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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Centro de Letras e Artes

FABIANO THOMAZ LACOMBE

O CORDÃO DO BOITATÁ: relação com as noções de indústria cultural,


profissionalismo, tradição e mudança

Rio de Janeiro
2014
2

Fabiano Thomaz Lacombe

O CORDÃO DO BOITATÁ: relação com as noções de indústria cultural,


profissionalismo, tradição e mudança

Dissertação de Mestrado apresentada à


ao Programa de Pós-Graduação em
Música (Musicologia), Escola de
Música, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em Música
(Musicologia).

Orientador: Prof. Dr. José Alberto Salgado e Silva

Rio de Janeiro
2014
3
4
5

AGRADECIMENTOS

Agradeço, em primeiro lugar, a minha mulher, Joana Penna, pelo apoio afetivo e efetivo
nos diversos momentos de dificuldade e de labuta.

Agradeço ao orientador deste trabalho, o professor José Alberto Salgado, pelo


acompanhamento rigoroso e, ao mesmo tempo, afetuoso.

Agradeço também aos integrantes e ex-integrantes do grupo Cordão do Boitatá pela


disponibilidade e empenho.
6

RESUMO

LACOMBE, Fabiano Thomaz. O CORDÃO DO BOITATÁ: relação com as noções


de indústria cultural, profissionalismo, tradição e mudança. Dissertação (Mestrado
em Música) – Escola de Música, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2014.

Esta dissertação apresenta um estudo etnomusicológico de um grupo musical


com atuação marcante no carnaval do Rio de Janeiro do início do século XXI, o Cordão
do Boitatá. Alguns temas específicos são investigados: a) noções de profissionalismo; b)
relação com a indústria cultural; c) noções de resgate, tradição e mudança; d) relação
com movimentos musicais que dão atenção ao repertório popular, desde o modernismo
da década de 1920. As categorias performance participativa e performance de
apresentação, de Thomas Turino (2008) são utilizadas para examinar algumas das
questões e comparar a atuação do grupo em desfiles de rua – no formato de bloco de
carnaval – e em palcos – no formato banda. Já o conceito de indústria cultural é
examinado e reposicionado para a análise do contexto socioeconômico. A metodologia
empregada para tanto envolveu um posicionamento em campo de abertura à amizade,
como uma crítica a um modelo objetivista de distanciamento afetivo, e ainda uma
abordagem dialógica com o intuito de diluir as relações desiguais de poder entre
pesquisador e grupo com o qual se fez a pesquisa.

Palavras-chave:

Carnaval. Indústria cultural. Dialógico.


7

ABSTRACT

LACOMBE, Fabiano Thomaz. O CORDÃO DO BOITATÁ: relação com as noções


de indústria cultural, profissionalismo, tradição e mudança. Dissertação (Mestrado
em Música) – Escola de Música, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2014.

This paper presents an ethnomusicological study of a musical group with


distinguished performance in the carnival of Rio de Janeiro of the 21st century, Cordão
do Boitatá. Some specific topics are investigated: a) notions of professionalism; b)
relationship with the culture industry; c) notions of recollection, tradition and change; d)
connections with musical movements that gave attention to the popular repertoire, since
the modernism of the 1920s. The participatory performance and presentational
performance, categories by Thomas Turino (2008), are used to examine some of the
issues and compare the group's performances in street parades – as a carnival “bloco” –
and on stage – as a band. As for the concept of culture industry, it is examined and
repositioned for the analysis of the socioeconomic context. The methodology applied
draw a position in favor of the friendship, criticizing of the objectivist model of
emotional detachment, and choose a dialogic approach in order to dilute the unequal
power relations between researcher and group with whom the research is made.

Keywords:

Carnival. Culture industry. Dialogic.


8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 7

1 APRESENTAÇÃO DE QUESTÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS 13


1.1 A PESQUISA NA CIDADE E A QUESTÃO DA ALTERIDADE 13
1.2 LAÇOS AFETIVOS NO TRABALHO DE CAMPO: O CASO DA
AMIZADE 20
1.2.1 AMIZADE NO CORDÃO DO BOITATÁ 26

2 O CONCEITO DE INDÚSTRIA CULTURAL 28


2.1 ADORNO E A ORIGEM DO TERMO 28
2.2 EXPROPRIAÇÃO DO SIGNIFICADO 31
2.3 ALGUMAS CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES 35

3 TRABALHO DE CAMPO 38
3.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 38
3.1.1 NOTAS SOBRE A EDIÇÃO DIALÓGICA 41
3.2 O SURGIMENTO DO GRUPO: MOVIMENTO JOVEM POR UMA
MÚSICA BRASILEIRA FORA DO CONTEXTO HEGEMÔNICO 44
3.3 NOÇÕES DE PROFISSIONALISMO E RELAÇÃO COM A INDÚSTRIA
CULTURAL 50
3.3.1 MUDANÇAS INICIAIS NO GRUPO 51
3.3.2 RELAÇÃO COM O MERCADO 58
3.3.3 ALGUMAS CONCLUSÕES 72
3.4 PERFORMANCE PARTICIPATIVA VERSUS PERFORMANCE DE
APRESENTAÇÃO 73
3.4.1 APRESENTAÇÃO DAS CATEGORIAS E BREVE HISTÓRICO DOS
TIPOS DE EXIBIÇÃO DO BOITATÁ 73
3.4.2 TRABALHO DE CAMPO NO SHOW DO PALCO DA PRAÇA XV 84
3.4.3 TRABALHO DE CAMPO NO BLOCO DE RUA 89
3.4.4 ENTENDIMENTO DO ESQUEMA DE TURINO PELO CORDÃO DO
BOITATÁ 94
3.5 NOÇÕES DE RESGATE, TRADIÇÃO E MUDANÇA 97
3.6 IDEIA IMAGINADA DE BRASIL 102
3.7 RETRATOS DE CAMPO 107
3.7.1 RETRATO 1 – CORTEJO DE 2014 107
3.7.2 RETRATO 2 – PALCO NA LAPA 111
3.7.3 RETRATO 3 – FIM DE FESTA NA RUA 112

CONSIDERAÇÕES FINAIS 115

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 118


ANEXOS 125
7

INTRODUÇÃO

Em um diálogo sucedido no princípio do período de edição dialógica1 deste


trabalho, um integrante do grupo aqui analisado revelou sua preocupação com o fato de
que, uma vez publicado, o texto se transformaria em verdade. Cito esta fala como
ensejo para declarar, logo ao início, que esta dissertação não se pretende detentora da
“verdade” sobre o grupo com o qual se fez a pesquisa, o conjunto musical Cordão do
Boitatá. O texto se afirma sim como uma narrativa construída via observação direta e
interpretação de depoimentos de integrantes e ex-integrantes, estando circunscrita a uma
experiência subjetiva em campo; uma relação intersubjetiva; e, por fim, um exame
criterioso dos atuais integrantes do Cordão do Boitatá sobre o texto.
Neste contexto, o presente trabalho é uma etnografia possível com o grupo com
o qual se fez a pesquisa. Primeiramente por ser resultado de escolhas feitas dentre as
inúmeras possibilidades de abordagem dos temas, nos diversos caminhos teórico-
metodológicos possíveis. Mas também é possível no sentido em que são considerados os
limites específicos desta pesquisa e deste pesquisador. Assim, reconhece-se a
incompletude do trabalho, dadas as minhas lacunas de conhecimento – relativas não só
ao universo do grupo pesquisado como à inesgotável produção acadêmica que tange os
temas aqui tratados – e os limites de tempo e outros impedimentos diversos que
restringem a pesquisa (de um modo geral), e a observação em campo (em particular)2.
A intenção de pesquisar um grupo que tem trabalho de destaque no carnaval,
nota-se, é anterior mesmo ao processo de escrita do pré-projeto de mestrado. A
curiosidade por esta forma de fazer musical adveio não só do meu apreço pela festa –
sendo ativo frequentador de diversos blocos desde a década de 2000 –, mas também do
período em que participei ativamente da organização e execução de uma banda que
surgiu como consequência do prestígio adquirido por um bloco de carnaval, em seu
desfile em 20093.

1
Este termo, que tem origem no trabalho do etnomusicólogo Steve Feld, Sound and Sentiment: Birds,
Weeping, Poetics, and Song in Kaluli Expression (1992), refere-se a uma metodologia que prevê a volta
do material escrito pelo pesquisador ao grupo com o qual se fez a pesquisa. Para um detalhamento deste
processo no presente trabalho, ver subcapítulo 3.1.1.
2
As assunções iniciais articuladas a outras de mesmo teor que aparecerão no decorrer do texto, bem como
a forma de expô-las, na primeira pessoa do singular, se colocam como parte de um empenho em
problematizar a posição do pesquisador e sua escrita, fugindo de uma construção onisciente e heroica de
narração. Essas posturas, pretende-se, permearão toda a pesquisa.
3
O grupo em questão, denominado Exalta Rei, foi concebido como uma homenagem ao compositor e
intérprete popular Roberto Carlos. O repertório era composto por canções de Roberto em versões
carnavalescas. Entre 2009 e 2012 exerci as funções de cantor e arranjador, além de participar das decisões
8

A escolha pelo Cordão do Boitatá, no entanto, deu-se em um segundo momento.


Por um lado, interessava-me estudar um grupo no qual eu já havia participado algumas
vezes como folião, que faz parte do contexto de retomada da tradição de festividades de
rua e que, nesta década de 2010, já tem ali um lugar estabelecido e reconhecido 4. Por
outro, também era um desejo meu dar voz a um conjunto que estivesse atuando distante
(simbolicamente, mas também geograficamente) dos espaços de consagração da cultura
hegemônica, à margem, sem acesso aos meios de comunicação ou qualquer verba de
apoiadores ou patrocinadores. A decisão final teve, em grande medida, um sentido
prático: eu já havia estabelecido contato com alguns dos integrantes do Cordão do
Boitatá em outro projeto musical ligado ao carnaval e, portanto, imaginei que, no curto
tempo de trabalho de uma dissertação, seria a opção mais acertada.
No tocante à classificação dentro das áreas de conhecimento, o texto está
necessariamente inserido em um espaço interdisciplinar: além de contar com os
referenciais teórico-metodológicos do campo da música, ele dialoga mais diretamente
com a antropologia, dado que a prática etnográfica é um procedimento consolidado
nesta área5. Soma-se a esse contexto ainda o fato de que a graduação de quem assina o
trabalho foi concluída em comunicação social, indicando alguma influência de mais este
campo.
A escrita etnográfica, há algumas décadas, já não é mais caracterizada apenas
como aquela realizada por pesquisadores do ocidente em sociedades consideradas
“exóticas”, “isoladas”, com um número relativamente pequeno de pessoas. Se, por um
lado, a pesquisa de Malinowski sobre os moradores das Ilhas Trobriand, iniciada em
1922 com “Argonautas do Pacífico Ocidental” ainda é tida como referência, por ser
“arquetípica do conjunto de etnografias que com sucesso estabeleceu a validade

de produção. Nota-se que os criadores do bloco, que deu origem à banda, acabaram se afastando desta,
pois não queriam associar seu carnaval a um projeto comercial de venda de shows.
4
É preciso notar que o Cordão do Boitatá não é somente um bloco de carnaval. Os depoimentos falam
algumas vezes sobre o fato de que a festa carnavalesca é apenas um dos lugares onde o grupo atua. Não
obstante, há neste trabalho certa ênfase na nas apresentações realizadas durante o carnaval. Contribuem,
para tanto, o fato de que, durante o período de pesquisa em campo, nenhum show foi realizado fora do
contexto carnavalesco; e também o número de menções feitas pelos próprios integrantes e ex-intgrantes
ao bloco e ao show que acontecem nesses festejos.
5
Esta afirmação serve menos para negar possíveis influências de outras áreas, que indicar e enfatizar
certa ênfase em determinado diálogo interdisciplinar. Como afirma Pelinski, “seria uma simplificação
pensar que Etnomusicologia foi concebida em um casamento monogâmico entre musicologia e
antropologia (...) A complexidade do contexto intelectual em que, no final do século passado [XIX],
nasceu a Etnomusicologia como disciplina acadêmica independente (...) se manifesta em sua gestação,
onde participaram, em diferentes graus, estímulos tão diversos como a psicologia, o positivismo, a
filosofia fenomenológica, o exotismo, o colonialismo, a acústica, a invenção do fonógrafo, etc.”
(PELINSKI, 2000, p. 23-24).
9

cientifica da observação participante”6 (CLIFFORD, 2008, p. 26), por outro, foi


reconfigurada a ideia de qual seria o objeto de estudo do etnógrafo (ver capítulo 1),
abrindo a possibilidade para trabalhos em sociedades complexas7.
Tendo em vista esse panorama, o presente trabalho pode ser situado, segundo
nomenclatura comum ao campo antropológico europeu ou norte-americano, no conjunto
de etnografias realizadas “em casa” (at home)8. A expressão não é tão comumente
encontrada na literatura acadêmica brasileira, já que, como afirma a antropóloga Mariza
Gomes e Souza Peirano, “contrariamente aos cânones tradicionais, desenvolver uma
antropologia no Brasil foi consagradamente um projeto feito em casa”. (PEIRANO,
2006, p. 37). No entanto, como afirma o etnomusicólogo José Alberto Salgado, a prática
brasileira de estudos feitos “em casa” pode ser associada às pesquisas da área de
antropologia urbana (ver SALGADO, 2005). Os trabalhos inseridos nesta temática
tomam vulto, no Brasil, na década de 19709 (ver VELHO, 2003) e, no Rio de Janeiro,
obtêm destaque com os estudos realizados no âmbito do Programa de Pós Graduação
em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(PPGAS), onde a disciplina Antropologia Urbana é lecionada desde 1972.
No campo da produção etnomusicológica, inúmeras pesquisas têm sido
realizadas em contextos urbanos, abarcando diversas abordagens teórico-metodológicas
(ARAÚJO, 2011; SALGADO, 2005; REILY, 2002; LUCAS, 2002; CAMBRIA, 2006;
ANDRADE, 2012; GREGORY, 2012; sendo as duas últimas mais diretamente
conectadas a esta pesquisa, por pesquisarem também blocos de rua no Rio de Janeiro).
Não é o objetivo aqui esmiuçar cada um destes trabalhos, mas, de uma maneira geral,

6
Nota-se que mesmo a clássica solução metodológica de Malinowski sofreu e sofre questionamentos
quanto à sua pertinência no contexto das pesquisas contemporâneas (ver ARAUJO, 2009).
7
O surgimento desse tipo de organização urbana deve ser entendido como consequência do processo da
Revolução Industrial (VELHO, 1987). Neste contexto histórico, surge então uma cidade “cuja
complexidade está fundamentalmente ligada a uma acentuada divisão social do trabalho, a um espantoso
aumento da produção e do consumo, à articulação de um mercado mundial e a um rápido e violento
processo de crescimento urbano” (VELHO, 1987, p. 17).
8
Segundo Peirano, podemos entender os estudos realizados “em casa” como uma derivação da
problematização da postura antropológica, na década de 1960. O estudo de sociedades tidas como
“primitivas” era questionado por um discurso que buscava enfatizar as relações de poder e dominação que
os pesquisadores das metrópoles primeiro-mundistas mantinham com as colônias. Assim, nativos
começavam a deixar de ser “primitivos” para se transformaram em “outros”. Outros termos tais como
“indigenous anthropology”, “insider anthropology”, “repatriated anthropology” também são utilizados
para demarcar a transformação da noção de alteridade na disciplina antropológica (ver PEIRANO, 2006).
9
Mesmo considerando os estudos precursores feitos na cidade de São Paulo sob a influência de Donald
Pierson (advindo da Escola de Chicago) nas décadas de 1940 e 1950 (ver MENDOZA, 2005), entende-se
que foi na década de 1970 que “de modo mais sistemático, se incorporou a cidade ao campo da
investigação antropológica” no Brasil (VELHO, 2003, p. 11).
10

argumentar em favor de uma tendência já consolidada de pesquisas realizadas em


cidades por este campo.
A questão da alteridade no trabalho etnográfico aqui será analisada a partir desta
colocação do pesquisador em um ambiente familiar e urbano. Peirano sugere, para a
análise do desenvolvimento da questão da alteridade no Brasil, um continuum de tipos
ideais que iria da alteridade radical (dada pela distância geográfica ou ideológica),
passaria pelo contato com a alteridade (marcada pela noção de fricção interétnica) e
pela alteridade próxima (definida por trabalhos realizados em contexto urbano) até
chegar à alteridade mínima (localizada na própria atividade intelectual dos cientistas
sociais) (PEIRANO, 2006, p. 61-63). Assumirei assim uma posição entre a alteridade
próxima e a alteridade mínima, pois a proximidade entre mim e o grupo com o qual se
fez a pesquisa se dá em um nível geográfico e sociocultural que alcança até, em relação
a alguns dos integrantes do grupo, a mesma vivência acadêmica de pós graduando em
áreas humanas.
Por fim, declara-se que o trabalho pretendeu-se ser um texto dialógico com ativa
participação dos integrantes do Cordão do Boitatá na construção da narrativa. Mesmo
que o processo não tenha sido consolidado por completo – tendo as perguntas
norteadoras adquirido um papel mais expressivo do que o esperado –, manteve-se,
depois de finalizado um primeiro tratamento do texto da pesquisa de campo, um
processo aqui denominado de edição dialógica, com intervenção direta do grupo no
texto. Assim, tento dar voz aos “outros”, diluindo, de algum modo, as assimetrias de
poder comuns ao processo de escrita etnográfica. O texto final é, desta forma, resultado
de: “uma negociação construtiva envolvendo pelo menos dois, e muitas vezes mais
sujeitos conscientes e politicamente significativos”; que busca fugir de uma
representação do “outro” de forma autolegitimadora (CLIFFORD, 2008, p. 43-44).
Assim, buscou-se contribuir para o mapeamento dos acontecimentos sociais
relacionados ao carnaval, em particular, e à música popular, de uma maneira geral,
alimentando assim estudos não só do campo da etnomusicologia, como da antropologia,
sociologia, história e ciências afins.
A distribuição dos assuntos se dará da seguinte forma: no capítulo 1, são
debatidas questões teórico-metodológicas. Depois de abordar o histórico das pesquisas
realizadas em cidades no Brasil e a questão da alteridade neste contexto, é analisado
especificamente o uso da amizade como postura metodológica no trabalho de campo.
Nota-se que a abertura à amizade tem um duplo desígnio: uma crítica a um modelo
11

objetivista de distanciamento afetivo – neste caso, sendo também uma espécie de


experimento metodológico não-ortodoxo de colocação em campo – e ainda um
instrumento útil na tentativa de diluir as relações desiguais de poder entre mim e os
“outros” – em consonância com abordagem dialógica. Se, por um lado, na década de
1980, o etnomusicólogo inglês Kenneth Gourlay já enxergava uma tendência de
mudança na epistemologia etnomusicológica, onde novas possibilidades teórico-
metodológicas poderiam se desenvolver (GOURLAY, 1982); por outro lado, um
levantamento bibliográfico apontou para certa escassez na literatura sobre o tema de
amizade em campo, pois, como afirma Ruth Hellier-Tinoco, os relacionamentos são
muitas vezes tratados como um assunto de caráter pessoal e, de algum modo, não
apropriados a discussões acadêmicas (HELLIER-TINOCO, 2003, p. 21).
No capítulo 2, aborda-se o conceito de “indústria cultural”, tal como pensado
originalmente por Theodor Adorno (ADORNO; HORKHEIMER, 1985) e além: sua
crítica, algumas tentativas de reinterpretação, e sua apropriação pelo contexto capitalista
a que se opunha. Este conceito que, no momento de sua criação, tentava denunciar o
papel que a indústria cultural desempenhava – qual seja, o da lógica do mercado de
reprodução do capital e de consequente reificação dos indivíduos –, na
contemporaneidade, tem seu significado expropriado, com o termo sendo utilizado por
instituições diversas, ligadas direta ou indiretamente ao mercado de bens artísticos. A
ressignificação do processo trocas econômicas concebida pelo Cordão do Boitatá será
analisada, então, sobre esse prisma da releitura que se faz deste conceito.
No capítulo 3, apresento o resultado do trabalho de campo, bem como do
processo de edição dialógica. Como acima mencionado, as questões norteadoras
acabaram tendo papel central na configuração do texto. Foram elas: 1 – analisar como
se dá, no grupo Cordão do Boitatá, a coexistência de dois dos quatro campos da prática
musical propostos por Thomas Turino, opostos entre si: a performance participativa
(bloco de rua) e a performance de apresentação (shows realizados em palcos).
(TURINO, 2008). 2 – analisar o discurso do grupo quanto à escolha de um determinado
repertório, calcado em referências de festas populares brasileiras. Seriam essas escolhas
influenciadas por algum ideário? Há alguma influência do pensamento modernista na
utilização deste repertório? Há uma identidade ou ela é fluida?
A primeira questão gera uma análise sobre como se dá o processo de mudança
(hibridização) das formas de apresentação do Cordão do Boitatá e também sobre a visão
do grupo a respeito de seus modos de apresentação ao longo do tempo. Nota-se ainda
12

que a questão desdobra-se no tema profissionalismo em música, expondo as noções e


posicionamentos do grupo frente ao universo profissional-artístico. Mesmo
internamente ao grupo, visões multifacetadas e ambíguas são constatadas, de maneira
semelhante ao que é notado no trabalho José Alberto Salgado (SALGADO, 2005).
A respeito da segunda questão apontarei por onde fluíram as conversas e as
observações do trabalho de campo sobre a seleção de repertório e as características de
execução musical, bem como a associação destas às noções de tradição e mudança.
Também será explorada a relação das músicas brasileiras que fazem parte do repertório
com um ideal de nação imaginado. Ressalva-se que o termo imaginado, refere-se ao
conceito de nação de Benedict Anderson: uma “comunidade imaginada”. Segundo
Anderson, termos como nacionalidade ou nacionalismo são “artefatos culturais de um
tipo particular”, realidades construídas pela imaginação humana (ANDERSON, 1991, p.
4).
13

1 APRESENTAÇÃO DE QUESTÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS

1.1 A PESQUISA NA CIDADE E A QUESTÃO DA ALTERIDADE

Como já foi mencionado na introdução, esta etnografia está inserida dentro do


contexto dos trabalhos produzidos “em casa”. Este posicionamento será discutido mais
detalhadamente neste capítulo, procurando problematizar os caminhos teórico-
metodológicos implicados, bem como suas possíveis soluções. Assim, farei uma breve
análise da evolução dos estudos realizados em contexto urbano no Brasil, com foco na
Etnomusicologia, para, por fim, tratar das mudanças na representação da alteridade
advindas da virada epistemológica dos anos 80 e fazer uma defesa da validade de um
modelo de pesquisa de campo aberto à amizade.
As cidades são espaços que, desde a antiguidade, vêm impactando e sofrendo
transformações em/por seus habitantes. No entanto, o trabalho aqui apresentado é
localizado em um tipo específico de cidade: uma sociedade complexa moderna. Esta
deve ser entendida como no termos de Gilberto Velho, que, reconhecendo arbitrárias e
problemáticas as fronteiras entre uma sociedade complexa e outra não-complexa,
define: “uma sociedade na qual a divisão social do trabalho e a distribuição de riquezas
delineiam categorias sociais distinguíveis com continuidade histórica, sejam classes
sociais, estratos, castas”. (VELHO, 1987, p. 16).
Os estudos sociais neste contexto urbano, no Brasil, remetem a três escolas
distintas e referenciais: a Escola de Chicago, a Escola de Manchester, e a Escola
Marxista de Sociologia Urbana (ver MENDOZA, 2000). Talvez seja possível atribuir
uma maior influência da Escola de Chicago no Programa de Pós Graduação em
Antropologia Social do Museu Nacional da UFRJ e um maior impacto da Escola de
Manchester nos estudos realizados no âmbito da Pós Graduação em Antropologia Social
da UNICAMP (ver MENDOZA, 2005). No entanto, estas tendências certamente não
impedem outros diversos tipos de orientações teórico-metodológicas presentes na vasta
produção de ambos os cursos. Não é objetivo deste trabalho avaliar os detalhes e o peso
que cada uma das Escolas obteve na produção acadêmica brasileira, mas apenas notar
que estas exerceram e ainda exercem influência nas pesquisas de antropologia urbana no
Brasil.
Os trabalhos brasileiros realizados em contexto urbano não focaram a cidade
como objeto de pesquisa, diferentemente de muitos trabalhos feitos pelo mundo. Como
14

argumenta a antropóloga Eunice Durham, a investigação no Brasil, desde o início


tratou-se “menos de uma antropologia da cidade do que de uma antropologia na cidade.
(...) A cidade é, portanto, antes o lugar da investigação do que seu objeto” (DURHAM,
1986, p. 19). No mesmo sentido, Gilberto Velho e Luís Antônio Machado afirmam, em
meados da década de 1970 (quando a produção urbana antropológica tomava vulto), não
estarem “preocupados em estudar situações que ocorrem em cidades sem que tenhamos,
forçosamente, de explicá-las pelo fato de estarem ocorrendo naquele quadro especial.
Estaremos fazendo ciência social na cidade e não da cidade” (VELHO; MACHADO
apud OLIVEN, 1980, p. 29).
Tratando especificamente da produção etnomusicológica, Samuel Araujo afirma
que, apesar de serem inicialmente tratados com reticência, os estudos de realidades
urbanas “logo reclamariam relevância equivalente à pesquisa convencional em áreas
relativamente remotas do globo” (ARAUJO, 2009, p. 174). Assim, as primeiras
etnografias musicais em sociedades complexas modernas enfocaram tipicamente
“enclaves étnicos ou nacionais, destacando os processos de adaptação envolvidos em
determinados estudos de caso, incluindo aí a passagem do rural ao urbano, movimentos
migratórios transnacionais, mudanças linguísticas e comportamentais” (Idem, 176).
Araujo aponta que trabalhos etnomusicológicos que experimentavam
comparações entre múltiplos estudos de caso, elaborando taxonomias e quadros
interpretativos (Bruno Nettl e Margaret Kartomi são citados como exemplos),
articulavam-se com “macroteorias da mudança social em certas correntes da
Antropologia (...), simultaneamente aos intensos eventos políticos que afetavam o
coração dos países industrializados em todos os matizes do espectro político”
(ARAUJO, 2009, p. 176)10. Araujo cita o trabalho “The cultural role of cities”, de
Robert Redfield e Milton Singer, ambos associados ao pensamento desenvolvido na
Escola de Chicago, como exemplo referencial desta influência. No mesmo contexto, de
ativismo de comunidades por reconhecimento sociocultural, também nota-se, por um
lado, uma alteração de “foco nos estudos etnomusicológicos rumo ao estudo de
processos de mudança e adaptação culturais, em contraste com a ênfase até então
predominante numa estabilidade, em grande medida, idealizada” (Idem, 178). Por outro
lado, uma concessão de “legitimidade acadêmica a objetos até então ou totalmente

10
A musicóloga Maria Alice Volpe, analisando “os motivos para o relativo isolamento da musicologia
brasileira, [e] seu diálogo precário com as demais disciplinas” (VOLPE, 2007, p. 108), reconhece que o
campo da etnomusicologia é mais “sensível a mudanças paradigmáticas de suas disciplinas referenciais,
graças à aproximação aos campos da antropologia” (Idem, p. 109).
15

negligenciados, ou mesmo desdenhados como predatórios, tal qual a música popular


consumida massivamente” (ARAUJO, 2009, 177).
Não obstante, as questões teórico-metodológicas projetadas por esses estudos
etnomusicológicos em torno de seus “novos objetos” remetiam

direta ou indiretamente à prática comum antropológica em contextos rurais ou áreas


ainda mais remotas. Esta última talvez possa ser sucintamente apresentada aqui como
centrada na observação participante de uma sociedade em pequena escala, de um ponto
de vista supostamente neutro, produzindo dados numa dimensão temporal relativamente
reduzida, a ser analisada de uma forma sensível ao contexto em estudo, e a ser
apresentada sob alguma forma aceitável de interpretação acadêmica. (Idem, p. 174).

A etnomusicologia traçará, então, caminho similar às disciplinas de base


etnográfica, que, na década de 1980, foram marcadas por uma virada epistêmica que
rompeu com “construções fantasiosas e alegóricas de fundo empiricista” (Idem, 174),
que apostavam em preceitos disciplinares como “centralidade da tradução cultural entre
um Nós idealizado e um Outro estereotipado, intermediada pela autoria individual do
etnógrafo, ou o impulso empirista em produzir uma pretensa ‘objetividade’ em análise
social” (Idem, 177). Surgem assim “novos sujeitos de pesquisa, estratégias
interdisciplinares, colaboração intersubjetiva e interinstitucional, a criação de novas
instituições, mas acima de tudo a consciência macropolítica das assimetrias, hierarquias
e formas de exploração” (Idem, 181) como aspectos-chave dessa guinada em teoria e
prática (ver também PELINSKI, 2000).
Araujo conclui advogando que a proximidade e a interação entre pesquisador e
pesquisado

pressionam de modo mais acentuado e sistematicamente as premissas e manifestações


concretas com os indivíduos de instâncias sociais envolvidos, demandando disposições
intelectuais e materiais que vão além daquelas usualmente exercidas nos âmbitos
relativamente controlados pela razão acadêmica. Este quadro exige atenção a uma
miríade de interesses, alianças e estratégias em constante recriação, em contextos
complexos e rapidamente mutáveis, revelando a urgência de experimentos
metodológicos não-ortodoxos afinados com as mudanças politicamente sensíveis
observadas nas ciências humanas. (Idem, 181).

Na Antropologia brasileira, apanharei como exemplo os discursos proeminentes


de Eunice Durham e Ruben George Oliven, na década de 1980, para analisar através
desse campo, para onde apontavam as mudanças de representação da alteridade.
Ruben George Oliven se coloca criticamente frente a uma determinada postura
da Escola de Chicago (citando o trabalho de dois de seus expoentes, Robert Redfield, e
16

seu aluno e crítico, Oscar Lewis), qual seja, a abordagem metodológica em que o objeto
de estudo, os Outros, eram “paternalisticamente retratados como portadores de uma
cultura diferente da nossa” (OLIVEN, 1980, p. 25). O contexto deste posicionamento,
ainda segundo Oliven, é a “oposição culturalista entre o moderno e o tradicional”, uma
dicotomia que estava na base da ideia de diferenciação entre campo e cidade11. No
Brasil e na América Latina, Oliven vê “sociedades de desenvolvimento capitalista tardio
e dependente, onde o tradicional se articula com o moderno e nas quais o
desenvolvimento se dá sob forma desigual e combinada” (Idem, p. 30-31). A partir
desta assunção, o autor defende a superação desta dicotomia.
Quanto à abordagem metodológica em estudos realizados em cidades, Oliven
defende o engajamento do pesquisador na tentativa de explicar as condições que geram
a reprodução das relações de dominação, afirmando que

é provavelmente através da observação participante (ou talvez da participação


observante) que este novo tipo de antropólogo tem a possibilidade de analisar a
dimensão da dominação na vida cotidiana e perceber como a cultura reflete e medeia as
relações de dominação numa sociedade complexa. (Idem, p. 34).

Já Durham, professora de Oliven, vê, no estudo de populações urbanas,


“dificuldades em preservar a riqueza da pesquisa empírica antropológica tradicional,
elaborada pelo funcionalismo (...), integrando-a em novos esquemas interpretativos não
positivistas” (DURHAM, 1986, p. 25). Nesse contexto, a detalhada pesquisa qualitativa
tradicional via observação participante, aliada à preocupação com a análise da dimensão
simbólica dentro de uma abordagem culturalista, ainda é considerada útil pela autora.
Segundo Durham, “a pesquisa se concentra na análise de depoimentos, sendo a
entrevista o material empírico privilegiado. Privilegiando-se dessa forma os aspectos
mais normativos da cultura, a técnica de análise do discurso assume importância
crescente” (DURHAM, 1986, p. 26). Durham sugere, no entanto, que a pesquisa em
cidades induz a uma mudança de foco na observação participante: a ênfase migraria da
observação (de tendência objetiva) para a participação, valorizando assim, na
participação observante, a subjetividade do pesquisador.
Para além deste cenário, Durham enxerga, nos estudos onde o “pesquisador está
integrado com o sujeito”, como por exemplo, aqueles feitos em contexto feminista,

11
Ideias como a do continuum entre campo e cidade de Robert Redfield (REDFIELD, 1947) ou visões
essencialistas de cidade, como a de Louis Wirth (WIRTH, 1967) já foram criticadas ou até mesmo tidas
como superadas dentro do debate antropológico (ver HANNERZ, 1980).
17

negro ou homossexual, “dificuldades em realizar simultaneamente uma ação


transformadora na sociedade e uma análise dessa prática” (DURHAM, 1986, p. 27),
pois haveria, principalmente no contexto urbano, uma “armadilha positivista” embutida
no processo de identificação subjetiva com populações estudadas. Segundo a autora, a
identificação, apesar de necessária por possibilitar uma apreensão “de dentro” de
categorias culturais ali articuladas, “traz consigo o risco de começarmos a explicar a
sociedade por meio das categorias “nativas”, em vez de explicar essas categorias através
da análise antropológica” (Idem, p. 33). Assim, corre-se o perigo de que, no contexto
urbano, caracterizado pela fragmentação, o conjunto não possa ser recuperado a partir
de grupos estudados “porque estão fora do seu horizonte de informação e de sua
experiência direta” (Idem).
Durham conclui afirmando que, ao mesmo tempo em que os antropólogos
tornam as práticas de campo mais engajadas, “despolitizam os conceitos com os quais
operam, retirando-os da matriz histórica na qual foram gerados e projetando-os no
campo a-histórico da cultura” (Idem, p. 32). A solução para o impasse seria a
preservação de uma alusão à problemática social-histórica, sem, no entanto, que se
contente apenas com a reconstrução das “sombras que essa história projeta nos homens”
(Idem, p. 34).
Os dois discursos se posicionam criticamente ao objetivismo e conservadorismo
do modelo funcionalista. No entanto, mesmo havendo posturas diferentes quanto à
questão da proximidade entre pesquisador e o “outro” – enquanto Oliven se coloca
plenamente favorável, Durham faz ressalvas –, as soluções oferecidas para os estudos
em contexto urbano de ambos não vão além da defesa genérica da proximidade entre
pesquisador e objeto de estudo via participação observante.
Tratando especificamente da presente pesquisa, pretendo argumentar em favor
da utilização de um modelo de pesquisa de campo aberto à amizade, como um
experimento metodológico não-ortodoxo. Porém, faz-se necessário, antes, demarcar
algumas particularidades do estudo12.
Desde o momento em que foi concebida, a pesquisa já apresentava
características próximas àquelas da alteridade mínima (ver Introdução): a proximidade
entre etnógrafo os integrantes do grupo com que se faz a pesquisa se dá não somente no

12
Invertendo a afirmação de Vincenzo Cambria, “para que um ‘nós’ possa ser definido, é necessário que
os ‘outros’ o sejam também” (CAMBRIA, 2008), eu diria que o oposto também é verdadeiro: para que os
"outros" possam ser definidos, é necessário que um "nós" o seja também.
18

plano geográfico, mas também sociocultural, fazendo com que haja menos diferenças
que semelhanças entre as partes. Analisando o grupo Cordão do Boitatá, realizei uma
pesquisa onde Eu e os “Outros” moram na mesma cidade, são de classes sociais
semelhantes, têm vida profissional ligada à música popular, laços afetivos e
profissionais ligados ao carnaval de rua, e até mesmo, em um dos casos, vivência
acadêmica semelhante.
Esta proximidade sociocultural entre o grupo e o pesquisador pode ser encarada
como uma vantagem, por tornar o diálogo e a interação mais fluidos, dada facilidade de
entendimento gerada pela utilização dos mesmos códigos linguísticos (e corporais, de
vestuário, musicais, etc.). Mas, ao mesmo tempo, é um fator que poderia gerar
questionamentos quanto à perda de objetividade, dada a dificuldade de distanciamento
do pesquisador13. Como identificar singularidades nos hábitos dos integrantes do
Cordão do Boitatá se estes também são parte da rotina do pesquisador? Como não se
deixar influenciar por ideias preconcebidas a respeito de costumes já arraigados no
pesquisador e no grupo em que se realiza a pesquisa?
Uma resposta inicial aqui utilizada foi colocar em prática as fórmulas concebidas
pelo antropólogo Roberto Da Matta: “(a) transformar o exótico no familiar e/ou (b)
transformar o familiar em exótico” (DA MATTA, 1978, p. 28)14. Além disso, foi feito
um esforço na tentativa de explicitar e problematizar a posição do pesquisador,
assumindo posturas e suas consequências.
Faz-se necessário, ainda, reconhecer que o conhecimento sempre será limitado
por uma “experiência” específica. O termo “experiência” é entendido aqui da forma
como foi exposto por James Clifford (tendo como referência o trabalho de Wilhelm
Dilthey): “um terreno intersubjetivo para formas objetivas de conhecimento”, onde a
“'esfera comum' (...) deve ser estabelecida e restabelecida, a partir da construção de um
mundo de experiências partilhadas, em relação ao qual todos os ‘fatos’, ‘textos’,

13
Durham argumenta que, em um cenário onde a língua não constitui barreira, “a comunicação
puramente verbal predomina, ofuscando a observação do comportamento manifesto” (DURHAM, 1986,
p. 26).
14
A ênfase, no presente trabalho, por conta da localização entre a alteridade próxima e a alteridade
mínima, será, obviamente, na fórmula b descrita por Da Matta. Ainda segundo ele, é preciso “tirar a capa
de membro de uma classe e de um grupo social específico para poder – como etnólogo – estranhar
alguma regra social familiar e assim descobrir (ou recolocar, com fazem as crianças quando perguntam os
“porquês”) o exótico no que está petrificado dentro de nós pela reificação e pelos mecanismos de
legitimação” (DA MATTA, 1978, p. 28-29). Seguindo a mesma linha de raciocínio de estranhamento do
familiar proposta por Da Matta, Oliven dirá que “um dos principais desafios do antropólogo que pesquisa
sociedades complexas reside justamente em procurar interpretar a sua própria cultura e questionar seus
pressupostos que são frequentemente aceitos como dados inquestionáveis pela maioria da população em
geral e mesmo por vários pesquisadores” (OLIVEN, 1980, p. 34).
19

‘eventos’ e suas interpretações serão construídos” (CLIFFORD, 2008, p. 34). Com isso
quero dizer que me afasto da ideia de autoridade experiencial ligada ao positivismo,
como a malinowskiana, por exemplo, para seguir um caminho hermenêutico.
Observa-se assim uma relação íntima entre a experiência e interpretação.
Gilberto Velho, enfocando a questão da interpretação no trabalho antropológico, cita
Clifford Geertz para defender a visão de que o “conhecimento da vida social sempre
implica em um grau de subjetividade e que, portanto, tem um caráter aproximativo e
não definitivo” (VELHO, 1978, p. 129). Segundo Velho, para além da dicotomia entre
familiar ou exótico proposta por Da Matta, há uma subjetividade (ou objetividade
relativa) imanente:

a “realidade” (familiar ou exótica) sempre é filtrada por determinado ponto de vista do


observador, ela é percebida de maneira diferenciada. Mais uma vez não estou
proclamando a falência do rigor científico no estudo da sociedade, mas a necessidade de
percebê-lo enquanto objetividade relativa, mais ou menos ideológica e sempre
interpretativa.” (Idem).

Assim, aproveitando o ensejo de uma proximidade preexistente, procurei


responder à demanda por novas equações e práticas de pesquisa de maneira crítica ao
distanciamento objetivista, aprofundando e não evitando os relacionamentos com meus
colegas de campo. Para tanto, utilizei a prática da observação participante, mas
abordado-a por uma via hermeuneutica que articula experiência e interpretação15.
Como exemplo de caminho metodológico onde há um aprofundamento (e não
um distanciamento) nas relações intersubjetivas da experiência em campo, trato aqui do
trabalho da antropóloga francesa Jeanne Favret-Saada. Em artigo intitulado “Ser
afetado” (FAVRET-SAADA, 2005), a autora fala a respeito de sua experiência de
campo em que, deixando-se ser afetada pela feitiçaria, vislumbrou um caminho
metodológico que ia além da observação participante, dando ênfase na participação.
Favret-Saada conta como cedeu à exigência do grupo pesquisado para que ela
experimentasse pessoalmente os efeitos “reais dessa rede particular de comunicação
humana em que consiste a feitiçaria” (Idem p. 157), transformando este tipo de
participação em instrumento de conhecimento.
A autora ressalta a diferença entre a conexão pelo gesto de ser afetado – ligado
ao envolvimento no ritual de feitiçaria –, e a relação de empatia. Desta forma, ela afirma
15
James Clifford afirma que “entendida de modo literal, a observação participante é uma fórmula
paradoxal e enganosa, mas pode ser considerada seriamente se reformulada em termos hermenêuticos,
como uma dialética entre experiência e interpretação” (CLIFFORD, 2008, p.33).
20

que, estando afetada, se coloca “no lugar do nativo, agitada pelas ‘sensações,
percepções e pelos pensamentos’ de quem ocupa um lugar no sistema da feitiçaria”
(Idem p. 160), mas que, ainda assim, é incapaz de instruir-se sobre como os outros são
afetados. O que acontece, segundo Favret-Saada é a abertura de uma comunicação
específica, “sempre involuntária e desprovida de intencionalidade” (Idem p. 159).
Reconhecendo que, com esta espécie de participação, o trabalho de campo corre
o risco de se tornar uma aventura pessoal, mas optando, ainda assim, por não manter-se
à distância, a pesquisadora questiona certa linha de pensamento antropológica,
“acantonada no estudo dos aspectos intelectuais da experiência humana, nas produções
culturais do ‘entendimento’” (FAVRET-SAADA, 2005, p. 155).
Entendo ser pertinente enxergar o “ser afetado” de Favret-Saada como análogo
ao “ser afetado” pela amizade do qual tratarei adiante. Considera-se assim a abertura à
amizade menos como uma ferramenta metodológica a ser utilizada e mais como uma
possibilidade de experiência produtora de canais de comunicação não necessariamente
objetivos – ou como “uma espécie particular de objetividade” (Idem, p. 160). Os laços
afetivos da amizade funcionariam, assim, de maneira correlata à afetação da feitiçaria.

1.2 LAÇOS AFETIVOS NO TRABALHO DE CAMPO: O CASO DA AMIZADE

Darei atenção agora ao laço de amizade, ressaltando que este pode sim ser
utilizado como postura metodológica16, funcionando, por um lado, como forma de
abertura de um canal de comunicação e, por outro, como elemento integrante e
instigante de uma postura ética em um trabalho que almeja estabelecer uma parceria
entre as partes, como será analisado adiante. Para tanto, foi feito um levantamento
bibliográfico, no campo da etnomusicologia e das ciências sociais em geral, a respeito
do tema.
Em primeiro lugar faz-se necessário notar, para a análise da literatura feita em
língua inglesa, que a palavra (de origem francesa) rapport é comumente utilizada para
tratar da afinidade entre quem pesquisa e quem é pesquisado. Esta, no entanto, não deve
ser entendida como sinônimo de friendship (amizade). Entre os tipos de relacionamento,
rapport e friendship, nota-se uma gradação: há uma ligação mais forte entre as partes

16
Utilizo aqui a expressão postura metodológica para evitar o emprego de outra: ferramenta
metodológica. Nota-se que a palavra ferramenta poderia sugerir que há alguma manipulação para
obtenção de determinado objetivo de pesquisa. Considera-se aqui que a imposição ou mesmo a
premeditação da amizade não seriam posturas éticas cabíveis. A questão será analisada à frente.
21

nesse que naquele. Traduzirei rapport como empatia ou relacionamento empático neste
trabalho17.
Para um entendimento da diferença entre os termos, no contexto das ciências
sociais, pode-se observar a abordagem da antropóloga norte-americana Corrine Glesne,
em seu livro “Becoming Qulitative Researchers” (1999). A autora distingue amizade
(friendship) de empatia (rapport) apontando para o fato de que “a amizade significa um
gostar mútuo, um afeto, e implica uma sensação de intimidade e ligação mútua. (...) Os
laços caracterizados pela empatia são marcados pela confiança e segurança, mas não
necessariamente pelo gostar” (GLESNE, 1999, p. 96).
Por esta definição, o relacionamento empático, quando optado em detrimento da
amizade, apresenta-se como uma barreira ao gostar. Nota-se que Glesne, embora
reconheça a existência de relações de amizade em diversos relatos etnográficos, assume
postura favorável apenas à empatia, enumerando problemas que os laços de amizade
entre pesquisador e pesquisado podem trazer à pesquisa18. Assim, um corolário da
acepção da autora para os relacionamentos no trabalho de campo seria o fato de que os
afetos, em alguma medida, devem ser recalcados para que não se transforme empatia
em amizade. Mas por que se evitaria o gostar? Por que evitar a amizade?
Há na literatura críticas ao relacionamento estreito entre os atores presentes no
trabalho de campo (GOLD, 1958; MILLER, 1952; GLESNE, 1999), referindo-se
basicamente ao risco que laços afetivos, como a amizade, podem trazer à objetividade
da coleta e análise dos dados. Assim, são utilizados termos como over-rapport
(relacionamento empático exagerado) ou over-identification (MILLER, 1952, p. 97-98)
para contestar a proximidade entre as partes presentes em campo, causadoras de perda
de objetividade na pesquisa. No artigo de Gold, utiliza-se ainda a expressão go native
(tornar-se nativo) (GOLD, 1958, p. 220) para afirmar que proximidade entre
pesquisador e grupo pesquisado traz o problema de se pensar a pesquisa em termos
“nativos”.
Pode-se afirmar que as críticas aos laços afetivos entre pesquisador e grupo,
acima retratadas, fazem parte de um contexto modernista, anterior à problematização do

17
Eduardo Viveiros de Castro, traduzindo rapport de um texto em francês do filósofo Gilbert Simondon,
escolhe a palavra conexão (CASTRO, 2002). Mesmo havendo esta referência, opto por empatia, por
achá-la menos abrangente (no Dicionário Aulete há nove definições possíveis para conexão e apenas três
para empatia) (AULETE, 2013).
18
Na literatura etnográfica, o desenvolvimento do relacionamento empático é amplamente aceito e sua
recomendação encontrada em livros introdutórios a respeito de pesquisa qualitativa (SPRADLEY, 1979;
GLESNE, 1999).
22

discurso etnográfico das últimas décadas do século XX. No entanto, em um momento


de virada epistêmica nas ciências sociais, ainda se adverte, como vimos no discurso de
Durham acima, para o “risco de começarmos a explicar a sociedade por meio das
categorias ‘nativas’” (DURHAM, 1986, p. 33).
Na literatura etnomusicológica, constatei que o debate sobre a amizade no
trabalho de campo está intimamente ligado a ideias como reciprocidade,
responsabilidade e ética. A pesquisadora Ruth Hellier-Tinoco, por exemplo, traça um
breve panorama do tema “relações pessoais em trabalhos de campo”, apontando obras a
partir de 1970. Os autores citados são Bruno Nettl, Mantle Hood, Pertti Pelto e Gretel
Pelto (HELLIER-TINOCO, 2003, p. 21-22). Estes trabalhos teriam, segundo a autora,
análises aprofundadas das possíveis implicações das pesquisas e da presença de
pesquisadores no campo e em seus objetos de estudo. Ela afirma, no entanto, que as
referências ao tema ainda seriam parcas e esboça uma resposta para a escassez, dizendo
que os relacionamentos em campo são muitas vezes “tratados como um assunto de
cunho pessoal e, de algum modo, não apropriados a discussões acadêmicas” (Idem, p.
21). Segundo Hellier-Tinoco, apesar de certas mudanças epistêmicas que confrontaram
as relações assimétricas em contextos de trabalho de campo – com tentativas de diluir
“ou até mesmo acabar com os limites entre informante e pesquisador e assim realizar
projetos mais colaborativos e se concentrar mais na experiência do que na coleta de
dados” (idem, p. 19-20) –, haveria ainda um

desequilíbrio profundamente enraizado, e até mesmo uma postura egocêntrica e egoísta,


em que as complexidades, o impacto, as ramificações e o resultado de cada
relacionamento não sejam considerados como uma parte fundamental do nosso
planejamento e de nossa estada em campo (Idem, p. 20).

Em artigo publicado na mesma edição do British Journal of Ethnomusicology


em que aparece o trabalho de Hellier-Tinoco (uma edição temática, enfocando a
discussão dos impactos do trabalho de campo), Timothy Cooley afirma que há ainda
alguma literatura que trata dos impactos do trabalho de campo no pesquisador e no
pesquisado, mas pouco é falado sobre a natureza deste impacto (COOLEY, 2003, p. 3-
4). Cooley cita algumas exceções, datadas basicamente da década de 1990 e dos anos
2000 (os trabalhos de Kay Kaufman Shelemay, Carol Babiracki, Wolfgang Suppan e
Catherine Ellis), e diz que nestas somos lembrados de que, “enquanto entramos em
campo exercendo nosso privilégio de buscar nossos objetivos de pesquisa e satisfazer
23

curiosidades, viramos agentes de transformação (em maior ou menor medida) do grupo


que estamos estudando” (COOLEY, 2003, p. 4). Nota-se, assim, que a preocupação
com a transformação (ou interferência) no grupo estudado é, então, outro ponto
marcante desta literatura etnomusicológica mais recente.
De fato, Kenneth Gourlay, em artigo de 1982, já diz enxergar uma tendência de
mudança na epistemologia etnomusicológica. O trabalho de campo estaria passando de
um foco em “conhecer música” (base para etnomusicólogos como Nettl e Hood), para o
enfoque nas relações humanas (GOURLAY, 1982).
No trabalho de Pelto e Pelto, no entanto, há uma seção cujo título (“Amizade
como estratégia do trabalho de campo”) (PELTO, 1973, p.257) levanta questões éticas:
as amizades podem ser consideradas importantes só enquanto ferramentas, meios de
obtenção de informações? Pode-se fingir (ou representar, no sentido de atuar) uma
amizade para obter informações? Não seria um símbolo potencial de exploração?
O trabalho de Kay Shelemay pode apontar caminhos para uma resposta aos
questionamentos citados, nos levando a pensar os relacionamentos no trabalho de
campo como um processo não forjado, algo quase que irrefletido. Para a autora, as
interações não são concebidas como gestos formais acadêmicos. São gestos
relativamente inconscientes, pessoais, que surgem quase que imperceptivelmente no
processo da pesquisa e que ocupam o espaço entre a academia e a “vida normal”.
Assim, o pesquisador se move do lugar de manejo do capital cultural para outro, de
negociação de relações humanas no campo de trabalho (SHELEMAY, 1996, p. 46).
Shelemay não menciona as muitas decisões não inconscientes do relacionamento entre
pesquisador e grupo pesquisado – a própria escolha do objeto de estudo, por exemplo, já
representa uma decisão político-ideológicas nada subjetiva. A importância de sua
observação está, então, na percepção da existência de gestos não planejados, em meio a
um estudo objetivo, que não fazem parte das ferramentas metodológicas acadêmicas,
mas que estão inseridos (exercendo influência) no trabalho de campo.
O etnomusicólogo norte-americano Jeff Todd Titon, trata mais especificamente
do tema amizade e sugere um “friendship model” de pesquisa de campo, onde se
relaciona cuidado, atenção, trabalho duro e dedicação às relações humanas presentes no
trabalho de campo (TITON, 1992 e 2008). Segundo Titon, a virada epistemológica na
etnomusicologia, influenciada por ideários políticos dos anos de 1960, trouxe diversos
vieses, dentre eles: a tentativa de enteder (ao invés de explicar) a experiência de fazer
música (ou experimentar música); a reflexividade e aumento na representação narrativa
24

nas formas descritiva, interpretativa e evocativa; o compartilhamento de autoria e


autoridade com os informantes; o enfoque nas questões de relações de poder, ética e
identidade; o ceticismo em relação à cultura científica; o “ativo movimento dos
pesquisadores, como defensores (advogados) culturais, na tentativa de ajudar pessoas
com as quais trabalham a ter melhores vidas e fazer com que suas músicas floresçam”
(TITON, 2008, p. 30).
Assim, Titon defende uma visão de trabalho de campo como

uma experiência pessoal em relação a outras pessoas. (...) eu vivencio o trabalho de


campo não primariamente como um meio de transcrição, análise, interpretação e
representação, embora certamente seja isso, mas como uma oportunidade reflexiva e
um diálogo permanente com os meus amigos (grifo meu), que, entre outras coisas,
constantemente retrabalham o meu “trabalho” como sendo o “nosso” trabalho. (TITON,
2008, p. 32).

