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Rio de Janeiro
2014
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Rio de Janeiro
2014
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AGRADECIMENTOS
Agradeço, em primeiro lugar, a minha mulher, Joana Penna, pelo apoio afetivo e efetivo
nos diversos momentos de dificuldade e de labuta.
RESUMO
Palavras-chave:
ABSTRACT
Keywords:
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 7
3 TRABALHO DE CAMPO 38
3.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 38
3.1.1 NOTAS SOBRE A EDIÇÃO DIALÓGICA 41
3.2 O SURGIMENTO DO GRUPO: MOVIMENTO JOVEM POR UMA
MÚSICA BRASILEIRA FORA DO CONTEXTO HEGEMÔNICO 44
3.3 NOÇÕES DE PROFISSIONALISMO E RELAÇÃO COM A INDÚSTRIA
CULTURAL 50
3.3.1 MUDANÇAS INICIAIS NO GRUPO 51
3.3.2 RELAÇÃO COM O MERCADO 58
3.3.3 ALGUMAS CONCLUSÕES 72
3.4 PERFORMANCE PARTICIPATIVA VERSUS PERFORMANCE DE
APRESENTAÇÃO 73
3.4.1 APRESENTAÇÃO DAS CATEGORIAS E BREVE HISTÓRICO DOS
TIPOS DE EXIBIÇÃO DO BOITATÁ 73
3.4.2 TRABALHO DE CAMPO NO SHOW DO PALCO DA PRAÇA XV 84
3.4.3 TRABALHO DE CAMPO NO BLOCO DE RUA 89
3.4.4 ENTENDIMENTO DO ESQUEMA DE TURINO PELO CORDÃO DO
BOITATÁ 94
3.5 NOÇÕES DE RESGATE, TRADIÇÃO E MUDANÇA 97
3.6 IDEIA IMAGINADA DE BRASIL 102
3.7 RETRATOS DE CAMPO 107
3.7.1 RETRATO 1 – CORTEJO DE 2014 107
3.7.2 RETRATO 2 – PALCO NA LAPA 111
3.7.3 RETRATO 3 – FIM DE FESTA NA RUA 112
INTRODUÇÃO
1
Este termo, que tem origem no trabalho do etnomusicólogo Steve Feld, Sound and Sentiment: Birds,
Weeping, Poetics, and Song in Kaluli Expression (1992), refere-se a uma metodologia que prevê a volta
do material escrito pelo pesquisador ao grupo com o qual se fez a pesquisa. Para um detalhamento deste
processo no presente trabalho, ver subcapítulo 3.1.1.
2
As assunções iniciais articuladas a outras de mesmo teor que aparecerão no decorrer do texto, bem como
a forma de expô-las, na primeira pessoa do singular, se colocam como parte de um empenho em
problematizar a posição do pesquisador e sua escrita, fugindo de uma construção onisciente e heroica de
narração. Essas posturas, pretende-se, permearão toda a pesquisa.
3
O grupo em questão, denominado Exalta Rei, foi concebido como uma homenagem ao compositor e
intérprete popular Roberto Carlos. O repertório era composto por canções de Roberto em versões
carnavalescas. Entre 2009 e 2012 exerci as funções de cantor e arranjador, além de participar das decisões
8
de produção. Nota-se que os criadores do bloco, que deu origem à banda, acabaram se afastando desta,
pois não queriam associar seu carnaval a um projeto comercial de venda de shows.
4
É preciso notar que o Cordão do Boitatá não é somente um bloco de carnaval. Os depoimentos falam
algumas vezes sobre o fato de que a festa carnavalesca é apenas um dos lugares onde o grupo atua. Não
obstante, há neste trabalho certa ênfase na nas apresentações realizadas durante o carnaval. Contribuem,
para tanto, o fato de que, durante o período de pesquisa em campo, nenhum show foi realizado fora do
contexto carnavalesco; e também o número de menções feitas pelos próprios integrantes e ex-intgrantes
ao bloco e ao show que acontecem nesses festejos.
5
Esta afirmação serve menos para negar possíveis influências de outras áreas, que indicar e enfatizar
certa ênfase em determinado diálogo interdisciplinar. Como afirma Pelinski, “seria uma simplificação
pensar que Etnomusicologia foi concebida em um casamento monogâmico entre musicologia e
antropologia (...) A complexidade do contexto intelectual em que, no final do século passado [XIX],
nasceu a Etnomusicologia como disciplina acadêmica independente (...) se manifesta em sua gestação,
onde participaram, em diferentes graus, estímulos tão diversos como a psicologia, o positivismo, a
filosofia fenomenológica, o exotismo, o colonialismo, a acústica, a invenção do fonógrafo, etc.”
(PELINSKI, 2000, p. 23-24).
9
6
Nota-se que mesmo a clássica solução metodológica de Malinowski sofreu e sofre questionamentos
quanto à sua pertinência no contexto das pesquisas contemporâneas (ver ARAUJO, 2009).
7
O surgimento desse tipo de organização urbana deve ser entendido como consequência do processo da
Revolução Industrial (VELHO, 1987). Neste contexto histórico, surge então uma cidade “cuja
complexidade está fundamentalmente ligada a uma acentuada divisão social do trabalho, a um espantoso
aumento da produção e do consumo, à articulação de um mercado mundial e a um rápido e violento
processo de crescimento urbano” (VELHO, 1987, p. 17).
8
Segundo Peirano, podemos entender os estudos realizados “em casa” como uma derivação da
problematização da postura antropológica, na década de 1960. O estudo de sociedades tidas como
“primitivas” era questionado por um discurso que buscava enfatizar as relações de poder e dominação que
os pesquisadores das metrópoles primeiro-mundistas mantinham com as colônias. Assim, nativos
começavam a deixar de ser “primitivos” para se transformaram em “outros”. Outros termos tais como
“indigenous anthropology”, “insider anthropology”, “repatriated anthropology” também são utilizados
para demarcar a transformação da noção de alteridade na disciplina antropológica (ver PEIRANO, 2006).
9
Mesmo considerando os estudos precursores feitos na cidade de São Paulo sob a influência de Donald
Pierson (advindo da Escola de Chicago) nas décadas de 1940 e 1950 (ver MENDOZA, 2005), entende-se
que foi na década de 1970 que “de modo mais sistemático, se incorporou a cidade ao campo da
investigação antropológica” no Brasil (VELHO, 2003, p. 11).
10
10
A musicóloga Maria Alice Volpe, analisando “os motivos para o relativo isolamento da musicologia
brasileira, [e] seu diálogo precário com as demais disciplinas” (VOLPE, 2007, p. 108), reconhece que o
campo da etnomusicologia é mais “sensível a mudanças paradigmáticas de suas disciplinas referenciais,
graças à aproximação aos campos da antropologia” (Idem, p. 109).
15
seu aluno e crítico, Oscar Lewis), qual seja, a abordagem metodológica em que o objeto
de estudo, os Outros, eram “paternalisticamente retratados como portadores de uma
cultura diferente da nossa” (OLIVEN, 1980, p. 25). O contexto deste posicionamento,
ainda segundo Oliven, é a “oposição culturalista entre o moderno e o tradicional”, uma
dicotomia que estava na base da ideia de diferenciação entre campo e cidade11. No
Brasil e na América Latina, Oliven vê “sociedades de desenvolvimento capitalista tardio
e dependente, onde o tradicional se articula com o moderno e nas quais o
desenvolvimento se dá sob forma desigual e combinada” (Idem, p. 30-31). A partir
desta assunção, o autor defende a superação desta dicotomia.
Quanto à abordagem metodológica em estudos realizados em cidades, Oliven
defende o engajamento do pesquisador na tentativa de explicar as condições que geram
a reprodução das relações de dominação, afirmando que
11
Ideias como a do continuum entre campo e cidade de Robert Redfield (REDFIELD, 1947) ou visões
essencialistas de cidade, como a de Louis Wirth (WIRTH, 1967) já foram criticadas ou até mesmo tidas
como superadas dentro do debate antropológico (ver HANNERZ, 1980).
17
12
Invertendo a afirmação de Vincenzo Cambria, “para que um ‘nós’ possa ser definido, é necessário que
os ‘outros’ o sejam também” (CAMBRIA, 2008), eu diria que o oposto também é verdadeiro: para que os
"outros" possam ser definidos, é necessário que um "nós" o seja também.
18
plano geográfico, mas também sociocultural, fazendo com que haja menos diferenças
que semelhanças entre as partes. Analisando o grupo Cordão do Boitatá, realizei uma
pesquisa onde Eu e os “Outros” moram na mesma cidade, são de classes sociais
semelhantes, têm vida profissional ligada à música popular, laços afetivos e
profissionais ligados ao carnaval de rua, e até mesmo, em um dos casos, vivência
acadêmica semelhante.
Esta proximidade sociocultural entre o grupo e o pesquisador pode ser encarada
como uma vantagem, por tornar o diálogo e a interação mais fluidos, dada facilidade de
entendimento gerada pela utilização dos mesmos códigos linguísticos (e corporais, de
vestuário, musicais, etc.). Mas, ao mesmo tempo, é um fator que poderia gerar
questionamentos quanto à perda de objetividade, dada a dificuldade de distanciamento
do pesquisador13. Como identificar singularidades nos hábitos dos integrantes do
Cordão do Boitatá se estes também são parte da rotina do pesquisador? Como não se
deixar influenciar por ideias preconcebidas a respeito de costumes já arraigados no
pesquisador e no grupo em que se realiza a pesquisa?
Uma resposta inicial aqui utilizada foi colocar em prática as fórmulas concebidas
pelo antropólogo Roberto Da Matta: “(a) transformar o exótico no familiar e/ou (b)
transformar o familiar em exótico” (DA MATTA, 1978, p. 28)14. Além disso, foi feito
um esforço na tentativa de explicitar e problematizar a posição do pesquisador,
assumindo posturas e suas consequências.
Faz-se necessário, ainda, reconhecer que o conhecimento sempre será limitado
por uma “experiência” específica. O termo “experiência” é entendido aqui da forma
como foi exposto por James Clifford (tendo como referência o trabalho de Wilhelm
Dilthey): “um terreno intersubjetivo para formas objetivas de conhecimento”, onde a
“'esfera comum' (...) deve ser estabelecida e restabelecida, a partir da construção de um
mundo de experiências partilhadas, em relação ao qual todos os ‘fatos’, ‘textos’,
13
Durham argumenta que, em um cenário onde a língua não constitui barreira, “a comunicação
puramente verbal predomina, ofuscando a observação do comportamento manifesto” (DURHAM, 1986,
p. 26).
14
A ênfase, no presente trabalho, por conta da localização entre a alteridade próxima e a alteridade
mínima, será, obviamente, na fórmula b descrita por Da Matta. Ainda segundo ele, é preciso “tirar a capa
de membro de uma classe e de um grupo social específico para poder – como etnólogo – estranhar
alguma regra social familiar e assim descobrir (ou recolocar, com fazem as crianças quando perguntam os
“porquês”) o exótico no que está petrificado dentro de nós pela reificação e pelos mecanismos de
legitimação” (DA MATTA, 1978, p. 28-29). Seguindo a mesma linha de raciocínio de estranhamento do
familiar proposta por Da Matta, Oliven dirá que “um dos principais desafios do antropólogo que pesquisa
sociedades complexas reside justamente em procurar interpretar a sua própria cultura e questionar seus
pressupostos que são frequentemente aceitos como dados inquestionáveis pela maioria da população em
geral e mesmo por vários pesquisadores” (OLIVEN, 1980, p. 34).
19
‘eventos’ e suas interpretações serão construídos” (CLIFFORD, 2008, p. 34). Com isso
quero dizer que me afasto da ideia de autoridade experiencial ligada ao positivismo,
como a malinowskiana, por exemplo, para seguir um caminho hermenêutico.
Observa-se assim uma relação íntima entre a experiência e interpretação.
Gilberto Velho, enfocando a questão da interpretação no trabalho antropológico, cita
Clifford Geertz para defender a visão de que o “conhecimento da vida social sempre
implica em um grau de subjetividade e que, portanto, tem um caráter aproximativo e
não definitivo” (VELHO, 1978, p. 129). Segundo Velho, para além da dicotomia entre
familiar ou exótico proposta por Da Matta, há uma subjetividade (ou objetividade
relativa) imanente:
que, estando afetada, se coloca “no lugar do nativo, agitada pelas ‘sensações,
percepções e pelos pensamentos’ de quem ocupa um lugar no sistema da feitiçaria”
(Idem p. 160), mas que, ainda assim, é incapaz de instruir-se sobre como os outros são
afetados. O que acontece, segundo Favret-Saada é a abertura de uma comunicação
específica, “sempre involuntária e desprovida de intencionalidade” (Idem p. 159).
Reconhecendo que, com esta espécie de participação, o trabalho de campo corre
o risco de se tornar uma aventura pessoal, mas optando, ainda assim, por não manter-se
à distância, a pesquisadora questiona certa linha de pensamento antropológica,
“acantonada no estudo dos aspectos intelectuais da experiência humana, nas produções
culturais do ‘entendimento’” (FAVRET-SAADA, 2005, p. 155).
Entendo ser pertinente enxergar o “ser afetado” de Favret-Saada como análogo
ao “ser afetado” pela amizade do qual tratarei adiante. Considera-se assim a abertura à
amizade menos como uma ferramenta metodológica a ser utilizada e mais como uma
possibilidade de experiência produtora de canais de comunicação não necessariamente
objetivos – ou como “uma espécie particular de objetividade” (Idem, p. 160). Os laços
afetivos da amizade funcionariam, assim, de maneira correlata à afetação da feitiçaria.
Darei atenção agora ao laço de amizade, ressaltando que este pode sim ser
utilizado como postura metodológica16, funcionando, por um lado, como forma de
abertura de um canal de comunicação e, por outro, como elemento integrante e
instigante de uma postura ética em um trabalho que almeja estabelecer uma parceria
entre as partes, como será analisado adiante. Para tanto, foi feito um levantamento
bibliográfico, no campo da etnomusicologia e das ciências sociais em geral, a respeito
do tema.
Em primeiro lugar faz-se necessário notar, para a análise da literatura feita em
língua inglesa, que a palavra (de origem francesa) rapport é comumente utilizada para
tratar da afinidade entre quem pesquisa e quem é pesquisado. Esta, no entanto, não deve
ser entendida como sinônimo de friendship (amizade). Entre os tipos de relacionamento,
rapport e friendship, nota-se uma gradação: há uma ligação mais forte entre as partes
16
Utilizo aqui a expressão postura metodológica para evitar o emprego de outra: ferramenta
metodológica. Nota-se que a palavra ferramenta poderia sugerir que há alguma manipulação para
obtenção de determinado objetivo de pesquisa. Considera-se aqui que a imposição ou mesmo a
premeditação da amizade não seriam posturas éticas cabíveis. A questão será analisada à frente.
21
nesse que naquele. Traduzirei rapport como empatia ou relacionamento empático neste
trabalho17.
Para um entendimento da diferença entre os termos, no contexto das ciências
sociais, pode-se observar a abordagem da antropóloga norte-americana Corrine Glesne,
em seu livro “Becoming Qulitative Researchers” (1999). A autora distingue amizade
(friendship) de empatia (rapport) apontando para o fato de que “a amizade significa um
gostar mútuo, um afeto, e implica uma sensação de intimidade e ligação mútua. (...) Os
laços caracterizados pela empatia são marcados pela confiança e segurança, mas não
necessariamente pelo gostar” (GLESNE, 1999, p. 96).
Por esta definição, o relacionamento empático, quando optado em detrimento da
amizade, apresenta-se como uma barreira ao gostar. Nota-se que Glesne, embora
reconheça a existência de relações de amizade em diversos relatos etnográficos, assume
postura favorável apenas à empatia, enumerando problemas que os laços de amizade
entre pesquisador e pesquisado podem trazer à pesquisa18. Assim, um corolário da
acepção da autora para os relacionamentos no trabalho de campo seria o fato de que os
afetos, em alguma medida, devem ser recalcados para que não se transforme empatia
em amizade. Mas por que se evitaria o gostar? Por que evitar a amizade?
Há na literatura críticas ao relacionamento estreito entre os atores presentes no
trabalho de campo (GOLD, 1958; MILLER, 1952; GLESNE, 1999), referindo-se
basicamente ao risco que laços afetivos, como a amizade, podem trazer à objetividade
da coleta e análise dos dados. Assim, são utilizados termos como over-rapport
(relacionamento empático exagerado) ou over-identification (MILLER, 1952, p. 97-98)
para contestar a proximidade entre as partes presentes em campo, causadoras de perda
de objetividade na pesquisa. No artigo de Gold, utiliza-se ainda a expressão go native
(tornar-se nativo) (GOLD, 1958, p. 220) para afirmar que proximidade entre
pesquisador e grupo pesquisado traz o problema de se pensar a pesquisa em termos
“nativos”.
Pode-se afirmar que as críticas aos laços afetivos entre pesquisador e grupo,
acima retratadas, fazem parte de um contexto modernista, anterior à problematização do
17
Eduardo Viveiros de Castro, traduzindo rapport de um texto em francês do filósofo Gilbert Simondon,
escolhe a palavra conexão (CASTRO, 2002). Mesmo havendo esta referência, opto por empatia, por
achá-la menos abrangente (no Dicionário Aulete há nove definições possíveis para conexão e apenas três
para empatia) (AULETE, 2013).
18
Na literatura etnográfica, o desenvolvimento do relacionamento empático é amplamente aceito e sua
recomendação encontrada em livros introdutórios a respeito de pesquisa qualitativa (SPRADLEY, 1979;
GLESNE, 1999).
22
19
Enumerando os principais problemas do relacionamento de amizade entre pesquisador e pesquisado,
Corrine Glesne fala sobre ter o acesso negado a informações de pessoas rivais àquelas com as quais se
assumiu amizade. Glesne levanta ainda a possibilidade da identificação exagerada do grupo estudado com
o pesquisador, fazendo com que estes atuem de uma forma que agrade ao pesquisador. (GLESNE, 1999,
p. 102).
25
ao identificar e nomear este modelo [de amizade] de trabalho de campo, o meu desejo é
tornar-me mais autoconsciente e consciente das ideologias por trás deste modelo que
podem afetar o meu impacto sobre as pessoas com quem eu realizo o trabalho de campo
- com quem posso até desenvolver amizades (COOLEY, 2003, p. 11).
as partes. Trata-se somente de uma postura metodológica possível e que parece fazer
sentido no contexto do presente trabalho.
Pretendeu-se, por fim, que as noções de responsabilidade e de reciprocidade
(também consideradas como fundamentais no contexto das pesquisas etnomusicológicas
aplicadas20), fossem fundamentos desta pesquisa baseada em um trabalho de campo
com observação participante e em um processo de edição dialógica. Assim, esperou-se
que a amizade ajudasse a diluir a assimetria de poder, implícita na relação entre
etnógrafo e “os outros”.
20
Para um panorama da etnomusicologia aplicada, ver Dirksen, 2012.
27
21
Segundo Silvio Roberto Rabaça, em seu livro, “Variantes Críticas: A Dialética do Esclarecimento e o
Legado da Escola de Frankfurt”, a expressão é cunhada pelos autores para substituir o termo “cultura de
massas”, pois esta suscitaria ambiguidades (RABAÇA, 2004, p. 20).
22
Considerarei a autoria de Adorno, como apontam estes autores, preservando, na referência, o nome de
Horkheimer, como creditado na edição.
29
paralisam essas capacidades em virtude de sua própria constituição objetiva. São feitos
de tal forma que sua apreensão adequada exige, é verdade, presteza, dom de
observação, conhecimentos específicos, mas também de tal sorte que proíbem a
atividade intelectual do espectador, se ele não quiser perder os factos que desfilam
velozmente diante de seus olhos. (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 104).
Desta forma, pode-se dizer que, para Adorno, a indústria cultural desempenha
um papel de reprodução da lógica do Estado totalitário moderno, promovendo a
reificação do homem; levando-o a não meditar sobre si mesmo e sobre a totalidade do
meio social circundante; e transformando-o em simples engrenagem do sistema que o
envolve.
Recorrendo à filosofia kantiana, Adorno explicará a competência da indústria
cultural de moldar a percepção do público como sendo efeito do esquematismo
kantiano, na medida em que tira dos consumidores, reificados, a percepção das coisas:
“a função que o esquematismo kantiano ainda atribuía ao sujeito, a saber, referir de
antemão a multiplicidade sensível aos conceitos fundamentais, é tomada ao sujeito pela
indústria”. (Idem, p. 103). O filósofo Rodrigo Duarte nomeará esta ação como
“expropriação do esquematismo” (DUARTE, 2003, p. 55).
Os conteúdos dos produtos dessa indústria, “teimosamente repetidos, ocos e já
em parte abandonados”, (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 112) têm importância
secundária frente à organização da produção. Para Adorno, mesmo as distinções entre
categorias, ou preços, têm menos a ver com seu conteúdo do que com sua utilidade para
a classificação e organização da indústria. Os produtos culturais paradigmáticos da
30
quando um ramo artístico segue a mesma receita usada por outro muito afastado dele
quanto aos recursos e ao conteúdo; quando, finalmente, os conflitos dramáticos das
novelas radiofônicas tornam-se o exemplo pedagógico para a solução de dificuldades
técnicas, que à maneira do jam, são dominadas do mesmo modo que nos pontos
culminantes da vida jazzística; ou quando a “adaptação” deturpadora de um movimento
de Beethoven se efetua do mesmo modo que a adaptação de um romance de Tolstoi
pelo cinema, o recurso aos desejos espontâneos do público torna-se uma desculpa
esfarrapada. Uma explicação que se aproxima mais da realidade é a explicação a partir
do peso específico do aparelho técnico e do pessoal, que devem, todavia, ser
compreendidos, em seus menores detalhes, como partes do mecanismo econômico de
seleção” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 101).
divertir-se significa estar de acordo. Isso só é possível se isso se isola do processo social
em seu todo, se idiotiza e abandona desde o início a pretensão inescapável de toda obra,
mesmo da mais insignificante, de refletir em sua limitação o todo. Divertir significa
sempre: não ter que pensar nisso, esquecer o sofrimento até mesmo onde ele é
mostrado. A impotência é a sua própria base. É na verdade uma fuga, mas não, como
afirma, uma fuga da realidade ruim, mas da última ideia de resistência que essa
realidade ainda deixa subsistir. A liberação prometida pela diversão é a liberação do
pensamento como negação (Idem, p. 119).
A “arte séria”, por sua vez estaria distante desta diversão escapista: “a arte séria
recusou-se àqueles para quem as necessidades e a pressão da vida fizeram da seriedade
um escárnio e que têm todos os motivos para ficarem contentes quando podem usar
como simples passatempo o tempo que não passam junto às máquinas” (Idem, p. 112).
31
É importante dizer ainda que além da arte séria, Adorno reconhece também a
arte burguesa (ou arte leve). Esta é considerada autônoma e, apesar do seu inegável
comprometimento com a ideologia burguesa, tem em si um ponto de vista
necessariamente crítico ao capitalismo tardio e à sua cultura industrializada:
A arte manteve o burguês dentro de certos limites enquanto foi cara. Mas isso acabou.
Sua proximidade ilimitada, não mais mediatizada pelo dinheiro, às pessoas expostas a
ela consuma a alienação e assimila um ao outro sob o signo de uma triunfal reificação.
Na indústria cultural, desaparecem tanto a crítica quanto o respeito: a primeira
transforma-se na produção mecânica de laudos periciais, o segundo é herdado pelo
culto desmemoriado da personalidade. (Idem, p. 76).
Reconhecendo que o debate é “muito vivo entre aqueles que têm uma
desconfiança fundamental, sem nuances, nas indústrias culturais e aqueles para quem
estes são os setores-chave da democracia e o lugar de sua realização” (Idem, p. 22), o
documento da UNESCO apresenta ainda artigos como o do economista canadense
Albert Breton, que expõe uma defesa da economia liberal no campo das indústrias
culturais, tal como ocorre no Canadá e nos EUA; e o dos belgas Armand Mattelart e
Jean-Marie Piemme, alicerçado na interpretação marxista, ligada à gênese do conceito
de indústria cultural.
Deste modo, pode-se inferir uma clara divisão de intelectuais na produção de
estudos que resguardam ou que repudiam a indústria cultural, mais ou menos associada
aos contextos socioeconômicos e políticos de suas nações (ou ainda de acordo com o
que o patrulhamento ideológico nestas permitisse surgir)23.
Hoje, em um mundo pós-queda do muro de Berlim, e diante das mudanças
geopolíticas, econômicas e tecnológicas, vê-se ainda a expressão sendo utilizada em
sentidos antagônicos. Enquanto é possível observar um esforço acadêmico de
preservação do sentido adorniano (ao mesmo tempo em que se adapta sua interpretação
para outro contexto político-social), há ainda a larga utilização do termo pelo próprio
mercado, alvo das críticas.
Rodrigo Duarte aponta, em texto intitulado “Indústria Cultural Hoje”
(DUARTE, 2008), que a própria base teórica da Escola de Frankfurt já previa
adaptações e mudanças conceituais, uma vez que a Teoria Crítica da Sociedade
23
Douglas Kellner trata, em artigo, do caso britânico. Segundo o autor, mesmo que os estudos culturais
tenham tendido “ao desrespeito ou à caricatura hostil da crítica da cultura de massa desenvolvida pela
Escola de Frankfurt” (KELLNER, 1997, p. 12), havia pensadores preocupados com os efeitos nocivos de
uma cultura de massa. Kellner afirma que no fim da década de 1950 e no início da década de 1960, o
nascente projeto de “estudos culturais britânicos, desenvolvido por Richard Hoggart, Raymond Williams
e E.P. Thompson tentou preservar a cultura da classe trabalhadora contra investidas da cultura de massa
produzida pelas indústrias culturais” (Idem, p. 15) e mesmo “a segunda fase do desenvolvimento dos
estudos culturais britânicos – iniciada com a fundação do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos
da Universidade de Birmingham, em 1963/64 por Hoggart e Stuart Hall –, compartilhou muitas
perspectivas fundamentais com a Escola de Frankfurt” (Idem, p. 16).
