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WERNER J. SOELL, S. J.

HARIANOS CÉLEBRES

1955 PETRÓPÒLIS, R.
EDITORA VOZES LIMITADA SAO PAULQ *
RIO DE JANEIRO -
IMPRIMI POTEST
Porto Alegre, 6-1-1955,
P. Edvino Priderichs, S. J.
Praep. Prov, Bras. Mer.
IMPRIMA-SE
Florianópolis, 7-1-1955.
Mons. Frederico Hobold
Vigário Geral

TOPOS OS DIREITOS RESERVADOS


A
IMACULADA,
RAINHA DAS CONGREGAÇÕES MARIANAS
PREFÁCIO
Desde 1947, vêm sendo publicados, em “O Maria-
no”, de Florianópolis, traços biográficos de congrega­
dos marianos cuja memória se conserva viva ou por­
que se distinguiram no exercício da sua profissão, ani­
mados pelo amor a Maria Santíssima, ou porque tanto
se avantajaram na escola mariana que foram julgados
dignos das honras dos altares.
Acolhendo a sugestão de pessoas amigas, reunimos
em volume estes esboços. De caso pensado evitamos
qualquer classificação, seja segundo o tempo ou país
em que estes filhos de Maria viviam, ou seja ainda con­
forme às condições de vida que serviam de cenário em
que se desenrolavam as lutas e vitórias destes congre­
gados marianos.
Anima-nos um único desejo: que a leitura destas
páginas convença os católicos de hoje que, sob a égi­
de da Mãe de Jesus, podem alcançar a perfeição cris­
tã na Congregação Mariana.
Florianópolis, aos 8 de Dezembro de 1954.
W. J. S.
DECLARAÇÃO
Em conformidade com os decretos de S. S. o Pa­
pa Urbano VIII, o autor declara que se deve atribuir
apenas “fé humana ao que se diz neste livro”, exee-
tuando-sè, porém, as decisões da Sé Apostólica no que
se refere a Santos ou Bem-aventurados.
O autor.
6
1.
O INVENTOR DO ESTETOSCÓPIO.
Se você se fizer examinar por um médico, ele usará
um instrumento chamado estetoscópio para conhecer o
estado de seus pulmões e de seu coração. Ainda hoje'é
muito em uso o estetoscópio que pouco se distingue do
inventado por Laênnec. E’ um tubo de madeira de uns
18 a 20 cm de comprimento.
Por meio deste instrumento, o médico pode distin­
guir os ruídos produzidos pelos pulmões, pelo coração
e por outros órgãos internos e que caracterizam o es­
tado sanitário destas partes do corpo.
E’ interessante como Laênnec chegou a fazer sua
importantíssima invenção.
Em 1819, em caminho à casa de um doente, passou
por um grupo de crianças que se divertiam com uma
brincadeira muito infantil. Havia lá uma trave, numa
extremidade da quai um menino traçava linhas com a
ponta de um prego. Na outra extremidade os seus com­
panheiros encostavam o ouvido para observar os ruídos
produzidos pelo movimento do prego.
Este em si tão insignificante acontecimento foi pa­
ra Laênnec o ponto de partida para uma das invenções
mais importantes.
Quem foi Laênnec?
Renato Teófilo Jacinto Laênnec nasceu em Quim-
per (Bretanha), aos 17 de Fevereiro de 1781. Com 20
anos de idade, recebeu, na Universidade de Paris, os
dois prêmios em medicina e cirurgia. Dedicou-se espe-
7
cialmente ao estudo da anatomia patológica, na qual
se distinguiu grandemente. Nomeado médico do hospi­
tal de Necker, levou aí à mais alta perfeição a prática
auscultatória. Em 1822 foi nomeado catedrático de me­
dicina. Em numerosos escritos condensou os resultados
de seus laboriosos estudos.
Achando-se no apogeu dos seus sucessos científi­
cos, sentiu-se atacado pela tísica. Por este motivo re­
colheu-se à sua terra natal, vindo a falecer em Kerloua-
nec, aos 13 de Agosto "de 1826.
Se os médicos têm todos os motivos de orgulhar-
se de tão glorioso representante de sua classe, não me­
nor direito de ufanar-se de Laênnec têm os congrega­
dos. Pois desde 1803 pertencia à célebre Congregação
Mariana do P. Delpuits, de Paris. Foi aos pés de Maria
que o grande cientista hauria a força para uma vida
de santo. Com razão diz Drive dele: “Originaire de la
catholique Bretagne, il eut à coeur d’y revenir pour y
dormir son dernier sommeil, laissant à la postérité le
souvenir d’un des hommes les plus doctes dans les Scien­
ces médicales et à ses contemporains 1’exemple d’un
catholique toujours fidèle” \
2.
UM GENERAL INTRÉPIDO
Há vultos históricos que formam um grupo à par­
te. São os eternamente caluniados.
A este grupo pertence Tilly, o general intrépido
da Guerrá dos Trinta Anos.
- Apesar dos trabalhos valiosos e provas irrefutáveis
de historiadores como Onno Klopp e Carlos de Viller-
mont que desvendaram a verdade a respeito deste luta-
1) “Natural da Bretanha católica, fez questão de para
lá voltar, a fim de dormir o último sono em terra pátria.
Deixou, à posteridade, a lembrança de um dos homens mais
doutos nas ciências médicas e, aos seus contemporâneos,'
o exemplo de um católico sempre fiel”.
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dor pelos direitos de Deus e dos homens, ainda hoje
1 y é difamado pelos inimigos da Igreja como causa­
dor do incêndio de Magdeburgo, como papista fanáti­
co, como tirano intolerante.
João Tserclaes, Conde de Tilly, nasceu em Tilly,
perto de Bruxelas, em 1559. Aluno do colégio dos je­
suítas em Colônia, entrou para a Congregação Maria­
na, distinguindo-se por sua profunda piedade. Seguindo
sua vocação para a vida militar, lutou sob o comando
de vários chefes. Durante a campanha contra os tur­
cos foi promovido ao posto de coronel. Poucos anos
mais tarde foi nomeado general de artilharia. Já com
o posto de marechal de campo, recebeu do duque Ma-
ximiliano da Baviera o encargo de reorganizar o exér­
cito daquele país.
Sua atividade principal, entretanto, desenvolveu-a
durante a Guerra dos Trinta Anos. Esta atividade não
reflete somente seus exímios dotes de cabo de guerra,
mas as admiráveis virtudes que adquiriu na escola de
Maria.
No conselho de guerra manifestou-se o general im­
perial Bouquoy vivamente contra o planejado ataque na
Montanha Branca, perto de Praga (Boêmia), desmora­
lizando destarte as tropas. E de fato, os soldados
imperiais começaram a fugir. Tilly, porém, , com a espa­
da desembainhada, forçou-os a resistir, alcançando uma
esplêndida vitória. E teve mais vitórias. E teve derrotas
também. Mas numas, como nas outras, mostrou-se o gran­
de soldado. Depois da batalha da Montanha Branca,
os soldados quiseram saquear a cidade de Praga. Tilly
não o permitiu.
Era sempre contrário ao emprego da força bruta.
Príncipes e generais aproveitavam as forças armadas
para obrigar os habitantes dos territórios ocupados a
adotar a religião dos respectivos vencedores. Tilly não
entendia assim os direitos do vencedor. Como filho fiel
da Igreja Católica não descurava da restauração da
verdadeira fé. Mas, com toda razão, queria que os ha-
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bitàntes fossem antes instruídos devidamente na religião
de Cristo. Para este fim tratava de fundar colégios de
jesuítas. Trocou muitas cartas com o Papa e o impe­
rador a este respeito, oferecendo-se a pagar o susten­
to dos padres até que se tivesse provido de outra forma.
Desde 1620 até o fim da vida teve um jesuíta como
capelão e confessor. O último deles, o que o assistiu
na hora da morte, diz-nos: que a vida de Tilly era
rica em todas as virtudes cristãs. Paciência,' prudên­
cia, moderação, continência e misericórdia distinguiram-
no como homem. Como general era de uma admirável
capacidade de prever e calcular os movimentos do ad­
versário, de aguda vigilância e de estupenda celeridade
na execução dos seus planos.
As maiores dificuldades não lhe vinham da parte
dos inimigos, mas dos seus chefes que, movidos por
mesquinhas ambições, ciúmes e invejas, punham em
risco a grande causa pela qual Tilly lutava. Wallenstein
escreve a este respeito (3-6-1626): “Certamente não é
por nada que ele (Tilly) sè cobre de glória por causa
de sua bravura, perante o mundo; mas por causa de
sua paciência que deve ter com os canalhas (W.. tem uma
expressão muito mais forte), alcançará de Deus “co-
ronam martyrii”.
Querendo defender" a Baviera contra o invasor sue-
cb, opôs-se-lhe sobre as margens do Lech, recebendo ai
o ferimento de morte. Aos 30 de Abril de 1632, morreu
em Ingplstadt. Homens que pareciam feitos de mármo­
re, choravam inconsoláveis a sua morte.
A enciclopédia Espasa-Calpe caracteriza assim este
grande filho de Maria: “Tilly odiou sempre o fausto e
as distinções honoríficas e negou-se a enriquecer-se com
as presas da guerra. Em seu exército procurou manter
uma severa disciplina varonil. A extirpação da heresia
na Alemanha foi para ele uma questão de consciência”.

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3.
ENGENHEIRO E FINANCISTA
(( Roni ’ aPostrofou o sr. Paulo seu primogênito,
Roni, isto tem que acabar. Não basta fazeres tuas
travessuras! Levas também teu irmãozinho para o mau
caminho. Com a vara vamos liquidar a tua conta”.
Tais cenas não eram muito raras na casa do pro­
fessor primário Paulo Jaegen, em Tréveres (Alemanha).
Pois o menino de oito anos não era nenhum exemplar de
virtudes acabadas. O pai, entretanto, não quis que seus
filhos tomassem rumo incerto, enquanto ele empenhava
todos os esforços na educação de filhos alheios. E con­
seguiu seu intento, sobretudo com o travesso Roni.
Jerônimo Jaegen, ou — como seus pais costuma­
vam chamá-lo para abreviar nome tão comprido — Ro­
ni, nasceu aos 23 de Agosto de 1841, na antiga cidade
romana em terras germânicas. Filho de católicos exem­
plares, sadio e esperto, via-se Roni a braços com fra­
quezas e más inclinações. Ele mesmo mais tarde escre­
verá e lamentará que, até a idade de 17 anos, não con­
seguiu domínio completo sobre as tentações e os pecados.
Isto melhorou, somente, quando encontrou um sábio
confessor ao qual revelou o estado de sua alma.
, Tendo cursado o ginásio de Tréveres, dirigiu-se pa­
ra Berlim, onde frequentou a faculdade de engenharia.
Lá também teve a boa sorte de encontrar um excelente
diretor espiritual que exerceu uma influência decisiva
sobre a alma do jovem estudante. Este sacerdote intro­
duziu a Roni na Congregação Mariana de Moços, Con­
gregação esta em ..que florecia não somente um ver­
dadeiro. entusiasmo pela prática da fé católica, mas
que, com suas Conferências Vicentinas, ensinava aos seus
membros a verdadeira caridade cristã.
O ideal mariano tornou-se a estrela orientadora pa­
ra toda a vida de Roni. Como levou a sério a santifica­
ção própria! Tão abnegado tornou-se, tão íntima foi sua
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vida com Deus, que foi elevado às alturas da mística
dos santos. Deste amor de Deus brotou seu zelo apos­
tólico que, qual rio, fecundava seus campos de ação
em toda a parte.
O fiel cumprimento dos deveres de estudante me­
receu-lhe não somente um brilhante certificado final,
mas uma excelente colocação numa fábrica de máqui­
nas em sua cidade natal.
• De Berlim e de sua Congregação Mariana trouxe
também aquele profundo amor à Igreja católica que é
um dos distintivos de Roni. Já como estudante deu pro­
vas disto. Chegando uma vez em casa para passar as
férias, ouviu que se tinha começado a construção de
um monumento em honra de Maria Santíssima. Num
outeiro perto da cidade de Tréveres queriam os católicos
erigir uma coluna em cima da qual colocariam uma está­
tua de Nossa Senhora. Mas, por falta de dinheiro, a
obra ficou inacabada. Roni propõe uma rifa em favor do
monumento. As autoridades não têm grande confiança
neste meio, mas consentem numa tentativa. Em pouco
tempo, Roni consegue tanto quanto é necessário para a
continuação da coluna.
Enquanto o jovem engenheiro se dedica aos tra­
balhos na fábrica de máquinas, a Prússia declara guerra
à Áustria. Roni é chamado também. Numa longa ora­
ção, na catedral de Colônia, implora a proteção de Ma­
ria Santíssima e, fortalecido, segue para o front. Lá
não era só soldado valente, mas antes de tudo um ca­
marada sacrificado. Ambas, a bravura e a caridade,
merecem-lhe a promoção ao posto de tenente. Ao voltar
para sua cidade natal, o chefe da empresa em que Ro­
ni trabalha confere-lhe o posto de diretor técnico.
Entretanto, é chamado mais uma vez :à s armas,
por ocasião da guerra franco-prussiana. Desta vez, po­
rém, passa quase todo o tempo em Coblença, servindo
como oficial na administração. ^
- Ainda ouvia-se o vibrar dos sinos que anunciaram
a paz entre as duas nações, quando o governo prussia-
no, ébrio pela vitória militar, resolveu esmagar’ a Igre­
ja Católica, encetando a luta que tão erroneamente foi
chamada “Kulturkampf”.
Agora veio para Roni a hora para patentear seu
grande amor a Cristo e sua Igreja. O Congregado Jae­
gen, em toda a parte, pronuncia discursos. inflamados,
defendendo o Santo Padre e os direitos da Igreja. Ani­
ma seus irmãos na fé. Intrépido, denuncia a injustiça
cometida pelo governo. E eis que o ministério da guer­
ra lhe cassa a patente de oficial e o expulsa do exérci­
to. Jerônimo não se queixa, não se defende. Alegra-se
por poder sofrer alguma coisa por Cristo.
Em 1879, fundou-se em Tréveres o Banco Popular,
e seus fundadores não conheciam homem mais compe­
tente para dirigi-lo do que o distinto católico que era
Jerônimo Jaegen. Durante dezenove anos permaneceu à
testa desse instituto, ganhando, com sua afabilidade, a
confiança de quantos entraram em contacto com ele.
Uma bondade particular para com os empregados as­
segurou-lhe a simpatia e a fidelidade destes. Como
estas qualidades, era também fruto de sua união ínti­
ma com Deus o raro senso de responsabilidade que o
retinha no seu escritório desde a manhã até altas ho­
ras da noite. E ainda assim achou tempo para ajudar
a 'outros. Sem remuneração alguma fez as vezes de
diretor de uma sociedade anônima, de uma casa para
criadas pobres, de um asilo para crianças surdo-miidas
e de outras instituições congêneres.
Motivos de saúde forçaram-no, afinal, a renunciar
ao posto de diretor do Banco Popular. Não tinha, po­
rém, chegado a hora de descansar.
Foi eleito deputado para a dieta prussiana. Lá não
somente se distinguiu na defesa dos direitos de Deus
e da Igreja, mas ainda por seu zelo de trabalho na
comissão de finanças.
E, no meio de toda esta espantosa.atividade, achou
tempo* ainda para escrever valiosos livros sobre a vi­
da espiritual.
13
Meditando, certo dia, sobre a morte, perguntou a
Jesus, como seria sua morte. Jesus respondeu: “Com
um beijo de minha boca tirar-te-ei desta terra”.
Antes, porém, deveria merecer tal insigne graça.
Uma longa e dolorosa doença obrigou-o a procurar asi­
lo num hospital. Afinal, no dia 26 de Janeiro de 1919,
Jesus veio buscar seu servo fiel, como tinha prometido.
Com Jerônimo Jaegen, enviou a Congregação Ma­
riana ao céu um filho que soube realizar o ideal ma-
riano.. Sob a égide de Maria aprendera ele a amar a
Jesus e ao próximo, distinguindo-se neste duplo amor
de tal forma que alcançou a perfeição cristã, que o
tornou querido de Deus e dos homens.
4.
UM PINTOR.
Num registo de 1610-1656 da “Sodalité Latine Ma-
jeure”, conservado no Colégio de Nossa Senhora em An­
tuérpia, encontramos entre os consultores dessa C. M.
para 1625 um Dr. Pedro Paulo Rubens, e em 1629 o
mesmo Dr. P. P. Rubens está registado como secretário.
Quem foi este oficial da C. M.? Foi um dos maio­
res gênios da arte e — o que é menos conhecido —
um hábil diplomata.
A família deste Congregado era originária de An­
tuérpia. Tinha-se, porém, expatriado por motivos reli­
giosos. Assim nasceu Pedro Paulo Rubens em Siegen
(Westfália), aos 29 de Junho de 1577. Fez seus estudos
numa escola dirigida por Rombout-Verdouck e no Co­
légio dos jesuítas de Colônia. Depois da morte do pai, a
família voltou para Antuérpia.
Conhecedor de várias línguas, devia Rubens, segun- „
do a vontade da mãe, encaminhar-se para a magistra­
tura. Mas o jovem já tinha descoberto seus dotes para
a arte e, tendo um caráter independente, não simpati-
14
zava com as perspectivas que lhe ofereciam as renar-
tições públicas. y
Declarou, portanto, à sua mãe que queria ser pin­
tor, e um conselho de família aprovou tal resolução.
Rubens estudou sob a direção de vários mestres cé­
lebres. Em 1600 foi para a Itália, onde o duque de
Mântua, Vicente de Gonzaga, lhe deu emprego. Vicente
aproveitou a profissão de Rubens para uma missão di­
plomática na corte de Espanha. Existem ainda obras do
grande mestre daquela época, obras que provam que
também o gênio não alcança nada sem aplicação per­
severante. A série dos Apóstolos, pintada nos primeiros
anos de sua estada na Itália, é uma obra de valor me­
díocre. Mas já em 1604 apresenta três grandes pinturas
que falam do labor incansável do grande mestre.
De volta a Flandres, casa-se Rubens com Isabel
Brant. Começa agora o período mais fecundo de sua
vida de artista. A segunda importante missão diplomá­
tica, que lhe trouxe, por parte de Carlos I da Inglater­
ra, a elevação a Cavalheiro da Ordem da Espora de
Ouro, não prejudicou os altos voos de seu gênio.
Não é aqui o lugar de enumerar a enorme lista
das obras de Rubens nem de fazer-lhe a crítica. Mui­
tos censuraram as concessões que o mestre fez ao gosto
da época ou dos que encomendaram pinturas.
O que nos interessa é o testemunho que um dos
seus críticos mais acerbos, o autor da monumental His­
tória dos Papas, Ludwig Barão von Pastor, depõe so­
bre a pessoa de Pedro Paulo Rubens. “Rubens”, diz
ele, “foi católico convicto e prático. Todos os dias as­
sistia à Santa Missa, antes de ir ao trabalho. Sua, vida
privada foi exemplar”.
E esta profunda religiosidade teve sua expressão
na escolha dos objetos de suas pinturas. Quantas vezes
representou a morte de Jesus! E seu “Triunfo da Eu­
caristia” é o fruto sazonado da participação cotidiana
no santo sacrifício da Missa. Seu tributo de Congrega-
15
do, pagou-o com um belo quadro para a capela de
sua C. M. .
Aos 30 de Maio de 1640 morreu o mestre flamen­
go. Sua esposa mandou construir uma capela lateral na
igreja de São Tiago. Aí repousam os restos mortais
do grande filho de Maria.

5.
UM REI.
Em l 9 de Dezembro de 1640, na capital lusitana,
rebentou .a revolução contra o domínio espanhol. João,
duque de Bragança, subiu ao trono restaurado, com o
nome de João IV.
Nasceu o novo rei aos 18 de Março de 1604 no
palácio ducal de Vilaviçosa. Recebendo uma boa forma­
ção, interessava-se desde cedo pela música e pelos exer­
cícios físicos. Com vinte e nove anos de idade casou
com D. Luísa Francisca Guzmán, filha do duque de
Medina-Sidônia.
Não se sabe quando ele entrou na Congregação
' Mariana. Consta, porém, que fundou no palácio real
uma C. M. para pajens, entre os quais se achava São
João de Britto, recentemente canonizado (1946).
O primeiro rei da dinastia dos Bragança precisava
da proteção e auxílio de Nossa Senhora, pois todo o
seu governo estava repleto de dificuldades.
Ao subir ao trono, Portugal estava sem exér­
cito e sem armada e não tinha armamentos. A maior
colônia, o Brasil, estava sob o domínio espanhol e em
perigo de passar para o poder dos holandeses.
Muito mais crítica era, entretanto, sua situação
política. A diplomacia espanhola lançou mão de todos
os meios para que o Papa não reconhecesse a João IV
como rei de Portugal. Ela exigiu que o Sumo Pontífice
condenasse num breve a revolução e que os membros
16
do clero que tinham participado da sublevação — en- •
tre eles o Arcebispo de Lisboa — fossem julgados por
um tribunal formado por juizes espanhóis.
Mas, em Roma, achou João um fogoso advogado
na pessoa do embaixador da França. E o soberano por­
tuguês mesmo enviou para a Cidade Eterna como em­
baixador seu sobrinho D. Miguel de Portugal, Bispo
de Larnego. O Papa viu-se numa situação dificílima. Os
relatos sobre os acontecimentos em Portugal eram con­
traditórios, não permitindo ao Papa tomar uma reso­
lução decisiva.
A questão era a seguinte: os reis de Portugal ti­
veram, antigamente, o direito de nomear os Bispos. Es­
te direito exigiu-o João IV também para si. Se o Papa
lhe concedesse tal faculdade, reconhecería por isto mes­
mo a João como rei legítimo das terras lusitanas. E
contra isto insurgiram-se os espanhóis.
João, na ânsia de assegurar-se a coroa, empregou
meios que não se coadunavam com a atitude de um
filho obediente da Igreja. Quando, porém, teólogos por­
tugueses lhe mostravam que assim se afastava da dou­
trina católica e dos seus deveres para com o Vigário
de Cristo, desistiu da execução de planos que teriam
levado o país ao cisma.
Enquanto estas questões ficavam pendentes em Ro­
ma, João mostrava-se à altura de sua difícil tarefa em
Portugal. Organizou as forças de terra e mar; reabili­
tou e consolidou a fazenda real; concluiu tratados com
várias nações estrangeiras; e conseguiu suprimir as
conspirações tanto contra a sua pessoa como contra a
independência de Portugal. Por cúmulo de felicidade,
o Brasil foi-lhe restituído em consequência das vitórias
alcançadas pelos esforços conjugados de lusos e brasileiros.
Entretanto, o primeiro rei bragantino morreu em
Lisboa, aos 6 de Novembro de 1656, sem ter conseguido
o direito de nomear Bispos. Mas já ninguém disputara-
Marianos 2 17
lhe o direito ao trono e ele conservara-se fiel à Igreja.
E a este grande filho de Maria deve o Brasil, em gran­
de parte, sua integridade nacional.
6.
UM ARQUEÓLOGO
Filólogos e arqueólogos, críticos e juristas celebra­
ram o dia 18 de Outubro de 1947 como o 49 centenário
do nascimento de um dos eruditos mais afamados do 16’
século. Nós, congregados, temos maior direito de rego­
zijo; pois trata-se de comemorar o nascimento de um
filho de Maria que não somente se distinguiu nas le­
tras humanas, que não somente glorificou sua Rainha
e Mãe celeste em valiosas obras, mas que é ainda um
exemplo vivo de como um servo de Maria não se perde.
Foi ria pequena povoação de Overijssche, situada
entre Bruxelas e Lovaina, na Bélgica, no 189 dia do
Mês do Rosário de 1547 que nasceu Justo Lípsio, ou,
como, no vernáculo flamengo se chamava, Joest Leps.
Desde os primeiros anos de vida, deu prova de uma
inteligência extraordinária. Com seis anos, começou o es­
tudo do latim e, quando com 12 anos se transferiu pa­
ra o colégio dos jesuítas em Colônia, já escrevia ver­
sos e fazia discursos na língua do Lácio. Seus mestres
favoreciam o estudo dos idiomas clássicos. Isto, por sua
vez, moveu o jovem a ingressar na Ordem a que per­
tenciam seus mentores. O pai de Justo, porém, não
concordava. Quis que o filho estudasse filosofia e di­
reito. Justo mudou-se para a universidade de Lovaina.
Com 19 anos, publicou a primeira obra, com o título:
“Váriae Lectiones”, obra esta que dedicou ao Cardeal
Granvella.
Este poderoso príncipe da Igreja chama o jovem
autor para Roma. Aqui lhe estão à disposição as vastas
bibliotecas e os riquíssimos tesouros de documentos e
monumentos da antiguidade clássica. Na Cidade Eter-
na, lança os fundamentos daquele saber excepcional que
assombrou o mundo culto da época e que ainda irradia
de suas muitas obras. Mas foi ai também que começou
a sentir o espírito da revolta religiosa que, com seu
sopro mortal, fazia fenecer tanta flor de graça e san­
tidade.
Por isso, sua volta para Lovaina, onde, com com­
panheiros levianos, se entregou a uma vida dissoluta,
foi desastrosa. Irrequieto, afastava-se da única fonte da
paz. A mesma pátria não tem já atrativos para ele.
Dirige-se para Viena e de lá para a universidade pro­
testante de Jena, onde leciona história e professa aber-
tamente o luteranismo.
Mas não acha sossego. Volta 'para Lovaina onde
adquire o título de doutor em direito e é nomeado pro­
fessor desta ciência. Publicando a primeira edição crí­
tica de Tácito, mostra mais uma rica faceta de seu gê­
nio. A universidade calvinista de Leiden (Holanda)
quer incluí-lo no seu corpo docente. Nessa cidade, Jus­
to edita eruditos trabalhos sobre Valério Máximo, Sê-
neca e outros, e passa do luteranismo ao calvinismo. Le­
cionando na universidade de Leiden história literária,
dá-se conta do rigorismo teológico da doutrina de Cal-
vino e sente saudades da liberdade verdadeira que ofe­
rece a Igreja de Cristo aos seus filhos. Pretextando mo­
tivos de saúde, dirige-se para Spaa, com a intenção de
voltar para o seio da Igreja católica. E, em Março
de 1591, na igreja dos jesuítas de Mogúncia, reconciliou-
se com a fé dos seus antepassados.
Muitos são agora os oferecimentos honrosos de bis­
pos, reis e príncipes. Até o Papa Clemente VIII con-
vida-o para que ocupe uma cátedra universitária. Jus­
to, porém, prefere a sua antiga Alma Mater de Lovaina
por dois motivos: é o amor à pátria, é a modéstia, —
prova irrefutável de sua converáao sincera. Mas o mo­
desto professor de latim e história antiga não pôde de­
clinar da nomeação para Historiador da Coroa com que
Filipe II, rei da Espanha, o quis distinguir.
2* 19
Sua fama de docente atraiu a muitos, entre os quais
os arquiduques Alberto e Isabel. O exemplo deste in-
signe príncipe teve os efeitos mais salutares, não só para
o povo católico em geral, senão especialmente para
Lípsio. Renovou nele a sua antiga devoção a Maria
Santíssima. O que viu nos santuários marianos de Hal
e Montaigu (Bélgica) levou 'o Congregado Justo Lípsio
a descrever a munificência da Rainha dos Céus em la­
tim clássico nas duas obras: “Diva Virgo Hallensis. Be­
neficia ejus et miracula fide atque ordine descripta”,
e “Diva Sichemiensis sive' Aspricollis”. E para manifes­
tar de algum modo sua gratidão devida à excelsa Pa­
droeira, pelos lumes recebidos na sua atividade de es­
critor, 'ofertou à imagem veneranda de Hal uma pena
de prata.
Rodeado de padres franciscanos e jesuítas, o gran­
de latinista, no leito de morte, pediu que mais uma vez
rezassem com ele a Ladainha de Nossa Senhora e decla­
rou ser sua maior consolação o ter venerado a Maria
Santíssima desde a sua infância.
O Congregado Justo Lípsio morreu em Lovaina,
aos 24 de Abril de 1606. Conforme sua última von­
tade, seu coração foi levado para a igreja dos padres
jesuítas em Lovaina.
7.
UM GÊNIO MATEMÁTICO
A supressão da Companhia de Jesus foi um gol­
pe fatal para a Congregação Mariana. Pois não somen­
te a ordem odiada, senão também as organizações e
obras derivadas dela foram atingidas pelo famoso bre­
ve de supressão. Como, porém, a Companhia de Jesus
não estava morta — vivia ainda na Rússia — a-agím
a Congregação Mariana não fora completamente aniqui­
lada. Havia nos seis colégios dos jesuítas na Rússia
CC. MM. florescentes; a C. M. da Annunziata em Ro-
20
ma fora salva por dois sacerdotes. E em Paris, o P.’
João Batista Delpuits, antigo jesuíta, tentou restaurar
a C. M. com seis estudantes das faculdades de medici­
na e de direito. Quando, em 1804, Pio VII chegou pa­
ra coroar a Napoleão, o P. Delpuits pediu ao Soberano
Pontífice a aprovação e bênção para o sodalício nascen­
te. E o Santo Padre concedeu-lhe todas as graças e pri­
vilégios das antigas Congregações Marianas.
Esta C. M. pode gloriar-se de contar entre os seus
membros um dòs maiores gênios matemáticos de todos os
tempos: Agostinho Luís, Barão de Cauchy.
Agostinho nasceu aos 21 de Agosto de 1789, em
Paris. Seu pai, excelente latinista, proporcionou-lhe aque­
la formação clássica que é a base de toda verdadeira
cultura. Com treze anos acabou o ginásio e' ganhou,
dois anos mais tarde, o “grand prix d’humanités”, insti­
tuído pelo imperador Napoleão. Na faculdade de enge­
nharia como depois na Escola de Pontes e Estradas
manteve sempre o primeiro lugar. Depois de um tem­
po de repouso a que fora forçado por seu estado de
saúde, dedicou-se exclusivamente aos estudos matemáti­
cos. Já tinha publicado uma série de trabalhos, quando,
em 1815, ganhou o concurso promovido pela Academia
de Ciências, sobre o tema: “Estabelecer a teoria da pro­
pagação das ondas na superfície de um fluido pesado,
de profundidade indefinida”.
Agora deu-se um fato que criou muitas inimizades
ao homem que fora capaz de resolver problemas que re­
sistiram à sagacidade dos maiores matemáticos como
Euler, Legendre, Lagrange e Gauss.
Já à sua religiosidade acentuada tinha-lhe granjea-
do muitos adversários, embora Cauchy nunca quisesse
impor aos outros as suas convicções pessoais. Mas com
a queda de Napoleão e a restauração da realeza, veio
a reorganização da Academia das Ciências. Uma orde­
nança real excluiu dois membros da Academia, sendo
um dos escolhidos em seu lugar o grande matemático.
Uma verdadeira tempestade desencadeou-se contra ele.
21
I

