faziam então uma illuminação ,
que se via de muito longe no campo , d'esse lado e de
HISTORIA
mas que nunca em sua vida rira, pôz -se a sorrir . Perce-
beu isso o rei da Persia com tal pasmo , que lhe fez soltar
uma exclamação de alegria ; e como lhe pareceu que quiz
fallar, esperou este instante com tanta attenção e impa-
ciencia, que não se pode expressar .
Rompeu finalmente a bella escrava um tão longo si-
lencio, e começou : « Senhor, disse ella , tenho tantas cou-
sas que dizer a vossa magestade, que não sei por onde
principiar. Creio todavia ser do meu dever agradecer- lhe
logo todas as graças e honras que me concedeu , e pe-
dir ao céo que o faça prosperar, que desvie as más in-
tenções de seus inimigos , e não permitta que morra de-
pois de me ter ouvido fallar, mas lhe dê uma longa vi-
da. Depois d'isto, senhor, não posso dar- vos maior satis-
fação, do que annunciando-vos que estou gravida ; dese-
jo comvosco que seja d'um filho. O que devo dizer-lhe,
senhor, acrescentou ella , é que sem a minha gravidez
(supplico a vossa magestade que leve a bem a minha
sinceridade) estava resolvida a nunca vos amar, assim
como a guardar um silencio perpetuo, e que agora vos
amo quanto devo » .
O rei da Persia, arrebatado de alegria por ter ouvi-
do fallar a bella escrava e annunciar-lhe uma nova que
o interessava muito, abraçou- a ternamente : <« Luz res-
plandecente de meus olhos, disse-lhe, não podia ter
maior alegia do que a que me daes . Fallastes -me, e an-
nunciastes- me a vossa gravidez ; eu mesmo não sou se-
nhor de mim, visto os dous motivos de regosijo que me
déstes ».
No arrebatamento de alegria em que estava o rei da
Persia, não disse mais palavra á bella escrava . Deixou - a,
mas de um modo que dava a entender que voltaria lo-
go. Como quizesse que o motivo da sua alegria se fizes-
se publico, annunciou-o a seus officiaes e mandou cha-
mar o seu grão- visir . Logo que chegou encarregou- o de
distribuir cem mil peças d'ouro pelos ministros da sua
religião, que faziam votos de pobreza, pelos hospitaes e
pelos pobres, em acção de graças a Deus, e foi a sua
vontade executada pelas ordens d'este ministro .
Dada esta ordem veio o rei da Persia ter com a hal
68 AS MIL E UMA NOITES
30, surgiu do mesmo modo logo após elle, com cinco jo-
vens senhoras, que não cediam em cousa alguma á bel-
leza da rainha Gulnare .
Apresentou-se logo a rainha Gulnare a uma das ja-
nellas, e reconheceu o rei seu irmão, a rainha sua mãi
ILLE
MARV
Os ooff
pescoç ! »iciaes, em pequeno numero, que estavam á ro-
da do rei Samandal , se dispuzeram logo para obedecer ;
porém como o rei Saleh estivesse na maior força da sua
idade , ligeiro e robusto , escapou antes que puxassem
pelo alfange , e ganhou a porta do palacio , onde achou
mil homens dos seus parentes e da sua casa , bem ar-
mados e bem equipados , que acabavam de chegar . Ti-
nha a rainha sua mãi feito reflexão na pouca gente que
levára comsigo , e como presentisse a má recepção que
o rei de Samandal podia fazer-lhe, os mandára e lhes
rogára que fossem a toda a pressa . Aquelles dos seus
parentes que se acharam á frente , estimaram muito te-
rem chegado tão a proposito , quando o viram vir com a
sua gente que o seguia em grande desordem , e vendo
que o perseguiam : « Senhor ! clamaram elles logo ; de
que se trata ? Eis -nos -aqui promptos a vingar-vos, basta
ar » .
só mandtou
Con -lhes o rei Saleh o caso em poucas palavras ,
poz - se à frente d'um corpo numeroso em quanto os mais
ficaram á porta, da qual se apossaram , e retrocedeu .
Como os poucos officiaes e guardas que o perseguiram
se tinham dispersado , entrou no quarto do rei de Saman-
dal, que foi logo abandonado dos outros, e preso ao
mesmo tempo . O rei Saleh deixou gente sufficiente com
elle para vigiar a sua pessoa, e foi de quarto em quar-
to, procurando o da princeza Giauhare . Porém ao primei-
ro tumulto , tinha-se esta princeza arrojado á superficie
do mar, com as mulheres que com ella se acharam, e
se refugiára n'uma ilha deserta .
Como estas cousas se passassem no palacio do rei de
Samandal , alguns da comitiva do rei Saleh , que fugi-
ram logo no principio do successo , causaram um gran-
de susto á rainha sua mãi, annunciando -lhe o perigo
em que o deixaram . O joven rei Beder , que estava pre-
sente à sua chegada , ficou tanto mais assustado quan-
to se considerou como a primeira causa de todo o mal
que d'isso podia seguir -se . Não se sentiu com bastante
animo para apparecer na presença da rainha sua avó,
CONTOS ARABES 99
EW. NV
2M DE L
HISTORIA
húne
o baGa no mieteri
m , cequ o. e
desd a sua chegada a Bagdad se oc-
cupára unicamente do seu negocio , ainda não tinha
experimentado o poder do amor . Sentiu então as suas
primeiras fréchadas . Não pudéra ver a joven senhora
sem compadecer -se d'ella ; e o desassocego em que se
sentia , seguindo de longe o arrieiro , e o receio de
que acontecesse no caminho algum accidente que lhe
fizesse perder a sua conquista , lhe ensinaram a pene-
trar os seus sentimentos . Foi extrema a sua alegria
quando , tendo felizmente chegado a sua casa , viu des-
carregar o bahu. Despediu o arrieiro , e tendo mandado
fechar por um dos seus escravos a porta de sua casa,
abriu o bahú , ajudou a senhora a sahir d'elle , deu -lhe
a mão e levou -a para o seu quarto , compadecendo - se
pelo que devia ter soffrido em tão estreita prisão . « Se
padeci , disse -lhe , estou bem indemnisada pelo que fizes-
tes por meu respeito e pelo gosto que tenho de vér-me
qura
O gu
em se . Ganem , ricamente mobilado, attrahiu
toa »de
arnç
menos as attenções da senhora que o bello talhe e a
hoa physionomia do seu libertador , cuja cortezia e mo-
CONTOS ARABES 141
Coib
é proh idoper
mo crav
eseu
aoceb o
que. ia anoitecendo , levantou -se para
ir buscar luz . Trouxe -a elle mesmo , e juntamente com
que fazer a merenda , conforme o uso commum da cida-
de de Bagdad , onde , depois de ter jantado bem ao meio
dia, passam o serão a comer algumas frutas e a beber
vinho , conversando agradavelmente até á hora de reco-
ellasTen
. do os pregoeiros executado o que lhes ordenára
o rei, mandou este principe que puzessem fóra do pala-
cio a mãi e a filha , e que lhes deixassem a liberdade
d'ir aonde quizessem . Apenas a viram apparecer, logo
CONTOS ARABES 165
Ganem tão raras vezes de sua casa , que não deveis ad-
mirar-vos, que não fossemos dos primeiros a saber a
vossa chegada. Além d'isso, Ganem, que se encarregára
de mandar entregar o escripto que escrevi a Alva do
dia, esteve muito tempo sem poder achar a hora favora-
vel de entregal-o em mão propria. — Basta, Tormenta, re-
plicou o califa ; reconheço o meu engano e quereria re-
paral -o, beneficiando esse joven mercador de Damasco .
