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1º Domingo do Advento

Das Catequeses de São Cirilo de Jerusalém, bispo (Séc. IV)

As duas vindas de Cristo

Anunciamos a vinda de Cristo: não apenas a primeira, mas também a segunda, muito mais
gloriosa. Pois a primeira revestiu um aspecto de sofrimento, mas a segunda manifestará
a coroa da realeza divina.

Aliás, tudo o que concerne a nosso Senhor Jesus Cristo tem quase sempre uma dupla
dimensão. Houve um duplo nascimento: primeiro, ele nasceu de Deus, antes dos séculos;
depois, nasceu da Virgem, na plenitude dos tempos. Dupla descida: uma, discreta como
a chuva sobre a relva; outra, no esplendor, que se realizará no futuro.

Na primeira vinda, ele foi envolto em faixas e reclinado num presépio; na segunda, será
revestido num manto de luz. Na primeira, ele suportou a cruz, sem recusar a sua
ignomínia; na segunda, virá cheio de glória, cercado de uma multidão de anjos.

Não nos detemos, portanto, somente na primeira vinda, mas esperamos ainda,
ansiosamente, a segunda. E assim como dissemos na primeira: Bendito o que vem em
nome do Senhor (Mt 21,9), aclamaremos de novo, no momento de sua segunda vinda,
quando formos com os anjos ao seu encontro para adorá-lo: Bendito o que vem em nome
do Senhor.

Virá o Salvador, não para ser novamente julgado, mas para chamar a juízo aqueles que se
constituíram seus juízes. Ele, que ao ser julgado, guardara silêncio, lembrará as
atrocidades dos malfeitores que o levaram ao suplício da cruz, e lhes dirá: Eis o que
fizestes e calei-me (Sl 49,21).

Naquele tempo ele veio para realizar um desígnio de amor, ensinando aos homens com
persuasão e doçura; mas, no fim dos tempos, queiram ou não, todos se verão obrigados a
submeter-se à sua realeza.

O profeta Malaquias fala dessas duas vindas: Logo chegará ao seu templo o Senhor que
tentais encontrar (Ml 3,1). Eis uma vinda.

E prossegue, a respeito da outra: E o anjo da aliança, que desejais. Ei-lo que vem, diz o
Senhor dos exércitos; e quem poderá fazer-lhe frente, no dia de sua chegada? E quem
poderá resistir-lhe, quando ele aparecer? Ele é como o fogo da forja e como a barrela dos
lavadeiros; e estará a postos, como para fazer derreter e purificar (Ml 3,1-3).

Paulo também se refere a essas duas vindas quando escreve a Tito: A graça de Deus se
manifestou trazendo salvação para todos os homens. Ela nos ensina a abandonar a
impiedade e as paixões mundanas e a viver neste mundo com equilíbrio, justiça e piedade,
aguardando a feliz esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador,
Jesus Cristo (Tt 2,11-13). Vês como ele fala da primeira vinda, pela qual dá graças, e da
segunda que esperamos?
Por isso, o símbolo da fé que professamos nos é agora transmitido, convidando-nos a crer
naquele que subiu aos céus, onde está sentado à direita do Pai. E de novo há de vir, em
sua glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu reino não terá fim. Nosso Senhor
Jesus Cristo virá, portanto, dos céus, virá glorioso no fim do mundo, no último dia. Dar-
se-á a consumação do mundo, e este mundo que foi criado será inteiramente renovado.

Oremos: Ó Deus todo-poderoso, concedei a vossos fiéis o ardente desejo de possuir o


reino celeste, para que, acorrendo com as nossas boas obras ao encontro do Cristo que
vem, sejamos reunidos à sua direita na comunidade dos justos. Por nosso Senhor Jesus
Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
Segunda-feira da 1ª Semana do Advento

Das Cartas Pastorais de São Carlos Borromeu, bispo (Séc. XVI)

O tempo do Advento

Caros filhos, eis chegado o tempo tão importante e solene que, conforme diz o Espírito
Santo, é o momento favorável, o dia da salvação (cf. 2Cor 6,2), da paz e da reconciliação.
É o tempo que outrora os patriarcas e profetas tão ardentemente desejaram com seus
anseios e suspiros; o tempo que o justo Simeão finalmente pôde ver cheio de alegria,
tempo celebrado sempre com solenidade pela Igreja, e que também deve ser
constantemente vivido com fervor, louvando e agradecendo ao Pai eterno pela
misericórdia que nos revelou nesse mistério. Em seu imenso amor por nós, pecadores, o
Pai enviou seu Filho único a fim de libertar-nos da tirania e do poder do demônio,
convidar-nos para o céu, revelar-nos os mistérios do seu reino celeste, mostrar-nos a luz
da verdade, ensinar-nos a honestidade dos costumes, comunicar-nos os germes das
virtudes, enriquecer-nos com os tesouros da sua graça e, enfim, adotar-nos como seus
filhos e herdeiros da vida eterna.

Celebrando cada ano este mistério, a Igreja nos exorta a renovar continuamente a
lembrança de tão grande amor de Deus para conosco. Ensina-nos também que a vinda de
Cristo não foi proveitosa apenas para os seus contemporâneos, mas que a sua eficácia é
comunicada a todos nós se, mediante a fé e os sacramentos, quisermos receber a graça
que ele nos prometeu, e orientar nossa vida de acordo com os seus ensinamentos.

A Igreja deseja ainda ardentemente fazer-nos compreender que o Cristo, assim como veio
uma só vez a este mundo, revestido da nossa carne, também está disposto a vir de novo,
a qualquer momento, para habitar espiritualmente em nossos corações com a profusão de
suas graças, se não opusermos resistência.

Por isso, a Igreja, como mãe amantíssima e cheia de zelo pela nossa salvação, nos ensina
durante este tempo, com diversas celebrações, com hinos, cânticos e outras palavras do
Espírito Santo, como receber convenientemente e de coração agradecido este imenso
benefício e a enriquecer-nos com seus frutos, de modo que nos preparemos para a chegada
de Cristo nosso Senhor com tanta solicitude como se ele estivesse para vir novamente ao
mundo. É com esta diligência e esperança que os patriarcas do Antigo Testamento nos
ensinaram, tanto em palavras como em exemplos, a preparar a sua vinda.

Oremos: Senhor nosso Deus, dai-nos esperar solícitos a vinda do Cristo, vosso Filho.
Que ele, ao chegar, nos encontre vigilantes na oração e proclamando o seu louvor. Por
nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
Terça-feira da 1ª Semana do Advento

Dos Sermões de São Gregório de Nazianzo, bispo (Séc. IV)

Ó admirável intercâmbio!

O próprio Filho de Deus, que existe desde toda a eternidade, o invisível, o


incompreensível, incorpóreo, princípio que procede do princípio, a luz nascida da luz, a
fonte da vida e da imortalidade, a expressão do arquétipo, divino, o selo inamovível, a
imagem perfeita, a palavra e o pensamento do Pai, vem em ajuda da criatura feita à sua
imagem, e por amor do homem se faz homem. Para purificar aqueles de quem se tornou
semelhante, assume tudo o que é humano, exceto o pecado. Foi concebido por uma
Virgem, já santificada pelo Espírito Santo no corpo e na alma, para honrar a maternidade
e ao mesmo tempo exaltar a excelência da virgindade; e assumindo a humanidade sem
deixar de ser Deus, uniu em si mesmo duas realidades contrárias, a saber, a carne e o
espírito. Uma delas conferiu a divindade, a outra recebeu-a.

Aquele que enriquece os outros torna-se pobre. Aceita a pobreza de minha condição
humana para que eu possa receber os tesouros de sua divindade. Aquele que possui tudo
em plenitude, aniquila-se a si mesmo; despoja-se de sua glória por algum tempo, para que
eu participe de sua plenitude.

Quais são essas riquezas da bondade? Qual é esse mistério que me concerne? Recebi a
imagem divina mas não soube conservá-la. Ele assumiu a minha condição humana para
restaurar a perfeição dessa imagem e dar a imortalidade a esta minha condição mortal.
Assim estabelece conosco uma segunda aliança, muito mais admirável que a primeira.

Convinha que a santidade fosse dada ao homem mediante a humanidade assumida por
Deus. Convinha que ele triunfasse desse modo sobre o tirano que nos subjugava, para nos
restituir a liberdade e reconduzir-nos a si através de seu Filho, nosso Mediador; e Cristo
realizou, de fato, esta obra redentora para a glória de seu Pai, que era o objetivo de todas
as suas ações.

O bom Pastor, que dá a vida por suas ovelhas, veio ao encontro da que estava perdida,
procurando-a pelos montes e colinas onde tu sacrificavas aos ídolos; tendo-a encontrado,
tomou-a sobre seus ombros – os mesmos que carregaram a cruz – reconduzindo-a à vida
eterna.

Depois daquela tênue lâmpada do Precursor, veio a Luz claríssima de Cristo; depois da
voz, veio a Palavra; depois do amigo do esposo, o Esposo. O Senhor veio depois daquele
que lhe preparou um povo perfeito, predispondo os homens, por meio da água
purificadora, para receberem o batismo do Espírito.

Foi necessário que Deus se fizesse homem e morresse, para que tivéssemos a vida.
Morremos com ele para sermos purificados; ressuscitamos com ele porque com ele
morremos. Fomos glorificados com ele, porque com ele ressuscitamos.
Oremos: Sede propício, ó Deus, às nossas súplicas, e auxiliai-nos em nossa tribulação.
Consolados pela vinda do vosso Filho, sejamos purificados da antiga culpa. Por nosso
Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
Quarta-feira da 1ª Semana do Advento

Dos Sermões de São Bernardo, abade (Séc. XII)

O Verbo de Deus virá a nós

Conhecemos uma tríplice vinda do Senhor. Entre a primeira e a última há uma vinda
intermediária. Aquelas são visíveis, mas esta, não. Na primeira vinda o Senhor apareceu
na terra e conviveu com os homens. Foi então, como ele próprio declara, que viram-no e
não o quiseram receber. Na última, todo homem verá a salvação de Deus (Lc 3,6) e
olharão para aquele que transpassaram (Zc 12,10). A vinda intermediária é oculta e nela
somente os eleitos o vêem em si mesmos e recebem a salvação. Na primeira, o Senhor
veio na fraqueza da carne; na intermediária, vem espiritualmente, manifestando o poder
de sua graça; na última, virá com todo o esplendor da sua glória.

Esta vinda intermediária é, portanto, como um caminho que conduz da primeira à última;
na primeira, Cristo foi nossa redenção; na última, aparecerá como nossa vida; na
intermediária, é nosso repouso e consolação.

Mas, para que ninguém pense que é pura invenção o que dissemos sobre esta vinda
intermediária, ouvi o próprio Senhor: Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o
meu Pai o amará, e nós viremos a ele (cf. Jo 14,23). Lê-se também noutro lugar: Quem
teme a Deus, faz o bem (Eclo 15,1). Mas vejo que se diz algo mais sobre o que ama a
Deus, porque guardará suas palavras. Onde devem ser guardadas? Sem dúvida alguma no
coração, como diz o profeta: Conservei no coração vossas palavras, a fim de que eu não
peque contra vós (Sl 118,11).

Guarda, pois, a palavra de Deus, porque são felizes os que a guardam; guarda-a de tal
modo que ela entre no mais íntimo de tua alma e penetre em todos os teus sentimentos e
costumes. Alimenta-te deste bem e tua alma se deleitará na fartura. Não esqueças de
comer o teu pão para que teu coração não desfaleça, mas que tua alma se sacie com este
alimento saboroso.

Se assim guardares a palavra de Deus, certamente ela te guardará. Virá a ti o Filho em


companhia do Pai, virá o grande Profeta que renovará Jerusalém e fará novas todas as
coisas. Graças a essa vinda, como já refletimos a imagem do homem terrestre, assim
também refletiremos a imagem do homem celeste (1Cor 15,49). Assim como o primeiro
Adão contagiou toda a humanidade e atingiu o homem todo, assim agora é preciso que
Cristo seja o senhor do homem todo, porque ele o criou, redimiu e o glorificará.

Oremos: Senhor Deus, preparai os nossos corações com a força da vossa graça, para que,
ao chegar o Cristo, vosso Filho, nos encontre dignos do banquete da vida eterna e ele
mesmo nos sirva o alimento celeste. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na
unidade do Espírito Santo.
Quinta-feira da 1ª Semana do Advento
Do Comentário sobre o Diatéssaron, de Santo Efrém, diácono (Séc. IV)

Vigiai: Cristo virá de novo

Para impedir que os discípulos o interrogassem sobre o momento de sua vinda, disse-lhes
Cristo: Aquela hora ninguém a conhece, nem os anjos nem o Filho. Não vos compete
saber o tempo e o momento (cf. Mc 13,32-33). Ocultou-nos isso para que ficássemos
vigilantes e cada um de nós pudesse pensar que esse acontecimento se daria durante a
nossa vida. Se tivesse revelado o tempo de sua vinda, esta deixaria de ter interesse e não
seria mais desejada pelos povos da época em que se manifestará. Ele disse que viria, mas
não declarou o momento e por isso as gerações e todos os séculos o esperam
ardentemente.