Não é dificil imaginar, no entanto, situações de pesquisa onde haja alguma


dificuldade de aproximação do pesquisador em relação ao grupo com que se faz
pesquisa. Pensando em contextos assim, Titon afirma que “é ingênuo pensar que a
relação de campo ideal sempre resultará em amizade. Às vezes, uma espécie de relação
contratual, implícita ou explícita, em que cada parte ajuda o outro, é mais eficaz”
(TITON apud HELLIER-TINOCO, 2003, p. 25)19. O que é fundamental a ser ressaltado
aqui é o reconhecimento de que as relações, sejam elas classificadas como “amizade” ou
não, dependem de formas de reciprocidade e que, sempre que o objetivo seja o encontro
interativo, não se pode deixar de lado sua constante problematização.
Na mesma linha de pensamento de Titon, Timothy Cooley, também defende um
modelo de amizade no trabalho de campo, contextualizando-o como uma reação ao
modelo “científico” do observador distanciado. Ele afirma que as bases epistemológicas
deste modelo devem ser o relativismo cultural, a igualdade e as relações interpessoais
(COOLEY, 2003).
Mas partindo da premissa de que humanos são social e culturalmente moldados
e que a amizade também é um conceito socialmente construído e interpretado, Cooley
questiona se as amizades seriam desejadas em qualquer trabalho de campo. E vai além,
questionando se o modelo não pode estar servindo, em pesquisas transculturais, como

19
Enumerando os principais problemas do relacionamento de amizade entre pesquisador e pesquisado,
Corrine Glesne fala sobre ter o acesso negado a informações de pessoas rivais àquelas com as quais se
assumiu amizade. Glesne levanta ainda a possibilidade da identificação exagerada do grupo estudado com
o pesquisador, fazendo com que estes atuem de uma forma que agrade ao pesquisador. (GLESNE, 1999,
p. 102).
25

uma ferramenta liberal humanista para uma re-colonização, em nome da globalização


(COOLEY, 2003, p. 12). É preciso então estar atento às motivações e aos impactos da
amizade nos trabalhos de campo. A problematização do tema seria parte integrante do
modelo:

ao identificar e nomear este modelo [de amizade] de trabalho de campo, o meu desejo é
tornar-me mais autoconsciente e consciente das ideologias por trás deste modelo que
podem afetar o meu impacto sobre as pessoas com quem eu realizo o trabalho de campo
- com quem posso até desenvolver amizades (COOLEY, 2003, p. 11).

Nota-se que os trabalhos de campo realizados por Cooley, assim como os de


Titon, têm características transnacionais. A relação de amizade descrita por eles se
localiza então neste contexto de relacionamento com uma alteridade radical. No caso
da pesquisa etnomusicológica no Brasil, a produção de etnografias ainda está voltada,
em maior parte, para o fazer musical local, com poucas incursões a sociedades isoladas
e geograficamente distantes (ver TRAVASSOS, 2003 e SANDRONI, 2008). É neste
contexto, dos trabalhos realizados em casa, que este meu trabalho de campo está
inserido.
Ainda assim, mesmo que não esteja me relacionando com uma alteridade
radical, também estou lidando com “o outro”. Mesmo estando “em casa”, sempre
haverá uma diferença entre as partes que determinará a existência da alteridade, fazendo
possível o projeto etnográfico que, como define o antropólogo Ghassan Hage,
assemelha-se “ao ato xamânico de induzir uma ‘assombração’ (haunting): encoraja-nos
a nos sentirmos ‘assombrados’ (haunted) a cada momento de nossas vidas pelo que
poderíamos ser, mas que não somos” (HAGE, 2012, p. 290).
Nota-se que não considerarei, nesta pesquisa, a experiência de campo como
separada da “vida normal” (a que se refere Shelemay), mas como extensão desta. Neste
contexto, a representação de papéis (tanto por parte do pesquisador como por parte do
pesquisado) não deve ser considerada como algo inautêntico, mas sim um
desdobramento dos diversos papéis que exercemos em nosso cotidiano. A amizade,
portanto, é menos um modelo, ou uma estratégia, que um efeito das interações sociais
não refreado por estar inserido no projeto etnográfico. Afirma-se aqui novamente: a
amizade é desejada, mas não é imposta.
O sentido da amizade em campo ainda diz respeito à relativização do
objetivismo e à neutralidade do distanciamento socioespacial entre pesquisadores e
grupo analisado, sem, no entanto, supor imunidade aos riscos, dada a proximidade entre
26

as partes. Trata-se somente de uma postura metodológica possível e que parece fazer
sentido no contexto do presente trabalho.
Pretendeu-se, por fim, que as noções de responsabilidade e de reciprocidade
(também consideradas como fundamentais no contexto das pesquisas etnomusicológicas
aplicadas20), fossem fundamentos desta pesquisa baseada em um trabalho de campo
com observação participante e em um processo de edição dialógica. Assim, esperou-se
que a amizade ajudasse a diluir a assimetria de poder, implícita na relação entre
etnógrafo e “os outros”.

1.2.1 AMIZADE NO CORDÃO DO BOITATÁ

Ressalta-se, de início, que o trabalho é colocado como aberto à amizade, ou seja,


os laços afetivos são tidos como uma possibilidade, e não impostos, nem encarados
como condição ao desenvolvimento da pesquisa. A perspectiva de abertura, no entanto,
por si só, deve ser vista como dado etnográfico relevante, pois representa uma postura
que implica um posicionamento crítico ao distanciamento objetivista, além de um
propósito ético, como acima exposto.
No campo com o Cordão do Boitatá, vivenciei um momento, logo no início das
conversas, que motivou a presente postura de abertura à amizade. O que era para ser
uma entrevista aberta sobre o conteúdo da pesquisa, acabou se transformando em uma
conversa informal que deixou em segundo (ou terceiro) plano os temas diretamente
associados ao grupo: falou-se livremente sobre assuntos que iam do futebol a
relacionamentos amorosos. Saindo daquele encontro, refleti, em um primeiro momento,
que deveria ter mantido o foco e guiado mais o diálogo, para abordar com mais precisão
os assuntos relativos ao Cordão do Boitatá. Depois, avaliei que as conversas
consideradas desimportantes diziam muito a respeito de quem falava (e também da
relação de proximidade comigo). Essa percepção foi importante na análise, pois, mesmo
que de maneira não objetiva, criou-se uma via de comunicação (e mesmo a construção
de um personagem) que não existiria sem que os laços fossem estreitados.
Nota-se que o evento relatado acima não se repetiu com outras pessoas, nem se
desenvolveu com aquele integrante, dado o afastamento dele das funções do grupo.
Assim, reconhece-se que nenhuma amizade foi feita entre mim e os integrantes e ex-

20
Para um panorama da etnomusicologia aplicada, ver Dirksen, 2012.
27

integrantes do Cordão do Boitatá. Os motivos para o não estabelecimento de laços


afetivos, para além da possibilidade de haver ou não afinidades, podem estar ligados a
certas características da pesquisa de campo, como a escassez de encontros para ensaios
regulares, a falta de um convívio fora do local de execução musical e a ausência de uma
atitude proativa em relação à pesquisa por parte dos integrantes do grupo. Por fim,
cogita-se que certa inibição do pesquisador em travar contatos, podem também ter
obliterado possíveis laços afetivos.
Constata-se ainda que, durante o período de edição dialógica, – quando
explicado o teor do que era escrito neste primeiro capítulo –, o grupo, ao mesmo tempo
em que reconheceu não ter havido estreitamento de laços afetivos, assentiu sobre a
postura metodológica. Quando foi comentada a ideia do distanciamento, via
aproximação por “empatia”, alguns interpretaram até mesmo que esta seria uma postura
antiética. Por outro lado, em uma conversa particular com um dos integrantes – em um
contexto de um tencionamento das relações (ver subcapítulo 3.1.1) –, também foi dito,
sobre o período de edição dialógica, que aquele não era “o momento da amizade”,
deixando a possibilidade para um período futuro. Entendo estes fatos como indicadores
de que, por um lado, há um acerto na implementação da postura – dado o
reconhecimento, por parte do grupo, de que o posicionamento era eticamente aprovável.
Por outro, há a indicação de que os laços afetivos (estreitos ou não), além de não
poderem ser planejados, estão sempre sujeitos a mudanças, mesmo no curto período de
uma pesquisa.
28

2 O CONCEITO DE INDÚSTRIA CULTURAL

2.1 ADORNO E A ORIGEM DO TERMO

O conceito de indústria cultural surge com a publicação de um texto de Theodor


Adorno e Max Horkheimer, dois intelectuais ligados à Escola de Frankfurt (e, portanto,
à Teoria Crítica da Sociedade), intitulado “Dialética do esclarecimento: fragmentos
filosóficos”21. O termo aparece, mais precisamente, no capítulo “A Indústria Cultural: O
Esclarecimento Como Mistificação das Massas”, cuja autoria é atribuída, por alguns
autores, apenas a Adorno (RABAÇA, 2004, p. 20; MAAR, 2008, p. 7)22. Escrito na
década de 1940, o trabalho se insere no contexto histórico de consolidação da segunda
revolução industrial e da solidificação do modelo capitalista de reprodução do capital, o
capitalismo tardio, como se referem Adorno e Horkheimer. Teixeira Coelho, em seu
livro introdutório sobre o tema, “O que é indústria cultural”, aponta que nesse período,
de revolução industrial, capitalismo liberal, economia de mercado (baseada no
consumo) e sociedade de consumo, aparece pela primeira vez a sociedade de massa
(COELHO, 1980, p. 12). Este conceito, basilar para a análise da indústria cultural, foi
utilizado por pensadores da Escola de Frankfurt como sinônimo de sociedade de
indivíduos alienados por uma determinada produção cultural, a serviço de interesses
capitalistas.
Influenciado pelo pensamento marxista e, consequentemente, pela abordagem
metodológica ligada ao materialismo histórico, Adorno argumenta em seu texto seminal
que a cultura não teria uma lógica autônoma, pois estaria sempre subjugada à forma de
organização socioeconômica (modo de produção) vigente: “se, em nossa época, a
tendência social objetiva se encarna nas obscuras intenções subjetivas dos diretores
gerais, estas são basicamente as dos setores mais poderosos da indústria: aço, petróleo,
eletricidade, química.” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 101). Ainda segundo
Adorno, “a cultura, conforme Marx ensinou a propósito das relações jurídicas e das
formas de Estado, não poderia ser entendida ‘a partir de si mesma [...], nem a partir do

21
Segundo Silvio Roberto Rabaça, em seu livro, “Variantes Críticas: A Dialética do Esclarecimento e o
Legado da Escola de Frankfurt”, a expressão é cunhada pelos autores para substituir o termo “cultura de
massas”, pois esta suscitaria ambiguidades (RABAÇA, 2004, p. 20).
22
Considerarei a autoria de Adorno, como apontam estes autores, preservando, na referência, o nome de
Horkheimer, como creditado na edição.
29

assim chamado desenvolvimento universal do espírito humano’”. (ADORNO, 2002, p.


92).
O filósofo Wolfgang Leo Maar lembra, em um prefácio escrito para o livro “A
indústria cultural hoje”, que o conceito elaborado por Adorno está intimamente ligado à
ideia de alienação:

ao intervir na realidade humana e produzir novas necessidades, a indústria cultural


possibilita eclipsar a contradição que resultaria da diminuição do tempo de trabalho na
produção, que supre as necessidades vitais devido ao avanço técnico. Simultaneamente,
a indústria cultural diferenciada da manufatura ou do artesanato, impõe seu
esquematismo aos produtores, manipula os homens como engrenagens coisificadas da
continuidade na reprodução ampliada do capital. O trabalho alienado imposto pela
dominação capitalista “forma”, mas no sentido de deformação (MAAR, 2008, p.9).

Nas palavras de Adorno os produtos da indústria cultural,

paralisam essas capacidades em virtude de sua própria constituição objetiva. São feitos
de tal forma que sua apreensão adequada exige, é verdade, presteza, dom de
observação, conhecimentos específicos, mas também de tal sorte que proíbem a
atividade intelectual do espectador, se ele não quiser perder os factos que desfilam
velozmente diante de seus olhos. (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 104).

Desta forma, pode-se dizer que, para Adorno, a indústria cultural desempenha
um papel de reprodução da lógica do Estado totalitário moderno, promovendo a
reificação do homem; levando-o a não meditar sobre si mesmo e sobre a totalidade do
meio social circundante; e transformando-o em simples engrenagem do sistema que o
envolve.
Recorrendo à filosofia kantiana, Adorno explicará a competência da indústria
cultural de moldar a percepção do público como sendo efeito do esquematismo
kantiano, na medida em que tira dos consumidores, reificados, a percepção das coisas:
“a função que o esquematismo kantiano ainda atribuía ao sujeito, a saber, referir de
antemão a multiplicidade sensível aos conceitos fundamentais, é tomada ao sujeito pela
indústria”. (Idem, p. 103). O filósofo Rodrigo Duarte nomeará esta ação como
“expropriação do esquematismo” (DUARTE, 2003, p. 55).
Os conteúdos dos produtos dessa indústria, “teimosamente repetidos, ocos e já
em parte abandonados”, (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 112) têm importância
secundária frente à organização da produção. Para Adorno, mesmo as distinções entre
categorias, ou preços, têm menos a ver com seu conteúdo do que com sua utilidade para
a classificação e organização da indústria. Os produtos culturais paradigmáticos da
30

indústria cultural são a música popular, o cinema (adaptações simplificadas de


romances), o teatro de revista (forma simplificada e massificada do teatro), a opereta
(idem em relação à ópera), e o cartaz (massificação da pintura) (COELHO, 1980, pag.
9). A indústria cultural seguiria então um padrão técnico de produção, onde é possível
traçar uma analogia entre os diferentes produtos:

quando um ramo artístico segue a mesma receita usada por outro muito afastado dele
quanto aos recursos e ao conteúdo; quando, finalmente, os conflitos dramáticos das
novelas radiofônicas tornam-se o exemplo pedagógico para a solução de dificuldades
técnicas, que à maneira do jam, são dominadas do mesmo modo que nos pontos
culminantes da vida jazzística; ou quando a “adaptação” deturpadora de um movimento
de Beethoven se efetua do mesmo modo que a adaptação de um romance de Tolstoi
pelo cinema, o recurso aos desejos espontâneos do público torna-se uma desculpa
esfarrapada. Uma explicação que se aproxima mais da realidade é a explicação a partir
do peso específico do aparelho técnico e do pessoal, que devem, todavia, ser
compreendidos, em seus menores detalhes, como partes do mecanismo econômico de
seleção” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 101).

Assim, Adorno evitará associar esses produtos (repetitivos, vazios, inibidores de


esforço intelectual e reificadores) à palavra arte. Segundo ele, nem mesmo a Indústria
estaria preocupada em representar algum valor artístico: “o cinema e o rádio não
precisam mais se apresentar como arte. A verdade de que não passam de um negócio,
eles a utilizam como uma ideologia destinada a legitimar o lixo que propositalmente
produzem” (Idem, p. 100).
Há ainda uma demarcada oposição à diversão. Para Adorno, o divertimento seria
apenas o prolongamento do trabalho, pois é desejado por quem quer escapar ao processo
de trabalho mecanizado, para, no fim, se por de novo em condições de enfrentá-lo
(Idem, p. 113). E vai além, associando diversão à impotência, escapismo e idiotia:

divertir-se significa estar de acordo. Isso só é possível se isso se isola do processo social
em seu todo, se idiotiza e abandona desde o início a pretensão inescapável de toda obra,
mesmo da mais insignificante, de refletir em sua limitação o todo. Divertir significa
sempre: não ter que pensar nisso, esquecer o sofrimento até mesmo onde ele é
mostrado. A impotência é a sua própria base. É na verdade uma fuga, mas não, como
afirma, uma fuga da realidade ruim, mas da última ideia de resistência que essa
realidade ainda deixa subsistir. A liberação prometida pela diversão é a liberação do
pensamento como negação (Idem, p. 119).

A “arte séria”, por sua vez estaria distante desta diversão escapista: “a arte séria
recusou-se àqueles para quem as necessidades e a pressão da vida fizeram da seriedade
um escárnio e que têm todos os motivos para ficarem contentes quando podem usar
como simples passatempo o tempo que não passam junto às máquinas” (Idem, p. 112).
31

É importante dizer ainda que além da arte séria, Adorno reconhece também a
arte burguesa (ou arte leve). Esta é considerada autônoma e, apesar do seu inegável
comprometimento com a ideologia burguesa, tem em si um ponto de vista
necessariamente crítico ao capitalismo tardio e à sua cultura industrializada:

a pureza da arte burguesa, que se hipostasiou como reino da liberdade em oposição à


práxis material, foi obtida desde o início ao preço da exclusão das classes inferiores,
mas é à causa destas classes – a verdadeira universalidade – que a arte se mantém fiel
exatamente pela liberdade dos fins da falsa universalidade” (ADORNO;
HORKHEIMER, 1985, p.111).

A indústria cultural e sua “falsa universalidade” tem como característica então a


junção da arte leve (não industrial, mas “obtida ao preço da exclusão das classes
inferiores”) com a arte dita séria e a “virtude de seus pressupostos sociais”: “a pior
maneira de reconciliar essa antítese é absorver a arte leve na arte séria ou vice-versa.
Mas é isto que tenta a indústria cultural” (Idem, p.112).
Por fim, é importante ressaltar o papel dos meios de comunicação de massa.
Adorno via a veiculação gratuita da música em seu tempo, via rádio, como mais um
estímulo à indústria cultural. Segundo o autor:

A arte manteve o burguês dentro de certos limites enquanto foi cara. Mas isso acabou.
Sua proximidade ilimitada, não mais mediatizada pelo dinheiro, às pessoas expostas a
ela consuma a alienação e assimila um ao outro sob o signo de uma triunfal reificação.
Na indústria cultural, desaparecem tanto a crítica quanto o respeito: a primeira
transforma-se na produção mecânica de laudos periciais, o segundo é herdado pelo
culto desmemoriado da personalidade. (Idem, p. 76).

2.2 EXPROPRIAÇÃO DO SIGNIFICADO

A inegável repercussão que o conceito de indústria cultural obteve em um


mundo marcado pela tensão da guerra fria e o pensamento dicotômico dividido entre
esquerda e direita não impediu (ou até mesmo fomentou) críticas e até apropriações
indevidas do termo por instituições dos países de economias capitalistas. Se em seu
surgimento, o termo representou, como já foi dito, uma forte condenação da alienação
concebida pelo modo de reprodução do capital, em um segundo momento já há “os que
defendem a ideia segundo a qual a indústria cultural é o primeiro processo
democratizador da cultura, ao colocá-la ao alcance da massa – sendo, portanto,
instrumento privilegiado no combate dessa mesma alienação” (COELHO, 1980, p. 33).
32

O próprio Teixeira Coelho, condenando o combate ao prazer orientado pelos estudos da


Escola de Frankfurt, advoga que “não há (...), por que condenar a indústria cultural sob
a alegação de que ela é uma prática do entretenimento, da diversão, do prazer. O prazer
é, sempre, uma forma do saber” (Idem, p. 41).
A publicação de 1982 da UNESCO, “Indústrias culturais: o futuro da cultura
em jogo”, que trata dos estudos iniciais daquela instituição a respeito do tema, com
artigos de diversos pesquisadores, pode levantar questões acerca de como evoluiu a o
conceito Adorniano.
O texto que antecede os artigos da primera sessão do documento da UNESCO,
Problemática geral e definições, traz uma definição generalista: há uma indústria
cultural

quando os bens e serviços culturais são produzidos, reproduzidos, conservados e


difundidos segundo critérios industriais e comerciais, ou seja, em série e aplicando uma
estratégia econômica, em vez de focar no desenvolvimento cultural como fim
(UNESCO, 1982, p. 21).

Já na introdução do documento, há um posicionamento crítico em relação à indústria


cultural, tratando-a como instrumento de “rentabilidade em curto prazo (tendo a
população como um mercado) ou para fins de controle social e político (tendo como
alvo a opinião da população)” (Idem, p. 10). Mas também é dito que “seria um erro e
pouco realista se limitar aos efeitos negativos das indústrias culturais, se se pretende
fazer uma análise cientificamente rigorosa e útil para a definição de estratégias de
resposta” (Idem).
No elogio à universalização – dado o progresso tecnológico e a multiplicação

em proporções antes inimagináveis de mensagens culturais que são colocadas à


disposição da humanidade (...) esse avanço também permitiu reduzir significativamente
os custos de produção, em comparação com os padrões de produção não-industriais, de
modo que os novos produtos são abundantes e acessíveis para a maioria das pessoas,
pelo menos nos países ricos (Idem, p. 11)

–, o documento talvez revele não só a preocupação em defender a ideologia do modo


de produção capitalista de muitos de seus países membros naquele momento histórico,
como também o início do processo de expropriação do sentido crítico do termo. Ao
mesmo tempo, no entanto, demonstra a preocupação com os efeitos da nova forma de
produção cultural. A dualidade é nítida neste trecho:
33

as discussões da Conferência Geral da UNESCO, realçaram a necessidade de adotar


uma abordagem equilibrada no estudo e na valorização do papel das indústrias
culturais, uma vez que, apesar de alguns participantes enfatizaram as possíveis
consequências negativas destas indústrias, outros, no entanto, ressaltaram que trazem
esperança e meios para garantir a democratização cultural desejada. Além disso,
segundo alguns, a mídia pode ser um ataque ao conceito de vida e culturas endógenas;
para outros, constituem o instrumento de diálogo cultural, que todos reconhecem como
o fundamento da paz. É necessário, portanto, estabelecer as condições de um
desenvolvimento equilibrado e pluralista das indústrias culturais em função das
características e necessidades de cada sociedade. (Idem, p. 16).

Reconhecendo que o debate é “muito vivo entre aqueles que têm uma
desconfiança fundamental, sem nuances, nas indústrias culturais e aqueles para quem
estes são os setores-chave da democracia e o lugar de sua realização” (Idem, p. 22), o
documento da UNESCO apresenta ainda artigos como o do economista canadense
Albert Breton, que expõe uma defesa da economia liberal no campo das indústrias
culturais, tal como ocorre no Canadá e nos EUA; e o dos belgas Armand Mattelart e
Jean-Marie Piemme, alicerçado na interpretação marxista, ligada à gênese do conceito
de indústria cultural.
Deste modo, pode-se inferir uma clara divisão de intelectuais na produção de
estudos que resguardam ou que repudiam a indústria cultural, mais ou menos associada
aos contextos socioeconômicos e políticos de suas nações (ou ainda de acordo com o
que o patrulhamento ideológico nestas permitisse surgir)23.
Hoje, em um mundo pós-queda do muro de Berlim, e diante das mudanças
geopolíticas, econômicas e tecnológicas, vê-se ainda a expressão sendo utilizada em
sentidos antagônicos. Enquanto é possível observar um esforço acadêmico de
preservação do sentido adorniano (ao mesmo tempo em que se adapta sua interpretação
para outro contexto político-social), há ainda a larga utilização do termo pelo próprio
mercado, alvo das críticas.
Rodrigo Duarte aponta, em texto intitulado “Indústria Cultural Hoje”
(DUARTE, 2008), que a própria base teórica da Escola de Frankfurt já previa
adaptações e mudanças conceituais, uma vez que a Teoria Crítica da Sociedade
23
Douglas Kellner trata, em artigo, do caso britânico. Segundo o autor, mesmo que os estudos culturais
tenham tendido “ao desrespeito ou à caricatura hostil da crítica da cultura de massa desenvolvida pela
Escola de Frankfurt” (KELLNER, 1997, p. 12), havia pensadores preocupados com os efeitos nocivos de
uma cultura de massa. Kellner afirma que no fim da década de 1950 e no início da década de 1960, o
nascente projeto de “estudos culturais britânicos, desenvolvido por Richard Hoggart, Raymond Williams
e E.P. Thompson tentou preservar a cultura da classe trabalhadora contra investidas da cultura de massa
produzida pelas indústrias culturais” (Idem, p. 15) e mesmo “a segunda fase do desenvolvimento dos
estudos culturais britânicos – iniciada com a fundação do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos
da Universidade de Birmingham, em 1963/64 por Hoggart e Stuart Hall –, compartilhou muitas
perspectivas fundamentais com a Escola de Frankfurt” (Idem, p. 16).
34

concebia seu objeto como essencialmente histórico e, portanto, sujeito a transformações


substanciais24.
Para Duarte, se ainda há aspectos ideológicos e estéticos a serem considerados
na atualidade, em uma análise estritamente econômica, há de se notar a transformação
que a indústria cultural sofreu, ocupando hoje outra posição frente àquelas que Adorno
citava como os setores mais poderosos da indústria (aço, petróleo, eletricidade,
química). Se, para Adorno, a indústria cultural sempre esteve subjugada a essas outras
indústrias, para Duarte, hoje, “na indústria cultural global, observa-se uma clara
tendência de elas se tornarem independentes e até mesmo predominarem sobre os
setores líderes do passado” (DUARTE, 2008, p.102).
As mudanças tecnológicas e sociopolíticas acarretaram também, segundo
Duarte, uma hipertrofia da “expropriação do esquematismo”, fazendo com que deixe de
ser apenas um aspecto ideológico da indústria cultural e assuma “um caráter cada vez
mais "estético": primeiramente no sentido de que a percepção das massas possa,
segundo uma tendência, ser guiada por ele; em segundo lugar, na medida em que o
estilo das produções recentes da indústria cultural passa a ser cada vez mais
determinado por esse recurso” (Idem, p. 105). Apoiando-se em conceitos de juízo de
Kant, Duarte afirma que as percepções dos produtos da indústria cultural indicariam
cada vez mais juízos sobre o agradável – juízos estéticos empíricos – e não juízos de
gosto (Idem, p. 106).
Robert Hullot-Kentor, em artigo que trata exatamente da procura de significado
do termo nos dias de hoje, exemplifica o novo emprego com um trecho de uma
publicação do governo chinês, feita para a Organização Mundial do Comercio, em que o
país lamenta o atraso da indústria cultural quando comparada aos países desenvolvidos.
Para o autor, o termo assume um sentido análogo a outros, como “indústria hospitalar”
25
ou da “indústria educação” e isso se dá pela perda da noção de que há um

24
Paulo Puterman, em seu livro “Indústria Cultural: A Agonia de um Conceito”, faz um contraponto,
afirmando que “Adorno e Horkheimer raciocinaram com se a indústria cultural de massa instalasse para
todo o sempre uma coletividade monolítica, destituída de raciocínio crítico e uniformizada pelos mesmos
gostos. (...) Não levaram em consideração o devenir constante das diferenciações internas das sociedades”
(PUTERMAN, 1994, p. 21). Mesmo assumindo que a indústria cultural contribui “não só pela
manutenção do status quo, como pela uma criação e fortalecimento de uma barreira permanente entre
classes sociais” (Idem, p. 25), o autor afirma que o conceito de massa, como coletividade monolítica não
seria representativo do que existia em qualquer sociedade existente à época da “Dialética do
Esclarecimento”. Havia diferenciações no interior das coletividades em “camadas sociais, em grupos
étnicos, em setores sócio-profissionais, em variações de instrução, em distinções de gênero” (Idem, p. 20).
25
Raymond Williams observa a utilização do termo indústria em contexto semelhante já na década de
1940: “desde 1945, talvez sob influência norte-americana, a indústria tem sido generalizada, em um
35

antagonismo interno nesses termos. Segundo Hullot-Kentor, para entender a dicotomia


cultura versus indústria,

é preciso primeiramente levar em conta que a cultura, embora possa ter outros sentidos,
é tudo aquilo que é mais do que a autopreservação. É aquilo que surge da capacidade de
suspender propósitos diretos. A indústria, força moderna por excelência, que (...)
poderia ser ela mesma uma forma da cultura, com a capacidade de dar fim à carência e
ao sofrimento, limita-se, no imperativo de seu conceito de trabalho sistemático, nascido
no século XVII, a excluir tudo que não seja propósito direto. (...) Assim, toda indústria
(como entendida por Adorno) permanece até hoje estruturalmente atrelada a
autopreservação. (HULLOT-KENTOR, 2008, p.22).

Hullot-Kentor conclui que a oposição dos termos presentes no conceito


(indústria versus cultural) perdeu força e, portanto o significado primevo de indústria
cultural, negativo e crítico, vai se perdendo.

2.3 ALGUMAS CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES

A despeito da expropriação de seu significado, referido acima, o conceito de


indústria cultural, como exposto por Adorno, ainda se faz pertinente por revelar as
motivações não explicitadas de determinadas produções culturais. Para além da falsa
oposição entre as consequências alienantes ou democratizantes dos produtos da
indústria cultural – dado que estas não são excludentes e nem acontecem
necessariamente com qualquer mercadoria –, constata-se um debate ainda vivo e
preocupado com a reificação do homem via produção cultural que tem como objetivo
primeiro a maximização do lucro.
Ressalva-se, no entanto, que alguma releitura do conceito adorniano se faz
necessária. Não apenas por conta das mudanças no contexto socioeconômico, mas
também por existirem determinados posicionamentos já superados à luz dos estudos em
cultura hoje. Reconhece-se, por exemplo, certo determinismo economicista na
explanação de Adorno – implicado, em parte, pela filiação à concepção histórica
marxista (materialismo histórico) –, enfatizando o demarcador social de classe (em
detrimento de outros, como observou Puterman)26. Não se trata aqui de negar conflitos

esforço organizado, como instituição. É comum agora ouvir da indústria de férias, a indústria do lazer, a
indústria do entretenimento e, em uma reversão do que foi outrora uma distinção, indústria agrícola. Isso
reflete o aumento da capitalização, organização e mecanização do que eram anteriormente consideradas
como espécies não-industriais de serviço e trabalho” (WILLIAMS, 1976, p. 139).
26
Eunice Durham, analisando a “lenta e difícil” penetração do marxismo – tradicionalmente voltado para
problemas macroestruturais das sociedades capitalistas – na antropologia, também explica que este “não
36

de classes, mas apenas notar que há que se reconhecer relevantes outras iniquidades,
além da esfera econômica27.
Percebe-se ainda, no discurso de Adorno, uma visão depreciativa, elitista e
etnocêntrica, em relação à cultura popular, conceituando a “arte séria” – produzida por
uma elite intelectual – como a única expressão meritosa e não alienante. Analisando a
produção musical, por exemplo, o autor afirma que uma obra poderia ser identificada
como sendo produto da indústria cultural pela sua simplicidade e falta de ousadia: “a
breve sequência de intervalos, fácil de memorizar, como mostrou a canção de sucesso
(...) clichês prontos para serem empregados arbitrariamente aqui e ali e completamente
definidos pela finalidade que lhes cabe no esquema” (ADORNO, 1947, p. 59). O autor
insiste que a assimilação fácil de uma canção é exatamente o intuito da dita indústria
massificadora, pois “ao escutar a música ligeira, o ouvido treinado é perfeitamente
capaz, desde os primeiros compassos, de adivinhar o desenvolvimento do tema e sente-
se feliz quando ele tem lugar como previsto” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.
103). Ainda segundo Adorno, certas mudanças/fusões produzidas pela música popular,
também estariam a serviço da indústria, pois estariam, na realidade, embalando de
forma mais palatável detalhes que poderiam soar estranhos:

a compulsão permanente a produzir novos efeitos (que, no entanto, permanecem ligados


ao velho esquema) serve apenas para aumentar, como uma regra suplementar, o poder
da tradição ao qual pretende escapar cada efeito particular. Tudo o que vem a público
está tão profundamente marcado que nada pode surgir sem exibir de antemão os traços
do jargão e sem se credenciar à aprovação ao primeiro olhar. (...) Um músico de jazz
que tenha de tocar uma peça de música séria, por exemplo o mais simples minueto de
Beethoven, é levado involuntariamente a sincopá-lo, e é com um sorriso soberano que
ele, por fim, aceita seguir o compasso. É essa natureza, complicada pelas exigências
sempre presentes e sempre exageradas do medium específico, que constitui o novo
estilo. (ADORNO, 1947, p. 60-61).

pode ser transportado de modo imediato para a interpretação dos resultados da investigação empírica
limitada, qualitativa, multidimensional, que caracteriza o trabalho de campo antropológico” (DURHAM,
1986, p. 24).
27
Ademais, é preciso notar, via perspectiva histórica, que o contexto do surgimento da indústria cultural,
com a ascensão da burguesia e a consolidação do capitalismo, é responsável também pela
“autonomização progressiva dos sistemas de relações de produção, circulação e consumo dos bens
simbólicos”. (BOURDIEU, 2011, p. 99). Segundo o autor, a vida artística se liberta econômica e
socialmente da tutela da Igreja e da aristocracia, e de suas demandas éticas e estéticas, fazendo com que
ocorra, dentre outras implicações, a multiplicação e diversificação de instâncias de consagração e de
difusão cuja seleção é dotada de uma legitimidade propriamente cultural, ainda que, em alguns casos,
continue subordinada a obrigações econômicas ou sociais. Essa autonomização fez possível, por exemplo,
o surgimento de movimentos, externos ou internos à indústria cultural, de apropriação crítica dos
produtos da própria indústria.
37

Esta ideia de produto da indústria cultural como algo repetitivo e de fácil


assimilação, no entanto, deve ser problematizada. Para além do fato de que a dita “arte
séria” poder ser utilizada como mercadoria pela mesma indústria que produz a “música
ligeira”, é preciso notar que uma série de fazeres musicais, populares, está à margem do
sistema capitalista. De fato, veremos adiante como Thomas Turino (TURINO, 2008)
apresenta uma divisão de fazeres musicais onde justamente a previsibilidade e a
repetição aparecem associadas a formas musicais afastadas das engrenagens da indústria
cultural (ver subcapítulo 3.4).
No Cordão do Boitatá, como será mostrado à frente, há uma visão crítica em
relação à indústria cultural que, no entanto, não impede um projeto artístico-profissional
que vise à inserção nela. Assim, ao mesmo tempo em que o grupo afirma realizar suas
apresentações somente em contextos de relações econômicas de troca, há a definição da
obtenção de lucro como um meio (de realização de um projeto cultural) e não como um
fim em si (ver subcapítulo 3.3).
A ambivalência reflete, assim, ao mesmo tempo, a aceitação e a recusa do
contexto de trocas econômicas vigente. O ambiente carnavalesco, gregário, será o local
onde a demarcação crítica se dá mais nitidamente, com realização de performances
sempre financeiramente deficitárias e com outras características que demarcarão uma
diferença importante para os grupos totalmente integrados à indústria cultural (ver
subcapítulos 3.3 e 3.4).
38

3 TRABALHO DE CAMPO

3.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Nesta pesquisa de campo com o Cordão do Boitatá procurou-se estar nos


encontros do grupo no ano de 2013 e marcar entrevistas no fim do mesmo ano28. Assim,
juntei-me ao grupo em lugares distintos: 1) em três dias de uma oficina realizada pelo
grupo, no mês de dezembro de 2012; 2) nos quatro ensaios para desfile de rua do
carnaval de 2013, em janeiro deste ano; 3) em um ensaio para o show do palco do
carnaval de 2014, em fevereiro de 201429; 4) no cortejo de rua de 2013; 5) nas duas
apresentações feitas pela formação banda em palcos, durante carnaval de 2013; 6) em
encontros (pelo menos um com cada participante30) marcados especificamente para
entrevistas (esses foram quase sempre presenciais, mas, quando houve impossibilidades,
aconteceram virtualmente, via programa de voz sobre IP ou correio eletrônico) 31.
A observação participante no trabalho de campo deve ser entendida
diferentemente do ideal malinowskiano de prática de co-residência, com aprendizado de
uma língua, e contato frequente e direto com os “nativos”. Trata-se aqui, como já foi
dito, de um trabalho feito em um contexto urbano, “em casa” (ver capítulo 1), com um
grupo musical. Assim, o referencial metodológico idealizado por Malinowski é
adaptado para a convivência com os integrantes do grupo em momentos de reunião para
a produção de música e de pensar sobre esse fazer musical e sua conjuntura. Nos
momentos de execução sonora, especificamente, a participação do pesquisador se deu

28
Nota-se que os primeiros contatos foram feitos ainda em 2012, e que o período de pesquisa estendeu-se
até 2014 para verificar eventos ainda não observados ou realizar entrevistas ainda não concedidas.
29
Para pensar no ensaio em estúdio da formação banda, recorri também à memória de um trabalho
musical que realizei com alguns dos integrantes do Boitatá. Este foi o meu primeiro contato com eles. A
relação de semelhança entre aqueles ensaios e os que foram realizados para os shows nos palcos do
carnaval, diga-se, foi sugerida por um dos integrantes, Ricardo Cotrim, durante a pesquisa.
30
No Anexo 1 há uma relação dos entrevistados que informa o tempo de permanência do grupo e também
contém breves perfis profissionais, além de depoimentos sobre a relação com o Cordão do Boitatá. Este
documento foi uma demanda do grupo no processo de edição dialógica na tentativa de contextualizar cada
entrevistado(a). Os textos foram todos criados pelos integrantes e ex-integrantes, e publicados sem
edição. Nota-se que cada um enviou o texto que considerava importante sobre si, sem um padrão de
forma imposto, e que a presença de alguns depoimentos na terceira pessoas denota a utilização de partes
de texto de currículos profissionais pessoais. Também foi requerida pelo grupo a data de cada entrevista,
listadas a seguir, em ordem cronológica dos encontros: PAMPLONA, Pedro (18/10/2012 e 22/11/2013);
RICARDO, Cotrim (14/11/2013); COTRIM, Cristiane (17/11/2013); PACHECO, Gustavo (20/11/2013 e
02/12/2013); CALLADO, João (22/11/2013); OLIVEIRA, Thiago (28/11/2013); SCHNEIDER, Adriana
(23/01/2014); HORTA, Kiko (19/03/2014).
31
Além desses oito encontros, foi realizada, com Pedro Pamplona, uma entrevista não estruturada logo no
início do trabalho de campo – quando este ainda era integrante do grupo.
39

via canto e dança (quando cabível) além de pequenas colaborações em atividades


relacionadas à realização dos eventos.
Nota-se que todos os eventos carnavalescos (bem como os ensaios para o desfile
de rua) eram abertos ao público. Assim, minha presença ali era facilmente confundida,
pelos integrantes do grupo e demais pessoas presentes, com a de um folião ou músico
colaborador32. No entanto, meu objetivo foi sempre explicitado e minha ação, com o
passar do tempo, tornou-se definitivamente percebida como a de um pesquisador. Nos
outros encontros (itens 1, 3 e 6 acima citados) solicitei a participação com antecedência.
Só houve alguma restrição à minha presença nos ensaios em estúdio, para os shows em
palcos – apenas um ensaio foi observado, o último feito para o carnaval de 2014.
Faz-se pertinente aqui o questionamento de James Clifford a respeito da
pesquisa de campo: “quem, exatamente, está sendo observado?” (CLIFFORD, 2000, p.
54). Seria ingênuo não pensar no caráter bilateral da observação, ou seja, não pensar a
pesquisa no plano de uma relação social. Papéis são assumidos e moldados na medida
em que as partes se observam, se conhecem e interagem. Daí, como afirma o
antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, o conhecimento advindo desta interação ser “o
efeito das relações que constituem reciprocamente o sujeito que conhece e o sujeito que
ele conhece, e a causa de uma transformação (toda relação é uma transformação) na
constituição relacional de ambos” (CASTRO, 2002, p. 113-114).
Nos contatos realizados durante as oficinas e nos ensaios para o desfile do bloco
(com integrantes do núcleo do grupo e com musicistas colaboradores), não estruturei
entrevistas, por achar estas inapropriadas para o início de uma etnografia aberta à
possibilidade de amizade entre mim e o grupo pesquisado (ver capítulo 1) e cujo texto
final pretendia-se dialógico. Fiquei, portanto, em um plano entre a conversa informal e a
entrevista não estruturada. O objetivo desses métodos era diminuir a chance de
imposição temática por parte do pesquisador e focar na interação. Pareceu-me útil ainda
evitar recorrer tanto ao gravador quanto às anotações, durante estas primeiras conversas.
Assim, as anotações no caderno de campo eram deixadas para um momento posterior ao
do diálogo.
Entre novembro de 2013 e maio de 2014, foram realizadas entrevistas
semiestruturadas e aprofundadas, em particular, com integrantes e ex-integrantes. Estas
foram realizadas em locais privados (na maior parte das vezes, nas residências dos

32
A exceção era o memento em que eu parava para fazer anotações em meu caderno de campo, quando
eu era normalmente abordado com perguntas e confundido com a figura do jornalista.
40

integrantes) e sempre registradas com um gravador. Quando não foi possível o encontro
presencial, o contato ocorreu por e-mail ou por chamadas telefônicas com imagem,
feitas via programa de voz sobre IP (VoIP) em um computador. Pretendeu-se neste
momento ter um foco mais acurado dos temas, dado o prazo para a entrega da
dissertação.
Foram analisados ainda textos produzidos pelo grupo (em documentos
elaborados para a venda de shows, informativos de divulgação para a imprensa e na
página do grupo na internet), artigos de jornal, além de áudios, fotos e vídeos. Alguns
dos documentos foram garimpados por mim, mas grande parte foi fornecida pelo
próprio grupo.
Por fim, foi desenvolvido um processo de edição dialógica, com participação
ativa do de integrantes do grupo no texto. O terceiro capítulo33 foi entregue no dia 26 de
agosto e a data de finalização estipulada para o dia 11 de setembro. O prazo foi alargado
uma primeira vez, para 8 de outubro, e mais uma última vez, para o dia 20 do mesmo
mês.
Houve um encontro presencial com três dos integrantes para discussão do texto e
uma sugestão minha para que mantivéssemos aquele modelo de reunião mais algumas
vezes para analisar o texto por partes. O grupo acabou optando por reuniões internas,
sem a minha presença, com produção de apontamentos assinados em conjunto (ver
Anexos 2, 3, 4 e 5)34 35
. Assim, nota-se que todas as falas creditadas a “COTRIM,
COTRIM, HORTA, OLIVEIRA” foram realizadas no período de edição dialógica.
Ressalva-se ainda, que, atendendo a um pedido feito durante este processo, estas
aparecerão referidas ao “grupo” ou “Cordão do Boitatá” (ver início dos Anexos 4 e 5).
Nota-se que o processo de edição dialógica acabou por gerar uma ampliação do
tamanho deste capítulo além do que era imaginado, dados os pedidos para publicação de
falas sem edição ou largas ampliações das que já existiam.

33
Também foram disponibilizados os capítulos 1 e 2 em versões quase definitivas. Os textos de
introdução, de conclusão e este subcapítulo não foram discutidos na edição dialógica por terem sido
escritos após (ou a partir) deste processo. Tendo em vista este procedimento, foi oferecido ao grupo um
espaço para eventual consideração final, a ser publicada na íntegra, como anexo, após a consolidação da
versão entregue a banca examinadora. Assim, reconhecendo que o tempo não foi suficiente para uma
síntese da dialética (no sentido hegeliano do termo), opta-se pela justaposição de ideias.
34
Em um primeiro momento foram enviados dois documentos (Anexos 2 e 3). À medida que o conteúdo
destes foi assimilado, entreguei novas versões do capítulo ao grupo, que fez novos comentários (Anexos 4
e 5).
35
Houve ainda, em paralelo, alguns pedidos individuais de inserções e recolocações das próprias falas.
41

3.1.1 NOTAS SOBRE A EDIÇÃO DIALÓGICA

É preciso notar, de início, que a intenção original aqui era realizar um processo
dialógico desde o princípio da pesquisa de campo, com participação ativa dos
integrantes do Cordão do Boitatá na sugestão de temas e na construção da narrativa. A
motivação principal de dar voz aos “outros”, era reverter de algum modo as assimetrias
de poder comuns a muitos processos de escrita etnográfica.
Alguns fatores influenciaram a renúncia (parcial) deste projeto: a ausência de
uma atividade rotineira do grupo; o não estabelecimento de uma intimidade maior com
cada um dos integrantes (ver subcapítulo 1.2.1); o prazo regulamentar para apresentação
da pesquisa; o não reconhecimento de um interesse proativo no trabalho por parte dos
integrantes do Cordão do Boitatá (com a relativa ausência de sugestões temáticas a
serem desenvolvidas).
Assim, dada a exiguidade de negociações sobre os temas a serem narrados, nota-
se que as perguntas norteadoras formuladas pelo pesquisador guiaram em grande
medida o texto. Ressalta-se ainda que, diferentemente de etnografias em que há um
objetivo político comum prévio entre as partes (em contextos como, por exemplo, de
lutas de comunidades por reconhecimento sociocultural), este pesquisador não foi a
campo com tal perspectiva36.
Neste contexto geral, foi decidido permanecer com um recurso dialógico na
etnografia, combinando de entregar um primeiro tratamento do terceiro capítulo para
opiniões, críticas e sugestões de Cristiane Cotrim, Ricardo Cotrim, Thiago Oliveira e
José Maurício Horta37.
Nota-se que a reação do grupo ao texto não foi positiva. Um encontro presencial
com três dos quatro integrantes revelou uma insatisfação aguda38, com grande
desconfiança do lugar de fala do pesquisador39. A atmosfera tensionada que se instaurou

36
Não quero dizer com isso que não haja afinidades políticas entre as partes, mas que apenas elas não
foram o tema, nem houve uma negociação nesse sentido.
37
A decisão de só debater com os que permanecem no grupo (não incluindo os ex-integrantes) deveu-se
ao reconhecimento de que estes, estando ainda hoje à frente do trabalho, respondem por ele.
38
Nota-se que não houve homogeneidade nas reações dos integrantes durante o processo de edição
dialógica. Tanto no encontro presencial quanto nos poucos contatos individuais que precederam o
momento em que o grupo passou a se comunicar (praticamente) apenas via mensagens assinados pelo
“Cordão do Boitatá” – com envio dos apontamentos –, percebi posturas mais opositivas e outras mais
amistosas.
39
Cogitou-se que eu teria ligações com um grupo (que não tem nome fixo, mas que foi responsável pela
criação do bloco Exalta Rei) que seria crítico ao modo de atuação do Cordão do Boitatá no carnaval.
Desfiz a confusão explicando que o grupo não era o mesmo que a banda Exalta Rei, na qual eu cantava.
42

– que também pode ser lida em alguns momentos dos apontamentos produzidos pelo
grupo (ver Anexos 2 a 5) –, gerou críticas diversas40 e implicou em uma postura que foi
menos de parceria que de oposição – amainando apenas perto do fim do processo.
Minha atitude frente a este contexto não foi de enfrentamento. Coloquei-me
aberto, exaltando o processo dialógico – explicando que ele se prestava justamente a dar
voz e espaço a eles, me ajudando também na aferição de dados –, reconhecendo falhas,
justificando algumas escolhas metodológicas41, e me colocando pronto a batalhar pela
ampliação do tempo de trabalho na edição dialógica. Também evitei expor algumas das
minhas ressalvas quanto às críticas do grupo e à maneira como foram colocadas – tanto
no documento como na reunião presencial. Os “erros” e “confusões” imputados a mim,
com os quais eu não concordava, por exemplo, foram em larga medida não
problematizados nesse período, pois entendi que isto poderia acirrar ânimos e fazer com
que o objetivo de ouvi-los e representá-los no texto fosse prejudicado.
Foi um processo bastante penoso para o pesquisador. Este período mais intricado
de relações com os integrantes do grupo gerou sentimentos que atrapalharam em grande
medida a produção de texto. Se o que era dito, em grande parte, era aceito como uma
contribuição ao trabalho, a forma como às vezes aparecia – com adjetivações
depreciativas ao trabalho –, me deixou acuado durante este processo.
Não obstante, a edição dialógica foi próspera em resultados. Procurando, como
disse, manter-me aberto às observações e evitar o confronto, obtive contribuições
valiosas. Alguns equívocos de entendimentos de “conceitos nativos”, de conclusão
lógica e outros foram apontados e corrigidos. Além destes, foram implementadas
mudanças que tinham como objetivo a contextualização de episódios e falas, bem como
a supressão de algumas visões que depreciassem a imagem do grupo – reconhecendo
um contexto de zelo e relação afetiva intensa com o trabalho que é realizado.