Vê pois o que posso fazer em seu beneficio : pede -me o
que quizeres , eu t'o concederei » . Proferidas estas pala-
vras lançou-se a valida aos pés do califa com a face no
chão ; e levantando - se : « Commendador dos crentes, dis-
se ella, depois de ter agradecido a vossa magestade os
favores que quereis fazer a Ganem, supplico-vos com
muita humildade que mandeis publicar nos vossos es-
tados que perdoaes ao filho de Abou Aibou , e que póde
vir procurar-vos . -Farei ainda mais, replicou este prin-
cipe, por ter-te conservado a vida ; para reconhecer a
consideração que teve para commigo, para indemnisal-o
da perda de seus bens, e finalmente para reparar a inju-
ria que fiz a sua familia, dou-t'o por esposo » . Não po-
dia Tormenta achar expressões bastantes para agradecer
ao califa a sua generosidade. Recolheu-se depois ao quar-
to que occupava antes da sua cruel aventura. Havia ain-
da n'elle a mesma armação ; mas o que mais lhe agra-
dou foi vêr os bahús e fardos de Ganem, que Mesrour
teve o cuidado de mandar recolher n'elle .
No dia seguinte Haroun Alraschid deu ordem ao grão-
visir para mandar publicar por todas as cidades dos seus
estados, que perdoava a Ganem, filho de Abou Aibou ;
mas de nada serviu esta publicação, pois passou-se um
tempo consideravel sem que se ouvisse fallar d'este jo-
ven mercador. Cuidou Tormenta que sem duvida não
pudera sobreviver á afflicção de a ter perdido : apossou-
se d'ella uma horrivel inquietação ; e, como a esperança
é a ultima cousa que larga os amantes, supplicou ao
califa que lhe permittisse fazer ella mesma a diligencia
para descobrir Ganem ; o que, sendo-lhe concedido , pe-
gou n'uma bolsa de mil peças d'ouro que tirou do seu
cofre, e sahiu um dia pela manhã do palacio montada
CONTOS ARABES 171
explicar : <
« Levai-me, disse ella ao syndico, ao quarto
d'esse doente . Desejo vêl-o » . Levou-a lá o syndico ; e,
em quanto lá ia, a mai de Ganem disse a Força dos co-
rações : « Ah , minha filha ! por mais miseravel que seja
esse estrangeiro doente, vosso irmão, se está ainda com
vida, não está talvez n'um estado mais feliz ! »
Entrando a valida do califa no quarto onde estava o
doente, chegou-se ao leito em que os escravos do syn-
dico o tinham já deitado. Viu um mancebo que tinha os
olhos fechados, o rosto pallido , desfigurado e todo ba-
nhado em lagrimas. Examina-o com attenção . O coração
palpita-lhe. Parece-lhe reconhecer Ganem, mas desconfia
logo do que os seus olhos lhe referem. Se acha alguma
cousa de Ganem no objecto que considera, parece- lhe por
outra parte tão differente , que não ousa imaginar que é
elle mesmo que se offerece à sua vista . Não podendo to-
davia resistir ao desejo de certificar-se : « Ganem, disse-
lhe com voz tremula, sois vós o proprio Ganem que ve-
jo ? » Proferidas estas palavras, parou para dar tempo ao
mancebo de responder ; porém percebendo que parecia
insensivel a isto : «Ganem, replicou ella, não é a ti que
fallo. A imaginação de Tormenta, cheia da tua imagem,
deu a este estrangeiro uma enganosa semelhança » . Ao
nome de Tormenta, Ganem— pois era com effeito o mes-
mo - abriu os olhos e voltou a cabeça para a pessoa
que lhe dirigia a palavra ; e reconhecendo a valida do
califa : « Ah, senhora, sois vós ? por que milagre ... » Não
pôde acabar. Foi tão vivamente arrebatado de alegria,
que desmaiou. Tormenta e o syndico se apressaram em
soccorrel- o ; mas logo que observaram que principiava
a tornar a si do seu desmaio , o syndico pediu á senho-
ra que se retirasse, receando que a sua vista não avi-
vasse o mal de Ganem.
Tendo o mancebo tornado a si, olhou para todos os
lados , e não vendo o que buscava : « Bella Tormenta ,
replicou elle, que é feito de vós ? apparecestes na reali-
dade a meus olhos , ou é unicamente uma illusão ? —
Não, senhor, disse-lhe o syndico, não é uma illusão . Fui
eu que mandei sahir essa senhora ; mas tornal-a-heis a
vêr logo que estiverdes em estado de poder estar na sua
176 AS MIL E UMA NOITES
HISTORIA
011
meuCodevm er »eit
eff . o , no dia seguinte , depois da oração da
ma nh ã , disse ao povo : « Sabei , meus irmãos , que não ha
ninguem que não tenha os seus inimigos . A inveja acom-
mette principalmente os que não tem grandes cabedaes .
O estrangeiro de quem vos fallava hontem de tarde , não
é mau homem , como alguns mal intencionados quizeram
persuadir-me. É um joven principe , dotado de mil virtu-
des. Livremo -nos de dar d'elle alguma má informação ao
a
CONTOS ARABES 197
www
W CM
A
HISTORIA DE CODADAD
E DE SEUS IRMÃOS
www
inal lant es
ro en Preg
«tr ci-pe sssse
a ,aodi e -lh elre
us e pa , so.u de um paiz muito re-
to
mo , e al ém d' is so seri abusar da vossa generosidade
a
obrigar-vos a fazer uma jornada semelhante ; confessar-
vos -hei que me ausentei para sempre da minha patria .
Já vos disse ha pouco que era natural do Cairo ; mas
vistas as obrigações que vos devo , acrescentou ella
olhando para Codadad , não teria desculpa alguma se vos
encobrisse a verdade . Sou filha de um rei . Apoderou -se
um usurpador do throno de meu pai depois de ter -lhe
tirado a vida , e para conservar a minha fui obrigada a
recorrer á fuga » . Feita esta confissão , Codadad e seus
irmãos pediram á princeza contasse a sua historia , pro-
testando -lhe que tomavam toda a parte possivel nas suas
desgraças , e que estavam dispostos a não poupar cousa
alguma para tornal - a mais feliz . Depois de lhes ter agra-
decido os novos offerecimentos que lhes faziam , não pô-
de dispensar -se de satisfazer a sua curiosidade . Princi-
HISTORIA
DA PRINCEZA DE DERYABAR
car o seu filho com muito desvelo . Não foi a senhora in-
sensivel ás bondades do rei : teve para elle todo o re-
conhecimento que podia desejar ; pareceu no principio
assás inquieta de não a vir buscar seu marido, mas pou-
co a pouco foi diminuindo a sua inquietação ; as compla-
cencias que meu pai tinha para com ella suavisaram a
sua impaciencia, e creio finalmente que ficaria menos
agradecida á fortuna de restituil-a a seus parentes do que
de a ter afastado d'elles .