Embora o Senhor tenha dado a conhecer os sinais de sua vinda, não se vê exatamente o
último deles, pois numa mudança contínua, esses sinais apareceram e passaram e, por
outro lado, ainda perduram. Sua última vinda será igual à primeira.

Os justos e os profetas o desejavam, pensando que se manifestaria em seu tempo; do


mesmo modo, cada um dos fiéis de hoje deseja recebê-lo em sua época, pois ele não disse
claramente o dia em que viria. E isto sobretudo para ninguém pensar que está submetido
a uma determinação e hora, ele que domina os números e os tempos. Como poderia estar
oculto àquele que descreveu os sinais de sua vinda, o que ele próprio estabeleceu? O
Senhor pôs em relevo esses sinais para que, desde o primeiro dia, os povos de todos os
séculos pensassem que ele viria no próprio tempo deles.

Permanecei vigilantes porque, quando o corpo dorme, é a natureza que nos domina e
nossa atividade é então dirigida, não por nossa vontade, mas pelos impulsos da natureza.
E quando a alma está dominada por um pesado torpor, como por exemplo a
pusilanimidade ou a tristeza, é o inimigo que a domina e a conduz, mesmo contra a sua
vontade. Os impulsos dominam a natureza e o inimigo domina a alma.

Por isso, o Senhor recomendou ao homem a vigilância tanto da alma como do corpo: ao
corpo, para que se liberte da sonolência; e à alma, para que se liberte da indolência e
pusilanimidade. Assim diz a Escritura: Vigiai, justos (cf. 1Cor 15,34); e também:
Despertei e ainda estou contigo (cf. Sl 138,18); e ainda: Não desanimeis (cf. Jo 16,33).
Por isso não desanimamos no exercício do ministério que recebemos (2Cor 4,1).

Oremos: Despertai, ó Deus, o vosso poder e socorrei-nos com a vossa força, para que
vossa misericórdia apresse a salvação que nossos pecados retardam. Por nosso Senhor
Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
Sexta-feira da 1ª Semana do Advento
Do livro “Proslógion”, de Santo Anselmo, bispo (Séc. XII)

O desejo de contemplar a Deus

Vamos, coragem, pobre homem! Foge um pouco de tuas ocupações. Esconde-te um


instante do tumulto de teus pensamentos. Põe de parte os cuidados que te absorvem e
livra-te das preocupações que te afligem. Dá um pouco de tempo a Deus e repousa nele.

Entra no íntimo de tua alma, afasta tudo de ti, exceto Deus ou o que possa ajudar-te a
procurá-lo; fecha a porta e põe-te à sua procura. Agora fala, meu coração, abre-te e dize
a Deus: Busco a vossa face; Senhor, é a vossa face que eu procuro (Sl 26,8).

E agora, Senhor meu Deus, ensinai a meu coração onde e como vos procurar, onde e como
vos encontrar.

Senhor, se não estais aqui, se estais ausente, onde vos procurarei? E se estais em toda
parte, por que não vos encontro presente? É certo que habitais numa luz inacessível, mas
onde está essa luz inacessível e como chegarei a ela? Quem me conduzirá e nela me
introduzirá, para que nela eu vos veja? E depois, com que sinais e sob que aspecto vos
devo procurar? Nunca vos vi, Senhor meu Deus, não conheço a vossa face.

Que pode fazer, altíssimo Senhor, que pode fazer este exilado longe de vós? Que pode
fazer este vosso servo, sedento do vosso amor, mas tão longe da vossa presença? Aspira
ver-vos, mas vossa face se esconde inteiramente dele. Deseja aproximar-se de vós, mas
vossa morada é inacessível. Aspira encontrar-vos, mas não sabe onde estais. Tenta
procurar-vos, mas desconhece a vossa face.

Senhor, vós sois o meu Deus, o meu Senhor, e nunca vos vi. Vós me criastes e redimistes,
destes-me todos os meus bens e ainda não vos conheço. Fui criado para vos ver e ainda
não fiz aquilo para que fui criado.

E vós, Senhor, até quando? Até quando, Senhor, nos esquecereis, até quando nos
ocultareis a vossa face? Quando nos olhareis e nos ouvireis? Quando iluminareis os
nossos olhos, e nos mostrareis a vossa face? Quando voltareis a nós?

Olhai-nos, Senhor, ouvi-nos, mostrai-vos a nós. Dai-nos novamente a vossa presença para
sermos felizes, pois sem vós somos tão infelizes! Tende piedade dos rudes esforços que
fazemos para alcançar-vos, nós que nada podemos sem vós.

Ensinai-me a vos procurar e mostrai-vos quando vos procuro; pois não posso procurar-
vos se não me ensinais nem encontrar-vos se não vos mostrais. Que desejando eu vos
procure, procurando vos deseje, amando vos encontre, e encontrando vos ame.

Oremos: Despertai, Senhor, vosso poder e vinde, para que vossa proteção afaste os
perigos a que nossos pecados nos expõem, e a vossa salvação nos liberte. Vós, que sois
Deus com o Pai, na unidade do Espírito Santo.
Sábado da 1ª Semana do Advento
Do Tratado sobre o bem da paciência, de São Cipriano, bispo e mártir (Séc. III)

Esperamos o que não vemos

É este o preceito salvífico de nosso Senhor e Mestre: Quem perseverar até o fim, será
salvo (Mt 10,22). E ainda: Se permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente
meus discípulos, e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará (Jo 8,31-32).

É preciso ter paciência e perseverar, irmãos caríssimos, para que, tendo sido introduzidos
na esperança da verdade e da liberdade, possamos chegar à verdade e à liberdade. O fato
de sermos cristãos exige que tenhamos fé e esperança, mas a paciência é necessária para
que elas possam dar seus frutos.

Nós não buscamos a glória presente, mas a futura, como também ensina o Apóstolo Paulo:
Já fomos salvos, mas na esperança. Ora, o objeto da esperança não é aquilo que se vê;
como pode alguém esperar o que já vê? Mas se esperamos o que não vemos, é porque o
estamos aguardando mediante a perseverança (Rm 8,24-25). A esperança e a paciência
são necessárias para levarmos a bom termo o que começamos a ser e para conseguirmos
aquilo que, tendo-nos sido apresentado por Deus, esperamos e acreditamos.

Noutro lugar, o mesmo Apóstolo ensina os justos, os que praticam o bem e os que
acumulam para si tesouros no céu, na esperança da felicidade eterna, a serem também
pacientes, dizendo: Portanto, enquanto temos tempo, façamos o bem a todos,
principalmente aos irmãos na fé. Não desanimemos de fazer o bem, pois no tempo devido
haveremos de colher, sem desânimo (Gl 6,10.9).

Ele recomenda a todos que não deixem de fazer o bem por falta de paciência; que
ninguém, vencido ou desanimado pelas tentações, desista no meio do caminho do mérito
e da glória, e venha a perder as boas obras já feitas, por não ter levado até o fim o que
começou.

Finalmente, o Apóstolo, ao falar da caridade, une a ela a tolerância e a paciência. A


caridade, diz ele, é paciente, é benigna; não é invejosa, não se ensoberbece, não se
encoleriza, não suspeita mal; tudo ama, tudo crê, tudo espera, tudo suporta (1Cor 13,4-
5). Ensina-nos, portanto, que só a caridade pode permanecer, porque é capaz de tudo
suportar.

E noutra passagem diz: Suportai-vos uns aos outros com amor; aplicai-vos a guardar a
unidade do espírito pelo vínculo da paz (Ef 4,2b-3). Provou deste modo que só é possível
conservar a união e a paz quando os irmãos se suportam mutuamente e guardam, mediante
a paciência, o vínculo da concórdia.

Oremos: Ó Deus, que enviastes a este mundo o vosso Unigênito para libertar da antiga
escravidão o gênero humano, concedei aos que esperam vossa misericórdia chegar à
verdadeira liberdade. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito
Santo.
2º Domingo do Advento
Dos Comentários sobre o Profeta Isaías, de Eusébio de Cesaréia, bispo (Séc. IV)

Uma voz clama no deserto

Uma voz clama no deserto: “Preparai o caminho do Senhor, aplainai a estrada de nosso
Deus (Is 40,3). O profeta afirma claramente que não será em Jerusalém, mas no deserto
que se realizará esta profecia, isto é, a manifestação da glória do Senhor e o anúncio da
salvação de Deus para toda a humanidade.

Na verdade, tudo isto se realizou literalmente na história, quando João Batista anunciou
no deserto do Jordão a vinda salvífica de Deus e ali se revelou a salvação de Deus. De
fato, Cristo manifestou-se a todos em sua glória quando, depois de seu batismo, os céus
se abriram e o Espírito Santo, descendo em forma de pomba, pousou sobre ele; e a voz
do Pai se fez ouvir, dando testemunho do Filho: Este é o meu Filho amado, escutai-o (Mt
17,5).

Estas coisas foram ditas porque Deus deveria vir ao deserto, desde sempre fechado e
inacessível. Com efeito, todas as nações pagãs estavam privadas do conhecimento de
Deus, e os homens justos e os profetas de Deus nunca haviam penetrado nelas.

Por este motivo, a voz ordena que se prepare um caminho para a Palavra de Deus e se
aplainem os terrenos escarpados e ásperos, a fim de que o nosso Deus possa entrar quando
vier. Preparai o caminho do Senhor (Mc 1,3): é esta a pregação evangélica que traz um
novo consolo e deseja ardentemente que o anúncio da salvação de Deus chegue a todos
os homens.

Sobe a um alto monte, tu, que trazes a boa-nova a Sião. Levanta com força a voz, tu, que
trazes a boa-nova a Jerusalém (Is 40,9). Depois que se mencionou a voz que clama no
deserto, convêm perfeitamente estas palavras, que se referem aos evangelistas e anunciam
a vinda de Deus entre os homens. De fato, a alusão aos evangelistas devia logicamente
seguir a profecia sobre João Batista.

Que Sião é esta, senão a que antes se chamava Jerusalém? Era realmente um monte, como
declara esta palavra da Escritura: O monte Sião que escolhestes para morada (Sl 73,2). E
o Apóstolo: Vós vos aproximastes do monte de Sião (Hb 12,22). Não será uma alusão ao
grupo dos apóstolos, escolhido entre o antigo povo da circuncisão?

Tal é, pois, Sião ou Jerusalém, que recebeu a salvação de Deus, e que foi edificada sobre
o monte de Deus, isto é, sobre o Verbo, seu Filho único. A ela, que subiu ao alto monte,
é que Deus ordena anunciar a palavra da salvação. Mas quem anuncia a boa-nova, senão
o coro dos evangelistas? E o que significa anunciar a boa-nova? É proclamar a todos os
homens, e em primeiro lugar às cidades de Judá, a vinda de Cristo à terra.
Oremos: Ó Deus todo-poderoso e cheio de misericórdia, nós vos pedimos que nenhuma
atividade terrena nos impeça de correr ao encontro do vosso Filho, mas, instruídos pela
vossa sabedoria, participemos da plenitude de sua vida. Por nosso Senhor Jesus Cristo,
vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
Segunda-feira da 2ª Semana do Advento
Do Tratado “A subida do Monte Carmelo”, de São João da Cruz, presbítero (Séc. XVI)

Deus nos falou pelo Cristo

O motivo principal por que na antiga Lei eram lícitas as perguntas feitas a Deus, e
convinha aos profetas e sacerdotes desejarem visões e revelações divinas, era não estar
ainda bem fundada a fé nem estabelecida a Lei evangélica. Era assim necessário que se
interrogasse a Deus e ele respondesse, ora por palavras, ora por visões e revelações, ora
por meio de figuras e símbolos ou finalmente por muitas outras maneiras de expressão.
Porque tudo o que respondia, falava e revelava, eram mistérios da nossa fé ou verdades
que a ela se referiam ou a ela conduziam.

Agora, já estando firmada a fé em Cristo e promulgada a Lei evangélica nesta era de


graça, não há mais razão para perguntar a Deus, daquele modo, nem para que ele responda
como antigamente. Ao dar-nos, como nos deu, o seu Filho, que é a sua única Palavra (e
não há outra), disse-nos tudo de uma vez nessa Palavra e nada mais tem a dizer.

É este o sentido do texto em que São Paulo busca persuadir os hebreus a se afastarem
daqueles primitivos modos de tratar com Deus, previstos na lei de Moisés, e a fixarem os
olhos unicamente em Cristo, dizendo: Muitas vezes e de muitos modos falou Deus outrora
aos nossos pais, pelos profetas; nestes dias, que são os últimos, ele nos falou por meio de
seu Filho (Hb 1,1-2). Por estas palavras o Apóstolo dá a entender que Deus emudeceu,
por assim dizer, e nada mais tem a falar, pois o que antes dizia em parte aos profetas,
agora nos revelou no todo, dando-nos o Tudo, que é o seu Filho.