Mas Cauchy obedeceu ao rei e não se importou com as


vozes irritadas. E tal fidelidade ao monarca levou-o a
sacrificar tudo: a cátedra de professor, a Academia,
posição social, futuro e família.
A revolução de Julho de 1830 destronou os Bour-
bons. O novo regime impôs aos funcionários um jura­
mento que Cauchy não podia prestar. Não jurou e exi­
lou-se em Turim, onde Carlos Alberto criou para ele
uma cátedra de física superior. Dois anos mais tarde,
Carlos X chamou-o para dirigir a educação de seu fi­
lho, o conde de Chambord. Até 1838 vivia com seu real
discípulo em várias cidades da monarquia austríaca. De­
pois dessa data voltou para a França para retomar suas
atividades como membro da Academia das Ciências, na
qual não se exigiu o juramento.
A república de 1848 nomeou ao grande filho de
Maria professor de astronomia na Faculdade de Ciên­
cias. Napoleão III exigiu novamente o juramento. Cau­
chy negou-se mais uma vez a prestá-lo. Finalmente, foi
dispensado desta formalidade.
Aos 22 de Maio de 1857 morreu Cauchy, na sua
casa de campo de Sceaux.
Abel dizia dele que era o único de seu tempo que
sabia como se devem tratar as matemáticas. Era mem­
bro de 18 Academias que se sentiam honradas só pelo
fato de ver seu nome inscrito nos seus registos. Pu­
blicou além de 500 trabalhos científicos. Toda a mate­
mática moderna está cheia de sua influência, no di­
zer de um autor.
Nisto porém não se resume a sua vida.
Como católico genuíno e como filho de Maria to­
mava parte ativa nas obras de caridade e no apostolado
de educação da Igreja.
Acima de todos os outros títulos — aliás bem me­
recidos —■ punha o de Congregado Mariano.
Notáveis são as palavras do grande sábio: “Apro­
fundei-me no estudo das ciências humanas, particular­
mente nas chamadas ciências exatas, e reconheci cada
vez melhor a verdade destas palavras de Bacon que,
se um pouco de filosofia nos torna incrédulos, muita
filosofia nos reconduz a sermos, cristãos. Vi que todos
os ataques dirigidos contra a revelação acabaram por
fornecer novas provas da verdade dela”.
Quando o célebre P. de Ravignan recebeu a notí­
cia de morte de Cauchy, exclamou: “Tout le monde
est convaincu que ce saint homme est allé droit au pa-
radis. Ce b'on M. Cauchy! il sera entré au ciei comme
il entrait dans nos chambres, sans frapper à la porte” \
8.
O AUTOR DA “JERUSALÉM LIBERTADA”.
A cada um de nós revela-se, mais cedo, mais tarde,
o fato inegável que não vivemos no Paraíso. Mas tal
conhecimento não basta para convencer-nos que isto va­
le também dos nossos semelhantes, principalmente, quan­
do esses semelhantes se nos apresentam nimbados de gló­
ria humana.
Olhando mais de perto as vidas desses homens cé­
lebres, verificamos mais uma vez a justeza da palavra
de Salomão: “Tudo é vaidade”. E nisto todos os ho­
mens são iguais.
Diferentes são, porém, na atitude que assumirem
-diante das vàidades da vida. Diferentes na sua conduta
nas vicissitudes da peregrinação terrestre. O cristão tor-
na-se herói, forte pelo amparo da fé; o homem sem
religião desespera.
Representante da primeira classe é Torquato Tas-
so, o autor da “Jerusalém Libertada”. Poucos homens
alcançaram tão cedo fama e glória como este ilustre
filho da Renascença. Poucos conseguiram fascinar ge-
ração após geração cóm as obras de seu genio, como
1) “Todos estão convencidos de que este santo homem
foi direitinho ao paraíso. Este bom sr. Cauchy! Terá en­
trado no céu, como entrara nos nossos quartos, sem. bater .
23
o conseguiu Tasso com uma grandiosa epopéia cristã.
.Mas poucos também pagaram preço tão alto por uns
momentos de gozo da glória.
Entretanto, se Torquató Tasso conhecia todos os
segredos da arte poética, não era menos experiente na
verdadeira arte de viver que o capacitou a coroar uma
existência repleta de tribulações com uma morte digna
de um discípulo de Cristo.
Sorrento, na Itália, pode gloriar-se de ter visto
nascer um dos maiores poetas cristãos. Ali nasceu Tor-
quato Tasso aos 11 de Março de 1544. Seu pai, Bernar­
do Tasso, também poeta, era descendente de antiga no­
breza de Bérgamo. Sua mãe chamava-se Pórzia Rossi
di Pistoja e pertencia à alta fidalguia napolitana.
Torquato Tasso contava sete anos de vida, quan­
do um acontecimento político privou os pais do seu mag­
nífico lar e dos meios de subsistência, sendo Bernardo
acusado de alta traição e condenado à morte. Teve
que fugir.
Esta fuga deveria exercer uma influência funesta
em toda a vida do filho. Esse foi, por enquanto, estu­
dar no recém-fundado colégio, dos jesuítas de Nápoles,
Onde causou profunda impressão por seus progressos nas
línguas latina e grega. Antes de completar os nove anos
de vida, fez aí sua Primeira Comunhão e muitos anos
mais tarde agradecia ainda a Deus a graça de ter re­
cebido o Pão dos Anjos, quando podia recebê-lo num
coração puro, simples e ilibado.
Em 1554, Bernardo foi para Roma e chamou para
lá seu filho. Com esta data começa para Torquato aque­
la vida errante que deveria ser sua sorte até o fim.
Foi naquela época também que perdeu, pela morte, sua
excelente mãe. Feliz dele que tinha encontrado uma
outra mãe em Maria Santíssima, à qual se consagrou
na Congregação Mariana. Deste amor a Nossa Senhora
hauria paz e tranquilidade nos muitos dias e noites pe­
jados com torturantes febres, inquietações © angústias.
24
Pois sua vida tornar-se-ia uma verdadeira odisséia.
Seria fastidioso enumerar todos os lugares que viu nâ
penosa jornada. Consideremos, em vez disto, três ele­
mentos de sua vida.
Com 18 anos de idade, publicou Torquato Tasso
uma grande epopéia romântica que lhe granjeou mui­
tos louvores. Já um ano mais tarde, esboçou o jovem
poeta uma obra maior ainda, aquela obra que deveria
colocá-lo entre os maiores vates de todos os tempos, a
“Jerusalém Libertada”. Seu ideal foi ser um Homero
ou Vergílio cristão. E alcançou este sublime ideal. Mas
a custo de quantos sacrifícios e de quantos trabalhos!
As viagens contínuas, a morte de seu pai, injustiças e
pèrseguições esgotaram suas forças físicas e mentais.
Manifestações destas condições foram os seus escrú­
pulos religiosos. Tinha medo de ter faltado contra a fé
ortodoxa; acusou-se perante a Inquisição, e, quando, de­
pois de o ter ouvido, o Inquisidor de Bologna lhe asse­
gurou que tudo estava em ordem, julgou este julgamen­
to uma cilada. Pior ainda. Via em toda a parte trai­
ção e perseguição. Foi necessário encerrar o grande
poeta num manicômio. Mas mesmo assim conseguiu Tas­
so escrever versos magníficos.
Quando estava melhor outra vez, o Papa Clemen­
te VIII chamou o criador da “Jerusalém Libertada”
para Roma, cuidou paternalménte dele e resolveu con­
ferir-lhe a maior distinção outorgada a um poeta: a co­
roação no Capitólio, honra que desde Petrarca não al­
cançou mais ninguém.
Não deveria, porém, receber em vida os louros tão
bem merecidos.
Tasso sentiu a aproximação do fim. Retirou-se pa­
ra o convento de Sant’Onofrio dos Frades Jeronimos.
Os melhores médicos, entre eles o médico do Papa,
Cesalpini, rodeavam-no de cuidados. Mas em vão. E
Torquato estava preparado. Quando o P. Prior lhe trou­
xe o Viático, exclamou o poeta: “Exspectans expectavi
Dominum”. (Ansiosamente esperei pelo Senhor). Na ma-
25
drugada do dia 25 de Abril de 1595, passou, sem ago­
nia, para a vida melhor. Toda a corte papal seguiu o
féretro encimado pela coroa que em vida não pudera
cingir.
E foi melhor assim. Pois ela simbolizava não so­
mente a grandeza do poeta, mas ainda a mestria com
que soube concluir uma vida cristã.
9.
O PADROEIRO DOS ESCRITORES
Aos 26 de Janeiro de 1923, S. Santidade Pio XI pu­
blicou uma encíclica pela qual declarou a S. Francisco
de Sales “Celestial Patrono dos Periodistas e Escrito­
res Católicos”. Já em 1877, recebera a mais alta dis­
tinção que pode ser conferida a um mortal, sendo pro­
clamado por Pio IX “Doutor da Igreja”.
Descomunais devem ser as qualidades para que
um homem alcance tais alturas.
Isto verifica-se, de fato, na pessoa de S. Francis­
co de Sales.
Filho de uma das mais nobres, mais antigas e mais
distintas famílias de Sabóia, em toda a sua vida nunca
desmentiu a fina educação de fidalgo. Uma memória
feliz, inteligência brilhante e fantasia viva talharam-no
para os estudos. A uma vontade enérgica uniu um co­
ração cheio de doçura e sensibilidade. Todo este conjun­
to maravilhoso recebeu sua consagração pela prática de
sólidas virtudes cristãs.
Nascido aos 21 de Agosto de 1567, no Castelo pa­
terno perto de Annecy (Sabóia), mostrou, já como me­
nino de pouca idade, seu interesse pela conversão dos
protestantes, que visitavam seu pai.
Afirma Mackay (CEuvres 1. XXXIX): “Aux jésuites
appartient 1’honneur principal de sa formation”. Mas
esta “honra”, a Companhia de. Jesus a deve à iniciati­
va do próprio Francisco. Pois foi ele que insistentemen-
26
te pediu ao pai que o mandasse ao Collège de Clermont
de Paris, e não ao de Navarre. Este se destinava à flor
da mocidade nobre francesa. Aquele, porém, era dirigido
pelos filhos de Santo Inácio, sendo um verdadeiro semi­
nário de todas as' virtudes.
Francisco entrou para a Congregação Mariana, na
qual ocupava, várias vezes, os postos de assistente e
presidente. E foi na escola da Congregação Mariana
que se formou o santo, executando o sublime progra­
ma esboçado na primeira regra: santificação própria,
salvação d'o próximo e defesa da Igreja.
A inabalável mansidão que caracteriza a S. Fran­
cisco de Sales é o resultado de uma luta sem tréguas
contra sua natural inclinação para a ira. Ainda na ma­
turidade da vida, confessou, depois de um incidente
desagradável, que “a raiva borbulhava na sua cabeça,
como a água a ferver sobre 'o fogo”.
Pelo ano de 1582, foi assaltado por uma terrível
tentação de desespero, temendo que seria condenado ao
inferno. A sua saúde de tal forma foi abalada, em conse­
quência disto, que os médicos não sabiam o que fazer.
Francisco foi para uma igreja prostrar-se diante da ima­
gem de Nossa Senhora. Fez o voto de virgindade per­
pétua e logo sua alma se encheu de paz e o corpo re­
cobrou a saúde.
Que Francisco, apesar de sua profunda piedade, es­
tava livre de preconceitos, prova-o o seguinte incidente.
Naquela época, a anatomia estava nos seus come-
ços, e os médicos que a praticavam eram considerados
pouco menos do que criminosos sacrílegos. Ora, acon­
teceu que Francisco, estando, em Pádua, adoeceu grave­
mente. Determinou que, caso morresse, seu corpo fos­
se entregue aos médicos para estudos anatômicos.
Esta largueza de vista teve um grande papel nos
seus trabalhos pela salvação do próximo.
' Francisco acabara, em Paris, seus estudos de retó­
rica, filosofia e teologia. Para satisfazer os desejos de
seu pai, dirigiu-se a Pádua, em cuja universidade adqui-
27
riu o título de doutor em direito. Nem bem um ano tra­
balhou como advogado no senado de Sabóia. Então re­
nunciou a tudo: carreira brilhante como estadista, a um
' casamento vantajoso, ao conforto do castelo paterno.
Tomou ordens. Para reconciliar 'o pai, que não estava
de acordo com as intenções do filho, alcançou-se-lhe do
Papa a nomeação para preboste da catedral de Gene­
bra, dignidade mais alta depois da do Bispo. Agora
abriu-se-lhe um vasto campo de apostolado. O Chablais,
região da Sabóia, viu o jovem sacerdote reconquistar mi­
lhares de protestantes para a Igreja católica. Além do
exemplo da mais pura caridade cristã, contribuiu para
tal triunfo o precioso dom da palavra de que Francisco
era dotado. Seus sermões comoviam profundamente.
Maior influência ainda tinham seus escritos. Estes,
a um tempo, serviram à doutrinação e à defesa das ver­
dades ensinadas pela Igreja.
Seus livros, como também suas inúmeras cartas, ga­
rantiram ao santo um lugar de destaque na literatura
francesa. F. Godefroy diz dele: “S. Francisco de Sales
merece um dos primeiros lugares entre os que legaram
à nossa língua (francesa) sua flexibilidade”. Sainte-
Beuve compara o santo com Benjamin Franklin que
também escreveu sobre a prática da virtude. Chega ao
resultado:: Franklin “possui humanitarismo, mas falta-
lhe a caridade propriamente dita. — Em S. Francisco
acha-se mais do que o justo, mais do que o útil, mais
do que o humano, acha-se o santo, uma realidade re­
pleta que, sempre que se mostre legítima, encontrará
sempre a reverência dos homens” (Causeries du Lundi,
VII, 220).
Seu Bispo, Mons. Granier, alquebrado pela idade,
recebera a Francisco come coadjutor, sucedendo-lhe es­
te, em 1602, no sólio pontifício de Genebra.
Agora, o santo antístite realizou mais uma obra im­
portante com a fundação da ordem da Visitação de Nos­
sa Senhora, tendo como colaboradora a Santa Francis-
ca Frémyot, Baronesa de Chantal.
28
Este grande filho de Maria morreu aos 28 de De­
zembro de 1622, em Lião.
Seu amor, sua estima e sua gratidão pela Congre­
gação Mariana acham um eloquente testemunho numa das
suas obras^ mais célebres, a “Filotéia”, na qual exorta
com insistência os leigos •a que ingressem nas fileiras
marianas.
São Francisco de Sales tipifica o congregado cem
por cento.
10 .
MÁRTIR DA EUCARISTIA
Em 1569, achava-se na França o fundador das Con- .
gregações Marianas, o P. João Leunis, S. J. No Colégio
de Clermont de Paris 'organizou uma bandeira mariana.
De lá dirigiu-se para outras partes do país de São Luís
Rei. Chegou a uma pequena cidade, não muito distante
de Clermont-Ferrand, de nome Billom. Esta cidade viu
surgir, em 1455, dentro de seus muros uma universida­
de que, 102 anos mais tarde, se transformou em colé-J
gio de jesuítas. Também este colégio devia ter sua Con­
gregação Mariana.
Entre os jovens cavaleiros de Maria que tiveram a
felicidade de depor a sua promessa de fidelidade à Rainha
Celeste nas próprias mãos do Fundador, achava-se um
menino de uns 14 anos. Chamava-se Tiago Salès.
A sua casa natal em Lezoux, na Auvergne, onde
veio ao mundo aos. 21 de Março de 1556, era o lar de
um pobre casal de lavradores. Um tesouro, porém, le­
garam-lhe seus pais: uma profunda piedade. Desde a
idade de sete anos ajudava diariamente várias Missas,
3empre acompanhado de seu livro de reza e do rosário.
Um sacerdote, movido pela piedade e pobreza do
menino, proporcionou-lhe aulas nas matérias do curso
ginasial. Tanto avantajou-se nos estudos o jovem Tia­
go, que obteve um dos lugares gratuitos que a diocese
29
mantinha no colégio de Billom. De tal forma aprovei­
tou as lições que chegou, a falar o latim e o grego com
a mesma facilidade com que manejava sua língua ma­
terna, o Francês.
Em Paris, onde completava seus estudos linguísti­
cos, ouviu a voz que o chamava para a Companhia de
Jesus. Sua saúde fraca opôs-lhe graves obstáculos du­
rante os anos que dedicava ao estudo da filosofia e da
teologia. Por este motivo teve que interromper as labu­
tas escolares. Mas, quando em Pont-à-Mousson faltava
um professor de filosofia e seus superiores lhe sugeri­
ram que preenchesse esta lacuna, para a qual o julga­
ram apto, apesar de sua pouca idade, mostrou-se logo
pronto. E durante três anos lecionou a disciplina de
tamanha importância.
Depois da sua ordenação de sacerdote, dedicou-se
o P. Tiago Salès durante vários anos ao estudo das
obras de Santo Tomás de Aquino. Assim aparelhado,
assumiu a regência da cátedra de teologia. Sua ciência
divina não se contentava com ensiná-la aos outros. Vi­
via sua teologia. Isto manifestava-se principalmente na
profunda devoção ao Ssmo. Sacramento do Altar. Quem
contará as horas que passava a'o pé do tabernáculo em
colóquios íntimos com Jesus-Hóstia? E seu pedido cons­
tante era a graça de poder sacrificar sua vida por Aque­
le que se aniquilou por amor de nós.
E Deus, incalculável nas disposições de sua provi­
dência, abriu-lhe o caminho para o martírio.
Mais uma vez, a saúde do P. Tiago falhou. Foi
em 1589. Seus superiores mandaram-no para a cidade
de Dole. A mudança de ar, o repouso e os cuidados de
seus irmãos de hábito restituíram-lhe tantas forças que,
no ano seguinte, sentiu-se capaz de pregar uma mis­
são popular em Omex. Um dos frutos deste labor apos­
tólico foi a renovação da devoção a Jesus Eúcarístico
que obrou nos habitantes daquele lugar. Depois de uma
série de sermões em Valence, escreveu um tratado so-
30
bre a Eucaristia. Este trabalho deveria custar-lhe a vi­
da, ou antes, merecer-lhe a coroa do martírio.
Aubenas é hoje capital de um cantão no departa-
mcnco de Ardèche (França). Em nossos dias ainda exis­
tem as ruínas de um castelo que teve papel saliente nas
guerras religiosas do século 16. Em 1564, sua guarni­
ção católica foi surpreendida e morta. Em 1587, a Li­
ga retomou a praça.
As vicissitudes bélicas tinham profundamente aba­
lado a vida moral e religiosa. Por tal razão pediram as
autoridades aos superiores da Companhia de Jesus que
lhes mandassem um bom teólogo para as importantes
pregações de Advento e Quaresma.
Os superiores fizeram melhor. Enviaram dois santos.
Um deles era o professor de teologia P. Salès. Pa­
ra que este não estivesse só, deram-lhe como compa­
nheiro o Irmão Guilherme Saultemouche, um religioso
que em toda a sua vida de ordem se distinguira por
sua simplicidade, obediência e profunda devoção a Je­
sus Sacramentado.
Em Novembro de 1592, começou o P. Tiago seus
sermões. Entre os ouvintes havia muitos huguenotes. E
isto causava inquietação. “Há qualquer coisa no ar”,
dizia-se. E pelo Natal diminuía sensivelmente a assistên­
cia aos sermões.
Realmente, nas .trevas da noite do dia 6 de Feve­
reiro de 1593, Chamband, um caudilho dos hereges, apo­
derou-se da cidade. Prendeu logo os dois jesuítas.
“Onde está vosso dinheiro?” foi a primeira pergunta.
“Não temos nada”,.foi a resposta do sacerdote. “Mas,
se a religião é a causa de nossa prisão, estamos prontos
a dar a vida pela fé”.
Pela tarde apresentaram-se pregadores calvinistas
e começaram a .disputar sobre vários artigos de fé, mas
principalmente sobre a presença real de Jesus no San­
tíssimo Sacramento. Em certa altura, os pregadores,
descontentes com suas derrotas teológicas, -fizeram tal
algazarra que. o P. Tiago não conseguiu mais fazer-se
31
ouvido. Por isto entregou-lhes seu tratado sobre a Eu­
caristia. O pregador Labat apossou-se da obra e afas­
tou-se com os demais.
Raiou o dia 7 de Fevereiro de 1593. Depois de uma
noite passada num frio cárcere e sem outro alimento
do que um pedacinho de pão, os dois religiosos foram
levados à casa de um tal de la Faye, juiz da cidade.
P. Tiago, entretanto, já estava condenado como “sa-
‘ cerdote de ídolos e falso profeta”. Ao Irmão Guilherme
quiseram dar a liberdade. Mas este insistiu em que de­
veria obedecer às ordens dadas pelos superiores de
acompanhar ao P. Tiago. E ficou.
Mais uma vez, Labat exortou ao teólogo que re­
nunciasse ao que tinha escrito e dito sobre o Ssmo.
Sacramento do Altar. Salès ficou firme.
Agora, a ira do herege não conhecia limites. Exi­
giu a morte do jesuíta.
Um soldado disparou sua arma sobre o sacerdote.
Um outro feriu-o com um punhal. Mais um terceiro en­
sanguentou sua espada com o sangue generoso do már­
tir. Finalmente, acorreu um homem e abriu-lhe uma
larga ferida no pescoço. A última palavra da vítima
era o nome de Jesus.
O Irmão, vendo morto o padre, se lançou sobre ele
e ali mesmo sucumbiu ele também- aos golpes dos fu­
riosos inimigos de Cristo.
Unidos na vida, não se separaram na morte e jun­
tos foram coroados com a coroa dos mártires. E jun­
tos foram elevados à honra dos Altares por Pio XI,
aos 6 de Junho de 1926.
O Congregado Tiago Salès aproveitou bem as li­
ções ministradas na Escola de Maria. Pela mão da Mãe
celeste deixou-se levar a Jesus, santificando-se, salvan­
do a milhares e morrendo pela defesa da Igreja, única
depositária da verdadeira fé. *

32
11.
ALEXANDRE VOLTA.
Na cidade italiana de Como, recebeu Don Filippo
Volta, no dia 18 de Fevereiro de 1745, um grande te­
souro. Don Filippo pertencia à nobreza, mas era mui­
to pobre. Seu filho havia de contar, mais tarde: “Meu
pai não possuía nada senão uma pequena casa no valor
de 14.000 liras e deixou, ao morrer, uma dívida de 17.000
liras. Eu, era, portanto, pobre a não mais poder”.
Contudo, a alegria de Don Filippo foi imensa ao
receber o seu tesouro. Este tesouro foi seu filho Ale­
xandre que acabava de nascer naquele dia. E, se o fe­
liz pai pudesse prever o futuro deste filho, sua alegria
teria sido maior ainda. Alexandre tornar-se-ia um dos
homens mais afamados de seu tempo e, hoje ainda, a
inicial de seu nome, “V”, significando “volt”, é escri­
ta e lida vezes sem conta.
Tal celebridade, já se adivinha, não é resultado de
poder financeiro. Pois nem cadernos tinha Alexandre
para fazer seus primeiros exercícios de caligrafia. Nem
foi tal celebridade o fruto só da inteligência que por
sinal foi descomunal. Nem bastava para tanto sua ope­
rosidade incessante. Tudo isto era amparado e fecun­
dado e abençoado por uma profunda cultura mariana.
Com o auxílio de dois irmãos de Don Filippo, um
deles cônego, o outro arcediago da catedral, Alexandre
pôde frequentar o colégio dos jesuítas que aí mostravam
uma verdadeira predileção por estudantes pobres.
Em 1757 ou 1759 alistou-se nas fileiras marianas.
O treinamento recebido na Congregação Mariana mar­
cou-lhe o passo nã'o somente no aperfeiçoamento nas
virtudes cristãs, mas no seu avanço na estrada da glo­
ria e mesmo para o sucesso na vida material.
Vejamos resumidamente a sua jornada científica,
pois não é aqui o lugar para apreciar detalhadamente
os seus trabalhos de cientista.
Marianos 3 33
Em 1760, teve que transferir-se para o seminário
de Benzi, onde concluiu o curso de filosofia. Oom o úl­
timo dia de aula em Benzi ácabou-se para Alexandre
a vida escolar. Mas não se acabaram os estudos. Ainda
como professor de Universidade, costumava sentar-se en­
tre os estudantes das várias faculdades que teve oca­
sião de visitar. Não admira, pois, que o homem conhecido
como um dos maiores físicos tivesse conhecimentos va-
riadíssimos que ele aproveitava ao serviço de seu pro­
fundo amor ao próximo. Baste, por ora, mencionar seus
empenhos em transplantar, para sua terra natal, o cul­
tivo da batata para alívio dos pobres daquela região.
Foi ele também um dos primeiros que fez experiências
para aproveitar os gases dos pântanos.
Entretanto, fica verdade que seus trabalhos princi­
pais tiveram por fim a exploração da eletricidade. E são
as suas descobertas nesse terreno que lhe asseguram
um nome imortal.
São várias as suas invenções neste ramo da ciência.
Em 1774, foi nomeado reitor do ginásio de Como, e
em 1778 quis a Universidade de Pavia tê-lo como profes­
sor, pois, com a invenção do eletróforo e do eletroscópio
tinha fundado a teoria da eletricidade. Agora seguiam-
se as invenções umas às outras. Foram a pistola elétricaj
o eudiômetro e a lâmpada de ar inflamável. Em 1782,
inventou o condensador e começou a interéssar-se pelas
experiências de Galvani. Repetindo essas experiências,
Alexandre Volta descobriu que Galvani interpretava de
modo errada os fatos. Este descobrimento levou o gran­
de físico a seu invento mais importante, a coluna vol-
taica, também chamada pilha voltaica, a primeira fon­
te de uma corrente elétrica permanente.
Este invento trouxe ao cientista, além de uma pen­
são vitalícia por parte de Napoleão I9 e uma gratifica­
ção em dinheiro, uma verdadeira chuva de honrarias.
Napoleão em pessoa assistiu às conferências de Volta
no Instituto de France, em Paris, que lhe conferiu a me­
dalha de ouro de distinção. A Real Sociedade de Lon-
34
dres da qual Alexandre era membro, distinguiu-o com
a medalha áurea de Copley. Napoleão fê-lo conde e se­
nador do reino da Italia. Mais tarde, o imperador da
Áustria, Francisco, nomeou-o diretor da faculdade de
filosofia da Universidade de Pádua.
Mencionemos ainda de passagem um fato pouco co­
nhecido: em 1867, apresentou o célebre historiador ita­
liano Césare Cantu (na famosa Exposição Mundial de
Paris) uma cópia fotográfica de uma carta de Volta da
qual resulta dever-se atribuir ao inventor da pilha vol-
taica também a idéia do telégrafo elétrico.
Apesar de todas estas vantagens materiais, apesar
de tantas honras e distinções, Alexandre Volta perma­
neceu sempre o humilde filho daquela que se intitulava
a “Escrava do Senhor”.
Entre os anos de 1777 e 1782 fez várias viagens de
estudos para a Suíça, Alemanha, Holanda, Inglaterra e
França. (Falava as línguas de todos estes países. Em
algumas delas, como na sua vernácula, escrevia poe­
sias de valor literário). Ora, quando chegou, na primei­
ra viagem, a Lucerna, não pôde resistir à tentação de
fazer uma visita à sua Mãe celeste no seu santuário de
Einsiedeln (N. Sra. dos Eremitas). Este traço era abso­
lutamente natural para Alexandre, tanto como a Missa
dominical, que não deixou de ouvir, mesmo no pri­
meiro domingo, em Paris, tendo chegado àquela ci­
dade, depois de uma viagem bem fatigante, em horas
tardias do sábado precedente. Costumava, aliás, assistir
à santa Missa todos os dias, seja que estivesse em Como •
ou Pavia ou em qualquer outro lugar. Também não dei­
xou passar um só dia, sem rezar o seu térçò.
Enquanto se achava em Paris, dividia o seu tempo
entre as visitas a cientistas e sábios e a frequência as
preleções na Universidade; ou inspecionava fábricas, in­
teressando-se não somente pelos métodos técnicos, mas
ainda pelas condições de vida dos operários.
Alexandre tinha-se casado com 49 anos, depois de
uma vida em que nenhuma mulher tivera lugar em seus
3* 35
pensamentos. Ora, em Paris aproximou-se-lhe o tentador.
Mas o congregado nem um momento sequer teve dúvida a
respeito de seu dever.
Se Alexandre levou a sério 'os seus deveres de con-
. gregado, não o devemos julgar unicamente pelos seus
esforços na santificação própria. Melhor prova ainda é
seu interesse pela salvação do próximo. E’ verdade, to­
da sua vida era um exemplo vivo da vida católica. Mas
ele gostava de misturar-se com o povo simples nas pro­
cissões, visitava frequentemente as casas dos campone­
ses, ensinava-lhes como evitar doenças por meio da
limpeza e dè uma vida regrada e não desdenhava tomar
parte nas suas refeições frugais. Aos domingos de tar­
de, podia o célebre físico ser visto, na igreja paroquial
de Sàn Donnino, empenhado na explicação do catecismo.
Sua fé penetrava toda a sua vida. Por isto não se
pode imaginar uma vida mais harmoniosa do que a da
família de Volta. Não lhe faltavam as provações. A morte
da extremada esposa e do dileto filho Flamínio foram
golpes rudes para o coração sensível de Alexandre.
Também ele começou a sentir os efeitos de uma vi­
da laboriosa. Já em Lião (França) fora atacado por uma
doença d'o peito. Em fins "de Fevereiro de 1827, teve que
recolher-se em consequência de uma febre reumática. Na
tarde do dia 4 de Março mandou chamar o padre que
o confortou com o s. Viático. Piorando durante a noite,
veio o sacerdote, mais uma vez, administrando-lhe a
Extrema-Unção. O dia 5 de Março de 1827 marcou o
fim da vida do grande congregado.
12.

O AUTOR DA BULA ÁUREA.


“Nós mesmos, que, em nossa juventude, fomos mem­
bro da Congregação da Assunção, estabelecida na casa
professa dos Jesuítas, em Roma, Nós gostamos de lem-
brar-Nos que tomávamos parte nos piedosos exercícios
36
da Congregação para d grande bem e consolação espi­
ritual de Nossa alma. Também consideramos como um
dever de Nosso cargo pastoral tomar sob a Nossa pro­
teção apostólica e circundar com Nossos favores estas
espécies de viveiros onde crescem sólidas virtudes, e que
servem tão poderosamente à formação da juventude
cristã e à salvação das almas”.
Com estas palavras descobre o Papa Bento XIV al­
gumas das razões pessoais que o moveram a confirmar
as graças e privilégios concedidos à Congregação Ma­
riana por seus antecessores e ampliá-los ainda ele mes­
mo com a bula “Gloriosae Dominae”, a “Bula Áurea”.
Quem foi Bento XIV? Quando se sabe que alguns
dos Cardeais advertiram ao Papa Bento XIV que não
convinha que o Sumo Pontífice se servisse do dialeto
bolonhês, não é difícil adivinhar que ele. nasceu em Bo-
logna. Foi aí que, aos 31 de Março de 1675, Marcello
Lambertini, o pai de nosso mariano, recebeu os para­
béns de parentes e amigos pelo nascimento de um filho
que, na pia batismal, deveria receber o nome de Próspero.
A família do recém-nascido, registada já no 10’ sé­
culo, contava, entre seus membros, militares, magistra­
dos e cientistas. A ela pertenciam também as bem-aven­
turadas Imelda e Giovanna. A antiga riqueza da casa
•estava muito reduzida em consequência de enchentes
do rio Reno.
Mas Próspero possuía coisa melhor do que os bens
traiçoeiros deste mundo falaz. Sua prudente mãe deu-
lhe dois mestres que não só conseguiram moderar a vi­
vacidade natural do aluno, mas inspirar-lhe o amor, üma
verdadeira paixão pelo saber. Enquanto outros meni­
nos brincavam/ ocupava-se Próspero com seus livros.
Com dezenove anos, obteve, na Universidade Romana,
o doutorado em teologia e direitos civil e canônico. Co­
meçando sua carreira de advogado, trabalhou como au­
xiliar no tribunaleclesiástico da Rota, onde se distin-
guiu tanto que, em breve, subiu ao posto de Advogado
consistorial e Promotor da Fé. Dos estudos a que o
37
obrigou a sua posição, surgiu a célebre obra “Da Bea­
tificação e Canonização dos Servos de Deus”, obra es­
crita não tanto por inclinação natural, mas antes mo­
tivada por um sentimento, de dever para com a religião.
Se Próspero Lambertini era um exímio cientista que
fazia sozinho os trabalhos que para três homens pare­
ciam demais, não èra, contudo, nenhum inimigo da vi­
da social. Gostava de passar as horas de lazer, depois
de um dia trabalhoso, em companhia de funcionários
da Cúria e de sábios. Nestas ocasiões soltava as rédeas
ao seu bom humor e espírito crítico e sarcástico, falava
sobre questões da política eclesiástica com grande li­
berdade e dava provas de uma grande compreensão dos
problemas de seu tempo.
Em 1725 foi sagrado Bispo titular, sendo elevado
ao sólio arquiepiscopal de Ancona, dois anos mais tar­
de. Pouco depois entrou para o senado da Igreja. Como
Arcebispo distinguiu-se por uma atividade infatigável em
prol de sua diocese. Clemente XII transferiu o Arcebispo
Próspero à sé de Bologna. Foi para deixar — assim pen­
sava — seus restos mortais na igreja onde, havia 56
anos, fora batizado. Trouxe para a sua cidade natal, co­
mo único séquito, suas virtudes. Tendo estado ausente
"tantos anos, não se precipitou nas reformas. Investigava
e informava-se. Mas, quando uma vez estava certo, de­
fendia seu ponto de vista, até contra o Papa. Assim foi,
quando Clemente XII se queixou do. Vigário Geral de
Bologna. Próspero respondeu-lhe: “A alta posição ex­
põe Vossa Santidade a enganos que a mim menos me
ameaçam, pois tenho ainda tempo de investigar as coi­
sas. Havia de sacrificar o Vigário acusado, se ele fosse
culpado; entretanto, eu o conheço e todos os dias pe­
ço a nosso divino Salvador que Ele possa estar tão con­
tente com o vigário d’Ele aqui na terra, como eu o sou
com o meu”. O Papa não levou a mál este gracejo bas­
tante arriscado.
Na véspera do conclave do qual Próspero Lamber-
fin,i devia sair como Papa Bento XIV, o embaixador
38
imperial Santa Croce escreveu sobre ele: “O Cardeal' de
Bologna une seu vasto saber a uma grande pureza de
alma e tantas outras boas qualidades, que deve ser con­
siderado como um dos mais excelentes membros do
Sacro Colégio”. O traço mais saliente do seu caráter
foi sua indefectível bondade. Bento era incapaz de negar
algum pedido. No trato com os amigos, mesmo os de
condição humílima, foi de uma simplicidade encantado­
ra. Um poeta escreveu uma picante sátira contra Bento,
então ainda Arcebispo de Bologna. Este, excelente es­
critor que era e desconhecendo o rancor, corrigiu a
peça poética e mandou-a de volta a'o autor com a obser­
vação: que assim a obra se vendería mais facilmente.
No dia 17 de Agosto de 1740, Próspero Lambertini
foi eleito sucessor de São Pedro na sé romana. Tomou
o nome de Bento XIV.
Alguns Cardeais temiam que o novo Pontífice não
fosse muito feliz no campo diplomático; pois nunca fora
núncio. Mas enganaram-se. Poucos Papas tiveram que en­
frentar tantas dificuldades diplomáticas. Bento, entretanto,
sabia vencê-las. Várias circunstâncias contribuíram pa­
ra isto. A tradição múltissecular de sua família, seu
vasto saber, seu espírito conciliatório e bom humor que
tinham sua raiz na bondade do coração do Vigário de.
Cristo.
Mas, antes de tudo, Bento era Papa, Pastor de
seu rebanho espiritual, Chefe da igreja. A ela devota­
va todas as suas forças. Um traço característico foi sua
devoção a Maria Santíssima. Restaurou a basílica S.
Maria Maggiore, determinou a celebração da festa da
Imaculada Conceição naquele templo, favoreceu a pere­
grinação a Loreto. Já tinha esboçado uma bula sobre
o dogma da Imaculada Conceição, que não chegou a ser
publicada. E, aos 27 de Setembro de 1748, publicou
aquele documento pontifício que deve ser caro a to­
dos os Congregados, a chamada “Bula Ãurea”, na qual
o Papa-Congregado professa sua gratidão de filho e sua
solicitude de pastor.
39
, Maria Santíssima auxiliou e protegeu visivelmente
seu grande devoto. Não será temerário supor que, pela
intercessão da Mãe de Jesuis, Bento foi capaz de guiar tão
sàbiamente a Igreja no meio de tantos escolhos, que ele
conservou uma tão formidável capacidade de trabalho,
que conservou a lucidez e força de uma inteligência fora
do comum até a idade de 84 anos. Foi no coração de
sua Mãe celeste que hauria a bondade com que acolhia
a todos, consolando os tristes, admoestando os faltosos,
reerguendo os que sofreram quedas. Foi o amor a Maria
que lhe inspirou e aperfeiçoou o amor a Cristo e Sua
Igreja.
Cristo e Sua Igreja foram a razão de ser de Bento
até a morte. Esta veio abrir-lhe as portas da eternida­
de no terceiro dia do mês de Maria de 1758.
13.
UM CIRURGIÃO
“Quando um doente me preocupa, quando não sei
mais que fazer, quando esgotei os recursos da medicina
e da terapêutica, dirijo-me Àquele que sabe tudo. Mas
como minhas ocupações não me permitem orar por mui­
to tempo, tomo Nossa Senhora para intermediária, e,
indo visitar os meus doentes, rezo uma ou duas deze­
nas de meu terço”.
Quem foi este médico que tanto auxílio esperava
de Nossa Senhora?
Além de ser congregado mariano, foi celebrado pro­
fessor da Escola de Medicina dè Paris e do Colégio de
França, médico de príncipes e reis e autor de numero­
sas obras científicas.
José Cláudio Antelmo Récamier, que assim se cha­
mava nosso mariano, nasceu, em Rochefort, aos 6 de
Novembro de 1774.
Durante as guerras do Diretório, acompanhou, pri­
meiro, como cirurgião auxiliar, o Exército dos Alpes;
40
depois, na mesma qualidade, serviu na armada. Em 1797,
estabeleceu-se em Paris, recebendo o título de doutor
em medicina, em 1799.
Só dois anos mais tarde, foi nomeado médico do
Hospital civil, cargo em que permaneceu por 40 anos.
Foi naquela época, gozando já de uma autoridade
e fama extraordinárias, que Récamier entrou para a Con­
gregação Mariana, ressuscitada pelo P. Jean Boürdier
Delpuits.
Em 1830, renunciou às suas cátedras na Faculdade
de Medicina e no Colégio de França, porque sua cons­
ciência não lhe permitiu reconhecer a legitimidade do
governo que resultou da Revolução de Julho.
Isto, seus inimigos nunca lho perdoaram. Ainda em
princípios deste século, o ódio sectário acirrou-se mes­
mo ao ponto de negar-lhe os merecimentos científicos
como “coisa de pouca duração”, e negando que ele ti­
vesse inventado o espéculo. Assim procederam Larrous-
se e seu plagiador português.
Na realidade, porém, distinguiu-se Récamier como
operador por sua segurança nos diagnósticos e sua ha­
bilidade manual. Foi um atrevido inovador que prati­
cou certas operações pela primeira vez.
Os resultados de seu labor médico, ele os depositou
nos já mencionados trabalhos científicos.
O marianismo de Récamier espelháva-se na retidão
e independência de seu caráter e na fina ética profissio­
nal. A mais bela flor, porém, gerou-a naquela caridade
que o fez repartir com os pobres grande parte de seus
lucros. Tudo isto granjeou-lhe o respeito e as simpatias
em larga escala.
José Récamier,' o grande devoto de Nossa Senhora,
o celebrado clínico, morreu aos 22 de Junho de 1852,
em Paris.

41
14.
O PRÍNCIPE EUGÊNIO
A vida do homem está cheia de provações de toda
sorte; E conservar o idealismo pode tornar-se difícil,
não só na miséria, mas ainda na ventura. Pois diz um
rifão teuto que nada é mais difícil aguentar-se do
que uma série de dias felizes.
O congregado Príncipe Eugênio soube preservar o
idealismo no meio das duas espécies de provas.
Nasceu o Príncipe Eugênio Francisco de Saboya-
Carignan em Paris, aos 18 de Outubro de 1663, como
filho de Eugênio Maurício de Saboya, conde de Soissons,
tenente-general, e de Olímpia Mancini.
Bem cedo bateu a desgraça à porta do lar do prín­
cipe. A mãe leviana fugiu para a Bélgica, morrendo,
pouco depois, o pai. Confiado aos cuidados de sua avó,
a princesa de Carignan, mostrou Eugênio pronunciada
inclinação para a carreira das armas apesar de sua saú­
de precária. Apresentou-se, em 1683, ao rei Luís XIV,
para obter um posto no exército; o monarca rejeitou-
o por causa do físico pouco atraente do príncipe. Que­
ria Luís que Eugênio se tornasse padre e obrigou-o
a usar a batina.
Ora, o jovem príncipe sempre respeitava os sacer­
dotes — mais tarde, quando comandante em chefe dos
exércitos imperiais, estava resolvido a entregar o co­
mando por causa das dificuldades que lhe faziam os minis­
tros; bastava, porém, o conselho em contrário do P.
Wolff, S. J., para que se submetesse à vontade do mo­
narca — mas ele sentiu que não era chamado para
o serviço do altar. Vendo, portanto, frustrados todos
os seus planos de encetar a carreira militar na França,
foi, em 1683 ainda, oferecer seus serviços ao impera­
dor Leopoldo da Áustria. Este logo lhe deu o posto
de capitão num regimento de cavalaria.
42
Aos 12 de Setembro do mesmo ano, comandou as
forças de Carlos de Lorena na batalha que teve por
resultado a libertação de Viena que estava em extre­
mo perigo de cair nas mãos dos turcos.
Foi o primeiro passo no caminho para a glória.
Pouco depois foi nomeado coronel. Como tal tomou
parte em todas as campanhas contra os turcos, distin-
guindo-se em Ofen e Mohacz e saindo gravemente fe­
rido na tomada de Belgrado.
Não é aqui o lugar de enumerar todas as guerras
e batalhas que testemunharam seu valor e bravura ex­
traordinários. Basta dizer que até a idade de 71 anos
foi soldado ativo. Mas não somente isto. Foi presiden­
te do Supremo Conselho de Guerra, posto que lhe trou­
xe um sem número de aborrecimentos, principalmente
em consequência da mesquinhez dos ministros austría­
cos. Durante os anos que passou como governador dos
Países Baixos, revelou seu fino gosto artístico que achou
sua expressão na construção do castelo de Belvedere e
de um palácio em Viena. A par, ia seu vivo interesse
pelas ciências. A Real Biblioteca de Viena deve ao prín­
cipe sua existência. Manteve ativa correspondência com
o célebre Leibniz.
Sua personalidade harmoniosa impunha-se a todos.
Pedro, o Grande, da Rússia escolheu a Eugênio como
candidato para o trono real da Polônia. O príncipe, po­
rém, recusou a honra. O grande soldado era o ídolo
de seus comandados. Apreciavam nele o inabalável sen­
so de justiça. Eugênio, de fato, fazia tudo para evi­
tar durezas desnecessárias em seu modo de conduzir a
guerra.
O Príncipe Eugênio morreu aos 21 de Fevereiro de
1736. Foi sepultado na catedral de S. Estêvão, em Vie­
na, no templo pela libertação do qual, 53 anos antes,
tinha começado sua carreira de armas.