34
24
Paulo Puterman, em seu livro “Indústria Cultural: A Agonia de um Conceito”, faz um contraponto,
afirmando que “Adorno e Horkheimer raciocinaram com se a indústria cultural de massa instalasse para
todo o sempre uma coletividade monolítica, destituída de raciocínio crítico e uniformizada pelos mesmos
gostos. (...) Não levaram em consideração o devenir constante das diferenciações internas das sociedades”
(PUTERMAN, 1994, p. 21). Mesmo assumindo que a indústria cultural contribui “não só pela
manutenção do status quo, como pela uma criação e fortalecimento de uma barreira permanente entre
classes sociais” (Idem, p. 25), o autor afirma que o conceito de massa, como coletividade monolítica não
seria representativo do que existia em qualquer sociedade existente à época da “Dialética do
Esclarecimento”. Havia diferenciações no interior das coletividades em “camadas sociais, em grupos
étnicos, em setores sócio-profissionais, em variações de instrução, em distinções de gênero” (Idem, p. 20).
25
Raymond Williams observa a utilização do termo indústria em contexto semelhante já na década de
1940: “desde 1945, talvez sob influência norte-americana, a indústria tem sido generalizada, em um
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é preciso primeiramente levar em conta que a cultura, embora possa ter outros sentidos,
é tudo aquilo que é mais do que a autopreservação. É aquilo que surge da capacidade de
suspender propósitos diretos. A indústria, força moderna por excelência, que (...)
poderia ser ela mesma uma forma da cultura, com a capacidade de dar fim à carência e
ao sofrimento, limita-se, no imperativo de seu conceito de trabalho sistemático, nascido
no século XVII, a excluir tudo que não seja propósito direto. (...) Assim, toda indústria
(como entendida por Adorno) permanece até hoje estruturalmente atrelada a
autopreservação. (HULLOT-KENTOR, 2008, p.22).
esforço organizado, como instituição. É comum agora ouvir da indústria de férias, a indústria do lazer, a
indústria do entretenimento e, em uma reversão do que foi outrora uma distinção, indústria agrícola. Isso
reflete o aumento da capitalização, organização e mecanização do que eram anteriormente consideradas
como espécies não-industriais de serviço e trabalho” (WILLIAMS, 1976, p. 139).
26
Eunice Durham, analisando a “lenta e difícil” penetração do marxismo – tradicionalmente voltado para
problemas macroestruturais das sociedades capitalistas – na antropologia, também explica que este “não
36
de classes, mas apenas notar que há que se reconhecer relevantes outras iniquidades,
além da esfera econômica27.
Percebe-se ainda, no discurso de Adorno, uma visão depreciativa, elitista e
etnocêntrica, em relação à cultura popular, conceituando a “arte séria” – produzida por
uma elite intelectual – como a única expressão meritosa e não alienante. Analisando a
produção musical, por exemplo, o autor afirma que uma obra poderia ser identificada
como sendo produto da indústria cultural pela sua simplicidade e falta de ousadia: “a
breve sequência de intervalos, fácil de memorizar, como mostrou a canção de sucesso
(...) clichês prontos para serem empregados arbitrariamente aqui e ali e completamente
definidos pela finalidade que lhes cabe no esquema” (ADORNO, 1947, p. 59). O autor
insiste que a assimilação fácil de uma canção é exatamente o intuito da dita indústria
massificadora, pois “ao escutar a música ligeira, o ouvido treinado é perfeitamente
capaz, desde os primeiros compassos, de adivinhar o desenvolvimento do tema e sente-
se feliz quando ele tem lugar como previsto” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.
103). Ainda segundo Adorno, certas mudanças/fusões produzidas pela música popular,
também estariam a serviço da indústria, pois estariam, na realidade, embalando de
forma mais palatável detalhes que poderiam soar estranhos:
pode ser transportado de modo imediato para a interpretação dos resultados da investigação empírica
limitada, qualitativa, multidimensional, que caracteriza o trabalho de campo antropológico” (DURHAM,
1986, p. 24).
27
Ademais, é preciso notar, via perspectiva histórica, que o contexto do surgimento da indústria cultural,
com a ascensão da burguesia e a consolidação do capitalismo, é responsável também pela
“autonomização progressiva dos sistemas de relações de produção, circulação e consumo dos bens
simbólicos”. (BOURDIEU, 2011, p. 99). Segundo o autor, a vida artística se liberta econômica e
socialmente da tutela da Igreja e da aristocracia, e de suas demandas éticas e estéticas, fazendo com que
ocorra, dentre outras implicações, a multiplicação e diversificação de instâncias de consagração e de
difusão cuja seleção é dotada de uma legitimidade propriamente cultural, ainda que, em alguns casos,
continue subordinada a obrigações econômicas ou sociais. Essa autonomização fez possível, por exemplo,
o surgimento de movimentos, externos ou internos à indústria cultural, de apropriação crítica dos
produtos da própria indústria.
37
3 TRABALHO DE CAMPO
28
Nota-se que os primeiros contatos foram feitos ainda em 2012, e que o período de pesquisa estendeu-se
até 2014 para verificar eventos ainda não observados ou realizar entrevistas ainda não concedidas.
29
Para pensar no ensaio em estúdio da formação banda, recorri também à memória de um trabalho
musical que realizei com alguns dos integrantes do Boitatá. Este foi o meu primeiro contato com eles. A
relação de semelhança entre aqueles ensaios e os que foram realizados para os shows nos palcos do
carnaval, diga-se, foi sugerida por um dos integrantes, Ricardo Cotrim, durante a pesquisa.
30
No Anexo 1 há uma relação dos entrevistados que informa o tempo de permanência do grupo e também
contém breves perfis profissionais, além de depoimentos sobre a relação com o Cordão do Boitatá. Este
documento foi uma demanda do grupo no processo de edição dialógica na tentativa de contextualizar cada
entrevistado(a). Os textos foram todos criados pelos integrantes e ex-integrantes, e publicados sem
edição. Nota-se que cada um enviou o texto que considerava importante sobre si, sem um padrão de
forma imposto, e que a presença de alguns depoimentos na terceira pessoas denota a utilização de partes
de texto de currículos profissionais pessoais. Também foi requerida pelo grupo a data de cada entrevista,
listadas a seguir, em ordem cronológica dos encontros: PAMPLONA, Pedro (18/10/2012 e 22/11/2013);
RICARDO, Cotrim (14/11/2013); COTRIM, Cristiane (17/11/2013); PACHECO, Gustavo (20/11/2013 e
02/12/2013); CALLADO, João (22/11/2013); OLIVEIRA, Thiago (28/11/2013); SCHNEIDER, Adriana
(23/01/2014); HORTA, Kiko (19/03/2014).
31
Além desses oito encontros, foi realizada, com Pedro Pamplona, uma entrevista não estruturada logo no
início do trabalho de campo – quando este ainda era integrante do grupo.
39
32
A exceção era o memento em que eu parava para fazer anotações em meu caderno de campo, quando
eu era normalmente abordado com perguntas e confundido com a figura do jornalista.
40
integrantes) e sempre registradas com um gravador. Quando não foi possível o encontro
presencial, o contato ocorreu por e-mail ou por chamadas telefônicas com imagem,
feitas via programa de voz sobre IP (VoIP) em um computador. Pretendeu-se neste
momento ter um foco mais acurado dos temas, dado o prazo para a entrega da
dissertação.
Foram analisados ainda textos produzidos pelo grupo (em documentos
elaborados para a venda de shows, informativos de divulgação para a imprensa e na
página do grupo na internet), artigos de jornal, além de áudios, fotos e vídeos. Alguns
dos documentos foram garimpados por mim, mas grande parte foi fornecida pelo
próprio grupo.
Por fim, foi desenvolvido um processo de edição dialógica, com participação
ativa do de integrantes do grupo no texto. O terceiro capítulo33 foi entregue no dia 26 de
agosto e a data de finalização estipulada para o dia 11 de setembro. O prazo foi alargado
uma primeira vez, para 8 de outubro, e mais uma última vez, para o dia 20 do mesmo
mês.
Houve um encontro presencial com três dos integrantes para discussão do texto e
uma sugestão minha para que mantivéssemos aquele modelo de reunião mais algumas
vezes para analisar o texto por partes. O grupo acabou optando por reuniões internas,
sem a minha presença, com produção de apontamentos assinados em conjunto (ver
Anexos 2, 3, 4 e 5)34 35
. Assim, nota-se que todas as falas creditadas a “COTRIM,
COTRIM, HORTA, OLIVEIRA” foram realizadas no período de edição dialógica.
Ressalva-se ainda, que, atendendo a um pedido feito durante este processo, estas
aparecerão referidas ao “grupo” ou “Cordão do Boitatá” (ver início dos Anexos 4 e 5).
Nota-se que o processo de edição dialógica acabou por gerar uma ampliação do
tamanho deste capítulo além do que era imaginado, dados os pedidos para publicação de
falas sem edição ou largas ampliações das que já existiam.
33
Também foram disponibilizados os capítulos 1 e 2 em versões quase definitivas. Os textos de
introdução, de conclusão e este subcapítulo não foram discutidos na edição dialógica por terem sido
escritos após (ou a partir) deste processo. Tendo em vista este procedimento, foi oferecido ao grupo um
espaço para eventual consideração final, a ser publicada na íntegra, como anexo, após a consolidação da
versão entregue a banca examinadora. Assim, reconhecendo que o tempo não foi suficiente para uma
síntese da dialética (no sentido hegeliano do termo), opta-se pela justaposição de ideias.
34
Em um primeiro momento foram enviados dois documentos (Anexos 2 e 3). À medida que o conteúdo
destes foi assimilado, entreguei novas versões do capítulo ao grupo, que fez novos comentários (Anexos 4
e 5).
35
Houve ainda, em paralelo, alguns pedidos individuais de inserções e recolocações das próprias falas.
41
É preciso notar, de início, que a intenção original aqui era realizar um processo
dialógico desde o princípio da pesquisa de campo, com participação ativa dos
integrantes do Cordão do Boitatá na sugestão de temas e na construção da narrativa. A
motivação principal de dar voz aos “outros”, era reverter de algum modo as assimetrias
de poder comuns a muitos processos de escrita etnográfica.
Alguns fatores influenciaram a renúncia (parcial) deste projeto: a ausência de
uma atividade rotineira do grupo; o não estabelecimento de uma intimidade maior com
cada um dos integrantes (ver subcapítulo 1.2.1); o prazo regulamentar para apresentação
da pesquisa; o não reconhecimento de um interesse proativo no trabalho por parte dos
integrantes do Cordão do Boitatá (com a relativa ausência de sugestões temáticas a
serem desenvolvidas).
Assim, dada a exiguidade de negociações sobre os temas a serem narrados, nota-
se que as perguntas norteadoras formuladas pelo pesquisador guiaram em grande
medida o texto. Ressalta-se ainda que, diferentemente de etnografias em que há um
objetivo político comum prévio entre as partes (em contextos como, por exemplo, de
lutas de comunidades por reconhecimento sociocultural), este pesquisador não foi a
campo com tal perspectiva36.
Neste contexto geral, foi decidido permanecer com um recurso dialógico na
etnografia, combinando de entregar um primeiro tratamento do terceiro capítulo para
opiniões, críticas e sugestões de Cristiane Cotrim, Ricardo Cotrim, Thiago Oliveira e
José Maurício Horta37.
Nota-se que a reação do grupo ao texto não foi positiva. Um encontro presencial
com três dos quatro integrantes revelou uma insatisfação aguda38, com grande
desconfiança do lugar de fala do pesquisador39. A atmosfera tensionada que se instaurou
36
Não quero dizer com isso que não haja afinidades políticas entre as partes, mas que apenas elas não
foram o tema, nem houve uma negociação nesse sentido.
37
A decisão de só debater com os que permanecem no grupo (não incluindo os ex-integrantes) deveu-se
ao reconhecimento de que estes, estando ainda hoje à frente do trabalho, respondem por ele.
38
Nota-se que não houve homogeneidade nas reações dos integrantes durante o processo de edição
dialógica. Tanto no encontro presencial quanto nos poucos contatos individuais que precederam o
momento em que o grupo passou a se comunicar (praticamente) apenas via mensagens assinados pelo
“Cordão do Boitatá” – com envio dos apontamentos –, percebi posturas mais opositivas e outras mais
amistosas.
39
Cogitou-se que eu teria ligações com um grupo (que não tem nome fixo, mas que foi responsável pela
criação do bloco Exalta Rei) que seria crítico ao modo de atuação do Cordão do Boitatá no carnaval.
Desfiz a confusão explicando que o grupo não era o mesmo que a banda Exalta Rei, na qual eu cantava.
42
– que também pode ser lida em alguns momentos dos apontamentos produzidos pelo
grupo (ver Anexos 2 a 5) –, gerou críticas diversas40 e implicou em uma postura que foi
menos de parceria que de oposição – amainando apenas perto do fim do processo.
Minha atitude frente a este contexto não foi de enfrentamento. Coloquei-me
aberto, exaltando o processo dialógico – explicando que ele se prestava justamente a dar
voz e espaço a eles, me ajudando também na aferição de dados –, reconhecendo falhas,
justificando algumas escolhas metodológicas41, e me colocando pronto a batalhar pela
ampliação do tempo de trabalho na edição dialógica. Também evitei expor algumas das
minhas ressalvas quanto às críticas do grupo e à maneira como foram colocadas – tanto
no documento como na reunião presencial. Os “erros” e “confusões” imputados a mim,
com os quais eu não concordava, por exemplo, foram em larga medida não
problematizados nesse período, pois entendi que isto poderia acirrar ânimos e fazer com
que o objetivo de ouvi-los e representá-los no texto fosse prejudicado.
Foi um processo bastante penoso para o pesquisador. Este período mais intricado
de relações com os integrantes do grupo gerou sentimentos que atrapalharam em grande
medida a produção de texto. Se o que era dito, em grande parte, era aceito como uma
contribuição ao trabalho, a forma como às vezes aparecia – com adjetivações
depreciativas ao trabalho –, me deixou acuado durante este processo.
Não obstante, a edição dialógica foi próspera em resultados. Procurando, como
disse, manter-me aberto às observações e evitar o confronto, obtive contribuições
valiosas. Alguns equívocos de entendimentos de “conceitos nativos”, de conclusão
lógica e outros foram apontados e corrigidos. Além destes, foram implementadas
mudanças que tinham como objetivo a contextualização de episódios e falas, bem como
a supressão de algumas visões que depreciassem a imagem do grupo – reconhecendo
um contexto de zelo e relação afetiva intensa com o trabalho que é realizado.
40
Alguns comentários críticos apareceram no encontro presencial com três dos integrantes e não estão
nos apontamentos. Detalho-os aqui para ampliar o entendimento da posição do grupo. Foram
questionados detalhes de como o texto foi apresentado (como a identificação codificada das falas) e
escolhas metodológicas: houve reclamações quanto à forma de apresentação do texto (de uma só vez, e
não aos poucos, durante a pesquisa), o tempo que se ofereceu para a edição dialógica e a falta de
aproximação do pesquisador junto aos integrantes. Notei, por fim, haver ainda um entendimento confuso
do que seria o processo de edição dialógico e também do que é uma etnografia, mesmo após tentativas de
explicação. À frente, respondo a essas questões.
41
Em relação às críticas acima expostas, expliquei que a codificação das falas foi pensada como uma
forma de preservar os(as) entrevistados(as) de determinadas disputas internas que soube existirem.
Esclareci que o texto foi entregue tão logo ele tomou uma forma e que os motivos para a relativa demora
eram vários, incluído a dificuldade de marcação de entrevistas com eles. Disse ainda que a aproximação
era, de fato, o foco da minha postura metodológica, mas que, por muitos fatores, citados acima, não
aconteceu.
43
42
Este reposicionamento de discurso, para além da contextualização de fatos, pode ser visto como reação
ao que estava escrito no primeiro tratamento do texto.
43
Ressalva-se que o desejo de problematizar certas colocações do grupo, levantando questões para
debate, também foi deixado de lado para cumprir o prazo de entrega de dissertação.
44
Nota-se que, antes de ser requerida para a identificação dos integrantes, a utilização do termo “o grupo”
no texto foi questionada no processo de edição dialógica pelos mesmos. Utilizei a generalização – tanto
no primeiro tratamento quanto na versão final – sempre que enxerguei consensos. Não obstante,
reconhece-se complexo o seu emprego, sempre construtor de homogeneidades, em alguma medida,
imaginadas.
44
45
Nos primeiros shows, o grupo ainda não havia definido a denominação Cordão do Boitatá. Nomes
provisórios como “Os Gustavos” e “Camarões Cabeludos” foram utilizados em um primeiro momento. O
nome definitivo foi ensejado por uma reportagem para o Jornal do Brasil, onde o grupo teria, pela
primeira vez, uma ampla divulgação. As duas palavras que compõem o nome definitivo foram pinçadas
do Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luís da Câmara Cascudo. Segundo os integrantes “cordão” foi
escolhido objetivamente, por seu significado de um fazer musical “mais ou menos organizado”, enquanto
que “Boitatá” foi ao acaso, abrindo a esmo uma página do referido livro. Nota-se que apesar de aleatória,
a escolha foi feita dentro de um universo de forte poder simbólico. Se a lenda da cobra de fogo não servia
como metáfora para o que o grupo fazia, o fato de Boitatá remeter a um símbolo nacional folclórico, tema
do dicionário, era bastante apropriado.
46
Os álbuns do selo Discos Marcus Pereira foram amplamente mencionados pelos entrevistados como
uma referência em seu início. O selo, que leva o nome de seu fundador – pesquisador, publicitário e
produtor que realizou um mapeamento da música popular brasileira de diversas regiões do país –, lançou
144 LPs, entre 1967 e 1982. Destes discos e de outros similares nos registros de canções populares à
margem do mercado, eram tiradas as canções para o repertório do grupo. Assim, nota-se que o interesse
não estava ligado a um gênero específico, mas a todo universo de popular.
45
47
Nota-se que não quero afirmar aqui a ausência de dessemelhanças entre os interesses particulares de
cada um dos integrantes daqueles primeiros encontros. Mesmo tendo em vista a unidade acima sugerida,
havia, por exemplo, uns mais interessados na pesquisa, outros em levar um som; uns interessados em
estéticas musicais específicas, outros sem preferência determinada. Quero, no entanto, afirmar que, de
maneira geral, todos compartilhavam, em alguma medida, interesses comuns. Adiante, algumas
diferenças de posicionamento também serão ressaltadas.
48
O grupo explica que “o auto é um “brinquedo” popular onde música, teatro, dança e outros elementos
são protagonistas. O show musical do Cordão do Boitatá e as apresentações do Auto eram coisas
distintas. O Auto podia acontecer eventualmente antes ou depois do show do Cordão, ou se apresentar
independentemente dos shows em situações específicas como em apresentações de rua, na Cinelândia, na
Central ou no Largo do IFCS, por exemplo, e sobretudo em contextos ligados as festas do período junino”
(COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
46
identificar estes musicistas com gosto pelo folclore e cita dois grupos deste contexto: A
Barca, de São Paulo e Mundaréu, de Curitiba49. Estes conjuntos, segundo ela,
“envolvem estudantes universitários e aliam às atividades artísticas a pesquisa de campo
e bibliográfica sobre cultura popular” (Idem, p. 92).
Nas entrevistas com o Cordão do Boitatá alguns discursos reconheciam relações
com outros agentes culturais pelo Brasil. Adriana Schneider explica:
a gente tinha [contato com outros grupos] assim: o Gustavo fez a tese dele de doutorado
sobre o Maranhão (...) [Lá] ele conheceu esses paulistas [do grupo A Barca e outros]
(...) A gente fez uma ligação com o Siba [Sérgio Roberto Veloso de Oliveira, músico
pernambucano integrante, àquela época, do grupo Mestre Ambrósio], em Pernambuco.
Havia ligações, mas não se constituiu uma rede. A gente sabia que os caras estavam
fazendo uma coisa assim (...) Eles sabiam que a gente estava fazendo uma coisa assim
(...) Por alguns interlocutores a gente trocava (SCHNEIDER).
Thiago de Oliveira diz enxergar até mesmo um movimento mais amplo, planetário, que
teria feito as “pessoas se voltarem para as suas identidades mais locais” (OLIVEIRA).
Neste sentido, Travassos indica que o sincronismo entre a formação desses
grupos pelo Brasil (e de outros, pelo mundo) pode advir não só da conexão
intramusicistas, mas também da globalização, via indústria cultural50. A autora fala de
um mercado de entretenimento já consolidado em que esse tipo de repertório já era
comercializado e cita, a título de exemplo, a realização de shows no Rock In Rio, em um
palco intitulado “Tenda Raízes”, onde se apresentavam artistas de diversas partes do
mundo, integrados à indústria cultural via o rótulo world music. Nota-se que, com este
argumento, Travassos quer negar também a sugestão de que o movimento surge como
reação à globalização. Esta explicação, segundo ela, “não daria conta de fenômenos que
são indícios da própria globalização” (TRAVASSOS, 2002, p. 93). Travassos diz, por
fim, não enxergar uma força motivadora de posicionamento político de contestação na
preferência majoritária do universo jovem por uma música associada à indústria
cultural.
Não obstante, no início do Cordão do Boitatá, havia um discurso crítico a
procedimentos da indústria cultural. Nas entrevistas, veem-se alguns enfoques
diferentes para esta crítica. João Callado, por exemplo, concebe a década de 1990 como
49
O Cordão do Boitatá não é citado, mas Schneider afirma que Travassos dialogou com membros do
grupo à época de sua pesquisa. Oliveira, por exemplo, relata que foi aluno de Travassos entre 1999 e
2000, e seu orientando no processo de feitura da monografia de fim de curso de Licenciatura em Música
na UNIRIO entre 2000 e 2001.
50
Ressalva-se que não era possível naquele momento pensar no fluxo de informações advindas da
internet, ainda incipiente na década de 1990 no Brasil.
47
dominada por uma “música de mercado”. Este cenário é visto pelo entrevistado como
contexto de uma juventude de classe média com vontade de “redescoberta do Brasil
musical” (CALLADO). Já o grupo aponta que havia um questionamento a respeito da
não valorização de determinados agentes da cultura brasileira, à margem do sistema:
Adriana Schneider, por sua vez, afirma que “muita gente chegava à cena de uma
forma oportunista. O Boitatá naquele momento tinha uma discussão ética muito
ferrenha de abrir espaço para os mestres populares chegarem” (SCHNEIDER). Ainda
segundo ela, havia uma discussão no grupo sobre o
aspecto comercial e aspecto não comercial da coisa. Tinha uma galera que defendia de
uma forma romântica, xiita [não comercial]. Mas que naquele momento era necessário,
porque acho que a gente estava tendo que ter um entendimento ético: como vamos
ganhar dinheiro de uma coisa que os próprios mestres não ganham? (SCHNEIDER)
51
Travassos aponta para o fato de que essas viagens são uma “combinação entre pesquisa etnográfica
(não necessariamente nos moldes preconizados no meio acadêmico) e atividade artística” (TRAVASSOS,
2002, p. 101).
49
52
Os integrantes oficiais do grupo hoje comentam que entendem “que o Cordão junta essas duas vertentes
da década de 60 e 90” (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA). Veremos no subcapítulo 3.5 como se
articulam as relações com tradição e mudança para eles.
50
criação e não de imitação” (SCHNEIDER). Segundo Horta, o grupo “nunca teve uma
pretensão ou uma vontade de estar num lugar parafolclórico” (HORTA)53.
Ainda na comparação dos movimentos musicais ligados a protestos na década de
1960 com os grupos da década de 1990, Travassos nota nestes um espectro mais amplo
de gêneros e sonoridades. Ao contrário da prioridade dada em 1960 à redescoberta do
“samba de morro”, havia, em fins do século XX, um “interesse pelo folclore nordestino
de origem rural, jongo, bumba-meu-boi e assim por diante” (TRAVASSOS, 2002, p.
100). De fato, o Cordão do Boitatá tem, desde o seu início, interesse marcado por uma
diversidade de gêneros musicais. Nesta pluralidade, nota-se, a unidade que se enxergava
no grupo, além do já citado foco em uma produção nacional, era, precisamente como
concluiu Travassos, a “tentativa de apreensão do espírito da festa popular” (Idem, p.
109). Nas palavras deles: “havia de alguma forma também, desde os primórdios do
grupo, um desejo latente de se conectar com a ancestralidade da cultura musical e do
ciclo de festas brasileiras, como o Carnaval, o São João e o Pastoril, por exemplo”
(COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
Algumas das características notadas acima sofrerão modificações com o passar
do tempo no Cordão do Boitatá. Outros posicionamentos, no entanto, serão preservados.
Veremos nos subcapítulos à frente algumas das mudanças e a relação delas com
escolhas de caminhos profissionais.
53
Horta comenta ainda que não havia no grupo um ideal de “elevar o folclore” e que o interesse ia além
dele: “nosso ideal não era elevar o folclore que por si só já é extraordinário. Sabíamos que a "pegada"
para tocar aquilo que nos propúnhamos, só viria da prática incessante nestes contextos. Nos
interessávamos também por artistas que chegavam a isso pela vivência, que faziam sua geleia geral a
partir disso (Hermeto,etc.)” (HORTA).
51
54
A tentativa de construir uma ordem cronológica para esses eventos citados demonstrou que há
divergência e imprecisão nos depoimentos. Datas serão explicitadas aqui, sempre que citadas pelos
entrevistados, mas ressalva-se que não é objetivo deste trabalho fazer uma reconstituição historiográfica
precisa dos acontecimentos do momento inicial do grupo, mas apenas falar da relação de certas falas
relativas a este período com a construção da noção de músico profissional.
55
A separação dos projetos do Boi Cascudo e Cordão do Boitatá não tem data precisa. Schneider, ligada
diretamente à parte cênica desta atividade, aponta, sem ter certeza, o ano de 1998 como sendo o da cisão.