Se agora, portanto, alguém quisesse interrogar a Deus, ou pedir-lhe alguma visão ou


revelação, faria injúria a Deus não pondo os olhos totalmente em Cristo, sem querer outra
coisa ou novidade alguma. Deus poderia responder-lhe deste modo: Este é o meu Filho
amado, no qual eu pus todo o meu agrado. Escutai-o! (Mt 17,5). Já te disse todas as coisas
em minha Palavra. Põe os olhos unicamente nele, pois nele tudo disse e revelei, e
encontrarás ainda mais do que pedes e desejas.

Desde o dia em que, no Tabor, desci com meu Espírito sobre ele, dizendo: Este é o meu
Filho amado, no qual eu pus todo o meu agrado. Escutai-o!, aboli todas as antigas
maneiras de ensinamento e resposta. Se falava antes, era para prometer o Cristo; se me
interrogavam, eram perguntas relacionadas com o pedido e a esperança da vinda do
Cristo, no qual haviam de encontrar todo o bem – como agora o demonstra toda a doutrina
dos evangelhos e dos apóstolos.

Oremos: Cheguem à vossa presença, ó Deus, as nossas orações suplicantes, e possamos


celebrar de coração puro o grande mistério da encarnação do vosso Filho. Que convosco
vive e reina, na unidade do Espírito Santo.
Terça-feira da 2ª Semana do Advento
Da Constituição dogmática Lumen gentium sobre a Igreja, do Concílio Vaticano II
(Séc. XX)
Índole escatológica da Igreja peregrina

A Igreja, à qual somos todos chamados no Cristo Jesus e na qual, pela graça de Deus,
alcançamos a santidade, só será consumada na glória celeste, quando chegar o tempo da
restauração de todas as coisas; e quando, com o gênero humano, também o mundo inteiro,
que está intimamente unido ao homem e por ele atinge o seu fim, for perfeitamente
recapitulado no Cristo.

Cristo, ao ser elevado da terra, atraiu a si todos os homens; ressuscitado dos mortos,
enviou aos discípulos seu Espírito vivificante e por meio dele constituiu seu Corpo, que
é a Igreja, como sacramento universal de salvação. Sentado à direita do Pai, age
continuamente no mundo para conduzir os homens à Igreja e por ela uni-los mais
estreitamente a si e, alimentando-os com seu Corpo e seu Sangue, torná-los participantes
de sua vida gloriosa.

A restauração que nos foi prometida e que esperamos já começou, pois, em Cristo,
prossegue na missão do Espírito Santo e por meio dele continua na Igreja que, pela fé,
também nos ensina o sentido de nossa vida temporal, enquanto, com a esperança dos bens
futuros, vamos realizando a obra que o Pai nos confiou no mundo e trabalhamos para a
nossa salvação.

Já chegou para nós o fim dos tempos; a renovação do mundo foi irrevogavelmente
decidida e de certo modo é realmente antecipada neste mundo. De fato, a Igreja possui,
já na terra, uma verdadeira santidade, embora imperfeita.

Contudo, até que venham os novos céus e a nova terra onde habita a justiça, a Igreja
peregrina, em seus sacramentos e instituições que pertencem a este tempo, traz consigo a
figura deste mundo que passa, e vive entre as criaturas que até agora gemem e sofrem
dores de parto, aguardando a manifestação dos filhos de Deus.

Oremos: Ó Deus, que manifestastes o vosso Salvador até os confins da terra, dai-nos
esperar com alegria a glória do seu natal. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na
unidade do Espírito Santo.
Quarta-feira da 2ª Semana do Advento
Dos comentários sobre os Salmos, de Santo Agostinho, bispo (Séc. V)

Deus cumpre as suas promessas por meio de seu Filho

Deus estabeleceu não só um tempo para suas promessas, como também um tempo para a
realização do que prometera. O tempo das promessas vai dos profetas a João Batista. A
partir dele começa o tempo de cumprir-se o prometido.

Deus, que se fez nosso devedor, é fiel, nada recebendo de nós mas nos prometendo tão
grandes bens. Pareceu-lhe pouco a simples promessa e, por isso, quis ainda comprometer-
se por escrito, como que firmando conosco um contrato. Desse modo, quando começasse
a cumprir as coisas prometidas, veríamos em tal escritura a ordem com que seriam
realizadas. O tempo das profecias era o do anúncio das promessas, como já dissemos
várias vezes.

Prometeu-nos a salvação eterna, a vida bem-aventurada e sem fim em companhia dos


anjos, a herança imperecível, a glória eterna, a doçura da visão de seu rosto, a sua morada
santa nos céus e, pela ressurreição dos mortos, a exclusão total da morte. É esta, de certo
modo, a sua promessa final, o objeto de toda nossa aspiração. Quando a tivermos
alcançado, nada mais buscaremos, nada poderemos exigir. Não deixou também de revelar
o caminho que nos havia de conduzir a esses últimos fins, mas o prometeu e anunciou.

Deus prometeu aos homens a divindade, aos mortais a imortalidade, aos pecadores a
justificação, aos humilhados a glória.

Contudo, meus irmãos, pareceria inacreditável aos homens que Deus prometesse tirá-los
da sua condição mortal de corrupção, vergonha, fraqueza, pó e cinza, para torná-los
semelhantes aos anjos. Por isso, não só firmou com eles um contrato que os levasse a crer,
mas constituiu ainda como mediador e garantia, não um príncipe qualquer ou algum anjo
ou arcanjo, mas seu Filho único. Desse modo, mostrou-nos e ofereceu-nos, por meio de
seu próprio Filho, o caminho que nos levaria ao fim prometido.

Não bastou, porém, a Deus fazer seu filho indicar o caminho; quis que ele mesmo fosse
o caminho, a fim de te deixares conduzir por ele, caminhando sobre ele próprio.

Para isso, o Filho único de Deus deveria vir ao encontro dos homens e assumir a natureza
humana. Tornando-se homem, deveria morrer, ressuscitar, subir aos céus, sentar-se à
direita do Pai e realizar entre os povos o que prometera. E, depois da realização de suas
promessas entre os povos, cumprirá também a de voltar para pedir contas de seus dons,
separando os que merecerão a sua ira ou sua misericórdia, tratando os ímpios como
ameaçara e os justos como prometera.
Tudo isso devia ser profetizado, anunciado e recomendado, para que, ao suceder, não
provocasse medo com uma vinda inesperada, mas ao contrário, sendo objeto da nossa fé,
o fosse também por uma ardente esperança.

Oremos: Ó Deus todo-poderoso, que nos mandais preparar o caminho do Cristo Senhor,
fazei que, confortados pela presença do divino médico, nenhuma fraqueza possa abater-
nos. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
Quinta-feira da 2ª Semana do Advento
Dos Sermões de São Pedro Crisólogo, bispo (Séc. V)

O amor deseja ardentemente ver a Deus

Vendo o mundo oprimido pelo temor, Deus procura continuamente chamá-lo com amor,
convidá-lo com a sua graça, segurá-lo com a caridade, abraçá-lo com afeto.

Por isso, purifica com o castigo do dilúvio a terra que se tinha inveterado no mal; chama
Noé para gerar um mundo novo; encoraja-o com palavras afetuosas, concede-lhe sua
confiante amizade, o instrui com bondade acerca do presente e anima-o com sua graça a
respeito do futuro. E já não se limita a dar-lhe ordens mas, tomando parte no seu trabalho,
encerra na arca toda aquela descendência que havia de perdurar por todos os tempos, para
que esta aliança de amor acabasse com o temor da servidão e se conservasse na comunhão
de amor o que fora salvo com a comunhão de esforços.

Por esse motivo chama Abraão dentre os pagãos, engrandece seu nome, torna-o pai dos
crentes, acompanha-o em sua viagem, protege-o entre os estrangeiros, cumula-o de bens,
exalta-o com vitórias, dá-lhe a garantia de suas promessas, livra-o das injúrias, torna-se
seu hóspede, maravilha-o com o nascimento de um filho que ele já não podia esperar.
Tudo isso a fim de que, cumulado de tantos benefícios, atraído pela grande doçura da
caridade divina, aprendesse a amar a Deus e não mais temê-lo, a honrá-lo com amor e
não com medo.

Por isso também, consola em sonhos a Jacó quando fugia, desafia-o para um combate em
seu regresso e na luta aperta-o nos braços, para que não temesse, porém, amasse o
instigador do combate.

Por isso ainda, chama Moisés na própria língua e fala-lhe com afeto paterno, convidando-
o a ser o libertador de seu povo.

Em todos esses fatos que relembramos, de tal modo a chama da caridade divina inflamou
o coração dos homens e o inebriamento do amor de Deus penetrou os seus sentidos que,
cheios de afeto, começaram a desejar ver a Deus com os olhos do corpo.

Deus, que o mundo não pode conter, como o olhar limitado do homem o abrangeria? Mas
o que deve ser, o que é possível, não é a regra do amor. O amor ignora as leis, não tem
regra, desconhece medida. O amor não desiste perante o impossível, não desanima diante
das dificuldades.

O amor, se não alcança o que deseja, chega a matar o que ama; vai para onde é atraído, e
não para onde deveria ir. O amor gera o desejo, cresce com ardor e pretende o impossível.
E que mais?
O amor não pode deixar de ver o que ama. Por isso todos os santos consideravam pouca
coisa toda recompensa, enquanto não vissem a Deus.

Por isso mesmo, o amor que deseja ver a Deus, vê-se impelido, para além de todo
raciocínio, pelo fervor da piedade.

Por isso Moisés se atreve a dizer: Se encontrei graça na vossa presença, mostrai-me o
vosso rosto (Ex 33,13.18). Por isso, diz também o salmista: Não me escondais a vossa
face (Sl 26,9). Por isso, enfim, até os próprios pagãos, no meio de seus erros, modelaram
ídolos, para poderem ver com seus próprios olhos o objeto de seu culto.

Oremos: Despertai, ó Deus, os nossos corações, a fim de prepararmos os caminhos do


vosso Filho, para que possamos, pelo seu advento, vos servir de coração purificado. Por
nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
Sexta-feira da 2ª Semana do Advento
Do Tratado contra as heresias, de Santo Irineu, bispo (Séc. II)

Eva e Maria

Quando o Senhor veio de modo visível ao que era seu, levado pela própria criação que
ele sustenta, tomou sobre si, por sua obediência, na árvore da cruz, a desobediência
cometida por meio da árvore do paraíso. A sedução de que foi vítima, miseravelmente, a
virgem Eva, destinada ao primeiro homem, foi desfeita pela boa-nova da verdade,
maravilhosamente anunciada pelo anjo à Virgem Maria, já desposada com um homem.

Assim como Eva foi seduzida pela conversa de um anjo e afastou-se de Deus,
desobedecendo à sua palavra, Maria recebeu a boa-nova pela anunciação de outro anjo e
mereceu trazer Deus em seu seio, obedecendo à sua palavra. Uma deixou-se seduzir de
modo a desobedecer a Deus, a outra deixou-se persuadir a obedecer-lhe. Deste modo, a
Virgem Maria tornou-se advogada da virgem Eva.

Por conseguinte, recapitulando em si todas as coisas, o Senhor declarou guerra contra o


nosso inimigo. Atacou e venceu aquele que no princípio, em Adão, fez de todos nós seus
prisioneiros; e esmagou sua cabeça, conforme estas palavras, ditas por Deus à serpente,
que se leem no Gênesis: Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a
dela. Esta te ferirá a cabeça enquanto tu tentarás ferir o seu calcanhar (Gn 3,15).

Desde esse momento, pois, foi anunciado que a cabeça da serpente seria esmagada por
aquele que, semelhante a Adão, devia nascer de uma virgem. É este o descendente de que
fala o Apóstolo na sua Carta aos Gálatas: A lei foi estabelecida até que chegasse o
descendente para quem a promessa fora feita (cf. Gl 3,19).

Na mesma Carta, o Apóstolo se exprime ainda com mais clareza, ao dizer: Quando
chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher (Gl 4,4).
O inimigo não teria sido vencido com justiça se o homem que o venceu não tivesse
nascido de uma mulher, pois desde o princípio ele tinha se oposto ao homem, dominando-
o por meio de uma mulher.

É por isso que o próprio Senhor declara ser o Filho do homem, recapitulando em si aquele
primeiro homem a partir do qual foi modelada a mulher. E assim como pela derrota de
um homem o gênero humano foi precipitado na morte, pela vitória de outro homem
subimos novamente para a vida.

Oremos: Ó Deus onipotente, dai ao vosso povo esperar vigilante a chegada do vosso
Filho, para que, instruídos pelo próprio Salvador, corramos ao seu encontro com nossas
lâmpadas acesas. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito
Santo.
Sábado da 2ª Semana do Advento
Dos Sermões do Bem-aventurado Isaac, abade do Mosteiro de Stella (Séc. XII)

Maria e a Igreja

O Filho de Deus é o primogênito dentre muitos irmãos; sendo Filho único por natureza,
associou a si muitos pela graça, para serem um só com ele. Com efeito, a quantos o
recebem, deu-lhes capacidade de se tornarem filhos de Deus (Jo 1,12).