40
Alguns comentários críticos apareceram no encontro presencial com três dos integrantes e não estão
nos apontamentos. Detalho-os aqui para ampliar o entendimento da posição do grupo. Foram
questionados detalhes de como o texto foi apresentado (como a identificação codificada das falas) e
escolhas metodológicas: houve reclamações quanto à forma de apresentação do texto (de uma só vez, e
não aos poucos, durante a pesquisa), o tempo que se ofereceu para a edição dialógica e a falta de
aproximação do pesquisador junto aos integrantes. Notei, por fim, haver ainda um entendimento confuso
do que seria o processo de edição dialógico e também do que é uma etnografia, mesmo após tentativas de
explicação. À frente, respondo a essas questões.
41
Em relação às críticas acima expostas, expliquei que a codificação das falas foi pensada como uma
forma de preservar os(as) entrevistados(as) de determinadas disputas internas que soube existirem.
Esclareci que o texto foi entregue tão logo ele tomou uma forma e que os motivos para a relativa demora
eram vários, incluído a dificuldade de marcação de entrevistas com eles. Disse ainda que a aproximação
era, de fato, o foco da minha postura metodológica, mas que, por muitos fatores, citados acima, não
aconteceu.
43

No que diz respeito à colocação de falas, aceitei todos os pedidos de mudança


(reescrita), de ampliação e de remoção (total ou parcial), quando se referiam às citações
dos próprios requerentes. Já para as solicitações de retirada de falas dos que não
participaram do processo de edição dialógica (os ex-integrantes), foi estabelecido um
critério: seriam aceitas quando entendido por mim que não seriam imprescindíveis ao
trabalho (por já estarem contempladas, de alguma forma, em outras falas ou por serem
relativamente desimportantes aos temas ali tratados). Neste sentido, reconhecendo uma
disputa interna pela primazia da “verdade” sobre dados importantes na história do
grupo, procurei preservar certa polifonia encontrada.
Nota-se que a edição dialógica, pelas características que teve, acabou sendo, ao
mesmo tempo, uma colaboração, com reposicionamento do discurso do grupo42 e uma
disputa pelo conteúdo do texto43. Reconhece-se ainda um ônus do processo, dada a
forma encontrada pelo grupo de se manifestar – assinando os textos como “o grupo”44.
Se, por um lado, foi útil, diminuindo o número de vozes e agilizando o processo (que
tinha um prazo apertado), por outro, gerou um discurso unívoco, sem muitas
contradições, que se distanciou da experiência com as entrevistas individuais, rica em
pontos de vista.
Por fim, avalio que o período do processo de edição dialógica cumpriu o
objetivo de diluição da assimetria de poder imanente ao processo de pesquisa
etnográfica tradicional, e afastou o texto de uma escrita heroica – onisciente e infalível.
Não obstante, o período, idealmente, deveria ser estendido por mais algumas semanas,
para que um debate mais aprofundado pudesse tomar forma internamente ao texto.
Entende-se também que uma intensa negociação prévia sobre os objetivos da pesquisa
seja o caminho mais apropriado para evitar que sejam criadas tensões durante o
percurso do trabalho. Por outro lado, nota-se que, em qualquer pesquisa onde haja
interação humana, fica posta a possibilidade de desentendimento (levando ou não a
conflitos) e que a tentativa de traçar um modelo para erradicação desse tipo de problema
será sempre vã. Assim, conclui-se que relações, sempre complexas, devem ser

42
Este reposicionamento de discurso, para além da contextualização de fatos, pode ser visto como reação
ao que estava escrito no primeiro tratamento do texto.
43
Ressalva-se que o desejo de problematizar certas colocações do grupo, levantando questões para
debate, também foi deixado de lado para cumprir o prazo de entrega de dissertação.
44
Nota-se que, antes de ser requerida para a identificação dos integrantes, a utilização do termo “o grupo”
no texto foi questionada no processo de edição dialógica pelos mesmos. Utilizei a generalização – tanto
no primeiro tratamento quanto na versão final – sempre que enxerguei consensos. Não obstante,
reconhece-se complexo o seu emprego, sempre construtor de homogeneidades, em alguma medida,
imaginadas.
44

analisadas em seu contexto, caso a caso, sempre considerando criticamente a


possibilidade de assimetria de poder na construção da narrativa.

3.2 O SURGIMENTO DO GRUPO: MOVIMENTO JOVEM POR UMA MÚSICA


BRASILEIRA FORA DO CONTEXTO HEGEMÔNICO

Nesta seção tratarei do momento de formação do Cordão do Boitatá, nos anos de


1990, em diálogo direto com o artigo Música folclórica e movimentos culturais, escrito
por Elizabeth Travassos (TRAVASSOS, 2002). Nele, a autora discute a redescoberta da
música e da cultura folclórica brasileira por músicos urbanos da classe média,
exatamente neste período de fins do século XX, e compara este cenário com tendências
musicais das décadas de 1920 e 1960, sugerindo que as mudanças percebidas mostram o
declínio das posturas modernistas e de vanguarda em relação à música folclórica e
estabelecem novas configurações das relações entre arte e cultura popular.

Em meados de 1996, alguns encontros musicais formaram um grupo que, mais


tarde, seria conhecido como Cordão do Boitatá45. Eram jovens universitários de classe
média que compartilhavam alguns interesses comuns: o gosto pela cultura musical
popular (a nomenclatura utilizada pelos integrantes para designá-la varia: “música de
raiz”, “música tradicional brasileira”, “música folclórica”) que, naquele momento, não
era difundida por veículos de comunicação de massa46; a vontade de descobrir este
repertório; o prazer de estarem juntos fazendo música; e, como afirma hoje o grupo, “a

45
Nos primeiros shows, o grupo ainda não havia definido a denominação Cordão do Boitatá. Nomes
provisórios como “Os Gustavos” e “Camarões Cabeludos” foram utilizados em um primeiro momento. O
nome definitivo foi ensejado por uma reportagem para o Jornal do Brasil, onde o grupo teria, pela
primeira vez, uma ampla divulgação. As duas palavras que compõem o nome definitivo foram pinçadas
do Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luís da Câmara Cascudo. Segundo os integrantes “cordão” foi
escolhido objetivamente, por seu significado de um fazer musical “mais ou menos organizado”, enquanto
que “Boitatá” foi ao acaso, abrindo a esmo uma página do referido livro. Nota-se que apesar de aleatória,
a escolha foi feita dentro de um universo de forte poder simbólico. Se a lenda da cobra de fogo não servia
como metáfora para o que o grupo fazia, o fato de Boitatá remeter a um símbolo nacional folclórico, tema
do dicionário, era bastante apropriado.
46
Os álbuns do selo Discos Marcus Pereira foram amplamente mencionados pelos entrevistados como
uma referência em seu início. O selo, que leva o nome de seu fundador – pesquisador, publicitário e
produtor que realizou um mapeamento da música popular brasileira de diversas regiões do país –, lançou
144 LPs, entre 1967 e 1982. Destes discos e de outros similares nos registros de canções populares à
margem do mercado, eram tiradas as canções para o repertório do grupo. Assim, nota-se que o interesse
não estava ligado a um gênero específico, mas a todo universo de popular.
45

sede de ‘viver’, cerveja, namoradas, etc.” (COTRIM, COTRIM, HORTA,


OLIVEIRA)47.
O evento estava mais associado à diversão que ao exercício metódico do
profissional de música. A expressão “levar um som”, utilizada por alguns dos
entrevistados(as), indica este caráter descontraído. Não havia muitas obrigações e nem
cobranças ou expectativas na maneira de se executar a música. Tampouco existia uma
organização que definisse qual seria a melhor formação para o conjunto. A presença das
pessoas nos encontros era justificada menos pela qualidade técnico-musical que pela
afinidade com o que se proponha fazer ali e/ou pelos laços afetivos com quem estivesse
participando. Quem chegasse achava um espaço (seja cantando, tocando algum
instrumento ou fazendo outras tarefas, como veremos) e se encaixava. Ainda assim,
nota-se, alguma coordenação foi possível para que, em pouco tempo, o grupo estivesse
se apresentando em um circuito alternativo, ligado às universidades que frequentavam.
Neste momento de nascimento do grupo, havia também a realização de um auto
de boi48. Nota-se assim uma “uma heterogeneidade intrínseca” (COTRIM, COTRIM,
HORTA, OLIVEIRA), que convergia, via gosto pelo repertório popular. O grupo
ressalta ainda que o interesse comum era “centrado, sobretudo na música. A música foi
desde o inicio e em última instância o fator maior de coesão interna e de junção do
grupo” (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
Pode-se argumentar, como fez Travassos, que esses encontros estavam inscritos
em um contexto sócio-histórico específico que fez surgir, de forma sincrônica, em
outros lugares no Brasil, grupos semelhantes. A pesquisadora observou em seu artigo o
crescimento do interesse por determinadas expressões tradicionais que “floresceu de
forma notável entre estudantes universitários e dinamiza o circuito cultural
"alternativo"” (TRAVASSOS, 2002, p. 90). Travassos se apropria da expressão
“juventude enraizada” (contida em uma reportagem de jornal do ano de 2000) para

47
Nota-se que não quero afirmar aqui a ausência de dessemelhanças entre os interesses particulares de
cada um dos integrantes daqueles primeiros encontros. Mesmo tendo em vista a unidade acima sugerida,
havia, por exemplo, uns mais interessados na pesquisa, outros em levar um som; uns interessados em
estéticas musicais específicas, outros sem preferência determinada. Quero, no entanto, afirmar que, de
maneira geral, todos compartilhavam, em alguma medida, interesses comuns. Adiante, algumas
diferenças de posicionamento também serão ressaltadas.
48
O grupo explica que “o auto é um “brinquedo” popular onde música, teatro, dança e outros elementos
são protagonistas. O show musical do Cordão do Boitatá e as apresentações do Auto eram coisas
distintas. O Auto podia acontecer eventualmente antes ou depois do show do Cordão, ou se apresentar
independentemente dos shows em situações específicas como em apresentações de rua, na Cinelândia, na
Central ou no Largo do IFCS, por exemplo, e sobretudo em contextos ligados as festas do período junino”
(COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
46

identificar estes musicistas com gosto pelo folclore e cita dois grupos deste contexto: A
Barca, de São Paulo e Mundaréu, de Curitiba49. Estes conjuntos, segundo ela,
“envolvem estudantes universitários e aliam às atividades artísticas a pesquisa de campo
e bibliográfica sobre cultura popular” (Idem, p. 92).
Nas entrevistas com o Cordão do Boitatá alguns discursos reconheciam relações
com outros agentes culturais pelo Brasil. Adriana Schneider explica:

a gente tinha [contato com outros grupos] assim: o Gustavo fez a tese dele de doutorado
sobre o Maranhão (...) [Lá] ele conheceu esses paulistas [do grupo A Barca e outros]
(...) A gente fez uma ligação com o Siba [Sérgio Roberto Veloso de Oliveira, músico
pernambucano integrante, àquela época, do grupo Mestre Ambrósio], em Pernambuco.
Havia ligações, mas não se constituiu uma rede. A gente sabia que os caras estavam
fazendo uma coisa assim (...) Eles sabiam que a gente estava fazendo uma coisa assim
(...) Por alguns interlocutores a gente trocava (SCHNEIDER).

Thiago de Oliveira diz enxergar até mesmo um movimento mais amplo, planetário, que
teria feito as “pessoas se voltarem para as suas identidades mais locais” (OLIVEIRA).
Neste sentido, Travassos indica que o sincronismo entre a formação desses
grupos pelo Brasil (e de outros, pelo mundo) pode advir não só da conexão
intramusicistas, mas também da globalização, via indústria cultural50. A autora fala de
um mercado de entretenimento já consolidado em que esse tipo de repertório já era
comercializado e cita, a título de exemplo, a realização de shows no Rock In Rio, em um
palco intitulado “Tenda Raízes”, onde se apresentavam artistas de diversas partes do
mundo, integrados à indústria cultural via o rótulo world music. Nota-se que, com este
argumento, Travassos quer negar também a sugestão de que o movimento surge como
reação à globalização. Esta explicação, segundo ela, “não daria conta de fenômenos que
são indícios da própria globalização” (TRAVASSOS, 2002, p. 93). Travassos diz, por
fim, não enxergar uma força motivadora de posicionamento político de contestação na
preferência majoritária do universo jovem por uma música associada à indústria
cultural.
Não obstante, no início do Cordão do Boitatá, havia um discurso crítico a
procedimentos da indústria cultural. Nas entrevistas, veem-se alguns enfoques
diferentes para esta crítica. João Callado, por exemplo, concebe a década de 1990 como

49
O Cordão do Boitatá não é citado, mas Schneider afirma que Travassos dialogou com membros do
grupo à época de sua pesquisa. Oliveira, por exemplo, relata que foi aluno de Travassos entre 1999 e
2000, e seu orientando no processo de feitura da monografia de fim de curso de Licenciatura em Música
na UNIRIO entre 2000 e 2001.
50
Ressalva-se que não era possível naquele momento pensar no fluxo de informações advindas da
internet, ainda incipiente na década de 1990 no Brasil.
47

dominada por uma “música de mercado”. Este cenário é visto pelo entrevistado como
contexto de uma juventude de classe média com vontade de “redescoberta do Brasil
musical” (CALLADO). Já o grupo aponta que havia um questionamento a respeito da
não valorização de determinados agentes da cultura brasileira, à margem do sistema:

no início do Cordão havia um questionamento em relação a determinados


procedimentos da indústria cultural com os mestres populares. Para nós era difícil
compreender como um músico como Darcy do Jongo, por exemplo, representante de
uma vertente tão rica e importante da cultura (Jongo) vivia num estado de penúria. Sua
casa era feita com lascas de zinco que ele recolheu, seus cachês irrisórios... O dilema
não era como vamos ganhar dinheiro com aquilo e sim porque no Brasil, determinados
agentes de nossa cultura não são valorizados (COTRIM, COTRIM, HORTA,
OLIVEIRA).

Adriana Schneider, por sua vez, afirma que “muita gente chegava à cena de uma
forma oportunista. O Boitatá naquele momento tinha uma discussão ética muito
ferrenha de abrir espaço para os mestres populares chegarem” (SCHNEIDER). Ainda
segundo ela, havia uma discussão no grupo sobre o

aspecto comercial e aspecto não comercial da coisa. Tinha uma galera que defendia de
uma forma romântica, xiita [não comercial]. Mas que naquele momento era necessário,
porque acho que a gente estava tendo que ter um entendimento ético: como vamos
ganhar dinheiro de uma coisa que os próprios mestres não ganham? (SCHNEIDER)

Nota-se ainda que os movimentos de distanciamento de certas “músicas de


mercado”, de “redescoberta do Brasil musical” (CALLADO), bem como de “imersão na
realidade sociocultural e musical do Brasil” (COTRIM, COTRIM, HORTA,
OLIVEIRA), são indícios de outro processo notado por Travassos: a “busca pela
alteridade interna como passo para instituir o Brasil como totalidade” (TRAVASSOS,
2002, p. 92). Veremos à frente, no subcapítulo 3.6, como essa utilização de um
repertório nacional é, ao mesmo tempo, preservada e complexificada no grupo hoje.
Travassos também traça comparações com outros movimentos que também
foram marcados por interesses especiais nas expressões musicais populares brasileiras.
Um marco inicial seria o modernismo, nos anos 1920, onde o “ideal do artista culto era
(...) elevar o folclore – fazer música artística brasileira, impregnada dos processos
formais e tendências estilísticas que vinham se cristalizando nas práticas populares”
(Idem, p. 90). Um segundo momento aconteceria nos anos 1960, com destaque para a
relação de artistas urbanos (já integrados a uma indústria cultural plenamente
48

estabelecida) com a música folclórica, na Tropicália e na música de protesto (ou música


engajada).
A autora afirma que na década de 1960, enquanto na música de concerto “o
nacionalismo perdera prestígio (...) e o recurso ao folclore associara-se aos setores
menos avançados da composição” (Idem, p. 91), a música popular urbana catalisara o
debate estético. Assim, a canção de protesto “buscava no folclore estilos nacionais (...)
elementos capazes de funcionar como símbolos da privação do povo e de sua
capacidade de resistência às adversidades materiais e morais” (TRAVASSOS, 2002, p.
91). A Tropicália, por sua vez, utilizava a música folclórica como parte da “geleia
geral” brasileira, que unia a face rural, arcaica com a moderna, urbano-industrial.
Uma primeira diferença a ser notada entre os movimentos dos anos 1960 e a
década de 1990, é o fato de que, naquele momento, nem os tropicalistas nem aqueles
engajados na música de protesto se preocupavam em fazer viagens investigativas,
procurando conhecer in loco a cultura popular, isolada (ou quase) dos ditames
mercadológicos. Pode-se pensar então em uma similaridade do movimento dos anos de
1990 com o que fez Mario de Andrade, na década de 1920.
Integrantes do Cordão do Boitatá, em seus primeiros anos, de fato se
interessavam por viagens a lugares recônditos do Brasil, onde eles teriam acesso a
manifestações culturais pouco ou nada difundidas pela indústria cultural. Foram citadas,
nas entrevistas, viagens para Minas Gerais, Pernambuco, Bahia, Maranhão e Amazonas.
A semelhança com o que havia sido feito por Mario de Andrade está, portanto, no
caráter de “pesquisa etnográfica” das viagens51. Mas diferentemente das empreitadas na
década de 1920, o Boitatá não ia a campo meramente pra coletar material e colecionar
matéria prima para “concerto das nações”. O discurso do grupo fala em realizar trocas:
o objetivo era interagir, fazendo apresentações na mesma medida em, que as assistia.
Muito embora algumas canções ouvidas – e tocadas naquele contexto – acabassem
fazendo parte do repertório, não se pode dizer que o foco do grupo fosse este. As
viagens eram menos uma estratégia de seleção de músicas para o grupo que uma busca
por ter experiências através do contato musical e extramusical. Um dos integrantes
afirma ainda, ressaltando a diferença do Cordão do Boitatá para os outros grupos que
faziam viagens investigativas no Brasil àquela época, que estes “buscavam “ir” ao

51
Travassos aponta para o fato de que essas viagens são uma “combinação entre pesquisa etnográfica
(não necessariamente nos moldes preconizados no meio acadêmico) e atividade artística” (TRAVASSOS,
2002, p. 101).
49

encontro do folclore. Nosso movimento era o oposto, como se estivéssemos “vindo” de


um encontro com esse folclore, buscando trilhar outros caminhos independentes,
trazendo essas influencias na bagagem” (OLIVEIRA).
Assim, a observação de Travassos, que diz enxergar nos grupos dos anos de
1990 uma ênfase nas “parcerias como modo de relacionamento entre artistas dos
grandes centros e seus colegas espalhados pelo Brasil, mestres das tradições”
(TRAVASSOS, 2002, p. 105), também é pertinente ao Cordão do Boitatá.
Outra comparação de Travassos que ecoa no Cordão do Boitatá, mas sem ser
totalmente precisa, diz respeito às relações com o passado nos anos de 1960 e 1990.
Falando sobre a década de 1960, ela afirma não haver uma relação arqueológica
daqueles artistas com o material popular, pois “as descobertas de artistas e repertórios
musicais populares (...) simbolizavam o papel do povo brasileiro numa transformação
iminente da sociedade, mirando, portanto, no futuro” (Idem, p. 100). Já nos anos de
1990, havia um interesse em reatar um “elo como passado por meio da celebração
festiva dos ancestrais” (Idem, p. 101). Assim, a década de 1960 teria um movimento
voltado para a transformação, enquanto o da década de 1990 estaria focado nas
conexões com símbolos do passado52.
A relação arqueológica com o material popular a que se refere Travassos, no
entanto, é negada por alguns(mas) entrevistados(as), dado que sempre teria existido um
interesse na construção de algo diverso do tradicional. Assim, embora possa haver um
elo com o passado, havia concomitantemente um desejo se posicionar no presente (para
uma problematização da relação do grupo com o passado, ver subcapítulo 3.5). Nas
falas, surge a comparação com grupos parafolclóricos (em que alguns integrantes
também tiveram atuação). Segundo estes(as) entrevistados(as), o Cordão do Boitatá, ao
contrário desses grupos, não era preso a representações fiéis do repertório. Se havia
respeito e preocupação com os mestres criadores, ao mesmo tempo, existia alguma
intervenção criativa no que era tocado e encenado. Schneider, aponta, por exemplo, que
não havia uma “relação de pesquisador coletando borboletas raras pra botar no quadro
na parede: ‘Ó como essas manifestações estão morrendo’ (...) São experiências de

52
Os integrantes oficiais do grupo hoje comentam que entendem “que o Cordão junta essas duas vertentes
da década de 60 e 90” (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA). Veremos no subcapítulo 3.5 como se
articulam as relações com tradição e mudança para eles.
50

criação e não de imitação” (SCHNEIDER). Segundo Horta, o grupo “nunca teve uma
pretensão ou uma vontade de estar num lugar parafolclórico” (HORTA)53.
Ainda na comparação dos movimentos musicais ligados a protestos na década de
1960 com os grupos da década de 1990, Travassos nota nestes um espectro mais amplo
de gêneros e sonoridades. Ao contrário da prioridade dada em 1960 à redescoberta do
“samba de morro”, havia, em fins do século XX, um “interesse pelo folclore nordestino
de origem rural, jongo, bumba-meu-boi e assim por diante” (TRAVASSOS, 2002, p.
100). De fato, o Cordão do Boitatá tem, desde o seu início, interesse marcado por uma
diversidade de gêneros musicais. Nesta pluralidade, nota-se, a unidade que se enxergava
no grupo, além do já citado foco em uma produção nacional, era, precisamente como
concluiu Travassos, a “tentativa de apreensão do espírito da festa popular” (Idem, p.
109). Nas palavras deles: “havia de alguma forma também, desde os primórdios do
grupo, um desejo latente de se conectar com a ancestralidade da cultura musical e do
ciclo de festas brasileiras, como o Carnaval, o São João e o Pastoril, por exemplo”
(COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
Algumas das características notadas acima sofrerão modificações com o passar
do tempo no Cordão do Boitatá. Outros posicionamentos, no entanto, serão preservados.
Veremos nos subcapítulos à frente algumas das mudanças e a relação delas com
escolhas de caminhos profissionais.

3.3 NOÇÕES DE PROFISSIONALISMO E RELAÇÃO COM A INDÚSTRIA


CULTURAL

Tratarei adiante da relação dos discursos dos integrantes e ex-integrantes do


Cordão do Boitatá com aspectos artístico-profissionais da carreira de músico. A tese de
doutorado de José Alberto Salgado, Construindo a profissão musical: uma etnografia
entre estudantes universitários de música será usada aqui como referência para esta
análise. O estudo, que tem como foco estudantes de graduação em música na
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) analisa as perspectivas
destes sobre as atividades musicais, observando aspectos que organizam socialmente a

53
Horta comenta ainda que não havia no grupo um ideal de “elevar o folclore” e que o interesse ia além
dele: “nosso ideal não era elevar o folclore que por si só já é extraordinário. Sabíamos que a "pegada"
para tocar aquilo que nos propúnhamos, só viria da prática incessante nestes contextos. Nos
interessávamos também por artistas que chegavam a isso pela vivência, que faziam sua geleia geral a
partir disso (Hermeto,etc.)” (HORTA).
51

formação e a profissão de músico. Temos então, no texto, o exame de diversas


perspectivas pessoais sobre a profissão, bem como exames de aspectos contemporâneos
e locais de organização da ação musical que serão comparados com os resultados aqui
obtidos.
Utilizarei aqui o mesmo entendimento da profissão músico de Salgado,
considerando esta a prática de “uma atividade determinada – geralmente com
implicações econômicas” onde são cumpridos “procedimentos convencionais, de acordo
com noções e parâmetros compartilhados na própria área de atividade social”
(SALGADO, 2005, p. 221). Ressalva-se ainda, como aponta a etnografia de Salgado,
que a noção de profissionalismo em música é “multifacetada, algo rarefeita e sujeita a
ambiguidade” (Idem, p. 243).

3.3.1 MUDANÇAS INICIAIS NO GRUPO

A pergunta que utilizei para começar todas as entrevistas semiestruturadas dizia


respeito às diferenças entre o Cordão do Boitatá em seu início e o que ele é hoje. O
questionamento suscitou falas sobre mudanças no grupo desde o momento embrionário
e revelou algumas narrativas distintas. Se há um consenso no fato de que o grupo sofre
transformações logo nos primeiros anos (e além), há também diferentes interpretações e
demarcações para a trajetória. Alguns acontecimentos são citados como relevantes no
período inicial, como a saída de integrantes, a desvinculação do auto de boi, alguma
mudança no repertório, e a estruturação musical (ou sonora) – com a formação
instrumental começando a ser pensada e organizada54. Veremos à frente como as
diferentes vozes articulam-se relacionando eventos a noções de profissionalismo.
Nos apontamentos enviados durante o período de edição dialógica, o grupo
ressalta que o Cordão do Boitatá sempre foi o próprio núcleo musical. Eles apontam que
atividades cênicas relacionadas ao grupo em seu início – as encenações de auto do Boi55

54
A tentativa de construir uma ordem cronológica para esses eventos citados demonstrou que há
divergência e imprecisão nos depoimentos. Datas serão explicitadas aqui, sempre que citadas pelos
entrevistados, mas ressalva-se que não é objetivo deste trabalho fazer uma reconstituição historiográfica
precisa dos acontecimentos do momento inicial do grupo, mas apenas falar da relação de certas falas
relativas a este período com a construção da noção de músico profissional.
55
A separação dos projetos do Boi Cascudo e Cordão do Boitatá não tem data precisa. Schneider, ligada
diretamente à parte cênica desta atividade, aponta, sem ter certeza, o ano de 1998 como sendo o da cisão.
Ela afirma ainda que a desvinculação acontece sem conflitos e que o momento em que o “brinquedo” Boi
Cascudo se torna independente do Cordão do Boitatá, “marca a oficialização de seus integrantes, todos
músicos” (ver Anexo1).
52

–, eram periféricas. Afirmam ainda que o projeto sempre esteve ligado à ideia de
inserção no mercado cultural e associam as mudanças à esfera da vida pessoal de alguns
integrantes:

o grupo Cordão do Boitatá sempre foi o próprio núcleo musical, outras atividades que
porventura coexistiam no inicio eram de certa forma periféricas e, sobretudo
diretamente ligadas a práxis musical que desenvolvíamos. Por outro lado o grupo tinha
desde o seu surgimento como intenção, e condição inerente ao seu desenvolvimento,
criar um espaço dentro do mercado da cultura. As mudanças foram sobretudo no âmbito
da vida pessoal de alguns integrantes, uns quiseram dar continuidade ao projeto musical
(já existente) e outros escolheram aprofundar suas atividades em outros campos e
sairam (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).

Nota-se ainda que o grupo rejeita a dicotomia entre amadores e profissionais na


fase inicial. Por outro lado, sustentam que a formação é alterada também (além das já
citadas mudanças nas vidas pessoais) por um “aprofundamento do fazer musical”:

o processo de aprofundamento do fazer musical desse coletivo (que logo começa a fazer
apresentações), atrelado a mudanças significativas na vida pessoal de alguns integrantes
que estavam naquele momento muito embrionário, alterou a formação [do] grupo
(Gustavo [Pacheco], Edmundo [Pereira], Adriana [Schneider]). Não é um confronto
entre músicos "amadores X profissionais". Este conceito de amador é até discutível. O
Edmundo [Pereira], por exemplo sai do Cordão e posteriormente entra num trabalho
musical Armorial (Gesta), bastante sério. Segue sua carreira acadêmica dentro da
antropologia e participa do nosso CD autoral (2004, bem depois de sua saída) com a
letra de Forró Novo (Kiko Horta/Edmundo Pereira) e tocando viola de 10 cordas.
(COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).

Não obstante, não há, para eles, uma estruturação do grupo em seus primeiros anos
como consequência de uma escolha profissional. Eles descartam a ideia de que o grupo
seria “moldado por uma escolha de caminho profissional” (COTRIM, COTRIM,
HORTA, OLIVEIRA). “O que nos molda são as vontades musicais e artísticas
unicamente” (Idem). O que existe é um processo contínuo do “conceito de
profissionalismo”, que também envolve influência de trabalhos fora do grupo:

mesmo depois de configurada esta nova formação, este conceito de profissionalismo vai
se modificando, seguindo a própria atuação de diversos músicos do Cordão em outros
trabalhos bem diferentes. Ricardo [Cotrim] e Pedrinho [Pedro Miranda] (Teresa
Cristina), Thiago [Oliveira] (Itiberê Orquestra Família e Garrafieira), Kiko [José
Maurício Horta] (Martinho da Vila e Pau da Braúna), Cris [Cristiane Cotrim] (Mariana
Baltar). (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).

Ainda segundo eles, há uma estruturação natural do trabalho:


53

todos que permaneceram no grupo estavam unidos pelo desejo de continuar tocando
(não há mudança nisso). O que ocorreu foi um processo, natural a qualquer trabalho, de
ir se estruturando cada vez mais. Nenhuma banda começa efetivamente pronta,
"profissional"” (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA) 56.

Já na visão de Pacheco, o grupo tem uma fase amadora e outra profissional,


demarcadas. Segundo ele, mesmo no momento em que os shows começam a ser
realizados, o Cordão do Boitatá “não era nada profissional, não tinha nenhuma
pretensão, era só diversão mesmo” (PACHECO). Pacheco afirma que as características
do grupo nos primeiros anos foram: “a informalidade, o amadorismo, a "brodagem",
etc.” (Idem) e que havia um “esquema informal e democrático (...) todo mundo se
revezando nos instrumentos” (Idem), com o qual ele se identificava57. Segundo ele, esta
fase “talvez tenha durado até 2000-2001”. Após esse período, o grupo teria tido um
perfil “mais profissional”, com “CD gravado, página [na] web, produtor etc.” (idem).
Nota-se, por fim, que Pacheco diz ter participado de “conflitos em torno das
visões diferentes do que um músico profissional poderia ou deveria fazer” (PACHECO)
e que reconheceu no grupo, após os primeiros shows com cachê, diferentes projetos58:
“alguns integrantes queriam se profissionalizar, outros não queriam, outros não sabiam
bem o que queriam e foram levados na onda, pra um lado ou pro outro” (PACHECO)59.
Justapondo as diferentes perspectivas – de Pacheco e do grupo60 – não pretendo
aferir precisamente como as mudanças aconteceram internamente ao grupo, mas apenas

56
É interessante notar que a palavra profissional aparece aqui entre aspas. Detecto no recurso um
reconhecimento da complexidade do termo.
57
Sobre as colocações de Pacheco, o grupo comenta que “esta é uma visão particular do Gustavo de como
ele se inseria enquanto músico no início do grupo. Não havia "revezamento” ou mais coletivismo nesta
época. Apenas ele e Cris dividiam o cavaquinho até o momento em que a Cris passou a ser a cavaquinista
do grupo. Os outros sempre tocaram seus instrumentos. Não há uma mudança na forma do grupo se
organizar ou perda de coletividade, etc. Conceituar isto como uma mudança de procedimento do trabalho
do grupo, estendendo essa concepção para períodos posteriores, é inconsistente, pois é uma questão de
ordem individual dele” (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
58
Utilizo aqui o termo projeto como expresso por Gilberto Velho, se associando ao pensamento do
sociólogo Alfred Schütz: “projeto, nos termos deste autor [Schütz], é a conduta organizada para atingir
finalidades específicas. Para lidar com o possível viés racionalista, com ênfase na consciência individual,
auxilia-nos a noção de campo de possibilidades como dimensão sociocultural, espaço para formulação e
implementação de projetos. Assim, evitando um voluntarismo individualista agonístico ou um
determinismo sociocultural rígido, as noções de projeto e campo de possibilidades podem ajudar a análise
de trajetórias e biografias enquanto expressão de um quadro sócio-histórico, sem esvaziá-las
arbitrariamente de suas peculiaridades e singularidades” (VELHO, 1994, p. 40). Considera-se ainda o
projeto coletivo, mas não como sendo “vivido de modo totalmente homogêneo pelos indivíduos que o
compartilham. Existem diferenças de interpretação devido a particularidades de status, trajetória” (Idem,
p. 41).
59
Podemos fazer uma relação desta fala com o depoimento de Schneider, citado acima, que explicita o
debate a respeito do “aspecto comercial e aspecto não comercial da coisa” (SCHNEIDER) (ver
subcapítulo 3.2).
60
Nota-se que a metodologia aqui implementada, mais especificamente o processo de edição dialógico,
foi determinante para o surgimento desta dicotomia na pesquisa.
54

ressaltar a heterogeneidade de percepções sobre o caminho da profissionalização. Já


podemos observar, até aqui, que há pelo menos essas duas: uma visão de um curso
contínuo, sem polarização entre projetos profissionais e amadores (sejam de grupo ou
individuais); e outra que estabelece demarcações, com uma dicotomia assinalada.
Veremos ainda outros ângulos e perspectivas a frente.
Pode-se pensar no tema da profissão, nos primeiros momentos de existência do
Cordão do Boitatá, também via análise das escolhas dos cursos de graduação dos seus
jovens integrantes. Os caminhos acadêmicos daqueles que faziam parte dos encontros
musicais não apontavam, em sua maioria, para o exercício da profissão de musicista:
havia apenas três integrantes, Horta, Oliveira e Pamplona, cursando graduação em
música (os dois primeiros na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro,
UNIRIO, e o último – que também cursava Belas Artes – na Universidade Federal do
Rio de Janeiro, UFRJ)61.
Ricardo Cotrim comenta, a respeito desta fase para alguns integrantes:

ninguém vivia de música ainda. Eu por exemplo na época fazia arquitetura. Tinha o
Gustavo Pacheco (...) fazia direito na PUC. Tinha o João Callado e o Pedro Pamplona
que faziam Belas Artes no Fundão. Tinha a Cris Cotrim, o Edmundo Pereira, a Adriana
Scineider, o Dex (Marcos André Carvalho) que faziam comunicação na PUC. O
Pedrinho Miranda e a Mel Ferraz que eram do desenho industrial, na PUC também
(COTRIM, R.).

Destes integrantes que não faziam graduação em música, citados por Ricardo
Cotrim, alguns deixaram o grupo para seguir caminhos profissionais fora do meio
musical, enquanto outros, que permaneceram, acabaram seguindo a carreira de
musicistas. Todavia, seria incorreto afirmar que as razões de afastamento das pessoas
seriam todas marcadas por uma escolha de não profissionalização em música. Os
motivos para os desligamentos são diferentes para cada integrante (possivelmente
multifacetados para alguns), havendo inclusive casos de saída do grupo para o exercício
da profissão de musicista em outros espaços62. O que se destaca é que, à medida que as

61
Não quero afirmar que a graduação em música deve ser pensada como pré-requisito para o exercício da
profissão, mas apenas notar que as escolhas profissionais, levando em conta os cursos universitários dos
integrantes naquele momento, apontavam para outras possibilidades. Como afirma Salgado, há uma
noção bastante comum aos musicistas na qual “se vê o conhecimento teórico-analítico como secundário
para a realização da música – diante de fatores como ‘talento’, conhecimento prático, vivência”
(SALGADO, 2005, p. 265). De fato, a posterior profissionalização dos integrantes do Cordão do Boitatá
não se deu, necessariamente, pela passagem pelo curso em música.
62
Callado, por exemplo, associa sua saída ao desejo trilhar um caminho profissional como musicista: ele
não via no Cordão do Boitatá, àquela época, a realização plena desse projeto.
55

vidas dos integrantes vão se estruturando profissionalmente, as carreiras escolhidas para


os cursos de graduação ganham ou perdem importância63.
Neste contexto, surge, em alguns depoimentos, uma relação de oposição entre o
fazer musical profissional e a postura dos integrantes associados às pesquisas
acadêmicas de determinadas áreas humanas, que não permaneceram no grupo64.
Veremos também certa negação deste contraste.
Callado mescla áreas ligadas às ciências humanas para demarcar o que
enxergava como um caráter não profissional do grupo em seu início: “tinham pessoas
que estavam mais ligadas à antropologia. Tinham pessoas que estavam ligadas assim
um pouco à política, à assistência Social... Uma preocupação mais sociológica”
(CALLADO). Oliveira também aponta uma relação entre a pesquisa acadêmica e as
características do grupo em seu início, em contraposição ao projeto profissional:
“Algumas pessoas que eram mais antropólogas, (...) acabaram saindo (...). Já não
estavam mais tão interessados em investir num trabalho que fosse mais de músico
profissional” (OLIVEIRA). Já Pedro Pamplona, na mesma linha, fala na saída dos
“ólogos”, para falar da cisão e de mudanças internas provocadas por ela, como a escolha
do repertório, por exemplo. Por fim, Ricardo Cotrim fala da saída de pessoas
importantes à primeira fase do grupo como sendo também uma escolha profissional:
“foram fazer (...) mestrado e doutorado. (...) Viraram pesquisadores profissionais”
(COTRIM, R.).
Há algumas associações entre a presença de integrantes ligados a ciências
humanas e certas características do grupo em seu início. Pamplona, por exemplo, afirma
que a saída dos pesquisadores “tirou a vigília um pouco mais racional do repertório, que
amarrava esteticamente um conceito” (PAMPLONA). Ele diz ainda não saber definir
qual seria este conceito, mas tenta explicá-lo associando o repertório da primeira fase do
Cordão do Boitatá ao de outros grupos com atuação marcante no carnaval e repertórios

63
A perda de importância da formação universitária não significa necessariamente uma renúncia de um
projeto ligado àquele caminho profissional. Callado, por exemplo, segue carreira na profissão de músico
(fora do Cordão do Boitatá), mas continua exercendo a pintura, relacionada à graduação que cursou, de
Belas Artes. Por outro lado, a escolha de desenvolver um caminho profissional acadêmico não implica
necessariamente no abandono da atuação como musicista. É o caso de outro integrante à época, lembrado
na citação do grupo, acima: Edmundo Pereira. Ele segue carreira na vida acadêmica, em antropologia,
mas não abandona por completo a atuação como musicista.
64
Não quero, no entanto, defender aqui que, entre pesquisadores acadêmicos e músicos profissionais, haja
divergências apenas, sem conformidades. Tampouco quero afirmar que esta é a única díade fomentadora
de discussões internamente ao Cordão do Boitatá neste momento inicial. Escolho dar algum protagonismo
a este duo (musicistas profissionais e pesquisadores acadêmicos), apresentando as partes como opostas,
apenas pelo fato de que ele aparece com alguma constância nos relatos, como demonstrado em citações a
seguir.
56

mais tradicionais: o bloco Céu na Terra e o Rancho Flor do Sereno (fazendo a ressalva
de que haveria diferenças entre estes dois grupos, pois o Rancho teria um trabalho de
orquestração mais desenvolvido)65. Para ele, o repertório do Cordão, quando passou a
contar com “composições de Hermeto Pascoal, Moacir Santos, todos os chorões,
Dominguinhos” (PAMPLONA), representava uma mudança em relação aos primeiros
anos do grupo, estando ligado ao seu projeto profissional escolhido: “é música
brasileira, tem a ver com a cultura popular, mas já estava apontando pra uma coisa
meio... Um desenvolvimento enquanto instrumentista” (PAMPLONA). Adriana
Schneider reconhece também que, no início, apesar de uma postura crítica, e do trabalho
empreendido em pesquisas – “não era um movimento de raiz precário. A gente estudava
pra caramba. Tinha muitos cabeções” –, havia sim, no começo uma postura “um pouco
purista, idealizada” (SCHNEIDER). Já Callado, falando do período de sua saída em
busca de um trabalho mais profissional, em 1998, faz uma associação entre alguns
integrantes ligados à pesquisa acadêmica e uma característica “mais coletiva” do grupo,
em contraposição a outros, com “preocupação mais artística (...) mais como músico”
(CALLADO), como a dele. Ele ressalta ainda a heterogeneidade de pensamentos e de
repertório:

era um grupo muito grande, muito heterogêneo em termos de pensamento e ao mesmo


tempo muito heterogêneo em termos de repertório. Eu queria me concentrar no samba e
no choro, que eram os trabalhos que eu já estava fazendo mais e eram coisas que tinham
mais cara de que iam dar certo. Também eram grupos menores... Em termos de trabalho
e de dinheiro e tal (CALLADO).

Não obstante, o grupo diverge da associação de repertório aos integrantes que


eram ligados a pesquisa em ciências humanas, enfatizando a unidade no fato de atuarem
como músicos e na “vontade de tocar”:

não concordamos que havia uma “vigília” no repertorio por parte dos antropólogos e
conceito estético amarrado. O que havia era vontade de tocar. Aliás não havia nem
vigília, nem pesquisadores atuando como tal dentro do grupo, os que viraram “ólogos”
ou o que quer que seja em seguida, atuavam no grupo como todos nós ou seja como
músicos. Tínhamos dentro do grupo preocupações estritamente musicais e jamais de
alguma outra natureza qualquer!! (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).

65
O grupo refuta a associação do repertório do Cordão do Boitatá a estes outros conjuntos com atuação
no carnaval: “não se pode associar o repertorio inicial do Cordão aos grupos citados. O Cordão, que é
anterior a esses grupos, tinha desde o inicio um repertório muito amplo, formado por músicas de estilos,
matizes e ritmos diversos e variados, não se restringindo apenas ao repertorio carnavalesco” (COTRIM,
COTRIM, HORTA, OLIVEIRA). Para além desta semelhança ou dessemelhança, o importante é notar
aqui que Pamplona relaciona certas escolhas de canções aos que eram (ou viriam a ser) “pesquisadores”.
57

Eles discordam ainda que a escolha do repertório seja consequência do


desenvolvimento como instrumentista. Para eles, a seleção de músicas estava associada
a critérios de gosto, prazer na execução e adequação/função (em contextos específicos).
Ainda segundo eles, o determinante para o processo de desenvolvimento como
instrumentista eram as experiências musicais dentro e fora do grupo. Vê-se que noção
de um processo natural aparece novamente, denotando um fluxo contínuo de
desenvolvimento:

a escolha do repertorio nunca foi ligada a um desenvolvimento enquanto instrumentista.


Esse desenvolvimento foi se dando de forma natural a medida que nosso entendimento
e nossas concepções musicais foram se aprofundando. Seria mais correto dizer o
contrário, nosso desenvolvimento como instrumentistas se deu a medida que vínhamos
tendo experiências musicais cada vez mais profundas dentro e fora do Cordão inclusive.
Não concordamos que a introdução de músicas de Hermeto, Moacir Santos entre
outros era para mostrarmos virtuosismo, como essa citação deixa a entender. A escolha
sempre se deu exclusivamente pelo gosto musical e o prazer de tocá-las. Hermeto servia
muito bem ao contexto junino, por exemplo. (COTRIM, COTRIM, HORTA,
OLIVEIRA).

Assim, vemos que, para alguns, os pesquisadores acadêmicos aparecem


associados a visões que englobam uma determinada seleção de repertório, um espírito
coletivista, e uma postura musical não profissional. Já para outros, a dicotomia não
existia, na medida em que havia uma unidade no fato de que todos (enquanto estiveram
no grupo) estavam atuando (e se desenvolvendo) como musicistas.
Ressalva-se que, para além da divergência em torno de uma polaridade interna (e
sua associação ao caminho de mudanças do grupo), há ainda, de maneira geral, o
reconhecimento de fios condutores, que permanecem desde o início do grupo, até a
atual formação. De fato, pode-se notar, por exemplo, que o repertório de hoje –
sobretudo no cortejo de rua – mantém muitas das escolhas feitas na primeira fase.
Assim, o interesse pelo repertório popular, com alguma ênfase em canções festivas, faz
parte desta conexão com o projeto inicial, aliado a própria vontade de festejar: “a coisa
da festa popular e o ambiente que ela estabelece, sempre encantou muito todo mundo”
(HORTA); “o amor pela festa, a vontade da brincadeira, essas coisas permanecem”
(SCHNEIDER). Percebe-se ainda que o desligamento dos que eram (ou viriam a ser)
pesquisadores não se dá, segundo os relatos, por meio de conflitos explícitos: “não tinha
muito rompimento” (HORTA); “não foi uma cisão... Não teve uma discussão, uma
briga” (SCHNEIDER).
58

Pode-se concluir, portanto, que há, no processo de mudança, menos ruptura que
continuidade. As transformações não são tão substanciais que impeçam que haja uma
continuidade no que se realizava/pensava desde o início.

3.3.2 RELAÇÃO COM O MERCADO

Salgado, tratando da consagração de determinados musicistas ou grupos


musicais pela indústria cultural, nota que estes são comumente chamados de “o artista”.
O termo, segundo o autor, funciona como uma distinção prestigiosa. Esta diferenciação,
nota-se, pode existir mesmo internamente a um conjunto, que, eventualmente, seja
formado por alguns músicos que são membros e outros que são contratados, com
projeção, cachês e tratamento distintos66.
Utilizarei nesta subseção um exemplo de artista consagrado pela indústria
cultural com atuação no carnaval, o Monobloco, comparando-o com o Cordão do
Boitatá. Para tanto recorrerei ao trabalho de Jonathan Alexander Araújo Gregory, Os
carnavais do Monobloco: um estudo etnomusicológico sobre blocos e oficinas de
percussão no Rio de Janeiro. Gregory analisou o grupo com enfoque nos motivos de
uma assimetria de gênero (masculino e feminino) nos círculos profissionais,
notadamente em dissonância com o que se observa no circuito amador.
Segundo Gregory, a inserção na indústria cultural é o que determina o caráter
profissional do Monobloco. Sua etnografia aponta um “prestígio profissional”
alcançado pelo grupo que advém do grande número de apresentações realizadas durante
o ano (dez a cada mês), significando assim que o grupo gera um montante de dinheiro
capaz de sustentar seus integrantes67 (GREGORY, 2012, p. 51). Ainda sobre este
prestígio, Gregory conjetura que “o fato de não haver sexualidade como a que
caracteriza o mundo funk e os forrós eletrônicos e nem as fantasias improvisadas como
as que caracterizam os blocos de sujo facilita a entrada do Monobloco no espaço
musical de maior prestígio” (Idem, p. 72).

66
Salgado afirma que a utilização do termo aponta para uma contradição nas relações de trabalho, “pois
entre músicos que dividem um palco e executam funções complementares pode haver distinção formal,
econômica, ideológica e de certa forma ilógica: o cantor é o ‘artista’, enquanto o instrumentista é um
‘músico’. Sobre este também se diz que é ‘contratado’, ou seja, está ali para acompanhar e pode ser
substituído sem prejuízo aparente do ato artístico, como de fato é comum acontecer sempre que convém
aos interesses da produção, do cantor etc.”. (SALGADO, 2005, p. 247).
67
Quando me refiro à obtenção de sustento financeiro, estou considerando somente alguns integrantes e
não todo o grupo. Segundo Gregory, há no Monobloco diferenciações internas marcantes, com projeção,
cachês e tratamento distintos entre os que são da “diretoria” e os outros musicistas.
59

É preciso entender aqui quem são os agentes que conferem o prestígio e em que
contexto isto se dá68. O âmbito da indústria cultural, apesar de hegemônico, não pode
ser tido como o único onde prestígios são atribuídos. É preciso distinguir outros
“espaços musicais de prestígio”, onde uma determinada indumentária (ou postura frente
à sexualidade, ou outros códigos sociais quaisquer) pode ser interpretada de diferentes
formas. Na festa do carnaval, por exemplo, o Cordão do Boitatá consegue grande
distinção prestigiosa, via elementos diferentes (até opostos) daqueles notados por
Gregory, no Monobloco. Tanto no cortejo de rua quanto no show realizado no domingo
de carnaval, o grupo atrai hoje um grande número de espectadores, reúne uma grande
diversidade de músicos (associados a diferentes formas de fazer musical) e obtém boa
repercussão na imprensa69 70.
Desta forma, deve-se distinguir o prestígio alcançado pelo Cordão do Boitatá
junto a seus pares profissionais, ao público71, ou mesmo à indústria, daquele atingido
por projetos como o do Monobloco. Em primeiro lugar, no grupo estudado por Gregory,
o projeto comercial tem importância central, desde sua concepção. Gregory usa a
nomenclatura bloco-show para falar de seu objeto de estudo, explicando que este é uma
referência

às "baterias-show" (...) originalmente introduzidas pelas escolas de samba para se


apresentarem em outras datas e espaços, com formações reduzidas. Portanto, os termos

68
Mesmo no contexto da indústria cultural, onde o prestígio do Monobloco é alcançado, podemos pensar
rapidamente em alguns casos prestigiosos onde a sexualidade, por exemplo, é utilizada. Assim, nota-se
que a atribuição de prestígio a um músico, via sucesso do projeto mercadológico, não tem a rigidez que o
trecho da etnografia de Gregory pode levar a crer.
69
O prestígio alcançado em diferentes áreas, diga-se, é essencial para que o dinheiro de empresas
apoiadoras do carnaval chegue até o grupo. Por sua vez, a grande estrutura de palco e a qualidade da
amplificação sonora, alcançadas com este dinheiro, acabam por conferir também prestígio ao grupo, em
um círculo virtuoso. Veremos à frente também como o grupo utiliza as características que considera
prestigiosas na negociação com estes apoiadores. Sobre esta nota, o grupo comenta que “a qualidade
alcançada é fruto de nossa competência e seriedade musical, do nosso apuro técnico em todas as frentes
enfim de nossa dedicação, e não do apoio obtido. Vale lembrar que já fizemos muitos carnavais sem
apoio de nenhuma natureza. O apoio é consequência da nossa ação” (COTRIM, COTRIM, HORTA,
OLIVEIRA).
70
A cobertura jornalística dos eventos carnavalescos do Cordão do Boitatá foi alvo de diversas críticas
nos depoimentos coletados para esta pesquisa. Alguns casos foram relatados, com imprecisões, falhas de
entendimento ou mesmo erros de apuração dos fatos (como a divulgação errada de data e horários do
cortejo, por exemplo). Ainda assim, nota-se, na intensa cobertura do desfile de carnaval do grupo, ano a
ano, uma inconteste atribuição de importância pelo meio jornalístico. Pode-se citar ainda, como exemplos
desta consideração: o prêmio Serpentina de Ouro de melhor bloco de rua do Rio de Janeiro, oferecido
pelo jornal O Globo em 2014; o Prêmio O Globo de Blocos na categoria “Melhor Música”, em 2011; as
resenhas positivas de diversos periódicos para o lançamento do primeiro CD do grupo, em 2004.
71
Cristiane Cotrim nota que, por vezes, pessoas de fora do grupo se referem aos integrantes utilizando
Boitatá como um sobrenome: “fulano do Boitatá”, “ciclano do Boitatá”. Esta associação do nome das
pessoas ao grupo funciona como uma distinção elogiosa, pelo trabalho musical realizado pelo Cordão do
Boitatá.
60

que fazem menção à palcos e shows me parecem mais apropriados para definir os
grupos que participam deste novo circuito, com é o caso do Monobloco, que se
distingue pelo fato de ser um bloco profissional, criado com esse intuito, de ser um
negócio, de show (GREGORY, 2012, p. 17).