Ela afirma ainda que a desvinculação acontece sem conflitos e que o momento em que o “brinquedo” Boi
Cascudo se torna independente do Cordão do Boitatá, “marca a oficialização de seus integrantes, todos
músicos” (ver Anexo1).
52
–, eram periféricas. Afirmam ainda que o projeto sempre esteve ligado à ideia de
inserção no mercado cultural e associam as mudanças à esfera da vida pessoal de alguns
integrantes:
o grupo Cordão do Boitatá sempre foi o próprio núcleo musical, outras atividades que
porventura coexistiam no inicio eram de certa forma periféricas e, sobretudo
diretamente ligadas a práxis musical que desenvolvíamos. Por outro lado o grupo tinha
desde o seu surgimento como intenção, e condição inerente ao seu desenvolvimento,
criar um espaço dentro do mercado da cultura. As mudanças foram sobretudo no âmbito
da vida pessoal de alguns integrantes, uns quiseram dar continuidade ao projeto musical
(já existente) e outros escolheram aprofundar suas atividades em outros campos e
sairam (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
o processo de aprofundamento do fazer musical desse coletivo (que logo começa a fazer
apresentações), atrelado a mudanças significativas na vida pessoal de alguns integrantes
que estavam naquele momento muito embrionário, alterou a formação [do] grupo
(Gustavo [Pacheco], Edmundo [Pereira], Adriana [Schneider]). Não é um confronto
entre músicos "amadores X profissionais". Este conceito de amador é até discutível. O
Edmundo [Pereira], por exemplo sai do Cordão e posteriormente entra num trabalho
musical Armorial (Gesta), bastante sério. Segue sua carreira acadêmica dentro da
antropologia e participa do nosso CD autoral (2004, bem depois de sua saída) com a
letra de Forró Novo (Kiko Horta/Edmundo Pereira) e tocando viola de 10 cordas.
(COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
Não obstante, não há, para eles, uma estruturação do grupo em seus primeiros anos
como consequência de uma escolha profissional. Eles descartam a ideia de que o grupo
seria “moldado por uma escolha de caminho profissional” (COTRIM, COTRIM,
HORTA, OLIVEIRA). “O que nos molda são as vontades musicais e artísticas
unicamente” (Idem). O que existe é um processo contínuo do “conceito de
profissionalismo”, que também envolve influência de trabalhos fora do grupo:
mesmo depois de configurada esta nova formação, este conceito de profissionalismo vai
se modificando, seguindo a própria atuação de diversos músicos do Cordão em outros
trabalhos bem diferentes. Ricardo [Cotrim] e Pedrinho [Pedro Miranda] (Teresa
Cristina), Thiago [Oliveira] (Itiberê Orquestra Família e Garrafieira), Kiko [José
Maurício Horta] (Martinho da Vila e Pau da Braúna), Cris [Cristiane Cotrim] (Mariana
Baltar). (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
todos que permaneceram no grupo estavam unidos pelo desejo de continuar tocando
(não há mudança nisso). O que ocorreu foi um processo, natural a qualquer trabalho, de
ir se estruturando cada vez mais. Nenhuma banda começa efetivamente pronta,
"profissional"” (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA) 56.
56
É interessante notar que a palavra profissional aparece aqui entre aspas. Detecto no recurso um
reconhecimento da complexidade do termo.
57
Sobre as colocações de Pacheco, o grupo comenta que “esta é uma visão particular do Gustavo de como
ele se inseria enquanto músico no início do grupo. Não havia "revezamento” ou mais coletivismo nesta
época. Apenas ele e Cris dividiam o cavaquinho até o momento em que a Cris passou a ser a cavaquinista
do grupo. Os outros sempre tocaram seus instrumentos. Não há uma mudança na forma do grupo se
organizar ou perda de coletividade, etc. Conceituar isto como uma mudança de procedimento do trabalho
do grupo, estendendo essa concepção para períodos posteriores, é inconsistente, pois é uma questão de
ordem individual dele” (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
58
Utilizo aqui o termo projeto como expresso por Gilberto Velho, se associando ao pensamento do
sociólogo Alfred Schütz: “projeto, nos termos deste autor [Schütz], é a conduta organizada para atingir
finalidades específicas. Para lidar com o possível viés racionalista, com ênfase na consciência individual,
auxilia-nos a noção de campo de possibilidades como dimensão sociocultural, espaço para formulação e
implementação de projetos. Assim, evitando um voluntarismo individualista agonístico ou um
determinismo sociocultural rígido, as noções de projeto e campo de possibilidades podem ajudar a análise
de trajetórias e biografias enquanto expressão de um quadro sócio-histórico, sem esvaziá-las
arbitrariamente de suas peculiaridades e singularidades” (VELHO, 1994, p. 40). Considera-se ainda o
projeto coletivo, mas não como sendo “vivido de modo totalmente homogêneo pelos indivíduos que o
compartilham. Existem diferenças de interpretação devido a particularidades de status, trajetória” (Idem,
p. 41).
59
Podemos fazer uma relação desta fala com o depoimento de Schneider, citado acima, que explicita o
debate a respeito do “aspecto comercial e aspecto não comercial da coisa” (SCHNEIDER) (ver
subcapítulo 3.2).
60
Nota-se que a metodologia aqui implementada, mais especificamente o processo de edição dialógico,
foi determinante para o surgimento desta dicotomia na pesquisa.
54
ninguém vivia de música ainda. Eu por exemplo na época fazia arquitetura. Tinha o
Gustavo Pacheco (...) fazia direito na PUC. Tinha o João Callado e o Pedro Pamplona
que faziam Belas Artes no Fundão. Tinha a Cris Cotrim, o Edmundo Pereira, a Adriana
Scineider, o Dex (Marcos André Carvalho) que faziam comunicação na PUC. O
Pedrinho Miranda e a Mel Ferraz que eram do desenho industrial, na PUC também
(COTRIM, R.).
Destes integrantes que não faziam graduação em música, citados por Ricardo
Cotrim, alguns deixaram o grupo para seguir caminhos profissionais fora do meio
musical, enquanto outros, que permaneceram, acabaram seguindo a carreira de
musicistas. Todavia, seria incorreto afirmar que as razões de afastamento das pessoas
seriam todas marcadas por uma escolha de não profissionalização em música. Os
motivos para os desligamentos são diferentes para cada integrante (possivelmente
multifacetados para alguns), havendo inclusive casos de saída do grupo para o exercício
da profissão de musicista em outros espaços62. O que se destaca é que, à medida que as
61
Não quero afirmar que a graduação em música deve ser pensada como pré-requisito para o exercício da
profissão, mas apenas notar que as escolhas profissionais, levando em conta os cursos universitários dos
integrantes naquele momento, apontavam para outras possibilidades. Como afirma Salgado, há uma
noção bastante comum aos musicistas na qual “se vê o conhecimento teórico-analítico como secundário
para a realização da música – diante de fatores como ‘talento’, conhecimento prático, vivência”
(SALGADO, 2005, p. 265). De fato, a posterior profissionalização dos integrantes do Cordão do Boitatá
não se deu, necessariamente, pela passagem pelo curso em música.
62
Callado, por exemplo, associa sua saída ao desejo trilhar um caminho profissional como musicista: ele
não via no Cordão do Boitatá, àquela época, a realização plena desse projeto.
55
63
A perda de importância da formação universitária não significa necessariamente uma renúncia de um
projeto ligado àquele caminho profissional. Callado, por exemplo, segue carreira na profissão de músico
(fora do Cordão do Boitatá), mas continua exercendo a pintura, relacionada à graduação que cursou, de
Belas Artes. Por outro lado, a escolha de desenvolver um caminho profissional acadêmico não implica
necessariamente no abandono da atuação como musicista. É o caso de outro integrante à época, lembrado
na citação do grupo, acima: Edmundo Pereira. Ele segue carreira na vida acadêmica, em antropologia,
mas não abandona por completo a atuação como musicista.
64
Não quero, no entanto, defender aqui que, entre pesquisadores acadêmicos e músicos profissionais, haja
divergências apenas, sem conformidades. Tampouco quero afirmar que esta é a única díade fomentadora
de discussões internamente ao Cordão do Boitatá neste momento inicial. Escolho dar algum protagonismo
a este duo (musicistas profissionais e pesquisadores acadêmicos), apresentando as partes como opostas,
apenas pelo fato de que ele aparece com alguma constância nos relatos, como demonstrado em citações a
seguir.
56
mais tradicionais: o bloco Céu na Terra e o Rancho Flor do Sereno (fazendo a ressalva
de que haveria diferenças entre estes dois grupos, pois o Rancho teria um trabalho de
orquestração mais desenvolvido)65. Para ele, o repertório do Cordão, quando passou a
contar com “composições de Hermeto Pascoal, Moacir Santos, todos os chorões,
Dominguinhos” (PAMPLONA), representava uma mudança em relação aos primeiros
anos do grupo, estando ligado ao seu projeto profissional escolhido: “é música
brasileira, tem a ver com a cultura popular, mas já estava apontando pra uma coisa
meio... Um desenvolvimento enquanto instrumentista” (PAMPLONA). Adriana
Schneider reconhece também que, no início, apesar de uma postura crítica, e do trabalho
empreendido em pesquisas – “não era um movimento de raiz precário. A gente estudava
pra caramba. Tinha muitos cabeções” –, havia sim, no começo uma postura “um pouco
purista, idealizada” (SCHNEIDER). Já Callado, falando do período de sua saída em
busca de um trabalho mais profissional, em 1998, faz uma associação entre alguns
integrantes ligados à pesquisa acadêmica e uma característica “mais coletiva” do grupo,
em contraposição a outros, com “preocupação mais artística (...) mais como músico”
(CALLADO), como a dele. Ele ressalta ainda a heterogeneidade de pensamentos e de
repertório:
não concordamos que havia uma “vigília” no repertorio por parte dos antropólogos e
conceito estético amarrado. O que havia era vontade de tocar. Aliás não havia nem
vigília, nem pesquisadores atuando como tal dentro do grupo, os que viraram “ólogos”
ou o que quer que seja em seguida, atuavam no grupo como todos nós ou seja como
músicos. Tínhamos dentro do grupo preocupações estritamente musicais e jamais de
alguma outra natureza qualquer!! (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
65
O grupo refuta a associação do repertório do Cordão do Boitatá a estes outros conjuntos com atuação
no carnaval: “não se pode associar o repertorio inicial do Cordão aos grupos citados. O Cordão, que é
anterior a esses grupos, tinha desde o inicio um repertório muito amplo, formado por músicas de estilos,
matizes e ritmos diversos e variados, não se restringindo apenas ao repertorio carnavalesco” (COTRIM,
COTRIM, HORTA, OLIVEIRA). Para além desta semelhança ou dessemelhança, o importante é notar
aqui que Pamplona relaciona certas escolhas de canções aos que eram (ou viriam a ser) “pesquisadores”.
57
Pode-se concluir, portanto, que há, no processo de mudança, menos ruptura que
continuidade. As transformações não são tão substanciais que impeçam que haja uma
continuidade no que se realizava/pensava desde o início.
66
Salgado afirma que a utilização do termo aponta para uma contradição nas relações de trabalho, “pois
entre músicos que dividem um palco e executam funções complementares pode haver distinção formal,
econômica, ideológica e de certa forma ilógica: o cantor é o ‘artista’, enquanto o instrumentista é um
‘músico’. Sobre este também se diz que é ‘contratado’, ou seja, está ali para acompanhar e pode ser
substituído sem prejuízo aparente do ato artístico, como de fato é comum acontecer sempre que convém
aos interesses da produção, do cantor etc.”. (SALGADO, 2005, p. 247).
67
Quando me refiro à obtenção de sustento financeiro, estou considerando somente alguns integrantes e
não todo o grupo. Segundo Gregory, há no Monobloco diferenciações internas marcantes, com projeção,
cachês e tratamento distintos entre os que são da “diretoria” e os outros musicistas.
59
É preciso entender aqui quem são os agentes que conferem o prestígio e em que
contexto isto se dá68. O âmbito da indústria cultural, apesar de hegemônico, não pode
ser tido como o único onde prestígios são atribuídos. É preciso distinguir outros
“espaços musicais de prestígio”, onde uma determinada indumentária (ou postura frente
à sexualidade, ou outros códigos sociais quaisquer) pode ser interpretada de diferentes
formas. Na festa do carnaval, por exemplo, o Cordão do Boitatá consegue grande
distinção prestigiosa, via elementos diferentes (até opostos) daqueles notados por
Gregory, no Monobloco. Tanto no cortejo de rua quanto no show realizado no domingo
de carnaval, o grupo atrai hoje um grande número de espectadores, reúne uma grande
diversidade de músicos (associados a diferentes formas de fazer musical) e obtém boa
repercussão na imprensa69 70.
Desta forma, deve-se distinguir o prestígio alcançado pelo Cordão do Boitatá
junto a seus pares profissionais, ao público71, ou mesmo à indústria, daquele atingido
por projetos como o do Monobloco. Em primeiro lugar, no grupo estudado por Gregory,
o projeto comercial tem importância central, desde sua concepção. Gregory usa a
nomenclatura bloco-show para falar de seu objeto de estudo, explicando que este é uma
referência
68
Mesmo no contexto da indústria cultural, onde o prestígio do Monobloco é alcançado, podemos pensar
rapidamente em alguns casos prestigiosos onde a sexualidade, por exemplo, é utilizada. Assim, nota-se
que a atribuição de prestígio a um músico, via sucesso do projeto mercadológico, não tem a rigidez que o
trecho da etnografia de Gregory pode levar a crer.
69
O prestígio alcançado em diferentes áreas, diga-se, é essencial para que o dinheiro de empresas
apoiadoras do carnaval chegue até o grupo. Por sua vez, a grande estrutura de palco e a qualidade da
amplificação sonora, alcançadas com este dinheiro, acabam por conferir também prestígio ao grupo, em
um círculo virtuoso. Veremos à frente também como o grupo utiliza as características que considera
prestigiosas na negociação com estes apoiadores. Sobre esta nota, o grupo comenta que “a qualidade
alcançada é fruto de nossa competência e seriedade musical, do nosso apuro técnico em todas as frentes
enfim de nossa dedicação, e não do apoio obtido. Vale lembrar que já fizemos muitos carnavais sem
apoio de nenhuma natureza. O apoio é consequência da nossa ação” (COTRIM, COTRIM, HORTA,
OLIVEIRA).
70
A cobertura jornalística dos eventos carnavalescos do Cordão do Boitatá foi alvo de diversas críticas
nos depoimentos coletados para esta pesquisa. Alguns casos foram relatados, com imprecisões, falhas de
entendimento ou mesmo erros de apuração dos fatos (como a divulgação errada de data e horários do
cortejo, por exemplo). Ainda assim, nota-se, na intensa cobertura do desfile de carnaval do grupo, ano a
ano, uma inconteste atribuição de importância pelo meio jornalístico. Pode-se citar ainda, como exemplos
desta consideração: o prêmio Serpentina de Ouro de melhor bloco de rua do Rio de Janeiro, oferecido
pelo jornal O Globo em 2014; o Prêmio O Globo de Blocos na categoria “Melhor Música”, em 2011; as
resenhas positivas de diversos periódicos para o lançamento do primeiro CD do grupo, em 2004.
71
Cristiane Cotrim nota que, por vezes, pessoas de fora do grupo se referem aos integrantes utilizando
Boitatá como um sobrenome: “fulano do Boitatá”, “ciclano do Boitatá”. Esta associação do nome das
pessoas ao grupo funciona como uma distinção elogiosa, pelo trabalho musical realizado pelo Cordão do
Boitatá.
60
que fazem menção à palcos e shows me parecem mais apropriados para definir os
grupos que participam deste novo circuito, com é o caso do Monobloco, que se
distingue pelo fato de ser um bloco profissional, criado com esse intuito, de ser um
negócio, de show (GREGORY, 2012, p. 17).
acho que ação cultural é isso: não tem foco no lucro. Não pode ter, senão ela começa a
dançar. Isso não quer dizer que a gente não vai correr atrás, que a gente não vai batalhar
e essa bola [de déficit financeiro] um dia não possa mudar. Mas a ação é voltada pra
música, pra festa. Todo esforço que a gente puder fazer, a gente vai fazer (HORTA).
Horta reforça ainda que “isto não quer dizer que esta seja a única forma de realizar uma
ação cultural e que ela não possa, em alguma medida, gerar lucro” (HORTA).
72
Nota-se que há ainda uma visão do ganho financeiro bastante específica para o grupo, contestadora da
lógica capitalista. Oliveira explica que o dinheiro nunca é o objetivo, mas um meio: “há uma visão
distorcida do mundo, do capital, do capitalismo que coloca o dinheiro como objetivo e a gente tem essa
visão anárquica, utópica de colocar o dinheiro como um meio, essa é a diferença. Como um meio de
realização de vida, de cultura, de arte. Então a nossa luta é essa. Na Praça XV [no carnaval] é essa acima
de tudo” (OLIVEIRA).
61
do ponto de vista dominante – isto é, de quem tem mais poder para definir os
parâmetros e as fronteiras do que conta como artístico –, o anonimato, o pertencimeto
discreto a uma “comunidade” e à tradição oral parecem estar no polo oposto da
atividade musical prestigiosa. Adaptando algo que já foi dito sobre avaliação de
experiências culturais diversas, este outro lado da música chega a ser encarado com
formas mais ou menos sutis de paternalismo e manipulação (...) Considera-se
geralmente com mais seriedade aquela forma de atuação que conduz à constituição de
um nome, símbolo de destaque, associado a uma capacidade musical configurada
singularmente (SALGADO, 2005, p. 246).
73
Ricardo Cotrim explica que “antigamente o grupo era a formação. Hoje em dia, o Cordão é um grupo
cultural. A gente tem um núcleo que administra uma orquestra de palco e uma orquestra de rua”
(COTRIM, R.). Ainda segundo ele, “essa distinção entre componentes [oficiais e não oficiais] ocorre
quando o grupo abre a empresa “Grupo Cultural Cordão do Boitatá” e passa a utilizar esse termo "grupo
cultural". A empresa é parte do projeto artístico profissional e comercial” (COTRIM, R.). Horta pontua
ainda que "há pessoas que tocam há muitos anos com o Cordão, e que não entraram na empresa por já
terem uma, mas que foram chamados (Paulino, Scofield, Luis Flávio). Vale ressaltar que o fim da
Cooperativa de Artistas Autônomos nos deixa sem um CNPJ e sem uma nota própria para trabalhar.
Tivemos que abrir nossa empresa" (HORTA). Esta outra forma jurídica (cooperativa) foi aberta em 2002
em conjunto com diversos outros artistas – dentre eles o Grupo Pedras, o Teatro de Anônimo, à frente
citados – e está sem atividades desde 2008.
62
74
O projeto de sustento via profissão músico concebe trabalhos não somente no grupo, mas também fora
dele: todos os integrantes exercem funções em outros grupos ou áreas afins.
63
Neste sentido, pode-se notar que o movimento por uma técnica mais apurada via
estudo ou via “experiências musicais cada vez mais profundas dentro e fora do Cordão”
(COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA) determinam um posicionamento em seu
campo profissional e fazem parte, em alguma medida, de uma busca por uma inserção
no mercado. Como afirma Salgado, “a versatilidade estilística, com um domínio de
técnicas e conhecimentos variados, (...) passa a ser, para muitos instrumentistas, um dos
objetivos a alcançar (...) – uma vez que pode aumentar concretamente as oportunidades
de trabalho” (SALGADO, 2005, p. 49). A técnica funciona então como comprovação de
acúmulo de um determinado capital cultural que é “conversível, em certas condições,
em capital econômico e pode ser institucionalizado sob a forma de qualificações
educacionais” (BOURDIEU, 1986, p. 47).
Por um lado, muitos dos discursos pontuam motivações da esfera particular,
subjetiva, para o aperfeiçoamento técnico. Um entrevistado fala, não sem humor, em
uma vontade da se exibir pela técnica, de “tirar onda de instrumentista”. Ele completa:
“tanto que no carnaval, a gente subiu no palco, quis mostrar um trabalho nosso, fazer
arranjos diferentes, tocar musicas com virtuosismo” (PAMPLONA)75. Outro
entrevistado fala do investimento na técnica como motivado por um sentimento de
“querer fazer cada vez melhor” (COTRIM, R.). Já um terceiro fala da excelência da
execução musical no palco do carnaval como sendo uma ferramenta para atingir uma
“coisa abstrata”, que envolve gerar um estado de emoção coletivo. Esta motivação
coletivista é associada à outra, subjetiva: “tem que ter um momento que me arrepie. No
cortejo e no palco. Se parar de ter, aí não vou querer fazer” (HORTA)76. Por fim, em
outra parte do depoimento de Horta, a diversidade de gêneros musicais “dominados”
pelo grupo aparece relacionada a uma ideia de identidade brasileira:
tem um lado também, muito rico: essa formação musical, [que] quem passou pelo
Cordão teve. Que é assim: quem toca samba, toca samba. Quem toca frevo, toca frevo.
Quem toca forró, toca forró. Essa possibilidade de você realmente aprender os estilos.
(...) Como é que a gente não sabe? Se a gente é brasileiro, a gente tem que saber.
Minimamente. Não vou tocar talvez exatamente como o melhor músico lá da região vai
tocar, mas eu tenho que saber. Tem que dominar isso pra gente tocar. Isso é uma coisa
que o Cordão sempre teve muita seriedade nisso. Buscou isso. (HORTA)
75
Até o ano de 2006, o Cordão do Boitatá realizava, no carnaval, apenas o cortejo de rua, acústico. Neste
ano, além deste desfile – que não cessa –, começa a ser apresentado ao público um show da banda, em um
palco, amplificado (ver subcapítulo 3.4.1).
76
Há neste depoimento um indicativo de que, como afirma Salgado, o “envolvimento afetivo chega a ser
característico da profissão musical – uma proposição que se liga à motivação pessoal ou “intrínseca”
reconhecida na escolha dessa atividade” (SALGADO, 2005, p. 250).
64
A questão do repertório associado a uma ideia de nação será analisada adiante (ver
subcapítulo 3.6). O que se ressalta neste momento são as diferentes motivações para o
desenvolvimento da técnica, sem conexão direta com a inserção na indústria cultural.
Por outro lado, há também a percepção de consequências do caminho seguido
pelo grupo em termos de inserção em áreas de atuação via qualidade técnica da
execução – ou “qualidade musical”77– e outras posturas. Nota-se, por exemplo, na
citação a seguir, que o prestígio alcançado traz a aprovação e a presença de seus pares,
músicos profissionais: “o meio musical está todo ali [no show do palco da Praça XV,
durante o carnaval]. (...) Todo mundo respeita, todo mundo gosta, todo mundo quer
estar ali com a gente” (HORTA).
Há ainda a associação da qualidade musical, no carnaval, à condição
profissional: “no caso do carnaval é uma festa produzida por músicos e é um diferencial
de todos os outros palcos do Rio de Janeiro. É um grupo musical que produz aquilo ali.
O som tem que ser o melhor, a prioridade do orçamento é o som” (COTRIM, C.)78.
Sobre o cortejo de rua, Horta, no mesmo sentido, afirma que “é um bloco que sai com
muito músico. (...) Não que quem esteja tocando nos outros [blocos] não seja músico.
Mas é músico, músico, de profissão. Que vive, roda, toca com todo mundo. Não toca só
no carnaval. Claro que é uma diferença muito grande” (HORTA).
O grupo comenta que, para além da qualidade técnica, existem outras
características no Cordão do Boitatá que fazem com que haja atribuição de prestígio
pelos seus pares, no carnaval: um projeto cultural específico com forma inovadora e
77
A “qualidade musical”, para o Cordão do Boitatá, é relacionada a diversos aspectos, como
versatilidade, virtuosismo, swing, afinação, sonoridade, timbre, variação rítmica, dinâmica,
espontaneidade, precisão. Horta explica também que estas características estão presentes tanto no cortejo
quanto no show de palco e que a presença delas se explica pela condição de serem eles musicistas –
interessados em lidar com esses elementos ligados ao som – e, no caso do cortejo, pela necessidade de um
desempenho no contexto acústico (sem amplificação): “em qualquer lugar a gente quer fazer música, em
qualquer situação, não interessa qual é a situação, a gente não faz uma diferenciação entre a música do
palco e a música da rua. Eu não faço. O nível de conexão é igual. A pré-disposição é igual. Eu acho que
da maioria das pessoas que sai com a gente também. (...) Por quê? Primeiro, somos músicos, é natural a
gente querer fazer música e fazer música nesse sentido, de lidar com todos esses elementos que a música
tem. E outra coisa, a gente sabe que pela quantidade de gente que a gente leva, o naipe precisa ter um
desempenho. Porque a gente não tem (...) sopro amplificado” (HORTA).
78
O grupo comenta esta fala explicando como veem o cenário das apresentações musicais no carnaval (e
além) do Rio de Janeiro: “no Rio, temos um histórico de produção relacionada ao carnaval e a outras
atividades culturais que funciona da seguinte forma: som ruim (barato), muito trabalho, músicos mal
remunerados e produtores com o bolso cheio de dinheiro. É uma equação invertida que compromete
totalmente a parte artística e ética nessas relações”. (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
65
Não é só o prestígio musical via qualidade técnica que traz nossos parceiros da música
para junto de nós. A proposta cultural e a forma inovadora e independente dos padrões
vigentes no mercado, fazem com que o Cordão tenha uma grande adesão por parte do
meio musical. A própria ação (...) de “pirataria cultural”, no sentido de conseguirmos
canalizar um capital para realização de um projeto cultural de excelência, libertário e
utópico, faz com que o palco onde realizamos o nosso show no domingo de carnaval na
Praça XV seja tão valorizado, amado e respeitado por todos músicos e artistas que se
apresentam lá, acima de tudo por amor à cultura do carnaval carioca. O cuidado
extremo com o equipamento de som, e uma produção voltada exclusivamente para as
melhores condições possíveis da realização musical, também é um fator diferencial. O
Cordão começa a montar a estrutura de sua festa no domingo de carnaval na quarta feira
anterior, com a montagem do palco. Sexta, após o termino da mesma, começa a
montagem de som. No sábado de manhã até as 16hs, a equipe responsável junto com os
técnicos de som do Boitatá , faz todos os testes de frequência na Praça e no palco. As
17hs começa a passagem de som de toda a orquestra e dos convidados que por ventura
tenham necessidades especiais. (Os instrumentistas, grupos convidados etc.).