Constituído Filho do homem, a muitos constituiu filhos de Deus. Ele, o Filho único, por
seu amor e poder associou muitos a si. E todos esses, embora sejam muitos por sua
geração segundo a carne, são um só com ele pela regeneração divina.

Um só, portanto, é o Cristo total, cabeça e corpo: Filho único do único Deus nos céus e
de uma única mãe na terra. Muitos filhos, e um só Filho. Pois assim como a cabeça e os
membros são um só Filho, assim também Maria e a Igreja são uma só Mãe e muitas mães;
uma só Virgem e muitas virgens.

Ambas são mães e ambas são virgens; ambas concebem virginalmente do mesmo
Espírito; ambas, sem pecado, dão à luz uma descendência para Deus Pai. Maria, imune
de todo pecado, deu à luz a Cabeça do corpo; a Igreja, para a remissão de todos os
pecados, deu à luz o corpo da Cabeça. Ambas são mães do Cristo, mas nenhuma delas
pode, sem a outra, dar à luz o Cristo total.

Por isso, nas Escrituras divinamente inspiradas, o que se atribui de modo geral à Igreja,
virgem e mãe, aplica-se particularmente a Maria. E o que se atribui especialmente a
Maria, virgem e mãe, pode-se com razão aplicar de modo geral à Igreja, virgem e mãe; e
quando o texto se refere a uma delas, pode ser aplicado indistinta e indiferentemente a
uma e à outra.

Além disso, cada alma fiel é igualmente, a seu modo, esposa do Verbo de Deus, mãe de
Cristo, filha e irmã, virgem e mãe fecunda. É a própria Sabedoria de Deus, o Verbo do
Pai, que designa ao mesmo tempo a Igreja em sentido universal, Maria num sentido
especial e cada alma fiel em particular.

Eis o que diz a Escritura: E habitarei na herança do Senhor (cf. Eclo 24,7.13). A herança
do Senhor é, na sua totalidade, a Igreja, muito especialmente é Maria, e de modo
particular, a alma de cada fiel. No tabernáculo do seio de Maria, o Cristo habitou durante
nove meses; no tabernáculo da fé da Igreja, habitará até o fim do mundo; e no amor da
alma fiel, habitará pelos séculos dos séculos.

Oremos: Concedei-nos, ó Deus todo-poderoso, que desponte em nossos corações o


esplendor da vossa glória, para que, vencidas as trevas do pecado, a vinda do vosso
Unigênito revele que somos filhos da luz. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na
unidade do Espírito Santo.
3º Domingo do Advento
Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo (Séc. V)

João é a voz, Cristo, a Palavra

João era a voz, mas o Senhor, no princípio, era a Palavra (Jo 1,1). João era a voz
passageira, Cristo, a Palavra eterna desde o princípio.

Suprimi a palavra, o que se torna a voz? Esvaziada de sentido, é apenas um ruído. A voz
sem palavras ressoa ao ouvido, mas não alimenta o coração.

Entretanto, mesmo quando se trata de alimentar nossos corações, vejamos a ordem das
coisas. Se penso no que vou dizer, a palavra já está em meu coração. Se quero, porém,
falar contigo, procuro o modo de fazer chegar ao teu coração o que já está no meu.

Procurando então como fazer chegar a ti e penetrar em teu coração o que já está no meu,
recorro à voz e por ela falo contigo. O som da voz te faz entender a palavra; e quando te
fez entendê-la, esse som desaparece, mas a palavra que ele te transmitiu permanece em
teu coração, sem haver deixado o meu.

Não te parece que esse som, depois de haver transmitido minha palavra, está dizendo: É
necessário que ele cresça e eu diminua? (Jo 3,30). A voz ressoou, cumprindo sua função,
e desapareceu, como se dissesse: Esta é a minha alegria, e ela é completa (Jo 3,29).
Guardemos a palavra; não percamos a palavra concebida em nosso íntimo.

Queres ver como a voz passa e a palavra divina permanece? Que foi feito do batismo de
João? Cumpriu sua missão e desapareceu; agora é o batismo de Cristo que está em vigor.
Todos cremos em Cristo e esperamos dele a salvação: foi o que a voz anunciou.

Justamente porque é difícil não confundir a voz com a palavra, julgaram que João era o
Cristo. Confundiram a voz com a palavra. Mas a voz reconheceu o que era para não
prejudicar a palavra. Eu não sou o Cristo (Jo 1,20), disse João, nem Elias nem o Profeta.
Perguntaram-lhe então: Quem és tu? Eu sou, respondeu ele, a voz que grita no deserto:
“Aplainai o caminho do Senhor" (Jo 1,19.23). É a voz do que grita no deserto, do que
rompe o silêncio. Aplainai o caminho do Senhor, como se dissesse: “Sou a voz que se faz
ouvir apenas para levar o Senhor aos vossos corações. Mas ele não se dignará vir aonde
o quero levar, se não preparardes o caminho”.

O que significa: Aplainai o caminho, senão: Orai como se deve orar? O que significa
ainda: Aplainai o caminho, senão: Tende pensamentos humildes? Imitai o exemplo de
João. Julgam que é o Cristo e ele diz não ser aquele que julgam; não se aproveita do erro
alheio para uma afirmação pessoal. Se tivesse dito: “Eu sou o Cristo”, facilmente teriam
acreditado nele, pois já era considerado como tal antes que o dissesse. Mas não disse;
pelo contrário, reconheceu o que era, disse o que não era, foi humilde. Viu de onde lhe
vinha a salvação; compreendeu que era uma lâmpada e temeu que o vento do orgulho
pudesse apagá-la.
Oremos: Ó Deus de bondade, que vedes o vosso povo esperando fervoroso o natal do
Senhor, dai-nos chegar às alegrias da Salvação e celebrá-las sempre com intenso júbilo
na solene liturgia. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito
Santo.
Segunda-feira da 3ª Semana do Advento
Do Tratado sobre a Contemplação de Deus, de Guilher­me, abade do Mosteiro de Saint-
Thierry.

Deus nos amou primeiro

Somente vós sois realmente Senhor, vós para quem cominar sobre nós é salvar-nos;
enquanto, para nós, servir-vos nada mais é do que ser salvos por vós.

Senhor, de vós procede a bênção e a salvação para vosso povo. Mas que salvação é esta
senão a graça que nos concedeis de vos amar e de ser amados por vós?

Por isso, Senhor, quisestes que o Filho que está à vossa direita, o homem que fortalecestes
para vós, fosse chamado Jesus, isto é, Salvador: pois ele vai salvar o povo de seus pecados
(Mt 1,21) e em nenhum outro há salvação (At 4,12). ]Ele nos ensinou a amá-lo, ao nos
amar primeiro e até à morte de cruz. Por seu amor e sua dileção, suscita nosso amor por
ele, que nos amou primeiro e até o fim.

Foi assim mesmo: vós nos amastes primeiro para que: Vos amássemos. Não tínheis
necessidade de ser amado por nós, mas não poderíamos atingir o fim para o qual fomos
feriados se não vos amássemos.

Eis por que, tendo falado outrora a nossos pais muitas vezes e de muitos modos por
intermédio dos profetas, nestes últimos tempos nos falastes pelo vosso Filho, pelo vosso
verbo; por ele é que os céus foram criados, e pelo sopro de seus lábios, todo o universo
(Sl 32,6).

Para vós, falar por meio do vosso Filho não foi outra coisa senão trazer à luz do sol, isto
é, manifestar claramente B quanto e como nos amastes, vós que não poupastes vosso
próprio Filho, mas o entregastes por todos nós. E ele também nos amou e se entregou por
nós.

É essa, Senhor, a Palavra que nos dirigistes, o Verbo todo-poderoso. Quando todas as
coisas estavam envolvidas no silêncio (cf. Sb 18,14), ou seja, nas profundezas do erro,
ele desceu do seu trono real (Sb 18,15) para combater energicamente todos os erros e
fazer triunfar suavemente o amor.

E tudo o que ele fez, tudo o que disse na terra, até aos opróbrios, até aos escarros e às
bofetadas, até à cruz e à sepultura, não foi senão a palavra que nos dirigistes em vosso
Filho, suscitando pelo vosso amor o nosso amor por vós.

Bem sabíeis, ó Deus, Criador dos homens, que este amor não pode ser imposto, mas que
é necessário estimulá-lo no coração humano. Porque onde há coração não há liberdade, e
onde não há liberdade também não há justiça.
Quisestes assim que vos amássemos, pois não podería­mos ser salvos com justiça sem
vos amar; e não poderíamos amar-vos sem receber de vós esse amor.

Por isso, Senhor, como diz o Apóstolo do vosso amor e nós também já dissemos, vós nos
amastes primeiro; e amais primeiro todos os que vos amam.

Nós, porém, vos amamos com o afeto do amor que pusestes em nós. Mas vosso amor,
vossa bondade, ó suma­mente bom e sumo bem, é o Espírito Santo, que procede do Pai e
do Filho. Desde o princípio da criação ele pairava sobre as águas, isto é, sobre os espíritos
indecisos dos filhos dos homens; ele se oferece a todos, atrai tudo a si, inspirando,
encorajando, afastando as coisas nocivas, providenciando as úteis, unindo Deus a nós e
unindo-nos a Deus.

Oremos: Inclinai, ó Deus, o vosso ouvido de Pai à voz da nossa súplica, e iluminai as
trevas do nosso coração com a visita do vosso Filho. Que convosco vive e reina, na
unidade do Espírito Santo.
Terça-feira da 3ª Semana do Advento
Do livro “Imitação de Cristo” (Séc. XV)

A humildade e a paz

Não te preocupes muito em saber quem é por ti ou contra ti; mas deseja e procura que
Deus te ajude em tudo que fizeres.

Tem boa consciência e Deus será tua boa defesa.

A quem Deus quiser ajudar, nenhum mal poderá prejudicar.

Se souberes calar e sofrer, verás certamente o auxílio do Senhor.

Ele sabe o tempo e o modo de te libertar; portanto, entrega-te a ele inteiramente.

A Deus pertence aliviar-nos e tirar-nos de toda confusão.

Às vezes é muito útil, para guardar maior humildade, que os outros conheçam e
repreendam nossos defeitos.

Quando o homem, por causa de seus defeitos, se humilha, então facilmente acalma os
outros, e desarma os que estão irados contra ele.

O humilde, Deus protege e livra; ao humilde ama e consola. Ao homem humilde se


inclina; ao humilde dá-lhe abundantes graças, e depois de seu abaixamento eleva-o a
grande honra.

Ao humilde, revela seus segredos, e com doçura o atrai a si e convida.

O humilde, depois de receber uma afronta, conserva sua paz: porque confia em Deus e
não no mundo.

Não julgues que fizeste algum progresso se não te consideras inferior a todos.

Primeiro conserva-te em paz; depois poderás pacificar os outros.

O homem pacífico é mais útil do que o letrado.

O homem dominado pelas paixões, até o bem converte em mal e acredita facilmente no
mal.

O homem bom e pacífico tudo converte em bem.


Quem está em boa paz não suspeita mal de ninguém. Mas quem é descontente e inquieto,
com diversas suspeitas se atormenta: não tem sossego nem deixa os outros sossegar.

Diz muitas vezes o que não devia; e deixa de fazer o que mais lhe conviria.

Preocupa-se com as obrigações alheias e descuida-se das próprias.

Zela, portanto, primeiro por ti mesmo, e depois poderás zelar devidamente por teu
próximo.

Bem sabes desculpar e disfarçar tuas faltas, mas não queres aceitar as desculpas dos
outros.

Seria mais justo acusares a ti e desculpares teu irmão. Se queres que te suportem, suporta
também os outros.

Oremos: Ó Deus, que por meio do vosso Unigênito nos transfigurastes em nova criatura,
considerai a obra do vosso amor, e purificai-nos das manchas da antiga culpa no advento
do vosso Filho. Que convosco vive e reina, na unidade do Espírito Santo.
Quarta-feira da 3ª Semana do Advento
Do Tratado contra as heresias, de Santo Irineu, bispo (Séc. II)

Com a vinda de Cristo, Deus torna-se visível aos homens

Há um só Deus que, por sua Palavra e Sabedoria, criou e harmonizou todas as coisas.

Sua Palavra é nosso Senhor Jesus Cristo, que nos últimos tempos se fez homem entre os
homens, para unir o fim ao princípio, isto é, o homem a Deus.

