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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

RAQUEL HECKERT CÉSAR BASTOS

“QUANDO ALGUÉM NÃO FALA LÍNGUA, PARECEU


CRIANÇAS NASCEU AGORA”: DIRETRIZES PARA O
ENSINO DE PORTUGUÊS COMO LÍNGUA DE
ACOLHIMENTO PARA MULHERES ÁRABES EM SITUAÇÃO
DE REFÚGIO

CAMPINAS
2021
RAQUEL HECKERT CÉSAR BASTOS

“QUANDO ALGUÉM NÃO FALA LÍNGUA, PARECEU CRIANÇAS


NASCEU AGORA”: DIRETRIZES PARA O ENSINO DE PORTUGUÊS
COMO LÍNGUA DE ACOLHIMENTO PARA MULHERES ÁRABES EM
SITUAÇÃO DE REFÚGIO

Dissertação apresentada ao Instituto de


Estudos da Linguagem, da Universidade
Estadual de Campinas, como parte dos
requisitos exigidos para a obtenção do
título de Mestra em Linguística Aplicada,
na Área de Linguagem e Educação.

Orientadora: Profª Drª Ana Cecília Cossi Bizon

Este trabalho corresponde à versão


final da Dissertação defendida pela
aluna Raquel Heckert César Bastos e
orientada pela Profa. Dra. Ana Cecília
Cossi Bizon

CAMPINAS
2021
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem
Tiago Pereira Nocera - CRB 8/10468

Bastos, Raquel Heckert César, 1991-


B297 Bas"Quando alguém não fala língua, pareceu crianças nasceu agora" :
diretrizes para português como língua de acolhimento para mulheres árabes
em situação de refúgio / Raquel Heckert César Bastos. – Campinas, SP : [s.n.],
2021.

BasOrientador: Ana Cecília Cossi Bizon.


BasDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Estudos da Linguagem.

Bas1. Português como Língua de Acolhimento. 2. Avaliação de necessidades.


3. Migração de crise. 4. Narrativas. 5. Refugiados. I. Bizon, Ana Cecília Cossi,
1966-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da
Linguagem. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: When someone don't speak language, it looked like children were
born now : guidelines for teaching Portuguese as welcome language for Arab women in
refuge situations
Palavras-chave em inglês:
Portuguese as a welcoming language
Needs assessment
Crisis Migration
Narratives
Refugees
Área de concentração: Linguagem e Educação
Titulação: Mestra em Linguística Aplicada
Banca examinadora:
Ana Cecília Cossi Bizon [Orientador]
Helena Regina Esteves Camargo
Leandro Rodrigues Alves Diniz
Data de defesa: 20-12-2021
Programa de Pós-Graduação: Linguística Aplicada

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)


- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0003-3836-6895
- Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/0437382304481311

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)


BANCA EXAMINADORA:

Ana Cecilia Cossi Bizon

Helena Regina Esteves Camargo

Leandro Rodrigues Alves Diniz

IEL/UNICAMP
2021

Ata da defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no


SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria de Pós Graduação do IEL.
Um menininho ensinava
lições de caligrafia.
Na lata de um tanque,
“paz” seu aluno escrevia.

Bertol Brecht, tradução de Carme Solé Vendrell.


A Cruzada das Crianças, 2014
DEDICATÓRIA

Ao me mudar para São Paulo em 2017, escrevi o seguinte


poeminha em homenagem ao meu avô, que faleceu na
véspera de minha primeira prova para o mestrado na Unicamp:

In memorian
Hoje, a tua ausência me encheu
E eu transbordei

Dedico esta dissertação àqueles que tiveram muita influência


sobre ela, mas que não puderam nem poderão vê-la.

Vô Elben César (in memorian)


Wesam Khaled (in memorian)
Emelina Codezzo de Escobar (in memorian)
Hildaíres Cossi Bizon (in memorian)
AGRADECIMENTOS

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por


patrocinar esta pesquisa por meio da bolsa de estudos de Pós-Graduação Mestrado
concedida a esta pesquisa sob o número de processo 130431/2018-4.

Aos docentes e funcionários do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), por


tornarem possível esta pesquisa com sua dedicação e trabalho cotidianos.

À Igreja Presbiteriana de Viçosa, por contribuir com parte de meu sustento no início
de meu trabalho na Compassiva.

À Associação Compassiva, por me receber como voluntária e por abrir as portas


para que esta pesquisa acontecesse.

A Lena, Luz, Lara, Sham, Sara e Mira, por me permitirem conhecê-las. Obrigada por
aceitarem ser participantes desta pesquisa, por todo o aprendizado e acolhimento
que me deram. Obrigada por compartilharem comigo uma amizade.

À Joanna Ibrahim, por permitir que eu fizesse parte de sua vida. Obrigada pelas
traduções para o árabe e por toda interlocução durante o processo da pesquisa.

À Profa. Dra. Ana Cecília Cossi Bizon, por ser minha orientadora. Obrigada por ser
um exemplo de profissionalismo, sensibilidade, compromisso e perseverança.
Obrigada por aceitar me acompanhar nessa corrida com obstáculos que foi, para
mim e para você, este período do meu mestrado.

Ao Prof. Dr. Leandro Rodrigues Alves Diniz, por sua leitura atenta e suas ricas
contribuições a este trabalho. Por toda sua produção acadêmica que influenciou
esta dissertação e por sua participação na banca.

À Profa. Dra. Helena Regina Esteves de Camargo, por ser uma ótima irmã mais
velha de orientação, acompanhando-me desde o início, dividindo inquietações e
participando da banca. Obrigada por sua leitura atenta e por todas as suas
contribuições.

À Bruna Frazatto, por constantemente me socorrer em dúvidas acadêmicas e por se


fazer presente em minha vida além do ambiente acadêmico.

À Tatiana Gabas, pela leitura e correções ao texto.

Aos demais irmãos de orientação, Danielle Lins, Elaine Medeiros Philipe, Gabriel
Dangió, Glauber Heitor Sampaio, Izabel Silva, Renata Franck Anunciação, Tiêgo
Alencar, e aos recém chegados Fred Farid, Rita Devos, Taís Machado e Verônica
Carvalho, por formarem uma verdadeira família acadêmica. Obrigada por me
mostrarem que o mundo acadêmico não é sempre competitivo, mas pode ser
também colaborativo. Obrigada pelas sempre produtivas interlocuções e por
dividirem muitas das minhas inquietações sobre o mundo.
A Karol Coelho e Priscila Pereira, por serem mais que colegas de república. A
amizade de vocês foi essencial para eu me territorializar em São Paulo e me
(re)territorializar na escrita e no cristianismo. Obrigada.

Aos queridos Seu Berto, Dona Eli, Débora, Miriam, Yara e Yonne, por me
convidarem para um café. Obrigada por abrirem a casa e a vida para mim, para o
Zé e pro Calebe. Vocês são nossa família paulistana.

À Leonora Tavares, por me ajudar a enxergar que escrever pode ser um processo
solitário, mas não significa solidão.

À Mari Lopes, pela amizade. Obrigada pelos infográficos que fazem parte dessa
dissertação.

Aos meus pais, Emmanuel e Délnia, pelo “paitrocínio” no meu tempo em São Paulo.
Obrigada por sempre estenderem a mão quando necessário e por me indicarem a
importância dos estudos. Obrigada por comprarem, junto com meus irmãos, este
computador para meus estudos no mestrado.

Aos meus irmãos, Josué e Davi, às suas esposas, Mari e Samara, e aos seus filhos,
Moisés, Bebel e Iréne, por tornarem a vida mais interessante. Obrigada por estarem
sempre dispostos a me apoiar e conversar. Obrigada por comprarem, junto com
meus pais, este computador para meus estudos no mestrado.

Ao meu filho Calebe, por deixar meus dias mais alegres e empolgantes. Obrigada
por me ensinar a valorizar cada 5 minutos e a comemorar cada novo aprendizado.
Obrigada por ser tão carinhoso e por me ensinar tanto sobre o universo materno e
sobre mim mesma.

Ao Zé Luis, meu esposo, parceiro e amigo. Por seu apoio diário, que tornou possível
eu me dedicar à escrita desta dissertação: pelas batatas com queijo na gravidez, por
dividir a dieta de diabetes gestacional comigo, por assumir minha parte nos
cuidados com a casa, por ouvir meus desabafos e me fazer ouvir os seus. Obrigada
por me incentivar a alçar vôos sempre mais altos, acreditando em mim mesmo
quando eu não me sentia capaz de tirar os pés do chão.

A Deus, que dá sentido ao caos. Por me guiar por caminhos que eu não conseguia
ver e me ajudar a começar, desenvolver e concluir esta dissertação. Por ser o farol
em todos os meus processos de des(re)territorialização.
RESUMO

Baeninger e Peres (2017) apontam que, na última década, o Brasil tornou-se um


país de destino migratório, com significativo aumento de migrantes de crise,
incluindo refugiados. Isso gerou novas demandas de ensino-aprendizagem de
Português como Língua de Acolhimento (PLAc). O contexto de PLAc para as
Mulheres Árabes em Situação de Refúgio (MASiR), aqui focalizado, é pouco
estudado, sendo recursos voltados às suas especificidades quase inexistentes.
Partindo da prática da pesquisadora como coordenadora do curso de PLAc para as
MASiR na Associação Compassiva em São Paulo, este trabalho, que se insere na
Linguística Aplicada Indisciplinar e Crítica (MOITA LOPES, 2006), objetivou criar
inteligibilidade acerca da relação dessas MASiR com a aprendizagem da língua
portuguesa e com seus usos em práticas sociais, de modo a subsidiar diretrizes
para políticas de acolhimento e ensino de PLAc para essas mulheres. Mais
especificamente, buscou-se identificar (i) espaços da cidade de São Paulo
frequentados por esse público, mapeando as línguas mais utilizadas em cada um
deles; (ii) as situações em que o português é obrigatoriamente utilizado; (iii) as
necessidades com relação à língua portuguesa; (iv) os posicionamentos assumidos
em relação ao português e ao seu aprendizado. Reafirmando o compromisso
político e ético com o contexto pesquisado, buscou-se primeiramente ouvir as
MASiR e outras pessoas envolvidas no contexto, desenvolvendo a pesquisa com
elas e não sobre elas. Os registros foram gerados por meio de um questionário, um
grupo focal e duas conversas informais com as participantes da pesquisa. Partindo
de duas orientações curriculares para o ensino de Português como Língua Adicional
(KRAEMER, 2012; MRE, 2019) e de discussões sobre Análise de Necessidades
(VIAN JR., 2008; SILVA, 2016), foram definidas categorias para uma análise de
necessidades ampliada e crítica. A análise dos dados amparou-se, especialmente,
nos conceitos de migração de crise (BAENINGER; PERES, 2017) e acolhimento
(ANUNCIAÇÃO, 2017; LOPES; DINIZ, 2018; BIZON, CAMARGO, 2018), em diálogo
com Estudos da Narrativa (DE FINA, 2015), e mobilizou pistas indexicalizadoras de
posicionamentos propostas por Wortham (2001) e complementadas por Bizon
(2013). As análises lançaram luz sobre a complexidade sociolinguística e política
desse contexto, destacando-se que as MASiR utilizam várias línguas, com o árabe
predominando em esferas privadas, e o português, em públicas. Saúde e educação
dos filhos emergiram como contextos de maior necessidade do português. A sala de
aula, mais que um local de aprendizagem, mostrou-se um ambiente essencial para
socialização e fortalecimento emocional. A partir das análises, foi elaborado um
quadro com diversas diretrizes, destacando-se: aulas de português em ambientes
exclusivos para mulheres, horários de aulas que coincidam com horários das
escolas infantis, disponibilidade de cuidadores para crianças, elaboração de material
específico que ensine o alfabeto ocidental, a diferença entre consoantes surdas e
sonoras (/p/ e /b/, /v/ e /f/) e as vogais do português, formação para professores e
funcionários sobre construções culturais islâmicas, formação das MASiR como
agentes da educação do entorno, diálogos sobre violências contra mulheres,
Direitos Humanos e influência das religiões predominantes nas sociedades de
origem e destino das MASiR.

PALAVRAS-CHAVE: Português como Língua de Acolhimento; Análise de


Necessidades; Narrativas; Migração de Crise; Refugiados.
ABSTRACT

Baeninger and Peres (2017) point out that, in the last decade, Brazil has become a
country of migratory destination, with a significant increase in crisis migrants,
including refugees. This generated new demands for teaching and learning
Portuguese as a Welcoming Language (PWL). The PWL for Arab Women in Refuge
Situations (AWRS), focused here, is seldom studied, and resources aimed at its
specificities are almost non-existent. Starting from the researcher's practice as a
coordinator of the PWL course for the AWRS at Associação Compassiva in São
Paulo, this work, which is part of the studies in Indisciplinary and Critical Applied
Linguistics (MOITA LOPES, 2006), aimed to create intelligibility about the
relationship of AWRS with the the learning the Portuguese language and its uses in
social practices in order to subsidize guidelines for reception policies and PWL
teaching for these women. More specifically, we sought to identify (i) spaces in the
city of São Paulo frequented by this public, mapping the most used languages ​in
each of them; (ii) situations in which Portuguese is mandatory; (iii) needs in relation
to the Portuguese language; (iv) how the AWRS position themselves in relation to
the Portuguese language and its learning. Reaffirming the political and ethical
commitment to the researched context, we first sought to listen to the AWRS and
other people involved in the context, developing the research with them and not
about them. The records were generated through a questionnaire, a focus group and
two informal conversations with the research participants. Based on two curricular
guidelines for teaching Portuguese as an Additional Language (KRAEMER, 2012;
MRE, 2019) and discussions on Needs Analysis (VIAN JR., 2008; SILVA, 2016),
categories were defined for an expanded and critical needs analysis. The data
analysis was supported, especially, on the concepts of crisis migration
(BAENINGER; PERES, 2017) and PWL (ANUNCIAÇÃO, 2017; LOPES; DINIZ,
2018; BIZON, CAMARGO, 2018), in dialogue with Narrative Studies (DE FINA,
2015), and mobilized indexical clues of positioning proposed by Wortham (2001) and
complemented by Bizon (2013). The analyzes shed light on the sociolinguistic and
political complexity of this context, highlighting that the AWRS use several
languages, with Arabic predominating in private spheres and Portuguese in public
spheres. Health and education of children emerged as contexts of greatest need for
Portuguese. The classroom, more than a place of learning, proved to be an essential
environment for socialization and emotional strengthening. Based on the analyses, a
table was created with several guidelines, highlighting: Portuguese classes in
environments exclusively for women, class schedules that coincide with children's
school schedules, availability of caregivers for children, elaboration of specific
material that teaches the western alphabet, the difference between voiced and
voiceless consonants (/p/ and /b/, /v/ and /f/) and Portuguese vowels, training for
teachers and staff on Islamic cultural constructions, training AWRS as agents of
education of the surroundings, dialogues on violence against women, Human Rights
and the influence of the predominant religions in the societies of origin and
destination of the AWRS.

KEY-WORDS: Portuguese as Welcoming Language; Need Analysis; Storytelling;


Crisis migration; Refugee.
‫نبذة مختصرة‬

‫أشار بيننجر وبيريز (‪ )2017‬إلى أن البرازيل أصبحت ‪ ،‬في العقد الماضي ‪ ،‬بل ًدا مقص ًدا للمهاجرين ‪ ،‬مع زيادة كبيرة‬
‫في عدد مهاجري األزمات‪ ،‬بمن فيهم الالجئون‪ .‬أدى ذلك إلى ظهور مطالب جديدة لتعليم وتعلم اللغة البرتغالية كلغة‬
‫منزلية (بالك ‪ .)PLAc‬سياق بالك الخاص بالنساء العربيات الالجئات (مصير) ‪ ،‬الذي يركز هنا ‪ ،‬لم يُدرس كثيرً ا ‪،‬‬
‫والموارد التي تستهدف خصوصياته تكاد تكون معدومة‪ .‬بدءًا من ممارسة الباحث كمنسق لدورة (بالك ‪ )PLAc‬لـ‬
‫(مصير) في جمعية كومباسيفا في ساو باولو ‪ ،‬يهدف هذا العمل ‪ ،‬الذي يعد جزءًا من اللسانيات التطبيقية متعددة‬
‫التخصصات والنقدية (مويتا لوبيز ‪ ، )2006‬إلى خلق وضوح حول العالقة بين هؤالء‪( .‬مصير) مع تعلم اللغة البرتغالية‬
‫واستخداماتها في الممارسات االجتماعية ‪ ،‬من أجل دعم المبادئ التوجيهية لسياسات االستقبال والتعليم (بالك ‪)PLAc‬‬
‫لهؤالء النساء‪ .‬وبشكل أكثر تحدي ًدا ‪ ،‬سعينا إلى تحديد (‪ )1‬المساحات في مدينة ساو باولو التي يتردد عليها هذا الجمهور‪،‬‬
‫ورسم خرائط للغات األكثر استخدامًا في كل منها؛ (‪ )2‬الحاالت التي تكون فيها اللغة البرتغالية إلزامية ؛ (‪ )3‬االحتياجات‬
‫المتعلقة باللغة البرتغالية ؛ (‪ )4‬المواقف المتخذة فيما يتعلق باللغة البرتغالية وتعلمها‪ .‬تأكي ًدا على االلتزام السياسي‬
‫واألخالقي بالسياق الذي تم البحث فيه ‪ ،‬سعينا أوالً إلى االستماع إلى (مصير) واألشخاص اآلخرين المشاركين في السياق‬
‫‪ ،‬وتطوير البحث معهم وليس عنهم‪ .‬تم إنشاء السجالت من خالل استبيان ومجموعة مركزة ومحادثات غير رسمية مع‬
‫المشاركين في البحث‪ .‬استنا ًدا إلى اثنين من المبادئ التوجيهية المنهجية لتدريس اللغة البرتغالية كلغة إضافية (كريمير ‪،‬‬
‫‪ 2012‬؛ م‪.‬ر‪.‬ي‪ )2019 ،‬ومناقشات حول تحليل االحتياجات (فيان جونير ‪ 2008 ،‬؛ سيلفا‪ ، )2016 ،‬تم تحديد الفئات‬
‫لتحليل االحتياجات الموسعة والنقد تم دعم تحليل البيانات ‪ ،‬خاصة فيما يتعلق بمفاهيم هجرة األزمات (باينينغر ‪,‬‬
‫بيريس‪ )2017‬واالستقبال (إعالن ‪2017‬؛ لوبيز؛ دينيز‪2018‬؛ بيزون‪ ،‬كامارغو‪ ، )2018‬في حوار مع الدراسات‬
‫السردية (دي فينا ‪ ، )2015‬وحشد أدلة تحديد المواقع التي اقترحها ورسوم (‪ )2001‬واستكمالها بيزون (‪.)2013‬‬
‫سلطت التحليالت الضوء على التعقيد االجتماعي اللغوي والسياسي لهذا السياق ‪ ،‬مع إبراز أن (مصير) تستخدم عدة لغات‬
‫‪ ،‬حيث تسود اللغة العربية في المجاالت الخاصة والبرتغالية في المجاالت العامة‪ .‬ظهرت صحة األطفال وتعليمهم‬
‫كسياقات في أمس الحاجة للغة البرتغالية‪ .‬أثبت الفصول الدراسية ‪ ،‬أكثر من مجرد مكان للتعلم ‪ ،‬أنها بيئة أساسية للتنشئة‬
‫االجتماعية وتقوية المشاعر‪ .‬بنا ًء على التحليالت ‪ ،‬تم إنشاء جدول يحتوي على العديد من اإلرشادات ‪ ،‬مع تسليط الضوء‬
‫على‪ :‬فصول اللغة البرتغالية في بيئات حصرية للنساء ‪ ،‬والجداول الزمنية للفصول التي تتوافق مع جداول مدارس‬
‫األطفال ‪ ،‬وتوافر مقدمي الرعاية لألطفال ‪ ،‬ووضع مواد محددة تعلم األبجدية الغربية ‪ ،‬واالختالف بين الحروف الساكنة‬
‫المسموعة وغير الصوتية (‪ /p/‬و ‪ /b/ ، /v/‬و ‪ )/f/‬والحروف المتحركة البرتغالية ‪ ،‬وتدريب المعلمين والموظفين على‬
‫اإلنشاءات الثقافية اإلسالمية ‪ ،‬وتدريب (مصير) كوكالء لتعليم البيئة المحيطة ‪ ،‬والحوارات حول العنف ضد المرأة‬
‫وحقوق اإلنسان وتأثير األديان السائدة في مجتمعات المنشأ والمقصد من (مصير)‪.‬‬

‫كلمات رئيسية‪ :‬البرتغالية كلغة مضيفة ؛ تحليل االحتياجات روايات هجرة األزمات؛ الالجئون‪.‬‬
QUADRO DE TRANSCRIÇÃO1
OCORRÊNCIAS SINAIS
Comentários do pesquisador ()
Entonação indicando tom enfático MAIÚSCULAS
Alongamento de vogal : , :: , :::
Sobreposição de falas [
Truncamento ou quebra de raciocínio /
Pausa ...
Pausa curta ,
Entonação indicando pergunta ?
Entonação indicando exclamação !
Pausa preenchida é, ah, hum, aham
Marca de citação “
Trecho incompreensível (inc)
Palavras em inglês itálico

1
As transcrições dos dados são baseadas em Marcuschi (1991) e Bizon (2013).
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Perfil público de Joanna no Instagram em setembro de 2021…..…...….23


Figura 2 – Internacionais com registro ativo no Brasil por ano de registro
(2000-2019)...............................................................................................................32
Figura 3 – Acumulado de Refugiados (2010-2017)................................................33
Figura 4 – Captura de tela de busca “acolhimento” no Google Imagens………37
Figura 5 – Organização hierárquica na proposta curricular……………………….59
Figura 6 – Infográfico MASiR em São Paulo I………………………………………101
Figura 7 – Infográfico MASiR em São Paulo II……………………………..…………105
Figura 8 – Ciclo da Violência Doméstica……………………………….…………...…150
LISTA DE QUADROS E TABELAS

Quadro 1 – Dificuldades de falantes de árabe no aprendizado de LP…………….…44


Quadro 2 – Parte do Quadro Curricular do curso Português Básico 1……...……….61
Quadro 3 – Comparação entre o modelo de análise de necessidades da
situação-alvo e da situação de aprendizagem………………………………………….63
Quadro 4 – Categorias de uma análise de necessidades ampliada e crítica……..68
Quadro 5 – Pistas Indexicalizadoras baseadas em Wortham (2001) e Bizon
(2013)........................................................................................................................74
Quadro 6 – Geração de registros em áudio………………………………….....93
Quadro 7 – Encontros do Grupo Focal………………………………………………….95
Tabela 1 – Língua usada para falar com………………………………………………113
Tabela 2 – Atividades realizadas……………………………………………………….114
Quadro 8 – Diretrizes para políticas de PLAc…………………………………………169
Quadro 9 – Diretrizes para políticas de acolhimento para além do PLAc ...…....…175
LISTA DE RECORTES

Recorte 1: “Parece que tem pensar neles, né?” ......................................................52


Recorte 2: “Pode vocês ajuda eles?”......................................................................117
Recorte 3: “Mesma história, mesmo dói”.................................................................121
Recorte 4: “Pra mostrar o que eu sabe”.................................................................127
Recorte 5: “With children and without children”......................................................132
Recorte 6: “Se você não incluir as crianças, esquece”....................................133
Recorte 7: “Chama alguém tradutor pra você”.......................................................138
Recorte 8: “Quando tem amor, tem amor. Quando tem respeta, tem respeta”.......143
Recorte 9: “Pareceu crianças nasceu agora”....................................................152
Recorte 10: “Everything in Portuguese”...................................................................154
Recorte 11: “Really, it was amazing”........................................................................159
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AdN – Análise de Necessidades


ACNUR – Agência da ONU para Refugiados
BVS – Biblioteca Virtual de Saúde
CAAE – Certificado de Apresentação para Apreciação Ética
Celpe-Bras – Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros
CEP – Comitê de Ética em Pesquisa
Conare – Comitê Nacional para os Refugiados
IEL – Instituto de Estudos da Linguagem
LA – Linguística Aplicada
LP – Língua Portuguesa
MASiR – Mulheres Árabes em Situação de Refúgio
MEC – Ministério da Educação
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
ONG – Organização Não-Governamental
PLA – Português como Língua Adicional
PLAc – Português Língua de Acolhimento
PLE – Português como Língua Estrangeira
TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UFV – Universidade Federal de Viçosa
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
SUMÁRIO

CARO(A) LEITOR(A), VEM COMIGO? 19


1 INTRODUÇÃO 21
1.1 Adentrando o contexto de pesquisa 21
1.2 Problema, objetivos, perguntas e contribuições da pesquisa 23
1.3 Organização da dissertação 26
2 TRAJETÓRIA TEÓRICA 29
2.1 Globalização, migração de crise e cenário migratório brasileiro 29
2.1.1 Migrações árabes no Brasil 34
2.1.2 Acolhimento e Português como Língua de Acolhimento (PLAc) 36
2.1.3 As mulheres árabes em situação de refúgio como público específico 40
2.2 Perspectivas teóricas e orientações curriculares para o ensino de PLA 55
2.3 A análise de necessidades: subsídios para o ensino de língua adicional para
públicos específicos 62
2.4 Narrativas: onde emergem as vozes das mulheres e suas necessidades 68
2.4.1 Posicionamentos em Narrativas 70
2.4.2 Pistas Indexicalizadoras 73
3 CENÁRIO METODOLÓGICO 76
3.1 A perspectiva metodológica da pesquisa 76
3.2 Cenário de pesquisa – Associação Compassiva 78
3.3 Participantes da pesquisa 82
3.3.1. A pesquisadora 83
3.3.2. As estudantes 85
3.3.3. A assistente social 88
3.4 Instrumentos de geração de registros 89
3.4.1 Questionário para as estudantes 90
3.4.2 Conversas com as participantes 92
3.4.2.1 Conversa informal com a assistente social 93
3.4.2.2 Conversa com Sara 94
3.4.2.3 Grupo focal com as estudantes 94
4 ANÁLISE DE DADOS 100
4.1 Estudantes da Compassiva como parte significativa das MASiR 100
4.1.1 Sobre língua e cotidiano 109
4.2 Análise das conversas e do grupo focal 116
4.2.1 A criança no aprendizado de português das MASiR 116
4.2.2 Saúde em português 138
4.2.3 Os papéis de gênero e suas implicações no aprendizado 140
4.2.4 Acolhimento em crise 152
4.2.5 Reflexões sobre situações e necessidades de aprendizagem 159
5 CONSIDERAÇÕES (FINAIS) 167
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 178
ANEXOS 185
19

CARO(A) LEITOR(A), VEM COMIGO?

Era uma manhã de fevereiro em 2017. Ainda sonolenta por conta das doze
horas de viagem, tratei de descer do ônibus e pegar minha mudança: uma grande
mala de rodinhas e uma mochila de acampamento. Era a primeira vez que tocava o
chão da capital paulistana – e não vinha de visita. Meus pensamentos flutuavam
entre lembranças do que eu deixava para trás, expectativa pelo que vinha pela
frente e uma certa dose de tensão que só um mineiro do interior, recém-chegado na
rodoviária do Tietê, é capaz de entender.
Graças aos mapas e às placas da rodoviária (todos em português), consegui
pegar o metrô e chegar à estação Vergueiro, onde uma pessoa da Associação
Compassiva, a organização não governamental (ONG) em que eu iria trabalhar, me
encontrou e me guiou até minha nova casa: uma república só de meninas, que
ficava a apenas cinco minutos a pé da estação de metrô e que pertencia à mesma
igreja em que a ONG funcionava.
Assim que cheguei, ganhei um quarto (a ser dividido no futuro) e arrumei
minhas coisas. Minha chefe e minha colega de república haviam preparado um
almoço para mim, e me senti ali muito bem recebida. Em seguida, fui levada para
conhecer a ONG e não foi difícil saber que aquela selva de concreto se tornaria meu
lar.
Claro, nem tudo foi tão tranquilo como naquele primeiro dia. Passei por altos
e baixos até sentir que aquela cidade era também minha casa. Posso dizer, porém,
que o início de minha territorialização (HAESBAERT, 2004) em São Paulo foi
tranquila, pois muitos encaminhamentos já haviam sido feitos e colocados à minha
disposição quando cheguei.
Diferentemente da minha experiência, Mira, uma das mulheres árabes
participantes dessa pesquisa, teve vontade de voltar assim que colocou os pés em
São Paulo em 2015. Ela e seus pais idosos ficaram no aeroporto por várias horas
sem conseguir entender o que estava acontecendo e sem se comunicar com
ninguém. Seu cunhado atrasou muito para buscá-los no aeroporto por conta de
engarrafamentos, e Mira não conseguiu encontrar ninguém que falasse inglês para
ajudá-la a contactar a irmã ou o cunhado. Seus aparelhos eletrônicos não estavam
funcionando, e o cansaço pela viagem juntou-se à sensação de estar em um local
perigoso, gerando uma crise de choro e o desejo de voltar atrás. Foi então que um
20

taxista lhe emprestou o celular para ligar para a irmã, com quem discutiu feio pelo
telefone. Pelo menos, foi possível entender que o cunhado estava a caminho.
Tal sentimento de angústia por chegar ao Brasil e não conseguir se
comunicar está presente nas histórias de todas as mulheres árabes em situação de
refúgio que conheci, algumas das quais analiso nesta pesquisa. O aprendizado da
língua aparece nessas narrativas como um ponto de virada, quando começam a se
sentir capazes de construir um lar para si mesmas no Brasil, passando a se sentir
“acolhidas”.
No entanto, que significados o acolhimento tem para essas mulheres? E que
facetas da língua portuguesa realmente fazem diferença no processo de acolher e
de ser acolhido? Será que o aprendizado de língua portuguesa é apenas um meio
para se comunicar na sociedade brasileira ou ganha outros contornos para essas
mulheres? Essas são algumas questões que me levaram ao mestrado e que busco
compreender um pouco mais por meio desta pesquisa.
Termino esta breve conversa com você, leitor(a), afirmando que tenho nesta
dissertação um processo similar ao de chegada a um novo local, como a minha
experiência e a experiência de Mira de deslocamento. Ao menos para mim, esta
pesquisa é um processo de des(re)territorialização (HAESBAERT, 2004) epistêmica,
em que meus conhecimentos sobre o mundo viraram de ponta-cabeça, para se
re(des)organizarem novamente em outras composições, sempre em movimento,
sempre no devir. Assim como a mudança de cidade (ou de país) provoca um misto
de emoções que nos causa, inicialmente, desconforto, até que nos sintamos
confortáveis novamente, assim também acontece com a mudança de pensamento e
conceitos.
Espero que, na leitura desta dissertação, você seja provocado(a) a (re)pensar
sobre acolhimento, assim como eu tenho sido. Meu desejo é que as narrativas de
Luz, Sham, Mira, Sara e Yara conquistem sua atenção, tornando seu olhar mais
sensível às mulheres árabes em situação de refúgio (doravante MASiR). Espero que
suas vozes sejam ouvidas e que este trabalho possa, de alguma forma, contribuir
para que a territorialização dessas mulheres seja mais eficaz.
Caro(a) leitor(a), vem comigo conhecer essas mulheres e sua relação com a
língua portuguesa?
21

1. INTRODUÇÃO

1.1 Adentrando o contexto de pesquisa

Iniciei esta pesquisa em 2018, ao ser aprovada no Programa de Mestrado do


Departamento de Linguística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL)
da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Naquele momento, eu era
voluntária na Associação Compassiva, uma Organização Não Governamental
(ONG) sem fins lucrativos que atende pessoas em situação de vulnerabilidade
social em São Paulo, e atuava na coordenação das aulas de Português como
Língua de Acolhimento (PLAc) oferecidas a homens e mulheres árabes1 em
situação de refúgio.2 Orgulhava-me do meu trabalho e me percebia como uma
pessoa realmente acolhedora, que estendia a mão para pessoas fragilizadas por
suas vivências de deslocamento e fuga. Antes mesmo de ter contato com meus
alunos, já tinha uma imagem sobre eles: eu os via como pessoas necessitadas, que
haviam deixado tudo para trás e vinham começar uma vida “do zero” no Brasil.
Acreditava que o português poderia salvar essas pessoas, dando-lhes emprego e
permitindo que elas participassem da sociedade brasileira.
No entanto, como afirma Moita Lopes (2006, p. 28), “existir sempre foi estar
em fluxo ou em mudança”. Esta pesquisa que aqui construo não tinha, portanto,
outra opção que não fosse se (trans)moldar em movimentos. E o primeiro
movimento foi alterando a percepção sobre ser uma pessoa acolhedora e
acolhimento, conceito que discutirei mais à frente. Com a experiência do trabalho na
ONG, pude me inteirar do complexo processo de acolhida. Aos poucos, fui
compreendendo que, como aponta Camargo (2021, p.143), acolher não significava
simplesmente “hospedar”, mas deixar-se modificar pelo outro, a fim de que ambos
possam encontrar seu lugar, num contínuo processo de des(re)territorializar-se
(HAESBAERT, 2004).
Tendo que lidar com salas de aula constituídas por mulheres em situação de
1
Nesta pesquisa, utilizarei a nomenclatura “árabe” para me referir aos 22 países membros da Liga
dos Estados Árabes – a saber, Arábia Saudita, Argélia, Bahrein, Catar, Comores, Djibuti, Egito,
Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Iraque, Jordânia, Kuwait, Líbano, Líbia, Marrocos, Mauritânia, Omã,
Palestina, Síria, Somália, Sudão e Tunísia – e às pessoas provenientes desses países, além de
pessoas que, mesmo não sendo provenientes destes países, sejam falantes de árabe como língua
materna.
2
O termo “em situação de refúgio” é utilizado nesta pesquisa para englobar tanto as pessoas que já
tem o status de refugiado (quando o CONARE já aprovou a solicitação de refúgio) como aqueles que
ainda são solicitantes (pessoas cujas solicitações de refúgio ainda estão sendo avaliadas).
22

refúgio que haviam deixado seus países, suas famílias e vizinhanças destruídas por
guerras, fui me dando conta de que, na verdade, a pessoa mais frágil daquelas
salas era eu. Minhas alunas tinham esperança e força sem tamanho. Atitudes que
remetem à coragem daqueles que chegam no novo, fazendo, no desconhecido, um
local para si. Muitas traziam feridas e cicatrizes, com a saudade sempre latejando.
Mas não eram fracas. E tinham muito a oferecer.
Assim como grande parte das pessoas, a representação sobre populações
em situação de deslocamento forçado que eu tinha era, em grande parte, pautada
no que Diniz e Neves (2018) nomeiam como “discurso da falta”. Eu os enxergava
pelo que supostamente não eram, não faziam, não sabiam, não conheciam. Ou
seja, pessoas que, nada tendo, precisavam receber. Claro está que, como
migrantes de crise (BAENINGER; PERES, 2017), aquelas mulheres precisavam,
sim, de ajuda. Haviam saído de territórios política e socialmente instáveis – no caso,
em um processo de guerra civil – para chegar a outro local em crise – com pouca
experiência e estrutura para a recepção de populações refugiadas, ressaltando o
caráter bilateral da crise (ibidem) neste contexto migratório.
Contudo, narrativas como as de Sham, uma das estudantes sírias que
participaram dessa pesquisa, começaram a me mover desse lugar comum. Ao pedir
ajuda para escolher uma apresentação para um sarau na escola dos filhos, Sham
se recusou a apresentar algo “tipicamente refugiado” (como o hino de seu país, ou
uma receita típica), preferindo performar uma dança de tango. Como me
confidenciou posteriormente, ela havia escolhido essa dança para mostrar que era
muito mais do que uma possível imagem reduzida de seu país de origem. Foi isso
também que aprendi com Joanna Ibrahim, empreendedora síria que criou um
restaurante, o Open Taste, no qual diferentes chefs refugiados em São Paulo
cozinham em dias alternados. O objetivo deste empreendimento é ajudar outros
refugiados a se inserirem no mercado de trabalho brasileiro. Em um evento do qual
participei em 2019, Joanna afirmou que não gostava de ser apresentada e
conhecida como refugiada, pois as pessoas sempre associavam o refúgio com
carência, falta, vulnerabilidade, o que limitava suas possibilidades de ação. Vale
destacar que, em um texto de seu perfil público no Instagram, Joanna destaca que o
status de refugiada é “apenas um documento” que legaliza sua estadia no Brasil,
sendo algo secundário em sua história. Várias vezes escutei Joanna dizer que
desejava que as pessoas comprassem seu produto porque ele era bom, e não por
23

quererem ajudá-la. Conforme frequentemente me apontava, alguém poderia


ajudá-la mais dizendo que suas ideias ou seus produtos não eram bons o suficiente,
do que comprando apenas por compaixão.

Figura 1 – Perfil público de Joanna no Instagram em setembro de 2021

Fonte: Instagram. Disponível em: https://www.instagram.com/joanna.ib87/. Acesso em 08 dez. 2021.

A partir de tais reflexões, passei a me questionar sobre como poderia acolher


de fato essas mulheres. Foi ao longo do percurso do mestrado, com a possibilidade
de participar de discussões de leituras teóricas sobre o fazer pesquisa em
Linguística Aplicada e sobre o contexto de PLAc, bem como do diálogo com
pesquisadores da área em diferentes eventos, que a afirmação de Cavalcanti (2006,
p. 250) começou a fazer sentido: “é preciso que as vozes das minorias sejam
ouvidas”. Se eu buscava entender como deveria se constituir o acolhimento,
precisava começar pela escuta. Conversar com essas mulheres e ouvir suas
narrativas seria o melhor caminho para buscar respostas às minhas inquietações.

1.2 Problema, objetivos, perguntas e contribuições da pesquisa

O complexo processo de acolhimento passa, impreterivelmente, pela(s)


língua(s). Ao buscar acolher de forma ética e respeitosa, é preciso ter este mesmo
olhar para os repertórios linguísticos da população migrante, seja ela migrante de
crise ou não. Isso pressupõe o reconhecimento de que os grupos migrantes
24

vivenciam contextos multilíngues, em que as línguas de prestígio de uma sociedade


convivem com as línguas da população migrante. É necessário ressaltar que
respeitar o repertório linguístico inclui o aprendizado da língua majoritária do
contexto em que se insere. Afinal, aprender essa língua ampliará as possibilidades
de espaços ocupados por essa população.
No caso específico desta pesquisa, acolher mulheres árabes em situação de
refúgio (MASiR) em São Paulo demanda um ensino de línguas específico para elas.
Para isso, é preciso conhecer seus contextos multilíngues, reconhecer os espaços
que elas ocupam e os que desejam ocupar, as atividades que exercem e desejam
exercer, bem como as particularidades linguísticas que permeiam o ensino entre as
línguas de seu repertório e a língua que objetivam aprender. A formação de
professores sensíveis a seus contextos também é uma premissa para a efetivação
de um ensino de português que acolha.
Embora já existam materiais didáticos elaborados especificamente para
migrantes de crise, dentre os quais se incluem os refugiados – Pode Entrar:
português do Brasil para refugiadas e refugiados (FEITOSA et al., 2015),
Recomeçar: língua e cultura brasileira para refugiados (REINOLDES; CANDIDO;
ROCHA, 2015), Entre Nós: português com refugiados (ARANTES, 2018), Portas
Abertas: português para imigrantes (REINOLDES; MANDALÁ; AMADO, 2017),
Passarela: português como língua de acolhimento para fins acadêmicos (FREITAS
et al., 2020), coleção Vamos Junto(a)s!: Português como Língua de Acolhimento
(BIZON et al., 2020, 2021) –, pouco tem sido estudado quanto aos grupos
minoritarizados dentro da própria população refugiada. Existem algumas pesquisas
focalizando as crianças refugiadas e sua inserção nas escolas (NEVES, 2018), no
entanto, ainda não há estudos no que se refere ao ensino-aprendizagem de
português para mulheres árabes em situação de refúgio. Isso evidencia a
importância de que suas vozes sejam ouvidas e seu contexto seja focalizado.
Neste trabalho, defendo que as MASiR necessitam de um ensino específico,
baseando-me em desafios vivenciados na prática pedagógica – minha e de
professores sob minha coordenação, no período em que fui voluntária na
Associação Compassiva – e em particularidades inerentes às características em
torno das quais aproximo as MASiR. No trabalho com essas mulheres, pude
constatar que a sala de aula de português para elas tem uma dinâmica própria, com
questões culturais modificando as relações de gênero frequentemente estabelecidas
25

e com a presença de crianças modificando o ambiente. Pude constatar, também,


que os espaços que as MASiR ocupam fora da sala de aula dita um ritmo diferente
para o aprendizado de língua por parte delas, se comparado aos homens em
mesma situação. Além disso, a distância linguística – entendida de modo ampliado à
luz da Linguística Aplicada Indisciplinar (FRAZATTO, GABAS, no prelo)3 – entre o
árabe e o português, a falta de material específico e a oferta de cursos baseados
em professores voluntários também adicionam especificidades ao processo de
aprendizagem desse público. Cada um desses pontos traz diversos
desdobramentos sobre os quais discuto mais à frente nesta dissertação.
Considerando o que apresentei até aqui, este trabalho tem como objetivos
gerais:

I. Criar inteligibilidade acerca da relação de mulheres árabes em situação de


refúgio (MASiR) que se mudaram para São Paulo a partir de 2014 com o
português, com o processo de aprendizado dessa língua e com seus usos
em práticas sociais;
II. A partir de suas vozes e de vozes de outros envolvidos no processo de
aprendizagem do português, levantar diretrizes para políticas de ensino de
PLAc para esse contexto específico, de modo a contribuir para um processo
mais efetivo de (re)territorialização (HAESBAERT, 2004) dessas mulheres.
Espera-se que as diretrizes possam fornecer subsídios para a elaboração de
diferentes instrumentos de políticas linguísticas, como currículos e materiais
didáticos, para este público específico.

Dos objetivos gerais, são delineados os seguintes objetivos específicos:

I. Identificar espaços da cidade de São Paulo frequentados por esse público,


mapeando que línguas são mais frequentemente utilizadas em cada espaço;
II. Identificar situações em que a língua portuguesa é obrigatoriamente utilizada
por esse público;
III. Identificar e analisar necessidades desse público com relação à língua
portuguesa, incluindo necessidades sócio-afetivas (VIAN JR., 2008);

3
O conceito de distância linguística ampliado pelas autoras Frazatto e Gabas (no prelo) será
discutido mais adiante nesta dissertação.
26

IV. Compreender como esse público se posiciona em relação à língua


portuguesa e a seu aprendizado.

De modo a alcançar os objetivos delineados, este estudo se guia por duas


perguntas primárias e uma pergunta secundária de pesquisa:

1. Como mulheres árabes em situação de refúgio no Brasil, estudantes de


Português como Língua de Acolhimento em um curso oferecido por uma ONG,
narram a língua portuguesa, seu aprendizado e seu uso em diferentes práticas
sociais?
- Como outros atores envolvidos no contexto – assistente social e
pesquisadora – narram as necessidades e desejos dessas mulheres em
relação à língua portuguesa, bem como a seu aprendizado e uso em
diferentes práticas sociais?

2. Que diretrizes para políticas para o ensino de PLAc especialmente voltadas a


mulheres árabes em situação de refúgio emergem dessas narrativas?

Espero que, ao focalizar o contexto dessas mulheres, ouvindo o que dizem


sobre sua relação com a língua portuguesa, este trabalho contribua, mesmo que de
forma modesta, para experiências de territorialização (HAESBAERT, 2004) mais
significativas e justas para essa população. Espero também contribuir para
minimizar os efeitos assimilacionistas e paternalistas que possam permear a prática
do ensino de PLAc, buscando espaços em que as MASiR sejam parte efetiva da
discussão de suas demandas e da construção de políticas para sua inserção na
sociedade brasileira. Por fim, busco, com este estudo, contribuir para a formação de
professores de PLAc, trazendo discussões, narrativas e vivências que emergiram de
contextos de ensino-aprendizagem de português, e possibilitando uma aproximação
de futuros professores com esse campo de atuação.

1.3 Organização da dissertação

Esta dissertação, mais do que uma análise de narrativas, é, em si mesma,


27

uma narrativa. Narra meu encontro com as MASiR e como o contato com as
vivências dessas mulheres desorganizaram meus conceitos, para reorganizá-los em
novas configurações. Então, este trabalho, além de ser sobre elas, é sobre mim. É
sobre nós. Pretendi construir essa narrativa conduzindo você, leitor(a), pelos
caminhos que trilhei ao longo do mestrado. Para isso, organizei a dissertação em 4
capítulos.
No primeiro capítulo, conto como me envolvi com as MASiR, sendo instigada
a realizar esta pesquisa. Apresento, então, os objetivos e perguntas de pesquisa,
bem como a organização desta dissertação – Sim, é neste ponto da história que
você se encontra, caro(a) leitor(a).
No segundo capítulo, apresento o cenário teórico em que a pesquisa se
desenvolve, abordando os principais conceitos que a estruturam. Começo
discorrendo sobre as migrações no século XXI, ancorando-me nas discussões sobre
a face perversa da globalização (M. SANTOS, 2001 apud CAMARGO, 2019) e
migração de crise (BAENINGER; PERES, 2017). Apresento brevemente o contexto
migratório brasileiro na última década, passando, em seguida, a focalizar a
migração árabe no Brasil. Discorro brevemente sobre a Primavera Árabe e sua
influência no trajeto migratório das MASiR participantes desta pesquisa. Na
sequência, filiando-me a uma perspectiva crítica de PLAc (ANUNCIAÇÃO, 2017;
LOPES; DINIZ, 2018; BIZON; CAMARGO, 2018), discuto o conceito de acolhimento
e sua relação com o ensino de língua portuguesa. Ainda no que tange ao meu
entendimento sobre migrações, argumento a favor de um ensino específico de
português para as MASiR.
Continuo, no segundo capítulo, com as discussões teóricas que embasam
este trabalho, apresentando duas propostas curriculares de ensino de Português
como Língua Adicional (PLA) que servem como base para a elaboração de
instrumentos de geração de registro e de categorias de análise dos dados. Em
seguida, apresento o conceito de análise de necessidades (CARVALHO, 2003;
VIAN JR., 2008; SILVA, 2016), aprofundando a discussão em pontos favoráveis e
desfavoráveis à sua adoção como instrumento metodológico. Proponho, então, a
ampliação do conceito, de modo a melhor dialogar com a perspectiva teórica que
assumo, e a contemplar os dados que seleciono para a análise. Finalizo este
segundo capítulo discorrendo sobre narrativas (WORTHAM, 2001; DE FINA, 2015;
DEPPERMAN, 2015), construídas na interação, onde emergem posicionamentos
28

(LANGENHOVE; HARRÉ, 1994), identificáveis por meio das pistas


indexicalizadoras (WORTHAM, 2001; BIZON, 2013).
No capítulo 3, descrevo o cenário prático e metodológico da pesquisa.
Apresento minha filiação a uma Linguística Aplicada que se propõe Indisciplinar e
Crítica (MOITA LOPES, 2006) e, a partir disso, descrevo a Associação Compassiva,
local onde a pesquisa se desenvolveu. Em seguida, apresento as participantes de
pesquisa e os instrumentos de geração de registros adotados – a saber, um
questionário, conversas informais e grupo focal.
Considero o capítulo 4 como o clímax do enredo desta pesquisa, pois é nele
que o encontro acontece. Nele, analiso os dados gerados por meio do questionário,
das conversas informais e dos encontros do grupo focal. Encontro, nas narrativas
que ali emergiram, possíveis respostas para as perguntas propostas. Embora as
vozes das MASiR permeiem toda a dissertação, é neste capítulo que elas aparecem
em profusão, lançando luzes sobre a relação delas com a língua portuguesa.
Finalizo o texto com algumas considerações, apresentadas no capítulo 5,
indicando diretrizes para o ensino de PLAc para as MASiR.
29

2 TRAJETÓRIA TEÓRICA

2.1 Globalização, migração de crise e cenário migratório brasileiro

O casamento de meus pais se realizou em 1987 e não pôde atrasar, pois,


durante a cerimônia, haveria um acontecimento raríssimo para a época: um
padrinho estadunidense faria uma rápida ligação telefônica para a igreja. Para que a
ligação de menos de 3 minutos pudesse ser atendida e ouvida por todos, foi
montado um complexo sistema que conectava enormes caixas de som ao telefone,
além de, pelo alto custo, a ligação ter sido considerada o presente de casamento.
Em contrapartida, o meu casamento aconteceu em 2018, e contou com a presença
de familiares de meu esposo vindos da Colômbia e de uma amiga, que veio da
Holanda especialmente para o momento. Logo ao final da cerimônia, eu já havia
recebido, pelo Whatsapp, parabéns de pessoas de várias partes do mundo.
Trinta anos separam o casamento dos meus pais do meu, e o mundo em que
aconteceram é bastante diferente. Na época de meus pais, notícias eram dadas por
meio de cartas, que demoravam a chegar. Hoje, a internet permite que a defesa de
minha dissertação se realize, mesmo que cada membro da banca esteja em uma
cidade diferente. Esse avanço tecnológico permite que meu marido se mantenha
ativo na comunidade rural colombiana em que seus familiares vivem, ainda que ele
esteja vivendo no Brasil. Isso porque os avanços tecnológicos nos conduziram a um
momento em que um pequeno aparelho nos conecta a qualquer lugar do mundo em
questão de segundos, hibridizando (ainda mais) nossas identidades, além de o
desenvolvimento dos meios de transporte permitirem deslocamentos muito mais
rápidos e seguros. Isso afeta a maneira como as migrações são estudadas,
entendidas e vividas. Como advogam Baeninger e Peres (2017, p. 120), a
complexidade das relações sociais estabelecidas hoje demandam uma nova
maneira de olhá-las.

Para a análise das migrações internacionais na contemporaneidade,


a própria construção do fenômeno social em sua articulação escalar
transnacional redefine conceitos e perspectivas teóricas explicativas.
A complexidade e a diversidade do processo de redistribuição da
população em âmbito mundial têm apontado para a necessidade
crescente da ampliação do entendimento dos processos migratórios,
incorporando o que ocorre fora das fronteiras nacionais (SASSEN,
2010). Dois aspectos teóricos são relevantes nesta perspectiva: a
30

dimensão transnacional dos processos migratórios (PORTES, 1999);


e a consequente ruptura com o nacionalismo metodológico
(WIMMER; GLICK-SCHILLER, 2003; GUARNIZO, et al., 2003;
SASSEN, 2010).

Ou seja, para o entendimento dos fluxos migratórios e das sociedades atuais,


a noção de país-nação, que precisa “resguardar” suas sociedades e culturas, deve
dar lugar a conceitos que admitam a fluidez e a mútua influência entre os países. As
fronteiras físicas continuam existindo, mas a tecnologia tem, cada vez mais,
ultrapassado tais fronteiras, fazendo interagirem diferentes culturas. Categorias
como “estrangeiro”, “imigrantes” e “emigrantes” têm dado lugar ao conceito de
“transmigrantes”, o qual abarca migrantes que se envolvem simultaneamente em
diferentes sociedades. Afinal, mesmo que fisicamente distantes, os “emigrantes”
continuam em contato com suas comunidades de origem, modificando-as.
Essas novas configurações migratórias resultam da intensificação da
globalização, processo irreversível que tende a aumentar cada vez mais. No
entanto, neste ponto torna-se necessário considerar também a face perversa da
globalização. Conforme leitura de Camargo (2019, p. 37) a partir das discussões de
M. Santos (2001) e Bizon (2013), ela é

fator estrutural da mobilidade humana, que se impõe a um grande


número de pessoas pelo mundo em materializações de crises, tais
como: desemprego, retorno de doenças extirpadas, aumento da
pobreza, generalização da fome e do desabrigo, manutenção da
mortalidade infantil, promoção de males espirituais e morais (como
os egoísmos, cinismos e a corrupção) e diminuição do acesso à
educação de qualidade.

Por ocorrer de maneira desigual e servindo a interesses daqueles que detém


o poder, a globalização tem aumentado exponencialmente as diferenças entre ricos
e pobres, entre provedores e consumidores. Assim, a globalização vai criando
abismos entre aqueles que muito têm e os “despossuídos” (FELDMAN- BIANCO,
2015, 2018 apud PEREIRA et al., 2021, p. 5). As pessoas que pouco têm acabam,
inevitavelmente, por migrarem em busca de melhores condições de vida, o que
caracteriza a migração em si. Como apontam Baeninger e Peres (2017, p. 121),

À medida que as localidades se inserem na lógica global, as


migrações internacionais tenderão a se intensificar, correspondendo
às transformações oriundas da reestruturação do capitalismo global
(SASSEN, 2010), da inserção dos países na geopolítica mundial e
suas políticas migratórias (HAMMER, 2009) e do consequente papel
31

que assumem tais localidades na divisão internacional do trabalho


(SANTOS, 2002).