« O filho d'esta senhora foi crescendo ; era muito bem
feito ; e , como tivesse bom senso, achou meio de agra-
dar ao rei meu pai, que se affeiçoou a elle. Perceberam
isso todos os cortezãos, e julgaram que este mancebo
poderia casar commigo : n'este pensamento, e conside-
rando-o já como herdeiro da corôa, affeiçoaram - se a el-
le, e cada um se esforçava por ganhar a sua confiança .
Penetrou elle o motivo do seu affecto ; applaudiu-se a
si mesmo ; e esquecendo-se da distancia que havia en-
tre as nossas condições , orgulhou-se com a esperança
de que com effeito meu pai o amava sufficientemente
para preferir a sua alliança á de todos os principes do
mundo. Ainda se atreveu a mais : tardando o rei a satis-
fazer o seu desejo , isto é, a offerecer- lhe a minha mão,
teve a ousadia de lh'a pedir. Por maior castigo que me-
recesse o seu atrevimento, contentou-se meu pai em lhe
dizer que tinha outras vistas a meu respeito, e não lhe
mostrou desagrado algum ; escandalisou -se o mancebo
com esta recusa . Sentiu-se tanto este orgulhoso do des-
prezo com que se tratava a sua pretensão , como se ti-
vesse pedido uma filha de gente plebêa, ou fosse de
nascimento igual ao meu ; não parou aqui : resolveu
vingar-se do rei ; e por uma ingratidão que tem poucos
exemplos, conspirou contra elle, apunhalou-o e fez-se
proclamar rei de Deryabar por um grande numero de
descontentes, dos quaes soube tirar proveito . Foi o seu
primeiro cuidado, depois de ter matado meu pai, vir elle
mesmo ao meu quarto á frente de uma parte dos conju-
rados . Era seu intento tirar-me a vida ou obrigar-me
pela força a casar com elle, mas tive tempo de escapar-
lhe ; em quanto estava occupado a degolar meu pai , o
CONTOS ARABES 215
GWINY CM DEL
O DORMENTE ACORDADO
கத
que não podem ser : ainda uma vez , filho , pensai n'isso
sériamente >> .
Ouviu socegadamente Abou Hassan estas admoesta-
ções de sua mãi ; e com os olhos baixos e a mão na barba
como um homem que entra em si para examinar a ver-
dade de tudo o que vê e de tudo o que ouve : < « Creio
que tendes razão , disse a sua mãi passados alguns ins-
tantes , acordando como d'um profundo somno, sem toda-
via mudar de postura ; parece-me, disse elle, que sou
Abou Hassan, que vós sois minha mãi, e que estou no
meu quarto. Ainda uma vez, acrescentou elle , fitando os
olhos em si proprio, e em tudo o que se apresentava
à sua vista, eu sou Abou Hassan, d'isso não duvido já,
e não percebo como se me metteu este sonho na ca-
beça ».
Com toda a boa fé capacitou-se a mãi que estava seu
filho curado da inquietação que agitava o seu espirito
e que attribuia a um sonho. Dispunha-se a rir com elle
e a fazer-lhe perguntas sobre este sonho, quando de re-
pente se assentou, e olhando para ella de esguelha : <« Ve-
lha feiticeira, velha magica, disse elle, não sabes o que
dizes : eu não sou teu filho, e tu não és minha mãi . Tu
te enganas a ti mesma, e queres persuadir-me d'isso . Eu
digo-te que sou o commendador dos crentes e não me
persuadirás do contrario. Filho, encommendai -vos a
Deus e deixai - vos d'isso, receando que vos aconteça al-
guma desgraça ; fallemos antes de outra cousa, e deixai-
me contar-vos o que succedeu hontem no nosso bairro
ao Iman da nossa mesquita, e a quatro scheikes nossos
visinhos . Mandou o juiz da policia prendel- os , e depois
de ter-lhes mandado dar na sua presença a cada um não
sei quantas bastonadas, mandou espalhar por um pre-
goeiro que era o castigo dos que se entremettiam nos ne-
gocios que não lhes diziam respeito, e que se occupa-
vam em causar desavenças nas familias de seus visinhos ;
depois mandou-os passear por todos os bairros da cidade
com o mesmo pregão, e prohibiu-lhes de tornar a pôr o
pé no nosso bairro » .
A mãi de Abou Hassan, que não podia imaginar que
seu filho tivesse tido alguma parte na aventura que el-
270 AS MIL E UMA NOITES
lifa, visto que o visir não trouxera a bolsa senão por sua
ordem. «Então, velha feiticeira, clamou elle ; convencer-
te-has quando te disser que fui eu quem te mandei essas
mil peças d'ouro pelo meu grão -visir Giafar, que não fez
senão executar a ordem que lhe déra como commenda-
dor dos crentes ? Todavia, em vez de crêr-me, não pro-
curas senão fazer-me perder o juizo com as tuas contra-
dicções, sustentando com tenacidade que sou teu filho.
Mas não deixarei muito tempo impune a tua malicia » .
Proferidas estas palavras , no excesso do seu phrenesi, te-
ve a deshumanidade de maltratal-a desapiedadamente com
o pau que tinha na mão .
A pobre mãi, que não pensou que seu filho passaria
tão rapidamente das ameaças ás acções, pôz-se a gri-
tar com quantas forças tinha ; e até que chegaram os vi-
sinhos para soccorrel- a, não cessou Abou Hassan de a
castigar, perguntando - lhe a cada pancada : « Sou eu o
commendador dos crentes ? » Ao que a mãi respondia
sempre: « Sois meu filho >».
O furor de Abou Hassan principiava um pouco a
afrouxar quando os visinhos entraram no seu quarto. O
primeiro que se apresentou metteu -se logo entre sua mãi
e elle ; e depois de ter-lhe arrancado o pau da mão :
« Que fazeis, Abou Hassan ? disse-lhe ; perdestes o temor
de Deus e a razão ? Jámais filho bem nascido como VÓS
se atreveu a levantar a mão contra sua mãi . E não ten-
des vergonha de maltratar assim a vossa, que tão ter-
namente vos ama ? »
Abou Hassan, ainda todo enfurecido, encarou o que
lhe fallava sem responder palavra, fitando ao mesmo
tempo seus olhos espantados em cada um dos outros
visinhos que o acompanhavam : « Quem é esse Abou
Hassan de quem me fallaes ? perguntou-lhes. Sou eu a
quem daes esse nome ? »
Desconcertou um pouco os visinhos esta pergunta :
< Como! replicou o que acabava de fallar-lhe ; não recɔ-
<
«
nheceis pois esta senhora, que aqui está, pela que vos
creou e com quem vos vimos sempre morar, n'uma pa-
- Sois uns atrevidos, replicou
lavra, por vossa mãi ?