Por isso, os profetas, que tinham recebido dessa mesma Palavra o carisma profético,
anunciaram sua vinda segundo a carne; mediante essa vinda, realizou-se a união e a
comunhão de Deus com o homem, conforme a vontade do Pai. Desde o começo a Palavra
de Deus tinha anunciado que Deus seria visto pelos homens, que viveria e conversaria
com eles na terra, que se faria presente à sua criatura, para salvá-la e ser percebido por
ela, livrando-nos das mãos de todos os que nos odeiam (Lc 1,71), isto é, de todo o espírito
de pecado, e fazendo que o sirvamos em justiça e santidade enquanto perdurarem nossos
dias (Lc 1,74-75). E assim, unido ao Espírito de Deus, o homem tenha acesso à glória do
Pai.

Os profetas anunciavam que Deus seria visto pelos homens, conforme diz também o
Senhor: Felizes os puros de coração, porque verão a Deus (Mt 5,8).

Contudo, ninguém pode ver a Deus na sua grandeza e glória inenarrável e continuar
vivendo (cf. Ex 33,20), porque o Pai é inacessível. Mas em seu amor, sua bondade e sua
onipotência, ele chega a conceder aos que o amam o dom de ver a Deus; é isto que
anunciavam os profetas, pois o que é impossível aos homens, é possível a Deus (Lc
18,27).

O homem, por si mesmo, não poderá ver a Deus. Mas Deus, se quiser, será visto pelos
homens, por aqueles que ele quiser, quando e como quiser. Deus, que tudo pode, foi visto
outrora em visão profética por meio do Espírito, deixa-se ver agora por meio de seu Filho,
graças à adoção filial, e será visto finalmente no reino dos céus como Pai. Com efeito, o
Espírito prepara o homem para o Filho de Deus, o Filho conduz o homem para o Pai e o
Pai lhe dá a imortalidade na vida eterna, que é fruto da contemplação de Deus.

Assim como os que vêem a luz estão na luz e recebem a sua claridade, também os que
vêem a Deus estão em Deus e recebem a sua claridade. A claridade de Deus vivifica;
portanto, os que vêem a Deus recebem a vida.

Oremos: Concedei-nos, ó Deus onipotente, que as próximas festas do vosso Filho nos
sejam remédio nesta vida e prêmio na vida eterna. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso
Filho, na unidade do Espírito Santo.
Quinta-feira da 3ª Semana do Advento
Da Constituição dogmática Dei Verbum sobre a revelação divina, do Concílio Vaticano
II (Séc. XX)

Cristo é a plenitude da revelação

Deus, criando e conservando pelo seu Verbo o universo, apresenta aos homens, nas coisas
criadas, um contínuo testemunho da salvação eterna, manifestou-se desde o princípio a
nosso primeiros pais.

Depois que eles caíram, com a promessa da redenção, deu-lhes a esperança da salvação
eterna, manifestou-se desde o princípio a nossos primeiros pais.

Depois que eles caíram, com a promessa da redenção, deu-lhes a esperança da salvação e
cuidou sem cessar do gênero humano, a fim de dar vida eterna a todos os que buscam a
salvação perseverando na prática das boas obras.

No tempo próprio, chamou Abraão para fazer dele um grande povo; depois dos patriarcas,
ensinou esse povo, por meio de Moisés e dos profetas, a conhecê-lo como único Deus
vivo e verdadeiro, Pai providente e Juiz justo, e a superar o Salvador prometido. E, assim,
ao longo dos séculos, preparou o cominho para o Evangelho. Mas depois de ter falado
muitas vezes e de muitos modos por meio dos profetas, nestes dias que são os últimos,
Deus falou por meio do seu Filho (cf. Hb 1,1-2).

Com efeito, ele enviou seu Filho, o Verbo eterno que ilumina todos os homens, para
habitar entre os homens e dar-lhe a conhecer os segredos de Deus.

Jesus Cristo, portanto, o Verbo feito carne, homem enviado aos homens, fala as palavras
de Deus (Jo 3,34) e consuma a obra da salvação que o Pai lhe confiou.

Assim, ele – quem o vê, vê também o Pai – por toda a tua presença e por tudo o que
manifesta de si mesmo, por suas palavras e obras, seus sinais e milagres, mas sobretudo
por sua morte e gloriosa ressurreição dentre os mortos, e por sua palavra e obras, seus
sinais e milagres, mas sobretudo por sua morte e gloriosa ressurreição dentre os mortos,
e finalmente pelo envio do Espírito da Verdade, aperfeiçoa e completa a revelação de que
Deus está conosco para nos libertar das trevas do pecado e da morte e nos ressuscitou
para a vida eterna.

A economia cristã, portanto, que é a nova e definitiva aliança, jamais passará; já não há
nova revelação pública a esperar antes da manifestação gloriosa de nosso Senhor Jesus
Cristo.

Oremos: Senhor, nosso Deus, somos servos indignos e reconhecemos com tristeza as
nossas faltas. Dai-nos a alegria do advento do vosso Filho que vem para nos salvar. Por
nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
Sexta-feira da 3ª Semana do Advento
Dos Comentários sobre os Salmos, de Santo Agostinho, bispo (Séc. V)

O teu desejo é a tua oração

Meu coração grita e geme de dor (Sl 37,9). Há gemidos ocultos que não são ouvidos pelos
homens. Contudo, se o coração está possuído por tão ardente desejo que a ferida interior
do homem se manifesta em sons externos, procuramos a causa e dizemos a nós mesmos:
talvez ele tenha razão de gemer, e talvez lhe tenha sucedido algo. Mas quem pode
compreender esses gemidos, senão aquele a cujos olhos e ouvidos eles se dirigem? Por
isso diz: Meu coração grita e geme de dor. Porque os homens, se ouvem às vezes os
gemidos de um homem, ouvem freqüentemente os gemidos da carne; mas não ouvem o
que geme em seu coração.

E quem seria capaz de compreender por que grita? Escuta o que diz: Diante de vós está
todo o meu desejo (Sl 37,10). Não diante dos homens, que não podem ver o coração, mas
diante de vós está todo o meu desejo. Se, pois, o teu desejo está diante do Pai, ele que vê
o que está oculto, te recompensará.

Teu desejo é a tua oração; se o desejo é contínuo, também a oração é contínua. Não foi
em vão que o Apóstolo disse: Orai sem cessar (1Ts 5,17). Será preciso ter sempre os
joelhos em terra, o corpo prostrado, as mãos levantadas, para que ele nos diga: Orai sem
cessar? Se é isto que chamamos orar, não creio que possamos fazê-lo sem cessar.

Há outra oração interior e contínua: é o desejo. Ainda que faças qualquer outra coisa, se
desejas aquele repouso do sábado eterno, não cessas de orar. Se não queres cessar de orar,
não cesses de desejar.

Se teu desejo é contínuo, a tua voz é contínua. Ficarás calado, se deixares de amar. Quais
são os que se calaram? Aqueles de quem foi dito: A maldade se espalhará tanto, que o
amor de muitos esfriará (Mt 24,12).

O arrefecimento da caridade é o silêncio do coração; o fervor da caridade é o clamor do


coração. Se tua caridade permanece sempre, clamas sempre; se clamas sempre, desejas
sempre; se desejas, tu te recordas do repouso eterno.

Diante de vós está todo o meu desejo. Se o desejo está diante de Deus, o gemido não
estará? Como poderia ser assim, se o gemido é a expressão do desejo?

Por isso o salmista continua: Meu gemido não vos é oculto (Sl 37,10). Não é oculto para
Deus, mas é oculto para a multidão dos homens. Ouve-se por vezes um humilde servo de
Deus dizer: Meu gemido não vos é oculto e vê-se também esse servo sorrir. Será por que
o desejo está morto em seu coração? Se o desejo permanece, também permanece o
gemido; este nem sempre chega aos ouvidos dos homens, mas nunca está longe dos
ouvidos de Deus.
Oremos: Nós vos pedimos, ó Deus todo-poderoso, que a vossa graça sempre nos preceda
e acompanhe, para que, esperando ansiosamente a vinda do vosso Filho, possamos obter
a vossa ajuda nesta vida e na outra. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na
unidade do Espírito Santo.
Sábado da 3ª Semana do Advento
Da Carta a Diogneto (Séc. II)

Por seu Filho, Deus nos revelou seu amor

Nenhum homem viu a Deus nem o conheceu, mas ele mesmo se manifestou. Manifestou-
se pela fé, pois só a ela é concedida a visão de Deus. O Senhor e Criador do universo,
Deus, que fez todas as coisas e as dispôs em ordem, não só amou os homens, mas também
foi paciente com eles. Deus sempre foi, é e será o mesmo: benigno e bom, isento de ira,
veraz; só ele é bom. E quando concebeu seu grande e inefável desígnio, só o comunicou
a seu Filho. Enquanto mantinha oculto e em reserva seu plano de sabedoria, parecia
abandonar-nos e esquecer-se de nós. Mas, quando revelou por seu Filho amado e
manifestou o que havia preparado desde o princípio, ofereceu-nos tudo ao mesmo tempo:
participar de seus benefícios, ver e compreender. Quem de nós poderia jamais esperar
tamanha generosidade?

Tendo Deus, portanto, tudo disposto em si mesmo com o seu Filho, deixou-nos, até estes
últimos tempos, seguir nossos impulsos desordenados, desviados do caminho reto pelos
maus prazeres e paixões. Não que ele tivesse algum gosto com nossos pecados; tolerando-
os, não aprovava aquele tempo de iniquidade, mas preparava este tempo de justiça. Assim,
convencidos de termos sido, naquele período, indignos da vida em razão de nossas obras,
tornemo-nos agora dignos dela pela bondade de Deus. E depois de mostrar nossa
incapacidade de entrar pelas próprias forças no Reino de Deus, nos tornemos capazes
disso pelo poder divino.

Quando, pois, a nossa iniquidade atingiu o auge e se tornou manifesto que a paga
merecida do castigo e da morte estava iminente, chegou o tempo estabelecido por Deus
para revelar sua bondade e poder. Ó imensa benignidade e amor de Deus! Ele não nos
odiou, não nos rejeitou nem se vingou de nós, mas nos suportou com paciência. Cheio de
compaixão, assumiu nossos pecados, entregou seu próprio Filho como preço de nossa
redenção: o santo pelos pecadores, o inocente pelos maus, o justo pelos injustos, o
incorruptível pelos corruptíveis, o imortal pelos mortais. O que poderia apagar nossos
pecados a não ser sua justiça? Por quem poderíamos ser justificados, nós, ímpios e maus,
senão pelo Filho de Deus?

Ó doce intercâmbio, ó misteriosa iniciativa, ó surpreendente benefício, ser a iniquidade


de muitos vencida por um só justo e a justiça de um só justificar muitos ímpios!

Oremos: Ó Deus, todo-poderoso, concedei aos que gememos na antiga escravidão sobre
o jugo do pecado, a graça de ser libertados pelo novo Natal do vosso filho, que tão
ansiosamente esperamos, por nosso Senhor Jesus Cristo o vosso Filho, na unidade do
Espírito Santo.
4º Domingo do Advento
Do Tratado contra a heresia de Noeto, de Santo Hipólito, presbítero. (Séc. III)

Manifestação do mistério escondido

Único é o Deus que conhecemos, irmãos, e não por outra fonte que não seja a Sagrada
Escritura. Devemos, pois, saber o que ela anuncia e compreender o que ensina. Creiamos
no Pai como ele quer ser acreditado; glorifiquemos o Filho como ele quer ser glorificado;
e recebamos o Espírito Santo como ele quer se dar a nós. Consideremos tudo isso, não
segundo nosso próprio arbítrio e interpretação pessoal, nem fazendo violência aos dons
de Deus, mas como ele próprio nos ensinou pelas santas Escrituras.

Quando só existia Deus, e não havia ainda nada que existisse com ele, decidiu criar o
mundo. Criou-o por seu pensamento, sua vontade e sua palavra; e o mundo começou a
existir como ele quis e realizou. Basta-nos apenas saber que nada coexistia com Deus.
Não havia nada além dele, só ele existia e era perfeito em tudo. Nele estava a inteligência,
a sabedoria, o poder e o conselho. Tudo estava nele e ele era tudo. E quando quis e como
quis, no tempo que havia estabelecido, manifestou o seu Verbo, por quem fez todas as
coisas.

Deus possuía o Verbo em si mesmo, e o Verbo era imperceptível para o mundo criado;
mas fazendo ouvir sua voz, Deus tornou-o perceptível. Gerando-o como luz da luz, enviou
como Senhor da criação aquele que é sua própria inteligência. E este Verbo, que no
princípio era visível apenas para Deus e invisível para o mundo, tornou-se visível para
que o mundo, vendo-o manifestar-se, pudesse ser salvo. O Verbo é verdadeiramente a
inteligência de Deus que, ao entrar no mundo, se manifestou como o servo de Deus. Tudo
foi feito por ele, mas ele procede unicamente do Pai. Foi ele quem deu a lei e os profetas;
e ao fazê-lo, impulsionou os profetas a falarem sob a moção do Espírito Santo para que,
recebendo a força da inspiração do Pai, anunciassem o seu desígnio e a sua vontade.