Geralmente esta passagem dura de 4h a 5 h. Isto tudo para no domingo estar tudo bem
bonito e afinado para o dia de carnaval (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA)80.
79
A “pirataria cultural” seria a tomada do dinheiro das empresas apoiadoras para um uso deste fora da
lógica mercantilista: “o apoio que é conseguido é usado de forma utópica, baseada em princípios
totalmente diferentes dos que regem o pensamento capitalista destas empresas. Consideramos uma ação
de pirataria cultural” (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
80
No Anexo 3 o grupo lista as equipes de som com as quais o Cordão do Boitatá trabalhou, comentando
suas atuações e apontando que “há um caminho de muito trabalho e gradual aperfeiçoamento do conceito
da festa em vários níveis” (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
66
qual o grupo foi contratado em um bar em São Paulo, já no ano de 2014, afirma-se que
“ali é trabalho” (HORTA). Utiliza-se a palavra “trabalho” para ressaltar a relação de
troca econômica, estabelecendo que a realização do show tinha o objetivo principal de
ganho financeiro81. Já outro entrevistado, explicando que o grupo procura hoje se
inscrever em editais, na busca de trabalhos, aparece cônscio das demandas de
racionalidade prática (ver SALGADO, 2005, p. 248) que vão além do exercício da
técnica de um instrumento e do prazer em realizar o trabalho, passando por diversas
ações dentro e fora do que pode se entender como referentes à profissão de músico82:
“hoje em dia o músico tem que fazer tudo, todas as etapas. Quanto mais dominar,
melhor” (OLIVEIRA).
Já a fala de Ricardo Cotrim associa mais claramente o projeto artístico-
profissional às apresentações carnavalescas – que, como vimos, é um projeto que não
gera rendimento financeiro aos integrantes – comentando a inserção do show no palco
nestas festividades (até 2006, o grupo realizava apenas um cortejo de rua durante o
carnaval – ver subcapítulo 3.4): “o investimento do grupo e planejamento durante o ano
fez com que naturalmente tivéssemos cada vez mais um pensamento atrelando as
atividades carnavalescas ao projeto como um todo” (COTRIM, R.).
Um discurso relatado por Salgado – de um integrante de um grupo que também
tem atuação no carnaval do Rio de Janeiro, já citado aqui, o Céu na Terra – se
assemelha, em alguma medida, ao dos integrantes do Cordão. Nele,
81
É interessante como a palavra trabalho é utilizada de diferentes formas nos discursos dos integrantes e
ex-integrantes do Cordão do Boitatá. Na maior parte das vezes, tem um significado genérico que está
associado a atividades (ou ao conjunto total de atividades) que realizam no grupo, mas não
necessariamente ao ganho financeiro. Por exemplo: “o trabalho com o mestre Darci”; “bloco é uma
vertente do trabalho”; “o trabalho de composição”; “[o Cordão] sempre teve um trabalho que não se
encaixou na Lapa”. Outras vezes, não raras, o termo se refere especificamente à dissociação entre uma
atividade prazerosa (de fazer musical) e outra focada no ganho financeiro. A expressão “ali é trabalho”
descrita acima é exemplar deste sentido. Esta também: “não adianta a gente achar que 7 horas da manhã
de domingo vai estar tudo mundo lá pra tocar. Não vai estar. É trabalho. Tem uma hora que é trabalho.
(...) Adora estar ali com a gente, mas ele está trabalhando” (HORTA). Sobre esta última citação, o grupo
comenta, aprofundando o seu sentido: “não há como generalizar os motivos que levam cada músico a
estar ali no cortejo às 7 horas. Existem questões de ordem pessoal, afetivas, musicais, financeiras,
profissionais, ontológicas, existenciais, libidinosas, alucinógenas etc. O Boitatá, muitas vezes, serve como
fator de inserção de músicos de outras localidades inclusive, no circuito profissional da cidade”
(COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
82
Os trabalhos realizados pelo Cordão do Boitatá apontam para execuções em múltiplos “espaços e
rotinas” de atividades referentes à profissão de músico (ver SALGADO, 2005, p. 40). A atividade mais
comum no grupo é a performance em apresentações ao vivo. Mas realiza, eventualmente, performances
em gravações de estúdio; composições e arranjos, para apresentações ao vivo ou para gravações em
estúdio; e ensino, em oficina.
67
Nota-se que a similaridade acontece com um grupo que também tem atuação nas
festas carnavalescas. Proponho que isso se dê porque o desfile de rua é um modo de
performance que favorece a indiferenciação entre músicos e plateia e,
consequentemente, o estabelecimento de um espírito participativo, coletivista83.
Ressalva-se, no entanto, que é preciso escapar de uma visão determinista. O fato de
favorecer um espírito coletivista não implica necessariamente que os projetos
carnavalescos tenham isto como foco. Como já foi notado aqui, há projetos
carnavalescos contemporâneos, como o do Monobloco, que já nascem voltados para a
inserção no mercado, com objetivos de lucros individuais. Além disso, há uma
tendência da indústria cultural em tentar cooptar movimentos artísticos que obtém
prestígio em outros campos, o que pode mudar as características de um grupo. Uma
análise dos tipos de grupos carnavalescos contemporâneos no Rio certamente provará
uma multiplicidade de abordagens quanto ao tema84.
Contíguo ao reconhecimento das demandas de racionalidade prática existe o
posicionamento crítico frente a outros atores da indústria cultural. Há no Cordão a
explicitação das complexas relações com os agentes governamentais e empresariais,
bem como o esforço despendido para a realização de seus eventos e as posturas políticas
assumidas.
Assim, os integrantes reconhecem – como já antecipado na fala que cita os
produtores culturais – iniquidades nas relações de poder entre grupos atuantes no
83
Para um maior detalhamento, bem como uma problematização dessas características, ver subcapítulo
3.4.
84
Pude observar no carnaval de rua do Rio de Janeiro, mesmo sem estar fazendo uma análise sistêmica,
uma grande variedade de projetos de blocos de carnaval. Dentre eles, minha percepção é a de que existe
um debate crescente provocado pela crítica feita por alguns blocos de pequeno porte (que reúne não mais
que algumas centenas de foliões) com um caráter não comercial e a recusa a qualquer diálogo com
instituições, públicas ou privadas. Os alvos das críticas seriam os grupos de médio ou grande porte que
buscam verbas dos apoiadores privados e agentes públicos. Nota-se que, nestes grupos com acesso a
verbas, há uma grande variedade de projetos, podendo ter objetivos comerciais ou não – dois deles, o
Cordão do Boitatá e o Monobloco já tiveram suas diferenças analisadas aqui –, e que existem até mesmo
conflito entre eles: a matéria “Verba oficial para blocos gera polêmica e abre discussão” (BARBOSA,
2014), publicada no jornal O Dia, aponta algumas das disputas. Um estudo amplo sobre este debate (a
crítica e as diversas respostas) poderia dar um panorama dos diferentes tipos de ocupação da rua no
carnaval e de relacionamentos distintos que a prefeitura e as empresas mantêm com os blocos na cidade.
Sobre esta nota, o grupo comenta que “é importante deixar claro que nunca entramos em nenhum tipo de
embate com outro bloco por verba. Muito pelo contrário, a ação do Cordão de negação a condições
impostas, muitas vezes fez com que o apoio melhorasse para todos” (COTRIM, COTRIM, HORTA,
OLIVEIRA).
68
decide quem vai ter dinheiro e quem não vai ter. Ela passou a ser a curadora quase (...).
O Boitatá é um bloco antigo, grande, dentro dessa geração. A gente já tem um posto ali.
A gente sempre consegue um dinheiro pra montar o palco. Vai tudo pra estrutura. (...) A
gente discute sim, mas é uma situação... Cada ano é uma escalada (COTRIM, R.).
o Boitatá não tem e nunca teve uma ação subordinada a Prefeitura ou a qualquer
empresa. O Cordão sempre realiza exatamente o que concebe como concepção de uma
festa de carnaval livre, não mercantil. Não há concessões de nenhuma ordem. No caso
da Prefeitura (que não dá e nunca deu 1 centavo para a realização de nossas atividades
!!), o Boitatá exige sua presença. Segurança, banheiros, pavimentação das ruas etc. Este
ano entregamos um dossiê 1 mês antes do carnaval, com todo o nosso trajeto
fotografado. Todos os bueiros abertos, obras sem proteção, marquises, ferros etc...
foram apontados, como a intenção de proteger os foliões de possíveis acidentes.
Entendemos isto como um gesto de carinho e responsabilidade com a cidade e seus
cidadãos. Uma brincadeira de carnaval que sai com 30, 40 pessoas não carece muito
deste tipo de percepção. Um Cortejo com 18 anos de realização e um palco que recebe
mais de 60 mil pessoas ao longo do dia sim. Não tem nada a ver com ser insubordinado
ou não. É um outro tipo de discussão. Colocar tudo no mesmo patamar de avaliação é
um erro. O Boitatá defende sim, uma nova postura das empresas que ganham rios de
dinheiro com o carnaval. Uma postura que seja menos mercantil, mas voltada para os
aspectos culturais, musicais da festa. Até hoje o Boitatá banca o Cortejo sozinho e
durante muitos anos realizou (o palco inclusive) sem apoio da AMBEV, tirando
dinheiro do próprio bolso! (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
o que a fala quer dizer é que o Boitatá tem uma postura diferente em relação ao uso
desse apoio (independente da quantidade conseguida). O dinheiro é para trazer
qualidade para a festa, é para ser colocado todo na sua realização e não ficar no bolso
dos "produtores culturais". Fato muito comum no carnaval e no mercado de cultura!
(COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
69
Eles comentam ainda que gostariam de poder administrar o palco para grupos culturais
parceiros, ressaltando a grandeza da realização, o baixo valor investido e o desinteresse
dos apoiadores:
entendemos que é uma pena montarmos uma estrutura tão boa para apenas 1 dia,
gostaríamos muito que grupos, como as Velhas Guardas por exemplo, pudessem
usufruir do palco que montamos, e da festa que produzimos como um todo.
Gostaríamos de poder oferecer isto para outros grupos culturais parceiros, estendendo
nossa festa para mais 1 dia pelo menos. O palco do Boitatá tem todo potencial para se
tornar um marco, uma referencia do Carnaval multicultural da Cidade. Realizamos algo
imenso com pouquíssimo recursos, se conseguíssemos mais e se tivesse maior interesse
de se investir em cultura de verdade poderíamos fazer algo ainda maior para a Cidade,
com certeza! (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
No caso do Cordão do Boitatá, no entanto, mesmo que haja este envolvimento pessoal e
também uma postura crítica em relação a outros atores, como contratantes, apoiadores
ou produtores; ainda assim, existe no grupo a percepção pragmática de que alianças
precisam ser feitas, principalmente na a realização de um espetáculo do porte que eles
apresentam durante o carnaval, para milhares de pessoas. Deste modo, os integrantes
fazem críticas e entram em determinados conflitos para atingir objetivos diversos 85, mas
admitem que as conexões são importantes apara atingir os objetivos do grupo. Oliveira
argumenta que o dinheiro da AMBEV foi necessário pra poder acompanhar o público
crescente e manter a qualidade musical. Já Horta fala da superação de um dualismo e da
desconstrução de uma imagem negativa, unidimensional. Se referindo a um momento
85
Um exemplo de conflito de ordem financeira fora do Cordão do Boitatá é relatado por um dos
integrantes. Atuando neste outro grupo, com repertório de sambas, em uma casa de shows na Lapa, ele
conta que “quando a gente começou a ganhar grana lá dentro (...) [O dono] falava assim: mas vocês estão
ganhando salário de engenheiro aqui. A gente disse: é isso mesmo, a gente está enchendo a sua casa. Ele
tem uma visão de músico f.. Ele vê a gente tomando aquela cerveja, tocando feliz da vida. [Ele pensa]:
trabalha um dia da semana e ganha 6.000, 7000 reias, cada um? Não pode. O bolso dele começa a doer,
coçar” (COTRIM, R.). O episódio de disputa entre produtor e musicistas pode ajudar a formatar um
quadro sobre a maneira como é construída a ideia da profissão de músico, no contexto do Rio de Janeiro.
70
a gente foi ficando calejado. (...) Na hora [da entrevista] o que você fala... O que é
importante sair... Porque não adianta a gente ter um puta apontamento cultural que [o
jornal] não vai assimilar, a TV não vai assimilar. (...) Esse foi um ano legal pra gente
[2014]. Porque a gente como já tem falado muito [com a imprensa], há muitos anos... A
gente já começou a entender a pauta, quando a pessoa liga. Passamos a entender que
muitas vezes a imprensa ligava para nos colocar numa pauta pronta, armada,
desvinculada de nossas ideias e conceitos (HORTA).
Nota-se ainda que as características não mercantis são também utilizadas pelo
Cordão do Boitatá como uma espécie de capital cultural do grupo e empregadas até
como argumento em negociações com agentes governamentais. Horta conta que, em
uma reunião realizada para o carnaval de 2014, com a Riotur (Empresa de Turismo do
Município do Rio de Janeiro, responsável por produzir e/ou apoiar grandes eventos na
Cidade, com destaque para o Réveillon e o Carnaval), onde se discutia a autonomia do
grupo no palco da Praça XV durante o carnaval 87, foi argumentado às autoridades que
86
O grupo comenta a respeito que “durante muitos anos, o Cordão (sozinho) arcou com os custos do
aluguel de banheiro usando o dinheiro de seus shows pré-carnavalescos. Vale observar que estas
empresas de banheiro, no carnaval, formam um cartel e que o preço de cada unidade alugada era muito
alto” (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
87
Horta contextualiza esta reunião, detalhando a discussão ali ocorrida e ressaltando a postura do grupo
frente aos posicionamentos da prefeitura e da AMBEV: “não tivemos uma reunião para pedir dinheiro ou
tratar de verbas (a prefeitura não coloca nada). A discussão era sobre a autonomia do final de semana na
Praça XV (pois a Prefeitura queria nos encaixar numa programação dela, ou seja, "tomar na mão grande
aquilo que criamos do zero e sem recursos públicos"). Ficamos sabendo disso pelo jornal!! Todo nosso
planejamento musical e técnico seria comprometido, fora outras questões. Outro ponto discutido foi a
postura da prefeitura frente às empresas privadas. Para nós, ela tem o poder de exigir uma forma de
atuação dessas empresas que os blocos, sozinhos, não têm. Além disso, eles estavam vendendo a ideia de
que os blocos deveriam se auto financiar (como se já não o fizessem!!!!). A AMBEV daria dinheiro só
71
“é um grupo cultural. Não é um grupo mercantil. A gente faz um trabalho cultural muito
importante pra essa cidade” (HORTA). Na tentativa de convencimento afirma ainda que
o trabalho vai além da atuação como bloco, ressaltando a importância do palco: “já não
é mais bloco. É um evento cultural que tem nove anos e transmissão pro Brasil inteiro”
(HORTA).
Nota-se, por fim, que a iniciativa comercial nunca obteve uma produção que
fizesse com que os integrantes fossem sustentados por seu rendimento financeiro. Os
depoimentos deixam transparecer alguma discordância quanto à avaliação deste cenário,
apontando para questões que vão além da gestão comercial (mas que implicam no
resultado desta). Há entrevistados que avaliam negativamente a situação, com queixas, e
há outros que não lamentam. De todo modo, tanto nos depoimentos queixosos, quanto
nos que não lamentam, as causas que apareceram com mais frequência para a ausência
de um número maior de shows durante o ano são: a demanda de trabalhos musicais que
os integrantes têm fora do grupo e alguma dificuldade em comercializar um show que é
plural em seu repertório88.
Estas discordâncias com relação ao desempenho do empreendimento comercial
têm uma relevância por apontarem para possíveis conflitos que determinaram, em
alguma medida, o rumo do Cordão do Boitatá e que ainda seguem influenciando-o. Os
para a Prefeitura e nada para os grupos que realizam o carnaval. Isto com a cidade e os blocos infestados
de propaganda da mesma empresa. Mamão com açúcar né!! A Prefeitura precisa agir para manter a cena
cultural da cidade acesa e não sufocá-la. Batemos duro na questão do monopólio da AMBEV e
sinalizamos o óbvio: que esta Multinacional ganha rios de dinheiro no carnaval de rua e precisa repassar
isto de alguma forma para a realização e manutenção das ações culturais (não só o Cordão) que mantém o
carnaval do rio lúdico, alegre e vibrante. É uma discussão grande e complexa. Fazemos sim uma ação de
Pirataria Cultural! Havia também uma campanha de marketing da AMBEV absurda, invertendo
completamente algumas responsabilidades. Queria premiar o bloco mais limpo (o volume de plástico e
latinhas provenientes dos produtos da mesma são os grandes responsáveis por isso), colocando esta
função na conta de todos os blocos da cidade. Uma análise do volume de recursos que o carnaval de rua
gera para a Prefeitura, AMBEV, setor Hoteleiro etc. é cabível. Outro item seria a dispersão: o bloco teria
20 minutos para se dispersar (ganharia dinheiro também o "mais rápido"). Caso não fizesse a dispersão no
tempo proposto, seria punido. Quem faria a dispersão, a polícia?? Isto tudo depois de um ano (2013) de
grande violência da polícia com manifestantes. Mostraram, entre outras coisas, grande desconhecimento
do funcionamento do carnaval de rua com a tradicional cervejinha, batucada e brincadeiras que fazem
parte do final dos desfiles, além de pouca inteligência e sensibilidade. Dissemos, na reunião com a
AMBEV para expor este projeto de marketing deles, que exigíamos a retirada do nome do Boitatá daquilo
e que bateríamos com todas as forças nessa proposta maluca e invertida através da imprensa, internet etc.”
(HORTA).
88
Oliveira comenta ainda este cenário, relacionando o rendimento financeiro a fatores externos ao grupo,
estruturais: “o êxito de um maior sucesso de rendimento financeiro do grupo, em última instância, me
parece que estaria relacionado a questões de valorização da cultura e da educação no país de forma geral.
A própria realidade sociocultural na qual vivemos, em que a cultura é um bem extremamente elitizado
cujo pouquíssimas pessoas têm acesso, também é um fator determinante deste quadro. Não conheço
nenhum músico que consiga viver apenas de um projeto mesmo quando acompanha grandes artistas
renomados. A escassez generalizada de circuitos, programações culturais e festivais, não só no país, como
no continente Sul Americano reflete essa realidade” (OLIVEIRA).
72
Não há, neste contexto, idealização do fazer musical nos discursos dos(as)
entrevistados(as), no sentido de enxergar a profissão apenas como uma atividade
diletante. Adjacente à percepção de que o grupo é moldado por “vontades musicais e
artísticas unicamente”, são listados posicionamentos ligados às demandas de
racionalidade prática da profissão além de posturas demarcadas em relação aos agentes
culturais, colocando-se aberto a diálogos com o poder público e privado e, ao mesmo
tempo, preservando uma postura crítica e combativa.
Assim, o Cordão do Boitatá se coloca, ao mesmo tempo, como um projeto
crítico à lógica mercantilista – enxergando o lucro não como um objetivo, mas como um
meio para realizar a produção artística – e também na batalha por verbas – vendendo
seus shows ou negociando com os apoiadores do carnaval, por exemplo –, concebendo,
em alguma medida, a geração de lucro.
Como já foi colocado, uma das questões levadas a campo foi a análise da
coexistência, no grupo Cordão do Boitatá, de dois dos quatro campos de prática musical
propostos por Thomas Turino (2008): a performance participativa e a performance de
apresentação89.
A performance participativa teria como principal característica, segundo Turino,
o foco na interação social, onde o som é importante na medida em que inspira a
participação de todos. Todos os envolvidos no contexto desta performance podem (e
devem) contribuir efetivamente (seja tocando, cantando ou dançando), fazendo com que
a distinção entre musicistas e plateia se dissipe. Nos termos de Turino, a música
participativa “tem mais a ver com as relações sociais presentes na performance do que
com a produção de arte que pode de alguma forma ser abstraída dessas relações sociais”
89
Os outros dois campos de prática musical sugeridos por Turino envolvem gravação: alta fidelidade e
arte sonora de estúdio. A alta fidelidade refere-se à realização de gravações que se destinam a “indexar
ou ser icônica da performance ao vivo” (TURINO, 2008, p. 26). Já a arte sonora de estúdio envolve a
“criação e manipulação de sons em um estúdio ou em um computador para criar um objeto de arte
gravado (uma "escultura sonora"), que não tem a intenção de representar uma performance ao vivo”.
(Idem, p. 27).
74
90
Turino define forma (ressaltando que a palavra é comumente empregada no jargão musical) como
referente “à ‘arquitetura’ geral ou ‘desenho’ de uma peça que se desenrola ao longo do tempo. Os três
aspectos que nos ajudam a reconhecer a forma musical são a repetição, a variação e o contraste. A
repetição de pequenas unidades melódicas ou rítmicas (motivos), uma frase musical, ou uma seção inteira
(uma unidade maior, relativamente completa) unifica uma peça e a torna coerente através de relações
icônicas; nós reconhecemos motivos, frases ou seções como unidades porque nós os ouvimos antes na
peça. (...) Unidades devem ser distinguidas umas das outras por algum tipo de contraste ou diferença. As
variações representam um ponto médio entre o contraste e exata repetição” (TURINO, 2008, p. 37).
75
Ausência de divisão entre músicos e plateia Divisão bem marcada entre músicos e plateia
Timbres e texturas sonoras densas, ruidosas Timbres e texturas sonoras transparentes, claras
Processo ensaio com metas e objetivos
Processo de ensaio frouxo, solto
específicos, focados em detalhes e nos arranjos
Músicos com nível técnico variante Músicos com nível técnico semelhante
Menor liberdade artística para o músico virtuoso Maior liberdade artística para o músico virtuoso
Ênfase no virtuosismo individual (culto à
Individualidade suplantada pelo coletivo
personalidade)
Música como produto do desenvolvimento do
Música como produto da interação social
capitalismo
Fonte: Elaboração própria, com base no texto de Thomas Turino (2008).
Desta forma, podemos supor que, embora tivessem um formato que indicasse divisão
entre público e plateia, separados pela presença do palco, as apresentações iniciais eram
marcadas em grande medida pelo espírito participativo, dado o contexto: as festas
populares. Estes eventos, onde o grupo se apresentava àquela época (e se apresenta até
hoje), podem ser associados mais a eventos participativos que de apresentação, já que a
presença da música executada tem o objetivo principal de fazer as pessoas dançarem
(ver também subseção 3.2.1)92.
O caminho profissional e o surgimento de apresentações em casas de espetáculo,
em um contexto já estabelecido pela indústria cultural, podem ter marcado uma
mudança de foco da performance deste formato banda, passando a ser mais ligada a
apresentação. Ainda assim, como afirma Oliveira, características de participação
permanecem presentes, em determinadas apresentações. Segundo ele, grande parte dos
shows realizados pelo grupo, em casas noturnas e em outros espaços abertos, podem ser
consideradas “performance de apresentação, mas contam ainda com a participação do
público, seja cantando, dançando” (OLIVEIRA). Em contraste com estes, haveria os
que quase não têm hibridismo, sendo “radicalmente (...) de performance de
apresentação somente, (...) realizamos em diversas ocasiões também. São em teatros
fechados, para plateias sentadas” (OLIVEIRA).
Outro momento significativo para a análise dos shows em palcos, que não
modifica mais uma vez sua orientação (de apresentação), mas acentua seu hibridismo
com a performance participativa, é o da decisão do Cordão do Boitatá de colocá-los
dentro da festa de carnaval, em 2006 (e que perdura até os dias de hoje)93. A ideia era
conseguir mostrar um repertório diferente daquele executado no bloco, como afirma
Cristiane Cotrim: “no palco a gente ficou mais tranquilo de poder mostrar uma
92
Nota-se que não investiguei nenhum registro destas apresentações dos nos primeiros anos do grupo, em
palcos. As conclusões que chego são derivadas dos depoimentos dos(as) entrevistados(as).
93
O cortejo de rua não deixa de ser feito, mas o tempo de desfile diminui, já que agora havia duas
atividades para o mesmo dia: cortejo de rua e show no palco. Em 2013, no entanto, o grupo resolveu
dividir as duas performances em dias diferentes (cortejo de rua no fim de semana que antecede o carnaval
e show no palco no domingo de carnaval).
77
produção musical que era mais próxima do que a gente vinha trabalhando já há alguns
anos [no formato banda]” (COTRIM, C.). Horta detalha a escolha:
as duas coisas são fundamentais [o palco e o cortejo]. O palco veio de (...) necessidades:
artística, musical, de querer tocar mais coisa no carnaval, de querer mostrar outras
coisas pra todo mundo que estava querendo estar ali junto com a gente. O cortejo... até
pelo tamanho da orquestra, a gente tinha limitações. É outra forma. (...) Não é melhor
nem pior [que o formato banda], é outro jeito. A gente queria fazer diferente (...) E uma
coisa complementando a outra. (HORTA).
permitiu que o grupo pudesse apresentar seu trabalho musical (...) para um público cada
vez maior, que hoje em dia passa de 50 mil pessoas. Ao mesmo tempo pudemos manter
a característica acústica do cortejo, e continuar desenvolvendo os arranjos, o repertório
e a formação da orquestra de rua, aumentando o números de integrantes (COTRIM,
COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
a gente pensou de que forma a gente poderia dar vazão a esse público pensando num
formato que não fosse o trio elétrico. Pensamos no formato do coreto. O Baile na praça.