43
15.
PIERRE CORNEILLE
Não há dúvida, muito se deve ao Renascimento. En­
tretanto, não faltam os senões. Além de outros, deve
ser assinalado o retardamento que causou no desenvol­
vimento do teatro. Só na Espanha e na Inglaterra não
conseguiu estáncar as fontes perenes nas quais os dra­
maturgos haurem seus assuntos. A lenda, a história dos
povos e os tesouros da poesia popular suprem abundan­
temente material para o palco.
Na França, entretanto, o teatro limitava-se, no XV
século, a representar, com meios assaz primitivos, mis­
térios e peças italianas, espanholas e da antiguidade.
Sob a influência dos “salons”, a linguagem torna­
ra-se artificial.
Foi Pierre Corneille quem elevou o teatro francês
à altura clássica.
Pierre nasceu em Ruão, aos 6 de Junho de 1606,
como filho de um funcionário público. Na sua cidade
natal frequentou 'o colégio dos jesuítas. Este fato de­
veria ter consequências decisivas.
Lá entrou na Congregação Mariana. Mas lá, tam­
bém, encontrou na pessoa do P. Claude de Lidelle um
mestre que soube despertar no jovem Pierre o gosto pe­
la literatura. Uma santa amizade enlaçou mestre e alu­
no para toda a vida.
Depois de concluído o curso colegial, Pierre dedi­
cou-se ao estudo do direito.
Formado, conseguiu o posto de advogado geral num4
tribunal de Paris. Com 23 anos de idáde escreveu sua
primeira comédia, “Mélite”, que lhe atraiu a atenção
do onipotente Richelieu, que o incluiu ao número dos
“Cinco Poetas Palacianos” e lhe determinou uma pen­
são. Quando, mais tarde, Richelieu pretendeu modificar
e corrigir alguns escritos de Corneille, este pediu li­
cença e renunciou à pensão.
44
Com o seu “Cid” alcançou um triunfo inaudito,
mas também muitos inimigos invejosos. Isto não o impe­
diu de escrever outras peças e recolher novos triunfos.
Não é aqui o lugar de enumerar todos os dramas
e comédias de Corneille. O que caracteriza suas obras
é a alta moralidade que tem suas raízes na profunda
piedade do autor. Não é de admirar, portanto, que ele
se dedicasse à tradução em versos franceses da celebér-
rirna “Imitatio Christi”, versão que, em 20 anos, viu
mais de trinta edições.
Em 1668, seu antigo professor, P. de Lidelle, ia
publicar sua “Thóologie des Saints”. Antes, porém, quis
apresentá-la a Corneille. Este escreveu-lhe uma carta,
em versos. Na última estrofe, o discípulo caracteriza
bem o mestre e a si mesmo.
Je fus ton disciple, et peut-être
Que l’heureux éclat de mes vers
Eblouit assez 1’univers
Pour faire peu de honte au maítre.
Par une leçon plus sainte
Tu m’apprends de quelle façon
Au vice on doit faire la guerre.
Puissè-je en user encor mieux!
Et comme je te dois ma gloire sur la terre,
Puisse-je te devoir un jour celle des cieux!1
Quando compôs, estes versos, Corneille achava-se,
sem rival, no pináculo da glória. Vinham depois anos
duros e de um quase-esquecimento, durante os quais o
discípulo aproveitou as lições do mestre saudoso, ate
que se lhe. juntou para sempre, no primeiro dia do
Mês do Rosário de 1684.
1) Fui teu aluno e pode ser
Que o brilho feliz dos meus versos
Deslumbre o universo bastante •
Para pouca vergonha causar ao mestre.
Com uma lição mais santa
Tu me ensinas de que modo
Ao vício a guerra se deve faz^ \ ,
Oxalá pudesse eu aproveita-la
B, assim como te devo a minha gloria, na terra
terra,
Possa dever-te, um dia, a dos ceus.
45
16.
LOPE DE VEGA
Félix Lope de Vega y Carpio nasceu em Madrid,
aos 25 de Novembro de 1562. Já com cinco anos de
idade, lia o latim. Afirma-se ter ele começado a escrever
comédias com 12 anos. Em todo caso, sempre estava
pronto para pregar peças e, ainda menino, fugiu do
colégio. Tendo muito cedo perdido os pais, encontrou
um amigo no Bispo D. Jerônimo Manrique de Ávila,
que lhe pagou os estudos na universidade de Alcalá.
Lope tomou parte na infeliz expedição da “Invencível Ar­
mada”. Casou-se, pelo ano de 1584. Vivia consecutiva­
mente em Toledo, Madrid e Sevilha. Foi, provàvelmen-
te, em Toledo que casou em segundas núpcias, tendo
perdido a esposa, em 1592.
Durante todos estes anos, dedicava-se à poesia. Foi
o poeta mais fecundo de todas as nações. Estima-se
que tenha escrito perto de 2000 peças para o teatro, ao
passo que suas outras obras poéticas enchem muitos
e muitos volumes. E’ natural que nem todas as suas
produções tenham o mesmo valor literário, e até, sob o
ponto de vista moral, nem tudo que escreveu pode es­
capar à justa censura. Entretanto, o caráter de sua
poesia é sempre profundamente religioso.
Muitos são os que criticam os costumes de Lope de
Vega. Será com razão?
Em todo caso, se houve sombras na sua vida, tratou
de reparar suas faltas.
Em 1613, morrera-lhe a segunda esposa. Agora rea­
lizou o sonho de sua juventude: em 1614, em Toledo,
tomou ordens sacras. Os últimos 21 anos de sua vida
foram os de um sacerdote digno e mortificado.
Uma santa morte, aos 27 de Agosto de 1635, pôs
fim a uma existência terrena, rica em ações e realizações.
Lope de Vega' devia, certamente, a Nossa Senhora
a graça de exigir de si mesmo as renúncias que traz
46
consigo o estado sacerdotal. Pois nunca conhecera as
dificuldades tão comuns na vida dos outros mortais. Es­
crevia suas obras sem esforço algum. Sempre estava
provido amplamente de meios de subsistência. E as hon­
ras rodeavam-no ainda na morte: o seu funeral foi o
de um príncipe.
17.
INVICTO NA DERROTA
Ao l 9 dia de Abril de 1922, vésperas do Domingo
da Paixão, no Monte, perto de Funchal (Ilha da Ma­
deira), morreu Carlos I, o último imperador da casa
dos Habsburgos. Morreu derrotado como imperador, mas
vencedor como genuíno filho de Maria.
Foi no castelo imperial de Persenberg (Áustria
Inferior), nas margens do Danúbio, que Carlos nasceu,
como filho do Arquiduque Otto, aos 17 de Agosto de
1887. Lá, nas proximidades de Maria-Taferl, um san­
tuário de Nossa Senhora, acendeu a chama de seu amor
à Mãe de Jesus. Enquanto aluno dos Beneditinos Esco­
ceses, em Viena, gostava Carlos de ajudar a Missa na
capela de Santo Estanislau.
Em 1911, Carlos casou com a piedosa princesa Zita
de Bourbon-Parma. Três anos mais tarde foi proclama­
do herdeiro do trono do império austríaco, em conse­
quência da morte trágica do irmão Francisco Fernando
(28-6-1914), em Serajevo. A morte do imperador Fran­
cisco José deu-lhe a coroa, aos 21 de Novembro de 1916.
Se Carlos era o homem capaz de pôr ordem ao caos
em que jazia seu império, não o podemos decidir.
Mas ninguém pode duvidar da sua boa vontade de res­
tituir a paz ao seu domínio. Por causa disto entrou em
entendimento com o governo francês, em 1917. Se não
logrou êxito, a culpa não foi sua.. ^
Então sobreveio a derrota das potências centrais.
As circunstâncias obrigaram Carlos a abdicar ao trono.
Retirou-se para a Suíça. Lá entrou para a Congrega-
47
ção Mariana. Já durante o seu governo, dera muitas
provas de sua estima pelo sodalício de Nossa Senhora.
Mas somente no exílio conseguiu enfileirar-se nas hos­
tes marianas.
Apesar de ter abdicado ao trono austríaco, Carlos
não era, de forma alguma, um caráter fraco. Tinha ain­
da seus direitos sobre o trono húngaro. Duas vezes, em
voos arriscados, foi para a Hungria, sendo vítima da
mais negra traição por parte do administrador, almiran­
te Horty. Foi preso. Agora, a maçonaria armou-lhe uma
tentação. Uma deputação dos irmãos tripingados decla­
rou ao prisioneiro de Tihany que poderia de imediato
subir ao trono húngaro, se se submètesse às condi­
ções da loja: liberdade para as sociedades secretas, exe­
cução das leis iníquas contra as escolas cristãs.
.Carlos negou-se a trair a Cristo. Foi entregue aos
aliados que o mandaram para o exílio em Funchal. Lá
passou os últimos meses de sua vida no abandono e na
pobreza. Numa mesinha, à cabeceira da cama, estava o
Santíssimo Sacramento exposto, enquanto sua esposa e
seus oito filhos assistiam ao seu passamento para o rei­
no da luz eterna.
Carlos foi um exemplo brilhante da pureza de cos­
tumes, de profunda piedade varonil, de intrépido cum­
pridor. de seus deveres. Pouco antes de morrer, pôde di­
zer com toda verdade: “Meu esforço constante foi co­
nhecer sempre com clareza a vontade de Deus e cumpri-
la do modo mais perfeito”. E o Papa Bento XV afirmou
do exilado da Madeira: que era o único príncipe pron­
to a secundar os esforços do Sumo Pontífice pela paz,
ainda que lhe tivesse custado grandes sacrifícios.
Hoje, depois de o mundo ter atravessado os mares
de sangue de uma segunda guerra mundial, apresenta-se,
espontâneamente, a"pergunta: Que teria sido da huma­
nidade, se este filho de Maria tivesse tido a oportunida­
de de dar aos seus povos a paz pela qual trabalhava,
rezava e sofria? A resposta está encerrada nas suas
Últimas palavras: “Jesus, Maria”.
48
18.
RENÉ DESCARTES
Insondáveis são os caminhos de Deus.
Esta verdade impõe-se à nossa mente, quando con­
templamos a vida e obra de René Descartes, o filho de
Maria, que tanto mal fez à Igreja, que tão sincera, tão
ardentemente amava. Dele, que punha sob a proteção
especial de Maria Santíssima sua obra filosófica, diz
Bossuet: que encontra nos princípios filosóficos do cé­
lebre adversário de Aristóteles “à la fois les inconvé-
nients de toutes' les sectes, et en particulier ceux du
pélagianisme” \
René Descartes, senhor du Perron, filho de uma
família nobre, nasceu em La.Haye, pequena povoação da
Touraine (França), no ano de 1596. Com oito anos de
idade, entrou no colégio de la Flèche (Paris), dirigido
pelos jesuítas. Aí fortaleceu a fé católica e aprofundou
o amor a Maria. Aí, acendeu-se-lhe o entusiasmo pela
matemática, mas também a aversão profunda à filosofia
aristotélica ensinada pelos padres. Já então pensou em
descobrir novos caminhos que levassem ao conhecimen­
to da verdade.
Estas diferenças científicas, entretanto, não pude­
ram nunca apagar-lhe o amor aos mestres. Tão pouco
arredou-se da fé de seus antepassados.
Devido à constituição delicada que parecia não re­
sistir a uma intensa atividade intelectual, sua família
recomendou-lhe que se alistasse no exército. Fê-lo Des­
cartes, primeiro, em Rennes, depois em Paris. Em 1617,
serviu, na Holanda, sob as ordens de Maurício de Nas-
sau, passando, mais tarde para a Baviera, tomando par­
te nas primeiras campanhas da Guerra dos Trinta Anos.
Não foi tanto o gosto pelas armas que o atraiu pa­
ra o serviço militar, senão o desejo de ver o mundo e1
1) “Ao mesmo tempo, os inconvenientes de* todas as
seitas e, em particular, os do pelagianismo”.
Marianos — 4 49
conhecer homens de distinção. Por isto, requereu baixa,
dedicando os seguintes anos a extensas viagens pela
Europa.
Entretanto, já começara sua obra científica, escre­
vendo sobre filosofia, matemática e ciências naturais.
Seu entusiasmo pela astronomia fez com que aprovei­
tasse a estada em Praga (Boêmia), logo depois da en­
trada triunfal com Tilly, para uma visita ao célebre
Tycho Brahe.
Em cumprimento de um voto, feito na Alemanha,
de peregrinar ao santuário de Nossa Senhora em Lo-
reto, dirigiu-se, em 1623, para a Itália. Ao transpor os
Alpes, concebe a idéia de seu célebre “Traité des Mé-
téores” que envia aos antigos mestres da Flèche, pedin­
do-lhes a opinião.
Em 1637, publicou seu famoso “Discours de la
méthode”.
Raras vezes, uma obra comove tão profundamente
não só os sábios e cientistas, quanto também as gran­
des massas, como o fez este “discours”. Este livro foi
uma revolução e o pai de muitas revoluções.
Afirma Descartes nesta obra que se deve duvidar
de tudo, que não se deve admitir nada como certo senão
o que, depois de profundas pesquisas e sólidas provas,
se nos torna evidente. Bossuet diz a este respeito: “ce qui,
réduit à certaines bornes, est très véritable” 2. Mas de­
monstra o quanto há de perigoso neste sistema, consi­
derando, p. ex., que cada qual pode dizer, com referên­
cia a qualquer coisa: “Eu compreendo isto assim, não
compreendo aquilo”. E, sob o pretexto da liberdade
científica, introduz-se a anarquia dò pensamento, a des­
truição da fé. Por este motivo, Descartes, o “Pai da
Filosofia Moderna”, Descartes, o fiel filho da Igreja
Católica e devoto de Nossa Senhora, tornou-se — oh! que
ironia! — progenitor do racionalismo, àté do ateísmo.
Ele, que durante mais de dois decênios viveu em Egmond,
calmo liigarejo holandês, aonde se retirara justamente
—■ ...... B__
2) “O que, reduzido a certos limites, está muito certo”.
50 I
por ser habitado quase exclusivamente por católicos e
porque lá havia vários sacerdotes zelosos, previra os er­
ros a que seu sistema podia levar. Levantou, por isso,
o grito de alarme, quando dizia: que seu sistema não
servia para duas classes de homens: os levianos que
carecem da necessária paciência e solidez, e os limita­
dos e presunçosos aos quais falta o juízo e que, por es­
te motivo, precisam ser ensinados pelos outros. Com tal
advertência da, na realidade, um golpe nos princípios
básicos de seu próprio sistema.
Esta advertência tão oportuna, porém, não impediu
que seu sistema filosófico causasse as mais funestas- con­
sequências. De todos os lados levantaram-se acusadores
e defensores de Descartes.
Interessante e, ao mesmo tempo, significativo, para
a largueza de vista dos jesuítas, é o que se tratou na
15* Congregação Geral da Companhia de Jesus. Alguém
apresentara um postulado, pedindo que por decreto se
condenasse todo o sistema cartesiano. Mas prevaleceu
a opinião: que o sistema em questão devia ser tratado
como o sistema de Aristóteles: aceitar o que há de bom
e recusar o que contém de errado.
Em 1649, a jovem rainha Cristina da Suécia chamou
a Descartes para Estocolmo para que fundasse aí a
academia. Já no dia 11 de Fevereiro do ano seguinte
lá faleceu. Quando, pouco antes, alguém lamentava que
o filho da França católica devia morrer em terra pro­
testante, Descartes respondeu, calmamente: “Cavai um
pouco mais fundo, e encontrareis terra católica”.
Se é para deplorar que o autor do “Discours de la
Méthode”, ainda que involuntàriamente, prejudicou a fi­
losofia cristã, direta, a teologia, indiretamente, trouxe
consigo, contudo, a vantagem de ter despertado os es­
píritos para defesa tanto de uma como da outra ciên­
cia. Deve-se a Descartes também a maior importância
que se atribuiu à matematica e a física, no ensino.
E se Descartes que vivia o seu sistema filosófico,
se conservou fiel à sua Igreja, apesar do seu cartesia-
4* 51
nismo, mostra-nos isto claramente que a religião não é
meramente uma função intelectual, ou antes, o resul­
tado do raciocínio. Ela é mais, muito mais. Ela é uma
virtude, isto é, uma função da inteligência e da vonta­
de, amparadas e fecundadas pela graça de Deus.
Daí vem que o mais humilde iletrado pode ser um
homem profundamente religioso e que o sábio mais ilus­
trado encontra a verdadeira religião somente na humil­
de aceitação da revelação divina. E Descartes conser­
vara a humildade.
19.
UM MARECHAL DE FRANÇA.
Napoleão declarou Turenne “o primeiro homem do
século”. Pode ser que o famoso Corso visse e admirasse
nele somente a grandeza do militar. Nós apreciamos no
festejado Marechal de França o homem de caráter.
Henrique de la Tour d’Auvergne, Visconde de Tu­
renne, nasceu a 11 de Setembro de 1611, em Sedan, co­
mo segundo filho do duque Henrique de Bouillon e da
princesa Isabel de Nassau-Orange.
Foi educado na religião protestante, e com 13 anos,
como voluntário, entrou no exército ao lado de seus
tios Maurício e Henrique de Nassau. O cardeal Riche­
lieu chamou o jovem soldado para a França, nomeando-
o coronel de um regimento. Pouco depois justificou a
confiança- testemunhada pela nomeação ao alto posto,
no sítio de La Motte, na Lorena.
Os muitos serviços que prestou à França, seja sob
as ordens do cardeal de La Valette, seja em Flandres
e na Itália, seja na repressão da conspiração de Cinq
Mars e nas Guerras dos Trinta Anos, mereceram-lhe
afinal, em 1660, sua elevação ao mais alto posto mili­
tar, o de Marechal de França.
Entretanto, Turenne não era só soldado, era tam­
bém homem. Por isso, não podia deixar de interessar-
52
se pela questão mais humana e, ao mesmo tempo, mais
divina: a questão religiosa.
Desde longa data, não se sentiu satisfeito com a dou­
trina protestante. Mas, apesar de ter estudado a religião
católica por anos e anos, o ambiente em que vivia, e
principalmente sua esposa Carlota de Caumont, filha do
marechal de La Force, e suas irmãs opuseram-se a uma
conversão. Em 1666, porém, faleceu-lhe a esposa. Ago­
ra intensificava seus estudos religiosos, lendo muito e dis­
cutindo a questão com bispos amigos, especialmente com
Bossuet, o qual teria escrito sua “Exposition de la Foi”
principalmente para Turenne. Afinal, no dia 23 de Ou­
tubro de 1668, voltou à Igreja dos seus antepassados.
Não faltavam, naturalmente, os que quisessem ver
neste passo motivos interesseiros. Mas, se fosse tal o
motivo, teria tido ocasião melhor, em 1660, quando, em
favor de Turenne, se planejava a .restauração do antigo
título de “Connétable de France” — se quisesse fazer-
se católico. Turenne não aceitou.
Sua conversão não interferiu em nada na sua car­
reira militar. Continuou na frente do exército, como
dantes.
Quando, no dia 2 de Julho de 1675, foi morto na
batalha de Sasbach, seus comandados choraram seu fa­
lecimento com sinceridade que rebentara d'o fundo d’al-
ma. Fora Turenne para seus soldados realinente o que
indicava a alcunha que lhe deram seus subordinados:
“nosso pai”.
Mereceram-lhe título tão honroso suas virtudes cris­
tãs. Era de uma modéstia que raiava à timidez. Gos­
tava de elogiar seus colegas, não permitindo, porém,
que se fizesse o mesmo a respeito dele. Bondoso em ex­
tremo, era obedecido cegamente pelo exército inteiro.
Sua generosidade fê-lo, frequentemente, abrir seu bolso
em favor das tropas.
Como chefe militar era calculador frio e refletido,
O que não impedia que agisse com rapidez.
53
Este último traço de seu caráter explica-nos tam­
bém uma certa lentidão quanto à sua conversão para
a religião católica, mas também a firmeza com a qual
venceu, finalmente, todos os obstáculos.
O corpo deste célebre mariano foi sepultado em Saint-
Denis, ao passo que seu coração, por ordem do rei, foi
depositado no convento dos Carmelitas em Saint-Jacques.
Ao ouvir a notícia da sua morte, seu adversário,
o general Montecúcoli, exclamou: “Hoje morreu um ho­
mem que honrava o homem”.
20.
EDUARDO HEIS, ASTRÔNOMO
Não sabemos qual dos dois oferece aspecto mais
triste (ou ridículo): o homem feito que, talvez, saiba
alguma coisa, na sua especialidade, mas que com um
sorriso superior relega Deus ao reino das lendas, ou
o mocinho, mal capaz de resolver uma equação do
l 9 grau, que “por motivo de ciência” se declara in­
crédulo.
Em ambos os casos, há, no fundo, fraqueza de von­
tade, fraqueza moral.
O forte, o corajoso, enfrentará a verdade e conser­
vará a fé em seu Criador ou a recuperará, se a tiver
perdido temporàriamente. Tal homem distinguir-se-á, tam­
bém, em sua vida profissional.
Sirva de prova a vida do astrônomo Eduardo Heis.
Nasceu ele em Colônia, aos 18 de Fevereiro de 1806.
Depois de ter estudado matemática na Universidade de
Bonn, ingressou, com apenas 21 anos de idade, no
magistério num ginásio de sua cidade natal. As expe­
riências colhidas aí e num estabelecimento congênere
em Aquisgrana, capacitaram-no a escrever um manual
de aritmética' e álgebra, que viu oitenta e oito edi­
ções até 1893.
54
Em 1852, foram-lhe confiadas as cátedras de ma­
temática e astronomia na Academia de Muenster (West-
f ália).
Como aquele estabelecimento de ensino superior não
dispusesse de observatório astronômico suficientemente
instalado, Heis escolheu como campo de seus estudos
um assunto que não requeria grandes subsídios. Dedi­
cou-se à observação das estrelas cadentes, das manchas
solares, das estrelas mudáveis, da Via Láctea, da luz
zodiacal e dos fenômenos crepusculares. Graças à sua
extraordinária força visual conseguiu registar as estre­
las visíveis a olho nu no “Neue Himmelsatlas” (Colônia,
1872, com um registo das estrelas). Nesse atlas do céu,
Heis marcou 5121 estrelas, 2153 mais do que seu ante­
cessor Argelander. A Real Sociedade Astronômica de
Londres caracterizou esta publicação com as palavras:
“A most valuable and original work” \ Entre outras
coisas, contém o atlas ótimos desenhos da Via Láctea.
Ao lado deste trabalho, editou Heis, em parte em co­
laboração com o cientista Eschweiler, um manual de
geometria e várias obras astronômicas de grande va­
lor. Até dois anos antes de sua morte (1858-1875) pu­
blicou uma revista semanal de astronomia (Wochens-
chrift der Astronomie).
Heis, entretanto, não somente nas ciências se dis-
tinguia. Foi, como congregado, genuíno filho de Maria.
Todas as noites rezava-se, em sua casa, o terço do Ro­
sário. E, quando as circunstâncias o exigiam, profes­
sava em público sua fé católica, mesmo quando isto lhe
custava sacrifícios bem pesados, como acontecia no fa­
moso e vergonhoso “Kulturkampf”.
Como maior tesouro guardava a carta de agradeci­
mento com a assinatura do próprio Papa Pio IX, que
este lhe mandou depois de ter recebido um dos primei­
ros exemplares do atlas do céu.1
1) “Obra valiosíssima e original”.
55
Na festa de S. Paulo, 30 de Junho de 1877, Maria
esperou às portas da eternidade seu dedicado filho que
tão preciosas lições soube tirar da contemplação do céu.
21.

LADISLAU IV.
O povo polonês que à Igreja deu já tantos santos,
entre eles S. Estanislau Kostka, um dos três padroeiros
da juventude, é tradicionalmente devoto de Nossa Se­
nhora. Todas as guerras, todas as invasões e opressões
por que a nobre -nação teve que trilhar sua via-sacra,
não conseguiram extinguir o amor mariano que arde nos
corações de seus filhos.
Muitos dos chefes desse povo heróico uniam ao es­
plendor de uma coroa real a jóia preciosa do amor a
Maria.
Entre .eles citamos o rei Ladislau IV, filho de Si-
gismundo III, que, por sua vez, foi congregado.
Ladislau nasceu em Cracôvia,” no ano de 1595. Em
1618, junto com o pai e a mãe, Ladislau, então prín­
cipe herdeiro, entra na C. M. 'N. Sra. da Glória, em
sua cidade natal.
Aos 15 anos de idade, Ladislau deveria subir ao
trono da Prússia. Mas o pai opôs-se ao plano do filho
de conceder àquele país a “tolerância religiosa”. E assim
o jovem perdeu aquele trono. Em compensação ganhou
para a Polônia os ducados de Esmolensco e Czerniechov.
Sucedendo a seu pai no trono da Polônia, Ladislau
viu-se desde logo envolvido em guerras sangrentas con­
tra os russos, turcos e suecos. Mas o monarca mariano
soube vencer seus inimigos. Os russos foram obrigados
a renunciar a suas pretensões sobre a Livônia e a pa­
gar as custas da guerra. Firmou em seguida um tratado
muito vantajoso com os turcos e forçou os suecos a se
retirarem da Polônia.
56
Os seus grandes planos em favor da pátria foram
frustrados pela incompreensão partidária da dieta po­
lonesa.
Em todos esses anos, nunca deixou de manifestar
sua sincera devoção a Nossa Senhora. Em 1642, fun­
dou, em Varsóvia, a C. M. da Imaculada Conceição pa­
ra a qual ele e seu irmão se transferiram, revezando-
se aí no posto de presidente.
No fim de sua vida sofreu grandes tribulações. O
povo polonês, desanimado pelas muitas guerras, suble-
vou-se contra seu rei. Enquanto Ladislau se preparava
para sufocar a revolta, morreu, em Merecz, no ano de
1648.
Insigne servo de Maria, teve Ladislau em vista úni­
camente o bem do seu povo. Não foi compreendido pe­
los caudilhos que se tornaram ps coveiros de uma gran­
de nação.
22.
GASPAR MERMILLOD
No ano de 1818, resolveram as autoridades civis
de Friburgo, na Suíça, entregar aos Padres da recém-
restabelecida Companhia de Jesus o Colégio Saint-Mi-
chel, fundado, mais de 200 anos ántes, por S. Pedro
Canísio, S. J. Nem seis lustros, porém, podiam traba­
lhar, no colégio, os filhos de S. Inácio: o ódio sectário
expulsou-os, em 1847.
Mas o breve tempo bastou para formar um núme­
ro surpreendentemente grande de homens que, mais tar­
de, se distinguiram tanto como católicos quanto no exer­
cício das suas profissões.
Um dos maiores dentre eles é, sem dúvida, Gas­
par Mermillod, Cardeal da Santa Igreja Romana.
Nasceu Gaspar aos 22 de Setembro de 1824, em Ca-
rouge, então pequena aldeia, hoje arrabalde da cidade
de Genebra. Cursou o colégio dos jesuítas, em Fribur­
go. Na Congregação Mariana, ali existente, coloóou ps
57
fundamentos de uma vida de católico militante que se
distinguia por profunda piedade. Devoção ardente ao
Santíssimo Sacramento e à Mãe de Deus eram a sua
marca característica.
Não é de admirar que, no fim do cúrso colegial,
Gaspar se decidisse pela carreira eclesiástica. Logo de­
pois da sua ordenação, foi nomeado auxiliar do P. De-
moyer, pároco de Genebra. Animado de incansável ze­
lo pela salvação das almas, aproveitou os seus egrégios
dons de orador e escritor, tornando-se homem providen­
cial naquele foco do calvinismo. Fundou “L’Observateur
Catholique”, jornal político, é “Annales Catholiques”,
periódico científico.
Em Junho de. 1864, foi nomeado pároco de Gene­
bra. O governo do cantão, desde os dias de Calvino,
acostumado ao despotismo e ódio aos católicos, criava
dificuldades sobre dificuldades ao P. Mermillod. Mas
este não cedeu. Em sinal de aprovação, Pio IX, em
Setembro do mesmo ano, nomeou o destemido lutador
Bispo titular de Hebrón e Bispo auxiliar para a diocese
de Lausana-Genebra. Ao mesmo tempo, Dom Mermillod
continuou no seu posto de pároco de Genebra.
Em Julho do ano seguinte, Monsenhor Marilley, Bis­
po diocesano, nomeia seu auxiliar coadjutor com ju­
risdição em Genebra. Isto provocou, de novo, a ira do
governo que considerava ilegal este restabelecimento dis­
farçado do bispado independente de Genebra. Proibiu ao
novo antístite não apenas o exercício das suas funções
episcopais, mas ainda o depôs como pároco. Isto foi
em Setembro de 1872. Pio IX respondeu a tal arbitra­
riedade, nomeando a Monsenhor Mermillod Vigário Apos­
tólico para o bispado de Genebra já desmembrado do
de Lausana.
O governo federal expulsou o novo Vigário Apos­
tólico (1873). Este re^ugiou-se em Ferney (França),
donde governa a sua diocese. Dez anos mais tarde, Leão
XIII renuncia ao Vicariato Apostólico, reunindo de no­
vo as dioceses de Lausana e Genebra, è designa a Mon­
58
senhor Mermillod para a sé vacante. Agora, este pôde
voltar para a Suíça. Mas os dois governos, o de Genebra
e o de Lausana, continuam com as suas chicanas. E isto
só muda, por motivos de vaidade, quando Leão XIII
dá a púrpura cardinalícia ao campeão intrépido (1890).
A alta dignidade, porém, não podia restituir-lhe as
forças físicas gastas em longos anos de duros comba­
tes. Já aos 23 de Fevereiro de 1892, o Cardeal Gaspar
Mermillod morre em Roma.
Necessàriamente, devemos, ainda que em poucas pa­
lavras, mencionar a atividade social do eminente pur-
purado. Com outros 'prelados e leigos distintos, Mermillod
reconheceu as condições precárias do operário. Em dis­
cursos e escritos tratava as-relações entre patrão e ope­
rário, os direitos das classes pobres, os deveres do ca­
pitalismo. Em 1868, em célebre conferência, chamava a
atenção de todos para o perigo grave que oferecia a ques­
tão social. Qual profeta, fala do “movimento das clas­
ses obreiras que se nos apresenta como uma torrente
que desce das montanhas. Pode destruir tudo na sua
passagem e semear ruínas”. Para ele, a solução do
moderno problema social está unicamente nas mãos da
Igreja.
No Congresso de Liège (Bélgica), em 1886, falou so­
bre a intervenção do Estado no problema social. Enèr-
gicamente, estigmatiza como fundamentalmente erradas
as duas teorias, então em voga: a da escola pagã de
Rousseau que vê a solução num individualismo sem li­
mites, e a da éstatolatria que atribui ao Estado o di­
reito (ou até o dever) de imiscuir-se em todas as es­
pécies de relações sociais e econômicas. O Estado de­
ve ser mm pai para o operário, mas um pai que res­
peita a personalidade do filho.
O que Mermillod disse, certa vez, do título de gló­
ria que a Igreja Católica mereceu por ter lutado em
prol do operário desprezado, vale também para ele mes­
mo. Pois ele, membro vivo desta Igreja, foi vanguardei-
ro nestas lutas. Formado na escola de Maria, o grande
lider soube lèvar milhares de aflitos ao Coração de Jesus.
59
23.
FERNANDO FOCH
Nas primeiras páginas de seu livro “A Segunda
Guerra Mundial” (vol. I) diz Winston Churchill: “Quan­
do o marechal Foch teve notícias da assinatura do tra­
tado de paz (Versalhes), observou com singular pre­
cisão: Isto não é a paz. E’ um armistício por vinte anos”.
E os acontecimentos confirmaram a singularmente
precisa observação.
Talvez Churchill não reparasse que com a expressão
“singular precisão” estava caracterizando a vida toda
do grande marechal francês.
Se Foch chegou a ser o generalíssimo dos exércitos
aliados na I. Guerra Mundial, devia-o a esta singu­
lar precisão.
Ele mesmo revela-n'os de onde lhe vinha esta for­
ça secreta: da Congregação Mariana. Já avançado em
idade, disse, certo dia, mostrando a sua fórmula de
consagração a Maria Santíssima: “Escrevi-a, quando era
ainda aliino do ginásio. Aprecio-a mais do que os meus
olhos”. """
Nasceu Fernando aos 2 de Outubro de 1851, em
Tarbes, onde cursou os primeiros anos do ginásio. In­
terrompeu os estudos durante a guerra de 1870 para
servir no exército. Fez depois os diversos cursos que
subministram a formação dos oficiais das forças ar­
madas da França, distinguindo-se neies sempre por sua
assiduidade e firmeza, mas também por seu catolicismo
integral.
Foi este catolicismo integral que impediu fosse Foch
nomeadd general em chefe das tropas aliadas mais ce­
do. Sob o prétexto de Foch não ter saúde bastante, foi
preterido, dando-se o cargo a Nivelle que, em poucos
meses, sacrificou centenas de milhares de soldados fían-
ceses, para, em 24 de Abril de 1917, ceder o comando
ao congregado Foch. Ele soube valer-se da falta estra-
60
tégica de Ludendorff e ganhou a segunda vitória do
Marne> o que lhe trouxe o bastao de marechal. Em se-
guida, dirigiu as manobras de tal forma que, em 8 de
Novembro de 1918, pôde presidir às negociações d'o ar­
mistício.
No mesmo mês ainda foi eleito membro da Acade­
mia Francesa.
Ainda durante vários anos, o velho marechal dedicou
suas forças a'o serviço da pátria.
Morreu aos 20 de Março de 1929.
Seus adversários trataram de diminuir o valor do
célebre guerreiro. Uns acharam que encontrara condi­
ções especialmente favoráveis para a vitória final. Outros
censuram-no por não ter sido um “gênio”.
Foi, porém, ele que salvou a França. Foi sua sin­
gular precisão, com que atacava todas as tarefas, que
o levou ao ápice da jerarquia militar.
Isto se manifesta já nos seus trabalhos teórico-prá-
ticos sobre os diferentes ramos da arte militar. Como
tenente-coronel publicou sua primeira obra que abriu
novos horizontes na ciência militar. Foi ainda ele que,
em 1909, planejou è fundou um centro de Altos Estu­
dos Militares, a assim chamada Escola de Marechais.
E com a mesma “singular precisão”, Foch serviu a
Deus e a Maria Santíssima.