Assim sendo, temos configurado o conceito de migração de crise, cunhado


por Simon (1995) e por Clochard (2007) e ampliado por Baeninger e Peres (2017). A
ampliação proposta pelas autoras foi feita a fim de destacar que a crise vivenciada é
estrutural, não sendo apenas a crise no país de origem, mas encontrando-se,
igualmente, no país de destino. É importante ressaltar que, por essa perspectiva, o
aumento das migrações e do número de refugiados na década de 2010 não diz
respeito simplesmente a uma “crise migratória” pontual e temporária. É, antes de
tudo, a consequência de um sistema que incentiva o individualismo e o egoísmo,
aumentando as disparidades sociais. É a consequência de um sistema em crise.
Assim, operando nessa lógica que atribui valor ao ser humano a partir de
quanto e como ele consome, o acolhimento a migrantes também é afetado.
Entendendo o Norte Global como os países que detém o poder e o capital,
acumulado em séculos de exploração colonial, e entendendo como Sul Global os
países “em desenvolvimento”, que dependem econômica e socialmente de outros
países, Pereira et al. (2021, p. 3) destacam que:

Enquanto os fluxos norte-norte ou norte-sul – constituídos


majoritariamente por uma população branca e enriquecida por
séculos de acumulação de espólios coloniais – são quase sempre
definidos como ordenados, estruturados, hiperqualificados e
benéficos para as sociedades receptoras, os fluxos sul-norte e
sul-sul são inversamente adjetivados de maneira pejorativa,
associados ao perigo (sanitário ou não), à desordem, à
criminalidade, à doença e a hábitos e culturas “pré-modernas” ou
“atrasadas”. Os últimos seriam, portanto, inevitavelmente prejudiciais
aos países que os acolhem, configurando crises e ameaças
globalmente reconhecidas.

Considerando as disparidades globais como sócio-historicamente construídas


e entendendo que elas afetam a forma como enxergamos as migrações hoje, é
possível compreender o conceito de migração de crise. Isso é importante porque
ilumina o contexto desta pesquisa. Afinal, como apontam Baeninger e Peres (2017),
o Brasil teve seu lugar nesse complexo fluxo migratório alterado significativamente.
Deixou de ser apenas um país que produz migrantes, passando a recebê-los, seja
como parte do trajeto migratório dessas pessoas, seja como destino final.
Um exemplo dessa posição do Brasil nos novos fluxos migratórios
contemporâneos é a migração haitiana iniciada após o terremoto de 2010. Para
32

Baeninger e Peres (2017), tal fluxo migratório foi responsável por inserir o país nas
migrações transnacionais do século XXI, sendo reflexo não apenas dos
posicionamentos brasileiros e haitianos, mas também de outros países. Explico: o
Brasil liderou a missão de paz da ONU no Haiti no pós-terremoto, e abriu suas
fronteiras para a legalização de migrantes desse país por meio da criação de um
visto pensado especificamente na situação dos haitianos: o visto humanitário. Por
outro lado, outros países, tradicionalmente receptores, se articularam em
movimentos contrários, de fechamento de fronteiras. Então, não vendo nos países
do Norte Global boas opções de migração, os haitianos se redirecionaram para o
Brasil, gerando uma migração sul-sul, a qual acabou por revelar a crise no Brasil
enquanto país de destino. A falta de estrutura para recepção e inserção dos
migrantes na sociedade foi escancarada com a xenofobia e os altos níveis de
desemprego4 encontrados aqui pelos haitianos.
O gráfico a seguir mostra o número de imigrantes internacionais com registro
ativo no Brasil segundo o ano de registro, no período referente aos anos 2000 a
2019. Ele aponta para o aumento das migrações para o Brasil, exemplificando a
inserção do país nas migrações transnacionais do século XXI.

Figura 2 – Internacionais com registro ativo no Brasil por ano de registro


(2000-2019)

Fonte: BAENINGER et al. Atlas Temático: Observatório das Migrações em São Paulo e Observatório
das Metrópoles - Migrações Internacionais, Macrometrópole Paulista, Regiões Metropolitanas e
Regiões Administrativas. 2020, p.20.

Ao focalizar apenas a migração de refúgio, constata-se um cenário parecido.

4
Baeninger e Peres (2017, p. 135), analisando os dados do Sistema Nacional de Cadastramento de
Registro de Estrangeiros (Sincre), apontam que “35% de imigrantes do Haiti no Brasil, entre 2010 e
2015, se encontravam na categoria sem ocupação ou outra ocupação não classificada”.
33

O gráfico da Figura 3 abrange o período entre 2010 e 2017, e focaliza o acumulado


de refúgios reconhecidos pelo Comitê Nacional de Refugiados (CONARE).

Figura 3 – Acumulado de Refugiados (2010-2017)

Fonte: BAENINGER et.al. Atlas Temático: Observatório das Migrações em São Paulo e Observatório
das Metrópoles – Migrações Refugiadas. 2018, p.27.

Ambos os gráficos apresentados demonstram aumento no número de


migrantes no Brasil. É relevante, porém, destacar que o número de refugiados
reconhecidos pelo CONARE é ainda muito menor do que o número de solicitantes
de refúgio no país. No Atlas Temático de 2018 (BAENINGER et.al., 2018), os
autores apontam que, em 2015, embora a nacionalidade com maior número de
solicitações de refúgio fosse a haitiana (14.465), o maior número de status de
refugiado concedidos pelo CONARE era de nacionalidade síria (606).
No que diz respeito a migrações de crise para o Brasil na última década,
Cavalcanti, Oliveira e Silva (2021) destacam a migração haitiana e a migração
venezuelana como as mais significativas da década, baseando-se no número de
migrantes dessas nacionalidades que vivem no país hoje. No entanto, ao tomarmos
os números relativos a refugiados, constata-se que o movimento migratório sírio
para o Brasil também foi significativo. Na mesma publicação, Cavalcanti, Oliveira e
Silva (2021) apontam que a Síria foi o país com maior número de refugiados
reconhecidos no Brasil em 6 dos 10 anos analisados.
Em meio a essa migração de crise (BAENINGER; PERES, 2017) proveniente
da Síria, encontra-se a maioria das MASiR que participaram desta pesquisa. Por
isso, na próxima seção, traço um breve histórico das migrações árabes no Brasil,
focalizando a recente migração síria.
34

2.1.1 Migrações árabes no Brasil

A migração árabe no Brasil é antiga, remontando às caravelas portuguesas.


Como explicam Rodrigues, Sala e Siqueira (2018, p. 313), “historicamente, trata-se
de um fluxo migratório majoritariamente voluntário, iniciado no período do Brasil
Colônia, que se realizou em diversos momentos, inclusive no século XX”.
Em reportagem5 da Agência de Notícias Brasil-Árabe (ANBA), consta que a
presença árabe no Brasil se tornou maior na segunda metade do século XIX, por
conta de conflitos na região da Síria e do Líbano a partir de 1840. No Brasil, muitos
desses migrantes trabalharam como mascates, contribuindo para o desbravamento
de terras do interior, para a difusão de informações por todo o território brasileiro e
para a consolidação do comércio na região de São Paulo.
Como já apresentado na seção anterior, na década de 2010, o número de
migrantes árabes solicitantes de refúgio no Brasil aumentou significativamente. Uma
possível explicação para isso são os conflitos nos países árabes que ocorreram a
partir de 2011, conhecidos como Primavera Árabe. Todas as mulheres árabes
envolvidas nesta pesquisa – as dezenove estudantes que responderam ao
questionário, incluindo as cinco participantes de pesquisa – migraram por causa dos
conflitos gerados pela Primavera Árabe. Como apontado na análise das respostas
ao questionário (seção 4.1 – Estudantes da Compassiva como parte significativa
das MASiR), a maioria das participantes é de origem síria, tendo também uma
originária do Egito e cinco do Marrocos. Três mulheres apontaram ser de origem
palestina, mas estas já haviam migrado para a Síria antes de virem para o Brasil.
Pela inegável relevância do conflito sírio e da Primavera Árabe na trajetória dessas
mulheres, considero necessário trazer um breve resumo desses eventos, o qual
construo com base nas informações de notícias6 no site da BBC News Brasil, bem
como no capítulo Refugiados sírios no Brasil: políticas de proteção e integração, de
Rodrigues, Sala e Siqueira (2018).

5
Disponível em: https://anba.com.br/de-1500-a-2020-arabes-encontram-no-brasil-seu-novo-lar/.
Acesso em: 06 jul. 2021.
6
Notícia 1: SIMÕES, R. O que foi e como terminou a primavera árabe? BBC News Brasil, 2021.
Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-55379502. Acesso em 10 set. 2021.
Notícia 2: GARDNER, F. O homem que 'acendeu' a fagulha da Primavera Árabe. BBC News Brasil,
2011. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2011/12/111217_bouazizi_primavera
_arabe_bg. Acesso em 10 set. 2021.
35

A Primavera Árabe é como se nominou a série de revoltas ocorridas no


mundo árabe a partir de 2011. Na época, diversos países da região eram
governados por governos autoritários e ditatoriais que somavam décadas no poder.
Somam-se a isso a corrupção das instituições, a falta de liberdades, o desemprego,
a pobreza e a desigualdade (NAVARRO, 2011 apud RODRIGUES; SALA;
SIQUEIRA, 2018, p. 310), com uma vasta região com populações insatisfeitas,
prontas para se revoltarem: é como uma represa prestes a romper.
Foi nesse cenário que a morte de um verdureiro tunisiano transformou-o em
um herói, símbolo da luta por melhores condições de vida dessas populações.
Bouazizi, um rapaz de 26 anos, morador de Sidi Bouzid, cidade da costa nordeste
da Tunísia, vinha sofrendo pressão de policiais que lhe exigiam propina em troca de
manter seu carrinho de verduras. Em 17 de dezembro de 2010, em resposta à
negativa de Bouazizi, os policiais humilharam o rapaz, e confiscaram suas
ferramentas e mercadorias. Na tentativa de recuperá-las, o jovem procurou a sede
do governo local, mas o governador se recusou a recebê-lo. Inconformado, o
verdureiro comprou um galão de gasolina e ateou fogo ao próprio corpo, em frente
ao prédio do governo. Isso comoveu o povo de toda a Tunísia, que apoiou sua
causa, protestando e demonstrando solidariedade ao rapaz.
A atitude de Bouazizi foi a gota d’água que rompeu a represa de insatisfação
dos povos árabes. A solidariedade ao verdureiro levou o povo tunisiano às ruas, e
seu líder político, ao exílio. Navarro (2011) aponta alguns fatores que influenciaram
a rapidez com que os protestos se espalharam pelos diferentes países da região,
destacando-se o importante papel das redes sociais. Em menos de um mês de
protestos, a Tunísia mudou sua história, encerrando o mandato do presidente Zine
Al Abidine Ben Ali, que já durava mais de 20 anos.
Além da Tunísia, outros três países também derrubaram seus chefes de
estado. O então presidente do Egito, Hosni Mubarak, renunciou ao cargo em 12 de
fevereiro de 2011, após 29 anos. Em outubro de 2011, na Líbia, depois de 42 anos
como líder político do país, Muammar Kadaffi foi capturado, espancado e morto por
rebeldes, gerando uma guerra pelo poder. Atualmente, este país é liderado por
Mohamed Al-Menfi, chefe em estado provisório. No Iêmen, o presidente Ali Abdulah
Saleh deixou o cargo em fevereiro de 2012, após 33 anos liderando o país, dando
lugar a uma guerra civil que continua até hoje. Em outros países, como Marrocos,
Jordânia, Arábia Saudita, Bahrein e Kuwait, os protestos foram um pouco menos
36

arrasadores, com os governos negociando com os líderes das oposições e fazendo


algumas concessões. No entanto, na Síria e no Iêmen, os protestos acabaram por
deflagrar duas guerras civis, com centenas de milhares de mortos e milhões7 de
refugiados espalhados por todo o mundo.
Em 2011, os protestos anti-governo chegaram à Síria. Em 15 de março, o
primeiro grande protesto aconteceu na cidade de Daraa. O presidente, Bashar al
Assad, respondeu com mão de ferro, aumentando a revolta. Em junho, surgiu o
Exército Livre da Síria, grupo armado contrário ao governo. Em agosto aconteceu o
primeiro envolvimento internacional, com países como os Estados Unidos pedindo
que Al Assad deixasse o poder. No entanto, o governo recebeu apoio da Rússia e
da China e, assim, ganhou fôlego a guerra que assola o país e que já dura mais de
dez anos. Em 2018, já eram 5 milhões de refugiados sírios em todo o mundo,
segundo dados do ACNUR,8 contingente que inclui as cinco mulheres árabes
participantes desta pesquisa. Elas compõem, juntamente com as 57.099 pessoas
refugiadas no Brasil até 2020,9 uma população que demanda políticas públicas para
se inserirem na sociedade brasileira, incluindo políticas de ensino de Língua
Portuguesa.

2.1.2 Acolhimento e Português como Língua de Acolhimento (PLAc)

Na área de pesquisa sobre Português como Língua Adicional, a subárea


dedicada aos estudos sobre políticas de línguas e políticas públicas voltadas a
migrantes em situação de vulnerabilidade tem sido chamada de Português Língua
de Acolhimento (PLAc) (AMADO, 2013; CABETE, 2010; GROSSO, 2010; SÃO
BERNARDO, 2016). Ao inscrever esta pesquisa nessa subárea, julgo necessário, a
exemplo de Anunciação (2017), Lopes e Diniz (2018) e Bizon e Camargo (2018),
explicitar o que compreendo como acolhimento, especialmente no contexto de
migração de crise (BAENINGER; PERES, 2017).10

7
O ACNUR estima 5,5 milhões de refugiados sírios no mundo. Disponível em:
https://www.acnur.org/portugues/quem-ajudamos/refugiados/. Acesso em: 12 out. 2021.
8
Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/2021/04/01/relembre-os-principais-momentos-dos-
10-anos-de-crise-na-siria/. Acesso em: 06 set. 2021.
9
Dado do ACNUR, disponível em https://www.acnur.org/portugues/dados-sobre-refugio/dados-sobre
-refugio-no-brasil/. Acesso em 12 fev. 2022.
10
Camargo (2021, p.140) explica o contexto da seguinte maneira: “É nesse sentido que escolho
empregar o termo “migrantes de crise”, conforme ampliado e aprofundado por Baeninger e Peres
(2017), para significar todos aqueles que são forçados a migrar devido a problemas econômicos,
políticos, civis, religiosos e humanitários. Na ampliação proposta pelas autoras, estão incorporados
37

Ao digitarmos a palavra “acolhimento” no buscador Google Imagens, como


ilustra a Figura 4, surgem como respostas figuras como mãos estendidas, corações,
famílias, mãos menores envolvidas por mãos maiores, abraços, pessoas
representativas de diversidade racial de mãos dadas, casas abrigando várias
pessoas, sorrisos etc. Todos esses elementos semióticos sinalizam um certo valor
positivo ligado ao acolhimento, remetendo-se à bondade daquele que acolhe,
daquele que estende as mãos para o Outro em necessidade. Sinalizam também
uma relação hierarquizada entre quem ajuda e quem é ajudado, ao frequentemente
colocar as “mãos que recebem” em escala menor ou em posição inferior se
comparadas às “mãos que doam”. Em algumas imagens, vê-se, além disso,
expressões de pena e compadecimento do que acolhe. Signos que, a meu ver,
contribuem para a representação da ideia de acolhimento como um ato tranquilo e
harmônico. Em nenhuma dessas imagens, fazem-se presentes os possíveis
conflitos no ato de acolhida, nem qualquer esforço por parte dos que recebem o
acolhimento. Pelo contrário, em todas verifica-se a representação do que poderia
ser entendido como um ato altruísta do doador frente à passividade ou alegria de
quem recebe.

Figura 4 – Captura de tela de busca “acolhimento” no Google Imagens

Fonte: Pesquisa Google. Disponível em: https://url.gratis/xjINsi. Acesso em: 08 dez. 2021.

Ao recorrer à definição dada por dois dicionários online – Dicionário Priberam

os diversos tipos de migrantes, tais como aqueles com a condição jurídica de refugiado, solicitantes
de refúgio, com visto humanitário e refugiados ambientais. Além de indicar a presença da crise nos
países de origem desses deslocados, as autoras apontam como essa crise também diz respeito ao
país de destino, frequentemente despreparado para receber os fluxos migratórios, evidenciando,
assim, “o caráter bilateral da crise” (BIZON; CAMARGO, 2018, p. 712)”.
38

e Dicionário Informal, nesta ordem – encontramos que acolhimento é “ato de


acolher; refúgio; amparo; hospitalidade”11 ou “recepcionar, cuidar, o ato de cuidar
dos que estão sem apoio”.12 O dicionário Priberam remete ainda ao verbo “acolher”,
indicando três significados: “1. Receber em sua casa; recolher. 2. Receber com
agrado. 3. Recolher-se, refugiar-se”. Tais definições, da mesma forma, indicam
percepção de acolhimento bastante similar às imagens comentadas: ação altruísta
realizada por quem tem e “cuida” de quem, estando “sem apoio”, não tem nada a
oferecer. Ressalte-se, além disso, a noção de que acolher corresponde a uma
maneira específica de receber: “com agrado”.
Trazer esse termo para o contexto de ensino-aprendizagem de uma língua,
sem discutir suas diferentes acepções, pode reforçar posições paternalistas e
assimilacionistas de políticas para o ensino, cristalizando-se a imagem do “bom
acolhedor” que estende os braços para receber “com agrado” em “sua casa” um
alguém que nada tem a lhe oferecer, que “não tem apoio”. Autores como
Anunciação (2017), Bizon e Camargo (2018) e Lopes e Diniz (2018) têm chamado a
atenção para a importância de pesquisadores, elaboradores e gestores de políticas
de línguas e políticas públicas e demais envolvidos com o contexto de migração de
crise comprometerem-se com um constante escrutínio das ações propostas, de
modo a não reforçarem preconceitos e valores que buscam reduzir com essas
ações.
No contexto de ensino do português como língua adicional para migrantes de
crise, o termo “acolhimento” foi importado de políticas linguísticas de Portugal.
Baseio-me em Anunciação (2018) para apresentar este programa e alguns
problemas decorrentes dessa apropriação do termo para o contexto brasileiro.
Em 2007, criou-se em Portugal o programa Portugal Acolhe – Português para
Todos. O programa consistia em aulas de língua portuguesa em três módulos,
referentes a língua portuguesa, cidadania e português técnico. Em termos gerais, o
primeiro módulo busca ensinar a língua portuguesa a partir das diretrizes do Quadro
Europeu Comum de Referência para línguas. O segundo módulo focaliza a
aprendizagem dos direitos e deveres de um cidadão português, e o terceiro busca
instrumentalizar o migrante com a língua para cargos de trabalho em nível técnico
no país. A crítica mais forte que pesquisadores brasileiros (ANUNCIAÇÃO, 2017;

11
Disponível em: dicionario.priberam.org/acolhimento. Acesso em: 04 abr. 2021.
12
Disponível em: dicionarioinformal.com.br/acolhimento/. Acesso em : 04 abr. 2021.
39

BIZON; CAMARGO, 2018; LOPES; DINIZ, 2018) têm dirigido a esse programa diz
respeito ao fato de se estabelecer a aprendizagem de um determinado português
para determinados fins como pré-requisito para o acesso a importantes direitos,
como visto de residência, cidadania portuguesa e carteira de trabalho. Essa
perspectiva que condiciona o aprendizado da língua local como pré-requisito para
obtenção de direitos, no limite, pode acabar por excluí-lo da sociedade até que se
adapte a um padrão imaginário de cidadão local.
Transpor essa nomenclatura ao contexto brasileiro acaba por reforçar os
mitos do Brasil como um “país monolíngue e linguisticamente homogêneo”, como
discute Anunciação (2018, p. 45). É importante, porém, olhar para o uso da palavra
“acolhimento” do ponto de vista da saúde pública brasileira. Na Biblioteca Virtual em
Saúde (BVS Online),13 gerenciada pelo governo brasileiro, encontra-se que
acolhimento é

uma postura ética que implica na escuta do usuário em suas


queixas, no reconhecimento do seu protagonismo no processo de
saúde e adoecimento, e na responsabilização pela resolução, com
ativação de redes de compartilhamento de saberes. Acolher é um
compromisso de resposta às necessidades dos cidadãos que
procuram os serviços de saúde (grifos meus).

Nesse contexto, a definição traz algumas diferenças em relação às definições


anteriormente mostradas, posto que se trata de diretriz a ser seguida por todos os
profissionais da área de saúde. Nesse caso, aponta-se para o caráter de
disponibilidade do profissional para aquele que busca por seus serviços. Contudo,
aponta também que a pessoa acolhida não é avessa ao processo, não é passiva.
Acolher, na perspectiva em tela, prevê o protagonismo da pessoa que recebe o
serviço, bem como o reconhecimento do papel ativo dessa pessoa para a mudança
de sua situação.
Ao filiar minha pesquisa à nomeada área de PLAc, entendo o acolhimento
como um processo dialógico, como um “movimento de mão dupla em direção a um
encontro” (CAMARGO, 2021, p.142) em que o acolhido participa do processo com
voz efetiva e ativa, tendo papel de protagonista em sua própria história. Não é um
processo simples, mas complexo, que “[não] apaga as tensões e relações de poder
inerentes a qualquer diálogo” (BIZON; CAMARGO, 2018, p. 716), demandando uma

13
Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/dicas/167acolhimento.html Acesso em: 06 jun.
2021.
40

(des)reterritorialização (HAESBAERT, 2004) tanto do que acolhe como do que é


acolhido. Exatamente por pressupor este movimento da parte “acolhedora”, este
processo precisa incluir um trabalho de educação do entorno14 para as diferenças,
como propõe Maher (2007). Além disso, é necessário enxergar a “acolhida” não
como um “favor”, um ato de benevolência. Afinal, como destacam diversos
pesquisadores (ILLES; VENTURA, 2012; ASSIS, 2018; ALVES, 2021), migrar é um
direito humano. Portanto, acolher é simplesmente mobilizar maneiras de garantir
este direito a outras pessoas.
A partir dessa discussão, ao voltarmos nosso olhar para cursos de PLAc
oferecidos no Brasil e seus materiais didáticos, percebemos que, como aponta
Camargo (2019, p.110), eles não conseguem “abarcar todos os aspectos inerentes
ao acolhimento de migrantes de crise”. De fato, é uma utopia que um material
didático dê conta de todos os aspectos de contextos tão complexos. No entanto,
não é este o papel das utopias, como nos aponta o escritor Eduardo Galeano?15
Manter-nos em movimento, caminhando em direção a elas e tornando-nos cada vez
melhores? Ouso mobilizar essa metáfora, esperando que meu trabalho seja mais
um pequeno passo em direção à inalcançável utopia de um material didático
perfeito.
Não é meu propósito, aqui, esgotar a discussão sobre o termo acolhimento e
as consequências de seu uso no ensino de português no contexto de migração de
crise. Ressalto, entretanto, que me esforço para que este estudo contribua para
minimizar os efeitos assimilacionistas e paternalistas que possam permear a prática
do ensino de PLAc, buscando espaços em que as migrantes árabes sejam parte
efetiva da discussão de suas demandas e da construção de políticas para sua
inserção na sociedade brasileira.

2.1.3 As mulheres árabes em situação de refúgio como público específico

Nesta seção, discutirei de maneira um pouco mais detalhada as motivações

14
Maher (2007, p. 257) apresenta que um grupo minoritarizado jamais será capaz de exercer de
forma plena sua cidadania “sem que o entorno aprenda a respeitar e a conviver com diferentes
manifestações lingüísticas e culturais”.
15
Veja um trecho da entrevista de Eduardo Galeano sobre o papel da utopia no vídeo Eduardo
Galeano – El Derecho al Delirio. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=Z3A9NybYZj8&ab_channel=FelipeMartins. Acesso em: 2 nov.
2021.
41

que me levam a defender um ensino específico de PLAc para as MASiR. Como


apresentei na introdução, meu argumento inicial se baseia em pontos que
emergiram da prática pedagógica – tanto a minha, quanto de professores sob minha
coordenação no curso de português da Associação Compassiva – e em
especificidades inerentes às características em torno das quais agrupo as MASiR.
Destaco que entendo meus argumentos neste momento como percepções iniciais e
espero que os dados analisados neste trabalho concedam mais força e
embasamento a eles.
Acredito que esse público necessita de um ensino específico, primeiramente,
porque algumas questões culturais nas relações de gênero alteram a dinâmica
de sala de aula normalmente construída por professores e professoras de
nacionalidade brasileira. Por exemplo, é comum encontrar MASiR que não olham
nem falam diretamente com homens, independentemente de sua nacionalidade,
pois a conversa entre gêneros é considerada por muitas MASiR uma falta de
respeito. É, portanto, relativamente comum que um professor dirija uma pergunta a
uma mulher, mas o homem ao lado (frequentemente, o marido) responda.
Também vivenciei algumas situações em que professores reclamaram da
dificuldade de engajamento das mulheres na sala de aula. Tal dificuldade é
vivenciada tanto por professores quanto por professoras, posto que muitas alunas
não se sentem à vontade em uma sala com maioria masculina, falando baixo, pouco
e hesitando em expor suas dúvidas frente à sala. Tais situações não eram raras
durante as aulas e, para contorná-las, eu ou outra professora nos dirigíamos às
carteiras de cada uma das alunas para que elas se sentissem confortáveis para
exporem seus questionamentos. Ressalto a importância, neste caso, de a
intervenção ser feita por uma mulher, uma vez que a aproximação por um homem
tem grande chance de ser recebida pelas MASiR como inapropriada.
Nas turmas unicamente femininas, a dinâmica sempre foi totalmente diferente
da dinâmica das turmas mistas, sendo necessário, inclusive, limitar a participação
das estudantes em alguns momentos. Assim sendo, pude verificar que muitas
mulheres se sentiam desconfortáveis quando estudavam em turmas com homens.
Destaco que essa constatação não diz respeito a todas as MASiR com que
trabalhei, mas a uma parte significativa delas.
Outro fator ligado à dinâmica da sala de aula que justifica um ensino
específico para as MASiR pelo fato de serem mulheres diz respeito à presença de
42

crianças de colo nas aulas. Discuto esse ponto ao longo desta dissertação, mas é
importante já adiantar que muitas MASiR são mães e precisam amamentar durante
as aulas. Se o ambiente for só de mulheres, elas têm liberdade de amamentar na
própria sala de aula, não perdendo o fio da interação. Se, porém, o ambiente contar
com a presença de homens, a amamentação acontecerá em outro local,
acarretando desigualdade entre o tempo de aula dessas mulheres com o restante
da turma.
Ao trazer essa questão, acho necessário explicitar que providenciar um
ambiente sem homens significa não apenas que as aulas devem ser dirigidas por
professoras, mas abrange todas as outras pessoas que podem, por diversos
motivos, adentrar naquele ambiente durante o horário das aulas. Por exemplo,
qualquer aviso, doação ou pesquisa que aconteça nesse momento deve ser
realizado por uma mulher, a menos que previamente avisado às alunas. É
aconselhável que isso seja feito para que as MASiR tenham tempo de recolocar o
hijab ou cobrir os seios se estiverem amamentando, sendo respeitadas em suas
visões sobre moralidade. Assim, ao se pretender um ambiente somente para as
mulheres, é necessário atentar-se para o sexo de professores, colegas de turma,
parentes das alunas, outros voluntários ou funcionários da instituição que oferece o
curso de português, cuidadores de crianças, zeladores, pedreiros que estejam
trabalhando no prédio, parentes das professoras, crianças mais velhas,
pesquisadores. Em suma: qualquer pessoa que possa adentrar ao ambiente de
aulas.
A organização adotada pela Associação Compassiva contemplava esse
ambiente exclusivo para mulheres durante os horários de aula matutina. Assim,
criou-se um contexto de proximidade e parceria que permitiu às alunas que
desejassem, além de amamentar no momento desejado, retirar o hijab durante as
aulas sem perder o sentido simbólico que essa peça de vestimenta carrega. Isso
porque o véu islâmico deve ser utilizado na presença de qualquer homem com
quem as MASiR não tenham uma relação de parentesco direto, indicando um
código de moralidade e pertencimento a uma religião, como aponta Abu-Lughod
(2012). Entre mulheres, o uso do véu não é necessário. Esclareço que as ocasiões
em que as estudantes optaram por retirar o hijab durante as aulas corresponderam
a dias muito quentes, em que a ventilação das salas estava prejudicada.
É importante destacar, também, que as crianças ocupam papel central no
43

processo de aprendizagem de português das MASiR. Além da questão da


amamentação, minha percepção inicial era a de que as crianças estariam entre os
principais fatores que motivam a busca de cursos de português pelas MASiR. Isso
porque várias estudantes começavam a frequentar as aulas no momento em que
seus filhos precisavam ingressar na creche ou na escola. Além disso, muitas
traziam dúvidas sobre o significado de bilhetes e outros gêneros textuais utilizados
na comunicação com as creches ou as escolas. Também havia mulheres que
contavam que se sentiam aflitas e frustradas por não conseguirem se comunicar em
situações envolvendo a saúde dos filhos.
Outra situação vivenciada no período em que fui coordenadora diz respeito a
alguns casos em que uma mulher deixou de frequentar as aulas por um tempo,
porque havia evoluído no aprendizado da língua portuguesa mais do que o marido,
causando dificuldades na relação do casal. Ressalto que essas situações foram
muito raras, mas evidenciaram uma relação desigual de poder entre os gêneros no
núcleo familiar entre as MASiR com que tive contato. A meu ver, é relevante
considerar tal questão no ensino específico para as mulheres, porém com cuidado,
pois pode facilmente levar ao reforço de imagens pré-concebidas e discursos sobre
mulheres árabes necessitando ser salvas, como critica Abu-Lughod (2012).
Outra característica que considerei ao afirmar que as MASiR precisam de um
ensino específico está ligado aos espaços que elas ocupam fora do ambiente de
aprendizado. Percebemos que várias estudantes tinham um ritmo de aprendizado
mais lento do que os integrantes do sexo masculino de sua família, pois eles
interagiam mais em português fora do ambiente formal de aprendizagem. Uma
possível explicação é que as MASiR enfrentam maiores dificuldades para conseguir
emprego, sendo as responsáveis pelos ambientes privados da família, enquanto os
homens tendem a ocupar ambientes externos, mobilizando mais a língua
portuguesa em suas práticas sociais.
Por serem falantes de árabe, há questões linguísticas específicas que
precisam ser abordadas. Afinal, o árabe e o português são línguas tipologicamente
distantes, com sistemas gráficos distintos. Por isso, é importante trabalhar o alfabeto
ocidental, a direção da escrita, a paragrafação, etc. É também necessário abordar
questões linguísticas específicas na interface entre as duas línguas, como o
funcionamento das vogais e outras questões que discutirei durante a dissertação.
Aqui, acredito ser relevante trazer algumas informações apresentadas por
44

Silva (2016) em seu artigo Ensino de Português para Falantes de Árabe. Nele, a
autora aponta algumas especificidades linguísticas percebidas em suas aulas para
alunos dos dois anos iniciais da primeira graduação em português no mundo árabe,
na Universidade de Aswan, Egito. No quadro a seguir, encontram-se algumas
dificuldades mapeadas por Silva (2016), concernentes a seu contexto de pesquisa,
mas que, a meu ver, também se aplicam ao aprendizado das MASiR. Além dessas
dificuldades, a autora elenca outras que são comuns a quase todos os alunos de
PLA, não apenas aos falantes de árabe (como a diferenciação entre os verbos ser e
estar e a concordância de gênero das palavras), as quais optei por não colocar no
quadro. Em alguns casos, a autora exemplificou a dificuldade apontada, mas em
outros não. Apontei, no quadro, os exemplos apresentados pela autora.

Quadro 1 – Dificuldades de falantes de árabe no aprendizado de LP


Dificuldades linguísticas de alunos falantes de árabe no aprendizado de
Língua Portuguesa (quadro baseado em Silva, 2016)

Problemas Exemplos Explicação

Sons /b/ e /v/ “Aswan é uma cidade Sons inexistentes na


muito ponita” (SILVA, língua árabe.
2016, p. 18)

Encontros consonantais Sem exemplos no texto de Sons inexistentes na


(pr e br) Silva (2016). língua árabe.

Dígrafos (gu e qu) Sem exemplos no texto de Embora os fonemas /g/ e


Silva (2016). /k/ existam em árabe, a
escrita em português
pode gerar confusão.

Vogais Sem exemplos no texto de Muitos alunos falavam


Silva (2016). francês ou inglês,
transferindo os sons
vocálicos dessas línguas
para o português. Além
disso, no árabe há
apenas três sons
vocálicos orais,
apresentando algumas
variações, o que costuma
gerar dificuldades na
pronúncia das vogais em
português.
45

Pronúncia do “j” como /g/ “Eu e minhas amigas e O correspondente do “j”


meus professors em árabe é o ‫( ج‬jim), lido
viagamos para luxor de com som /g/ no árabe
ônibus” (SILVA, 2016, p. egípcio, o que acarreta
19). problemas de grafia como
o do exemplo ao lado.

Pronúncia da letra “h” no “Aluno que leu a palavra Influência da língua


início de palavras habitante como /habitãti/, inglesa, que pronuncia a
em vez de /abitãti/.” letra “h” como um som
(SILVA, 2016, p. 20). aspirado, que se
assemelha à pronúncia
do “r” na palavra “rato”.
Em português, a letra “h”
não é pronunciada. No
entanto, como muitos
alunos tinham contato
com o inglês, acabavam
transferindo a pronúncia
do inglês para o
português, gerando
situações como o
exemplo ao lado.

Verbo tomar “Tomar banho e Tomar Dificuldade para entender


café. Num mesmo os diversos contextos de
exercício, uma aluna do 1º uso do verbo tomar, uma
ano questionou como vez que, no árabe, há
seria possível que o verbos distintos para os
mesmo verbo usado com sentidos assumidos pelo
o sentido de ´beber algo´ verbo tomar em
pudesse significar português.
´banhar-se´.” (SILVA,
2016, p. 16).

Dificuldade com os Sem exemplos no texto de Em árabe, há apenas


tempos verbais, Silva (2016). duas conjugações verbais
especialmente no no passado – perfectivo e
passado. imperfectivo. “As noções
verbais de pretérito
imperfeito, pretérito mais
que perfeito, futuro do
presente e do pretérito,
assim como as formas de
subjuntivo e imperativo
são formadas a partir do
imperfectivo com auxílio
do verbo ser, como verbo
auxiliar, com partículas e
46

advérbios. Neste caso,


recorremos muitas vezes
à tradução em árabe, de
forma contrastiva.”
(SILVA, 2016, p. 16)

Confusão entre o modo “Que eu fale” x “Fale Esses dois modos verbais
imperativo (no registro agora.” (SILVA, 2016, p. têm a mesma forma em
formal) e o tempo 16). português, mas assumem
presente do modo sentidos diferentes. Por
subjuntivo terem a mesma forma, os
alunos tiveram dificuldade
em distingui-los.

Dificuldade na utilização “meu namorado tém 25 No árabe, não há letras


de letras maiúsculas e anos. ele é alto, esportista maiúsculas, sendo a
minúsculas e simpático. seus olhos é escrita toda em letras
preto, é branco.” (SILVA, minúsculas.
2016, p. 23)
Fonte: Adaptado de Silva (2016).

Ressalto que eu não sou proficiente em árabe, motivo que me levou ao artigo
de Silva (2016). Assim sendo, baseei o quadro acima no artigo em questão, optando
por não inventar exemplos para os pontos que a autora não exemplificou.
Acredito ser importante, neste momento da dissertação, esclarecer que me
oponho à visão apresentada pelo Ministério de Relações Exteriores em sua cartilha
Proposta Curricular para o Ensino de Português nas Unidades de Ensino do
Itamaraty em Contextos de Língua de Média Distância (MRE, 2021), a qual
considera o árabe como língua de média distância pela possibilidade de haver uma
língua mediadora entre o árabe e o português. Para o autor da cartilha do MRE,
haver uma língua mediadora – o francês ou o inglês, nos casos apresentados na
cartilha – aproximaria o português do árabe. Em meu entendimento, a necessidade
de acrescentar uma língua no processo de ensino-aprendizagem é, por si só, um
indicativo de que a língua primeira (árabe) e a língua adicional (português) são
línguas distantes entre si.
No artigo Repensando necessidades e especificidades no ensino de
português como língua adicional para grupos asiáticos, Frazatto e Gabas (no prelo)
discutem questões em torno do distanciamento entre línguas, partindo na noção
apresentada em De Angelis (2007) e ampliando a discussão. Para esta autora, esse
distanciamento se dá sob dois vieses, um objetivo e outro subjetivo. O primeiro está
47

relacionado a aspectos formais, como fonética e sintaxe, e famílias linguísticas; o


segundo, tem relação com a “distância intuída pelos aprendizes entre línguas que
pode, ou não, corresponder à distância que realmente existe entre elas” (DE
ANGELIS, 2007, p. 22, apud FRAZATTO; GABAS, no prelo). No entanto, como
apontam Frazatto e Gabas (no prelo), a definição de De Angelis (2007) não “aborda
qualquer elemento que extrapole aspectos formais da língua”. Assim, as autoras
propõem a seguinte ampliação do conceito de distância linguística subjetiva:

Partindo do nosso lugar teórico de uma LA Indisciplinar, ao qual nos


filiamos, propomos que a noção de distância percebida ou subjetiva
seja ampliada de forma a considerar “a consciência linguística e
discursiva das pessoas” (MOITA LOPES, 2013, p. 24), levando em
conta aspectos situados de diferentes ordens ‒ política, econômica,
cultural ‒ que podem vir a ser significados tanto individualmente no
repertório do falante, quanto nas vidas sociais.

Tal definição, que vejo como condizente com os princípios


teórico-epistemológicos que embasam esta pesquisa, encontra eco na discussão
que aqui apresento sobre o árabe como língua distante do português. Afinal, a
distância entre o português e o árabe não se resume a questões tipológicas.
Ressalto, por exemplo, a distância gráfica, sendo os alfabetos e a direção da leitura
(só para citar duas questões) diferentes em cada uma dessas línguas. Também friso
a distância em relação às formas de organização e funcionamento da sociedade,
posto que, como se sabe, os tipos de governo e as religiões predominantes nos
países membros da Liga dos Estados Árabes (LEA) são distintos do sistema
governamental e das religiões predominantes no Brasil.
Verifica-se, além disso, que o consumo de produções culturais provenientes
de países da LEA no Brasil é relativamente baixo, se comparado a outros países.
Explico: brasileiros consomem muitos filmes, músicas e séries estadunidenses ou,
atualmente, com o k-pop, sul-coreanas. Assim, as trocas culturais – que se efetivam
por meio das línguas – entre Brasil e países árabes são poucas se comparadas às
trocas realizadas com outros países. Ademais, mesmo a visão sobre direitos
humanos é diferente entre brasileiros e árabes, uma vez que existe, além da
Declaração Universal dos Direitos Humanos (referência da ONU e amplamente
conhecida pelos brasileiros), a Carta Árabe dos Direitos Humanos (elaborada pelos
países da LEA, de acordo com o que Chaves (2016) apresenta em sua tese de
doutorado). Embora haja concordância quanto à maioria dos pontos apresentados
48

pelos dois documentos, eles ainda trazem diferenças significativas.


Assim sendo, de acordo com o conceito de Frazatto e Gabas (no prelo), a
distância linguística objetiva e subjetiva entre o árabe e o português é grande e
precisa ser abordada com um olhar cuidadoso. Destaco, por exemplo, que, embora
haja a necessidade de explicar que o aperto de mão entre homens e mulheres é
comum no Brasil, se a temática não for trazida com cuidado, as MASiR podem se
sentir desconfortáveis ou até mesmo assediadas, gerando um abandono das aulas.
Neste ponto, incluo a necessidade de preparo dos professores em relação a
preceitos e costumes religiosos islâmicos, a fim de evitar situações desconfortáveis
para ambos, brasileiros e árabes, posto que, mesmo que algumas alunas não sejam
muçulmanas, a maioria está acostumada a países de costumes e leis islâmicos.
Deve-se evitar, por exemplo, oferecer alimentos de origem animal – inclusive a
gelatina e algumas balas, que são feitas à base de pele, ossos ou tendões de porco.
Embora tenha destacado, no parágrafo anterior, a importância do preparo dos
professores, o trabalho de formação das MASiR como agentes da educação do
entorno (MAHER, 2007) para a interculturalidade e as diferenças não pode ser
negligenciado. Sendo o planejamento de um ensino de PLAc específico para elas
um objetivo a ser posto em prática, é preciso debater com as MASiR o importante
papel de agenciadoras que elas podem assumir no esclarecimento e na negociação
das diferenças com os próprios brasileiros. É relevante, por exemplo, colocar em
discussão – nos materiais didáticos e nas aulas – possíveis significados e efeitos da
distância sociocultural entre brasileiros e árabes, das diferentes formações
históricas dos países em que esses idiomas ocupam espaço de destaque, da
influência das religiões predominantes nesses países e – por que não? – das
diferentes imagens pré-concebidas sobre as religiões predominantes. É necessário
buscar meios culturalmente sensíveis de fazer essa abordagem, para que as alunas
sejam parceiras – e não rivais – nessa busca.16
O fato de estarem em situação de refúgio também delineia especificidades
deste público, especialmente em relação às temáticas abordadas. É importante
trazer o conhecimento sobre os direitos e deveres dessa população frente às leis
brasileiras, bem como trabalhar o acesso a informações básicas como saúde e

16
Uma sugestão que deixo para a construção desse processo é acompanhar influencers islâmicas
brasileiras nas redes sociais. Existem inúmeras, mas deixo a sugestão de três instagramers:
@mariamelhem_, @fabiolaoliver e @shakilaahmad.
49

educação, direitos trabalhistas, entre outros. Aliás, toda informação sobre o sistema
de trabalho no Brasil – desde como elaborar um currículo e procurar emprego até
como se comportar em um ambiente de trabalho, como vender seu produto e como
manter um emprego – é relevante não apenas para este público específico, mas
para todas as pessoas que estão em situação de refúgio no Brasil.
Além disso, o ensino de língua portuguesa para essas pessoas no Brasil
impõe diversos desafios para as instituições que disponibilizam esse ensino. Na
maioria dos casos, os cursos são ministrados por voluntários, que frequentemente
não possuem formação pedagógica para o ensino de línguas adicionais. Há também
a própria instabilidade vivenciada pelos estudantes, o que afeta a frequência nas
aulas – seja pela possibilidade de trabalhar no horário do oferecimento dos cursos,
seja por falta de recursos para o transporte ou outros motivos.
Ainda no âmbito do ensino, considero importante frisar a falta de material
específico para o ensino de português para as MASiR. Em dezembro de 2021,
época em que finalizo esta dissertação, o Brasil conta com os seguintes materiais
didáticos de PLAc: Pode Entrar: português do Brasil para refugiadas e refugiados
(FEITOSA et al., 2015),17 Recomeçar: língua e cultura brasileira para refugiados
(REINOLDES; CANDIDO; ROCHA, 2015),18 Entre Nós: português com refugiados
(ARANTES, 2018),19 Portas Abertas: português para imigrantes (REINOLDES;
MANDALÁ; AMADO, 2017; 2020),20 Passarela: português como língua de
acolhimento para fins acadêmicos (FREITAS et al., 2020),21 e a coleção Vamos
Junto(a)!s: Português como Língua de Acolhimento, volumes Trabalhando e
Estudando, e Me virando no dia a dia, (BIZON et al., 2020, 2021).22 Há ainda
apostilas de exercícios desenvolvidas pelos professores dos diversos cursos de
PLAc no Brasil, que podem ou não estar disponibilizadas na internet, e que, embora
não se constituam como livros didáticos, servem, em sua maioria, como material de

17
Disponível em: www.acnur.org/portugues/wp-content/uploads/2018/02/Pode_Entrar_ACNUR-
2015.pdf. Acesso em: 07 set. 2021.
18
Disponível em: https://issuu.com/monicanakajima/docs/recomec_ar_pu_blico. Acesso 04 dez.
2021.
19
Disponível em: https://www.editoracartolina.com.br/entre-nos. Acesso 31 jan. 2021.
20
Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/direitos_humanos/imigrantes_e_
trabalho_decente/programas_e_projetos/portas_abertas/index.php?p=259310 Acesso em: 31 jan.
2022.
21
Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/wp-content/uploads/2020/08/Passarela_Portugues
-como-lingua-de-acolhimento-para-fins-academicos.pdf. Acesso em: 31 jan. 2022.
22
Disponíveis em: https://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/_vamosjuntos.php e
https://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/_vamosjuntos2.php. Acesso em: 04 dez. 2021.
50

apoio à prática pedagógica. Ainda que não seja o foco deste trabalho realizar uma
análise profunda dos materiais disponíveis, acredito ser relevante trazer alguns
apontamentos, pois nenhum deles foi elaborado exclusivamente para as MASiR,
apresentando lacunas quanto às necessidades dessas mulheres. O alfabeto
brasileiro, por exemplo, é apresentado em todos eles de maneira rápida e
superficial, dificultando que alguém que não tenha tido contato com outras línguas
além do árabe acompanhe as aulas. Apenas o volume Me virando no dia a dia, da
coleção Vamos Junto(a)s! Português como Língua de Acolhimento (Bizon et al.,
2021) apresenta o funcionamento do sistema educacional brasileiro, algo essencial
para as MASiR.
Outra questão relevante a ser abordada em relação aos materiais didáticos é
o fato de poderem exercer importante papel na educação para a diversidade –
pauta crucial das discussões educacionais brasileiras hoje. Além da óbvia
relevância do assunto para a construção de uma convivência respeitosa com todas
as pessoas, como apregoado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos
(1948), destaco a importância jurídica dessa educação para esse público específico.
Por exemplo, em alguns países, a relação entre pessoas do mesmo sexo é
considerada crime. Em reportagem23 publicada no site do jornal Folha de São Paulo,
Mantovani (2019) aponta que a pena de morte é aplicada a homossexuais em
quatro países, sendo três deles membros da LEA. No entanto, é necessário abordar
as lutas das minorias e os direitos das mulheres de forma cuidadosa e culturalmente
sensível, uma vez que uma abordagem agressiva pode levar ao abandono das
aulas – e do tema – por parte das MASiR. Ao mesmo tempo, não tratar desses
temas por serem “difíceis” é um erro, pois o desconhecimento pode levar essas
mulheres a realizarem ações classificadas como crime no Brasil, mas não em seus
países. Esclareço que alguns livros existentes têm uma abordagem adequada, mas
acredito ser importante frisar essa reflexão.
Outro importante assunto relacionado a material específico para as MASiR é
o necessário cuidado na escolha de imagens, assunto que exploro um pouco
mais a seguir, sem, contudo, esgotar as discussões que o cercam.
Ao conversar com alguns colegas professores-pesquisadores de PLAc,
argumentei que seria relevante refletir sobre as imagens utilizadas nos livros

23
Disponível em: www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/03/relacao-homossexual-e-crime-em-70-paises-
mostra-relatorio-mundial.shtml. Acesso em 02 dez. 2021.
51

didáticos, especialmente no que diz respeito à representação de genitálias. Indiquei


que acreditava que os desenhos trariam constrangimento às MASiR, principalmente
em turmas mistas, sendo melhor omiti-los. Utilizei, como exemplo, a ilustração do
sistema reprodutor masculino presente no livro Pode Entrar (FEITOSA et al., 2015,
p.65).
Essa afirmação foi mais polêmica do que eu imaginava, encontrando
bastante oposição dos professores. Apontou-se que: i) omitir essas imagens seria
infantilizar as MASiR; ii) o constrangimento não seria gerado pela imagem de
genitálias, mas sim por assuntos relacionados à sexualidade, tais como
homossexualidade; iii) aprender sobre as genitálias é importante para as MASiR,
uma vez que elas seriam as responsáveis pela saúde de seus filhos; iv) usar
imagens seria a melhor maneira de ensinar sobre essas partes do corpo; v) ocultar
essas imagens seria uma forma de censura.
Considero que muitos desses argumentos são válidos, e demonstram a
importância de realizar outras pesquisas a respeito deste assunto. Concordo, por
exemplo, que ensinar vocabulário relacionado às genitálias e à saúde/higiene íntima
é extremamente importante para as MASiR. Discordo, porém, de que não colocar
imagens explícitas – mesmo que sejam desenhos comuns em gêneros científicos –
seria uma forma de censura, pois entendo a questão como uma atitude
culturalmente sensível.
Aparentemente, minha inquietação ecoa em outros professores que lidam
com contextos de PLAc na prática, uma vez que a nova edição do caderno Básico
da coleção Portas Abertas (REINOLDES; MANDALÁ; AMADO et al, 2021; p. 112),
da prefeitura de São Paulo, traz um corpo nu masculino com as genitálias
apagadas, sem definição, como os manequins de lojas de roupas. Embora eu
discorde da opção da imagem escolhida neste livro – em parte porque a atividade
proposta não demanda um corpo nu, em parte porque simplesmente omitir a
genitália não resolve a questão do constrangimento, nem envolve uma
compreensão da complexa relação com o corpo humano em outras culturas –,
percebo que o fato de utilizar uma ilustração sem a genitália envolve um movimento
na busca por respeitar culturas em que o corpo é menos mostrado. Isso indica que
outros professores podem ter percebido, assim como eu, o constrangimento com
essas imagens na prática da sala de aula.
52

Com o propósito de explorar um pouco mais a questão, conversei por


Whatsapp com Lara, uma das MASiR que participaram desta pesquisa. Transcrevo
um trecho de nossa conversa a seguir. Como o Whatsapp é uma ferramenta
multimodal, utilizamos áudio, escrita, emoticons e gifs em nossa interação.
Transcrevi os áudios em itálico e indiquei os emojis e gifs utilizados entre
parênteses.

Recorte 1: “Parece que tem pensar neles, né?”

1 Pesquisadora: É o seguinte, Lara. Eu tô conversando com os professores lá, né?


2 Sobre:: como fazer livro didá::tico para mulheres árabes, né? Em situação de
3 refúgio. E aí… É:: a gente tá pensando na questão de iMAgem. É::: você acha… ou
4 você se sentiria confortável se você tivesse um livro em que tivesse um desenho de::
5 um homem pelado? É::: esse desenho seria para explicar o nome das genitálias,
6 né? Do homem. Você ficaria, à vontade assim com um livro desses ou você:: acharia
7 que tem problema? Precisaria… Preferiria, né? Não ter o desenho de um homem
8 pelado? O que você… O que você me diz? A gente tá na dúvida se geraria muito
9 constrangimento ou não, sabe?
10 Lara: Oi querida! Boa noite. Eu acho sem problema. Porque depende de imagem
11 como ele é desenhado, como ele fica, né? Tem muitas pessoas passaram com
12 vergonha, né? Mas, para escrever… Porque na ciência sempre tem foto de corpo, a
13 explicação, o nome de parte. Qual parte esse, que é aquela, é aquela, entendeu?.
14 É… porque vocês não vai fazer filme de relação, né? (Risos) Só explicação de
15 corpo. Tem como deixa, tem como tira. Não tem problema. Mas tem pessoas, eles
16 passaram com vergonha. Mas, quando tem explicação para parte de pessoas,
17 cabeça, garganta, tudo, né? Eu acho precisa. É. O pessoas não tá indo pra lá pra
18 que vergonha, não vergonha, né? Para aprender partes de corpo. Então, sem
19 problema, eu acho. Sem nenhum problema.
20 P: Entendi. (Emoji carinha feliz)
21 E você ficaria à vontade com uma aula assim se tivesse um homem na turma?
22 Lara: É… a aula conjunto, o homem e a mulher, eu acho passavam com vergonha.
23 Entendeu? Mas, é::: Não sei. O importante é pessoas aprendeu também.
24 P: Entendi. Tá certo.
25 Só mais uma pergunta sobre as imagens.
26 Lara: Pode perguntar. Fica à vontade. Tô sozinha aqui. (Risos)
27 P: Lara, só mais uma coisa. Você acha que algum… algum marido, né? Algum
53

28 homem, pode achar ruim que a mulher estude em um livro que tenha um desenho
29 assim disso e aí proibir o estudo ou alguma coisa assim? Ou você acha que não tem
30 problema?
31 P: (emoji de risada respondendo ao áudio de Lara)
32 Lara: É. Depende de cara, né? Se ele pessoas só pensar mal, pode ele achar sim.
33 Mas, pra minha opinião, normal. Porque vocês vai colocar foto de músculo, né? Não
34 foto real. Tira foto e coloca na livro, né? Que é explicação. Eu acho normal, não tem
35 problema pra ninguém.
36 P: Tá bom. (emoji carinha feliz)
37 Você acha que, se tivesse só uma lista de palavras com a tradução em árabe para
38 as genitálias e uma imagem de uma pessoa com roupas seria mais confortável? Ou
39 não faria diferença?
40 Lara: Querida, eu acho… Não tem problema. Pode colocar o… qualquer coisa.
41 Porque… Eu acho, eles vai ficar feliz só tem uma roupa igual. Porque parece que
42 tem pensar neles, né? Então eu acho vai ficar bom.
43 P: Entendi. Muito obrigada, Lara. (Dois emojis pensando corações.)
44 Lara: (Dois emojis de fada. Três emojis de beijo coração. Dois emojis de coração.)
45 (Um gif de abraço. Um gif de flor.)
46 P: (Um gif de abraço.)