Abou Hassan, e não a conheço, nem a vós tambem ; e
CONTOS ARABES 273
BO
grande s s
-seada
Tinharis tod. avia Abou Hassan deitado , e tornou a
fechar os olhos . « Commendador dos crentes , disse -lhe
logo Força dos corações , visto que vossa magestade não
se levanta depois de o termos avisado que é já dia cla-
ro, conforme a nossa obrigação , e que é necessario que
trate dos negocios do imperio , cujo governo lhe está
nos deu em seme-
CONTOS ARABES 289
o ad a.
que Afonorava om
acpo pa
si çãnh de Ab on Hassan o tornava em extremo
assi du o a faz er a côr te ao califa . Como fosse naturalmen-
te de bom humor e fizesse nascer a alegria em toda a
parte onde se achasse , pelos seus bons ditos e pelas suas
graciosidades , não podia o califa quasi passar sem elle ,
e não fazia partida alguma de divertimento sem cha-
mal -o ; levava -o tambem algumas vezes ao alojamento
de Zobeida sua esposa , a quem contára a sua historia ,
que a divertira muito . Não desagradava a Zobeida ; mas
ella observou que todas as vezes que elle acompanhava
o califa, tinha sempre os olhos fitos n'uma de suas es-
cravas , chamada Nouzhatoul -Aouadat , razão por que re-
solveu dar parte d'isto ao califa : « Commendador dos
crentes , disse um dia a princeza ao califa , não obser-
vaes , talvez como eu, que todas as vezes que Abou Has-
san aqui vem , não cessa de fitar os olhos em Nouzhatoul-
Aouadat , e que ella nunca deixa de córar . Não duvidaes
certamente que isto seja um signal certo de que ella não
desgosta d'elle . Razão por que , se o desejaes , casal -os-
Senhora, replicou o califa ,
hemos um com ro outro .
fazeis -me lemb ra um cous que deveria ter já feito .
a a
Sei o gosto de Abou Hassan ácerca do seu casamento ,
por confissão d'elle mesmo ; e tinha -lhe promettido uma
mulher, da qual teria motivo de ficar contente . Estimo
bem que me fallasseis n'esse assumpto , e não sei como
isso me escapou da lembrança . Mas melhor era que
Abou Hassan seguisse a sua inclinação , com a escolha
que elle mesmo fez . Além d'isso , visto que Nouzhatoul-
Aouadat não desgosta d'elle , não devemos hesitar sobre
esse casamento . Eil- os-ahi um e outro , e não teem mais
que declarar se consentem no casamento » .
CONTOS ARABES 295
HISTORIA DE ALADDIN
OU A LAMPADA MARAVILHOSA
« Minha rica mãi , disse -lhe Aladdin , isso não é nada, le-
vantai-vos e vinde comer ; eis-aqui alimento em abun-
dancia com que podemos satisfazer a grande precisão
que temos de comer. Não deixemos esfriar tão bons
guizados >> .
Ficou a mãi de Aladdin em extremo admirada quando
viu a grande bacia, os doze pratos , os seis pães, as duas
garrafas e as duas taças, e que sentiu o cheiro delicioso
que exhalavam todos estes pratos : « Meu querido filho,
perguntou a Aladdin , d'onde nos vem esta abundancia, e
a quem somos nós devedores de tão grande liberalidade ?
Teria o sultão conhecimento da nossa pobreza e ter-se-
ha compadecido de nós ? - Minha rica mãi, replicou Alad-
din, assentemo-nos á mesa e comamos, tendes tanta pre-
cisão de comer como eu ; dir-vol-o-hei depois de almo-
çar » . Puzeram -se á mesa e comeram de boa vontade ;
e a mãi e o filho jámais se tinham achado n'uma mesa
tão abundante .
Em quanto durou o banquete, não podia a mãi de
Aladdin cançar-se de olhar e admirar a bacia e os pra-
tos, ainda que não soubesse mui distinctamente se eram
de prata ou outra materia , tão pouco acostumada estava
a vêl-os iguaes ; e a fallar com propriedade, sem fazer
caso do seu valor, que lhe era desconhecido, não havia
senão a novidade que lhe causava admiração , e seu fi-
lho Aladdin não tinha mais conhecimento que ella .
Aladdin e sua mãi, que não cuidavam ter senão um
simples almoço , acharam-se ainda á mesa á hora do jan-
tar ; guizados tão excellentes lhes abriram o appetite ; e
em quanto estavam quentes cuidaram que não fariam
mal reunindo n'uma as duas comidas , isto é , almoçar e
jantar ao mesmo tempo. Acabado o banquete sobejou-
lhes não só com que cear, mas tambem com que fazer
sufficientemente duas comidas abundantes no dia se-
guinte.
Tendo a mãi de Aladdin levantado a mesa e posto de
parte as viandas em que não tinham tocado, veio assen-
tar-se no sophá ao lado de seu filho : « Aladdin , disse-
lhe, espero que satisfaçaes a impaciencia em que estou
de ouvir a relação que me promettestes » . Contou- lhe
350 AS MIL E UMA NOITES
THOMAZ RIBEIRO
C. C. BRANCO
EÇA DE QUEIROZ
AS
CONTOS ARABES
TOMO QUARTO
LIVRARIA INTERNACIONAL
DE
ERNESTO CHARDRON , EDITOR
Porto e Braga
1881
- TYPOGRAPHIA DE A. J. DA SILVA TEIXEIRA
PORTO : 1881 -
62, Cancella Velha, 62
n
Arabia nights
AS
CONTOS ARABES
E REVISTA CUIDADOSAMENTE
TOMO QUARTO
LIVRARIA INTERNACIONAL
DE
ERNESTO CHARDRON, EDITOR
Porto e Braga
-
1881
27246.22.5
Sibrary of
AS
MIL
E
UMA
NOITES
te, que era facil vêr que estava inteiramente occupada
d'isto . O filho do grão- visir não estava menos molesta-
do da má noite que passára ; porém a sua ambição o fez
dissimular ; e ao vel-o, ninguem duvidou que não fosse
um esposo ditosissimo.
Aladdin , que estava bem informado do que se passa-
va no palacio , não duvidou que os novos casados deves-
sem ainda dormir juntos, apesar da funesta aventura que
lhes acontecera na noite antecedente . Não queria Aladdin
dar-lhes descanço ; assim, estando já a noite um pouco
adiantada, recorreu á lampada . Appareceu logo o genio,
e fez a Aladdin o mesmo comprimento que das outras
vezes, offerecendo-lhe seu serviço . « O filho do grão-vi-
sir e a princeza Badroulboudour, disse-lhe Aladdin , de-
vem ainda dormir juntos esta noite ; vai, e logo que se
deitarem, traze-me o leito aqui , como hontem ».
Serviu o genio a Aladdin com tanta fidelidade e exa-
ctidão como no dia precedente . O filho do grão-visir pas-
sou a noite tão traspassado de frio, e tão desagradavel-
mente como a antecedente, e teve a princeza o mesmo
desgosto de ter Aladdin por companheiro na cama, com
o alfange posto entre elle e ella . O genio, seguindo
as ordens de Aladdin, voltou no dia seguinte, repûz o es-
poso ao lado da esposa, levou a cama com os novos ca-
sados, e a pôz no mesmo quarto do palacio onde a to-
mára.