24.
LEOPOLDO I, IMPERADOR
Ser congregado não quer dizer ter uma garantia
contra cruzes e sofrimentos. Mas, nas provações e
dificuldades desta vida, Nossa Senhora nunca desam­
parou os que lhe consagraram a vida. Exemplo vi­
vo disto é Leopoldo I, Imperador da Alemanha.
No meio das misérias da Guerra dos Trinta Anos,
nasceu Leopoldo .aos 9 de Junho de 1640. Sua aparen
61
cia enfermiça talvez nos explique sua lentidão em tomar
resoluções que, por sua vez, nem sempre foram as mais
felizes, por sèr, às vezes, mal aconselhado.
Toda sua vida esteve repleta de guerras. Ora teve
que defender seu país contra os Suecos, depois houve
distúrbios na Hungria. E enquanto estava lutando con­
tra Luís XIV da França, os Turcos atacam-no nos seus
domínios orientais, chegando até a sitiarem-lhe sua ca­
pital, Viena.
Mas foi justamente em tais perigos extremos que
Maria Santíssima revelou sua bondade e poder. Sob a
invocação do nome da Mãe de Jesus, os muçulmanos fo­
ram vencidos e derrotados, sendo um dos generais mais
brilhantes o congregado Príncipe Eugênio.
Entretanto, as guerras não conseguiram absorver to­
das as suas forças. Leopoldo mostrou sempre grande
interesse pelas ciências e pelas artes. Fundou as Uni­
versidades de Inspruck e Breslau, e favoreceu as le­
tras e a instrução em geral.
Quando, aos 5 de Maio de 1705, entregou sua al­
ma ao Criador, seu país lamentou a perda de um prín­
cipe dotado de muitas virtudes, lamentou a perda do
homem que conseguiu restituir à Áustria sua posição
importante.
25.
PIONEIRO
Sentimos grande orgulho por nossas escolas primá­
rias, profissionais e normais. Mas poucos sabem que foi
um congregado santo quem criou estas instituições na
forma que apresentam em todo o mundo moderno.
Este pioneiro do ensino foi São João Batista de la
Salle.
Nasceu João aos 30 de Abril de 1651, ém Reims
(França), como primogênito de pais ricos e de nobre
estirpe. Sua família tinha dado à pátria francesa gran-
62
de número de excelentes magistrados e valorosos ofi­
ciais do exército. Que, além do primogênito, mais três
dos sete filhos daquela família escolheram a vida re­
ligiosa, prova em quão grande conta se tinha a fé.
E’ verdade, a princípio, quando João falava dos seus
planos de ser sacerdote, os pais mostraram-se um tanto
contrariados, pois tinham outras intenções. Mas cedo
reconheciam que não deviam obstar aos projetos do fi­
lho. Assim, já com 11 anos de idade, João recebeu a
tonsura eclesiástica. Falecendo uns quatro anos mais
tarde um tio que era cônego da catedral de Reims,
João — segundo um costume daqueles tempos — foi elei­
to para ocupar o lugar do falecido.
Com as rendas de seu canonicato pagou os estudos
teológicos. Mas antes de subir ao altar, faleceram seus
pais, e João teve que dedicar-se à educação dos seus
irmãos menores. Finalmente pôde receber a ordem sa­
cerdotal.
Mais uma vez a morte de um sacerdote teve gran­
de influência sobre a sua vida. O confessor de João mor­
reu e assim passou para o confessado a direção de uma
escola para meninas.
A Providência, porém, escolhera-o para dar nova
feição ao ensino em geral. Conseguindo na pessoa de
dois professores leigos os auxiliares necessários, João
fundou duas escolas para meninos pobres. Pouco de­
pois comprou uma casa para seus professores, na qual
abriu mais outra escola, lançando, ao mesmo tempo,
os fundamentos para a hoje conhecida Congregação dos
Irmãos das Escolas Cristãs, os Lassalistas.
Convidado para fundar uma escola em Paris, diri­
giu-se para lá com dois dos Irmãos.
Até então, toda escola funcionava numa única sa­
la, havendo um único professor para todos os alunos.
João dividiu-a em classes conforme os conhecimentos
dos alunos. .
Muitos vigários pediram ao reformador do ensino
primário que lhes mandasse um ou dois Irmãos para as
63
suas escolas paroquiais. Não podendo atender a esses
pedidos, erigiu em Reims a primeira escola normal para
formar professores primários.
Em 1699, fundou uma escola dominical para apren­
dizes artífices, a primeira instituição deste gênero em
todo o mundo.
Ao lado de toda esta atividade externa ia a reali­
zação do grande programa que João de la Salle traçara
quando entrou na Congregação Mariana, em Reims: sua
santificação própria.
O dia 7 de Abril de 1719 abriu-lhe as portas da
eternidade, indo receber o prêmio de uma vida labo­
riosa, dedicada à salvação das almas, sob a proteção
de Maria Santíssima.
26.
S. JOÃO DE BRÉBEUF
Em 1Q66, Guilherme o Conquistador reuniu seus no­
bres normanos nas praias da Normandia para atravessar
o Canal e tomar posse das ilhas britânicas.
Não bem 600 anos mais tarde, no dia 24 de Abril
de 1625, um descendente dos companheiros de Guilherme
estava no porto de Dieppe, aguardando a partida de um
veleiro. Ia também fazer conquistas. Ia iniciar a traves­
sia do Atlântico em busca de triunfos, de vitórias e de
glória.
Este jovem, em cujas veias pulsava o sangue dos
conquistadores, era João de Brébeuf.
Nasceu aos 25 de Março de 1593, em Condé-sur-
Vire, perto de Lisieux. Quando, aos 8 de Novembro de
1617, bateu à porta do noviciado da Companhia de Je­
sus, o jovem filho de Maria, de figura atlética, já ti­
nha estudado filosofia e teologia moral. Não obstante,
em sua humildade pediu para ser admitido como simples
Irmão coadjutor. Mas os superiores mandaram-no com­
pletar os estudos necessários para o sacerdócio. No dia
âe seu aniwrsáfto de 1623, recebeu a ordenação sa-
C GrClO CcLx•
Mas os anos que precederam este ato solene, esgo­
taram-lhe as forças. Incapaz de esforços maiores, teve
que contentar-se com ofícios leves e humildes. E -ele
tanto desejava ir para a Nova-França (Canadá) a fim
de conquistar os peles-vermelhas para Cristo! Sonhos,
e nada mais. Quem querería ter sob seu comando a
um doente que mal podia arrastar-se?
Contudo, já dois anos depois da ordenação, o P.
João de Brébeuf estava restabelecido. E agora come­
çou para ele uma vida cheia de atividades, tão cheia
que apenas podemos esboçar-lhe os traços principais.
Chegando ao país de seus sonhos, embrenhou-se nas
matas com o povo dos Algonquins para estudar lín­
gua e costumes dos selvagens. Ao depois fundou uma
estação missionária entre os Hurões. Quando, em 1628,
voltou a Quebec, por ordem do superior da Missão, en­
controu a cidade sitiada pelos ingleses. No ano seguin­
te, os missionários tiveram que voltar à França, pois
os novos senhores do Canadá, os britânicos, não que­
riam saber de sacerdotes “papistas”. Richelieu, porém,
conseguiu, em 1632, que a colônia voltasse para a co­
roa francesa. E já no ano seguinte o P. Brébeuf pôde
rever sua querida missão.
Seguiram agora 16 anos de intenso e duro labor
entre os Hurões. A vida cristã em breve fazia amadure­
cer os frutos mais sazonados da santidade, e tudo pro­
metia a colheita mais abundante de almas.
Mas eis que de novo rebentou a guerra entre a Fran­
ça e a Inglaterra. Ambas as partes aproveitaram-se
dos índios para seus fins políticos. Durante anos e anos,
os selvagens iroqueses fizeram suas incursões no terri­
tório dos Hurões. Finalmente, conseguiram destruir as
florescentes aldeias dos cristãos.
Seu chefe, o P. João de Brébeuf, teve que sofrer um
martírio horrendo às mãos dos inimigos de seu povo.
Junto com seu jovem coadjutor P. Gabriel Lalemant, foi
Marianos 5 65
preso pelos iroqueses, aos 16 de Março de 1649. E no
mesmo dia recebeu a coroa dos mártires.
O mariano João de Brébeuf não somente é venera­
do como santo da Igreja, mas o Canadá e os Estados
Unidos da América do Norte honram-no como herói
nacional.
27.
POETA NACIONAL “POR EXCELÊNCIA”.
Quando se pergunta ao espanhol quem foi o maior
poeta de seu povo, há de dizer: “Pedro Calderón de
la Barca”. E com razão.
Segundo a expressão de Goethe, “Calderón é aque­
le gênio que, ao mesmo tempo, possuía a maior inteli­
gência”.
Por isso, foi capaz de aproveitar, em sua obra lite­
rária, todas as grandes qualidades e defeitos de sua
época, excluindo todas as ruindades e vilezas próprias
da natureza humana, tornando-se, assim, o símbolo de
seu povo e de sua época.
Pedro Calderón de la Barca nasceu em Madrid, aos
17 de Janeiro de 1600. Seus pais foram de nobilíssima
estirpe. Estudou no Colégio Imperial da Companhia de
Jesus da sua cidade natal e mais tarde na Universidade
de Salamanca. Já bem cedo distinguiu-se como dramatur­
go. Mas, em 1625, entrou para o exército, no qual ga­
nhou fama de bom soldado. Em 1628, voltou para sua
carreira literária que tão fecunda deveria ser.
Em 1650, Calderón fez-se ordenar sacerdote, levan­
do desde então uma vida exemplar e retirada apesar de
todos os triunfos literários.
Os restantes 30 anos de vida do poeta lhe passaram
pacificamente. Entretanto, a morte de Filipe IV deixou-o
numa situação financeira bastante penosa; pois Carlos
II não apreciava á poesia, como seu pai o fizera. Uma
pensão, porém, concedida pouco antes da morte, lhe
trouxe algum alívio.
66
uaiüerón faleceu aos 25 de Maio de 1681, em Madrid.
Sua obra literária é vastíssima. E’ verdade, não
tão vasta como a de Lope de Vega. Mas a de Calderón,
sob todos os pontos de vista, lhe é superior. Suas peças
teatrais distinguem-se pela linguagem clássica, pelo per­
feito conhecimento técnico e o esplendor da fantasia
criadora. Mas acima de tudo isto está seu profundo sa­
ber teológico, que, segundo os autores, o colocam ao
lado de Dánte, senão acima dele.
E’, principalmente, nos autos sacramentais de Cal­
derón que se manifesta esta riqueza teológica. A expli­
cação da S. Missa, p. ex., apresentada no palco, instrui
e entusiasma ainda hoje as massas. Célebres tornaram-
se também os seus dramas religiosos e filosóficos e as
comédias.
Num tempo em que reinava a decadência e a bruta­
lidade mesma quase em todos os países da Europa, Cal­
derón tirou das fontes da fé as forças que o haviam de
imortalizar.
28.
JACQUES-BÉNIGNE BOSSUET.
A vida do maior dos oradores sacros da França
abrange a época áurea da sua pátria. Corneille, Racine,
Descartes, La Rochefoucauld e Boileau elevaram a lite­
ratura aos mais altos pináculos da perfeição. Teria fal­
tado uma parte essencial, se não surgisse um gênio que
contribuísse para a glorificação dás letras religiosas.
Este gênio nasceu em Dijon, aos 27 de Setembro
de 1627 e recebeu na fonte batismal o nome de Jacques-
Bénigne. Seu pai era Bénigne Bossuet e a mãe chama­
va-se Madalena Mochet, ambos descendentes da fidal-
guia borgonhesa e de famílias em que a dignidade^ ju­
diciária era tradicional. Que no lar reinasse o espirito
católico pode deduzir-se do fato de que o pai de nosso
mariano tomou Ordens sacras depois da morte da esposa.
5
* 67
• Jacques-Bénigne bem cedo mostrou interesse pelos
estudos. Frequentou o colégio dos jesuítas de sua ci­
dade natal com tanto fervor que seus condiscípulos,
fazendo trocadilho do seu nome, o chamavam “Bos sue-
tus aratro” (o boi acostumado ao arado). Realmente,
adquiriu conhecimentos tão profundos do grego e de to­
das as espécies do latim que se habilitou a dar ao fran­
cês uma nova feição. Foi também esta assiduidade nos
estudos com que cultivou o gênio que mereceu o ape­
lido de “Águia de Meaux”. E esta laboriosidade devia
acompanhá-lo durante toda a sua vida. Foi assim no
Colégio de Navarra em Paris onde estudou filosofia e
teologia, aprofundando-se, ao mesmo tempo, no conhe­
cimento das línguas clássicas; foi assim na Sorbona, na
qual alcançou o grau de doutor em teologia, e que o con­
siderava uma das suas mais legítimas glórias.
Solidamente preparado por S. Vicente de Paulo, Bos­
suet foi ordenado sacerdote, em 1652.
Agora seguiram sete anos de trabalho sacerdotal em
Metz, durante os quais entregou-se também ao estudo
das Sagradas Escrituras e dos Padres da Igreja. Já
naqueles anos dedicava-se à tarefa de reconduzir os pro­
testantes ao seio da Igreja, ora pelas controvérsias, ora
pelos sermões, mas principalmente por sua ação caritativa.
Em 1659 foi chamado a Paris como pregador, al­
cançando verdadeiros triunfos como orador sacro. Em
1669 foi nomeado Bispo de Cond'om, renunciando, po­
rém, logo a esta dignidade. Em lugar dela recebeu
o ingrato encargo de educador do indolente príncipe
herdeiro. Para tarefa tão delicada quanto difícil Bos­
suet preparou-se mais uma vez pelo estudo das discipli­
nas que devia ensinar. Um dos frutos mais sazonados
deste labor é o célebre “Discours sur 1’histoire univer-
selle”, uma síntese genial da história da humanidade,
que ainda hoje retém seu valor. Não menos contribuíram
para a fama de Bossuet suas “Oraisons funèbres” que
revelaram o orador em toda a sua força e grandeza.
68
Foi, pois, com razão que a Academia Francesa o quis ter
entre seus membros (1671).
1681, Bossuet foi nomeado Bispo de Meaux.
Nesta posição trabalhou ainda 22 anos incansàvelmente.
Não se esquecendo dos seus deveres como pastor da dio­
cese, continuou nos seus esforços de reconduzir os pro­
testantes à Igreja. Para este fim escreveu várias òbras e
manteve viva correspondência, como, p. ex., com o filó­
sofo alemão Leibniz. Depois veio a questão do “quietis-
mo” na qual teve que tomar posição contra seu amigo
Fenélon.
Bossuet lamentou, pelo fim de sua vida, sua nímia
indulgência para com os jansenistas. Sentiu-se atraído
para certas idéias deles em consequência da sua própria
severidade de ver e pensar, como, p. ex., a respeito
d'o teatro.
Uma outra questão que um tanto empanou seu no­
me foi sua atitude para com o galicanismo. E’ verdade,
nunca teria consentido numa igreja nacional, separada
de Roma. Mas não soube bastante subtrair-se à influên­
cia d'o culto exagerado que se prestava à majestade de
Luís XIV. E assim redigiu os famosos “4 Artigos”.
De resto, influiu muito sobre a vida privada do rei.
Não hesitava dizer ao monarca, que no fundo era reli­
gioso, más acorrentado pelos vícios, verdades bem duras.
Foi, provàvelmente, esta uma das razões por que Bos­
suet não foi nomeado Arcebispo de Paris, nem proposto
para o cardinalato.
O grande Bisp'o de Meaux, aliás, nunca se procu­
rava a si, nem mesmo nas suas obras literárias. Duran­
te toda a sua vida, passada num ambiente em que reina­
vam corrupção e imoralidade, soube conservar-se livre
do contágio. Foi justamente seu amor ao trabalho, ins­
pirado pelo zelo das almas, que lhe serviu de contra-
veneno, junto com o espírito de oração.
Acamado já, ditava ainda cartas e ensaios polêmi­
cos, e assiTn “morreu pelejando”, como diz Saint-Simon.
Foi no dia 12 de Abril de 1704.
69
29.
SÃO PEDRO CANÍSIO
Lá pelos anos de 1590 e tanto, múitas vezes, po­
dia ser visto um venerável ancião que atravessava a ci­
dade baixa de Friburgo (Suíça). Ia fazer uma visita
à imagem de sua Mãe celeste, venerada no santuário
de Bourguillon, situado a pequena distância acima da
capital cantonal.
Frequentemente, vinham as mães ao seu encontro,
pedindo-lhe que abençoasse seus filhinhos. E o bom an­
cião, pondo a mão sobre a fronte dos pequeninos, dizia:
“Com muito gosto. Dou-vos a minha bênção, contanto
que me prometais serdes devotos de Nossa Senhora e
rezardes cada dia uma parte do Rosário”.
Esse ancião tinha visto muitos países, conhecido
muita gente, trabalhado e rezado como poucos.
Foi no dia 8 de Maio' de 1521, na cidade holandesa
de Nimega, que a nobre família de Hondt ou Kanes fes­
tejou o nascimento de um menino que, na pia batismal,
recebería o nome de Pedro. Desde os mais tenros anos
gozou as vantagens de uma verdadeira educação cristã.
A par da formação de seu caráter ia uma sólida forma­
ção humanística. Desta forma preparado, pôde, com
apenas 14 anos de idade, matricular-se na Universida­
de de Colônia. Teve a grande ventura de encontrar abri­
go na casa de um santo e douto sacerdote, o professor
Pe. Nicolau van Esche que, com mão paternal, conduziu
o jovem estudante seguramente pelos anos tempestuo­
sos da adolescência.
Já em 1540, obteve o grau acadêmico de mestre
em filosofia. No mesmo ano, fez o voto de castidade per­
pétua. 3 anos mais tarde, fez os exercícios espirituais
de S. Inácio sob a direção do' Beato Pedro Fabro e en­
trou na Companhia de Jesus, ordenando-se sacerdote
em 1546. Pouco depois, a Universidade e o clero en­
viaram Pedro aò Bispo de Liège e ao imperador Carlos
70
V, a fim de alcançar medidas enérgicas contra, o Arce­
bispo Hermann von Wied, que apostatara.
Desde esta primeira missão, Pedro Canísio deveria
durante quase meio século percorrer grande parte da Eu­
ropa. Ora dirige-se para Trerito ao Concilio como con­
selheiro teológico do Cardeal Oto de Augsburgo; depóis
vai para Roma e, de lá, como professor para o colégio
de Messina (Sicília). -Um ano mais tarde, é enviado para
a Alemanha. De caminho ao novo destino, adquire, em
Bologna, o título de doutor em teologia.
Haverá poucas partes da Alemanha que não foram
percorridas pelo zeloso apóstolo, reanimando clero e fiéis
nas duras provações das lutas religiosas, fundando co­
légios em que se cultivavam as ciências e as virtudes,
ensinando a doutrina às crianças, para o que escreveu
um excelente catecismo, refutando os erros dos sectá­
rios por meio de sólidas obras científicas.
Três vezes foi-lhe oferecida a sé episcopal da impe­
rial cidade de Viena, e três vezes recusou. Não pôde, en­
tretanto, fugir das obrigações de provincial de sua or­
dem, dignidade que lhe conferiu o próprio fundador da
Companhia de Jesus.
Em 1580, acompanhou o Núncio Apostólico para
Friburgo, na Suíça. Nessa cidade fundou um colégio e
trabalhou ainda vários anos como pregador na igreja
de São Nicolau (hoje catedral).
Esses últimos 17 anos de sua vida foram realmen­
te anos marianos. Em 1’ de Novembro de 1581, erigiu a
primeira Congregação Mariana em Friburgo. Quase to­
dos os anos peregrinava ao célebre santuário mariano
de Nossa Senhora dos Eremitas, em Einsiedeln. O ro­
sário era seu companheiro de todas as horas.
Chegou o dia 21 de Dezembro de 1597. Canísio,
doente já desde os primeiros meses daquele ano, sen­
te que o fim se aproxima. Durante toda a sua vida
fora devoto filho de Maria. Quão belamente escrevera
sobre a Mãe de Jesus! Como venerara o puríssimo Co­
ração dá Bem-aventurada Virgem! Quantas vezes, em
71
sermões e instruções, louvara a grandeza incomparável
da Imaculada!
Agora, estando às portas da eternidade, o lutadof
moribundo se volta para uma imagem de Nossa Senho­
ra, repetindo várias vezes: “Ave, Maria”. E eis que
sua Mãe celeste lhe aparece. Com um sorriso que ex­
prime uma felicidade inefável, o grande filho .de Maria
voa para a mansão eterna onde o espera a Rainha dos
Confessores.
30.
FIEL ATÉ A MORTE
“ ... e a defender a Igreja de Jesus Cristo dos
ataques da impiedade” (Regra 1 da CM).
Ao consagrar-se a Nossa Senhora, o congregado as­
sume, entre outras, a obrigação de defender a Santa
Igreja. E quantos tomaram ao pé da letra esta última
parte da lei básica do sodalício mariano, desde o dia
em que aquele grvpinho de colegiais, sob a direção
do P. Leunis, pronunciou, pela primeira vez, a fórmu­
la da entrega total à Rainha dos céus!
Entre estes magnânimos defensores da Esposa de
Cristo destaca-se o General Pimodan.
Jorge, marquês de Rarécourt de la Vallée de Pimo­
dan nasceu, no ano de 1822, em Paris, onde também
entrou na Congregação Mariana. Encontramos seus an­
cestrais já no século 12, na Argona (França), um dos
quais tomou parte nas cruzadas. Outros membros des­
ta distinta família enobreciam-na com seus serviços pres­
tados à Igreja ou ao exército, à pátria como políticos
e diplomatas ou às ciências e letras.
Jorge, desde cedo, sentiu-se atraído às armas. Aban­
donando sua pátria que não necessitava dele, alistou-se
no exército da Áustria. Já em 1848, recebeu nomeação
para ó cargo de Ajudante de Campo do célebre Mare­
chal Radetzky. O ano seguinte viu-o em luta contra os
72
revoltosos húngaros. Na batalha de Moor foi gravemen­
te ferido. Ainda não completamente restabelecido, caiu
prisioneiro nas mãos dos rebeldes, sérido encarcerado em
Peterwardein. Mesmo na prisão não abandonou a cau­
sa adotada. Organizou uma conjuração que deveria fa­
zer cair em poder dos austríacos aquela praça forte.
Sua trama, entretanto, foi descoberta e ele condenado à
morte. Sua qualidade de cidadão francês, porém, salvou-
lhe a vida, e, pouco tempo depois, aqueles, cuja causa
defendia, libertaram-no. Apesar de sua pouca idade, foi
promovido a major e, um tanto mais tarde, a coronel.
Em 1855, pediu fosse desligado do exército austríaco
e voltou para a França.
Quando, em 1860, os piemonteses ocuparam partes
dos Estados Pontifícios, Jorge de Pimodan não hesitou
em oferecer a sua espada a Pio IX. O Sumo Pontífice
aceitou a oferta, nomeando-o general.
Desde logo o guerreiro mariano distinguiu-se por
seus dotes militares, alcançando, em 19 de Maio de 1860,
uma vitória sobre os inimigos do Papa e da Igreja.
Entretanto, as forças reduzidas de que dispunham
os generais pontifícios, a política egoísta das potências
e a semente revolucionária, lançada no coração do povo
pela maçonaria e as associações secretas, tornaram bem
precária a situação para os papais.
Apesar disto, os defensores da Igreja não desani­
maram. Aos 16 de Setembro, o General La Moricière
forçou o inimigo a retirar-se de Loretto. Mas dois dias
depois, os 5.600 soldados do Papa tiveram que enfren­
tar os 45.000 de Cialdini.
Os piemonteses ocuparam as colinas na proximida­
de de Castelfidardo a fim de dominar a estrada que le­
vava à cidade de Anoona que ainda se achava em pOr
der do Sumo Pontífice. Os dois generais La Moricière
e Pimodan fixaram o ataque às posições inimigas para
o dia 18. Ãs 4 horas da madrugada daquele dia, chefes
e comandados preparam-se para a morte, receb.endo a
73
Santa Comunhão. Ãs 8 horas, Pimodan iniciou o com­
bate.
Tendo conseguido o primeiro objetivo, o de desa­
lojar o inimigo de uma fazenda, transformada em for-
tim, o General dispôs-se a executar a segunda parte do
plano pré-estabelecido. Dando provas de extraordinária
audácia e bravura, Pimodan dirige-se contra uma se­
gunda fazenda, defendida como a primeira. Sempre avan­
çando, é ferido no rosto, mas mantém-se no comando.
Não será, porém, por muito tempo.
A inferioridade numérica, inexperiência de tropas
que pela primeira vez se achavam sob o fogo do ini­
migo e a falta de artilharia obrigam à retirada os sol­
dados pontifícios.
Nesta altura, o General Pimodan cai mortalmente
ferido pelas costas. Foi obra do soldado Brambilla, as­
salariado dos revolucionários que, traiçoeiramente, se
infiltrara nas colunas papais. A queda do valente che­
fe é o sinal de debandar. A batalha está perdida.
Aparentemente, triunfaram os inimigos da igreja.
Mas, em realidade, quem lhes paga ainda tributo de
honra?
O congregado Pimodan, porém, sempre será exem­
plo da fidelidade a Cristo, à Sua Mãe bendita e à Sua
Santa Igreja.
31.
MATT TALBOT
Na festa da Ssma. Trindade, 7 de Junho de 1925,
um homem caiu na Granby Lane, na cidade de Dublin
(Irlanda). Levaram-no ao hospital, onde sua morte foi
constatada. As enfermeiras, que prepararam o corpo pa­
ra o enterro, viram nele instrumentos de penitência co­
mo os que estiveram em uso entre os santos do Eire,
há muitos séculos.
74 K
Quem foi este morto? Chamava-se Matt Talbot. Era
operário e congregado mariano, pertencente à CM de
S. Francis Xavier’s, Upper Gardiner Street, Dublin.
Nasceu Matt em 1856, na capital da Irlanda. Seus
pais foram operários. O menino só por pouco tempo
frequentou a escola. Seu espírito era pouco dado a temas
e lições. Muito cedo, portanto, foi procurar trabalho co­
mo operário numa firma de construtores. Muito cedo
também entregou-se ao vício da bebedeira, gastando to­
do seu dinheiro em tavernas.
Com a idade de 25 anos mudou de repente. Tomou,
como se diz, o “pledge” para três meses, i. é, prometeu
de, para o espaço de três meses, não tocar em bebidas
alcoólicas. Matt ficou firme. E depois de uma renova­
ção para um ano, resolveu abster-se do uso de álcool
para toda a vida.
Trabalhando, em certa ocasião, numa casa parti­
cular, encontrou uma boa empregada católica que suge­
riu que estaria contente em casar-se com um operário
que, desde a sua mudança de vida, adquirira tanta per­
feição religiosa que aparecia em todas as suas pala­
vras e obras. Matt fez uma novena para conhecer a von­
tade de Deus e chegou à conclusão que era mais con­
forme à vontade do Senhor que ficasse solteiro.
Por aquele tempo, foi que entrou na Congregação
Mariana. E com isto começou sua ascensão espiritual.
Levantava-se cada dia às ' 2 horas da madrugada,
depois de um descanso sobre uma cama duríssima, e
começava suas longas orações. Âs cinco horas, ia à s. Mis­
sa em Gardiner Street, recebendo diàriamente a s. Co­
munhão.
Em seguida, se dirigia ao trabalho. Dois de seus con-
tra-mestres declaram que, em 30 anos, Matt nem uma úni­
ca vez chegou com atraso. Não permitia que, em sua
presença, se usasse linguagem inconveniente. Em extre­
mo correto para com superiores e colegas, sabia expli­
car com clareza e firmeza os direitos e deveres de uns
e de outros.
75
A força para uma vida tão santa, Matt achou-a no
trato com Deus e com os Santos. Os domingos estavam
devotados inteiramente à oração. Desde bem cedo fica­
va numa das igrejas de sua predileção. Ãs 2 horas da
tarde, ia para seu quartinho, onde tomava uma frugal
refeição, muitas vezes, a única do dia. De noite, estava,
invàriàvelmente, em S. Francis Xavier’s para a reunião
da Congregação Mariana.
Mesmo em dias da semana, aproveitava os minutos
livres para rezar.
Grande vantagem trazia-lhe a leitura de livros es­
pirituais e de vida dos santos, as quais sabia recontar
com muito jeito, para a edificação de seus colegas e
de outros.
Com não menor fervor usava o outro meio indis­
pensável para a santificação de si mesmo e dos outros,
a mortificação. Um dos biógrafos de Matt afirma que
“temos que voltar aos antigos Santos Irlandeses dos
primeiros séculos a fim de encontrar o que se iguale aos
jejuns ordinários observados por Matt Talbot”. E’ incom­
preensível como nosso mariano foi capaz de trabalhar
tanto e tão pesadamente, verificando quão pouco co­
mia. Entretanto, quando um amigo o convidava para to­
mar alguma coisa com ele, Matt aceitava, para não fal­
tar à caridade.
A este jejum constante acrescentou o uso de instru­
mentos de penitência.
Mas cuidava também da mortificação do espírito,
abstendo-se de leituras desnecessárias. De modo espe­
cial velava sobre seus sentidos, pelos quais tão fàcil-
mente entra' a morte na alma.
A prova mais segura da santidade é a prática da
caridade.
Matt deu tal prova do modo mais natural. Nunca
quis que se soubesse o que estava fazendo com seu sa­
lário. Entretanto, praticava a caridade mais larga. En­
quanto sua mãe vivia, a ela dava seu salário, reser­
vando-se apenas dez shillings para despesas obrigató-
76
rias. Depois do falecimento da mãe, dava tudo para fins
caritativos. Contribuiu para a formação de missionários
para a China, pagando os estudos para três sacerdotes
e para um quarto candidato só não conseguiu remeter
a soma completa porque a morte pôs fim a uma vida
tão santa.
Os primeiros sinais de declínio manifestaram-se em
Maio de 1923, estando Talbot com 67 anos de idade.
Pela primeira vez em toda sua vida, teve que deixar
de ir ao trabalho. Empregou os meios indicados para
restabelecer suas forças. Mas, quando em Abril de 1925,
recomeçou seus antigos afazeres no depósito de mate­
riais para construção, estava ainda doente, continuando,
porém, no seu posto até à sua morte repentina, no dia
7 de Junho de 1925.
Seu corpo foi exposto na igreja de sua Congregação
Mariana, para depois ser levado ao cemitério de Glasnevin.
Matt Talbot provou que ainda hoje as Regras da
vCongregação Mariana são um caminho seguro para a san­
tidade.
32.
POETA E MÁRTIR
Isabel, rainha inglesa de triste memória, estava no
terceiro ano do seu reinado, quando, em Horsham St.
Faith, perto de Norfolk, nasceu o menino Roberto
Southwell.
Foram tempos bem difíceis para os católicos, aque­
les anos de perseguição religiosa. Quem não assistia, nos
domingos, aos serviços anglicanos, era multado pesada-
mente e não foram poucos os que, em consequência de
sua fidelidade à fé católica, perderam todos , os seus
haveres, vendo-se reduzidos a pobreza extrema;
Muitos pais católicos, sendo possível, mandavam
seus filhos para o continente europeu, a fim de recebe­
rem, nos colégios de Douai, Reims, Sevilha e Roma,
uma educação católica. Mas os assim formados torna-
77
vam-se culpados de alta traição, passível de pena de
morte.
Este “crime” cometeu também Roberto Southwell.
Pequenino ainda, fora raptado por ciganos e só à cora­
gem de uma criada deveu-se sua salvação. Agora, fugiu
da sanha da perseguidora coroada, dirigindo-se, primei­
ro, ao colégio de Douai, na Bélgica, para continuar seus
estudos em Paris. Já então pediu sua admissão à Com­
panhia de Jesus. Achavam-no jovem demais. Mas não era
demasiado jovem para depositar numa bela poesia a dor
que lhe causava esta recusa.
Foi, então, para Roma, onde conseguiu a satisfação
do seu ardente desejo. Em 1584, recebeu a ordenação
sacerdotal, sendo depois nomeado prefeito de estudos
no Colégio Inglês. Mas já no ano seguinte, os superiores
cederam a seus insistentes pedidos de ser enviado para a
pátria inglesa, a fim de fortalecer os católicos tão cruel­
mente perseguidos.
Em companhia do célebre P. Henrique Garnet, S.
J., aportou, em 1586, na Inglaterra. Usando os mais di­
versos disfarces e observando escrupulosamente as re­
gras que a prudência lhe ditava, pôde, durante seis anos,
desenvolver um apostolado fecundíssimo, embora sob as
maiores dificuldades. Teve a consolação de reconduzir
ao seio da verdadeira Igreja o seu próprio pai.
Um dos grandes meios de que lançava mão para a
salvação das almas foi a palavra escrita. Aí se revela,
ao mesmo tempo, grande estilista como profundo poeta.
Parece que até esteve em contacto com Shakespeare, pois,
como afirma a Cambridge History of English Litera-
ture, há nas obras de ambos um bom número de traços
comuns.
Embora se soubesse quem era o autor, as poesias
de P. Roberto Southwell eram vendidos abertamente
pelos livreiros londrinos.
Mais, porém, do que pelas obras literárias, deveria
Southwell criar fama por seu martírio. Este começou,
aos 5 de Julho de 1592, na Uxendon Hall, Harrow. O P.
78
Roberto tinha rezado Missa naquele solar de proprie­
dade de um nobre católico de nome Bellamy. Traído
pela própria filha da casa, Ana Bellamy, a qual fora
torturada e seduzida pelo monstro Topcliffe, nosso ma­
riano caiu nas mãos desse mesmo caçador de padres.
Este não perdeu tempo e pediu, como especial pri­
vilégio, à rainha a licença de torturar a “esse homem
importante”, ainda antes de ele ser posto diante de um
tribunal. A “licença” foi concedida pela graciosa sobe­
rana e Topcliffe fez generoso uso do privilégio.
Depois seguiram-se meses após meses nas diferen­
tes prisões de Londres. Por fim, o confessor da fé foi
levado para Tyburn e enforcado por crime de alta traição.
Sua morte heróica fez profunda impressão, nas mas­
sas do povo. Assim selou com o próprio sangue o ju­
ramento que Roberto Southwell fizera no dia de sua
admissão à Congregação Mariana.
33.
LEÃO XIII
Entre os muitos milhares de congregados, poucos ha­
verá que tantos títulos possuem à celebridade, como
o Papa Leão XIII. Distingue-se por sua longa vida, por
seu pontificado que durou mais de 25 anos, por sua
inteligência excepcional, por sua atividade fecunda co­
mo Chefe da Cristandade e ainda por seu profundo amor
a Nossa Senhora.
No dia 2 de Março de 1810, o lar do conde Ludo-
vico Pecei e de sua esposa Ana Prosperi-Buzi, em Car-
pineto, estava em festas. Pois nasceu aí Joaquim Vicen­
te, um menino que, em breve, deveria revelar os mais
preciosos dons de inteligência e de alma. Ja com oito
anos de idade, entrou para o colégio dos jesuítas em
Viterbo, continuando, desde 1825, seus estudos no Co­
légio Romano, onde, com apenas 22 anos, mereceu o
79
grau de doutor em teologia. Antes da sua ordenação
sacerdotal, especializou-se ainda em Direito Canônico.
Reconhecendo as qualidades extraordinárias do jo­
vem sacerdote, o Sumo Pontífice encarregou-o de mis­
sões diplomáticas assaz espinhosas. Pio IX nomeou-o
Bispo de Perusa. Como tal, protestou, enèrgicamente,
contra as iniquidades dos piemonteses que invadiram os
Estados Pontifícios, arrancando ao Papa província após
província, até ocuparem Roma. Tendo sido nomeado car­
deal em 1853, foi eleito Papa aos 18 de Fevereiro de 1878.
Agora começou aquela grandiosa atividade que co­
loca a Leão XIII entre os maiores Papas de todos os
tempos. Em tudo deixou o selo do seu espírito. Reavi­
vou a fé, favorecendo a devoção ao Sagrado Coração
de Jesus e ao Rosário de Nossa Senhora. Promoveu os
estudos e as ciências, abrindo os arquivos do Vaticano
e fundando universidades. Reatou relações diplomáti­
cas entre a S. Sé e diversas nações e restabeleceu a je-
rarquia eclesiástica em vários países.
Mas onde mais se salientou foi na questão social.
Reconhecendo a condição miseranda do operário, mas
demonstrando também que o marxismo era incapaz de
melhorar a sorte do proletário, publicou a celebérrima
“Rerum Novarum”, a Magna Carta das reivindicações
do proletariado. Se os governos de então tivessem apre­
ciado devidamente a “Rerum Novarum”, não passaría­
mos nós hoje por tantas calamidades. Mas o Evange­
lho sempre foi um escândalo para os judeus e, para os
pagãos, uma estultícia. Contudo, o importantíssimo do­
cumento pontifício não pôde ser ignorado totalmente. E,
hoje, sente-se sua influência na legislação social de
muitos países.
Grande serviço prestou Leão XIII também com sua
mediação por ocasião do litígio entre Espanha e Alema­
nha acerca da posse das ilhas Carolinas.
Mencionemos ainda a arte e perícia com que o gran­
de Papa manejava a língua latina. Os entendidos na
80
matéria comparam, com vantagem, seu estilo com os
clássicos, como Cícero e Tito Lívio.
Quando, aos 20 de Julho de 1903, Leão XIII fechou
os olhos para a luz deste mundo, deixou, como precioso
legado, a memória de um grande filho de Maria, grande
em sua piedade filial por Cristo e Maria, grande em seu
labor incessante pela Igreja e a humanidade.
34.
O DUQUE DE MONTMORENCY
Mateus João Felicidade, Duque de Montmorency-
Laval, foi descendente de uma das mais antigas famí­
lias da alta nobreza francesa. A casa dos Montmorency
era originária da Inglaterra; mas, já em 958 encontra­
mos, em terras gaulesas, Bucardo, sobrinho do rei Edre-
do da Inglaterra. Esta família deu a seu país, no cor­
rer dos séculos, um grande número de bons soldados
e homens da Igreja.
Mateus nasceu em Paris, em 1766. Muito cedo en­
trou para o exército, servindo, primeiro, como subte-
nente, no regimento de infantaria de Auvérnia, do qual
seu pai era comandante. Em companhia deste foi para
a América do Norte, tomando parte nas guerras de
independência da jovem nação.
Pelo contacto com os republicanos de Jorge Was­
hington entusiasmou-se pelas idéias liberais do Novo Mun­
do. Voltando para a pátria, foi nomeado governador de
Compiègne e capitão da guarda do conde de Artois.
Com 23 anos de idade foi eleito deputado pela nobreza
para os Estados Gerais de 1789. Na memorável noite
de 4 de Agosto, foi um dos mais acérrimos defensores
dos “Direitos do Homem” e propôs a abolição dos títu­
los nobiliárquicos.
Em Março de 1792, recebeu nomeação para ajudante
de campo do Marechal Lueckner. Sobreveio o dia 10 de
Agosto com o terrível massacre da guarda suíça. Isto
Marianos 6 81
foi demais para um homem que lutava pela liberdade,
sim, mas que odiava a anarquia e o domínio das paixões.
Pediu demissão de seu alto cargo e retirou-se para
Coppet (Suíça), onde encontrou a Madame de Stael.
Quando Napoleão tomou as rédeas do governo da
França em suas mãos, Montmorency voltou a França.
Em 1801, foi eleito membro do conselho administrativo
dos hospitais de Paris, recusando, porém, qualquer ou­
tro cargo que o imperador lhe quisesse dar.
O antigo republicano saudou com satisfação a Res­
tauração. Subiu para o posto de coronel e foi, mais uma
vez, ajudante de campo do conde de Artois. A sua
atividade valeu-lhe os títulos de marechal de campo e par
da França. Foi chamado para o governo como ministro
do exterior e presidente do conselho. Nesta qualidade
tomou parte no Congresso de Verona, onde conseguiu
que se declarasse a guerra à Espanha.
Ao título de duque que recebera em 1822, acrescen­
tou o de membro da Academia Francesa (1825). Car­
los X escolheu a Montmorency para o cargo de precep-
tor do duque de Bordéus, mas já dois meses depois mor­
reu, vítima de ataque de apoplexia. Foi em 1826.
Mateus de Montmorency tinha se afiliado à Con­
gregação.-Mariana, em Paris, numa época em que tal
passo não significava uma recomendação para a reali­
zação de aspirações ambiciosas; foi quando Napoleão
já começara sua luta contra a Igreja. Mas as evoluções
políticas pelas quais Montmorency passara, confirmaram
nele a fidelidade à Igreja, à qual pertencera sua famí­
lia durante tantos séculos. E assim não é de admirar que
deixou memória de um homem profundamente religioso.
35.
JORGE GUYNEMER, O "AS DOS ASES”
Nos arquivos da Força Aérea Francesa guarda-se o
retrato de um jovem oficial-aviador da 1* Guerra Mundial.
82
Num rosto singularmente simpático que conserva
todos os encantos dá adolescência, brilha um par de
olhos profundos e límpidos como os de uma criança.
Tudo respira fidalguice e delicadeza.
E, contudo, este rostozinho pertence ao “As dos
Ases”, como Jorge Guynemer, o jovem aviador, era
conhecido em todo o mundo.
Nem chegou a completar 23 anos de idade. Não-obs­
tante, galgou as sumidades do heroísmo legítimo que
o coloca ao lado de um Bayard, de um Du Guesclin e
dos paladinos imortais de Carlos Magno.
Transcrevamos, simplesmente, sua folha de serviço.
Tendo nascido, em Paris, aos 24 de Dezembro de 1894,
não tinha ainda vinte anos, quando irrompéu a 1* Guer­
ra Mundial. Jorge apresenta-se no exército como volun­
tário. Mas, por duas vezes, é declarado incapaz. Não
admira. O rapaz é tísico. Mas não desiste até que o
aceitam como voluntário na Aviação, em Novembro de
1914.
E agora vejamos as seguintes datas: Jorge Guyne­
mer recebe o brevèt de piloto, em Abril de 1915; três
meses depois, é sargento e condecorado com a Medalha
Militar. — Dezembro de 1915: Cavaleiro da Legião
de Honra. — Março de 1916: 29 Tenente, Dezembro do
mesmo ano, l 9 Tenente. Aos 18 de Fevereiro de 1917,
é promovido a Capitão (com 22 anos e poucos meses!);
em Junho daquele ano, é distinguído com o grau de
Oficial da Legião de Honra.
Desde 19 de Setembro de 1915, obteve 21 citações
no boletim geral (sem contar as que comunicavam suas
condecorações e promoções). Ao todo teve 54 vitórias
sobre aviões inimigos.
Com razão declarou uma revista americana: Este
pálido moço francês foi “o mais ousado e mais bem
sucedido de todos os aviadores”.
Costumava voar sozinho. Subia aos ceus numa ma­
quina leve e veloz, sendo, ao mesmo tempo, piloto e ob­
servador, dispensando ainda o atirador, ja que ele mes-
6# 83
mo manejava a metralhadora. Desenvolveu sua própria
técnica de ataque. Perseguia o avião inimigo, atirando
contra este, enquanto se aproximava. Não lhe sendo
possível derrubar o adversário, fazia a acrobacia mais
louca, até ter o outro avião em condições para poder
atravessá-lo com suas balas mortíferas.
Jorge Guynemer foi profundamente religioso. Na
igreja de S. Pierre de Challiot, frequentemente era visto
o jovem oficial, delicado, impecavelmente vestido, reco­
lhido modestamente num canto escuro. Muitas vezes se
confessou. Nestas ocasiões, costumava, ao sair do con­
fessionário, passar uma nota de banco para a mão do
confessor: para os soldados feridos. Depois da S. Co­
munhão ficava largo tempo em fervoroso agradecimen­
to e profunda meditação.
De sua modéstia afirmavam os que o conheciam que
era quase demasiada. Raramente falava de si mesmo e
de suas façanhas extraordinárias, e, então, somente, por
instâncias de camaradas e amigos. Esses recolheram e
guardaram-nos, entre outras, estas frases:
“Uso as condecorações somente por deferência aos
reis e presidentes estrangeiros que mas concederam”.
“Caí do céu sete vezes, mas vocês todos vêem, tudo
se arranjou maravilhosamente”.
“De uma feita, meu avião pegou fogo e estava em
chamas, quando me achava 3.000 metros por cima da
terra. Oh, que esplêndido ato de contrição!”
Parecia ter bastante certeza de sua morte iminente.
Assim o disse ao sacerdote da igreja de S. Pierre, por
ocasião de uma de suas últimas visitas.
No dia 11 de Setembro de 1917, subiu no avião,
como tantas vezes o tinha feito. Na perseguição de um
aparelho alemão, uma bala feriu-o na cabeça, causando-
lhe a morte. Sua máquina precipitou-se ao solo, perto
de Poolcapelle, no setor de Ypres (Bélgica).
Guynemer possuía um gênio especial para instantâ­
neos golpes de decisão e coragem. Mas a força de usar
este gênio veio-lhe da pureza e tranquilidade de alma,
84
que, por sua vez, foram o resultado de sua constante
recepção dos sacramentos e da sua perene união com
Deus. Além disso, foi um fervoroso membro da Con­
gregação Mariana. E Maria dava-lhe coragem e proteção.
O parlamento francês resolveu, por unanimidade, co­
locar seu nome no Panthéon. Nós, porém, estimamos
mais, muito mais, que seu nome esteja no álbum da CM.

JOYCE KILMER
Conta a mãe de Joyce Kilmer: “Durante os seis
meses que precederam imediatamente ao seu nascimento,
eu rezava, cada noite, para que Deus fizesse do . meu
bebê um homem de bem. Minha prece foi respondida
pela vida de meu filho”.
Estas palavras manifestam não somente a nobreza
da alma de uma mãe cristã. São ainda a expressão
inequívoca da bondade e sabedoria de Deus. Pois, mais
deu a bondade d'o que fora pedido, e por caminhos ma­
ravilhosos iria conduzir a sabedoria divina ao filho, obje­
to de prece tão cheia de fé,
Joyce Kilmer nasceu aos 6 de Dezembro de 1886,
em New Brunswick, N. J. (E. U. A.). Seus pais pro­
fessavam o protestantismo na assim denominada Igre­
ja Episcopal. Em sua casa reinava o espírito religioso.
Um exemplo apenas.
Joyce tinha só três anos de idade, quando, certo
dia, tendo na mão uma rosa, perguntou à mae: “Ma­
mãe, há água de Colônia nesta flor?” — “Não, queridi-
nho”, replica a mãe, “é o cheiro natural da flor. Deus
a fez assinn que exalasse um cheiro tão agradável para
você” . — “Então”, volveu o garotinho, “na rosa está
o perfume de Deus, mamãe”.
Este espírito de fé recebeu seu alimento também
pela frequente participação dos ofícios divinos que, aos
85
domingos, Joyce atendia em companhia de sua progeni-
tora.
Com 10 anos de idade entrou para o colégio de
sua cidade natal, passando mais tarde para a Colum-
bia University. Tanto no curso colegial como no uni­
versitário mereceu muitos prêmios e distinções.
Com 18 anos, recebeu o título de “leitor leigo li­
cenciado” na Igreja Episcopal. Pensava sèriamente em
fazer-se ministro de sua comunidade religiosa.
Deus, porém, teve outros desígnios para ele.
Em 1908, concluiu, com brilhantismo, o curso uni­
versitário. Pouco tempo depois, casou.
Na vida profissional revelou-se, em breve tempo,
jornalista proeminente. Fez parte do corpo de redação
do. “New York Times”. Colaborou no “N. Y. Times
Magazine”, na “Times Review of Books” e no “Literary
Digest”, mostrando esplêndidas qualidades como crítico
literário. Contribuiu ainda para muitos outros periódi­
cos. Com suas conferências, cedo, começou a adquirir
reputação como orador.
Mais, porém, do que tudo isto, granjeava-lhe louros
a sua obra poética.
Vasto círculo de amigos esperava ansiosamente a
publicação de novos livros seus.
Uns cinco anos depois dó casamento, Joyce e sua
esposa abraçaram a fé católica.
A respeito deste passo sua mãe escreve: “Esta mu­
dança de convicção nunca turvou as nossas relações cor-
dialíssimas, e jamais ouvi uma só palavra de desaprova­
ção da boca de seu pai. No que toca a mim, abençoo
o dia em que Joyce entrou na Igreja Católica”.
Não é de admirar que o celebrado poeta levasse vi­
da feliz. Tudo sorria-lhe qual manhã de primavera. Ti­
nha uma esposa dotada* como ele, de talento poético,
que partilhava suas convicções religiosas. Quatro amá­
veis filhinhos enriqueciam-lhe o lar que, além disso,
mantinha porta aberta para numerosos amigos.
86
Então veio a 1* Guerra Mundial. Os campos de ba­
talha, na Europa, bebiam o sangue de milhares e mi­
lhares de soldados de todas as raças. Os Estados Unidos,
por sua vez, entraram na luta.
Joyce estava na flor da idade e, quando soou o pri­
meiro apelo convocando os voluntários, sentiu os impul­
sos irresistíveis do verdadeiro patriotismo.
Alistou-se. Foi mandado para a França. Entretan­
to, seu regimento achava-se muito atrás das linhas de
combate. E não havia esperança de que em breve iria
ser mandado para a frente. Isto não agradou a Joyce.
Pediu e obteve transferência para um regimento que
estava em vésperas de marchar para as trincheiras.
Numa carta escrita de lá, o congregado Kilmer
escreveu: “Somando tudo, acho que soldados católicos
nos acampamentos de instrução nos Estados Unidos
precisam mais da Congregação Mariana do que os solda­
dos aqui”. A presença constante do perigo de morte é
um bom remédio contra a leviandade.
No front, o sargento Kilmer prestou bons serviços
na Secção de Informações do Regimento, como “obser­
vador das atividades do inimigo”.
No exercício destas funções, Joyce Kilmer foi co­
lhido pela morte, perto da aldeia de Seringes (França).
Foi no dia 30 de Julho de 1918. Não completara ainda
32 anos de idade. Mas deixou o exemplo de uma vida
rica e enobrecida pelo amor a Deus, a Maria Santíssi­
ma e à pátria.
37.
O GENERAL DE CASTELNAU
Vivia, no século passado, em Saint Afrique, depar­
tamento de Aveyron (França), o descendente da no­
bre família dos marqueses de, Castelnau. A historia ja
inscrevera nas suas folhas os nomes de muitos valen­
tes que, com seus feitos heróicos, abrilhantaram o bra-
87
zão dos Castelnau. Ela deveria registar mais outro
que se tornaria inesquecível não só por sua bravura,
mas ainda por seu amor à Mãe de Jesus.
O progenitor de nosso congregado, o Marquês de
Curières de Castelnau, não deve ser procurado entre
os que se batiam com a espada pela pátria. Talvez que
as condições políticas da França daquele tempo o fize­
ram retirar-se da vida pública. Em vez do uniforme mi­
litar, envergava a toga do jurisconsulto, exercendo a
profissão de advogado. Mas cabe-lhe um lugar de hon­
ra entre os pais modelares. Pois, na educação de seus
filhos visavá uma única ambição: fazer deles bons cris­
tãos e católicos.
No dia 24 de Dezembro de 1851, sua esposa deu-
lhe, como presente de Natal, o terceiro filho, que na
pia batismal recebeu o nome de Edouard.
Céleres fugiram os anos da primeira infância do
pequeno, e o pai, fiel a seus princípios de educar no
espírito cristão seus filhos, levou o menino à escola
primária das Irmãs de Cluny. Não havia perigo de
Edouard atrofiar suas qualidades de homem. As boas
religiosas tinham bastante trabalho com o alegre ga­
roto que sempre andava planejando e — executando
suas mil traquinices.
Tendo alcançado a devida idade, Edouard foi con­
fiado aos Padres Jesuítas no Colégio de S. Gabriel. As
fichas escolares atestam que o jovem mais se distin-
guia nos jogos e nos exercícios físicos do que nos estu­
dos. Entretanto, já então desenvolveu aquela piedade
máscula que deveria, mais tarde, caracterizar o homem
maduro. Foi naquele colégio que Edouard pediu e rece­
beu a admissão à Congregação Mariana.
Afinal, não deve ter-se saído tão mal nos estudos,
porque, em Outubro de 1869, a célebre Academia Militar
de S. Cyr abriu-lhe as portas. Mas, também desta vez,
seus estudos teóricos, pelo menos por enquanto, não
deveríam ir longe. Irrompeu a Guerra Franco-Alemã,
em 1870, e Edouard alistou-se no exército como 29 Te-
88
nente. De tal forma distinguiu-se ele que, em pouco
tempo, foi promovido ao posto de capitão. Coutava
apenas 19 anos de idade.
A França perdeu a guerra e expulsou a Deus do
governo e das instituições públicas. Claro que os laicis-
tas não gostassem de um oficial que, em tudo, se mos­
trasse católico decidido. Foi apenas em 1906 que de
Castelnau foi promovido a general de brigada.
Os prenúncios de uma nova guerra fizeram com que
os dirigentes da França procurassem oficiais competen­
tes para organizar a defesa. Escolheram a Castelnau,
em 1913, para chefe do Estado Maior, sob o comando
de Joffre. Como chefe do departamento principal do
Estado Maior, Edouard criou o vasto sistema de mo­
bilização.
Sobreveio a primeira Guerra Mundial. Como co­
mandante do exército da Alsácia-Lorena, defende Nancy
com pleno êxito (9-9-1914). E’ chamado para coman­
dar o 29 Exército. Depois confiam-lhe tarefas especiais
como Conselheiro do Comandante em Chefe. Quando a
situação nos Balcans se torna crítica, é enviado para
lá, de onde volta com a satisfação de ter conseguido
o escopo de sua missão difícil.
Mas espera-o outro problema cruciante. Os ale­
mães ameaçam tomar a importantíssima fortaleza de
Verdun. Nesta emergência, mais uma vez a escolha cai
sobre Castelnau. Três dias depois do início do ataque
alemão (21-2-1916), recebe ordens de seguir para o tea­
tro onde se desenrola cena tão aflitiva. Tem plenos
poderes de fazer o que achasse conveniente. Dando-se
conta do perigo extremo, ordena que a margem direita
do Mosa fosse defendida a todo custo. Voltou a Chan-
tilly somente quando a posição estava segura.
Depois da guerra, o general de Castelnau entrou
na câmara dos deputados como reprèsentante de seu
departamento natal, Aveyron. Serviu como presidente
- da comissão do Exército. Politicamente afiliou-se ao par-
89
tido conhecido pelo nome de “Entente démocratique et
sociale”.
Os últimos anos da sua vida caíram na triste épo­
ca da ocupação da França pelos alemães. Mas a mes­
ma generosa submissão sob a vontade de Deus que já
manifestara por ocasião da morte de seu filho mais
moço, proporcionou-lhe também desta vez a força moral.
Esta submissão vinha-lhe de uma longa e intensa vida
de oração, alimentada pela Comunhão quase diária.
Na festa de S. José, aos 19 de Março de 1944, Edou­
ard de Castelnau morreu, em Vichy. Dos seus 92 anos
de vida, tinha passado perto de oitenta sob a bandeira
azul de Nossa Senhora. Sob esta bandeira sofrerá e
vencera.
“Católico abertamente, püblicamente” foi a divisa
do grande soldado da França e de Nossa Senhora.
38.
LUDWIG PFYFFER
Referindo-se aos habitantes da cidade de Lucerna
(Suíça), escreveu, em 1574, o Provincial P. Paulo Hof-
faeus, S. J., para Roma: “Este povo tem muito amor
à religião e ao serviço das armas”.
Exemplo que ilustra a verdade desta afirmação,
no-lo oferece o congregado Ludwig ou Luís Pfyffer.
Em 1483, estabeleceu-se na cidade sobre o Lago dos
Quatro-Cantões a antiga família suíça dos Pfyffer que,
durante séculos, devia dar à Igreja e à pátria homens
de alto valor. Luís, um dos mais célebres deles, nas­
ceu, em Lucerna, no ano 1530. Toda a sua vida deveria
ser uma única luta, não só nos campos de batalha, tintos
de sangue humano, mas ainda na arena política, onde ele
se batia pelos bens e direitos mais sublimes.
Sua vida, passou-a na época da assim chamada “re­
forma protestante” e das guerras religiosas, decorrentes
da revolução contra a Igreja Católica.
90
Ainda jovem, Luís percebeu as consequências políti­
cas desta revolução. Percebeu, também, que uma reforma
era necessária em muitos lugares. Sucessivamente de­
veria usar suas forças e seu tino de homem de estado,
sua fortuna e sua influência para levar os remédios
indicados nas diversas circunstâncias.
Viu como, em França, a reforma protestante levava
à guerra fratricida e ameaçava o próprio trono real que,
embora seus ocupantes não. fossem os representantes
mais dignos do catolicismo, era um esteio da autorida­
de e da religião.
Corn 23 anos de idade, alistou-se Luís num regimen­
to suíço que estava ao serviço da coroa francesa. Com
todo o ardor de uma alma ideal pegou em armas, dis-
tinguindo-se de tal forma por sua bravura, que, após
a batalha de Dreux (1562), foi promovido ao posto de
coronel e, pouco mais tarde, recebeu a nomeação ho­
norífica de “Capitão-Tenente” dos guardas suíças. •
Nesta qualidade levou a Maux 600 suíços católicos
em auxílio de Carlos IX da França e conseguiu condu­
zir o monarca a Paris, frustrando todos os ataques de
Condé. Saint-Denis, Jarnac e Moncontour foram outras
batalhas em que o nomè de Pfyffer se cobriu de glória.
A, vitória de Moncontour deveu-se aos esforços pessoais
do oficial suíço, e o rei reconheceu-o, concedendo-lhe o
privilégio de usar três flores de lis no brasão dos Pfyf­
fer. Repetidas vezes, Carlos IX afirmou que devia sua
coroa à bravura e fidelidade de Luís.
Este, porém, reconhecia que tinha chegado o mo­
mento de voltar à pátria e dedicar todas as suas for­
ças à causa católica. De regresso a Lucerna, foi nomea­
do “avoyer”, i. é, presidente ou governador de seu can-
tão, posição em que se conservou até sua morte. E tal
foi sua influência sobre seus compatriotas, que foi ape­
lidado “rei dos suíços”, Com tacto raro, entretanto, evi­
tou tudo que pudesse prejudicar as formas republicanas.
A tarefa que o esperava não foi fácil. Seu pais na­
tal estava passando por um período crítico. A Confede-
91
ração Helvética estava dividida em dois campos: de
um lado, os sete cantões ou Estados que se conservaram
fiéis à Igreja Católica, do outro, os que admitiram as
doutrinas protestantes. E estes eram os mais fortes.
Luís, que, além de militar excelente, foi também
eminente homem de estado, sentia os perigos que amea­
çavam Igreja e Estado. Incluiu no seu programa de ação
a reforma do clero, o restabelecimento do esplendor do
culto divino e a fundação de uma escola superior para
clero e leigos, renovando assim o povo inteiro.
Ao mesmo tempo percebia claramente que não bas­
tava defender a Igreja no seu estado natal. Por isto, uniu
os sete cantões na “Aliança Áurea” (1586) e favoreceu
a “Liga Católica” no3 regimentos suíços. Mais ainda.
Sabendo que as diferentes nações não podem levar vi­
da individualista, conduziu ainda, por duas vezes, tro­
pas, suíças para a França contra os huguenotes (1567
e 1585). Recomendou em toda a parte a Liga de S.
Carlos Borromeu e promoveu a aliança dos cantões ca­
tólicos com a Espanha (1587).
Os Capuchinhos trabalhavam com grande sucesso
na renovação espiritual das populações rurais. Aos Pa­
dres da Companhia de Jesus quis confiar a execução
de seus planos de reforma em Lucerna. Quis que eles
abrissem um colégio naquela cidade. Não foi fácil a rea­
lização do projeto. O P. Geral dos Jesuítas, em Roma,
julgava não poder atender aos instantes rogos, por fal­
ta. de pessoal. Mas uma ordem formal do Papa Gregó-
rio XIII levou os primeiros Jesuítas a Lucerna, em 1574.
Luís mostrou-se o maior benfeitor deles, gastando
de seu bolso muitos milhares de florins para dar-lhes
igreja e colégio. Entrou também na CM que os Padres
fundaram. Teve ainda a satisfação de ver realizado um
dos seus grandes desejos: o Santo Padre enviou um
Núncio Apostólico para a Suíça.
Rico em merecimentos, morreu o bravo lutador pe­
la causa católica, no dia .16 de Março de 1594.
/
92
39.
JOÃO III SOBIESKI
Entre as mais antigas famílias da Polônia conta-
se a^ dos Sobieski, perdendo-se suas origens na escuridão
histórica dos séculos 99 e 109. Grande é o número de
seus valentes filhos que lutaram heroicamente pela fé
católica e pela pátria estremecida. Oom razão, João
Sobieski escreve: “As únicas guerras que menciono com
gosto são as guerras santas. Os heróis, dos quais me
orgulho de ser descendente, com seu sangue tingiram a
terra dos infiéis”. E ele mesmo, o “Leão do Norte”,
supera a todos.
Nasceu aos 2 de Junho de 1624, em Olesko (Polô­
nia). Seu pai Jaime, o “Escudo da Liberdade da Polô­
nia”, foi castelão de Cracóvia; sua mãe Teófila, neta
do grande Zolbiewski. Essa senhora, digna consorte do
bravo castelão, defendeu honra e vida contra um ban­
do de tártaros, no ano em que João nasceu. Ela fundou
um convento de Dominicanos para que sempre se ofere­
cessem S. Missas pelos membros da família que mor­
reram em defesa da fé. Levava, todos os dias, seus fi­
lhos para a igreja onde jaziam os restos mortais destes
mártires, e, apontando o escudo no brasão da família,
repetiu as palavras da mãe espartana: “Ou com ele, ou
em cima dele”. E, se acrescentamos o conselho que o
piedoso pai deu aos seus dois filhos, quando de parti­
da para a corte de Luís XIV, onde deveríam completar
sua formação: “Na França, ocupai-vos da arte e da ciên­
cia; no que toca ao dançar, isto podereis praticar com
os tártaros”, temos a chave para a mentalidade que de­
via fazer de João não só um grande filho de sua pá­
tria, mas um dos maiores heróis da história.
Em Paris, João, que, por sua beleza, seu espírito
brilhante e seu saber, atraía sobre si os olhos de todos,
fez amizade profunda com o grande Condé e aproveitou
as lições que os mestres da arte militar lhe adminis-
93
traram. Antes de voltar para a pátria, João e seu irmão
Marcos visitaram a Itália e a Turquia, onde deveríam
conhecer em sua própria casa o inimigo mortal de seu
país.
Na sua volta, João tinha todas as qualidades de
um chefe. Além de uma sólida formação e prática re­
ligiosas, dispunha de vasta cultura (falava sete ou oito
línguas) e mostrou-se orador de eminente eloquência.
Seu valor e arrojo, unidos a uma notável prudên­
cia, fizeram com que em breve fosse nomeado grão-ma-
rechal da Coroa e, mais tarde, grão-mestre de campo.
A Polônia, também naquela época, via-se a braços
com muitas dificuldades. Estas provinham não somente
dos tártaros e dos turcos. O pior foi a constante dis­
córdia que dividia o país em facções que se digladia-
vam mütuamente. Em vista da miséria da pátria e na
esperança de salvação, escreveu um compatriota: “Fe­
lizmente, temos ainda Sobieski, o primeiro cabo de guer­
ra do mundo, ao qual ninguém pode agradar se não,
ao mesmo tempo, agradar a Deus”.
Este cabo de guerra servia com total abnegação
de si mesmo ao país, tanto na pacificação interna, co­
mo na defesa contra os inimigos exteriores. Aguentava
as manifestações da inveja e atendia ao primeiro chama­
do do rei, embora este o tivesse ofendido muitas vezes.
Intrigas é conjurações contra sua pessoa impediram-no
na defesa da importante fortaleza de Kaminiec. Agora,
choviam as calúnias. Sobieski reage, exigindo a anula­
ção do tratado vergonhoso de Budchac. Derrota os tur­
cos em Choczim, aos 11 de Novembro de 1673.
. Na véspera desta retumbante vitória, Miguel Kory-
but, rei da Polônia, morrera, vítima de sua intemperança.
Quem seria o novo rei? Nada menos que 16 candi­
datos esperavam poder cingir a coroa do Polônia. Sobieski
não estava entre eles. As potências européias, antes de
tudo a França, esforçavam-se por ganhar o trono po­
lonês para seus escolhidos. Mas, o ruteno Estanislau
94
Jablonowski propõe, na dieta, o nome do vencedor de
Choezim. E Sobieski foi eleito, “nemine contradicente”.
Seu governo está repleto de lutas e dificuldades,
mas também de triunfos, como o de Lemberg (24-8-1675).
E coube-lhe uma das mais brilhantes vitórias jamais
obtidas por um general em chefe: Foi, no dia 12 de Se­
tembro de 1683, diante das portas de Viena d’Ãustria,
quando, unidas as tropas dos congregados Leopoldo I,
imperador, Carlos de Lorena, do Príncipe Eleitor da
Baviera e de outros, derrotou a Kara Mustafa, ferindo
de morte o poderio militar dos turcos.
Antes, porém, de vencer .os muçulmanos, teve que
vencer o seu próprio coração. Desde sua juventude li­
gavam os laços da amizade Sobieski à França, ao passo
que teVe fundados motivos de descontentamento para
com os Habsburgos. Mas, tratando-se de defender não
só um país, mas a própria cristandade, esqueceu amiza­
de e rancor e pôs-se à frente dos exércitos. E foi assim,
sob a proteção de Nossa Senhora, que os irmãos con­
gregados venceram.
Oito anos mais tarde, o velho “Leão dó Norte” fez
a última campanha. Idade, desgostos e feridas mal ci­
catrizadas roubavam-lhe as forças. Uma clara previsão
da sorte, que aguardava seu país, encheu-lhe a alma
de tristeza.
No dia 17 de Junho de 1696, em Willanow, morreu
o grande rei da Polônia.
João III Sobieski sempre será nomeado, quando
se enumerarem os nomes de grandes monarcas e guer­
reiros. E sempre será memorado entre os verdadeiros
congregados. Na sua CM de Cracovia, ele e seu irmão
Marcos, em tempos idos, revezavam-se no ofício de fa­
zer as alocuçÕes. Lá hauria o espírito mariano que o
fazia vencer os inimigos da Cruz e o seu próprio coração.