Conversa de Whatsapp com Lara em 07 jan. 2022

A conversa com Lara traz alguns apontamentos interessantes sobre a


questão. Ela indica que a imagem poderia gerar constrangimento, sim (linhas 15 e
16), especialmente se for utilizada em uma turma mista (linha 22). No entanto, o
constrangimento é considerado por ela como algo menor, se comparado ao
aprendizado, como fica claro no seguinte trecho: “O pessoas não tá indo pra lá pra
que vergonha, não vergonha, né? Para aprender partes de corpo. Então, sem
problema, eu acho. Sem nenhum problema.” (linhas 17 a 19). Embasando seu
argumento, ela aponta, nas linhas 12 e 13, que, para fins didáticos, o desenho é
aceitável, como acontece em livros de ciências.
É importante ressaltar, porém, que Lara faz uma distinção entre imagens que
seriam aceitáveis (ilustrações) e imagens que seriam inadequadas (fotografias).
Distinção que fica clara nas falas “depende de imagem como ele é desenhado,
como ele fica, né?” (linhas 10 e 11) e “vocês não vai fazer filme de relação, né?”
(linha 14), bem como no comentário “Porque vocês vai colocar foto de músculo, né?
54

Não foto real. Tira foto e coloca na livro, né?” (linhas 34 e 35). Vê-se que a
representação aceita por Lara é um desenho, uma ilustração.
Quando questiono sobre a possibilidade de algum homem impedir a
frequência de uma mulher às aulas por causa de imagens como essa, Lara
responde que isso pode acontecer, mas que seria um caso atípico (linha 33). Em
sua opinião, a imagem não traria problema, sendo até necessária (“precisa”, linha
17). No entanto, quando proponho uma alternativa às imagens, a resposta de Lara
surpreende. A alternativa que ofereço é um glossário de palavras em árabe e em
português, sendo que a imagem do corpo humano seria um corpo vestido, não um
corpo nu. A isso, Lara responde que não vê problema em usar o desenho de um
corpo nu, mas comenta: “Eu acho, eles vai ficar feliz só tem uma roupa igual.
Porque parece que tem pensar neles, né? Então eu acho vai ficar bom” (linhas 41 e
42). Ou seja, embora não veja problema com o uso de ilustrações das genitálias,
ilustrações com roupas seriam uma alternativa mais agradável a ela, uma vez que
sinalizaria que o livro foi feito pensando nela – e em outras pessoas de sua
comunidade.
A conversa é muito esclarecedora, pois, além de mostrar a opinião de Lara
sobre o assunto, exemplifica a complexidade inerente ao acolhimento. Por um lado,
ao se sujeitar a uma situação possivelmente desconfortável, Lara faz um movimento
em direção à sociedade que a acolhe. Por outro, uma postura que busque evitar
gerar constrangimento a ela é percebida por Lara como um movimento que a
sociedade acolhedora poderia fazer em sua direção. Assim, ouso reforçar a
importância de analisar com bastante cuidado as imagens colocadas em um livro
didático de PLAc. Se o material elaborado for pensado especificamente para as
MASiR, acredito ser importante evitar imagens de nudez ou semi-nudez, mesmo
que, como Lara afirma, essa atitude não seja imprescindível ao ensino de PLAc
para mulheres como ela.
Tendo em vista a discussão tecida nesta seção, reafirmo a necessidade de
um ensino de PLAc específico para as MASiR. Na análise dos dados, trato dos
pontos aqui levantados de maneira mais aprofundada, buscando respaldo ou
refutação nas vozes das próprias MASiR.
55

2.2 Perspectivas teóricas e orientações curriculares para o ensino de PLA

Dado que esta pesquisa objetiva traçar diretrizes para políticas de PLAc para
as MASiR, entendo ser importante discutir brevemente a questão dos currículos
disponíveis para o ensino de PLA. Amparo-me em discussões e conceitos
teoricamente relevantes desses documentos para criar instrumentos de geração de
registro e definir categorias de análise de dados que dialoguem diretamente com o
ensino de línguas adicionais, mais especificamente de PLAc.
O primeiro ponto que salta aos olhos ao abordar currículos de línguas
adicionais é que ainda não existem documentos oficiais com orientações
curriculares voltadas especificamente ao PLAc. Embora haja a inclusão da língua
árabe em uma das propostas curriculares para o ensino ensino de Português como
Língua Adicional publicada pelo Ministério das Relações Exteriores, a saber, a
Proposta Curricular para o Ensino de Português nas Unidades de Ensino do
Itamaraty em Contextos de Língua de Média Distância (MRE, 2021), não a utilizo
como referência, por discordar fortemente de sua abordagem, que não abre espaço
para se pensar a interculturalidade de forma crítica. Entendo que, ao conceber o
árabe como uma língua de média distância em relação ao português, tendo como
justificativa o fato de que haveria a possibilidade de o inglês ou o francês serem
mobilizados como línguas mediadoras na interação, o autor dessa proposta acaba
por apagar por completo as pessoas monolíngues em árabe – realidade bastante
presente no contexto de migração de crise. Muitas dessas pessoas, como mostro
neste trabalho, estão presentes na sala de aula de PLAc no Brasil – algumas das
quais não tiveram sequer a oportunidade de se alfabetizarem na língua árabe,
quanto mais em inglês ou francês.
Portanto, opto por não abordar essa proposta curricular em minha
dissertação, focalizando, por outro lado, a base curricular proposta por Kraemer
(2012), em sua pesquisa de mestrado, e a Proposta Curricular para Ensino de
Português nas Unidades da Rede de Ensino do Itamaraty em Países de Língua
Oficial Espanhola (MRE, 2020). Considero-as baseadas em pressupostos teóricos
mais alinhados àqueles aos quais me afilio.
Inicio abordando o trabalho de Kraemer (2012, p. 12), o qual objetivou “refletir
sobre como se pode organizar uma progressão curricular para o ensino de língua
adicional (LA) com base em gêneros do discurso”. O resultado da reflexão da autora
56

foi uma proposta curricular para o Programa de Português para Estrangeiros (PPE)
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde atuou como
professora de PLA por 5 anos.
Apresento, então, em linhas gerais, a organização do trabalho de Kraemer.
No primeiro capítulo, é apresentado o PPE como parte do contexto da pesquisa.
No segundo, é discutida a perspectiva bakhtiniana de uso da linguagem e de
gêneros do discurso, que embasa sua proposta curricular. No terceiro capítulo, que
apresenta a metodologia da pesquisa, descreve-se o público atendido pelo PPE,
analisa-se o currículo adotado pelo PPE à época da pesquisa, bem como os
documentos oficiais que, de alguma forma, dizem respeito ao ensino de português,
seja como língua materna, seja como língua adicional, a saber, o Quadro de
Referência para o Ensino de Português no Estrangeiro (GROSSO et al., 2011), os
Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), os Referenciais Curriculares do
Rio Grande do Sul (RS, 2009) e o exame Celpe-Bras – apenas os três últimos,
contudo, amparam a elaboração de sua proposta curricular. No quarto capítulo, a
autora aborda a definição e as características de um currículo e apresenta sua
proposta curricular, refletindo sobre as escolhas teóricas que a subsidiam, e sobre a
possibilidade de ser posta em prática.
O trabalho de Kraemer trouxe importantes contribuições para a presente
pesquisa. Especialmente relevante foi sua discussão sobre os gêneros do discurso
e sobre os currículos – questões que abordo, ainda que de maneira breve, nos
próximos parágrafos.
Conforme aponta a autora, o círculo de Bakhtin tem grande influência no
ensino de línguas adicionais, embora não fosse este o foco do grupo. Mesmo assim,
a concepção de que uma língua só pode ser aprendida no uso, e não como um
sistema abstrato isolado, faz parte de boa parte das discussões teóricas sobre o
ensino de LA. Tal perspectiva está presente em cursos de línguas e em alguns livros
didáticos atuais. A autora cita Bakhtin para apresentar este argumento e começar a
discutir o que seriam gêneros do discurso:

Nós assimilamos as formas da língua somente nas formas das


enunciações e justamente com essas formas. As formas da língua e
as formas típicas dos enunciados, isto é, os gêneros do discurso,
chegam à nossa experiência e à nossa consciência em conjunto e
estreitamente vinculadas. Aprender a falar significa aprender a
construir enunciados (porque falamos por enunciados e não por
57

orações isoladas e, evidentemente, não por palavras isoladas). (...)


Nós aprendemos a moldar o nosso discurso em formas de gênero.
(BAKHTIN, 2003, p. 282-283 apud KRAEMER, 2012, p.26)

Gêneros do discurso seriam, portanto, “as formas típicas dos enunciados”


que os falantes de uma língua assimilam e reproduzem. Tal definição aponta para o
aspecto formal dos gêneros discursivos, as maneiras como se estruturam. No
entanto, não é possível compreender o conceito se nos restringirmos apenas a isso,
uma vez que tal definição deixa de fora um importante aspecto: ser social e existir
apenas na interação (Kraemer, 2012, p. 27). Conforme a autora traz de Schoffen
(2009),

Gênero do discurso consiste em muito mais do que o formato do


texto, que pode ser nomeado: carta, e-mail, aula expositiva,
reportagem de jornal, panfleto, etc. A relação de gênero inclui em si
própria toda a rede intricada de relações que contribuem para
compor o gênero: as esferas de atividades humanas, o autor, sua
individualidade e seu lugar no mundo, e o interlocutor, sua posição
no mundo e em relação ao autor, vão determinar como o texto será
composto, quais informações irão aparecer e quais não irão, e como
a disposição dessas informações e as relações entre elas deverão
ser estabelecidas através de recursos linguísticos. A relação entre
todos esses elementos compõe o gênero, que engloba uma
materialidade textual que pode ser nomeada, mas que não traz em
seu nome (“carta”, “palestra”, etc.) todas as relações estabelecidas
até chegar-se a ela. (SCHOFFEN, 2009, p. 102, apud KRAEMER,
2012, p.102. Grifos meus.)

Assim, é possível afirmar que os gêneros do discurso se constroem


dialogicamente. No entanto, conforme pontua Kraemer (2012, p. 27), esse processo
dialógico não deve ser visto como um ambiente neutro, de mútua cooperação. Pelo
contrário, é um local de disputas, embates e negociações de posições e ideias.
Além disso, a autora concorda com o círculo de Bakhtin ao afirmar que a linguagem
não é apenas uma descrição ou ferramenta de interação, mas é também uma ação
no mundo. Assim, analisar as repercussões de tais afirmações no ensino de línguas
adicionais leva à conclusão de que “ser proficiente não é apenas conhecer o
sistema abstrato da língua, mas saber usá-la nas mais variadas situações”
(KRAEMER, 2012, p. 28). Escolher ensinar uma língua tendo como base os gêneros
do discurso parece, portanto, a maneira mais sensata de organizar um currículo de
LA.
No que diz respeito às propostas curriculares, após refletir sobre a definição
de currículo, a autora chega à seguinte definição:
58

Entendo currículo como “projeto que preside as atividades


educativas escolares, define suas intenções e proporciona guias de
ação adequadas e úteis para os professores, que são diretamente
responsáveis por sua execução (COLL, 1996, p. 45), com as
seguintes funções: descrever e explicitar o projeto educativo (as
intenções e o plano de ação) em relação às finalidades da educação
e às expectativas da sociedade; fornecer um instrumento que oriente
as práticas dos professores; levar em conta as condições nas quais
se realizam essas práticas; analisar as condições de exequibilidade,
de modo a evitar uma descontinuidade excessiva entre os princípios
e as restrições colocadas pela situação de ensino (KRAEMER, 2012,
p. 46).

A partir dessa definição, a autora analisa os documentos oficiais, e opta por


se basear principalmente nos Referenciais Curriculares do Rio Grande do Sul (RS,
2009) para propor um currículo ao PPE. Ela afirma que os dados referenciais trazem
uma perspectiva teórica mais alinhada com a sua, em que o gênero discursivo é um
elemento estruturante da proposta. Assim, considerando um tema, a autora recorre
a gêneros que podem ser relevantes para desenvolvê-lo, para, em seguida, propor
objetivos e conteúdos a serem abordados. Logo, seu currículo é organizado em três
categorias para cada curso, divididos segundo níveis de proficiência: i) Temas e
gêneros; ii) Sugestões de projetos e iii) Objetivos e conteúdos.
Neste trabalho, concordo com os levantamentos de Kraemer sobre a
importância de considerar os gêneros do discurso como elementos centrais e
estruturantes de currículos de línguas adicionais. Concordo também com a definição
de currículo fornecida pela autora e com a visão de linguagem que permeia suas
discussões sobre gêneros do discurso.
Outro documento curricular construído sobre o pressuposto de gênero
discursivo como elemento estruturante é a Proposta Curricular para Ensino de
Português nas Unidades da Rede de Ensino do Itamaraty em Países de Língua
Oficial Espanhola (MRE, 2020). Para os autores da proposta, a organização do
currículo deve ser hierarquizada, tendo a dimensão sociocultural como base para os
gêneros do discurso e seus propósitos, os quais, por sua vez, são base para os
recursos lexicogramaticais e fonético-fonológicos. A figura a seguir, elaborada pelos
autores, é ilustrativa da articulação entre as dimensões basilares do currículo:
59

Figura 5 – Organização hierárquica na proposta curricular

Fonte: Proposta Curricular para Ensino de Português nas Unidades da Rede de Ensino do Itamaraty
em Países de Língua Oficial Espanhola (MRE, 2020, p. 35).

Esta proposta curricular do Ministério de Relações Exteriores (MRE) visa


propor diretrizes curriculares que alinhem toda a rede de ensino de PLA do
Itamaraty “especificamente em países que têm o espanhol como (uma) língua
oficial” (MRE, 2020, p. 17). Para isso, os autores propõem uma breve reflexão sobre
as bases teóricas que a embasam, antes de apresentarem as grades curriculares
propriamente ditas.
O conceito de língua apresentado é o mesmo mobilizado em Kraemer (2012),
sendo baseado nos construtos teóricos de Bakhtin. Alertando para o fato de que
visões de língua como sistema abstrato, embora frequentemente sejam criticadas,
continuem influenciando a prática do ensino de línguas, os autores reafirmam a
necessidade de um ensino que considere língua como discurso e prática social
situada:

Embora seja condição sine qua non para a aprendizagem de


qualquer idioma, o conhecimento lexicogramatical, em si só, é
insuficiente para a interação adequada em uma diversidade de
contextos. É preciso que, além de construir um conhecimento de
ordem sistêmica (fonético-fonológico e lexicogramatical), o aluno
desenvolva capacidades estratégicas, textuais, socioculturais e
discursivas, por meio das quais poderá produzir e interpretar textos
de diferentes gêneros discursivos, que não podem ser pensados
senão em função das práticas sociais em que se inscrevem (MRE,
2020, p. 21).

Além disso, os autores destacam a importância do ensino de línguas se dar


60

em diálogos interculturais, valorizando as vivências dos alunos em práticas que


favoreçam a troca, ao mesmo tempo em que se incentiva o conhecimento dos
múltiplos funcionamentos do português.
Em relação às especificidades concernentes ao ensino de português para
falantes de espanhol, merece destaque, na proposta curricular, a proximidade
tipológica das duas línguas, geradora de possibilidades de intercompreensão desde
o primeiro contato dos alunos com a língua portuguesa. Tal condição, segundo
argumentam, permite também o trabalho com diferentes gêneros discursivos desde
o início da aprendizagem. Ainda merece atenção a análise contrastiva, bastante
comum nesse contexto de ensino de PLA; para os autores, sem dúvida, a
proximidade entre português e espanhol demanda momentos de análise contrastiva;
contudo, conforme alertam, é preciso não conceber esse ensino como um mero
apanhado de comparações entre as línguas em jogo.
Os autores apontam que sua proposta curricular foi elaborada após
informações sobre o funcionamento dos cursos de PLA da rede Itamaraty,
oferecidas pelos próprios Centros Culturais Brasileiros. Partindo, então, da
verificação de que os cursos trabalhavam já com uma equivalência entre os níveis
de proficiência concedidos pelo exame Celpe-Bras e os níveis disponíveis no
Quadro Europeu Comum de Referência, os autores estabeleceram uma
equivalência aproximativa entre esses dois instrumentos. Ressalvam, porém, que tal
equivalência “não é precisa, mas aproximativa, uma vez que, a despeito de seus
importantes pontos de aproximação, tais instrumentos não se fundamentam nas
mesmas concepções de linguagem e faltam pesquisas que comparem seus níveis”
(MRE, 2020, p. 24). Tal reflexão sobre os níveis, ainda que não seja impecável,
serve como base para o estabelecimento dos níveis dos cursos estabelecidos pela
proposta.
A proposta curricular elaborada pelos autores define 6 níveis elementares de
60 horas: Básico I, Básico II, Intermediário I, Intermediário II, Avançado I, Avançado
II. Para cada nível, os autores criaram uma ementa e um quadro com os principais
pontos a serem abordados. Tais quadros se subdividem em 5 colunas, destacando
os pontos relativos à dimensão cultural, aos gêneros discursivos, aos propósitos
comunicativos, aos recursos lexicogramaticais e aos recursos fonético-fonológicos,
conforme pode ser verificado na figura abaixo, que se compõe de uma parte do
quadro curricular para o curso de Português Básico I.
61

Quadro 2 – Parte do Quadro Curricular do curso Português Básico 1

Fonte: Proposta Curricular para Ensino de Português nas Unidades da Rede de Ensino do Itamaraty
em Países de Língua Oficial Espanhola (MRE, 2020, p. 38).

A leitura e discussão do trabalho de Kraemer (2012) e da proposta curricular


do MRE (2020) contribuíram muito para o desenvolvimento de meu trabalho,
fundamentando parte de minha perspectiva teórica sobre o que deve ser abordado
em sala de aula de PLA. Acredito que diversos pontos discutidos por esses autores
são igualmente pertinentes para contextos de ensino de PLAc, como o da presente
pesquisa. Além disso, as propostas lançaram luz sobre categorias a serem
investigadas ao realizar uma análise de necessidades ampliada e crítica – termo
que abordarei na próxima seção deste trabalho – de um público específico.
Amparando-me em ambas as propostas, ratificou-se a importância do ensino
por meio de gêneros discursivos, o que também definiu a relevância de investigar
os principais gêneros presentes nos contextos em que as MASiR se engajam em
língua portuguesa, assumindo-os como uma das categorias para a análise de
dados. Da proposta do MRE, considero especialmente a discussão sobre a
necessidade de um currículo ser pensado a partir da articulação entre as dimensões
socioculturais, dos gêneros discursivos, e dos recursos fonético-fonológicas e
lexicogramaticais – dimensões estas que estruturam a vida social. Sublinho,
ademais, que a problematização teórica das propostas curriculares analisadas
direcionaram meu olhar para a imprescindibilidade de analisar a relação das MASiR
com a língua portuguesa em uso, tendo a proposta do MRE (2020) reafirmado a
importância de analisar tal relação em um diálogo com as outras línguas do
repertório das MASiR.
Tendo explicitado os pontos relevantes na discussão teórica das propostas
62

curriculares nas quais me baseio, passo a discutir a Análise de Necessidades como


um dos conceitos/instrumentos teórico-metodológicos que lanço mão para a
construção desta pesquisa.

2.3 A análise de necessidades: subsídios para o ensino de língua adicional


para públicos específicos

O termo Análise de Necessidades (doravante AdN) surgiu no contexto de


estudos voltados ao ensino de inglês para fins específicos. De acordo com Silva
(2016), o conceito foi mobilizado pela primeira vez na década de 1920, na Índia,
designando o levantamento de necessidades de estudantes de inglês geral
realizado por professores de inglês. Mais tarde, nos anos 1980, a AdN passou a ser
utilizada para a elaboração de materiais didáticos, currículos, cursos, metodologias
e estratégias. A autora ainda indica que a AdN se constitui também como uma
metodologia-base para a elaboração de testes de proficiência. Desde então,
estudos têm sido realizados para identificar as necessidades de públicos específicos
ligados à profissão que os aprendizes exercem ou exercerão, a fim de subsidiar a
elaboração de cursos de línguas adicionais com fins específicos (CARVALHO, 2003;
ANDRADE, 2003; GALLO, 2006; VIAN JR., 2008).
Conforme explica Carvalho (2012, p. 53), buscando determinar os objetivos e
o conteúdo de um curso, a AdN visa identificar as necessidades-alvo do estudante,
quer dizer, “tudo que o aprendiz deve ser capaz de realizar na situação-alvo”, bem
como as necessidades de aprendizagem, ou seja, “tudo o que o aprendiz precisa
fazer durante o processo de aprendizagem”.
O quadro a seguir, proposto por Vian Jr. (2008, p. 145), compara as principais
perguntas que guiam análises de necessidades focadas na situação-alvo e na
situação de aprendizagem.
63

Quadro 3 – Comparação entre o modelo de análise de necessidades da


situação-alvo e da situação de aprendizagem

Fonte: Vian Jr. (2008, p. 145)

Cumpre esclarecer que grande parte das perguntas direcionadoras do


quadro, tanto as que focalizam a situação-alvo como as que focalizam as
necessidades de aprendizagem, contribuíram para a elaboração do questionário
utilizado na geração de registros (ver Anexo 1). Exceção se faz à questão “como os
aprendizes aprendem”, dado que este estudo não objetivou, em nenhum momento,
refletir sobre processos e estilos de aprendizagem da língua portuguesa pelas
estudantes.
Nunan (1999, p. 149, apud VIAN JR., 2008, p. 143) define a AdN como
“conjuntos de ferramentas, técnicas e procedimentos para a determinação do
conteúdo linguístico e do processo de aprendizagem para grupos específicos de
aprendizes”. O autor adverte, contudo, que as reais necessidades dos aprendizes
não são simples, nem facilmente identificáveis, pois nem sempre correspondem
àquilo que o aprendiz pensa ser sua necessidade.
Complementarmente à visão de Nunan, Hutchinson e Waters (1987)
amparam a AdN em três principais quesitos:

(i) necessidades – o que o aprendiz precisa para agir eficientemente na


situação-alvo;
(ii) lacunas – a diferença entre o que o aprendiz já sabe e o que ele precisa
saber;
(iii) desejos – as expectativas do aprendiz.

Os autores ainda frisam que considerar as necessidades de aprendizagem


significa considerar questões de diferentes ordens que incidem sobre esse
64

processo, como “o local, a frequência, o conteúdo, os participantes e os estilos de


aprendizagem de cada um” (HUTCHINSON; WATERS, 1987, p. 60). Envolve,
também, a análise dos recursos disponíveis, tais como material didático e tempo
para o estudo.
Contudo, conforme indica Chambers (1980, p. 29), citado e traduzido por
Silva (2019, p. 124) o foco da AdN deve estar sobre a situação-alvo, sendo o
“estabelecimento das necessidades comunicativas e suas realizações, resultante de
uma análise da comunicação na situação-alvo”. Já Dudley-Evans (2010) aponta que
após uma análise objetiva e descritiva das situações-alvo, é necessário também
investigar mais detalhadamente os aprendizes em si e a situação de aprendizagem.
Ao analisar o que Long (2005) aponta sobre a metodologia para empreender
a AdN, Silva (2016, p. 496) diz o seguinte:

Long (2005, p.10) afirma que estão entre os procedimentos úteis e


recomendáveis: consulta à literatura específica; conversas com
aprendizes, professores, linguistas aplicados e especialistas na área
investigada; triangulação de dados [...] Tanto métodos indutivos
como dedutivos podem ser utilizados, tais como intuições de
especialistas na área, observação participante e não-participante,
entrevistas estruturadas ou não-estruturadas e questionários.

Carvalho (2012, p. 55), baseando-se em Dudley-Evans e St. John (1998) e


em Hutchinson e Waters (1987), também destaca algumas ferramentas para o
levantamento das necessidades da situação-alvo, a saber:

Questionários, entrevistas, observação, discussão, análise de textos


autênticos escritos e falados, bem como coleta de material por
intermédio de consultas e conversas informais com aprendizes e
professores, no contexto acadêmico, e com especialistas atuantes
em suas áreas específicas, no mercado de trabalho.

A utilização de métodos variados e de triangulação de dados como forma de


obter resultados mais completos na Análise de Necessidade é requisito comum em
todos os autores aqui trazidos.
O procedimento metodológico de AdN recebe críticas, mesmo entre seus
defensores. Vian Jr. (2008, p. 148) destaca que a AdN, muitas vezes, serve a
interesses empresariais, e que “o processo de ensino-aprendizagem é tratado como
se o ensino implicasse diretamente aprendizagem e como se o aluno fosse um mero
reprodutor de conteúdos”. O autor aponta também que as necessidades
sócio-afetivas dos estudantes são frequentemente negligenciadas, causando grande
65

parte dos problemas enfrentados nos cursos.


Nesta pesquisa, reconheço diversos pontos conflitantes entre a AdN e os
pressupostos de uma Linguística Aplicada Indisciplinar, Transgressiva e Crítica
(MOITA LOPES, 2006; PENNYCOOK, 2006), à qual me afilio. Assim sendo, trago a
seguir alguns desses pontos, ressaltando como utilizo a AdN para construir uma
metodologia apropriada para o trabalho em tela. Afinal, assim como Makoni (2003,
p.135, apud MOITA LOPES, 2006, p. 18) aponta a necessidade de modificar
categorias analíticas para realizar pesquisas linguísticas adequadas ao contexto
africano, vejo como necessário modificar e repensar metodologias para um olhar
mais adequado ao contexto desta pesquisa.
O primeiro pressuposto conflitante diz respeito ao conceito próprio de
público específico. Enquanto o foco da AdN está na profissão de seus aprendizes
e os agrupa a partir desse único ponto em comum, Pennycook (2006, p.78) destaca
que a LA Transgressiva percebe o “sujeito como múltiplo e conflitante”. Chamar um
público de “específico” gera um apagamento das múltiplas identidades que
constituem esse grupo.
Em minha pesquisa, optei por considerar o meu público como um público
específico, reconhecendo os apagamentos que isso pode gerar. Considero, porém,
que essa opção é baseada no conceito de “essencialismo estratégico” de Spivak
(1985), por meio do qual promovo um agrupamento em torno de determinados
pontos comuns, a fim de fortalecer e aumentar o peso político de um grupo.
Reconheço que o grupo é heterogêneo e atravessado por relações de poder, bem
como por disputas identitárias. No entanto, ao agrupar as MASiR como um público
específico, objetivo visibilizar as demandas comuns entre elas, as quais se
desdobram a partir das quatro características principais que compartilham entre si:
serem mulheres, árabes, em situação de refúgio, vivendo na cidade de São Paulo.
Outro ponto conflitante se baseia nos conceitos de desejo e de necessidade
da AdN. Conforme já apresentei nesta discussão, Nunan (1999) apresenta os
aprendizes como desconhecedores de suas próprias necessidades, mobilizando,
em seu texto, a expressão “necessidades reais”. Enquanto isso, Hutchinson e
Waters (1987) estabelecem a separação entre necessidades e desejos,
argumentando que as expectativas dos aprendizes não corresponderiam a
“necessidades”. De certa forma, essa visão se opõe ao pressuposto desta pesquisa
de ouvir a perspectiva das mulheres árabes e de fazer pesquisa com elas, não
66

sobre elas. Para a AdN tradicional, o público da pesquisa não seria participante da
pesquisa, mas fonte de dados. Aliás, como destaca Vian Jr. (2008), muitas vezes o
profissional que realiza a AdN é contratado por uma empresa, não pelo público-alvo.
Dessa forma, o profissional busca agradar seu cliente, reforçando uma perspectiva
mercadológica e uma estrutura de poder previamente estabelecida. Isso também
entra em conflito com a LA Indisciplinar, que critica um fazer científico que “mais do
que passar ao largo das questões sociopolíticas, colabora na manutenção de
injustiças sociais ao não situar seu trabalho nas contingências e vicissitudes
sócio-históricas e ao não se indagar sobre interesses a que seu trabalho serve”
(MOITA LOPES, 2006, p.21).
Neste trabalho, opto por utilizar apenas o termo “necessidades”, que pode ser
compreendido como uma macro-categoria de análise dos dados, que subdivido em
três micro-categorias: necessidades socioculturais, afetivas e linguísticas. Estas
últimas, por sua vez, são especificadas em recursos lexicogramaticais e recursos
fonético-fonológicos.
Em relação às necessidades sócio-afetivas – apontadas por Vian Jr (2008)
como frequentemente negligenciadas nas análises de necessidades –, sublinho que
terão destaque neste trabalho. Focalizar esse tipo de necessidade é algo que
precisa ser feito de maneira culturalmente sensível, respeitosa e ética, o que espero
ter conseguido, nos diferentes encontros com as participantes de pesquisa –
momentos que busquei configurar como uma parceria com as MASiR.
Outro ponto em que a análise de necessidades aqui empreendida se
diferencia da AdN tradicional diz respeito ao objetivo do procedimento
metodológico. Se, tradicionalmente, a análise de necessidades é realizada para
subsidiar processos de ensino, objetivos e conteúdos de um curso (Carvalho, 2012;
Nunan, 1999), neste trabalho, ela é formulada de modo mais abrangente. Nessa
abrangência, busco identificar necessidades particulares do público-alvo não
apenas para a elaboração de um curso específico, mas também de materiais
didáticos, currículos de PLAc e outras possíveis políticas que busquem promover o
acolhimento a esse público. Focalizo os usos da língua e as línguas em uso no
cotidiano do público-alvo, bem como particularidades do ambiente de
aprendizagem.
Convém reforçar que, tradicionalmente, a AdN implica uma observação da
situação de aprendizagem, propondo-se a um levantamento dos materiais
67

didáticos disponíveis, dos estilos de aprendizagem dos alunos, do tempo disponível


para o curso, do ambiente em que será ministrado. Embora o foco desta pesquisa
esteja sobre a análise das “situações-alvo” – as quais prefiro chamar de contextos
de uso, a fim de distanciar-me do léxico que coloca a língua como um objetivo a ser
alcançado para aproximar-me do conceito de língua em uso (CLARK, 2000) –, trago
alguns apontamentos que considero relevantes para o público em foco, no que
tange ao ambiente de aprendizagem. Acredito que tais apontamentos se diferem
das observações tradicionais, uma vez que não avalio um único curso específico
implementado em um local já definido. Não me debruço sobre os estilos de
aprendizagem das estudantes, nem sobre o tempo disponível para o curso.
Contudo, considero que, no trabalho com pessoas refugiadas, pensar sobre o
ambiente de aprendizagem é de fundamental importância. A Associação
Compassiva, por exemplo, precisou adaptar-se, a fim de disponibilizar cuidadores
de crianças durante as aulas para a maioria dos estudantes, que eram pais e mães,
e não tinham com quem deixar seus filhos, o que, a meu ver, faz parte de uma
análise do ambiente de aprendizagem.
Apesar de tantos apontamentos conflitantes, considero que a análise ainda
será uma Análise de Necessidades, porém em uma versão ampliada e crítica.
Afinal, busco fazer um levantamento das necessidades, relacionadas à língua
portuguesa, de um público específico – o qual foi agrupado a partir de algumas
características comuns. Assim, reafirmo que a divisão entre situação-alvo (contexto
de uso) e situação de aprendizagem fazem parte deste trabalho. Diferentemente de
Vian Jr (2008), em seu quadro já apresentado nesta seção, não faz sentido para
mim conceber uma análise das situações-alvo que não questione quem é o
público-alvo.
Além disso, a importância de múltiplos olhares na análise se mostra relevante
tanto na AdN tradicional como na presente pesquisa. Em minha pesquisa, trago a
importância de participantes de pesquisa com diferentes papéis no processo de
ensino-aprendizagem. Por isso, além das estudantes, trago também os olhares da
assistente social e da coordenadora do curso de português, buscando uma imagem
mais completa da relação das estudantes com a língua portuguesa. Para fazer isso,
concordo com a metodologia tradicional ao utilizar diferentes instrumentos
metodológicos para a geração de registro e análise de dados, buscando
efetivamente realizar uma triangulação entre os dados que emergem a partir de
68

cada registro.
A seguir, apresento um quadro especificando as categorias de análise que
mobilizo para compor o que chamo de Análise de Necessidades Ampliada e Crítica.
Como procurei deixar claro, algumas foram criadas tomando como base a AdN,
enquanto outras se baseiam na leitura das propostas curriculares de Kraemer
(2012) e do MRE (2020). Outras, ainda, decorrem do diálogo entre pressupostos
teóricos presentes na AdN e nas propostas curriculares supracitadas. Destaco,
ademais, que certas categorias da AdN não foram abordadas neste trabalho, seja
por não caberem à análise atual (como a análise de “lacunas”), seja por serem
destoantes da perspectiva teórico-epistemológica que assumo (como a categoria
“desejos”).

Quadro 4 – Categorias de uma análise de necessidades ampliada e crítica


Categorias Origem
AdN (Vian Jr. 2008) e concepção de
Contextos de uso língua em uso (Clark, 2000 apud
Kraemer, 2012, e MRE, 2020)
Concepção de língua em uso (Clark,
Propósitos comunicativos 2000 apud Kraemer, 2012, e MRE,
2020)
Gêneros discursivos (Bakhtin apud
Gêneros discursivos
Kraemer, 2012, e MRE, 2020)
Necessidades socioculturais AdN (Vian Jr. 2008) e MRE (2020)
Necessidades afetivas AdN (Vian Jr. 2008)
Necessidades linguísticas
- Recursos lexicogramaticais AdN (Vian Jr. 2008) e MRE (2020)
- Recursos fonético-fonológicos
Especificidades das situações de
AdN (Vian Jr. 2008)
aprendizagem
Fonte: Quadro elaborado pela autora para esta dissertação.

2.4 Narrativas: onde emergem as vozes das mulheres e suas necessidades

Entendo a narrativa como o ato de contar histórias, reais ou fictícias, cujos


sentidos são construídos em negociação com o leitor/interlocutor. Conforme define
Bizon (2013, p. 97), a narrativa é um “processo crucial de construção dos sentidos
para a vida social e dos posicionamentos que os indivíduos ocupam e atribuem aos
outros enquanto (re)criam, dialogicamente, esses sentidos”.
É importante ressaltar que, assim como diversos pesquisadores cujos
69

estudos se debruçam sobre os estudos das narrativas (Wortham, 2001; Threadgold,


2005; Bizon, 2013, De Fina, 2015, para citar apenas alguns), compreendo a
narrativa como uma prática social performativa na qual se constroem e negociam
posicionamentos e identidades. Conforme afirma Threadgold (2005, p. 265 apud
Bizon, 2013, p. 97), as narrativas “não apenas conotam certos tipos de significados,
mas também performam identidades e ensaiam, encenam e modificam realidades
sociais e normas”. Por outro lado, compreendo a narrativa como o local discursivo
de transformações identitárias, posto que “as histórias que contamos nos
transformam no que somos”24 (DE FINA, 2015, p. 351).
Ao utilizar narrativas como metodologia de pesquisa, entendo ser relevante
destacar que seu principal papel não é revelar ou abrir caminho para uma verdade
única e objetiva. Pelo contrário, entendo que a narrativa assume as perspectivas
dos envolvidos em sua produção e, por isso, nos ajuda a conhecer a percepção que
eles têm sobre o mundo e como se posicionam nesse processo. Por isso, o principal
foco ao realizar as análises de dados está, como destaca De Fina (2015, p.352),
“nas estratégias utilizadas por narradores, co-narradores e sua audiência para
alcançar, contestar ou reafirmar identidades específicas”.25
Outro ponto de crucial importância sobre essa metodologia e sua utilização
está relacionado a seu potencial para lançar luz a complexas teias de relações de
poder. Isso fica claro nas palavras da escritora nigeriana Chimamanda Adichie
(2009, grifos meus), em sua palestra na conferência TED Global 2009:

É assim que se cria uma história única. Mostra-se um povo como


uma coisa, como uma só coisa, vezes sem conta, e é nisso que ele
se torna. É impossível falar sobre a história única sem falar do poder.
Há uma palavra, uma palavra malvada, em que penso, sempre que
penso na estrutura de poder no mundo. É “nkali”. É um substantivo
que se pode traduzir por “ser maior do que outro”. Tal como os
nossos mundos econômico e político, as histórias também se
definem pelo princípio do “nkali”. Como são contadas, quem as
conta, quando são contadas, quantas histórias são contadas,
estão realmente dependentes do poder. O poder é a capacidade
de contar a história de outra pessoa, tornando-a na história definitiva
dessa pessoa.

Como destaca Adichie, narrativas estão fortemente ligadas às relações de

24
Original: “The stories we tell mold us into what we are.”
25
Original: “What they focus on is the process of identity construction itself – the strategies used by
narrators, co‐narrators, and their audience to achieve, contest, or reaffirm specific identities.”
70

poder não apenas pelo que elas contam ou pela maneira que posicionam seus
personagens, mas pela capacidade de escolher as narrativas que serão contadas e
ouvidas, até o ponto de se tornarem “histórias definitivas”. Como dizem Barker e
Galanski (2001, p. 56. apud Bizon, 2013, p. 98), “o que importa é quem tem o poder
de nomear, de representar o senso comum, de criar ‘versões oficiais’, e de
representar mundos sociais legitimados, excluindo outras histórias que podem
construir essas coisas de forma muito diferente”.
Nessa lógica, ouvir narrativas provenientes de fontes não-hegemônicas de
poder é, por si só, um ato político. Afinal, aqueles que frequentemente ocupam lugar
de personagens têm riquíssimas e diferentes narrativas a contarem, quando se
colocam na posição de narradores. Concordo, portanto, com Bizon (2013, p. 99), ao
afirmar que,

dando-se a conhecer outras histórias, que não apenas aquelas que


foram normatizadas e autorizadas, outras histórias podem abalar as
sedimentações, podendo gerar outros posicionamentos, outras
histórias e outros espaços que antes não eram ouvidos e
reconhecidos.

Assim, optar pela análise de narrativas como metodologia é um ato político


que visa mudar a realidade mesma. Afinal, como pontua Fabrício (2006, p. 54),
“nossos discursos configuram ambientes, produzem espaços e criam noções de
coerência e estabilidade. A realidade (...) não é um dado; é um efeito, uma operação
de práticas discursivas ‘ordenadoras’ do mundo social”.
Tomo aqui a liberdade de parafrasear Bizon (2013, p. 99), dizendo que
desejo, ao visibilizar as narrativas das MASiR e buscar compreendê-las na interação
com as histórias de outros envolvidos em seu processo de aprendizagem do
português, visualizar outros possíveis encaminhamentos para seus enredos.

2.4.1 Posicionamentos em Narrativas

Na dinâmica de construção da narrativa, os sujeitos envolvidos no processo


estão a todo momento negociando as posições que ocupam – e são esses
posicionamentos que buscamos compreender nas análises de narrativas.
Assim como Bizon (2013), apoio-me nos estudos de Langenhove e Harré
(1994) para afirmar que compreendo o posicionamento como “um construto
71

relacional, emergindo no encontro discursivo com o outro” (BIZON, 2013, p. 92).


Não existe, portanto, fora do discurso e apenas na relação com o outro é que faz
sentido. Assim, ressalto que posicionamentos não são colocados na narrativa, mas
dela emergem, sempre na relação com outros.
Langenhove e Harré (1994, p. 465) explicam que

os conceitos de ‘posição’ e ‘posicionamento’ têm sido apresentados


como metáforas genéricas para compreendermos como as pessoas
são ‘localizadas’ em conversas como participantes coerentes, de
forma observável e subjetiva, em enredos narrativos
co-construídos.26

Nessa perspectiva dialógica, as posições dos participantes é que dão sentido


para suas ações, justamente por estarem localizadas em uma trama de enredos
negociada entre os participantes da narrativa. As conversas, assim, não se dão
isoladamente umas das outras, mas se encaixam sempre em um contínuo de
discursos. Não apenas se referem ao que veio antes, mas estão baseadas no que
veio antes e no que virá depois. Ou seja, cada conversa funcionaria como um tijolo
na casa dos discursos, um ponto no enredo narrativo (story-line). E é esse enredo
narrativo que permite a intercompreensão do discurso. Afinal, “conversas têm
enredos narrativos, e as posições que as pessoas assumem na conversa estarão
ligadas a esses enredos narrativos”27 (LANGENHOVE; HARRÉ, 1994, p. 466).
Se todo discurso está inserido nessa trama de enredos narrativos, e é
somente a partir dessa trama que os posicionamentos podem ser estabelecidos,
então faz sentido a afirmação de Hollway (1984, p.236. apud LANGENHOVE;
HARRÉ, 1994, p. 465): “os discursos disponibilizam posicionamentos para os
sujeitos assumirem. [...] mulheres e homens são posicionados em relação uns aos
outros por meio de significados disponibilizados por determinado discurso”.28
É importante ressaltar que os posicionamentos, construindo-se na
conversação, não podem ser vistos como individuais, nem se referir às
intencionalidades individuais do falante. Pelo contrário, acontecem sempre

26
Original: “The concepts of ‘position’ and ‘positioning’ have been introduced as general metaphors to
grasp how persons are ‘located’ within conversations as observably and subjectively coherent
participants in jointly produced story-lines.”
27
Original: “Conversations have story-lines and the positions people take in a conversation will be
linked to these story-lines.”
28
Original: “‘Discourses make available positions for subjects to take up. These positions are in
relation to other people. Like the subject and object of a sentence (...), women and men are placed in
relation to each other through the meanings which a particular discourse makes available.”
72

dialogicamente, numa negociação de sentidos e de posições. Nas palavras de


Deppermann (2015, p. 369):

As ações das pessoas e suas concepções sobre o “eu” não são


entidades psicológicas contidas no próprio “eu”, mas estão
conectadas ao discurso social. É, portanto, inadequado isolar
identidades subjetivas do contexto de discursos no qual estão
mergulhadas. Teorias de posicionamento, ao contrário, abordam
facetas da identidade conforme são realizadas no e pelo discurso.29

Além disso, todo posicionamento é feito em uma relação. Ele só existe na


reciprocidade de algum outro posicionamento. Ou seja, quando posiciono X,
automaticamente posiciono Y, pois só é possível posicionar X ao relacioná-lo a Y. O
autor ainda destaca que os posicionamentos podem se dar em termos de “status,
poder, conhecimento legitimado e práticas que os participantes devem ou podem
performar”30 (DEPPERMANN, 2015, p. 371). E é nesses termos que os indivíduos
negociam seus posicionamentos, concordando ou discordando. Como aponta Bizon
(2013, p. 102), “os indivíduos são autores de suas vozes com poder de agência e
não simplesmente indivíduos posicionados sem possibilidade de resistência e
reposicionamentos”.
Os posicionamentos não são estáticos ou lógicos e, frequentemente,
encerram contradições. Como traz Deppermann (2015, p. 370), as teorias de
posicionamento

não presumem que as identidades sejam integrais, entidades


coerentes. Pelo contrário, posições são conquistas situadas, as
quais não se resumem em um “eu” coerente. Posições evidenciam
múltiplas facetas de uma identidade individual. Elas são
potencialmente contraditórias, e podem ser efêmeras e
contestadas.31

Baseando-se em Harré e Langenhove (1991), Deppermann (2015, p. 373)


estabelece algumas categorizações do posicionamento. O autor traça a diferença

29
Original: “People’s actions and their conceptions of self are not self‐contained psychological
entities, but tied to social discourse. It is therefore inadequate to isolate subjects’ identities from the
context of the discourses in which they are embedded. Positioning theories, instead, approach facets
of identity in the way they are accomplished in and by discourse.”
30
Original: “Discourses position subjects in terms of status, power, legitimate knowledge, and
practices they are allowed to and ought to perform.”
31
Original: Positioning theories do not “presume that identities be integrated, coherent entities. Rather,
positions are situated achievements, which do not sum up to a coherent self. Positions give evidence
of multiple facets of personal identity. They are potentially contradictory, and they may be fleeting and
contested”.
73

entre autoposicionamento e posicionamento do outro, indicando que os dois podem


ocorrer em um mesmo ato por implicação, já que as posições são frequentemente
complementares. Deppermann aponta também que posicionamentos podem ser
implícitos, voluntários ou forçados, sendo que este último diz respeito àquele em
que há alguém que possui autoridade para exigir posicionamentos e faz uso dessa
autoridade.
O autoposicionamento e o posicionamento do outro são construídos por meio
de ferramentas, estratégias e negociações de sentido entre os participantes da
narrativa. Portanto, analisar posicionamentos, para Langenhove e Harré (1994, p.
465), é “analisar o uso de ferramentas retóricas para colocar (posicionar) locutor e
interlocutores em diversas relações – sejam de poder, de capacidade (competência)
ou de moralidades/costumes”.32

2.4.2 Pistas Indexicalizadoras

Nesta pesquisa, para realizar a análise das narrativas e dos posicionamentos


negociados pelas participantes, lanço mão das pistas indexicalizadoras propostas
por Wortham (2001) e complementadas por Bizon (2013). Opto pela utilização
dessas pistas por entender que elas lançam luz sobre a construção da narrativa,
desvelando como determinados contextos emergem como relevantes.
De acordo com De Fina (2015, p. 353), indexicalizar diz respeito “a maneiras
pelas quais construtos linguísticos ‘indexicalizam’ (SILVERSTEIN, 1976), ou
apontam para, elementos do contexto social sem evocá-los explicitamente”.33 Assim,
por meio de determinados sons, vocábulos, sotaques e outros elementos
linguísticos e paralinguísticos, é possível indicar que um personagem pertence a um
determinado contexto social ou ocupa um local determinado na hierarquia que
estrutura tal contexto, sem explicitar essa relação. É a essa relação que se chama
de indexicalidade.
As pistas são elementos de linguagem que ajudam a construir
posicionamentos nas narrativas. Por meio delas, é possível perceber os

32
Original: “Adopting a ‘position’ involves the use of rhetorical devices by which oneself and other
speakers are presented as standing in various kinds of relations. These include relations of power,
relations of competence (knowledge/ignorance), relations of moral standing (trustworthy/trusting) and
so on.”
33
Original: “The concept refers to ways in which linguistic constructs ‘index’ (Silverstein 1976), or point
to, elements of the social context without explicitly evoking them.”
74

posicionamentos que emergem nos recortes interacionais escolhidos das


entrevistas e grupos focais. O quadro a seguir, que sumariza as pistas
indexicalizadoras propostas por Wortham e por Bizon, foi construído a partir de
Bizon (2013, p. 107-111).

Quadro 5 – Pistas indexicalizadoras baseadas em Wortham (2001) e Bizon (2013)

Pistas Indexicalizadoras (Wortham, 2001 e Bizon, 2013)

Pistas Definições (retiradas de Bizon, 2013)

Referência e “São dispositivos de linguagem utilizados de maneira aliada no


Predicação discurso e consistem na ação do narrador de selecionar coisas no
mundo (personagens, objetos, fatos etc.) e caracterizá-las nas
histórias que conta. (...) Essa predicação, que pode ser feita por
meio de adjetivos ou outros dispositivos linguísticos como
substantivos, nomes próprios, títulos, termos de conexão etc., ao
mesmo tempo em que avalia o referente, ajuda a posicionar o
narrador em relação a esse referente na narrativa” (BIZON, 2013,
p.107).

Descritores “São índices linguísticos que incluem os verbos metapragmáticos


metapragmáticos de enunciação, os quais são usados para referir e caracterizar a
maneira como alguma coisa foi dita, avaliando-a. Nomes também
podem ser utilizados de forma metapragmática quando se referem
ao uso da linguagem, caracterizando-o (por exemplo, discussão,
briga, disputa, mentira, promessa etc.)” (BIZON, 2013, p. 107).

Citação “É uma pista que combina referência a um falante citado, ao seu


enunciado e ao verbo metapragmático utilizado para caracterizar o
evento de fala. A citação pode ser menos ou mais direta, mas
mesmo quando é direta, necessariamente se apresenta como uma
recriação que passa por uma filtragem por parte do narrador,
selecionando índices linguísticos e tipos de entonação para compor
o que cita” (BIZON, 2013, p. 108).

Indexicalizadores “São expressões ou modos de falar associados a determinados


avaliativos grupos de pessoas, que indexicalizam o lugar social do narrador
e/ou da personagem, suas ocupações, origens regionais, gênero
etc. Esses índices podem ser itens lexicais, construções
gramaticais, pronúncias, ou uma série de outras estruturas
linguísticas, os quais podem ser escolhidos pelo narrador de modo
a fazer com que as personagens falem com determinadas vozes.
Esses avaliadores não apenas indexicalizam vozes, mas também
posicionam o narrador a respeito delas” (BIZON, 2013, p. 108).

Modalização “Modalizadores epistêmicos são expressões formulaicas (por


epistêmica exemplo, ‘era uma vez’) e tempos verbais utilizados para expressar
75

o maior ou menor acesso epistêmico que narrador e personagens


têm no evento de narrar e no evento narrado. Os narradores
podem assumir uma visão onipresente ou apenas se apresentar
como participantes contingentes num determinado evento de fala.
Além disso, podem atribuir maior acesso epistêmico a alguns
personagens e menos a outros” (BIZON, 2013, p. 108).

Pistas semióticas “São recursos desdobrados das pistas de referência e predicação e


de referência e de indexicalização avaliativa de Wortham, que consistem em uma
predicação diversidade de recursos semióticos para além dos recursos
linguísticos indicados pela categoria original. As pistas semióticas
incluem tanto índices paralinguísticos (hesitação, pausa, silêncio,
etc.) e prosódicos (ritmo, tom, tempo, ênfase, alongamento de
vogais, etc.), quanto não-verbais (expressão corporal, gestual,
expressão facial, ocupação do espaço, imagens, tamanhos,
formatos, vestuário, cores etc.) inseridos ou suprimidos de objetos
trazidos para a cena narrada ou referenciados na cena narrada,
que também assumem a função de referenciar e caracterizar
personagens, objetos e situações” (BIZON, 2013, p. 109).

Absolutização “Vincula-se às pistas de referência e predicação e de


estratégica indexicalização avaliativa de Wortham. Inspirada no conceito de
‘essencialismo estratégico’ de Spivak (1985), essa pista consiste
na utilização de palavras e expressões (notadamente pronomes
indefinidos) que podem se apresentar como hipérboles e
referenciam e avaliam situações, objetos, personagens, grupos
sociais etc. como uma totalização, de modo a torná-los mais
visíveis aos interlocutores. Ao absolutizar, o narrador pode vozear
e ventriloquar a si mesmo e aos outros envolvidos no ato de narrar
e no evento narrado, posicionando-se em relação ao que é
absolutizado”(BIZON, 2013, p. 110).

Citação de “É um desdobramento da pista de citação descrita por Wortham e


autoridade consiste em uma exemplificação por meio de referência a um
conhecimento atribuído a terceiros que confere autoridade ao
narrador e/ou à personagem referenciados no evento de narrar ou
no evento narrado. Podem ser utilizados desde provérbios, ditos
populares e outras referências a conhecimentos referendados por
práticas sociais populares e pelo senso comum até resgates de
leituras e produções de saberes legitimados por instâncias
acadêmico-científicas” (BIZON, 2013, p. 109).

Uso de figuras de “Esses recursos iluminam o cenário em foco na narrativa e


linguagem chamam a atenção para determinadas cenas” (BIZON, 2013, p.
110).

Fonte: Adaptado de Bizon (2013).


