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Na Rua não tem Jeito de Cair: Poetry Slam na Ágora Digital

As reflexões aqui ora apresentadas se conectam às demandas emergidas no período recente da


pandemia da Covid-19 que têm provocado o campo das artes a repensar desde os processos criativos,
até o acesso pelo público às obras produzidas. Por ser uma das áreas mais afetadas, os artistas das
diferentes linguagens encontram-se na tentativa de sobreviverem (na arte e na vida), enquanto recai
sobre eles o peso de proporcionar o sensível e devolver à humanidade a libertação dos males do
mundo.
Os corpos artísticos, nesse período, são corpos pandêmicos (Carvalho, Gotarddi & Souza,
2020), que precisam reencontrar o lugar de recriação em meio ao distanciamento e ao luto em
contextos provocados pela necropolítica (Mbembe, 2003), especialmente no Brasil, em que a
dinâmica do vírus afeta diariamente a população em uma investida por meio do que Santos (2020)
afirma como cruel pedagogia, aliada ao sistema político que não discute alternativas. Já Nunes (2020)
discute o cenário da arte e suas projeções de reinvenção por meio do ambiente digital e a forma como
consumimos a produção artística, ao elencar diversas ações em experimentação não apenas no Brasil,
a internet se coloca como esse mecanismo de conectar as pessoas à arte.
A partir dessas reflexões, é que direciono o olhar para a experiência do poetry slam em uma
perspectiva que perpassa os deslocamentos estruturais, conceituais e estéticos. D’Alva (2019),
importante artista brasileira e reconhecida pela cena slam como quem trouxe o movimento para o
Brasil, ressalta que poetry slam é democratização da poesia e ferramenta que reúne pessoas e
comunidades, além de criar oportunidades. Entretanto, os exercícios realizados por estes artistas em
se manter atuantes e criativos demonstram o existente abismo de acesso à internet. No Brasil, segundo
o IBGE (2020), 46 milhões de brasileiros não têm acesso à internet e é esse o cenário em que se
encontram os artistas do poetry slam, que em sua maioria são jovens moradores de bairros periféricos.
A rua é onde estes artistas materializam a experiência de sua voz de levante e, conscientes da
história e de sua ancestralidade, corporificam poeticamente os modos como podemos lidar com o
mundo, conforme apontado por Gumbrecht (2010). O movimento poetry slam ocupa os espaços dos
corpos e das praças, ruas e parques, mas com o esvaziamento destes lugares, cabe ao corpo
pandêmico, como materialização de toda a experiência que é individual e coletiva nas relações com
o mundo (Zumthor, 2007), ser mediado pela tela de celulares e computadores e habitar as fronteiras
traiçoeiras e movediças da reinvenção, do acesso e participação.
Nesse percurso de ressignificar o olho no olho e a presença física característicos da poesia
slam, a análise propõe reflexões que perpassam por: o que se mantém na experiência da ágora digital,
remanescente das ruas? O que se modifica e o que se radicaliza no campo estético e poético? Como
se dão a presença e ausência on-line? Por fim, fica o aviso em uma das batalhas virtuais de poetry
slam: “Tá rolando uns problemas técnicos, em breve estaremos online”.

Palavras-chave: poetry slam; mediação; visualidade; pandemia

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