E não só isso. Tem a questão da potência do som e a vontade de levar um outro
repertório pro carnaval (COTRIM, R.).
a partir de 2006, quando montamos pela primeira vez nosso palco de carnaval, foram
anos de experimentações, entendimento e aprimoramento desta nova realidade que era
realizar o cortejo e o show. Este foi um caminho que encontramos de reinvenção da
festa em função também do crescimento do bloco, que aumentava ano a ano. Algumas
pessoas podem ter estranhado, toda a mudança gera algum tipo de reação, é natural.
Este ano foi uma ano de novas experiências. Experimentamos inicialmente fazer o
cortejo após o show, nos anos seguintes passamos a fazê-lo antes, até chegarmos no
formato ideal de 2 dias de festa. Existe um fluxo contínuo no nosso carnaval de muita
luta, dedicação, e reflexão para manter a festa com suas características primordiais. A
festa de carnaval do Cordão sempre foi realizada e pensada por seus integrantes. Na
hora do cortejo, e até do palco em certa medida, contamos com uma rede grande de
colaboradores e amigos como o Teatro de Anônimo, o grupo Pedras, a cooperativa
Abayomi, o Coralito, etc., que participam e conhecem bem nossa brincadeira desde o
início. Isto nunca mudou. O carnaval de 2006 foi na verdade, ao contrário do que
alguns podem ter achado, uma potencialização deste espírito coletivo. Em 2005/2006 a
Cooperativa aprovou na Unesco (Monumenta) o “Mercado do Peixe”, projeto de
revitalização cultural do centro da cidade com uma programação que se estendia
durante 6 meses. Circo, Teatro, Dança, Música e Oficinas, tinham como ponto de
78
referência a sede da Rua do Mercado 45. Eram mais de 40 artistas e a grana bem curta.
Apesar disso fizemos um calendário de atividades muito rico e variado. Grupos e
artistas que faziam parte ou não da Cooperativa como Teatro de Anônimo, Diadokai,
Pedras, Abayomi, Júlio Adrião, Sidney Cruz, Márcio Libar, Seu Jair do Cavaquinho,
Xangô da Mangueira, Carroça de Mamulengos entre outros, se apresentaram na Rua do
Mercado. A possibilidade de fazer o palco veio de uma decisão da CASA, de abrir o
ano de atividades do “Mercado do Peixe” com o nosso carnaval. Tudo num espírito
coletivo, solidário, libertário, tendo a música e a arte como meta. O Cordão teve 5 mil
reais para alugar um equipamento de som e só. Como não havia palco, pegamos na
Fundição Progresso uns tablados de madeira emprestados. Sobre esses tablados
fizemos um grande show de carnaval para umas 15.000 pessoas ou mais, em que
participaram vários artistas, dos quais destacamos o saudoso sambista Nadinho da Ilha.
Demos então início a história do nosso palco de carnaval. Tudo num espírito muito
coletivo e solidário. Vale ressaltar que durante muito tempo o Cordão realizou sua
brincadeira de carnaval sem apoio financeiro ou logístico de nenhuma natureza. Não
havia AMBEV, nem Prefeitura. O Cortejo, os banheiros e todos os gastos relativos ao
carnaval eram bancados integralmente pelo Cordão com dinheiro dos cachês do grupo.
Até hoje o grupo investe dinheiro do próprio bolso para cobrir os custos da festa.
(COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
Já o cortejo de rua, nos primeiros anos de desfile, era sim uma performance
participativa praticamente sem traços da performance de apresentação. Havia pouca ou
nenhuma diferenciação entre público e musicistas, repertório de fácil assimilação, com
repetição dos temas, ausência de contrastes nas repetições, timbre geral ruidoso e
poucos solos94.
Muitos dos(as) entrevistados(as) classificam estes primeiros desfiles como tendo
as características de um bloco de sujo. Esse tipo de cortejo é identificado assim por
Ricardo Cotrim: “bloco que você marca a hora e a esquina, aquele bloco arrastão que é
formado pelas próprias pessoas... Que vão se juntando. (...) Tem uma organização
mínima e vai se constituindo ao longo do processo” (COTRIM, R.). Há ainda a
descrição do bloco como algo fundamentalmente relacionado ao divertimento (em
contraposição a uma atitude mais metódica e responsável, como veremos à frente): “no
início (e durante um tempo) era um hobby, quase. A gente ia pra se divertir no carnaval”
(OLIVEIRA).
O episódio paradigmático desse tipo de desfile, relatado também por muitos(as)
dos(as) entrevistados(as), é o cortejo do carnaval de 1997, o primeiro realizado. A
história contada, que funciona em alguma medida como mito de fundação do bloco, é a
94
O documentário de Snir Wein (WEIN, 2003) filmado no carnaval de 2002 ou 2003 (Wein foi
perguntado por mim, mas não soube precisar) foi utilizado para esta análise, além dos depoimentos
colhidos. Nota-se ali a ausência de uma corda que divida músicos e plateia no cortejo, além de uma
ênfase de marchinhas carnavalescas no repertório (que, no entanto, não é conclusiva, já que há um nítido
recorte do diretor: apenas oito músicas aparecem, de um repertório sabidamente bastante maior). Embora
não haja detalhes sobre como foi feita a captação de som do filme, nota-se a importância dada aos
instrumentos de sopro e percussão, sempre em primeiro plano. O coro de vozes dos foliões também
aparece com destaque.
79
95
Apenas um instrumento de sopro foi levado (o saxofone de Pamplona). Um encontro com músicos da
banda militar (possivelmente integrantes também da banda do Cordão Bola Preta, segundo o relato de
Ricardo Cotrim), que estavam com outros instrumentos de sopro, é narrado como um dos momentos de
êxtase para os foliões.
96
Havia naquele ano de 1997 (e ainda há, até os dias de hoje), não obstante, um foco de concentração na
Avenida Rio Branco, onde diversos blocos tradicionais da zona norte desfilavam. O maior deles, que saia
(e ainda sai) sozinho no sábado de carnaval, pela manhã, é o Cordão da Bola Preta. Outros desfilavam
durante os outros dias à tarde e à noite, como o Cacique de Ramos, por exemplo, com o qual o desfile do
Cordão do Boitatá se encontrou em determinado momento daquela tarde do primeiro desfile.
97
Os blocos citados pelo entrevistado são: “Barbas”, “Sovaco de Cristo”, “Imprensa Que Eu Gamo”,
“Simpatia É Quase Amor”, “Bloco de Segunda”, “Concentra Mais Não Sai”.
98
O discurso de retomada do carnaval de rua na zona sul e no centro da cidade do Rio de Janeiro é
narrado por agentes do carnaval, do poder público, pela imprensa e pela academia (ver, por exemplo,
HERSCHMANN, 2013), com diferentes abordagens. O enfoque desta pesquisa não é a revitalização do
carnaval de rua do Rio de janeiro, mas nota-se que o Cordão do Boitatá é um dos primeiros (senão o
primeiro) agentes ativos dessa retomada.
80
99
“Corda” é uma denominação genérica para o utensílio utilizado. Como será visto à frente, a atual
“corda” é, na verdade, um tecido específico, comum a uma atividade relacionada ao circo, chamada
“tecido acrobático”.
100
O mesmo entrevistado, em trecho citado acima, já usara o termo responsabilidade para traçar
diferenças entre o grupo em seu início e nos dias de hoje (ver subseção 3.3.2).
81
vez na terça de carnaval, o Cordão do Boitatá realiza um grande cortejo fora do Rio de
Janeiro, em Barra do Piraí.
Para além do processo de mudanças, Oliveira estabelece semelhanças entre o
bloco em seu início e o bloco no formato atual:
não há para mim, essencialmente, diferença entre o cortejo dos primeiros anos e os que
fazemos hoje em dia. Pra mim, na essência assim como na prática, o cortejo continua
sendo o mesmo. O que foi que mudou? Algumas proporções apenas, números de
foliões, números de músicos, trajetos, horários, algumas características de arranjos e
repertório... Cabe analisar, que essência é essa a qual me refiro, o espírito anárquico
sim, mas sobretudo os conceitos políticos, éticos, estéticos e acima de tudo a
preocupação em estar fazendo um ato cultural e contribuindo para que possa continuar
se desenvolvendo e florescendo a cultura do carnaval de rua no Rio de Janeiro, com
toda sua musicalidade ímpar, com toda sua anarquia, com todas suas fantasias. Desde o
início, me parece que foi isso que motivou o grupo, e é o que a gente continua fazendo!
Infelizmente apesar de todos nossos esforços e de tantos outros grupos, o poder público
e outras instituições financeiras parecem não enxergar a importância do carnaval como
patrimônio cultural, o valor incomensurável que isso tem, e sobretudo não querer
conceder aos agentes dessa cultura os meios necessário para realizá-la de forma digna
(OLIVEIRA).
Fotografia 1 - Cortejo de rua do Cordão do Boitatá em 2014, com ala das baiana em destaque. Foto de
Guito Moreto
82
Fotografia 2 - Cortejo de rua do Cordão do Boitatá em 2014, com estandartes em destaque. Foto de Guito
Moreto
Fotografia 3 - Cortejo de rua do Cordão do Boitatá em 2014, com percussões em destaque. Foto de Guito
Moreto
83
Fotografia 4 – Show na Praça XV em 2014, com vista afastada. Foto de Guito Moreto
Fotografia 5 – Show na Praça XV em 2014, com vista aproximada. Foto de Guito Moreto
84
101
A formação da banda fixa era: um baterista; três percussionistas, que variavam de instrumentos; um
violonista; um baixista; um trombonista; um trompetista; uma saxofonista; um flautista; uma
cavaquinista; um acordeonista; e um saxofonista (os três últimos, integrantes oficiais do Boitatá). Duas
85
cantoras e um flautista também apareceram, no ensaio que presenciei, para músicas específicas. No show
houve outras muitas participações, de cantores e instrumentistas.
102
Para um referencial de comparação, a “tabela de cachês”, produzida pelo Sindicato dos Músicos do
Estado do Rio de Janeiro, regula o valor de apresentações ao vivo da seguinte forma (valores para
“acompanhamento de artistas nacionais”): R$ 1.107, por show e o mesmo valor por cada ensaio
(SINDMUSI, 2014). Nota-se ainda que, apesar de ser um sistema classificatório importante, esta tabela
não representa a real remuneração de músicos em diversos ambientes de trabalho. Como afirma Salgado,
“o valor operacional da tabela – em que circunstâncias ela é de fato aplicada? – seria [ainda] matéria a
discutir” (SALGADO, 2005, p. 264).
103
Minha vivência como músico popular no Rio de Janeiro me fez ter uma sensação de estranhamento
com o horário de início do ensaio. Não é raro presenciar, em diferentes trabalhos, atrasos de 40 a 50
minutos. No entanto, não posso afirmar que o comportamento daquele dia seja a regra para o Cordão do
Boitatá.
86
das formas das músicas104. Notei muitas sugestões de diversos musicistas, mas havia um
papel de direção conferido a um dos integrantes do Cordão do Boitatá: Horta. Houve
ainda um momento onde a direção passou a um musicista de fora, pois o grupo iria tocar
a sua música (este sendo o momento de maior concentração de todos os presentes).
Havia notações musicais para todos, menos para os três percussionistas. Os sopros liam
em partituras em pentagramas (os arranjos concebiam, em grande medida, linhas
melódicas diferentes para cada instrumento de sopro), enquanto que os instrumentos
harmônicos, cifras (em alguns casos, também aparecia a notação em pentagramas).
Na execução do show, no domingo de carnaval, todos estavam fantasiados no
palco. Dentre os musicistas, havia semblantes concentrados e descontraídos, em igual
medida. Alguns liam partituras (os sopros se destacam como os que mais as utilizam) e
outros tocavam sem consultar as notações. Havia canções, no entanto, que todos tocam
lendo, pela complexidade ou pela falta de familiaridade com a peça. Em algumas
músicas, acontecia um pedido de Horta (exercendo uma função de direção também no
palco), para um alongamento da forma. Gestuais indicavam as diferentes ações:
repetições de determinados trechos ou volta ao início da partitura, por exemplo.
Horta também era responsável pelo estabelecimento da ordem de execução das
músicas e pela organização da entrada dos convidados no show. Muitas vezes ele saía
do palco (entre as músicas ou mesmo durante a execução delas), para saber, nos
bastidores, informações de quem tinha ou não chegado e/ou para chama-los ao
proscênio para suas participações. Ele explica que há, dentre as diversas complicações
de se fazer essa organização de entrada dos convidados, uma dificuldade de administrar
o desejo destes de entrarem no palco ao mesmo tempo em que organiza a ordem das
músicas que está sendo tocada. Segundo depoimento dele, “existe um roteiro, mas
nunca foi seguido em nenhum ano. Há atrasos, há pessoas que tem que sair. Mas, além
disso, há muito feito em tempo real. Tem horas que eu sei que não posso colocar
determinada música, artista ou estilo. Se colocar vai ser um buraco” (HORTA) (ver
Tabela 2 e Anexo 7).
Os convidados do Cordão do Boitatá são definidos, como já foi colocado,
segundo critérios de gosto, afetivos e também políticos (ver subseção 3.3.2). Durante a
apresentação, os integrantes proclamam ao microfone a diversidade desses artistas que
104
Nota-se que, apesar das combinações, muitas das formas ensaiadas não são respeitadas no palco.
Alguns comentários no ensaio, de fato, davam conta de certa imprevisibilidade no show. No entanto, por
outro lado, era dada uma grande atenção às finalizações e aos inícios, repetindo-os algumas vezes.
87
105
O grupo comenta: “Martinho não é só um "artista inserido na indústria cultural", é figura de extrema
importância para a história do carnaval carioca”. (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
106
Nota-se que a presença dos convidados determina em alguma medida, as músicas executadas no show.
Outros músicos chamados ao palco foram: Eduardo Neves, Mariana Bernardes, Marquinhos Oswaldo
Cruz, Áurea Martins, Gabriel Improta, Marcelinho Moreira, Rubinho Jacobina, Abayomy Afrobeat
Orquestra e Oghene Kologbo.
88
107
O grupo explica mais detalhadamente a separação dos dias do show do palco e do desfile de rua: “para
o grupo, depois de 6 anos estudando e testando uma forma de realizar o Cortejo e o Palco no mesmo dia,
o Cordão entendeu que a tarefa era muito puxada, hercúlea. Mais de 10hs ininterruptas de trabalho com
situações no palco e na rua muito variadas. Entendeu também que cada atividade (Cortejo e Palco) carecia
de dias independentes, inteiros. Ao separar os dias, buscou preservar as características de cada atividade e
potencializar sua realização no âmbito artístico, musical, carnavalesco e humano” (COTRIM, COTRIM,
HORTA, OLIVEIRA).
90
está tocando e outros integrantes, como, por exemplo, as mulheres que levam os
estandartes (ver fotografias 1 e 2, no canto inferior direito). Esta corda, por outro lado,
também pode ser vista como sendo parte da participação do público, já que ela é
segurada, em grande parte, pelos próprios foliões, espontaneamente108. Outro fator de
indiferenciação entre público e plateia é a utilização de fantasias. A diversidade e a
criatividade destas estão presentes dentro e fora da corda que separa os músicos.
Dentre os músicos que tocam no bloco de rua, há um grupo maior, que é
contratado109 (aproximadamente 45 músicos: 32 que tocam instrumentos de sopro, 12
percussionistas, e um banjo); e outro menor, que comparece e toca sem receber
remuneração (aproximadamente 25 músicos: 17 que tocam instrumentos de sopro e 8
percussionistas). Os valores são diferentes daqueles pagos no palco: R$ 300 para o dia
do cortejo e entre R$ 50 e R$ 100 por ensaio (dependendo da quantidade de dinheiro
disponível).
Os que tocam instrumentos de sopro têm partitura para ler. Elas são amarradas
nas costas do musicista à frente. Praticamente todos leem uma mesma melodia durante a
108
Há alguns homens contratados especificamente para segurar a corda. O grupo explica que estes não
são "seguranças". Esta equipe de apoio se faz necessária por alguns motivos, listados a seguir junto com
alguns detalhes da introdução da corda no cortejo: “Não há "seguranças" no cortejo. Como o público
cresceu muito, fomos percebendo que era importante ter pessoas espalhadas na corda com o intuito de
garantir um funcionamento tranquilo e para ajudar nos momentos de mais pressão. Esta equipe de apoio
se faz necessária pelos seguintes motivos: com o aumento vertiginoso do público do cortejo, entendemos
que precisávamos proteger um pouco os músicos de sopro e a bateria. Uma cotovelada ou esbarrão
poderia ocasionar um acidente grave para estes músicos de sopro (dentes, boca etc.). Para a bateria, a
entrada de foliões entre os instrumentos dificulta bastante a execução musical. Como não temos
amplificação, o rendimento da orquestra como um todo é fundamental para garantir que as pessoas ouçam
o que está sendo tocado e a brincadeira se instaure de forma bonita. Precisamos ter no fundo do cortejo,
um carrinho com água e cerveja para abastecer os músicos. Tocar tantas horas sem isso é impossível. Esta
"corda" já foi feita de diversas formas: durante muitos anos com roupas velhas, calcinhas, panos etc. Ela
sempre acabava arrebentando. Chegamos a usar uma corda [com fios ou fibras torcidos ou entrelaçados]
num ano o que foi prontamente descartado. Vimos que [esta] corda tinha pontos (no fundo, nas laterais)
de grande pressão e que a ela poderia machucar alguém nesses momentos críticos (virada de rua,
passagem por postes, carros ou outros obstáculos na rua). Decidimos usar um tecido de trapézio, mais
maleável e colorido. A corda sempre foi conduzida por parceiros, amigos (gente que conhece o
funcionamento do bloco) e foliões que se dispõe a participar. Há um revezamento natural até hoje. Dentro
dela além de nossa orquestra, vão os estandartes, bebês, crianças pequenas e seus familiares, pessoas de
idade (há pessoas com mais de 80 anos que saem conosco) ou com alguma dificuldade física. Um
exemplo é a Renata escolhida pelo Cordão como sua musa, que é cadeirante. Se não fosse este espaço, ela
não poderia sair no cortejo conosco. A brincadeira de carnaval acontece toda ao redor desse embrião
musical carnavalesco e dentro dele. Esta equipe de apoio é formada por pessoas ligadas, de alguma
maneira, ao Cordão” (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
109
Segundo Oliveira, “a galera que recebe dinheiro são só os músicos que consideramos imprescindíveis
pra fazer massa musical” (OLIVEIRA). Ele esclarece que o critério de seleção envolve não só parâmetros
de excelência profissional, mas também de tempo de permanência junto ao grupo: “não raramente
músicos de sopros iniciantes que tocavam de forma amadora no bloco e que depois se profissionalizaram,
passaram então a ser remunerados. Músicos profissionais que vinham tocar no bloco sem ser remunerados
apenas por prazer durante vários anos puderam eventualmente passar a ser remunerados também”
(OLIVEIRA). Por fim, ele enxerga nesta triagem uma “questão delicada, pois temos limitações
orçamentárias e não podemos sempre remunerar todos que gostaríamos” (OLIVEIRA).
91
execução, com diferença de oitavas. Há exceções, mas pontuais. Apenas tubas têm uma
diferença marcante, fazendo quase sempre o papel do baixo, com melodias que pontuam
as notas fundamentais dos acordes. Os percussionistas são guiados por gestos do diretor
de percussão (Ricardo Cotrim), que orienta os andamentos, as mudanças de célula
rítmicas, as breves paradas e as finalizações.
O repertório é, em sua maioria, formado por canções de amplo conhecimento do
público presente, com formato curto e muita repetição, característicos da performance
participativa (ver Tabela 3). Há, muitas vezes, em meio às repetições, uma pausa para o
descanso dos sopros (com manutenção da seção rítmica), fazendo com que apenas o
coro dos foliões seja responsável por entoar a melodia110. A participação é, portanto,
fundamental para o sucesso do desfile e há plena consciência disto no grupo, como
vemos nestes três depoimentos: “cada indivíduo é um elemento que compõe ativamente,
que faz a coisa acontecer” (COTRIM, R.). “A brincadeira do cortejo acústico
necessariamente depende da participação. Até hoje. Sentimento de coletividade, quando
todo mundo está cantando, ele é muito forte” (HORTA). “No bloco todos somos o
Cordão. É maior barato porque todo mundo fala: eu sou do Cordão” (COTRIM, C.).
Há ainda no repertório algumas poucas músicas que não tem características de
repetição de melodias curtas e/ou não são conhecidas do grande público. Estas,
portanto, não são cantadas em coro por todos. “Colonial mentality” (composta por Fela
Kuti) e “Cabelo de fogo” (composta por Maestro Nunes) são canções que não são
entoadas pelos foliões, por exemplo. Não obstante, há participação intensa dos
presentes, via dança. Já “O trenzinho do caipira” (composta por Villa-Lobos e letrada
por Ferreira Gullar) é cantada por poucos, com pouco envolvimento corpóreo das
pessoas. Ali, no início do bloco, nota-se quase uma ausência de participação nos termos
de Turino111. Existe, por fim, como característica incomum à performance participativa
típica, uma ordem de execução do repertório definida.
O processo de ensaio do formato bloco de carnaval não é desordenado ou
descompromissado. Como afirma um dos integrantes, “no ensaio a gente fica apertando.
O máximo que a gente pode. Não é solto. Não é um lugar que você vai chegar e tocar de
qualquer jeito” (HORTA). De fato, há repetições e pausas para correções no andamento
110
Há ainda alguns momentos em que todos os musicistas param ao mesmo tempo. Estas pausas são
utilizadas para organizar o início de uma nova célula rítmica diferente da que estava sendo executada. Os
sopros somente iniciam as melodias depois de iniciada a seção rítmica.
111
O grupo comenta: “para o Cordão, se emocionar é participar ativamente, fora as pessoas que estão ali
dançando” (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
92
112
A seleção não existe para os músicos que tocam instrumentos de sopro, como afirma Oliveira: “no
caso dos sopros todos são sempre bem vindos, pois mesmo um músico de sopro muito iniciante não
atrapalha a execução da orquestra” (OLIVEIRA).
113
Alguns integrantes do Cordão do Boitatá argumentam que a seleção de musicistas e a consequente
qualidade da execução têm o propósito de estabelecer uma atmosfera festiva que exclui, de algum modo,
incidentes entre os foliões, como brigas. Ricardo Cotrim, por exemplo, diz que o grupo “acredita que essa
qualidade é determinante no axé da parada, na proteção do bloco. Porque uma música boa, se tem uma
batucada firmada, aquela energia ali impregna as pessoas, ela conecta as pessoas numa vibe musical,
festiva” (COTRIM, R.). Não me parece, no entanto, que a qualidade musical, nos termos dos integrantes
do Cordão do Boitatá (ver subcapítulo 3.3.2), possa sozinha gerar tal ambiente sem brigas e confusões.
Como folião, já notei no carnaval deste início de século, no Rio, diversos tipo de conjuntos musicais
(presumindo qualidades de execução diferentes), com e sem tumultos em seus desfiles. A associação
entre formas de tocar e o número de conflitos configura-se difícil de ser comprovada. Uma averiguação
acurada, porém, precisa ainda ser realizada.
93
em alguma medida, que aproxima o bloco, em mais esse aspecto, das características da
performance de apresentação.
Não obstante, nota-se, a triagem de músicos não se dá sem lamentos, pela
percepção que isso implica em uma alteração da forma coletiva plena, comum às festas
carnavalescas:
carnaval é uma fronteira muito delicada você dizer pra uma pessoa que ela não pode
tocar naquele momento. É difícil isso. A gente está num momento onde todo mundo
está querendo tocar (...). Aí você diz: ‘olha só, tem muitas coisas que já estão
internalizadas pelas pessoas que estão tocando, se a pessoa tocar de qualquer forma vai
atrapalhar". (HORTA).
banda e orquestra de rua, mas enfatizam o lado social das duas formas de execução
musical durante a festa, afirmando que ambas tem a característica de gerar uma
comunhão de pessoas. A semelhança se dá, então, no lado participativo das
performances. Horta, por exemplo, admite haver contrastes entre shows e cortejos – ele
cita a amplificação do som no palco, que acarretaria um alargamento das possibilidades
de canções a serem tocadas –, porém afirma que o ideal coletivo, almejado pelo grupo,
torna ambos semelhantes: “a semelhança entre o cortejo e o palco acho que é (...) o que
a gente imagina e deseja. De colocar todo mundo ali num estado de comunhão e
abertura pra música. Coletivo. Essa comunicação da festa popular” (HORTA). Ainda
segundo ele, o show no palco preserva características que sempre estiveram no grupo,
desde o início: “continua dentro do pensamento que é original. Essa forma de brincar o
carnaval. E acho que quando a gente vai para o palco, isso se mantém. Continua
Cordão. A quantidade de gente que a gente consegue reunir de pontos diferentes”
(HORTA).
Outros, diferentemente, salientaram a relação clara entre a oposição proposta por
Turino e os tipos de manifestação do grupo. Um entrevistado afirma, por exemplo, que
“quando a gente tá no palco é apresentação. Ponto. Não tem participativa aí no caso. A
gente vai para o estúdio. Ensaia. Repertório tal, com cantor. Como qualquer banda
profissional” (COTRIM, R.). Ele reconhece ainda que características da performance de
apresentação estão presentes não só no palco, mas também, em alguma medida, no
cortejo de rua (para depois ressalvar que o espírito coletivista é preponderante e está em
outros detalhes): “você tem uma coisa de apresentação: a gente quer que o cara chegue
no Cordão e veja uma orquestra tocando arranjos de frevo, arranjos de samba, com uma
coisa que a gente ensaia, mas ao mesmo tempo, a gente não tem abadá. Nem camisa do
grupo. A própria fantasia, ajuda a misturar todo mundo” (COTRIM, R.).
A discordância interna ao grupo pode ter a mesma origem de outras, tendo como
pano de fundo as decisões a respeito do projeto de grupo. Como vemos, não há uma só
concepção de grupo, fechada. Há diversas, gerando divergências e tensões que, mesmo
não explicitadas, definem os projetos futuros.