O Verbo, portanto, se tornou visível, como diz São João. Este repete em síntese o que os
profetas haviam dito, demonstrando que aquele era o Verbo por quem tinham sido criadas
todas as coisas: No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus; e o Verbo era
Deus. Tudo foi feito por ele e sem ele nada se fez (Jo 1,1.3). E, mais adiante, prossegue:
O mundo foi feito por meio dele, mas o mundo não quis conhecê-lo. Veio para o que era
seu, os seus, porém, não o acolheram (Jo 1,10-11).

Oremos: Deus eterno e todo-poderoso, ao aproximar-nos do natal do vosso Filho,


concedei-nos obter a misericórdia do Verbo, que se encarnou no seio da Virgem e quis
viver entre nós. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
20 de Dezembro
Das Homilias em louvor da Virgem Mãe, de São Bernardo, abade (Séc. XII)

O mundo inteiro espera a resposta de Maria

Ouviste, ó Virgem, que vais conceber e dar à luz um filho, não por obra de homem – tu
ouviste – mas do Espírito Santo. O Anjo espera tua resposta: já é tempo de voltar para
Deus que o enviou. Também nós, Senhora, miseravelmente esmagados por uma sentença
de condenação, esperamos tua palavra de misericórdia.

Eis que te é oferecido o preço de nossa salvação; se consentes, seremos livres. Todos
fomos criados pelo Verbo eterno, mas caímos na morte; com uma breve resposta tua
seremos recriados e novamente chamados à vida.

Ó Virgem cheia de bondade, o pobre Adão, expulso do paraíso com a sua mísera
descendência, implora a tua resposta; Abraão a implora, Davi a implora. Os outros
patriarcas, teus antepassados, que também habitam a região da sombra da morte, suplicam
esta resposta. O mundo inteiro a espera, prostrado a teus pés.

E não é sem razão, pois de tua palavra depende o alívio dos infelizes, a redenção dos
cativos, a liberdade dos condenados, enfim, a salvação de todos os filhos de Adão, de
toda a tua raça.

Apressa-te, ó Virgem, em dar a tua resposta; responde sem demora ao Anjo, ou melhor,
responde ao Senhor por meio do Anjo. Pronuncia uma palavra e recebe a Palavra; profere
a tua palavra e concebe a Palavra de Deus; dize uma palavra passageira e abraça a Palavra
eterna.

Por que demoras? Por que hesitas? Crê, consente, recebe. Que tua humildade se encha de
coragem, tua modéstia de confiança. De modo algum convém que tua simplicidade
virginal esqueça a prudência. Neste encontro único, porém, Virgem prudente, não temas
a presunção. Pois, se tua modéstia no silêncio foi agradável a Deus, mais necessário é
agora mostrar tua piedade pela palavra.

Abre, ó Virgem santa, teu coração à fé, teus lábios ao consentimento, teu seio ao Criador.
Eis que o Desejado de todas as nações bate à tua porta. Ah! se tardas e ele passa,
começarás novamente a procurar com lágrimas aquele que teu coração ama! Levanta-te,
corre, abre. Levanta-te pela fé, corre pela entrega a Deus, abre pelo consentimento. Eis
aqui, diz a Virgem, a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra (Lc 1,38).

Oremos: Senhor Deus, ao anúncio do Anjo, a Virgem imaculada acolheu vosso Verbo
inefável e, como habitação da divindade, foi inundada pela luz do Espírito Santo.
Concedei que, a seu exemplo, abracemos humildemente a vossa vontade. Por nosso
Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
21 de Dezembro
Da Exposição sobre o Evangelho de São Lucas, de Santo Ambrósio, bispo (Séc. IV)

A visitação da Virgem Maria

O Anjo anunciara à Virgem Maria coisas misteriosas. Para fortalecer sua fé com um
exemplo, anunciou-lhe a maternidade de uma mulher idosa e estéril, como prova de que
é possível a Deus tudo que ele quer.

Logo ao ouvir a notícia, Maria dirigiu-se às montanhas, não por falta de fé na profecia ou
falta de confiança na mensagem, nem por duvidar do exemplo dado, mas guiada pela
felicidade de ver cumprida a promessa, levada pela vontade de prestar um serviço, movida
pelo impulso interior de sua alegria.

Já plena de Deus, aonde ir depressa senão às alturas? A graça do Espírito Santo ignora a
lentidão. Manifestam-se imediatamente os benefícios da chegada de Maria e da presença
do Senhor, pois quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança exultou no seu ventre
e Isabel ficou cheia do Espírito Santo (Lc 1,41).

Notai como cada palavra está escolhida com perfeita precisão e propriedade: Isabel foi a
primeira a ouvir a voz, mas João foi o primeiro a pressentir a graça; aquela ouviu segundo
a ordem da natureza, este exultou em virtude do mistério. Ela percebeu a chegada de
Maria, ele, a do Senhor; a mulher ouviu a voz da mulher, o menino sentiu a presença do
Filho; elas proclamam a graça de Deus, eles realizam-na interiormente, iniciando no seio
de suas mães o mistério de misericórdia; e, por um duplo milagre, as mães profetizam sob
a inspiração de seus filhos.

A criança exultou, a mãe ficou cheia do Espírito Santo. A mãe não se antecipou ao filho;
mas estando o filho cheio do Espírito Santo, comunicou-o a sua mãe. João exultou; o
espírito de Maria também exultou. A alegria de João se comunica a Isabel; quanto a
Maria, porém, não nos é dito que recebesse então o Espírito, mas que seu espírito exultou.
– Aquele que é incompreensível agia em sua mãe de modo incompreensível – Isabel
recebe o Espírito Santo depois de conceber; Maria recebeu antes. Por isso, Isabel diz a
Maria: Feliz és tu que acreditaste (cf. Lc 1,45).

Felizes sois também vós, que ouvistes e acreditastes, pois toda alma que possui a fé
concebe e dá à luz a Palavra de Deus e conhece suas obras.

Esteja em cada um de vós a alma de Maria para engrandecer o Senhor: em cada um esteja
o espírito de Maria para exultar em Deus. Embora segundo a natureza haja uma só Mãe
do Cristo, segundo a fé o Cristo é o fruto de todos; pois toda alma recebe o Verbo de Deus
desde que, sem mancha e libertada do pecado, guarda a castidade com inteira pureza.
Toda alma que alcança esta perfeição, engrandece o Senhor como a alma de Maria o
engrandeceu e seu espírito exultou em Deus, seu Salvador.

Na verdade, o Senhor é engrandecido, como lemos noutro lugar: Comigo engrandecei ao


Senhor Deus (Sl 33,4). Não que a palavra humana possa acrescentar algo ao Senhor, mas
porque ele é engrandecido em nós: a imagem de Deus é o Cristo e assim, quando alguém
age com piedade e justiça, engrandece essa imagem de Deus, a cuja semelhança foi
criado; e, engrandecendo-a, participa cada vez mais da grandeza divina.

Oremos: Ouvi com bondade, ó Deus, as preces do vosso povo, para que, alegrando-nos
hoje com a vinda do vosso Filho em nossa carne, alcancemos o prêmio da vida eterna,
quando ele vier na sua glória. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do
Espírito Santo.
22 de Dezembro
Da Exposição sobre o Evangelho de São Lucas, de São Beda Venerável, presbítero, (Séc.
VIII)

Magnificat

E Maria disse: A minh’alma engrandece o Senhor e exulta meu espírito em Deus, meu
Salvador (Lc 1,46-47).

O Senhor, diz ela, elevou-me por um dom tão grande e inaudito, que nenhuma palavra o
pode descrever e mesmo no íntimo do coração é difícil compreendê-lo. Por isso dedico
todas as forças de meu ser ao louvor e à ação de graças, contemplando a grandeza daquele
que é eterno, e ofereço com alegria minha vida, tudo que sinto e penso, porque meu
espírito rejubila pela divindade eterna de Jesus, o Salvador, que concebi e é gerado em
meu seio.

O Poderoso fez em mim maravilhas, e santo é o seu nome! (Lc 1,49).

Estas palavras se relacionam com o início do cântico que diz: A minh’alma engrandece o
Senhor. De fato, só a alma em quem o Senhor se dignou fazer maravilhas pode
engrandecê-lo e louvá-lo dignamente e dizer, exortando os que compartilham seus desejos
e aspirações: Comigo engrandecei ao Senhor Deus, exaltemos todos juntos o seu nome
(Sl 33,4).

Quem conhece o Senhor e é negligente em proclamar sua grandeza e santificar o seu


nome, será considerado o menor no Reino dos Céus (Mt 5,19). Diz-se que santo é o seu
nome porque, pelo seu poder ilimitado, transcende toda criatura e está infinitamente
separado de todas as coisas criadas.

Acolhe Israel, seu servidor, fiel ao seu amor (Lc 1,54).

Israel é, com razão, denominado servidor do Senhor, porque, sendo obediente e humilde,
foi por ele acolhido para ser salvo, como diz Oséias: Quando Israel era criança, eu já o
amava (Os 11,1). Aquele que recusa humilhar-se não pode certamente ser salvo, nem
dizer com o Profeta: Quem me protege e me ampara é meu Deus; é o Senhor quem
sustenta a minha vida! (Sl 53,6). Mas, quem se fizer humilde como uma criança, esse é o
maior no Reino dos Céus (cf. Mt 18,4).

Como havia prometido a nossos pais, em favor de Abraão e de seus filhos para sempre
(Lc 1,55).

Trata-se da descendência de Abraão segundo o espírito e não segundo a carne, isto é, não
apenas dos filhos segundo a natureza, mas de todos que seguiram o exemplo da sua fé,
fossem eles circuncidados ou incircuncisos. Pois o próprio Abraão, ainda incircunciso,
acreditou e isto lhe foi imputado como justiça.

A vinda do Salvador foi, portanto, prometida a Abraão e a seus filhos para sempre, isto
é, aos filhos da promessa, dos quais se diz: Sendo de Cristo, sois então descendência de
Abraão, herdeiros segundo a promessa (Gl 3,29).
É com razão que, antes do nascimento do Senhor e de João, suas mães profetizam, para
que, tendo o pecado começado pela mulher, os bens comecem igualmente por ela; e se
foi pela sedução de uma só mulher que a morte foi introduzida no mundo, agora é pela
profecia de duas mulheres que se anuncia ao mundo a salvação.

Oremos: Deus de misericórdia, vendo o homem entregue à morte, quisestes salvá-lo pela
vinda do vosso Filho; fazei que, ao proclamar humildemente o mistério da encarnação,
entremos em comunhão com o Redentor. Que convosco vive e reina na unidade do
Espírito Santo.
23 de Dezembro
Do Tratado contra a heresia de Noeto, de Santo Hipólito, presbítero. (Séc. III)

Manifestação do mistério escondido

Único é o Deus que conhecemos, irmãos, e não por outra fonte que não seja a Sagrada
Escritura. Devemos, pois, saber o que ela anuncia e compreender o que ensina. Creiamos
no Pai como ele quer ser acreditado; glorifiquemos o Filho como ele quer ser glorificado;
e recebamos o Espírito Santo como ele quer se dar a nós. Consideremos tudo isso, não
segundo nosso próprio arbítrio e interpretação pessoal, nem fazendo violência aos dons
de Deus, mas como ele próprio nos ensinou pelas santas Escrituras.

Quando só existia Deus, e não havia ainda nada que existisse com ele, decidiu criar o
mundo. Criou-o por seu pensamento, sua vontade e sua palavra; e o mundo começou a
existir como ele quis e realizou. Basta-nos apenas saber que nada coexistia com Deus.
Não havia nada além dele, só ele existia e era perfeito em tudo. Nele estava a inteligência,
a sabedoria, o poder e o conselho. Tudo estava nele e ele era tudo. E quando quis e como
quis, no tempo que havia estabelecido, manifestou o seu Verbo, por quem fez todas as
coisas.

Deus possuía o Verbo em si mesmo, e o Verbo era imperceptível para o mundo criado;
mas fazendo ouvir sua voz, Deus tornou-o perceptível. Gerando-o como luz da luz, enviou
como Senhor da criação aquele que é sua própria inteligência. E este Verbo, que no
princípio era visível apenas para Deus e invisível para o mundo, tornou-se visível para
que o mundo, vendo-o manifestar-se, pudesse ser salvo. O Verbo é verdadeiramente a
inteligência de Deus que, ao entrar no mundo, se manifestou como o servo de Deus. Tudo
foi feito por ele, mas ele procede unicamente do Pai. Foi ele quem deu a lei e os profetas;
e ao fazê-lo, impulsionou os profetas a falarem sob a moção do Espírito Santo para que,
recebendo a força da inspiração do Pai, anunciassem o seu desígnio e a sua vontade.

O Verbo, portanto, se tornou visível, como diz São João. Este repete em síntese o que os
profetas haviam dito, demonstrando que aquele era o Verbo por quem tinham sido criadas
todas as coisas: No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus; e o Verbo era
Deus. Tudo foi feito por ele e sem ele nada se fez (Jo 1,1.3). E, mais adiante, prossegue:
O mundo foi feito por meio dele, mas o mundo não quis conhecê-lo. Veio para o que era
seu, os seus, porém, não o acolheram (Jo 1,10-11).