76

3 CENÁRIO METODOLÓGICO

3.1 A perspectiva metodológica da pesquisa

Esta pesquisa insere-se no campo da Linguística Aplicada em sua vertente


Crítica e Indisciplinar (MOITA LOPES, 2006). Nessa perspectiva, entende-se que
faz parte do papel do linguista aplicado “criar inteligibilidade sobre problemas sociais
em que a linguagem tem um papel central” (Ibidem, p.14), algo que esta dissertação
objetiva fazer.
A Linguística Aplicada (doravante LA) que se pretende Indisciplinar
reconhece que seu objeto de estudo, estando sempre imerso em práticas sociais
sócio-historicamente situadas, é inevitavelmente complexo, demandando,
frequentemente, reflexões que mobilizem conhecimentos para além dos limites
pré-estabelecidos por áreas disciplinares. Conforme aponta Moita Lopes (2006, p.
19), a “lógica da interdisciplinaridade possibilita então à LA escapar de visões
preestabelecidas e trazer à tona o que não é facilmente compreendido ou o que
escapa aos percursos de pesquisa já traçados, colocando o foco da pesquisa no
que é marginal”. Igualmente importante para esta LA é o fato de que “ética e poder
são pilares centrais” (Ibidem, p. 31). O pesquisador, assim, precisa se assumir como
cidadão, reconhecendo o fazer pesquisa como um compromisso com o próprio
contexto pesquisado, um ato político capaz tanto de reforçar as estruturas de poder
existentes como de transformá-las. Nesse compromisso, o pesquisador, em vez de
tentar artificialmente se afastar da pesquisa, tem de assumi-la e problematizá-la,
visibilizando a maneira como seu próprio posicionamento de pesquisador acaba,
inevitavelmente, por influenciá-la.
Essa vertente da LA está sensivelmente voltada para os problemas em
contextos de minorias ou minoritarizados, entendendo que as vozes daqueles que
neles se encontram precisam ser ouvidas. Dessa forma, como já mencionado
anteriormente, o foco não é pesquisar sobre grupos minoritários, mas pesquisar
com esses grupos. Conforme aponta Cavalcanti (2006, p. 250), “é preciso que as
vozes das minorias sejam ouvidas, é preciso que as pesquisas sejam feitas por
eles, que a voz venha deles”. E esse é um ponto central neste trabalho, que busca
compreender a perspectiva das MASiR sobre a língua portuguesa e, mais
especificamente, sobre suas necessidades de aprendizagem.
77

Para identificar se a presente pesquisa é quantitativa, qualitativa ou mista,


trago aqui uma reflexão apresentada no livro Research Methods on the Social
Sciences, organizado por Somekh e Lewin e lançado pela primeira vez em 2005. No
capítulo 33, três pesquisadores apontam o que é uma pesquisa de metodologia
mista. Eles afirmam que é uma metodologia recente que surgiu do conflito entre
pesquisadores defensores dos métodos qualitativos e quantitativos: “Os
proponentes quantitativos visavam o realismo, a objetividade, explicações causais e
uma verdade universal, enquanto os defensores qualitativos enfatizavam a natureza
interpretativa, carregada de valores, contextual e contingente do conhecimento
social”34 (GREENE; KREIDER; MAYER, 2005, p. 274). Alguns pesquisadores, no
entanto, buscaram uma conciliação entre essas duas visões, a fim de aumentar a
validade de suas pesquisas. Foi então que surgiram as pesquisas de metodologias
mistas. Como ressaltam os autores do capítulo, as raízes desse tipo de pesquisa
“são encontradas em parte no conceito de triangulação, o qual envolve o uso de
vários métodos – cada um representando uma perspectiva ou lente diferente – para
avaliar um determinado fenômeno a fim de aumentar a confiabilidade dos
resultados”35 (GREENE; KREIDER; MAYER, 2005, p. 274). Os autores também
ressaltam que muitas pesquisas mistas não combinam as duas visões de maneira
igualitária, mas têm a preponderância de um dos dois. Também destacam que as
duas metodologias podem coexistir sequencialmente – caso as ferramentas
metodológicas sejam utilizadas em tempos e situações diferentes, podendo
inclusive uma servir como base de outra – ou simultaneamente – caso em que as
ferramentas metodológicas se misturam e se sobrepõem.
No caso da presente pesquisa, uma visão inicial pode indicar que ela é de
metodologia mista com predominância da visão qualitativa sobre a quantitativa, já
que a mesma utiliza uma ferramenta metodológica tipicamente quantitativa
(questionário), mas utiliza mais ferramentas qualitativas (entrevistas e grupos
focais). Pode-se dizer, também, que as metodologias qualitativa e quantitativa
seriam utilizadas de forma sequencial.
No entanto, acredito que a pesquisa não seja mista, mas puramente
34
No original: “Quantitative proponents aspired to realism, objectivity, causal explanation and
universal truth, while qualitative advocates emphasized the interpretive, value-laden, contextual and
contingent nature of social knowledge.”
35
No original: “The early roots of mixed-method social inquiry are found partly in the construct of
triangulation, which involves the use of multiple methods – each representing a different perspective
or lens – to assess a given phenomenon in order to enhance confidence in the validity of the findings”.
78

qualitativa. Isso porque o questionário será utilizado para traçar o perfil do público
pesquisado, não tendo influência direta sobre os instrumentos metodológicos
seguintes. Além disso, a amostra que respondeu ao questionário é ínfima (19
mulheres), não tendo, portanto, validade sob uma visão quantitativa. De fato, a
análise de dados se baseará principalmente nas narrativas, sendo, portanto,
qualitativo-interpretativista, de viés etnográfico.
A pesquisa não se percebe universal, mas localizada, podendo contribuir
para a compreensão de um contexto específico: no caso, apenas (algumas)
mulheres árabes em situação de refúgio na cidade de São Paulo. Não se pretende
uma generalização do que seria eficaz, adequado ou esperado para o ensino do
português para todas as mulheres refugiadas do/no Brasil. Ela visa compreender um
cenário específico, com um contexto específico. Vale lembrar, aliás, que a própria
ferramenta teórica de Análise de Necessidades, que embasa a geração de registros
deste trabalho, parte do pressuposto de um público específico, não de uma
generalização. Além disso, é preciso ter em mente que diversos acontecimentos –
como a aprovação de uma nova lei ou mudanças nos fluxos migratórios – podem
alterar, de forma mais ou menos significativa, as necessidades do público aqui
focalizado – o que reforça a natureza sempre contingente das investigações.

3.2 Cenário de pesquisa – Associação Compassiva

A pesquisa foi realizada com alunas e voluntárias da Associação


Compassiva, uma organização social iniciada em 1998, juntamente com a Igreja
Projeto 242. Essa igreja cristã surgiu como uma alternativa para jovens
decepcionados com as igrejas tradicionais, tendo como lema “uma igreja para quem
não gosta de igreja”. Desde seu início, a Projeto 242 foi marcada por ações sociais
que visavam levar o amor de Jesus às pessoas mais vulneráveis da cidade de São
Paulo. Conforme aponta em seu site, a igreja ganhou o nome de Projeto 24236
baseando-se no relato bíblico de Atos 2:42, que descreve a maneira como viviam os
primeiros cristãos.
A Compassiva surgiu, então, como um braço da igreja voltado para ações
sociais. No entanto, apenas em 2005 começou a ser chamada de Compassiva e,
finalmente em 2010, esse se tornou o nome oficial da organização. A separação da

36
Para saber mais sobre a igreja Projeto 242, acesse o site: www.projeto242.com.
79

Igreja ocorreu em 2014, quando a Associação Compassiva passou a ser pessoa


jurídica. Permaneceram, contudo, os valores que a embasam, a estrutura física e a
maior parte dos voluntários, que continuam sendo fiéis da Projeto 242.
Conforme consta em seu site37, assim a organização se define:

A Compassiva é uma organização social que atende crianças,


adolescentes, mulheres e refugiados em situação de vulnerabilidade
na cidade de São Paulo. Estamos situados no centro da capital
paulistana – localização estratégica para atender ao nosso
público-alvo e fácil acesso para qualquer interessado. Oferecemos
diversos cursos e atividades socioeducativas, envolvendo esportes,
artes e cultura.

Como exposto no texto, o público-alvo atendido pela Compassiva é bastante


abrangente: crianças, adolescentes, mulheres e refugiados. Para dar conta de toda
essa diversidade, a instituição se divide em projetos, cada um com um público
específico e um foco diferente. Atualmente, os projetos estão assim constituídos: (i)
Dojo, voltado à promoção de modalidades esportivas para crianças e adolescentes
da região central de São Paulo, principalmente do bairro Glicério, onde a
organização se encontra; (ii) Guri na Compassiva, que é um dos polos do projeto
Guri, do governo do Estado de São Paulo, tendo como objetivo ensinar música para
crianças e adolescentes de comunidades vulneráveis da cidade; (iii) Programa LAR
(Levando Ajuda ao Refugiado), direcionado a pessoas em situação de refúgio, em
especial aqueles cuja língua de origem é o árabe ou que possua alguma relação
com países pertencentes à Liga dos Estados Árabes. É no âmbito desse último
projeto que esta pesquisa se desenvolveu.
Em seu site, mais precisamente no texto de apresentação da ONG,
encontra-se o lema da instituição: “Compaixão que transforma”. Para a instituição,
esse objetivo se relaciona a ações que ultrapassem a ajuda emergencial e
possibilitem novos caminhos para essas pessoas. No mesmo texto, a organização
esclarece que a estratégia adotada para sua atuação se centra na criação de
relacionamentos e vínculos, buscando “intencionalmente restaurar e fortalecer a
dignidade, os valores humanos, a esperança e os sonhos” – pontos que são vistos
como pilares para que o próprio atendido consiga superar os desafios colocados
pela vida no novo país. Ressalta, ainda, que tal transformação não é voltada apenas

37
Para mais informações sobre a Compassiva, acesse o site da organização:
https://compassiva.org.br/.
80

para o “atendido”, mas também para aquele que atende.


A maior parte das pessoas que trabalham na ONG são voluntários, doando
parte de seu tempo para realizar os serviços. Há também algumas pessoas em
tempo integral: um presidente executivo, uma coordenadora geral do Programa
LAR, duas pessoas responsáveis pela parte financeira, uma assistente social, duas
advogadas, dois assistentes de atendimento jurídico, uma coordenadora de
comunicação, uma designer, um responsável pelos projetos realizados no bairro e
uma secretária. Na equipe do Programa LAR, além da coordenadora geral, há
também outras 4 pessoas em cargos de coordenação, porém voluntários: dois
coordenadores da área das Crianças e 2 coordenadoras pedagógicas, sendo uma
delas responsável pelas turmas mistas e a outra responsável pelas turmas
exclusivamente femininas. O restante da equipe Compassiva é constituída por
voluntários nas diversas áreas. Até o fechamento desta pesquisa, a ONG registrava
42 professores para as 9 turmas de ensino de português como língua adicional.
Como já dito, este trabalho focaliza mulheres em situação de refúgio, na
cidade de São Paulo, atendidas pelo Programa LAR da Compassiva. Por isso,
apresento, agora, de maneira mais detalhada, este braço da organização.
No segundo semestre de 2014, uma professora voluntária começou um curso
de português para uma família refugiada síria. Essa família chamou outra, que
convidou outra, e outra. Hoje, o curso de português da Compassiva, que atende
apenas adultos, conta com 9 turmas divididas por níveis de proficiência, sendo 6
mistas e 3 só para mulheres. Além disso, há um trabalho com uma turma extra de
alfabetização. No início de 2019, uma reunião entre várias ONGs que atendem
migrantes em São Paulo apontou que poucas organizações ofereciam aulas de
português para níveis avançados de proficiência. Por isso, a Compassiva decidiu
abrir a turma de conversação para nível avançado para estudantes de outras
nacionalidades, tendo adesão principalmente de sírios e venezuelanos.
O curso se organiza de maneira bastante orgânica, dado a instabilidade de
frequência dos alunos. As turmas têm entre 3 e 15 alunos e recebem aulas duas
vezes por semana. Os professores são todos voluntários e passam por um
treinamento ao serem selecionados para trabalhar na Compassiva. Cada voluntário
assume uma aula por semana, que dura cerca de 1h30. O material utilizado nas
aulas da Compassiva é o livro Muito Prazer (FERNANDES; FERREIRA; RAMOS,
2014), o qual não é voltado para populações refugiadas. Cada nível abarca quatro
81

unidades do livro e dura aproximadamente 6 meses, embora a dinâmica das aulas


possa estender ou reduzir este tempo. Explico: durante o curso, a chegada de
novos alunos é constante e sempre leva a uma revisão de temas mais básicos,
podendo atrasar o curso. Por outro lado, a redução de carga horária durante o
período de Ramadã38 também costuma estender o módulo dado no primeiro
semestre.
Por meio do contato com os alunos, a organização foi percebendo outras
necessidades e expandindo suas ações para além das aulas. Assim, o curso de
português se tornou o Programa LAR, que conta com diversos setores que buscam
fornecer um acolhimento de forma, digamos, mais ampla. O setor de assistência
social fornece cestas básicas, kits higiene, auxílio transporte para as aulas, fraldas,
doações gerais, acompanhamento a mulheres grávidas, eventos (como o Dia da
Beleza e os Chás de Bebê) e promove visitas sociais e acompanhamento em
atendimentos médicos, burocráticos/legais (como providenciar documentos) e
escolares (como realizar matrículas em escolas).
Outros setores importantes da Compassiva são o jurídico e o de
empregabilidade. O primeiro tem como principal função a revalidação de diplomas,
realizada em parceria com o ACNUR, para refugiados de todas as nacionalidades e
de todas as partes do país, sendo o atendimento inicial feito por e-mail ou
WhatsApp. O segundo promove parcerias com empresas, oficinas e programas de
mentoria, com o objetivo de contribuir para que os refugiados se insiram e cresçam
no mercado de trabalho brasileiro. Dentre as muitas oficinas já oferecidas, podem
ser citadas as de elaboração de currículo e de orientação para realização de
entrevistas de emprego. Quando solicitado, o setor aciona um voluntário para ajudar
a elaborar o currículo de um refugiado. Além disso, é responsável por divulgar
vagas de empregos entre os alunos e colocá-los em contato com empresas.
Durante os anos de 2017 e 2018, o setor realizou uma oficina de produção de
sabonetes, visando capacitar algumas refugiadas para terem uma fonte de renda
própria. As alunas desse curso foram escolhidas por meio do critério de maior
necessidade financeira.
Com a pandemia de COVID-19, a cidade de São Paulo sofreu diversas

38
Ramadã é um mês sagrado para os muçulmanos, sendo um período em que realizam jejum do
nascer ao pôr do sol. Sua data de início e final muda a cada ano, sendo sempre no primeiro
semestre.
82

alterações, e a Compassiva precisou se reorganizar. As aulas passaram a ser na


modalidade online, utilizando-se grupos de WhatsApp e a plataforma Zoom para a
postagem e ministração das aulas conforme a frequência padrão de cada uma das
turmas39. A maior parte dos voluntários e funcionários passou a trabalhar de forma
remota em suas casas. A assistente social interrompeu as visitas às casas das
famílias de refugiados, oferecendo assistência remotamente. Durante o período
mais crítico da pandemia, a Compassiva direcionou seus esforços para a
arrecadação e distribuição de cestas básicas e kits higiene, o pagamento de
aluguéis e contas domésticas de refugiados que perderam o emprego ou tiveram
suas rendas prejudicadas, a produção de seminários online voltados à integração no
mercado de trabalho, e produção de materiais gerais voltados aos cuidados com a
saúde.
A organização começou a retomar gradualmente as atividades presenciais do
Programa LAR em agosto de 2021. No momento, há 4 turmas de português (2 só
para mulheres, no período matutino, e 2 mistas, no período noturno) funcionando de
maneira presencial, com aulas 2 vezes por semana. As outras 5 turmas
permanecem com aulas online.

3.3 Participantes da pesquisa

A seguir, apresento as participantes da pesquisa: as cinco estudantes


refugiadas, a assistente social da instituição e eu própria. Vale ressaltar que, na
perspectiva teórico-epistemológica em que me situo, o fazer científico nunca é
neutro. Portanto, a pesquisa que aqui coloco em tela é influenciada por minha
história pessoal e pela maneira como enxergo o mundo. Por isso, coloco-me
também como participante da pesquisa.
Sobre o anonimato das participantes desta pesquisa, ressalto que a
assistente social, Lena, autorizou sua identificação no trabalho, motivo pelo qual
manteve-se seu apelido real. Já as MASiR são identificadas aqui por nomes
fictícios, e qualquer informação que pudesse identificá-las (como nome de
familiares, por exemplo) foi ocultada na pesquisa. Destaco que os nomes substitutos

39
Veja pequenas amostras das aulas "Drops de Protuguês" no link:
https://www.instagram.com/explore/tags/compassivadrops/.
83

foram escolhidos por elas, respeitando-lhes o direito de nomear-se40.


Além disso, sublinho que convite para que as MASiR participassem da
pesquisa ocorreu apenas após a aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de
Ética em Pesquisa (CEP)41. Foram utilizadas três versões do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE): uma para a voluntária da Compassiva,
uma para as estudantes que responderam ao questionário e uma para as
estudantes que participaram do grupo focal ou da conversa. As duas últimas
versões, que foram entregues às MASiR, foram traduzidas para o árabe. Veja as
três versões do TCLE em português e uma das versões em árabe nos Anexos 2, 3,
4 e 5 desta dissertação. Encontra-se, também, no Anexo 6, a autorização para
coleta de dados fornecida pelo presidente da Compassiva, permitindo a realização
da pesquisa no local.

3.3.1. A pesquisadora

Apesar de ter vivido durante mais de vinte anos em Viçosa, MG, sempre tive
contato com pessoas de diferentes origens. Costumo dizer que sou a prova de que
Deus tem senso de humor, pois, tendo o fenótipo mais alemão de toda a minha
família, sou a única nascida no continente africano, mais precisamente em Angola.
Talvez essa minha aparente contradição e as muitas viagens de meu avô – pastor
evangélico e jornalista – despertaram em mim, desde muito nova, o interesse por
países, culturas e pessoas de outras nacionalidades. Sempre tive mais facilidade
em me identificar com estrangeiros do que com brasileiros. Além disso, por Viçosa
ser uma cidade universitária, o trânsito de pessoas é constante, motivo que me fez,
na adolescência, ter conhecidos espalhados nos vários continentes e em diversos
estados do Brasil. Assim, meu caminho no ensino de português como língua
adicional se deu de maneira muito natural.
Durante a graduação em Letras na Universidade Federal de Viçosa (UFV),
conheci Viviane Araújo, colega de curso que se tornou amiga e parceira em diversos
projetos no trabalho com estudantes estrangeiros. Juntas, percebemos que vários

40
Para outras reflexões sobre nomes próprios e sua influência em identidades, ver o artigo “Prazer,
sou o MHD”: reflexões sobre nomes próprios, identidades e equívocos em documentos de migrantes
refugiados (BASTOS, 2020).
41
Projeto de pesquisa aprovado em 15/11/2018, sob o parecer de número 3022357. Certificado de
Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) número 98055218.4.0000.8142.
84

estudantes internacionais intercambistas na instituição – principalmente


sul-americanos – muitas vezes formavam comunidades entre eles, interagindo
pouco com os brasileiros. Alguns deles reclamavam que, apesar de desejarem,
tinham muita dificuldade para aprender a língua portuguesa, justamente por não
terem amigos brasileiros com quem conversar. Foi aí que tivemos a ideia de criar
um grupo de conversa em português entre estrangeiros e brasileiros, cujo objetivo
era oportunizar a realização de atividades lúdicas que favorecessem a interação em
língua portuguesa. O grupo, batizado de FalAê!, funcionou tão bem, que continuou
até o início da pandemia, quando as aulas presenciais foram suspensas. Foi nesse
grupo, aliás, que conheci o meu esposo, um economista colombiano que, à época,
fazia mestrado na universidade.
Quando o grupo surgiu, a UFV oferecia uma única disciplina de Português
como Língua Adicional, ministrada por professores temporários ou alunos de
pós-graduação. Em 2013, Natália Tosatti tornou-se docente da universidade
responsável por essa disciplina, mas deixou o cargo pouco tempo depois. Tive o
privilégio de me tornar monitora dessa disciplina no período de transição, após a
saída de Tosatti e alguns dias antes da chegada da professora Idalena Chaves, que
continua no cargo até hoje. Aprendi muito sendo orientada por ela, não apenas nas
monitorias, mas também em meu trabalho de conclusão de curso, no qual descrevi
algumas das atividades desenvolvidas no FalAê!.
Seis meses após o término da graduação, como narro no início desta
dissertação, cheguei à Associação Compassiva como voluntária para coordenar um
curso de português para refugiados árabes. Permaneci na ONG por dois anos e
meio, entre fevereiro de 2017 e julho de 2019. E foi no cotidiano desse trabalho que
conheci Lena, Sara, Sham, Luz, Lara e Mira, bem como diversas outras refugiadas
e refugiados da Síria, Egito, Marrocos, Somália, Irã, Iraque, Palestina, dentre outros
países. Ali, com as demandas diárias que eu recebia dessas mulheres, nasceram
em mim os questionamentos que motivaram esta pesquisa. Buscando respostas a
esses questionamentos, em março de 2018, iniciei o mestrado em Linguística
Aplicada no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp. Foi então que descobri
que já estava trabalhando com PLAc, mesmo sem saber direito, naquele momento,
o que isso significava.
85

3.3.2. As estudantes

Sara
Sara, com 35 anos à época da geração de registros, era solteira, não usava
hijab e morava em São Paulo com o pai, a mãe e o irmão. Cheia de talentos, falava
fluentemente o inglês, e revelou gostar de atuar e dançar, já tendo oferecido aulas
de dança pelo aplicativo Airbnb. Quando a guerra na Síria começou, Sara
trabalhava em outro país e subsidiou as despesas de viagem de sua mãe, seu pai e
seu irmão (na época, menor de idade) para o Brasil. Infelizmente, perdeu seu
emprego e precisou voltar para a Síria até conseguir recursos e migrar para o Brasil.
Sua família já frequentava as aulas da Compassiva e sempre nos falava sobre a
filha, esperando poder trazê-la logo para perto deles.
Sara possui formação para atuar como advogada, mas até então não podia
exercer a profissão no Brasil. Para que isso fosse possível, dois passos seriam
necessários: conseguir revalidar seu diploma em uma universidade nacional e
passar no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A revalidação de
diplomas é um problema não apenas para Sara, mas para diversos refugiados das
mais variadas profissões.
Conforme contou, no Brasil, ajudava os pais, que faziam comida árabe para
vender em feiras, eventos ou sob encomenda. Deles é o melhor quibe assado que
já comi, com lascas de amêndoas sobre cada fatia, e com o qual me presentearam
algumas vezes. Além disso, o irmão possuía um trabalho remunerado, sendo o
principal provedor da casa. Quando chegou, por causa de seu vasto currículo, suas
experiências vivendo em outros países e sua fluência em inglês, Sara pensou que
não teria problemas em conseguir um emprego. Contudo, após pouco mais de um
ano no Brasil, ela ainda estava à procura. Isso a frustrou muito. Também disse sentir
muita falta de seus amigos, o que teria lhe valido uma certa resistência ao
aprendizado do português. Além disso, como seus familiares já estavam no país há
algum tempo, se apoiava neles quando precisava da língua. Como ela mesma
relatou, somente após um ano de sua chegada ela decidiu que precisava da língua
para conseguir um emprego e ser mais independente. Escolheu ser chamada de
Sara por gostar desse nome.

Sham
86

O primeiro encontro que tive com Sham, com 35 anos à época da geração
dos registros, me deixou a forte impressão de que eu estava diante de uma mulher
inteligente, forte e resiliente. Foi em maio de 2017, pouco tempo antes do início do
Ramadã, que Sham procurou a Compassiva em busca de aulas de português.
Quando comecei a falar com ela em inglês, seu semblante demonstrou um grande
alívio e ficamos um bom tempo conversando. Logo no início, ela me disse: “Eu não
quero aprender português. Não gosto dessa língua. Não queria estar no Brasil. Mas
eu preciso”. Como o Ramadã estava para começar, as aulas na Compassiva iriam
diminuir, o que permitiu que déssemos aula apenas para a Sham durante alguns
dias. Lembro-me perfeitamente que, na primeira aula, não falamos uma palavra em
português. Conversamos bastante sobre a história do Brasil e da Síria e sobre o
motivo de o português ser língua oficial no país. Considero que essa aula foi
imprescindível para que encontrássemos brechas no bloqueio de Sham e ela
pudesse, além de precisar, querer aprender a língua.
No período de nossas conversas, Sham morava em São Paulo com seu
esposo, sua sogra e seus dois filhos. O esposo trabalhava com vendas pela internet
e Sham o ajudava a conseguir as peças. Também era responsável pelo serviço de
casa e por acompanhar as crianças na escola. Sham é muçulmana, mas não usa
hijab. Conheceu seu esposo em aulas de tango quando cursava faculdade na
Europa. Aliás, Sham possui mestrado incompleto em literatura inglesa e fala quatro
línguas, embora não considerasse falar suficientemente o português. Por causa de
amigos, ela visitava com certa frequência o litoral paulista, sendo “ver o mar” uma
de suas atividades turísticas preferidas.
Como a maioria de suas conterrâneas, Sham declarou amar a Síria. Por isso
escolheu ser referenciada por esse nome, que é comumente utilizado para designar
a cidade de Damasco, capital da Síria, e o próprio país.

Luz
Lembro-me de ter tido contato mais próximo com Luz, com 36 anos à época
da geração dos registros, em um almoço na Compassiva. Ao vê-la tentando
controlar cinco crianças famintas, sendo uma de colo, me dispus a servir os pratos
da família e a conversar um pouco. Mas Luz não falava português, então nos
comunicamos por meio de seus filhos, que traduziam para ela. Nas primeiras aulas,
sua filha mais velha a acompanhava, até que Luz começou a se sentir segura para
87

se virar em português, passando a ir acompanhada apenas da bebê recém-nascida.


Sem formação profissional, Luz era dona de casa em tempo integral e
expressava frequentemente o desejo de trabalhar para contribuir com a renda na
casa, mas encontrava muita dificuldade por causa das crianças pequenas. Avançou
rapidamente na aprendizagem do português, a primeira língua adicional que
aprendeu. Tinha muito contato com vizinhos brasileiros e conhecia bastante seus
costumes, o que já a levara, por exemplo, a corrigir a professora brasileira (e Luz
estava certa). Sempre de hijab e de bom humor, Luz não tinha receio de dizer o que
pensava, sendo responsável por desfazer muitos de meus pressupostos sobre as
mulheres árabes. Por exemplo, quando me casei, Luz fez questão de me dar uma
provocante lingerie de presente. Embora fôssemos já bastante amigas, eu não
esperava que uma mulher árabe muçulmana abordasse um assunto considerado
tabu com tanta naturalidade.
Luz escolheu este nome para designá-la em minha pesquisa porque, em
suas palavras, a guerra civil na Síria e o movimento de ter de deixar o país tão
querido fizeram com que sentisse que sua luz tinha se apagado. No entanto,
quando chegou ao Brasil e começou a se estabelecer aqui, percebeu que a luz
sempre tinha estado presente em sua vida.

Lara
Lara, então com 38 anos, foi uma das primeiras alunas da Compassiva com
quem tive contato. Muito participativa, costumava ser a intérprete entre suas colegas
de classe e os brasileiros. Muçulmana, andava sempre com seu hijab colorido, que
compunha bem o sorriso em seu rosto. Sorriso este que, a meu ver, ocultava sua
difícil trajetória até São Paulo. Conforme relatou, seu marido havia sido preso na
Síria por ajudar a levar pessoas para hospitais na fronteira. Durante sua prisão, ela
e os filhos viveram na casa do seu irmão. Quando o marido conseguiu sair da
cadeia, toda a família se mudou para Damasco, onde, com nomes falsos, alugaram
uma casa. Durante pouco mais de um ano, viveram ali escondidos, sem que os
filhos pudessem frequentar a escola, pois o pai continuava sendo perseguido.
Resolveram então pedir refúgio na Jordânia, e viveram em Zaataria, o maior campo
de refugiados sírios do mundo. Somente após dois anos no local, onde a filha mais
nova nasceu, conseguiram autorização para se refugiarem no Brasil.
Lara se mostrava muito proativa, sempre encontrando um jeito de se virar.
88

Contou que, ao chegar ao Brasil, as pessoas não tinham paciência ou estavam


muito ocupadas para lhe ensinar o português, então seu primeiro professor foi uma
criança vizinha, pra quem Lara sempre fazia perguntas. Além do português, a única
língua que Lara fala é o árabe. Conforme revelou, isso fez com que tivesse grandes
dificuldades com a linguagem escrita, já que o sistema gráfico árabe é totalmente
diferente do ocidental-português. Além disso, Lara havia parado os estudos há
muitos anos na Síria, tendo completado o que seria o equivalente ao ensino básico
no Brasil. Por esses motivos, ela conta que frequentou as aulas da Compassiva por
dois meses sem entender absolutamente nada, mas que nem por isso pensou em
desistir. Enquanto gerava os registros para esta pesquisa, posso dizer que Lara era
uma das alunas que mais falava, gostando de dar entrevistas e falar com o público.
Ela e sua família (marido, um filho e duas filhas) concederam entrevistas algumas
vezes a televisões e jornais no Brasil.
Quando pedi que escolhesse um nome fictício para si, optou por Lara,
dizendo que seu lar estava aberto e todos eram bem-vindos em sua vida.

Mira
Mira era a mais jovem do grupo, com 21 anos e uma filha pequena que ainda
não frequentava a escola. Vivia em São Paulo com seu pai, sua mãe, seu esposo e
sua filha, sendo o esposo o único empregado. Na Síria, estudou até o que seria o
ensino médio brasileiro. Sonhava em aprender logo o português a fim de cursar uma
faculdade no Brasil. Dizia gostar muito de frequentar os parques da cidade, como o
Ibirapuera, onde havia espaço para brincar com a filha. Frequentava as aulas da
Compassiva sempre acompanhada de sua mãe e da filha de colo. Quando chegou
ao Brasil, seu cunhado e sua irmã já moravam aqui. Ainda assim, não sabia
praticamente nada sobre o Brasil e pensou que a língua oficial era o inglês. Ficou
muito frustrada quando chegou aqui e não conseguiu se comunicar, pois não
encontrava pessoas que falavam inglês. Escolheu ser chamada de Mira por achar
esse um nome bonito.

3.3.3. A assistente social

Lena é brasileira, assistente social na Compassiva desde 2015. É a pessoa


da organização que mantém o contato mais direto com os alunos, pois está quase
89

que diariamente na organização, sendo responsável por identificar as famílias com


maior necessidade. Lena atua com visitas domiciliares, momento em que identifica a
situação de moradia das famílias. Também é sua função fazer o contato entre
escolas e hospitais e as famílias sírias. Portanto, quando há uma situação irregular
(como uma criança que parou de frequentar a escola), é Lena que se encarrega da
mediação com os familiares. Por isso, ela é bastante conhecida nas escolas
públicas frequentadas pelas crianças dessas famílias. Além disso, recebe os casos
de problemas de saúde, auxilia no agendamento de consultas e exames, e, por
vezes, acompanha as famílias nas próprias consultas. Outra atribuição é a
distribuição de algumas doações que chegam na Compassiva.
Acostumada a contextos interculturais, antes de se tornar assistente social e
trabalhar na Compassiva, Lena trabalhou no navio Logos Hope42, por dois anos e
meio, compartilhando espaço com diversas nacionalidades. Diz que aprendeu inglês
na marra, e que, frequentemente, aprende com os alunos da Compassiva palavras
e expressões em árabe. Apesar de não se considerar proficiente nem em árabe,
nem em inglês, Lena não tem dificuldade em se comunicar com os alunos, fazendo
uso de muitos gestos e mímicas, sempre que necessário.
Lena optou por abrir mão do anonimato, autorizando a utilização de seu
próprio apelido na pesquisa.

3.4 Instrumentos de geração de registros

Um requisito compartilhado por vários estudiosos com trabalhos dedicados à


Análise de Necessidades é que, para dados mais confiáveis, é necessário gerar
registros por meio de diferentes instrumentos, que devem ser triangulados
(CARVALHO, 2012; DUDLEY-EVANS; ST. JOHN, 1998; HUTCHINSON; WATERS,
1987; LONG, 2005; SILVA, 2016).
A fim de cumprir tal requisito, utilizei três instrumentos para geração dos
registros – questionário, conversas individuais e grupo focal – e agrupei as
participantes de pesquisa em quatro categorias – as MASiR em geral, as cinco
MASiR que participaram de uma conversa e do grupo focal, a assistente social e eu,

42
Logos Hope é a maior livraria flutuante do mundo. É uma iniciativa evangelística cristã cujo navio
atraca em portos do mundo inteiro, promovendo eventos e ações comunitárias para as comunidades
visitadas, em conjunto a igrejas locais. Para conhecer mais, ver site da organização:
https://www.om.org/ships/pt.
90

a coordenadora pedagógica das turmas de mulheres.


As estudantes refugiadas que responderam ao questionário são mulheres
oriundas de diversos países árabes, maiores de 18 anos, adeptas de diversas
religiões e que frequentavam o curso de língua portuguesa oferecido pela
Compassiva. Dentre essas mulheres, cinco foram convidadas a narrar suas
experiências com a língua portuguesa nos grupos focais, tendo os seguintes
critérios para tal convite: a) ter chegado ao Brasil a partir do ano 2014; b) conseguir
conversar com a pesquisadora – em português, francês ou inglês; e c) demonstrar
interesse em participar da pesquisa.
Para haver uma triangulação de dados mais efetiva, também foram
consultados brasileiros do corpo de voluntários da Compassiva. No caso, foi
gravada uma conversa com a assistente social. Cada um dos instrumentos
utilizados será descrito a seguir.

3.4.1 Questionário para as estudantes

A fim de levantar informações gerais sobre o grupo de MASiR e sua relação


com a língua portuguesa, foi elaborado um questionário (ver Anexo 1),
acompanhado pelo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em
português (ver Anexo 3) e em árabe (ver Anexo 4). Ambos os documentos foram
entregues às estudantes em versão bilíngue árabe-português. Apliquei os
questionários entre os meses de fevereiro e março de 2019, e obtive 21 respostas.
No entanto, foi preciso descartar duas, pois as mulheres não se encaixavam no
perfil do público-alvo da pesquisa por terem chegado em São Paulo antes de 2014,
resultando em 19 questionários válidos para esta pesquisa.
As participantes contaram com a presença de uma tradutora de
árabe-português para tirarem dúvidas enquanto respondiam às perguntas. Por isso,
considerei o conhecimento do árabe um pré-requisito para a participação na
pesquisa. De certa forma, isso foi um problema, posto que três mulheres,
condizentes com o perfil (serem provenientes de um dos países da Liga dos
Estados Árabes, estarem em situação de refúgio e terem se mudado para São
Paulo a partir de 2014), não puderam participar da pesquisa por não serem
proficientes na língua árabe. Tal acontecimento desmistifica mais uma vez a crença
de que os países são monolíngues, mito existente também no Brasil e bastante
91

discutido por Cavalcanti (1999).


As três estudantes que não puderam participar da pesquisa por não se
considerarem com alta proficiência em árabe têm histórias de vida bem diferentes.
Uma delas pertence a uma minoria étnica de um dos países da Liga dos Estados
Árabes, sendo falante de outra língua, que não será aqui mencionada para garantir
seu anonimato. A outra, apesar de ter nascido em um dos países árabes, migrou
muito nova para outro país em que o árabe não é língua oficial, acabando por se
considerar não falante de árabe. Apesar de não ser originalmente de nenhum dos
países árabes, a terceira mulher que não pôde preencher o questionário é casada
com um homem de origem árabe, aprendendo com ele um pouco de sua língua e
garantindo a ela a nacionalidade árabe, embora, por conta dos conflitos na região,
ela não tenha buscado oficializá-la.
A participação foi voluntária, não havendo qualquer bonificação ou
penalidade para quem respondesse ao questionário. As respostas foram individuais
e as estudantes tiveram a opção de desistir de participar a qualquer momento. Tudo
isso foi explicado oralmente no momento em que as mulheres receberam o
questionário e também por escrito, em árabe, por meio do TCLE que cada uma
recebeu e assinou antes de receber o questionário. Todas as participantes eram
maiores de 18 anos.
O questionário foi elaborado visando um público com pouca proficiência em
língua portuguesa. Por isso, a maioria das perguntas foi de múltipla escolha ou
aberta de resposta simples (como “qual é sua profissão?” e “há quanto tempo você
faz aulas de português?”). O questionário, anexado a esta dissertação, foi extenso
(35 perguntas). Isso fez com que algumas participantes se cansassem de
respondê-lo, simplificando ou não respondendo às últimas perguntas.
Para a elaboração do questionário, baseei-me na Análise de Necessidades,
conforme apresentada por Vian Jr (2008) e expandida por Silva (2016), e já
discutida nesta dissertação. Busquei identificar as situações-alvo mais do que as
situações de aprendizagem, a fim de compreender as necessidades e os desejos
das estudantes com relação à Língua Portuguesa. Baseei-me, também, no
reconhecimento do contexto multilíngue das participantes de pesquisa, em que a
língua portuguesa não é utilizada o tempo todo, mas convive com o árabe e outras
línguas em práticas diárias. O questionário foi dividido em 5 tópicos:
92

I. Perfil: sete perguntas sobre idade, data de chegada ao Brasil, país de origem
etc.
II. Educação formal: três perguntas sobre profissão e estudos no país de
origem.
III. Situação Familiar: sete perguntas sobre família, moradores da casa,
ocupação de moradores da casa e projeção de tempo no Brasil.
IV. Língua: doze perguntas sobre objetivos e percurso de aprendizado de língua
portuguesa, relação com a língua portuguesa e mapeamento de línguas
utilizadas para conversar com diferentes pessoas.
V. Cotidiano: seis perguntas mapeando atividades, locais e meios de locomoção
que utiliza em São Paulo.

Os questionários foram respondidos de forma anônima. O tempo médio para


as respostas foi de uma hora, sendo que todas o fizeram no local em que
receberam o questionário.

3.4.2 Conversas com as participantes

A geração de registros em áudio foi realizada entre junho e novembro de


2019. Foram realizados cinco encontros, sendo duas conversas informais – uma
com a assistente social, outra com a Sara – e três encontros de grupo focal. No
total, esses encontros geraram aproximadamente seis horas de gravações, que
foram transcritas por mim. Procurei manter a transcrição o mais próximo possível da
pronúncia, mas sem utilizar o alfabeto fonético. Optei por esse caminho porque, ao
analisar a relação das MASiR com a língua portuguesa para fins didáticos, percebi
como necessário destacar pontos linguísticos (fonético-fonológicos e gramaticais)
nas falas desse público.
Considerando a minha não-proficiência em árabe e o tempo para a conclusão
do mestrado, optei por considerar para a análise apenas o que foi dito em português
ou inglês nas interações. Isso não trouxe muitos danos para a pesquisa, posto que
foram poucos os momentos em que a língua árabe foi utilizada. Além disso, pela
dinâmica das conversas, entendo que desconsiderar o que foi falado em árabe
nessas interações é a posição mais respeitosa com as estudantes. Explico: sabendo
do meu desconhecimento da língua árabe, houve vários trechos em que se
93

esforçaram para me explicar em português o que haviam acabado de conversar em


árabe. Assim sendo, se houve algo em árabe que elas não repetiram em português,
provavelmente foi o que consideraram não ser relevante para a pesquisa ou o que
deliberadamente desejaram ocultar. Portanto, acessar esses trechos seria
desrespeitar a liberdade e autonomia das estudantes, ferindo o comprometimento
ético desta pesquisa.
O quadro a seguir resume a geração de registros em áudio, sendo que cada
tipo de interação é explicitado nos próximos tópicos desta dissertação.

Quadro 6 – Geração de registros em áudio


GERAÇÃO DE REGISTROS EM ÁUDIO

Tempo de Total
Tipo de interação Língua Participantes Data registro acumulado

Conversa informal Português Lena 10/06/2019 1:10:20 1:10:20

Lara, Sham, Luz


Grupo Focal Português e Mira 05/07/2019 0:58:30 2:08:50

Conversa informal Inglês Sara 06/07/2019 1:16:21 3:25:11

Grupo Focal Português Lara, Sham 12/07/2019 1:04:19 4:29:30

Grupo Focal Português Lara, Luz 25/11/2019 1:28:13 5:57:43


Fonte: Quadro elaborado pela autora para esta dissertação.

3.4.2.1 Conversa informal com a assistente social

No dia 10 de junho de 2019, conversei por 70 minutos com Lena sobre seu
trabalho e sua perspectiva sobre a necessidade da língua portuguesa pelas MASiR.
Considerei a assistente social uma voz importante para a pesquisa por ela ter
contato direto com os estudantes e ser acionada sempre que um deles precisa de
ajuda, não apenas em nível social ou burocrático, mas, como pudemos constatar na
entrevista, também em nível linguístico. A conversa aconteceu no próprio prédio da
Compassiva, em um dia previamente combinado com Lena, a fim de não prejudicar
seu trabalho.
94

3.4.2.2 Conversa com Sara

A conversa com Sara não foi programada no início da pesquisa. Por ela estar
ocupada nos dias marcados para a realização dos encontros do grupo focal e por se
sentir mais à vontade para conversar em inglês, marcamos um encontro fora dos
horários das aulas. No entanto, por não termos conversado em língua portuguesa,
as análises que realizei de recortes dessa interação acabaram por ser menos
aprofundadas que as análises de recortes em língua portuguesa, já que não me
considero proficiente em inglês a ponto de analisar linguisticamente narrativas
nessa língua. Além disso, aos recortes em inglês adicionei uma coluna com
tradução livre para o português, feita por mim.
A conversa aconteceu no dia 6 de julho de 2019, em uma sala da
Compassiva, tendo como disparadores os mesmos materiais utilizados no primeiro
grupo focal: (i) um vídeo produzido por mim em que um colombiano, estudante de
pós-graduação no Brasil, relata a sua chegada e os problemas que teve por conta
da dificuldade linguística; e (ii) uma pequena narrativa escrita, também elaborada
por mim, com o relato, em primeira pessoa, de uma refugiada sobre a sua
comunicação com a escola de suas filhas. Ambos os relatos foram baseados em
histórias verídicas, sendo que a narrativa escrita foi produzida a partir dos dados
presentes na dissertação Política Linguística de Acolhimento a Crianças Imigrantes
no Ensino Fundamental Brasileiro: Um Estudo de Caso, defendida, em 2018, por
Amélia Neves. Esses relatos são brevemente descritos no próximo tópico, quando
explico a estruturação do grupo focal.

3.4.2.3 Grupo focal com as estudantes

Optei, nesta pesquisa, por utilizar o Grupo Focal como uma das estratégias
de geração de registros. Conforme apontam Aschidamini e Saupe (2004), essa é
uma metodologia de geração de registros em pesquisas qualitativas que tem sido
utilizada em diversas áreas, como marketing, enfermagem e ciências sociais.
Diferencia-se das entrevistas coletivas principalmente por ter como objeto de estudo
a interação entre os participantes e a geração de registros a partir de uma discussão
com foco em tópicos específicos, pré-determinados pelos pesquisadores.
Barbour e Schostak (2005) ressaltam que grupos focais permitem “promover
95

as vozes dos periféricos”, sendo uma maneira de chamar os participantes da


pesquisa para teorizar com os pesquisadores. Para Aschidamini e Saupe (2004), o
grupo focal permite diversificar e aprofundar temas de maneira rápida.
Destaca-se que o grupo focal não deve ser utilizado para coletar “detalhes
muito íntimos”, nem se os participantes não se sentirem à vontade uns com os
outros. Também não resulta em dados generalizáveis (BORGES; SANTOS, 2005)
nem servem para identificar a verdade, ou o mundo real, mas sim as percepções
dos participantes sobre esse real (BARBOUR; SCHOSTAK, 2005).
O grupo focal deve ter um número suficientemente grande de participantes
para que haja uma boa discussão, mas não deve ser tão grande que alguns não
consigam interagir. Alquati Bisol (2012) recomenda de 5 a 10 participantes e
ressalta que, além dos participantes, o moderador e o observador também são
peças-chave para o processo, sendo responsabilidade do moderador garantir que
todos participem e mantenham o foco do grupo, enquanto o observador anota
impressões sobre a interação, inclusive sobre as ações do moderador. O grupo
deve se encontrar mais de uma vez, até que o assunto discutido seja esgotado.
Alquati Bisol (2012) ressalta, no entanto, que o importante não é a quantidade de
encontros, mas a qualidade da interação.
Nem todos os pontos ressaltados pelos teóricos citados foram observados
nesta pesquisa. Por exemplo, não foi possível ter a presença de um observador nos
encontros. Além disso, também não se procurou esgotar os assuntos levantados,
embora tenham sido bastante discutidos. Destaco, ainda, não ter sido possível a
participação de muitas mulheres; em dois encontros, apenas duas estavam
presentes. O quadro a seguir resume os três encontros do grupo focal, seus temas,
objetivos e elementos disparadores utilizados em cada um.

Quadro 7 – Encontros do Grupo Focal


ENCONTROS DO GRUPO FOCAL

Data Tema Objetivo Disparadores

05/07/2019 O português Identificar momentos em que Relato em vídeo sobre a chegada


e eu a língua portuguesa fez falta ao Brasil
no cotidiano, especialmente
na relação com educação Relato escrito sobre a
comunicação com a escola dos
filhos
96

12/07/2019 Minha saúde Avaliar, a partir do olhar das Unidades sobre saúde retiradas de
em livros de MASiR, a abordagem sobre livros de português para refugiados
português saúde em livros de PLAc

25/11/2019 Ser mulher Identificar visões sobre o Propaganda de maquiagem cuja


entre papel da mulher na sociedade protagonista é uma refugiada
culturas e o conceito de violência árabe.
contra a mulher, bem como
identificar o quanto as MASiR Duas tirinhas sobre a violência
sabem sobre os direitos das contra a mulher
mulheres no Brasil.
Livro de história em quadrinhos em
espanhol Contando Nuestras
Historias
Fonte: Quadro elaborado pela autora para esta dissertação.

Em cada um dos três encontros do grupo focal, foram abordadas diferentes


temáticas. No primeiro encontro, com o tema “O português e eu”, os disparadores
foram relatos verídicos de estrangeiros e sua relação com a língua portuguesa. Foi
utilizado um vídeo, gravado por mim e não publicado na internet, em que um
colombiano contou como foi a sua chegada no Brasil e como, por não entender o
significado de uma palavra (rodoviária), ele acabou precisando passar a noite em
um motel, na beira da estrada.
Sua chegada ao Brasil foi em Belo Horizonte, no aeroporto de Confins, mas
ele precisava ir até Viçosa, no interior de Minas Gerais. Acreditando que haveria
ônibus diretamente do aeroporto para o seu destino final, não se preparou e, ao
aterrisar, descobriu que precisava ir até a rodoviária para pegar o ônibus. Pensando
que rodoviária era sinônimo de rodovia, ele considerou muito perigoso esperar ali
durante a noite. Optou por pegar um táxi até algum hotel barato nas proximidades
do aeroporto. Por ser uma região bastante cara, decidiu dormir em um motel, que
era a opção mais barata. No dia seguinte, pegou outro táxi até a garagem da
empresa de ônibus responsável pelo trajeto, achando que a garagem era mais
segura do que a rodovia e que deveria ser ali a venda de passagens. Foi apenas
quando chegou na garagem e os atendentes disseram que ali não se vendiam
passagens que entendeu que “rodoviária” não significava “rodovia”, mas “terminal
rodoviário”, local onde várias empresas de ônibus vendem suas passagens,
recolhem e deixam passageiros. Após assistirem ao vídeo com o relato dessa
história, as estudantes começaram a compartilhar suas experiências de chegada ao
Brasil e as diversas dificuldades enfrentadas por não terem grande proficiência na
97

língua portuguesa.
O segundo relato foi escrito por mim, baseado na dissertação de Amélia
Neves (2018), e conta a dificuldade que uma mãe refugiada tem em entender a
comunicação da escola da filha por meio do gênero bilhete (ver o texto completo
utilizado no anexo 7). As mulheres se identificaram bastante com esse relato,
apontando, a partir daí, diversos momentos em que a dificuldade com a língua
portuguesa gerou problemas para elas e seus familiares. Ressalta-se que mesmo
aquelas que ainda não tinham filhos em idade escolar tinham algo para contar.
O segundo encontro não foi tão produtivo, pois considero que a seleção dos
materiais não foi bem feita por mim. Separei unidades didáticas sobre saúde nos
quatro livros voltados para o ensino de português para refugiados no Brasil que
existiam à época: Pode Entrar43, Portas Abertas44, Entre Nós45 e Recomeçar46.
Levei, também, uma unidade de ensino de português para refugiados voltada
especificamente para a saúde, produzida em uma matéria da pós-graduação da
Unicamp. O material ficou muito extenso e a sua análise acabou gastando
praticamente todo o tempo de interação.
O terceiro e último encontro foi mais focado em questões específicas das
mulheres, como os papéis sociais das mulheres e a violência contra a mulher. Esse
tema é bem sensível e, para abordá-lo, utilizei três disparadores de conversa, os
quais descrevo a seguir.

(i) Vídeo com uma propaganda da marca de cosméticos “Quem disse, Berenice?”. A
propaganda, intitulada Quem disse que beleza tem fronteira?47, tem como
protagonista uma refugiada síria. Enquanto escutamos a refugiada narrando sua
própria história, com uma leve música de fundo, são apresentadas cenas dessa
refugiada em afazeres domésticos e olhando fotografias. A narrativa apresenta uma
mulher que, antes, ficava sempre em casa e não podia andar sozinha na rua.

43
Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/wp-content/uploads/2018/02/Pode_Entrar_
ACNUR-2015.pdf. Acesso em: 07 set. 2021.
44
Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/direitos_humanos/imigrantes
_e_trabalho_decente/programas_e_projetos/portas_abertas/index.php?p=259310. Acesso em: 07
set. 2021.
45
Disponível em: https://www.editoracartolina.com.br/entre-nos. Acesso em: 19 out. 2021.
46
Disponível em: https://www.passeidireto.com/arquivo/67563318/recomecar-lingua-e-cultura-
brasileira-para-refugiados-material-didatico-portugue/7. Acesso em: 07 set. 2021.
47
Propaganda disponível em https://www.youtube.com/watch?v=j_XhWFhzDuI&ab_channel=quem
disse%2Cberenice%3F. Acesso em 08 set. 2021.
98

Durante a guerra, ela se separou de seu marido, que foi para a Alemanha com seus
filhos. No Brasil, sua vida é diferente: ela tem seu trabalho, anda sozinha, encontra
com as amigas… Mas não se sente à vontade para usar maquiagem porque chama
muita atenção na rua. Então, a maquiadora propõe uma maquiagem leve, que
“respeite sua cultura”, e a propaganda termina com uma cena da refugiada nas ruas
de São Paulo e a voz da refugiada afirmando que, com a maquiagem em questão,
ela pode sim sair e “fica mais bonita, igual brasileira”.
Escolhi a propaganda em questão pensando que seria um bom disparador de
conversa sobre os papéis sociais femininos e masculinos no Brasil e na Síria. Além
disso, a narrativa construída pela propaganda me incomodou bastante, posto que a
refugiada é retratada como alguém que não possui liberdade na Síria, mas que tem
uma vida nova e muito mais feliz no Brasil. Incomodou-me a forma como a guerra, a
necessidade de deixar seu país e separar-se de sua família foi apresentada como
uma “oportunidade libertadora”, representada pelo uso da maquiagem. Além disso,
a frase final remete a uma perspectiva assimilacionista ao apontar que esta seria a
meta da refugiada: deixar de ser quem é para tornar-se igual a uma brasileira. A
mesma frase ainda reproduz um conhecido estereótipo que liga a mulher brasileira
à beleza e à sensualidade.
A meu ver, conversar sobre a propaganda seria uma oportunidade de as
participantes da pesquisa exporem seus olhares sobre os assuntos, compreender
se esses seriam também incômodos para elas. Deparei-me com o desafio de as
estudantes serem amigas da refugiada retratada no vídeo, o que gerou alguns
minutos de conversa sobre a pessoa em questão. Ainda assim, o vídeo de fato
gerou diversas considerações sobre o que consideravam respeitável para uma
mulher e sobre os papéis sociais que tiveram de assumir antes e depois da
realidade de guerra.

(ii) Duas tirinhas (ver Anexo 8) complementares que abordam a temática de


violência contra a mulher. A primeira tirinha mostra quatro personagens de filmes e
desenhos animados da Disney retratadas com hematomas, ao lado de seus
parceiros românticos. A segunda, apresenta quatro cenas de situações de
violências não físicas que as mulheres sofrem, seguidas da afirmação “Isso não é
amor, é cilada”. As situações retratadas são as seguintes: a) quando alguém
controla a maneira de vestir, b) quando alguém controla a maneira de falar, c)
99

quando alguém controla a maneira de agir, e d) quando alguém controla a maneira


de se relacionar. Considerei que a apresentação dessa tirinha seria relevante para
provocar a discussão sobre o que as estudantes classificariam como violência.

(iii) A história em quadrinhos “La historia de Kose”, retirada do livro Contando


Nuestras Historias: La Resiliencia de las Mujeres Inmigrantes (OCASI48, 2017). O
objetivo de trabalhar esse disparador foi trazer a violência para mais perto,
questionando se, assim como na história do livro, em geral, as mulheres refugiadas
poderiam estar mais vulneráveis a esse tipo de situação. O material conta, em
espanhol, a história de quatro mulheres imigrantes no Canadá que foram vítimas de
violências. Mostrei apenas a primeira história, em que Kose se casa com um
canadense e se muda para lá. Poucos meses depois, seu marido começa a cometer
diversos atos de violência contra ela – desde física, sexual, até psicológica e
financeira. Convencida de que, se chamasse a polícia, seria deportada, Kose se
submete às agressões até que encontra um grupo de apoio que a ajuda a começar
seu próprio negócio e deixar para trás aquela situação.

48
A organização beneficente Ontario Council of Agencies Serving Immigrants (OCASI) reúne mais de
200 organizações comunitárias em Ontário, Canadá, e objetiva alcançar a igualdade, o acesso e a
plena participação de imigrantes e refugiado(a)s em todos os aspectos da vida canadense. Para mais
informações sobre a organização ou para ter acesso ao livro em inglês, acessar www.ocasi.org.
100

4 ANÁLISE DE DADOS

4.1 Estudantes da Compassiva como parte significativa das MASiR

Como já mencionado, a fim de entender um pouco mais sobre as MASiR em


São Paulo, escolhi trabalhar com as estudantes da Compassiva, considerando-as
como representantes significativas desse contingente. Nesta seção inicial de análise
dos dados, visibilizo respostas das estudantes ao questionário aplicado na primeira
fase desta pesquisa.
Por serem muitas informações, reuni as respostas de 18 perguntas em
gráficos, os quais foram transformados em dois infográficos49 que apresento a
seguir. Optei pelo infográfico a fim de facilitar uma visão geral das características do
grupo de mulheres participantes da pesquisa.
O primeiro infográfico reúne as respostas às perguntas relativas a: idade,
religião, país de origem, bairro de moradia, escolarização no país de origem,
profissão, formação universitária, estado civil, número de filhos, tempo de
aprendizagem do português e frequência em cursos de português.
A primeira imagem do infográfico faz referência aos países de origem das
MASiR, com um recorte do mapa global em que destaco, em branco, os países que
fazem parte da Liga dos Estados Árabes. Percebe-se que pouco mais da metade
dessas mulheres é síria, informação que reflete o cenário migratório do Brasil na
época de geração dos registros (2019). Destaco que uma dessas mulheres apontou
ser sírio-palestina, termo que designa palestinos nascidos em território sírio, uma
vez que a nação palestina vive uma situação muito complexa territorialmente, com
conflitos de décadas com Israel.
Todas as participantes da pesquisa fazem parte da população em idade
ativa50, sendo que a mulher mais velha possui 58 anos. Além disso, grande parte
delas está em idade reprodutiva, sendo que 10 delas já são mães. Essas duas
observações mostram-se relevantes, pois ajudam a sinalizar dois contextos em que
a língua pode se fazer premente para elas: contextos infantis e de trabalho.