Assim, pode-se ver a negação de associação à dicotomia de Turino como parte
de um discurso de aprovação da formatação do grupo como ele é hoje. Fica implícita,
por exemplo, a defesa da colocação do palco no carnaval. Neste projeto de grupo, uma
diluição das diferenças através da acentuação do hibridismo nas duas formas de
performance, é vista como positiva. Por outro lado, há, na tendência a fazer a associação
96
entendo de onde saiu esse modelo do Turino e onde ele quer chegar, mas não sei se ele
ajuda muito nesse caso. Se você for analisar ponto por ponto pelo modelo dele, não há
tantas diferenças como seria de se esperar [entre palco e rua] (por exemplo: em ambos
os casos há contrastes nos arranjos, a duração das músicas é semelhante, há uma ordem
prevista, embora nem sempre ela seja seguida à risca, etc. (PACHECO)
De fato, como foi analisado, existe hoje uma aproximação dos tipos de
performances no palco e no bloco de rua, via hibridização. No entanto, faz-se necessário
notar que essas semelhanças aconteceram apenas em uma forma mais recente do bloco e
têm um contexto específico, aqui analisado. As categorias de Turino são utilizadas para
entender este arco de mudança desde os primeiros anos até os dias de hoje, marcados
pelo projeto de hibridização das performances.
A posição do entrevistado, ressaltando as semelhanças, pode ter relação com o
foco de seu interesse pelo o bloco em sua forma mais participativa, admitido em
seguida, em seu depoimento:
114
Hakim Bey, em seu texto “TAZ: Zona autônoma temporária” (BEY, 1990) diz não querer dar uma
definição concisa do termo. Mas durante o texto, há diversas conceituações: “a TAZ é uma espécie de
rebelião que não confronta o Estado diretamente, uma operação de guerrilha que libera uma área” (Idem).
97
Cordão do Boitatá: os primeiros anos. Mesmo que notemos alguns traços de fuga da
ordenação estabelecida pela apresentação do grupo, como veremos no primeiro retrato
do subcapítulo 3.7, não podemos dizer que há, hoje, a mesma atitude anárquica a qual se
refere Bey115.
Por outro lado, o grupo diz se identificar com o conceito de Zona Autônoma
Temporária apresentados por Pacheco, referindo-se a duas das definições de Bey aqui
citadas:
no sentido que acreditamos que o Cordão instaura sim uma nova realidade e cria a
nossa maneira “um microcosmo daquele sonho anarquista”, “uma cultura festiva
distanciada (...) dos pretensos gerentes do nosso lazer”, um sonho de carnaval, de
liberdade e subversão para quem está lá brincando e que retrata este conceito. A energia
anárquica está ali presente, sempre. Consideramos ainda que o Cordão foi um dos,
senão, o principal fomentador desse conceito do Carnaval de Rua no Rio de Janeiro!
Alguns blocos que se auto determinam "anárquicos" possuem facebook, as vezes site,
fazem divulgação em suplementos de carnaval, ensaio etc” (COTRIM, COTRIM,
HORTA, OLIVEIRA)116.
“O Estado não pode reconhecê-la porque a História não a define. Assim que a TAZ é nomeada
(representada, mediada), ela deve desaparecer” (Idem). “Uma cultura festiva distanciada ou mesmo
escondida dos pretensos gerentes do nosso lazer (...) A TAZ pode "ocupar" clandestinamente essas áreas
e realizar seus propósitos festivos” (Idem). “TAZ é um microcosmo daquele "sonho anarquista"” (Idem).
115
O conceito de Zona Autônoma Temporária me parece útil ainda para analisar diversos blocos que tem
atuação no carnaval de rua do Rio de Janeiro hoje, como o Boi Tolo ou o bloco fundador do Exalta Rei
(que não tem nome fixo e que a cada ano modifica seu repertório temático), que fazem as suas festas sem
o apoio da (e muitas vezes marcando oposição à) prefeitura, outros órgão públicos ou empresas privadas;
sem horário ou percurso definidos.
116
As reticências, indicando subtrações de texto nesta fala, são do próprio grupo. Não houve edição por
parte do pesquisador (ver Anexo 3).
98
117
Pertencer a uma sociedade complexa, nota-se, não é necessariamente parte do contexto que leva o
grupo a ter uma ação voltada para a mudança. Como afirma Blacking, a “inflexibilidade é mais
visivelmente uma característica de sociedades tecnologicamente avançadas, em que uma divisão
altamente desenvolvida do trabalho permite às elites e aos grupos fechados exercer um poder autoritário e
reforçá-lo com o dogma religioso e ideológico” (BLACKING, 1977, p. 8).
99
“uma mina de ouro, pois trazia letra, melodia, harmonia e a história de cada marchinha.
Foi praticamente a nossa Bíblia durante um bom tempo” (PACHECO)118.
Já Ricardo Cotrim, aponta para certo orgulho pela retomada de certas
características de festas carnavalescas de outros tempos, ao mesmo tempo em que
argumenta que não havia uma referência muito clara, uma proposta definida, consciente
de resgate. Ele conta que a “alegria plena da galera” indo para o cortejo de 1997 gerou
um comentário de uma senhora para sua neta, no ônibus, a caminho do Centro: “esses aí
sabem brincar o carnaval” (COTRIM, R.). O entrevistado observa que “ela deve ter
reconhecido... algum lugar, uma aura carnavalesca”, para depois reconhecer: “a gente
não tinha muita ideia do que ia acontecer na primeira saída do bloco (...) Era o início da
experiência” (COTRIM, R.). Ricardo Cotrim afirma que “existia um imaginário na
nossa cabeça desse carnaval [antigo] (...) uma coisa mais lírica...”, mas que não tinha a
ideia de “fazer igual a tal época (...) Não tinha um ‘vamos fazer isso, pra isso, queremos
isso’” (COTRIM, R.).
Em contraste, há entrevistados(as) que negam ter havido, no início do grupo,
qualquer ideia de resgate. Horta é taxativo, afirmando, em referência ao cortejo de rua,
que “nunca teve um espírito de resgate. (...) A gente ia lembrando e tocando”
(HORTA). Schneider, por sua vez, afirma, em fala já citada no subcapítulo 3.2, que a
relação com o repertório do passado era sempre inventiva e não ligada a uma ideia de
preservação: “não era relação de pesquisador coletando borboletas raras pra botar no
quadro na parede: ‘Ó como essas manifestações estão morrendo’ (...) São experiências
de criação e não de imitação” (SCHNEIDER).
Nota-se assim, que aquela primeira fase era marcada por uma heterogeneidade
(também observada, por outro viés, no subcapítulo 3.3.1) e que o projeto provavelmente
oscilou durante algum tempo entre um ideal de resgate e outro dissociado disto.
Já na formação atual do Cordão do Boitatá, há um consenso quanto ao
distanciamento das noções de preservação ou resgate. Vê-se mesmo uma preocupação,
explícita, em dissociar a produção musical do grupo de um ideal ligado ao passado, já
118
O grupo comenta que não via o livro como um olhar ao passado: “é importante salientar que o Livro
de Marchinhas era para brincar o Carnaval, não tinha nada a ver com uma busca pelo passado. “o livro foi
uma ferramenta para aprendermos corretamente as letras e as melodias que compõe esta parte da tradição
carioca/brasileira de carnaval, assim como os sambas das escolas etc. Era repertório para sairmos pelas
ruas fazendo nossa bagunça e se configuravam (no caso das mais conhecidas) como verdadeiros "pontos
carnavalescos". Até hoje nos ensaios, pessoas levam livrinhos com letras para aprenderem as letras e
ajudarem na hora do cortejo. Brincamos muito carnaval na infância, de diversas maneiras. Na rua, na
Presidente Vargas, vendo orquestras tocando em clubes etc. Tínhamos referências também” (COTRIM,
COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
100
que, segundo os(as) entrevistados(as), existe uma visão deturpada do que seria o grupo,
disseminada principalmente pela imprensa.
Horta, por exemplo, fala da publicação de matérias de jornal equivocadas e
reafirma a distância que os separa dos projetos parafolclóricos: “escreveram muita
bobeira sobre o Cordão. Muita ignorância (...) Quando [alguém] começa a tocar outras
coisas, que não um samba, você vira, entre aspas, folclórico” (HORTA). Ele afirma
ainda que uma visão sobre o passado existe e é importante, mas ela não tem relação com
um ideal de preservação. Uma frase de Martinho da Vila é citada então por ele: “o
passado não é mais importante que o presente e não é mais importante que o futuro.
Mas às vezes as pessoas que fazem o futuro se esquecem de coisas que são
fundamentais” (HORTA). Horta coaduna-se a esta ideia de Martinho da Vila: “isso a
gente aprendeu muito. Coisas que são essenciais. Não tem nada a ver com manutenção
de um lugar parado, estático”. Segundo o mesmo entrevistado, “festa popular pensando
no passado é um erro. Nada a ver. Carnaval de 2014 é o que acontece agora” (HORTA).
Já Cristiane Cotrim afirma (em consonância com o que Schneider dissera sobre o início
do grupo) que o Cordão do Boitatá reinventa as referências: “resgate é complicado.
Porque é mais uma releitura, a gente não está preocupado em fazer aquilo do jeito que
foi feito na época, a gente está preocupado em fazer diferente, fazer ao nosso modo”
(COTRIM, C.). O grupo, por sua vez, associa “tradição” a “movimento”, indicando que
há sempre modificações e recontextualizações com o passar do tempo:
hibridização, fiéis aos seus contextos originais; e repertório formado somente por
músicas de décadas passadas119.
Sobre a combinação de gêneros musicais, Oliveira cita a influência “jazzística,
com mais espaço pra improvisação” (OLIVEIRA), afirmando que
[o grupo] tenta estar inserido em uma tradição e ao mesmo tempo fazer uma releitura
dentro de certa sonoridade, acústica. [o grupo faz uma música] inspirada no cancioneiro
brasileiro em geral, na música tradicional brasileira, mas com influências diversas.
Contemporâneas, modernas (OLIVEIRA).
tem uma sonoridade diferente. Não é uma marchinha da década de 50, é uma outra
coisa. Os arranjos são mais modernos, você percebe. Tem uma linguagem diferente.
Então, a gente busca uma produção que dialogue com outros gêneros, ritmos. A gente
119
Nota-se que uma análise do som produzido pelo grupo, almejada pelo pesquisador, não foi
concretizada, também por notar que não haveria tempo hábil. Oliveira comenta que o grupo entende que
está análise seria relevante e comenta também sobre o caráter inovador da prática do carnaval de rua no
Rio de Janeiro: “caberia analisar melhor e ressaltar o lado inovador e original da prática musical do
Boitatá, sua abordagem rítmica, harmônica e timbrística particular e diferenciada, as características do
repertorio selecionado, e outras... Por outro aspecto também (...), no que diz respeito a uma prática
musical ligada a retomada do carnaval de rua no Rio, acreditamos que pode-se dizer que somos
responsáveis por uma reinvenção dessa prática. No que se refere ao carnaval de rua do Rio
especificamente, acreditamos que o Cordão do Boitatá possa sim ser considerado um divisor de águas que
originou novos caminhos, um novo movimento, que foi responsável pela retomada desse carnaval etc.
Caberia analisar mais profundamente ao que se refere essa prática e essa reinvenção exatamente.
Resumidamente diríamos que trata-se de ocupar as ruas anarquicamente com muita música, arte, cultura e
fantasias”. (OLIVEIRA).
102
está preocupado em fazer diferente. A gente não está preocupado em ser uma banda
igual ao que já foi feito, a gente não está preso no passado, não mesmo (COTRIM, C.).
a gente foi esticando a corda do carnaval. Não é um show de marchinha e samba, como
esperavam. É legal, mas tudo faz parte de uma família que é muito maior, um todo que
é a música brasileira, mas que também já vaza pra outros lugares, porque, na verdade,
esse todo musical, ele é universal. Por mais brasileiro e carioca que a gente seja
(HORTA).
para mim é! Uma vez o Yamandu [Costa, violonista] deu uma entrevista superbonita
falando sobre o palco da Praça XV: “isso é o Brasil que eu imagino, o Brasil que eu
enxergo, uma diversidade que está reunida aqui, musicalmente”. A gente enxerga
também dessa forma, porque tá tocando marchinha, mas tá tocando Hermeto Pascoal,
Lazir do Jongo, Rubinho Jacobina, Walmirzinho do Agbara Dudu, Edu Neves, tá
tocando Bach em ritmo de frevo, tocando os frevos tradicionais de Recife. (...) É uma
coisa trazida para o nosso universo. (...) É uma releitura. É uma forma de colocar aquela
música para esse ambiente” (COTRIM, C.).
120
Para além da unidade em torno de um repertório nacional há o emprego (ainda que marginal) de
músicas de autores estrangeiros. A escolha de uma canção de Bob Marley, por exemplo, é justificada pela
integração dela ao show do carnaval, sendo ressignificada: “dentro daquele contexto, da forma como é
encaixado ali, ele é totalmente carioca, carnavalesco, universal” (HORTA). O grupo afirma ainda que
“músicas estrangeiras entram por diversos motivos: musicais, políticos (Its Raining Man foi um protesto
contra Marcos Feliciano e sua postura homofóbica, Bob Marley é um compositor identificado com os
movimentos de independência na África etc.). Elas não entram no repertório para nos desvincular da
tradição. "Puristas do carnaval" podem torcer o nariz por diversos motivos: porque tocamos um samba-
reggae, um Jongo, música instrumental, Moacir Santos, Dominguinhos, pela participação do guitarrista
nigeriano Kologbo etc. Já ouvimos de tudo. No fim fica a percepção de uma festa, de um dia carnaval
totalmente carioca, brasileiro, multicultural, democrático, pacífico e sem preconceitos” (COTRIM,
COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
121
Esta ideia é não somente interna ao grupo, mas também compartilhada com agentes externos diversos.
Assim, podemos entender que convites feitos ao Cordão do Boitatá pela embaixada do Brasil para que
eles representassem o país no exterior (Equador, em 2011 e Timor Leste, em 2009) são consequência
desta visão partilhada.
122
O termo utilizado por Yamandu Costa, coincidentemente ou não, é o mesmo utilizado pelo cientista
político Benedict Anderson, que, como já foi exposto na introdução, afirma que termos como
nacionalidade ou nacionalismo são “artefatos culturais de um tipo particular”, realidades construídas pela
imaginação humana (ANDERSON, 1991, p. 4).
104
notados alguns outros gêneros, tidos como nacionais (frevo, e o afoxé, por exemplo, têm
algum destaque) e ainda outros, internacionais, mas os citados representam a grande
maioria do que é apresentado124. No website, ressalta-se ainda a exaltação da
“diversidade cultural da música brasileira” (Idem) – que também havíamos visto no
texto de divulgação para a imprensa já citado (Anexo 6) – associada àquela
multiplicidade de gêneros125.
A pluralidade proclamada não pode, no entanto, ser confundida com totalidade.
Existe no repertório uma seleção que deixa de fora uma série de tipos de músicas
produzidas no Brasil. Ou seja, existe uma escolha (que faz parte de uma ideia imaginada
de nação) de determinados tipos musicais como representativos da “música brasileira”.
Quando perguntado sobre um ideal nacionalista, presente às vezes em textos
antigos de projetos de venda de shows do grupo, Ricardo Cotrim diz nunca ter existido
no grupo uma referência-guia, mas confirma uma influência:
tem [um ideal nacionalista nos textos antigos do grupo]... Mas essa coisa nacionalista é
tão rançosa, né? Você conecta com uma coisa tão histórica. Na verdade, a gente era
mais ingênuo (...) Mário [de Andrade] era referência mais pelo material que ele
oferecia, mais que pela ideologia. A gente não comprava totalmente a ideia. Alguma
parte sim” (COTRIM, R.).
124
Destaca-se a preponderância do samba frete a todos os outros. Há aqui a particularidade de uma
apresentação feita durante a festa carnavalesca. O repertório não é exatamente o mesmo em shows
realizados fora deste contexto.
125
Nota-se que o grupo refuta a ideia de idealização de país ou povo brasileiro via escolha de repertório:
“a escolha de sambas, marchas etc... tem relação com a própria cultura de carnaval da cidade e do país,
não busca a idealização de um país ou do povo brasileiro a partir disso” (COTRIM, COTRIM, HORTA,
OLIVEIRA).
106
Difícil. Música brasileira é música feita aqui. Pode ser qualquer coisa. Não tem forma
de delimitar esteticamente o que pode ser, o que é e o que não é. Mas tem algumas
referências históricas, tradicionais de algumas formas de fazer música características
daqui, que só foram feitas aqui. O purismo é difícil. A Abayomy [Afrobeat Orquestra,
grupo que se define, como o nome já diz, de Afrobeat, um gênero híbrido surgido na
África] eu defendo que é música brasileira (OLIVEIRA).
126
Por outro lado, o grupo vê a concepção de suas apresentações carnavalescas como inovadoras: “tanto o
cortejo quanto o palco trazem a marca da inovação em sua concepção” (COTRIM, COTRIM, HORTA,
OLIVEIRA).
127
A expressão grifada é uma citação feita por Travassos do livro de Hans Ulrich Gumbrecht,
Modernização dos sentidos. São Paulo, Editora 34, 1998, p. 22.
107
popular brasileira128. O fato de estarem sendo carregados apenas por mulheres fazem
lembrar as figuras das porta-bandeiras (ou porta-estandartes) das escolas de samba do
Rio de Janeiro. Essa percepção ganha força com a decisão do grupo de realizar o desfile
deste ano também com uma ala de baianas129. Não quero concluir que há aqui uma
aproximação ao movimento de espetacularização dos desfiles da Marquês de Sapucaí.
As similitudes estão mais para uma homenagem àquele universo que uma vontade de
traçar a mesma trajetória. O propósito do Cordão do Boitatá ainda é realizar uma
performance participativa.
Outro episódio revelado acima, a execução de “O trenzinho caipira”, pode ser
vista como um índice da hibridização de duas das categorias de Turino (2008)
discutidas neste trabalho, (ver subcapítulo 3.4). Mesmo que o cortejo tenha uma
característica fundamental participativa, o início de sua execução musical é distinto.
Notamos ali algumas características da performance de apresentação que não
permanecem no resto do desfile: divisão mais marcada entre músicos e foliões, forma
longa, timbres claros.
Cristiane Cotrim admite a diferença entre o início do bloco e o que vem depois,
explicando que o momento de concentração, quando ainda está parado, é propício a
outros tipos de repertórios. Nas primeiras músicas, segundo ela, o evento não demanda
participação. Já quando está em movimento, é fundamental: “porque a música ajuda o
bloco a andar. Se você para a música, o bloco para de andar. Então, na concentração a
gente coloca uma autoral, os ijexás, os choros, um maxixe, Villa Lobos” (COTRIM,
C.).
No retrato temos também exposta a imagem da corda que separa os músicos e
sua diluição à medida que cresce o número de foliões. Essa indistinção serve como
mostra daquilo que foi comentado no subcapítulo 3.4.3: a corda funciona menos como
uma maneira de separar público e conjunto musical – característica da performance de
apresentação – e mais como uma forma de garantir segurança física aos músicos. Ou
seja, a corda tem função distinta da do palco.
128
Há duas figuras homenageadas que são exceções a este perfil: uma pessoa que não é do universo da
música, o cineasta Eduardo Coutinho (cuja presença se justifica principalmente por uma homenagem
póstuma de morte recente, já que falecera no início de fevereiro do mesmo ano), e um músico que não é
brasileiro (aí, mais uma semelhança com o repertório, representando, como vimos no subcapitulo 3.5, o
desejo de abertura a outros horizontes).
129
O grupo explica ainda que a “Ala das Baianas é formada por integrantes de terreiros de candomblé do
rio de janeiro. Isto tem um motivo político, histórico, lúdico, cultural e religioso” (COTRIM, COTRIM,
HORTA, OLIVEIRA).
110
a grande maioria das pessoas estava fantasiada, e pude notar um maior interesse das
pessoas em interagir umas com as outras do que nos outros eventos de maior público
[os shows realizados pelo Céu na Terra em palcos]. (...) Neste desfile do Céu na Terra
pude presenciar um grande número de pessoas abordando desconhecidos, ou para fazer
alguma brincadeira, ou para aproximações amorosas (ANDRADE, 2012, p. 72).
130
O grupo comenta: “como já dissemos, nos identificamos com o Conceito de TAZ. Ver colocação do
Cordão sobre isto. Não achamos que este conceito se aplique apenas as observações do pesquisador. Tudo
na nossa festa de Carnaval, tanto no cortejo como no palco, emana da festa promovida pelo Cordão do
Boitatá. A ação musical/carnavalesca do grupo propicia o surgimento de todo tipo de brincadeiras e
situações que acontecem ao seu redor. Entendemos que é a orquestra e sua música que inspira os
encontros de várias naturezas. Não há propriamente uma indiferença, estão todos ali inseridos naquele
caldeirão” (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
111
Por outro lado, o show realizado dias antes na Praça XV, em contraste com o
que aconteceu neste show da Lapa, parece ressaltar algumas características do
hibridismo entre a performance de apresentação e a performance participativa daquele
primeiro. Havia certamente uma comunhão muito maior entre público e plateia naquele
e isto ficou evidente não só quando se compara a utilização de fantasias, mas também
quando se contrapõe a participação cantante e dançante dos foliões em um e outro. Por
fim, nota-se que a duração do show da Praça XV é incomum e deixa muito mais espaço
para possíveis improvisos na seleção e ordenação das canções executadas.
O discurso do apresentador Perfeito Fortuna, famoso promotor de eventos
carioca, associando o Cordão do Boitatá ao mesmo tempo ao tradicional e ao moderno,
é afinado com o que foi analisado aqui sobre a relação do grupo com as ideias de
resgate, tradição e mudança. Fortuna consegue fugir da rotulagem do grupo,
reconhecendo o atributo duplo do projeto.
A reverência ao músico João Donato e a exaltação à música brasileira podem
soar como algo que contradiz o discurso de abertura à influência externa àquelas
tradições brasileiras, mas não é. Como analisado anteriormente, a presença de um
discurso que molda uma ideia (imaginada) de música brasileira convive com uma
abertura, que parece cada vez maior, ao repertório estrangeiro. Se neste dia eles
reverenciavam João Donato, antes, no show realizado na praça XV, um dos convidados
que subia ao palco era o guitarrista Oghene Kologbo, de origem nigeriana131.
O desfile de 2013 chega à Praça Tiradentes. Não há tanta gente quanto nos anos
anteriores. Este é o primeiro cortejo realizado no fim de semana anterior ao início do
carnaval. O show no palco só acontecerá dali a uma semana. São 11 horas e alguns
minutos de domingo, 3 de fevereiro de 2013. O bloco para, a corda é retirada é não há
mais separação com os foliões. Depois de 40 músicas executadas durante o cortejo, o
bloco toca “Vassourinhas”, que, nos ensaios, simbolizava o fim dos trabalhos: era
sempre a última a ser executada. O Bloco, no entanto, não para de tocar. Os integrantes
oficiais vão saindo aos poucos, durante a execução das músicas que sucederam
131
O grupo comenta que “a comparação do show no palco da Lapa com o show da Praça XV carece de
maior entendimento. Além da duração, há também um número incomum de artistas na Praça XV e um
contexto completamente diferente” (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
113
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Durante o tempo em que realizei esta pesquisa, ouvi diversas queixas a respeito
de “rótulos” impingidos ao grupo. As classificações, imprecisas – às vezes em tom
imperativo –, seriam produzidas principalmente pela imprensa, mas não somente. Tendo
estas colocações em vista, procurei, no curso do trabalho, ser sensível aos diferentes
ângulos do grupo, respeitando a complexidade narrada e manifestada, obliterando as
acepções restritas e taxativas (os “rótulos” aos quais eles se referem). Para tanto, utilizei
categorias de análise que permitissem abranger aspectos plurais (me afastando de uma
busca essencialista) e adotei uma metodologia que diluísse assimetrias de poder,
evitando uma representação do “outro” de forma autolegitimadora e monolítica.
Assim, estabeleci um tratamento minimamente historiográfico, analisando o
projeto inicial do Cordão do Boitatá e seu contexto sócio-histórico específico, que
também fez surgir outros grupos semelhantes pelo Brasil. As comparações entre esses e
os movimentos dos anos de 1960 e de 1920, trazidas por Travassos (2002), ajudam a
pensar o Cordão do Boitatá e a entender caminhos que foram seguidos em momentos
posteriores pelo grupo.
Já nas comparações com os casos relatados na etnografia de Salgado (2005),
vemos que a construção da ideia de músico (como profissão), mesmo com suas
especificidades (e divergências internas aos entrevistados), está localizada em um
contexto social maior, contemporâneo, onde há casos semelhantes. Dentre os traços
característicos do caminho de profissionalização do grupo destacam-se a implementação
do projeto de apuro técnico e as posturas críticas com relação às disputas externas ao
ambiente de estruturação sonora. Neste contexto, nota-se que o Cordão do Boitatá
concebe a geração de lucro, em alguma medida, e também se coloca como um projeto
“fora da lógica mercantilista”, onde o dinheiro é um meio e não um objetivo.
As categorias antagônicas de Turino (2008), performance participativa e de
apresentação, parecem ter servido bem à análise do projeto artístico-profissional do
Cordão do Boitatá. A análise mostra que a correspondência não pode ser feita de forma
direta: nem uma festa na rua significa necessariamente uma performance participativa
pura, fora da cadeia de relações de trocas econômicas; nem um show em um palco
denota obrigatoriamente uma performance de apresentação, centrada na figura de um
artista vinculado à indústria cultural. Afinal, as categorias são tipos ideias. Desta forma,
116
foi necessária uma averiguação minuciosa de cada caso para investigar sua orientação
fundamental.
Nota-se ainda que as classificações não devem ser consideradas estanques, mas
mutáveis no tempo. Assim, o Cordão do Boitatá (ou outro grupo que tenha origem
marcada por um contexto participativo) pode se apropriar de uma performance de
apresentação que já existe, trazendo características participativas à ação; como pode
também transformar um evento originalmente participativo, social, em algo que tenha
foco no projeto artístico profissional.