95
40.
O DUQUE DE VILLARS
Um decreto do dia 19 de Julho de 1716 dissolveu
as Congregações Marianas dos Militares na França.
Jansenistas, professores da Sorbona e membros do par­
lamento de Paris, todos inimigos da Igreja, alcançavam
uma vitória. Mas mesmo a obediência mais abnegada
dos congregados militares não os protegeu contra ulte-
riores ataques e calúnias.
Foi então que o próprio Ministro de Guerra, o Ma­
rechal de França, Duque de Villars, se levantou em de­
fesa dos congregados e da CM. E falou com conheci­
mento de causa.' Pois, ele mesmo era congregado ma­
riano e celebrado chefe de exércitos.
Declarou: “Para mim, senhores, confesso, enquanto
estava à testa dos exércitos, nunca vi soldados mais ati­
vos, nem mais prontos a executar minhas ordens, nem
mais intrépidos que aqueles que pertenciam às Congre­
gações tão acusadas hoje”.
Cláudio Luís Heitor, Duque de Villars, Príncipe de
Martigues e Visconde de Melun, era filho de Pedro, de
Villars e de Marie de Bellefonds e nasceu em Moulin
(França) aos 8 de Maio de 1653.
A casa de Villars tinha dado à Igreja e ao país
muitos homens de virtude e valor. Esta tradição como
que se cristalizava em Cláudio.
Cedo encetou a carreira das armas no “Corpo de
Pajens do Rei” e, com 19 anos de idade, distinguiu-se por
sua bravura, na Holanda. Depois de uma missão diplo­
mática na corte da Espanha, serviu sob as ordens de
Turenne e Condé, sendo, em Senef, gravemente ferido.
Com 21 anos, foi promovido ao posto de Coronel da ca­
valaria. .
Salientou-se no assalto à cidade alemã de Freiburg.
Louvois, o famoso general, não simpatizou com 0 jovem
fogoso. Teria gostado de cortar-lhe a carreira brilhante-
96
mente iniciada. Mas Luís XIV apreciava-o muito. Por
isso, enviou-o a Viena d’Ãustria para que desfizesse a
aliança de Maximiliano Manuel, príncipe eleitor da Ba-
viera, com o imperador. Tendo conseguido o escopo de
sua missão, foi nomeado comissário geral da cavalaria.
Como Marechal de Campo serviu em Flandres (1683),
e, Tenente-General, fez a campanha do Reno (1691).
Irrompeu a Guerra de Sucessão de Espanha, e Vil­
lars obteve o comando de um exército que operou na
Alemanha. Ali distinguiu-se de tal forma por suas proe­
zas que foi promovido a Marechal de França.
Por causa de desinteligências com o príncipe elei­
tor da Baviera pediu sua demissão,' depois da sua bri­
lhante vitória de Hochstedt. Foi, então, encarregado
de pacificar as Cevenas, 'onde os “camisados”, um forte
grupo de fanáticos religiosos, espalhavam o terror, sa­
queando, incendiando e assassinando. Tal missão exi­
gia não só bravura, mas ainda muito tino político. E
também, desta vez, soube justificar a confiança de seu
governo.
Mais uma vez na Alemanha, teve que enfrentar o
Príncipe Eugênio e o general inglês Marlborough. Du­
rante a batalha de Malplaquet, uma bala atravessa-lhe
o joelho. O exército retirou-se em boa ordem, mas Vil­
lars teve que ser transportado a Versalhes, onde, por
mais de um ano, sofreu acerbas dores, tendo os médi­
cos já resolvido amputar-lhe a perna chagada.
Mas o velho cabo de guerra refez-se e, em 1712,
obteve a retumbante vitória de Denain. Seguiu um es­
paço de tempo que passou como governador ná Pro-
vença. Entretanto, seu elemento era a guerra. E assim
vemo-lo atravessar, de novo, o Reno a fim de forçar o
Príncipe Eugênio a retirar-se. Em nome de Luís XIV ne­
gociou a paz de Rastadt. E como recompensa de todos
os serviços prestados, foi feito par da França, recebeu
o Tosão de Ouro e entrou para a Academia Francesa.
Luís XIV concedeu-lhe o título de Marechal-General,
Marianos 7 97
distinção com que, até agora, somente Turenne fora
contemplado.
Em 1734, com 81 anos de idade, foi mandado para a
Itália, com o encargo de socorrer o rei da Sardenha.
Como nos seus melhores anos, desenvolveu grande ati­
vidade, expulsando os imperiais das províncias de Mi­
lão e de Mântua.
Desgostoso, porém, com o proceder do duque de
Sabóia, pediu demissão. Enquanto a aguardava, faleceu
em Turin, aos 17 de Junho de 1734.
Com ele desapareceu um grande soldado que devia
suas numerosas vitórias não somente à bravura, mas
ainda ao seu talento e espírito de trabalho indefectível.
Como membro do governo teve ocasião de defender
a Igreja contra o parlamento e os jansenistas. Fê-lo com
o ardor do guerreiro e a clarividência do político con­
sumado.
Assim, quando os jansenistas publicavam o parecer
de 40 advogados sobre questões religiosas que não fo­
ram da alçada deles, Villars opinou que bastava, para
restabelecer ordem e paz, enforcar 20 advogados, en­
carcerar outros 20 e banir 20 mais deles.
O governo só em parte seguiu o conselho do Ma­
rechal. Quem sabe se muitas coisas não teriam sido
diferentes e melhores para a França e o resto do mun­
do, se os ministros tivessem adotado a proposta inteira?
41.
FERNANDO II, IMPERADOR
Uma igreja de Ingolstad conserva ainda um qua­
dro que, antigamente, ornava a capela da Universidade
daquela cidade. De joelhos, aos pés de Maria, vêem-se
dois jovens nobres que, segurando-se pelas mãos, pare­
cem pedir a Nossa Senhora que abençoe sua amizade.
Um deles é o arquiduque Fernando. Um registo da
CM de Louvaina mostra ainda esta assinatura: “Fer-
98 s
nando II, imperador, Congregado da B. V, Maria, Mãe
de Deus”. Mais tarde, Fernando quis que seu nome fos­
se inscrito em todas as CC. MM. da Áustria.
Desde cedo sabia ele que precisaria do poderoso
auxílio de Nossa Senhora, embora não pudesse prever que
subiria ao trono imperial e se tornaria um dos prínci­
pes mais duramente provados durante a Guerra dos
Trinta Anos.
Nasceu Fernando aos 9 de Julho de 1578, como fi­
lho do arquiduque Carlos da Estíria.
Em 1595, entrou para a CM de sua cidade natal.
No ano seguinte, sucedeu a seu pai no governo da
Estíria, Caríntia e Carniola. Um dós seus primeiros atos
foi a abolição das disposições em favor da tolerância
religiosa, Pode isto parecer-nos, a nós homens modernos,
contrário aos princípios democráticos. Mas aquela “to­
lerância” não beneficiava a ninguém, provocando, mui­
to pelo contrário, muitas dificuldades sociais e políticas.
Este primeiro ato caracteriza a Fernando e seu go­
verno. Já então, reconhecia o princípio formulado muito
mais tarde por S. João Bosco: “No fundo de toda ques­
tão política há a questão religiosa”.
E segundo este princípio, Fernando agia.
Com seus primos Matias, Maximiliano e Maximilia-
no Ernesto formou, em 1605,, a assim chamada Liga
dos Arquiduques contra o imperador Rodolfo II, que,
por sua atitude indecisa, tanto prejudicou o império.
Fez parte, também, da Liga Católica, organizada pelo
duque da Baviera.
Matias, sucessor de Rodolfo, como não tivesse fi­
lhos, designou a Fernando para seguir-lhe no trono
imperial.
Em 1617, Fernando foi coroado rei da Boêmia; no
ano seguinte, cingiu, também, a coroa da Hüngria. Ime­
diatamente, tratou de restabelecer o catolicismo. Uma
sublevação privou-o — embora por pouco tempo — da
Boêmia. Na Hungria, as coisas tomavam um rumo mais
sério. Bethlen Gabor fez-se proclamar rei com o apoio
7 * 99
dos protestantes. Mas aí, mais uma vez, Fernando ven­
ceu e o usurpador perdeu a coroa roubada.
Agora, Inglaterra, Holanda e Dinamarca formaram
umá aliança contra Fernando II que, entretanto, fora
eleito imperador da Alemanha.
Sem tardança, o monarca organizou os exércitos que
entregou aos generais Tilly e Wallenstein. As vitórias
deles deram-lhe bastante poder para proclamar o famo­
so “Edito de Restituição” (1629). A Liga Católica ga­
nhou com isto maior influência, o que levou à queda
Wallenstein. Quando, porém, Tilly morreu, Fernando re­
correu de novo. a Wallenstein. Este, presa de ambição
desmesurada, traiu o imperador e a causa católica e
foi assassinado.
Fernando encarregou seu filho da guerra na Boêmia,
o qual conseguiu derrotar os suecos que também entraram
em guerra contra o império. Muitos príncipes alemães,
esquecidos do seu juramento, faziam causa comum com
os invasores estrangeiros.
Perdas territoriais e desvirtuação do “Edito de Res­
tituição” foram as consequências.
O imperador, contudo, alcançou por meio das armas
muitas vantagens, mas nenhuma delas bastava para de­
cidir o resultado da guerra. E o imperador sentiu que
seus dias estavam contados. As muitas lutas e dificulda­
des haviam consumido suas forças físicas, mas não con­
seguiram quebrar sua vontade.
Fez eleger rei dos romanos a seu filho Fernando III.
Aos 15 de Fevereiro de 1637, a morte deu descanso ao
intrépido lutador pela causa católica.
Em toda a sua vida, .mostrara-se confiante filho de
Maria. Foi com o auxílio d’Ela que conseguiu dar uma
forma consistente à Áustria. Pois, nas terras de Fer­
nando II, a fé católica, que é uma só em seus dogmas
e na interpretação deles, forneceu a base sólida sobre
a qual iria erguer-se um estado homogêneo.

100
42. :■ )í m / v o

TORNANDO-SE CÉLEBRE
Já muitos soldados do “exército azul” desfilaram
diante do nosso olhar admirado. Uns ganharam fama
como cientistas, outros como guerreiros, estes como
guias de povos, aqueles como escritores ou artistas. A
todos é comum seu grande amor à Mãe de Jesus. To­
dos devem muito da sua celebridade à Congregação
Mariana.
Segundo prognósticos puramente humanos, o ma­
riano que apresentamos aqui não tinha muitas esperanças
de ocupar um lugar na galeria dos “Marianos Célebres”.
Sua vida exterior foi tão simples. Até quer-nos parecer
que, em alguns de seus empreendimentos, teve pouco
êxito — se aplicamos medidas humanas.
Numa pequena povoação bávara, de nome Potten-
stein, nasceu, aos 10 de Julho de 1868, um menino. Seu
pai chamava-se João Reus e era dono de um açougue,
sua mãe era Ana Margarida Reus.
O pequeno recebeu na pia batismal o nome de João
Batista. Com o correr dos anos fazia.o que, normalmen­
te, todos os meninos fazem: foi à escola e fez a Pri­
meira Comunhão. Em seguida, frequentou o ginásio. Se
houve coisa especial nesta jovem vida, foi um terno amor
a Jesus e Maria.
Este amor, entretanto, foi bastante forte para pro­
teger contra muitas tentações o moço que estava fazen­
do seu ano de serviço militar. Manáfestou-se este amor
também na escolha do estado de vida. O jovem João
Batista quis seguir a Nosso Senhor, no sacerdócio. Em
1890, entrou para o seminário maior de Bamberg. Fato
interessante: ele, que tanto tempo tinha refletido sobre
sua vocação e alcançado a clareza de que esta era^a
vontade de Deus, no primeiro dia de seminarista não
se sentiu bem à vontade. Mas, resolutamente, combateu
movimentos da alm*» ^ue queri&m indispô-lo com os de-
101
sígnios de Deus. Foi seminarista modelar e, depois de
três anos de estudos de teologia, recebeu a unção para
o sagrado ministério.
O P. João, porém, ainda não estava satisfeito. Que­
ria valer-se dos meios especiais para sua santificação,
tais como os oferecia a vida nas Ordens religiosas. Jul­
gava que para ele o instituto mais apropriado seria a
Companhia de Jesus. E o futuro deveria provar que não
se enganara. Mas, por enquanto, não conseguiu realizar
seu santo desejo. Os superiores hierárquicos julgavam-no
indispensável nos trabalhos da arquidiocese de Bamberg.
O P. João, porém, confia no poder da oração. E, de
fato, aos 16 de Outubro de 1894, entra para o noviciado
da Companhia de Jesus. Nesta escola de santidade só
precisava seguir o rumo que tomara como cura de al­
mas em Neuhaus, quando ainda sacerdote secular: en­
tregar-se, sem reservas, nas maos de Nosso Senhor.
Depois de percorridos os cursos filosófico e teológi­
co de praxe na Companhia de Jesus e retemperado sua
alma no Terceiro Ano de Provação, o P. João foi man­
dado ao Brasil, onde chegou em 15 de Setembro de 1900.
Durante um decênio dedicou-se, na cidade do Rio
Grande, ao ensino e à cura de almas. Uma grande ale­
gria causou-lhe sua transferência para Porto Alegre.
Pois na capital gaúcha deveria dirigir a CM “Mater
Ter Admirabilis”. Seu coração, tão amante de Maria,
rejubilava. De corpo e alma dedicava-se à sua tarefa
de Diretor. Visitava constantemente as famílias dos
congregados, rezava por eles e fazia penitência. E, con­
tudo, ele não conseguiu grande coisa nesta CM. Quem
sabe, porém, se não foram as orações e austeridades
do P. Reus que causaram o florescimento desta mesma
CM em anos posteriores?
O certo é que, em 1913, o Padre foi mandado para
São Leopoldo, onde, por espaço de um ano, foi vigário.
Em 1914, recebeu a nomeação para Diretor espiritual
dos alunos dos seminários maior e menor (São Leopoldo),
cabendo-lhe assim também a direção das respectivas Con-
102
gregações Marianas. No mesmo ano ainda, foi encarre­
gado da CM das alunas do Colégio São José. Ao passo
que permaneceu Diretor desta CM até o ano de 1923, foi
substituído na direção das duas outras em 1917, dedi­
cando-se de ora em diante ao ensino.
Ambas as atividades tiveram como fruto concreto
duas publicações valiosas. O P. Reus escreveu um pe­
queno “Catecismo das CC. MM.”, que, em 1935, teve
sua quarta edição. Como lente de liturgia, escreveu a
avultada obra: “Curso de Liturgia”.
Mas todos estes trabalhos não bastariam a dar ao
P. Reus a celebridade que está agora desfrutando.
Foi ele o objeto de provas especiais do amor de
Jesus e de Maria. Dons espirituais extraordinários mar­
caram sua santa vida. Desde o dia de sua morte, que
ocorreu aos 21 de Julho de 1947, muitas centenas de pes­
soas de todas as classes pediram e alcançaram sua in-
tercessão junto ao trono de Deus. E sua fama de
grande amigo de Deus e dos homens cresce de dia para
dia, em todos os países, até o longínquo Japão.
Naturalmente, não somos nós que temos o direito de
decidir sobre o caráter de todas estas manifestações.
Este direito pertence à autoridade eclesiástica. Mas na­
da impede que imploremos seu auxílio, seguindo o exem­
plo de muitos beneficiados por sua devoção ao P. João
Batista Reus.
43.
PELA CM À SANTIDADE
Porto Maurício, no litoral genovês (Itália) ainda
hoje é uma pequena cidade com apenas uns 9.000 habi­
tantes. Não obstante, é conhecida em todo o mundo
graças a um filho seu que galgou os cumes da santidade.
Foi um dia de festa para o casal Domingos Casa-
nuova e Ana Maria Benza aquele 20 de Dezembro de
1676, em que lhes nasceu um menino ào qual deram
o nome de Paulo Jerônimo.
103
Cedo manifestou-se em Paulo uma sólida piedade cris­
tã. Ainda muito novo, transferiu-se para Roma, onde
vivia na casa de um tio e frequentava o Colégio Romano,
dirigido pelos jesuítas. Seu pedido de admissão à Con­
gregação Mariana foi recebido com agrado, pois o re­
querente distinguia-se tanto por sua conduta exemplar
como pelo aproveitamento nos estudos. Tornou-se mem­
bro bem ativo da CM, explicando, com grande zelo, a
crianças e adultos o catecismo. Aos domingos e dias
santos, levava os ociosos a ouvir o sermão.
Aos 2 de Outubro de 1697, entrou para o noviciado
da Ordem dos Observantes Reformados de São Francis­
co, em Ponticelli de laJ3abina, apesar da forte resistên­
cia do tio. Depois de sua ordenação, Leonardo de Porto
Maurício, que assim se chamava desde que entrou no
noviciado, foi nomeado professor de filosofia. Deus,
porém, tinha outros planos para o jovem sacerdote. Ele
ficou tísico. Os superiores fizeram tudo para conservar,
uma existência tão esperançosa. Mandaram-no para Ná­
poles. Não adiantou nada. Determinaram que fosse ten­
tar a cura com os ares de sua cidade pátria. Foi em vão.
Leonardo, entretanto, aproveitou este tempo de ina­
tividade forçada para rezar. Durante cinco anos acumu­
lou aqueles tesouros de sabedoria sobrenatural que hau-
ria das fontes da meditação e que iria distribuir tão ge­
nerosamente mais tarde. Finalmente, Nossa Senhora al­
cançou-lhe a saúde completa.
Agora, Leonardo pediu com insistência que fosse
mandado para a China a fim de anunciar Cristo aos
pagãos. Mais uma vez, não viu realizado seu desejo. E’
que Deus lhe tinha reservado a Itália como campo de
ação. Como missionário percorreu-a quase toda. E ele,
que fora um pobre tísico, tinha agora forças para tra­
balhos pesadíssimos.
Pregava diante de auditórios de quinze a vinte mil
pessoas. De uma feita, falou diante de cem mil fiéis e
foi ouvido e compreendido até nas últimas fileiras.
104
Não se contentou com os sermões. Escreveu livros
sobre a doutrina cristã e a vida espiritual, propagava
a devoção da Via-Sacra. Foi ele que erigiu no Coliseu
de Roma as estações da Via-Sacra. Grande foi sua
devoção à Imaculada Conceição de Nossa Senhora.
Como congregado em Roma, Leonardo chegou a co­
nhecer a importância dos retiros espirituais. Quando foi
nomeado guardião do convento de S. Francisco dei Mon­
te, em Florença, o Grão-Duque Cosme III deu-lhe de
presente uma casa solitária, nos arredores. Aí se retira­
va de tempos em tempos para rezar. E para lá levava lei­
gos aos quais dava os Exercícios Espirituais de Santo
Inácio.
Em 1730, foi chamado para Roma, onde passou lar­
gos anos, estimado pelos Papas Clemente XII e Bento
XIV. A este, também congregado, Leonardo teve que
prometer que morrería em Roma. Em 1751, Bento XIV
enviou seu amigo em missão para Bolonha. Quando,
aí, sentiu 'os primeiros sinais da morte que se aproxi­
mava, apressou-se, em obediência à promessa feita ao
Sumo Pontífice, em voltar à Cidade Eterna, onde fa-
leceú aos 26 de Novembro daquele ano.
São Leonardo foi canonizado por Pio IX, no dia
29 de Junho de 1867.
O P. Drive diz de nosso mariano: “Este célebre fi­
lho de São Francisco dizia humildemente que, se tinha
feito algum bem e, principalmente, evitado o mal, na
sua juventude, ele o devia à graça de ter pertencido
à Congregação Mariana”.
44.
SÃO FIEL DE SIGMARINGA .
O sacrifício da vida em testemunho, da fé católica
não é efeito de um entusiasmo momentâneo e, muito
menos, do fanatismo religioso. O martírio é a coroação de
uma vida passada na prática de todas as virtudes cristas.
105
»
Um exemplo disto oferece-nos São Fiel de Sigma-
ringa, congregado mariano.
Nasceu ele na cidade de que deriva o apelido, em
1577, como filho de João Roy e de Genoveva Rosen-
berger. O pai, que era prefeito da cidade, deu-lhe o no­
me de Marcos. Cedo a morte arrebatou-lhe seu proge-
nitor. Mas quis Deus que excelentes tutores dessem ao
menino uma sólida educação católica. E Marcos corres­
pondeu às graças que estava recebendo. Brilhantes re­
sultados rios estudos, modéstia encantadora, profunda
piedade, inocência imaculada e vida mortificada distin-
guiam-no desde cedo entre seus colegas.
Estudou a jurisprudência na Universidade de Fri­
burgo (Alemanha). Foi aí que entrou para a Congrega­
ção Mariana. Concluiu o curso acadêmico em 1603.
Agora vários jovens da nobreza do país pediram
a Marcos que, na qualidade de tutor, os acompanhasse
numa viagem pelos diferentes países da Europa. De bom
grado este aceitou, vendo que, desta forma, podia au­
mentar seus conhecimentos. De volta à pátria, foi-lhe
conferido o título de “Doctor utriusque Juris” e esta­
beleceu-se, em Ensisheim, como jurisconsulto.
Embora., em breve,. conquistasse a confiança plena
do governo e a significativa qualificação de “Advogado
dos Pobres”; não pôde deixar de observar que a profis­
são, que estava exercendo, oferecia muitos perigos para
sua alma.
Resolveu entrar na Ordem dos Capuchinhos. Em
1611, pediu a admissão no convento desta,ordem em
Altdorf (Suíça). E ainda antes de ter feito o noviciado
e pronunciado os votos religiosos, foi ordenado sacer­
dote. Só agora é que ele fez o ano de provação e os
estudos tèoíogicos.
Tendo trabalhado em vários conventos da Suíça,
foi, em 1621, nomeado para o cargo de guardião em
Feldkirch (Vorarlberg, Áustria), onde desenvolveu aben­
çoada atividade apostólica. A recém-fundada Congrega-,
ção de Propaganda Fide, em Roma, chegou a sa-
106
ber disto. Deu-lhe a incumbência de dirigir a Missão
estabelecida no Cantão de Grison. Nesse país, os assim
chamados reformados” perseguiam os católicos a fer­
ro e fogo. O Bispo de Coira, várias vezes, teve que fu­
gir. Frei Fiel, como Marcos se chamava desde que en­
trou na Ordem dos Capuchinhos, conseguiu consolar e
fortalecer os católicos e reconduzir muitos protestantes
ao seio da Igreja Católica.
Isto provocou a ira e vingança dos pregadores que
instigavam os campônios contra o missionário.
No dia 24 de Abril de 1622, apesar de conhecer os
planos nefandos dos adversários, Frei Fiel dirigiu-se pa­
ra Sevis, onde, a convite dos camponeses fanatizados,
deveria pregar. Na mesma manhã, em Feldkirch, de­
pois de uma confissão geral, tinha rezado a S. Missa.
Já durante o sermão, atiraram sobre ele. Mas o tiro
não o acertou. Não obstante a atitude ameaçadora da
população, encetou o caminho para Gruesch. Nunca lá
chegou. Um bando armado atacou-o e o matou a paula­
das e punhaladas, a pouca distância de Sevis.
Bento XIV, também mariano, decretou as honras
dos Santos ao Protomártir da Ordem dos Capuchinhos
e da Congregação de Propaganda Fide.
45.
“ESTRÊNUO PROPUGNADOR DAS CONGREGAÇÕES
MARIANAS”
No dia 4 de Março de 1952, morreu um homem
que, com toda justiça, mereceu o apelido de “Estrênuo
Propugnador das Congregações Marianas” e adquiriu
todos os títulos para ser contado entre os “Marianos
Chamava-se este grande filho de .Maria Emílio Vil-
laret, sacerdote da Companhia de Jesus. •
Nascido em Lille (França), aos 21 de Junho de
1876, festa de S. Luís Gonzaga, chegou a conhecer a CM
107
no Colégio dos Jesuítas de sua cidade pátria. Pediu e
recebeu a admissão às falanges marianas. Vivendo uma
vida de congregado genuíno, sentiu o desejo de trilhar
as sendas da perfeição cristã e, como ele mesmo diz,
“sob a luz e direção de Maria”, recebeu a graça dupla
da vocação religiosa e sacerdotal. Aos 15 de Setembro
de 1897, entrou para o noviciado da Companhia de Jesus.
Durante os longos anos de formação não perdeu de
vista a CM, de modo que, logo depois de acabados os
seus estudos teológicos, os superiores chamaram-no pa­
ra dirigir Congregações Marianas. Entre as duas pri­
meiras CC. MM. de Lille que foram confiadas ao zelo
do P. Villaret, era aquela que o recebera em suas fi­
leiras, quando ainda estudante d'o colégio.
Em 1922, foi nomeado Promotor das CC. MM. da
Província de Champagne (França). Mas, já três anos
mais tarde, o então superior geral da Companhia de
Jesus, Revmo. P. Wlodimiro Ledóchowski, chamou-o pa­
ra Roma, onde se dedicou a trabalhos administrativos.
Foi em Abril de 1929, que recebeu a sua nomeação
para Diretor do Secretariado Central das CC. MM. Es­
perava-o, neste posto, muito e difícil trabalho. Reconhe­
ceu a necessidade de criar um órgão que orientasse os
Diretores das CC. MM. espalhados pelo orbe. Pôs por
isto os fundamentos para a revista mensal “Acies Or-
dinata”. Para os chefes escreveu também o “Manuel
des Directeurs”.
O trabalho mais penoso foi a sua obra histórica
“Les Congrégations Mariales”. Por ocasião da supres­
são da Companhia de Jesus (1773), os arquivos foram,
em grande parte, destruídos ou séu conteúdo espalhado
pelos quatro ventos. Muitíssimas vezes, depois de ter
examinado, durante semanas, coleções inteiras de car­
tas e documentos que se referiam aos tempos ante­
riores à supressão, o P. Villaret teve que' confessar que
nada tinha achado. Doze anos de trabalho contínuo cus­
tou-lhe a elaboração do primeiro volume desta obra
importantíssima. Mas deu-nos um livro esplêndido.
108
Em vista dos esforços e do tempo que esta obra
exigia, os superiores livraram o P. Villaret das suas
Obrigações para com o Secretariado Central. Foi em
1935. Mas, em 1940, teve que reassumir o cargo de Di­
retor daquela entidade, até que, em 1948, fosse substi­
tuído definitivamente. Mesmo assim, sempre estava pron­
to a ajudar com seus conselhos e os tesouros de co­
nhecimentos adquiridos numa longa experiência.
No dia 24 de Fevereiro de 1952, o zeloso mariano
teve um colapso em consequência da arteriosclerose de
que sofria já vários anos. Avisado pelo médico de que
estava em perigo sua vida, imediatamente recebeu a
Extrema-Unção. Mas tinha ainda um desejo: que Deus
lhe concedesse umas poucas semanas para poder arran­
jar melhor suas notas para o segundo volume da história
das CC. MM.. Entretanto, estava totalmente conforma­
do com a vontade divina. Entre outras coisas disse:
“Estou contente que a causa da CM vai bem”.
Pouco depois das 22 horas do dia 4 de Março, en­
tregou o grande mariano sua alma nas mãos de seu
Criador. Momentos antes de sua morte, dissera: “Ofe­
reço a minha vida pelas Congregações Marianas para
que sempre sejam verdadeiras Congregações, segundo
seu genuíno espírito, e pela Companhia de Jesus”.
46.
SÃO PEDRO FOURIER
Na aprazível região montanhosa dos Vosges, em
Mirecourt, morava o piedoso casal dos Fourier. Aos
30 de Novembro de 1565, nasceu-lhes o primeiro de
seus cinco filhos que, na pia batismal, recebeu o nome
de Pedro Seus pais deram-lhe uma esmerada educa-
çL, mandando-o, quando tinha 13 anos de idade, para
o colégio de Pont-à-Mousson, dirigido pelos padres da
Companhia de Jesus. O jovem distinguiu-se tanto por
sua admirável pureza quanto por seus progressos magm-
109
ficos nos estudos — adquiriu excelentes conhecimentos
do grego e da matemática — e, por isso, de boa von­
tade foi-lhe concedida a admissão à Congregação Ma­
riana.
Completados os estudos humanisticos, Pedro entrou,
com vinte anos de idade, para a abadia dos Conegos
Regulares de Chamousey. Depois da sua ordenação sa­
cerdotal, voltou, por ordem de seus superiores, à Univer­
sidade de Pont-à-Mousson, coroando o seu labor cientí­
fico com o doutorado em teologia. Ao voltar à abadia,
foram-lhe oferecidas várias paróquias. Pedro escolheu
a mais pobre e a mais difícil, a de Mattaincourt, meia
hora acima de Mirecourt, sua terra natal. Já sabia que
sua paróquia era um campo pedregoso. Falta quase
completa de fé e uma tremenda dissolução dos costu­
mes caracterizavam-na.
Mas o novo pastor não levou muito tempo para mu­
dar totalmente o triste aspecto da sua frequesia. Usa­
va, antes de mais nada, a poderosa arma da oração
para reconduzir ao redil as ovelhas desgarradas. No
entanto, sabendo quanto as condições materiais influíam
sobre a vida de fé e moral, tomou a peito, também,
os interesses temporais dos seus paroquianos.
Fundou um instituto de crédito, a “Bolsa do Espí­
rito Santo”, que emprestava, sèm juros, as quantias
necessárias para que pequenos negociantes se pudessem
salvar da ruína. Sua qualidade de juiz de paz (“chef
de justice”) ofereceu-lhe outra ocasião de fomentar a
harmonia entre seus filhos espirituais.
Uma obra de grande projeção foi a fundação da
Congregação de Notre-Dame. Cinco moças tinham-se reu­
nido para. levar vida religiosa. Em 1598, o P. Pedro
Fourier abriu a primeira escola gratuita para meninas,
confiando-a às religiosas de Notre-Dame. Outras paró­
quias pediram escolas desta espécie ê o Bispo de Toul
fez-se advogado da causa tão louvável quanto importan­
te, perante a Santa Sé. E esta aprovou a obra.
110
Quase na mesma época, o P. Pedro começou a re­
forma dos Conegos Regulares, fundando um novo insti­
tuto religioso, a Congregação dos Cônegos Regulares de
Nosso Salvador, da qual os membros da antiga ordem
podiam fazer parte depois de um ano de noviciado e a
renovação de sua profissão religiosa. Também esta con­
gregação deveria, em primeiro lugar, dedicar-se à edu­
cação da juventude. Durante longos anos, contra sua
vontade, Pedro Fourier teve que dirigir este instituto
como Superior Geral.
Em Outubro de 1634, o rei Luís XIII da França
exigiu de todos os superiores eclesiástico^ e civis da Lo-
rena 'o juramento de fidelidade. O seu patriotismo e o
amor à casa reinante de Lorena proibiram a Pedro a
prestação desse juramento. Por isto, fugiu para Gray,
no Franco Condado, onde faleceu aos 9 de Dezembro
de 1640, sendo seu corpQ sepultado em Mattaincourt.
O grande Leão XIII inscreveu seu nome no catálogo
dos santos.
' O que este santo congregado dizia das religiosas
da Congregação de Notre-Dame: “Elles sont de Notre-
Dame; c’est Notre-Dame qui a conçu, élevé, nourri leur
congrégation; Notre-Dame les appelle, les soutient, les
relève, les aide à persévérer” 1, pode ser aplicado a ele
mesmo.
47.
UM PRESIDENTE DE REPÜBLICA
Gabriel Garcia Moreno, Presidente da República do
Equador, está inspecionando a estrada de Guamote. Em
dado momento, tira do bolso um terço «um *
rio e, mostrando-os aos que o rodeiam, diz. q
estas armas espirituais contra os inimigos da alma; to-