O sultão , á vista da recepção que lhe fizera a prin-
ceza Badrouĺboudour no dia precedente, impaciente de
saber como teria passado a segunda noite, e se lhe fa-
ria um acolhimento igual ao que lhe fizera já , foi ter ao
seu quarto pela manhã muito cedo, para certificar - se d'is-
so. O filho do grão - visir , mais vergonhoso e mais des-
gostoso do mau successo d'esta ultima noite que da pri-
meira, apenas ouviu chegar o sultão, logo se levantou
precipitadamente, e foi metter-se no gabinete visinho .
Chegou-se o sultão ao leito da princeza , dando-lhe
os bons dias ; e, depois de ter-lhe feito os mesmos cari-
nhos que no dia precedente : « Então , filha ! disse-lhe ;
estaes hoje de tão mau humor como hontem ? Dir-me-heis
como passastes a noite ? » Guardou a princeza o mesmo si-
333
CONTOS ARABES 13
E
vir um dos cavallos destinados para a sua pessoa ; mon-
tou e foi ter ao palacio do sultão , no meio de uma nu-
merosa multidão de escravos que marchavam adiante, a
seus lados e em seu sequito. O sultão o recebeu com as
mesmas honras que da primeira vez ; abraçou- o, e de-
pois de mandal-o assentar a seu lado no seu throno, or-
denou que servissem o almoço . « Senhor, respondeu - lhe
Aladdin, supplico a vossa magestade que me dispense
hoje d'essa honra. Venho regar-lhe
Sta a de ir jantar ao pa-
nte
S
lacio da princeza , com grão-visir
; e, ecos osenhores
o cami-
1 sultão estaomgraça
EI
IS
da sua côrte » . Co- com
DR
Th
RE
gosto. Levanto"
nho não fosse né. Assim sahiu com
Aladdin á sua & á sua esquerda e os
senhores em seu edido pelos chaouses e pe-
los principaes offici sua casa.
Mais se chegava ultão ao palacio de Aladdin, mais
se admirava da sua belleza. Muito mais se admirou quan-
do entrou : pasmava a cada peça que via. Porém chega-
dos que foram ao salão de vinte e quatro janellas, onde
Aladdin o convidára a subir, tendo visto os ornamentos
e principalmente as sacadas, adornadas com diamantes,
rubins, esmeraldas e pedras todas perfeitas no seu tama-
nho proporcionado, e tendo-lhe Aladdin feito observar
que a riqueza era igual no exterior, ficou de tal modo
enlevado que se immobilisou . Depois de ter estado al-
gum tempo n'este estado : «< Visir, disse a este ministro,
que estava ao seu lado , é possivel que haja no meu
reino e tão perto do meu palacio, outro tão soberbo, e
que o ignorasse até agora? - Vossa magestade, repli-
cou o grão-visir, póde lembrar-se que antes d'hontem
concedeu a Aladdin, que acabava de reconhecer por seu
genro, a licença de edificar um palacio defronte do seu ;
no mesmo dia ao pôr do sol não havia ainda palacio
n'este sitio, e hontem fui o primeiro que tive a honra
de annunciar-lhe que estava feito e concluido. - Lembro-
me, replicou o sultão , porém nunca imaginaria que fos-
se este palacio uma das maravilhas do mundo . Onde se
acham em todo o universo palacios construidos com pi-
lares de ouro e prata maciça, em vez de pilares de pe-
CONTOS ARABES 39
B.L
CW VA.
SM.
não era menos habil que elle na arte magica ; póde -se
dizer que o excedia em maldade e artificios perniciosos .
Como não moravam sempre juntos ou na mesma ci-
dade , e algumas vezes um se achava ao levante , em
quanto o outro estava ao poente, cada um pelo seu
din, seu irmão mais moço, que tivera novas suas havia
um anno, e que não estava em Africa, mas n'um paiz
muito afastado, quiz saber em que lugar da terra esta-
va, como passava e o que n'elle fazia. Para qualquer
lugar que fosse , levava sempre comsigo o seu quadra-
do geomantico, assim como seu irmão. Péga no quadra-
do, dispõe a area, deita os pontos, tira d'elles as figuras,
e finalmente fórma o horoscopo . Correndo cada casa,
acha que seu irmão não estava já n'este mundo ; n'ou-
tra casa, que fora envenenado e que morrera repentina-
mente ; n'outra, que isto acontecêra na China ; n'outra ,
que fora n'uma capital da China , sita em tal lugar ; e ,
finalmente, que aquelle por quem fôra envenenado, era
homem de baixo nascimento, que casára com uma prin-
ceza, filha de um sultão .
Quando o magico soube qual fôra o triste destino de
seu irmão, não perdeu o tempo em pezares , que não
lhe teriam restituido a vida. Toma logo a resolução de
vingar a sua morte, monta a cavallo e mette -se a cami-
nho para a China. Atravessa planicies, rios, montanhas
e desertos ; e , depois de uma longa jornada, sem parar
em lugar algum, com fadigas incriveis, chegou final-
mente á China, e pouco tempo depois á capital que a
geomancia lhe indicára. Estando certo que não se enga-
nára e que não tomára um reino por outro , pára n'esta
capital e n'ella toma alojamento.
No dia seguinte ao da sua chegada sahe o magico ;
e, passeando pela cidade, não tanto para observar as
bellezas d'ella, que lhe eram mui indifferentes, como
na intenção de principiar a tomar medidas para a exe-
cução do seu intento pernicioso, introduziu-se nos luga-
res mais frequentados e ouviu o que se dizia . N'um lu-
gar onde se passava o tempo a jogar varios jogos e
onde em quanto uns jogavam outros conversavam , uns
ácerca das novidades e dos negocios do tempo , outros
ácerca de seus proprios negocios, ouviu que se entreti-
nham e que contavam maravilhas da virtude e da pie-
dade d'uma mulher retirada do mundo, chamada Fati-
ma, e de seus milagres tambem . Como lhe parecesse
que esta mulher podia ser-lhe util em alguma cousa no
76 AS MIL E UMA NOITES
parece ? Maз antes que vos mostre peça por peça, di-
zei-me em primeiro lugar o que pensaes d'este salão » .
A esta pergunta, a falsa Fatima, que para melhor
fazer o seu papel, affectára até então ter a cabeça bai-
xa sem a voltar para olhar para uma ou para outra
parte , ergueu-a finalmente, e correu o salão com os
olhos de uma para outra extremidade ; e depois de o ter
bem observado : « Princeza , disse ella, este salão é na
verdade admiravel, e de grande belleza . Tanto quanto
póde julgar uma solitaria, que não entende o que ha de
bello no mundo, parece-me que falta n'elle alguma cou-
sa. Que cousa, minha boa mãi ? replicou a princeza
Badroulboudour. Dizei-m'o , pelo amor de Deus. Quanto
a mim, pareceu-me, e ouvi dizel-o assim, que não fal-
tava nada ; se n'elle falta alguma cousa, eu saberei pro-
cural-a. T « Princeza, replicou a falsa Fatima com grande
dissimulação, perdoai-me a liberdade que tomo ; o meu
parecer, se póde ser de alguma importancia, seria, que
se no alto, ou no meio d'este zimborio, houvesse um
ovo de rochedo suspenso, não haveria outro salão igual
nas quatro partes do mundo , e seria o vosso palacio a
maravilha do universo . Boa mãi , perguntou a prince-
za, que passaro é esse chamado rochedo e onde poderia
achar- se um ovo d'esses ? — Princeza, respondeu a falsa
Fatima, é passaro de grandeza prodigiosa, que habita
no mais alto do monte Caucaso, e o architecto de vos-
so palacio póde alcançar- vos um ».