49
Os infográficos foram elaborados por Mariana Lopes Design.
50
De acordo com o Observatório Ibero-Americano de Políticas e Sistemas de Saúde, idade ativa é
considerada entre 15 a 64 anos. Disponível em:
http://oiapss.icict.fiocruz.br/ficha.php?cod=110101&ling=2. Acesso em: 7 set. 2021.
101

Figura 6 – Infográfico MASiR em São Paulo I

Fonte: Figura elaborada para esta dissertação com base em questionários aplicados.
102

Ao olhar para o estado civil dessas mulheres, constatamos que a maioria é


casada, havendo apenas uma divorciada. Nenhuma delas marcou ser viúva,
embora fosse uma opção de resposta no questionário. Tal fato surpreende, uma vez
que o público desta pesquisa tem em comum uma trajetória de fuga de contextos de
guerra. Por outro lado, não haver mulheres que se identificaram como viúvas, no
questionário, reforça a argumentação de Chimamanda Adichie (2009) sobre o
perigo de uma história única, apresentada brevemente na seção 2.4 – Narrativas:
onde emergem as vozes das mulheres e suas necessidades. Acostumamo-nos a
ouvir que refugiados são pessoas que vivenciaram perdas familiares, conectando-as
mais uma vez ao discurso da falta (DINIZ; NEVES, 2018), àquilo que perderam. No
entanto, a trajetória de cada indivíduo é diferente e, como pode ser verificado ao
longo da presente pesquisa, o público aqui analisado possui particularidades que o
posicionam como privilegiado entre a população refugiada. Isso porque o trajeto
entre o Brasil e tais países só é possível por via aérea ou marítima, sendo a primeira
a forma de entrada mais comum; é preciso possuir recursos financeiros ou uma boa
rede de contatos para realizar essa viagem. Sendo assim, as MASiR de São Paulo
não se encaixam no senso comum, que retrata refugiados por meio de cenas
dramáticas de embarcações superlotadas no Mediterrâneo ou em longas
caminhadas atravessando o deserto. Há refugiados que vivenciam essas
realidades, mas não é o caso da maior parte das MASiR que participaram desta
pesquisa.
Ao compararmos os questionários no que diz respeito às informações sobre
número de filhos e estado civil, concluímos que não há mães solo neste grupo,
pois as solteiras e a divorciada não têm filhos.
A religião da grande maioria é o Islã, com apenas duas estudantes de outra
religião (cristianismo). Destaco que, embora essa pergunta tenha sido formulada
como questão aberta, nenhuma mulher especificou o ramo do islamismo (xiita,
sunita, entre outros) ou do cristianismo (catolicismo, protestantismo,
pentecostalismo, entre outros) a que faz parte. É importante refletirmos sobre os
desdobramentos de dar aulas para um público de maioria muçulmana no Brasil, que
é um país de maioria cristã. O primeiro ponto é lembrar que grande parte dos
professores-voluntários não conhece a religião islâmica, nem seus costumes,
trazendo perspectivas fortemente influenciadas pelos relatos midiáticos. Por isso, é
necessário oferecer treinamento para eles, sensibilizando-os para agirem de modo
103

respeitoso. Neste treinamento, seria importante abordar questões como as


principais festas religiosas, dentre as quais tem destaque o Ramadã, as vestimentas
femininas e seus significados na religião, os cuidados com a alimentação (não
consumo de carne de porco por muçulmanos, procedimento halal no abate de
animais para alimentação humana), o que é permitido ou não no trato entre pessoas
de diferentes gêneros (como, por exemplo, as mulheres não poderem ser tocadas
por homens, mesmo que seja um aperto de mão, ou a relutância de algumas
mulheres conversarem com homens), entre outras questões.
A média de escolarização entre as 16 mulheres que responderam essa
pergunta é de aproximadamente 13 anos, o que significaria dizer que, na média, as
mulheres possuem o equivalente à graduação incompleta. Ressalto que houve
padrões nas respostas, indicando finais de ciclos de estudo. Explico: uma mulher
respondeu nunca ter ido à escola, duas responderam ter estudado 9 anos
(equivalente a ensino fundamental completo), quatro responderam ter 12 anos de
estudo (equivalente ao ensino médio completo) e as outras nove mulheres deram
respostas entre 14 e 19 anos de estudo (equivalente a graduação completa ou
incompleta, mestrado completo ou especializações). Isso significa dizer que mais da
metade dessas mulheres possui alto nível de escolaridade, indicando ao menos o
ingresso em uma universidade em seu país de origem. Tais informações são
reforçadas e confirmadas por meio da pergunta sobre a vivência na universidade,
que aponta que mais da metade (10) das alunas frequentou universidade em algum
nível.
Ao analisar as informações sobre os estudos, constatamos que três mulheres
tiveram sua graduação ou mestrado interrompidos. Apesar de o questionário não
inquirir sobre o motivo da interrupção, conversas informais com alunos homens e
mulheres no cotidiano das aulas indicaram que o principal motivo foi o início da
guerra nos países de origem, acarretando interrupção na oferta dos cursos. Além
disso, também a guerra foi motivo para realizarem migrações emergenciais,
abandonando projetos de estudos pela metade. Ressalta-se que, nessas conversas,
vários estudantes – mulheres e homens – apontaram o desejo de retomarem seus
estudos no Brasil. Também é um motivo de pedido constante a ajuda na revalidação
dos diplomas já conseguidos em seus países de origem. Essas informações
apontam para a importância de abordar os contextos universitários e de preparação
para a retomada dos estudos em cursos de português. É essencial, por exemplo,
104

que as alunas tenham conhecimento sobre universidades gratuitas ou programas de


bolsas de estudos, bem como conhecimentos sobre o Enem e cursos preparatórios
para ingresso em universidades.
Ao focalizarmos o tempo de aprendizado do português, percebemos que
metade das mulheres está estudando a língua há menos de um ano. Além disso,
aproximadamente 75% das mulheres estudaram a língua exclusivamente na ONG
Compassiva, o que aponta a importância do local para o aprendizado desse público.
Nota-se, também, que os bairros de moradia estão majoritariamente próximos ao
centro da cidade de São Paulo, onde se localiza a ONG.
Ao observarmos as respostas à pergunta “Você possui formação
profissional? Qual?”, verificamos, como era de se esperar, um cenário muito
diverso. Há profissões que demandam pouca formação, como garçonete e
cabeleireira, e profissões que exigem ensino superior e alta especialização, como
engenheira petroquímica, advogada e farmacêutica. Esse ponto demonstra que não
seria possível agrupar essas mulheres como um grupo específico em termos
profissionais, como comumente é feito em análise de necessidades.
A seguir, apresento o segundo infográfico, que traz informações relativas a
línguas faladas, trabalho remunerado por gênero, familiares em outros países,
tempo que planeja passar no Brasil, percepção de acolhimento, locomoção e
carteira de motorista.
Ao analisarmos infográfico MASiR em São Paulo II, a questão do transporte
chama atenção. Nas perguntas relativas à locomoção, diferenciei veículo próprio,
em que a mulher seria a motorista, e veículo familiar, em que alguém da família da
mulher seria motorista. Pelos dados do gráfico, destaca-se a relevância de se falar
sobre transportes públicos nas aulas de português, uma vez que todas as mulheres
fazem uso desse serviço. A partir disso, pode-se pensar em uma possível limitação
de mobilidade dessas mulheres a locais atendidos por transportes públicos, ou a
dependência de outras pessoas que as levem a determinados lugares. Destaco que
mais da metade das mulheres afirmou não utilizar táxi nem transporte por aplicativo,
além de quase nenhuma possuir carteira de motorista. De fato, dentre as três
mulheres que afirmaram possuir carteira de motorista, uma especificou que seu
documento é válido apenas em seu país de origem. Vale ressaltar que, em uma
cidade em que a Carteira Nacional de Habilitação pode ser um diferencial, essas
mulheres se encontram em desvantagem para conseguir emprego.
105

Figura 7 – Infográfico MASiR em São Paulo II

Fonte: Figura elaborada para esta dissertação com base em questionários aplicados..
106

Tal desvantagem se reflete nas respostas à pergunta “Quantas pessoas que


moram com você possuem um trabalho remunerado?”, em que requisitei, também,
o gênero desses trabalhadores. O número de trabalhadoras remuneradas
corresponde a aproximadamente um terço do número de homens com trabalho
remunerado, levando a concluir que os homens trabalham mais fora de casa.
Apenas com esse gráfico não é possível apontar o motivo dessa diferença, mas a
análise das conversas dos grupos focais pode indicar algumas razões.
Nota-se que a pergunta feita não foi sobre trabalho formal (com carteira
assinada) ou sobre emprego, mas sobre trabalho remunerado. Optei por essa
abordagem a fim de abranger qualquer tipo de trabalho em que haja remuneração,
posto que muitos alunos trabalham de maneira informal ou independente, sem
registros.
Ao analisar as respostas à pergunta “Você planeja ficar no Brasil por quanto
tempo?”, é possível afirmar que essas mulheres constituem uma migração de longo
prazo, pois buscam se estabelecer no Brasil. Isso é muito importante de ser
considerado no ensino de português para esse público, já que, por si só, levanta
inúmeras necessidades. Mais necessário que aprender sobre pontos turísticos no
Brasil seria, por exemplo, aprender sobre como alugar uma casa no Brasil. Mais
importante do que aprender sobre comidas típicas seria aprender sobre a história
brasileira, sobre as leis, os direitos e deveres daqui. Com isso, não quero dizer que
essas estudantes não devam aprender sobre os pontos turísticos ou comidas
típicas, mas apenas que alguns outros pontos, frequentemente esquecidos em
cursos de PLA, são mais relevantes para esse público.
Depreende-se, ainda, que a maioria das MASiR se sente acolhida em São
Paulo. No questionário, a pergunta sobre acolhimento pedia uma justificativa, sendo
que apenas mulheres que responderam positivamente justificaram. Apareceram
respostas como “nunca me senti estrangeira em São Paulo” e “brasileiros gostam de
estrangeiros”. Houve também duas frases bastante interessantes: na primeira, a
justificativa para se sentir acolhida em São Paulo é que os brasileiros “se importam
com as mulheres, seus direitos e saúde”; na segunda, a justificativa é que o
brasileiro “respeita a religião do outro”. Esses pontos parecem indicar que, no
processo de acolhimento, o cuidado em relação às minorias, à educação para a
diversidade e a convivência com as diferenças são temas relevantes. Afinal, é por
meio desse respeito que se torna possível haver diferentes religiões convivendo e
107

dialogando, mesmo com todas as tensões inerentes a essa convivência. É também


no cuidado às minorias que se constrói um olhar atento às necessidades das
mulheres. Tais pontos, ressaltados por essas MASiR em suas respostas aos
questionários, parecem estar presentes nos contextos brasileiros que elas
frequentam, e podem ser reforçados e estendidos a outros contextos. Incentivar
essas atitudes faz parte do que Maher (2007) chama de educação do entorno para
a interculturalidade e as diferenças.
Essas mulheres possuem familiares espalhados em diversos países, sendo
que nove mulheres têm familiares na Síria. Uma das mulheres respondeu que tem
familiar no LNA, que provavelmente significa o exército da Líbia. A partir desse
gráfico, podemos visualizar que essas mulheres têm conexões com vários outros
países, principalmente na região da Europa e do Oriente Médio.
A tabela sobre o perfil de proficiência em línguas demanda um pouco mais
de explicação para ser lida. Ela apresenta as respostas da pergunta “Quais línguas
você fala?”, em que destaco a quantidade de línguas faladas e quais as línguas
faladas pelas participantes. Em uma leitura horizontal do gráfico, é possível
identificar quantos falantes de uma língua específica se consideram proficientes em
um número X de línguas, bem como o total de falantes de determinada língua.
Tomemos o árabe (linha 1) como exemplo: 3 mulheres falantes de árabe falam
apenas uma língua (no caso, o árabe), enquanto 10 falantes de árabe falam 2
línguas (o árabe e mais uma), 3 mulheres falam 3 línguas (o árabe e outras duas
línguas) e 3 falam 4 (o árabe e mais três). No total, temos 19 falantes de árabe, o
que corresponde ao total de questionários considerados, posto que falar árabe foi
um pré-requisito para a pesquisa.
Já uma leitura vertical da tabela aponta quais são as línguas faladas por
aqueles que se consideram proficientes em um determinado número de línguas. Ou
seja, entre as mulheres que falam duas línguas, 10 delas falam o árabe (e mais uma
língua), 4 falam o português (e mais uma língua), 4 falam inglês (e mais uma língua)
e 2 falam francês (e mais uma língua). Assim, no total, temos 10 mulheres que
falam 2 línguas. Ressalta-se que, como a proficiência em árabe foi pré-requisito
para a pesquisa, o total de mulheres que falam duas línguas e o número de
mulheres que fala árabe e outra língua é o mesmo.
Observando a tabela como um todo, é perceptível que essas mulheres
possuem alto capital linguístico. Apenas 3 delas afirmaram falar exclusivamente o
108

árabe. Em contrapartida, 6 delas são proficientes em 3 ou 4 línguas e todas elas


estão buscando aumentar ainda mais seu repertório, pois se encontram em aulas de
língua portuguesa. É possível perceber, também, que possuem um percurso de
vivências culturais, trazendo um histórico de vida marcado pelo contato com outras
línguas e culturas.
Mostra-se de especial importância para o ensino de língua portuguesa
ressaltar que, apesar desse capital linguístico do grupo, existe uma parcela
expressiva que aponta o português como sua primeira língua adicional –
literalmente, aqui, como sua segunda língua. Dentre as 19 mulheres, 7 fazem parte
desse grupo (3 que ainda não falam o português e 4 que já se consideram falantes
de português). Esse grupo apresenta, portanto, um desafio muito grande ao ensino
de PLA, especialmente de PLAc, pois, além de precisarem aprender a aprender
uma língua adicional (desenvolver suas técnicas e seus métodos próprios de
aprendizado), também enfrentam o desafio de lidarem com dois sistemas gráficos
totalmente diferentes. O árabe e o português são línguas tipologicamente bastante
distantes, com sistemas de escritas diferentes. Além de ser outro alfabeto, o árabe
se lê em outro sentido e possui um sistema de vogais bastante diferente do
português.
A esse respeito, vale aqui um parêntese. Registre-se que não há, ainda,
materiais didáticos de PLAc que sistematizem o sistema da escrita ocidental,
considerando estudantes alfabetizados apenas em árabe (sem conhecimento de
línguas ditas ocidentais, como o inglês, por exemplo). Alguns deles apresentam o
alfabeto com a leitura das letras em português, contudo, não trabalham
especificamente com o desenvolvimento da escrita do alfabeto ocidental. Acredito
na importância de um material específico para falantes de árabe e, ainda mais
especificamente, para mulheres falantes de árabe. Um material com o qual possam
aprender o português ao mesmo tempo em que aprendem a escrita. No entanto, até
o momento do fechamento desta dissertação, não havia nenhum material assim
disponível. Esta é uma lacuna no universo do PLAc, e, com ela, permanecem as
chances de experiência de exclusão, que são expressivas no universo de MASiR.
Um material nesses moldes, poderia, sem dúvida, ajudar não apenas falantes de
árabe, mas também outros migrantes que nunca receberam instrução formal do
alfabeto ocidental e, muitas vezes, nem mesmo do sistema de escrita de sua própria
língua materna.
109

4.1.1 Sobre língua e cotidiano

As respostas da pergunta “Por que você quer aprender português?” foram


bem variadas. Quase metade das mulheres (8 respostas) apontaram a língua
portuguesa como necessária para se viver/sobreviver no Brasil. Dessas, destaco
uma que apontou desejar aprender português para “merecer me tornar uma
verdadeira brasileira”, o que indica a importância da língua portuguesa para a
identidade (me tornar) e a auto-valorização (merecer). Além disso, aponta para uma
visão de Brasil como um país monolíngue, em que apenas falantes de português
seriam verdadeiros brasileiros.
Outras 7 respostas apontaram para a necessidade de trabalhar, sendo a
língua tida como um pré-requisito. Também chamam a atenção as 4 respostas que
apontam para a necessidade de aprender a língua para interagir com brasileiros,
mostrando que essas migrantes árabes têm interesse em se aproximar e conviver
com brasileiros. No trabalho com elas, me deparei com muitos voluntários que
acreditavam que, por causa dos costumes distantes, esse público teria interesse
mais em permanecer entre eles do que em interagir com brasileiros. No entanto, os
dados apontam que há interesse sim na interação. Destaco uma resposta que diz
querer aprender português para “fazer amigos”.
As outras respostas apontaram para contextos específicos, como o hospital
(3 respostas) e a escola (2 respostas), além do gosto pessoal (2 respostas).
Também apareceram o interesse por compras e por conhecer mais da cultura
brasileira.
A pergunta seguinte, “Qual a sua maior dificuldade com o Português?”,
focalizou as dificuldades com a língua portuguesa. As principais respostas foram em
torno da expressão e pronúncia (9 respostas), ressaltando que entender não é
problema para várias delas, mas reagir linguisticamente sim. Apenas uma mulher
apontou ter dificuldade para entender porque os brasileiros falam muito rápido, mas
outras nove apontaram a dificuldade em falar. Também foi significativa a
necessidade de aprender sobre os diversos portugueses (4 respostas), sendo que
“a língua informal é diferente da língua que estudamos”.
A dificuldade com a gramática, especificamente com os verbos, apareceu em
5 respostas. Houve também uma pessoa que apontou a dificuldade com escrita e
110

leitura. É interessante destacar uma dificuldade muito específica de falantes de


árabe na seguinte resposta: “palavras longas com várias vogais”. Apesar de ter sido
destacada por apenas uma aluna, esse ponto reaparece várias vezes nas
gravações do grupo focal, que será discutido à frente. Um momento em que isso
aparece é quando elas precisam pronunciar a palavra “aeroporto”, tendo que a
entrevistadora intervir para ajudá-las. Isso mostra que essa dificuldade é
compartilhada por várias mulheres, senão todas elas.
Quando perguntadas sobre “O que você achou mais fácil aprender em
português?”, as estudantes ressaltaram: conversar (4 respostas), apresentar-se e
cumprimentos (4 respostas), os números (5 respostas), gramática (3 respostas) e as
letras (1 resposta). Destaco também uma resposta para aproximações com o inglês,
mostrando se tratar de uma mulher fluente nessa língua que a utiliza como
potencializadora do aprendizado de português. Ressalta-se que a gramática e a
conversação apareceram tanto entre as dificuldades como entre as facilidades com
a língua portuguesa. Além disso, é importante lembrar que a maior parte do público
que respondeu o questionário é nível iniciante, frequentando as aulas há menos de
um ano. Isso pode explicar o porquê de conteúdos específicos bem introdutórios
terem sido citados, como os números e os cumprimentos.
Ao focalizar as respostas da pergunta anterior, chama atenção que as
estudantes trazem questões colocadas no curso, como se o aprendizado de
português se limitasse a ele. Tal fato é significativo, uma vez que consideramos que
essas mulheres estão no que se pode chamar de contexto de imersão, já que estão
em um local em que a língua de aprendizado é falada. Isso pode sinalizar ou uma
falsa imersão, quando o contato com a sociedade que fala a língua portuguesa é
mínimo, ou uma visão do processo de aprendizagem ligado estritamente a
instituições de ensino.
Quanto ao que as MASiR consideram mais importante aprender em língua
portuguesa, as respostas giraram em torno de:

a) língua do dia a dia, comunicação, conversa, pronúncia: 8 respostas


b) gramática, verbos: 6 respostas
c) letras, escrita: 2 respostas
d) contexto de compras: 2 respostas
e) os números: 2 respostas
111

f) contexto de saúde: 1 resposta.

Por outro lado, ao perguntá-las sobre as situações em que elas mais


precisam de língua portuguesa as respostas mais significativas giraram em torno
de:

a) saúde (6 respostas)
b) trabalho (5 respostas)
c) documentos (3 respostas)
d) escola (2 respostas)
e) passear e comprar (2 respostas).

Ressalta-se que, nessa última questão, quatro questionários tinham


respostas muito gerais que remetiam a “tudo” ou a “cotidiano”. Vale observar
também que uma estudante destacou precisar bastante da língua portuguesa para
falar ao telefone, situação frequentemente esquecida, mas que aparece nas
conversas com a assistente social e com a estudante Sara. Tarefas como contratar
um serviço telefônico, remarcar consultas, falar com clientes por telefone e contactar
o banco são frequentemente evitadas por esse público pelo simples fato de serem
feitas por esse meio de comunicação.
Outra pergunta do questionário se referia ao significado da língua
portuguesa para as MASiR. Além de respostas gerais (“tudo”), encontramos
também respostas relacionadas a:

a) novidade (5 respostas)
b) Brasil (4 respostas)
c) aprendizado (4 respostas)
d) cultura (3 respostas)
e) meio de sobrevivência (3 respostas)
f) meio de integração (2 respostas).

Em respostas como “é a língua que facilitará minha vida no Brasil”, “é a base


da nossa vida no Brasil” e é o “futuro para a minha família”, observa-se a
expectativa e responsabilidade que recai sobre o aprendizado de língua portuguesa.
112

Isso destaca, também, a responsabilidade do professor e das instituições que


promovem o ensino dessa língua. Para essas mulheres, aprender o português não
deve ser visto como um luxo, mas é como a garantia de um futuro para elas e suas
famílias.
Na pergunta “O que a sala de aula de Português significa para você?”, as
respostas trouxeram à tona uma afetividade bastante interessante. Gostaria de
ressaltar aqui que a maioria das mulheres que responderam ao questionário
frequentavam aulas em turmas específicas para mulheres, em que as professoras
também eram mulheres. O horário foi pensado para atendê-las especificamente, às
segundas e sextas pela manhã. Na época de definição do horário, as estudantes
preferiram esse horário, por ser o mesmo em que os filhos maiores estariam na
escola. Assim, poderiam se dedicar aos estudos sem se preocuparem com as
crianças. Durante as férias escolares, a frequência das mulheres costuma cair
bastante, pois, mesmo tendo a opção de levarem consigo as crianças, o valor gasto
com transporte é multiplicado. Esse fator do horário é outra especificidade desse
grupo, indo em direção oposta às necessidades de migrantes bolivianos
apresentadas por Camargo (2019) em sua tese de doutorado. Para os migrantes de
crise que participaram de sua pesquisa, as aulas precisavam ser aos sábados,
horário em que não estivessem trabalhando. Já para as MASiR, as aulas precisam
ser nos mesmos horários em que as escolas estejam funcionando.
As respostas sobre o significado das salas de aula apontam a importância do
espaço como local de aprendizado (10 respostas), mas também como espaço de
socialização (6 respostas), de descontração (5 respostas), de livre expressão (5
respostas), de contato com brasileiros (4 respostas), de acolhimento (3 respostas), e
como um espaço para pedir ajuda (3 respostas). Tais respostas demonstram a
importância da sala de aula não apenas como um local de aprendizado, mas
também como um local de fortalecimento emocional para essas mulheres. Uma
mulher aponta que é onde “posso aprender e ter confiança de falar a língua
portuguesa”, demonstrando que este é um espaço em que elas criam maior
confiança para exercer a língua portuguesa nas situações cotidianas. Além disso,
elas trazem os desafios de fora do ambiente de aprendizado para o próprio local,
pedindo e recebendo ajuda. Uma mulher afirma que a sala de aula de LP é a sua
“segunda casa”, mostrando como ela se sente à vontade no espaço.
A tabela abaixo reúne as respostas à pergunta “Qual língua você usa para
113

falar com…?”, que tinha por objetivo mapear as principais línguas usadas nas
interações cotidianas das MASiR, bem como identificar os contextos em que o
português se destaca. A última coluna contém o número total de mulheres que
preencheram aquela categoria. Por exemplo, das 19 mulheres que preencheram o
questionário, 13 indicaram uma ou mais línguas que utilizam na interação com o
marido.
Essa pergunta foi aberta e as mulheres podiam escrever qualquer resposta,
inclusive indicar mais de uma língua. Por isso, a soma do número de respostas em
cada linha não corresponde ao total de mulheres que responderam determinada
categoria. Voltando ao exemplo da interação com o marido, temos que 13 mulheres
indicaram o árabe, uma indicou o português e uma indicou o inglês, somando 15
respostas. No entanto, apenas 13 mulheres preencheram a questão, o que indica
que pelo menos uma mulher utiliza mais de uma língua para falar com o marido.

Tabela 1 – Língua usada para falar com…

LÍNGUA USADA PARA FALAR COM...

Árabe Port Inglês Francês Gestos Total

Marido 13 1 1 13

Filhos 10 3 1 10

Irmãos 17 2 17

Pais 12 12

Amigos 17 11 2 1 19

Deus 18 18

Profissionais de 15 1 17
saúde

Profissionais da 1 15 1 16
escola

Funcionários do 14 1 1 15
governo

Pessoas no 7 7
trabalho

Vizinhos 2 17 1 17

Comerciantes 19 1 19

Desconhecidos 1 15 2 1 16
114

Fonte: Tabela elaborada pela autora para esta dissertação.

Analisando a tabela, vemos que as duas línguas mais utilizadas são o árabe
e o português. Percebemos a presença do inglês de forma bem discreta, enquanto o
francês só aparece em uma resposta. É interessante observar que a utilização de
gestos foi destacada em algumas respostas, mostrando que essas mulheres não
ficam dependentes unicamente da comunicação verbal.
Podemos perceber também que a língua portuguesa e a língua árabe são
utilizadas em contextos diferentes. Enquanto o árabe predomina em interações mais
privadas, como interações familiares e religiosas, o português aparece em contextos
mais públicos. Nota-se que, quanto mais afastados do ambiente doméstico, maior a
interação em língua portuguesa. Inclusive, a interação com os vizinhos é quase toda
em português, demonstrando que essas mulheres têm bastante contato com
brasileiros. A única categoria em que o árabe e o português dividiram espaço de
forma mais equilibrada foi a interação com amigos.
Para a identificação das atividades cotidianas, formulei uma pergunta do
questionário em que apresentei 34 atividades, requisitando que cada mulher
marcasse aquelas que realizava. A partir das respostas, elaborei a tabela seguinte,
destacando as atividades mais realizadas em verde e as menos realizadas em
vermelho. Observo que as três atividades mais praticadas pelas mulheres
constituem tarefas domésticas: limpar a casa, lavar roupa e cozinhar. As outras
duas atividades mais frequentes se relacionam a lazer: compras em shopping e
passeios. Por outro lado, as atividades menos realizadas são, respectivamente,
viagem a trabalho, frequentar academia, dirigir, frequentar exposições de arte,
frequentar apresentações musicais, dar entrevistas e falar para plateias. Ressalto,
portanto, que aulas de língua portuguesa serão mais relevantes para este público se
abordarem assuntos relacionados a afazeres domésticos e lazer do que se
abordarem assuntos de reuniões de negócios ou academia, por exemplo.

Tabela – Atividades que realiza


ATIVIDADES QUE REALIZA

Limpar casa 19 Trabalhar fora de casa 8

Lavar roupa 18 Corrigir filhos 7

Fazer compras em shopping 17 Vender comida 7


115

Cozinhar 17 Ir a salões de beleza 7

Passear 16 Realizar consertos na casa 7

Fazer compras de casa 15 Levar filhos para escola 6

Ir à feira 15 Viajar a turismo 6

Orar 15 Dançar 5

Jejuar 14 Praticar música 5

Comer em restaurante 13 Costurar 5

Ler 13 Dar entrevista 3

Ajudar filho com lição de casa 13 Falar com plateia 3

Ir à mesquita/ igreja 11 Ir a apresentações musicais 2

Escrever 11 Ver exposições de arte 2

Alimentar filhos 10 Dirigir 2

Levar filhos ao médico 9 Ir à academia 2

Brincar com filhos 9 Viajar a trabalho 0


Fonte: quadro elaborado pela autora para esta dissertação.

A pergunta seguinte foi “Cite os 5 espaços que você mais frequenta em


São Paulo”. Aparece como um destaque que um grande número delas (12)
frequenta os parques públicos, aparecendo em seguida a Compassiva e os
Shoppings com 7 respostas cada. A avenida Paulista, as feiras e as mesquitas têm
6 respostas cada. Mercados e supermercados somam 4 respostas e contextos
relacionados à saúde, como hospital e posto de saúde, também se destacam
somando 5 respostas.
Quanto ao lugar preferido delas em São Paulo, os resultados apontam que
o melhor lugar para elas é o parque Ibirapuera (seguido de outros parques) e o
segundo lugar é a avenida Paulista. Além desses, aparecem também o Museu da
Imigração, o Zoológico, o Brás e a rua 25 de março. É interessante ressaltar o papel
da ONG neste cenário, já que o Zoológico e o Museu da Imigração foram passeios
pedagógicos organizados por professores da ONG. Já a pergunta sobre o pior lugar
de São Paulo não gerou resultados significativos, dado que a maioria não
respondeu ou respondeu com “nenhum” ou “não tem”.
116

Uma última pergunta era “O que você costuma fazer e onde você costuma
ir para se divertir?”. A maior parte das respostas apontou para os parques e para
as tarefas domésticas como diversão. Em seguida, encontramos os shoppings e os
passeios, sem especificação de local. Segue-se então a prática de esportes
(basquete e patinação), as aulas de português, o encontro com amigos, e
caminhadas ouvindo música. Foram citadas também a avenida Paulista, viagem a
Santos, churrasco com amigos e a mesquita. Fiquei surpresa com as respostas que
associam tarefas domésticas à diversão, posto que tal relação não é comum para
mim. Isso me trouxe os seguintes questionamentos: Será que as mulheres
realmente enxergam os afazeres domésticos como diversão? Ou houve uma falha
na compreensão da pergunta? Ou, ainda, será que a palavra “tarefas” foi usada de
maneira equivocada, sendo considerada sinônimo de “atividades”? Se assim o for,
então atividades como ver televisão, ver vídeos online ou ler um livro estariam
incluídas nas respostas. Ressalto que desconheço a explicação para tal relação.

4.2 Análise das conversas e do grupo focal

Nesta seção, abordo algumas narrativas presentes no grupo focal e nas


conversas informais. A fim de melhor organizar as análises, optei por selecionar
trechos relacionados a alguns temas que se mostraram recorrentes e importantes
para as MASiR ao longo das conversas. São eles:

● A criança no aprendizado de português das MASiR


● Saúde em português
● Os papéis de gênero e suas implicações no aprendizado
● Acolhimento em crise
● Reflexões sobre situações e necessidades de aprendizagem

4.2.1 A criança no aprendizado de português das MASiR

Durante meu trabalho como coordenadora do curso de português da


Compassiva, a presença de crianças durante as aulas específicas para mulheres
chamou minha atenção. Identifiquei que muitas mulheres procuravam as aulas de
117

português quando seus filhos começavam a frequentar as creches e que raramente


havia aulas sem crianças presentes, embora não fosse a Compassiva não
oferecesse ensino de língua portuguesa para crianças. Além disso, ao analisar a
possibilidade de mudar o horário das aulas para as mulheres por dificuldades em
conseguir voluntários para atuar durante a manhã em dias de semana, houve
resistência por parte das alunas. A maioria pediu para que se mantivesse o horário
das manhãs em dias de semana, posto que era o momento que tinham para elas,
quando os filhos iam à escola e os maridos saíam para o trabalho. Comecei a
perceber, então, que as crianças ocupavam um importante espaço na relação das
MASiR com a língua portuguesa, criando demandas específicas para o público. Tal
percepção foi confirmada ao longo das interações, onde emergiram outros
posicionamentos das crianças que eu não havia previsto antes das conversas.
As crianças foram temas recorrentes nos momentos de geração de registros,
não sendo possível trazer à dissertação todas as aparições do tema. Além disso,
aparecem também em recortes que escolhi analisar em outras seções, por
considerar que os outros temas presentes no recorte eram mais evidentes naquele
momento. Focalizando a temática das crianças, escolhi apenas alguns recortes que
considerei mais relevantes, os quais passo a focalizar.

Recorte 2 – “Pode vocês ajuda eles?”

1 Lara: Porque tem pessoas mais dez anos aqui ainda não fala português. Porque
2 não tem aula, não conhece ninguém, fica sozinho em casa. Quando a gente:::
3 Quase 3 anos de trás, a gente… alguém fala: “Tem uma família aqui quase 7 ano,
4 mas ainda não fala português...
5 Luz: [Não fala português!
6 Lara: “Pode vocês ajuda eles?”. Eu fala: “Quem é? Eu acho eles não tem vontade
7 conversa com ninguém. Por que eles não aprender até agora?”. Que não tem
8 vontade e também tem medo. Eu (ou) não fica berto de bissoas. Só fica em casa.
9 P: É mesmo?
10 Luz: Só… Eles também não querem aprender. De verdade. Tem pessoas eles não
11 querem aprender.
12 P: Por quê?
13 Lara: Tem família, ele é::: não conhece pessoas próximo parece vocês é também
14 difícil para aprendeu. Entende? Eles vai tem medo de falar errado. Entende? Vai
118

15 ficar em casa. Não precisa. Filho vai fazer compras, levar ele pra shopping, não sei
16 quê, não sei quê. Mas como a gente tem crianças, precisa:: cuidar eles, precisa::
17 livar eles pra escola, pra passear, pra não sei quê. Tem vontade para aprender.

Grupo Focal, Encontro 1, 05 jul. 2019.

Inicio observando que, nesse trecho de nossa conversa, Lara comenta sobre
sua motivação para aprender a língua portuguesa, estabelecendo uma relação de
oposição entre sua própria família e outra família refugiada que, embora estivesse
no Brasil há sete anos, tinha membros que ainda não haviam aprendido português.
Isso se evidencia principalmente por meio da citação direta, em “Pode vocês ajuda
eles?” (linha 6), em que se reproduz a voz de terceiros indagando sobre o motivo de
a família de Lara não ensinar o português para os conterrâneos. Na cena narrada,
tem-se, de um lado, referência aos que sabem a língua portuguesa por meio do
pronome “vocês”, e, de outro, referência aos que não sabem, por meio do pronome
“eles”. Essa relação de oposição se acentua quando a narradora aciona o
modalizador epistêmico “a gente” juntamente com a conjunção adversativa “mas”
(“Mas como a gente tem crianças, precisa:: cuidar eles, precisa:: livar eles pra
escola, pra passear, pra não sei quê. Tem vontade para aprender”, linha 16). Assim,
Lara se autoposiciona como alguém que, diferentemente da outra família, tem uma
motivação específica para aprender a língua portuguesa: ter crianças. Ter filhos
pequenos significaria, então, ser obrigado a sair de uma espécie de “zona de
conforto”.
É possível perceber, também, na narrativa de Lara, uma forte relação entre o
tempo de vivência no Brasil e o aprendizado da língua portuguesa. No
estabelecimento dessa relação, é significativa a repetição do advérbio “ainda”
(linhas 1 e 4), que, no contexto, funciona como um indexicalizador avaliativo,
ajudando a posicionar negativamente quem não aprende a língua após um certo
tempo morando no Brasil. Tal posicionamento é reforçado pelo advérbio “até” (linha
7), que sinaliza haver algo errado na constatação de não se buscar aprender a
língua portuguesa até aquele momento, quer dizer, após sete anos no país.
Percebe-se que, por meio de uma interrupção da fala de Lara, Luz se utiliza da
repetição “Não fala português!” (linha 5) para destacar aquilo que ela vê como
absurdo, concordando com a colega ao expressar seu espanto sobre o não
119

aprendizado da língua após tanto tempo no Brasil. Além disso, o fato de Lara
apresentar explicações para o não interesse da família, mesmo antes de ser
questionada sobre isso (linhas 1 e 2), contribui para compreender esse fato como
algo fora do padrão, que precisa de explicação.
Apesar de, inicialmente, Lara apontar como motivos para o não aprendizado
da família a falta de aulas de português e a solidão (linhas 1 e 2), são notáveis, em
sua fala, certas repetições para destacar outras explicações importantes, como a
falta de vontade (linhas 6 e 8). Tal percepção ecoa em Luz, que concorda e reforça,
por meio da repetição de “eles não querem aprender” (linhas 10 e 11) e da
expressão “de verdade” (linha 10), a visão de que a principal explicação para o não
aprendizado do português é a falta de vontade, um fator de ordem sócio-afetiva. É
possível perceber que, ao utilizar o verbo “querer”, Luz posiciona as pessoas que
não aprendem português mais negativamente do que Lara, que utiliza a expressão
“ter vontade”. Isso porque tal verbo denomina uma ação que parte dos sujeitos,
sendo inerente a eles, enquanto o substantivo “vontade” é algo externo. Não é uma
ação que precise ser realizada por alguém, mas é algo que existe e, assim como um
objeto (uma coisa) pode pertencer ou não a alguém, vontade é algo que se tem ou
não. Além disso, Lara apresenta outras possíveis explicações para o não
aprendizado, enquanto Luz coloca a falta de vontade como única explicação.
Outros fatores avaliados como importantes para explicar o não-aprendizado
do português dizem respeito ao medo (“e também tem medo” – linha 8 – e “eles vai
tem medo de falar errado” – linha 14) e, principalmente, à solidão:“não conhece
ninguém” (linha 2); “fica sozinho em casa” (linha 2); “só fica em casa” (linha 8); “não
conhece pessoas próximo” (linha 13); “vai ficar em casa” (linhas 14 e 15). Aqui,
“casa”, um índice de referência e predicação, contribui para posicionar e avaliar as
personagens da narrativa de Lara como indivíduos estáticos e isolados, sem contato
com a sociedade ao redor.
Nota-se que a explicação atinge seu clímax na menção à falta de
necessidade da família, comparada, por meio do “mas” (linha 16), com a
necessidade de Lara. Ela aponta que, na família em questão, os filhos são os
responsáveis pela interação com a sociedade brasileira, construindo, por meio de
cenas cotidianas, (“fazer compras, levar no shopping”, linha 15), a imagem dos
filhos como a ponte entre essa família e o entorno brasileiro, além de posicionar os
pais dessa família como dependentes de seus filhos. Porém, Lara ressalta que sua
120

necessidade é diferente. Por ter filhos em idade escolar, é ela quem precisa ser este
elo, e não os filhos, o que ela demonstra também por meio de imagens cotidianas –
“cuidar deles, levar eles pra escola, pra passear” (linhas 16 e 17). No
estabelecimento dessa relação, Lara se autoposiciona como responsável por seus
filhos e mediadora entre a sociedade brasileira e eles. Ela aponta que este fator é o
que desperta sua necessidade de língua portuguesa e motiva sua vontade de
aprender. Assim, neste trecho, identificamos dois possíveis papéis para os filhos no
aprendizado da língua portuguesa, sendo que eles podem ser acionados como um
fator desmotivador (filhos mais velhos e independentes, que funcionam como ponte
entre a sociedade e os pais) ou motivador (filhos ainda crianças, que demandam
cuidado e colocam os pais em interação com a sociedade que fala português).
Outra questão relevante é que, ao utilizar o verbo “ajudar” (linha 6), Lara se
autoposiciona como alguém mais acostumada à sociedade brasileira, capaz de
mediar uma interação entre a sociedade brasileira e a família que não fala
português. Ou seja, Lara se coloca como ponte não apenas entre seus filhos e a
sociedade brasileira, mas também entre esta e outros refugiados. Essa imagem que
Lara tem de si como mediadora deve-se à sua capacidade de falar a língua
portuguesa, indicando que essa habilidade contribui para uma visão de si mesma
como alguém capaz. Ou seja, o aprendizado de língua portuguesa contribui para o
fortalecimento de sua autoestima, um fator afetivo.
Dando atenção às necessidades de língua portuguesa que aparecem neste
trecho, pode-se observar que Lara ressalta a escola dos filhos como um importante
contexto de uso do português. Assim, os gêneros discursivos do contexto escolar
têm importância significativa para essas MASiR, tais como bilhetes (como se
observa no próximo trecho destacado da conversa), boletins escolares, reuniões de
pais etc. Também o funcionamento das escolas no Brasil, bem como as leis a
respeito da educação, são necessidades socioculturais das MASiR, já que há
especificidades (como quando usar o uniforme, qual é a nota para passar de ano, o
que acontece se atrasar ou faltar à aula, quando começa o período letivo etc) que
diferem entre escolas brasileiras e de outros países.
Em termos de necessidades lexicogramaticais e fonético-fonológicas,
detecta-se dificuldade com:

(i) verbos de ligação e conectores


121

- “tem pessoas [que estão há] mais [de] dez anos aqui” (linha 1);
- “vontade [de] conversar com ninguém” (linhas 6 e 7)
- “precisa cuidar [d]eles” (linha 16)
- “tem vontade [de] aprender” (linha 17)

(ii) concordância verbal


- “pessoas… ainda não fala português” (linha 1);
- “Pode vocês ajuda eles?” (linha 6)
- “eles não aprender” (linha 7)
- “eles vai tem medo” (linha 14)

(iii) pronúncia dos fonemas [p] e [b]


- “berto de bissoas” (linha 8)

(iv) distinção de vogais


- “Eu [ou] não fica berto” (linha 8)
- “Só [Sim]… eles também não querem aprender” (linha 10)
- “precisa livar [levar] eles” (linha 17)

O próximo recorte traz o relato de Lara sobre um problema de comunicação


com a creche de sua filha. Emergiu em resposta à leitura do texto “Nina e a escola”,
presente no Anexo 7 desta dissertação, que traz a história de uma mãe refugiada
que enfrenta dificuldades na comunicação com a escola da filha.

Recorte 3: “Mesma história, mesmo dói”

1 Lara: A gente também sofre de esse… Porque o (nome da filha) na creche, né?
2 Talvez ele escreve uma coisa, eu não dá… não dá uma olhada direita, entende?
3 Mas eles sempre escreve uma coisa pra gente sabe o que eles fazerem. Um dia ela
4 chegou entro no horário de… vai mudar, não sei. Vai ter uma dia… ahm… ela ir pra
5 escola 7. Precisa apresentar lá, né? Eu e, eu contratei horário de 8 até 11. Eu
6 coloquei na minha cabeça, eles vai mudar o turma. Vai começar mais… uma hora
7 pra trás, porque aquele tempo entra tempo de calor de frio. Eu coloquei na minha
8 mente esse… esse coisa. Eu entendi de maneira errada. Eu levei ela 8 hora o… o
122

9 diretora. Não diretora. Aquela bissoas cuida quando crianças entra e quando sai,
10 né? Ela fala: “Por que ela atrasada? O que aconteceu?”. Eu falo: “Ela não atrasada,
11 porque vocês colocaram dia de 27 vai mudar horário”. Ela fala: “Disse? A escola
12 não existe nada essas coisa”. (riso) Eu entendi uma coisa errada. Ela fala: “Onde
13 esse balavra tá escrito? Mostra pra mim.” Eu procura, procura. Como ficar com
14 raiva, não encontrei ni/ ni/ nenhuma palavra pra mostrar pra ela, né? Ela fala. Minha
15 filha não tem vontade aquele tempo ficar na creche. Tem vontade folta pra casa. Ela
16 comiçar: (voz mais fina) “Ai meu dente! Começa dói, né?”. Ela começa chorar. Ela
17 fala: “Como eu que ficar com essa menina, como ela tem dor de dente, né?”. Não
18 consegui aceitar ela. Levar ela para casa. Aquele dia eu parece uma guerra dentro
19 meu mente. Eu fala: “Que que é isso? Até esse lugar eu sou burra?”. (risadas ao
20 fundo) Mesma história, mesmo dói. Quando você lê, eu disse: “Nossa! Meu Deus!
21 Mesmo.”
22 P: É… você… você sentiu então
23 Lara: É
24 P: Que:: você tava sendo burra ali?
25 Lara: Mesmo.
26 P: E:: você acha que… a mãe da Nina sentiu a mesma coisa?
27 Lara: Sim. Porque pessoas vai sufrir, né? Vai sofrer. [suspiro fundo].
28 P: E vocês? Já passaram por isso também? Ou não?
29 Luz: Graças a Deus, não.
30 Lara: Porque ainda a filha dela na colo. (risos) Mas ela também…

Grupo Focal, Encontro 1, 05 jul. 2019.

Note-se que a fala de Lara, nesse ponto da conversa, organiza-se em uma


sequência de eventos: (i) a creche envia um bilhete aos pais sobre o horário de
verão; (ii) Lara recebe o bilhete e não consegue lê-lo; (iii) Lara leva sua filha para a
creche no horário errado; (iv) a filha de Lara não consegue entrar na escola e volta
pra casa com a mãe. Ao mesmo tempo em que narra os eventos, Lara revela a seus
interlocutores os sentimentos que experimenta em cada acontecimento, mesclando
o relato dos eventos externos com o relato do que pode-se chamar de eventos
internos. As palavras “cabeça” (linha 6) e “mente” (linhas 8 e 19) funcionam como
pistas de referência e predicação e apontam para esses momentos internos da
personagem-narradora.
O verbo que a autora utiliza para introduzir sua fala é o “sofrer” (linha 1), um
123

importante descritor metapragmático que sinaliza o tom emocional da história,


retomado ao final da narrativa pela metáfora de “guerra” (linha 18) e pelo
substantivo “dor” (linha 20). Essas pistas sinalizam que se trata de uma narrativa
desconfortável para a autora, que remete a sentimentos negativos. Ressalto que a
metáfora mobilizada é bastante significativa, posto que a guerra foi um evento
vivenciado pela narradora em seu país de origem.
É notável também que Lara se esforça em eximir a escola de qualquer erro,
assumindo totalmente a culpa da falha na comunicação. Tal argumentação é
apresentada logo no início de sua fala, quando afirma: “Talvez ele escreve uma
coisa, eu não dá… não dá uma olhada direita, entende? Mas eles sempre escreve
uma coisa pra gente sabe o que eles fazerem” (linhas 1 a 3). No trecho, a presença
dos advérbios “talvez” e “sempre” denotam oposição de uma possibilidade (a de
Lara não ter lido bem o bilhete) a uma certeza (a escola informa suas atividades de
maneira adequada e frequente), contribuindo para o argumento construído, sendo
no uso da conjunção adversativa “mas” (linha 3) que a noção de oposição fica mais
forte. Na verdade, essa oposição constitui a espinha dorsal da narrativa,
perpassando todo o trecho. Os pronomes eu/ele (“Talvez ele escreve uma coisa, eu
não dá… não dá uma olhada direita”, linhas 1 e 2), a gente/eles (“Mas eles sempre
escreve uma coisa pra gente sabe o que eles fazerem”, linhas 2 e 3) e eu/ela (“Eu
falo”, “Ela fala”. Aparece sete vezes entre as linhas 9 e 18) funcionam como pistas
de referência e predicação, iluminando a ideia de oposição.
O argumento de Lara como única culpada pela falha de comunicação
reaparece várias vezes ao longo do trecho transcrito: “eu coloquei na minha cabeça”
(linhas 5 e 6), “eu coloquei na minha mente” (linha 7), “eu entendi de maneira
errada” (linha 8) e “eu entendi uma coisa errada” (linha 12). Os verbos “colocar” e
“entender”, que têm alto índice de agentividade, conjugados em primeira pessoa e
no pretérito, são modalizadores epistêmicos que, a um só tempo, localizam Lara
como personagem central com total acesso ao evento narrado, conferindo
credibilidade ao que é contado, e reforçam seu papel como sujeito ativo na história.
Tais escolhas verbais indiciam o posicionamento de Lara como responsável pelo
erro.
É bem forte neste trecho o quanto a narradora se faz visível no episódio que
conta, o que pode ser notado pelo uso do pronome “eu”, que aparece quatorze
vezes, sinalizando ainda mais fortemente para os interlocutores o acesso epistêmico
124

privilegiado da narradora em relação ao evento em tela. Não sendo o que conta


uma situação vivida por terceiros, mas vivenciada de forma profunda, o que conta
acaba por destacar o papel ativo de Lara e reforçar sua culpa em relação à falha de
comunicação com a escola. É ainda relevante observar que Lara apresenta sua
história não como uma narrativa isolada ou excepcional, mas recorrente entre as
MASiR. Isso fica nítido nas afirmações “A gente também sofre de esse…” (linha 1)
e “Mesma história, mesmo dói. Quando você lê, eu disse: ‘Nossa! Meu Deus!
Mesmo’” (linhas 20 e 21), em que o pronome “a gente” e os advérbios
“mesma”/“mesmo”, respectivamente um modalizador epistêmico e um índice
avaliativo, apontam a identificação da narradora com as experiências do grupo,
referenciadas e avaliadas exclamativamente (“Nossa! Meu Deus!”) como
experiências dolorosas (“mesmo dói”). Também ao responder ao questionamento
da pesquisadora, Lara indica essa identificação com as outras MASiR por meio da
palavra “pessoas” na frase “Sim. Porque pessoas vai sufrir, né? Vai sofrer” (linha
27), que promove uma absolutização estratégica, indicando que todas passam
pelo mesmo. Quando sua colega de interação, Luz, diz algo contrário ao argumento
de que o sentimento seria comum a todas as MASiR (linha 29), Lara rapidamente
fornece uma explicação (linha 30), posicionando Luz como uma exceção à regra. As
risadas (linha 30) das participantes apontam para uma pressuposição que favorece
o argumento de Lara: quando a filha de Luz deixar de ser uma criança de colo, ela
também vivenciará o mesmo que as outras mulheres.
Considerando que, como demonstrado no parágrafo anterior, a situação
vivenciada é comum entre as MASiR, faço aqui algumas indagações sobre o
posicionamento de Lara. Seria ela realmente a única culpada pela falha na
comunicação com a creche? Baseada no conceito de educação do entorno
(MAHER, 2007), me arrisco a dizer que não. Afinal, sabendo que a mãe da criança
não é proficiente em língua portuguesa, não seria obrigação da escola redigir o
bilhete na língua em que a mãe é proficiente? Atualmente, com as traduções online,
essa ação, além de gratuita, é relativamente fácil. É possível, também, interpretar
que houve uma atitude preconceituosa por parte da escola no tratamento oferecido
a Lara e sua filha. Afinal, se a protagonista da história não fosse uma refugiada, mas
uma diplomata, por exemplo, será que a atitude da escola teria sido a mesma? Ou
teria havido maior compreensão da situação? Será que a criança teria sido
mandada de volta para casa? Minha inclinação é apontar que o final teria sido
125

diferente, com a criança sendo aceita mesmo que chegasse atrasada.