~ S££: «m®
----- são de Nossa Senhora. Foi Ela quem concebeu,

111
dos devem tê-las”. Depois, puxou dois revolveres, acres­
centando: “Estas armas são contra os inimigos do corpo”.
Palavras caracterizantes: assim ele e. Reza como
um monge. E’ valente como um Bayard.
Entretanto, aquele menino que, em Guayaquil (Equa­
dor), aos 24 de Dezembro de 1821, nascera como últi­
mo dos oito filhos com que Deus abençoou a união de
Don Gabriel Garcia Gómez e Dona Mercedes Moreno,
não parecia ser feito para a vida laboriosa e as bravu-
ras guerreiras que, um dia, seriam o seu quinhão. Pois,
era de constituição muito delicada e extremamente me­
droso.
A atmosfera religiosa do lar, porém, e a educação,
administrada por um pai prudente, deveríam transformá-
lo num homem cuja capacidade de trabalho e coragem
audaciosa espantariam, mais tarde, o mundo.
Cultivava Garcia Moreno a sua brilhante inteligên­
cia nos estudos sólidos que lhe proporcionava a Univer­
sidade de Santo Tomás de Quito, alargando, ao depois,
seu já vasto e profundo saber em Paris. Interessado de
um modo especial pelas ciências naturais, realizou, tan­
to como estudante de direito como quando já advogado,
perigosas explorações nas crateras de vulcões.
Em -1845, casou-se com Dona Rosa Ascasubi. Mas
as circunstâncias políticas do seu país não permitem
que Gabriel desfrute, por muito tempo, a felicidade se­
rena de um lar harmonioso.
O General Flores põe em perigo a pátria com os
seus planos de atraiçoá-la. Ameaça a revolução em
Guayaquil, e Garcia é mandado para lá como governa­
dor militar e civil. Em breve tempo, o destemido co­
mandante restabelece ordem e tranquilidade. Pelo me­
nos, para o momento. E, de ora em diante, a sua vida
é dedicada à defesa e à prosperidade de seu país. Tem­
pos de guerra e convulsões revolucionárias revezam-se
com penodos de paz. O nosso mariano está sempre na
primeira fila, seja como parlamentar e jornalista, seja
como general do exército ou presidente da república.
112
Conseguiu reorganizar o exército e o sistema esco­
lar. Construiu pontes e estradas. Pôs as finanças em
ordem e livrou o funcionalismo público da corruncão
e venalidade.
A força para tudo isto, encontrava-a em sua rica
vida religiosa. Esta preservava-o dos perigos da ambi­
ção e do orgulho.
Para conhecer seu pensamento íntimo basta contar
como Garcia Moreno ingressou na Congregação Mariana.
O R* Terenziani convidou-o para entrar na CM
dos Senhores. Mas o Presidente da República temia
que a sua presença ali coartasse a liberdade dos mem­
bros que não partilhavam o seu credo político. Mas,
logo, Don Gabriel encontrou a solução. “Padre Teren­
ziani”, disse, “V. Revcia. está equivocado: o meu lugar
é com o povo. Serei congregado da Virgem Santíssima '
na Secção dos Operários”. E assim o fez.
Garcia Moreno .foi um homem de oração e peni­
tência. Assistia à santa Missa todos os dias, comungando
três ou quatro vezes por semana — o que, para um
leigo, era coisa fora do comum, naquele tempo. Todos
os dias, rezava o terço do Rosário, ora com a sua
família, ora. com operários, ora sozinho. Com exceção
dos domingos, usava sempre instrumentos de penitência.
Foi ele quem consagrou o seu país ao Sagrado Coração
de Jesus.
Assim não é de admirar-se que estivesse perfeita-
mente preparado para a morte violenta à qual a maço-
.naria o condenou.
Foi no dia 6 de Agosto de 1875, que era a Primei­
ra Sexta-Feira do Mês, que o horrendo crime deveria
ser perpetrado. E com que. impaciência esperam os ver-
dugos pelo momento propicio! De manhã, ao sair o Pre­
sidente da santa Missa, na qual recebera o divino Hóspede,
a grande massa de povo poderia tornar-se perigosa.
Esperam-no, depois do meio-dia, à porta da catedral,
onde ele permanece em longo colóquio com Jesus sacra­
mentado. E’ demais. Vão chamá-lo sob um pretexto
Marianos 8 113
qualquer. E, na escadaria do palácio, o capitão Fausti-
no Rayo mata o chefe da nação. A última palavra do
mariano moribundo é: “Deus não morre!
48.
O “SANTO DO TESOURO”
Se você estiver em Londres e quiser fazer uma via­
gem rápida à capital da Irlanda, pegará o trem na
Euston Station que o levará a Holyhead, na ponta ex­
trema do condado galês de Angelsey. Ali embarcará
num dos velozes vapores que, depois de algumas horas
de travessia mais ou menos agitada, aportará em Dun
Laoghaire, que é uma cidade portuária, situada na baía
de Dublin, a 10 kms. de distância da capital da Ilha
Verde. Dun Laoghaire (ou: Kingstown, como os ingle­
ses a chamam) é uma cidade pequena, com talvez 20.000
habitantes. Mas é porto importante.
Naquela pequena cidade, viu a luz, aos 16 de Agos­
to de 1901, João Antônio McGuinness, um dos dez fi­
lhos com que Nosso Senhor abençoou seus pais.
Como sua cidadezinha natal, João Antônio vivería
uma vida de dimensões limitadas, segundo medidas hu­
manas. E como a área diminuta de Dun Laoghaire não
impede que tenha grande importância como porto marí­
timo, assim as condições simples de vida não impedirão
que McGuinness alcance importância enorme para os
nossos tempos. Pois, nele apresenta-se-nos o congrega­
do modelar. Pertencia à CM sediada na igreja de S.
Francisco Xavier, na Upper Gardiner Street, em Dublin.
A primeira juventude de João Antônio não se dis-
tinguia da de outros meninos de sua época. Frequentou
o colégio dos Irmãos Cristãos da Irlanda.
Adolescente, vivia na época caracterizada pelas lu­
tas sangrentas que' trouxeram, afinal, aos irlandeses a
liberdade. Parece que João Antônio não tomou parte
ativa nessas lutas. Com o seu temperamento corajoso
114
e decidido, provàvelmente, não teria sobrevivido à guer­
ra de independência. E Deus o tinha escolhido para
missão diferente.
Em todo o caso, o jovem entrou para o serviço pú­
blico e já que os laços que até então uniam politica­
mente as duas ilhas, a Irlanda e a Inglaterra, não esta­
vam ainda completamente cortados, o jovem funcioná­
rio foi destacado para um posto em Londres. Não ficou
lá por muito tempo. Voltando para a terra natal, foi
nomeado para as repartições do Tesouro Nacional.
Tinha, então, vinte anos e gostava da vida esporti­
va. Era excelente nadador e ciclista e um entusiasta
do golfe. Jovial e alegre, não se incomodava com pro­
blemas. Nada tinha de especial a não ser, talvez, uma
consciência mais clara das suas obrigações de funcioná­
rio público. A vida corria-lhe amena. Estava satisfeito.
Mas Deus não o estava.
E Ele chamou a este jovem e encontrou-o pronto.
João Antônio tinha marcado um jogo de golfe pa­
ra certo dia de Fevereiro de 1924. Eis que um colega
de repartição o convida para tomar o lugar de um ou­
tro que se via impedido, no retiro espiritual a ser rea­
lizado na Casa de Retiro dos Jesuítas, em Milltown Park.
João Antônio tinha as suas objeções: o jogo de gol­
fe, nunca fizera um retiro fechado, e... Mas o amigo
não desistiu. E assim, o funcionário público foi fazer o
seu primeiro retiro espiritual. Deveria ser decisivo para
toda a sua vida.
Que terá passado entre esta alma de escol e seu
Criador, quando McGuinness meditava na primorosa ca­
pela do Milltown Park College, ou passeava, refletindo
sobre a finalidade de nossa vida, no vasto parque que
rodeia a casa de retiro? Não o sabemos.
Mas uma coisa está certa: João Antônio saiu da­
quele seu primeiro retiro outro homem. Fez-se inscrever
na Conferência Vicentina de N. Sra. da Estrada. Logo
comecou a fazer, em companhia de um veterano da
Conferência, as visitas de praxe às casas dos pobres.
Ter-lhe-á custado este primeiro contacto com a misé­
ria humana.
Ele estava acostumado a uma vida confortável; ti­
nha bom salário; frequentava os clubes esportivos; mo­
rava numa casa escrupulosamente limpa.
Mas ele via, além daquele esqualor deprimente, as
almas imortais que se sufocavam no lodo material e
espiritual.
Sua decisão estava tomada. Durante os seus restan­
tes 22 anos de vida, uma rotina imutável parecia ter-se
apoderado dele. Parecia. Na realidade, foram anos de
crescimento interior e de um desprendimento total das
coisas materiais que, afinal, lhe causava a morte.
Uma por uma, foram abandonadas as modestas e
inocentes satisfações que concedera à sua natureza hu­
mana. Abandonou o golfe; renunciou às férias que cos­
tumara passar fora de Dublin; mudou-se para um quar­
to barato, no qual ele mesmo cozinhava suas frugais
refeições. A maior parte dó seu salário, distribuía-a en­
tre os pobres. Uma só coisa reteve: a sua bicicleta,
porque ela lhe prestava bons serviços no seu labor pe­
los pobres.
Com a ingenuidade' dos santos, McGuinness sabia
através do corpo, chegar às almas dos seus tutelados.
Como no caso daquele velho rabugento, quase cego,
mas amicíssimo da leitura, ao qual o apóstolo leigo deu
uma lente de aumento para que este inimigo de Deus
pudesse ler de novo. Mais tarde, notando a habilidade
dos dedos desse homem, João Antônio deixou-lhe rosá­
rios para consertar. Afinal, os dois rezavam o terço em
comum e, certa manhã, recebiam, lado a lado, a S.
Comunhão. E o recém-convertido nunca mais deixou
de ir à Mesa Eucarística, nas Primeiras Sextas-Feiras.
Variadíssimos foram os interesses de McGuinness
no campo da caridade. Ajudava às Missões, arranjava
meios para a formação de sacerdotes, auxiliava sacer­
dotes pobres. Para os seus pobres colecionava tudo:
roupas usadas, sapatos, móveis e utensílios de uso do-
116
méstico. Muitas vezes, foi, pessoalmente, na sua bicicle­
ta, um saco nas costas, buscar tais objetos, em partes
distantes da cidade.
Entretanto, esta vida de sacrifícios e privações se­
cava lentamente a seiva vital do amigo de Jesus e dos
homens. Amigos e colegas que 'o notavam, insistiam com
João Antônio para que se alimentasse melhor e tirasse
umas férias tão necessitadas. Foi em vão.
Em princípios de 1946, teve que procurar o médico
que constatou pelagra: consequência da fome que pas­
sava para poder dar mais aos pobres.
No dia 13 de Fevereiro de 1946, o “Santo do Te­
souro”, como o povo o chamava, foi receber a coroa
que Deus reservara a este mártir dos pobres.
49.
COMBATENTE DE FIBRA
Nos últimos anos do século passado, dirigia-se, ca­
da manhã, às 5 e 50, um casal com seu primogênito a
uma igreja, em Oakland (Califórnia). O pequeno com
dificuldade mantinha abertos os olhos ainda pesados de
sono. Acontecia — pelo menos, nas primeiras semanas
— que o menino, ajudando a S. Missa, se atrapalhava
com o seu latim. Então, o pai ou a mãe, do fundo do
seu banco, vinham em seu auxílio.
Este menino era filho de Charles William Callaghan
e Rose Wheeler, ambos descendentes de famílias pro­
fundamente católicas. O garoto que -nascera aos 26 de
Julho de 1890, em San Francisco (Califórnia), recebeu,
na pia batismal, ós nomes Daniel Judson. Herdou dos
pais, junto com o fogoso temperamento irlandês, a viva
fé e um senso de responsabilidade muito pronunciado.
As Irmãs Dominicanas da Escola de S. Elizabeth,
em Oakland, foram as suas primeiras professoras. Tendo
concluído o curso primário, Dan entrou no Colégio S.
Inácio, em San Francisco, dirigido pelos Padres Jesuí-
117
tas. Embora de boa inteligência, o jovem precisava de
todo X) tempo à disposição para manter-se em dia com
os seus deveres escolares. Aproveitava mesmo as duas
viagens diárias de Oakland a San Francisco e vice-ver­
sa. Naturalmente, interessava-se pelos esportes. E foi
lá, naquele colégio, que entrou na Congregação Mariana.
Dan Callaghan, levando a vida sadia de um congre­
gado consciencioso, não teve muito que lutar com os
problemas próprios da mocidade entre 14 e 21 anos. Ti­
nha ideais. Durante toda a vida, não tolerava conversas
contrárias a castidade, nem tinha medo de manifestar
esta aversão. No trato com pessoas do outro sexo foi
sempre cavalheiro do mais fino quilate.
Assim não é de admirar que concluísse com distin­
ção o curso secundário.
Que fará, agora? O seu desejo único é servir ao país
na armada. Custou-lhe vencer a 'oposição do pai. Mas,
eis que, em 1907, abrem-se-lhe as portas da Academia
Naval de Annápolis.
Também neste estabelecimento, Dan ficou fiel a si
mesmo. Estudou com verdadeiro entusiasmo e perseve­
rança. Foi capitão da equipe de “baseball”. No terceiro
ano, os superiores confiavam-lhe o comando do primei­
ro batalhão, quer dizer, tinha que cuidar da boa disci­
plina entre os colegas do último ano do curso. Como
chefe do “Partido Católico” levava os guardas-marinhas
católicos à Missa dominical. E concluiu o curso na Aca­
demia Naval com notas muito boas.
Foi, em seguida, destacado para servir como “en-
sign” (oficial comissionado) no “Califórnia”. No des-
troyer “Truxtun”, para o qual fora transferido, algum
tempo mais tarde, verificou-se um defeito na maquinária,
atribuindo-se — injustamente — a culpa a Dan. Teve
que apresentar-se a uma corte marcial. Mas foi absolvi­
do unânimemente.
Aos 23 de Julho de 1914, casou-se com Mary Tor-
mey. Meses depois, foi nomeado Oficial Comandante do
mesmo “Truxtun” que tanta aflição lhe causara.
118

• -v : -•
Prestando sempre e em todos os postos excelentes
serviços, galgou, um após outro, os degraus da esca­
la jerárquica. Trabalhou no Ministério da Marinha. Em­
barcou, de novo, como oficial especializado em ar­
tilharia. Por vários anos foi Professor de Ciências
Navais na Universidade da Califórnia. Outra vez
embarcado, foi surpreendido com a sua nomeação
para Ajudante Naval do Presidente Roosevelt (1938-
1941). Na iminência da guerra com o Japão, o Capitão
Callaghan foi nomeado comandante do cruzador pesa­
do San Francisco. Em vista do relatório favorabilíssimo
de Roosevelt sobre as atividades de seu ex-Ajudante
Naval, alguém propôs que Dan fosse imediatamente pro­
movido a Almirante. Mas este não quis saber de favori­
tismo. Contudo, já em Setembro do mesmo ano (1941),
o Almirante Fletcher recomendou com insistência esta
promoção.
Naquele fatídico dia 7 de Dezembro de 1941, Cal­
laghan achava-se em Pearl Harbour, onde o seu navio
devia passar por uma completa reforma do armamento
e dos canhões de grande calibre. O Capitão mesmo ti­
nha-se levantado cedo para assistir à santa Missa. De re­
pente, as sirenas deram o alarme. E já as bombas caíram,
semeando morte e destruição. Dan correu para o seu
navio, onde constatou assaz boa ordem. Visto que o San
Francisco não podia usar as armas, transferiu' Callaghan
homens e oficiais para o USS New Orleans, o que per­
mitiu que essa belonave abrisse logo bem nutrido fogo.
O bombardeio cessara. Os japoneses desapareceram.
Mas toda a baía era um inferno em chamas. Dan cuidou
de aprontar o San Francisco para executar as ordens que
viriam. Em seguida foi destacado para servir de Che­
fe do Estado Maior em Auckland (Nova-Zelândia). No
meio de um trabalho insano chegou-lhe a nomeação pa­
ra Contra-Almirante. Inúmeras congratulações foram o
eco desta promoção.
119
Entretanto, os japoneses desembarcavam tropas em
Gúadalcanal. Uma ofensiva americana tornou-se neces­
sária.
O Almirante Callaghan escolheu o San Francisco
como capitânia, de bordo do qual dirigiu, no dia 12
de Novembro de 1942, a sua divisão contra uma pesa­
da força inimiga.
Lá está ele, ao cair da noite, na ponte de comando.
Sabia que o encontro oferecia mil possibilidades de mor­
te. Tendo, pela última vez, uns meses antes, falado
com seu pai, este lhe dissera: “Uma preparação para
a vida eterna é teu dever mais necessário”. E Dan res­
pondeu que estava pronto para a chamada.
Talvez que, agora, se examinasse, mais uma vez. O
exame teria sido favorável. Sempre que podia, assistia
à S. Missa. O terço ficava-lhe à mão em toda a parte.
Cultivava um verdadeiro amor aos Padres Jesuítas, tra­
tava com reverência os capelães, entre os quais conta­
va com bons amigos. Cuidava da educação religiosa de
seu filho, antepondo-a a todos os outros ensinamentos.
E quantas provas de verdadeira abnegação cristã dava
enj favor dos seus comandados, tripulação e oficiais!
No domingo, 8 de Novembro, conseguiu assistir à
S. Missa. No dia 10, mandou levantar ferro e a frota
zarpou para Gúadalcanal. Na noite de 12 para 13 de No­
vembro, deu-se a Batalha Naval de Gúadalcanal, no
decorrer da qual o Almirante Callaghan foi morto, na
ponte de comando, pela explosão de uma granada inimiga.
Thomas A. Lahey escreve: “O Almirante Dan Cal­
laghan, lutando contra dificuldades sobre-humanas e com
o sacrifício da sua vida, arrancou a vitória ao Japão,
na batalha naval, qualificada como ã mais espetacular
e crucial da última guerra. Foi o feito decisivo”.
Ao saber da morte de Dan, o então Presidente da
CM do Colégio. S. Inácio, de San Francisco, escréveu
aos pais do herói: “Unindo-nos ao vosso pesar, permi­
ti que vos ofereçamos o conforto de sua fé e de vossa
fé católica e a viva lembrança do heroísmo católico de
120
sua vida e de sua morte. Certamíente, Nossa Senhora' a
Estrela do Mar, cuidou dele e levou-o para a companhia
daqueles que se aventuraram nos navios pela honra dehi
pela honra de seu Filho e pela honra de sua pátria. M
cores de Maria foram as cores dele — azul e branco”.
50.
UM PRESIDENTE DA COLÔMBIA
E’ muito significante: Em “Basic Data on the Other
(i. é, com exclusão dos E U A) American Repu-
blics”, editado pelo Coordinator of Inter-American
Affairs (1944), figura, entre os “Heróis Nacionais”,
um déspota e perseguidor da Igreja Católica como
o foi o General Tomás Cipriano de Mosquera. Fi­
gura, também, o insigne escritor e Presjdente da Repú­
blica da Colômbia Rafael Núnez, que qualificou a seu
patrício Miguel Antônio Caro como “la primera virtud
y la primera ilustración de Colômbia”.’ Mas este gran­
de patriota — segundo parecer dos compiladores do li­
vro acima mencionado — não merece um lugar de honra.
, E’ que Miguel Antônio Caro, congregado mariano,
foi o “paladín dei más riguroso conservatismo católico des­
de las páginas de su periódico “El Tradicionalista”. Por
isto, Caro deve ser relegado ao esquecimento num mun­
do que trata de eliminar, da vida pública e da vida pri­
vada, a Deus e tudo quanto significa a fé em Deus.
Entretanto, aí está a obra de Miguel Antônio Caro:
suas obras literárias de exímio valor e o que vale
mais ainda — a. Constituição da Colombia, adotada em
1886, cujo autor é o nosso mariano.
Nasceu Miguel Antônio Caro aos 10 de Novembro
de 1843, em Bogotá. Desde muito cedo manifestou gran­
de entusiasmo pelos estudos* literários. Os padres da
Companhia de Jesus tiveram a dita de cultivar e fecun­
dar estes preciosos dotes por mew de uma solida ins­
trução, unida a uma firme educação religiosa.
121
Passou Caro a sua juventude e não poucos anos
da vida madura em um período assinalado por graves
modificações e distúrbios na vida da nação. Em 1853,
ocorre a separação entre Igreja e Estado, com subse­
quentes perseguições movidas contra o clero. Em 1858,
a república transformou-se na “Confederación Granadi­
na”, combatida pelo General Mosquera que dá ao país o
nome de “Estados Unidos de la Colombia”. Mais revo­
luções, mais perseguições, mais atos de violência. São
os “rojos”, os “gólgotas” que mandam e desmandam e
que impõem à nação uma constituição contrária às cren­
ças católicas (1863-1885) e fazem guerra à Igreja.
Durante estes anos, Miguel Caro dedica-se aos estu­
dos e aos trabalhos literários. Em 1870, como prêmio
de suas obras publicadas, é nomeado membro da “Real
Academia Espanola”. Colabora na fundação da congê­
nere colombiana.
Dispondo destarte não somente da competência, mas
ainda do prestígio necessário, em 1871, Miguel Caro,
em união com os escritores José Manuel Groot e José
Joaquim Ortiz, funda “El Tradicionalista”, periódico
destinado a defender a Igreja e combater a política ne­
fasta dos liberais. Por isso, o governo persegue-o feroz­
mente. Mas, em consequência desta atitude deselegante
dos seus inimigos, Miguel ganha popularidade extraor­
dinária entre seus concidadãos, que sabem avaliar a sua
honradez e inteligência.
As lutas políticas não conseguem estancar a veia
literária do eminente publicista. Faz aparecer, em 1873,
conservando todas as belezas do original, uma tradução
espanhola das obras de Vergílio, poeta celebrado da la-
tinidade clássica. Diz Menéndez y Pelayo do trabalho
de Caro que é a melhor versão castelhana. Para con­
trabalançar e neutralizar a influência funesta de um
livro de Bentham, introduzido na. Universidade, Caro es­
creve, com grande competência, obras filosóficas.
O maior triunfo, porém, trouxe-o a Caro o ano de
1886, quando redigiu a Constituição da Colômbia (ainda
hoje em vigor, embora reformada segundo as exigên­
cias dos tempos mudados), que, entre outros, tem o mé-
nt° de restabelecer relações amistosas entre a Igreja
e o Estado e de ter abolido um federalismo incompatí­
vel com as condições daquela nação. Esta carta deu ao
pais paz e ordem.
O seu autor foi nomeado senador e presidente do
Conselho do Estado. Vice-Presidente da República, em
1892, assumiu a. presidência, por ocasião do falecimento
de Rafael Núnez, em 1894. Em 1896, teve ação enér­
gica contra uma revolução (a primeira, nos últimos dez
anos) que sufocou em poucos dias.
Quando Miguel Caro deixou o cargo de chefe da
nação, à qual prestou grandes serviços e inúmeros be­
nefícios, tinha granjeado a estima de todos por sua
absoluta probidade. Embora continuasse a exercer in­
fluência decisiva sobre os destinos de sua pátria, levan­
tando a sua voz autorizada contra injustiças e abusos
do poder, dedicou-se, agora, mais ainda à sua obra li­
terária. Vários Arcebispos de Bogotá estimularam-no nes­
te labor como a um homem que tinham em grande conta
por suas genuínas virtudes, em especial, seu caráter
de força peregrina.
Será mera coincidência que Miguel Antônio Caro,
o congregado mariano, tenha morrido no dia 5 de Agos­
to (1909), festa de Nossa Senhora das Neves?
51.
JUAN VÃSQUEZ DE MELLA Y FANJUL
Entre os numerosos componentes da hoste mariana
que se celebrizaram, encontramos homens de todos os
tipos. Uns ganharam glória nos sangrentos campos de
batalha, outros imortalizaram o seu nome nas artes e
ciências. Mais • outros alcançaram a distinção maxima
com a elevação aos altares. O mariano a que dedicamos
estas linhas, reuniu em si as qualidades de orador e es­
123
tadista com tal harmonia que, com razão, pode ser con­
tado entre os artistas mais privilegiados.
Nasceu Juan Vásquez de Mella y Fanjul, como fi­
lho de militar, no ano de 1861, em Cangas de Onís (As-
túrias, Espanha). Fez o seu curso secundário no semi­
nário de Valdediós (Oviedo), para, depois, transferir-
se para a Universidade de Santiago onde cursou a Fa­
culdade de Direito.
Albergava, então, aquele ateneu uma plêiade de jo­
vens brilhantes que, qual seara promissora, ofereciam
fagueiras esperanças que o futuro não deveria desmen­
tir. Mas Vásquez de Mella superava-os por sua marcan­
te personalidade que, já então, se revelava em suas con­
tribuições para a imprensa periódica e nos seus discur­
sos. As condições políticas da sua pátria favoreciam
este esplêndido desabrochar da sua riquíssima nature­
za. Notava-se nele o artista que unia, em sua pessoa,
uma eloquência peregrina com profunda compreensão
e maestria no tratar temas políticos e literários. Além
disto, dispunha de uma memória verdadeiramente assom­
brosa. Tudo isto capacitou-o de falar com elegância so­
bre um assunto qualquer, sem cair em trivialidades ou
cansar os auditórios.
Licenciou-se em Direito e assumiu a direção do
“Diário de Galícia”, deixando este posto ao transferir-
se para Madrid. Eleito deputado, em 1893, assombrou
o Congresso com o seu discurso inaugural que foi, en­
tretanto, apenas o prelúdio para uma magnífica sinfo­
nia que comporiam as suas orações subsequentes. Ali
encontramos os trágicos movimentos em menor, quando
fala sobre as desastrosas guerras coloniais. E há os
enérgicos, decididos movimentos em maior, quando de­
fende os inalienáveis direitos da Igreja ou da socieda­
de humana.
Foi justo motivo de espanto a sua atividade incan­
sável. Aconteceu que, no decorrer de um único mês, pro­
nunciou 120 discursos.
124
Merecido reconhecimento trouxe-lhe, também, o dis-
bevilha. Escolheu o Gm 19°6, nos assunto:
significativo “Jue§os Florales” de
“O cepticis-
mo e o egoísmo são os dois males que imperam em
nosso século e a Igreja é a única força que pode curá-los”.
Durante a Primeira Guerra Mundial, Vásquez de
Mella demonstrou acentuada simpatia pelas potências
centrais, embora recomendasse, com muita insistência,
a neutralidade. Esta sua atitude deu origem a desenten­
dimentos políticos que fizeram com que ele se afastasse
mais e mais das lutas políticas.
Nos seus escritos daquela época expôs, com mui­
ta clareza, as suas idéias sobre a forma do governo,
dando a preferência à monarquia representativa. Incluiu
no seu programa político a responsabilidade social do
rei, o voto imperativo e a representação por classes.
Foi, porém, inimigo acérrimo do parlamentarismo. Pa­
ra a administração queria um regionalismo federativo.
Por que' é que este homem extraordinário nunca
ocupou 'o posto de ministro ou qualquer outro alto car­
go? Simplesmente, porque não quis. Quando tinha ape­
nas 34 anos de idade, foi-lhe oferecido o ministério de
Justiça. O seu grande desinteresse não lhe permitiu qual­
quer proveito material. Nem mesmo praticou jamais
como advogado, o que lhe teria sido uma rica fonte de
rendas. Observou ele, ironicamente, certo dia: “Sou ad­
vogado; não exerço, porém, esta profissão por amor
à justiça”. E’ mesmo o homem que falou sobre o egoís­
mo, em 1906.
Encontramos os motivos para tal pensar e procedi­
mento em sua bondade, simplicidade e candura.
Embora membro da Real Academia Espanhola, não
deixou muito vasta bagagem literária. Era por demais
artista espontâneo para obrigar-se, inclinado sobre a
-escrivaninha, a cinzelar e limar períodos e parágrafos.
Entretanto, nos últimos meses da sua vida, publicou uma
obra que, ao mesmo tempo, revela o pensador profun-
125
do e o grande católico. Foi a obra: “Filosofia da
Eucaristia”.
Em 1925, Vásquez de Mella teve que submeter-se
à amputação de uma perna. Neste transe doloroso mos­
trou, mais uma vez, que era bom cristão. Não perdeu
nem a sua habitual bondade nem o bom humor.
Quando, aos 26 de Fevereiro de 1928, a morte abriu-
lhe as portas da eternidade, deixou atrás de si uma na­
ção inteira que chorou o seu desaparecimento.
52.
O MARECHAL LYAUTEY
Foi no dia 27 de Julho de 1934, às 11 horas da
manhã. De repente, os habitantes da aldeiazinha lorena
Thorey abandonaram as suas ocupações do momento e
escutaram o djobre fúnebre da sua velha igreja paro­
quial. Com a rapidez do relâmpago espalhava-se a triste
notícia: o seu “príncipe”, o Marechal Lyautey, acaba­
va de falecer. E a França inteira chorava um dos
seus maiores filhos.
Nasceu Luís Huberto Gonçalo Lyautey, em Nan-
cy, aos 13 de Novembro de 1854. Quando a criança ti­
nha 17 meses de vida, um acidente por um triz pôs
fim à sua existência. Entretanto, Huberto refez-se das
consequências, embora só depois de longos anos de imo­
bilidade e cuidados especiais.
A carreira das armas era tradição antiga na famí­
lia dos Lyautey. O pai, porém, sonhava com um filho
engenheiro, ao passo que o jovem queria ser militar.
Aconselhado por seu paternal amigo, o P. du Lac, S. J.,
Huberto entrou na célebre escola militar de Saint-Cyr,
seguindo depois os cursos da Escola do Estado Maior.
Desta forma satisfazia os desejos de ambos, os do pai
e os seus próprios.
Como tenente serviu dois anos na Argélia. Apro­
veitando uma licença, concedida por ocasião da sua pro-
126
moçao a capitão, realizou um anelo de longa data: foi
a Roma para falar com Leão XIII. Nunca mais deveria
esquecer a profunda impressão que o venerável ancião
deixou em sua alma.
Servindo como comandante de esquadrão em Saint-
Germain-en-Laye, teve a idéia de transformar os aloja­
mentos dos seus subordinados numa habitação que, de
algum modo pelo menos, lhes relembrasse o lar. Pois, -
na Congregação Mariana e sob a direção do capitão Con­
de Albert de Mun acostumara-se a cuidar também do
bem-estar espiritual dos seus comandados.
A pedido de um amigo, Lyautey expôs os seus pen­
samentos sobre o exército e a ação social no livro “Du
Rôle social de l’Officier, dans le Service militaire uni-
versel” — publicado, primeiro, como artigo na “Revue
des Deux-Mondes”. O artigo causou escândalo entre os
oficiais velhos, acostumados a uma rotina acomodatícia.
Outra gente, militares e civis, entusiasmaram-se, since­
ramente.
Em consideração da agitação provocada, o general
de Boisdeffre, que em grande estima tinha a Lyautey,
recomendou-lhe uma mudança de clima, propondo-lhe a
transferência para Tonquim. O então major aceitou,
encontrando, na longínqua Indo-China, um vasto campo
de ação e um chefe que partilhava o seu dinamismo: o fu­
turo general Gallieni. Foi lá que Lyautey desenvolveu
os seus magníficos dons de organizador e administrador
com que era dotado e que faziam dele o conquistador
pacífico de colônias em que, até então, reinavam’o atra­
so e o banditismo.
Convidado por Gallieni a colaborar com ele em
Madagascar para 'onde fora transferido, Lyautey pi­
sou, pela segunda vez, terra africana. Este período po­
de ser considerado como o de preparação imediata para
a obra principal do grande chefe: a pacificaçao e mo­
dernização de Marrocos.
Mas devia mais uma vez voltar à França para, co­
mo coronel, numa guarnição aborrecer-se bastante com
127
uma vida que — pensava ele — equiparava-se à inati­
vidade.
Eis que, sem que esperasse por isto, soou a hora
que marcaria o início das suas conquistas pacíficas de
Marrocos (1904). Desenvolveu uma estupenda atividade.
Submeteu as tribos rebeldes mais pela persuasão do
que pela força das armas. Construiu cidades e estradas
de ferro. Desenvolveu o sistema sanitário. Favoreceu a
obra missionária. Enfim, deu a Marrocos ordem e paz.
E, se não tinha o título, era de fato rei do país. Até
Outubro de 1925 deveria dedicar a esse país o melhor
das forças do seu corpo e da sua alma. Então, forçado
pela doença, regressou definitivamente à França.
Já em 1904 fora promovido a general. Em 1912,
foi eleito membro da Academia Francesa e o ano de
1921 viu a sua nomeação para Marechal de França.
Estava, pois, de volta, mas não na inatividade.
Constantemente, era consultado sobre assuntos milita­
res e,coloniais. Em 1927, o governo confiou-lhe o co­
missariado geral que devia preparar a esplêndida Ex­
posição Colonial que, em 1931, se realizou em Paris.
E’ característico para Lyautey: após o encerramen­
to oficial da exposição, o colonizador foi a pé até o pa­
vilhão das Missões Católicas e, elevando, num gesto de
saudação, o seu bastão de Marechal, homenageou os
pioneiros do cristianismo e da civilização. Depois, sem
um segundo olhar, embarcou no seu carro.
Faltavam poucos meses para ele completar os 80
anos de vida, quando a doença avisou-o que estava
no fim de sua peregrinação terrestre. Em pleno uso
de suas faculdades recebeu os santos Sacramentos da Igre­
ja, entregando, pouco depois, a sua grande alma ao
Criador.
Os seus restos mortais foram, em 1935, conforme
o seu desejo, levados para o seu querido Marrocos. Em
terras do Islão, o Cardeal Verdier, Arcebispo de Paris,
benzeu um pedacinho de solo africano, para que ser­
128
visse de última morada ao que ficou de seu amigo
aqui no mundo.
eo o se esqueceu
&2ia questáó d0 seu
nunca que fora«Mó de congregado
Assistente da CM.
Ele mesmo declarou que devia à falange azul e ao con­
gregado Alberto de Mun ter escrito o livro que cita­
mos acima; Nao sera afirmar demais, quando se diz que
ele devia a formaçao recebida na CM os seus glorio­
sos sucessos como militar e como administrador.
53.
B. JULIÃO MAUNOIR
Certa vez, 'o grande Pasteur disse que tinha a fé
de um bretão. Aludiu com esta expressão à profunda
religiosidade dos habitantes da Bretanha Menor (França).
Se o sábio francês tivesse usado tal comparação
uns três séculos antes, teria dado a entender que não
tinha fé. Pois, no início d'o 16° século, o povo da Bre­
tanha Menor era tudo menos religioso. Os Bispos vi­
viam, habitualmente, longe de suas dioceses. O clero
estava pouco instruído e mostrava-se indiferente. Lín­
gua diferente e difícil e falta de meios de comunicação
separavam os bretões do resto da França. As belíssimas
catedrais e igrejas estavam vazias. E aqueles célebres
calvários, outrora metas de piedosas peregrinações, tor­
navam-se centros de ritos supersticiosos, senão pagãos.
Deus, porém, já escolhera o apóstolo que deveria re­
conduzir ao redil aquele rebanho abandonado, mas fa­
minto do pão celestial.
Lá onde a Bretanha Menor se aproxima da Norman-
dia, está a paróquia de St-Georges-de-Reintembault, na
diocese de Rennes. Nessa povoação, nasceu, no T dia
do mês de Outubro de 1606, Julião Maunoir, quinto fi­
lho de um casal pobre em bens desta terra, mas rico
em virtudes.
Marianos — 9 129
Providencialmente, poucos anos antes, os jesuítas
abriram, em Rennes, um colégio que, agora, já con­
tava com 1.500 alunos. Os padres acolhiam em seu es­
tabelecimento o piedoso Julião que, com 14 anos de
idade, ficou membro da florescente Congregação Ma­
riana do colégio. Já então, Maunoir manifestava gran­
de zelo apostólico. Nas suas frequentes visitas ao P.
Espiritual não tratava somente das necessidades de sua
alma, mas pedia e recebia conselho e instrução para
os seus trabalhos pela salvação do próximo. A sua
primeira atenção mereciam-lhe os seus colegas aos quais
persuadia que fugissem das más companhias, destruíssem
os livros inconvenientes e renunciassem ao jogo e à be­
bida iínoderada. Na igreja de St-George explicava o
catecismo aos meninos da paróquia.
Depois de madura reflexão pediu a admissão à Com­
panhia de Jesus. Com a sua entrada no noviciado, co­
meçou a vida costumeira de um Jesuíta em formação.
Entretanto, houve circunstâncias notáveis que deveríam
influir sobre toda a sua vida.
No noviciado teve como companheiro a S. Carlos
Garnier, futuro mártir do Canadá. Convivia com mais
dois outros destas gloriosas testemunhas de Cristo: no
curso de filosofia foi seu condiscípulo o heróico S.
Isaac Jogues, no de teologia, S. Gabriel Lalemant, que
deveria dar a sua vida por Cristo ao lado de S. João
Brébeuf. O entusiasmo destes soldados de Cristo pelas
perigosas missões entre os índios da Nova França não
podia deixar de contagiar também a Julião. Mas Deus
tinha outros planos para ele.
Tendo concluído o curso de filosofia, o jovem Mau­
noir foi mandado para o colégio de Quimper, na Breta­
nha Menor. Aí entrou em contacto com os “bretons bre-
tonnants”, i. é, com os bretões que nasceram no cora­
ção da Bretanha e não, como ele, perto da fronteira.
Conhecia assim as boas e as más qualidades deste po­
vo, Mas, para poder ajudar eficazmente, resolveu estu­
dar a sua língua que é uma das mais difíceis do mundo,
130
e, em menos de dois meses, chegou a sabê-la com tal
perfeição que podia pregar nela de improviso.
Mas este fato que a muitos parecia um milagre,
não apagou em Julião o ardente desejo das missões ca­
nadenses. Deus, mais uma vez, teve que intervir. Uma
grave doença levou-o à beira do túmulo. Então, — foi.
em vésperas de Natal — o jovem teólogo fez o voto
de dedicar toda a sua vida aos bretões abandonados.
E imediatamente viu-se curado.
Em 1640, P. Maunoir começou o seu apostolado que
devia durar 43 anos, anos repletos de labores e sacrifí­
cios, repletos também de bênçãos e benefícios. Renovou
e aprofundou aquela fé que deveria resistir e sobreviver
à revolução francesa e que deveria acender o ardor pe­
la salvação das almas nos corações de milhares de bre­
tões que, como missionários, foram conquistar o mundo
pagão para Cristo.
E Julião, como verdadeiro soldado de Cristo, morreu
numa expedição missionária, em Plévin, aos 28 de Ja­
neiro de 1683.
O Sumo Pontífice Pio XII, no dia 20 de Maio de
1951, inseriu o nome de Julião Maunoir no álbum dos
Bem-aventurados. No decreto de Beatificação lemos:
“Desde a sua infância, brilharam nele não poucos in­
dícios de uma vocação divina, como uma já madura
devoção à Sagrada Eucaristia e um incrível ardor de
levar ao caminho da virtude os seus companheiros por
meio do seu exemplo e de exortações cheios de entusias­
mo juvenil. Admitido no colégio de Rennes, que era di­
rigido pela Companhia de Jesus, em breve distinguiu-se
por seu zelo e piedade e, na Congregação Mariana, res­
plandeceram a sua prudência e caridade .
Dois dias mais tarde, o Papa voltou a falar no
papel que a CM teve na vida do novo Beato: ela de­
ra-lhe uma clara noção e um programa preciso para
o apostolado.

9*
131
54.
D. JOÃO D’ÁUSTRIA
Misteriosos são os caminhos do Senhor.
O Antigo Testamento conta-nos da queda do rei
David e da sua penitência que achou a1sua expressão
imortal no Salmo 50, no “Miserere”. E o Senhor não
rejeitou o servo penitente.
Caso semelhante deu-se com o imperador Carlos V,
que conta entre os seus filhos o Vencedor de Lepanto.
Dom João d’Ãustria nasceu aos 24 de Fevereiro
de 1547, em Ratisbona, como filho natural do monarca
em cujos domínios o sol não se deitava. Evidentemente,
o imperial pecador não quis que fosse revelada a origem
deste seu filho. Por isto, foi criado por Luís de Quija-
da, em Villagarcia. Mas, ao retirar-se Carlos V para
San Yuste, mandou trazer-lhe a João e, depois da mor­
te do pai, Filipe II da Espanha reconheceu o jovem co­
mo seu irmão, admitindo-o à corte e concedendo-lhe to­
das as honras devidas ao filho do imperador.
Sabendo, em 1565, que João concebera o plano de
ir em auxílio dos cavaleiros de Malta, o rei da Espa­
nha deu-lhe cargos militares de confiança. Com 23 anos
de idade, João recebeu a nomeação para capitão-gene-
ral do Mediterrâneo e do Adriático. Aí distinguiu-se nas
lutas contra os turcos e os piratas do norte da África.
No ano seguinte, deu prova de suas qualidades de gene­
ral comandante pela submissão dos mouriscos de Alpu-
jarras que se tinham insurgido.
O título mais brilhante, porém, o de Vencedor de
Lepanto, ganhou-o aos 7 de Outubro de 1571.
A situação internacional •de então assemelhava-se' à
dos nossos dias. Se, hoje, o perigo que ameaça a cristan-
dade é simbolizado pela foice e pelo martelo do comu­
nismo, naqueles tempos, a meia-lua do Islamismo ater­
rorizava o mundo civilizado.
São Pio V, o grande Papa Mariano, conseguiu co­
mo adiadas na defesa da cultura e da liberdade a repú-
132
blica de Veneza e a Espanha. Nomeou ao jovem João
d’Ãustria (que contava apenas 26 anos de idade) co­
mandante das frotas reunidas. E, depois do auxílio de
Nossa Senhora, deve-se à genialidade do príncipe es­
panhol a brilhante e decisiva vitória que as forças cris­
tãs ganharam sobre os turcos muito mais numerosos.
Com grande pesar seu, João não pôde derrotar com­
pletamente os muçulmanos: os venezianos, ávidos de van­
tagens comerciais, concluíram uma paz separada com os
vencidos. (A história repete-se, em nossos dias!)
Entretanto, Filipe II tinha já os seus planos feitos.
Se não era possível atacar Constantinopla, queria que
seu irmão se dirigisse contra as costas da Berberia. D.
João d’Ãustria apoderou-se de Tunis e de Bizerta (1573).
Em 1575, foi enviado à Itália como vice-rei e, em
1576, as ordens de seu real irmão levaram-no, na quali­
dade de governador e capitão-general das forças espa­
nholas, para os Países Baixos.
Atacado pela peste, morreu o herói, no dia 1* de
Outubro de 1578, em Bourges, perto de Namur (Bélgica).
Como espanhol de lei, consagrara a sua vida à de­
fesa da fé e do seu país, sendo, visivelmente, favorecido
por Nossa Senhora, cujò filho foi.