O prestígio surge então como corolário do sucesso desse projeto.


No Cordão do Boitatá, como já foi mostrado aqui, não houve uma motivação
comercial que ensejasse os primeiros encontros. Para usar a nomenclatura empregada
por Gregory: o grupo não surge de uma iniciativa que visava criar um negócio. Para
além das discordâncias a respeito de qual era a intenção do grupo já em seus primeiros
shows – se criando “um espaço dentro do mercado da cultura” (COTRIM, COTRIM,
HORTA, OLIVEIRA) ou se sem “pretensão, era só diversão mesmo” (PACHECO) –
nota-se que a postura adotada em relação à indústria cultural será sempre crítica e
também coexistirá com uma perspectiva não comercial, no carnaval.
Embora seja declarado que o Cordão do Boitatá realiza apenas apresentações em
contextos onde há relação de troca econômica – “a não ser em situações muitíssimo
excepcionais tanto o show quanto o cortejo só podem ‘ser realizados em contextos das
relações econômicas de troca’” (OLIVEIRA)72 –, é fato que as apresentações no
carnaval (tanto no palco da Praça XV quanto no bloco) são (e sempre foram)
financeiramente deficitárias (ver subcapítulo 3.4.2). Assim, a festa carnavalesca, para o
grupo, parece ter um fim em si, não sendo associada a um objetivo de ganho financeiro.
Horta, tratando dos gastos realizados no carnaval (e afirmando que há sempre, neste
período, um gasto maior do que a receita), define o projeto como sendo uma “ação
cultural”:

acho que ação cultural é isso: não tem foco no lucro. Não pode ter, senão ela começa a
dançar. Isso não quer dizer que a gente não vai correr atrás, que a gente não vai batalhar
e essa bola [de déficit financeiro] um dia não possa mudar. Mas a ação é voltada pra
música, pra festa. Todo esforço que a gente puder fazer, a gente vai fazer (HORTA).

Horta reforça ainda que “isto não quer dizer que esta seja a única forma de realizar uma
ação cultural e que ela não possa, em alguma medida, gerar lucro” (HORTA).

72
Nota-se que há ainda uma visão do ganho financeiro bastante específica para o grupo, contestadora da
lógica capitalista. Oliveira explica que o dinheiro nunca é o objetivo, mas um meio: “há uma visão
distorcida do mundo, do capital, do capitalismo que coloca o dinheiro como objetivo e a gente tem essa
visão anárquica, utópica de colocar o dinheiro como um meio, essa é a diferença. Como um meio de
realização de vida, de cultura, de arte. Então a nossa luta é essa. Na Praça XV [no carnaval] é essa acima
de tudo” (OLIVEIRA).
61

Outro ponto de dessemelhança com o Monobloco diz respeito às diferenças


notadas entre os integrantes oficiais e não oficiais. No Cordão do Boitatá ocorre que,
mesmo os contratados, são tidos, muitas vezes, como parte do grupo, sem serem. No
carnaval, tanto na formação banda quanto na orquestra de rua, a indistinção entre uns e
outros ocorre mesmo na distribuição de cachês (ver subcapítulo 3.4.2). Assim, mesmo
que exista uma separação que conceba integrantes oficiais e não oficiais, não se pode
notar a presença de uma divisão como aquela marcada pela “diretoria” do Monobloco73.
Algumas opções feitas na escolha do repertório marcam mais uma diferenciação.
A relação com músicas tradicionais, de tradição oral, por exemplo, é distinta em ambos
os grupos. Como vemos na etnografia de Gregory, o Monobloco se apropria de
determinadas células rítmicas, em aulas de ritmos do candomblé com o ogã Ney Santos.
As batidas são assimiladas e depois utilizadas em arranjos das canções de seu repertório,
fundamentalmente formado por sucessos radiofônicos (ou seja, amplamente divulgados
pela indústria cultural) de compositores brasileiros.
Além de ter a seleção de repertório guiada por outra concepção (ver subcapítulo
3.6), o Cordão do Boitatá não se associa a uma visão hegemônica, em que o repertório
tradicional é visto como estando fora de uma esfera prestigiosa, abrindo espaço para ele
em seus shows.
Salgado assinala que

do ponto de vista dominante – isto é, de quem tem mais poder para definir os
parâmetros e as fronteiras do que conta como artístico –, o anonimato, o pertencimeto
discreto a uma “comunidade” e à tradição oral parecem estar no polo oposto da
atividade musical prestigiosa. Adaptando algo que já foi dito sobre avaliação de
experiências culturais diversas, este outro lado da música chega a ser encarado com
formas mais ou menos sutis de paternalismo e manipulação (...) Considera-se
geralmente com mais seriedade aquela forma de atuação que conduz à constituição de
um nome, símbolo de destaque, associado a uma capacidade musical configurada
singularmente (SALGADO, 2005, p. 246).

73
Ricardo Cotrim explica que “antigamente o grupo era a formação. Hoje em dia, o Cordão é um grupo
cultural. A gente tem um núcleo que administra uma orquestra de palco e uma orquestra de rua”
(COTRIM, R.). Ainda segundo ele, “essa distinção entre componentes [oficiais e não oficiais] ocorre
quando o grupo abre a empresa “Grupo Cultural Cordão do Boitatá” e passa a utilizar esse termo "grupo
cultural". A empresa é parte do projeto artístico profissional e comercial” (COTRIM, R.). Horta pontua
ainda que "há pessoas que tocam há muitos anos com o Cordão, e que não entraram na empresa por já
terem uma, mas que foram chamados (Paulino, Scofield, Luis Flávio). Vale ressaltar que o fim da
Cooperativa de Artistas Autônomos nos deixa sem um CNPJ e sem uma nota própria para trabalhar.
Tivemos que abrir nossa empresa" (HORTA). Esta outra forma jurídica (cooperativa) foi aberta em 2002
em conjunto com diversos outros artistas – dentre eles o Grupo Pedras, o Teatro de Anônimo, à frente
citados – e está sem atividades desde 2008.
62

Os(as) entrevistados(as) do Cordão do Boitatá, de fato, enxergam essa espécie de


desqualificação quando veem o trabalho do grupo associado a um movimento
folclórico. Horta explica que, para o grupo, o termo “folclórico” não tem uma conotação
negativa, mas que ele é utilizado de forma “pejorativa”, por parte da imprensa
principalmente.
O interesse do Cordão do Boitatá por um repertório tradicional popular é notado
não apenas nas escolhas de canções executadas, como nos convites feitos a grupos com
repertórios de tradição oral para participar de seus shows durante o carnaval. Essas
opções aparecem no discurso dos integrantes e ex-integrantes do Cordão do Boitatá não
apenas como sendo fruto de apreciação estética, mas também de uma postura política e
afetiva, desde o início do grupo.
Horta argumenta que, desde o início e até hoje, a escolha de reverenciar mestres
da cultura popular foi um gesto político, mas não somente isto. Segundo ele, a
reverência tem sim uma intenção de dar visibilidade a grupos que estão à margem da
indústria cultural, aliado a um “reconhecimento de uma música que é maravilhosa. A
gente não põe o jongo lá só porque a gente quer só tirar o jongo de um lugar que não
aparece na mídia. Não. (...) Musicalmente eu acho lindo, energeticamente eu acho lindo.
É por isso que a gente chama” (HORTA). Horta depois fala sobre como os interesses
político e estético estão juntos e aliados ainda a relações afetivas: “É tudo junto [a
relação política e estética] e muito afetiva, porque a gente é muito amigo deles. Eles têm
um carinho enorme pela gente e a gente por eles” (HORTA). Já Cristiane Cotrim
ressalta a apreciação estética na escolha e também a preocupação com a participação do
público: “tem musica que a gente acha linda, vamos trabalhar isso (...) O repertório tem
que equilibrar um pouco isso, o que você está trazendo de novo e também trazer coisas
que façam um link com o público, que o público possa participar, cantando...”
(COTRIM, C.).
Nota-se que para além dos contrastes com o Monobloco há, no Cordão do
Boitatá, um projeto comercial assumido. Assim, a valorização de aspectos ligados a
uma postura política – crítica ao modo de produção capitalista –, à emoção, ou beleza
estética, vistos acima, aparecem, em alguma medida, associadas à busca pelo sustendo
financeiro via trabalho em música74.

74
O projeto de sustento via profissão músico concebe trabalhos não somente no grupo, mas também fora
dele: todos os integrantes exercem funções em outros grupos ou áreas afins.
63

Neste sentido, pode-se notar que o movimento por uma técnica mais apurada via
estudo ou via “experiências musicais cada vez mais profundas dentro e fora do Cordão”
(COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA) determinam um posicionamento em seu
campo profissional e fazem parte, em alguma medida, de uma busca por uma inserção
no mercado. Como afirma Salgado, “a versatilidade estilística, com um domínio de
técnicas e conhecimentos variados, (...) passa a ser, para muitos instrumentistas, um dos
objetivos a alcançar (...) – uma vez que pode aumentar concretamente as oportunidades
de trabalho” (SALGADO, 2005, p. 49). A técnica funciona então como comprovação de
acúmulo de um determinado capital cultural que é “conversível, em certas condições,
em capital econômico e pode ser institucionalizado sob a forma de qualificações
educacionais” (BOURDIEU, 1986, p. 47).
Por um lado, muitos dos discursos pontuam motivações da esfera particular,
subjetiva, para o aperfeiçoamento técnico. Um entrevistado fala, não sem humor, em
uma vontade da se exibir pela técnica, de “tirar onda de instrumentista”. Ele completa:
“tanto que no carnaval, a gente subiu no palco, quis mostrar um trabalho nosso, fazer
arranjos diferentes, tocar musicas com virtuosismo” (PAMPLONA)75. Outro
entrevistado fala do investimento na técnica como motivado por um sentimento de
“querer fazer cada vez melhor” (COTRIM, R.). Já um terceiro fala da excelência da
execução musical no palco do carnaval como sendo uma ferramenta para atingir uma
“coisa abstrata”, que envolve gerar um estado de emoção coletivo. Esta motivação
coletivista é associada à outra, subjetiva: “tem que ter um momento que me arrepie. No
cortejo e no palco. Se parar de ter, aí não vou querer fazer” (HORTA)76. Por fim, em
outra parte do depoimento de Horta, a diversidade de gêneros musicais “dominados”
pelo grupo aparece relacionada a uma ideia de identidade brasileira:

tem um lado também, muito rico: essa formação musical, [que] quem passou pelo
Cordão teve. Que é assim: quem toca samba, toca samba. Quem toca frevo, toca frevo.
Quem toca forró, toca forró. Essa possibilidade de você realmente aprender os estilos.
(...) Como é que a gente não sabe? Se a gente é brasileiro, a gente tem que saber.
Minimamente. Não vou tocar talvez exatamente como o melhor músico lá da região vai
tocar, mas eu tenho que saber. Tem que dominar isso pra gente tocar. Isso é uma coisa
que o Cordão sempre teve muita seriedade nisso. Buscou isso. (HORTA)

75
Até o ano de 2006, o Cordão do Boitatá realizava, no carnaval, apenas o cortejo de rua, acústico. Neste
ano, além deste desfile – que não cessa –, começa a ser apresentado ao público um show da banda, em um
palco, amplificado (ver subcapítulo 3.4.1).
76
Há neste depoimento um indicativo de que, como afirma Salgado, o “envolvimento afetivo chega a ser
característico da profissão musical – uma proposição que se liga à motivação pessoal ou “intrínseca”
reconhecida na escolha dessa atividade” (SALGADO, 2005, p. 250).
64

A questão do repertório associado a uma ideia de nação será analisada adiante (ver
subcapítulo 3.6). O que se ressalta neste momento são as diferentes motivações para o
desenvolvimento da técnica, sem conexão direta com a inserção na indústria cultural.
Por outro lado, há também a percepção de consequências do caminho seguido
pelo grupo em termos de inserção em áreas de atuação via qualidade técnica da
execução – ou “qualidade musical”77– e outras posturas. Nota-se, por exemplo, na
citação a seguir, que o prestígio alcançado traz a aprovação e a presença de seus pares,
músicos profissionais: “o meio musical está todo ali [no show do palco da Praça XV,
durante o carnaval]. (...) Todo mundo respeita, todo mundo gosta, todo mundo quer
estar ali com a gente” (HORTA).
Há ainda a associação da qualidade musical, no carnaval, à condição
profissional: “no caso do carnaval é uma festa produzida por músicos e é um diferencial
de todos os outros palcos do Rio de Janeiro. É um grupo musical que produz aquilo ali.
O som tem que ser o melhor, a prioridade do orçamento é o som” (COTRIM, C.)78.
Sobre o cortejo de rua, Horta, no mesmo sentido, afirma que “é um bloco que sai com
muito músico. (...) Não que quem esteja tocando nos outros [blocos] não seja músico.
Mas é músico, músico, de profissão. Que vive, roda, toca com todo mundo. Não toca só
no carnaval. Claro que é uma diferença muito grande” (HORTA).
O grupo comenta que, para além da qualidade técnica, existem outras
características no Cordão do Boitatá que fazem com que haja atribuição de prestígio
pelos seus pares, no carnaval: um projeto cultural específico com forma inovadora e

77
A “qualidade musical”, para o Cordão do Boitatá, é relacionada a diversos aspectos, como
versatilidade, virtuosismo, swing, afinação, sonoridade, timbre, variação rítmica, dinâmica,
espontaneidade, precisão. Horta explica também que estas características estão presentes tanto no cortejo
quanto no show de palco e que a presença delas se explica pela condição de serem eles musicistas –
interessados em lidar com esses elementos ligados ao som – e, no caso do cortejo, pela necessidade de um
desempenho no contexto acústico (sem amplificação): “em qualquer lugar a gente quer fazer música, em
qualquer situação, não interessa qual é a situação, a gente não faz uma diferenciação entre a música do
palco e a música da rua. Eu não faço. O nível de conexão é igual. A pré-disposição é igual. Eu acho que
da maioria das pessoas que sai com a gente também. (...) Por quê? Primeiro, somos músicos, é natural a
gente querer fazer música e fazer música nesse sentido, de lidar com todos esses elementos que a música
tem. E outra coisa, a gente sabe que pela quantidade de gente que a gente leva, o naipe precisa ter um
desempenho. Porque a gente não tem (...) sopro amplificado” (HORTA).
78
O grupo comenta esta fala explicando como veem o cenário das apresentações musicais no carnaval (e
além) do Rio de Janeiro: “no Rio, temos um histórico de produção relacionada ao carnaval e a outras
atividades culturais que funciona da seguinte forma: som ruim (barato), muito trabalho, músicos mal
remunerados e produtores com o bolso cheio de dinheiro. É uma equação invertida que compromete
totalmente a parte artística e ética nessas relações”. (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
65

independente dos padrões do mercado; uma ação de “prirataria cultural”79; e um


cuidado com as condições para a execução musical.

Não é só o prestígio musical via qualidade técnica que traz nossos parceiros da música
para junto de nós. A proposta cultural e a forma inovadora e independente dos padrões
vigentes no mercado, fazem com que o Cordão tenha uma grande adesão por parte do
meio musical. A própria ação (...) de “pirataria cultural”, no sentido de conseguirmos
canalizar um capital para realização de um projeto cultural de excelência, libertário e
utópico, faz com que o palco onde realizamos o nosso show no domingo de carnaval na
Praça XV seja tão valorizado, amado e respeitado por todos músicos e artistas que se
apresentam lá, acima de tudo por amor à cultura do carnaval carioca. O cuidado
extremo com o equipamento de som, e uma produção voltada exclusivamente para as
melhores condições possíveis da realização musical, também é um fator diferencial. O
Cordão começa a montar a estrutura de sua festa no domingo de carnaval na quarta feira
anterior, com a montagem do palco. Sexta, após o termino da mesma, começa a
montagem de som. No sábado de manhã até as 16hs, a equipe responsável junto com os
técnicos de som do Boitatá , faz todos os testes de frequência na Praça e no palco. As
17hs começa a passagem de som de toda a orquestra e dos convidados que por ventura
tenham necessidades especiais. (Os instrumentistas, grupos convidados etc.).
Geralmente esta passagem dura de 4h a 5 h. Isto tudo para no domingo estar tudo bem
bonito e afinado para o dia de carnaval (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA)80.

Há, portanto, um reconhecimento, advindo do trabalho – e das características


deste trabalho, ressaltadas acima –, que os faz transitar por um círculo social específico,
relacionado aos profissionais de música. Este reconhecimento acontece, como vimos,
em outros meios, como o jornalístico, por exemplo, havendo atribuições prestigiosas
por motivos múltiplos. Neste sentido, a conclusão de Cristiane Cotrim, quando
perguntada sobre a possibilidade de ganhos financeiros no grupo, aponta para o
acúmulo de capital cultural (com as performances realizadas no carnaval) que pode ser
revertido em ganho material, em um momento posterior: “aquele trabalho [do carnaval]
poderia estar rendendo mais frutos para gente durante o ano” (COTRIM, C.). A
conclusão é a mesma para Horta: “se a gente tem uma festa que é muito bonita, a
tendência é essa festa irradiar outras coisas” (HORTA).
A efetivação do projeto comercial se dá, de fato, fora do período do carnaval.
Pamplona explica que logo nos primeiros anos, o desejo de ser músico, de querer viver
de música, levou o grupo “pra noite”, realizando shows em casas de espetáculo no Rio
de Janeiro: “a gente adorou fazer noite” (PAMPLONA). Tratando de um show pra o

79
A “pirataria cultural” seria a tomada do dinheiro das empresas apoiadoras para um uso deste fora da
lógica mercantilista: “o apoio que é conseguido é usado de forma utópica, baseada em princípios
totalmente diferentes dos que regem o pensamento capitalista destas empresas. Consideramos uma ação
de pirataria cultural” (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
80
No Anexo 3 o grupo lista as equipes de som com as quais o Cordão do Boitatá trabalhou, comentando
suas atuações e apontando que “há um caminho de muito trabalho e gradual aperfeiçoamento do conceito
da festa em vários níveis” (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
66

qual o grupo foi contratado em um bar em São Paulo, já no ano de 2014, afirma-se que
“ali é trabalho” (HORTA). Utiliza-se a palavra “trabalho” para ressaltar a relação de
troca econômica, estabelecendo que a realização do show tinha o objetivo principal de
ganho financeiro81. Já outro entrevistado, explicando que o grupo procura hoje se
inscrever em editais, na busca de trabalhos, aparece cônscio das demandas de
racionalidade prática (ver SALGADO, 2005, p. 248) que vão além do exercício da
técnica de um instrumento e do prazer em realizar o trabalho, passando por diversas
ações dentro e fora do que pode se entender como referentes à profissão de músico82:
“hoje em dia o músico tem que fazer tudo, todas as etapas. Quanto mais dominar,
melhor” (OLIVEIRA).
Já a fala de Ricardo Cotrim associa mais claramente o projeto artístico-
profissional às apresentações carnavalescas – que, como vimos, é um projeto que não
gera rendimento financeiro aos integrantes – comentando a inserção do show no palco
nestas festividades (até 2006, o grupo realizava apenas um cortejo de rua durante o
carnaval – ver subcapítulo 3.4): “o investimento do grupo e planejamento durante o ano
fez com que naturalmente tivéssemos cada vez mais um pensamento atrelando as
atividades carnavalescas ao projeto como um todo” (COTRIM, R.).
Um discurso relatado por Salgado – de um integrante de um grupo que também
tem atuação no carnaval do Rio de Janeiro, já citado aqui, o Céu na Terra – se
assemelha, em alguma medida, ao dos integrantes do Cordão. Nele,

81
É interessante como a palavra trabalho é utilizada de diferentes formas nos discursos dos integrantes e
ex-integrantes do Cordão do Boitatá. Na maior parte das vezes, tem um significado genérico que está
associado a atividades (ou ao conjunto total de atividades) que realizam no grupo, mas não
necessariamente ao ganho financeiro. Por exemplo: “o trabalho com o mestre Darci”; “bloco é uma
vertente do trabalho”; “o trabalho de composição”; “[o Cordão] sempre teve um trabalho que não se
encaixou na Lapa”. Outras vezes, não raras, o termo se refere especificamente à dissociação entre uma
atividade prazerosa (de fazer musical) e outra focada no ganho financeiro. A expressão “ali é trabalho”
descrita acima é exemplar deste sentido. Esta também: “não adianta a gente achar que 7 horas da manhã
de domingo vai estar tudo mundo lá pra tocar. Não vai estar. É trabalho. Tem uma hora que é trabalho.
(...) Adora estar ali com a gente, mas ele está trabalhando” (HORTA). Sobre esta última citação, o grupo
comenta, aprofundando o seu sentido: “não há como generalizar os motivos que levam cada músico a
estar ali no cortejo às 7 horas. Existem questões de ordem pessoal, afetivas, musicais, financeiras,
profissionais, ontológicas, existenciais, libidinosas, alucinógenas etc. O Boitatá, muitas vezes, serve como
fator de inserção de músicos de outras localidades inclusive, no circuito profissional da cidade”
(COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
82
Os trabalhos realizados pelo Cordão do Boitatá apontam para execuções em múltiplos “espaços e
rotinas” de atividades referentes à profissão de músico (ver SALGADO, 2005, p. 40). A atividade mais
comum no grupo é a performance em apresentações ao vivo. Mas realiza, eventualmente, performances
em gravações de estúdio; composições e arranjos, para apresentações ao vivo ou para gravações em
estúdio; e ensino, em oficina.
67

a tentativa de inserção no “mercado” [do integrante do Céu na Terra] se dá em


conjunção com uma valorização (...) da ação coletiva sobre a dispersão individualista.
Imaginação e paixão não operam, portanto, em território vedado à racionalidade
econômica (SALGADO, 2005, p. 255).

Nota-se que a similaridade acontece com um grupo que também tem atuação nas
festas carnavalescas. Proponho que isso se dê porque o desfile de rua é um modo de
performance que favorece a indiferenciação entre músicos e plateia e,
consequentemente, o estabelecimento de um espírito participativo, coletivista83.
Ressalva-se, no entanto, que é preciso escapar de uma visão determinista. O fato de
favorecer um espírito coletivista não implica necessariamente que os projetos
carnavalescos tenham isto como foco. Como já foi notado aqui, há projetos
carnavalescos contemporâneos, como o do Monobloco, que já nascem voltados para a
inserção no mercado, com objetivos de lucros individuais. Além disso, há uma
tendência da indústria cultural em tentar cooptar movimentos artísticos que obtém
prestígio em outros campos, o que pode mudar as características de um grupo. Uma
análise dos tipos de grupos carnavalescos contemporâneos no Rio certamente provará
uma multiplicidade de abordagens quanto ao tema84.
Contíguo ao reconhecimento das demandas de racionalidade prática existe o
posicionamento crítico frente a outros atores da indústria cultural. Há no Cordão a
explicitação das complexas relações com os agentes governamentais e empresariais,
bem como o esforço despendido para a realização de seus eventos e as posturas políticas
assumidas.
Assim, os integrantes reconhecem – como já antecipado na fala que cita os
produtores culturais – iniquidades nas relações de poder entre grupos atuantes no

83
Para um maior detalhamento, bem como uma problematização dessas características, ver subcapítulo
3.4.
84
Pude observar no carnaval de rua do Rio de Janeiro, mesmo sem estar fazendo uma análise sistêmica,
uma grande variedade de projetos de blocos de carnaval. Dentre eles, minha percepção é a de que existe
um debate crescente provocado pela crítica feita por alguns blocos de pequeno porte (que reúne não mais
que algumas centenas de foliões) com um caráter não comercial e a recusa a qualquer diálogo com
instituições, públicas ou privadas. Os alvos das críticas seriam os grupos de médio ou grande porte que
buscam verbas dos apoiadores privados e agentes públicos. Nota-se que, nestes grupos com acesso a
verbas, há uma grande variedade de projetos, podendo ter objetivos comerciais ou não – dois deles, o
Cordão do Boitatá e o Monobloco já tiveram suas diferenças analisadas aqui –, e que existem até mesmo
conflito entre eles: a matéria “Verba oficial para blocos gera polêmica e abre discussão” (BARBOSA,
2014), publicada no jornal O Dia, aponta algumas das disputas. Um estudo amplo sobre este debate (a
crítica e as diversas respostas) poderia dar um panorama dos diferentes tipos de ocupação da rua no
carnaval e de relacionamentos distintos que a prefeitura e as empresas mantêm com os blocos na cidade.
Sobre esta nota, o grupo comenta que “é importante deixar claro que nunca entramos em nenhum tipo de
embate com outro bloco por verba. Muito pelo contrário, a ação do Cordão de negação a condições
impostas, muitas vezes fez com que o apoio melhorasse para todos” (COTRIM, COTRIM, HORTA,
OLIVEIRA).
68

carnaval e as empresas financiadoras. Um entrevistado, por exemplo, tratando do


contexto das negociações para o financiamento do carnaval, critica o fato de que a
AMBEV (empresa de capital aberto produtora de bebidas, sobretudo cervejas, atual
apoiadora do carnaval de rua do Rio de Janeiro) tenha sido colocada pela prefeitura
como quem

decide quem vai ter dinheiro e quem não vai ter. Ela passou a ser a curadora quase (...).
O Boitatá é um bloco antigo, grande, dentro dessa geração. A gente já tem um posto ali.
A gente sempre consegue um dinheiro pra montar o palco. Vai tudo pra estrutura. (...) A
gente discute sim, mas é uma situação... Cada ano é uma escalada (COTRIM, R.).

O grupo também comenta a relação com a prefeitura no contexto carnavalesco,


rejeitando a ideia de subordinação:

o Boitatá não tem e nunca teve uma ação subordinada a Prefeitura ou a qualquer
empresa. O Cordão sempre realiza exatamente o que concebe como concepção de uma
festa de carnaval livre, não mercantil. Não há concessões de nenhuma ordem. No caso
da Prefeitura (que não dá e nunca deu 1 centavo para a realização de nossas atividades
!!), o Boitatá exige sua presença. Segurança, banheiros, pavimentação das ruas etc. Este
ano entregamos um dossiê 1 mês antes do carnaval, com todo o nosso trajeto
fotografado. Todos os bueiros abertos, obras sem proteção, marquises, ferros etc...
foram apontados, como a intenção de proteger os foliões de possíveis acidentes.
Entendemos isto como um gesto de carinho e responsabilidade com a cidade e seus
cidadãos. Uma brincadeira de carnaval que sai com 30, 40 pessoas não carece muito
deste tipo de percepção. Um Cortejo com 18 anos de realização e um palco que recebe
mais de 60 mil pessoas ao longo do dia sim. Não tem nada a ver com ser insubordinado
ou não. É um outro tipo de discussão. Colocar tudo no mesmo patamar de avaliação é
um erro. O Boitatá defende sim, uma nova postura das empresas que ganham rios de
dinheiro com o carnaval. Uma postura que seja menos mercantil, mas voltada para os
aspectos culturais, musicais da festa. Até hoje o Boitatá banca o Cortejo sozinho e
durante muitos anos realizou (o palco inclusive) sem apoio da AMBEV, tirando
dinheiro do próprio bolso! (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).

Horta também enfatiza que: “o Cordão não é um bloco "mercantil". O apoio


conseguido, com muita dificuldade, vai todo no som e no palco (sem folga). O grupo
ainda banca o cortejo e outros gastos referentes ao show do próprio bolso. Até hoje!”
(HORTA). Comentando esta fala de Horta, o grupo ressalta, por outro lado, uma disputa
com outro agente da indústria cultural:

o que a fala quer dizer é que o Boitatá tem uma postura diferente em relação ao uso
desse apoio (independente da quantidade conseguida). O dinheiro é para trazer
qualidade para a festa, é para ser colocado todo na sua realização e não ficar no bolso
dos "produtores culturais". Fato muito comum no carnaval e no mercado de cultura!
(COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
69

Eles comentam ainda que gostariam de poder administrar o palco para grupos culturais
parceiros, ressaltando a grandeza da realização, o baixo valor investido e o desinteresse
dos apoiadores:

entendemos que é uma pena montarmos uma estrutura tão boa para apenas 1 dia,
gostaríamos muito que grupos, como as Velhas Guardas por exemplo, pudessem
usufruir do palco que montamos, e da festa que produzimos como um todo.
Gostaríamos de poder oferecer isto para outros grupos culturais parceiros, estendendo
nossa festa para mais 1 dia pelo menos. O palco do Boitatá tem todo potencial para se
tornar um marco, uma referencia do Carnaval multicultural da Cidade. Realizamos algo
imenso com pouquíssimo recursos, se conseguíssemos mais e se tivesse maior interesse
de se investir em cultura de verdade poderíamos fazer algo ainda maior para a Cidade,
com certeza! (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).

Segundo Salgado, um envolvimento pessoal, ligado ao fato de que “aprender


música e aprender a ser músico são processos que envolvem tanto uma capacitação
técnica quanto a internalização ou subjetivação de valores relacionados a esse fazer”
(SALGADO, 2005, p. 253), pode causar problemas no que diz

respeito às relações com contratantes e consumidores que não compartilham os mesmos


valores, mas que constituem a contraparte de uma negociação absolutamente necessária
à realização produtiva. Conflitos vão consolidando a representação do “outro” como
oposição; imagens negativas vão sendo desenhadas e sustentadas de parte a parte
(Idem).

No caso do Cordão do Boitatá, no entanto, mesmo que haja este envolvimento pessoal e
também uma postura crítica em relação a outros atores, como contratantes, apoiadores
ou produtores; ainda assim, existe no grupo a percepção pragmática de que alianças
precisam ser feitas, principalmente na a realização de um espetáculo do porte que eles
apresentam durante o carnaval, para milhares de pessoas. Deste modo, os integrantes
fazem críticas e entram em determinados conflitos para atingir objetivos diversos 85, mas
admitem que as conexões são importantes apara atingir os objetivos do grupo. Oliveira
argumenta que o dinheiro da AMBEV foi necessário pra poder acompanhar o público
crescente e manter a qualidade musical. Já Horta fala da superação de um dualismo e da
desconstrução de uma imagem negativa, unidimensional. Se referindo a um momento

85
Um exemplo de conflito de ordem financeira fora do Cordão do Boitatá é relatado por um dos
integrantes. Atuando neste outro grupo, com repertório de sambas, em uma casa de shows na Lapa, ele
conta que “quando a gente começou a ganhar grana lá dentro (...) [O dono] falava assim: mas vocês estão
ganhando salário de engenheiro aqui. A gente disse: é isso mesmo, a gente está enchendo a sua casa. Ele
tem uma visão de músico f.. Ele vê a gente tomando aquela cerveja, tocando feliz da vida. [Ele pensa]:
trabalha um dia da semana e ganha 6.000, 7000 reias, cada um? Não pode. O bolso dele começa a doer,
coçar” (COTRIM, R.). O episódio de disputa entre produtor e musicistas pode ajudar a formatar um
quadro sobre a maneira como é construída a ideia da profissão de músico, no contexto do Rio de Janeiro.
70

anterior à criação da Secretaria da Ordem Pública (SEOP) – no início do primeiro


mandato do prefeito Eduardo Paes, em 2009 – e sua política de regulamentação do uso
do espaço público, ele relata:

a gente já fazia há muito tempo [a organização do carnaval, com o aluguel de banheiros


químicos, por exemplo] (...) [a pessoa que critica certos aspectos do carnaval] nunca fez
carnaval com a prefeitura virada de costas. Dizer que a prefeitura é uma merda é mole
(...) [Mas] como é que eu vou fazer um cortejo, que já tem 10, 15 anos que acontece,
que todo mundo sabe, que enche o centro da cidade, no centro histórico, e que vai ser
divulgado, naturalmente, sem ter o mínimo de diálogo com o poder público? (...) Não
que eu esteja satisfeito com a forma de atuação deles... (HORTA) 86

O(a) mesmo entrevistado(a) fala da imprensa, afirmando que, hoje em dia, já há


um conhecimento maior, acumulado, da ação desta. Esta compreensão faz com que se
perceba que os objetivos da imprensa não são os mesmos do grupo e que é necessária,
portanto, uma adaptação do discurso:

a gente foi ficando calejado. (...) Na hora [da entrevista] o que você fala... O que é
importante sair... Porque não adianta a gente ter um puta apontamento cultural que [o
jornal] não vai assimilar, a TV não vai assimilar. (...) Esse foi um ano legal pra gente
[2014]. Porque a gente como já tem falado muito [com a imprensa], há muitos anos... A
gente já começou a entender a pauta, quando a pessoa liga. Passamos a entender que
muitas vezes a imprensa ligava para nos colocar numa pauta pronta, armada,
desvinculada de nossas ideias e conceitos (HORTA).

Nota-se ainda que as características não mercantis são também utilizadas pelo
Cordão do Boitatá como uma espécie de capital cultural do grupo e empregadas até
como argumento em negociações com agentes governamentais. Horta conta que, em
uma reunião realizada para o carnaval de 2014, com a Riotur (Empresa de Turismo do
Município do Rio de Janeiro, responsável por produzir e/ou apoiar grandes eventos na
Cidade, com destaque para o Réveillon e o Carnaval), onde se discutia a autonomia do
grupo no palco da Praça XV durante o carnaval 87, foi argumentado às autoridades que

86
O grupo comenta a respeito que “durante muitos anos, o Cordão (sozinho) arcou com os custos do
aluguel de banheiro usando o dinheiro de seus shows pré-carnavalescos. Vale observar que estas
empresas de banheiro, no carnaval, formam um cartel e que o preço de cada unidade alugada era muito
alto” (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
87
Horta contextualiza esta reunião, detalhando a discussão ali ocorrida e ressaltando a postura do grupo
frente aos posicionamentos da prefeitura e da AMBEV: “não tivemos uma reunião para pedir dinheiro ou
tratar de verbas (a prefeitura não coloca nada). A discussão era sobre a autonomia do final de semana na
Praça XV (pois a Prefeitura queria nos encaixar numa programação dela, ou seja, "tomar na mão grande
aquilo que criamos do zero e sem recursos públicos"). Ficamos sabendo disso pelo jornal!! Todo nosso
planejamento musical e técnico seria comprometido, fora outras questões. Outro ponto discutido foi a
postura da prefeitura frente às empresas privadas. Para nós, ela tem o poder de exigir uma forma de
atuação dessas empresas que os blocos, sozinhos, não têm. Além disso, eles estavam vendendo a ideia de
que os blocos deveriam se auto financiar (como se já não o fizessem!!!!). A AMBEV daria dinheiro só
71

“é um grupo cultural. Não é um grupo mercantil. A gente faz um trabalho cultural muito
importante pra essa cidade” (HORTA). Na tentativa de convencimento afirma ainda que
o trabalho vai além da atuação como bloco, ressaltando a importância do palco: “já não
é mais bloco. É um evento cultural que tem nove anos e transmissão pro Brasil inteiro”
(HORTA).
Nota-se, por fim, que a iniciativa comercial nunca obteve uma produção que
fizesse com que os integrantes fossem sustentados por seu rendimento financeiro. Os
depoimentos deixam transparecer alguma discordância quanto à avaliação deste cenário,
apontando para questões que vão além da gestão comercial (mas que implicam no
resultado desta). Há entrevistados que avaliam negativamente a situação, com queixas, e
há outros que não lamentam. De todo modo, tanto nos depoimentos queixosos, quanto
nos que não lamentam, as causas que apareceram com mais frequência para a ausência
de um número maior de shows durante o ano são: a demanda de trabalhos musicais que
os integrantes têm fora do grupo e alguma dificuldade em comercializar um show que é
plural em seu repertório88.
Estas discordâncias com relação ao desempenho do empreendimento comercial
têm uma relevância por apontarem para possíveis conflitos que determinaram, em
alguma medida, o rumo do Cordão do Boitatá e que ainda seguem influenciando-o. Os

para a Prefeitura e nada para os grupos que realizam o carnaval. Isto com a cidade e os blocos infestados
de propaganda da mesma empresa. Mamão com açúcar né!! A Prefeitura precisa agir para manter a cena
cultural da cidade acesa e não sufocá-la. Batemos duro na questão do monopólio da AMBEV e
sinalizamos o óbvio: que esta Multinacional ganha rios de dinheiro no carnaval de rua e precisa repassar
isto de alguma forma para a realização e manutenção das ações culturais (não só o Cordão) que mantém o
carnaval do rio lúdico, alegre e vibrante. É uma discussão grande e complexa. Fazemos sim uma ação de
Pirataria Cultural! Havia também uma campanha de marketing da AMBEV absurda, invertendo
completamente algumas responsabilidades. Queria premiar o bloco mais limpo (o volume de plástico e
latinhas provenientes dos produtos da mesma são os grandes responsáveis por isso), colocando esta
função na conta de todos os blocos da cidade. Uma análise do volume de recursos que o carnaval de rua
gera para a Prefeitura, AMBEV, setor Hoteleiro etc. é cabível. Outro item seria a dispersão: o bloco teria
20 minutos para se dispersar (ganharia dinheiro também o "mais rápido"). Caso não fizesse a dispersão no
tempo proposto, seria punido. Quem faria a dispersão, a polícia?? Isto tudo depois de um ano (2013) de
grande violência da polícia com manifestantes. Mostraram, entre outras coisas, grande desconhecimento
do funcionamento do carnaval de rua com a tradicional cervejinha, batucada e brincadeiras que fazem
parte do final dos desfiles, além de pouca inteligência e sensibilidade. Dissemos, na reunião com a
AMBEV para expor este projeto de marketing deles, que exigíamos a retirada do nome do Boitatá daquilo
e que bateríamos com todas as forças nessa proposta maluca e invertida através da imprensa, internet etc.”
(HORTA).
88
Oliveira comenta ainda este cenário, relacionando o rendimento financeiro a fatores externos ao grupo,
estruturais: “o êxito de um maior sucesso de rendimento financeiro do grupo, em última instância, me
parece que estaria relacionado a questões de valorização da cultura e da educação no país de forma geral.
A própria realidade sociocultural na qual vivemos, em que a cultura é um bem extremamente elitizado
cujo pouquíssimas pessoas têm acesso, também é um fator determinante deste quadro. Não conheço
nenhum músico que consiga viver apenas de um projeto mesmo quando acompanha grandes artistas
renomados. A escassez generalizada de circuitos, programações culturais e festivais, não só no país, como
no continente Sul Americano reflete essa realidade” (OLIVEIRA).
72

discursos funcionam como reminiscências do trajeto – traços de um grupo marcado por


visões internas distintas – indicando também possibilidades de futuro. Como afirma o
antropólogo Michel Agier, “no campo, hoje em dia, o etnólogo encontra-se muito mais
frequentemente diante de culturas identitárias em fabricação do que perante identidades
culturais totalmente prontas, as quais ele teria apenas que descrever e inventariar"
(AGIER, 2001, p. 23).

3.3.3 ALGUMAS CONCLUSÕES

Diversos acontecimentos são relatados pelos entrevistados que narram as


mudanças que o grupo sofre em seu início: a organização da formação instrumental, a
desvinculação do auto de boi, alguma mudança no repertório, a saída de integrantes, o
aprimoramento da técnica. O significado e a importância que se dá a eles, no entanto, é
variante, já que as múltiplas vozes têm perspectivas que servem a narrativas distintas.
Destacam-se, em relação às noções de profissionalismo em música, algumas
vozes divergentes. Em uma, a do grupo, descreve-se a “práxis musical” como
protagonista; enfatiza-se a atuação de todos que atuavam na banda – os que viriam a ser
profissionais em música e os que não viriam – como musicistas (problematizando a
ideia de amadorismo); vê-se um desenvolvimento “natural”, contínuo, de
profissionalização; e afirma-se a intenção, desde o início, de inserção na indústria
cultural. Em outra, a de Pacheco, aparecem períodos demarcados na trajetória do grupo:
um amador e outro profissional. Ele enxerga ainda, naquela fase, discussões sobre o
papel do músico, além de projetos individuais variados: uns desejando a
profissionalização, outros não e alguns indecisos. Por fim, há a percepção de alguns
entrevistados da demarcação de certa dicotomia entre a visão de músico profissional e a
de pesquisador acadêmico.
Para além das divergências de visões a respeito de como se estrutura o grupo,
observam-se diferenças entre o projeto artístico-profissional assumido pelo Cordão do
Boitatá hoje e outros que também têm atuação no carnaval, com características
mercadológicas mais marcadas, como o caso do Monobloco. A distinção prestigiosa
atingida pelo grupo, notadamente na festa carnavalesca, é atribuída a características do
trabalho – como apuro técnico, cuidado com as condições de execução musical e
espírito crítico à indústria cultural.
73

Não há, neste contexto, idealização do fazer musical nos discursos dos(as)
entrevistados(as), no sentido de enxergar a profissão apenas como uma atividade
diletante. Adjacente à percepção de que o grupo é moldado por “vontades musicais e
artísticas unicamente”, são listados posicionamentos ligados às demandas de
racionalidade prática da profissão além de posturas demarcadas em relação aos agentes
culturais, colocando-se aberto a diálogos com o poder público e privado e, ao mesmo
tempo, preservando uma postura crítica e combativa.
Assim, o Cordão do Boitatá se coloca, ao mesmo tempo, como um projeto
crítico à lógica mercantilista – enxergando o lucro não como um objetivo, mas como um
meio para realizar a produção artística – e também na batalha por verbas – vendendo
seus shows ou negociando com os apoiadores do carnaval, por exemplo –, concebendo,
em alguma medida, a geração de lucro.

3.4 PERFORMANCE PARTICIPATIVA VERSUS PERFORMANCE DE


APRESENTAÇÃO

3.4.1 APRESENTAÇÃO DAS CATEGORIAS E BREVE HISTÓRICO DOS TIPOS


DE EXIBIÇÃO DO BOITATÁ

Como já foi colocado, uma das questões levadas a campo foi a análise da
coexistência, no grupo Cordão do Boitatá, de dois dos quatro campos de prática musical
propostos por Thomas Turino (2008): a performance participativa e a performance de
apresentação89.
A performance participativa teria como principal característica, segundo Turino,
o foco na interação social, onde o som é importante na medida em que inspira a
participação de todos. Todos os envolvidos no contexto desta performance podem (e
devem) contribuir efetivamente (seja tocando, cantando ou dançando), fazendo com que
a distinção entre musicistas e plateia se dissipe. Nos termos de Turino, a música
participativa “tem mais a ver com as relações sociais presentes na performance do que
com a produção de arte que pode de alguma forma ser abstraída dessas relações sociais”

89
Os outros dois campos de prática musical sugeridos por Turino envolvem gravação: alta fidelidade e
arte sonora de estúdio. A alta fidelidade refere-se à realização de gravações que se destinam a “indexar
ou ser icônica da performance ao vivo” (TURINO, 2008, p. 26). Já a arte sonora de estúdio envolve a
“criação e manipulação de sons em um estúdio ou em um computador para criar um objeto de arte
gravado (uma "escultura sonora"), que não tem a intenção de representar uma performance ao vivo”.
(Idem, p. 27).
74

(TURINO, 2008, p. 35). Em comparação com os outros campos de fazer musical


propostos, Turino dirá ainda que a performance participativa é a “mais democrática,
menos competitiva e menos hierarquizada” (Idem).
A performance participativa, ainda segundo Turino, é marcada, no som, por
formas90 variantes (abertas), curtas, previsíveis e repetitivas (cíclicas). Os inícios e
finalizações não apresentam uma delineação clara, não têm definição. Há ausência de
grandes contrastes dentro de cada peça musical. Já os timbres e texturas sonoras são
densos, ruidosos, com solos aparecendo com rareza.
A performance de apresentação seria o contraponto à participativa. Neste modo,
“os musicistas devem oferecer uma apresentação que sustente o interesse de uma plateia
que não está contribuindo com a produção sonora nem com dança” (TURINO, 2008, p.
35). Assim, segundo o autor, a performance de apresentação será marcada pela clara
divisão entre musicistas e plateia e terá foco voltado para uma música rica em detalhes,
com contrastes (harmônicos, rítmicos, melódicos ou de dinâmica) que sustentem o
interesse da plateia. Turino situa este modo de apresentação como parte do
desenvolvimento das sociedades capitalistas. Segundo o autor, se observarmos o
progresso da indústria musical no tempo, “podemos notar uma gradual mudança que vai
do fazer musical como atividade social até a música como objeto [a ser
comercializado]” (Idem, p. 24).
As características sonoras da performance de apresentação também se dão por
contraposição à participativa: as formas são planejadas, tendendo a serem mais longas e
com menor número de repetições. Os inícios e finalizações claramente definidos. Há
presença de contrastes dentro de cada peça musical. Os timbres e texturas sonoras são
polifônicos e limpos, com solos valorizados.
Turino elabora essas duas categorias de forma minuciosa, com muitos exemplos,
contrapondo uma à outra (ver Tabela 1) e ressaltando o fato de que a performance
participativa existe à margem dos grandes eventos de performance de apresentação em
países capitalistas desenvolvidos, pois aquela não se encaixa nos valores culturais “onde

90
Turino define forma (ressaltando que a palavra é comumente empregada no jargão musical) como
referente “à ‘arquitetura’ geral ou ‘desenho’ de uma peça que se desenrola ao longo do tempo. Os três
aspectos que nos ajudam a reconhecer a forma musical são a repetição, a variação e o contraste. A
repetição de pequenas unidades melódicas ou rítmicas (motivos), uma frase musical, ou uma seção inteira
(uma unidade maior, relativamente completa) unifica uma peça e a torna coerente através de relações
icônicas; nós reconhecemos motivos, frases ou seções como unidades porque nós os ouvimos antes na
peça. (...) Unidades devem ser distinguidas umas das outras por algum tipo de contraste ou diferença. As
variações representam um ponto médio entre o contraste e exata repetição” (TURINO, 2008, p. 37).
75

competição e hierarquia são proeminentes e a obtenção de lucro é o objetivo principal”


(TURINO, 2008, p. 35).

Tabela 1: Comparação dos campos de performance participativa e performance de


apresentação, como pensados por Thomas Turino
PERFORMANCE PARTICIPATIVA PERFORMANCE DE APRESENTAÇÃO

Ausência de divisão entre músicos e plateia Divisão bem marcada entre músicos e plateia

Formas variantes (abertas) Formas planejadas (fechadas)


Formas longas e execuções curtas (únicas) da
Formas curtas, previsíveis e repetitivas
forma planejada
Inícios e finalizações sem definição Inícios e finalizações planejadas e ensaiadas
Sem definição de ordem para execução das
Ordem das músicas planejada
músicas
Ausência de contrastes (variações) nos arranjos Utilização de contrastes (variações) nos arranjos

Timbres e texturas sonoras densas, ruidosas Timbres e texturas sonoras transparentes, claras
Processo ensaio com metas e objetivos
Processo de ensaio frouxo, solto
específicos, focados em detalhes e nos arranjos
Músicos com nível técnico variante Músicos com nível técnico semelhante

Solos pouco comuns Solos frequentes

Menor liberdade artística para o músico virtuoso Maior liberdade artística para o músico virtuoso
Ênfase no virtuosismo individual (culto à
Individualidade suplantada pelo coletivo
personalidade)
Música como produto do desenvolvimento do
Música como produto da interação social
capitalismo
Fonte: Elaboração própria, com base no texto de Thomas Turino (2008).

Para entender como se organizam as duas formas de apresentação no Cordão do


Boitatá (no formato bloco carnavalesco, na rua; e no formato banda, em palcos) é
preciso contextualizar91. Ambas as performances sofreram modificações durante os 18
anos de existência do grupo.
As primeiras apresentações realizadas pelo grupo foram em um formato banda,
em palcos. As características destas, no entanto, devem ser entendidas para além
daquilo que vimos acima como uma performance de apresentação.
É importante notar aqui que as performances descritas por Turino, devem ser
entendidas como tipos ideais. O autor mesmo prevê que haja misturas nas manifestações
musicais, afirmando que elas sempre tenderão para uma performance ou outra:
91
Nota-se que o Cordão do Boitatá também tem, em menor escala, um trabalho realizado em mais um dos
campos sugeridos por Turino: o da alta fidelidade.
76

dependendo da tradição musical, provavelmente haverá muitos conjuntos que


combinam atitudes de performances participativas e de apresentação, embora o meu
palpite é que uma ou outra orientação acabará por brotar como mais fundamental para
as tomadas de decisão e a prática (Idem, p. 55).

Desta forma, podemos supor que, embora tivessem um formato que indicasse divisão
entre público e plateia, separados pela presença do palco, as apresentações iniciais eram
marcadas em grande medida pelo espírito participativo, dado o contexto: as festas
populares. Estes eventos, onde o grupo se apresentava àquela época (e se apresenta até
hoje), podem ser associados mais a eventos participativos que de apresentação, já que a
presença da música executada tem o objetivo principal de fazer as pessoas dançarem
(ver também subseção 3.2.1)92.
O caminho profissional e o surgimento de apresentações em casas de espetáculo,
em um contexto já estabelecido pela indústria cultural, podem ter marcado uma
mudança de foco da performance deste formato banda, passando a ser mais ligada a
apresentação. Ainda assim, como afirma Oliveira, características de participação
permanecem presentes, em determinadas apresentações. Segundo ele, grande parte dos
shows realizados pelo grupo, em casas noturnas e em outros espaços abertos, podem ser
consideradas “performance de apresentação, mas contam ainda com a participação do
público, seja cantando, dançando” (OLIVEIRA). Em contraste com estes, haveria os
que quase não têm hibridismo, sendo “radicalmente (...) de performance de
apresentação somente, (...) realizamos em diversas ocasiões também. São em teatros
fechados, para plateias sentadas” (OLIVEIRA).
Outro momento significativo para a análise dos shows em palcos, que não
modifica mais uma vez sua orientação (de apresentação), mas acentua seu hibridismo
com a performance participativa, é o da decisão do Cordão do Boitatá de colocá-los
dentro da festa de carnaval, em 2006 (e que perdura até os dias de hoje)93. A ideia era
conseguir mostrar um repertório diferente daquele executado no bloco, como afirma
Cristiane Cotrim: “no palco a gente ficou mais tranquilo de poder mostrar uma

92
Nota-se que não investiguei nenhum registro destas apresentações dos nos primeiros anos do grupo, em
palcos. As conclusões que chego são derivadas dos depoimentos dos(as) entrevistados(as).
93
O cortejo de rua não deixa de ser feito, mas o tempo de desfile diminui, já que agora havia duas
atividades para o mesmo dia: cortejo de rua e show no palco. Em 2013, no entanto, o grupo resolveu
dividir as duas performances em dias diferentes (cortejo de rua no fim de semana que antecede o carnaval
e show no palco no domingo de carnaval).
77

produção musical que era mais próxima do que a gente vinha trabalhando já há alguns
anos [no formato banda]” (COTRIM, C.). Horta detalha a escolha:

as duas coisas são fundamentais [o palco e o cortejo]. O palco veio de (...) necessidades:
artística, musical, de querer tocar mais coisa no carnaval, de querer mostrar outras
coisas pra todo mundo que estava querendo estar ali junto com a gente. O cortejo... até
pelo tamanho da orquestra, a gente tinha limitações. É outra forma. (...) Não é melhor
nem pior [que o formato banda], é outro jeito. A gente queria fazer diferente (...) E uma
coisa complementando a outra. (HORTA).