Depois de ter agradecido á falsa Fatima o seu bom
parecer, ao que lhe parecia, a princeza Badroulboudour
continuou a entreter- se com ella sobre outros assumptos,
mas não se esqueceu do ovo de rochedo, do qual espe-
rava fallar a Aladdin logo que voltasse da caça. Havia
seis dias que partira, e o magico , que não o ignorava ,
quiz aproveitar-se da sua ausencia. Voltou no mesmo
dia pela tarde, quando a falsa Fatima acabava de des-
pedir-se da princeza , e se recolhia ao seu quarto .
Chegando, subiu ao quarto da princeza, que tinha en-
trado n'elle havia um instante ; saudou -a, e abraçou-a ;
mas pareceu-lhe que o recebia com alguma indifferença .
« Princeza, disse elle, não acho em vós a mesma alegria
TOMO IV . 6
82 AS MIL E UMA NOITES
a er pegou no diamante ,
xas >>En. trou a judia , e minh mulh
vi st o e
qu fi na lm en te er um di ante de grande singu-
a am
-
laridade . Estava ainda sobre a chaminé , e apresentando
lh'o : < « Vêde , disse ella, é um pedaço de vidro , a causa
de toda a bulha que ouvistes hontem á noite ». Em
quanto a judia , que tinha conhecimento de todas as es-
pecies de pedras , examinava este diamante com admira-
ção , contou -lhe como o achára na barriga do peixe , e
lhesApaju
ra a , uiob
diaq alga
etri da a retirar-se , sahiu ; e antes de
-os.
largar minha mulher , que a acompanhára até á porta,
rogou-lhe , fallando em voz baixa , se tinha intento de
vender o pedaço de vidro , que não o mostrasse a nin-
guem sem primeiro dar -lhe parte a ella .
Tinha o judeu ido á sua loja pela manhã cedo no
Lí foi tar com elle a judia, e annun-
CONTOS ARABES 139
ções que vos devo , sei o que vos é devido ; supplico- vos
que não me cubraes mais largo tempo de confusão » . To-
maram o assento que lhes era devido, e tomei o meu
defronte d'elles.
Principiando então Saadi a fallar, e dirigindo- me a
falla : « Cogia Hassan, disse elle, não posso expressar
quanta alegria tenho de vêr-vos quasi no estado que de-
sejava quando vos fiz presente, sem lançar- vol-o em ros-
to , das duzentas peças d'ouro , tanto da primeira como da
segunda vez, e estou persuadido que as quatrocentas pe-
ças d'ouro fizeram em vós a mudança maravilhosa de
vossa fortuna, que com gosto vejo . Uma unica cousa me
penalisa, é que não comprehendo a razão que tivestes
para encobrir-me a verdade duas vezes , allegando perdas
acontecidas por contratempos, que me pareceram, e que
me parecem ainda incriveis . Não se diria que quando nos
vimos a ultima vez, tinheis adiantado tão pouco os vos-
sos pequenos negocios, tanto com as duzentas primei-
ras peças d'ouro , como com as duzentas ultimas, que ti-
vestes pejo de confessal-o . Quero crêl-o assim e espe-
ro que me confirmareis na minha opinião »> .
Ouviu Saad este discurso de Saddi com grande impa-
ciencia, para não dizer indignação , e o manifestou com
os olhos baixos, meneando a cabeça . Deixou-o fallar to-
davia até acabar, sem abrir a bocca. Tendo acabado :
<< Saadi, replicou elle, perdoai, se antes que Cogia Hassan
vos responda, eu me antecipe a elle, para dizer-vos que
admiro a vossa prevenção, contra a sua sinceridade, e
que persistaes em não querer dar credito ás seguranças
que vos dava d'antes. Já vos disse, e vol -o repito , que
eu lhe dei logo credito com a simples narração dos
dous accidentes que lhe aconteceram ; e por mais que
possaes dizer, estou persuadido que são verdadeiros.
Mas deixemol-o fallar ; seremos em breve informados por
elle mesmo de qual de nós ambos lhe faz justiça » .
Ouvindo as palavras dos dous amigos, principiei a
fallar, e dirigindo-lhes a falla igualmente : « Senhores,
disse-lhes, condemnar-me-hia a um silencio perpetuo
ácerca da explicação que me pedis , se não estivesse certo
que a disputa que tendes a meu respeito, não é capaz
CONTOS ARABES 145
que havia não largos annos, mas sim seculos, que esta
gruta servia de retiro a ladrões, que tinham succedido
uns aos outros .
Resolveu logo Ali Baba ácerca do partido que devia
tomar ; entrou na gruta, e tendo entrado ; fechou -se a
porta ; isto não o assustou, sabia o segredo de abril -a.
Não se occupou com a prata, mas com o ouro amoedado ,
156 AS MIL E UMA NOITES
Ali Baba é-o muito mais que vós ; não conta o seu ouro
como vós, mede-o » . Pediu a explicação d'este enigma,
e ella lh'o explicou , informando-o do meio de que se va-
lêra para fazer este descobrimento, e mostrou- lhe a moe-
da que achára pegada por baixo da medida ; moeda tão
antiga, que o nome do principe n'ella aberto, lhe era
desconhecido.
Longe de ser sensivel á felicidade que podia ter
acontecido a seu irmão, para tirar-se da miseria, conce-
beu Cassim uma inveja mortal. Passou quasi a noite sem
dormir. Foi no dia seguinte a casa d'elle , antes do nascer
do sol . Não o tratou por irmão ; tinha-se esquecido d'es-
se nome desde que casára com a viuva rica. « Ali Baba,
disse, chegando -se a elle ; sois bem circumspecto nos
vossos negocios ; fingis ser pobre, miseravel, mendigo , e
tendes ouro ás medidas . Irmão , replicou Ali Baba, não
-
sei de que quereis fallar-me, explicai - vos . Não finjaes
ignorar», replicou Cassim ; e mostrando-lhe a moeda d'ou-
ro que sua mulher lhe mettêra nas mãos : « Quantas moe-
das tendes , acrescentou elle, semelhante a esta, que mi-
nha mulher achou pegada por baixo da medida , que a vos-
sa lhe pediu emprestada hontem ?» >
A estas palavras Ali Baba conheceu que Cassim e
sua mulher (por teima de sua propria mulher) sabiam
já o que tinha tanto interesse em occultar, porém o er-
ro estava já feito ; não podia reparar- se . Sem dar a seu
irmão a menor demonstração de pasmo, confessou - lhe
a cousa, e contou-lhe por que acaso descobrira o re-
tiro dos ladrões , e em que sitio ; e offereceu-lhe , se qui-
zesse guardar segredo, dar-lhe parte do thesouro .