Aliás, enquanto Lara se autorreferencia como uma personagem ativa, sua
filha é posicionada como personagem extremamente passiva e dependente.
Enquanto Lara aparece como sujeito de ações, a filha ocupa o lugar de objeto,
indicando alguém que sofre as ações. De igual modo, em frases em que à menina é
atribuída a função de sujeito do verbo, este verbo está conjugado no particípio,
reforçando o posicionamento da criança como alguém que sofre a ação. Assim, nas
orações em que a referência à criança é um objeto verbal (“Eu levei ela” (linha 8),
“Como eu que ficar com essa menina” (linha 17), “Não consegui aceitar ela. Levar
ela pra casa” (linha 18)) e nas orações em que o verbo está no particípio (“Por que
ela atrasada?” (linha 10) e “Ela não atrasada” (linha 10)), vemos que os tempos
verbais funcionam como indexicalizadores avaliativos, que posicionam a criança
como receptora da ação. Apesar de a criança ter papel central na narrativa,
raramente é ela quem age, indiciando-a como alguém que necessita de cuidados.
Isso reforça o posicionamento da criança como um fator motivador do aprendizado,
uma vez que aqueles por ela responsáveis (frequentemente, as MASiR) necessitam
mediar a relação entre ela e a sociedade de língua portuguesa.
No entanto, há um momento no recorte acima em que a criança tem papel
ativo. É o trecho entre as linhas 14 e 17, quando a criança é posicionada como
alguém que pode promover alterações na narrativa. Afinal, de acordo com Lara, era
vontade da criança voltar para casa e, por isso, ela finge uma dor de dente. O
afinamento da voz para indicar que a fala é da filha é uma pista semiótica de
referência e predicação que contribui para posicionar a atitude da menina como
um fingimento. O relato deste fingimento é o único momento em que a criança é
sujeito de verbos em voz ativa: “Minha filha não tem vontade” (linha 15); “Ela
comiçar” (linha 16); “Ela começa chorar” (linha 16).
É interessante observar que Lara relata essa estratégia de sua filha a fim de
justificar o fato de ela ter sido barrada na entrada da escola. O fato de Lara
apresentar essa justificativa sem haver perguntas sobre o assunto revela que ela
percebe a atitude da escola como incomum, sendo uma atitude que precisa de
explicação. No recorte, emergem duas possíveis explicações para essa atitude por
parte da escola: a) a filha de Lara não pode ficar na escola porque está com dor de
dente; b) a filha de Lara não pode entrar na escola porque ela está atrasada.
Podemos observar que a primeira explicação torna aceitável a atitude da escola,
126

sendo escolhida por Lara e explicitada verbalmente, enquanto a segunda explicação


remete a uma incompreensão e, possivelmente, preconceito por parte da escola,
sendo deduzida pelo contexto narrado.
No recorte analisado aqui, vemos uma necessidade afetiva da refugiada, pois
aponta o aprendizado de língua portuguesa fortemente ligado a uma questão
identitária. Para Lara, quem ela é depende de sua capacidade comunicativa, o que
fica explícito na frase “Até esse lugar eu sou burra?” (linha 19). O advérbio “até”
reforça esse posicionamento, trazendo a ideia de situação absurda, e o verbo
utilizado (ser) é uma pista de referência e predicação que aponta a ligação entre a
identidade de Lara e sua capacidade comunicativa. Destaca-se que a referência de
“lugar” no mundo físico é dúbia, podendo significar o novo local de moradia (cidade
de São Paulo ou no país Brasil) ou a creche, local de crianças. Se compreende-se
da segunda maneira, vê-se que Lara se posiciona como alguém de conhecimento
inferior às próprias crianças e bebês que frequentam a creche.
Há também a necessidade sociocultural no que se refere ao funcionamento
do horário de verão nas escolas brasileiras, além de destacar a creche como um
contexto/situação de uso do português e o bilhete escolar como um gênero
discursivo.
Também se destacam as seguintes necessidades linguísticas:

i) a troca de vogais
- “Aquela bissoas [pessoa]cuida quando (...)” (linha 9)

ii) a troca de consoantes surdas/sonoras


- “Aquela bissoas [pessoa]cuida quando (...)” (linha 9)
- “Onde esse balavra [palavra] tá escrito?” (linha 13)
- “Tem vontade folta [volta ]pra casa” (linha 15)

iii) pronome contraído com preposição


- “A gente também sofre de esse” (linha 1)

iv) gênero das palavras


- “Vai ter uma dia” (linha 4)
- “vai mudar o turma” (linha 6)
127

- “o diretora” (linha 8)
- “Onde esse balavra tá escrito?” (linha 13)
- “parece uma guerra dentro meu mente” (linha 18)

v) frases sem verbo de ligação


- “Por que ela [está] atrasada?” (linha 10)

vi) regência verbal e nominal


- “vocês colocaram dia de 27 vai mudar horário” (linha 11)
- “Minha filha não tem vontade aquele tempo [de] ficar na creche. Tem
vontade [de] folta pra casa.” (linhas 14 e 15)
- “Ela começa [a] chorar” (linha 16)

Nos dois trechos anteriores, a criança é apontada como motivadora da


aprendizagem por conta das interações que os pais são obrigados a estabelecer
nos cuidados com os filhos. No entanto, no recorte a seguir, em que Lara relata
seus primeiros passos no percurso de aprendizagem da língua portuguesa, uma
criança é apresentada como possibilitadora da aprendizagem, sendo posicionada
como professor.
A necessidade afetiva de Lara de compartilhar sua própria história, sua
vivência, também se destaca como elemento motriz de seu aprendizado da língua.

Recorte 4: “Pra mostrar o que eu sabe”

1 Lara: Quando eu chegou pra cá… eh:: A gente acabamos de falar isso. Não sabe
2 nenhuma palavra português. Alguém ajuda a gente, a gente pergunta: “Como… que
3 maneira pra agradecer ele?”. Porque ele ajuda nós, né? Alguém me ensina:
4 “Obrigado”. A gente repite, repite. Até só fala dois hora, três horas aqueles pissoas.
5 Só fazer uma olhada: Obrigada. Abraço com obrigada, abraço com obrigada. E
6 debois, bergunta pra cumprimentar as pessoas. “Como fala? Como fez?”. Eles já me
7 ensinar “bom dia”, “boa tarde”… eh:: Como está bergunta pra fazer combra, alguma
8 coisa, né? E debois eu precisava visitar um lugar bara fazer cadastro, eu fui,
9 conversei com alguém pra ele me ajudar. Ele fala: “Eu tô ocubado, não sei quê, não
10 sei quê, não sei quê”. Ele vai deixa de quase 15 dia pra frente. Eu fica com dor de
11 cabeça. Quer aprender o português. Encontra um menino pequeno. Eu fala,
128

12 pergunta pra ele, porque ele chegou na frente de nós, né? “Que significa esse
13 palavra?”. Ele me ensina. “Que significa esse palavra?”. Ele me ensina. Começar
14 quanto escutar uma palavra eu coloca no meu mente. Procurar alguém. “Que
15 significa esse palavra?”. Ele me ensina. E debois, poco tempo pra frente, eu
16 começar, como fez… Chegou pra bastante lugar, escuta nós notícia. Tá tudo, tudo
17 errado! Tá tudo mente, né? Eu fala “Que que é isso? Ninguém fala com certeza! Nós
18 guerra não começar por causa disso”. Eu já pergunta, tem vontade de aprender o
19 português pra falar que eu sabe, porque a gente morou na guerra mesmo. Eu
20 começar aprender, começar a falar. Graças a Deus. Esses coisas, ela… me ajuda,
21 me ajuda muito. Porque quando bessoas precisa, eles vai, procura, vai aprender.
22 P: Deixa eu ver se eu entendi direito. Uma das coisas que você quis aprender o
23 português é pra conseguir falar o que você viveu?
24 Lara: Sim, porque, quando a gente chegar pra cá, primeiros 5 anos, tudo no nossa
25 notícia tá mentirosa.
26 P: [Ah é?
27 Lara: [Porque ninguém fala direito. Tem bissoas têm medo fala. Esses não têm
28 vontade falar. Há pessoas acredito nós guerra com… com um grupo, com alguém.
29 Mas nós guerra com nós governo mesmo. Por causa de isso, eu tenho vontade de
30 aprendeu pra mostrar o que eu sabe.

Grupo Focal, Encontro 1, 05 jul. 2019.

O percurso de Lara é marcado por uma progressão na aprendizagem de


português. Ele começa com a protagonista-narradora recebendo ajuda porque “não
sabe nenhuma palavra português” (linhas 1 e 2). Então, procura uma forma de
agradecer essa ajuda e aprende a dizer “obrigado” (linha 4). Depois, aprende
formas de cumprimentar (linha 6) e de fazer compras (linha 7). Em seguida, vivencia
uma situação em que precisa da língua em uma situação específica: fazer cadastro.
Não conseguir realizar essa atividade sozinha aumenta sua percepção da língua
como necessária e aumenta sua motivação (“quer aprender português”, linha 11), a
ponto de conseguir uma criança como professor. Ao fazê-lo, Lara o posiciona como
um fator possibilitador de seu aprendizado. Após essa experiência, Lara passa a
prestar muito mais atenção às interações cotidianas, distinguindo palavras e
buscando seus significados (linhas 13 e 14). Neste momento, começa a ouvir e
entender notícias sobre a situação da Síria, as quais considera todas mentirosas:
“Tá tudo, tudo errado! Tá tudo mente, né? Eu fala ‘Que que é isso?’” (linha 17).
129

Situações como essa, segundo explica, aumentam ainda mais sua vontade de
aprender, para poder falar o que viveu: “Eu já pergunta, tem vontade de aprender o
português pra falar que eu sabe, porque a gente morou na guerra mesmo” (linhas
18 a 20). E, nesse sentido, pode-se dizer que, mesmo com limitações linguísticas,
próprias de quem se encontra no processo de aprendizagem, Lara alcança seu
objetivo na interação em foco, conseguindo compartilhar a sua versão sobre a
guerra (“mas nós guerra com nós governo mesmo” [nossa guerra é com nosso
próprio governo], linha 29). Saliento que o percurso de aprendizado da língua
funciona como um agente de transformação identitária para a personagem:
inicialmente alguém que recebe ajuda para alguém que, com o aprendizado da
língua, passa a ajudar, compartilhando seu conhecimento.
Vale salientar, na cena em foco, a presença de uma criança migrante que, em
sua narrativa, é posicionada como seu professor: “Encontra um menino pequeno.
Eu fala, pergunta pra ele, porque ele chegou na frente de nós, né? ‘Que significa
esse palavra?’. Ele me ensina. ‘Que significa esse palavra?’ Ele me ensina”, linhas
11 a 13). Algumas pistas linguísticas nos mostram que Lara vê essa realidade como
algo incomum: assim que menciona ter pedido ajuda para uma criança, arremata
com uma afirmação introduzida pela conjunção explicativa “porque” (linha 12). O
fato de apresentar uma justificativa sem que ninguém perguntasse pode indicar a
avaliação, por parte da narradora, de que sua afirmação precisa de explicação,
dado não ser a “ordem natural” uma criança ensinar um adulto. A justificativa
apresentada por Lara – “porque ele chegou antes de nós, né?” (linha 12) – também
recoloca a ideia de que o aprendizado é proporcional ao tempo de estadia no Brasil,
posicionamento já presente na conversa focalizada no primeiro recorte.
Durante todo o percurso, Lara se posiciona como ativa em seu aprendizado.
De fato, é ela quem faz o aprendizado acontecer por meio de perguntas, sendo o
verbo dicendi “perguntar” (linhas 2, 6, 7 e 11) um descritor metapragmático que
ajuda a posicioná-la como a responsável pelo processo. Tal posicionamento fica
mais claro na narrativa quando Lara diz: “Porque quando bessoas precisa, eles vai,
procura, vai aprender” (linha 21). Tal frase pode indicar que Lara percebe sua
história não como excepcional, mas como um exemplo do que acontece com outros
refugiados, já que ela escolhe utilizar como sujeito da frase a palavra “pessoas”.
Nesse contexto, a meu ver, o uso do verbo “procurar” pode ser visto como parte de
uma metáfora presente na fala da narradora, conotando e predicando a língua
130

como um recurso escondido ou perdido que, então, precisaria ser encontrado por
quem dela precise.
Outras expressões presentes na fala de Lara também parecem contribuir
para posicioná-la como alguém independente, que vai atrás de aprender, mesmo
que não tenha as condições ideais de estudo. Isso porque são expressões que
indiciam uma língua aprendida no dia-a-dia, pelo contato com brasileiros, ao mesmo
tempo em que mantêm marcas de seu aprendizado. São expressões como “fazer
uma olhada” (dar uma olhada, linha 5), “não sei quê, não sei quê, não sei quê”
(linha 9), “eu fica com dor de cabeça” (me deu uma dor de cabeça, no sentido de
problema, linha 10) e “que que é isso?” (linha 16), que são muito comuns na
oralidade.
No entanto, tal aprendizado é avaliado por Lara como um processo longo,
repetitivo e penoso por meio de várias repetições, como “repite, repite” (linha 4) e
“Que significa esse palavra? Ele me ensina” (linhas 12 a 15). Essa figura de
linguagem também contribui para aproximar o interlocutor da necessidade vivida,
trazendo a ideia de demora e tédio.
Em determinado momento de sua fala, Lara traz um embate de
posicionamentos com uma personagem, a qual se posiciona como ocupada, mas
que Lara reposiciona como indisponível por meio de uma repetição. Apesar da
afirmação da pessoa, apresentada por meio de uma citação direta, de estar
ocupada, Lara acrescenta “não sei quê, não sei quê, não sei quê” (linha 9),
construindo a noção de que as justificativas da personagem seriam desculpas sem
sentido ou sem importância.
Outro posicionamento que Lara apresenta para si mesma é o de alguém
inserida na sociedade brasileira e aberta a ela. É o que se pode identificar por meio
da repetição “abraço com obrigada, abraço com obrigada” (linha 5). Aqui, a escolha
lexical “abraço” remete a um costume mais brasileiro do que sírio, demonstrando,
portanto, sua capacidade de transitar entre ambas sociedades.
É perceptível, também, que Lara se posiciona como uma pessoa de
autoridade superior a outras, alguém com algo único a oferecer – no caso, seu
conhecimento sobre a guerra na Síria. Tal posicionamento se torna visível quando
atentamos para uma antítese em sua fala, a qual contrapõe os pronomes “alguém”
(linhas 2, 3, 9, 14, 28) e “ninguém” (linhas 17, 27). Assim, ela apresenta a
argumentação de que, embora diversos indivíduos (alguéns) a tenham ajudado
131

separadamente no aprendizado da língua portuguesa, “ninguém” tem um


conhecimento como o de Lara no que se refere à guerra na Síria. Este
autoposicionamento como alguém digna de ser ouvida tem sua veracidade
reforçada pelo uso do advérbio “mesmo” (linha 19), que funciona como
indexicalizador avaliativo.
No trecho também aparecem os propósitos comunicativos de fazer cadastro,
agradecer, cumprimentar, fazer compras, expressar o ponto de vista. Quanto às
necessidades linguísticas identificadas neste trecho, destaco:

i) emprego dos pronomes pessoais oblíquos e possessivos


- “Porque ele ajuda nós, né?” [Porque ele nos ajuda, né?] (linha 3)
- “(...)ele chegou na frente de nós?” [ele chegou na nossa frente] (linha 12)
- “(...) escuta nós [nossa] notícia” (linha 16)

ii) verbos ser/estar


- “Como está bergunta pra fazer combra (...)?” [Como é a pergunta para fazer
compra?] (linha 7)

iii) dificuldades com conjugações verbais


- “A gente acabamos [acabou] de falar isso” (linha 1)
- “Quer [quero] aprender o português. Encontra [encontro] um menino
pequeno. Eu fala [falo], pergunta [pergunto] pra ele, porque ele chegou na frente
de nós, né?” (linhas 11 e 12)

iv) sentido e uso do verbo chegar


- “Quando eu chegou pra cá” [Quando cheguei aqui] (linha 1)
- “Chegou pra bastante lugar” [Fui a vários lugares] (linha 16)
- “(...) quando a gente chegar pra cá” [quando a gente chegou aqui] (linha 24)

No próximo excerto narrativo, encontra-se a perspectiva de Sara, mulher


solteira sem filhos, quanto à presença de crianças nas aulas. Tal recorte refere-se a
uma parte da conversa que tivemos em que discutimos a possibilidade de criar um
grupo de conversas em português, mesclando refugiados e brasileiros. Inicialmente,
ela afirmou que, provavelmente, não conseguiríamos muitos participantes, mas
132

propus que ela refletisse sobre o grupo em uma situação ideal, com um número
ideal de participantes.

Recorte 5: “With children and without children”

1 P: So you, you think that one group with P: Então você, você acha que um grupo
2 everybody it was going to be okay or do com todo mundo seria ok ou você acha
3 you think that maybe... making apart que talvez... separando solteiros e famílias
4 singles, and families or... What it would be ou... o que seria melhor? Se fosse
5 better? If it was perfect. Like, if we found a perfeito. Tipo, se a gente encontrasse
6 lot of people and we could divide. What muitas pessoas e pudesse dividir, quais
7 divisions do you think we should think divisões você acha que deveríamos
8 about? Men and women, singles and considerar? Homens e mulheres, solteiros
9 families, mother and... e famílias, mães e...
10 Sara: I think that... For sure, men and Sara: Acho que... Claro, homens e
11 women. But::: I think better to make mulheres. Mas... Acho que é melhor fazer
12 FAmilies with BABIES. With children. And famílias com bebês. Com crianças. E
13 others separated. Because even here, outros separados. Porque, mesmo aqui,
14 sometimes, I cannot focus with the teacher às vezes, eu não consigo focar no
15 from the children. professor por causa das crianças.
16 P: Okay. Yes. P: Ok. Sim.
17 Sara: So the activities with the children Sara: Então as atividades com as crianças
18 would be a little bit different than the seriam um pouco diferentes que as
19 activities if you don't have children. So, not atividades se você não tem crianças.
20 married and single, but with children and Então, não casados e solteiros, mas com
21 without children. crianças e sem crianças.

Conversa com Sara, 06 jul. 2019.

É possível perceber, por meio da expressão “for sure” (“Claro”, linha 10), que
a divisão tradicional entre homens e mulheres é não apenas mantida por Sara, mas
considerada óbvia. É uma opção tão evidente que não precisa nem de explicação
ou conversa sobre isso. No entanto, ela repensa seu posicionamento, colocando
que mais importante que a divisão entre homens e mulheres seria a divisão pela
presença ou não de crianças. Para ela, as crianças são um incômodo, um fator que
a atrapalha em seus estudos. na linha 12, ela destaca as crianças que mais a
incomodam: “BABIES” (bebês). Sua alteração na voz funciona como uma pista
133

semiótica de referência e predicação para ressaltar a informação mais importante


para ela.
Essa fala de Sara chama atenção para a complexa dinâmica de uma sala de
aula de línguas para mães. Conforme discutirei a seguir, é importantíssimo
considerar a presença de crianças nas aulas de PLAc para as MASiR no momento
da organização do ambiente e do planejamento das atividades. É crucial
disponibilizar cuidadores para as crianças no momento das aulas. Ao mesmo
tempo, deve-se agir de forma sensível, caso a mãe se recuse a deixar a criança em
uma sala separada.
O recorte a seguir traz o relato de um atendimento realizado pela assistente
social. O hospital é quem solicitou ajuda da Lena: o casal levara o bebê, que estava
com febre, para uma consulta, mas, quando os médicos decidiram internar a mãe e
o bebê, o casal sumiu. Lena descobriu que eles haviam voltado para casa para
cuidar das filhas. Ela, então, tentou convencer o marido a permitir a internação da
esposa.

Recorte 6: “Se você não incluir as crianças, esquece”


1 Lena: Quando eu falo assim, eles falam que preferem levar as crianças. Tanto é que
2 quando vai pro hospital, levam as crianças. (risos) Quando vai pro dentista leva
3 todas as crianças. E quando eu cheguei pra ele, ele falou assim: “Lena, se você vier
4 aqui amanhã, na minha casa 9 horas da manhã, eu vou com você e com minha
5 esposa pro hospital. Ela pode ficar internada. Mas hoje ninguém vai ficar internada,
6 porque ninguém vai cuidar dos meus filhos”. Dito e feito. No dia seguinte eu cheguei
7 lá cedinho, a médica fez um relatório, eu fui pro hospital, a esposa dele ficou
8 internada, a criança também. Ele voltou pra casa pra ficar com as meninas. Mas
9 aquele dia, ele falou pra mim: “Minha esposa não vai sair daqui hoje a noite, porque
10 as minhas filhas não vão ficar sozinhas em casa”.
11 P: Então, se fosse um caso:: mais grave, assim, você acha que::
12 Lena: Ele não, ele não ia...
13 P: Poderia ser até um caso de risco de vida, assim?
14 Lena: Poderia. Nesse caso, a dire… a médica tava muito preocupada com a mãe,
15 mas quando chegou lá era só uma pomada, e eu só fiz assim (gesto).
16 P: (risos) E deu tudo certo.
17 Lena: E a médica deu risada. Olhou pra minha cara: “Nossa, você realmente, você é
18 tradutora” (risos). A médica falou pra mim que eu era uma tradutora. E:: e a maior
134

19 dificuldade... E assim, qualquer atividade que você faça com os árabes, se você não
20 incluir as crianças, esquece. Você não vai ter atividade nenhuma. Nenhuma,
21 nenhuma. Se você não... Qualquer programa... Já vai falar “Ah! A gente vai fazer…”.
22 Qualquer coisa que você for fazer, se você falar que não pode levar as crianças, não
23 faça. Porque elas não confiam. Elas não deixam com ninguém. Elas levam as quatro
24 crianças.

Conversa com Lena, 10 jun. 2019.

O caso relatado pela assistente social é singular, mas Lena o utiliza para
exemplificar um costume comum aos árabes que ela atende: levar os filhos a todos
os lugares. Percebemos isso por meio da conjugação dos verbos nas linhas 1, 2 e
23: todos estão no presente do indicativo, indicando uma ação corriqueira. Além
disso, com exceção do primeiro verbo (“levo” – linha 1), cujo sujeito é a assistente
social, todos os outros estão conjugados em terceira pessoa, seja do plural ou do
singular, funcionando como índices de indeterminação do sujeito. Assim sendo,
esses verbos são pistas de referência e predicação que acionam uma
absolutização estratégica, contribuindo para posicionar os árabes como pessoas
que estão frequentemente acompanhados de seus filhos. Na linha 23, porém, a
indeterminação tem gênero – o feminino – indicando que Lena posiciona
especificamente as mulheres como as responsáveis pelas crianças.
No trecho, é perceptível que a assistente social atribui um valor negativo a
esse costume. Isso é evidenciado pela expressão “não confiam” (linha 23), a qual
funciona como uma pista de referência e predicação, posicionando os árabes,
mais especificamente as mulheres árabes, como pessoas desconfiadas. A
motivação que Lena apresenta para os árabes estarem sempre acompanhados dos
filhos não é um grande cuidado ou uma responsabilidade com as crianças, mas é a
falta de confiança dos pais. Caso entendesse essa atitude como algo bom, a
assistente social poderia ter usado expressões positivas, como “são precavidas”,
“são cuidadosas”, “são responsáveis”, “são muito atentas aos filhos”. No entanto, a
expressão “não confiam” traz uma carga negativa, demonstrando que a assistente
enxerga nessa atitude um defeito.
A minha interação neste trecho indica que concordei com a assistente social,
considerando irresponsável a atitude do homem, já que ele estaria disposto a
colocar a esposa em “risco de vida” (linha 13). No entanto, agora como mãe e
135

pesquisadora, analiso novamente o trecho e questiono meu próprio posicionamento.


Afinal, que rede de apoio essa família tem no cuidado das crianças? É preciso um
grau de confiança muito alto para delegar o cuidado de seus filhos a outra pessoa. E
as pessoas em quem esse casal confia podem estar a um oceano de distância.
Além disso, situações de guerra, como a que o casal vivenciou, tendem a salientar a
maldade humana, justificando uma precaução ainda maior com outras pessoas.
Hoje, vejo que o mais esperado para esse casal é a dificuldade em confiar em
alguém para cuidar dos filhos. Creio ser importante trazer essa reflexão para que
sejamos mais empáticos ao lidar com este público durante as aulas de PLAc. Para
que as aulas sejam um espaço de acolhimento, acredito ser válido entender e
aceitar que possam haver crianças na sala. É também relevante, como já levantei
na análise do recorte anterior, disponibilizar um espaço para que as mães possam
deixar os filhos durante as aulas, se assim desejarem, sem porém forçá-las a deixar
as crianças neste espaço, já que muitas precisarão de um bom tempo até que
confiem em outros cuidadores para seus filhos.
No recorte destacado, das dez referências a crianças ou filhos (“as crianças”
(linhas 1, 2, 3, 20, 22, 24), “meus filhos” (linha 6), “a criança” (linha 8), “as meninas”
(linha 8), “filhas” (linha 10)), nove estão no plural. Esses substantivos no plural
avaliam os árabes como pessoas que têm muitos filhos, no plural. Isso é reforçado
pelo numeral “quatro” acrescentado ao substantivo “crianças” (linhas 23 e 24). No
entanto, ao olhar para os dados sobre número de filhos do infográfico MASiR em SP
1 (presente na página 101 desta dissertação), percebemos que a média de filhos
por mulher árabe não é tão diferente da média brasileira. Por que, então, Lena as
posiciona dessa maneira?
A partir da conversa com a assistente social, levanto a hipótese de que ela
tem a percepção das mulheres árabes como mães de muitos filhos por causa do
espaço que as crianças ocupam no cotidiano do trabalho da assistente social e da
ONG, e não pelo número de filhos ser realmente elevado. No trecho acima,
podemos ver que os pais “falam que preferem levar as crianças” (linha 1) e que
“qualquer atividade que você faça com os árabes, se você não incluir as crianças,
esquece. Você não vai ter atividade nenhuma. Nenhuma, nenhuma.” (linhas 19 a
21), o que indica que as crianças frequentemente estão acompanhando os pais nos
eventos. A assistente social constrói a ideia da presença constante das crianças na
vida dos árabes por meio da evocação de dois locais comuns (hospital e dentista,
136

ambos na linha 2), onde não é costume levar as crianças, a menos que elas estejam
doentes.
O trecho permite, também, uma importante reflexão sobre a questão de
gênero. Afinal, apesar da história relatada ter como principal protagonista uma
mulher que precisa de atendimento médico, a pessoa com quem Lena conversa e
que ela posiciona como detentor de autoridade para permitir ou não a internação da
mulher é um homem. Além disso, por meio da expressão “dito e feito” (linha 6), Lena
retrata este homem como alguém firme e honesto, que cumpre sua palavra. Apesar
de não concordar com a escolha do homem de não internar sua esposa durante a
noite – o que fica claro por meio da interação nas linhas 11 a 14 –, a assistente
social ressalta a qualidade dele como alguém que mantém sua palavra. Ao mesmo
tempo em que ele é retratado como uma pessoa autoritária através do advérbio
“ninguém” (linhas 5 e 6), ele é apresentado como alguém que cuida das crianças,
por meio da frase “ele voltou pra casa pra ficar com as meninas” (linha 8). É
interessante que, por meio da conjunção “mas” (linha 8) e da repetição da fala do
homem (“Minha esposa não vai sair daqui hoje a noite, porque as minhas filhas não
vão ficar sozinhas em casa” (linhas 9 e 10)), a narradora dá maior ênfase à atitude
autoritária do que ao cuidado com as crianças.
Quanto à protagonista – a mulher que é internada – vemos que ela é
posicionada como alguém literalmente sem voz, posto que em nenhum momento
lhe é atribuída fala alguma. Fala-se sempre sobre ela, mas ela não é quem fala. As
palavras utilizadas para se referir a essa mulher árabe são esposa (linhas 5, 7 e 9),
ela (linha 5), ninguém (linha 5) e mãe (linha 14). Elas são importantes pistas de
referência e predicação que contribuem para posicionar essa mulher como alguém
cuja esfera de ação se resume à família e que não tem muita possibilidade de ação.
Por outro lado, a maneira como a narradora se posiciona ao longo da
narrativa é também bastante instigante. Destacam-se dois principais
posicionamentos: a) o de mediadora ou tradutora reconhecida e b) o de pessoa com
conhecimento no trato com os árabes. O primeiro é evidenciado por meio da citação
da fala da médica, que é repetida (linhas 17 e 18). Lena revela que este papel é
algo corriqueiro e simples para ela, mesmo sem falar árabe, por meio do advérbio
“só” em sua fala “e eu só fiz assim” (linha 15), sendo este advérbio um
indexicalizador avaliativo. E este é o motivo do riso e da incredulidade expressa
na repetição da fala da médica na linha 18, que a considera tradutora para os
137

árabes mesmo que Lena não fale árabe.


Já o segundo posicionamento é evidenciado a partir da linha 19, quando o
tom da narrativa muda. A partir deste momento, Lena se posiciona como alguém
que tem experiência o suficiente em seu trabalho para aconselhar não apenas a
pesquisadora, mas qualquer um que trabalhe com árabes. Isso fica claro quando, ao
mobilizar os pronomes “você” (6 vezes nas linhas 19 a 22) e “a gente” (linha 21) e
ao opor os advérbios “qualquer” (linhas 19 e 21) e “nenhuma” (linha 20), Lena
realiza uma absolutização estratégica de seu interlocutor, posicionando-o como
representante de qualquer pessoa que trabalhe ou queira desenvolver trabalhos
com árabes. Com isso, além de aproximar o interlocutor da realidade que ela relata,
Lena leva sua voz para um nível além do contexto imediato, indicando que sabe que
será ouvida em outros contextos. A força de seus conselhos é construída em seu
discurso por meio de verbos no imperativo (“esquece”, linha 20, e “não faça”, linha
22), que funcionam como indexicalizadores avaliativos ao posicionarem-na como
alguém com autoridade para aconselhar, e da repetição do advérbio “nenhuma”
(linha 20), que aciona uma absolutização estratégica.
No relato de Lena, as crianças são posicionadas de forma semelhante ao
relato de Lara sobre o bilhete da creche. As crianças aparecem como
complementos verbais, ocupando lugar de objeto do verbo. Em apenas duas
orações as crianças aparecem como sujeito (“a criança também” [ficou internada],
(linha 8) e “minhas filhas não vão ficar sozinhas” (linha 10)), sendo que em ambas
elas são sujeitos de verbos na voz passiva. Assim sendo, as conjugações verbais
são indexicalizadores avaliativos que posicionam as crianças como seres
passivos, sempre recebendo ações, não as realizando. Os verbos utilizados para
isso são: “levar” (linhas 1, 2, 22 e 23), “cuidar [de]” (linha 6), “ficar [com]” (linha 8) e
“incluir” (linha 20).
Mesmo representando-as como passivas, desconsiderar as crianças pode
ser um grave erro, na opinião de Lena. A conjunção “se” (linhas 19, 21 e 22)
posiciona as crianças como condição necessária ao trabalho com árabes, sendo um
índice avaliativo. Não permitir sua presença implica necessariamente na ausência
dos pais.
O hospital aparece como um importante contexto de uso neste recorte de
Lena. Outros contextos relacionados à saúde apareceram em outros momentos, e
um deles será analisado no próximo tópico.
138

4.2.2 Saúde em português

O recorte a seguir aponta situações vivenciadas na área da saúde, um


contexto de uso imprescindível às MASiR. Também mostra ser necessário efetuar
treinamentos de sensibilização entre médicos e ações de melhoria de políticas
públicas para atender às populações migrantes, pois há situações em que há
negativa em atender um migrante por falta de um tradutor, que deve ser conseguido
pelo próprio migrante.

Recorte 7: “Chama alguém tradutor pra você”


1 Luz: Um dia foi encomenda. Eu non… Eu fui pra… posta saúde. Eu tem… ah…
2 Lara: Dor de cabeça.
3 Luz: Tem muita dor, tá bom?
4 P: Aham.
5 Luz: Eu não entende falar ela que eu precisa remédio. Eu fa/falo só ela (barulho de
6 dedo estalando) aqui. Ela fala: “Ah sim! Tá bom?” (risos) Escreve. (inc) Ela fala:
7 “Ah! entendi!”.
8 Lara: Mas, talvez você encontrar médico, ele ajuda muito. Talvez tem um médico,
9 ele não quis conversar com você, para que pessoas sabe falar português para você
10 entende que ele quer mesmo. Esse coisa também pessoas sofre muito.
11 P: O que? Desculpa, eu não entendi direito…
12 Lara: Você visita um médico, né?
13 P: Você vai no médico…
14 Lara: Vai fala pra ele tem dói, não sei quê. Quando você não fala português
15 perfeita, ele não vai atende você. Fala: “Chama alguém tradutor para você, para
16 você não erro de um lugar, não sei quê, não sei quê”. A pissoas volta pra casa.
17 Como ele é doente, não tem vontade de novo. Porque ele vai precisar alguém.
18 Alguém pode ele tempo dele livre, pode não. Esse complicado também.
19 P: Entendi. Então o médico às vezes fala pra vocês que só atende se tiver um
20 tradutor?
21 Mira: A gente mesma:a essa problema. Todo mundo mesma essa problema.
22 Lara: [Antigamente. Agora, graças a Deus, como fala português… Mas, mas
23 até agora tem bessoas, quando ele precisa visitar médico, ele sofre muito.
24 Precisa… Alguém de… Amigo brasileiro, alguém de família dele fala português, não
25 sai pra escola, não sai pra trabalho para acompanhar ele pra rospital.
139

26 P: Entendi. Entendi. Todo mundo passou por isso aqui?


27 Lara: Sim.
28 Mira: Uhum. Sim.
29 Lara: Ninguém não passou por isso.
Grupo Focal, Encontro 1, 05 jul. 2019.

O recorte acima se estrutura em duas partes. Na primeira, Luz narra sua ida
ao posto de saúde e como ela conseguiu se comunicar utilizando linguagem
não-verbal. Na segunda parte, as MASiR denunciam a recusa de atendimento
médico por falta de políticas linguísticas nos hospitais públicos.
A conversa começa com a narrativa de Luz. Chama atenção o fato de essa
mulher utilizar bastante a linguagem não-verbal durante a interação. Ao reproduzir a
cena, Luz estala os dedos e aponta para sua cabeça, fazendo assim algo que pode
ser considerado como uma citação semiótica, já que reproduz exatamente a
maneira que ela afirma ter agido na situação original. Dessa forma, a citação das
palavras da médica, juntamente com a reprodução de suas atitudes, os pronomes
pessoais de primeira pessoa (“eu”, linhas 1 e 5) e os verbos “ir” (linha 1) e “falar”
(linha 5) conjugados em primeira pessoa demonstram o acesso epistêmico
privilegiado da narradora. A situação que ela narra foi vivida por ela, não por outros.
Por outro lado, Lara aponta uma situação que “tudo mundo” (linha 21)
vivenciou. No caso, essa expressão é uma absolutização estratégica que totaliza
as MASiR em torno de uma vivência compartilhada. Ela começa o relato
contrapondo dois tipos de médicos: o que ajuda muito, estabelecendo uma
comunicação com o paciente migrante, mesmo que seja não linguística (como no
caso de Luz) e o médico que se recusa a realizar um atendimento caso o migrante
não esteja acompanhado de um tradutor.
À princípio, Lara não se mostra ofendida pelo médico. Pelo contrário, ela
justifica a recusa do médico em termos de responsabilidade profissional. Ele não
quer atender sem um tradutor para que o migrante possa compreender exatamente
as instruções que ele passa (“para você entende que ele quer mesmo”, linhas 9 e
10), não comprometendo a qualidade do serviço ofertado. Ainda assim, a situação
não é confortável, sendo geradora de sofrimento para o migrante (“Esse coisa
também pessoas sofre muito”, linha 10). No entanto, quando ela renarra a situação
para que eu possa entender, Lara utiliza uma citação direta, recriando a fala do
140

médico. Nessa citação, a narradora o posiciona como alguém que dá ordens


(“chama”, linha 15) e dá explicações sobre a recusa de atendimento (“para você não
erro de um lugar”, linha 16). Porém, ao acrescentar a expressão “não sei quê, não
sei quê” (linha 16), Lara avalia que as justificativas não são reais ou não devem ser
levadas a sério.
O efeito dessa recusa no atendimento é a desistência do migrante que,
doente, precisaria ir em busca de alguém que pudesse acompanhá-lo novamente ao
hospital, cujo atendimento também não costuma ser rápido. O verbo “precisar” (linha
23) constitui uma pista de referência e predicação que aponta para a criação de
uma relação de dependência entre o migrante e o tradutor, encontrado pelo próprio
migrante.
Aqui está o ponto principal da denúncia, posto que a justificativa médica é
plausível. A falta de comunicação pode realmente afetar a compreensão das
queixas dos pacientes, levando a um tratamento equivocado que pode, inclusive,
resultar em morte. A questão aqui é que, se a saúde é considerada um direito no
Brasil, os locais públicos de atendimento médico deveriam estar preparados para
receber migrantes, especialmente em uma cidade como São Paulo, que recebe
pessoas de toda parte do mundo. Deveria haver tradutores de plantão em hospitais
e postos de saúde, especialmente em áreas mais frequentadas por migrantes.
O recorte destaca os contextos de uso no âmbito da saúde: postos de saúde
e hospitais públicos. Pela narrativa, percebe-se que as MASiR são usuárias dos
serviços públicos de saúde, sendo uma necessidade sociocultural conhecer o SUS,
seu funcionamento, os serviços ofertados. Nas aulas de PLAc, é preciso trabalhar
os gêneros textuais ligados à saúde, como as bulas de remédios, as receitas
médicas, as carteira de vacinação, os cartazes de campanhas públicas ligadas à
saúde.
No que tange às necessidades linguísticas, destaco apenas uma neste
recorte: a diferenciação de classes de palavras e seus usos, especialmente os
verbos e substantivos (“Vai fala pra ele tem dói”, linha 14, “para você não erro de
um lugar”, linha 16).

4.2.3 Os papéis de gênero e suas implicações no aprendizado

Este é, para mim, um tema difícil de abordar, embora tenha grande


141

importância e consequências práticas em sala de aula. É difícil porque, ao longo de


minha vida, fui ensinada que as diferenças de gênero entre os árabes são fortes e
prejudiciais às mulheres, pois as privariam de diversas liberdades. Segundo
Abu-Lughod (2012), tal visão corresponde ao discurso disseminado pelas mídias
após o atentado de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, em que as
mulheres muçulmanas são representadas como oprimidas e sofredoras, a fim de
justificar intervenções militares em países como o Afeganistão. É o que fica claro no
seguinte trecho do discurso proferido por Laura Bush em 2002:

Por causa de nossos recentes ganhos militares em boa parte do


Afeganistão, as mulheres não mais estão aprisionadas em suas
casas. Elas podem ouvir música e ensinar suas filhas sem medo de
punição. A luta contra o terrorismo é também uma luta pelos direitos
e dignidade das mulheres (BUSH, 2002, apud Abu Lughod, 2012, p.
454).

Embora hoje eu compreenda os problemas inerentes a esse modo de


enxergar as mulheres no islamismo, reconheço o quão difícil é abandonar crenças
construídas ao longo de duas décadas de discursos com “histórias únicas”
(ADICHIE, 2009) sobre mulheres muçulmanas e árabes. Então tenho dificuldade em
abordar o tema de diferenças de gênero com as MASiR de forma respeitosa, sem
pré-julgamentos. Reconheço que, na maioria das vezes em que reflito sobre isso,
tendo a um dos extremos: ou penso que as mulheres árabes são oprimidas e
precisam “de salvação” (ABU-LUGHOD, 2012), ou penso que não posso destacar
expressões de machismo por serem questões de diferenças culturais. Entendo que
ambos os extremos trazem malefícios.
Refletindo sobre essas questões, deparei-me com a seguinte argumentação
de Abu-Lughod (2012, p. 460, grifo meu), em sua discussão sobre a maneira ideal
de se aproximar das questões das mulheres muçulmanas:

O significante problema político-ético que a burca levanta é como


lidar com os “outros” culturais. Como devemos lidar com a diferença
sem aceitar a passividade assumida pelo relativismo cultural pelo
qual os antropólogos são famosos – um relativismo que diz que é a
cultura deles e que não é da minha conta julgar ou interferir, apenas
tentar entender. O relativismo cultural é certamente uma melhora em
relação ao etnocentrismo e ao racismo, ao imperialismo cultural e à
imperiosidade intrínseca a ele; o problema é que é muito tarde para
interferir. As formas de vidas que encontramos ao redor do
mundo já são produtos de longas histórias de interações.
142

A partir disso, comecei a entender que há um terceiro caminho a ser tomado


ao analisar as questões de gênero entre as mulheres árabes. Um caminho que
utilize “uma linguagem igualitária de alianças, coalizões e solidariedade em lugar de
uma linguagem de salvação” (ABU-LUGHOD, 2012, p. 467). Um caminho que se
distancie de dicotomias como elas/nós, árabes/brasileiros. Um caminho que veja as
formas de vida atuais como produtos de interações, mesmo entre culturas e línguas
distantes. Esforço-me, portanto, na tentativa de trilhar esse terceiro caminho,
buscando “explorar criticamente o que (podemos) fazer para ajudar a criar um
mundo no qual [as mulheres, árabes ou não,] possam ter segurança e vida
decentes” (ABU-LUGHOD, 2012, p. 467).
Para trilhar tal caminho, é imprescindível entender que o trabalho não é para
as mulheres árabes, mas com as mulheres árabes. Os objetivos que almejamos
alcançar não podem ser definidos unicamente pelo pesquisador. Precisam ser
definidos com elas, a partir de suas próprias demandas. Ou seja, a pauta de nossas
lutas precisam ser definidas em conjunto, priorizando aquilo que as mulheres
entendem ser relevante para elas. Explico um pouco mais: não é raro que nós,
ocidentais, façamos da liberdade de vestimenta uma de nossas fortes bandeiras
feministas. Assim, ao lutarmos por direitos das mulheres muçulmanas, transferimos
essa pauta para o contexto muçulmano, recaindo sobre o hijab e a burca. No
entanto, uma rápida pesquisa sobre feminismo islâmico51 e suas pautas aponta que
combater o uso da burca e do hijab não é uma questão importante para elas. Muitas
mulheres desses movimentos adotam o uso do véu como traço identitário e de
disputa de poder com culturas ocidentais, assumindo significados que transcendem
a tradicional compreensão ocidental de submissão feminina.
Além disso, é preciso adotar uma postura em que não há hierarquização
entre culturas e pessoas. Não é possível trilhar um terceiro caminho, que admita um
trabalho conjunto, mas que pense que lutar pelas mulheres árabes seria permitir
que elas se tornem “como mulheres ocidentais”, pois ser mulher no ocidente é
“melhor” do que em países árabes. É preciso entender que há lutas e diferentes
formas de opressão às mulheres em todas as culturas. Como já disse, é impossível
trilhar este caminho de pesquisa e envolvimento sem ouvir.

51
Ver, por exemplo, a reportagem disponível em: https://icarabe.org/mulher/artigo-feminismo
-islamico-uma-consciencia-emergente-de-genero-em-negociacao-e-resistencia. Acesso em: 20 jan.
2022.
143

Assim sendo, durante a seleção e análise do recorte a seguir, busquei me


aproximar do assunto com uma postura de promoção da igualdade de gênero,
reconhecendo que há distorções na visão dos papéis de gênero em qualquer cultura
atual. Entendo que visões que hierarquizam culturas em graus de opressão contra
mulheres são frequentemente problemáticas, adotando critérios elaborados
unilateralmente, que dificultam uma aproximação e compreensão do outro.
Feitas essas considerações, focalizo o recorte 8, buscando lançar luzes
sobre as particularidades das MASiR frente à língua portuguesa, refletindo sobre as
práticas de PLAc.

Recorte 8: “Quando tem amor, tem amor. Quando tem respeta, tem respeta”
1 P: Porque às vezes a mulher pode ser engaNAda, não pode? Ou não? Se ela tem
2 uma boa educação ela vai conseguir perceber... Porque às vezes o homem
3 paRE:ce um PRÍ::ncipe encanTA:do, mas aí... por algum motivo, às vezes ele
4 perdeu o emprego, ou por outra coisa ele fica ruim.
5 Lara: [No real não. É. Esse, ousse, esse... É. Esse por causa
6 de vida. Borque, como fala pra você, vida tá tão cumblicado. Homem talvez fica
7 tri::ste, talvez não fica tranqui::la, parece de tudo casa (aparece de todo caso). Mas
8 violência sim, mas como fala pra você, as pessoas precisa procura que trás de esse
9 coisa. Porque, sabe, quando tem amor, tem amor. Quando tem respeta, tem
10 respeta.
11 Luz: [Sim. Verdade.
12 Lara: Mas talvez, bessoas fica com raiva de UMA coisa, de UMA BROBLEMA. Ele
13 gritar, fazer uma coisa, mas ele não tão ruim.
14 (...)
15 P: Sim. E... desculpa. E aí, vocês acham que::: O que que vocês acham dessa
16 situação? Vocês acham que aconTE::ce, não aconTE::ce...
17 Lara: NÃO! Vida normal. Bode, bode contece. Porque como fala bra você, talvez
18 esse parece bissoas, ele bardeu o trabalho, não tem dinheiro, fica com raiva, não
19 fica com tranquila. Não vai fazer só sórri, só amor. Vai fica tri::ste, vai... talvez bode
20 gritar um bouco. Talvez isse... bode ele quanto tem, quanto tem fé, ele vai gradecer
21 Deus. Vai saber pra frente, não vai ficar de mesmo esse tempo. Vai milorar.
22 P: Aham.
23 Lara: É. Mas e quanto bi... quanto bissoas não tem mente, não tem controle, não
24 tem fé, complicado.
144

25 Luz: Sim, sim. Eu não... quando tem dinheiro, acho que não tem vida.
26 P: Você...
27 Luz: [NÃO TODO MUNDO, NÃO TODO MUNDO. De verdade.
28 Lara: [É. Ela...
29 Luz: Quando HOMEM tem coração eu acho que tem outro vida. Bom. Você
30 entendeu? QUANDO TEM DINHEIRO, TEM VIDA RUIM. Você entendeu?
31 P: Às vezes, é...
32 Luz: [Homem agora, TUDO MUNDO homem FORTE.
33 Lara: [É. TUDO... TUDO NA VIDA... TUDO NA VIDA...
34 Luz: [ELE É SOPER,
35 ELE FORTE, ele é princeso, certo? Ele também... (árabe)
36 Lara: [É. É. É. Farmoso.
37 Luz: Farmoso. Só não tem vida. Tudo, tudo mulher está triste.
38 Lara: [Não tem amor.
39 P: Aham.
40 Luz: Acho que é ruim.
41 P: Vocês coNHE:cem alguém, alguma aMIga de vocês, brasilEIra ou síria, que
42 passa por isso?
43 Luz: Sim. Sim. Tem.
44 Lara: É! Parece muito, borque, como fala pra você, VIda, né? Talvezes... Talvezes...
45 Alguém trai outro. Vai começa briga. Não vai fala barabéns, você fez coisa legal,
46 né? Talvezes alguém a::: a:::: Vida normal barece esses coisas. Mas, quando passa
47 tempo longo, precisa fazer control. Faze:::r... como fala?
48 Luz: Querida, TEM HOMEM QUANDO... a... a mulher, ela fazer TUDO ÓTIMO, ele
49 não gostaria. Você entendeu? SÓ ele quer briga. A minha amiga, ela tem seis
50 crianças. TUDO DIA, TUDO DIA, marido dela começa brigar com ela.
51 P: É mesmo?
52 Luz: SIM! SIM! Ela tá lembando na casa, ela cuida do criança, ela, ela... Ela vai na
53 escola, ela volta, ela vai na rospital. Ele só traBAlho... (inc) como ele é. Você
54 entendeu?
55 Lara: MAS... deixa… Ah.. tá. Aí trai. Tem como fala pra você.
56 Luz: [TEM igual esse, tem igual esse. Só amo... homem, ele não gosta.
57 Lara: Não, ela fala A mulher. Esse, esse mulher tem corpo, esse mulher tem corpo.
58 Mas eu acho, talvezes, o mulhER de CAsa cuida criança, ela cansada. Entende?
59 Chegou o homem precisa ela, ela... não tá... não tá é.. tranquila, não tá relaxe.
60 Entende?
145

61 (Lu e La conversam em árabe)


62 Luz: Quando ele quer...
63 P: Pode falar.
64 Luz: Quando ele quer sexual, ó. Melhorou. Quando ele tá acabou, depois...
65 Lara: É... e quando precisa ela não tem... não tem... Como fala? Sobretu...
66 sobretudo? (árabe) Quando não tem outra, ele fica “amor…”
67 P: Substituta.
68 Luz: Sim, sim, sim.
69 Lara: [Substituta. É. Ele mostrar amor, carinho. Fazer o que ele precisa fazer,
70 depois cabou.
71 Luz: É muito triste pra ela.
72 Lara: Começa gritar. Entende? Ela falou.
73 Luz: [Muito triste pra ela também.
74 Lara: Mas esse homem... Ela disse... Eu acho... Ele... Ela disse... O olho dele pra
75 fora. Tem uma... amizade com outra, entende?
76 Luz: [Ela muito bonita! Eu não sei... Muito triste pra ela.
77 P: [Sei. Sim.
78 Luz: Tudo dia ela me ligou: “Luz, ele tá briga comigo. Ele... (árabe)”
79 Lara: Me bate.
80 Luz: Me bate! Sim. Ela tem seis filhos!

Grupo Focal, Encontro 3, 25 nov. 2019.

O recorte traz uma negociação de sentidos entre Lara e Luz. Diferentemente


de outras temáticas, foi necessária uma provocação mais específica de minha parte
para que as MASiR entrassem nesse assunto, demonstrando que não é algo sobre
o qual elas se sentem confortáveis para falar. Tal provocação se faz bastante nítida
nas pistas semióticas de referência e predicação que mobilizo em minha fala,
por exemplo, nas perguntas (linha 1) que dirijo às mulheres, e na entonação
utilizada com alongamento de vogais que colocam ênfase sobre uma face
aparentemente sedutora dos homens (“paRE:ce um PRÍ::ncipe encanTA:do”, linha
3).
No entanto, durante a interação, eu quase não participo. Isso porque Luz e
Lara têm posicionamentos muito diferentes sobre o assunto. Enquanto Lara vê a
violência doméstica como algo pontual, justificável por dificuldades inerentes à vida,
Luz avalia a violência como algo incompreensível, que acontece mesmo em
situações consideradas tranquilas, sem que haja motivos para isso. Esse embate se
146

dá por toda a interação, chegando a um ponto de concordância ao final: a única


explicação possível para uma violência gratuita é que o homem esteja tendo um
caso fora do casamento (entre as linhas 65 e 75).
Lara argumenta que a violência não acontece de forma gratuita. Sempre tem
uma justificativa por trás, que deve ser avaliada (“Mas violência sim, mas como fala
pra você, as pessoas precisa procura que trás de esse coisa”, linhas 7 a 9). Ela
parece construir a ideia de que a violência é comum, mas não é o ideal em um
casamento, posto que a base do casamento seria o amor e o respeito mútuo
(“Porque, sabe, quando tem amor, tem amor. Quando tem respeta, tem respeta”,
linhas 9 e 10). Esse argumento encontra concordância em Luz, que predica e
avalia a fala de Lara por meio das palavras “Sim. Verdade” (linha 11).
No recorte feito, Lara defende quatro vezes que a violência esporádica é algo
que pode acontecer e faz parte da “vida normal”: “Esse por causa de vida. Borque,
como fala pra você, vida tá tão cumblicado” (linhas 5 e 6); “Vida normal. Bode, bode
contece” (linha 17); “Parece muito, borque, como fala pra você, VIda, né?” (linha
44); “Vida normal barece esses coisas” (linha 46). O posicionamento de Lara,
portanto, parece um tanto quanto condescendente, já que, para ela, atos não
rotineiros de violência não seriam suficientes para avaliar um homem como “ruim”.
Embora haja uma ressalva por parte de Lara ao considerar que, em caso de
repetição e longa duração do ato violento, seja preciso intervir (“Mas, quando passa
tempo longo, precisa fazer control”, linhas 46 e 47), fica nítida sua condescendência
em relação ao possível infrator, na seguinte declaração: “Mas talvez, bessoas fica
com raiva de UMA coisa, de UMA BROBLEMA. Ele gritar, fazer uma coisa, mas ele
não tão ruim” (linhas 12 e 13). Note-se que a entonação empregada na explicação,
enfatizando-se a palavra “uma” – que tanto pode ser lida como um artigo, quanto
como um numeral –, ajuda a referenciar o ato violento como algo menor, sem
importância,
A narrativa de Lara indica que alguns fatores poderiam justificar uma
agressão, sendo acontecimentos que podem causar um grande estresse, levando à
perda de controle. Para ela, são possíveis justificativas: um problema (“bessoas fica
com raiva de UMA coisa, de UMA BROBLEMA”, linha 12), a perda de emprego ou
problemas financeiros (“talvez esse parece bissoas, ele bardeu o trabalho, não tem
dinheiro”, linha 18) e a traição (“Alguém trai outro. Vai começa briga. Não vai fala
barabéns, você fez coisa legal, né?”, linha 45). Note-se, inclusive que, em sua
147

argumentação, a palavra “parabéns”, utilizada ironicamente, contribui para avaliar a


violência como a atitude mais lógica nas situações exemplificadas.
Outra característica importante que Lara atribui aos homens é a religiosidade,
fazendo distinção entre aqueles que são religiosos e, por isso, não se desesperam,
pois sabem que as coisas vão melhorar, e aqueles que não são e que, por isso, se
desesperam, não têm controle, podendo ter atitudes violentas. Isso fica evidente por
meio das palavras “fé” (linhas 20 e 24) e “Deus” (linha 20), pistas de referência e
predicação que contribuem para evocar o contexto religioso.
Por sua vez, Luz constrói, entre as linhas 25 e 40, uma oposição entre o
dinheiro e uma vida boa, com amor. O argumento de oposição é construído em
quatro momentos, sendo o último momento intercalado entre Luz e Lara: (i)
“Quando tem dinheiro, acho que não tem vida” (linha 25); (ii) “Quando HOMEM
tem coração eu acho que tem outro vida. Bom.” (linha 29); (iii) “QUANDO TEM
DINHEIRO, TEM VIDA RUIM.” (linha 30); (iv) “Homem agora, TUDO MUNDO
homem FORTE (...). ELE É SOPER, ELE FORTE, ele é princeso, certo? Ele
também (...) Farmoso. Só não tem vida. Tudo, tudo mulher está triste.” (linhas 32 a
37).
Pela última frase, que é construída com ajuda de Lara, percebe-se que o
contraste produzido pela fala da narradora não está necessariamente entre o
dinheiro e a vida com amor, mas entre as características apreciadas em um homem.
Com entonação enfática, a narradora lança mão de uma absolutização estratégica
para afirmar e avaliar que, atualmente, “todo mundo” procura um homem “forte”,
“super”, “formoso”, enfim, um “príncipe”. Mas essas características não são
suficientes para fazer uma mulher feliz. Pelo contrário, a partir da fala é possível
inferir que a participante entende que encontrar o “homem perfeito” faz com que as
mulheres fiquem tristes. E isso se dá, pelo que Lara completa na linha 38, porque
“não tem amor”. Essa situação é predicada e avaliada por Luz como “ruim” (linha
40).
A maneira de Luz contrariar a colega é bastante significativa. Percebendo
que Lara, mais uma vez, colocaria a violência como situação pontual, Luz a
interrompe por meio do vocativo “querida” (linha 48). Esse adjetivo referencia e
predica, ao mesmo tempo em que avalia a colega, posicionando-a de modo
possivelmente carinhoso. No entanto, dado que ali se inicia uma disputa sobre como
a violência doméstica deve ser percebida, é possível inferir também ironia no
148

emprego de tal vocativo. Possivelmente uma estratégia discursiva para conseguir


que sua colega escutasse sua argumentação e mudasse seu posicionamento em
relação à violência, deixando de ser uma rival de opinião para se tornar uma colega
“querida”, compartilhando a mesma visão. Talvez uma estratégia para contrariar a
colega sem, necessariamente, ofendê-la.
Fato é que Luz questiona Lara, afirmando que, muitas vezes, a mulher não
tem culpa na violência do marido, o que aponta que Luz percebia que as
justificativas de Lara posicionavam as mulheres como culpadas pela violência a elas
infligida. Valendo-se de uma totalização estratégica (“tudo ótimo”), Luz posiciona a
mulher como inocente e o homem como briguento: “TEM HOMEM QUANDO... a... a
mulher, ela fazer TUDO ÓTIMO, ele não gostaria. Você entendeu? SÓ ele quer
briga”, linhas 48 e 49). Para dar força a seu argumento, Luz exemplifica com a
história de uma amiga (“A minha amiga, ela tem seis crianças. TUDO DIA, TUDO
DIA, marido dela começa brigar com ela”, linhas 49 e 50), a qual parece ganhar
credibilidade dado o acesso epistêmico da narradora ao evento narrado: as
informações trazidas por Luz não chegaram até ela por canais desconhecidos, mas
pela própria amiga, protagonista da história que conta. Vale pontuar que, no
exemplo narrado por Luz, mais uma vez, a absolutização tem lugar, não sendo de
vez em quando que o marido briga com sua amiga, mas “tudo dia, tudo dia”. A
repetição e a entonação enfática indiciam a posição inferiorizada da mulher.
Nesse ponto, creio ser relevante retornar à seguinte afirmação de Luz: “a
mulher fazer tudo ótimo” (linha 48). Essa afirmação, a meu ver, sinaliza sua
compreensão sobre os diferentes papéis a serem desempenhados por cada gênero.
Luz informa que sua amiga limpa a casa, cuida das crianças, se encarrega da
educação e da saúde da família (“tá lembando na casa, ela cuida do criança, ela,
ela... Ela vai na escola, ela volta, ela vai na rospital”, linhas 52 e 53), enquanto o
esposo “só traBAlho” (linha 53). Essa visão da diferenciação de papéis esperados
para homens e mulheres ecoa nos dados levantados do questionário respondido
pelas MASiR, os quais indicam que as mulheres se ocupam das atividades relativas
aos ambientes mais íntimos (casa e família), enquanto o homem ocupa os espaços
mais públicos (trabalho). Ao compararmos essa informação com a língua usada em
cada espaço, temos que o árabe predomina nos ambientes íntimos, e o português
nos mais públicos. Assim, respaldo minha percepção inicial apresentada na seção
2.1.3 – As mulheres árabes em situação de refúgio como público específico, de que
149

os homens árabes em situação de refúgio praticariam mais a língua portuguesa fora


do ambiente formal de aprendizado do que as mulheres.
Curiosamente, Lara interfere na fala de Luz, apresentando, outra vez, uma
justificativa para a violência: a traição (linha 55). Na perspectiva de Lara, inclusive a
traição seria culpa da mulher, que, por fazer “tudo direito”, ocupando-se da casa e
dos filhos, negligenciaria sexualmente o marido. Assim, a mulher sempre seria
culpada pela violência sofrida – seja por não fazer “tudo direito”, seja por ficar
cansada por cumprir suas obrigações e tornar-se indisponível sexualmente.
Vale ressaltar que o verbo utilizado por Lara para denotar a demanda por
relações sexuais – “precisar” (linha 59) –, configura-se como um indexicalizador que
contribui para avaliar os impulsos sexuais masculinos como uma “necessidade”.
Ressalte-se também que a mudança do gênero do sujeito do verbo “precisa” pode
alterar seu sentido, remetendo a um discurso misógino bastante difundido. Ao dizer
“o homem precisa da mulher”, a necessidade aparenta ser de ordem sexual. Se,
porém, se inverte a relação, dizendo “a mulher precisa do homem”, a necessidade
parece ser de ordem financeira ou emocional. Assim, identifica-se o eco de um
discurso que posiciona os homens sempre como seres sexuais e as mulheres como
seres emocionais ou interesseiros.
Se a análise desse recorte, até o momento, já é suficiente para argumentar a
favor da importância de debater o tema da violência doméstica e das disparidades
de gênero, as próximas falas focalizadas tornam isso ainda mais evidente. Isso
porque, embora nunca tenham estudado sobre o chamado ciclo de violência
doméstica, Lara e Luz descrevem perfeitamente esse ciclo.
A figura a seguir foi retirada da cartilha Prevenção da Violência Doméstica e
Familiar com a Estratégia de Saúde da Família, publicada pelo Ministério Público do
Estado de São Paulo em 2020. Esse material constitui-se como importante
ferramenta para as mulheres migrantes, uma vez que possui tradução para o árabe,
o francês, o inglês, o creole e o espanhol.
150

Figura 8 – Ciclo da Violência Doméstica

Fonte: Ministério Público de São Paulo, 2020. Cartilha PVDESF_SP. Disponível em:
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Cartilhas/PVDESF_portugues.pdf. Acesso em 17 dez.
2021.