Os quatro integrantes oficiais, de maneira semelhante, falam que o palco

permitiu que o grupo pudesse apresentar seu trabalho musical (...) para um público cada
vez maior, que hoje em dia passa de 50 mil pessoas. Ao mesmo tempo pudemos manter
a característica acústica do cortejo, e continuar desenvolvendo os arranjos, o repertório
e a formação da orquestra de rua, aumentando o números de integrantes (COTRIM,
COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).

Ricardo Cotrim também ressalta a intenção de, além de mudar o repertório,


amplificar o som para um publico crescente, tendo determinadas características:

a gente pensou de que forma a gente poderia dar vazão a esse público pensando num
formato que não fosse o trio elétrico. Pensamos no formato do coreto. O Baile na praça.
E não só isso. Tem a questão da potência do som e a vontade de levar um outro
repertório pro carnaval (COTRIM, R.).

Por fim, o grupo contextualiza todo o cenário da implementação do palco no carnaval


de 2006, ressaltando que, mesmo havendo opiniões contrárias, não se modificou o
“espírito coletivo”:

a partir de 2006, quando montamos pela primeira vez nosso palco de carnaval, foram
anos de experimentações, entendimento e aprimoramento desta nova realidade que era
realizar o cortejo e o show. Este foi um caminho que encontramos de reinvenção da
festa em função também do crescimento do bloco, que aumentava ano a ano. Algumas
pessoas podem ter estranhado, toda a mudança gera algum tipo de reação, é natural.
Este ano foi uma ano de novas experiências. Experimentamos inicialmente fazer o
cortejo após o show, nos anos seguintes passamos a fazê-lo antes, até chegarmos no
formato ideal de 2 dias de festa. Existe um fluxo contínuo no nosso carnaval de muita
luta, dedicação, e reflexão para manter a festa com suas características primordiais. A
festa de carnaval do Cordão sempre foi realizada e pensada por seus integrantes. Na
hora do cortejo, e até do palco em certa medida, contamos com uma rede grande de
colaboradores e amigos como o Teatro de Anônimo, o grupo Pedras, a cooperativa
Abayomi, o Coralito, etc., que participam e conhecem bem nossa brincadeira desde o
início. Isto nunca mudou. O carnaval de 2006 foi na verdade, ao contrário do que
alguns podem ter achado, uma potencialização deste espírito coletivo. Em 2005/2006 a
Cooperativa aprovou na Unesco (Monumenta) o “Mercado do Peixe”, projeto de
revitalização cultural do centro da cidade com uma programação que se estendia
durante 6 meses. Circo, Teatro, Dança, Música e Oficinas, tinham como ponto de
78

referência a sede da Rua do Mercado 45. Eram mais de 40 artistas e a grana bem curta.
Apesar disso fizemos um calendário de atividades muito rico e variado. Grupos e
artistas que faziam parte ou não da Cooperativa como Teatro de Anônimo, Diadokai,
Pedras, Abayomi, Júlio Adrião, Sidney Cruz, Márcio Libar, Seu Jair do Cavaquinho,
Xangô da Mangueira, Carroça de Mamulengos entre outros, se apresentaram na Rua do
Mercado. A possibilidade de fazer o palco veio de uma decisão da CASA, de abrir o
ano de atividades do “Mercado do Peixe” com o nosso carnaval. Tudo num espírito
coletivo, solidário, libertário, tendo a música e a arte como meta. O Cordão teve 5 mil
reais para alugar um equipamento de som e só. Como não havia palco, pegamos na
Fundição Progresso uns tablados de madeira emprestados. Sobre esses tablados
fizemos um grande show de carnaval para umas 15.000 pessoas ou mais, em que
participaram vários artistas, dos quais destacamos o saudoso sambista Nadinho da Ilha.
Demos então início a história do nosso palco de carnaval. Tudo num espírito muito
coletivo e solidário. Vale ressaltar que durante muito tempo o Cordão realizou sua
brincadeira de carnaval sem apoio financeiro ou logístico de nenhuma natureza. Não
havia AMBEV, nem Prefeitura. O Cortejo, os banheiros e todos os gastos relativos ao
carnaval eram bancados integralmente pelo Cordão com dinheiro dos cachês do grupo.
Até hoje o grupo investe dinheiro do próprio bolso para cobrir os custos da festa.
(COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).

Já o cortejo de rua, nos primeiros anos de desfile, era sim uma performance
participativa praticamente sem traços da performance de apresentação. Havia pouca ou
nenhuma diferenciação entre público e musicistas, repertório de fácil assimilação, com
repetição dos temas, ausência de contrastes nas repetições, timbre geral ruidoso e
poucos solos94.
Muitos dos(as) entrevistados(as) classificam estes primeiros desfiles como tendo
as características de um bloco de sujo. Esse tipo de cortejo é identificado assim por
Ricardo Cotrim: “bloco que você marca a hora e a esquina, aquele bloco arrastão que é
formado pelas próprias pessoas... Que vão se juntando. (...) Tem uma organização
mínima e vai se constituindo ao longo do processo” (COTRIM, R.). Há ainda a
descrição do bloco como algo fundamentalmente relacionado ao divertimento (em
contraposição a uma atitude mais metódica e responsável, como veremos à frente): “no
início (e durante um tempo) era um hobby, quase. A gente ia pra se divertir no carnaval”
(OLIVEIRA).
O episódio paradigmático desse tipo de desfile, relatado também por muitos(as)
dos(as) entrevistados(as), é o cortejo do carnaval de 1997, o primeiro realizado. A
história contada, que funciona em alguma medida como mito de fundação do bloco, é a

94
O documentário de Snir Wein (WEIN, 2003) filmado no carnaval de 2002 ou 2003 (Wein foi
perguntado por mim, mas não soube precisar) foi utilizado para esta análise, além dos depoimentos
colhidos. Nota-se ali a ausência de uma corda que divida músicos e plateia no cortejo, além de uma
ênfase de marchinhas carnavalescas no repertório (que, no entanto, não é conclusiva, já que há um nítido
recorte do diretor: apenas oito músicas aparecem, de um repertório sabidamente bastante maior). Embora
não haja detalhes sobre como foi feita a captação de som do filme, nota-se a importância dada aos
instrumentos de sopro e percussão, sempre em primeiro plano. O coro de vozes dos foliões também
aparece com destaque.
79

de poucos amigos com fantasias, alguns instrumentos95, um estandarte (com a figura de


São Sebastião, pintada por um dos integrantes à época, João Callado, e utilizada até os
dias de hoje) e horizontes sensoriais expandidos pelo álcool e outras substâncias, indo
para o centro da cidade, em uma época em que a frequentação ali era menor que a de
hoje96. “Foi uma saída de experimentação.(...) Sem direção. (...) Horas e horas. (...) Foi
o lugar do fantástico, da rua, da festa, do encontro, da diversidade (...) completamente
inesperado”. (COTRIM, R.).
O carnaval, para eles, vivia um “momento de baixa no Rio de Janeiro”
(SCHNEIDER), com pouca gente ficando na cidade para curtir a folia durante o feriado
(considera-se, neste discurso, o carnaval da zona sul e centro do Rio de Janeiro,
fundamentalmente). Segundo Ricardo Cotrim, havia, até antes da chegada do Cordão,
um formato de festa de rua hegemônico. Ele lista algumas semelhanças entre grupos da
zona sul com atuação destacada nos anos 80 e 9097, destacando o fato de que não eram
formados por músicos: apenas uma música executada (composta especialmente para o
carnaval daquele ano), carro de som, ausência de fantasias e venda de camisetas
confeccionadas para o desfile (como forma de viabilizá-lo). Ricardo Cotrim ressalta as
diferenças com o projeto do Cordão, que acabou influenciando grupos vindouros: “a
gente criou uma situação ali que com certeza fomentou muito algumas coisas. A coisa
da fantasia, por exemplo, é uma delas, com certeza” (COTRIM, R.)98.
Os desfiles carnavalescos do Cordão do Boitatá seguem a mesma lógica durante
os primeiros anos, mantendo inclusive o formato acústico, sem amplificação. O número
de foliões atraídos pelo desfile, no entanto, cresce a cada carnaval. Esse aumento é o
que justifica um primeiro plano de mudança na organização do bloco, com foco na

95
Apenas um instrumento de sopro foi levado (o saxofone de Pamplona). Um encontro com músicos da
banda militar (possivelmente integrantes também da banda do Cordão Bola Preta, segundo o relato de
Ricardo Cotrim), que estavam com outros instrumentos de sopro, é narrado como um dos momentos de
êxtase para os foliões.
96
Havia naquele ano de 1997 (e ainda há, até os dias de hoje), não obstante, um foco de concentração na
Avenida Rio Branco, onde diversos blocos tradicionais da zona norte desfilavam. O maior deles, que saia
(e ainda sai) sozinho no sábado de carnaval, pela manhã, é o Cordão da Bola Preta. Outros desfilavam
durante os outros dias à tarde e à noite, como o Cacique de Ramos, por exemplo, com o qual o desfile do
Cordão do Boitatá se encontrou em determinado momento daquela tarde do primeiro desfile.
97
Os blocos citados pelo entrevistado são: “Barbas”, “Sovaco de Cristo”, “Imprensa Que Eu Gamo”,
“Simpatia É Quase Amor”, “Bloco de Segunda”, “Concentra Mais Não Sai”.
98
O discurso de retomada do carnaval de rua na zona sul e no centro da cidade do Rio de Janeiro é
narrado por agentes do carnaval, do poder público, pela imprensa e pela academia (ver, por exemplo,
HERSCHMANN, 2013), com diferentes abordagens. O enfoque desta pesquisa não é a revitalização do
carnaval de rua do Rio de janeiro, mas nota-se que o Cordão do Boitatá é um dos primeiros (senão o
primeiro) agentes ativos dessa retomada.
80

segurança e no bom funcionamento do cortejo. A corda99 separando os músicos é


implementada (para proteção dos mesmos) e uma série de ações são tomadas para que
não haja adversidades na fruição da festa por parte de todos os presentes. Se nos
primeiros anos, havia a liberdade de experimentações e de descobertas do entendimento
do cortejo, em um momento isso muda. A “brincadeira” passa a ser diferente da do
“folião que está ali só para pular o carnaval”:

não deixamos nunca de brincar, a responsabilidade e o respeito ao público não nos


impede de ter este espírito da brincadeira. Obviamente não podemos brincar como um
folião que está ali só para pular o carnaval. Estamos dando conta, naquele momento, de
realizar um cortejo para um número que não dimensionamos de pessoas e que estão ali
para botar para ferver. É necessário ter atenção, existe sim em alguma medida, uma
"doação" para o carnaval. O foco é a permanência do espírito carnavalesco lúdico,
alegre, amoroso, pacífico. A descoberta de novos entendimentos no cortejo é
permanente. Não [se pode] confundir estas responsabilidades com o "projeto do grupo"
(HORTA) 100.

Oliveira, no mesmo sentido, afirma que eles tiveram que “assumir a


responsabilidade e o respeito ao público que vinha brincar. A gente tinha que se
organizar cada vez melhor” (OLIVEIRA). Já Cristiane Cotrim, fala sobre mudanças
estratégicas, rompendo com certa tradição que se estabelecia dentro do grupo, para focar
na segurança do público: “a gente não ficou naquela rigidez de achar que a tradição do
bloco é passar pelo beco não sei de onde... A tradição foi aquela, agora não cabe, para
que insistir naquilo? Para ter gente machucada no final das contas?” (COTRIM, C.).
Outro plano de mudança no desfile de rua do Cordão do Boitatá pode ser visto
como parte da conformação do projeto artístico-profissional do grupo, associado à
evolução técnica e mudança de repertório. Certas escolhas de canções e de organização
do bloco apontam para consequências importantes que, se não deslocam completamente
sua “orientação mais fundamental”, participativa, acentuam o hibridismo com a
performance de apresentação.
Por fim, dando prosseguimento ao caminho de mudança, e já apontando, talvez,
para uma modificação futura na orientação, há a saída do bloco de rua do contexto do
carnaval carioca, ampliando assim sua área de atuação: em 2009, foi feito um cortejo de
carnaval no Timor Leste; em 2010 no pré-carnaval de Recife; e, em 2014, pela primeira

99
“Corda” é uma denominação genérica para o utensílio utilizado. Como será visto à frente, a atual
“corda” é, na verdade, um tecido específico, comum a uma atividade relacionada ao circo, chamada
“tecido acrobático”.
100
O mesmo entrevistado, em trecho citado acima, já usara o termo responsabilidade para traçar
diferenças entre o grupo em seu início e nos dias de hoje (ver subseção 3.3.2).
81

vez na terça de carnaval, o Cordão do Boitatá realiza um grande cortejo fora do Rio de
Janeiro, em Barra do Piraí.
Para além do processo de mudanças, Oliveira estabelece semelhanças entre o
bloco em seu início e o bloco no formato atual:

não há para mim, essencialmente, diferença entre o cortejo dos primeiros anos e os que
fazemos hoje em dia. Pra mim, na essência assim como na prática, o cortejo continua
sendo o mesmo. O que foi que mudou? Algumas proporções apenas, números de
foliões, números de músicos, trajetos, horários, algumas características de arranjos e
repertório... Cabe analisar, que essência é essa a qual me refiro, o espírito anárquico
sim, mas sobretudo os conceitos políticos, éticos, estéticos e acima de tudo a
preocupação em estar fazendo um ato cultural e contribuindo para que possa continuar
se desenvolvendo e florescendo a cultura do carnaval de rua no Rio de Janeiro, com
toda sua musicalidade ímpar, com toda sua anarquia, com todas suas fantasias. Desde o
início, me parece que foi isso que motivou o grupo, e é o que a gente continua fazendo!
Infelizmente apesar de todos nossos esforços e de tantos outros grupos, o poder público
e outras instituições financeiras parecem não enxergar a importância do carnaval como
patrimônio cultural, o valor incomensurável que isso tem, e sobretudo não querer
conceder aos agentes dessa cultura os meios necessário para realizá-la de forma digna
(OLIVEIRA).

Fotografia 1 - Cortejo de rua do Cordão do Boitatá em 2014, com ala das baiana em destaque. Foto de
Guito Moreto
82

Fotografia 2 - Cortejo de rua do Cordão do Boitatá em 2014, com estandartes em destaque. Foto de Guito
Moreto

Fotografia 3 - Cortejo de rua do Cordão do Boitatá em 2014, com percussões em destaque. Foto de Guito
Moreto
83

Fotografia 4 – Show na Praça XV em 2014, com vista afastada. Foto de Guito Moreto

Fotografia 5 – Show na Praça XV em 2014, com vista aproximada. Foto de Guito Moreto
84

Fotografia 6 – Show na Praça XV em 2014, vista do palco. Foto de Guito Moreto

3.4.2 TRABALHO DE CAMPO NO SHOW DO PALCO DA PRAÇA XV

Nas observações de campo, pude notar diferenças e semelhanças entre as


apresentações de palco e rua. Mas, como já antecipei, vê-se aqui a orientação mais
fundamental das performances desta forma: participativa, nos desfiles; e de
apresentação, nos palcos. Ilustro isto com as observações de campo, a seguir.
Três dos quatro integrantes oficiais do grupo estavam presentes no ensaio para a
apresentação de palco que tive acesso (o quarto, Ricardo Cotrim, estava em período de
finalização de sua dissertação de mestrado e pediu para não participar). Além deles,
outros dez musicistas fixos e três que apareceram apenas para ensaiar músicas
específicas101. Todos os fixos (os dez mais os três do Boitatá) recebem o mesmo cachê

101
A formação da banda fixa era: um baterista; três percussionistas, que variavam de instrumentos; um
violonista; um baixista; um trombonista; um trompetista; uma saxofonista; um flautista; uma
cavaquinista; um acordeonista; e um saxofonista (os três últimos, integrantes oficiais do Boitatá). Duas
85

(considerado pelo grupo como simbólico ou o mínimo) por quatro ensaios e a


apresentação no carnaval: entre R$ 700 e R$ 1.000102, dependendo do valor arrecadado
pelo grupo para o carnaval. Há, nesta igualdade de valores pagos, uma indistinção, entre
os integrantes oficiais e os que são contratados pela banda, pouco comum para artistas
profissionais ligados à performance de apresentação (ver subcapítulo 3.3.2). Os valores
coincidentes, diga-se, não correspondem, à quantidade esforço exercido a mais, nem aos
gastos financeiros empreendidos pelos integrantes oficiais para a realização de todos os
eventos carnavalescos, como afirma Oliveira: “a gente está ali trabalhando pra c... .
Começa a trabalhar alguns meses antes. Pra organizar. (...) Tudo super subfaturado. E
sempre bota dinheiro do caixa do grupo” (OLIVEIRA). O mesmo entrevistado lista as
funções que seriam remuneradas em uma condição de mercado, o que não acontece
neste contexto carnavalesco: “[o Cordão do Boitatá] não ganha cachê artístico, direção
musical, direção artística, arranjo, nada” (OLIVEIRA). Já Horta explica que, mesmo
tentando reverter o déficit financeiro, (ver subcapítulo 3.3.2), a demanda de trabalho do
carnaval representa ainda outro custo material (custo de oportunidade, no jargão
econômico), que seria a renúncia à atuação em outros trabalhos remunerados (comuns
ao período do carnaval): “as pessoas trabalham. Eu sou músico. [Se] eu não vou fazer
show (...) no carnaval, significa que eu não tenho dinheiro (...) depois” (HORTA).
O horário do ensaio era entre 10 e 14 horas. Cheguei precisamente às 10 horas e
já havia cinco músicos lá. O ensaio começou de fato às 10h25min103, sem a presença de
todos, já que alguns poucos, mais atrasados, foram chegando após este horário. Muita
concentração e atenção à execução marcaram o ensaio, embora tenha havido também
momentos de descontração e rizadas. Pude verificar o cuidado dado a detalhes de
andamento e de dinâmica dos arranjos, bem como uma série de combinações a respeito

cantoras e um flautista também apareceram, no ensaio que presenciei, para músicas específicas. No show
houve outras muitas participações, de cantores e instrumentistas.
102
Para um referencial de comparação, a “tabela de cachês”, produzida pelo Sindicato dos Músicos do
Estado do Rio de Janeiro, regula o valor de apresentações ao vivo da seguinte forma (valores para
“acompanhamento de artistas nacionais”): R$ 1.107, por show e o mesmo valor por cada ensaio
(SINDMUSI, 2014). Nota-se ainda que, apesar de ser um sistema classificatório importante, esta tabela
não representa a real remuneração de músicos em diversos ambientes de trabalho. Como afirma Salgado,
“o valor operacional da tabela – em que circunstâncias ela é de fato aplicada? – seria [ainda] matéria a
discutir” (SALGADO, 2005, p. 264).
103
Minha vivência como músico popular no Rio de Janeiro me fez ter uma sensação de estranhamento
com o horário de início do ensaio. Não é raro presenciar, em diferentes trabalhos, atrasos de 40 a 50
minutos. No entanto, não posso afirmar que o comportamento daquele dia seja a regra para o Cordão do
Boitatá.
86

das formas das músicas104. Notei muitas sugestões de diversos musicistas, mas havia um
papel de direção conferido a um dos integrantes do Cordão do Boitatá: Horta. Houve
ainda um momento onde a direção passou a um musicista de fora, pois o grupo iria tocar
a sua música (este sendo o momento de maior concentração de todos os presentes).
Havia notações musicais para todos, menos para os três percussionistas. Os sopros liam
em partituras em pentagramas (os arranjos concebiam, em grande medida, linhas
melódicas diferentes para cada instrumento de sopro), enquanto que os instrumentos
harmônicos, cifras (em alguns casos, também aparecia a notação em pentagramas).
Na execução do show, no domingo de carnaval, todos estavam fantasiados no
palco. Dentre os musicistas, havia semblantes concentrados e descontraídos, em igual
medida. Alguns liam partituras (os sopros se destacam como os que mais as utilizam) e
outros tocavam sem consultar as notações. Havia canções, no entanto, que todos tocam
lendo, pela complexidade ou pela falta de familiaridade com a peça. Em algumas
músicas, acontecia um pedido de Horta (exercendo uma função de direção também no
palco), para um alongamento da forma. Gestuais indicavam as diferentes ações:
repetições de determinados trechos ou volta ao início da partitura, por exemplo.
Horta também era responsável pelo estabelecimento da ordem de execução das
músicas e pela organização da entrada dos convidados no show. Muitas vezes ele saía
do palco (entre as músicas ou mesmo durante a execução delas), para saber, nos
bastidores, informações de quem tinha ou não chegado e/ou para chama-los ao
proscênio para suas participações. Ele explica que há, dentre as diversas complicações
de se fazer essa organização de entrada dos convidados, uma dificuldade de administrar
o desejo destes de entrarem no palco ao mesmo tempo em que organiza a ordem das
músicas que está sendo tocada. Segundo depoimento dele, “existe um roteiro, mas
nunca foi seguido em nenhum ano. Há atrasos, há pessoas que tem que sair. Mas, além
disso, há muito feito em tempo real. Tem horas que eu sei que não posso colocar
determinada música, artista ou estilo. Se colocar vai ser um buraco” (HORTA) (ver
Tabela 2 e Anexo 7).
Os convidados do Cordão do Boitatá são definidos, como já foi colocado,
segundo critérios de gosto, afetivos e também políticos (ver subseção 3.3.2). Durante a
apresentação, os integrantes proclamam ao microfone a diversidade desses artistas que

104
Nota-se que, apesar das combinações, muitas das formas ensaiadas não são respeitadas no palco.
Alguns comentários no ensaio, de fato, davam conta de certa imprevisibilidade no show. No entanto, por
outro lado, era dada uma grande atenção às finalizações e aos inícios, repetindo-os algumas vezes.
87

fazem participações, classificando o show com o “carnaval multicultural do Boitatá”.


Subiram ao palco artistas plenamente inseridos na indústria cultural, como Martinho da
Vila105, Roberta Sá e Yamandu Costa (dentre estes, nota-se, há origens em classes
sociais distintas, e níveis diferentes de capital cultural acumulado), e também grupos à
margem do mercado (com capital cultural menor em relação aos que estão inseridos na
indústria cultural), como o Bloco Afro Orunmilá e o Grupo Cultural Jongo da
Serrinha106.
Existem diversos momentos em que os musicistas (do grupo, ou convidados de
fora) solam, demonstrando virtuosismo. Nota-se que o nível técnico de todos é
equivalente e alto, habilitando o grupo a realizar, além de músicas consideradas simples
por eles (que estão, em grande medida, associadas ao repertório de performances
participativas, como as marchinhas, por exemplo), canções consideradas mais
complexas.
Nota-se que, apesar do sentido de não mercantilista e da presença de um
repertório comum à performance participativa, há mais características de performance
de apresentação no show do palco do carnaval – seja na forma como as músicas são
executadas, seja na própria escolha de repertório. Como afirma Horta, o show no palco
“não é feito pra deixar o público pulando o tempo todo” (HORTA). Acrescenta-se às
observações acima o fato de que o show no palco está, como vimos, ligado ao caminho
artístico-profissional seguido pelo grupo. O que se desenvolve fora do período do
carnaval, desta forma, é influência inevitável para o que acontece no show do formato
banda realizado no carnaval. Como a fala já citada de Pamplona deixa claro, o Cordão
do Boitatá: “não é uma bloco de carnaval. (...) Nosso interesse era também pelo
carnaval” (PAMPLONA). Ricardo Cotrim também recusa a nomenclatura banda de
carnaval, afirmando a diferença do show feito pelo grupo no palco com outras bandas
carnavalescas: “o cara [desavisado] que vê no jornal vai confundir [com outras bandas
carnavalescas]. Vai achar que é uma banda de carnaval que só toca marchinhas
carnavalescas, nos moldes de bailes de clube” (COTRIM, R.).

105
O grupo comenta: “Martinho não é só um "artista inserido na indústria cultural", é figura de extrema
importância para a história do carnaval carioca”. (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
106
Nota-se que a presença dos convidados determina em alguma medida, as músicas executadas no show.
Outros músicos chamados ao palco foram: Eduardo Neves, Mariana Bernardes, Marquinhos Oswaldo
Cruz, Áurea Martins, Gabriel Improta, Marcelinho Moreira, Rubinho Jacobina, Abayomy Afrobeat
Orquestra e Oghene Kologbo.
88

Tabela 2: Músicas executadas pelo Cordão do Boitatá no show do palco da Praça


XV em 2013
MÚSICA AUTORES
1 Coisa nº 4 Moacir Santos
2 Esta melodia Bubú, Jamelão
3 Ó abre alas Chiquinha Gonzaga
4 As Pastorinhas João de Barro, Noel Rosa
5 Máscara Negra Zé Keti, Pereira Mattos
6 – –
7 Juízo Final Nelson Cavaquinho, Élcio Soares
8 Maracangalha Dorival Caymmi
9 Pombo correio Dodô, Osmar, Moraes Moreira
10 Hello my girl Sílvio da Silva
11 – –
12 Yaô Pixinguinha, Gastão Vianna
13 Benguelê Pixinguinha, Gastão Vianna
Madalena (com citação de Ob-La-Di, Ob-La-
14 Gilberto Gil, Isidoro
Da)
15 – –
16 Is this love Bob Marley
17 Sonho de um carnaval Chico Buarque de Hollanda
18 Tem capoeira Batista da Mangueira
19 A flor e o samba Candeia
Edinho Oliveira, Arlindo Cruz, Marquinhos de
20 Geografia popular / Décima sexta estação
Oswaldo Cruz / Marquinhos de Oswaldo Cruz
21 Foi um rio que passou em minha vida Paulinho da Viola
22 Contos de areia Dedé da Portela, Norival Reis
23 – –
24 – –
25 – –
26 Chega de saudade Antônio Carlos Jobim, Vinícius de Moraes
27 Se todos fossem iguais a você Antônio Carlos Jobim, Vinícius de Moraes
28 Marcha da quarta-feira de cinzas Carlos Lyra, Vinícius de Moraes
29 A felicidade Antônio Carlos Jobim, Vinícius de Moraes
30 Eu quero é botar meu bloco na rua Sérgio Sampaio
31 Choro para McCoy Gabriel Improta
32 Coisa nº 5 (Nanã) Moacir Santos, Mário Telles
33 Um frevo novo Caetano Veloso
34 Formosa Baden Powell, Vinícius de Moraes
35 Lapinha Baden Powell, Paulo César Pinheiro
36 Nação vertente Walmir Aragão, Alcinéia Martins
37 – –
38 Negrume da noite Paulinho do Reco, Caiuba
39 Festa de umbanda Sem autor ou desconhecido
40 Batuque na cozinha João da Baiana
41 – –
42 – –
43 – –
Kizomba, festa de uma raça Luiz Carlos da Vila, Rodolpho de Souza, Jonas
44
Rodrigues
45 Pra você gostar de mim (Ta-hi) Joubert de Carvalho
46 Cachaça Mirabeau, Heber Lobato, Lúcio de Castro
47 A jardineira Humberto Porto, Benedito Lacerda
48 Aurora Roberto Roberti, Mário Lago
49 Cidade maravilhosa André Filho
89

50 Madalena do jucú Sem autor ou desconhecido


51 Fogo e Paixão Rose
52 Exaltação a Tiradentes Mano Décio da Viola, Penteado, Estanislau Silva
Manoel Ferreira, Mano Décio da Viola, Silas de
53 Heróis da Liberdade
Oliveira
54 Tristeza Haroldo Lobo, Niltinho
55 A vizinha do lado Dorival Caymmi
56 Alô Fevereiro Sidney Miller
57 Yes nós temos bananas Alberto Ribeiro, João de Barro
58 Balancê Alberto Ribeiro, João de Barro
59 – –
60 – –
61 – –
62 Lenda das sereias, rainha do mar Vicente Mattos, Dinoel Sampaio, Arlindo Velloso
63 Remember Fela Oghene Kologbo
64 Malunguinho Domínio Público
65 Shakara Oloje Fela Kuti
66 Um chorinho em Cochabamba Eduardo Neves
67 Pica Pau Eduardo Neves
68 Noite dos mascarados Chico Buarque de Hollanda
69 99 não é 100 Rubinho Jacobina, Iara Rennó
70 Peter pan Rubinho Jacobina
71 Pierrô apaixonado Noel Rosa, Heitor dos Prazeres
72 A jardineira (repetição) Humberto Porto, Benedito Lacerda
73 Alá-lá-ô Haroldo Lobo, Antônio Nássara
74 Marcha do Cordão do Bola Preta Vicente Paiva, Nelson Barbosa
75 Vassourinhas Matias da Rocha, Joana Batista Ramos
Fonte: Elaboração própria. Observação: as linhas vazias representam músicas que não foram reconhecidas
pelo pesquisador. Há no Anexo 7 o roteiro utilizado pelo grupo com as músicas previstas para este show.
Verifica-se um alto grau de variação da ordem de execução e de músicas previstas. Assim, considerei
inadequado o preenchimento das lacunas com as músicas que lá constam.

3.4.3 TRABALHO DE CAMPO NO BLOCO DE RUA

O desfile do bloco de rua que observei minuciosamente em meu trabalho de


campo foi o primeiro realizado pelo grupo fora das datas do carnaval, no fim de semana
anterior ao do início das festividades, no ano de 2013 (a ideia, como já foi dito, era fazer
o desfile em um dia diferente do show no palco, dando maior autonomia ao bloco)107.
Notei, ao contrário da definição de Turino para performances participativas (que
defendo aqui ser a orientação fundamental do desfile de rua do Cordão do Boitatá), uma
diferenciação entre músicos e público: há, desde o início, uma corda que separa quem

107
O grupo explica mais detalhadamente a separação dos dias do show do palco e do desfile de rua: “para
o grupo, depois de 6 anos estudando e testando uma forma de realizar o Cortejo e o Palco no mesmo dia,
o Cordão entendeu que a tarefa era muito puxada, hercúlea. Mais de 10hs ininterruptas de trabalho com
situações no palco e na rua muito variadas. Entendeu também que cada atividade (Cortejo e Palco) carecia
de dias independentes, inteiros. Ao separar os dias, buscou preservar as características de cada atividade e
potencializar sua realização no âmbito artístico, musical, carnavalesco e humano” (COTRIM, COTRIM,
HORTA, OLIVEIRA).
90

está tocando e outros integrantes, como, por exemplo, as mulheres que levam os
estandartes (ver fotografias 1 e 2, no canto inferior direito). Esta corda, por outro lado,
também pode ser vista como sendo parte da participação do público, já que ela é
segurada, em grande parte, pelos próprios foliões, espontaneamente108. Outro fator de
indiferenciação entre público e plateia é a utilização de fantasias. A diversidade e a
criatividade destas estão presentes dentro e fora da corda que separa os músicos.
Dentre os músicos que tocam no bloco de rua, há um grupo maior, que é
contratado109 (aproximadamente 45 músicos: 32 que tocam instrumentos de sopro, 12
percussionistas, e um banjo); e outro menor, que comparece e toca sem receber
remuneração (aproximadamente 25 músicos: 17 que tocam instrumentos de sopro e 8
percussionistas). Os valores são diferentes daqueles pagos no palco: R$ 300 para o dia
do cortejo e entre R$ 50 e R$ 100 por ensaio (dependendo da quantidade de dinheiro
disponível).
Os que tocam instrumentos de sopro têm partitura para ler. Elas são amarradas
nas costas do musicista à frente. Praticamente todos leem uma mesma melodia durante a

108
Há alguns homens contratados especificamente para segurar a corda. O grupo explica que estes não
são "seguranças". Esta equipe de apoio se faz necessária por alguns motivos, listados a seguir junto com
alguns detalhes da introdução da corda no cortejo: “Não há "seguranças" no cortejo. Como o público
cresceu muito, fomos percebendo que era importante ter pessoas espalhadas na corda com o intuito de
garantir um funcionamento tranquilo e para ajudar nos momentos de mais pressão. Esta equipe de apoio
se faz necessária pelos seguintes motivos: com o aumento vertiginoso do público do cortejo, entendemos
que precisávamos proteger um pouco os músicos de sopro e a bateria. Uma cotovelada ou esbarrão
poderia ocasionar um acidente grave para estes músicos de sopro (dentes, boca etc.). Para a bateria, a
entrada de foliões entre os instrumentos dificulta bastante a execução musical. Como não temos
amplificação, o rendimento da orquestra como um todo é fundamental para garantir que as pessoas ouçam
o que está sendo tocado e a brincadeira se instaure de forma bonita. Precisamos ter no fundo do cortejo,
um carrinho com água e cerveja para abastecer os músicos. Tocar tantas horas sem isso é impossível. Esta
"corda" já foi feita de diversas formas: durante muitos anos com roupas velhas, calcinhas, panos etc. Ela
sempre acabava arrebentando. Chegamos a usar uma corda [com fios ou fibras torcidos ou entrelaçados]
num ano o que foi prontamente descartado. Vimos que [esta] corda tinha pontos (no fundo, nas laterais)
de grande pressão e que a ela poderia machucar alguém nesses momentos críticos (virada de rua,
passagem por postes, carros ou outros obstáculos na rua). Decidimos usar um tecido de trapézio, mais
maleável e colorido. A corda sempre foi conduzida por parceiros, amigos (gente que conhece o
funcionamento do bloco) e foliões que se dispõe a participar. Há um revezamento natural até hoje. Dentro
dela além de nossa orquestra, vão os estandartes, bebês, crianças pequenas e seus familiares, pessoas de
idade (há pessoas com mais de 80 anos que saem conosco) ou com alguma dificuldade física. Um
exemplo é a Renata escolhida pelo Cordão como sua musa, que é cadeirante. Se não fosse este espaço, ela
não poderia sair no cortejo conosco. A brincadeira de carnaval acontece toda ao redor desse embrião
musical carnavalesco e dentro dele. Esta equipe de apoio é formada por pessoas ligadas, de alguma
maneira, ao Cordão” (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
109
Segundo Oliveira, “a galera que recebe dinheiro são só os músicos que consideramos imprescindíveis
pra fazer massa musical” (OLIVEIRA). Ele esclarece que o critério de seleção envolve não só parâmetros
de excelência profissional, mas também de tempo de permanência junto ao grupo: “não raramente
músicos de sopros iniciantes que tocavam de forma amadora no bloco e que depois se profissionalizaram,
passaram então a ser remunerados. Músicos profissionais que vinham tocar no bloco sem ser remunerados
apenas por prazer durante vários anos puderam eventualmente passar a ser remunerados também”
(OLIVEIRA). Por fim, ele enxerga nesta triagem uma “questão delicada, pois temos limitações
orçamentárias e não podemos sempre remunerar todos que gostaríamos” (OLIVEIRA).
91

execução, com diferença de oitavas. Há exceções, mas pontuais. Apenas tubas têm uma
diferença marcante, fazendo quase sempre o papel do baixo, com melodias que pontuam
as notas fundamentais dos acordes. Os percussionistas são guiados por gestos do diretor
de percussão (Ricardo Cotrim), que orienta os andamentos, as mudanças de célula
rítmicas, as breves paradas e as finalizações.
O repertório é, em sua maioria, formado por canções de amplo conhecimento do
público presente, com formato curto e muita repetição, característicos da performance
participativa (ver Tabela 3). Há, muitas vezes, em meio às repetições, uma pausa para o
descanso dos sopros (com manutenção da seção rítmica), fazendo com que apenas o
coro dos foliões seja responsável por entoar a melodia110. A participação é, portanto,
fundamental para o sucesso do desfile e há plena consciência disto no grupo, como
vemos nestes três depoimentos: “cada indivíduo é um elemento que compõe ativamente,
que faz a coisa acontecer” (COTRIM, R.). “A brincadeira do cortejo acústico
necessariamente depende da participação. Até hoje. Sentimento de coletividade, quando
todo mundo está cantando, ele é muito forte” (HORTA). “No bloco todos somos o
Cordão. É maior barato porque todo mundo fala: eu sou do Cordão” (COTRIM, C.).
Há ainda no repertório algumas poucas músicas que não tem características de
repetição de melodias curtas e/ou não são conhecidas do grande público. Estas,
portanto, não são cantadas em coro por todos. “Colonial mentality” (composta por Fela
Kuti) e “Cabelo de fogo” (composta por Maestro Nunes) são canções que não são
entoadas pelos foliões, por exemplo. Não obstante, há participação intensa dos
presentes, via dança. Já “O trenzinho do caipira” (composta por Villa-Lobos e letrada
por Ferreira Gullar) é cantada por poucos, com pouco envolvimento corpóreo das
pessoas. Ali, no início do bloco, nota-se quase uma ausência de participação nos termos
de Turino111. Existe, por fim, como característica incomum à performance participativa
típica, uma ordem de execução do repertório definida.
O processo de ensaio do formato bloco de carnaval não é desordenado ou
descompromissado. Como afirma um dos integrantes, “no ensaio a gente fica apertando.
O máximo que a gente pode. Não é solto. Não é um lugar que você vai chegar e tocar de
qualquer jeito” (HORTA). De fato, há repetições e pausas para correções no andamento

110
Há ainda alguns momentos em que todos os musicistas param ao mesmo tempo. Estas pausas são
utilizadas para organizar o início de uma nova célula rítmica diferente da que estava sendo executada. Os
sopros somente iniciam as melodias depois de iniciada a seção rítmica.
111
O grupo comenta: “para o Cordão, se emocionar é participar ativamente, fora as pessoas que estão ali
dançando” (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
92

e nas maneiras de tocar, durante todo o ensaio. No entanto, nota-se, em relação ao


ensaio para o show no palco (realizado em estúdio), duas diferenças marcantes: um grau
de relaxamento maior e uma marcante participação do público. O ensaio, divulgado
oficialmente pelo grupo, é de livre acesso. Em alguma medida, então, a execução do
ensaio é feita para as pessoas dançarem e cantarem, como no bloco (ressalvando a
ausência de deslocamento), provocando um resultado sonoro também semelhante ao do
cortejo: ruidoso. Há muita conversa (às vezes mesmo durante uma execução) e
descontração entre os musicistas, denotando algum grau de dispersão. O compromisso
com o horário também não é o mesmo do ensaio para o show no palco. Em 2013, fui a
um ensaio, marcado para as 18 horas. A percussão começou seu “esquenta” (palavra
utilizada para se referir ao momento em que os percussionistas começam a tocar, se
aquecendo e concentrando para o ensaio) às 18h40min e os sopros tocaram a primeira
melodia às 19h25min. Muitos músicos chegam com o ensaio começado.
Observa-se que os músicos que fazem parte da percussão da orquestra do cortejo
são selecionados112. Assim, alguns, sem a técnica requerida, não são incluídos na
orquestra para que ela atinja uma excelência na execução musical, da qual os(as)
integrantes se orgulham: “a orquestra do Cordão é bem diferenciada, fazemos dinâmica,
executamos arranjos puxados, o tempo todo estamos: ‘qual é o melhor andamento?’”
(HORTA). O mesmo entrevistado explica melhor o conceito de seleção: “nosso
compromisso é musical. Nossa avaliação é musical. Não precisa tocar muito bem. Mas
tem que tocar minimamente. Não atrapalhar” (HORTA)113. Portanto, mesmo que
existam ali, como afirma o grupo, “músicos de orquestra sinfônica, do corpo de
bombeiros, de bandas militares estudantes, músicos atuantes na área da música popular,
músicos muito experientes e profissionais ao lado de iniciantes etc.” (COTRIM,
COTRIM, HORTA, OLIVEIRA), há uma tendência de padronização do o nível técnico,

112
A seleção não existe para os músicos que tocam instrumentos de sopro, como afirma Oliveira: “no
caso dos sopros todos são sempre bem vindos, pois mesmo um músico de sopro muito iniciante não
atrapalha a execução da orquestra” (OLIVEIRA).
113
Alguns integrantes do Cordão do Boitatá argumentam que a seleção de musicistas e a consequente
qualidade da execução têm o propósito de estabelecer uma atmosfera festiva que exclui, de algum modo,
incidentes entre os foliões, como brigas. Ricardo Cotrim, por exemplo, diz que o grupo “acredita que essa
qualidade é determinante no axé da parada, na proteção do bloco. Porque uma música boa, se tem uma
batucada firmada, aquela energia ali impregna as pessoas, ela conecta as pessoas numa vibe musical,
festiva” (COTRIM, R.). Não me parece, no entanto, que a qualidade musical, nos termos dos integrantes
do Cordão do Boitatá (ver subcapítulo 3.3.2), possa sozinha gerar tal ambiente sem brigas e confusões.
Como folião, já notei no carnaval deste início de século, no Rio, diversos tipo de conjuntos musicais
(presumindo qualidades de execução diferentes), com e sem tumultos em seus desfiles. A associação
entre formas de tocar e o número de conflitos configura-se difícil de ser comprovada. Uma averiguação
acurada, porém, precisa ainda ser realizada.
93

em alguma medida, que aproxima o bloco, em mais esse aspecto, das características da
performance de apresentação.
Não obstante, nota-se, a triagem de músicos não se dá sem lamentos, pela
percepção que isso implica em uma alteração da forma coletiva plena, comum às festas
carnavalescas:

carnaval é uma fronteira muito delicada você dizer pra uma pessoa que ela não pode
tocar naquele momento. É difícil isso. A gente está num momento onde todo mundo
está querendo tocar (...). Aí você diz: ‘olha só, tem muitas coisas que já estão
internalizadas pelas pessoas que estão tocando, se a pessoa tocar de qualquer forma vai
atrapalhar". (HORTA).

Vemos que as características de uma performance de apresentação aparecem


algumas vezes na realização do cortejo de rua. No entanto, a intenção do grupo, bem
como os resultados atingidos, são marcadamente participativos. Como afirma um dos
entrevistados, a respeito de certas tomadas de decisão sobre como organizar o desfile de
rua, o Cordão do Boitatá tenta: “dar conta disso sem perder as características
[participativas] que a gente quer ter” (HORTA).
A maneira como o público participa e se sente integrante do cordão (como
mostram os depoimentos), indica como o resultado gregário continua sendo atingido.
Assim, a influência do caminho artístico-profissional, clara e manifesta, não parece
suplantar o espírito comunitário pretendido pelo grupo.

Tabela 3: Músicas executadas pelo cortejo de rua do Cordão do Boitatá em 2013


MÚSICA AUTORES
1 Ou vai ou racha Autor desconhecido
2 Maracangalha Dorival Caymmi
3 O trenzinho do caipira Villa-Lobos, Ferreira Gullar
4 Zé Pereira Tradicional
5 Ó abre alas Chiquinha Gonzaga
6 Pastorinhas João de Barro, Noel Rosa
7 Máscara negra Zé Keti, Pereira Mattos
8 O teu cabelo não nega Lamartine Babo, Irmãos Valença
9 Touradas em Madri Alberto Ribeiro, João de Barro
10 Pra você gostar de mim (Ta-hi) Joubert de Carvalho
11 Pierrot apaixonado Heitor dos Prazeres, Noel Rosa
12 Vai com jeito João de Barro
13 A jardineira Humberto Porto, Benedito Lacerda
14 Ala-la-ô Haroldo Lobo, Nássara
15 Quem sabe, sabe Jota Sandoval, Carvalhinho
16 Saca-rolha Zé da Zilda, Valdir Machado
17 Cachaça Mirabeau, Heber Lobato, Lúcio de Castro
18 Aurora Roberto Roberti, Mário Lago
19 É d'Oxum Vevé Calasans, Gerônimo
94

20 Toda menina baiana Gilberto Gil


21 Ijexá (filhos de Gandhi) Edil Pacheco
22 African Market Abdullah Ibrahim
23 Festa do interior Abel Silva, Moraes Moreira
24 Balancê Alberto Ribeiro, João de Barro
25 Sassaricando Luiz Antônio, Oldemar Magalhães, Zé Mario
26 Chiquita bacana Alberto Ribeiro, João de Barro
27 Mulata iê iê iê João Roberto Kelly
28 Na cadência do samba (Que bonito é) Luiz Bandeira
29 Tristeza Haroldo Lobo, Niltinho
30 Tem capoeira Batista da Mangueira
31 Festa para um rei negro (pega no ganzé) Zuzuca
32 Marcha do Cordão do Bola Preta Vicente Paiva, Nelson Barbosa
33 Mamãe eu quero Jararaca, Vicente Paiva
34 Maria sapatão João Roberto Kelly
35 Cabeleira do Zezé João Roberto Kelly, Roberto Faissal
36 Me Dá Um Dinheiro Aí Ivan Ferreira, Homero Ferreira, Glauco Ferreira
37 Índio Quer Apito Haroldo Lobo, Milton de Oliveira
Fabrício da Silva, Baianinho, Enio Santos, Miguel
38 Ê baiana
Pancracio
39 Ôba Oswaldo Nunes
40 Cabelo de fogo Maestro Nunes
41 Vassourinhas Mathias da Rocha, Joana Batista
Fonte: Elaboração própria. Observação: Há no Anexo 8 o roteiro utilizado pelo grupo com as músicas
previstas para este cortejo de rua. Pode-se notar que grande parte do que foi planejado foi executado, na
mesma ordem.

3.4.4 ENTENDIMENTO DO ESQUEMA DE TURINO PELO CORDÃO DO


BOITATÁ

Apresentei as categorias de Turino de que trato aqui (performance de


apresentação e performance participativa) a todos os(as) entrevistados(as),
descrevendo em linhas gerais as características de oposição entre elas e mostrando a
tabela comparativa que montei (ver Tabela 1). Em seguida, perguntei se eles
enxergavam relação entre a dicotomia proposta por Turino e as diferenças entre shows
de palco e cortejo de rua, realizados pelo Cordão do Boitatá. Houve dois tipos de
reações. Uns recusaram, em alguma medida, a associação direta entre os dois pares
(palco-apresentação e rua-participação). Estes admitiram dessemelhanças, mas
tenderam a ressaltar mais as proximidades entre os dois tipos de apresentação do grupo.
Outros viram uma correspondência exata das performances de apresentação e
participativa com shows no palco e desfiles na rua, respectivamente.
Os que não fizeram associação direta entre as categorias e os tipos de exibição
do Cordão do Boitatá usaram o exemplo do palco do carnaval para destacar
semelhanças entre as atividades nos palcos e na rua. Eles admitem diferenças entre
95

banda e orquestra de rua, mas enfatizam o lado social das duas formas de execução
musical durante a festa, afirmando que ambas tem a característica de gerar uma
comunhão de pessoas. A semelhança se dá, então, no lado participativo das
performances. Horta, por exemplo, admite haver contrastes entre shows e cortejos – ele
cita a amplificação do som no palco, que acarretaria um alargamento das possibilidades
de canções a serem tocadas –, porém afirma que o ideal coletivo, almejado pelo grupo,
torna ambos semelhantes: “a semelhança entre o cortejo e o palco acho que é (...) o que
a gente imagina e deseja. De colocar todo mundo ali num estado de comunhão e
abertura pra música. Coletivo. Essa comunicação da festa popular” (HORTA). Ainda
segundo ele, o show no palco preserva características que sempre estiveram no grupo,
desde o início: “continua dentro do pensamento que é original. Essa forma de brincar o
carnaval. E acho que quando a gente vai para o palco, isso se mantém. Continua
Cordão. A quantidade de gente que a gente consegue reunir de pontos diferentes”
(HORTA).
Outros, diferentemente, salientaram a relação clara entre a oposição proposta por
Turino e os tipos de manifestação do grupo. Um entrevistado afirma, por exemplo, que
“quando a gente tá no palco é apresentação. Ponto. Não tem participativa aí no caso. A
gente vai para o estúdio. Ensaia. Repertório tal, com cantor. Como qualquer banda
profissional” (COTRIM, R.). Ele reconhece ainda que características da performance de
apresentação estão presentes não só no palco, mas também, em alguma medida, no
cortejo de rua (para depois ressalvar que o espírito coletivista é preponderante e está em
outros detalhes): “você tem uma coisa de apresentação: a gente quer que o cara chegue
no Cordão e veja uma orquestra tocando arranjos de frevo, arranjos de samba, com uma
coisa que a gente ensaia, mas ao mesmo tempo, a gente não tem abadá. Nem camisa do
grupo. A própria fantasia, ajuda a misturar todo mundo” (COTRIM, R.).
A discordância interna ao grupo pode ter a mesma origem de outras, tendo como
pano de fundo as decisões a respeito do projeto de grupo. Como vemos, não há uma só
concepção de grupo, fechada. Há diversas, gerando divergências e tensões que, mesmo
não explicitadas, definem os projetos futuros.
Assim, pode-se ver a negação de associação à dicotomia de Turino como parte
de um discurso de aprovação da formatação do grupo como ele é hoje. Fica implícita,
por exemplo, a defesa da colocação do palco no carnaval. Neste projeto de grupo, uma
diluição das diferenças através da acentuação do hibridismo nas duas formas de
performance, é vista como positiva. Por outro lado, há, na tendência a fazer a associação
96

direta entre as categorias de Turino e os modos de exibição do grupo, uma subtendida


defesa de um projeto com características participativas mais presentes.
Não se pode descartar, no entanto, a possibilidade de o pesquisador não ter
conseguido exprimir com precisão as ideias de Turino e isso ser o motivo pelo qual uma
refutação (ou mesmo a aceitação) da proposição de Turino foi defendida. Tanto a
ausência de interesse ao esquema teórico quanto a falta de tempo para uma apresentação
pormenorizada do texto do Turino podem ter influenciado aqui.
Por fim, nota-se que, em um caso isolado, de um entrevistado com vivência
acadêmica que já era familiar às ideias de Turino, houve certa rejeição da utilização de
suas categorias:

entendo de onde saiu esse modelo do Turino e onde ele quer chegar, mas não sei se ele
ajuda muito nesse caso. Se você for analisar ponto por ponto pelo modelo dele, não há
tantas diferenças como seria de se esperar [entre palco e rua] (por exemplo: em ambos
os casos há contrastes nos arranjos, a duração das músicas é semelhante, há uma ordem
prevista, embora nem sempre ela seja seguida à risca, etc. (PACHECO)

De fato, como foi analisado, existe hoje uma aproximação dos tipos de
performances no palco e no bloco de rua, via hibridização. No entanto, faz-se necessário
notar que essas semelhanças aconteceram apenas em uma forma mais recente do bloco e
têm um contexto específico, aqui analisado. As categorias de Turino são utilizadas para
entender este arco de mudança desde os primeiros anos até os dias de hoje, marcados
pelo projeto de hibridização das performances.
A posição do entrevistado, ressaltando as semelhanças, pode ter relação com o
foco de seu interesse pelo o bloco em sua forma mais participativa, admitido em
seguida, em seu depoimento:

pra mim, a questão fundamental, o que realmente interessa, é a capacidade de um bloco


de carnaval de criar uma realidade específica, que transcende o musical. A realidade
que o Cordão criava nos primeiros anos estava bem próxima do conceito de "Zona
Autônoma Temporária" ("TAZ") do Hakim Bey. É essa energia anárquica, de ocupar a
rua sem pedir licença a ninguém e instaurar uma outra realidade, que é pra mim o mais
valioso, é a essência do bloco de sujos (PACHECO).