No Cordão do Boitatá, como se apresenta hoje, vemos um alargamento da
influência da performance de apresentação no cortejo de carnaval. Ainda assim, o
hibridismo não faz com que o bloco de rua esteja totalmente inserido em uma lógica de
trocas econômicas capitalista (pelo menos não em sua execução no carnaval e no pré-
carnaval do Rio de Janeiro, observadas por esta pesquisa), já que não obtém
rendimentos financeiros. Os shows no palco, por sua vez, têm, em algumas de suas
apresentações fora do carnaval, características claras da performance de apresentação.
Desta forma, inserem-se perfeitamente na relação de trocas do sistema econômico
vigente. Já aqueles shows de palco realizados durante a festa de carnaval, sofrem uma
influência participativa do contexto, mas são, em grande medida, uma reprodução
daquilo que é apresentado como o produto do projeto musical-profissional.
Por fim, a recente comercialização de desfiles de rua fora do contexto original
carnavalesco-carioca – mencionada pelos entrevistados, mas não presenciada nem
analisada por esta etnografia – aponta para transformações que podem mesmo trocar a
orientação fundamental deste modo de apresentação.
As noções de resgate, tradição e mudança mostram mais um aspecto da
preocupação do grupo com a rotulagem. O grupo, em uníssono, não se concebe
desempenhando um papel conservador, ligado ao passado. Assim, estabelece-se uma
distância de um ideal ligado à tradição via combinações de gêneros musicais e também
na utilização de canções feitas em anos recentes. Nota-se que nem a recusa do papel de
resgate está dissociada de uma ligação com o passado, nem a ideia de passado se
sobrepõe à ação no presente. O que se coloca, por um lado, é apenas uma abertura a
possibilidades diferentes daquelas que seriam tradicionais. Por outro, há a afirmação de
que as relações com o passado só ocorrem por serem significantes no presente.
Já a ideia subjacente de uma escolha de música brasileira, por sua vez, atua na
construção de um discurso de nação, música e sociedade que assimila e reafirma o que
117
alguns movimentos musicais – que utilizaram a música popular como base de criação,
desde o modernismo da década de 1920 – já fizeram, sem a proposição de uma ação
intelectual articulada e manifesta de valores.
118
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125
CALLADO, João –
Estive no Boitatá desde o começo (setembro de 1996) até um ano depois, mais ou
menos. Não lembro a data exata em que saí. Continuei bastante próximo do grupo e dos
integrantes. A minha principal ocupação profissional é a de músico.
COTRIM, Cristiane –
RICARDO, Cotrim –
HORTA, Kiko –
Como diretor musical, realizou os discos “Sabe lá o que é isso” (2006), do Cordão do
Boitatá, "Luciane Menezes e Pau da Braúna" (2006) e “Folias do Lago” (2012), em
homenagem ao centenário de Mário Lago.
No Teatro, compôs trilhas sonoras originais para peças teatrais, entre elas “O Reino do
Mar Sem Fim” (Teatro do Jóckey, RJ), de Adriana Schneider, "O Patinho Feio" (Teatro
Sérgio Porto, RJ), direção Marcos Vinícius Faustini e “Almas Berrantes” (Fundição
Progresso, RJ), do Teatro de Anônimo. Assinou também a direção musical dos
espetáculos "Pastoril da Matriz" (CCBB Brasília e Rio de Janeiro) e "Tomara Que Não
Chova" (Fundição Progresso, RJ), do Teatro de Anônimo.
127
Kiko Horta é membro fundador do grupo Cordão do Boitatá tendo feito, nos últimos 5
anos, a produção e direção musical do show de carnaval realizado na Praça XV, que
reúne grandes nomes da música brasileira. Integrou o grupo Pau da Braúna e a
Companhia Folclórica da UFRJ. Atualmente, se apresenta em duo com o guitarrista e
violonista Gabriel Improta, o Kiko Horta Quarteto e com o grupo Forró do Mercado.
OLIVEIRA, Thiago –
Nasceu na França, onde aos 7 anos de idade começou seus estudos de música e aos 12
iniciou-se ao saxofone orientado pelo professor Frédéric Deguilhem. Mora no Rio de
Janeiro desde os 18 anos de idade, onde foi aluno de saxofone dos professores Paulo
Moura, Carlos Malta e Paulo Sergio Santos, e de flauta de Dirceu Leite (flauta popular)
e Laura Rónai (flauta barroca). Formado em Educação Artística-Licenciatura Plena em
Música pela Universidade UNIRIO/ RJ, em 2001. Tem exercido suas atividades
profissionais desde 1994, enquanto músico, saxofonista, flautista, compositor,
arranjador, produtor, diretor, professor, e junto aos grupos Itiberê Orquestra Familia,
Garrafieira, Cordão do Boitatá, Inventos, Fanfarrada, Abayomy Afrobeat Orquestra,
Goeast Orkestar, , Poranduba: roda de histórias indígenas , além da banda do artista
Jards Macalé, Let’s Play That.
PAMPLONA, Pedro –
Músico fundador do Cordão do Boitatá onde atuou até 2012. Formado em Bacharelado
de Saxofone pela Escola Nacional de Música/UFRJ. Formado em Desenho Industrial
pela Escola de Belas Artes/ UFRJ. Pós graduado em Licenciatura habilitação em
Música pela AVM/ Cândido Mendes. Flautista e saxofonista da Companhia Folclórica
do Rio de Janeiro/UFRJ entre 1993 e 1997. Saxofonista durante 4 anos na UFRJazz. Em
2004 gravou com o conjunto o disco Sabe Lá o Que é Isso. Integra o Grupo de Música
Armorial Gesta, pequena formação de câmara de instrumentos típicos brasileiros
(rabeca, pife, marimbau, violão e viola), voltada para o repertório Armorial, corrente
artística que tem como patrono e idealizador Ariano Suassuna. Integra o Songoro
Cosongo, grupo de músicos naturais da Venezuela, Argentina, Chile, Colômbia e Brasil,
que já está em seu segundo disco. O Songoro Cosongo já realizou duas turnês pela
América Latina e gravou os discos: Misturado com Cachaça Fica Muito Bom e
Psicotropical Musik vol. II. Diretor musical, arranjador e compositor no projeto
Fanfarrada. Integra desde sua formação em 2001 a Orquestra do Rancho Carnavalesco
128
Flor do Sereno, tendo gravado em seu disco. Atuou como músico e co-direção de alguns
espetáculos circenses do Teatro de Anônimo. Atua como instrumentista nas casas
noturnas cariocas. Na área de educação, cursa Licenciatura em Música na UFRJ , nos
anos de 2010 e 2011 ministrou oficinas de música na Fundação São Domingos Sávio,
pelo foi monitor do Programa Repertórios nas escolas SESI . Em 2012 concebeu e deu
aulas nas oficinas de Música do Carnaval do Cordão do Boitatá no Calouste Kulbenkian
e de Ritmos Afro Latinos pelo Circo da Silva no Centro de Referência de Música
Carioca, ambas oficinas patrocinadas pela Secretaria de Cultura do Município do Rio de
Janeiro, tendo alcançado com êxito os objetivos dos cursos. Atualmente leciona música
na Escola Sá Pereira para turmas de 3º, 4º e 5º anos.
PACHECO, Gustavo –
Como te contei antes, o grupo foi fundado em reuniões na minha casa, no segundo
semestre de 1996. Eu saí em meados de 2000, ou talvez 2001, agora não tenho certeza.
Depois disso, mantive a amizade com todo mundo. Com alguns eu já era amigo antes do
Boitatá e tinha, e tenho, relações que iam além da música: Ricardo é meu amigo de
infância e padrinho da minha filha, por exemplo.
Depois que saí do grupo, volta e meia eu dava "canjas" nos shows do Cordão e cheguei
a substituir o Pedrinho algumas vezes em que ele não podia participar. Cantei uma
música como convidado no Palco da Praça XV, nos primeiros anos (não me lembro
exatamente quando foi). Em 2004, participei da gravação do CD cantando em uma
faixa.
129
Saí pela primeira vez no bloco em 1999 (no terceiro ano, portanto) e, desde então, com
apenas duas exceções, tenho saído todos os anos, mesmo morando fora do Rio há quase
nove anos e fora do Brasil há quase cinco anos.
SCHNEIDER, Adriana –
- Relação que manteve com os integrante e com o grupo após isso - Somos muito
amigos, nos vemos sempre e estamos sempre discutindo / pensando sobre nossos rumos
profissionais. Me considero uma interlocutora de vários de seus integrantes, apesar de
não interferir nem participar de decisões internas ao grupo. Participo de todos os
carnavais do Cordão, desde sua primeira saída em 1997 (com cerca de 15 pessoas pelas
ruas vazias do centro da cidade, minha filha Flora tinha 5 meses) tocando caixa na
bateria que sai no cortejo. Durante alguns anos (de 2000 a 2011) fomos
parceiros/proprietários da casa na Rua do Mercado 45, cuja sociedade era do Cordão, do
Teatro de Anônimo e do Grupo Pedras (do qual faço parte). Também na Cooperativa de
Artistas Autônomos (CASA), até o seu fim. O grupo Pedras participa do Pastoril da
Matriz, em seu formato de apresentação de espetáculo, colaborei na criação
dramatúrgica do trabalho para este formato. Todos os anos compareço à festa do
Pastoril da Matriz, na casa da Vó do Kiko. Cristiane Cotrim fotografou vários de meus
trabalhos no teatro e foi parceira em alguns outros. Kiko Horta fez a direção musical e
compôs as músicas do espetáculo que dirigi, resultado de meus anos de pesquisa com o
mamulengo e o cavalo-marinho da Zona da Mata pernambucana: "O Reino do mar sem
fim" (2010), do Pedras. Pedro Pamplona fez a programação visual, com desenhos
originais dele, deste mesmo espetáculo. Ricardo Cotrim fez a direção musical do
espetáculo "Inaptos? a que se destinam" (2011), que comemorou os 25 anos do Teatro
de Anônimo e que tem minha direção e dramaturgia, também fez a direção musical do
processo de pesquisa para o espetáculo Embalar (2014), do Pedras. Kiko Horta e
Cristiane Cotrim são meus irmãos de santo no Ilê Axé Egi Omin. Cristiane Cotrim é
130
madrinha de minha filha Flora, que fez 18 anos ontem e foi minha contemporânea
quando estudante de comunicação - jornalismo na PUC-RJ.
E sobre o que sinto / penso sobre o carnaval do Cordão do Boitatá... Bem... então aqui
vai meu depoimento sobre o Cordão: para mim é uma festa fundamental para a cidade.
O carnaval é uma festa liminar, um momento em que o tempo é suspendido e que uma
outra (des)ordem se faz possível. Pela sua potência como rito, o carnaval é uma festa de
inversão, de retomada do espaço público de forma horizontal/coletiva, onde cada um de
nós somos protagonistas de si mesmos. A força das ruas, dos encontros dos sujeitos de
todas as partes da cidade, onde credos, gêneros, classes sociais se invisibilizam por um
instante, potencializando a dimensão do que é demasiado humano, para além do bem e
do mal. E essa é uma potência política, cujo aprendizado desses anos demonstrou que
não há eficácia possível sem um embate real com o poder instituído. E esse embate não
pode ser ingênuo. Para ser eficaz, essa luta é uma negociação direta, dialógica e
complexa: a luta contra as apropriações indevidas dos poderes instituídos (o
institucional, o midiático, o imagético, o mercantil, etc...), por DENTRO. A (auto)
organização para a realização do carnaval do Cordão é um dos atos de PIRATARIA
mais explícitos nos embates com esses poderes. Isso é pirataria! Querer enxergar pureza
nesses embates é cair no óbvio udenismo de classe média que acha que a política e os
políticos são feios e que o melhor é manter-se imaculado pela sujeira se recusando a
enfrentar. A disputa é por dentro, robin hood. E por isso, a festa do Cordão é, além de
sua importância fundamental na democratização dos acessos culturais na cidade e no
uso responsável de verba publica, uma festa da transformação, um exercício de (auto)
transformação de corpos e mentes para, depois de encerrado o carnaval, nos dar forças
para retomar o cotidiano árduo com mais consciência de si e do mundo que nos cerca. O
Cordão não pede autorização só para a Prefeitura, o Cordão reverencia a ancestralidade
sem a arrogância de achar que estamos aqui por acaso, ou inventando a roda. Estamos
aqui pq sempre houve o Cordão da Bola Preta, o Cacique de Ramos, os quilombos da
Gamboa, os foliões anônimos, os clóvis, os blocos de sujos, os negros escravizados que
sobreviveram aos cafezais, à cana, aos porões, que insistiram... O Cordão não é
protagonista de nada. Somos mais uns ocupando as ruas, que é de todos nós. Somos
muitos cordões, muitos anônimos, muitos trabalhadores/foliões. Uma multidão. O
carnaval é a festa da cura.
131
3- Identificar as falas que justificam parágrafos longos. "Os integrantes disseram" etc.
Não havia um núcleo musical e outro de teatro, havia sim um grupo heterogêneo
(bem no início) com um interesse comum que era centrado sobretudo na música. A
música foi desde o inicio e em última instância o fator maior de coesão interna e de
junção do grupo. ( Adriana trazia o teatro através do brinquedo que era o Boi). O Auto
era feito em contextos relacionados as festas juninas, era um brinquedo antes ou
depois do show que fazíamos.
O Edmundo, por exemplo sai do Cordão e posteriormente entra num trabalho musical
Armorial (Gesta), bastante sério. Segue sua carreira acadêmica dentro da antropologia
e participa do nosso CD autoral (2004, bem depois de sua saída) com a letra de Forró
Novo (Kiko Horta/Edmundo Pereira) e tocando viola de 10 cordas.
Orquestra Família e Garrafieira), Kiko (Martinho da Vila e Pau da Braúna), Cris (Mariana
Baltar).
Pg.3
Pg. 5
segundo parágrafo:
Para nós era difícil compreender como um músico como Darcy do Jongo, por exemplo,
representante de uma vertente tão rica e importante da cultura (Jongo) vivia num
estado de penúria. Sua casa era feita com lascas de zinco que ele recolheu, seus cachês
irrisórios...
O dilema não era como vamos ganhar dinheiro com aquilo e sim porque no Brasil,
determinados agentes de nossa cultura não são valorizados.
O problema não era o axé ou o rock nacional, de novo a discussão era o porque de
determinadas coisas não terem espaço. Não mencionar aqui os estilos musicais citados
no 3º paragrafo desta página: pagode, axé, etc. Umas das características do Cordão
sempre foi de não ter preconceitos de estilos e gêneros musicais. Podemos nos ater a
falar da “música de mercado” em grande parte estrangeira inclusive.
Logo abaixo tirar a expressão “se sentia sem referencia” que nos pareceu
desnecessária, podendo induzir a uma má interpretação. Tínhamos referências sim!
Logo em seguida, preferimos não fazer menção a qualquer tipo de relação nossa com o
“forró universitário”, não está correto aplicar a expressão “recusou associar-se ao
forró universitário”, pois nós nunca tivemos qualquer tipo de ligação com este
movimento.
Abaixo, a parte específica da citação da Schneider que diz: “como vamos ganhar
dinheiro de uma coisa que os próprios mestres não ganham” nos parece também
133
deslocada aqui, nossa preocupação na verdade era sobretudo pelo fato de vermos
grandes mestres sem recursos algum, deixados completamente a margem do sistema.
Pg.6
Logo no inicio, trocar “alguns gêneros musicais” por “certos procedimentos usados
pela indústria cultural” . Tínhamos um enfoque crítico aos procedimentos adotados
pela indústria cultural jamais aos gêneros musicais em si!!
Pg. 7
"O discurso do grupo fala em realizar trocas: o objetivo era interagir, fazendo
apresentações na mesma medida em que as assistia.
“Muito embora algumas canções que eram ouvidas e TOCADAS NESTES CONTEXTO,
acabassem fazendo parte do repertório então apresentado pelo grupo, não era esse o
FOCO. As VIAGENS ERAM MENOS UMA ESTRATÉGIA DE SELEÇÃO DE REPERTORIO QUE
UMA BUSCA POR TER EXPERIÊNCIAS ATRAVÉS DO CONTATO MUSICAL- EXTRA
MUSICAL” (OK)
Pg. 8
Começa com "O DISCURSO DO CORDÃO...." Qual discurso, se está picotando todas as
falas? Este discurso só aparece quando é do interesse do pesquisador para justificar
um conceito que ele chega. Identificar as falas desse discurso.
Nós não procurávamos "dividir" o palco com eles, no caso do Jongo, aquele
espetáculo era a comemoração dos 60 anos do Mestre Darcy.
134
No último parágrafo antes do item 3.3 ele fala que o Grupo foi moldado por uma
escolha de caminho profissional. O que nos molda são as vontades musicais e artísticas
unicamente.
Pg. 9
primeiro parágrafo:
“O grupo Cordão do Boitatá sempre foi o próprio núcleo musical, outras atividades
que porventura coexistiam no inicio eram de certa forma periféricas e sobretudo
diretamente ligadas a práxis musical que desenvolvíamos. Por outro lado o grupo tinha
desde o seu surgimento como intenção, e condição inerente ao seu desenvolvimento,
criar um espaço dentro do mercado da cultura. As mudanças que ocorreram foram
sobretudo no âmbito da vida pessoal de alguns integrantes que queriam permanecer
neste grupo, outros escolheram aprofundar suas atividades em outros campos e
saíram.”
Esses conceitos que apresentamos aqui nos parece de suma importância. Entendemos
que esta retificação conceitual, vá influenciar bastante “pré-conceitos” que permeiam
o restante da dissertação, que precisam ser revistos e colocados sob essa ótica!!
último parágrafo:
O Kiko estava começando mas já tinha, mesmo sem saber como, a certeza de que seu
caminho era na música.
Pg. 11
O pesquisador estabelece que havia uma visão coletiva de grupo sem pretensões, não
profissional. Ainda estávamos entendo como era trabalhar com música mas tínhamos
sim o desejo de fazer apresentações, no nosso formato.
Pg. 12
1) Não concordamos que havia uma “vigília” no repertorio por parte dos antropólogos
e conceito estético amarrado. O que havia era vontade de tocar. Aliás não havia nem
vigília, nem pesquisadores atuando como tal dentro do grupo, os que viraram “ólogos”
ou o que quer que seja em seguida, atuavam no grupo como todos nós ou seja como
músicos. Tínhamos dentro do grupo preocupações estritamente musicais e jamais de
alguma outra natureza qualquer!!
2) Não se pode associar o repertorio inicial do Cordão a esses outros grupos que atuam
no carnaval. Isto está completamente sem pé nem cabeça, rsrs! Primeiro porque o
Cordão é bem anterior a esses grupos. Segundo porque o repertório do Cordão desde
o inicio era muito amplo e formado por músicas de estilos, matizes e ritmos diversos e
variados e não se restringia nem um pouco apenas a um repertorio carnavalesco!! O
pesquisador faz uma mistura do repertorio do dia de carnaval com o do grupo. Só
tocávamos as músicas de carnaval no dia de carnaval. Não tinha nada a ver com Céu na
terra (que passou a tocar muitas musicas que tocávamos no bloco, não só as
conhecidas), e o Rancho Flor do Sereno. Eram propostas muito diferentes.
O dia de carnaval é mais uma das atividades do calendário anual do Cordão. O trabalho
desconsidera totalmente esta informação, os shows ao longo do ano, os shows no
período junino etc.
No último paragrafo a uma afirmação mal interpretada que diz "que a saída dos
pesquisadores mudou o perfil do grupo” (pra nós eram músicos que por acaso tinham
tmb uma formação extramusical), e mistura profissionalização com decisões de
repertorio.
Todos que permaneceram no grupo estavam unidos pelo desejo de continuar tocando
(não ha mudança nisso). O que ocorreu foi um processo, natural a qualquer trabalho,
de ir se estruturando cada vez mais. Nenhuma banda começa efetivamente pronta,
"profissional".
Pg. 13
primeiro paragrafo
Como vimos não havia dentro do grupo esse contraponto pesquisador acadêmico
versus músico , esse conceito está errado na base, devido a um erro de compreensão
de qual era a proposta do grupo desde o seu inicio. Também não existe um embate
espirito coletivista x profissionalismo musical. O espirito permanece o mesmo, o que
muda e a disponibilidade do Gustavo (por exemplo) para ensaiar e suas escolhas na
vida pessoal. O grupo segue seu curso.
Pg. 14
Todo repertorio musical demanda apuro técnico para sua execução. Esse trecho passa
uma ideia equivocada de precariedade, e de menor valor das musicas do repertorio
que seriam desse comecinho de trabalho (que já misturava muita coisa). Vale lembrar
que na coleção Marcus Pereira, havia arranjos do Radamés, Quinteto Violado, etc.
Ass:
Caro Fabiano,
Os textos enviados pelo Cordão do Boitatá e assinados por seus integrantes, visam
colocar conceitos e definições, levantadas por você, no lugar. Não são comentários
apenas. A edição dos mesmos, não é cabível neste caso.
O Cordão quer ter seu direito de fala preservado integralmente.
Pedimos que o texto final seja enviado a tempo para nossa apreciação. O que você já
tiver aprontado, favor enviar.
Mesmo enviado, isto não significa que o Cordão esteja de acordo com todos os
conceitos apontados.
Pedimos também atenção a todos os apontamentos já enviados e agradecemos seu
interesse pelo nosso trabalho.
Abraços
1- página 14:
2- página 16:
O parágrafo “Como já foi mostrado aqui ( ....) sobretudo”, está muito confuso. Não há
um primeiro ou segundo momento. O Carnaval do Boitatá não tem e nunca teve um
foco "comercial". Não há um projeto que foi criado visando isso.
De novo há uma confusão do grupo com sua ação específica no carnaval.
O apoio que é conseguido, é usado de forma utópica, baseada em princípios
totalmente diferentes dos que regem o pensamento capitalista destas empresas.
Consideramos uma ação de pirataria cultural. Esta ação inovadora, independente,
focada na cultura de carnaval, na sua música, é um dos fatores que fazem com que as
138
pessoas queiram estar ali, sem cachê participando da festa conosco. Há muita clareza
nisso.
3- página 18:
É importante ficar claro que para o Cordão, a qualidade musical não está associada
apenas a versatilidade e ao virtuosismo. Há outras características não citadas. Estas
duas primeiras, na verdade, são condições básicas para a realização de um show que
tem 80 músicas de diversos estilos, arranjos de todo tipo e 5hs de duração.
Incomoda a citação colocada em destaque que menciona “tirar onda de
instrumentista”, esse não é o foco de nossas apresentações, o virtuosismo e a
versatilidade são alguns dos elementos que utilizamos, quando necessário, para
alcançar uma emoção coletiva que a cultura e a musica proporciona.
4- página 19:
Não é só o prestígio musical via qualidade técnica que traz nossos parceiros da música
para junto de nós. A proposta cultural e a forma inovadora e independente dos
padrões vigentes no mercado, fazem com que o Cordão tenha uma grande adesão por
parte do meio musical. A própria ação citada acima de “pirataria cultural”, no sentido
de conseguirmos canalizar um capital para realização de um projeto cultural de
excelência, libertário e utópico, faz com que o palco onde realizamos o nosso show no
domingo de carnaval na praça XV seja tão valorizado, amado e respeitado por todos
músicos e artistas que se apresentam lá, acima de tudo por amor a cultura do carnaval
carioca. O cuidado extremo com o equipamento de som, e uma produção voltada
exclusivamente para as melhores condições possíveis da realização musical, também é
um fator diferencial. O Cordão começa a montar a estrutura de sua festa no domingo
de carnaval na quarta feira anterior, com a montagem do palco. Sexta, após o termino
da mesma, começa a montagem de som. No sábado de manhã até as 16hs, a equipe
responsável junto com os técnicos de som do Boitatá , faz todos os testes de
frequência na Praça e no palco. As 17hs começa a passagem de som de toda a
orquestra e dos convidados que por ventura tenham necessidades especiais. (Os
instrumentistas, grupos convidados etc.). Geralmente esta passagem dura de 4h a 5 h.
Isto tudo para no domingo estar tudo bem bonito e afinado para o dia de carnaval.
O Cordão já utilizou os serviços das seguintes equipes de som :
- Primeiro palco ( som do Gugu, não lembro o nome da equipe dele agora)
- 2 anos seguintes: Contratação da equipe de Léo Garrido.
-Vip Sound
- Contratação da Gabi Som considerada a maior equipe do Brasil. Na avaliação do
Cordão, a mesma não disponibilizou os serviços e a qualidade que a notabilizaram
como a "melhor do Brasil". Deixou a desejar.
- Contratação da equipe Lang Brothers. Mudança grande na postura. Equipe parceira
que "vestiu" a camisa da festa, entendendo a importância e complexidade técnica da
139
proposta. Ano a ano, busca melhorar a qualidade do som oferecido ao público junto
com o Cordão.
Como vemos, há um caminho de muito trabalho e gradual aperfeiçoamento do
conceito da festa em vários níveis.
5- página 20:
6- página 21:
7- página 22
140
O Boitatá não é o grupo que recebe maior apoio da AMBEV. Para se afirmar isto é
preciso conhecer a realidade de todos os blocos, apresentar comprovantes disso
inclusive.
Quanto ganha o Bloco da Preta, MonoBloco, Sargento Pimenta, Orquestra Voadora?
Na escala da AMBEV, eles são classificados como blocos "grandes" e o Boitatá médio...
Não sabemos se os mesmos recebem patrocínio da Prefeitura ou Estado.
Fora os blocos da Sebastiana que tem contrato com a Globo. Não conhecemos a
realidade de nenhum deles.
O que a fala quer dizer é que o Boitatá tem uma postura diferente em relação ao uso
desse apoio (independente da quantidade conseguida). O dinheiro é para trazer
qualidade para a festa, é para ser colocado todo na sua realização e não ficar no bolso
dos "produtores culturais". Fato muito comum no carnaval e no mercado de cultura!