Na fase da evolução da tensão, o homem se torna uma figura ameaçadora e


violenta, xingando e humilhando sua parceira. Neste momento, a mulher tende a se
sentir culpada e a procurar justificativas para o comportamento abusivo do
companheiro. A fase seguinte é a da explosão, em que ocorre a agressão física e
verbal. A terceira fase é chamada de lua-de-mel, em que o homem se torna
carinhoso, prometendo mudar o comportamento. Acreditando nele, a mulher
continua na relação, submetendo-se novamente ao ciclo de violência.
Este é o ciclo que Luz narra quanto à vivência de sua amiga. Para Luz, no
entanto, este ciclo ocorre por interesse sexual: “Quando ele quer sexual, ó.
Melhorou. Quando ele tá acabou, depois...” (linha 64) e “Ele mostrar amor, carinho.
Fazer o que ele precisa fazer, depois cabou” (linhas 69 e 70).
Ainda frente a essa argumentação, Lara insiste em trazer a traição para a
pauta, insistindo que o homem age de forma violenta e interesseira por
necessidades sexuais, apontando que ele só age de forma carinhosa “quando não
tem outra” (linha 66), quando não tem uma “substituta” (linhas 65, 67 e 69). Por
outro lado, Luz reforça que sua amiga não dá motivos para o marido agir
violentamente. Por meio da repetição da expressão “muito triste para ela” (linhas 71,
73 e 76), Luz parece expressar a solidariedade com a amiga. Ao mesmo tempo, ao
afirmar que sua amiga é “muito bonita” (linha 76), Luz indica que percebe a beleza
como uma maneira de manter o marido interessado. Isso porque coloca o fato de a
151

amiga ser bonita como gerador de uma incompreensão da situação. Quase como se
ela dissesse: “se minha amiga fosse feia, eu entenderia ela sofrer violência ou
traição”. Por fim, para aumentar o drama vivido pela amiga, Luz traz o número de
filhos que ela tem (“ela tem seis filhos!” linha 80), sendo portanto o número “seis”
unido ao substantivo “filhos” uma pista de referência e predicação que ajuda a
construir a imagem de sua amiga como pessoa digna, dedicada, esforçada e
trabalhadora. Afinal, não há figura mais imaculada do que a de mãe, ainda mais
uma mãe de seis filhos.
Quanto aos contextos de uso, ficam claros neste recorte os contextos
relacionados à família, com escolas e hospitais em destaque. Há também uma
necessidade sociocultural de discussão sobre as diferenças de gênero e a forma
como as violências contra a mulher, com todos os gêneros textuais envolvidos
(ligação telefônica de denúncia, leis etc), são percebidas no Brasil.
Com relação às necessidades linguísticas, esse recorte evidencia, mais uma
vez a dificuldade fonética entre /p/ e /b/ (“borque”, linha 6, “bessoas”, linha 12), a
dificuldade no emprego das vogais (“casa/caso”, linha 7, “respeta/respeito”, linha 9,
“soper/super”, linha 34), a dificuldade com os gêneros das palavras (“uma
problema”, linha 12), dificuldades com as conjugações verbais (“as pessoas
precisam procurar”, linha 8), ausência de verbo de ligação (“as pessoas precisa
procura que [está por] trás de esse coisa”, linha 8). Aparecem, também, as
seguintes necessidades linguísticas pela primeira vez:

i) omissão do “a” em início de palavra


- “aparece de tudo casa”, linha 7
- “bode acontece”, linha 17;
- “ele vai agradecer Deus”, linha 20
- “depois acabou”, linha 70

ii) o advérbio como palavra invariável


- “talvezes”, linhas 44, 46, 58

iii) “h” no início de palavra pronunciado


- “rospital”, linha 53
152

iv) gerúndio
- “ele tá briga comigo”, linha 78.

4.2.4 Acolhimento em crise

O recorte 13 traz a narrativa de Mira sobre sua chegada ao Brasil, no


aeroporto de Guarulhos. Mira aponta a dificuldade para se comunicar naquele
momento, dado não ter encontrado quem falasse inglês, mesmo no aeroporto.
Os contextos de uso aqui são o aeroporto e a locomoção na cidade,
destacando-se como propósitos comunicativos pedir ajuda e pegar um táxi.
No trecho, destacam-se, também, a importância do smartphone para esse
público e uma metáfora bastante significativa construída pela narradora para falar
de si mesma.

Recorte 9: “Pareceu crianças nasceu agora”


1 Mira: Minha irmã mora na:: Santo Amaro. É… meu cunhado eh…. ele vai eh... na
2 Santo Amaro até Guarulhos. Ele atrasou… Ele atrasou duas horas. A gente tá
3 chorando. Meu pai também muito doente, né? Difícil. E também tem um homem
4 com táxi. Ele falou: “Quer falar com o celular com…
5 Lara: Alguém
6 Mira: Alguém”. Eu não entendi nada. Eu fala pra ele: Você… ah… “Speak english?”.
7 “Não”. Muito difícil. Muito complicado.
8 Luz: [Esse problema na Brasil fala só português, pouco inglês.
9 Mira: Debois, peguei a celular dele, falou com minha irmã. Também não tenho
10 endereço dela. Essa… muito difícil. Falei com minha irmã. Fala pra ela coisas muito
11 ruim com ela. (risos) Ela falou… Seu marido… Marido dela…
12 Lara: Tá no caminho.
13 Mira: Sai da casa antes duas horas. Não chegou no aeroporti até agora. Então ela
14 falou: “ele saiu”. Eu chorando muito, porque… Muito difícil, porque você chegou pra
15 outro país, então não tem língua pra falar com ninguém… Muito complicado.
16 Lara: É.
17 Mira: Eu falei com minha irmã coisas muita ruim, depois… é… cai…
18 Lara: Pedi desculpa.
19 Mira: Depois cai… não. Depois cai ah… ligação.
20 Lara: Cai ligação. Sim.
153

21 P: Caiu a ligação!
22 Mira: Não deixei ela falar…
23 P: Falar nada.
24 Lara: Ah! Ela desligou na cara dela, porque ela com raiva.
25 P: Aham.
26 Lara: Sim, porque quando alguém chegou não fala língua, pareceu crianças nasceu
27 agora. Nasceu agora. Ele não sabe nada, nada. Você deixa, ele vai e morre, né? É
28 porque… Infelizmente o língua… Tem pessoas que aprendeu inglês, mas não
29 encontrar ninguém fala inglês. Ele vai fica parece pessoas partido. Pra cá, pra lá.
30 Mas a gente agradece Gog, porque ele ajuda.
31 Mira: É… Ele ajuda um poquinho.
32 Lara: NÃO! MUITO! COMO POUQUINHO?
33 Mira: Não, tô… Não todas palavras certo.
34 Lara: Porque aqueles… NÃO. Se consegue usar celular ele vai colocar endereço,
35 vai pedir Uber, vai pedir… Vai fazer tudo, né?
36 Luz: Sim, sim. De verdade.
37 Lara: Mas quem é… No.. Non sabe essa maneira, ele parece agora nasceu vai que
38 alguém tratar ele, né?
39 Luz: Quando chegou na Brasil três meses eu tudo chorando. Eu quero voltar na
40 Síria. (risos)
41 Mira: Eu até agora.
42 Luz: Tudo os dias eu fala com meu marido: “Eu quero voltar. Eu não quero ficar
43 aqui. Eu quero voltar.” Ele fala “fica tranquila”. Ontem, ele fala: “Luz, você quer voltar
44 na Síria?”. Eu fala: “Non!”. (risos) Non com risada.
45 Lara: [Porque agora já motorista (inc)
46 Luz: Você entende? Non com risada. Non, non.
47 P: Você gosta do Brasil?
48 Luz: Sim, gosta. (risos) Ele fala: “Antes tá chorando com sim. Agora tá risada com
49 non?” (risos)
50 Lara: Porque Brasil um país muito legal.

Grupo Focal, Encontro 1, 05 jul. 2019.

O recorte acima se organiza com a participação das três mulheres: Mira inicia
relatando sua experiência de chegada ao Brasil, com uma espera de duas horas no
aeroporto sem conseguir entender o que estava acontecendo, nem se comunicar
com as pessoas à sua volta. Em seguida, Lara enuncia a metáfora que dá título a
154

essa dissertação, comparando recém-chegados ao Brasil com recém-nascidos. Por


último, é Luz quem toma a palavra, lançando mão de uma antítese para demonstrar
o quanto sua relação com o Brasil mudou desde sua chegada.
O ponto que chama mais atenção nas palavras de Mira é a dificuldade que
tem em encontrar alguém que fale inglês no local que é a porta de entrada do Brasil
para estrangeiros e migrantes de diferentes partes do mundo: o aeroporto
internacional de Guarulhos. Ela conta que um taxista lhe ofereceu ajuda, mas ela
não conseguiu entender – situação predicada e avaliada por ela como “Muito difícil.
Muito complicado.” (linha 7). Ao que parece, para tentar passar o quanto essa
experiência foi negativa para ela, Mira repete a mesma ideia com palavras
diferentes, mas utilizando em ambas o advérbio de intensidade “muito”. É notável
que esse advérbio apareça 9 vezes entre as linhas 3 e 17, sempre nas falas de
Mira, reforçando que essa situação foi bastante intensa para ela. Em 5 das 17 vezes
em que esse advérbio aparece, ele está acompanhando os adjetivos “difícil” (3
vezes, nas linhas 7, 10 e 14) ou “complicado” (2 vezes, nas linhas 7 e 15), avaliando
e predicando a situação. É perceptível que essa vivência é compartilhada pelas
MASiR, pois Luz interrompe a narrativa de Mira para avaliar como “problema” (linha
8) o fato de encontrar poucas pessoas que falem inglês no Brasil. É curioso
perceber que, mesmo que Luz não fale inglês, ela percebe essa questão como um
problema.
Essa denúncia se repete em uma conversa com Sara, a qual não discutirei
aqui, mas que trago para reforçar meu argumento de que não encontrar a língua
inglesa no Brasil, especialmente no aeroporto internacional, é percebido como um
“problema” (linha 8) “muito complicado” (linha 7) por várias MASiR.

Recorte 10 - “Everything in portuguese”

1 Sara: And I was looking for the people Sara: E eu estava olhando para as
2 where they will go. Because there is one pessoas, onde elas iam. Porque tem uma
3 for Brazilian, and one... BUT (fila) para brasileiros e uma… MAS TUDO
4 EVERYTHING IN PORTUGUESE. Little EM PORTUGUÊS. Um pouquinho em
5 bit in English. Not too much. inglês. Não muito.
6 P: There... There was not... not writing P: Não… Não tinha… não tinha escrito
7 like... I don't know. Like: foreign como… Não sei. Tipo: passageiros
8 passengers this way? internacionais por aqui?
155

9 Sara: Not everything. Little. Sara: Nem tudo. Um pouco.


10 P: The most part was in Portuguese? P: A maior parte estava em português?
11 Sara: Yeah. Sara: Sim.
12 P:(...) I didn't know that. A:: Sometimes I P: (...) Eu não sabia disso. A:: Às vezes eu
13 travel also. But I don't know. Maybe, também viajo. Mas não sei. Talvez porque
14 because I... I'm, I'm used to Portuguese eu… Eu, eu estou acostumada ao
15 and a little English. Sometimes I don't português e um pouco de inglês. Às vezes
16 note... notice if there is not English or... eu não… percebo se não tem inglês ou…
17 Sara: Yeah.... There is... I saw: EXIT. Sara: Sim… Tem… Eu vi: SAÍDA.
18 P: Okay. P: Ok.
19 Sara: I saw EXIT. (risos) Sara: Eu vi SAÍDA. (risos)

Conversa com Sara, 06 jul. 2019.

Nesse curto trecho da conversa com Sara, compreendemos que não é


apenas a falta de profissionais que falem inglês no aeroporto que incomoda, mas
também a falta de sinalização em inglês. Sara denuncia que sua locomoção se deu
seguindo outras pessoas, pois ela não encontrava placas em inglês. A partir disso,
surge um questionamento por uma situação que soa absurda: Como é possível que
um aeroporto internacional, por onde passam inúmeros estrangeiros todos os dias,
não seja bem sinalizado em inglês e não tenha ao menos um balcão de ajuda ou
informações que atenda nessa língua?
Retomando a análise do recorte 9, percebemos o quanto Mira se esforça
para expressar como o episódio a afetou emocionalmente, utilizando especialmente
o verbo “chorar” (linhas 3 e 14). Também é perceptível que sua narrativa é
construída pelas ausências, as negativas do que deveria ter acontecido, o que se
nota por meio dos advérbios de negação nas seguintes frases: “Eu não entendi
nada” (linha 6), “‘Speak english?’. ‘Não’.” (linhas 6 e 7), “Também não tenho
endereço dela” (linhas 9 e 10), “Não chegou no aeroporti até agora” (linha 13), “Não
tem língua pra falar com ninguém” (linha 15) e “Não deixei ela falar” (linha 22). Nas
frases da linha 6 e da linha 15, Mira utiliza também absolutizações estratégicas
para enfatizar a sensação de não entender e não se fazer entendida, destacando
uma necessidade de ordem afetiva.
No entanto, é muito pertinente perceber que Mira se posiciona e é
posicionada por suas colegas de classe como alguém ativa na situação, colocando
156

suas emoções por meio do choro (linhas 3 e 14), procurando soluções por meio da
ligação para a irmã (linha 9) e expressando sua raiva por meio da reação de
desligar o telefone na cara da irmã (linha 24). Ela não é passiva, mas ativa em toda
a narrativa. Os verbos em primeira pessoa e o pronome pessoal “eu” estão em todo
o relato, destacando o acesso epistêmico privilegiado da narradora-personagem e
dando credibilidade ao relato, ao mesmo tempo em que dão um tom mais emotivo
para a narrativa.
Ainda sobre o trecho em que Mira tem a palavra, destacam-se algumas
necessidades de ordem linguística. Há, por exemplo, a dificuldade em localizar as
situações narradas nos tempos adequados. Percebe-se uma confusão na
localização do advérbio “antes” e no sentido do advérbio “agora”, bem como a não
utilização do tempo verbal pretérito mais que perfeito no momento em que ele se faz
necessário. Refiro-me ao período “[o marido dela] sai da casa antes duas horas.
Não chegou no aeroporti até agora.” (linha 13), que poderia ser melhor
compreendido utilizando o pretérito mais que perfeito e mudando os advérbios
temporais: “o marido dela havia saído/saíra de casa duas horas antes. Não havia
chegado/chegara ao aeroporto até aquele momento”.
Além disso, destacam-se a dificuldade com o gênero das palavras (“na Santo
Amaro”, linha 1, e “a celular”, linha 9), a transformação de advérbios em palavras
variáveis (“coisas muita ruim”, linha 17), a utilização do verbo chegou (“você chegou
pra outro país”, linha 14) e a falta de concordância verbal adequada (“eu fala pra
ele”, linha 6).
Há também uma particularidade que pode ser típica de uma construção oral.
Refiro-me à repetição de termos em um período, tornando redundante a frase: “Fala
pra ela coisas muito ruim com ela” (linhas 10 e 11).
A fala de Mira é finalizada com a intervenção de Lara, construída inicialmente
para dar razão e explicar a atitude da colega. Isso é percebido pelas palavras “Sim,
porque” (linha 23), pistas de referência que introduzem sua fala. A metáfora que
Lara constrói é muito significativa, conectando, pela necessidade de constante
cuidado, os recém-chegados que não falam o português às crianças
recém-nascidas. Lara diz: “quando alguém chegou não fala língua, pareceu crianças
nasceu agora. Nasceu agora. Ele não sabe nada, nada. Você deixa, ele vai e morre,
né?” (linhas 26 e 27). Nessas duas linhas, Lara utiliza de repetição para chamar
atenção a dois pontos de sua fala: o recém nascimento (“nasceu agora”) e o total
157

desconhecimento (“nada, nada”). O ápice de sua comparação, no entanto, se coloca


na última frase, denotando que o abandono de um recém-nascido, tanto quanto de
um recém-chegado, resulta em morte: “Você deixa, ele vai e morre, né?” (linha 24).
Assim, Lara posiciona migrantes que não falam português como pessoas tão
vulneráveis quanto um bebê recém-nascido, incapaz de se defender e requisitar
seus direitos mais básicos, chegando ao ponto de morrerem. Embora, num primeiro
momento, essa afirmação possa parecer um tanto exagerada, após olharmos as
notícias de mortes de migrantes durante suas travessias ou por xenofobia,
constatamos não ser esta uma afirmação tão distante assim. De fato, é uma
realidade muito mais próxima do que qualquer um desejaria.
Logo em seguida, Lara explica que não conseguir se comunicar deixa as
pessoas perdidas, indo de um lado para o outro:“Ele vai fica parece pessoas partido
(perdido). Pra cá, pra lá” (linha 29). É, então, neste momento da narrativa, que Lara
revela uma ferramenta que considera essencial para os migrantes: a tecnologia dos
smartphones, representada pela palavra “Gog”: “Mas a gente agradece Gog, porque
ele ajuda” (linha 30). Como uma redução da palavra “Google”. “Gog” funciona como
uma pista de referência que constrói uma metonímia, tomando o site “Google”
como significante de toda a tecnologia.
Utilizar essa palavra de maneira metonímica gera uma disputa de significados
entre Lara e Mira, sendo que esta, a princípio, avalia essa ajuda por meio do
advérbio “pouquinho” (linha 31), gerando uma forte intervenção daquela. Por meio
do grito “NÃO! MUITO! COMO POUQUINHO?” (linha 32), Lara se impõe na disputa
do significado. O que se percebe nas linhas seguintes é que Mira compreende a
metonímia de forma literal, especificando que as traduções oferecidas pelo Google
Tradutor são imperfeitas. Assim, Lara explica, ainda energicamente, que o “Gog” foi
utilizado em sentido amplo, como todos os recursos oferecidos por um smartphone.
Ela apresenta essa argumentação contrapondo aqueles que conseguem usar o
celular com aqueles que não conseguem, sendo interrompida por Luz, que reafirma
seu argumento. Note-se que a primeira fala de Lara se apresenta em uma
gradação, que culmina em uma absolutização estratégica por meio da palavra
“tudo”: “Se consegue usar celular, ele vai colocar endereço, vai pedir Uber, vai
pedir… Vai fazer tudo, né?” (linhas 34 e 35). Já na segunda, Lara referencia aqueles
que não conseguem usar celular por meio da metáfora do recém-nascido, ou seja,
de um ser totalmente dependente, sem autonomia: “Mas quem é… No.. Non sabe
158

essa maneira, ele parece agora nasceu vai que alguém tratar ele, né?” (linhas 37 e
38). Assim, a argumentação de Lara predica e posiciona, simultaneamente, dois
tipos de migrantes e uma ferramenta de informação: os migrantes recém-chegados
que conseguem usar smartphones são representados como independentes, mesmo
sem a língua portuguesa; os migrantes recém-chegados que não conseguem utilizar
essa tecnologia são totalmente dependentes, como recém-nascidos; a ferramenta
que concede independência a um migrante não seria a língua portuguesa, mas os
smartphones, a internet, os aplicativos – resumindo, o “Gog”.
Embora a questão das tecnologias traga inúmeros desdobramentos em
termos de políticas linguísticas e políticas públicas de acolhimento, ela não é o foco
deste trabalho. Registro apenas a dificuldade que muitos migrantes – e turistas –
têm para ter acesso a esse serviço, já que o chip de celular só é vendido por meio
de CPF no Brasil. Então, vários migrantes passam por situações bastante
complicadas por não poderem usufruir do “Gog” no momento que mais precisam: a
fase inicial de chegada no país.
Por fim, Luz toma a palavra, utilizando a própria história como um exemplo
que apoia a argumentação de Lara. Por meio de uma antítese, Luz contrapõe seus
sentimentos nos primeiros três meses no Brasil com os sentimentos atuais.
Considerando que essa narrativa se insere na metáfora de Lara sobre migrantes
recém-chegados como bebês recém-nascidos, o número de meses apresentado por
Luz é bastante significativo: “Quando chegou na Brasil, três meses eu tudo
chorando. Eu quero voltar na Síria” (linha 39). Afinal, os três primeiros meses de um
bebê são conhecidos atualmente pelo termo “exterogestação”, ou seja, o período
em que o bebê necessita de maiores cuidados. Pediatras que defendem esse
conceito apontam que a dependência do bebê é tão grande nos três primeiros
meses, com seus sistemas biológicos ainda em formação, que é praticamente um
último trimestre de gestação que ocorre fora do útero. Há profissionais que indicam
técnicas para acalmar o bebê com base na reprodução do ambiente uterino. Assim,
arrisco dizer que, se o migrante recém-chegado é como um bebê recém-nascido, o
momento de chegada ao Brasil é como o parto, o aeroporto é como o hospital e os
três primeiros meses no Brasil são a exterogestação, o momento de maior cuidado
e maior choro, bem como o desejo de retorno (seja ao país de origem, seja ao
útero).
Em sua fala, Luz aponta que “Tudo os dias eu fala com meu marido” (linha
159

42), lançando mão de uma absolutização estratégica para ressaltar o quanto ela
desejava voltar para a Síria. Por meio de citações diretas, Luz destaca seu acesso
epistêmico privilegiado, sendo que seu relato foi algo vivenciado por ela, não por
outros. E finaliza apresentando um ponto cômico, questionado por seu marido e
construído por meio das antíteses antes/agora, choro/risada, sim/não: “Antes tá
chorando com sim. Agora tá risada com non?’ (linha 49). Assim, ela demonstra que
a vontade de voltar à Síria estava ligada ao sofrimento, enquanto a vontade de ficar
no Brasil está ligada à alegria.

4.2.5 Reflexões sobre situações e necessidades de aprendizagem

O recorte a seguir traz as reflexões de Sara sobre sua aprendizagem,


destacando a diferença de professores com formação para o ensino e os outros
voluntários.

Recorte 11: “Really, it was amazing”

1 P: And what do you think... a:... we P: E o que você acha… é… deveríamos


2 should teach in Portuguese, in classes, ensinar em português, nas aulas, que
3 that would help with those things or other ajudariam com essas ou outras coisas? E
4 things? And we don't... nós não…
5 Sara: [In Compassiva? Sara: [Na Compassiva?
6 P: Yes. In Compassiva and in any other P: Sim. Na Compassiva e em qualquer
7 school of Portuguese. outra escola de português;
8 Sara: Is it okay to say? Sara: Não tem problema falar?
9 P: Yeah! (risos) P: Sim! (risos)
10 Sara: I think that there is something that Sara: Eu acho que tem uma coisa que
11 you... not all of the teachers. Some of vocês… Não todos os professores.
12 them are not. I think all of them are not Alguns deles. Eu acho que nenhum deles
13 specialized in teaching language. é especializado em ensinar línguas.
14 Because they're volunteers. And some of Porque eles são voluntários. Alguns são
15 them work in Company, some of them... empresários, alguns… enfermeiros. Eu
16 nurse. I don't know what their job is. But não sei qual o trabalho deles. Mas eles
17 they are not specialized in teaching. não são especializados em ensinar.
18 P: Yes. P: Sim.
19 Sara: So I think this is big problem. Sara: Então, eu acho que isso é um
160

20 And... the other one is.... for me it's grande problema. E… o outro é… para
21 easier to understand Portuguese than to mim é mais fácil entender português do
22 talk in Portuguese. Because rarely we que falar português. Porque raramente
23 read or make frases, something like this. lemos ou fazemos frases, algo assim.
24 P: Okay. In, in the classes they don't.... P: Ok. Nas, nas aulas eles não…
25 Sara: Not all of them. Some of them. Sara: Nem todos. Alguns.
26 P: Okay. There's more... P: Ok. Tem algo mais…
27 Sara: I think this year is much better than Sara: Eu acho que este ano está muito
28 last year. Because last year I only get to melhor que o ano passado. Porque ano
29 participate in the middle of the year and passado eu só comecei a frequentar no
30 we have many vacations. And... we only meio do ano e tivemos muitas férias. E…
31 repeat how to introduce yourself. Your nós só repetíamos como se apresentar.
32 name, your age. And then, another Seu nome, sua idade. E então, alguém
33 people come and we start from the zero. chegava e tínhamos de começar do zero.
34 P: Okay. P: Ok.
35 Sara: But this year, I think there is some Sara: Mas este ano, eu acho que alguns
36 teachers to make ah... games, trying to... professores fazem ah… jogos, tentando…
37 We have a new teacher. Only for one Temos um novo professor. Só em uma
38 class. He came. He put all his efforts to aula. Ele veio. Ele se esforçou em fazer
39 do activities during the class. atividades na aula.
40 P: Okay. P: Ok.
41 Sara: Really, it was amazing. Even when Sara: De verdade, foi maravilhoso. Eu
42 I went back to my house, I sent até, quando voltei pra casa, mandei
43 messages to my friends who were here. mensagens para meus amigos que
44 And telling them about the class. estavam aqui. E contei sobre a aula.

Conversa com Sara, 06 jul. 2019.

Nesse excerto, Sara, a partir de sua experiência como aprendiz, elenca


fatores que precisam ser melhorados nas aulas de português. A ausência de
hesitações em suas respostas indicam que suas análises não foram feitas no
momento, já estando latentes na estudante. Ressalto que essa mulher refugiada
tem um histórico de trabalho como professora, o que aumenta o peso de seus
posicionamentos. Ela foi professora de artes para crianças em um campo de
refugiados durante alguns anos, além de, no Brasil, atuar como professora de
inglês.
161

Inicialmente, ao demandar a opinião de Sara sobre os problemas nas aulas


(linhas 1 a 4), eu a posiciono como consumidora de um produto a ser avaliado. O
contraste construído por meio de pronomes pessoais (“you”, linhas 1 e 3,
referindo-se a Sara, e “we”, linhas 2 e 4, referindo-se aos trabalhadores da
Compassiva) contribui para posicionar a estudante como consumidora de um
produto, enquanto a Compassiva é posicionada como ofertante desse produto, que
seriam as aulas de português.
Logo após minha provocação para que Sara trouxesse suas críticas, ela
coloca duas indagações: a abrangência de minha pergunta (“In Compassiva?”, linha
5) e a receptividade às críticas (“Is it okay to say?”, linha 8). Ambas as perguntas
fazem uma sondagem sobre o que ela deve dizer a seguir, o que seria permitido,
indicando que ela tem cuidado com o que vai dizer, não querendo desencadear
problemas. Esse cuidado nas críticas ao se referir à ONG indiciam, a meu ver, uma
relação de gratidão pelos serviços prestados pela ONG, mesmo que tenham
defeitos, e pode ser percebido também na fala de outras MASiR. Minha resposta
nas linhas 6 e 7 define os papéis em jogo, levando, ao que me parece, a interação
para um nível além da conversa momentânea, enquanto me posiciono como
simples mediadora entre Sara e outras pessoas que trabalham com o ensino de
português para migrantes.
Assim sendo, quatro queixas são perceptíveis no recorte: (i) a falta de
professores formados para o ensino de línguas (linhas 12 a 14); (ii) a falta de
atividades em que o estudante escreva ou crie textos (linha 23); (iii) o excesso de
dias sem aula (linha 30), e (iv) a repetição de conteúdos, com a entrada constante
de alunos novos (linhas 30 a 33). Suas reclamações são feitas por meio de uma
comparação entre o primeiro e o segundo ano em que frequentou as aulas de
português na Compassiva. Na linha 27, Sara explicita essa comparação por meio da
pista de referência e predicação “muito melhor” (“much better”), colocando o
segundo ano como ideal e o primeiro como ruim. Assim, aquilo que ela associa ao
primeiro ano é em tom de crítica, e o que é associado ao segundo ano assume um
tom elogioso. Discuto cada um desses pontos a seguir.
Ao realizar a primeira denúncia, Sara aponta que a falta de formação dos
professores afeta bastante o andamento das aulas, sendo uma característica
avaliada e referenciada como um “grande problema” (“big problem”, linha 19).
Ainda assim, ela indica considerar muito importante apontar que há exceções a
162

essa denúncia, por meio de repetição do advérbio “some” (“some of them”, linhas
11, 14, 15, 25, e “some teachers”, linha 35). Ao destacar que sua avaliação diz
respeito apenas a alguns professores, ela amortece sua crítica, indiciando, mais
uma vez, a tentativa de não prejudicar a imagem da ONG. Como esse ponto foi
apresentado como a principal denúncia no recorte lido, voltarei a ele mais a frente.
Ao colocar, na linha 24, a falta de atividades de leitura e de produção escrita
como causadoras de sua dificuldade de fala em português, Sara levanta uma
necessidade relativa ao seu aprendizado, apontando a sala de aula como o local em
que ela pratica a língua portuguesa. Assim, ela aponta como essencial que haja
mais atividades de produção – oral e escrita –, bem como de compreensão escrita.
As duas críticas subsequentes – excesso de dias sem aula e repetição de
conteúdos pela entrada constante de alunos – apontam para a estruturação do
curso, não ao andamento das aulas em si. O primeiro pode ter sido uma percepção
equivocada, uma vez que ela mesma aponta que só começou a frequentar as aulas
no meio do ano, pegando, portanto, o período de férias do final de ano. De qualquer
forma, por funcionar com base no voluntariado, durante o período que coincide às
férias escolares brasileiras, há uma queda significativa no número de voluntários
disponíveis, levando a Compassiva a reduzir as aulas. É interessante, porém, que a
instituição faz um esforço para manter ao menos uma aula por semana durante as
férias.
Na crítica seguinte, relativa à repetição de conteúdo pela entrada frequente
de alunos, percebemos um ponto característico dos contextos de PLAc: a
instabilidade dos alunos. No caso, a instituição não impedia a entrada dos alunos
mesmo que o curso já tivesse começado, posto não ser possível delimitar a data em
que uma pessoa chegaria ao Brasil como refugiada e entraria em contato em busca
de um curso de português. Dado que a necessidade de aprendizado dessa língua
costuma ser urgente e emergencial para migrantes de crise, a Compassiva evitava
barrar a entrada de novos alunos. No entanto, como podemos ver na reclamação de
Sara, essa prática era prejudicial ao ensino, desmotivando alunos que já estavam
matriculados no curso. Durante minha gestão como coordenadora pedagógica,
juntamente com a coordenadora das turmas mistas, colocamos um limite à entrada
de duas semanas após o início de um curso. Ao mesmo tempo, nos
comprometemos a iniciar novos cursos a cada 2 ou 3 meses, desde que houvesse
alunos interessados. Na época, isso melhorou muito a dinâmica e a frequência das
163

aulas.
A falta de formação é, com certeza, a denúncia mais importante para Sara.
Tanto que ela retoma esse problema nas linhas 35 a 44, destacando a diferença que
um bom professor faz em seu aprendizado. O “mas” (“but”, linha 35) é uma
importante pista de referência e predicação que retoma a comparação entre o
primeiro e o segundo ano de aprendizado de Sara. A maneira como ela apresenta
esse “professor ideal” por meio de um exemplo é bastante interessante. Ela começa
utilizando o pronome indefinido “alguns” (“some”, linha 35) para avaliar alguns bons
professores, mas reformula sua frase logo em seguida para indicar que ela se refere
especificamente a um “novo professor” (“new teacher”, linha 37), destacando em
seguida que foi ainda mais específico, “só em uma aula” (“only for one class”, linha
38). É interessante que ela não termina uma frase, cabendo ao interlocutor inferir o
que ela poderia indicar por meio do verbo “tentando” (“trying to”, linha 36). Em minha
leitura, considerando o exemplo que o segue, suponho que esse verbo indica os
esforços para tornar a sala de aula um espaço mais interativo e envolvente. Afinal, é
isso que ela destaca de tão maravilhoso neste novo professor: o fato de levar
“jogos” (“games”, linha 36), a sua dedicação, avaliada como “todo seu esforço” (“all
his efforts”, linha 38), e a realização de “atividades durante a aula” (“activities during
the class”, linha 39). Além disso, é extremamente significativa a pequena frase “Ele
veio” (“He came”, linha 38) durante o relato sobre esse professor, a qual é uma
pista de referência e predicação que parece avaliar a presença desse professor
como algo além da presença física. Ele não estava ali por acaso ou por obrigação,
mas “ele veio” intencionalmente, preparado.
Ao analisar os critérios que a levam a classificar o professor como um bom
professor, chama a atenção o fato de que tais critérios dizem respeito muito mais à
postura profissional, sensível ao aluno, do que a conhecimentos linguísticos
específicos. É claro que um bom professor precisa ter um conhecimento daquilo que
vai ensinar, mas isso não é tudo. Como aponta Sara, um bom professor, para ela, é
alguém que está intencionalmente presente na sala de aula, alguém que se dedica
e promove a interação em sala de aula, no caso, por meio de jogos e atividades.
Embora tal postura possa ser desenvolvida por qualquer pessoa que se
empenhe no ensino, seja ele enfermeiro, empresário ou professor, é pertinente
ressaltar que o professor voluntário aqui era um estudante do curso de Letras. Isso
mostra que a formação para o ensino de línguas realmente faz diferença, sendo
164

notada pelos alunos. Por isso, é preciso refletir sobre a valorização da formação no
ensino de línguas, especialmente na valorização da formação de licenciaturas e
especializações em ensino de Português como Língua Adicional (PLA).
Acredito que o primeiro ponto a ser levantado sobre isso diz respeito à
ausência do Estado nas políticas de ensino de língua portuguesa para migrantes de
crise. Aproveitando-me da discussão de Camargo (2019) em sua tese de doutorado,
o ensino de PLAc tem dependido muito mais de políticas horizontais do que
verticais, com ONGs e instituições religiosas agindo para suprir minimamente uma
grande lacuna nas políticas públicas no que tange ao acolhimento (ANUNCIAÇÃO,
2017) de migrantes de crise (BAENINGER; PERES, 2017).
O segundo ponto diz respeito à valorização da formação profissional no
ensino de línguas para trabalhar como professor de PLA, mais especificamente de
PLAc. Reconheço que o cenário em que o PLAc acontece traz particularidades que
tornam impraticável para muitas instituições a contratação de professores formados,
já que, diferentemente de cursos de PLA para outros públicos, as aulas de PLAc
devem obrigatoriamente ser gratuitas. De fato, às vezes é necessário inclusive
subsidiar o transporte dos alunos e trabalhar com ofertas de cestas básicas e outras
doações, sendo necessário definir se o dinheiro que as ONGs têm disponível irá
para bolsas-alimentação, transporte dos alunos ou para o pagamento de
professores. No entanto, precisamos, enquanto mobilizadores de políticas de PLAc,
construir uma percepção de que investir em bons professores – ou, no mínimo, em
bons coordenadores pedagógicos com formação específica no ensino de línguas
adicionais, mais especificamente com licenciatura, especialização ou práticas de
iniciação científica e cursos de extensão em PLA – é investir na independência dos
migrantes. Um professor sensível e bem preparado, contratado para isso,
conseguirá preparar aulas, identificar as necessidades pontuais e específicas dos
alunos e ajudar outros professores na prática pedagógica, fazendo com que o
aprendizado dos alunos seja mais rápido e efetivo.
Atualmente já existem licenciaturas52 em PLA no Brasil, além de cursos de
pós-graduação. Existem, também, diversas iniciativas em cursos de Letras que
proporcionam a prática e a reflexão teórica sobre o contexto de PLA – como cursos

52
Atualmente, as instituições que oferecem licenciaturas em PLA são: Universidade de Brasília
(UnB), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal de Integração
Latino-Americana (UNILA) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
165

de extensão, disciplinas pontuais, iniciações científicas, entre outros. Nessas


práticas, os estudantes são preparados para atuar nos diversos cenários de ensino
de PLA, seja dentro ou fora do Brasil. Então é preciso que as instituições que atuam
nessas áreas, mesmo que sobrevivam de doações, abram espaço para que esses
profissionais qualificados possam pôr em prática aquilo que aprenderam, e
valorizem monetariamente seu trabalho, priorizando a contratação de pessoas da
área. Afinal, enquanto os casos em que advogados, designers ou administradores
financeiros trabalhem, mesmo em instituições sem fins lucrativos, de forma
voluntária são raros, os casos em que a coordenação de ensino de línguas se dê
sem respaldo salarial são bastante frequentes.
É notável a maneira como a própria mulher refugiada enxerga o voluntariado.
Ao apresentar o problema da falta de formação para o ensino (linhas 10 a 17), Sara
apresenta uma justificativa sem que ninguém pergunte, introduzida pela pista de
referência “porque” (“because”, linha 14). Isso demonstra que ter um professor de
línguas não especializado em ensinar é algo que, para ela, não é o esperado,
demandando explicação. E a explicação que ela aponta é: “eles são voluntários”
(“they’re volunteers”, linha 14). Ou seja, o voluntariado torna aceitável o que, em
outro contexto, não seria. Sara inclusive acrescenta algumas profissões (linha 15),
apontando, com isso, que a prioridade e a especialidade das pessoas que lhe dão
aula está fora do contexto de ensino.
Acredito ser importante aqui explicitar que o voluntariado tem sido, muitas
vezes, o único caminho para o ensino de língua portuguesa a esses migrantes de
crise. Reconheço o esforço e a importância das pessoas que trabalham como
voluntárias. Sem o voluntariado, o número de migrantes de crise que permanecem à
margem da sociedade seria ainda maior do que é hoje. Neste momento, o que
questiono, juntamente com Sara, é qual tem sido a prioridade das instituições na
contratação de seus trabalhadores, bem como o quanto as instituições
(des)valorizam a formação em licenciatura de línguas adicionais. Existem inúmeros
pontos a serem explorados sobre isso, os quais deverão ser abordados em outros
momentos.
As análises dos recortes mostraram a importância da Língua Portuguesa
especialmente nos contextos de saúde e educação de filhos, mas também em
outros contextos. Destacou-se a importância da formação de professores de línguas
para esse contexto e as particularidades de salas de aula para as MASiR, advindas
166

da diferente compreensão das relações entre gêneros. Também teve destaque a


importância de discussões sobre questões de gênero nas aulas. Passo agora às
considerações finais, onde apresento as diretrizes para políticas de PLAc baseadas
nas narrativas analisadas.
167

5 CONSIDERAÇÕES (FINAIS)

Querido(a) leitor(a),

Não escrevo “caro”, mas “querido”. Sim, propositalmente. Afinal, após tão
longa jornada, iniciada quatro anos e mais de 150 páginas atrás, acredito termos
criado certa intimidade. E como comecei este trabalho dirigindo-me diretamente a
você, agora ouso terminá-lo de igual maneira.
Confesso empolgar-me com a ideia de, após tantas letras juntos,
compartilharmos o mesmo carinho pelas MASiR e um desejo de que elas sejam, de
fato, acolhidas na sociedade brasileira. Claro, não enxergo o acolhimento como um
favor, mas como uma maneira de lhes garantir o acesso a seus direitos. E as
percebo como detentoras de direitos. Por isso, me empolgo com a possibilidade de
meus estudos influenciarem as suas, caro(a) leitor(a), e as minhas práticas de
ensino de PLAc. Quero dizer, não apenas as práticas de ensino, mas também de
pesquisa no campo de uma Linguística Aplicada (MOITA LOPES, 2006)
indisciplinar, crítica e, sobretudo, ética e responsável.
Perdoe-me por tamanha pretensão. A verdade é que quase desisti desse
processo, e, agora, não consigo me conter. Sei que meu trabalho receberá críticas,
e é também para isso que o publico. Torno-o público, porque do público e para o
público ele foi feito. E ainda há tantas lacunas que ele não pôde preencher…
Confesso que termino este trabalho porque terminar é preciso. Mas ainda me sinto
em falta. Com você, leitor(a), mas, principalmente, com as outras participantes da
pesquisa.
Explico: ao iniciar esta pesquisa, esperava conseguir mapear as
necessidades das MASiR, contribuindo para um modelo de ensino que desse conta
de tudo aquilo que elas traziam para nossos encontros. No entanto, finalizo
analisando apenas 10 dos quase 30 recortes que eu gostaria de ter focalizado.
Sinto, portanto, que muito ainda ficou por fazer. Mas não lamento. Afinal, o valor da
ciência está na coletividade, na aprovação e contestação dos pares. Está na
continuidade. Nos novos olhares. Nas novas pesquisas. Nas reformulações. E, para
isso, existem ainda caminhos a serem descobertos por jovens (e experientes)
pesquisadores, num constante processo de des(re)territorialização (HAESBAERT,
2004) epistêmica. Há muitos artigos a serem escritos com base em uma análise de
168

necessidades ampliada e crítica, os quais poderão cobrir outras necessidades que,


aqui, não dei conta de abordar.
De toda maneira, em um tempo em que a ciência está sendo tão
desvalorizada em nosso país, com cortes e mais cortes nos orçamentos para
pesquisas, sinto-me privilegiada em poder apresentar os resultados deste trabalho,
que se configura para mim, neste momento, também como um ato de resistência. E
me considero honrada pelo tempo e esforço que você, leitor(a), dedicou debruçado
sobre o que escrevi, mesmo que sua leitura seja de apenas uma ou duas seções de
minha dissertação. Espero que meu trabalho possa servir aos propósitos que você
tinha em mente ao procurá-lo.
Enfim, ao olhar para este trabalho, vejo que, pelas vozes de Mira, Sham, Luz,
Lara e Sara, foi possível entender um pouco melhor a relação das MASiR, que se
mudaram para São Paulo a partir de 2014, com a língua portuguesa, com seu
processo de aprendizado e com seus usos. Elas nos mostraram – a mim e a você –
que a sala de aula de língua portuguesa é muito mais do que um espaço em que
adquirem uma ferramenta para enfrentar o dia a dia. É um espaço em que
socializam com brasileiros e entre si, em que se fortalecem emocionalmente,
possibilitando-lhes encarar os desafios de usar uma língua que estão em processo
de conhecer. É o lugar em que se percebem proficientes para utilizarem a língua
portuguesa nos contextos e situações práticas em que isso se apresenta como
necessário. É também um lugar onde suas frustrações com a língua encontram
escuta e espaço de elaboração.
Todos esses pontos respaldam a necessidade de que as salas de aula sejam
ocupadas por profissionais capacitados e treinados para isso. As MASiR trazem, em
suas narrativas, a diferença que um profissional capacitado faz em seu aprendizado.
Se elas já perceberam isso, falta agora que as instituições que oferecem cursos de
português também reconheçam e abram espaço para os profissinais capacitados a
isso: os egressos dos cursos de licenciatura em línguas, especialmente em PLA,
bem como os pós-graduandos especializados na área.
Nas narrativas das MASiR, encontramos que a relação que elas estabelecem
com a língua portuguesa vai muito além do utilitarismo, buscando-a apenas como
uma ferramenta. A língua portuguesa se coloca como uma necessidade afetiva e
emocional tanto quanto prática. Aprender essa nova língua altera a percepção que
têm de si mesmas, possibilitando-lhes a retomada da autonomia, a busca de sonhos
169

e o exercício efetivo do cuidado a seus familiares. Elas se tornam pontes. Por meio
da língua portuguesa, vemos em suas narrativas, que elas deixam de ser
posicionadas e definidas pelo discurso da falta (DINIZ; NEVES, 2018) para se
posicionarem e definirem como pessoas que têm algo a oferecer.
Entendo, portanto, que este trabalho conseguiu identificar, nas respostas ao
questionário e nas conversas com as MASiR e com outros envolvidos no processo
de aprendizado do português, algumas diretrizes a serem consideradas para a
formulação de políticas de ensino de PLAc para este contexto específico. Entendo
que essas diretrizes apresentadas não esgotam as necessidades das MASiR com a
língua portuguesa, mas espero que contribuam para que o processo de
(re)territorialização (HAESBAERT, 2004) das MASiR seja mais eficaz.
O quadro a seguir apresenta um compilado das diretrizes mapeadas ao longo
deste trabalho. Destaco que, embora o foco seja as MASiR, algumas dessas
diretrizes são igualmente significativas para outros contextos de PLAc. Fique à
vontade para utilizar este quadro, mas também para questioná-lo e/ou ampliá-lo.

Quadro 10 – Diretrizes para políticas de PLAc

DIRETRIZES PARA POLÍTICAS DE PLAc

- Ofertar aulas de PLAc no horário em que as escolas infantis


estejam funcionando.
- Disponibilizar, se possível, um espaço (e cuidadoras) onde as
Sobre o mães deixem os filhos durante as aulas, se assim desejarem.
ambiente - Acolher as crianças na sala de aula, pois, mesmo que haja um
das aulas espaço para crianças, algumas mães podem optar por mantê-las
consigo durante as aulas.
- Assegurar / aprovar a amamentação durante as aulas.
- Realizar passeios pedagógicos, fornecendo às MASiR a
possibilidade de se ambientarem com a cidade/país em que
buscam se territorializar.
- Enxergar a sala de aula como espaço de aprendizagem e de
fortalecimento emocional para as MASiR.
- Criar, se possível, um ambiente sem homens adultos durante as
aulas.
- Disponibilizar, em caso de turmas mistas, professoras mulheres
para intervenções pedagógicas (tirar dúvidas, formar duplas de
interação, aproximar-se para verificar exercícios etc).

- Criar estratégias para organizar a entrada de novos alunos,


evitando repetição exaustiva de conteúdos e desmotivação dos
alunos anteriormente matriculados. Uma sugestão é limitar a
entrada de novos alunos às duas primeiras semanas e abrir
170

Sobre novas turmas a cada dois meses, caso haja novos interessados.
instituições Outra sugestão é criar dias de aulas apenas para novos alunos,
que repetindo conteúdos que outros já viram apenas nesses dias.
oferecem - Ofertar cursos gratuitos e, quando necessário, fornecer ajuda de
cursos de custo para os estudantes.
PLAc - Oferecer formação para professores e funcionários sobre as
construções culturais islâmicas - o Ramadã, as vestimentas
femininas e seus significados na religião, os cuidados com a
alimentação (muçulmanos não comem carne de porco,
procedimento halal no abate), o que é permitido no contato entre
homens e mulheres, entre outras questões.
- Valorizar professores com formação no ensino de línguas,
especialmente em PLA e em PLAc.

- Buscar conhecer preceitos e costumes religiosos islâmicos.


- Agir de modo respeitoso.
- Comprometer-se com as aulas, mesmo que esteja trabalhando
Sobre de forma voluntária.
professores - Aprimorar o conhecimento sobre questões linguísticas
específicas da interface português/árabe.
- Substituir posicionamentos que contribuem para sedimentar a
hierarquização de línguas e construções culturais por
posicionamentos dispostos à discussão situada e ao diálogo,
trabalhando com e não para (ou pelas) as estudantes.
- Analisar cuidadosamente as imagens presentes em materiais
escolhidos para trabalhar em sala de aula, a fim de evitar (se
possível) imagens com seres humanos nus e semi-nus. Esta
diretriz não é imprescindível, mas é recomendada.