O conceito de Zona Autônoma Temporária de Hakim Bey114, no entanto, me


parece apropriado para analisar somente uma parte do percurso do bloco de rua do

114
Hakim Bey, em seu texto “TAZ: Zona autônoma temporária” (BEY, 1990) diz não querer dar uma
definição concisa do termo. Mas durante o texto, há diversas conceituações: “a TAZ é uma espécie de
rebelião que não confronta o Estado diretamente, uma operação de guerrilha que libera uma área” (Idem).
97

Cordão do Boitatá: os primeiros anos. Mesmo que notemos alguns traços de fuga da
ordenação estabelecida pela apresentação do grupo, como veremos no primeiro retrato
do subcapítulo 3.7, não podemos dizer que há, hoje, a mesma atitude anárquica a qual se
refere Bey115.
Por outro lado, o grupo diz se identificar com o conceito de Zona Autônoma
Temporária apresentados por Pacheco, referindo-se a duas das definições de Bey aqui
citadas:

no sentido que acreditamos que o Cordão instaura sim uma nova realidade e cria a
nossa maneira “um microcosmo daquele sonho anarquista”, “uma cultura festiva
distanciada (...) dos pretensos gerentes do nosso lazer”, um sonho de carnaval, de
liberdade e subversão para quem está lá brincando e que retrata este conceito. A energia
anárquica está ali presente, sempre. Consideramos ainda que o Cordão foi um dos,
senão, o principal fomentador desse conceito do Carnaval de Rua no Rio de Janeiro!
Alguns blocos que se auto determinam "anárquicos" possuem facebook, as vezes site,
fazem divulgação em suplementos de carnaval, ensaio etc” (COTRIM, COTRIM,
HORTA, OLIVEIRA)116.

3.5 NOÇÕES DE RESGATE, TRADIÇÃO E MUDANÇA

O tema mudança musical vem sendo motivo de debate na etnomusicologia, por


diferentes ângulos, desde os primórdios da disciplina. Se na musicologia comparativa
ela aparecia associada a uma ideia evolucionista, hoje a preocupação de estudos como o
de John Blacking (BLACKING, 1977) ou Bruno Nettl (NETTL, 2006) está voltada para
a o entendimento de como as mudanças são vistas pelas comunidades estudadas. Assim,
a própria oposição entre mudança e tradição deve ser problematizada, na medida em que
esses termos têm diferentes conotações de acordo com a cultura com a qual se lida.
Como afirma Blacking, “o significado de mudança ou preservação musical depende de
suas características estruturais e funcionais no contexto particular em análise”
(BLACKING, 1977, p. 2).

“O Estado não pode reconhecê-la porque a História não a define. Assim que a TAZ é nomeada
(representada, mediada), ela deve desaparecer” (Idem). “Uma cultura festiva distanciada ou mesmo
escondida dos pretensos gerentes do nosso lazer (...) A TAZ pode "ocupar" clandestinamente essas áreas
e realizar seus propósitos festivos” (Idem). “TAZ é um microcosmo daquele "sonho anarquista"” (Idem).
115
O conceito de Zona Autônoma Temporária me parece útil ainda para analisar diversos blocos que tem
atuação no carnaval de rua do Rio de Janeiro hoje, como o Boi Tolo ou o bloco fundador do Exalta Rei
(que não tem nome fixo e que a cada ano modifica seu repertório temático), que fazem as suas festas sem
o apoio da (e muitas vezes marcando oposição à) prefeitura, outros órgão públicos ou empresas privadas;
sem horário ou percurso definidos.
116
As reticências, indicando subtrações de texto nesta fala, são do próprio grupo. Não houve edição por
parte do pesquisador (ver Anexo 3).
98

Os estudos de Blacking e Nettl citados, no entanto, levam em consideração


análises de sistemas musicais em determinadas sociedades. Bruno Nettl, que estudou
produções musicais na Índia, no Irã e em tribos indígenas norte-americanas diz querer
entender “como sociedades diferentes pensam a mudança musical” (NETTL, 2006, p.
17). Blacking, que estudou a música dos Venda, no nordeste da África do Sul, quando
escreve sobre teoria e método no estudo da mudança musical, o faz em relação a
“sistemas musicais de uma sociedade” (BLACKING, 1977, p. 2). A presente pesquisa
não trata do sistema musical de uma sociedade, mas apenas de um pequeno grupo, que é
agente (passivo e ativo) das mudanças deste conjunto maior que podemos chamar de
uma sociedade complexa117 (ver definição no capítulo 1). O que se pretende neste
subcapítulo, então, é a análise de como o Cordão do Boitatá vê sua produção musical
sob a perspectiva das noções de mudança e preservação, em um determinado contexto
sócio-histórico.
Ressalva-se primeiramente que o grupo não se configura como sendo filiado a
uma tradição musical específica, com a qual poderia ser comparada a sua produção.
Desde a sua formação, o interesse pela tradição popular se configurou multifacetado
(ver subcapítulo 3.2), tendo como referência não apenas a uma tradição, mas a várias, ao
mesmo tempo. Assim, existem referências a gêneros como o samba, o choro, o frevo, ou
outros, cada qual com seus paradigmas musicais advindos de diferentes heranças.
Não obstante, as noções de resgate, tradição e mudança são muito presentes nos
discursos dos integrantes. Tanto para o momento de surgimento do grupo como para o
momento atual em que o grupo se encontra.
Nas falas sobre a primeira fase do grupo, há divergências sobre se o projeto
envolvia alguma ideia de resgate. Como já foi dito aqui, o Cordão do Boitatá, ao
contrário de grupos parafolclóricos, não era preso a representações fiéis do repertório
popular (ver subcapítulo 3.2). Ainda assim, o Oliveira, por exemplo, afirma ter existido
uma “ânsia primordial de viver as tradições brasileiras que estavam meio
desaparecendo” (OLIVEIRA). Pacheco também dá pistas de uma busca por referências
do passado, quando cita o livro “As Marchinhas de Carnaval: Antologia Musical
Popular Brasileira”, de Roberto Lapiccirella, como sendo, naquele momento inicial,

117
Pertencer a uma sociedade complexa, nota-se, não é necessariamente parte do contexto que leva o
grupo a ter uma ação voltada para a mudança. Como afirma Blacking, a “inflexibilidade é mais
visivelmente uma característica de sociedades tecnologicamente avançadas, em que uma divisão
altamente desenvolvida do trabalho permite às elites e aos grupos fechados exercer um poder autoritário e
reforçá-lo com o dogma religioso e ideológico” (BLACKING, 1977, p. 8).
99

“uma mina de ouro, pois trazia letra, melodia, harmonia e a história de cada marchinha.
Foi praticamente a nossa Bíblia durante um bom tempo” (PACHECO)118.
Já Ricardo Cotrim, aponta para certo orgulho pela retomada de certas
características de festas carnavalescas de outros tempos, ao mesmo tempo em que
argumenta que não havia uma referência muito clara, uma proposta definida, consciente
de resgate. Ele conta que a “alegria plena da galera” indo para o cortejo de 1997 gerou
um comentário de uma senhora para sua neta, no ônibus, a caminho do Centro: “esses aí
sabem brincar o carnaval” (COTRIM, R.). O entrevistado observa que “ela deve ter
reconhecido... algum lugar, uma aura carnavalesca”, para depois reconhecer: “a gente
não tinha muita ideia do que ia acontecer na primeira saída do bloco (...) Era o início da
experiência” (COTRIM, R.). Ricardo Cotrim afirma que “existia um imaginário na
nossa cabeça desse carnaval [antigo] (...) uma coisa mais lírica...”, mas que não tinha a
ideia de “fazer igual a tal época (...) Não tinha um ‘vamos fazer isso, pra isso, queremos
isso’” (COTRIM, R.).
Em contraste, há entrevistados(as) que negam ter havido, no início do grupo,
qualquer ideia de resgate. Horta é taxativo, afirmando, em referência ao cortejo de rua,
que “nunca teve um espírito de resgate. (...) A gente ia lembrando e tocando”
(HORTA). Schneider, por sua vez, afirma, em fala já citada no subcapítulo 3.2, que a
relação com o repertório do passado era sempre inventiva e não ligada a uma ideia de
preservação: “não era relação de pesquisador coletando borboletas raras pra botar no
quadro na parede: ‘Ó como essas manifestações estão morrendo’ (...) São experiências
de criação e não de imitação” (SCHNEIDER).
Nota-se assim, que aquela primeira fase era marcada por uma heterogeneidade
(também observada, por outro viés, no subcapítulo 3.3.1) e que o projeto provavelmente
oscilou durante algum tempo entre um ideal de resgate e outro dissociado disto.
Já na formação atual do Cordão do Boitatá, há um consenso quanto ao
distanciamento das noções de preservação ou resgate. Vê-se mesmo uma preocupação,
explícita, em dissociar a produção musical do grupo de um ideal ligado ao passado, já

118
O grupo comenta que não via o livro como um olhar ao passado: “é importante salientar que o Livro
de Marchinhas era para brincar o Carnaval, não tinha nada a ver com uma busca pelo passado. “o livro foi
uma ferramenta para aprendermos corretamente as letras e as melodias que compõe esta parte da tradição
carioca/brasileira de carnaval, assim como os sambas das escolas etc. Era repertório para sairmos pelas
ruas fazendo nossa bagunça e se configuravam (no caso das mais conhecidas) como verdadeiros "pontos
carnavalescos". Até hoje nos ensaios, pessoas levam livrinhos com letras para aprenderem as letras e
ajudarem na hora do cortejo. Brincamos muito carnaval na infância, de diversas maneiras. Na rua, na
Presidente Vargas, vendo orquestras tocando em clubes etc. Tínhamos referências também” (COTRIM,
COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
100

que, segundo os(as) entrevistados(as), existe uma visão deturpada do que seria o grupo,
disseminada principalmente pela imprensa.
Horta, por exemplo, fala da publicação de matérias de jornal equivocadas e
reafirma a distância que os separa dos projetos parafolclóricos: “escreveram muita
bobeira sobre o Cordão. Muita ignorância (...) Quando [alguém] começa a tocar outras
coisas, que não um samba, você vira, entre aspas, folclórico” (HORTA). Ele afirma
ainda que uma visão sobre o passado existe e é importante, mas ela não tem relação com
um ideal de preservação. Uma frase de Martinho da Vila é citada então por ele: “o
passado não é mais importante que o presente e não é mais importante que o futuro.
Mas às vezes as pessoas que fazem o futuro se esquecem de coisas que são
fundamentais” (HORTA). Horta coaduna-se a esta ideia de Martinho da Vila: “isso a
gente aprendeu muito. Coisas que são essenciais. Não tem nada a ver com manutenção
de um lugar parado, estático”. Segundo o mesmo entrevistado, “festa popular pensando
no passado é um erro. Nada a ver. Carnaval de 2014 é o que acontece agora” (HORTA).
Já Cristiane Cotrim afirma (em consonância com o que Schneider dissera sobre o início
do grupo) que o Cordão do Boitatá reinventa as referências: “resgate é complicado.
Porque é mais uma releitura, a gente não está preocupado em fazer aquilo do jeito que
foi feito na época, a gente está preocupado em fazer diferente, fazer ao nosso modo”
(COTRIM, C.). O grupo, por sua vez, associa “tradição” a “movimento”, indicando que
há sempre modificações e recontextualizações com o passar do tempo:

para o Cordão, "tradição", significa movimento. Todos os estilos que tocamos


acompanharam a passagem do tempo e foram se modificando. Tocamos o Frevo num
arranjo mais "antigo", ou na forma "nova" com um arranjo do Spock. Podemos tocar
um Choro composto pela Chiquinha Gonzaga (Corta Jaca), mais a forma de tocar, o
tipo de improvisação etc., será a forma de execução de 2014. O uso de instrumentos
elétricos ou eletrônicos não significa que haja modernidade. Este conceito nos parece
muito anacrônico. Todos estes estilos são filhos do couro, da madeira, do ferro tendo
sido executados de diversas formas ao longo da história. Nosso interesse, entre outras
coisas, é conseguir que estes encontros musicais, cada vez mais, ampliem a visão
musical das pessoas. (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).

Neste contexto, aparecem colocações que ilustram a distância do papel de


resgate. Há falas ligadas à presença de misturas entre gêneros musicais e ao emprego de
canções feitas em anos recentes. Pode-se notar, por contraste, que um caminho
associado ao tradicional estaria ligado a esses fatores: reproduções de músicas sem
101

hibridização, fiéis aos seus contextos originais; e repertório formado somente por
músicas de décadas passadas119.
Sobre a combinação de gêneros musicais, Oliveira cita a influência “jazzística,
com mais espaço pra improvisação” (OLIVEIRA), afirmando que

[o grupo] tenta estar inserido em uma tradição e ao mesmo tempo fazer uma releitura
dentro de certa sonoridade, acústica. [o grupo faz uma música] inspirada no cancioneiro
brasileiro em geral, na música tradicional brasileira, mas com influências diversas.
Contemporâneas, modernas (OLIVEIRA).

O contexto de uma crescente ênfase na melhora técnica, considerado no


subcapítulo anterior, tem aqui mais uma consequência importante, sônica: dar ao grupo
a oportunidade de utilização da prática jazzística e a sua característica improvisação.
Assim, além de domínio técnico das referências regionais brasileiras, ressaltado pela
fala já citada de um entrevistado – “quem toca samba, toca samba. Quem toca frevo,
toca frevo. Quem toca forró, toca forró. Essa possibilidade de você realmente aprender
os estilos. (...) Como é que a gente não sabe? Se a gente é brasileiro, a gente tem que
saber” (HORTA) –, há esta referência não associada às tradições nacionais, apontando
uma para uma mistura de gêneros.
Nota-se que o jazz é apenas uma dentre as influências acolhidas pelo Cordão do
Boitatá. As misturas, percebe-se, podem ser feitas mesmo entre os gêneros das tradições
nacionais. Cristiane Cotrim, por exemplo, fala em “outros gêneros e outros ritmos” que
teriam influenciado um CD gravado pelo grupo, com versões para canções do
compositor Mário Lago:

tem uma sonoridade diferente. Não é uma marchinha da década de 50, é uma outra
coisa. Os arranjos são mais modernos, você percebe. Tem uma linguagem diferente.
Então, a gente busca uma produção que dialogue com outros gêneros, ritmos. A gente

119
Nota-se que uma análise do som produzido pelo grupo, almejada pelo pesquisador, não foi
concretizada, também por notar que não haveria tempo hábil. Oliveira comenta que o grupo entende que
está análise seria relevante e comenta também sobre o caráter inovador da prática do carnaval de rua no
Rio de Janeiro: “caberia analisar melhor e ressaltar o lado inovador e original da prática musical do
Boitatá, sua abordagem rítmica, harmônica e timbrística particular e diferenciada, as características do
repertorio selecionado, e outras... Por outro aspecto também (...), no que diz respeito a uma prática
musical ligada a retomada do carnaval de rua no Rio, acreditamos que pode-se dizer que somos
responsáveis por uma reinvenção dessa prática. No que se refere ao carnaval de rua do Rio
especificamente, acreditamos que o Cordão do Boitatá possa sim ser considerado um divisor de águas que
originou novos caminhos, um novo movimento, que foi responsável pela retomada desse carnaval etc.
Caberia analisar mais profundamente ao que se refere essa prática e essa reinvenção exatamente.
Resumidamente diríamos que trata-se de ocupar as ruas anarquicamente com muita música, arte, cultura e
fantasias”. (OLIVEIRA).
102

está preocupado em fazer diferente. A gente não está preocupado em ser uma banda
igual ao que já foi feito, a gente não está preso no passado, não mesmo (COTRIM, C.).

Há ainda outra argumentação para a negação do espírito de resgate, que aponta a


utilização de canções compostas em anos recentes. Para além do fato de serem
recontextualizadas, como vimos acima, refuta-se a visão de que o grupo só faria
músicas compostas em períodos distantes no tempo. Assim, contestando um comentário
que afirmava que o grupo não fazia músicas do século XXI, Cristiane Cotrim argumenta
que há no repertório do grupo canções atuais, compostas recentemente: “tem música
nossa, (...) tem música do Yamandu [Costa] que foi feita para a gente, (...) tem música
do concurso de marchinhas lá da Fundição. Tem uma porrada de autores, compositores:
tem o Marquinhos de Oswaldo Cruz com as músicas dele... Então [tem] muita coisa
atual sim” (COTRIM, C.).
Mesmo que boa parte do repertório esteja conectada a um período específico do
século XX, o número de produções compostas já no século XXI é significante. A
quantidade de músicas compostas há mais tempo parece servir menos a uma proposta de
exaltação de um tempo, que a um ideal de festa, onde músicas já consagradas e
conhecidas do grande público são necessárias para estabelecer um clima de alegria
coletiva e consequente comunhão.

3.6 IDEIA IMAGINADA DE BRASIL

Percebe-se no discurso do Cordão do Boitatá a recorrente utilização do termo


“multicultural”. Falando sobre uma expansão dos tipos de músicas apresentadas pelo
grupo no carnaval, Horta ressalta o caráter múltiplo das escolhas musicais do grupo,
primeiro em referência ao nacional e depois, ao “universal”:

a gente foi esticando a corda do carnaval. Não é um show de marchinha e samba, como
esperavam. É legal, mas tudo faz parte de uma família que é muito maior, um todo que
é a música brasileira, mas que também já vaza pra outros lugares, porque, na verdade,
esse todo musical, ele é universal. Por mais brasileiro e carioca que a gente seja
(HORTA).

Já no texto de divulgação para a imprensa do carnaval de 2014, que traz no título


a expressão “Baile Multicultural”, lê-se que a pluralidade cultural refere-se à
“diversidade e (...) multiplicidade da música brasileira”. São feitas inúmeras referências
a musicistas, compositores e gêneros musicais brasileiros (ver Anexo 6). Neste mesmo
103

texto de divulgação há também alusões a compositores estrangeiros, como o nigeriano


Fela Kuti, o sul-africano Abdullah Ibrahim e o jamaicano Bob Marley. Sobre este, lê-se:
“um inusitado arranjo de Bob Marley para o samba-reggae”. Não fica claro se o
“inusitado” é somente o arranjo, a presença daquele autor em meio às referencias
nacionais ou mesmo ambas as possibilidades. Mas o fato é que se tem aqui a tentativa
de expandir a ideia de “multicultural”120.
Nota-se que a base formada por canções nacionais tem características
específicas. O discurso de defesa da pluralidade (ou de uma pluralidade, específica,
como veremos), tem, subjacente, uma ideia de Brasil (ou de cultura brasileira)121.
Quando perguntei a Cristiane Cotrim se eles também se enxergam como representação
de um Brasil musical, ela confirmou, sem deixar de ressaltar o caráter de intervenção,
de releitura:

para mim é! Uma vez o Yamandu [Costa, violonista] deu uma entrevista superbonita
falando sobre o palco da Praça XV: “isso é o Brasil que eu imagino, o Brasil que eu
enxergo, uma diversidade que está reunida aqui, musicalmente”. A gente enxerga
também dessa forma, porque tá tocando marchinha, mas tá tocando Hermeto Pascoal,
Lazir do Jongo, Rubinho Jacobina, Walmirzinho do Agbara Dudu, Edu Neves, tá
tocando Bach em ritmo de frevo, tocando os frevos tradicionais de Recife. (...) É uma
coisa trazida para o nosso universo. (...) É uma releitura. É uma forma de colocar aquela
música para esse ambiente” (COTRIM, C.).

Para definirmos melhor qual é esse Brasil “imaginado”122 que o Cordão do


Boitatá representa, temos que analisar quais são as escolhas feitas pelo grupo em seu
repertório, atentando para os discursos que podem ter influenciado essas opções.

120
Para além da unidade em torno de um repertório nacional há o emprego (ainda que marginal) de
músicas de autores estrangeiros. A escolha de uma canção de Bob Marley, por exemplo, é justificada pela
integração dela ao show do carnaval, sendo ressignificada: “dentro daquele contexto, da forma como é
encaixado ali, ele é totalmente carioca, carnavalesco, universal” (HORTA). O grupo afirma ainda que
“músicas estrangeiras entram por diversos motivos: musicais, políticos (Its Raining Man foi um protesto
contra Marcos Feliciano e sua postura homofóbica, Bob Marley é um compositor identificado com os
movimentos de independência na África etc.). Elas não entram no repertório para nos desvincular da
tradição. "Puristas do carnaval" podem torcer o nariz por diversos motivos: porque tocamos um samba-
reggae, um Jongo, música instrumental, Moacir Santos, Dominguinhos, pela participação do guitarrista
nigeriano Kologbo etc. Já ouvimos de tudo. No fim fica a percepção de uma festa, de um dia carnaval
totalmente carioca, brasileiro, multicultural, democrático, pacífico e sem preconceitos” (COTRIM,
COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
121
Esta ideia é não somente interna ao grupo, mas também compartilhada com agentes externos diversos.
Assim, podemos entender que convites feitos ao Cordão do Boitatá pela embaixada do Brasil para que
eles representassem o país no exterior (Equador, em 2011 e Timor Leste, em 2009) são consequência
desta visão partilhada.
122
O termo utilizado por Yamandu Costa, coincidentemente ou não, é o mesmo utilizado pelo cientista
político Benedict Anderson, que, como já foi exposto na introdução, afirma que termos como
nacionalidade ou nacionalismo são “artefatos culturais de um tipo particular”, realidades construídas pela
imaginação humana (ANDERSON, 1991, p. 4).
104

Tratarei, assim, o repertório do Cordão do Boitatá como uma representação de uma


determinada ideia imaginada de nação (ou comunidades imagináveis, nos termos de
Anderson), fruto de um processo histórico localizado. Nota-se que a palavra
“imaginada” é concebida por Anderson em oposição ao termo “invenção”, utilizado por
Ernest Gellner (GELLNER, 1993). Segundo Anderson, o significado de “invenção”
estaria ligado à fabricação e falsidade, pressupondo-se desta maneira, haver, por
implicação, uma construção de nacionalismo falsa e outra verdadeira. Não há: “todas as
comunidades maiores do que aldeias primitivas de contato face-a-face (e talvez mesmo
estas) são imaginadas. Comunidades devem ser distinguidas não por sua
falsidade/autenticidade, mas pela maneira como são imaginadas”. (ANDERSON, 1991,
p. 6). De maneira adjacente à definição de Anderson, trata-se nação aqui também, como
nos dizeres de Stuart Hall: “não apenas uma entidade política, mas algo que produz
sentidos – um sistema de representação cultural” (HALL, 2006, p. 49).
A vasta gama de tipos sociais dentre os compositores das canções executadas
pelo Cordão do Boitatá aponta para uma característica relevante: a noção plural de povo
brasileiro. Há negros, brancos, de classes sociais abastadas ou não e apenas uma
unidade forte, de gênero, sendo a grande maioria do sexo masculino. Não por acaso, as
músicas são, em sua grande maioria, compostas em meados do século XX: isso é um
fator decisivo para a possibilidade de um cenário onde tipos sociais que estão na base da
pirâmide econômica – com baixa renda – são vistos como parte do povo brasileiro e
aptos a participarem da construção da cultura do país. Certamente teríamos outro quadro
se o repertório do grupo se baseasse em composições do século XIX, XVIII, ou mesmo
no início do século XX, já que a definição “povo” ou “brasileiro” não é dada, mas
flexível e também socialmente criada123.
Quanto aos gêneros das canções executadas no show no palco do carnaval,
também se vê pluralidade. Em textos de apresentação do grupo, como o de sua página
na internet, alguns são destacados: “o Cordão apresenta sempre um repertório variado,
retratando a diversidade cultural da música brasileira: sambas, maxixes, choros,
marchas carnavalescas e baiões” (CORDÃO DO BOITATÁ, 2013). No show foram
123
Robert Rowland, em seu artigo “Patriotismo, Povo e Ódio aos Portugueses: notas sobre a construção
da identidade nacional no Brasil independente” mostra, por exemplo, como diferentes significados foram
atribuídos a “povo” e “estrangeiros” ao longo do século XIX no Brasil e o modo como estes se
encaixavam (ou não) na construção da identidade nacional. Segundo o autor, sempre o que esteve em
jogo foi “a definição implícita e pela negativa, de uma identidade ‘brasileira’, contrastada com uma
igualmente fictícia identidade ‘portuguesa’” (ROWLAND, 2003, p. 373). Destaca-se inclusive o fato de
que, durante a maior parte daquele século, o “povo brasileiro”, além de se diferenciar do “estrangeiro”,
também não incluía a população de escravos e libertos.
105

notados alguns outros gêneros, tidos como nacionais (frevo, e o afoxé, por exemplo, têm
algum destaque) e ainda outros, internacionais, mas os citados representam a grande
maioria do que é apresentado124. No website, ressalta-se ainda a exaltação da
“diversidade cultural da música brasileira” (Idem) – que também havíamos visto no
texto de divulgação para a imprensa já citado (Anexo 6) – associada àquela
multiplicidade de gêneros125.
A pluralidade proclamada não pode, no entanto, ser confundida com totalidade.
Existe no repertório uma seleção que deixa de fora uma série de tipos de músicas
produzidas no Brasil. Ou seja, existe uma escolha (que faz parte de uma ideia imaginada
de nação) de determinados tipos musicais como representativos da “música brasileira”.
Quando perguntado sobre um ideal nacionalista, presente às vezes em textos
antigos de projetos de venda de shows do grupo, Ricardo Cotrim diz nunca ter existido
no grupo uma referência-guia, mas confirma uma influência:

tem [um ideal nacionalista nos textos antigos do grupo]... Mas essa coisa nacionalista é
tão rançosa, né? Você conecta com uma coisa tão histórica. Na verdade, a gente era
mais ingênuo (...) Mário [de Andrade] era referência mais pelo material que ele
oferecia, mais que pela ideologia. A gente não comprava totalmente a ideia. Alguma
parte sim” (COTRIM, R.).

A expressão “grande caldeirão musical e antropofágico”, presente no texto de


divulgação já aqui citado (Anexo 6), também aponta um aproveitamento de um conceito
modernista (ou pelo menos “alguma parte” dele).
Podemos notar a influência modernista, de fato, nas escolhas dos gêneros,
citados acima. O movimento da década de 1920 – crucial para que consubstanciasse
uma ideia de nação que considerava as tradições musicais populares como símbolos
representativos (ver subcapítulo 3.2) – foi responsável por atribuir importância à grande
parte dos gêneros aludidos.
Por outro lado, vê-se que há ainda no repertório do grupo diversas canções que
poderiam estar encaixadas em outros movimentos, notadamente os dos anos 60. Estas

124
Destaca-se a preponderância do samba frete a todos os outros. Há aqui a particularidade de uma
apresentação feita durante a festa carnavalesca. O repertório não é exatamente o mesmo em shows
realizados fora deste contexto.
125
Nota-se que o grupo refuta a ideia de idealização de país ou povo brasileiro via escolha de repertório:
“a escolha de sambas, marchas etc... tem relação com a própria cultura de carnaval da cidade e do país,
não busca a idealização de um país ou do povo brasileiro a partir disso” (COTRIM, COTRIM, HORTA,
OLIVEIRA).
106

assinalam outras possibilidades do entendimento de nacional, mas se apropriam das


mesmas fontes dos modernistas.
Pode-se dizer neste contexto, que a visão de “música brasileira” do Cordão do
Boitatá não está atrelada a uma proposição de um movimento novo126. Há sim a
assimilação e a reafirmação daqueles movimentos que se voltaram para a música
popular, desde o modernismo da década de 1920. Deste modo, o grupo está atrelado a
uma tradição que dá força ao que Stuart Hall chama de narrativa da nação – “contada e
recontada nas histórias, nas literaturas nacionais, na mídia e na cultura popular” (HALL,
2006, p. 52).
A associação aos movimentos musicais do passado, ressalva-se, não é ideológica
– no sentido de que não se insere em um sistema articulado e manifesto de valores ou
crenças – e nem tem o objetivo de preservar uma ideia de passado. Ela é livre, sem
amarras conceituais, e serve mais a uma visão de afirmação do presente. Como afirmou
Horta sobre o carnaval feito pelo grupo: “Carnaval de 2014 é o que acontece agora”. O
que apontou Travassos sobre os anos de 1990 ainda parece ressoar:

A fixação modernista na inovação antecipadora do futuro não tem os mesmos


prestígios. Assim como já não é imperativa a invenção, os vínculos com a tradição
também não pesam mais sobre os ombros. Talvez o futuro tenha perdido ‘o apelo de um
horizonte aberto que podemos modelar e escolher em cada presente’, num momento
em que aspectos da modernidade, da tradição e do presente imediato coexistam como
variações possíveis (TRAVASSOS, 2002, p. 112) 127.

Destaca-se, por fim, que há entendimentos diversos, dentro do grupo, sobre a


delimitação do que pode ser considerado música brasileira, com fronteiras mais fixas
para uns e mais frouxas para outros. Oliveira, por exemplo, quando perguntado sobre o
tema, mostra apego a uma tradição ao mesmo tempo em que exprime vontade de
expandi-la:

Difícil. Música brasileira é música feita aqui. Pode ser qualquer coisa. Não tem forma
de delimitar esteticamente o que pode ser, o que é e o que não é. Mas tem algumas
referências históricas, tradicionais de algumas formas de fazer música características
daqui, que só foram feitas aqui. O purismo é difícil. A Abayomy [Afrobeat Orquestra,
grupo que se define, como o nome já diz, de Afrobeat, um gênero híbrido surgido na
África] eu defendo que é música brasileira (OLIVEIRA).

126
Por outro lado, o grupo vê a concepção de suas apresentações carnavalescas como inovadoras: “tanto o
cortejo quanto o palco trazem a marca da inovação em sua concepção” (COTRIM, COTRIM, HORTA,
OLIVEIRA).
127
A expressão grifada é uma citação feita por Travassos do livro de Hans Ulrich Gumbrecht,
Modernização dos sentidos. São Paulo, Editora 34, 1998, p. 22.
107

Assim, esse desejo latente de desprendimento dos ideais de tradição pode


apontar para um caminho futuro. Nem as ideias do Cordão do Boitatá, nem as noções de
nação (ou as ideias imaginadas de nação) podem ser entendidas como estáticas.
O que diz o historiador Eric Hobsbawm sobre a identificação nacional pode
servir também para o microcosmo do Cordão do Boitatá. Segundo Hobsbawm, ideias de
nação estão sujeitas a defesas, questionamentos e dialogam com papéis sociais diversos:

a identificação nacional é sempre combinada com identificações de outro tipo, mesmo


quando possa ser sentida como superior às outras (...) e tudo o que se acredita nela
implicado pode mudar e deslocar-se no tempo, mesmo em períodos muito curtos.
(HOBSBAWM, 1990, p. 20).

3.7 RETRATOS DE CAMPO

Descreverei e analisarei aqui alguns episódios que presenciei durante a pesquisa


de campo que, espero, ajudarão a dar uma ideia mais abrangente dos modos de exibição
do grupo, enriquecendo a etnografia através de novas percepções e conclusões sobre o
Cordão do Boitatá ou mesmo confirmações do que já foi anteriormente dito.
A escolha da palavra retrato – que além de significar representação e descrição,
também tem um sentido atrelado à fotografia – é inspirada nas dissertações de Helena
Abramo e Hermano Vianna, (ABRAMO, 1994; VIANNA, 1987) e feita para explicitar
o fato de que há na descrição um enquadramento, uma escolha de uma cena, bem como
um enfoque em determinadas questões. Fica assim revelada a interferência do autor.

3.7.1 RETRATO 1 – CORTEJO DE 2014

São oito horas e alguns minutos da manhã de domingo, 23 de fevereiro de 2014,


e eu chego à Rua do Mercado, onde está a concentração do desfile do Cordão do
Boitatá. É o segundo ano de realização do cortejo na nova data, no fim de semana
anterior ao início do carnaval. Além do estandarte com o nome do grupo, há vários
outros, segurados apenas por mulheres, reverenciando mestres da cultura popular
brasileira, lato sensu: Vinicius de Moraes, Eduardo Coutinho, Capiba, Dorival Caymmi,
Xangô da Mangueira, Hermeto Pascoal, Dominguinhos, Luiz Gonzaga e Bob Marley.
Dentro da corda que separa os musicistas e os estandartes do resto dos foliões,
há ainda uma ala de baianas (é a primeira vez que o bloco sai com esta ala) e grandes
108

bonecos de manipulação: um de uma cobra de fogo (simbolizando o Boitatá, mito do


folclore brasileiro, de origem tupi-guarani) de comprimento de vários metros, manejado
por diversas pessoas; e outro de Pixinguinha, com mais de dois metros de altura,
manipulado por dois homens. Quase todos os presentes, dentro ou fora da corda, se
vestem com fantasias. Os que têm pele com tonalidades claras são maioria absoluta.
Nota-se o contraste com a cor de pele dos ambulantes, quase todos negros, que
acompanham o bloco, ao seu redor.
O bloco, parado, toca “O trenzinho caipira”. A música me emociona, fico
arrepiado. Lembro-me da surpresa de ouvir a canção pela primeira vez, dois anos antes,
no mesmo local e horário. Não é uma canção que se espera ouvir em um bloco de
carnaval. Alguns cantam a letra criada por Ferreira Gullar para a melodia de Heitor
Villa-Lobos, não muitos.
Cerca de 40 minutos depois, o bloco está seguindo ao longo do Largo do Paço.
Do alto da escadaria da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ),
vê-se o bloco descendo em direção à Rua da Assembleia, com o enorme boneco em
forma de cobra de fogo na frente. Um olhar desatento não percebe mais a corda que
separa os músicos (e outros componentes) dos foliões. A divisão não é tão visível por
conta do número de pessoas, que já é bem maior que em seu início e segue aumentando
com o decorrer do desfile. O conjunto todo de foliões e músicos parece mais compacto.
O número de pessoas me parece menor que o dos carnavais de 2011 e 2012
(ainda realizados no domingo de carnaval), em que participei como folião. Mas a alegria
do público segue igual, intensa. Talvez maior, pois não se sofre com o aperto causado
pelo excesso de gente.
À frente do grupo, distante mais ou menos uns 50 metros, com bastante espaço
em volta, um grupo de cerca de 10 pessoas toca animadamente instrumentos de
percussão e canta junto diversas músicas, indiferentes ao que é executado atrás, pelo
Cordão do Boitatá.

Há nas personalidades escolhidas para estarem nos estandartes uma lógica


semelhante à de seleção do repertório. Assim, expressam, como já vimos, um cenário
multicultural do Brasil (e não “O” cenário multicultural do Brasil), circunscritos aos
movimentos musicais que, desde a década de 1920, têm interesses especiais na cultura
109

popular brasileira128. O fato de estarem sendo carregados apenas por mulheres fazem
lembrar as figuras das porta-bandeiras (ou porta-estandartes) das escolas de samba do
Rio de Janeiro. Essa percepção ganha força com a decisão do grupo de realizar o desfile
deste ano também com uma ala de baianas129. Não quero concluir que há aqui uma
aproximação ao movimento de espetacularização dos desfiles da Marquês de Sapucaí.
As similitudes estão mais para uma homenagem àquele universo que uma vontade de
traçar a mesma trajetória. O propósito do Cordão do Boitatá ainda é realizar uma
performance participativa.
Outro episódio revelado acima, a execução de “O trenzinho caipira”, pode ser
vista como um índice da hibridização de duas das categorias de Turino (2008)
discutidas neste trabalho, (ver subcapítulo 3.4). Mesmo que o cortejo tenha uma
característica fundamental participativa, o início de sua execução musical é distinto.
Notamos ali algumas características da performance de apresentação que não
permanecem no resto do desfile: divisão mais marcada entre músicos e foliões, forma
longa, timbres claros.
Cristiane Cotrim admite a diferença entre o início do bloco e o que vem depois,
explicando que o momento de concentração, quando ainda está parado, é propício a
outros tipos de repertórios. Nas primeiras músicas, segundo ela, o evento não demanda
participação. Já quando está em movimento, é fundamental: “porque a música ajuda o
bloco a andar. Se você para a música, o bloco para de andar. Então, na concentração a
gente coloca uma autoral, os ijexás, os choros, um maxixe, Villa Lobos” (COTRIM,
C.).
No retrato temos também exposta a imagem da corda que separa os músicos e
sua diluição à medida que cresce o número de foliões. Essa indistinção serve como
mostra daquilo que foi comentado no subcapítulo 3.4.3: a corda funciona menos como
uma maneira de separar público e conjunto musical – característica da performance de
apresentação – e mais como uma forma de garantir segurança física aos músicos. Ou
seja, a corda tem função distinta da do palco.

128
Há duas figuras homenageadas que são exceções a este perfil: uma pessoa que não é do universo da
música, o cineasta Eduardo Coutinho (cuja presença se justifica principalmente por uma homenagem
póstuma de morte recente, já que falecera no início de fevereiro do mesmo ano), e um músico que não é
brasileiro (aí, mais uma semelhança com o repertório, representando, como vimos no subcapitulo 3.5, o
desejo de abertura a outros horizontes).
129
O grupo explica ainda que a “Ala das Baianas é formada por integrantes de terreiros de candomblé do
rio de janeiro. Isto tem um motivo político, histórico, lúdico, cultural e religioso” (COTRIM, COTRIM,
HORTA, OLIVEIRA).
110

Na última parte do retrato narrado acima, a presença de pessoas executando


canções que nada tem a ver com o que faz o bloco atrás delas, mostra como as pessoas
que são atraídas pelo desfile não estão necessariamente ali para ver a apresentação
musical. De fato, células avulsas se desligam do evento principal, começando sua
própria expressão musical. Pode-se afirmar que, em meio ao evento planejado e
organizado pelo Cordão, há espaço para uma desordem, para pequenas rebeliões. Essa
característica pode ser interpretada como um dos poucos traços que tem associação
direta com conceito anárquico de Zona Autônoma Temporária, apontado por um dos
entrevistados (ver subcapítulo 3.4.4)130. Nota-se ainda que a execução sem
amplificação, que limita o alcance do som entre as pessoas, é parte fundamental desse
contexto.
Há ainda outra forma de relativa indiferença ao evento musical do Cordão do
Boitatá que é a interação entre as pessoas. Nota-se que muitos estão ali para interações,
de amizade ou libidinosas. A etnografia de Marcelo Rubião de Andrade (2012) detectou
esse mesmo desinteresse pela execução musical no cortejo de um dos grupos
pesquisados, o Céu na Terra:

a grande maioria das pessoas estava fantasiada, e pude notar um maior interesse das
pessoas em interagir umas com as outras do que nos outros eventos de maior público
[os shows realizados pelo Céu na Terra em palcos]. (...) Neste desfile do Céu na Terra
pude presenciar um grande número de pessoas abordando desconhecidos, ou para fazer
alguma brincadeira, ou para aproximações amorosas (ANDRADE, 2012, p. 72).

Esses comportamentos, nota-se, são intermitentes. Os mesmos que cantavam


com o bloco, em outro momento podem estar cantando à parte. Aqueles que estavam
interessados em apenas trocar beijos em um determinado momento, logo adiante podem
estar cantando junto à maioria as melodias entoadas pelo Cordão do Boitatá. Vemos,
assim – em mais uma semelhança com as características da performance participativa
listadas por Turino –, que o evento social é tão ou mais importante que o artístico-
musical.

130
O grupo comenta: “como já dissemos, nos identificamos com o Conceito de TAZ. Ver colocação do
Cordão sobre isto. Não achamos que este conceito se aplique apenas as observações do pesquisador. Tudo
na nossa festa de Carnaval, tanto no cortejo como no palco, emana da festa promovida pelo Cordão do
Boitatá. A ação musical/carnavalesca do grupo propicia o surgimento de todo tipo de brincadeiras e
situações que acontecem ao seu redor. Entendemos que é a orquestra e sua música que inspira os
encontros de várias naturezas. Não há propriamente uma indiferença, estão todos ali inseridos naquele
caldeirão” (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
111

Não obstante, o que acontece à margem não pode servir de argumento


minimizador do papel central e aglutinador do Cordão do Boitatá. Os próprios
integrantes reconhecem isto: “a orquestra pode nem ser ouvida, se bobear. Mas ela cria
um centro, um foco de onde saem os elos entre as pessoas” (OLIVEIRA).

3.7.2 FOTOGRAFIA 2 – PALCO NA LAPA

São sete horas da noite do dia 12 de fevereiro de 2013, terça-feira de carnaval.


Chego à entrada dos bastidores do palco montado e administrado pela Prefeitura do Rio
de Janeiro em frente aos arcos da Lapa. Depois de tentar sem sucesso uma credencial
para ter acesso aos bastidores, sigo para a plateia. Praticamente não há fantasias no
público que enche a Praça Cardeal Câmara para assistir aos shows gratuitos ali
realizados durante os quatro dias de folia. Por volta das 21 horas ainda acontece o show
do Sargento Pimenta, que antecede o do Cordão do Boitatá. Mais uma hora depois do
horário divulgado pela prefeitura, começa a apresentação.
O Cordão é anunciado pelo Perfeito Fortuna. Ele associa o grupo a uma
“tradição” e diz ainda que são “conectados com a modernidade”. No palco, os músicos
representando o Cordão do Boitatá usam, quase todos, as mesmas fantasias de dois dias
atrás. O repertório também é o mesmo. As 17 primeiras músicas são as mesmas, na
mesma ordem, com exceção de apenas três. Na 18ª canção entra a participação especial
do show: João Donato. Um integrante o saúda: “salve a música brasileira! Salve João
Donato!”. Horta, depois, fala da “oportunidade de não trazer o óbvio” para o palco do
carnaval. No fim da participação, vários músicos fazem sinal de reverência a Donato.
As músicas que seguem também foram tocadas no domingo de carnaval, mas a ordem
agora varia bastante em relação àquele show. O show termina com 28 músicas
executadas (menos da metade das 80 executadas no domingo).

Podemos ver no retrato desta apresentação na Lapa características que


reafirmam o caráter de apresentação da performance de palco, segundo a classificação
de Turino. A similaridade de grande parte do repertório e mesmo de sua ordem, por
exemplo, indicam que a organização destes suplanta os possíveis improvisos decisórios
no palco.
112

Por outro lado, o show realizado dias antes na Praça XV, em contraste com o
que aconteceu neste show da Lapa, parece ressaltar algumas características do
hibridismo entre a performance de apresentação e a performance participativa daquele
primeiro. Havia certamente uma comunhão muito maior entre público e plateia naquele
e isto ficou evidente não só quando se compara a utilização de fantasias, mas também
quando se contrapõe a participação cantante e dançante dos foliões em um e outro. Por
fim, nota-se que a duração do show da Praça XV é incomum e deixa muito mais espaço
para possíveis improvisos na seleção e ordenação das canções executadas.
O discurso do apresentador Perfeito Fortuna, famoso promotor de eventos
carioca, associando o Cordão do Boitatá ao mesmo tempo ao tradicional e ao moderno,
é afinado com o que foi analisado aqui sobre a relação do grupo com as ideias de
resgate, tradição e mudança. Fortuna consegue fugir da rotulagem do grupo,
reconhecendo o atributo duplo do projeto.
A reverência ao músico João Donato e a exaltação à música brasileira podem
soar como algo que contradiz o discurso de abertura à influência externa àquelas
tradições brasileiras, mas não é. Como analisado anteriormente, a presença de um
discurso que molda uma ideia (imaginada) de música brasileira convive com uma
abertura, que parece cada vez maior, ao repertório estrangeiro. Se neste dia eles
reverenciavam João Donato, antes, no show realizado na praça XV, um dos convidados
que subia ao palco era o guitarrista Oghene Kologbo, de origem nigeriana131.

3.7.3 FOTOGRAFIA 3 – FIM DE FESTA NA RUA

O desfile de 2013 chega à Praça Tiradentes. Não há tanta gente quanto nos anos
anteriores. Este é o primeiro cortejo realizado no fim de semana anterior ao início do
carnaval. O show no palco só acontecerá dali a uma semana. São 11 horas e alguns
minutos de domingo, 3 de fevereiro de 2013. O bloco para, a corda é retirada é não há
mais separação com os foliões. Depois de 40 músicas executadas durante o cortejo, o
bloco toca “Vassourinhas”, que, nos ensaios, simbolizava o fim dos trabalhos: era
sempre a última a ser executada. O Bloco, no entanto, não para de tocar. Os integrantes
oficiais vão saindo aos poucos, durante a execução das músicas que sucederam

131
O grupo comenta que “a comparação do show no palco da Lapa com o show da Praça XV carece de
maior entendimento. Além da duração, há também um número incomum de artistas na Praça XV e um
contexto completamente diferente” (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).
113

“Vassourinhas”, e a música não cessa. Depois de mais de 20 músicas, puxadas


nitidamente no improviso, o número de pessoas diminui, mas um núcleo musical segue
tocando.
Converso com alguns integrantes, já fora de onde a música continuava sendo
produzida. Alguns comemoram o sucesso do desfile. Outros já se preocupam em
planejar e organizar detalhes (horários de ensaios e de passagem de som, por exemplo)
para os shows que serão feitos em palcos, durante o carnaval (na Praça XV e na Lapa).
Volto para o bloco. Já não há nenhum dos integrantes oficiais do Cordão do
Boitatá. São 12 horas e 20 minutos. Muito cansado, desisto de acompanhar o bloco, que
segue tocando.

Mesmo que tenhamos percebido um grau de hibridismo entre as performances


participativa e de apresentação no cortejo de rua do Cordão do Boitatá, podemos notar
como a natureza participativa pulsa mais forte nesta cena. A sobrevivência da
experiência musical sem a organização ou mesmo a participação dos integrantes do
grupo fazem ver que a interação social (a festa) é mais importante que a fruição da
apresentação de um artista específico.
A cena mostra ainda que o grau de hibridismo pode variar não só ao longo dos
anos (como notamos acontecer na história do Cordão), mas também no tempo de uma
única manifestação. Ao fim do evento, o bloco se tornava quase que uma manifestação
participativa pura, deixando de lado qualquer traço de organização de formas nas
músicas, de ordem de repertório, de finalizações e inícios, ou de feitura de arranjos com
contrastes arquitetados.
Não se deve entender, no entanto, que a saída do grupo denote desinteresse pelo
que acontecia ali. Alguns já estão envolvidos com as demandas de trabalho dos shows a
serem realizados à frente e, assim, abdicam de continuar festejando. Cristiane Cotrim
conta que, depois do show na Praça XV (realizado uma semana após o evento retratado
acima), foi feito um bloco no improviso: “você sabe que a gente fez um bloco depois
né?! Porque a gente fica tão pilhado com tudo que quando acaba (...) eu quero levar um
som, beber todas (...) A gente foi até a Cinelândia, tocando parando, bebendo no final
não tinha condição de fazer mais nada” (COTRIM, C.). O relato revela como a ideia de
carnaval de rua é cara a eles, servindo como escape das funções e das responsabilidades
dos grandes eventos organizados e mostrando que, em certas circunstâncias, o grupo
114

pode prosseguir com os festejos – ainda que desvinculado de qualquer identificação


com o grupo, sem ser um “trabalho”, ou mesmo por consequência destas abnegações.
115

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Durante o tempo em que realizei esta pesquisa, ouvi diversas queixas a respeito
de “rótulos” impingidos ao grupo. As classificações, imprecisas – às vezes em tom
imperativo –, seriam produzidas principalmente pela imprensa, mas não somente. Tendo
estas colocações em vista, procurei, no curso do trabalho, ser sensível aos diferentes
ângulos do grupo, respeitando a complexidade narrada e manifestada, obliterando as
acepções restritas e taxativas (os “rótulos” aos quais eles se referem). Para tanto, utilizei
categorias de análise que permitissem abranger aspectos plurais (me afastando de uma
busca essencialista) e adotei uma metodologia que diluísse assimetrias de poder,
evitando uma representação do “outro” de forma autolegitimadora e monolítica.
Assim, estabeleci um tratamento minimamente historiográfico, analisando o
projeto inicial do Cordão do Boitatá e seu contexto sócio-histórico específico, que
também fez surgir outros grupos semelhantes pelo Brasil. As comparações entre esses e
os movimentos dos anos de 1960 e de 1920, trazidas por Travassos (2002), ajudam a
pensar o Cordão do Boitatá e a entender caminhos que foram seguidos em momentos
posteriores pelo grupo.
Já nas comparações com os casos relatados na etnografia de Salgado (2005),
vemos que a construção da ideia de músico (como profissão), mesmo com suas
especificidades (e divergências internas aos entrevistados), está localizada em um
contexto social maior, contemporâneo, onde há casos semelhantes. Dentre os traços
característicos do caminho de profissionalização do grupo destacam-se a implementação
do projeto de apuro técnico e as posturas críticas com relação às disputas externas ao
ambiente de estruturação sonora. Neste contexto, nota-se que o Cordão do Boitatá
concebe a geração de lucro, em alguma medida, e também se coloca como um projeto
“fora da lógica mercantilista”, onde o dinheiro é um meio e não um objetivo.
As categorias antagônicas de Turino (2008), performance participativa e de
apresentação, parecem ter servido bem à análise do projeto artístico-profissional do
Cordão do Boitatá. A análise mostra que a correspondência não pode ser feita de forma
direta: nem uma festa na rua significa necessariamente uma performance participativa
pura, fora da cadeia de relações de trocas econômicas; nem um show em um palco
denota obrigatoriamente uma performance de apresentação, centrada na figura de um
artista vinculado à indústria cultural. Afinal, as categorias são tipos ideias. Desta forma,
116

foi necessária uma averiguação minuciosa de cada caso para investigar sua orientação
fundamental.
Nota-se ainda que as classificações não devem ser consideradas estanques, mas
mutáveis no tempo. Assim, o Cordão do Boitatá (ou outro grupo que tenha origem
marcada por um contexto participativo) pode se apropriar de uma performance de
apresentação que já existe, trazendo características participativas à ação; como pode
também transformar um evento originalmente participativo, social, em algo que tenha
foco no projeto artístico profissional.
No Cordão do Boitatá, como se apresenta hoje, vemos um alargamento da
influência da performance de apresentação no cortejo de carnaval. Ainda assim, o
hibridismo não faz com que o bloco de rua esteja totalmente inserido em uma lógica de
trocas econômicas capitalista (pelo menos não em sua execução no carnaval e no pré-
carnaval do Rio de Janeiro, observadas por esta pesquisa), já que não obtém
rendimentos financeiros. Os shows no palco, por sua vez, têm, em algumas de suas
apresentações fora do carnaval, características claras da performance de apresentação.
Desta forma, inserem-se perfeitamente na relação de trocas do sistema econômico
vigente. Já aqueles shows de palco realizados durante a festa de carnaval, sofrem uma
influência participativa do contexto, mas são, em grande medida, uma reprodução
daquilo que é apresentado como o produto do projeto musical-profissional.
Por fim, a recente comercialização de desfiles de rua fora do contexto original
carnavalesco-carioca – mencionada pelos entrevistados, mas não presenciada nem
analisada por esta etnografia – aponta para transformações que podem mesmo trocar a
orientação fundamental deste modo de apresentação.
As noções de resgate, tradição e mudança mostram mais um aspecto da
preocupação do grupo com a rotulagem. O grupo, em uníssono, não se concebe
desempenhando um papel conservador, ligado ao passado. Assim, estabelece-se uma
distância de um ideal ligado à tradição via combinações de gêneros musicais e também
na utilização de canções feitas em anos recentes. Nota-se que nem a recusa do papel de
resgate está dissociada de uma ligação com o passado, nem a ideia de passado se
sobrepõe à ação no presente. O que se coloca, por um lado, é apenas uma abertura a
possibilidades diferentes daquelas que seriam tradicionais. Por outro, há a afirmação de
que as relações com o passado só ocorrem por serem significantes no presente.
Já a ideia subjacente de uma escolha de música brasileira, por sua vez, atua na
construção de um discurso de nação, música e sociedade que assimila e reafirma o que
117

alguns movimentos musicais – que utilizaram a música popular como base de criação,
desde o modernismo da década de 1920 – já fizeram, sem a proposição de uma ação
intelectual articulada e manifesta de valores.
118

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ANEXO 1 - TEXTOS DOS INTEGRANTES SOBRE SUAS PARTICIPAÇÕES


NO CORDÃO DO BOITATÁ E CARREIRAS PROFISSIONAIS

CALLADO, João –

Estive no Boitatá desde o começo (setembro de 1996) até um ano depois, mais ou
menos. Não lembro a data exata em que saí. Continuei bastante próximo do grupo e dos
integrantes. A minha principal ocupação profissional é a de músico.