55. /

MANOEL FILIBERTO DE SABÓIA


Manoel Filiberto, um dos príncipes mais ilustres
da casa de Sabóia, foi filho de Carlos III da Sabóia e
de Beatriz de Portugal. Nasceu no ano de 1528, em
Chambéry, e foi o décimo duque daquele país.
A seu pai, que morreu quand-o Manoel contava ape­
nas 5 anos de idade, Francisco I da França e os Suíços
tinham tomado grande parte doa seus
o rei da França despojou-o de quase tudo quanto am
da lhe restava.
133
Mas Manoel, que deveria ser obsequiado com o ape­
lido de “Cabeça de Ferro” por seus soldados, não era
homem para desanimar. Já que não tinha nada que go­
vernar, entrou para o serviço de Carlos V, imperador
da Alemanha e rei da Espanha. Na escola de guerra
do célebre monarca, Manoel, não menos que um Alba,
um Dom João d’Áustria ou um, Alexandre de Parma,
soube aproveitar as lições administradas pelo mestre
abalizado. As suas grandes provas proporcionaram-lhe
as batalhas de Noerdlingen e Muehlberg, saindo-se apro­
vado plenamente e tanto assim que comandou os exérci­
tos imperiais e espanhóis desde 1553 até 1559. Quando
Carlos V abdicou em favor de seu filho Filipe II (1555).
Manoel transferiu a sua lealdade para este.
Foi ele que, em 1557, ganhou para o rei da Espa­
nha a batalha decisiva de Saint-Quentin. Dois anos mais
tarde, pela famosa paz de Cateau-Cambrésis, recobrou
todos os seus Estados, com exceção do país de Vaud,
que ficou em poder dos Suíços. No mesmo ano ainda,
casa com Margarida de França, filha de Francisco I e
irmã de Henrique II. Tratados posteriores aumentaram
os seus domínios.
Manoel Filiberto, porém, não devèria viver no sos­
sego da administração de Estados que gozassem de paz.
Naqueles tempos turbulentos em que religião e po­
lítica não podiam ser separadas sem detrimento de uma
e da outra, o Papa Pio IV pediu a Manoel Filiberto a
sua cooperação na reforma das Ordens religiosas, o que
nem sempre era coisa fácil. Em seguida, teve o duque
que lutar contra a seita fanática dos valdenses. Já em
15 de Fevereiro de 1560, publicava um edito contra es­
ses hereges revolucionários. Agora, pegaram em armas.
Manoel não conseguiu dominá-los, já porque vários dos
funcionários faltavam à lealdade jurada.
' Apesar do seu ódio à heresia, o príncipe ousou, sem
a autorização -devida, diminuir o castigo imposto a um
herege recidivo. Pio V ameaçou com a excomunhão, e
o “Cabeça dé Ferro” obedeceu.
134
Sumo Pontífice sabia, aliás, que podia contar
com Manoel Filiberto que era católico convicto. Por
isto, dirigiu-lhe uma carta na qual lhe pediu auxílio
para a proteção da Igreja na França e mandou-lhe
um adjutório de 10.000 escudos. E o príncipe, por sua
vez, ingressou na “Santa Liga”, e enviou um contingen­
te considerável que iria tomar parte na inesquecível
batalha naval de Lepanto.
Essencialmente homem de guerra que nunca saía
de casa sem a sua espada, Manoel Filiberto, contudo,
deixou uma obra durável como legislador e homem de
Estado. Ademais, protegia os estudos. Prova disto é,
entre outras, a fundação da Universidade de Mondovi.
Comércio, indústria e, principalmente, a agricultura fo­
ram favorecidos por ele.
Depois da morte de D. Sebastião de Portugal, Ma­
noel Filiberto aspirou ao trono daquele país: sua mãe
fora uma princesa portuguesa. Mas Filipe II não re­
conheceu as suas pretensões.
Com apenas 52 anos de idade, o duque de Sabóia-
morreu em Turim, em 1580.
56.
FERNANDO VERBIEST
Ganhar as vastidões da China pagã para Cristo foi
o sonho dourado de S. Francisco Xavier. Se conseguiu
fundar a Igreja no Japão, a China merecia-lhe maior
atenção do que aquele império insular, porque as almas,
na China, eram muito, mais numerosas e este país_ po­
dería abrir as portas para as restantes partes da Ãsia.
S. Francisco Xavier, porém, morreu, aos 3 de Dezem­
bro de 1552, na pequena ilha de Sanchão da qual po­
dia ver a terra dos seus sonhos. ^ #
Mas o que ele não conseguiu, deveríam tenta-lo os
seus irmãos de hábito. Uma plêiade de sacerdotes ardo­
rosos dedicaram as suas melhores, forças ao pais que,
135
hoje, é o cenário sangrento de tamanho heroísmo cris­
tão. Os Padres Mateo Ricci, Adão Schall von Bell,
Luigi Buglio, Martinho Martini, Fernando Verbiest, Iná­
cio Koegler, Agostinho von Hallerstein, Xavier von Laim-
beckhüven e muitos outros inscreveram os seus nomes,
em letras de ouro, nos anais missionários da China.
Escolhemos entre eles o congregado mariano Fer­
nando Verbiest.
Nasceu ele, aos 9 de Outubro de 1623, em Pitthem,
perto de Courtrai (Bélgica). Como aluno do colégio en­
trou na CM. Aos 2 de Setembro de 1641, ingressou nas
falanges de S. Inácio. Tendo concluído a sua formação
religiosa, fez-se de viagem para a China, sob a direção
do P. Martinho Martini. Foi em 1658.
Estava trabalhando na província de Shen-si, quando
o P. Adão Schall o chamou pará Pequin, capital do
grande império, onde ficou até a sua morte.
O P. Verbiest uniu em sua pessoa um esplêndido ta­
lento matemático, vastos conhecimentos tecnológicos e
finas formas sociais que lhe davam grande ascendente
sobre os seus semelhantes. Tudo isto, quis ele utilizá-lo
para conquistar almas, pois, antes de tudo,' era missionário.
Em 1664, rebentou uma perseguição contra os Pa­
dres. Schall e Verbiest foram lançados ao cárcere. Contra
o P. Schall foi pronunciada a sentença de morte que,
entretanto, não foi executada. A inveja dos astrônomos
chineses foi um dos motivos principais da animosidade
contra os missionários. Foram eles submetidos a um cer­
tame científico e o P. Verbiest provou claramente que
a razão estava com os missionários. Em consequência
disto, foi nomeado presidente do Colégio dos Astrôno­
mos. Com isto, também os outros missionários podiam
voltar para os seus postos.
O imperador Kang-hi em pessoa tornou-se estudan­
te de matemática sob a direção do P. Verbiest que,
satisfazendo um desejo especial do monarca, escreveu,
em língua chinesa, livros sobre matemática, geografia
e astronomia. O douto missionário fez ainda tabelas as-
136
tronômicas, indicando os movimentos dos planetas, e um
registo de eclipses do sol e da lua para os seguintes
dois mil anos. Também a pedido do imperador, cons­
truiu 6 instrumentos astronômicos que, além de serem
de grande utilidade, distinguiram-se pela beleza de suas
formas exteriores. Ademais, forneceu ao monarca 132
canhões que eram muito melhores do que as peças
chinesas.
Infelizmente, não viu realizar-se a esperança do ho­
mem de Deus de o imperador abraçar o cristianismo.
Com toda esta atividade científica, o P. Verbiest-
não perdeu de vista os interesses da Missão. Por isso,
tratou de assegurar à China os sacerdotes necessários
para a conversão da nação inteira. Desejava vivamente
que se recrutassem os futuros ministros de Deus entre
os filhos da terra.
Como, de momento, os planos a respeito de um clero
indígena não pudessem ser realizados, dirigiu-se -a Luís
XIV da França, pedindo operários para aquela parte
da vinha do Senhor. O rei possibilitou a viagem de um
grupo de missionários para a China. Quando estes, po­
rém, chegaram lá, já não encontraram o P. Verbiest
entre os vivos. Falecera aos 28 de Janeiro de 1688.
57.
SÃO BERNARDINO REALINO
1616. No colégio dos jesuítas de Lecce (Itália Me­
ridional), ajoelham-se diante de um sacerdote octoge­
nário o prefeito da cidade e os seus magistrados. Pedem
ao ancião que seja o padroeiro da cidade.
Quem foi esse homem que era o objeto de homena-
gem tão. insólita?, i __j.- j _ -NT^aoo Goríimra. fundador
e
S . -----------
137
sua autoridade apostólica, o juízo que os contemporâneos
fizeram de São Bernardino Realino.
Sua pátria foi Carpi (Ferrara) onde nasceu no
1? dia de Dezembro de 1530, como primogênito do casal
Francisco Realino e D. Isabel Bellentani, ambos de es­
tirpe nobre. Depois de ter estudado em sua, cidade na­
tal, o jovem mudou-se para Módena para aprofundar
os seus estudos literários. Aqui e, depois, em Bologna,
seguiu, primeiro, o curso de medicina e, mais tarde,
o de direito.
Uma nobre jovem, à qual o ligava uma santa ami­
zade, teve grande influência sobre os trabalhos literá­
rios de Bernardino e levou-o a trocar a medicina pela
jurisprudência. Brilhante aluno, recebeu o título de dou­
tor aos 3 de Junho de 1556.
O Cardeal Madruzzo, governador de Milão, nomeou
a Bernardino prefeito de várias cidades e, depois, pro­
curador geral. Conhecedor das suas raras qualidades, o
marquês de Pescara quis ter junto de si o jovem juris-
consulto. Assim este dirigiu-se a Nápoles onde chegou
a conhecer a Companhia de Jesus.
Reconheceu que Deus o chamava para esta ordem
religiosa. Teve, porém, que vencer um grave obstáculo:
o profundo amor a seu velho pai. Mas Nossa Senhora
chamou-o com tanta clareza que Bernardino obedeceu,
confiando na divina Providência.
Ainda antes de ser sacerdote, foi nomeado diretor
espiritual e mestre, de noviços, em Nápoles. Depois de
suá ordenação, trabalhou principalmente entre os estu­
dantes dessa cidade.
Em 1574, foi enviado para Lecce, a fim de fundar
um colégio da Companhia de Jesus. Em Setembro de
1583, podia escrever ao P. Cláudio Acquaviva, Supe­
rior Geral, que as Congregações Marianas faziam bons
progressos.
Depois de ter sido reitor do colégio, dedicou-se de
corpo e alma aos trabalhos apostólicos. Pregação e ad­
ministração dos S. Sacramentos tomavam a maior par­
138
te do seu tempo. Sacerdotes e religiosos, meninos e po­
bres escravos e doentes, todos conheciam a bondade e
o zelo do santo \ como o chamavam. Deus mesmo dis-
tinguiu-o com o dom de milagres e profecias. Vivia em
intima umao com o seu Criador e Senhor. E mais de
uma vez, Nossa Senhora apareceu-lhe, confiando-lhe o
menino Jesus. A fama da sua bondade e poder espalha-
va-se por toda a parte.
Por isso, compreende-se aquele gesto fora do co­
mum do prefeito, quando o ancião de quase 83 anos de
idade estava prestes a deixar esta terra.
No dia 2 de Julho de 1616, Bernardino entregou a
sua alma ao Senhor. Nunca se esqueceu da cidade da
qual é padroeiro.
58.
ALBERTO DE MUN
Raiou o dia 26 de Outubro de 1870. Um exército
francês achava-se sitiado pelas tropas alemãs, em Metz
(Lorena). Escasseavam os víveres. Mas pior foi a in­
capacidade ou a irresponsabilidade do comandante em
chefe, 'o marechal Bazaine, que forçou o exército a
render-se.
Entre os oficiais forçados a uma triste inatividade
havia um capitão que, nesse dia, escreveu as palavras:
“Meus olhos enchem-se de lágrimas. Nunca experimentei
algo que se parecesse com tristeza tão extrema”.
Se tivesse tido egoísmo bastante, teria lamentado
não somente a derrota da França, mas ainda a sua
própria desgraça. Prisioneiro de guerra, teve que se­
guir para Aquisgrana (Alemanha). E a sua carreira
Mas o capitão é católico genuíno. Escreve: Esta
guerra de dois meses tem feito mais em mim para se­
guir o bom caminho do que anos inteiros. Agora, rezo
com fervor”.
139
Quem foi este capitão que mereceu, pouco antes
da rendição, ser condecorado por atos de bravura?
O castelo dos condes de Mun, em Lumigny (Depar­
tamento de Sena e Marne), estava em festa, no dia
23 de Fevereiro de 1841, pois, nasceu um menino que,
na pia batismal, recebeu os nomes Adriano Alberto
Maria. Embora a sua família pertencesse à mais antiga
nobreza, estaria, hoje, esquecida, não fosse Alberto, que
lhe deu brilho imortal.
A primeira instrução foi-lhe administrada em ca­
sa. Com treze anos de idade, foi para o colégio dos je­
suítas, em Versalhes, onde entrou na Congregação Ma­
riana. Não se pode duvidar: a CM marcou-lhe o rumo
para a vida toda, corporificando-se nele a primeira Re­
gra que exige do congregado: própria santificação, ze­
lo pela salvação das almas e defesa da Igreja.
Tendo concluído o curso ginasial, de Mun ingressou
na Escola militar de Saint-Cyr e, como oficial, prestou
serviço na África.
Depois, veio a guerra franco-alemã com os seus
desastres. E, quando, afinal, pôde voltar à pátria, a ca­
pital achava-se à mercê da revolução. Ao lado do gene­
ral Wolf, Alberto entra na cidade e vê a miséria indes­
critível em que está imerso o povo. O capitão entra na
igreja de Belleville e faz o juramento de consagrar a
sua vida a esta pobre gente.
E’ nomeado ajudante do governador militar de Pa­
ris, general Ladmirault. Descobre, então, que as causas
dá rebelião são, de um lado, a apatia da classe burguesa,
do outro, o ódio feroz da classe operária contra a so­
ciedade.
Deve haver remédio. De Mun lê, estuda e pensa e
entra em contacto com homens que pensam como ele
pensa. Da especulação e trocas de idéias passa à ação.
Dedica-se aos Círculos Católicos de Operários. Isto, po­
rém, provoca o desagrado do Ministro da Guerra e Al­
berto, fiel ao seu juramento, feito na igreja de Belleville,
de consagrar as suas forças ao bem-estar do povo, faz
140
ouOrlQciCiG.
pesado sacrifício, enviando a sua demissão àquela au-
Agora, está livre para a sua obra. Embora tenha
que vencer mil dificuldades, entra no parlamento onde,
por espaço de uns quarenta anos, luta pelos direitos
dos operários e pelos da Igreja. Vai a Roma falar com
o Papa Leão XIII. Este diz-lhe: “Tenha coragem. Man­
tenha-se sempre na luta, porque não se pode abandonar
a pobre França aos que tanto se esforçam por perver­
tería . E ^nas mãos do Sumo Pontífice faz nm novo
juramento de fidelidade.
Còm a sua palavra inflamada, muitas vezes, de Mun
eletriza o parlamento todo. Os inimigos rugem. Mas ele
fica firme e, enquanto as forças físicas lho permitem,
não lhes dá trégua. Entretanto, quantos golpes teve que
sofrer! O próprio Leão XIII não aprovou a idéia de
Alberto de fundar um partido católico. E ele, imediata­
mente, submeteu-se à vontade do representante de Cris­
to. Pior foi que não podia impedir a execução das leis
iníquas contra a Igreja. Doente, retirou-se, afinal, da
vida.parlamentar. Ficava-lhe, porém, ainda a pena co­
mo arma poderosa. Não foi por nada que a Academia
Francesa dera-lhe um assento entre os “imortais”.
Nos dias desastrosos da I Guerra Mundial, o go­
verno da França, que se tinha transferido para Bordéus,
recorreu ao grande patriota. Fraco demais para pegar em
armas, sempre tinha ainda a palavra forte para reani­
mar exército e povo, com os seus artigos diários.
Morreu o grande lutador aos 6 de Outubro de 1914,
em Bordéus, para onde, pouco antes, se mudara a pe­
dido das autoridades.
As fontes de força, de Mun tinha-as encontrado
na S. Missa e Comunhão diárias e na profunda devo­
ção a Maria Santíssima.

141
59.
ENGUELBERTO DOLLFUSS
Em princípios de Agosto de 1914 desencadeou-se a
I Guerra Mundial. Uma forte onda de patriotismo ar­
rastou a mocidade de todos os países beligerantes para
os postos de alistamento. Em Viena d’Ãustria, um jo­
vem de 22 anos apresentou-se à comissão de recruta­
mento. Ele também quer -servir à pátria. Mas é decla­
rado “incapaz”. Faltam-lhe dois centímetros de altura.
O jovem não desanima. Dirige-se à circunscrição de
S. Poelten. E’ verdade, não cresceu. Mas a palavra de
uns amigos influentes decide os oficiais a aceitarem o
moço. Este entra para o célebre corpo dos “Kaiser-
schuetzen”, serve, como l p Tenente, mais de três anos
ininterruptamente na linha de fogo, animando a todos
com os seus exemplos de abnegação e bravura.
'Este jovem, que tão magnificamente se caracterizou
a si mesmo, foi Enguelberto Dollfuss, estudante de di­
reito e congregado mariano.
Nasceu ele aos 4 de Outubro de 1892, em Texing
(Áustria Inferior). Desde cedo, privado do pai, encon­
trou no padrasto um amigo dedicado. Da mãe herdou
a sua sólida piedade que se baseava numa fé inabalável.
A profunda caridade que distinguia a Dollfuss durante
toda a sua vida, teve a sua fonte nestes dons, valo­
rizados pela graça divina.
Estudante universitário, em Viena, Dollfuss teve que
cursar a difícil, escola da pobreza.'E tão bem aproveitou
as duras lições que sempre encontrava meios de so­
correr a outros, mais pobres ainda, principalmente a
operários.
O fim da guerra trouxe consigo a derrota da pá­
tria e a queda da antigã monarquia. A nação vivia
numa triste incerteza.
Dollfuss concluiu os seus estudos, passando, depois,
ainda um semestre na Universidade de Berlim, especiali-
142
zando-se em sociologia. Assim preparado, ocupou, su­
cessivamente, os cargos de Secretário Geral da União dos
Camponeses da Áustria Inferior, Presidente da mesma
organização, Presidente das Estradas de Ferro Federais
e Ministro de Agricultura. Finalmente sucedeu a Mon­
senhor Inácio Seipel no posto de Chanceler da república.
Já antes, Dollfuss atraíra sobre si a atenção do
mundo •internacional por sua atividade nos organismos
da Sociedade das Nações, .em que representava a Áus­
tria. Agora, como Chanceler, teve que enfrentar dois
inimigos formidáveis: dentro da capital do seu país, os
comunistas, e, nas fronteiras, os nazistas.-
A defesa contra os comunistas exigia medidas drás­
ticas. Dollfuss dissolveu o parlamento e proibiu a orga­
nização militar do partido stalinista. Por fim, o comu­
nismo foi declarado ilegal.
A segunda ameaça provinha dos nazistas. O Chan­
celer via claramente que estes queriam destruir não
apenas a independência do seu país, mas os valores mais
altos, até a fé católica. A isto opôs-se valentemente.
No dia 25 de Julho de 1934, porém, um assassino
nazista pôs fim à vida do grande estadista. O seu último
desejo, o de ter a assistência de um sacerdote na sua
agonia, foi-lhe, cinicamente, negado.
Mas, em toda a sua vida, Dollfuss foi um fervoroso
devoto de Nossa Senhora. Este amor mariano encheu-o
de amor a Cristo e de amor ao próximo. Com razão
escreve Dietrich von Hildebrandt: “Dollfuss não mor­
reu somente a morte do herói por sua pátria, uma
morte incomparavelmente mais amarga que a do sol­
dado do campo de batalha, senão que caiu também
como mártir por Cristo e a sua santa verdade. Porque
a sua luta foi sempre, em primeira lmha, pela causa
de Cristo”.

143
60.
O ESCRAVO DOS ESCRAVOS
A cidade colombiana de Cartagena celebrou no ano de
1954 o 3’ centenário da morte do seu maior herói.
Aos 8 de Setembro de 1654, faleceu ali um sacer­
dote da Companhia de Jesus que é, hoje, conhecido em
todo o mundo como padroeiro das Missões entre os Ne­
gros. E’ São Pedro Claver. Também os congregados ma­
rianos tiveram motivo de celebrar tal centenário, pois,
trata-se de uma das flores mais belas que os jardins
de Nossa Senhora têm produzido.
Não pode haver dúvida que o jovem Pedro Claver,
nascido em Verdu, no ano de 1580, de pais humildes,
mas solidamente cristãos, deve em grande parte à Con­
gregação Mariana, cujo membro se tornou no colégio
de Barcelona, os princípios e fundamentos da sua san­
tidade.
Este fervor inicial levou-o ao. noviciado da Compa­
nhia de Jesus na qual entrou no dia 7 de Agosto de
1602, na cidade de Tarragona.
No colégio de Monte Sión, ilha de Maiorca, onde cur­
sou filosofia, teve a graça insigne de encontrar-se com
o santo Irmão Coadjutor Afonso Rodrigues.
Uma amizade santa uniu estas almas gêmeas e, sob
a direção do humilde coadjutor, que era porteiro daquele
estabelecimento, fez Pedro grandes progressos na ciência
dos santos. Em especial, o Irmão Afonso inspirou ao
jovem escolástico um vivo zelo pela salvação, das almas.
Iluminado sobrenaturalmente, predizia-lhe o apostolado
difícil, mas fecundo, que o esperava na América.
Pedro pediu aos superiores que o mandassem para
as missões longínquas. Estes, porém, *brdenaram-lhe que
se transferisse para Barcelona, a fim de estudar teolo­
gia. Foi isto no ano de 1608.
Dois anos mais tarde, recebeu o jovem clérigo a al­
mejada licença e embarcou para a Nova Granada, como
144
era chamada, então, a parte noroeste do continente sul-
americano. Aportou em Cartagena. Por falta de profes­
sores nao se abriu o curso de teologia em Santa Fé de
Bogotá, que era o destino de Pedro. Durante dois anos
exerceu os humildes ofícios de um irmão coadjutor, pa­
ra, em 1612, afinal, continuar os seus estudos teológi­
cos. Aos 19 de Março de 1616, recebeu a ordenação
sacerdotal.
Os superiores mandaram-n'o para Cartagena, onde,
sob a direção experimentada do P. Sandoval, começou
o seu apostolado entre os escravos negros, que deveria
durar 40 anos.
Foi preciso uma caridade heróica no serviço des­
tes entes desprezados e abandonados. Pedro Claver dis­
punha desta virtude.
Quando chagavam os navios carregados com a mer­
cadoria humana, 'o zeloso missionário estava ao lado dos
médicos que inspecionavam os recém-chegados. Mas in-
comparàvelrnente mais do que estes podia fazer e fazia,
realmente, o ministro de Cristo. Não havia negro, por
mais miserável que fosse, que não recebesse carinhos de
mãe do bondoso sacerdote. Tinha vista para tudo, tanto
para as necessidades da alma como para as do corpo.
Mas a sua caridade não se limitava aos negros. Ha­
via os piratas ingleses e holandeses que, aprisionados,
passavam semanas e meses no porto. Pedro Claver vi­
sitava-os e poucos foram os que resistiram à sua bon­
dade. Havia os muçulmanos e muitos outros infelizes
que se sentiam beneficiados pelas riquezas do coração
do apóstolo.
Se Pedro Claver curava os incuráveis, se ressuscita­
va os mortos, se comovia os corações mais empedernidos,
se conseguiu batizar acima de 300.000 negros, devia-o,
além da graça de Deus, à sua .oração constante e as
tremendas penitências com que afligia o seu corpo ino­
cente O que mais era admirado por seus contemporâ­
neas? era o largo espaço de tempo por que aguentava
tal vida heróica.
Marianos — 10 145
Em 1650, entretanto, a sua saúde foi abalada de tal
forma que nem mesmo a santa Missa podia celebrar. Pas­
sava os dias no coro da igreja, confessando e aconse­
lhando os que' o procurassem.
Como predissera, Pedro Claver foi receber o prê­
mio do seu labor no dia 8 de Setembro de 1654.
Aos 15 de Janeiro de 1888, o Papa Leão XIII ins­
creveu a Pedro Claver, junto com seu amigo Afonso
Rodrigues, no álbum dos santos.
61.
DONOSO CORTÊS
“Don Pedro, aqui tiene usted a Juanito que ya
puede darme lecciones a mí”.
Estas palavras foram pronunciadas pelo professor
de Juan Donoso Cortês, filho de Pedro Donoso Cortês,
descendente do famoso conquistador do México.
Prometia este menino de dez anos — nascera aos
6 de Maio de 1809, em Valle Serena (Badajoz — Es­
panha) — que já sabia mais do que o seu mestre lhe
podia ensinar. Prometia e manteve a palavra. Este fi­
lho de uma família rica e aristocrática deveria ser o pri­
meiro Marquês de Valdegamas, deveria velar pela edu­
cação de Isabel II, deveria... Mas vamos ver isto mais
detalhadamente.
Já que em casa não havia nada mais que estudar,
enviaram o menino a Salamanca, onde se distinguiu no
estudo da metafísica e da história. Não tendo ainda com­
pletado 14 anos, traiu a sua enorme capacidade de per­
cepção, seu juízo claro e método seguro num trabalho
sobre a história universal. Não lhe bastando as matérias
em que se tinha matriculado, passou a estudar ainda
a jurisprudência, formando-se nesta disciplina na Uni­
versidade de Sevilha com apenas 19 anos de idade.
Esta pouca idade, porém, obstava a qúe se fizesse
advogado. Aceitou, portanto, a cadeira de humanidades,
146
em Cáceres. Depois de um am>, transferiu-se para Ma-
dnd.
oradorComeçou la a sua marcha triunfal como pouuco,
e publicista. político
„ Te^ e’ porém’ 3ue Passar por unia série de prova­
ções. Casou-se, em 1835, para, pouco depois, perder
pela morte esposa e filho. Também a política o fez so-
frer, levando-o para o exílio que passou na França,
Ao voltar à pátria, foi-lhe confiada a educação de
D. Isabel II. Sobreveio a morte de um irmão, fato esse
que deu causa a que João Donoso Cortês abjurasse por
completo as suas antigas idéias liberais e se transfor­
masse em católico consciente e fervoroso. Num discur­
so proferido no parlamento, e que encontrou forte eco
na imprensa também do estrangeiro, fez a sua corajosa
profissão de fé.
Donoso Cortês foi nomeado ministro plendpotenciá-
rio em Berlim. O meio racionalista, porém, que encon­
trou na capital da Prússia, não lhe agradou e, após
breve estada, voltou à Espanha.
Com o seu livro “Ensayo sobre, el liberalismo, el
catolicismo y el socialismo” despertou as consciências ca­
tólicas. O autor é atacado como absolutista, para não
dizer herege. Mas os jesuítas, na -“Civiltá Cattolica”,
Louis Veuillot e o próprio Papa Pio IX defendem-no.
Sempre ativo, acompanhando de perto o desenvolvi­
mento dos problemas prementes da Europa, tomando
parte nas lutas que convulsionavam a Espanha como
os outros países do continente velho, expunha o seu pen­
samento em discursos que lhe valiam ser comparado
a Demóstenes e Cícero, e em artigos que eram publica­
dos em vários jornais e periódicos.
A originalidade e beleza do seu estilo, as suas pro­
fundas análises e sínteses dos acontecimentos contempo­
râneos que até abriam horizontes que deixam entrever
acontecimentos futüros, mereciam-lhe assentonas Aca-
demia da História”, "Academia sevühana de Buenos
Letras” e “Academia Espanola de la Lengua e fizeram
10* 147
com que o seu nome e obras fossem incluídos no “Ca­
tálogo de Autoridades”.
Foi nomeado embaixador em Paris, onde esteve em
contacto íntimo com os grandes católicos daquela capital.
Entretanto, aprofundava a sua vida religiosa. Dese­
java ser aliviado do seu cargo diplomático para entre­
gar-se à oração e às obras de caridade. Depois de ma­
duras reflexões, resolveu entrar na vida religiosa. Esco­
lheu a Companhia de Jesus.
Mas um mal súbito, que o prostrou no leito, desfez
todos os planos. Em poucos dias via-se às portas da mor­
te.’ O imperador Napoleão III enviou-lhe um ajudante
de campo para manifestar o seu interesse pelo nobre
doente. Este agradeceu. Depois olhou para o crucifixo
e disse: “Que Este se interesse por mim é o que me
importa a mim”.
No dia 3 de Março de 1853, adormeceu na paz do
Senhor.
Se o príncipe Metternich comparou Donoso Cortês
aos maiores oradores da antiguidade clássica, sé o em­
baixador espanhol teve um enterro como o costumam ter
os reis, manifestam estes fatos a estima em que o ti­
nham os seus contemporâneos.
Mas o que o Marquês de Valdegamas, na realidade,
era, revelou-o ele mesmo com as suas últimas palavras:
“Jesus de minha alma! Deus do meu coração!”
62.
INOCÊNCIO XI
A vida deste mariano é tão rica em fatos e aconte­
cimentos que apenas podemos apontá-los.
Nasceu Benito Odescalchi em Como ‘(Itália), aos
16 de Maio de 1611. Fez os seus estudos humanísticos,
sob a direção dos padres da Companhia de Jesus, em
sua cidade natal. Em seguida, dedicou-se ao estudo dos
dois direitos em Roma e Nápoles, coroando-se com a
148
laurea do doutorado. Desde cedo sentia-se atraído pela
carreira eclesiástica. Achando-se em Roma, durante o
pontificado de Urbano VIII, foi nomeado protonotário e
presidente da Câmara Apostólica. Já nestes cargos, ma­
nifestou o seu profundo senso de justiça e a grande bon­
dade que deveria ser uma das características do futuro
Papa. Com apenas 34 anos de idade, foi elevado à digni­
dade cardinalícia. Foi comissário de Ancona e governa­
dor de Macerata. Em tempos bem difíceis, Inocêncio X
mandou Benito Odescalchi como legado para Ferrara.
No diploma de nomeação, o Papa escreveu: “Enviamo-
vos o pai dos pobres”.
Aos 21 de Setembro de 1676 foi eleito Papa, toman­
do o nome de Inocêncio XI.
Uma das primeiras medidas do novo chefe da Igre­
ja foi a simplificação da corte papal. Isto deu-lhe a pos­
sibilidade de equilibrar as finanças, apesar de ter abolido
alguns impostos. Reformou a administração da justiça; -
combateu a imodéstia no vestir; tratou de renovar o
fervor religioso por meio da catequese e da pregação
da palavra de Deus. Recomendou, também, a Comunhão
frequente e diária.
A política criou-lhe graves problemas. De um lado,
o rei Luís XIV da França, com as suas idéias quase
cismáticas, exigia uma atenção especial. Do outro lado,
ameaçavam os muçulmanos com as suas guerras de con­
quista. O Papa, defensor nato da cristandade, fez tudo
para conjurar o perigo. Mas poucos foram os príncipes
que se prontificaram para auxiliar. Entretanto, foi o
rei da Polônia, João III Sobieski, que, aos 12 de Setem­
bro de 1683, sob a invocação do Nome de Maria, conse­
guiu, diante das portas da Viena assediada, derrotar o
inimigo formidável. A . YT
Grandes esperanças despertaram em Inocêncio X ,
quando Jaime II subiu ao trono da Inglaterra, esperan­
ças que, infelizmente, não se realizaram.
Inocêncio XI, já em vida venerado como um santo,
faleceu aos 12 de Agosto de 1689.
63.
HERBERTO VAUGHAN
Apesar das sangrentas perseguições que, desde Hen­
rique VIII, durante mais de 150 anos, fizeram correr o
sangue de inúmeros católicos, apesar de leis iníquas que
privavam os filhos fiéis da Igreja Católica na Inglaterra
de quase todos os direitos, havia sempre famílias que,
sem sacrificar a mínima parcela de sua fé, conseguiram
sobreviver. E mesmo, graças à força de vontade e uma
inteligente prudência, subiam as escalas social ou mili­
tar. A coragem e o caráter decidido sempre se impõem.
Homem desta espécie foi o coronel João Vaughan que
casou com Elisa Rolls, convertida à religião católica pou­
co antes do matrimônio. Esta união foi abençoada com
13 filhos. Dos 8 homens, 6 escolheram o sacerdócio (che­
gando três deles à dignidade episcopal). As 5 filhas con­
sagraram-se a Deus na vida religiosa.
Herberto, o nosso mariano, nasceu aos 15 de Abril
de 1832, em Gloucester. Com 9 anos de idade, ingressou
no célebre colégio que a Companhia de Jesus mantém
em Stonyhurst. Em 1847, o mocinho passou para o co­
légio de Brugelette (Bélgica), dirigido peles mesmos
religiosos.
O pai queria que Herberto seguisse a carreira mi­
litar. Mas o filho já escolhera o estado sacerdotal. Her­
dara a cabeçudice do pai e venceu. Estudando teologia
em Roma, a saúde de Herberto achava-se tão abalada
que os seus colegas receavam que o jovem inglês não
chegaria à idade prescrita para poder receber as ordens
sagradas. Pediram ao Santo Padre que Herberto fosse
ordenado logo. Assim, com apenas 22 anos de idade,
este foi ordenado sacerdote... (28-10-1854).
Desde que resolvera ser sacerdote, o sonho de Her­
berto era trabalhar como missionário no País de Gales.
O Cardeal Wiseman, porém, nomeou o jovem padre
para o posto de vice-reitor do Colégio S. Edmundo, em
150
Wore, naquele tempo, o seminário mais importante em
solo inglês. Entretanto, o entusiasmo pelas missões es-
trangeiras nunca abandonou o distinto sacerdote E as­
sim com a aprovação do Cardeal Wiseman e a’bênção
do Papa, embarca para as Américas Central e do Sul.
As condições políticas, todavia, não permitiam que exe­
cutasse os seus planos em Nova Granada (hoje, Colôm­
bia). Resolveu ir à Austrália. Mas, neste tempo, rece­
beu uma carta do Arcebispo de Westminster, Cardeal
Manning, sucessor do Cardeal Wiseman e antigo pro­
fessor de Herberto. A carta continha a ordem de vol­
tar para a Inglaterra.
O P. Vaughám obedeceu. E as missões com isto ga­
nharam. Pois, já no ano seguinte, fundou a Congregação
Missionária de Mill Hill, empregando nesta obra o di­
nheiro que recolhera na América. Antes de o novel ins­
tituto enviar os seus primeiros missionários para os Es­
tados Unidos da América, o P. Vaughan foi explorar
pessoalmente o futuro campo de ação desses arautos
de Cristo.
De volta à pátria inglesa, foi o zeloso sacerdote
surpreendido com a sua nomeação para Bispo de Sal-
ford; em 1872. (Salford é, hoje, um bairro de Manches-
ter. A catedral católica, porém, está situada na antiga
povoação de Salford).
O novo Bispo via logo que tarefas enormes o es­
peravam. O seu primeiro cuidado, dedicou-o à formação
do clero, fundando para tal fim o Seminário de São
Beda, instituto que, em pouco tempo, tornou-se impor­
tante centro da vida católica. A diocese estava agra­
vada por uma pesada dívida financeira. Em poucos anos,
porém, o antístite conseguiu pagar além de 64.000 li­
bras esterlinas, diminuindo sensivelmente as obngaçoes
daquela circunscrição eclesiástica. Manchester, cidade
industrial, conhecia à farta a miséria, O Bispo imedia-
tamente lutou por melhorar as condiçoes higiênicas e con­
seguir habitações mais dignas para os operarios.Insis-
tiu na catequese dos meninos, tão negligenciada ate en-
151
tão. Para promovê-la instituiu a “Sociedade de Resga­
te e Proteção”. No -ato de fundação desta agremiação,
deu-lhe a soma de 1.000 libras esterlinas e toda a sua
renda pessoal. O povo, vendo esta generosidade, não
teve dúvida em seguir o magnífico exemplo.
Inesgotável em planos e forças em favor das almas
imortais, lançou mão de um dos meios mais importantes:
a imprensa. Colaborador do jornal “Tablet”, comprou,
mais tarde, esse periódico. Em 1884, fundou a “Catho-
_ lic Truth Society” que, por meio dos seus inúmeros opús­
culos religiosos, contribui, até os nossos dias, para a
conservação da fé dos católicos e a conversão de pro­
testantes e anglicanos.
Aos 14 de Janeiro de 1892 sobreveio a morte do
Cardeal Manning. Todo o mundo esperava que o Bispo
Vaughan fosse nomeado para a sé vacante. De fato, Ro­
ma propôs-lhe a promoção. D. Herberto, porém, diri­
giu a Leão XIII um insistente pedido em sentido con­
trário. O Papa ficou firme, nomeou-o para a sé arquie-
piscopal de Westminster e, poupo mais tarde, concedeu-
lhe o sagrado pálio. No ano seguinte, o Arcebispo foi
elevado à dignidade cardinalícia. -
Também nesta nova posição, D. Herberto via a sua
primeira obrigação na formação do clero. Fruto deste
cuidado é o novo Seminário Central de Oscott. Outro
empreendimento que lhe gastou muitas energias foi a
construção da Catedral de Wesminster.
Durante este período da vida, o grande Cardeal so­
freu muit.o em consequência da saúde abalada. Contudo,
continuou nos seus trabalhos até o dia 5 de Março de
1903, dia em que trocou o palácio arquiepiscopal pelo
querido colégio de Mill Hill. Lá, no meio dos seus
missionários, queria morrer. No dia 19 de Junho daque­
le ano, veio a falecer.
O que impressionara ao jovem congregado Herber­
to: a salvação das almas, tornou-se a força motriz do
sacerdote, Bispo e Cardeal Vaughan. '

152
64.
S. ANDRÉ BOBOLA
Á família dos Bobola, de alta nobreza, mudara-se,
no^ século 13 ou 14, da Boêmia para a Polônia. Nesse
país, os rebentos de um tronco já notável por sua forta­
leza deram provas tanto de piedade sólida como de
bravura impertérrita, resultando de tal combinação de
virtudes um profundo amor à Igreja Católica e à Pátria.
A expressão mais esplendorosa encontraram estas
virtudes em Santo André Bobola.
A vida deste herói decorreu numa das épocas mais
agitadas da história da Polônia. Lutas religiosas e po­
líticas devastavam o solo pátrio, saturando-o com o san­
gue dos seus melhores filhos. Suecos, rutènos cismáti-
cos, luteranos, calvinistas e cossacos levaram, com as
suas guerras sangrentas, o país à beira do abismo.
Os que mais tinham que sofrer, nestas condições,
eram os sacerdotes católicos, muitos dos quais derrama­
ram o seu sangue pela fé, entre eles o Arcebispo de
Witesbsk, S. Josafá. Tão numerosos foram estes mar­
tírios que já não se fazia questão de anotar datas re­
lativas à vida dos intrépidos soldados de Cristo.
Assim é que não sabemos com certeza se André
Bobola nasceu em 1590 ou 1592. Sabe-se, entretanto,
que viu a luz em Pultowsk, na Masóvia, região que
fazia parte da Polônia.
Entretanto, os catálogos da Companhia de 'Jesus,
na qual André alistou-se aos 31 de Julho de 1611, re­
gistaram os seus trabalhos e ofícios. Deste modo cons­
ta que, dep'ois da sua ordenação sacerdotal (Wilna,
12-3-1622), desenvolveu as suas atividades, no colégio
de Pinsk, como Prefeito de Estudos e Diretor de Con­
gregações . Marianas. Em breve assumiu ainda o cargo
de pregador. Aos poucos, este último ofício^ tornou-se
sua ocupação única e predileta. Percorria, incansavel­
mente, as terras na vizinhança de Pinsk, em busca de
153
almas. Para estar mais perto do campo de ação, trans­
feriu-se para a residência de Bobruisk cujo superior foi
nomeado em 1649.
Cuidava, especialmente, de reconduzir ao seio da
Igreja Católica os errantes de toda espécie. E nisto te­
ve grande sucesso. Contribuiu para tal o dom singular
de expòr com clareza e calor a doutrina de Cristo. A
sua abnegação heróica e, em particular, a sua caridade
proverbial davam eficácia à sua palavra.
Foi, precisamente, este fato que provocou contra
André a ira e o ódio dos cismáticos. Quando, em 1657,
um exército de cossacos invadiu a região de Pinsk, o P.
André acompanhou os católicos que tratavam de escapar
à sanha dos invasores. Num lugarejo perto de Ianow,
estava ele dizendo a S. Missa, no dia 16 de Maio de
1657, quando estrépido de armas e gritos de desespero
anunciavam a chegada dos terríveis inimigos. Alguns
cismáticos denunciaram o zeloso pastor. Os cossacos
prenderam-no. Já no caminho da capela onde dissera a
sua última missa, até o centro de Ianow, o P. André
foi atrozmente maltratado. Mas as torturas que teve
que sofrer no açougue dessa cidade foram tão desuma­
nas e inauditas que a Congregação dos Ritos, acostu­
mada a muita coisa nesta matéria, no seu parecer so­
bre o martírio de Santo André, escreveu as palavras:
“Jamais, *por assim dizer, um martírio tão cruel foi
submetido à discussão desta Sagrada Congregação”.
Apenas pelas 3 horas da tarde, um último golpe de
espada tirou-lhe o resto de vida.
O corpo do mártir conservou-se intacto. A piedade
dos fiéis adornou-o com pedras preciosas. Em 1922, os
bolchevistas roubaram os jóias e levaram o corpo para
um museu de medicina, em Moscou. Dois jesuítas que
integravam a Pontifícia Comissão de Socorro aos Fa­
mintos, alcançaram que o governo soviético desse o cor­
po de presente a Pio XI. Assim chegou a Roma.
Na festa da Páscoa de 1938, o Santo Padre inscre­
veu no álbum dos santos o nome de André Bobola. /

154
65.
O GENERAL DE SONIS
Maio de 18o5. Napoleão III, imperador dos france-
ses, desembarca em Argel em visita oficial à Argélia.
Manifesta ao Marechal MacMahon a sua vontade de ter
consigo um oficial de mérito e distinção, que conhe­
ça perfeitamente o país, a língua, os costumes dos indí­
genas e que lhes inspire estima completa”.
O marechal não precisa indagar muito. Lá estava nm
comandante de esquadrão, oficial brilhante que se dis-
tinguia entre todos por sua bravura e as suas quali­
dades de caráter. Comunica, pois, a intenção do impe­
rador ao chefe dos “spahis”. Este, porém, recusa. Para
ele, o imperador não é o príncipe legítimo e, além dis­
to, o seu governo observa uma atitude desleal para
com o Papa.
Quem foi este oficial que, com tanta franqueza, re­
sistiu aos desejos do imperador, arriscando carreira e
fortuna?
Foi o futuro General de Sonis, o grande devoto do
Coração de Jesus e servo fiel de Maria Santíssima.
Nasceu Luís Gastão de Sonis aos 25 de Agosto de
1825, em Point-à-Pitre, capital da Ilha de Guadelupe.
Seu pai, João B. de Sonis, servia lá como tenente na
infantaria.
Em 1832, o agora capitão João de Sonis voltou para
a França, levando consigo os filhos já mais crescidos,
enquanto a esposa com as crianças mais novas ficou
na ilha de Guadelupe. Gastão nunca mais deveria ver
sua mãe. Ela faleceu, em 1835, quando se preparava
para a viagem, a fim de reunir-se com o marido e. os
filhos mais velhos. Devemos ver nisto uma daquelas me­
didas insondáveis da divina Providência. A avó encar­
regou-se da educação do jovem Gastão. Esta mulher, pie­
dosa no melhor sentido da palavra, soube inspirar no
155
neto aquela profunda religiosidade que deveria ser o
distintivo do grande soldado.
E’ verdade, esta religiosidade teve que passar por
provas bem duras. Os últimos anos de curso secundário,
Gastão passou-os em dois colégios que eram verdadei­
ros antros do vício. Não é de admirar, pois, que a sua
fé se ressentisse disto. Mas, por ocasião da morte ines­
perada do pai, um sacerdote reacendeu o fogo sagrado
na alma predestinada do jovem.
Este entrou para a escola militar de Saint-Cyr. Dis-
tinguiu-se, desde logo, entre os seus colegas, ganhando
a estima de todos. O ambiente, porém, era hostil à prá­
tica da religião. Gastão teve que aproveitar os dias de
saída para receber os sacramentos, e fazer isto às es­
condidas, como se praticasse um crime.
Em 1848, foi promovido ao posto de tenente na ca­
valaria, sendo destacado para servir na guarnição de
Castres. Nessa cidade, casou com Anais Roger. Trans­
ferido para Paris, começou a intensificar a sua vida
religiosa, o que, naturalmente, teve como fruto um pro­
fundo interesse pela salvação das almas. Se os primór-
dios desta vida de catolico militante pertencem à ca­
pital da França, Limoges devia ser testemunha do seu
desenvolvimento esplendoroso. Como membro da Con­
ferência Vicentina, entrou em contacto direto com a mi­
séria do povo. Embora de Sonis mesmo estivèsse mal
provido de bens desta terra, encontrava sempre meios
para socorrer os pobres. Foi em Limoges também que
lhe veio a idéia de instituir a adoração noturna. Com
um grupo de católicos, procurava, destarte contraba­
lançar a malícia dos homens. Esta união com Cristo,
aliada aò apostolado ativo, iria, de ora em diante, cres­
cer. ano por ano. Um dos seus confessores, missionário
na África, pôde escrever de Sonis: “Sua vida interior
era mais de um religioso que de soldado. A oração con­
tínua e a comunhão frequente sublimavam-se na perfei­
ção e cada vez que o meu ministério me abriu aquela
156
alma, senti-me reanimado nos meus deveres de sacer-
dote e missionário”.
Esta união com Deus manifestava-se em tudo e em
toda a parte. Os seus superiores estimavam em de So­
nis um oficial firme, rigoroso, exato e severo. A sua
entrega total à vontade de Deus fez dele um guerreiro
intrépido, quer na Itália, onde — embora a contragosto
— lutou contra os austríacos, quer na África, onde, por
quase vinte anos, defendeu os interesses não apenas da
França, mas ainda da civilização cristã, quer na trágica
guerra franco-alemã.
E’ sobretudo nesta última campanha, quando co­
mandava uma divisão de cavalaria, que patenteou todo
o seu valor de soldado católico. A situação era desespe-
radora. Deram-lhe um comando. Mas não sabiam onde
estavam as tropas que ele deveria comandar. Reuniu as
tropas. Levou-as, cansadas e mal alimentadas, para a
batalha de Loigny. Lançando mão de toda a sua arte
militar, opôs-se ao inimigo. No mais. aceso do combate,
foi ferido tão gravemente que uma perna teve que ser-
lhe amputada. Durante meses foi vítima de dores cruéis.
Quando, afinal, pôde levantar-se, teve que aprender a
andar com a sua perna de pau. Mas o que mais o
interessava era se podia montar a cavalo. Experimen­
tou. Saiu-se tão bem com os seus çxercícios que pôde
voltar ao serviço ativo. Recebeu a nomeação para ins­
petor de cavalaria.
Ao fim de poucos anos, porém, os sofrimentos e^ a
saúde alquebrada forçaram-nó a renunciar à sua profissão.
Os últimos meses de sua existência na terra, pas­
sou-os na dura escola do sofrimento. No dia 15 de Agos­
to de 1887, na festa mariana de que tanto gostava,
entregou a sua alma de soldado de Cristo nas mãos
do Senhor dos Exércitos.