Contextos Gêneros Propósitos


de uso discursivos

Contextos - bilhetes - matricular crianças


Sobre os educacionais - reuniões de pais em escolas e
conteúdos - boletins creches
Escolas e Creches - lista de materiais - interagir em
escolares reuniões com
- regras de conduta diretores,
- convites para professores,
festas e funcionários e com
comemorações outros pais
- cartazes de - autorizar/negar
divulgação de participação de
eventos filhos em atividades
- anotações/ - tirar dúvidas
mensagens em - pedir explicações
agendas - dar explicações e
- e-mails justificativas
institucionais - escrever
- atestados e mensagens e
171

declarações recados aos


- certificados professores

Contextos - avaliações de - realizar provas


educacionais entrada, como - pedir informações e
Enem ajuda
Universidades e - provas para - solicitar auxílio
Cursos Técnicos revalidação de financeiro/descontos
diplomas para a instituição
- provas para educacional
obtenção de bolsas - escrever redações
de estudos em para as provas de
cursinhos admissão
- gêneros - ler questões de
acadêmicos prova

Contextos de saúde - relatório médico - descrever sintomas


- atestado médico - demandar
- bula de remédio explicações sobre
Hospital - receita médica procedimentos e
Posto de Saúde - interação em indicações de
Consultórios Médicos consulta médica remédios
e Odontológicos - carteiras de - (re)marcar
vacinação consultas
- Caderneta da - preencher
Criança formulários
- cartazes de - ler relatórios, bulas,
campanhas de receitas, Caderneta
saúde da Criança etc.
- ligações
telefônicas

Contexto - contratos - fazer cadastro


burocrático - formulários - preencher
- ligações formulários
Polícia Federal telefônicas - reclamar por mau
Cartórios - artigos online atendimento, produto
Poupa-tempo não entregue ou
Bancos entregue com
Serviços avarias etc.
- contratar ou
rescindir serviços
(telefônicos, de
internet, dentre
outros).
- abrir conta em
banco, reclamar de
cobranças indevidas
etc.
172

Contextos - conversas formais - agradecer


cotidianos e informais - cumprimentar
- gêneros - comprar
televisivos - argumentar
(telenovelas, reality - opinar
shows, telejornais - concordar/discordar
etc.) - informar
- revistas e jornais - narrar
impressos - explicar
- gêneros de redes - expressar pontos
sociais (vídeos, de vista
notícias, artigos, - pedir e oferecer
Fake News etc.) ajuda
- comprar
- negociar preços
- pedir ou recusar
atendimento

Contextos de - bilhete único - recarregar o bilhete


mobilidade - mapas de linhas único
de metrô e ônibus - informar-se com
Transportes Públicos funcionários
Transportes por - solicitar parada de
aplicativo ou táxi ônibus
-
chamar/agendar/peg
ar um táxi ou um
Uber

Contexto doméstico - boletos - contratar serviços


Ambientes - contratos (de de reparos
domésticos aluguel, de domésticos, como
financiamento de encanadores,
imóveis, de compra eletricistas,
etc.) pedreiros, faxineiros,
- anúncios de cozinheiros etc)
serviços em redes - alugar casa
sociais - realizar compras
- listas de compras online e
em supermercado presencialmente em
- manuais de supermercado
funcionamento de
serviços e de
aparelhos
domésticos

Contextos - ligação para - denunciar


emergenciais e de serviços de - descrever
denúncias emergência situações, locais e
(SAMU, polícia, pessoas
173

bombeiros) - indicar localização


- ligação de (endereço)
denúncia sobre
maus-tratos e
violências contra as
mulheres.

Contexto laboral - entrevistas de - apresentar-se/ falar


emprego sobre si
- currículos - redigir currículos
- gêneros de - vender
comunicação com - comunicar-se com
clientes clientes, chefes e
(mensagens em colegas de trabalho
aplicativos, - negociar
conversas por
telefone, e-mails
etc.)

- alfabeto ocidental (letras maiúsculas e


minúsculas, direção da escrita,
paragrafação etc.)
Abordar as seguintes - funcionamento do sistema educacional
necessidades brasileiro
socioculturais - leis sobre educação
- funcionamento do SUS
- discussão sobre as diferenças de gênero
- discussão sobre as violências contra a
mulher
- leis de proteção à mulher
- possibilidades de acesso a universidades
- leis trabalhistas
- bons hábitos para manter um emprego
- conhecer diferentes espaços públicos
disponíveis para lazer (bibliotecas,
museus, zoológico, parques, galerias de
arte etc.)
- expressões comuns em vendas, como:
“CPF na nota?”, “Vai levar?”, “Ketchup e
maionese?”, “Crédito ou débito?” etc.
- português “de rua” e português “da
gramática”
- formação das MASiR como agentes da
educação do entorno (MAHER, 2007)
- possíveis significados e efeitos da
distância sociocultural entre brasileiros e
árabes
- diferentes formações históricas dos
países árabes e o Brasil
- influência das religiões predominantes
174

nos países árabes e no Brasil


- imagens pré-concebidas sobre as
religiões predominantes (islamismo e
cristianismo)
- festas e comemorações escolares

- verbo tomar
- verbo chegar
- verbos ser/estar
Abordar as seguintes - concordância de gênero
necessidades - pronome contraído de preposição (desse,
lexicogramaticais dessa, disso)
- pronomes oblíquos e possessivos
- advérbio como palavra invariável
- estrutura de frases (frases sem verbos,
falta de conectores)
- verbos: verbos de ligação, concordância
verbal, conjugações verbais, gerúndio,
tempos no passado, contraste entre
imperativo e subjuntivo.
- verbo ser/estar
- verbo chegar
- diferenciação entre classes de palavras
(em especial, entre verbos e substantivos)

- consoantes surdas e sonoras (P/B, V/F)


Abordar as seguintes - vogais
necessidades - pronúncia do “a” no início de palavras
fonético-fonológicas (contece/acontece)
- pronúncia da letra “h” em início de
palavra
- dígrafos
- encontros consonantais (pr, br)
Fonte: Quadro elaborado pela autora para esta dissertação

Por meio do questionário, foi possível identificar os espaços mais


frequentados pelas MASiR na cidade de São Paulo. Para mim, foi uma surpresa
verificar o quanto elas frequentam os parques e fazem uso dos serviços públicos,
principalmente do transporte. As MASiR também apontaram que seus cotidianos
são multilíngues, com o árabe predominando nas interações de esferas mais
privadas, e o português, nas esferas mais públicas. Contudo, essas não são as
únicas línguas que fazem parte de seu repertório, podendo algumas delas utilizar
também o francês, o inglês, o espanhol e o alemão.
Querido(a) leitor(a), ao longo da dissertação, você pôde perceber que a
maneira como as MASiR narram a si mesmas na relação com a língua portuguesa é
175

diferente de como os outros atores envolvidos no contexto as narram? Em suas


narrativas, Lara, Luz, Sham, Mira e Sara, se posicionam como mulheres ativas em
seu processo de aprendizagem e nas situações que vivenciam e enfrentam. Outros
atores, contudo, frequentemente as posicionam como indivíduos sem opinião, sem
ação e sem voz. Embora seja uma visão equivocada, sem dúvida é uma visão
pautada em discursos que circularam (e circulam) nas mídias após o 11 de
setembro de 2001, os quais, como aponta Abu-Lughod (2012), serviram para
justificar interferências militares em países árabes, como explicitei na seção 4.2.3 –
Os papéis de gênero e suas implicações no aprendizado desta dissertação.
As narrativas analisadas mostraram que a crise das migrações vivenciadas
pelas MASiR não está apenas nos países de origem. De fato, a precária educação
do entorno (MAHER, 2007) para as diferenças e para o plurilinguismo, bem como a
falta de um acolhimento linguístico apropriado – até mesmo no aeroporto
internacional – desnudam o Brasil como um destino em crise, reiterando que a
migração de crise (BAENINGER; PERES, 2017) acontece entre a crise do país de
origem e a do país de destino. No quadro a seguir, proponho algumas diretrizes
para políticas públicas de acolhimento que extrapolam as paredes da sala de aula,
as quais foram construídas a partir das indicações feitas pelas MASiR em suas
narrativas.

Quadro 11 - Diretrizes para políticas de acolhimento para além do PLAc

Diretrizes para políticasde acolhimento para além do PLAc

Saúde - Realizar cursos de sensibilização para o atendimento a


migrantes para profissionais da saúde.
- Disponibilizar tradutores e intérpretes comunitários em
hospitais e postos de saúde, especialmente em unidades
mais frequentadas por migrantes.
- Realizar a comunicação com migrantes por outros meios de
comunicação (com mais recursos multimodais), que não
sejam o telefone.

Tecnologia - Possibilitar acesso ao Gog (smartphones e suas


tecnologias, como internet, aplicativos como Uber etc) a
pessoas recém-chegadas ao Brasil, mesmo que não tenham
CPF.

Educação - Traduzir bilhetes e outras comunicações com a família para


(escolas) a língua da família.
176

- Disponibilizar intérpretes comunitários em eventos como


acolhimento inicial, reuniões de pais, dentre outros.

Educação - Facilitar a revalidação de diplomas para migrantes de crise.


(universidades) - Divulgar, com indicações específicas para migrantes de
crise, as formas de acesso ao ensino superior.

Ambientes de - Aumentar a sinalização de aeroportos e rodoviárias em


chegada outras línguas, especialmente em inglês e espanhol.
- Disponibilizar tradutores e intérpretes comunitários ou
balcões de informações com pessoas que tenham
conhecimentos em diferentes línguas.
- Distribuir materiais escritos multilíngues, contendo
instruções básicas sobre o funcionamento do aeroporto, da
rodoviária e da cidade de chegada.

Ambientes - Disponibilizar tradutores e intérpretes comunitários


burocráticos e (especialmente em órgãos que lidam frequentemente com
governamentais estrangeiros, como a Polícia Federal).
- Elaborar cartilhas multilíngues sobre funcionamento de
diferentes serviços no Brasil e sobre direitos dos migrantes.
Fonte: Quadro elaborado pela autora para esta dissertação

O despreparo para o acolhimento a migrantes de crise por parte do Brasil


acontece também na área da saúde – dado bastante presente nas narrativas das
MASiR. Embora o país tenha um sistema de saúde público e abrangente, ainda há
mudanças de políticas públicas necessárias e urgentes para que, na prática, os
migrantes não sejam excluídos desse sistema. Medidas que incluem, por exemplo,
a presença de tradutores e intérpretes comunitários em serviços públicos de saúde,
o estabelecimento de comunicação além da tradicional ligação telefônica (pode ser
enviando mensagem por Whatsapp, por exemplo) e a divulgação de campanhas de
saúde em diversas línguas.
Preciso fazer uma última confissão a você, leitor(a). Não sei se compartilhará
de minha visão, mas fui fortemente cativada pela maneira como as crianças estão
presentes nas narrativas das MASiR, alterando o modo como se relacionam com a
língua portuguesa. Durante este trabalho, consegui perceber que o papel assumido
pelas crianças nessa relação vai muito além de levar as mulheres a contextos em
que o uso da língua portuguesa é necessário. As crianças permeiam o imaginário e
o cotidiano das MASiR, consistindo em referências a diversas metáforas, tais como
a que nomeia esta dissertação: o migrante recém-chegado como um bebê
recém-nascido. Ao estudar essa relação, ficou clara para mim a premência de se
177

incluir o universo das crianças no ensino para as MASiR.


Por fim, fecho esta dissertação retomando seu início. Reconhecendo os
limites de meu trabalho, entendo ser necessário que outras pesquisas sobre as
MASiR e sua relação com o português sejam realizadas. Por isso, refaço meu
convite a você, leitor(a). Não mais para a leitura deste trabalho, mas para a busca
por novos caminhos que garantam às MASiR o acesso ao direito de migrar e de se
des(re)territorializar de forma efetiva. Nas estradas de pesquisas, querido(a)
leitor(a), vem comigo?
178

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185

ANEXOS

ANEXO 1
QUESTIONÁRIO

Questionário ‫أسئلة إلعداد اإلستبيان‬

Idade _______________ ‫العمر‬ Data de chegada ao Brasil ‫تاريخ الوصول‬


Religião_______________ ‫الديانة‬ _______________
País de origem: __________ ‫البلد األصلي‬ Bairro _______________ ‫الحي‬

Possui carteira de motorista: sim não


‫لديك رخصة قيادة‬ ‫نعم‬ ‫ال‬

Quais línguas você fala? ‫كم لغة تتكلمين ؟‬


❏ Árabe ‫عربي‬ ❏ Inglês ‫انكليزي‬ ❏ Espanhol ‫اسباني‬
❏ Português ‫برتغالي‬ ❏ Francês ‫فرنسي‬ ❏ Outra ‫____ أخرى‬

Educação formal ‫التعليم الرسمي‬


- Você tem quantos anos de estudo formal em seu país de origem?_____________
‫كم سنة لديك من التعليم الرسمي في بلدك األصلي؟‬

- Você possui formação profissional? Qual? _________________________


‫لديك تأهيل مهني ؟ ما هو ؟‬

- Com relação à universidade, aponte a opção que corresponde a você:


‫ أشيري إلى الخيار المتوافق معك‬،‫ فيما يتعلق بالجامعة‬:

❏ Graduação incompleta ‫تخرج غير كامل‬ ❏ Doutorado completo ‫دكتوراه كامل‬


❏ Graduação completa ‫تخرج كامل‬ ❏ Pós-doutorado completo
❏ Mestrado incompleto ‫ماجستير غير كامل‬ ‫ما بعد الدكتوراه كامل‬
❏ Mestrado completo ‫ماجستير كامل‬ ❏ Não estudei na universidade
❏ Doutorado incompleto ‫دكتوراه غير كامل‬ ‫لم أدرس في الجامعة‬

Situação familiar: ‫الوضع العائلي‬


- Você é: ‫أنت‬
186

⎕ Casada ‫ متزوجة‬⎕ Solteira ‫عزباء‬ ⎕Viúva‫ أرملة‬⎕ Divorciada ‫ مطلقة‬⎕ outro ‫أخرى‬

- Quantos filhos você tem? ‫كم طفالً لديك ؟‬


⎕0 ⎕1 ⎕2 ⎕3 ⎕4 ⎕5 ⎕6 ⎕mais de 6 ‫أكثر من‬

- Numere quantas pessoas de cada categoria moram com você:


‫ عددي كم شخصا من كل فئة يعيش معك‬:
Seu pai ‫والدك‬ Seus filhos ‫أوالدك‬ suas sobrinhas ‫بنات أخوتك‬
Sua mãe ‫أمك‬ Suas filhas ‫بناتك‬ Seu sogro ‫حماك‬
Seus irmãos ‫إخوانك‬ Seus cunhados ‫أزواج أخواتك‬ Sua sogra ‫حماتك‬
Suas irmãs ‫أخواتك‬ Suas cunhadas ‫زوجات إخوانك‬ ‫ آخر‬Outro
Seu marido ‫زوجك‬ Seus sobrinhos ‫أبناء أخوتك‬

- Quantas pessoas que moram com você possuem um trabalho remunerado?


‫كم شخصا من الذين يعيشون معك لديه عمل مدفوع ؟‬
___ Homens ‫رجال‬ ___ Mulheres ‫نساء‬

- Quantas pessoas com menos de 18 anos moram com você?______________


‫ سنة يعيش معك ؟‬18 ‫كم شخصا تحت‬

- Você possui familiares que moram longe de você? Cite os países em que eles estão.
‫؟‬ ‫أذكري الدول التي يتواجدون فيها‬ ‫لديك أفراد من األسرة يعيشون بعيدا ؟‬
___________________________________________________________________
- Você planeja ficar no Brasil por quanto tempo?‫إلى متى تفكرين البقاء في البرازيل ؟‬
⎕Menos de 1 ano ⎕Entre 1 e 5 anos ⎕Entre 5 e 10 anos ⎕Mais de 10 anos
‫أقل من سنة‬ ‫ سنوات‬5 ‫من سنة إلى‬ ‫ سنوات‬10 ‫ إلى‬5 ‫من‬ ‫ سنوات‬10 ‫أكثر من‬

Língua: ‫اللغة‬
- Por que você quer aprender português? ‫لماذا تريدين تعلم اللغة البرتغالية ؟‬
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
- Há quanto tempo você faz aulas de português? ‫منذ متى وأنت تأخذين دروس اللغة البرتغالية ؟‬
_________________________________________________________________________
- Você fez ou está fazendo um curso de português em outro lugar além da Compassiva?
Onde? ‫هل درست أو تدرسين اللغة البرتغالية في مكان آخر عدا كومباسيفا ؟ أين ؟‬
_________________________________________________________________________
- Qual sua maior dificuldade com o português? ‫ما هي الصعوبة األكبر التي تواجهينها مع اللغة البرتغالية ؟‬
187

_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
-O que você achou mais fácil aprender em português?‫ما هو الشيء االكثر سهولة تعلمه في اللغة البرتغالية ؟‬
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
- O que você acha mais importante aprender no português?
‫ما هو الشيء األكثر أهمية تعلمه في اللغة البرتغالية ؟‬
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
- Em quais situações você mais precisa do português? Em quais situações você tem mais
dificuldade? Fale um pouco sobre essas dificuldades.
‫؟ في أي ظروف لديك صعوبات أكثر ؟ تكلمي قليال عن هذه الصعوبات ؟‬ ‫في أي ظروف تحتاجين اللغة البرتغالية أكثر‬
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
- O que a língua portuguesa significa pra você? ‫ماذا تعني لك اللغة البرتغالية ؟‬
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
- O que a sala de aula de português significa pra você? ‫ماذا تعني لك غرفة صف اللغة البرتغالية ؟‬
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
- Você se sente acolhida em São Paulo? Por que?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
-Que língua você usa para falar com:
‫ ما هي اللغة التي تستخدمينها في الكالم مع‬: :
Seu marido ____________ ‫زوجك‬
Seus filhos ____________ ‫أوالدك‬
Seus irmãos ____________ ‫إخوانك‬
Seus pais ____________ ‫والديك‬
Seus amigos ____________ ‫أصدقائك‬
Seu deus ____________ (‫ربّك (هللا‬
Profissionais da saúde ____________ ‫المهنيين الصحيين‬
Profissionais da educação (escola) ____________ ‫المتخصصين بالتعليم‬
Entidades governamentais ____________ ‫الكيانات الحكومية‬
Colegas de trabalho ____________ ‫زمالء العمل‬
188

Vizinhos ____________ ‫الجيران‬


Comerciantes (vendedores) ____________ ‫تجار – بائعين‬
Desconhecidos ____________ ‫غير معروفين‬
- Quando você precisa realizar atividades fora de casa, você costuma levar alguém que
saiba a língua portuguesa? Quem?
‫ أنت معتادة على اصطحاب شخصا يتحدّث اللغة البرتغالية ؟ من ؟‬، ‫عندما تحتاجين القيام بأنشطة خارج المنزل‬
_________________________________________________________________________

Cotidiano: ‫كل يوم‬


- Como é a sua rotina? Selecione abaixo as atividades que você realiza e a frequência com
que as realiza.
‫كيف هو روتينك ؟ اختاري من األنشطة في األسفل ما يمثل ما تقومين به ؟‬

Limpar a casa Trabalhar fora de casa Cozinhar


‫تنظيف المنزل‬ ‫العمل خارج المنزل‬ ‫الطبخ‬
Lavar roupa Ver exposições de arte Ir à academia
‫غسيل المالبس‬ ‫مشاهدة معارض فنية‬ ‫الذهاب إلى النادي الرياضي‬
Levar filhos para a escola Orar Viajar por turismo
‫اصطحاب االطفال إلى المدرسة‬ ‫الصالة‬ ‫السفر من أجل السياحة‬
Fazer compras de casa Ir a apresentações musicais Viajar a trabalho
‫التسوق من المنزل‬ ‫الذهاب إلى العروض الموسيقية‬ ‫السفر للعمل‬
Fazer compras em shopping Ler Praticar música
‫التسوق في السوق‬ ‫القراءة‬ ‫ممارسة الموسيقى‬
Passear Ir à mesquita/ igreja/ templo Praticar dança
‫المشي‬ ‫ المعبد‬/ ‫ الكنيسة‬/ ‫الذهاب إلى المسجد‬ ‫ممارسة الرقص‬
Comer em restaurante Jejuar Escrever
‫تناول الطعام في المطعم‬ ‫الصيام‬ ‫الكتابة‬
Ajudar o filho com a lição de Falar para plateia (+ de 10 Ir a salões de beleza
casa pessoas) ‫الذهاب إلى صالونات التجميل‬
‫مساعدة الطفل بالواجب الدراسي‬ (‫ أشخاص‬10 ‫الكالم لجمهور (أكثرمن‬
Ir à feira Levar o filho para a escola Dar entrevista
‫) الذهاب إلى المعرض ( فيرا‬ ‫اصطحاب الطفل إلى المدرسة‬ ‫القيام بمقابلة‬
Fazer consertos na casa Brincar com o filho Vender comida
‫القيام بإصالحات في المنزل‬ ‫اللعب مع الطفل‬ ‫بيع الطعام‬
Dirigir Corrigir o filho Costurar
‫القيادة‬ ‫تقويم الطفل‬ ‫الخياطة‬
189

Alimentar o filho Levar filhos ao médico


‫إطعام الطفل‬ ‫اصطحاب األطفال إلى الطبيب‬

- Cite os 5 espaços que você mais frequenta em São Paulo.


‫أذكري أكثر خمسة أمكان تذهبين إليها في ساو باولو ؟‬
1. ___________________________
2. ___________________________ 4. ___________________________
3. ___________________________ 5. ___________________________

- Qual foi o melhor lugar que você já foi em São Paulo? Por quê?
‫ما هو أفضل مكان ذهبت إليه في ساو باولو ؟ لماذا ؟‬
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________

- Qual foi o pior lugar que você já foi em São Paulo? Por quê?
‫ما هو أسوأ مكان ذهبت إليه في ساوباولو ؟ لماذا ؟‬
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________

- O que você costuma fazer e onde você costuma ir para se divertir?


‫ماذا تفعلين عادة و أين تذهبين عادة لإلستمتاع ؟‬
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________

- Como você se locomove em São Paulo?


‫كيف تتنقلين في ساوباولو ؟‬

⎕Transporte público (metrô e ônibus) (‫مواصالت عامة ( ميترو و باص‬


⎕Táxi ou carros por aplicativo (Uber, cabify, 99, etc) ‫تكسي أو سيارة أوبر‬
⎕A pé ‫مشي‬
⎕Veículo próprio (você dirige) (‫سيارة خاصة ( أنت تقودين‬
⎕Veículo familiar (outra pessoa dirige) (‫سيارة للعائلة ( شخص آخر يقود‬

Obrigada!
190

ANEXO 2
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
VOLUNTÁRIOS DA ONG

O desenvolvimento de material didático de português para refugiadas árabes em São Paulo a


partir da Análise de Necessidades (Ampliada)
Raquel Heckert César Bastos
Número do CAAE: 98055218.4.0000.8142
Você está sendo convidado a participar como voluntário de uma pesquisa. Este documento,
chamado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa assegurar seus direitos como participante
e é elaborado em duas vias, uma que deverá ficar com você e outra com o pesquisador.
Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer suas dúvidas. Se houver
perguntas antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá esclarecê-las com o pesquisador. Se
preferir, pode levar este Termo para casa e consultar seus familiares ou outras pessoas antes de decidir
participar. Não haverá nenhum tipo de penalização ou prejuízo se você não aceitar participar ou retirar
sua autorização em qualquer momento.

Justificativa e objetivos:
Os objetivos desta pesquisa são analisar a relação de mulheres árabes em situação de refúgio
em São Paulo há menos de 5 anos com a língua portuguesa e propor a elaboração de um modelo de
material didático específico de português que contribua para que esse público possa se inserir mais
efetivamente na cidade de São Paulo. Esta pesquisa é relevante porque, além de contribuir para a
integração dessas refugiadas na sociedade paulistana, contribuirá para a produção de material didático
dessa área de ensino, fornecendo uma unidade didática (que será o produto final do projeto) e
servindo de exemplo para que outros trabalhos possam ser desenvolvidos para outros públicos
específicos.

Procedimentos:
Você está sendo convidado a participar de uma entrevista semi-estruturada audiogravada de
até duas horas com a pesquisadora. Tal entrevista será realizada em seu local de trabalho, em um dia e
horário previamente agendado de forma a coincidir com uma data em que você esteja no local. O
encontro será gravado e arquivado pela pesquisadora por cinco anos.

Desconfortos e riscos:
Você não deve participar deste estudo se tiver menos de 18 anos e se a participação for contra
a sua vontade.
Enquanto participante da pesquisa, você estará exposta à possibilidade de se emocionar
durante a conversa. Não existem riscos previsíveis
Benefícios:
Participando dessa pesquisa, você será beneficiado com a possibilidade de reflexão sobre suas
práticas de trabalho com mulheres árabes em situação de refúgio na cidade de São Paulo, bem como
sobre as práticas linguísticas e culturais das mesmas. Terá também a possibilidade de ser ouvida e de
colaborar para que as particularidades de mulheres árabes em situação de refúgio na cidade de São
Paulo sejam melhor compreendidas por outras pessoas. Tal compreensão poderá influenciar em
futuras políticas públicas ou privadas, como a elaboração de um material didático específico.

Acompanhamento e assistência:
Você poderá me contatar sempre que necessitar para esclarecer qualquer questão relativa à pesquisa
em qualquer momento no decorrer da mesma, seja por telefone ou pessoalmente. Estarei à disposição
durante e após os encontros para que você possa expressar qualquer ponto. Continuarei à disposição
após o término da pesquisa.

Sigilo e privacidade:
191

Você tem a garantia de que sua identidade será mantida em sigilo e nenhuma informação será
dada a outras pessoas que não façam parte da equipe de pesquisadores. Na divulgação dos resultados
desse estudo, seu nome não será citado. As gravações em áudio serão armazenadas por cinco anos
pela pesquisadora e poderão ser utilizadas em pesquisas posteriores.
Ressarcimento e Indenização:
Os encontros (tanto o grupo de conversa como as entrevistas) serão realizados antes ou depois
do seu horário de aula de português e no mesmo local das aulas, portanto você não terá nenhuma
despesa e nenhum reembolso será necessário. Você terá a garantia ao direito a indenização diante de
eventuais danos decorrentes da pesquisa.

Material:
( ) Concordo com a gravação de áudio da entrevista.
Contato:
Em caso de dúvidas sobre a pesquisa, você poderá entrar em contato com a pesquisadora Raquel
Heckert César Bastos, no IEL/Unicamp. Endereço: Rua Sérgio Buarque de Holanda, nº 571,
Campinas – SP. Telefone: 31 975145363. E-mail: raquelhcbas@gmail.com.

Em caso de denúncias ou reclamações sobre sua participação e sobre questões éticas do estudo,
você poderá entrar em contato com a secretaria do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UNICAMP
das 08:30hs às 11:30hs e das 13:00hs as 17:00hs na Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126; CEP
13083-887 Campinas – SP; telefone (19) 3521-8936 ou (19) 3521-7187; e-mail:
cep@fcm.unicamp.br.

O Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).


O papel do CEP é avaliar e acompanhar os aspectos éticos de todas as pesquisas envolvendo
seres humanos. A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), tem por objetivo desenvolver a
regulamentação sobre proteção dos seres humanos envolvidos nas pesquisas. Desempenha um papel
coordenador da rede de Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) das instituições, além de assumir a
função de órgão consultor na área de ética em pesquisas

Consentimento livre e esclarecido:


Após ter recebido esclarecimentos sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos,
benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, aceito participar e
declaro estar recebendo uma via original deste documento assinada pelo pesquisador e por mim, tendo
todas as folhas por nós rubricadas:

Nome do (a) participante: ________________________________________________________


Contato telefônico: _____________________________________________________________
e-mail (opcional): ______________________________________________________________
_______________________________________________________
Data: ____/_____/______.
(Assinatura do participante ou nome e assinatura do seu RESPONSÁVEL LEGAL)

Responsabilidade do Pesquisador:
Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e complementares na
elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Asseguro,
também, ter explicado e fornecido uma via deste documento ao participante. Informo que o estudo foi
aprovado pelo CEP perante o qual o projeto foi apresentado. Comprometo-me a utilizar o material e
os dados obtidos nesta pesquisa exclusivamente para as finalidades previstas neste documento ou
conforme o consentimento dado pelo participante.

______________________________________________________ Data: ____/_____/______.


(Assinatura do pesquisador)
192

ANEXO 3
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
ESTUDANTES EM GERAL – EM PORTUGUÊS

O desenvolvimento de material didático de português para refugiadas árabes em São Paulo a


partir da Análise de Necessidades (Ampliada)
Raquel Heckert César Bastos
Número do CAAE: 98055218.4.0000.8142

Você está sendo convidado a participar como voluntário de uma pesquisa. Este
documento, chamado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa assegurar seus
direitos como participante e é elaborado em duas vias, uma que deverá ficar com você e outra
com o pesquisador.
Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer suas dúvidas. Se
houver perguntas antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá esclarecê-las com o
pesquisador. Se preferir, pode levar este Termo para casa e consultar seus familiares ou outras
pessoas antes de decidir participar. Não haverá nenhum tipo de penalização ou prejuízo se
você não aceitar participar ou retirar sua autorização em qualquer momento.

Justificativa e objetivos:
Os objetivos desta pesquisa são analisar a relação de mulheres árabes em situação de
refúgio em São Paulo há menos de 5 anos com a língua portuguesa e propor a elaboração de
um modelo de material didático específico de português que contribua para que esse público
possa se inserir mais efetivamente na cidade de São Paulo. Esta pesquisa é relevante porque,
além de contribuir para a integração dessas refugiadas na sociedade paulistana, contribuirá
para a produção de material didático dessa área de ensino, fornecendo uma unidade didática
(que será o produto final do projeto) e servindo de exemplo para que outros trabalhos possam
ser desenvolvidos para outros públicos específicos.

Procedimentos:
Participando do estudo você está sendo convidado a preencher um questionário
anônimo para relatar um pouco da sua experiência com a língua portuguesa e outras questões
relacionadas ao perfil das mulheres árabes em situação de refúgio na cidade de São Paulo. O
preenchimento do questionário pode demorar de 15 a 60 minutos e deverá ser feito em língua
portuguesa. Você terá a ajuda de uma tradutora para respondê-lo. O preenchimento ocorrerá
no local onde você tem aulas de português, em um dia de aula. Após ser utilizado na
pesquisa, seu questionário será arquivado por cinco anos pela pesquisadora.

Desconfortos e riscos:
Você não deve participar deste estudo se você tiver menos de 18 anos, se você não for
mulher, se você não for proveniente de um dos países da Liga dos Estados Árabes (a saber,
Arábia Saudita, Argélia, Bahrein, Catar, Comores, Djibuti, Egito, Emirados Árabes Unidos,
Iêmen, Iraque, Jordânia, Kuwait, Líbano, Líbia, Marrocos, Mauritânia, Omã, Palestina, Síria,
Somália, Sudão e Tunísia) e se você não estiver em situação de refúgio na cidade de São
Paulo. Você também não deve participar da pesquisa caso a participação seja contra a sua
vontade.
Enquanto participante da pesquisa você estará exposta ao desconforto da
incompreensão de alguma questão do questionário e de depender de um tradutor para
responder às perguntas. É possível que você se emocione com algumas das questões
propostas. Além disso, a pesquisa não possui riscos previsíveis.
193

Benefícios:
Participando dessa pesquisa, você será beneficiado com a possibilidade de reflexão de
suas práticas linguísticas e culturais na cidade de São Paulo. Terá também a possibilidade de
ser ouvida e de colaborar para que as particularidades de mulheres árabes em situação de
refúgio na cidade de São Paulo sejam melhor compreendidas por outras pessoas. Tal
compreensão poderá influenciar em futuras políticas públicas ou privadas, como a elaboração
de um material didático específico.

Acompanhamento e assistência:
Você poderá me contatar sempre que necessitar para esclarecer qualquer questão
relativa à pesquisa em qualquer momento no decorrer da mesma, seja por telefone ou
pessoalmente. Estarei à disposição durante e após o preenchimento do questionário para que
você possa expressar qualquer ponto. Continuarei à disposição após o término da pesquisa.

Sigilo e privacidade:
Você tem a garantia de que sua identidade será mantida em sigilo e nenhuma
informação será dada a outras pessoas além da equipe de pesquisadores e uma intérprete que
ajudará na pesquisa. Na divulgação dos resultados deste estudo, seu nome não será citado. As
respostas aos questionários serão armazenados por cinco anos pela pesquisadora. Você poderá
retirar sua autorização de uso das respostas em qualquer momento.

Ressarcimento e Indenização:
O preenchimento do questionário será realizado antes ou depois do seu horário de
aula de português e no mesmo local das aulas, portanto você não terá nenhuma despesa e
nenhum reembolso será necessário. Você terá a garantia ao direito a indenização diante de
eventuais danos decorrentes da pesquisa.

Contato:
Em caso de dúvidas sobre a pesquisa, você poderá entrar em contato com a pesquisadora
Raquel Heckert César Bastos, no IEL/Unicamp. Endereço: Rua Sérgio Buarque de Holanda,
nº 571, Campinas – SP. Telefone: 31 975145363. E-mail: raquelhcbas@gmail.com.

Em caso de denúncias ou reclamações sobre sua participação e sobre questões éticas do


estudo, você poderá entrar em contato com a secretaria do Comitê de Ética em Pesquisa
(CEP) da UNICAMP das 08:30hs às 11:30hs e das 13:00hs as 17:00hs na Rua: Tessália
Vieira de Camargo, 126; CEP 13083-887 Campinas – SP; telefone (19) 3521-8936 ou (19)
3521-7187; e-mail: cep@fcm.unicamp.br.

O Comitê de Ética em Pesquisa (CEP)


O papel do CEP é avaliar e acompanhar os aspectos éticos de todas as pesquisas envolvendo
seres humanos. A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), tem por objetivo
desenvolver a regulamentação sobre proteção dos seres humanos envolvidos nas pesquisas.
Desempenha um papel coordenador da rede de Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) das
instituições, além de assumir a função de órgão consultor na área de ética em pesquisas

Consentimento livre e esclarecido:


Após ter recebido esclarecimentos sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos,
benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, aceito participar
e declaro estar recebendo uma via original deste documento assinada pelo pesquisador e por
194

mim, tendo todas as folhas por nós rubricadas:

Nome do (a) participante:


________________________________________________________
Contato telefônico:
_____________________________________________________________
e-mail (opcional):
______________________________________________________________

_______________________________________________________ Data:
____/_____/______.
(Assinatura do participante ou nome e assinatura do seu RESPONSÁVEL LEGAL)

Responsabilidade do Pesquisador:
Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e complementares na
elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Asseguro, também, ter explicado e fornecido uma via deste documento ao participante.
Informo que o estudo foi aprovado pelo CEP perante o qual o projeto foi apresentado.
Comprometo-me a utilizar o material e os dados obtidos nesta pesquisa exclusivamente para
as finalidades previstas neste documento ou conforme o consentimento dado pelo
participante.

______________________________________________________
Data: ____/_____/______.
(Assinatura do pesquisador)
‫‪195‬‬

‫‪ANEXO 4‬‬
‫‪TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO EM ÁRABE‬‬
‫‪ESTUDANTES EM GERAL – EM ÁRABE‬‬

‫استمارة موافقة حرة و موضحة‬


‫(موسع من قبل راكيل هيكرت‬
‫َّ‬ ‫تطوير مادة تعليمية برتغالية لالجئين العرب في ساو باولو من خالل تحليل االحتياجات‬
‫)سيزار باستوس‬
‫‪ CAAE: 98055218.4.0000.8142‬رقم‬

‫أنت مدعو للتطوع بالبحث‪ .‬هذا وثيقة تسمى استمارة موافقة الحرة وموضحة ‪ ،‬وتهدف إلى ضمان حقوق كمشارك ويتم‬
‫وضعها بطريقتين ‪ ،‬واحدة يجب أن تقف معك ومع أخرى مع الباحث‪ .‬يرجى قراءة بعناية وبهدوء ‪ ،‬مع اغتنام الفرصة‬
‫لتوضيح شكوكك‪ .‬إذا لديك أسئلة من قبل أو حتى بعد التوقيع عليها ‪ ،‬يمكنك توضيحها مع الباحث‪ .‬إذا كنت تفضل ذلك ‪،‬‬
‫يمكنك أن تأخذ هذا المصطلح إلى المنزل واستشارة عائلتك أو غيرها قبل أن تقرر المشاركة‪ .‬لن يكون هناك عقوبة أ أو أنت‬
‫‪.‬ال توافق على المشاركة أو إلغاء تصريحك في أي وقت‬
‫المبرر من هذه الوثيقة واالهداف‪:‬‬
‫تتمثل أهداف هذا البحث في تحليل العالقة بين المرأة العربية في أوضاع الالجئين في ساو باولو لمدة أقل من ‪ 5‬سنوات مع‬
‫اللغة البرتغالية واقتراح وضع نموذج لمواد تعليمية محددة للبرتغالية تساهم في تمكين الطالب من االندماج بشكل فعال في‬
‫مدينة ساو باولو‪ .‬هذا البحث ذو صلة ألنه ‪ ،‬إلى جانب المساهمة في دمج هؤالء الالجئين في مجتمع ساو باولو ‪ ،‬سيساهم في‬
‫إنتاج المواد التعليمية في هذا المجال من التعليم ‪ ،‬وتوفير وحدة تعليمية (ستكون النتيجة النهائية للمشروع) وخدمتها كتجربة‬
‫لآلخرين‪ .‬يمكن تطويرها لجمهور محدد آخر‪.‬‬
‫اإلجراءات‬
‫المشاركة في الدراسة التي دعيت إليها لملء استجواب مجهول الهوية (بدون ذكر اسم المشارك) لإلبالغ عن القليل من‬
‫تجربتك مع اللغة البرتغالية والقضايا األخرى المتعلقة بملف المرأة العربية في وضع اللجوء في مدينة ساو باولو‪ .‬يمكن أن‬
‫يستغرق إكمال االستبيان من ‪ 15‬إلى ‪ 60‬دقيقة ويجب أن يتم باللغة البرتغالية‪ .‬سيكون لديك مساعدة من مترجم للرد عليك‪.‬‬
‫سيتم انجاز االستبيان في مكان دروس في اللغة البرتغالية ‪ ،‬في يوم واحد من صف اللغة‪ .‬بعد استخدامها في البحث ‪ ،‬ستتم‬
‫‪.‬أرشفة البحث لمدة خمس سنوات من قبل الباحث‬

‫المضايقات والمخاطر‪:‬‬
‫ال يجوز لك المشاركة في هذه الدراسة إذا كنت دون الثامنة عشرة‪ ،‬إذا لم تكن امرأة‪ ،‬إذا لم تكن من إحدى دول جامعة الدول‬
‫العربية (وهي المملكة العربية السعودية والجزائر والبحرين وقطر وجزر القمر وجيبوت مصر‪ ،‬اإلمارات العربية المتحدة‪،‬‬
‫اليمن‪ ،‬العراق‪ ،‬األردن‪ ،‬الكويت‪ ،‬لبنان‪ ،‬ليبيا‪ ،‬المغرب‪ ،‬موريتانيا‪ ،‬عمان‪ ،‬فلسطين‪ ،‬سوريا‪ ،‬الصومال‪ ،‬السودان وتونس)‬
‫‪.‬وإذا لم تكن في حالة اللجوء في مدينة ساو باولو‪ .‬يجب عليك أيضا عدم المشاركة في البحث إذا كانت المشاكة ضد إرادتك‬
‫كجزء من البحث ‪ ،‬سوف تتعرض لضيق من سوء فهم بعض األسئلة في االستبيان واعتمادا على مترجم لإلجابة على‬
‫األسئلة‪ .‬قد تكون تتأثر نتيجة األسئلة المقترحة‪ .‬باإلضافة إلى ذلك ‪ ،‬فإن البحث ال يوجد لديه مخاطر يمكن التنبؤ بها‪ .‬فإن‬
‫البحث ال يوجد لديه مخاطر يمكن التنبؤ بها‪.‬‬
‫‪196‬‬

‫الفوائد‬
‫المشاركة في هذا البحث ‪ ،‬سوف تستفيد من إمكانية عكس الممارسات اللغوية والثقافية الخاصة بك في مدينة ساو باولو‪ .‬كما‬
‫سيكون لديها إمكانية االستماع والتعاون من أجل فهم تفاصيل النساء العربيات في وضع اللجوء في مدينة ساو باولو بشكل‬
‫أفضل من قبل أشخاص آخرين‪ .‬قد يؤثر هذا الفهم على السياسات العامة أو الخاصة المستقبلية ‪ ،‬مثل تطوير مادة تعليمية‬
‫محددة‪.‬‬

‫المرافقة والمساعدة‪:‬‬
‫يمكنك االتصال بي عندما تحتاج إلى توضيح أي سؤال متعلق بالبحث في أي وقت أثناء البحث ‪ ،‬إما عن طريق الهاتف أو‬
‫شخصيًا‪ .‬سوف أكون متاحً ا أثناء وبعد ملء االستبيان حتى يمكنك التعبير عن أي نقطة‪ .‬سأظل متاحً ا بعد اكتمال البحث‪.‬‬

‫السرية والخصوصية‪:‬‬
‫لديك ضمان بأن هويتك ستبقى سرية ولن يتم إعطاء أي معلومات لآلخرين الذين ليسوا جزءًا من فريق البحث‪ .‬في الكشف‬
‫عن نتائج هذه الدراسة ‪ ،‬لن يتم ذكر اسمك‪ .‬وسيتم تخزين الردود على المساعدين بشكل دائم ويمكن استخدامها في البحوث‬
‫الالحقة‪.‬‬

‫التعويض‪:‬‬
‫سيتم االنتهاء من االستجواب قبل أو بعد جدول الدرس البرتغالي الخاص بك وفي نفس المكان من الفصول الدراسية ‪،‬‬
‫وبالتالي لن يكون لديك أي نفقات ‪ ،‬ولن تكون هناك أية مبالغ مستردة‪ .‬سيكون لديك ضمان الحق في التعويض في حالة‬
‫حدوث أي أضرار ناجمة عن البحث‪.‬‬

‫اتصال‪:‬‬
‫في حالة وجود شكوك حول البحث ‪ ،‬يمكنك االتصال بالباحث راكيل هيكرت سيزار باستوس ‪ ،‬في ‪.IEL / Unicamp‬‬
‫العنوان‪:‬‬
‫‪Rua Sérgio Buarque de Holanda، 571، Campinas – SP.‬‬
‫الهاتف‪:‬‬
‫(‪975145363)31‬‬
‫البريد اإللكتروني‪raquelhcbas@gmail.com :‬‬
‫في حالة االستنكار أو الشكاوى حول مشاركتك والقضايا العامة للدراسة ‪ ،‬يمكنك االتصال بأمين لجنة األبحاث في‬
‫‪ UNICAMP‬من الساعة ‪ 8:30‬صباحً ا حتى الساعة ‪ 11:30‬صباحً ا ومن الساعة ‪ 1‬ظهرً ا حتى الساعة ‪ 5‬مساءً‪ .‬في الشارع‪:‬‬
‫‪Tessália Vieira de Camargo، ، 126 Campinas – SP CEP 13083-887‬‬
‫هاتف‬
‫(‪7187-3521)19‬‬
‫‪197‬‬

‫(‪8936-3521)19‬‬
‫البريد اإللكتروني‪:‬‬
‫‪cep@fcm.unicamp.br‬‬

‫لجنة البحث األخالقية‪)CEP( :‬‬


‫دور ‪ CEP‬هو تقييم ومراقبة الجوانب األخالقية لجميع البحوث التي تنطوي على موضوعات اإلنسان‪ .‬تهدف اللجنة الوطنية‬
‫ألخالقيات البحث (‪ )CONEP‬إلى وضع أنظمة لحماية األشخاص المشاركين في البحث‪ .‬يلعب دورً ا تنسيقيًا لشبكة لجان‬
‫أخالقيات البحث (‪ )CEPs‬للمؤسسات ‪ ،‬إلى جانب تولي وظيفة الجهاز االستشاري في مجال أخالقيات البحث‪.‬‬

‫الموافقة الحرة والموضحة‪:‬‬


‫بعد الحصول على إيضاحات حول طبيعة البحث وأهدافه وطرقه ومنافعه المتوقعة ومخاطره المحتملة واإلزعاج الذي قد‬
‫ينطوي عليه ‪ ،‬أوافق على المشاركة وأعلن تلقي نسخة أصلية من هذه الوثيقة التي وقعها الباحث وأنا‪ ،‬من جانبنا باألحرف‬
‫األولى‪:‬‬

‫اسم المشارك‪_____________________________________________________________ :‬‬


‫جهة اتصال الهاتف‪__________________________________________________________ :‬‬
‫البريد اإللكتروني (اختياري)‪_____________________________________________________ :‬‬
‫________________________________________________ التاريخ‪.____ / ____ /_2019_ :‬‬
‫(توقيع المشارك أو اسم وتوقيع شخصيته القانونية)‬

‫مسؤولية الباحث‪:‬‬
‫ومكملة في وضع البروتوكول والحصول على هذه الموافقة على ‪ CNS / MS‬أؤكد أنك قد امتثلت لمتطلبات ‪466/2012‬‬
‫استمارة موافقة حرة و موضحة‬
‫كما أؤكد أنك قد أوضحت وقدمت نسخة لهذه الوثيقة إلى المشارك‪ .‬أبلغ أن الدراسة تمت الموافقة عليها من قبل الذي تم تقديم‬
‫‪.‬المشروع من خالله‬
‫أتعهد باستخدام المواد والبيانات التي تم الحصول عليها في هذا البحث حصريًا لألغراض المنصوص عليها في هذه الوثيقة‬
‫‪.‬أو وف ًقا للموافقة التي قدمها المشارك‬
‫__________________________________التاريخ‪._____ / _____ /_2019_ :‬‬
‫(توقيع الباحث)‬
198

ANEXO 5
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
ESTUDANTES QUE PARTICIPARAM DAS CONVERSAS E DO GRUPO FOCAL

O desenvolvimento de material didático de português para refugiadas árabes em São Paulo a partir
da Análise de Necessidades (Ampliada)
Raquel Heckert César Bastos
Número do CAAE: 98055218.4.0000.8142

Você está sendo convidado a participar como voluntário de uma pesquisa. Este documento,
chamado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa assegurar seus direitos como participante
e é elaborado em duas vias, uma que deverá ficar com você e outra com o pesquisador.
Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer suas dúvidas. Se houver
perguntas antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá esclarecê-las com o pesquisador. Se
preferir, pode levar este Termo para casa e consultar seus familiares ou outras pessoas antes de
decidir participar. Não haverá nenhum tipo de penalização ou prejuízo se você não aceitar participar
ou retirar sua autorização em qualquer momento.

Justificativa e objetivos:
Os objetivos desta pesquisa são analisar a relação de mulheres árabes em situação de
refúgio em São Paulo há menos de 5 anos com a língua portuguesa e propor a elaboração de um
modelo de material didático específico de português que contribua para que esse público possa se
inserir mais efetivamente na cidade de São Paulo. Esta pesquisa é relevante porque, além de
contribuir para a integração dessas refugiadas na sociedade paulistana, contribuirá para a produção
de material didático dessa área de ensino, fornecendo uma unidade didática (que será o produto
final do projeto) e servindo de experiência para que outros trabalhos possam ser desenvolvidos para
outros públicos específicos.

Procedimentos:
Você está sendo convidada a participar de um grupo de conversa com duração de até duas
horas com a pesquisadora e outras mulheres árabes em situação de refúgio na cidade de São Paulo.
Além disso, você também está sendo convidada a participar individualmente de uma entrevista
semi-estruturada com a pesquisadora, a qual será marcada em um dia posterior ao grupo de
conversa e terá duração de aproximadamente 1 hora. Tanto o grupo de conversa como a entrevista
serão marcados em dias e horários próximos aos seus dias de aula de português e serão realizadas
nas dependências da instituição. Os encontros serão gravados e arquivados pela pesquisadora por
cinco anos.

Desconfortos e riscos:
Você não deve participar deste estudo se você tiver menos de 18 anos, se você não for
mulher, se você não for proveniente de um dos países da Liga dos Estados Árabes (a saber, Arábia
Saudita, Argélia, Bahrein, Catar, Comores, Djibuti, Egito, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Iraque,
Jordânia, Kuwait, Líbano, Líbia, Marrocos, Mauritânia, Omã, Palestina, Síria, Somália, Sudão e Tunísia)
e se você não estiver em situação de refúgio na cidade de São Paulo há mais de 5 anos. Você
também não deve participar da pesquisa caso a participação seja contra a sua vontade.
Enquanto participante da pesquisa você estará exposta ao desconforto de possível
incompreensão ou dificuldade em se expressar sobre algum ponto conversado. É possível que você
se emocione com alguns tópicos conversados. A pesquisa não possui riscos previsíveis.
199

Benefícios:
Participando dessa pesquisa, você será beneficiado com a possibilidade de reflexão de suas
práticas linguísticas e culturais na cidade de São Paulo. Terá também a possibilidade de ser ouvida e
de colaborar para que as particularidades de mulheres árabes em situação de refúgio na cidade de
São Paulo sejam melhor compreendidas por outras pessoas. Tal compreensão poderá influenciar em
futuras políticas públicas ou privadas, como a elaboração de um material didático específico.

Acompanhamento e assistência:
Você poderá me contatar sempre que necessitar para esclarecer qualquer questão relativa à
pesquisa em qualquer momento no decorrer da mesma, seja por telefone ou pessoalmente. Estarei à
disposição durante e após os encontros para que você possa expressar qualquer ponto. Continuarei à
disposição após o término da pesquisa.

Sigilo e privacidade:
Você tem a garantia de que sua identidade será mantida em sigilo e nenhuma informação
será dada a outras pessoas que não façam parte da equipe de pesquisadores. Na divulgação dos
resultados deste estudo, seu nome não será citado. As gravações em áudio serão armazenadas por
cinco anos pela pesquisadora e poderão ser utilizadas em pesquisas posteriores.

Ressarcimento e Indenização:
Os encontros (tanto o grupo de conversa como as entrevistas) serão realizados antes ou
depois do seu horário de aula de português e no mesmo local das aulas, portanto você não terá
nenhuma despesa e nenhum reembolso será necessário. Você terá a garantia ao direito a
indenização diante de eventuais danos decorrentes da pesquisa.

Material:
( ) Concordo com a gravação de áudio das conversas individuais e do grupo focal.

Contato:
Em caso de dúvidas sobre a pesquisa, você poderá entrar em contato com a pesquisadora
Raquel Heckert César Bastos, no IEL/Unicamp. Endereço: Rua Sérgio Buarque de Holanda, nº 571,
Campinas – SP. Telefone: 31 975145363. E-mail: raquelhcbas@gmail.com.

Em caso de denúncias ou reclamações sobre sua participação e sobre questões éticas do estudo,
você poderá entrar em contato com a secretaria do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UNICAMP
das 08:30hs às 11:30hs e das 13:00hs as 17:00hs na Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126; CEP
13083-887 Campinas – SP; telefone (19) 3521-8936 ou (19) 3521-7187; e-mail: cep@fcm.unicamp.br.

O Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).


O papel do CEP é avaliar e acompanhar os aspectos éticos de todas as pesquisas envolvendo
seres humanos. A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), tem por objetivo desenvolver a
regulamentação sobre proteção dos seres humanos envolvidos nas pesquisas. Desempenha um
papel coordenador da rede de Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) das instituições, além de assumir
a função de órgão consultor na área de ética em pesquisas

Consentimento livre e esclarecido:


Após ter recebido esclarecimentos sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos,
benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, aceito participar e
declaro estar recebendo uma via original deste documento assinada pelo pesquisador e por mim,
tendo todas as folhas por nós rubricadas:
200

Nome do (a) participante: ________________________________________________________


Contato telefônico: _____________________________________________________________
e-mail (opcional): ______________________________________________________________

_______________________________________________________ Data: ____/_____/______.


(Assinatura do participante ou nome e assinatura do seu RESPONSÁVEL LEGAL)

Responsabilidade do Pesquisador:
Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e complementares na
elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Asseguro,
também, ter explicado e fornecido uma via deste documento ao participante. Informo que o estudo
foi aprovado pelo CEP perante o qual o projeto foi apresentado. Comprometo-me a utilizar o material
e os dados obtidos nesta pesquisa exclusivamente para as finalidades previstas neste documento ou
conforme o consentimento dado pelo participante.

______________________________________________________ Data: ____/_____/______.


(Assinatura do pesquisador)
201

ANEXO 6
AUTORIZAÇÃO PARA COLETA DE DADOS
202

ANEXO 7
TEXTO “NINA E A ESCOLA” UTILIZADO NO ENCONTRO 1 DO GRUPO FOCAL

Baseado na tese Política Linguística de Acolhimento a Crianças Imigrantes no Ensino


Fundamental Brasileiro: Um Estudo de Caso, de Amélia Neves (2018)

Nina e a escola

Um dia, Nina chegou toda contente em casa, com um bilhete da escola na mão. Ela
me disse que ia fazer um passeio com a escola! Eu não consegui ler o bilhete, mas acreditei
na Nina. No dia seguinte, ela escolheu sua roupa e foi para a escola sem uniforme, pois ela ia
passear. Mas fiquei muito surpresa quando fui buscar a Nina no final do dia e a professora
dela me disse que por pouco a Nina não participou do passeio. “Você não leu o bilhete? Por
causa do passeio, todas as crianças tinham de usar uniforme! Ainda bem que a gente tinha
uma camisa sobrando”.
Outro dia, tive que sair correndo de casa e ir buscar a Nina porque a escola tinha
mandado um bilhete dizendo que não ia ter aula e eu não entendi o bilhete. Quando Nina me
disse que não tinha aula, eu achei que ela estava mentindo! Então mandei ela pra escola do
mesmo jeito. Mas ela não estava mentindo e ouvi da professora de novo “você não leu o
bilhete?”.
Esses problemas com os bilhetes da escola já aconteceram várias vezes. Tantas que,
um dia, Nina ficou chateada porque eu não entendi um bilhete da escola e começou a chorar.
Tive que ir até a escola para a professora me explicar o que era. Aí ela pediu pra eu assinar
uma coisa que eu não sei o que era, mas a Nina ficou feliz da vida. Acho que era pra ela
poder tomar uma vacina ou participar de alguma atividade especial. Até hoje eu não entendi
direito.
203

ANEXO 8
TIRINHAS UTILIZADAS NO ENCONTRO 3 DO GRUPO FOCAL

Tirinha disponível em https://universoeeu.tumblr.com/image/173317614287. Acesso em 12 out. 2021.

Tirinha produzida por Alexsandro Palombo. Disponível em:


https://i.pinimg.com/originals/b1/90/4e/b1904e78aad4669f6ba7bae9e653ca4e.jpg. Acesso em 12 out.
2021.

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