É músico profissional (cavaquinhista, compositor, arranjador, professor, diretor e


produtor musical) desde 1997. Estudou música com Dino 7 Cordas, Jayme Vignolli, Bia
Paes Leme, Henrique Cazes, Caio Senna, Mauro Diniz, Márcio Almeida, entre outros.
Integra o Grupo Semente desde sua formação, que juntamente com a cantora Teresa
Cristina, já gravou diversos CDs e DVDs, e já fez vários shows no Brasil e em outros
países, como Japão, França, Alemanha, Holanda, Itália, Portugal, México, Rússia, e etc.
É diretor musical da cantora Teresa Cristina. Participou de diversas gravações, shows,
musicais e aulas, como instrumentista, arranjador, compositor, diretor e produtor
musical. Já trabalhou com Paulo Moura, Paulinho da Viola, Caetano Veloso, Turíbio
Santos, Marisa Monte, Roberta Sá, Soraya Ravenle, Zélia Duncan e Adriana
Calcanhotto, entre outros. Ficou em 2º lugar no III Festival Guarulhos Instrumental em
2009, com a composição “Choro pra Dois”. Fez a direção musical e arranjos das peças
teatrais “Pedro Mico” e “Uma Rede pra Iemanjá” de Antonio Callado, “Opereta
Carioca” de Gustavo Gasparani, “Oui Oui, a França é Aqui” (indicada ao Prêmio Shell
de melhor música) e “As Mimosas da Praça Tiradentes” de Gasparani e Eduardo Rieche
(as três últimas em parceria com Nando Duarte). Em 2013, fez direção musical, arranjos
e composições para a peça “Todas as Coisas Essa Viagem”, de Pedro Brício, com
Soraya Ravenle e Guilherme Piva no elenco. Em 2014 fez a trilha original da peça
teatral Cock – Briga de Galo, de Mike Barttlet, e a direção musical (com Alfredo Del-
Penho) da peça Desalinho, de Marcia Zanelatto. Lançou em 2009 seu 1º cd solo (João
Callado - Biscoito Fino), e em 2012 o 2º (Nova Dança – Independente). Em 2012
também lançou o CD Primeira Nota, em parceria com Fernando Temporão. Além de
seus CDs solo, fez a produção musical do CD Samba no Teatro, de Inez Viana, que foi
lançado em 2012 pela gravadora Fina Flor, do CD Música Para Curar, de Letícia Tuí
(com Nando Duarte), lançado de maneira independente em 2014, e do CD Múltiplo, de
Marcos Moletta (com o artista), lançado pela Rob Digital, no mesmo ano.

COTRIM, Cristiane –

Cavaquinista. Nasceu no Rio de Janeiro em 15/05/1971. Integrante fundadora do grupo


Cordão do Boitatá que desde 1996 desenvolve, trabalhos musicais ligados às festas
populares brasileira. Formou-se em jornalismo pela PUC-Rio em 1995. Como
cavaquinista também acompanhou importantes artistas como Xangô da Mangueira, Jair
do Cavaquinho, Darci do Jongo, Nelson Sargento e outros. Em 1999 participou como
pesquisadora/fotógrafa no projeto do cd ‘Mangueira, Sambas de Terreiro e outros
Sambas’ (Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro). Em 2004, idealizou e coordenou
o projeto de livro/cd ‘Xangô da Mangueira, recordações de um velho batuqueiro’,
patrocinado pelo Programa Petrobrás Cultural, além de ter participado como
cavaquinista nas gravações. Em 2002 fundou a roda de samba ‘Flor do Chorume’
126

apresentando-se semanalmente na Rua do Mercado, Pça XV, de 2002 à 2005.


Acompanhou a cantora Mariana Baltar, entre 2002 a 2006. Em 2007 acompanhou a
cantora no lançamento do CD “Uma Dama Também Quer Se Divertir”. Em dezembro
de 2006 coordenou o projeto de temporada do ‘Pastoril da Matriz, Natal Brasileiro` no
Centro Cultural do Banco do Brasil (RJ). Em 2008 participou como corista na gravação
do cd “Délcio Carvalho, Inédito e Eterno” , com direção musical de Paulão 7 Cordas.
Atualmente está escrevendo sua monografia “Aprendizado do Cavaquinho” para
conclusão do Curso de Licenciatura em Música na UNIRIO.

RICARDO, Cotrim –

Músico e professor nascido no Rio de Janeiro em 1972. É formado em licenciatura em


música pela UNIRIO, onde atualmente desenvolve seu projeto de mestrado na área de
educação. Desde 1996 desenvolve trabalhos junto ao Grupo Cultural Cordão do Boitatá,
do qual é um dos fundadores. De 1998 até 2004 foi integrante do grupo de samba
Semente. De 2004 a 2006 foi presidente da Cooperativa de Artistas Autônomos –
CASA. Tem atuado como músico instrumentista, diretor musical de espetáculos teatrais
e em projetos ligados a área de educação. Desenvolve desde 2008 pesquisa de
linguagem em música eletrônica com o duo Bolimbolacho que lançou em 2011 seu
primeiro CD, Circo de Cavalinhos (Bolacha Discos). É professor de música das escolas
CAp-UFRJ e Ogá Mitá.

HORTA, Kiko –

Expoente da nova geração instrumental brasileira, o acordeonista, pianista, compositor e


arranjador carioca Kiko Horta vem gravando e se apresentando ao lado de grandes
nomes, como Wagner Tiso, Guinga, Yamandu Costa, Martinho da Vila, Turíbio Santos,
Dona Ivone Lara, Zeca Pagodinho, Paulo Moura, Joel Nascimento, Paulo Sérgio Santos,
Mauricio Carrilho. Atuou como solista e instrumentista em diversos concertos dentro e
fora do Brasil.

Como diretor musical, realizou os discos “Sabe lá o que é isso” (2006), do Cordão do
Boitatá, "Luciane Menezes e Pau da Braúna" (2006) e “Folias do Lago” (2012), em
homenagem ao centenário de Mário Lago.

Como arranjador, participou dos projetos "Xangô da Mangueira, Recordações de um


Velho Batuqueiro" e do projeto "Mario Lago, O Homem do Século", ambos dirigidos
por Paulão 7 Cordas e patrocinados pela Petrobrás. Participou também dos projetos da
Orquestra de Sopros da Pró-Arte "Ituaçu", em homenagem aos 70 anos de Gilberto Gil
e "Guinga".

No Teatro, compôs trilhas sonoras originais para peças teatrais, entre elas “O Reino do
Mar Sem Fim” (Teatro do Jóckey, RJ), de Adriana Schneider, "O Patinho Feio" (Teatro
Sérgio Porto, RJ), direção Marcos Vinícius Faustini e “Almas Berrantes” (Fundição
Progresso, RJ), do Teatro de Anônimo. Assinou também a direção musical dos
espetáculos "Pastoril da Matriz" (CCBB Brasília e Rio de Janeiro) e "Tomara Que Não
Chova" (Fundição Progresso, RJ), do Teatro de Anônimo.
127

Kiko Horta é membro fundador do grupo Cordão do Boitatá tendo feito, nos últimos 5
anos, a produção e direção musical do show de carnaval realizado na Praça XV, que
reúne grandes nomes da música brasileira. Integrou o grupo Pau da Braúna e a
Companhia Folclórica da UFRJ. Atualmente, se apresenta em duo com o guitarrista e
violonista Gabriel Improta, o Kiko Horta Quarteto e com o grupo Forró do Mercado.

OLIVEIRA, Thiago –

Assistiu as primeiras apresentações do que viria a ser o Cordão do Boitatá, em meados


de 96. Daí em diante passou a acompanhar todas apresentações do grupo, encontros e
ensaios. Em meados de 97 realiza com o Boitatá uma viagem ao Amazonas, na volta da
qual se torna integrante oficial do grupo à convite de Edmundo Pereira. Desde então
participa do grupo como instrumentista de sopro, e contribuindo como arranjador,
compositor, produtor musical, na elaboração de projetos culturais do grupo e na
administração da empresa.

Nasceu na França, onde aos 7 anos de idade começou seus estudos de música e aos 12
iniciou-se ao saxofone orientado pelo professor Frédéric Deguilhem. Mora no Rio de
Janeiro desde os 18 anos de idade, onde foi aluno de saxofone dos professores Paulo
Moura, Carlos Malta e Paulo Sergio Santos, e de flauta de Dirceu Leite (flauta popular)
e Laura Rónai (flauta barroca). Formado em Educação Artística-Licenciatura Plena em
Música pela Universidade UNIRIO/ RJ, em 2001. Tem exercido suas atividades
profissionais desde 1994, enquanto músico, saxofonista, flautista, compositor,
arranjador, produtor, diretor, professor, e junto aos grupos Itiberê Orquestra Familia,
Garrafieira, Cordão do Boitatá, Inventos, Fanfarrada, Abayomy Afrobeat Orquestra,
Goeast Orkestar, , Poranduba: roda de histórias indígenas , além da banda do artista
Jards Macalé, Let’s Play That.

Já tocou também com os consagrados músicos nigerianos Oghene Kologbo, guitarrista


de Fela Kuti e Tony Allen, baterista tido como o criador do afrobeat junto com Fela.
Tem se apresentado na banda de Nando Reis, os Infernais.

PAMPLONA, Pedro –

Músico fundador do Cordão do Boitatá onde atuou até 2012. Formado em Bacharelado
de Saxofone pela Escola Nacional de Música/UFRJ. Formado em Desenho Industrial
pela Escola de Belas Artes/ UFRJ. Pós graduado em Licenciatura habilitação em
Música pela AVM/ Cândido Mendes. Flautista e saxofonista da Companhia Folclórica
do Rio de Janeiro/UFRJ entre 1993 e 1997. Saxofonista durante 4 anos na UFRJazz. Em
2004 gravou com o conjunto o disco Sabe Lá o Que é Isso. Integra o Grupo de Música
Armorial Gesta, pequena formação de câmara de instrumentos típicos brasileiros
(rabeca, pife, marimbau, violão e viola), voltada para o repertório Armorial, corrente
artística que tem como patrono e idealizador Ariano Suassuna. Integra o Songoro
Cosongo, grupo de músicos naturais da Venezuela, Argentina, Chile, Colômbia e Brasil,
que já está em seu segundo disco. O Songoro Cosongo já realizou duas turnês pela
América Latina e gravou os discos: Misturado com Cachaça Fica Muito Bom e
Psicotropical Musik vol. II. Diretor musical, arranjador e compositor no projeto
Fanfarrada. Integra desde sua formação em 2001 a Orquestra do Rancho Carnavalesco
128

Flor do Sereno, tendo gravado em seu disco. Atuou como músico e co-direção de alguns
espetáculos circenses do Teatro de Anônimo. Atua como instrumentista nas casas
noturnas cariocas. Na área de educação, cursa Licenciatura em Música na UFRJ , nos
anos de 2010 e 2011 ministrou oficinas de música na Fundação São Domingos Sávio,
pelo foi monitor do Programa Repertórios nas escolas SESI . Em 2012 concebeu e deu
aulas nas oficinas de Música do Carnaval do Cordão do Boitatá no Calouste Kulbenkian
e de Ritmos Afro Latinos pelo Circo da Silva no Centro de Referência de Música
Carioca, ambas oficinas patrocinadas pela Secretaria de Cultura do Município do Rio de
Janeiro, tendo alcançado com êxito os objetivos dos cursos. Atualmente leciona música
na Escola Sá Pereira para turmas de 3º, 4º e 5º anos.

Como me lembro do início do Cordão do Boitatá.


Estava no fim do meu curso de Desenho Industrial quando João Calado, colega da
EBA/UFRJ e parceiro de peladas e de som me convidou para conhecer uma roda de
amigos da PUC que estava tocando, pesquisando repertório e tirando músicas em torno
dos discos Marcos Pereira (Folclore do Norte, Nordeste...). Tinha 23 anos, trabalhava
como ilustrador/chargista no jornal do Sindicato dos Funcionários da UFRJ e era
bolsista na Companhia Folclórica do Rio / UFRJ (ligada a Faculdade de Educação
Física), começava a minha carreira de músico profissional tocando em peças de teatro,
noite e carnaval. Na primeira noite que me reuni com as pessoas que viriam a fundar o
Cordão do Boitatá atravessei a cidade da Glória ao Leblon (antigo 571), no ponto que
saltei do ônibus segui uma moça bonita que foi exatamente para o mesmo prédio que eu
e entrou no mesmo apartamento. Era Mel Ferraz, que viria a ser a cantora do grupo e
gravaria o nosso primeiro disco. No minúsculo apartamento de Gustavo Pacheco, numa
grande roda enfumaçada fomos nos conhecendo musicalmente e daí pra frente muito
tesão e curiosidade nos levaram a aventuras atrás de pérolas do cancioneiro brasileiro.
Na nossa primeira apresentação éramos quase vinte “hippies” e na filipeta o nome da
banda era “Os Gustavos e seus camarões cabeludos” ou algo parecido. A
instrumentação era muito inusitada: acordeom, vários pandeiros, dois cavacos, três
violões e quem mais aparecesse na hora. Daí até nos profissionalizarmos passamos por
muita coisa: Mestre Darcy do Jongo da Serrinha, Auto de Boi, Circo Teatro,
Cooperativa, muito carnaval, festa junina, pastoril, Lapa...

PACHECO, Gustavo –

Como te contei antes, o grupo foi fundado em reuniões na minha casa, no segundo
semestre de 1996. Eu saí em meados de 2000, ou talvez 2001, agora não tenho certeza.
Depois disso, mantive a amizade com todo mundo. Com alguns eu já era amigo antes do
Boitatá e tinha, e tenho, relações que iam além da música: Ricardo é meu amigo de
infância e padrinho da minha filha, por exemplo.

Depois que saí do grupo, volta e meia eu dava "canjas" nos shows do Cordão e cheguei
a substituir o Pedrinho algumas vezes em que ele não podia participar. Cantei uma
música como convidado no Palco da Praça XV, nos primeiros anos (não me lembro
exatamente quando foi). Em 2004, participei da gravação do CD cantando em uma
faixa.
129

Saí pela primeira vez no bloco em 1999 (no terceiro ano, portanto) e, desde então, com
apenas duas exceções, tenho saído todos os anos, mesmo morando fora do Rio há quase
nove anos e fora do Brasil há quase cinco anos.

Desde 2006 sou diplomata. Atualmente trabalho na Embaixada do Brasil no México.

SCHNEIDER, Adriana –

- Tempo em que esteve oficialmente no grupo - Estive presente desde os primeiros


encontros no ano de 1996, até o momento em que o Boi Cascudo se tornou um
brinquedo independente do Cordão, não lembro o ano. Mas este momento marca a
oficialização de seus integrantes, todos músicos. Muitos encontros do Cordão, nessa
fase inicial (1996 / 1997) aconteciam na minha casa, onde morava com Cristiane
Cotrim e Julia Moraes, e posteriormente também com Gabriela Gusmão. Importante
lembrar que o espetáculo Cordões em Festa (1998 ou 1999, não lembro... ) marca o
momento deste grande coletivo, que reunia um número grande de pessoas e que
fazíamos uso de teatro de bonecos, contação de histórias, etc, parte destinada aos atores
deste coletivo. Quando o Boi Cascudo (tinham pessoas do Grupo Gesta, Da Cia
Abayomi, do Teatro de Anônimo, do Grupo Pedras) se tornou autônomo permaneceram
vários integrantes do Cordão: Cristiane Cotrim, Ricardo Cotrim, Pedro Miranda (até o
ano 2000), Melissa Ferraz. E hoje, todos eles (menos Pedro Miranda), mas também
Kiko Horta, Thiagô Queiroz e Pedro Pamplona participam de várias brincadeiras do Boi
Cascudo, que não é um grupo, nem nunca foi, mas sim um brinquedo (tal como o
Pastoril da Matriz, ou a festa de Santo Antônio, na casa de Dona Valquíria, avó do
Kiko) que seguimos fazendo em várias festas e ocasiões. Todos os anos o Boi Cascudo
brinca na festa de Santo Antônio na casa da Dona Valquíria, por exemplo.

- Relação que manteve com os integrante e com o grupo após isso - Somos muito
amigos, nos vemos sempre e estamos sempre discutindo / pensando sobre nossos rumos
profissionais. Me considero uma interlocutora de vários de seus integrantes, apesar de
não interferir nem participar de decisões internas ao grupo. Participo de todos os
carnavais do Cordão, desde sua primeira saída em 1997 (com cerca de 15 pessoas pelas
ruas vazias do centro da cidade, minha filha Flora tinha 5 meses) tocando caixa na
bateria que sai no cortejo. Durante alguns anos (de 2000 a 2011) fomos
parceiros/proprietários da casa na Rua do Mercado 45, cuja sociedade era do Cordão, do
Teatro de Anônimo e do Grupo Pedras (do qual faço parte). Também na Cooperativa de
Artistas Autônomos (CASA), até o seu fim. O grupo Pedras participa do Pastoril da
Matriz, em seu formato de apresentação de espetáculo, colaborei na criação
dramatúrgica do trabalho para este formato. Todos os anos compareço à festa do
Pastoril da Matriz, na casa da Vó do Kiko. Cristiane Cotrim fotografou vários de meus
trabalhos no teatro e foi parceira em alguns outros. Kiko Horta fez a direção musical e
compôs as músicas do espetáculo que dirigi, resultado de meus anos de pesquisa com o
mamulengo e o cavalo-marinho da Zona da Mata pernambucana: "O Reino do mar sem
fim" (2010), do Pedras. Pedro Pamplona fez a programação visual, com desenhos
originais dele, deste mesmo espetáculo. Ricardo Cotrim fez a direção musical do
espetáculo "Inaptos? a que se destinam" (2011), que comemorou os 25 anos do Teatro
de Anônimo e que tem minha direção e dramaturgia, também fez a direção musical do
processo de pesquisa para o espetáculo Embalar (2014), do Pedras. Kiko Horta e
Cristiane Cotrim são meus irmãos de santo no Ilê Axé Egi Omin. Cristiane Cotrim é
130

madrinha de minha filha Flora, que fez 18 anos ontem e foi minha contemporânea
quando estudante de comunicação - jornalismo na PUC-RJ.

- Principal ocupação (profissional) hoje: Sou atriz, diretora e dramaturga, integrante do


Grupo Pedras (desde 2001), mas que também atua em diversos projetos de teatro na
cidade (atualmente no projeto de Residência do Grupo Teatro da Lage na Arena Carioca
Dicró e como atriz no espetáculo Crônicas de Nuestra América, de Augusto Boal, com
dramaturgia de Theotônio Paiva, direção de Gustavo Guenzburger, em cartaz até o dia
28 de setembro no Oi Futuro Flamengo). Sou professora adjunta do Curso de Direção
Teatral e do Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena, da Escola de Comunicação,
da UFRJ. E integrante do Movimento Reage, Artista!, com atuação na discussão e
implementação de políticas culturais municipais, estaduais e nacionais.

E sobre o que sinto / penso sobre o carnaval do Cordão do Boitatá... Bem... então aqui
vai meu depoimento sobre o Cordão: para mim é uma festa fundamental para a cidade.
O carnaval é uma festa liminar, um momento em que o tempo é suspendido e que uma
outra (des)ordem se faz possível. Pela sua potência como rito, o carnaval é uma festa de
inversão, de retomada do espaço público de forma horizontal/coletiva, onde cada um de
nós somos protagonistas de si mesmos. A força das ruas, dos encontros dos sujeitos de
todas as partes da cidade, onde credos, gêneros, classes sociais se invisibilizam por um
instante, potencializando a dimensão do que é demasiado humano, para além do bem e
do mal. E essa é uma potência política, cujo aprendizado desses anos demonstrou que
não há eficácia possível sem um embate real com o poder instituído. E esse embate não
pode ser ingênuo. Para ser eficaz, essa luta é uma negociação direta, dialógica e
complexa: a luta contra as apropriações indevidas dos poderes instituídos (o
institucional, o midiático, o imagético, o mercantil, etc...), por DENTRO. A (auto)
organização para a realização do carnaval do Cordão é um dos atos de PIRATARIA
mais explícitos nos embates com esses poderes. Isso é pirataria! Querer enxergar pureza
nesses embates é cair no óbvio udenismo de classe média que acha que a política e os
políticos são feios e que o melhor é manter-se imaculado pela sujeira se recusando a
enfrentar. A disputa é por dentro, robin hood. E por isso, a festa do Cordão é, além de
sua importância fundamental na democratização dos acessos culturais na cidade e no
uso responsável de verba publica, uma festa da transformação, um exercício de (auto)
transformação de corpos e mentes para, depois de encerrado o carnaval, nos dar forças
para retomar o cotidiano árduo com mais consciência de si e do mundo que nos cerca. O
Cordão não pede autorização só para a Prefeitura, o Cordão reverencia a ancestralidade
sem a arrogância de achar que estamos aqui por acaso, ou inventando a roda. Estamos
aqui pq sempre houve o Cordão da Bola Preta, o Cacique de Ramos, os quilombos da
Gamboa, os foliões anônimos, os clóvis, os blocos de sujos, os negros escravizados que
sobreviveram aos cafezais, à cana, aos porões, que insistiram... O Cordão não é
protagonista de nada. Somos mais uns ocupando as ruas, que é de todos nós. Somos
muitos cordões, muitos anônimos, muitos trabalhadores/foliões. Uma multidão. O
carnaval é a festa da cura.
131

ANEXO 2 – Apontamentos do Cordão do Boitatá 1

Apontamentos feitos pelo Cordão do Boitatá em reunião realizada no dia 16 de


setembro sobre dissertação de Fabiano Lacombe – de 3.1 a 3.3.1 :

1- O assunto principal da dissertação é o carnaval feito pelo Cordão e não a história do


grupo como um todo. O carnaval é apenas uma das atividades realizada pelo grupo.
Não aparece, por exemplo, questões relacionadas aos projetos de festejos juninos ou
do pastoril, que apresentam outras realidades de trabalho, nem a participação na
Cooperativa de Artistas Autônomos (CASA), etc.

2- Especificar o número de entrevistas feitas e sua data. Identificar claramente seus


autores e tempo permanência no grupo. Deixar claro esta ordem cronológica de
mudanças de formação (não de conceito via profissionalismo ou mercado) neste
período embrionário.

3- Identificar as falas que justificam parágrafos longos. "Os integrantes disseram" etc.

Quais integrantes? Em que contexto? Edição picotada de frases compromete muito.

Sobre o item 3.3.1 e apontamentos:

Não havia um núcleo musical e outro de teatro, havia sim um grupo heterogêneo
(bem no início) com um interesse comum que era centrado sobretudo na música. A
música foi desde o inicio e em última instância o fator maior de coesão interna e de
junção do grupo. ( Adriana trazia o teatro através do brinquedo que era o Boi). O Auto
era feito em contextos relacionados as festas juninas, era um brinquedo antes ou
depois do show que fazíamos.

O processo de aprofundamento do fazer musical desse coletivo (que logo começa a


fazer apresentações), atrelado a mudanças significativas na vida pessoal de alguns
integrantes que estavam naquele momento muito embrionário, alterou a formação
grupo. (Gustavo, Edmundo, Adriana). É uma questão muito mais individual, essas
pessoas passam a não ter tempo de acompanhar a dinâmica de ensaios etc. Outras, no
caso da Adriana, preferiram organizar o Boi Cascudo de uma outra forma. Não é um
confronto entre músicos "amadores X profissionais". Este conceito de amador é até
discutível.

O Edmundo, por exemplo sai do Cordão e posteriormente entra num trabalho musical
Armorial (Gesta), bastante sério. Segue sua carreira acadêmica dentro da antropologia
e participa do nosso CD autoral (2004, bem depois de sua saída) com a letra de Forró
Novo (Kiko Horta/Edmundo Pereira) e tocando viola de 10 cordas.

Mesmo depois de configurada esta nova formação, este conceito de profissionalismo


vai se modificando, seguindo a própria atuação de diversos músicos do Cordão em
outros trabalhos bem diferentes . Ricardo e Pedrinho (Teresa Cristina), Thiago (Itiberê
132

Orquestra Família e Garrafieira), Kiko (Martinho da Vila e Pau da Braúna), Cris (Mariana
Baltar).

Pg.3

Havia de alguma forma também, desde os primórdios do grupo, um desejo latente de


se conectar com a ancestralidade da cultura musical e do ciclo de festas brasileiras,
como o Carnaval, o São João e o Pastoril por exemplo.

Pg. 5

segundo parágrafo:

No início do Cordão havia um questionamento em relação a determinados


PROCEDIMENTOS da indústria cultural com os mestres populares.

Para nós era difícil compreender como um músico como Darcy do Jongo, por exemplo,
representante de uma vertente tão rica e importante da cultura (Jongo) vivia num
estado de penúria. Sua casa era feita com lascas de zinco que ele recolheu, seus cachês
irrisórios...

O dilema não era como vamos ganhar dinheiro com aquilo e sim porque no Brasil,
determinados agentes de nossa cultura não são valorizados.

-Um entrevistado define (quem é??)

O problema não era o axé ou o rock nacional, de novo a discussão era o porque de
determinadas coisas não terem espaço. Não mencionar aqui os estilos musicais citados
no 3º paragrafo desta página: pagode, axé, etc. Umas das características do Cordão
sempre foi de não ter preconceitos de estilos e gêneros musicais. Podemos nos ater a
falar da “música de mercado” em grande parte estrangeira inclusive.

Logo abaixo tirar a expressão “se sentia sem referencia” que nos pareceu
desnecessária, podendo induzir a uma má interpretação. Tínhamos referências sim!

Em seguida ao invés de “redescoberta do Brasil musical” preferimos “imersão na


realidade sociocultural e musical do Brasil” ou “uma imersão na realidade cultural e
social do Brasil.”

Logo em seguida, preferimos não fazer menção a qualquer tipo de relação nossa com o
“forró universitário”, não está correto aplicar a expressão “recusou associar-se ao
forró universitário”, pois nós nunca tivemos qualquer tipo de ligação com este
movimento.

Abaixo, a parte específica da citação da Schneider que diz: “como vamos ganhar
dinheiro de uma coisa que os próprios mestres não ganham” nos parece também
133

deslocada aqui, nossa preocupação na verdade era sobretudo pelo fato de vermos
grandes mestres sem recursos algum, deixados completamente a margem do sistema.

Pg.6

Logo no inicio, trocar “alguns gêneros musicais” por “certos procedimentos usados
pela indústria cultural” . Tínhamos um enfoque crítico aos procedimentos adotados
pela indústria cultural jamais aos gêneros musicais em si!!

Segundo parágrafo: ao invés de “redescoberta do Brasil musical” e “sede de fazer


música brasileira” colocar “Nos depoimentos (...) o que aparece como preponderante
na junção e coesão interna é a já citada vontade de imersão, troca, vivencia,
entendimento de experiências de natureza diversificadas dessas manifestações
socioculturais do brasil.

não desconsiderar a nossa sede de "viver", cerveja, namoradas, etc. rsrs

Pg. 7

Viagens investigatórias ???

O segundo parágrafo está bom, fizemos ajustes:

"O discurso do grupo fala em realizar trocas: o objetivo era interagir, fazendo
apresentações na mesma medida em que as assistia.

Incomoda a expressão “excursão”... por isso sugerimos:

“Muito embora algumas canções que eram ouvidas e TOCADAS NESTES CONTEXTO,
acabassem fazendo parte do repertório então apresentado pelo grupo, não era esse o
FOCO. As VIAGENS ERAM MENOS UMA ESTRATÉGIA DE SELEÇÃO DE REPERTORIO QUE
UMA BUSCA POR TER EXPERIÊNCIAS ATRAVÉS DO CONTATO MUSICAL- EXTRA
MUSICAL” (OK)

Sobre o último parágrafo entendemos que o Cordão junta as 2 vertentes da década de


60 e 90.

Pg. 8

Começa com "O DISCURSO DO CORDÃO...." Qual discurso, se está picotando todas as
falas? Este discurso só aparece quando é do interesse do pesquisador para justificar
um conceito que ele chega. Identificar as falas desse discurso.

Nós não procurávamos "dividir" o palco com eles, no caso do Jongo, aquele
espetáculo era a comemoração dos 60 anos do Mestre Darcy.
134

No último parágrafo antes do item 3.3 ele fala que o Grupo foi moldado por uma
escolha de caminho profissional. O que nos molda são as vontades musicais e artísticas
unicamente.

Pg. 9

primeiro parágrafo:

Os conceitos apresentados no primeiro parágrafo nos pareceram truncados, confusos


e errôneos. Não existe uma “mudança que se dá a partir do momento que um núcleo
musical começa a se interessar por viver de música”!!! Pensamos que poderíamos
trocar esse trecho por algo como:

“O grupo Cordão do Boitatá sempre foi o próprio núcleo musical, outras atividades
que porventura coexistiam no inicio eram de certa forma periféricas e sobretudo
diretamente ligadas a práxis musical que desenvolvíamos. Por outro lado o grupo tinha
desde o seu surgimento como intenção, e condição inerente ao seu desenvolvimento,
criar um espaço dentro do mercado da cultura. As mudanças que ocorreram foram
sobretudo no âmbito da vida pessoal de alguns integrantes que queriam permanecer
neste grupo, outros escolheram aprofundar suas atividades em outros campos e
saíram.”

A mudança se dá na vida de cada um (de diferentes formas) e não no grupo em si. A


mudança não se dá quando o núcleo musical decide, esse entendimento está errado.
O grupo era um só, não havia núcleo que não fosse o núcleo musical.

O pesquisador precisa se inteirar com propriedade do momento de vida de cada um e


história naquele momento para fazer uma boa análise.

Esses conceitos que apresentamos aqui nos parece de suma importância. Entendemos
que esta retificação conceitual, vá influenciar bastante “pré-conceitos” que permeiam
o restante da dissertação, que precisam ser revistos e colocados sob essa ótica!!

último parágrafo:

Identificar a proposta de cada um claramente sem edição.

O Kiko estava começando mas já tinha, mesmo sem saber como, a certeza de que seu
caminho era na música.

Segundo parágrafo: o Cordão passa a ser estritamente musical....

O elo, o fio condutor de tudo sempre foi tocar.

No último parágrafo o pesquisador coloca frases picotadas que não representam a


realidade de um grupo composto por pessoas com histórias distintas. A partir de falas
picotadas, generaliza.
135

Pg. 11

O pesquisador estabelece que havia uma visão coletiva de grupo sem pretensões, não
profissional. Ainda estávamos entendo como era trabalhar com música mas tínhamos
sim o desejo de fazer apresentações, no nosso formato.

Problemático todo o final do ultimo paragrafo:

Algumas pessoas que eram mais antropólogas(....) viraram pesquisadores


profissionais. Há de se interromper a citação no meio “Já não estavam mais tão
interessados em investir num trabalho que fosse mais de músico profissional...” o
restante da citação induz a um conceito errôneo de que o grupo tivesse sido em algum
momento “uma coisa de pesquisa antropológica, sociológica ou folclórica mesmo”
coisa que nunca foi nem nunca pretendeu ser!!

Pg. 12

Há aqui novamente uma serie de conceitos errôneos, mal expressados, mal


interpretados e bastante deslocados. Os conceitos todos que permeiam nossa
trajetória são de fato complexos e difícil por vezes de serem expressados,
compreendemos que seja muito fácil de se cometer erros criando “pré-conceitos”:

1) Não concordamos que havia uma “vigília” no repertorio por parte dos antropólogos
e conceito estético amarrado. O que havia era vontade de tocar. Aliás não havia nem
vigília, nem pesquisadores atuando como tal dentro do grupo, os que viraram “ólogos”
ou o que quer que seja em seguida, atuavam no grupo como todos nós ou seja como
músicos. Tínhamos dentro do grupo preocupações estritamente musicais e jamais de
alguma outra natureza qualquer!!

2) Não se pode associar o repertorio inicial do Cordão a esses outros grupos que atuam
no carnaval. Isto está completamente sem pé nem cabeça, rsrs! Primeiro porque o
Cordão é bem anterior a esses grupos. Segundo porque o repertório do Cordão desde
o inicio era muito amplo e formado por músicas de estilos, matizes e ritmos diversos e
variados e não se restringia nem um pouco apenas a um repertorio carnavalesco!! O
pesquisador faz uma mistura do repertorio do dia de carnaval com o do grupo. Só
tocávamos as músicas de carnaval no dia de carnaval. Não tinha nada a ver com Céu na
terra (que passou a tocar muitas musicas que tocávamos no bloco, não só as
conhecidas), e o Rancho Flor do Sereno. Eram propostas muito diferentes.

3) A escolha do repertorio nunca foi ligada a um desenvolvimento enquanto


instrumentista. Esse desenvolvimento foi se dando de forma natural a medida que
nosso entendimento e nossas concepções musicais foram se aprofundando. Seria mais
correto dizer o contrario, nosso desenvolvimento como instrumentistas se deu a
medida que vínhamos tendo experiências musicais cada vez mais profundas dentro e
fora do Cordão inclusive. Não concordamos que a introdução de musicas de Hermeto,
Moacir Santos entre outros era para mostrarmos virtuosismo, como essa citação deixa
136

a entender. A escolha sempre se deu exclusivamente pelo gosto musical e o prazer de


toca-las. Hermeto servia muito bem ao contexto junino por exemplo.

O dia de carnaval é mais uma das atividades do calendário anual do Cordão. O trabalho
desconsidera totalmente esta informação, os shows ao longo do ano, os shows no
período junino etc.

No último paragrafo a uma afirmação mal interpretada que diz "que a saída dos
pesquisadores mudou o perfil do grupo” (pra nós eram músicos que por acaso tinham
tmb uma formação extramusical), e mistura profissionalização com decisões de
repertorio.

Todos que permaneceram no grupo estavam unidos pelo desejo de continuar tocando
(não ha mudança nisso). O que ocorreu foi um processo, natural a qualquer trabalho,
de ir se estruturando cada vez mais. Nenhuma banda começa efetivamente pronta,
"profissional".

Pg. 13

primeiro paragrafo

Como vimos não havia dentro do grupo esse contraponto pesquisador acadêmico
versus músico , esse conceito está errado na base, devido a um erro de compreensão
de qual era a proposta do grupo desde o seu inicio. Também não existe um embate
espirito coletivista x profissionalismo musical. O espirito permanece o mesmo, o que
muda e a disponibilidade do Gustavo (por exemplo) para ensaiar e suas escolhas na
vida pessoal. O grupo segue seu curso.

Esta "problemática" não acontece como o pesquisador descreve e se aconteceu em


algum nível foi apenas num momento realmente muito embrionário. O pesquisador
até explica isto melhor no fim da página, deixando a entender que há uma
compreensão disso que estamos expondo aqui, porem o conceito principal fica a
margem como se a compreensão do que é o grupo tivesse desfocada, é importante
que isso seja pontuado....

Pg. 14

Todo repertorio musical demanda apuro técnico para sua execução. Esse trecho passa
uma ideia equivocada de precariedade, e de menor valor das musicas do repertorio
que seriam desse comecinho de trabalho (que já misturava muita coisa). Vale lembrar
que na coleção Marcus Pereira, havia arranjos do Radamés, Quinteto Violado, etc.

Ass:

Grupo Cultural Cordão do Boitatá


137

ANEXO 3 – Apontamentos do Cordão do Boitatá 2

Caro Fabiano,
Os textos enviados pelo Cordão do Boitatá e assinados por seus integrantes, visam
colocar conceitos e definições, levantadas por você, no lugar. Não são comentários
apenas. A edição dos mesmos, não é cabível neste caso.
O Cordão quer ter seu direito de fala preservado integralmente.
Pedimos que o texto final seja enviado a tempo para nossa apreciação. O que você já
tiver aprontado, favor enviar.
Mesmo enviado, isto não significa que o Cordão esteja de acordo com todos os
conceitos apontados.
Pedimos também atenção a todos os apontamentos já enviados e agradecemos seu
interesse pelo nosso trabalho.

Fomos até o fim da página 54.

Abraços

APONTAMENTOS /DIA 20 DE SETEMBRO DE 2014

De 3.3.2 até 3.5

1- página 14:

Na nota de rodapé 16:


Há de novo uma confusão entre o repertório do dia de carnaval e o do grupo. Tocamos
sim, em muitos shows as músicas do CD autoral, que nunca teve o objetivo de ser um
CD de carnaval. Além disso, músicas do CD que não tem ritmos que
tradicionalmente compõe o carnaval brasileiro, foram tocadas no carnaval pelo
Cordão. Confunde o repertório de carnaval com o do CD e shows não carnavalescos. Tá
fora de contexto.

2- página 16:

O parágrafo “Como já foi mostrado aqui ( ....) sobretudo”, está muito confuso. Não há
um primeiro ou segundo momento. O Carnaval do Boitatá não tem e nunca teve um
foco "comercial". Não há um projeto que foi criado visando isso.
De novo há uma confusão do grupo com sua ação específica no carnaval.
O apoio que é conseguido, é usado de forma utópica, baseada em princípios
totalmente diferentes dos que regem o pensamento capitalista destas empresas.
Consideramos uma ação de pirataria cultural. Esta ação inovadora, independente,
focada na cultura de carnaval, na sua música, é um dos fatores que fazem com que as
138

pessoas queiram estar ali, sem cachê participando da festa conosco. Há muita clareza
nisso.

3- página 18:

No último parágrafo o pesquisador coloca uma frase de um entrevistado para falar


sobre " qualidade musical".

É importante ficar claro que para o Cordão, a qualidade musical não está associada
apenas a versatilidade e ao virtuosismo. Há outras características não citadas. Estas
duas primeiras, na verdade, são condições básicas para a realização de um show que
tem 80 músicas de diversos estilos, arranjos de todo tipo e 5hs de duração.
Incomoda a citação colocada em destaque que menciona “tirar onda de
instrumentista”, esse não é o foco de nossas apresentações, o virtuosismo e a
versatilidade são alguns dos elementos que utilizamos, quando necessário, para
alcançar uma emoção coletiva que a cultura e a musica proporciona.

4- página 19:

Não é só o prestígio musical via qualidade técnica que traz nossos parceiros da música
para junto de nós. A proposta cultural e a forma inovadora e independente dos
padrões vigentes no mercado, fazem com que o Cordão tenha uma grande adesão por
parte do meio musical. A própria ação citada acima de “pirataria cultural”, no sentido
de conseguirmos canalizar um capital para realização de um projeto cultural de
excelência, libertário e utópico, faz com que o palco onde realizamos o nosso show no
domingo de carnaval na praça XV seja tão valorizado, amado e respeitado por todos
músicos e artistas que se apresentam lá, acima de tudo por amor a cultura do carnaval
carioca. O cuidado extremo com o equipamento de som, e uma produção voltada
exclusivamente para as melhores condições possíveis da realização musical, também é
um fator diferencial. O Cordão começa a montar a estrutura de sua festa no domingo
de carnaval na quarta feira anterior, com a montagem do palco. Sexta, após o termino
da mesma, começa a montagem de som. No sábado de manhã até as 16hs, a equipe
responsável junto com os técnicos de som do Boitatá , faz todos os testes de
frequência na Praça e no palco. As 17hs começa a passagem de som de toda a
orquestra e dos convidados que por ventura tenham necessidades especiais. (Os
instrumentistas, grupos convidados etc.). Geralmente esta passagem dura de 4h a 5 h.
Isto tudo para no domingo estar tudo bem bonito e afinado para o dia de carnaval.
O Cordão já utilizou os serviços das seguintes equipes de som :
- Primeiro palco ( som do Gugu, não lembro o nome da equipe dele agora)
- 2 anos seguintes: Contratação da equipe de Léo Garrido.
-Vip Sound
- Contratação da Gabi Som considerada a maior equipe do Brasil. Na avaliação do
Cordão, a mesma não disponibilizou os serviços e a qualidade que a notabilizaram
como a "melhor do Brasil". Deixou a desejar.
- Contratação da equipe Lang Brothers. Mudança grande na postura. Equipe parceira
que "vestiu" a camisa da festa, entendendo a importância e complexidade técnica da
139

proposta. Ano a ano, busca melhorar a qualidade do som oferecido ao público junto
com o Cordão.
Como vemos, há um caminho de muito trabalho e gradual aperfeiçoamento do
conceito da festa em vários níveis.

5- página 20:

Há uma fala do Kiko descontextualizada e muito editada.


Mistura uma ideia de projeto atual com Cortejo etc. Fica confuso.
O pesquisador até desfaz isto posteriormente mas dá margem a outro
entendimento. O projeto do grupo musical sempre demandou responsabilidade, não
há um "projeto atual".

6- página 21:

nota de pé de pagina 27:

Consideramos a visão de que existem 2 modos básicos de atuação um tanto


maniqueísta, tendenciosa e simplista. Para nós, há uma miríade de formas de atuação
dos blocos de carnaval de rua no Rio de Janeiro e não vemos antagonismos entre eles,
o Carnaval é de rua e a rua é de todos!
É importante deixar claro, diferentemente do que essa nota deixa a entender que o
Boitatá não tem e nunca teve uma ação subordinada a Prefeitura ou a qualquer
empresa. O Cordão sempre realiza exatamente o que concebe como concepção de
uma festa de carnaval livre, não mercantil. Não há concessões de nenhuma ordem.
No caso da Prefeitura ( que não dá e nunca deu 1 centavo para a realização de nossas
atividades !!), o Boitatá exige sua presença. Segurança, banheiros, pavimentação das
ruas etc. Este ano entregamos um dossiê 1 mês antes do carnaval, com todo o nosso
trajeto fotografado. Todos os bueiros abertos, obras sem proteção, marquises , ferros
etc... foram apontados, como a intenção de proteger os foliões de possíveis acidentes.
Entendemos isto como um gesto de carinho e responsabilidade com a cidade e seus
cidadãos.
Uma brincadeira de carnaval que sai com 30, 40 pessoas não carece muito deste tipo
de percepção. Um Cortejo com 18 anos de realização e um palco que recebe mais de
60 mil pessoas ao longo do dia sim.
Não tem nada a ver com ser insubordinado ou não. É um outro tipo de discussão.
Colocar tudo no mesmo patamar de avaliação é um erro.
O Boitatá defende sim, uma nova postura das empresas que ganham rios de dinheiro
com o carnaval. Uma postura que seja menos mercantil, mas voltada para os aspectos
culturais, musicais da festa.
Até hoje o Boitatá banca o Cortejo sozinho e durante muitos anos realizou (o palco
inclusive) sem apoio da AMBEV, tirando dinheiro do próprio bolso.

7- página 22
140

Há na fala destacada do Kiko uma informação errada, mal contextualizada.

O Boitatá não é o grupo que recebe maior apoio da AMBEV. Para se afirmar isto é
preciso conhecer a realidade de todos os blocos, apresentar comprovantes disso
inclusive.
Quanto ganha o Bloco da Preta, MonoBloco, Sargento Pimenta, Orquestra Voadora?
Na escala da AMBEV, eles são classificados como blocos "grandes" e o Boitatá médio...
Não sabemos se os mesmos recebem patrocínio da Prefeitura ou Estado.
Fora os blocos da Sebastiana que tem contrato com a Globo. Não conhecemos a
realidade de nenhum deles.
O que a fala quer dizer é que o Boitatá tem uma postura diferente em relação ao uso
desse apoio (independente da quantidade conseguida). O dinheiro é para trazer
qualidade para a festa, é para ser colocado todo na sua realização e não ficar no bolso
dos "produtores culturais". Fato muito comum no carnaval e no mercado de cultura!

Correção também no sentido do comentário de Oliveira:

Favor trocar a fala de Oliveira “o ideal seria.... (...) É tudo pago no mínimo”
por:

“Entendemos que é uma pena montarmos uma estrutura tão boa para apenas 1 dia,
gostaríamos muito que grupos como as Velhas Guardas por exemplo, pudessem
usufruir do palco que montamos, e da festa que produzimos como um todo.
Gostaríamos de poder oferecer isto para outros grupos culturais parceiros, sem a
ingerência da Prefeitura ou qualquer empresa, estendendo nossa festa para mais 1 dia
pelo menos. O palco do Boitatá tem todo potencial para se tornar um marco, uma
referencia do Carnaval multicultural da Cidade. Realizamos algo imenso com
pouquíssimo recursos, se conseguíssemos mais e se tivesse maior interesse de se
investir em cultura de verdade poderíamos fazer algo ainda maior para a Cidade, com
certeza!”

Rever novamente a afirmação feito por Oliveira sobre o desmembramento em dois


dias. O apontamento abaixo reflete mais corretamente não só a visão de Oliveira como
a do grupo todo:

“Para o grupo, depois de 6 anos estudando e testando uma forma de realizar o Cortejo
e o Palco no mesmo dia, o Cordão entendeu que a tarefa era muito puxada, hercúlea.
Mais de 10hs ininterruptas de trabalho com situações no palco e na rua muito
variadas. Entendeu também que cada atividade (Cortejo e Palco) careciam de dias
independentes, inteiros. Ao separar os dias, buscou preservar as características de
cada atividade e potencializar sua realização no âmbito artístico, musical, carnavalesco
e humano.”
Por favor tirar qualquer insinuação de que isto teria sido feito para pressionar a
AMBEV, que é totalmente descabida e tendenciosa. Como dissemos, SEMPRE
bancamos o cortejo com recursos próprios. O apoio da AMBEV, quando apareceu e até
hoje sempre foi para o palco. Favor corrigir isto e não mencionar a Ambev neste caso!
141

8- página 23:

Corrigir na fala, não houve compra de banheiros e sim aluguel.

Outra colocação importante. Durante muitos anos, o Cordão (sozinho) arcou com os
custos do aluguel de banheiro usando o dinheiro de seus shows pré-carnavalescos.
Vale observar que estas empresas de banheiro, no carnaval, formam um cartel e que o
preço de cada unidade alugada era muito alto.

Na fala do Kiko sobre a imprensa, colocar o termo real (puta apontamento). Completar
também o sentido da frase. Passamos a entender que muitas vezes a imprensa ligava
para nos colocar numa pauta pronta, armada, desvinculada de nossas ideias e
conceitos.

9- página 24:

Mistura de novo a história do grupo musical com o carnaval com uma iniciativa
comercial. Todo esse trecho da pagina 24 até 25 nos pareceu bastante confuso.
Os discursos apresentados no segundo parágrafo estão fora de contexto. Não são
relacionados ao carnaval que é um atividade específica do grupo. A comparação com o
Céu na Terra nos parece completamente distorcida por exemplo, etc...
É importante salientar também, que esta é uma fala particular, que carece de
aprofundamento e real contraponto com a visão do grupo sobre outros assuntos.
Nos parece bem inapropriado o pesquisador querer abordar dessa forma estas
colocações. O pesquisador realmente conhece a situação atual do grupo?? Não há
resignação com nada relativo as criações no âmbito musical, artístico e "empresarial".
Tanto no carnaval quanto no resto do ano. Visão muito distorcida.

10- Final página 25 e início da 26:

Há uma visão equivocada por parte do pesquisador de que o uso do termo "Grupo
Cultural", viria de um possível " fracasso" do projeto de rendimento financeiro mais
efetivo.
As colocações seguintes também carecem de uma contextualização mais aprofundada
e responsável.
No parágrafo 2 da página o pesquisador fala que optou por não esmiúça-las.
Então porque citá-las de forma inconsistente e fora de contexto?
No final da página ele de novo fala que este "insucesso" financeiro seria uma pista para
entender a definição Grupo Cultural . Este conceito está implícito, entranhado no
nosso modo operante desde o começo de nossa trajetória.

11- página 26:


142

A fala do Horta sobre uma reunião na Riotur foi tirada totalmente de contexto e
insinua uma outra coisa. O Cordão não foi até lá negociar verba (pois não recebe
dinheiro da Prefeitura) e sim dizer que não aceitava a ação da mesma de retirar a
autonomia do Cordão na PRXV na realização de sua festa. A Riotur queria inseri-lo
numa programação da Prefeitura, comprometendo sua independência artística e a
qualidade técnica do evento. O Cordão recebeu a notícia pelos jornais e foi até lá
batalhar por seus direitos. Não tem nada a ver com usar o "capital cultural" para fazer
pressão por verba.