Oremos: Deus eterno e todo-poderoso, ao aproximar-nos do natal do vosso Filho,


concedei-nos obter a misericórdia do Verbo, que se encarnou no seio da Virgem e quis
viver entre nós. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
24 de Dezembro
Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo (Séc. V)

A verdade brotou da terra e a justiça olhou do alto do céu

Desperta, ó homem: por tua causa Deus se fez homem. Desperta, tu que dormes, levanta-
te dentre os mortos e sobre ti Cristo resplandecerá (Ef 5,14). Por tua causa, repito, Deus
se fez homem.

Estarias morto para sempre, se ele não tivesse nascido no tempo. Jamais te libertarias da
carne do pecado, se ele não tivesse assumido uma carne semelhante à do pecado. Estarias
condenado a uma eterna miséria, se não fosse a sua misericórdia. Não voltarias à vida, se
ele não tivesse vindo ao encontro da tua morte. Terias perecido, se ele não te socorresse.
Estarias perdido, se ele não viesse salvar-te.

Celebremos com alegria a vinda da nossa salvação e redenção. Celebremos este dia de
festa, em que o grande e eterno Dia, gerado pelo Dia grande e eterno, veio a este nosso
dia temporal e tão breve.

Ele se tornou para nós justiça, santificação e libertação, para que, como está escrito,
“quem se gloria, glorie-se no Senhor” (1Cor 1,30-31).

A verdade brotará da terra (Sl 84,12), o Cristo que disse: eu sou a verdade (Jo 14,6),
nasceu da Virgem. E a justiça olhou do alto do céu (cf. Sl 84,12), porque o homem, crendo
naquele que nasceu, é justificado não por si mesmo, mas por Deus.

A verdade brotou da terra porque o Verbo se fez carne (Jo 1,14). E a justiça olhou do alto
do céu porque todo o dom precioso e toda a dádiva perfeita vêm do alto (Tg 1,17).

A verdade brotou da terra, isto é, da carne de Maria. E a justiça olhou do alto do céu
porque o homem não pode receber coisa alguma, se não lhe for dada do céu (Jo 3,27).

Justificados pela fé, estamos em paz com Deus (Rm 5,1) porque a justiça e a paz se
beijaram (cf. Sl 84,11) por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo, pois a verdade brotou
da terra. Por ele tivemos acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes e nos
gloriamos, na esperança da glória de Deus (Rm 5,2). Não disse “de nossa glória”, mas da
glória de Deus, porque a justiça não procede de nós, mas olha do alto do céu. Portanto,
quem se gloria não se glorie em si mesmo, mas no Senhor.

Eis por que, quando o Senhor nasceu da Virgem, os anjos cantaram: Glória a Deus nas
alturas e paz na terra aos homens de boa vontade (Lc 2,14 Vulgata).
Como veio a paz à terra senão por ter a verdade brotado da terra, isto é, Cristo ter nascido
em carne humana? Ele é a nossa paz: de dois povos fez um só (cf. Ef 2,14), para que
fôssemos homens de boa vontade, unidos uns aos outros pelo suave vínculo da caridade.

Alegremo-nos com esta graça, para que nossa glória seja o testemunho da nossa
consciência, e assim nos gloriaremos, não em nós mesmos, mas no Senhor. Por isso disse
o Salmista: Vós sois a minha glória que levanta a minha cabeça (Sl 3,4). Na verdade, que
graça maior Deus poderia nos conceder do que, tendo um único Filho, fazê-lo Filho do
homem e reciprocamente fazer os filhos dos homens serem filhos de Deus?

Procurai o mérito, procurai a causa, procurai a justiça; e vede se encontrais outra coisa
que não seja a graça de Deus.

Oremos: Apressai-vos e não tardeis, Senhor Jesus, para que a vossa chegada renove as
forças dos que confiam em vosso amor. Vós, que sois Deus com o Pai, na unidade do
Espírito Santo.
Natal do Senhor
Dos Sermões de São Leão Magno, papa (Séc. V)

Toma consciência, ó Cristão, da tua dignidade

Hoje, amados filhos, nasceu o nosso Salvador. Alegremo-nos. Não pode haver tristeza no
dia em que nasce a vida; uma vida que, dissipando o temor da morte, enche-nos de alegria
com promessa da eternidade.

Ninguém está excluído da participação nesta felicidade. A causa da alegria é comum a


todos, porque nosso senhor, vencedor do pecado e da morte, não tendo encontrado
ninguém isento de culpa, veio libertar a todos. Exulte o justo, porque se aproxima da
vitória; rejubile o pecador, porque lhe é oferecido o perdão; reanime-se o pagão, porque
é chamado à vida.

Quando chegou a plenitude dos tempos, fixada pelos insondáveis desígnios divinos, o
Filho de Deus assumiu a natureza do homem para reconciliá-lo com seu criador, de modo
que o demônio, autor da morte, fosse vencido pela mesma natureza que antes vencera.

Eis por que, no nascimento do Senhor, os anjos cantam jubilosos: Glória a deus nas
alturas; e anunciam: Paz na terra aos homens de boa vontade (Lc 2,14). Eles vêem a
Jerusalém celeste ser formada de todas as nações do mundo. Diante dessa obra
inexprimível do amor divino, como não devem alegrar-se os homens, em sua pequenez,
quando os anjos, em sua grandeza, assim se rejubilam?

Amados filhos, demos graças a Deus Pai, por seu Filho, no Espírito Santo; pois, na imensa
misericórdia com que nos amou, compadeceu-se de nós. E quando estávamos mortos por
causa das nossas faltas, ele nos deu a vida com Cristo (Ef 2,5) para que fôssemos nele
uma nova criação, nova obra de suas mãos.

Despojemo-nos, portanto, do velho homem com seus atos; e tendo sido admitidos a
participar do nascimento de Cristo, renunciemos às obras da carne.

Toma consciência, ó cristão, da tua dignidade. E já que participas da natureza divina, não
voltes aos erros de antes por um comportamento indigno de tua condição. Lembra-te de
que cabeça e de corpo és membro. Recorda-te que foste arrancado do poder das trevas e
levado para a luz e o reino de Deus.

Pelo sacramento do batismo te tornaste templo do Espírito Santo. Não expulses com más
ações tão grande hóspede, não recaias sob o jugo do demônio, porque o preço de tua
salvação é o sangue de cristo.

Oremos: Ó Deus, que admiravelmente criastes o ser humano e mais admiravelmente


Restabelecestes a sua dignidade, dai-nos participar da divindade do vosso Filho, que se
dignou assumir a nossa humanidade. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na
unidade do Espírito Santo.
26 de Dezembro –
Santo Estêvão, o primeiro mártir

Dos sermões de São Fulgêncio de Ruspe, bispo (Séc. VI)

As armas da caridade

Ontem, celebrávamos o nascimento temporal de nosso Rei eterno; hoje celebramos o


martírio triunfal do seu soldado.

Ontem o nosso Rei, revestido de nossa carne e saindo da morada de um seio virginal,
dignou-se visitar o mundo; hoje o soldado, deixando a tenda de seu corpo, parte vitorioso
para o céu.

O nosso Rei, o Altíssimo, veio por nós na humildade, mas não pôde vir de mãos vazias.
Trouxe para seus soldados um grande dom, que não apenas os enriqueceu imensamente,
mas deu-lhes uma força invencível no combate: trouxe o dom da caridade que leva os
homens à comunhão com Deus.

Ao repartir tão liberalmente o que trouxera, nem por isso ficou mais pobre: enriquecendo
do modo admirável a pobreza dos seus fiéis, ele conservou a plenitude dos seus tesouros
inesgotáveis.

Assim, a caridade que fez Cristo descer do céu à terra, elevou Estevão da terra ao céu. A
caridade de que o Rei dera o exemplo logo refulgiu no soldado.

Estêvão, para alcançar a coroa que seu nome significa, tinha por arma a caridade e com
ela vencia em toda parte. Por amor a Deus não recuou perante a hostilidade dos judeus,
por amor ao próximo intercedeu por aqueles que o apedrejavam. Por esta caridade,
repreendia os que estavam no erro para que se emendassem, por caridade orava pelos
que o apedrejavam para que não fossem punidos.

Fortificado pela caridade, venceu Saulo, enfurecido e cruel, e mereceu ter como
companheiro no céu aquele que tivera como perseguidor na terra. Sua santa e incansável
caridade queria conquistar pela oração, a quem não pudera converter pelas admoestações.

E agora Paulo se alegra com Estêvão, com Estêvão frui da glória de Cristo, com Estêvão
exulta, com Estêvão reina. Aonde Estêvão chegou primeiro, martirizado pelas pedras de
Paulo, chegou depois Paulo, ajudado pelas orações de Estevão.

É esta a verdadeira vida, meus irmãos, em que Paulo não se envergonha mais da morte
de Estêvão, mas Estevão se alegra pela companhia de Paulo, porque em ambos triunfa a
caridade. Em Estêvão, a caridade venceu a crueldade dos perseguidores, em Paulo, cobriu
uma multidão de pecados; em ambos, a caridade mereceu a posse do reino dos céus.
A caridade é a fonte e origem de todos os bens, é a mais poderosa defesa, o caminho que
conduz ao céu. Quem caminha na caridade não pode errar nem temer. Ela dirige, protege,
leva a bom termo.

Portanto, meus irmãos, já que o Cristo nos deu a escada da caridade pela qual todo cristão
pode subir ao céu, conservai fielmente a caridade verdadeira, exercitai-a uns para com os
outros e, subindo por ela, progredi sempre mais no caminho da perfeição.

Oremos: Ensinai-nos, ó Deus, a imitar o que celebramos, amando os nossos próprios


inimigos, pois festejamos Santo Estêvão, nosso primeiro mártir, que soube rezar por seus
perseguidores. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
27 de Dezembro
São João, apóstolo e evangelista

Dos Tratados sobre a Primeira Carta de São João, de Santo Agostinho, bispo (Séc. V)

A vida se manifestou em nossa carne

O que era desde o princípio, o que nós ouvimos, o que vimos com os nossos olhos e as
nossas mãos tocaram da Palavra da Vida (1Jo 1,1). Quem poderia tocar a Palavra com
suas mãos, a não ser porque a Palavra se fez carne e habitou entre nós? (Jo 1,14).

A Palavra que se fez carne para ser tocada com as mãos, começou a ser carne no seio da
Virgem Maria; mas não foi então que a Palavra começou a existir porque, diz João, ela
era desde o princípio. Vede como sua Carta é confirmada pelas palavras do seu
Evangelho, que acabais de escutar: No princípio era a Palavra, e a Palavra estava junto de
Deus (Jo 1,1).

Alguns talvez julguem que a expressão Palavra da Vida designe de modo geral a Cristo e
não o próprio Corpo de Cristo que foi tocado pelas mãos. Reparai no que vem em seguida:
E a Vida manifestou-se (1Jo 1,2). Por conseguinte, Cristo é a Palavra da Vida.

E como se manifestou esta Vida? Ela existia desde o início, mas não tinha se manifestado
aos homens; manifestara-se aos anjos que a contemplavam e se alimentavam dela como
de seu pão. E o que diz a Escritura? O homem se nutriu do pão dos anjos (Sl 77,25).

Portanto, a Vida se manifestou na carne, para que, nesta manifestação, aquilo que só o
coração podia ver, fosse visto também com os olhos, e desta forma curasse os corações.
De fato, o Verbo só pode ser visto com o coração, ao passo que a carne pode ser vista
também com os olhos corporais. Éramos capazes de ver a carne, mas não éramos capazes
de ver a Palavra. Por isso, a Palavra se fez carne que nós podemos ver, para curar em nós
o que nos torna capazes de vê-la.

E somos testemunhas, diz João, e vos anunciamos a Vida eterna, que estava junto do Pai
e que se tornou visível para nós (1Jo 1,2), isto é, que se manifestou entre nós ou, falando
mais claramente, nos foi manifestada.

Isso que vimos e ouvimos, nós vos anunciamos (1Jo 1,3). Prestai atenção: Isso que vimos
e ouvimos, nós vos anunciamos. Eles viram o próprio Senhor presente na carne, ouviram
da boca do Senhor suas palavras e no-las anunciaram. E nós ouvimos certamente, mas
não vimos.
Somos, por isso, menos felizes do que eles que viram e ouviram? Por que então
acrescenta: Para que estejais em comunhão conosco? (1Jo 1,3). Eles viram, nós não vimos
e, contudo, estamos em comunhão com eles porque temos uma fé comum.

E a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo. Nós vos escrevemos estas
coisas, diz João, para que a vossa alegria fique completa (1Jo 1,4). Essa alegria completa
encontra-se na mesma comunhão, na mesma caridade, na mesma unidade.