157
66.
S. CAMILO DE LELLIS
Enquanto, ao norte dos Alpes e na Inglaterra, fi­
lhos ingratos da velha ,Igreja Católica se revoltavam
contra ela sob o pretexto de quererem reformá-la, vivia
ao sul dos Alpes e na Península Ibérica uma plêiade
de santos. Estes homens começaram a reforma lá onde
toda reforma deve começar: consigo mesmos.
Exemplo clássico desta reforma verdadeira, fornece-
o a vida do congregado mariano S. Camilo de Lellis.
Nasceu em Bocchianico, no reino de Nápoles, em
1550. As circunstâncias que rodeavam a sua entrada
no mundo e os primeiros anos nele passados não fa­
voreciam uma vida de santidade. O pai era oficial nos
exércitos de Carlos V. Sua mãe, uma senhora já quase
sexagenária, quando deu à luz este filho que devia ser
uma bênção para milhares e milhares de seres humanos.
A mãe, entretanto/ não sobreviveu por muito o advento
de Camilo. E, com seis anos de idade, o menino perdeu
também o pai. Nestas condições não era de esperar que
o jovem adquirisse uma boa educação. De fato, aprendeu
apenas a ler e escrever. Mas numa coisa tornou-se pe­
rito, bem cedo, no jogo.
Com 18 anos, entrou para o exército, primeiro, de
Veneza, depois, de Nápoles. Á sua paixão pelo jogo e
uns abscessos nos pés causaram a sua expulsão das for­
ças armadas. Em 1574, conseguiu, porém, novo alista­
mento em Veneza e lutou* contra ós turcos. O jogo foi
mais uma vez a sua desgraça: perdeu toda a sua for­
tuna. Para nao morrer de fome, foi trabalhar como ser­
vente na construção do convento dos Capuchinhos em
Manfredônia. Esta humilhação e o exemplo dos religio­
sos abriram-lhe os olhos. Ingressou na sua Ordem. Mas
as feridas nos pés forçaram o moço a voltar ao mundo.
Dirigiu-se para o hospital de S. Giacomo, em Roma, on­
de já uma vez passara uma temporada e donde fora
158
expulso por causa, do jogo e das suas conversas desedi-
ficantes. Curado, trabalhou naquela casa durante 4 anos.
S.d Tilipe
^eSSVb-en.em?>0 aconselhava-se,
Resolveu entrar maisfrequentemente, com
uma vez na Ordem
dos Capuchinhos. Mas, também, desta vez, teve que aban-
donar o convento por causa da antiga moléstia. Vol­
tou ao hospital de S. Giacomo e foi feito mordomo. Nesta
posição sofreu muito ao ver a negligência com que' os
enfermeiros cuidavam dos doentes. Veio-lhe a idéia dq,
fundar uma associação de enfermeiros que se dedicas­
sem aos doentes por amor de Deus. Notando, porém,
que, muitas vezes, as almas careciam ainda mais de
cuidado do que os corpos, a sua associação deveria com­
por-se de sacerdotes e leigos.
Para executar tal projeto, era-lhe indispensável o
estudo. Com 32 anos voltou aos bancos escolares, no
Colégio Romano. Já em 1584, foi ordenado sacerdote.
Podia, agora, pensar em executar o seu plano. Mas,
ao pôr os fundamentos da sua obra, encontrou, ines­
peradamente, as maiores dificuldades. Não desanimou.
Começou com alguns amigos que partilhavam o seu ideal
e, sem emitir votos religiosos, por enquanto, formaram
uma comunidade ao serviço dos doentes nos hospitais.
Pouco depois, incluiu Camilo no programa de trabalhos
também a assistência aos doentes em casas particulares.
Os seus filhos espirituais tinham um dom especial de
ajudar aos moribundos. Por isso, foram chamados os
“Padres da Boa Morte”.
O Papa Sixto V aprovou a associação de boa von­
tade. E Camilo pôde abrir uma casa em Nápoles (1588).
Naquela cidade, os Padres da Boa Morte receberam o
batismo de fogo, durante a peste.
O seguinte Papa, Paulo V, que em alta estima ti-
nha a Camilo, elevou o Instituto à categoria de Ordem
religiosa. Aos votos de pobreza, castidade e obedieuci

acrescentaram „rin no /jg
o quarto, ae servir
s aos doentes ataca-
dos pela peste.
159
Seguiram-se agora várias novas fundações, na Itá­
lia. Mas a saúde de Camilo tornou-se tão precária que,
com a aprovação do Sumo Pontífice, renunciou ao seu
cargo de Superior Geral da Ordem. Não encontrou, porém,
descanso. Por ordem do novo Superior Geral teve que
empreender uma série de viagens fatigantes.
Em 1613, voltou para Roma, doente. Aos 14 de
Julho de 1614, a morte livrou-o dos sofrimentos de
juma longa vida, abrindo-lhe as portas do Paraíso.
Fato notável: enquanto, no norte da Europa, os
homens se perseguiam com ódio implacável, no sul,
a caridade vivia uma era de triunfos.
67.
SÃO VICENTE DE PAULO
“Um santo é um crente lógico, um homem que, le­
vando a sério a sua fé, dela aceita todas as consequên­
cias e tem a coragem de conformar com ela a sua con­
duta em tudo e até o fim” (Lucien Bouchon: Le Père
Henry Auffroy, S. J.).
Nestas palavras revela-se-nos o segredo da santida­
de de Vicente de Paulo. Da fé vivia ele. A fé inspira­
va-lhe o entusiasmo que o levou a'os cumes da perfei­
ção cristã. A fé fez com que empreendesse as magníficas
obras que tornaram conhecido, em todo o mundo, o fi­
lho de humildes campônios.
Nasceu Vicente aos 24 de Abril de 1581, em Puy
(sul da França), sendo o terceiro filho de João de Paulo
e Bertranda de Moras. Até aos 15 anos de idade, empre­
gou os seus dias como pastor. Verificando que o me­
nino era dotado de uma boa inteligência, o pai mandou-
o para o colégio que os franciscanos mantinham em
Dax. Julgava que o pouco dinheiro de que dispunha
era bem empregado ém dar ao filho a possibilidade de,
mais tarde, receber um benefício eclesiástico com cu­
ja renda iria socorrer a família. O sr. de Comet, ad-
160
vemdN»T Da\ Cheg0"
vem. Nao somente custeoua conhe0CT
em parte eos«Um» ao jo­
seus estudos
mas ajudou a Vicente na escolha do estado eclesiástico’.
Este cursou teologia na Universidade de Tolosa e ain­
da nao tendo completado vinte anos, foi ordenado sa­
cerdote, aos 23 de Julho de 1600.
Apesar da sua profunda piedade, o neo-sacerdote
sonhava com um benefício rendoso. Mas, em breve, ven­
ceu o jipego aos bens da terra, como também as mani-
xestações da ambição. Cristo foi pobre e humilde. Assim
ensinava-lhe a Fé.
Logo depois da sua ordenação, Vicente foi nomea­
do vigário de Tilh, paróquia situada perto da sua terra
natal. Mas um outro sacerdote afirmava ter direitos a
essa paróquia. Para evitar um litígio, Vicente renun­
ciou, indo continuar os seus estudos em Tolosa. Um
protetor influente insistiu com ele que aceitasse um bis­
pado. O jovem padre não prestou ouvidos. Deus tinha
outros planos com ele. E no começo da execução desses
planos, colocou uma prova bem dura.
Vicente fora a Marselha receber algum dinheiro.
Para encurtar o caminho de volta a Tolosa, embarcou
num navio. Durante a viagem foi feito prisioneiro por
um pirata e levado para a Tunísia. Vendido como es­
cravo, chegou a ser propriedade de um renegado. De­
pois de longo cativeiro, Vicente teve a satisfação de
converter o seu amo, com o qual fugiu para a- França.
Um prelado levou-o consigo para Roma onde se
entregou a estudos. Voltando à pátria, dirigiu-se a Pa­
ris. Necessitava de calma ,e solidão para rezar. Deus
preparara-lhe um excelente mestre da vida espiritual
na pessoa do P. de Bérulle. Obedecendo a este guia,
aceitou o cargo de esmoler da rainha Margarida de Va-
lois e, mais tarde, o de vigário de Clichy. Sempre obe­
diente, trocou este posto pelo de capelão na casa dos
Mas Vicente queria ter um campo de açao junto
ao povo simples. Assumiu, por isso, o cargo de vigar
Marianos — 11 161
em Chatillon-les-Dombes. Foi providencial. Pois ali co­
locou o fundamento das suas organizações de obras de
caridade, instituindo a primeira Confraria de Caridade,
uma associação de católicos leigos que, movidos pelo
• àmor a Deus, cuidavam dos pobres, doentes e aban­
donados.
A família dos Gondi tanto insistiu com ele, que
por fim voltou para junto dela.
E é agora que se iniciam e desenvolvem as suas
grandes obras. São tantas que apenas podemos enume­
rá-las.
Uma missão popular nas vastas terras dos Gondi
deu causa à fundação da Congregação da Missão. O
contacto com a infância abandonada, com doentes e men­
digos inspirou-lhe a idéia de pôr ao serviço deles as
Irmãs de Caridade e as Damas de Caridade. Sua nomea­
ção para capelão das galeras influiu poderosamente nas
melhoras introduzidas no sistema penitenciário.
Vendo que o clero não estava à altura do seu sa­
grado ministério, esforçou-se por sua reforma, princi­
palmente por meio dos retiros. Como superior geral
da Congregação da Missão enviou seus filhos espiri­
tuais tanto para os países da Europa em que a fé es­
tava periclitando ou perseguida, çomo também para as
terras dos pagãos.
Nos últimos anos da sua vida, só com extrema di­
ficuldade podia mover-se por causa de um mal nas per­
nas. Entretanto, manteve-se ativo até poucos dias an­
tes da sua morte, que ocorreu aos 27 de Setembro de 1660.
S. Vicente foi canonizado por Clemente XII aos
16 de Junho de 1737.
68.
S. JOSÉ PIGNATELLI
Saragoça, 1746. No palácio dos Pignatelli, um me­
nino de nove anos chora aos pés do corpo inanimado
de seu pai. Muitos homens, vestidos ricamente, entram
162
e saem. Por fim, levam o ataúde com os preciosos res-
tos, E o menino está só.
a vidaPois, cinco anos antes, também a mãe fora para
eterna.
Uns dias depois dizem-lhe que deve sair de Esna-
Ma cuMaPradael” aPOleS' a COndessa deA“ rra'
Oh! ^enino, tu não suspeitas ainda que — mais
tarde; chorarás a morte de tua segunda mãe: da Com-
panhia de Jesus, que, de coração confrangido, sairás
mais uma vez, desta cidade de Saragoça, onde nasces­
te, aos 27 de Dezembro de 1737, desta cidade onde
teu pai, Antônio Pignatelli, Príncipe do Sacro Império,
e tua mãe, Francisca de Moncayo, marquesa de Mora
y Coscojuelo, levaram a vida feliz de esposos e pais
cristãos.
Por enquanto, tudo isto, cobre-o o véu de um fu­
turo distante.
O menino José apronta-se para a longa viagem. Na
bela cidade de Nápoles, protegido pela irmã bondosa,
as lágrimas secarão — e o tempo corre célere.
E eis que, já três anos depois daquele triste êxodo,
José está de volta à sua cidade natal. Para assegu-
rar-lhe uma instrução sólida e uma boa educação, a
condessa de Acerra manda o irmão para o colégio dos
jesuítas em Saragoça. E os padres, em breve, gostaram
deste mocinho inteligente, afável e piedoso. E, embora
não suspeitassem que sob um exterior delicado se es­
condesse uma alma de herói, não se admiraram, quan­
do José pediu a admissão à Companhia de Jesus. Com
16 anos de idade, José entrou no noviciado, depois de
,ter, não sem dificuldades, obtido a licença de seu irmão
maior, o conde de Fluentes, e do rei Fernando VI.
Tendo pronunciado os primeiros votos religiosos,
cursou humanidades e filosofia. A sua saúde delicada
fez com que os superiores o dispensassem do estagio
costumeiro num colégio e enviaram-no logo para a teo-
11* 163
telli foi ordenado sacerdote.
* W V I* i* * ) V W * A * V W J » ------------------------------------------------------------------------------ ' w

Em 1762, entrou como professor no colégio de Sa­


ragoça. O tempo que as aulas lhe deixavam, empregava-
o em obras de zelo e de caridade que grande popula­
ridade lhe granjearam. Em virtude desta estima geral
pôde, em 1766, junto com alguns outros jesuítas, apa­
ziguar uma revolta do povo. 0 rei Carlos III, em carta
régia, manifestou a sua gratidão pela intervenção fe­
liz destes religiosos.
Não passara, porém, uhi ano e o mesmo rei expul­
sou todos os jesuítas do território nacional.
Por este tempo, o P. Pignatelli sofreu uma perigo­
sa hemoptise. Em vista disso e considerando a alta no­
breza da sua família, o governo estava pronto a per­
mitir-lhe ficar em Saragoça, com a condição, porém, que
ele abandonasse a Companhia de Jesus. O padre não
hesitou: junto com 600 irmãos de hábito tomou o ca­
minho do exílio.
Foram para a ilha da Córsega. Nesta triste emer­
gência, o jovem sacerdote revelou a sua grandeza,d’al-
ma. Sua serenidade, sua fortaleza e prudência serviam
de apoio aos companheiros de infortúnio. Pignatelli ma­
nifestou, além das suas sólidas virtudes, dotes extraor­
dinários de organizador. Os estudos não podiam ser
interrompidos. A disciplina religiosa teve que ser man­
tida. Mas também havia a questão da roupa e comida.
A tudo isto atendeu Pignatelli por ordem do seu Pro­
vincial.
Passaram apenas um ano em Córsega, quando veio
a ordem de transferirem-se para o continente italiano.
Dirigiram-se para Ferrara.
Lá tiveram que sofrer o golpe mais doloroso. O Pa­
pa Clemente XIV, em 1773, cedendo às instâncias dos
príncipes da casa de Bourbon, suprimiu a Companhia
de Jesus.
Os seus antigos membros viram-se em sérias difi­
culdades. No princípio, os sacerdotes não podiam traba-
164
M
L ranB
, , B o l?? ^ 'deond«
^ maf' ^°m°o VÍTCr?
dlvldlu 0 P' entre
seu tempo KS”atelli foi
orações
mnüns
muitos ®outros que, de caridade' 0s ex-jesuítas,
em consequência mas também
das mudanças polí­
ticas, empobreceram, experimentaram a bondade do pa­
dre espanhol. Até o próprio Papa Pio VI recorreu
a ele e recebeu somas consideráveis, por intermédio
seu, da duquesa de Villahermosa, sobrinha de Pignatelli.
Entretanto, este não pôde esquecer a Companhia
de Jesus. Sabendo que, na Rússia, subsistia ainda um
resto da Ordem supressa, resolveu viajar para aquela
terra longínqua e juntar-se aos filhos de S. Inácio.
O mesmo Papa encorajou-o neste sentido. Mas doenças
e outros obstáculos opunham-se à execução do"plano.
Eis que o duque de Parma que, com a aprovação
de Pio VI, chamara alguns jesuítas para as suas ter­
ras, convidou a Pignatelli para ir viver naquele es­
tado. Pressuroso acudiu este e, em 1797, renovou a
sua profissão religiosa na Companhia de Jesus. Dois
anos mais tarde, foi nomeado reitor e mestre de no­
viços, em Colorno.
A Pio VI, que morrera prisioneiro, na França, seguiu
Pio VII que, desde o começo do seu pontificado, pla­
nejou a restauração da Companhia de Jesus. Por isso,
havia já um certo número de jesuítas, na Itália, e o
P. Pignatelli foi nomeado Provincial (1803).
Fm 1804, reabriu casa em Nápoles. Entretanto, já
dois anos mais tarde, os franceses expulsaram-no de lá.
Foi para Roma, onde o Papa o recebeu de braços aber­
tos, apesar -do descontentamento de muitos membros
do corpo diplomático.
Com aprovação do Sumo Pontífice, Pignatelli fun-
dou colégio em Roma, Orvieto e Tívoli, patenteando os
seus exímios dotes para governar. #
Em 1807, conseguiu que o reino da Sardenha abris­
se as suas fronteiras aos padres da Companhia.
O P. Pignatelli tinha já mais de 70 anos de vida,
ele que sempre teve saúde precária. Mas, agora, as for-
165
ças diminuíam sensivelmente. Por isso, o Padre retirou-
se para uma pequena casa em Roma, passando os
últimos anos em oração e obras de caridade. Quando,
no dia 15 de Novembro de 1811, a notícia do seu fa­
lecimento se espalhou na Cidade Eterna, o povo vene­
rava-o como a um santo.
Mas foi apenas no dia 13 de Junho de 1954 pn,ue
S.S. Pio XII lhe concedeu oficialmente o título enfio
todos honorífico.
69.
SANTO AFONSO DE LIGÕRIO
“Veja, Padre, o nosso primogênito. Que diz dele?”
Com estas palavras José de Ligório e sua esposa Ana
Catarina Cavallieri, ambos descendentes de sólida nobre­
za, apresentaram o seu filhinho ao P. Francisco de Jerô­
nimo, da Companhia de Jesus.
O sacerdote contemplou a criança que, aos 27 de
Setembro de 1696, nascera em Marianella, arrabalde de
Nápoles. Então disse: “Este menino será Bispo e alcan­
çará a idade de 90 anos”. *
Os pais, lembrados desta profecia, não pouparam
meios para dar a seu filho Afonso Maria a melhor edu­
cação possível. Mas, embora o menino correspondesse
integralmente aos desejos e esforços de seus pais, levan­
do uma vida modelar de estudante católico, não parecia
que a primeira parte da profecia iria realizar-se. Pois,
Afonso Maria dedicou-se ao estudo dos direitos civil
e canônico com tal sucesso que, contando apenas 16
anos de vida, obteve, com grande distinção, o grau de
doutor em ambos os direitos (21-1-1713). Não podendo
ainda advogar por falta de idade regulamentar, dedicou
os seguintes anos ao estudo dos processos nos tribunais.
Aos vinte anos, atuou pela primeira vez no foro, des­
pertando a admiração de todos pela palavra arrebatadora,
seus conhecimentos vastíssimos e a penetração do seu
166
■ H-ste fato impressionou-o de tal modo què abando-
T p_. * . . * . J ^ ^ w í w u u v u iU Ç U L U .

a ad70Cacia e es°olheu o estado eclesiástico. Em


1(2,7, recebeu a Ordem sacerdotal. Depois de ter passa­
do algum tempo instruindo os meninos no catecismo,
começou a sua atividade de missionário entre a popu­
lação rural das dioceses de Amalfi e Scala. Nestas
missões, conheceu a tremenda ignorância religiosa que
reinava entre a gente do campo. Encorajado por «m
santo Bispo, fundou uma congregação de sacerdotes que
se dedicassem especialmente às missões populares. As­
sim surgiu a Congregação do Santíssimo Redentor,
cujos membros são conhecidos como Redentoristas.
O rei Carlos III, da Espanha, admirando em Afonso
Maria a santidade e os dons de orador sacro, pediu ao
Papa Clemente XIII que nomeasse a este sacerdote para
a sé episcopal de Palermo. Afonso teve que aceitar.
O seu zelo e caridade não conheciam limites. Mas
a sua saúde precária parecia-lhe um grave obstáculo
no cumprimento dos seus deveres episcopais. Várias ve­
zes pediu licença de renunciar à sua diocese. Mas foi
apenas Pio VI que atendeu a seu desejo.
As doenças, porém, não impediam uma outra ativi­
dade que por si só bastaria para assegurar a Afonso um
lugar eminente entre os Bispos católicos. Foi a sua ati­
vidade de escritor eclesiástico. Celebérrima ficou a sua
obra sobre a teologia moral, que se distingue por súa
moderação e segurança. Livros de não menor meri-
- ______

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Morreii, a 1* de Agosto de 1787 (com perto de 91
anos de vida), em Nocera degli Pagani. Junto com Fran­
cisco de Jerônimo, Afonso Maria de Ligóri'0 foi canoni­
zado aos 26 de Maio de 1839. Em 1871, o Papa Pio IX
conferiu-lhe o título de “Doutor da Igreja”.
Na já citada obra “As Glórias de Maria”, 'o santo
doutor fez às Congregações Marianas os maiores elogios.
Apoiando-se nas suas experiências recolhidas em inúme­
ras missões pregadas, afirma: “Falando em geral, en­
contram-se mais pecados num só homem que não faz
parte da Congregação Mariana, do que em vinte ho­
mens que a ela pertencem”.
70.
B. CARLOS SPÍNOLA
Na festa do Natal do ano de 1584, um jovem de
20 primaveras bateu à porta do noviciado da Compa­
nhia de Jesus.
Ao Irmão que respondeu ao chamado, apresentou-se
com as palavras: “Sou Carlos Spínola, candidato da
Companhia de Jesus. Desejo falar com o P. Reitor”.
O jovem, que já recebera a sua admissão à Ordem,
fez estas declarações num tom que manifestava, clara­
mente, a sua convicção de que a Ordem, relativamente
nova ainda, iria fazer uma valiosa aquisição com a sua
entrada. Compreende-se tal opinião quando se sabe que
o moço era filho de uma poderosa família da podero­
sa cidade de Gênova. A juventude passada no palácio
de seus pais onde iam e vinham tantos personagens de
destaque, ondé se misturava o fausto de um centro comer­
cial com o espírito fidalgo do tempo dos conquista­
dores, tudo isto não podia senão deixar a sua marca
bem legível na alma do jovem idealista.
Entretanto, Carlos Spínola tornou-se um noviço mo­
delar. Isto, não obstante, custava-lhe desfazer-se por
completo da atitude dè grande senhor. Falando desta
168
por objeto as coisas heróicas que iria fazer no Japão!”
(D. Donnely, S. J., A Prisoner inJapan).
Spínola, porem, reconhecia o errado desta atitude
e combatia-a. Combatia-a com toda a sua energia que
não conhecia meias medidas. Talvez fosse por isso que
se tornou homem :tão cauteloso e prudente, mas tam­
bém um tanto duro, um homem que, no trato com os
seus semelhantes, era muito direito, um homem que
parecia de outro mundo.
Essas lutas interiores acompanhavam-no durante o
noviciado, durante os estudos que foram coroados com
a ordenação sacerdotal. E, em vez de ir ao Japão, teve
que lecionar matemática e dirigir a Congregação Mariana
no colégio de Brera.
Mas, em 1596, viu realizar-se o seu antigo sonho:
recebeu ordem de embarcar para as missões no Japão.
Porém, ainda não estava lá! Quase 7 anos teve que
cruzar- os oceanos antes de ver a sua terra prometida.
Saindo de Lisboa, tempestades atiraram-no à costa bra­
sileira. Em seguida, caiu nas mãos de piratas ingleses
que levaram o seu prisioneiro para a Inglaterra. De­
pois de algum tempo puseram-no em liberdade, reme­
tendo-o a Lisboa, donde, pela segunda vez, se fez ao
mar, alcançando, afinal, o país do sol levante.
Encontrou lá a obra missionária em condições difí­
ceis. Os católicos eram perseguidos até o sangue. Ape-
a í n P Suínola trabalhou durante perto de M

e levado aos cárceres de Omura.


169
Quatro anos durou o atroz cativeiro para acabar com
a condenação à morte.
No dia 10 de Setembro de 1622, 19 religiosos de vá­
rias Ordens (entre eles, 9 jesuítas) e 26 japoneses ca­
tólicos tiveram que marchar ao “Monte Santo”, perto
de Nagasaki. Deviam morrer, uns, pela espada, outros,
pelo fogo.
O P. Carlos Spínola fez um sermão inflamado para
a imensa massa que testemunhava o espetáculo.
Então, começou a carnificina. Entre as vítimas- ha­
via uma senhora com seu filhinho que contava apenas
4 anos de vida. O menino teve que ver rolar na areia
a cabeça de sua progenitora. Em seguida, aproximou-
se, calmamente, do cepo para receber, ele também, o
golpe fatal.
Agora chegou a vez dos que deviam perecer pelas
chamas. Entre estes estava o P. Spínola. Provou, en­
tão, que os seus sonhos da mocidade não foram cas­
telos no ar. Uma hora e meia, aguentou, heroicamente,
o suplício das chamas, até que, com uma prece nos lá­
bios, entregou a sua alma ao Criador.
71.
CLEMENTE XIII
Não pode haver dúvida de que a Congregação Ma­
riana influiu poderosamente na formação deste Papa,
do qual um autor diz que “se deve admirar o formoso
espetáculo que deu ao lutar sozinho contra os podero­
sos do mundo”.
Carlos Rezzonico, filho de uma família patrícia, nas­
ceu, aos 7 de Março de 1693, em Veneza. Cursou o
colégio dos jesuítas em Bolonha. De lá foi para Pá­
dua em cuja universidade estudou direito, obtendo o
título de doutor. .
Sentindo-se atraído para o sacerdócio, dirigiu-se pa­
ra Roma. Ordenado sacerdote, entrou na administração,
170
6^d0’ primeiro>governador de Rieti. Em 1720,
01 transferido para Fano onde exerceu o mesmo cargo.
Bento XIII chama-o de volta para Roma, destinan-
a? tribunal da Rota. Clemente XII nomeia-o car-
deal-diacono (1737). Bento XIV manda-o para Pádua
como bispo dessa cidade. Monsenhor Carlos Rezzonico
revela-se excelente administrador. O seu cuidado espe­
cial pertence à disciplina e formação do clero. A con­
duta irrepreensível do pastor da diocese e a sua me­
lhor pregação. O Papa reconhece isto e eleva-o à digni­
dade de cardeal-presbítero.
Depois da morte de Bento XIV, o cardeal Carlos
Rezzonico sucede-lhe na cátedra de São Pedro (6-7-1758),
tomando o nome de Clemente XIII, Não foi sem motivo
que derramou lágrimas ao aceitar a dignidade suprema.
Todo o seu pontificado deveria ser uma longa via-
sacra, tanto mais penosa, porque os que o fizeram so­
frer tanto, eram filhos privilegiados da Igreja.
Se, em Pádua, se interessava de modo particular
pelo clero, dirige-se, agora, aos bispos do mundo inteiro,
insistindo, principalmente, na obrigação de residência.
Quanto à administração temporal, Clemente XIII teve
que contentar-se com algumas reformas, em Roma.. As
lutas que teve que enfrentar, desde o começo -do seu
pontificado, consumiam literalmente as suas forças.
Na França, os jansenistas causaram graves pertur-;
bações. O parlamento imiscuía-se em questões puramen­
te eclesiásticas. Também a Polônia promulgava leis con­
tra os interesses da Igreja.
Mas o que mais acabrunhava -ao Papa era a con­
juração das cortes da Espanha, Portugal, França e de
alguns satélites de menor importância. Não queriam na­
da merios do que a supressão da Companhia de Jesus.
Clemente XIII mostrou-se inabalável. Pôde contar
com o apoio da Assembléia do Clero Francês (30-12-
1761) que publicava o “Parecer dos Bispos da França .
45 prelados assinaram o documento, pedindo que a Com­
panhia de' Jesus permanecesse na França, como estava,
171
1
5 aconselhavam algumas modificações. Somente o bis­
po de Soissons pronunciou-se em favor da supressão.
Entretanto, as cortes insistiam por meio dos seus
embaixadores. O Papa responde com a bula “Apostoli-
cum pascendi” (9-1-1765) em que louva a Ordem ata­
cada. Muitíssimos bispos declaram a sua adesão a este
documento pontifício. Mas Portugal, França e Nápoles
rejeitam-no. .
Carlos III, de Espanha, a princípio, não se mos­
tra desfavorável aos jesuítas. Porém os maus conselhei­
ros entre os seus ministros conseguem que também ele
entre no conluio. Assim segue o exemplo das outras
cortes bourbônicas: expulsa, dos seus domínios, os fi­
lhos de S. Inácio.
Não contentes com esta injustiça, as três potências
dirigem memoriais ao Sumo Pontífice em que exigem a
supressão total da Companhia de Jesus.
Referindo-se, no dia 28 de Janeiro de 1769, a estes
documentos, o Cardeal Negroni afirma: “A última me­
dida das cortes abrirá o sepulcro do Santo Padre”.
Não exagerava. Pois, já no dia 2 de Fevereiro, após
as cerimônias da Candelária, o Papa sentiu-se mal. Re­
tirou-se em estado desesperador. E, pouco depois das
11 horas da noite, veio a falecer.
72.
ALEXANDRE FARNÉSIO.
Os exércitos de Carlos V, qual escola de guerra, for­
mavam uma plêiade de excelentes generais. Lembremos
apenas 'os nomes de Alba, de Manoel Filiberto de Sabóia
è Don Juan d’Ãustria. A estes devemos acrescentar Ale--
xandre Farnésio, duque de Parma e Piacenza, — con­
gregado mariano como Manoel Filiberto e Don Juan.
Alexandre é descendente de uma antiga família ita­
liana na qual era hereditário o amor à carreira das
172
armas é que em nosso mariano deveria encontrar' a
expressão mais brilhante do gênio militar.
Nasceu Alexandre aos 27 de Agosto de 1545, em
Parma, sendo seus pais Otávio, duque de Parma, e Mar­
garida, filha natural de Carlos V. Sob a direção de sua
niae, senhora de caráter firme e íntegro, foi o menino
educado em Madrid. Em 1561, matriculou-se, junto com
seu infeliz primo Don Carlos, filho de Filipe II, na
Universidade de Alcalá. Quatro anos mais tarde, casou
com Dona Maria de Portugal. Embora o casamento fos­
se muito feliz, Alexandre, em breve, foi procurar o tu­
multo das batalhas sangrentas. Não estava feito pa­
ra passar uma vida ociosa na corte da Espanha. Basta
lembrar que ele, menino de 11 anos, chorava amarga­
mente, porque 'o rei não lhe permitira tomar parte na
batalha de S. Quentin.
Ao declarar-se a guerra aos muçulmanos, o jovem
duque despediu-se, portanto, da esposa e, sob o coman­
do de seu tio Don Juan d’Ãustria, distinguiu-se na
batalha de Lepanto, de tal forma que o comandante em
chefe teve para ele um ■ louvor especial no seu relató­
rio a Filipe II.
Os anos seguintes viram-no em muitas ações de ar­
mas, adquirindo as qualidades que o capacitavam pa­
ra o posto que, em breve, deveria ocupar.
Em 1577, chegou Alexandre a Luxemburgo, com tro­
pas que trazia da Itália. Lá encontrou-se, de novo, com
seu tio Don Juan. Profundamente impressionou-o o as­
pecto doentio deste herói que, ao serviço do rei, gas­
tara todas as suas forças, na luta contra os rebeldes
dos Países Baixos. Vendo-se Don Juan impossibilitado
de desempenhar as suas funções de comandante em che­
fe das forças de Filipe II, teve, aos 18 de Dezembro
de 1577, a satisfação ae ver-se substituído por Alexan­
dre. Este estava talhado para a tarefa. Corajoso ate
atemeridade, sabia, contudo, calcular " t e E .d m
de soldado, era diplomata e político consumado. Estas
173
duas qualidades eram indispensáveis numa situação co­
mo á que encontrou nos Países Baixos.
Tinha, agora, 32 anos e, com a energia própria
desta idade, lançou-se de batalha em batalha, ganhando
vitória após vitória. Os acontecimentos envolveram-no
nas lutas contra Isabel da Inglaterra e contra Henri­
que IV da França. As vicissitudes da guerra exigiam
dele muitas marchas e contramarchas, cheias de fa­
digas e incômodos. A sua saúde cedeu diante de tan­
tos esforços. Mas, mesmo assim, estava sempre pronto
para executar as ordens do seu soberano. Depois da to­
mada de Caudebec, foi inspecionar aquela praça. Nesta
ocasião foi ferido no braço e o acidente apressou a mor­
te do grande soldado, que veio a falecer aos 3 de
Dezembro de 1592, em Arras.
Alexandre de Parma votava profundo amor a Ma­
ria Santíssima. Por isso, acolheu com alegria a sugestão
do P. Sailli, S. J., capelão-mor das forças armadas, e
constituiu rainha e protetora do exército a Virgem in­
vencível. Todas as madrugadas, as trombetas soavam
três vezes para saudar a celeste generalíssima das tro­
pas cuja imagem ornava todas as bandeiras dos sol­
dados do duque.
ÍNDICE
Prefácio e Declaração ..................... 6
1. O inventor , do estetoscópio ........... r
2. Um general intrépido ..................... 8
3. Engenheiro e financista ................. 11
4. Um pintor ........................................ 14
5. Um rei .............................................. 16
6. Um arqueólogo .............................. 18
7. Um gênio matemático ................... 20
8. O autor da “Jerusalém Libertada” 23
9. O Padroeiro dos escritores ........... 26
10. Mártir da Eucaristia ....................... 29
11. Alexandre Volta .............................. 33
12. O autor da Bula à urea................ 36
i 13. Um cirurgião .................................. 40
14. O príncipe Eugênio ......................... 42
15. Pierre Corneille .............................. 44
16. Lope de Vega ................................ 46
17. Invicto na derrota ......................... 47
18. René Descartes ................................ 49
19. Um marechal de França ............. . 52
20. Eduardo Heis, astrônomo ............. 54
21. Ladislau IV ................................... 56
22. Gaspar Mermillod .......................... 57
23. Fernando Foch .....................'•------ 60
24. Leopoldo I, Imperador ......... 61
25. Pioneiro .................................... 62
26. S. João de Brébeuf ...................■ 64
27. Poeta nacional “por excelência” 66
28. Jacques Bénigne Bossuet ............. 67
V. 29. São Pedro Canísio ....................... 70
' 30. Fiel até à morte ........................... 72
L 31. Matt Talbot ................................... 74
i\. 32; Poeta e mártir .................. . 77
;i 33. Leão XIII . .......... ••................... 79
I- ^ 34 . O duque de Montmorency 81
35. Jorge Guinemer, o “ás dos ases” 82
■Vv•
175
36; Joyce .Kilmer ............ •••' 85 <
37. O genéraí De Castelnau . . . . . . ........... 87
38. LudWig Pfiffer ........... 90
39. João ÍII Sobieski ....................... 93
40. O duquè de Villars ........................................... 96
41. Fernando II, Imperador ........................... 98
42. Tornando-se célebre ................................................ 101
43. Pela CM à santidade ............................................ 103
44. São Fiel de Sigmaringa ................................... 105
45. “Estrênuo propugnador das Congregações Ma­
rianas”................... 107
46. São Pedro Fourier ................................................ 109
47. Um Presidente de República .............................. 111
48. O “Santo do Tesouro” .......................................... 114
49. Combatente de fibra .............................................. 117
50. Um Presidente da Colômbia ........................... 121
51. Juan Vásquez de Mella y Fanjul ...................... 123
52. O marechal de Lyautey ...................................... 126
53. B. Julião Maunoir .................................................. 129
54. D. João d’Ãustria .................................................... 132
55. Manoel Filiberto de Sabóia ................................ 133
56. Fernando Verbiest ................................................. 135
57. São Bernardino Realino ........................................ 137
58. Alberto de Mun ..................................... ............. 139
59. Enguelberto Dollfuss ....................................... 142
60. O escravo dos escravos ....................................... 144
61. Donoso C ortês....................................................... 146
62. Inocêncio XI ....................................................... .... 148
63. Herberto Vaughan ......................................... .. 150
64. S. André Bobola ............................... ................... 153
65. O general De Sonis ......................... ; ............... 155 1
66. S. Camilo de Lellis ........... 158
67. São Vicente de Paulo ..................................... ..' 160
68. S. José Pignatelli ..................................... . .. *162 4
69. Santo Afonso de Ligório ............................... . .~Í66:.
70. B. Carlos Spínola ....................... : . . . . ............... 168
71. Clemente XIII .......................................... ........... 170 v
72. Alexandre Farnésio ...................... ......................... 172
176
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