« Assim o pretendo, replicou Cassim, em tom orgu-
lhoso ; mas, acrescentou elle , quero saber tambem onde
está precisamente esse thesouro, os indicios, os signaes,
e como poderia eu mesmo entrar n'elle , se quizesse ; se-
não vou denunciar-vos á justiça . Se o recusaes , não só
não tereis mais nada que esperar d'elle , mas perdereis o
que roubastes, uma vez que terei a minha parte por vos
ter denunciado » .
Ali Baba, mais pela sua boa indole do que por medo
das ameaças insolentes d'um irmão barbaro, informou-o
CONTOS ARABES
159
completamente do que desejava
, e tambem das palavras
de que devia servir-se , tanto para entrar na gruta co-
mo para sahir d'ella.
Mais não pediu Cassim a Ali Baba ; deixou -o , resolvi-
do a prevenil -o : e cheio de esperança de apoderar-se do
thesouro, elle só , parte no dia seguinte ao raiar da au-
rora, com dez machos carregados de grandes bahús, que
se propôz encher, reservando -se para levar maior nume-
ro n'uma segunda viagem , á proporção das cargas que
achasse na gruta. Toma o caminho que Ali Baba lhe en-
sinára ; chega perto do rochedo e reconhece os signaes,
e a arvore, sobre a qual se escondera Ali Baba. Busca
á porta, acha-a ; e para fazel-a abrir, pronunciou as
palavras Sesamo, abre-te . Abre-se a porta , entra, e
torna-se a fechar . Examinando a gruta, admirou-se em
éxtremo , vendo muito mais riquezas do que entendera
haveria pela narração de Ali Baba , e a sua admiração
augmentou á proporção que examinou cada cousa em
particular. Avarento, e amador de riquezas como era, te-
ria passado o dia saciar os olhos com a vista de tanto
ouro, se não se lembrasse que viera para roubal - o, e para
carregar com elle os seus dez machos ; péga n'um nu-
mero de saccos quantos pôde levar, e indo á porta para
fazel-a abrir, cheio o espirito de outras idéas diversas
do que mais lhe importava , succede que lhe esquece a
palavra necessaria ; em vez de Sesamo, disse : Ceva-
da, abre-te - e admirou -se muito de vêr que a porta ,
longe de abrir-se, ficou fechada. Nomeia outros muitos
nomes de grãos , que não eram o de que precisava, e
não se abre a porta .
Não esperava Cassim este acontecimento . Com o gran-
de per igo em que se vê, fica perplexo , e quantos mais
esforços faz para recordar-se da palavra Sesamo , mais
confunde a sua lembrança , e d'ella fica absolutamente ex-
cluido como se nunca ouvisse fallar d'ella . Lança ao chão
os saccos com que estava carregado, passeia a passos
agigantados pela gruta, ora para um, ora para outro la-
do ; e todas as riquezas , de que se via cercado, não o
interessam já . Deixemos Cassim chorando a sua sorte ;
não merece compaixão .
160 AS MIL E UMA NOITES
HISTORIA
premeditada.pe
O princi e a princeza levantaram -se finalmente da
mesa ; a princeza levou o principe da Persia para um
gabinete espaçoso e magnifico , pela sua construcção e
pelo ouro e azul que o aformoseavam , com symetria , e
ricamente mobilado . Assentaram -se no sophá , que tinha
uma vista muito agradavel para o jardim do palacio , que
foi admirado pelo principe Firouz Schah , pela variedade
das flores , dos arbustos e das arvores , todas diversas das
da Persia , ás quaes não cediam em belleza ; tomando oc-
casião de entrar em conversação com a princeza sobre
esta materia . « Princeza , disse elle , pareceu -me que não
havia no mundo senão a Persia onde houvesse palacios
soberbos e jardins admiraveis , dignos da magestade dos
reis ; bem vejo porém que por toda a parte onde ha
grandes reis, sabem mandar construir para si moradas
convenientes á sua grandeza e ao seu poder ; e se ha
differença no modo de construir e nas dependencias , as-
semelham-se na grandeza e na magnificencia . - Princi-
pe, replicou a princeza de Bengala , como não tenho idéa
alguma dos palacios da Persia , não posso ajuizar ácerca
da comparação que d'elle fazeis com o meu, para dizer-
vos o meu parecer . Mas por mais sincero que possaes
ser, custa-me a persuadir -me que seja justo . Permittir-
me-heis que creia que a complacencia tenha n'ella mui-
ta parte. Não quero todavia desprezar o meu palacio na
vossa presença ; tendes muito bons olhos e muito bom
gosto para não julgardes bem, mas asseguro -vos que o
acho muito mediocre quando o ponho em parallelo com
o do rei meu pai, que o excede infinitamente em gran-
deza , em belleza e em riquezas . Dir-me-heis vós mesmo
o que pensaes a este respeito , depois de o terdes exa-
minado . Visto que o acaso vos trouxe até á capital d'es-
te reino, não duvido que desejeis vêl-o, e comprimen-
tar o rei meu pai , para que elle faça as honras devidas
a um principe da vossa ordem e do vosso merecimen-
to ».
Fazendo lembrar ao principe da Persia a curiosidade
CONTOS ARABES 229
HISTORIA
www ww
༩ ༣ང་
LAKATE
var que até agora, certo que me amaveis, não vos pedi
favor algum. Depois da posse d'uma esposa tão ama-
vel, que mais poderia eu desejar ? Não ignoro toda-
via qual é o vosso poder, mas tinha resolvido evitar ex-
perimental-o. Considerai pois, senhora, que não sou eu,
mas o sultão meu pai, que vos pede indiscretamente, se-
gundo me parece, um pavilhão que o abrigue dos effei-
tos do tempo, quando esteja em campanha, elle , toda a
sua côrte e todo o seu exercito , e que caiba n'uma mão ;
ainda uma vez, não sou eu , é o sultão meu pai quem
vos pede esta graça. - Principe, replicou a fada sorrin-
do-se, sinto que tão pouca cousa vos causasse o embara-
ço e o tormento de espirito que mostraes ter. Bem vejo
que duas cousas contribuiram para isso, uma é a lei
que vós vos impuzestes em contentar- vos com amar e
ser amado, e em abster-vos da liberdade de pedir-
me a mais leve cousa para ensaiar o meu poder . A ou-
tra, de que não duvido por mais que possaes dizer, é
que vós imaginastes que o que exigiu o sultão vosso
pai que me pedisseis , era superior a esse poder. Quan-
to á primeira, louvo -vos e amar- vos-hia ainda mais , se
fosse possivel. Quanto à segunda não terei trabalho al-
gum em dar-vos a conhecer que o que o sultão me
pede é uma bagatella, e quando se offerecer occasião,
posso fazer cousas muito mais difficultosas . Tende pois o
espirito socegado , e persuadi -vos que bem longe de im-
portunar-me, terei sempre grande gosto em conceder-
vos tudo o que puderdes desejar que faça a vosso res-
peito >> .