Oremos: Ó Deus, que pelo apóstolo São João nos revelastes os mistérios do vosso Filho,
tornai-nos capazes de conhecer e amar o que ele nos ensinou de modo incomparável. Por
nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
28 de Dezembro
Santos Inocentes, mártires

Dos Sermões de São Quodvultdeus, bispo (Séc. V)

Ainda não falam e já proclamam Cristo

Nasceu um pequenino que é o grande Rei. Os magos chegam de longe e vêm adorar, ainda
deitado no presépio, aquele que reina no céu e na terra. Ao anunciarem os magos o
nascimento de um Rei, Herodes se perturba e, para não perder o seu reino, quer matar o
recém-nascido. No entanto, se tivesse acreditado nele, poderia reinar com segurança nesta
terra e para sempre na outra vida.

Por que temes, Herodes, ao ouvir que nasceu um Rei? Ele não veio para te destronar, mas
para vencer o demônio. Como não compreendes isso, tu te perturbas e te enfureces; e,
para que não escape o único menino que procuras, tens a crueldade de matar tantos outros.

Nem as lágrimas das mães nem o lamento dos pais pela morte de seus filhos, nem os
gritos e gemidos das crianças te comovem. Matas o corpo das crianças porque o medo
matou o teu coração; e julgas que, se conseguires teu propósito, poderás viver muito
tempo, quando precisamente é a própria Vida que queres matar.

Aquele que é a fonte da graça, pequenino e grande ao mesmo tempo, reclinado num
presépio, apavora o teu trono. Por meio de ti, e sem que saibas, realiza os seus desígnios
e liberta as almas do cativeiro do demônio. Recebe como filhos adotivos os filhos dos que
eram seus inimigos.

Essas crianças morrem pelo Cristo, sem saberem, enquanto seus pais choram os mártires
que morrem. Cristo faz suas legítimas testemunhas aqueles que ainda não falam. Eis como
reina aquele que veio para reinar. Eis como já começa a conceder a liberdade aquele que
veio para libertar, e a dar a salvação aquele que veio para salvar.

Tu, porém, Herodes, ignorando tudo isto, te perturbas e te enfureces; e enquanto te


enfureces contra o Menino, já lhe prestas homenagem, sem o saberes. Ó imenso dom da
graça! Que méritos tinham aquelas crianças para obterem tal vitória? Ainda não falam e
já proclamam o Cristo. Não podem ainda mover os membros para a luta e já ostentam a
palma da vitória.

Oremos: Ó Deus, hoje os santos Inocentes proclamam vossa glória, não por palavras,
mas pela própria morte; dai-nos também testemunhar com a nossa vida o que os nossos
lábios professam. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito
Santo.
29 de Dezembro
Quinto dia da oitava do Natal

Dos Sermões de São Bernardo, abade (Séc. XII)

Na plenitude dos tempos, veio a nós a plenitude da divindade

Apareceu a bondade e a humanidade de Deus, nosso Salvador (cf. Tt 3,4). Demos graças
a Deus que nos dá tão abundante consolação neste exílio, nesta peregrinação, nesta vida
tão miserável.

Antes de aparecer a sua humanidade, a sua bondade também se encontrava oculta; e, no


entanto, esta já existia, porque a misericórdia do Senhor é eterna. Mas como poderíamos
conhecer tão grande misericórdia? Estava prometida, mas não era experimentada e por
isso muitos não acreditavam nela. Muitas vezes e de muitos modos, Deus falou por meio
dos profetas (cf. Hb 1,1). E dizia: Eu tenho pensamentos de paz e não de aflição (cf. Jr
29,11). E o que respondia o homem, que experimentava a aflição e desconhecia a paz?
Até quando direis paz, paz e não há paz? Por esse motivo, os mensageiros da paz
choravam amargamente (cf. Is 33,7), dizendo: Senhor, quem acreditou no que ouvimos?
(cf. Is 53,1). Agora, porém, os homens podem acreditar ao menos no que vêem com seus
olhos, pois os testemunhos de Deus são verdadeiros (cf. Sl 92,5); e para se tornar visível,
mesmo àqueles que têm a vista enfraquecida, armou uma tenda para o sol (Sl 18,6).

Agora, portanto, não se trata de uma paz prometida, mas enviada; não adiada, mas
concedida; não profetizada, mas presente. Deus Pai a enviou à terra, por assim dizer,
como um saco pleno de sua misericórdia. Um saco que devia romper-se na paixão para
derramar o preço de nosso resgate nele escondido; um saco, sim, que embora pequeno
estava repleto. Pois, um menino nos foi dado (cf. Is 9,5), mas nele habita toda a plenitude
da divindade (Cl 2,9). Quando chegou a plenitude dos tempos, veio também a plenitude
da divindade.

Veio na carne para se revelar aos que eram de carne, de modo que, ao aparecer sua
humanidade, sua bondade fosse reconhecida. Com efeito, depois que Deus manifestou
sua humanidade, sua bondade já não podia ficar oculta. Como poderia expressar melhor
sua bondade senão assumindo minha carne? Foi precisamente a minha carne que ele
assumiu, e não a de Adão, tal como era antes do pecado.

Poderá haver prova mais eloqüente de sua misericórdia do que assumir nossa miséria?
Poderá haver maior prova de amor do que o Verbo de Deus se tornar como a erva do
campo por nossa causa? Senhor, que é o homem, para dele assim vos lembrardes e o
tratardes com tanto carinho? (Sl 8,5). Por isso, compreenda o homem até que ponto Deus
cuida dele; reconheça bem o que Deus pensa e sente a seu respeito. Não perguntes, ó
homem, por que sofres, mas por que ele sofreu por ti. Vendo tudo o que fez em teu favor,
considera o quanto ele te estima, e assim compreenderás a sua bondade através da sua
humanidade. Quanto menor se tornou em sua humanidade, tanto maior se revelou em sua
bondade; quanto mais se humilhou por mim, tanto mais digno é agora do meu amor. Diz
o Apóstolo: Apareceu a bondade e a humanidade de Deus, nosso Salvador. Na verdade,
como é grande e manifesta a bondade de Deus! E dá-nos uma grande prova de bondade
Aquele que quis associar à humanidade o nome de Deus.

Oremos: Ó Deus invisível e todo-poderoso, que dissipastes as trevas do mundo com a


vinda da vossa luz, volvei para nós o vosso olhar, a fim de que proclamemos dignamente
a maravilhosa natividade de vosso Filho Unigênito. Que convosco vive e reina, na
unidade do Espírito Santo.
30 de Dezembro
Sexto dia da oitava do Natal

Do Tratado “Refutação de todas as heresias”, de Santo Hipólito, presbítero (Séc. III)

O Verbo feito carne diviniza o homem

Não fundamentamos nossa fé em palavras sem sentido, nem nos deixamos arrastar pelos
impulsos do coração ou persuadir pelo encanto de discursos eloqüentes. Nossa fé se
fundamenta nas palavras pronunciadas pelo poder divino.

Estas palavras, Deus as confiou a seu Verbo que as pronunciou para afastar o homem da
desobediência; não quis obrigá-lo à força, como a um escravo, mas chamou-o para uma
decisão livre e responsável.

Esse Verbo, o Pai enviou à terra no fim dos tempos; não o queria mais pronunciado por
meio dos profetas nem anunciado por meio de prefigurações obscuras, mas ordenou que
se manifestasse de forma visível, a fim de que o mundo, ao vê-lo, pudesse salvar-se.

Sabemos que o Verbo assumiu um corpo no seio da Virgem e transformou o homem


velho em uma nova criatura. Sabemos que ele se fez homem da nossa mesma substância.
Se não fosse assim, em vão nos teria mandado imitá-lo como Mestre. De fato, se esse
homem tivesse sido formado de outra substância, como poderia ordenar-me que fizesse
as mesmas coisas que ele fez, a mim, frágil que sou por natureza? Como poderíamos
então dizer que ele é bom e justo?

Para que não o julgássemos diferente de nós, suportou fadigas, quis ter fome e não recusou
ter sede, dormiu para descansar, não rejeitou o sofrimento, submeteu-se à morte e
manifestou a sua ressurreição. Em tudo isto, ofereceu sua própria humanidade como
primícias, para que tu não desanimes no meio do sofrimento, mas, reconhecendo tua
condição de homem, esperes também receber o que Deus lhe deu.

Quando contemplares Deus tal qual é, terás um corpo imortal e incorruptível, como a
alma, e possuirás o reino dos céus, tu que, peregrinando na terra, conheceste o Rei celeste;
viverás então na intimidade de Deus e serás herdeiro com Cristo.
Todos os males que suportaste sendo homem, Deus os permitiu precisamente porque és
homem; mas tudo o que pertence a Deus, ele promete conceder-te quando fores
divinizado e te tornares imortal. Conhece-te a ti mesmo, reconhecendo a Deus que te
criou; pois conhecer a Deus e ser por ele conhecido é a sorte daquele que foi chamado
por Deus.

Por conseguinte, não vos envolvais em contendas como inimigos, nem penseis em voltar
atrás. Cristo é Deus acima de todas as coisas, ele que decidiu libertar os homens do
pecado, renovando o velho homem que tinha criado à sua imagem desde o princípio, e
manifestando nesta imagem renovada o amor que tem por ti. Se obedeceres aos seus
mandamentos e por tua bondade te tornares imitador daquele que é o Bem supremo, serás
semelhante a ele e ele te glorificará. Deus que tudo pode e tudo possui te divinizará para
sua glória.

Oremos: Concedei, ó Deus todo-poderoso, que o novo nascimento de vosso Filho como
homem nos liberte da antiga escravidão do pecado. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso
Filho, na unidade do Espírito Santo.
31 de Dezembro
Sétimo dia da oitava do Natal

Dos Sermões de São Leão Magno, papa (Séc. V)

O Natal do Senhor é o Natal da paz

O estado de infância, que o Filho de Deus assumiu sem considerá-la indigna de sua
grandeza, foi-se desenvolvendo com a idade até chegar ao estado de homem perfeito e,
tendo-se consumado o triunfo de sua paixão e ressurreição, todas as ações próprias do seu
estado de aniquilamento que aceitou por nós tiveram o seu fim e pertencem ao passado.
Contudo, a festa de hoje renova para nós os primeiros instantes da vida sagrada de Jesus,
nascido da Virgem Maria. E enquanto adoramos o nascimento de nosso Salvador,
celebramos também o nosso nascimento.

Efetivamente, a geração de Cristo é a origem do povo cristão; o Natal da Cabeça é também


o natal do Corpo.

Embora cada um tenha sido chamado num momento determinado para fazer parte do
povo do Senhor, e todos os filhos da Igreja sejam diversos na sucessão dos tempos, a
totalidade dos fiéis, saída da fonte batismal, crucificada com Cristo na sua Paixão,
ressuscitada na sua Ressurreição e colocada à direita do Pai na sua Ascensão, também
nasceu com ele neste Natal.

Todo homem que, em qualquer parte do mundo, acredita e é regenerado em Cristo,


liberta-se do vínculo do pecado original e, renascendo, torna-se um homem novo. Já não
pertence à descendência de seu pai segundo a carne, mas à linhagem do Salvador, que se
fez Filho do homem para que nós pudéssemos ser filhos de Deus.

Se ele não tivesse descido até nós na humildade da natureza humana, ninguém poderia,
por seus próprios méritos, chegar até ele.

Por isso, a grandeza desse dom exige de nós uma reverência digna de seu valor. Pois,
como nos ensina o santo Apóstolo, nós não recebemos o espírito do mundo, mas
recebemos o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos os dons da graça que Deus
nos concedeu (1Cor 2,12). O único modo de honrar dignamente o Senhor é oferecer-lhe
o que ele mesmo nos deu.
Ora, no tesouro das liberalidades de Deus, que podemos encontrar de mais próprio para
celebrar esta festa do que a paz, que o canto dos anjos anunciou em primeiro lugar no
nascimento do Senhor?

É a paz que gera os filhos de Deus e alimenta o amor; ela é a mãe da unidade, o repouso
dos bem-aventurados e a morada da eternidade; sua função própria e seu benefício
especial é unir a Deus os que ela separa do mundo.

Assim, aqueles que não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade
do homem, mas de Deus mesmo (Jo 1,13), ofereçam ao Pai a concórdia dos filhos que
amam a paz, e todos os membros da família adotiva de Deus se encontrem naquele que é
o Primogênito da nova criação, que não veio para fazer a sua vontade, mas a vontade
daquele que o enviou. Pois a graça do Pai não adotou como herdeiros pessoas que vivem
separadas pela discórdia ou oposição, mas unidas nos mesmos sentimentos e no mesmo
amor. É preciso que tenham um coração unânime os que foram recriados segundo a
mesma imagem.

O Natal do Senhor é o natal da paz. Como diz o Apóstolo, Cristo é a nossa paz, ele que
de dois povos fez um só (cf. Ef 2,14); judeus ou gentios, em um só Espírito, temos acesso
junto ao Pai (Ef 2,18).

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