Favor trocar a fala de Oliveira “o ideal seria.... (...) É tudo pago no mínimo”
por:
“Entendemos que é uma pena montarmos uma estrutura tão boa para apenas 1 dia,
gostaríamos muito que grupos como as Velhas Guardas por exemplo, pudessem
usufruir do palco que montamos, e da festa que produzimos como um todo.
Gostaríamos de poder oferecer isto para outros grupos culturais parceiros, sem a
ingerência da Prefeitura ou qualquer empresa, estendendo nossa festa para mais 1 dia
pelo menos. O palco do Boitatá tem todo potencial para se tornar um marco, uma
referencia do Carnaval multicultural da Cidade. Realizamos algo imenso com
pouquíssimo recursos, se conseguíssemos mais e se tivesse maior interesse de se
investir em cultura de verdade poderíamos fazer algo ainda maior para a Cidade, com
certeza!”
“Para o grupo, depois de 6 anos estudando e testando uma forma de realizar o Cortejo
e o Palco no mesmo dia, o Cordão entendeu que a tarefa era muito puxada, hercúlea.
Mais de 10hs ininterruptas de trabalho com situações no palco e na rua muito
variadas. Entendeu também que cada atividade (Cortejo e Palco) careciam de dias
independentes, inteiros. Ao separar os dias, buscou preservar as características de
cada atividade e potencializar sua realização no âmbito artístico, musical, carnavalesco
e humano.”
Por favor tirar qualquer insinuação de que isto teria sido feito para pressionar a
AMBEV, que é totalmente descabida e tendenciosa. Como dissemos, SEMPRE
bancamos o cortejo com recursos próprios. O apoio da AMBEV, quando apareceu e até
hoje sempre foi para o palco. Favor corrigir isto e não mencionar a Ambev neste caso!
141
8- página 23:
Outra colocação importante. Durante muitos anos, o Cordão (sozinho) arcou com os
custos do aluguel de banheiro usando o dinheiro de seus shows pré-carnavalescos.
Vale observar que estas empresas de banheiro, no carnaval, formam um cartel e que o
preço de cada unidade alugada era muito alto.
Na fala do Kiko sobre a imprensa, colocar o termo real (puta apontamento). Completar
também o sentido da frase. Passamos a entender que muitas vezes a imprensa ligava
para nos colocar numa pauta pronta, armada, desvinculada de nossas ideias e
conceitos.
9- página 24:
Mistura de novo a história do grupo musical com o carnaval com uma iniciativa
comercial. Todo esse trecho da pagina 24 até 25 nos pareceu bastante confuso.
Os discursos apresentados no segundo parágrafo estão fora de contexto. Não são
relacionados ao carnaval que é um atividade específica do grupo. A comparação com o
Céu na Terra nos parece completamente distorcida por exemplo, etc...
É importante salientar também, que esta é uma fala particular, que carece de
aprofundamento e real contraponto com a visão do grupo sobre outros assuntos.
Nos parece bem inapropriado o pesquisador querer abordar dessa forma estas
colocações. O pesquisador realmente conhece a situação atual do grupo?? Não há
resignação com nada relativo as criações no âmbito musical, artístico e "empresarial".
Tanto no carnaval quanto no resto do ano. Visão muito distorcida.
Há uma visão equivocada por parte do pesquisador de que o uso do termo "Grupo
Cultural", viria de um possível " fracasso" do projeto de rendimento financeiro mais
efetivo.
As colocações seguintes também carecem de uma contextualização mais aprofundada
e responsável.
No parágrafo 2 da página o pesquisador fala que optou por não esmiúça-las.
Então porque citá-las de forma inconsistente e fora de contexto?
No final da página ele de novo fala que este "insucesso" financeiro seria uma pista para
entender a definição Grupo Cultural . Este conceito está implícito, entranhado no
nosso modo operante desde o começo de nossa trajetória.
A fala do Horta sobre uma reunião na Riotur foi tirada totalmente de contexto e
insinua uma outra coisa. O Cordão não foi até lá negociar verba (pois não recebe
dinheiro da Prefeitura) e sim dizer que não aceitava a ação da mesma de retirar a
autonomia do Cordão na PRXV na realização de sua festa. A Riotur queria inseri-lo
numa programação da Prefeitura, comprometendo sua independência artística e a
qualidade técnica do evento. O Cordão recebeu a notícia pelos jornais e foi até lá
batalhar por seus direitos. Não tem nada a ver com usar o "capital cultural" para fazer
pressão por verba.
No fim da página há uma fala dizendo que temos " um palco diferente". Mesmo
entendendo que existem características muito específicas no palco do Cordão,
gostaríamos de fazer um outro apontamento.
No Rio, temos um histórico de produção relacionada ao carnaval e a outras atividades
culturais que funciona da seguinte forma:
Som ruim (barato), muito trabalho, músicos mal remunerados e produtores com o
bolso cheio de dinheiro. É uma equação invertida que compromete totalmente a parte
artística e ética nessas relações.
Não há como generalizar os motivos que levam cada músico a estar ali no cortejo as
7hs. Existem questões de ordem pessoal, afetivas, musicais, financeiras, profissionais,
ontológicas, existenciais, libidinosas, alucinógenas etc.
O Boitatá, muitas vezes, serve como fator de inserção de músicos de outras localidades
inclusive, no circuito profissional da cidade.
Não paramos de tocar em todas as casas de espetáculo do Rio e sim naquelas onde a
relação dono de casa/produtor era indigna com a remuneração dos músicos.
“Permitiu que o grupo pudesse apresentar seu trabalho musical de palco para um
público cada vez maior, que hoje em dia passa de 50 mil pessoas. Ao mesmo tempo
pudemos manter a característica acústica.... do cortejo, e continuar desenvolvendo os
arranjos, o repertório...., e a formação da orquestra de rua, aumentando o números de
integrantes.”
Na fala de Horta que vem da página anterior tirar a frase "a gente preservava". Ainda
preservamos, não há sentido nessa frase. Continuamos a preservar nosso carnaval de
rua e suas características.
Ainda nesta página há uma fala que diz que "as vezes ainda bota dinheiro do caixa do
grupo". Até hoje bancamos o cortejo e muitos custos relativos ao palco com dinheiro
nosso.
A fala sobre a Orquestra de Rua significa que ela teria possibilidades musicais de se
apresentar em diversos contextos.
Nosso dia de carnaval sempre foi e sempre será preservado. Não há mudança nisso.
Tirar a fala inteira: " Mesmo que se resigne à ideia(...) até “lamento pela abdicação (...)
feita pelo grupo no passado, mais participativa”
Não lamentamos nada.
“Vou fazer aqui uma declaração (...) que de certa forma acredito venha problematizar
algumas questões levantadas aqui: Não há para mim, essencialmente, diferença entre
o cortejo dos primeiros anos e os que fazemos hoje em dia. Pra mim, na essência
assim como na prática, o cortejo continua sendo o mesmo. O que foi que mudou?
Algumas proporções apenas, números de foliões, números de músicos, trajetos,
horários, algumas características de arranjos e repertorio...
146
Cabe analisar, que essência é essa a qual me refiro, o espirito anárquico sim, mas
sobretudo os conceitos políticos, éticos, estéticos e acima de tudo a preocupação em
estar fazendo um ato cultural e contribuindo para que possa continuar se
desenvolvendo e florescendo a cultura do carnaval de rua no Rio de Janeiro, com toda
sua musicalidade ímpar, com toda sua anarquia, com todas suas fantasias. Desde o
início, me parece que foi isso que motivou o grupo, e é o que a gente continua
fazendo! Infelizmente apesar de todos nossos esforços e de tantos outros grupos, o
poder público e outras instituições financeiras parecem não enxergar a importância do
carnaval como patrimônio cultural, o valor incomensurável que isso tem, e sobretudo
não querer conceder aos agentes dessa cultura os meios necessário para realizá-la de
forma digna. “
O livro da Antologia Musical Popular das Marchinhas de carnaval, foi uma ferramenta
para aprendermos corretamente as letras e as melodias que compõe esta parte da
tradição carioca/brasileira de carnaval, assim como os sambas das escolas etc.
Era repertório para sairmos pelas ruas fazendo nossa bagunça e se configuravam (no
caso das mais conhecidas) como verdadeiros "pontos carnavalescos". Até hoje nos
ensaios, pessoas levam livrinhos com letras para aprenderem as letras e ajudarem na
hora do cortejo.
Brincamos muito carnaval na infância, de diversas maneiras.
Na rua, na Presidente Vargas, vendo orquestras tocando em clubes etc. Tínhamos
referências também.
27-Página 50:
Músicas estrangeiras entram por diversos motivos: musicais, políticos (Its Raining Man
foi um protesto contra Marcos Feliciano e sua postura homofóbica), Bob Marley é um
compositor identificado com os movimentos de independência na África etc.
Elas não entram no repertório para nos desvincular da tradição.
Os "puristas do carnaval " ( este conceito é complexo e tendencioso) não torcem o
nariz só para o Bob Marley.
Tem gente que torce o nariz para o Hamilton, Yamandu, Jongo, Orunmilá, Moacir
Santos, Dominguinhos... A variedade de motivos é grande.
No fim fica a percepção de uma festa, de um dia carnaval totalmente carioca,
brasileiro, multicultural, democrático, pacífico e sem preconceitos.
na nota "58" de Horta, tirá-la por completo. Está editada e não reflete o pensamento
do mesmo e do Cordão em relação ao bloco citado. As observações feitas foram
noutra direção. Tirar integralmente.
A escolha de sambas, marchas etc... tem relação com a própria cultura de carnaval da
cidade e do país, não busca a idealização de um país ou do povo brasileiro a partir diss
No último parágrafo manter o texto até "não está atrelada a criação de um movimento
novo", tirar o trecho que vem a seguir, de “De fato (...)” até “apresentou nada de
novo”, não concordamos.
O Cordão é fruto do "movimento" e "desenvolvimento" de diversas vertentes da
música brasileira que nunca são estáticas.
148
Mudando o foco para a ação no carnaval, tanto o cortejo quanto o palco trazem a
marca da inovação em sua concepção.
Incomoda a referencia a nós como “os atuais integrantes oficiais do grupo”, quando
for incluir um apontamento que nós 4 enviamos, pedimos que se refira a nós como “o
grupo”, ou apenas “o Cordão do Boitatá”.
P.4
2º paragrafo:
3º paragrafo:
Atenção o auto do Boi não é uma representação teatral apenas. (Para uma maior
compreensão do que é um auto, ver danças dramáticas brasileiras de Mario de
Andrade) . Fazíamos distinções sim, entre o que era o show do Cordão e as
apresentações do auto, pois eram coisas diferentes.
Por isto sugerimos mudar a frase por:
P.5
“Thiago de Oliveira diz enxergar até mesmo um movimento mais amplo, planetário,
150
que teria feito as “pessoas se voltarem para as suas identidades mais locais”.”
Mas retirado o trecho seguinte com as considerações que este fez no momento da
entrevista sobre elas:
P.6
Pedimos aqui que nosso apontamento seja incluído na integra por favor:
P.7
Incluir Pernambuco e Bahia, entre as viagens feitas pelo grupo ou por seus integrantes
nesta época.
P.8
P.12
Esta é uma visão particular do Gustavo de como ele se inseria enquanto músico no
início do grupo . Não havia "revezamento” ou mais coletivismo nesta época. Apenas
ele e Cris dividiam o cavaquinho até o momento em que a Cris passou a ser a
cavaquinista do grupo. Os outros sempre tocaram seus instrumentos. Não há uma
mudança na forma do grupo se organizar ou perda de coletividade, etc.
Conceituar isto como uma mudança de procedimento do trabalho do grupo,
estendendo essa concepção para períodos posteriores, é inconsistente, pois é uma
151
questão de ordem individual dele. Caso você insista em usá-la dessa forma, coloque
nossa fala na integra situando o relato.
Essa nota nos parece desnecessária e mal contextualizada. Preferiríamos que ela fosse
retirada do texto. Não é correto usar uma fala de um ex-integrante que não atuava
mais no grupo desde 2000 para caracterizar nossas atividades carnavalescas em 2006.
Há uma mistura da trajetória do grupo e do bloco sem consistência na pesquisa.
O Gustavo é nosso amigo e até hoje vem brincar o carnaval conosco, como todos os
outros foliões. Em 2006 ele já não trabalhava conosco a pelo menos 5 anos e chegou
em cima do laço, no dia do carnaval. Não estava a par das novidades daquele ano
(todo o movimento da Cooperativa da qual fazíamos parte, do “Mercado do Peixe”,
etc.) e o que nos motivava. Não sabia que estávamos começando a experimentar este
formato (hercúleo) de fazer cortejo e palco, tudo no mesmo dia. Falar de perda de
coletividade é descabido pois naquele exato momento estávamos envolvidos num
contexto de mais de 40 artistas que pensavam a renovação cultural da cidade, e junto
dos quais realizávamos nossas atividades.
naquele momento. Você está, neste caso, ignorando, ou não tomou conhecimento de
dados históricos fundamentais dando ênfase a frases descontextualizadas.
O que houve foi um dinamismo natural, nada a ver com perda de espirito coletivista.
No caso de ser mantida a nota 18 como está, favor fazer o seguinte ajuste na Fala do
Ricardo Cotrim:
Um outro entrevistado diz ter notado, no primeiro ano em que se implementou o show
no palco, durante a festa de carnaval, uma certa frustração por parte dos que não eram
oficialmente da banda: “nesse ano tivemos a ideia de além de realizar o cortejo fazer um
show da banda na Praça XV. Conseguimos uns praticáveis emprestados com o Perfeito
Furtuna, da Fundição Progresso, e o pouco dinheiro que tínhamos contratamos um
pequeno som. Esse carnaval de 2006 entrou na programação do projeto Mercado do
Peixe da cooperativa CASA de atividades culturais no centro histórico da cidade. Foi a
primeira experiência de conjugar o cortejo com o show carnavalesco. Foi um caminho
que encontramos de reinvenção da festa em função também do crescimento do bloco.
Toda a mudança gera algum tipo de reação e esse ano foi bem experimental"(R.
153
P.14
“Não se pode associar o repertorio inicial do Cordão aos grupos citados. O Cordão que
é anterior a esses grupos tinha desde o inicio um repertório muito amplo, formado
por músicas de estilos, matizes e ritmos diversos e variados, não se restringindo
apenas ao repertorio carnavalesco.”
Atenciosamente,
Cordão do Boitatá
154
1-
Pedimos que a expressão " os integrantes atuais do grupo" seja corrigida.
Somos o grupo e pronto, há quase 2 décadas.
2- página 11:
" As mudanças foram sobretudo no âmbito da vida pessoal de alguns integrantes, uns
quiseram dar continuidade ao projeto musical (já existente) e outros escolheram
aprofundar suas atividades em outros campos e sairam".
4-Página 13:
O Pedro Pamplona também entra na UFRJ para cursar música, após se formar em Belas
Artes.
7-Página 20:
Thiago pede para tirar sua a citação sobre uma " Virada". Ou deixar apenas:
“todos no Boitatá queriam viver de música. Intenção bem clara, bem definida”
(OLIVEIRA).
na fala de Horta corrigir : “o meu nível de conexão ele é igual”, favor trocar por: “O
nível de conexão é igual". Por ser uma frase retirada de uma conversa, há muita
repetição de pronomes.
O final está mal formulado. É importante deixar claro que nunca entramos em nenhum
tipo de embate com outro bloco por verba. Muito pelo contrário, a ação do Cordão de
negação a condições impostas, muitas vezes fez com que o apoio melhorasse para
todos.
156
14-página 28:
Ajustar a 2º fala do Cordão. Tirar a frase que colocamos fazendo menção a Prefeitura e
Ambev, a forma como escrevemos pode deixar a entender que atualmente eles tem
alguma ingerência, que na realidade não há, de nenhuma natureza. Favor trocar por:
entendemos que é uma pena montarmos uma estrutura tão boa para
apenas 1 dia, gostaríamos muito que grupos, como as Velhas Guardas
por exemplo, pudessem usufruir do palco que montamos, e da festa
que produzimos como um todo. Gostaríamos de poder oferecer isto
para outros grupos culturais parceiros, estendendo nossa festa para
mais 1 dia pelo menos. O palco do Boitatá tem todo potencial para se
tornar um marco, uma referencia do Carnaval multicultural da Cidade.
Realizamos algo imenso com pouquíssimo recursos, se conseguíssemos
mais e se tivesse maior interesse de se investir em cultura de verdade
poderíamos fazer algo ainda maior para a Cidade, com certeza!
(COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
Favor trocar o final da fala de Horta por : " Não que eu esteja satisfeito com a forma
de atuação deles"
( eles não oferecem nada...)
ainda incomoda muito a forma como foi colocada a reunião na Riotur e o uso da frase
" fazemos mais do que deveríamos" etc.
Esse trecho já não havia sido retirada e corrigido? Todo o trecho tem uma visão
"negativa" da situação do trabalho e não é contraposto na mesma medida. O Cordão
não tem esta visão sobre o seu momento.
Também não concordamos que os trabalhos surgem de movimentos externos.
Acabamos de fazer uma temporada de um novo show no Teatro da Caixa que foi
totalmente idealizado e produzido pelo Cordão, assim como muitas outras atividades.
Na página 32 o pesquisador fala que optou por não esmiuçá-la mais fala bastante de
uma visão particular. Não é cortar mas apenas contextualizar e contrapor na mesma
medida!
Não são estas possíveis dificuldades ou "insucesso do projeto" (não concordamos em
nada com isso) citadas pelo pesquisador que nos fazem escolher a denominação de
Grupo Cultural. Favor corrigir.
21- Página 39 :
23-Página 41:
O parágrafo 3 está incorreto. Em 2014 NÃO foi o primeiro cortejo fora do Rio!
Favor retirar a fala de Horta.
Sugerimos mudar o parágrafo por:
“Por fim, dando prosseguimento ao caminho de mudança, e já apontando, talvez, para
uma modificação futura na orientação, há a saída do bloco de rua do contexto do
carnaval carioca. Em 2009, fizeram um cortejo de carnaval no Timor Leste, em 2010 no
pré-carnaval de Recife, e em 2014, pela primeira vez na terça de carnaval, o Cordão do
Boitatá realiza um grande cortejo fora do Rio de Janeiro, em Barra do Piraí, ampliando
assim sua área de atuação.”
24- pagina 47
carnaval é uma fronteira muito delicada você dizer pra uma pessoa que ela não pode
tocar naquele momento. É difícil isso. A gente está num momento onde todo mundo
159
está querendo tocar (...). Aí você diz: ‘olha só, tem muitas coisas que já estão
internalizadas pelas pessoas que estão tocando, se a pessoa tocar de qualquer forma
vai atrapalhar". (HORTA).
25 - Página 54
Pedimos por favor, que nosso apontamento seja colocado na íntegra da forma como
segue:
É importante salientar que O Livro de Marchinhas era para brincar o Carnaval, não
tinha nada a ver com uma busca pelo passado.
28- página 53 :
a Fala de Horta está perdida, a citação “a gente ia lembrando e tocando” diz respeito a
determinadas situações no cortejo especificamente, o que não está claro. Não tem a
ver com o repertório do grupo. Talvez seja melhor tirar logo.
“Músicas estrangeiras entram por diversos motivos: musicais, políticos (Its Raining
Man foi um protesto contra Marcos Feliciano e sua postura homofóbica, Bob Marley é
um compositor identificado com os movimentos de independência na África etc.). Elas
não entram no repertório para nos desvincular da tradição.
"Puristas do carnaval " podem torcer o nariz por diversos motivos: porque tocamos
um samba-reggae, um Jongo, música instrumental, Moacir Santos, Dominguinhos, pela
participação do guitarrista nigeriano Kologbo etc. Já ouvimos de tudo. No fim fica a
percepção de uma festa, de um dia carnaval totalmente carioca, brasileiro,
multicultural, democrático, pacífico e sem preconceitos.
29- Página 64 :
-Como já dissemos, nos identificamos com o Conceito de TAZ. Ver colocação do Cordão
sobre isto. Não achamos que este conceito se aplique apenas as observações do
pesquisador.
-" Tudo na nossa festa de Carnaval, tanto no cortejo como no palco, emana da festa
promovida pelo Cordão do Boitatá. A ação musical/carnavalesca do grupo propicia o
surgimento de todo tipo de brincadeiras e situações que acontecem ao seu redor.
Entendemos que é a orquestra e sua música que inspira os encontros de várias
naturezas. Não há propriamente uma indiferença, estão todos ali inseridos naquele
caldeirão .
abrs
161
O show na Praça XV, que há nove anos (o 1º show foi em 2006) reúne grandes artistas
e renomados instrumentistas, conta neste Carnaval com a presença de nomes
como Hamilton de Holanda (que estreia no Carnaval carioca), Roberta Sá, Áurea
Martins, Marquinhos de Oswaldo Cruz, Eduardo Gallotti, Mariana Bernardes, Pedro
Miranda, Mariana Baltar, Luiza Dionízio, Edu Neves, Tia Maria do Jongo da Serrinha,
dentre outros.
Neste Carnaval, o Cordão do Boitatá faz uma homenagem especial a quatro mestres
da nossa música: Dorival Caymmi, Dominguinhos, Délcio Carvalho e Pixinguinha. Os
cantores Roberta Sá, Pedro Miranda, Mariana Baltar e Áurea Martins interpretam
“Canto ao pescador”, “A vizinha do lado” e “Gabriela”, “Oração de Mãe Menininha”,
em homenagem ao centenário de Dorival Caymmi (1914-2008).
Um dos blocos mais alegres e coloridos do Carnaval carioca, o Cordão do Boitatá fez,
no dia 23 de fevereiro (domingo, pré-Carnaval), o seu tradicional cortejo, partindo da
Rua do Mercado e percorrendo as ruas do centro antigo do Rio até a Praça Tiradentes.
O bloco é reconhecido por seus foliões, que comparecem em peso vestidos com
fantasias criativas e bem-humoradas, desde os primeiros cortejos, quando os músicos
e um grupo de amigos desfilavam fantasiados pelas ruas do Rio Antigo.
Formado por Kiko Horta (acordeom), Cris Cotrim (voz e cavaquinho), Luiz Flávio
Alcofra (violão), Thiago Queiroz (sax barítono e alto), Daniela Spielmann (sax
tenor), Ricardo Cotrim (percussão), Paulino Dias (percussão) e Rodrigo
Scofield (bateria), o Cordão do Boitatá conta ainda com o apoio de músicos
convidados, como Chico Oliveira (baixo), Maico Lopes (trompete), Everson
Moraes (trombone),Maionese (flauta e flautim) e Naife Simões (percussão).
A partir de 2013, o Cordão do Boitatá ampliou o seu Carnaval para dois dias de
folia. Neste ano, seu tradicional Cortejo foi realizado no domingo anterior ao Carnaval,
com trajeto da Praça XV à Praça Tiradentes, trazendo para os foliões dois momentos
marcantes e distintos do Carnaval carioca: o cortejo na rua e o grande show de
Carnaval, no palco montado na Praça XV.
163
Em fevereiro de 2004, o grupo Cordão do Boitatá lançou seu primeiro CD, Sabe lá o
que é isso?’ (Deckdisc), que contou com a participação de D. Ivone Lara e Xangô da
Mangueira, entre outros, e foi aclamado pela crítica especializada de todo o país.
- COISA No 4
- DOCE MELODIA (COMEÇA VOZ E CAVAQUINHO/CRIS)
- ABRE ALAS- Dm / PASTORINHAS - Dm / MASCARA NEGRA- F
- BOLE BOLE/ ISTO AQUI O QUE
TERESA CRISTINA
-TEM XINXIM E ACARAJÉ - E/ BAHIA É UM ENCANTO A MAIS - E
-SAMBA PRAS MOÇAS - G
-BLOCO DO PRAZER – Em / CHUVA SUOR E CERVEJA - G
MARIANA BALTAR
- JUÍZO FINAL
-MARACANGALHA - F
-POMBO CORREIO
PEDRO MIRANDA
-HELLO MY GIRL
-CANJIQUINHA /YAÔ- C /BENGUELÊ – F
YAMANDÚ
-FREVO SANFONADO
- FORRÓ BRASIL
-CHEGA DE SAUDADE - Gm PEDRINHO
AUREA MARTINS
MARIANA BERNARDES
-MADALENA
-LUA DOS AMANTES
-IS THIS LOVE
-SONHO DE CARNAVAL (C) /CAPITAL DO SAMBA ? /TEM CAPOEIRA? / SE
VC JURAR
-PODIA SER MELHOR
165
- JONGO DA SERRINHA
ROBERTA SÁ
- TRISTEZA
-A VIZINHA QUANDO PASSA
-O QUE ME ACONTECIA
-ALÔ FEVEREIRO
(CRIS )
-SAMBEI 24H
-FORMOSA - G/ LAPINHA - C (MARIANA BALTAR)
GABRIEL IMPROTESE
MARIANA DE MORAES
- CONSOLAÇÃO - Dm
- SE VC DISSER QUE SIM (falta a parte) - Bb
- SAMBA DA BENÇÃO - C
MARIENE DE CASTRO
-CONTO DE AREIA
- RAIZ - G
- ILHA MARÉ - A
MARCELINHO MOREIRA
MARTINHO DA VILA
ABAYOMY
- OBATALÁ
- MALUNGUINHO
- REMEMBER FELA
EDU NEVES
-CHORINHO EM COCHABAMBA
- PICA-PAU
RUBINHO
-PETER PAN
-99 não são 100
BIS:
É d’ Oxum Ab
Toda menina baiana C
Filhos de gandhi G
African Market
Festa do interior D
Fanfarra 1 G (135)
balancê G
sassaricando G
chiquita bacana G
yes nos temos banana G
mulata bossa nova G
Na Cadência do Samba
Tristeza F
Ê Capoeira
Pega no ganzé F
bola preta C
mamae eu quero C
maria é sapatao C
cabeleira do zeze C
me da um dinheiro ai C
indio quer apito Cm
Fanfarra 2 Bb (5151)
colombina yeyeye Bb
remador Bb