No fim da página há uma fala dizendo que temos " um palco diferente". Mesmo
entendendo que existem características muito específicas no palco do Cordão,
gostaríamos de fazer um outro apontamento.
No Rio, temos um histórico de produção relacionada ao carnaval e a outras atividades
culturais que funciona da seguinte forma:
Som ruim (barato), muito trabalho, músicos mal remunerados e produtores com o
bolso cheio de dinheiro. É uma equação invertida que compromete totalmente a parte
artística e ética nessas relações.

12- página 27:

Nota "31" no final da página:

Não há como generalizar os motivos que levam cada músico a estar ali no cortejo as
7hs. Existem questões de ordem pessoal, afetivas, musicais, financeiras, profissionais,
ontológicas, existenciais, libidinosas, alucinógenas etc.
O Boitatá, muitas vezes, serve como fator de inserção de músicos de outras localidades
inclusive, no circuito profissional da cidade.
Não paramos de tocar em todas as casas de espetáculo do Rio e sim naquelas onde a
relação dono de casa/produtor era indigna com a remuneração dos músicos.

13- página 28:

Os conceitos expostos na página já foram recolocados no devido lugar (quando


necessário).

Na última frase da página acrescentaríamos um conceito:


" O grupo ainda se coloca na defesa de diálogos e EMBATES com o poder público e
privado".
Do jeito que está parece que não há conflito com a Prefeitura e empresas que atuam
no carnaval. Não é só uma visão crítica, existem uma ação concreta e firme por parte
do Cordão na defesa de um carnaval não mercantil!!

14- página 30 , início 31:


143

As apresentações musicais ( no primeiríssimo momento) nunca tiveram um formato


conexo ao bloco (que ainda não existia). Sempre, mesmo no momento embrionário e
guardadas as devidas proporções, foram ações de um grupo musical se apresentando
num palco. Não há esta mudança sugerida devida a apresentações em casas de
espetáculos, busca por ganhos financeiros, repertórios etc.

15- página 32:

Por favor trocar a fala de Oliveira no inicio por:

Oliveira, de maneira semelhante, fala que o palco

“Permitiu que o grupo pudesse apresentar seu trabalho musical de palco para um
público cada vez maior, que hoje em dia passa de 50 mil pessoas. Ao mesmo tempo
pudemos manter a característica acústica.... do cortejo, e continuar desenvolvendo os
arranjos, o repertório...., e a formação da orquestra de rua, aumentando o números de
integrantes.”

Conferir a colocação das falas de Oliveira, previamente aprovadas pelos integrantes do


grupo:

O comentário de Oliveira inserido na pagina 32 do texto revisto pelo pesquisador....


está editado, no caso pode até ficar assim mas no final a frase não está fazendo muito
sentido seria melhor encerrar com “... para plateias sentadas (...).”

Fala do Gustavo tem peso desproporcional e é dita de um lugar muito específico. O


mesmo sai do grupo antes de 2000 para realizar outros projetos pessoais. Volta
anualmente como amigo e folião, não está inserido no processo de reflexão e feitura
há bastante tempo. Nunca houve uma diretoria informal se contrapondo a uma
diretoria "formal". A atividade de carnaval do Cordão sempre foi realizada por seus
integrantes (que são sim, se é que devemos usar este termo, a diretoria do bloco) e
uma rede muito grande de parceiros:
Teatro de Anônimo, Grupo Pedras de Teatro, Cooperativa de Artistas Autônomos,
Márcio Libar, Júlio Adrião, nossos familiares e muitas pessoas que todo ano estão lá
conosco para brincar e ajudar na feitura da festa.
Tudo sempre emanou do Cordão.
Durante muitos anos, a atividade musical do Cordão em outros períodos do ano, teve
mais "importância" para a mídia do que sua atividade carnavalesca. O crescimento
avassalador e todo o processo criativo de concepção da festa de carnaval pelo Cordão,
fez com que isso mudasse, trazendo (inclusive), o entendimento que o Cordão era
apenas ou nasceu como um bloco de carnaval.
144

16- página 33:

Quando o pesquisador fala do "Mito de fundação" o grupo musical já existia, ainda se


estruturando mas já existia. Neste caso seria o mito de fundação do Bloco, é
importante especificar.

Nota de pé de pagina 38: Havia sim um instrumento de sopro no primeiro cortejo!

17- página 34:

A descoberta de novos entendimentos no cortejo é permanente.


Há um ajuste na colocação do Horta : Não deixamos nunca de brincar, a
responsabilidade e o respeito ao público não nos impede de ter este espírito da
brincadeira. Obviamente não podemos brincar como um folião que está ali só para
pular o carnaval. Estamos dando conta, naquele momento, de realizar um cortejo para
um número que não dimensionamos de pessoas e que estão ali para botar para ferver.
É necessário ter atenção, existe sim em alguma medida, uma "doação" para o carnaval.
O foco é a permanência do espírito carnavalesco lúdico, alegre, amoroso, pacífico.
Não confundir estas responsabilidades com o "projeto do grupo".

18- página 35:

Na fala de Horta que vem da página anterior tirar a frase "a gente preservava". Ainda
preservamos, não há sentido nessa frase. Continuamos a preservar nosso carnaval de
rua e suas características.
Ainda nesta página há uma fala que diz que "as vezes ainda bota dinheiro do caixa do
grupo". Até hoje bancamos o cortejo e muitos custos relativos ao palco com dinheiro
nosso.
A fala sobre a Orquestra de Rua significa que ela teria possibilidades musicais de se
apresentar em diversos contextos.
Nosso dia de carnaval sempre foi e sempre será preservado. Não há mudança nisso.

19- página 37:

Martinho não é só um "artista inserido na indústria cultural", é figura de extrema


importância para a história do carnaval carioca.
Kiko comenta:
Gostaria de tirar o Jongo daí. "Tem horas que eu sei que não posso colocar
determinada música, artista ou estilo"...não é só o Jongo entende?

20- página 40:


145

Quando o pesquisador fala do Trenzinho do Caipira, fala de quase ausência de


participação. Para o Cordão, se emocionar é participar ativamente, fora as pessoas que
estão ali dançando.

21- página 41:

Pesquisador faz menção a padronização do nível técnico. Existem ali músicos de


orquestra, estudantes, músicos atuantes na área da música popular, músicos muito
experiente ao lado de iniciantes etc.

22- página 43:

Tirar a fala inteira: " Mesmo que se resigne à ideia(...) até “lamento pela abdicação (...)
feita pelo grupo no passado, mais participativa”
Não lamentamos nada.

23- página 44:

Não concordamos com a colocação da fala do Gustavo como fonte principal de


avaliação. Como foi combinado no último encontro com o pesquisador, tirar todo o
trecho da fala desde : “(...) e o Cordão deixou de ser um bloco ... que trouxeram
ganhos e também perdas."

Não há concessão nenhuma do Cordão, a nada.

Nos identificamos com os conceitos de “TAZ” apresentados aqui no sentido que


acreditamos que o Cordão instaura sim uma nova realidade e cria a nossa maneira “um
microcosmo daquele sonho anarquista”, “uma cultura festiva distanciada (...) dos
pretensos gerentes do nosso lazer” um sonho de carnaval, de liberdade e subversão
para quem está lá brincando e que retrata este conceito. A energia anárquica está ali
presente, sempre. Consideramos ainda que o Cordão foi um dos, senão, O principal
fomentador desse conceito do Carnaval de Rua no Rio de Janeiro!
Alguns blocos que se auto determinam "anárquicos" possuem facebook, as vezes site,
fazem divulgação em suplementos de carnaval , ensaio etc.

Anexar fala do Oliveira mandada no primeiro texto do Cordão de forma integral.

“Vou fazer aqui uma declaração (...) que de certa forma acredito venha problematizar
algumas questões levantadas aqui: Não há para mim, essencialmente, diferença entre
o cortejo dos primeiros anos e os que fazemos hoje em dia. Pra mim, na essência
assim como na prática, o cortejo continua sendo o mesmo. O que foi que mudou?
Algumas proporções apenas, números de foliões, números de músicos, trajetos,
horários, algumas características de arranjos e repertorio...
146

Cabe analisar, que essência é essa a qual me refiro, o espirito anárquico sim, mas
sobretudo os conceitos políticos, éticos, estéticos e acima de tudo a preocupação em
estar fazendo um ato cultural e contribuindo para que possa continuar se
desenvolvendo e florescendo a cultura do carnaval de rua no Rio de Janeiro, com toda
sua musicalidade ímpar, com toda sua anarquia, com todas suas fantasias. Desde o
início, me parece que foi isso que motivou o grupo, e é o que a gente continua
fazendo! Infelizmente apesar de todos nossos esforços e de tantos outros grupos, o
poder público e outras instituições financeiras parecem não enxergar a importância do
carnaval como patrimônio cultural, o valor incomensurável que isso tem, e sobretudo
não querer conceder aos agentes dessa cultura os meios necessário para realizá-la de
forma digna. “

24- página 46:

O livro da Antologia Musical Popular das Marchinhas de carnaval, foi uma ferramenta
para aprendermos corretamente as letras e as melodias que compõe esta parte da
tradição carioca/brasileira de carnaval, assim como os sambas das escolas etc.
Era repertório para sairmos pelas ruas fazendo nossa bagunça e se configuravam (no
caso das mais conhecidas) como verdadeiros "pontos carnavalescos". Até hoje nos
ensaios, pessoas levam livrinhos com letras para aprenderem as letras e ajudarem na
hora do cortejo.
Brincamos muito carnaval na infância, de diversas maneiras.
Na rua, na Presidente Vargas, vendo orquestras tocando em clubes etc. Tínhamos
referências também.

25- página 48:

Para o Cordão,... "Tradição" significa movimento. Todos os estilos que tocamos


acompanharam a passagem do tempo e foram se modificando. Tocamos o Frevo num
arranjo mais " antigo" e na forma " nova" com um arranjo do Spock . (Carece de
fundamento maior esta colocação). Podemos tocar um Choro composto pela
Chiquinha Gonzaga (Corta Jaca), mais a forma de tocar , o tipo de improvisação etc.,
será a forma de execução de 2014.
O instrumento elétrico não significa modernidade (baixo, bateria e guitarra são usados
desde antes da metade do século passado). Conceito muito anacrônico. A
modernidade não vem do uso desses instrumentos e nem da eletrônica... Todos estes
estilos são filhos do couro, da madeira, do ferro tendo sido executados de diversas
formas ao longo da história.
No show do Cordão as pessoas podem torcer o nariz por diversos motivos: porque
tocamos um samba-reggae , Jongo, música instrumental , Moacir Santos,
Dominguinhos a participação do guitarrista nigeriano Kologbo etc. Já ouvimos de tudo.
Nosso interesse, entre outras coisas, é conseguir que estes encontros musicais, cada
vez mais, ampliem a visão musical das pessoas.
147

26- Página 49:

Fala da Página 49 do E1 precisa ser ajustada ou sair.

Fica implícita então na defesa....Conclusão não reflete nosso pensamento.

27-Página 50:

Músicas estrangeiras entram por diversos motivos: musicais, políticos (Its Raining Man
foi um protesto contra Marcos Feliciano e sua postura homofóbica), Bob Marley é um
compositor identificado com os movimentos de independência na África etc.
Elas não entram no repertório para nos desvincular da tradição.
Os "puristas do carnaval " ( este conceito é complexo e tendencioso) não torcem o
nariz só para o Bob Marley.
Tem gente que torce o nariz para o Hamilton, Yamandu, Jongo, Orunmilá, Moacir
Santos, Dominguinhos... A variedade de motivos é grande.
No fim fica a percepção de uma festa, de um dia carnaval totalmente carioca,
brasileiro, multicultural, democrático, pacífico e sem preconceitos.

28- Página 51:

na nota "58" de Horta, tirá-la por completo. Está editada e não reflete o pensamento
do mesmo e do Cordão em relação ao bloco citado. As observações feitas foram
noutra direção. Tirar integralmente.

Na citação de C. Cotrim iserir:


(...) tá tocando Hermeto Pascoal, Lazir do Jongo, Rubinho Jacobina, Walmirzinho do
Agbara Dudu, Edu Neves, (...).

29- Página 52:

Não confundir o repertório do dia de carnaval com o do grupo.

A escolha de sambas, marchas etc... tem relação com a própria cultura de carnaval da
cidade e do país, não busca a idealização de um país ou do povo brasileiro a partir diss

30- Página 53:

No último parágrafo manter o texto até "não está atrelada a criação de um movimento
novo", tirar o trecho que vem a seguir, de “De fato (...)” até “apresentou nada de
novo”, não concordamos.
O Cordão é fruto do "movimento" e "desenvolvimento" de diversas vertentes da
música brasileira que nunca são estáticas.
148

Mudando o foco para a ação no carnaval, tanto o cortejo quanto o palco trazem a
marca da inovação em sua concepção.

Inserir as observações enviadas por Oliveira:

Caberia analisar melhor e ressaltar o lado inovador e original da prática musical do


Boitatá, sua abordagem rítmica, harmônica e timbrística particular e diferenciada, as
características do repertorio selecionado, e outras...
Por outro aspecto também , como exemplificado na nota 41, no que diz respeito a uma
prática musical ligada a retomada do carnaval de rua no Rio, acreditamos que pode-se
dizer que somos responsáveis por uma reinvenção dessa prática. No que se refere ao
carnaval de rua do Rio especificamente, acreditamos que o Cordão do Boitatá possa
sim ser considerado um divisor de águas que originou novos caminhos, um novo
movimento, que foi responsável pela retomada desse carnaval etc. Caberia analisar
mais profundamente ao que se refere essa prática e essa reinvenção exatamente.
Resumidamente diríamos que trata-se de ocupar as ruas anarquicamente com muita
música, arte, cultura e fantasias.
149

ANEXO 4 – Apontamentos do Cordão do Boitatá 3

Incomoda a referencia a nós como “os atuais integrantes oficiais do grupo”, quando
for incluir um apontamento que nós 4 enviamos, pedimos que se refira a nós como “o
grupo”, ou apenas “o Cordão do Boitatá”.

P.4

2º paragrafo:

“indica este caráter descontraído e descompromissado” por favor retirar a palavra


descompromissado, (havia descontração com certeza, porem havia bastante
compromisso, com, por exemplo, ensaios e encontros semanais, além de
compromissos a concepções de ordem musical, cultural, histórica, politica e espiritual,
por exemplo)

3º paragrafo:

Atenção o auto do Boi não é uma representação teatral apenas. (Para uma maior
compreensão do que é um auto, ver danças dramáticas brasileiras de Mario de
Andrade) . Fazíamos distinções sim, entre o que era o show do Cordão e as
apresentações do auto, pois eram coisas diferentes.
Por isto sugerimos mudar a frase por:

O Cordão do Boitatá realizava também o Auto do Boi Cascudo. O auto é um


“brinquedo” popular onde música, teatro, dança e outros elementos são
protagonistas. O show musical do Cordão do Boitatá e as apresentações do Auto eram
coisas distintas. O Auto podia acontecer eventualmente antes ou depois do show do
Cordão, ou se apresentar independentemente dos shows em situações específicas
como em apresentações de rua, na Cinelândia, na Central ou no Largo do IFCS, por
exemplo, e sobretudo em contextos ligados as festas do período junino. Havia neste
momento de nascimento do grupo uma heterogeneidade intrínseca, que convergia via
gosto pelo repertório popular. O Cordão do Boitatá hoje ressalta que o interesse
comum era “centrado essencialmente na música, nas festas e na cultura popular. Esses
foram desde o inicio e em última instância os fatores maiores de coesão interna e de
junção do grupo” (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).

P.5

Oliveira pede para que seja mantida sua fala:

“Thiago de Oliveira diz enxergar até mesmo um movimento mais amplo, planetário,
150

que teria feito as “pessoas se voltarem para as suas identidades mais locais”.”

Mas retirado o trecho seguinte com as considerações que este fez no momento da
entrevista sobre elas:

“Essa visão era, no entanto, declaradamente intuitiva e sem embasamento. Nas


palavras deste(a)entrevistado(a), a colocação é apenas “uma visão (...) Eu acho que
aconteceu”
(OLIVEIRA).”

P.6

Pedimos aqui que nosso apontamento seja incluído na integra por favor:

“No início do Cordão havia um questionamento em relação a determinados


procedimentos da indústria cultural com os mestres populares. Para nós era difícil
compreender como um músico como Darcy do Jongo, por exemplo, representante de
uma vertente tão rica e importante da cultura (Jongo) vivia num estado de penúria.
Sua casa era feita com lascas de zinco que ele recolheu, seus cachês irrisórios...O
dilema não era como vamos ganhar dinheiro com aquilo e sim porque no Brasil,
determinados agentes de nossa cultura não são valorizados.”

P.7

Incluir Pernambuco e Bahia, entre as viagens feitas pelo grupo ou por seus integrantes
nesta época.

P.8

No final do 3º paragrafo por favor incluir nosso apontamento:

“entendemos que o Cordão junta essas duas vertentes da década de 60 e 90.”

P.12

Esta é uma visão particular do Gustavo de como ele se inseria enquanto músico no
início do grupo . Não havia "revezamento” ou mais coletivismo nesta época. Apenas
ele e Cris dividiam o cavaquinho até o momento em que a Cris passou a ser a
cavaquinista do grupo. Os outros sempre tocaram seus instrumentos. Não há uma
mudança na forma do grupo se organizar ou perda de coletividade, etc.
Conceituar isto como uma mudança de procedimento do trabalho do grupo,
estendendo essa concepção para períodos posteriores, é inconsistente, pois é uma
151

questão de ordem individual dele. Caso você insista em usá-la dessa forma, coloque
nossa fala na integra situando o relato.

Nota de rodapé 18:

Essa nota nos parece desnecessária e mal contextualizada. Preferiríamos que ela fosse
retirada do texto. Não é correto usar uma fala de um ex-integrante que não atuava
mais no grupo desde 2000 para caracterizar nossas atividades carnavalescas em 2006.
Há uma mistura da trajetória do grupo e do bloco sem consistência na pesquisa.
O Gustavo é nosso amigo e até hoje vem brincar o carnaval conosco, como todos os
outros foliões. Em 2006 ele já não trabalhava conosco a pelo menos 5 anos e chegou
em cima do laço, no dia do carnaval. Não estava a par das novidades daquele ano
(todo o movimento da Cooperativa da qual fazíamos parte, do “Mercado do Peixe”,
etc.) e o que nos motivava. Não sabia que estávamos começando a experimentar este
formato (hercúleo) de fazer cortejo e palco, tudo no mesmo dia. Falar de perda de
coletividade é descabido pois naquele exato momento estávamos envolvidos num
contexto de mais de 40 artistas que pensavam a renovação cultural da cidade, e junto
dos quais realizávamos nossas atividades.

Até hoje estes grupos nos ajudam, e brincam o carnaval conosco.


Vale lembrar que naquela época não havia uma comunicação facilitada pelas redes
sociais, como a que temos hoje. As pessoas iam tomando pé das questões
naturalmente nos ensaios e a medida que íamos nos aproximando do carnaval.
A partir de 2006, quando montamos pela primeira vez nosso palco de carnaval, foram
anos de experimentações, entendimento e aprimoramento deste nova realidade que
era realizar o cortejo e o show. Este foi um caminho que encontramos de reinvenção
da festa em função também do crescimento do bloco, que aumentava ano a ano.
Algumas pessoas podem ter estranhado (como deve ter sido o caso do Gustavo), toda
a mudança gera algum tipo de reação, é natural. Este ano foi uma ano de novas
experiências. Experimentamos inicialmente fazer o cortejo após o show, nos anos
seguintes passamos a fazê-lo antes, até chegarmos no formato ideal de 2 dias de festa.
Existe um fluxo contínuo no nosso carnaval de muita luta, dedicação, e reflexão para
manter a festa com suas características primordiais.
A festa de carnaval do Cordão sempre foi realizada e pensada por seus integrantes.
Na hora do cortejo, e até do palco em certa medida, contamos com uma rede grande
de colaboradores e amigos como o Teatro de Anônimo, o grupo Pedras, a cooperativa
Abayomi, o Coralito, etc., que participam e conhecem bem nossa brincadeira desde o
inicio. Isto nunca mudou.
Só para situar, em 2006, o Gustavo estava fora do grupo e fora da cidade há muitos
anos. Ele não acompanhou o desenvolvimento artístico do grupo, suas reflexões, e a
luta que é travada ao longo do ano para manter a festa de carnaval do Cordão com
suas características primordiais. A visão expressada por ele, e da forma como ela é
posta em perspectiva no texto, é irreal e não pode servir como norteadora de
conceitos. O pesquisador não pode se colocar no lugar de "juiz", fazendo um recorte e
deixando a entender que isto pode ter sido o que representou a prática do Cordão
152

naquele momento. Você está, neste caso, ignorando, ou não tomou conhecimento de
dados históricos fundamentais dando ênfase a frases descontextualizadas.
O que houve foi um dinamismo natural, nada a ver com perda de espirito coletivista.

Na verdade, é o contrário, o carnaval de 2006 foi uma potencialização deste espírito


coletivo.

É inadmissível o pesquisador não considerar as atividades da CASA (Cooperativa de


Artistas Autônomos), cooperativa com mais de 40 artistas da qual fazíamos parte.

Em 2005/2006 a Cooperativa aprovou na Unesco (Monumenta) o “Mercado do Peixe”,


projeto de revitalização cultural do centro da cidade com uma programação que se
estendia durante 6 meses. Circo, Teatro, Dança, Música e Oficinas, tinham como ponto
de referência a sede da Rua do Mercado 45. Eram mais de 40 artistas e a grana bem
curta. Apesar disso fizemos um calendário de atividades muito rico e variado. Grupos e
artistas que faziam parte ou não da Cooperativa como Teatro de Anônimo, Diadokai,
Pedras, Abayomi, Júlio Adrião, Sidney Cruz, Márcio Libar, Seu Jair do Cavaquinho,
Xangô da Mangueira, Carroça de Mamulengos entre outros, se apresentaram na Rua
do Mercado. A possibilidade de fazer o palco veio de uma decisão da CASA, de abrir o
ano de atividades do “Mercado do Peixe” com o nosso carnaval. Tudo num espírito
coletivo, solidário, libertário, tendo a música e a arte como meta.
O Cordão teve 5 mil reais para alugar um equipamento de som e só. Como não havia
palco, pegamos na Fundição Progresso uns tablados de madeira emprestados. Sobre
esses tablados fizemos um grande show de carnaval para umas 15.000 pessoas ou
mais, em que participaram vários artistas, dos quais destacamos o saudoso sambista
Nadinho da Ilha. Demos então início a história do nosso palco de carnaval. Tudo num
espírito muito coletivo e solidário.
Vale ressaltar que durante muito tempo o Cordão realizou sua brincadeira de carnaval
sem apoio financeiro ou logístico de nenhuma natureza. Não havia AMBEV, nem
Prefeitura. O Cortejo, os banheiros e todos os gastos relativos ao carnaval eram
bancados integralmente pelo Cordão com dinheiro dos cachês do grupo. Até hoje o
grupo investe dinheiro do próprio bolso para cobrir os custos da festa .

Favor usar este apontamento na íntegra.

No caso de ser mantida a nota 18 como está, favor fazer o seguinte ajuste na Fala do
Ricardo Cotrim:

Um outro entrevistado diz ter notado, no primeiro ano em que se implementou o show
no palco, durante a festa de carnaval, uma certa frustração por parte dos que não eram
oficialmente da banda: “nesse ano tivemos a ideia de além de realizar o cortejo fazer um
show da banda na Praça XV. Conseguimos uns praticáveis emprestados com o Perfeito
Furtuna, da Fundição Progresso, e o pouco dinheiro que tínhamos contratamos um
pequeno som. Esse carnaval de 2006 entrou na programação do projeto Mercado do
Peixe da cooperativa CASA de atividades culturais no centro histórico da cidade. Foi a
primeira experiência de conjugar o cortejo com o show carnavalesco. Foi um caminho
que encontramos de reinvenção da festa em função também do crescimento do bloco.
Toda a mudança gera algum tipo de reação e esse ano foi bem experimental"(R.
153

COTRIM). Ainda segundo ele “o investimento do grupo e planejamento durante o ano


fez com que naturalmente tivéssemos cada vez mais um pensamento atrelando as
atividades carnavalescas ao projeto como um todo” (R. COTRIM).

P.14

Nota de rodapé 25:

Favor mudar para:

“Não se pode associar o repertorio inicial do Cordão aos grupos citados. O Cordão que
é anterior a esses grupos tinha desde o inicio um repertório muito amplo, formado
por músicas de estilos, matizes e ritmos diversos e variados, não se restringindo
apenas ao repertorio carnavalesco.”

Atenciosamente,
Cordão do Boitatá
154

ANEXO 5 – Apontamentos do Cordão do Boitatá 4

Oi Fabiano, estas são colocações sobre o texto que você mandou.


Pedimos de novo que você trabalhe e utilize os apontamentos enviados anteriormente
pelo grupo.
Eles contém conceitos mais precisos e dão conta de ajustar possíveis equívocos.
Achamos importante deixar claro que respeitamos a opinião de todos os
entrevistados, sem exceção e que não estamos vetando nada. O que queremos é que
cada conceito ou frase utilizada esteja devidamente contextualizado (assunto, lugar de
onde a pessoa fala etc.), e que sejam embasados por uma pesquisa e por um
entendimento consistente de sua parte.

1-
Pedimos que a expressão " os integrantes atuais do grupo" seja corrigida.
Somos o grupo e pronto, há quase 2 décadas.

2- página 11:

Revisão do nosso apontamento, favor trocar por:

" As mudanças foram sobretudo no âmbito da vida pessoal de alguns integrantes, uns
quiseram dar continuidade ao projeto musical (já existente) e outros escolheram
aprofundar suas atividades em outros campos e sairam".

3-Página 12 nota 19:

Colocar nosso apontamento na íntegra do Cordão sobre o período de 2005/2006,


mesmo já tendo a fala do Ricardo na nota 20. Nossa visão está incompleta e é uma
colocação muito importante para contrapor o que está sendo falado.

4-Página 13:

O Pedro Pamplona também entra na UFRJ para cursar música, após se formar em Belas
Artes.

6- Página 18 nota 31:

ATENÇÃO! Completando sua nota que está mal formulada:


155

" a qualidade alcançada é fruto de nossa competência e seriedade musical, do nosso


apuro técnico em todas as frentes enfim de nossa dedicação, e não do apoio obtido.
Vale lembrar que já fizemos muitos carnavais sem apoio de nenhuma natureza. O
apoio é consequência da nossa ação".

7-Página 20:

complementando a colocação de Horta:


"Isto não quer dizer que esta seja a única forma de realizar uma ação cultural e que
ela não possa, em alguma medida, gerar lucro."

8- pagina 20, nota 35:

acrescentar a nota de Horta sobre o fim da Cooperativa :


"Há pessoas que tocam a muitos anos com o Cordão, e que não entraram na
empresa por já terem uma, mas que foram chamados (Paulino, Scofield, Luis Flávio).
Vale ressaltar que o fim da Cooperativa de Artistas Autônomos nos deixa sem um CNPJ
e sem um nota própria para trabalhar. Tivemos que abrir nossa empresa"

9- pg. 22, nota 36:

Thiago pede para tirar sua a citação sobre uma " Virada". Ou deixar apenas:
“todos no Boitatá queriam viver de música. Intenção bem clara, bem definida”
(OLIVEIRA).

10- pg.23, nota 40:

na fala de Horta corrigir : “o meu nível de conexão ele é igual”, favor trocar por: “O
nível de conexão é igual". Por ser uma frase retirada de uma conversa, há muita
repetição de pronomes.

11- Página 26:

mandar o texto inteiro do Horta para edição

12- página 27, nota 46:

O final está mal formulado. É importante deixar claro que nunca entramos em nenhum
tipo de embate com outro bloco por verba. Muito pelo contrário, a ação do Cordão de
negação a condições impostas, muitas vezes fez com que o apoio melhorasse para
todos.
156

13- Página 28:

A colocação de que há uma tentativa de se diferenciar de outros blocos vem do


pesquisador, fica dúbio, não temos essa pretensão!

14-página 28:

Ajustar a 2º fala do Cordão. Tirar a frase que colocamos fazendo menção a Prefeitura e
Ambev, a forma como escrevemos pode deixar a entender que atualmente eles tem
alguma ingerência, que na realidade não há, de nenhuma natureza. Favor trocar por:

entendemos que é uma pena montarmos uma estrutura tão boa para
apenas 1 dia, gostaríamos muito que grupos, como as Velhas Guardas
por exemplo, pudessem usufruir do palco que montamos, e da festa
que produzimos como um todo. Gostaríamos de poder oferecer isto
para outros grupos culturais parceiros, estendendo nossa festa para
mais 1 dia pelo menos. O palco do Boitatá tem todo potencial para se
tornar um marco, uma referencia do Carnaval multicultural da Cidade.
Realizamos algo imenso com pouquíssimo recursos, se conseguíssemos
mais e se tivesse maior interesse de se investir em cultura de verdade
poderíamos fazer algo ainda maior para a Cidade, com certeza!
(COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA).

15- Página 29/30:

Favor trocar o final da fala de Horta por : " Não que eu esteja satisfeito com a forma
de atuação deles"
( eles não oferecem nada...)

16- Página 30:

ainda incomoda muito a forma como foi colocada a reunião na Riotur e o uso da frase
" fazemos mais do que deveríamos" etc.

17- Página 31-33 :


157

Esse trecho já não havia sido retirada e corrigido? Todo o trecho tem uma visão
"negativa" da situação do trabalho e não é contraposto na mesma medida. O Cordão
não tem esta visão sobre o seu momento.
Também não concordamos que os trabalhos surgem de movimentos externos.
Acabamos de fazer uma temporada de um novo show no Teatro da Caixa que foi
totalmente idealizado e produzido pelo Cordão, assim como muitas outras atividades.
Na página 32 o pesquisador fala que optou por não esmiuçá-la mais fala bastante de
uma visão particular. Não é cortar mas apenas contextualizar e contrapor na mesma
medida!
Não são estas possíveis dificuldades ou "insucesso do projeto" (não concordamos em
nada com isso) citadas pelo pesquisador que nos fazem escolher a denominação de
Grupo Cultural. Favor corrigir.

19- 3.3.3 Conclusões (p.33):

Talvez você não tenha mexido ainda.


Contém muitos conceitos que já foram modificados, questionados pelo grupo de
forma aprofundada junto a você. Não adianta tirar um conceito de um lugar e colocar
em outro desta forma.

20- Na página 38, nota 59:

Nós não dissemos que contestamos a escolha do pesquisador de colocar a fala do


Gustavo (ver apontamento 15!). Favor retirar essa observação. Não questionamos a
escolha do pesquisador de utilizá-la, e sim o peso dado a fala de um ex-integrante que
saiu em 2000 , a forma como você a coloca, a falta de contraponto na mesma medida,
a não localização histórica devida etc.

21- Página 39 :

-o apontamento 17 que mandamos anteriormente é uma fala de Horta.


O que tinha sido pedido era para trocar a fala de Horta “a gente viu que não podia ficar
tão louco...” por:
“Não deixamos nunca de brincar, a responsabilidade e o respeito ao público não nos
impede de ter este espírito da brincadeira. Obviamente não podemos brincar como
um folião que está ali só para pular o carnaval. Estamos dando conta, naquele
momento, de realizar um cortejo para um número que não dimensionamos de pessoas
e que estão ali para botar para ferver. É necessário ter atenção, existe sim em alguma
medida, uma "doação" para o carnaval. O foco é a permanência do espírito
carnavalesco lúdico, alegre, amoroso, pacífico.”
A descoberta de novos entendimentos no cortejo é permanente.
Não confundir estas responsabilidades com o "projeto do grupo".
Ao invés de deixar essa fala creditada pelo grupo como nota de pé de página nº64.
158

22- pagina 40:


Achamos melhor começar a citação de Oliveira diretamente com”
“Não há para mim...”
simplesmente, retirando a frase introdutória :
“vou fazer aqui uma declaração (...) que de certa forma acredito venha problematizar
algumas questões levantadas aqui:”
OK?

23-Página 41:

O parágrafo 3 está incorreto. Em 2014 NÃO foi o primeiro cortejo fora do Rio!
Favor retirar a fala de Horta.
Sugerimos mudar o parágrafo por:
“Por fim, dando prosseguimento ao caminho de mudança, e já apontando, talvez, para
uma modificação futura na orientação, há a saída do bloco de rua do contexto do
carnaval carioca. Em 2009, fizeram um cortejo de carnaval no Timor Leste, em 2010 no
pré-carnaval de Recife, e em 2014, pela primeira vez na terça de carnaval, o Cordão do
Boitatá realiza um grande cortejo fora do Rio de Janeiro, em Barra do Piraí, ampliando
assim sua área de atuação.”

24- pagina 47

-ajustar fala do Horta tirando menção a outras orquestras, trocar por:

“a orquestra do Cordão é bem diferenciada, fazemos dinâmica, executamos arranjos


puxados, o tempo todo estamos: “qual é o melhor andamento?” (HORTA)

-ajustar fala seguinte do grupo, favor trocar por:

“músicos de orquestra sinfônica, , do corpo de bombeiros, de bandas militares


estudantes, músicos atuantes na área da música popular, músicos muito experiente e
profissionais ao lado de iniciantes etc” (COTRIM, COTRIM, HORTA, OLIVEIRA

- ajustar a fala seguinte de Horta, favor trocar por:

carnaval é uma fronteira muito delicada você dizer pra uma pessoa que ela não pode
tocar naquele momento. É difícil isso. A gente está num momento onde todo mundo
159

está querendo tocar (...). Aí você diz: ‘olha só, tem muitas coisas que já estão
internalizadas pelas pessoas que estão tocando, se a pessoa tocar de qualquer forma
vai atrapalhar". (HORTA).

25 - Página 54

Pedimos por favor, que nosso apontamento seja colocado na íntegra da forma como
segue:

“Para o Cordão, "tradição", significa movimento. Todos os estilos que tocamos


acompanharam a passagem do tempo e foram se modificando. Tocamos o Frevo num
arranjo mais " antigo", ou na forma "nova" com um arranjo do Spock . Podemos tocar
um Choro composto pela Chiquinha Gonzaga (Corta Jaca), mais a forma de tocar, o
tipo de improvisação etc., será a forma de execução de 2014.
O uso de instrumentos elétricos ou eletrônicos não significa que haja modernidade.
Este conceito nos parece muito anacrônico. Todos estes estilos são filhos do couro, da
madeira, do ferro tendo sido executados de diversas formas ao longo da história.
Nosso interesse, entre outras coisas, é conseguir que estes encontros musicais, cada
vez mais, ampliem a visão musical das pessoas.”

25- p.51, 3.5:

Está falando do Cortejo, da ação carnavalesca e não do grupo...!

26- página 52:

É importante salientar que O Livro de Marchinhas era para brincar o Carnaval, não
tinha nada a ver com uma busca pelo passado.

28- página 53 :

a Fala de Horta está perdida, a citação “a gente ia lembrando e tocando” diz respeito a
determinadas situações no cortejo especificamente, o que não está claro. Não tem a
ver com o repertório do grupo. Talvez seja melhor tirar logo.

29- pagina 57:

Colocar o apontamento "27" enviado anteriormente pelo grupo na íntegra:


160

“Músicas estrangeiras entram por diversos motivos: musicais, políticos (Its Raining
Man foi um protesto contra Marcos Feliciano e sua postura homofóbica, Bob Marley é
um compositor identificado com os movimentos de independência na África etc.). Elas
não entram no repertório para nos desvincular da tradição.
"Puristas do carnaval " podem torcer o nariz por diversos motivos: porque tocamos
um samba-reggae, um Jongo, música instrumental, Moacir Santos, Dominguinhos, pela
participação do guitarrista nigeriano Kologbo etc. Já ouvimos de tudo. No fim fica a
percepção de uma festa, de um dia carnaval totalmente carioca, brasileiro,
multicultural, democrático, pacífico e sem preconceitos.

29- Página 64 :

contextualizar a ALA DAS BAIANAS.

“A Ala das Baianas é formada por integrantes de terreiros de candomblé do rio de


janeiro. Isto tem um motivo político , histórico, lúdico, cultural e religioso.”

31- Página 65:

-Como já dissemos, nos identificamos com o Conceito de TAZ. Ver colocação do Cordão
sobre isto. Não achamos que este conceito se aplique apenas as observações do
pesquisador.

-" Tudo na nossa festa de Carnaval, tanto no cortejo como no palco, emana da festa
promovida pelo Cordão do Boitatá. A ação musical/carnavalesca do grupo propicia o
surgimento de todo tipo de brincadeiras e situações que acontecem ao seu redor.
Entendemos que é a orquestra e sua música que inspira os encontros de várias
naturezas. Não há propriamente uma indiferença, estão todos ali inseridos naquele
caldeirão .

32- Página 69:

A comparação do show no palco da Lapa com o show da Praça Xv carece de maior


entendimento. Além da duração, há também um número incomum de artistas na
Praça XV e um contexto completamente diferente.
Já havíamos pontuado isto anteriormente.

abrs
161

ANEXO 6 – Texto de divulgação para a imprensa do carnaval do Cordão do


Boitatá de 2014

“Cordão do Boitatá” comemora 18 anos e promove um grande


Baile Multicultural, no domingo de Carnaval na Praça XV
Artistas como Hamilton de Holanda, Roberta Sá, Áurea Martins,
Luiza Dionízio, Yamandu Costa, Jongo da Serrinha, Marquinhos de Oswaldo Cruz
dentre outros, já confirmaram presença no show

O Cordão do Boitatá completa 18 anos de Carnaval em 2014 e vai brindar os foliões


com um grande Baile Multicultural, em palco montado na Praça XV, no domingo de
Carnaval (2 de março), a partir das 9 da manhã. No maior baile a céu aberto do
Carnaval, o grupo recebe diversos convidados especiais e grandes músicos para seis
horas de muita música e festa.

O show na Praça XV, que há nove anos (o 1º show foi em 2006) reúne grandes artistas
e renomados instrumentistas, conta neste Carnaval com a presença de nomes
como Hamilton de Holanda (que estreia no Carnaval carioca), Roberta Sá, Áurea
Martins, Marquinhos de Oswaldo Cruz, Eduardo Gallotti, Mariana Bernardes, Pedro
Miranda, Mariana Baltar, Luiza Dionízio, Edu Neves, Tia Maria do Jongo da Serrinha,
dentre outros.

Neste Carnaval, o Cordão do Boitatá faz uma homenagem especial a quatro mestres
da nossa música: Dorival Caymmi, Dominguinhos, Délcio Carvalho e Pixinguinha. Os
cantores Roberta Sá, Pedro Miranda, Mariana Baltar e Áurea Martins interpretam
“Canto ao pescador”, “A vizinha do lado” e “Gabriela”, “Oração de Mãe Menininha”,
em homenagem ao centenário de Dorival Caymmi (1914-2008).

O compositor Délcio Carvalho (1939-2013) ganha homenagem nas vozes


das cantoras Luiza Dionízio, Áurea Martins e Mariana Bernardes, que apresentam
“Alvorecer”, “Sonho Meu” e “Acreditar”, pérolas compostas pelo compositor em
parceria com Dona Ivone Lara.

O cantor e compositor Dominguinhos (1941-2013) também ganha uma homenagem,


na voz dos cantores Pedro Miranda e Roberta Sá, que interpretam alguns sucessos do
repertório do artista, como “Aconchego”, “Lamento sertanejo”, “Quem me levará sou
eu” e “Xodó”.

A música instrumental brasileira também estará presente no show do Boitatá, que


contará com grandes expoentes, como o renomado bandolinista Hamilton de
Holanda, que debuta no Carnaval carioca, o acordeonista Kiko Horta, o
saxofonista Edu Neves e a flautista Odette Ernst Dias, de 85 anos. Esta última vai
apresentar “Bachiana nº 5”, de Villa-Lobos.

No Baile Multicultural do Cordão do Boitatá, que em 2013 levou cerca de 60 mil


foliões para a Praça XV, os músicos apresentam no repertório o que há de melhor na
162

tradição musical popular carioca e contemporânea, ressaltando a diversidade e a


multiplicidade da música brasileira. O grupo cria arranjos originais para músicas que
vão desde o “Trenzinho do Caipira”, de Villa-Lobos, até os compositores africanos,
como o nigeriano Fela Kuti ou o sul-africano Abdullah Ibrahim. Também estão
presentes no show as tradicionais marchinhas, sambas e afro-sambas, afoxés, maxixes
e frevos de maestros como Capiba, Duda e Spock, que fazem a alegria do nosso
Carnaval, ou mesmo um inusitado arranjo de Bob Marley para o samba-reggae, num
grande caldeirão musical e antropofágico.

Um dos blocos mais alegres e coloridos do Carnaval carioca, o Cordão do Boitatá fez,
no dia 23 de fevereiro (domingo, pré-Carnaval), o seu tradicional cortejo, partindo da
Rua do Mercado e percorrendo as ruas do centro antigo do Rio até a Praça Tiradentes.
O bloco é reconhecido por seus foliões, que comparecem em peso vestidos com
fantasias criativas e bem-humoradas, desde os primeiros cortejos, quando os músicos
e um grupo de amigos desfilavam fantasiados pelas ruas do Rio Antigo.

Formação do “Cordão do Boitatá”

Formado por Kiko Horta (acordeom), Cris Cotrim (voz e cavaquinho), Luiz Flávio
Alcofra (violão), Thiago Queiroz (sax barítono e alto), Daniela Spielmann (sax
tenor), Ricardo Cotrim (percussão), Paulino Dias (percussão) e Rodrigo
Scofield (bateria), o Cordão do Boitatá conta ainda com o apoio de músicos
convidados, como Chico Oliveira (baixo), Maico Lopes (trompete), Everson
Moraes (trombone),Maionese (flauta e flautim) e Naife Simões (percussão).

SOBRE O CORDÃO DO BOITATÁ – O GRUPO E O BLOCO

Criado em 1996, o grupo Cordão do Boitatá tem como referência a diversidade


cultural da música e das festas populares brasileiras.

O Cordão do Boitatá foi pioneiro e teve um papel essencial na retomada e na


revitalização do Carnaval de rua da cidade. Desde 1997, o bloco circula pelas ruas
estreitas repletas de casarios do Rio Antigo, proporcionando uma acústica perfeita, já
que o percurso é realizado sem caixas de som. A partir de 2006, além do tradicional
desfile, que chega a reunir quase 100 instrumentistas de sopros e percussão, e
milhares de foliões fantasiados, o bloco também promove um grande show de
Carnaval ao ar livre, com inúmeros convidados ilustres, como Teresa Cristina, Roberta
Sá, Martinho da Vila e Yamandú Costa, dentre outros grandes nomes da música
brasileira. O show acontece em palco montado pelo grupo na Praça XV, com som
amplificado para mais de 80.000 foliões, com um padrão técnico digno dos principais
festivais da cidade.

A partir de 2013, o Cordão do Boitatá ampliou o seu Carnaval para dois dias de
folia. Neste ano, seu tradicional Cortejo foi realizado no domingo anterior ao Carnaval,
com trajeto da Praça XV à Praça Tiradentes, trazendo para os foliões dois momentos
marcantes e distintos do Carnaval carioca: o cortejo na rua e o grande show de
Carnaval, no palco montado na Praça XV.
163

Em fevereiro de 2004, o grupo Cordão do Boitatá lançou seu primeiro CD, Sabe lá o
que é isso?’ (Deckdisc), que contou com a participação de D. Ivone Lara e Xangô da
Mangueira, entre outros, e foi aclamado pela crítica especializada de todo o país.

No Carnaval de 2011, ganhou o Prêmio O Globo de Blocos na categoria “Melhor


Música”.

Boitatá é uma palavra de origem tupi-guarani, que significa cobra de fogo.

SERVIÇO – BAILE MULTICULTURAL DO “CORDÃO DO BOITATÁ” – PRAÇA XV


Dia: 2 de março de 2014 (Domingo de Carnaval)
Local: Praça XV
Horário: Das 9h às 15h
Classificação etária: livre
Entrada Franca
Cordão do Boitatá - Mais informações:
Ciranda Assessoria de Comunicação
Telefax: (21) 2540-5865
Susana Ribeiro – (21) 9323-5893 - susana.ribeiro@ciranda.inf.br
Passarim Comunicação
Silvana Cardoso – (21) 9249-0947 / 3256-4334 - silvana.cardoso@gmail.com
164

ANEXO 7 – Roteiro do show realizado no palco da Praça XV, em 2013

ABERTURA (PUXADA DO AGOGO )


(FLAUTA,TAMBORES,KAOS PEDAL,EFEITOS,CANTO
HARMÔNICO,SINOS,REVERB PARA TODOS!! )

- COISA No 4
- DOCE MELODIA (COMEÇA VOZ E CAVAQUINHO/CRIS)
- ABRE ALAS- Dm / PASTORINHAS - Dm / MASCARA NEGRA- F
- BOLE BOLE/ ISTO AQUI O QUE

TERESA CRISTINA
-TEM XINXIM E ACARAJÉ - E/ BAHIA É UM ENCANTO A MAIS - E
-SAMBA PRAS MOÇAS - G
-BLOCO DO PRAZER – Em / CHUVA SUOR E CERVEJA - G

MARIANA BALTAR
- JUÍZO FINAL
-MARACANGALHA - F
-POMBO CORREIO

-COCADA (FREVO INSTRUMENTAL)

PEDRO MIRANDA
-HELLO MY GIRL
-CANJIQUINHA /YAÔ- C /BENGUELÊ – F

YAMANDÚ
-FREVO SANFONADO
- FORRÓ BRASIL
-CHEGA DE SAUDADE - Gm PEDRINHO

AUREA MARTINS

-RIO MEU VÍCIO


-SE TODOS FOSSEM IGUAIS A VOCÊ
-MARCHA DA QUARTA FEIRA de CINZAS
-FELICIDADE

MARIANA BERNARDES

-MADALENA
-LUA DOS AMANTES
-IS THIS LOVE
-SONHO DE CARNAVAL (C) /CAPITAL DO SAMBA ? /TEM CAPOEIRA? / SE
VC JURAR
-PODIA SER MELHOR
165

- JONGO DA SERRINHA

-TAVA DURUMINDO – TIA MARIA (SEM HARMONIA)


- JONGO LAZIR – Cm/ GALO MACUCO – Cm
- BENDITO- C/ BOI PRETO- C/
- LENDA DAS SEREIAS- E

ROBERTA SÁ
- TRISTEZA
-A VIZINHA QUANDO PASSA
-O QUE ME ACONTECIA
-ALÔ FEVEREIRO

(CRIS )

MULATA BOSSA NOVA – C/ CHIQUITA BACANA –C /FILHA DA CHIQUITA-


G

-SAMBEI 24H
-FORMOSA - G/ LAPINHA - C (MARIANA BALTAR)

-GAROTA DE IPANEMA (MARIANA BALTAR) E MIRRICE


- TARDE EM ITAPOÃ ? tvz role

GABRIEL IMPROTESE

-DIRE STREITS (SOLTA SEU SWING)


-CHORO PRA MCOY
-NANÃ

MARIANA DE MORAES

- CONSOLAÇÃO - Dm
- SE VC DISSER QUE SIM (falta a parte) - Bb
- SAMBA DA BENÇÃO - C

MARIENE DE CASTRO
-CONTO DE AREIA
- RAIZ - G
- ILHA MARÉ - A

-FREVO NOVO – D / ULTIMO DIA/ PICADINHO

MARQUINHOS DE OSWALDO CRUZ/PARTIDOS - D

HOMENAGEM AO MARTINHO /VAMOS VER O HORARIO DELE DE


CHEGADA
166

MARCELINHO MOREIRA

-FESTA DE UMBANDA /QUEM ME GUIA


- SORRI PRA MIM
- BATUQUE NA COZINHA

MARTINHO DA VILA

WALMIR ARAGÃO E ALCINÉIA MARTINS


- NAÇÃO VERTENTE
-ELEGIBÔ
-NEGRUME DA NOITE

ABAYOMY
- OBATALÁ
- MALUNGUINHO
- REMEMBER FELA

EDU NEVES
-CHORINHO EM COCHABAMBA
- PICA-PAU

MARIANA BALTAR e CRIS


-YES NOS TEMOS BANANAS/BALANCÊ -D
-TOURADAS / ANDA LUZIA - Am

RUBINHO
-PETER PAN
-99 não são 100

NOITE DOS MASCARADOS (PEDRO MIRANDA E MARIANA BALTAR)

-FREVO TOM ZÉ - C / COME E DORME - C/ FREVO DE ITAMARACÁ - C


- DUDA/NINO PERNAMBUQUINHO/ CABELO DE FOGO
-EXALTAÇÃO A TIRADENTES (PEDRINHO)
- HERÓIS DA LIBERDADE (PEDRINHO)
-AQUARELA COM O PEDRINHO Gm

BIS:

- PIERROT APAIXONADO/ JARDINEIRA/ ALALAÔ/ CACHAÇA/ AURORA/


BOLA PRETA - Bb
-TAÍ - Am
- VASSOURINHA
-BANDEIRA BRANCA – Fm
167

ANEXO 8 – Roteiro do cortejo de rua realizado em 2013

Ou vai ou Racha Emoriô Cm


Marancangalha F Patuscada C
Trenzinho Caipira Canto de Iemanjá
Colonial mentality(felákuti)
Ze pereira F No Woman no Cry
Abre Alas Fm Tiradentes
pastorinhasFm Ê Baiana C
mascara negra Ab Bafo da onça F
teu cabelo não nega Ab Madeira que cupim n roi
Touradas Dm Cocada
Ta-hi Cm Cabelo de fogo
pierro apaixonadoC Vassourinha Bb
vai com jeito C cidade maravilhosa C
Jardineira C bandeira branca FM
Allah la ô C
Quem sabe sabe Cm
Saca-Rolha Am
Cachaça C
Aurora C

É d’ Oxum Ab
Toda menina baiana C
Filhos de gandhi G
African Market
Festa do interior D
Fanfarra 1 G (135)
balancê G
sassaricando G
chiquita bacana G
yes nos temos banana G
mulata bossa nova G
Na Cadência do Samba
Tristeza F
Ê Capoeira
Pega no ganzé F
bola preta C
mamae eu quero C
maria é sapatao C
cabeleira do zeze C
me da um dinheiro ai C
indio quer apito Cm

Fanfarra 2 Bb (5151)
colombina yeyeye Bb
remador Bb

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