Acabando, pediu a fada que lhe chamassem a sua
thesoureira. Veio a thesoureira : « Nourgihan, disse a fa-
da este era o nome da thesoureira — traze- me o maior
pavilhão que haja no meu thesouro » . Voltou Nourgihan
passado pouco tempo, trazendo um pavilhão, que não
só cabia na mão, mas que a mão podia esconder fechan-
do-a, e o apresentou á fada sua ama, que pegou n'elle,
e o pôz nas mãos do principe Ahmed para que o exami-
nasse.
.
Tendo o principe Ahmed visto o que a fada Pari-Ba-
nou chamava um pavilhão , o maior pavilhão, dizia ella,
CONTOS ARABES 305
HISTORIA
jar a morte mais d'uma vez cada dia. Que lhe armem
uma barraquinha de madeira á porta da principal mes-
quita, com uma fresta sempre aberta ; que a fechem n'el-
la com um vestido dos mais grosseiros , e que cada mu-
sulmano que fôr á mesquita fazer a sua oração, ao pas-
sar lhe cuspa na cara ; se algum faltar a esta obrigação,
quero que seja exposto ao mesmo castigo ; e para que
seja obedecido, a vós , visir, ordeno que para lá mandeis
guardas ».
O tom com que o sultão pronunciou esta ultima sen-
tença, tapou a bocca ao grão-visir. Foi a barraquinha
construida e acabada, e a sultana, na verdade digna de
compaixão, foi n'ella encerrada como o sultão ordenára,
e exposta ignominiosamente ás risadas, e ao desprezo de
todo o povo ; tratamento todavia que não merecera e
que supportou com uma constancia que lhe grangeou a
admiração e ao mesmo tempo a compaixão de todos os
que julgavam das cousas mais ajuizadamente que o vulgo.
Foram os dous principes e a princeza criados e edu-
cados pelo intendente dos jardins e sua mulher, com a
ternura de pai e de mãi ; esta ternura augmentava á pro-
porção que elles iam crescendo , pelos signaes de gran-
deza que se observavam tanto na princeza como nos
principes, e principalmente pela grande belleza da prin-
ceza, que se desenvolvia de dia em dia, pela sua docili-
dade, pelas suas boas inclinações bem diversas das dos
filhos da gente ordinaria, e por um certo ar que não po-
dia convir senão a principes , e a princezas . Para distin-
guir os dous principes segundo a ordem do seu nasci-
mento, deram ao primeiro o nome de Bahman e de Per-
viz ao segundo, nomes que tiveram uns antigos reis da
Persia. Á princeza deram o de Parizada, nome que tive-
ram tambem algumas rainhas e princezas .
Estando os principes em idade competente , deu-lhes
o intendente dos jardins um mestre para lhes ensinar a
lêr e a escrever . A princeza , que assistia ás lições que
davam aos seus irmãos, mostrou ter tanta vontade de
aprender a ler e a escrever, ainda que mais joven que
elles, que o intendente dos jardins, enlevado com esta
inclinação, lhe deu o mesmo mestre. Cheia de emulação
326 AS MIL E UMA NOITES
hiam -lhe até aos pés. Tinha as unhas das mãos e dos
pés d'um comprimento excessivo ; trazia uma especie de
chapéo chato e muito largo, que lhe cobria a cabeça em
-
que ardo em desejos de possuil-as . Senhora, replicou
o derviche, disseram- vos a verdade ; essas tres cousas
são ainda mais maravilhosas e mais singulares do que
vol-as pintaram, mas encobriram-vos as difficuldades que
ha a vencer para poder alcançal - as. Não vos terieis em-
penhado n'uma empresa tão trabalhosa e tão perigosa,
se vos tivessem informado bem d'ella . Crede - me , não pas-
seis mais adiante, retrocedei e não espereis que queira
contribuir para a vossa ruina. -- Bom derviche , replicou
a princeza, venho de longe e sentiria muito voltar para
minha casa sem ter executado o meu plano . Fallaes -me
das difficuldades e do perigo de perder a vida, mas não
me declaraes quaes sejam essas difficuldades e em que
consistem esses perigos ; é o que desejaria saber para
consultar commigo, e vêr se podia ter ou não confiança
na minha resolução, na minha coragem e nas minhas
forças ».
Repetiu então o derviche á princeza Parizada a mes-
ma falla que fizera aos principe Bahman e Perviz, exa-
gerando-lhe as difficuldades de subir até ao cume da
montanha, onde estava o passaro na sua gaiola, do qual
era difficil apossar -se , depois do que daria o passaro no-
ticia da arvore e da agua amarella ; a bulha e a algazar-
ra das vozes ameaçadoras e horrendas que se ouviam de
todos os lados , sem vér ninguem, e finalmente a quan-
tidade de pedras negras, objecto que só era capaz de
causar espanto a ella e a qualquer outro, quando sou-
besse que essas pedras eram outros tantos cavalleiros va-
lentes, que foram tambem convertidos n'ellas, por não
terem observado a principal condição para serem bem
succedidos n'esta empresa, e que consistia em não vol-
tar-se para olhar para traz, sem primeiro ter-se apossado
da gaiola .
Tendo o derviche acabado de fallar : « Pelas vossas
palavras, replicou a princeza, vejo que a grande difficul-
dade para ter bom exito n'este negocio é, em primeiro
lugar, subir até á gaiola, sem assustar -se da algazarra das
yozes que se ouvem sem vér ninguem ; e , em segundo
D ultima condi-
CONTOS ARABES 347
ww
w
ABL
PAበ .
Alexandre Dumas
Aygualz d'Izco
Maria hespanhola ou a victima Marqueza de Bella-Flor ou o me
d'um frade. 2 vol ..... 15000 nino engeitado . 2 vol... 1500
ROMANCES DE ESCRICH
Os anjos da terra. 5 vol. 2 $500 Por bem fazer ... 500
Contos. 6 vol..... 2 $300 A prosa da gloria... 500
O pão dos pobres. 3 vol. 1
1 $$500
500 Quem tudo quer.. 400
Os amores dos amores . 3 v. 25000 Rico e pobre.... 500
O amigo intimo .. 400 Tal arvore tal fructo... 500
O piano de Clara.. 500 Um filho do povo.... 3003
As culpas dos paes.. 300 O violino do diabo ... 400
Gondrecourt Julio Lermina
Os Invejosos. 2 vol...... 1$200 { Os Lobos de Paris. 3 vol . 1 $500
Ponson du Terrail
O Sem-Ventura. 2 vol.... 18200 Memorias d'uma viuva. 2
Os amores d'Aurora. 2 v. 18000 vol....... 13000
O rei dos bohemios . 2 v. 18000 A mocidade do rei Hen-
A corda do enforcado. 2 v. 18000 rique. 2 vol...... 900
O ferreiro da abbadia. 2 v. 1,8000 O armeiro de Milão ..... 500
Justiça dos bohemios . 2 v. 18000 A vingança da baroneza. 500
Porto: 1881 - Typ. de A. J. da Silva Teixeira, Cancella Velha, 62
Û
!
THE BORROWER WILL BE CHARGED
AN OVERDUE FEE IF THIS BOOK IS NOT
RETURNED TO THE LIBRARY ON OR
BEFORE THE LAST DATE STAMPED
BELOW. NON- RECEIPT OF OVERDUE
NOTICES DOES NOT EXEMPT THE
BORROWER FROM OVERDUE FEES.
Wi