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CAMPINAS
2021
RAQUEL HECKERT CÉSAR BASTOS
CAMPINAS
2021
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem
Tiago Pereira Nocera - CRB 8/10468
Título em outro idioma: When someone don't speak language, it looked like children were
born now : guidelines for teaching Portuguese as welcome language for Arab women in
refuge situations
Palavras-chave em inglês:
Portuguese as a welcoming language
Needs assessment
Crisis Migration
Narratives
Refugees
Área de concentração: Linguagem e Educação
Titulação: Mestra em Linguística Aplicada
Banca examinadora:
Ana Cecília Cossi Bizon [Orientador]
Helena Regina Esteves Camargo
Leandro Rodrigues Alves Diniz
Data de defesa: 20-12-2021
Programa de Pós-Graduação: Linguística Aplicada
IEL/UNICAMP
2021
In memorian
Hoje, a tua ausência me encheu
E eu transbordei
À Igreja Presbiteriana de Viçosa, por contribuir com parte de meu sustento no início
de meu trabalho na Compassiva.
A Lena, Luz, Lara, Sham, Sara e Mira, por me permitirem conhecê-las. Obrigada por
aceitarem ser participantes desta pesquisa, por todo o aprendizado e acolhimento
que me deram. Obrigada por compartilharem comigo uma amizade.
À Joanna Ibrahim, por permitir que eu fizesse parte de sua vida. Obrigada pelas
traduções para o árabe e por toda interlocução durante o processo da pesquisa.
À Profa. Dra. Ana Cecília Cossi Bizon, por ser minha orientadora. Obrigada por ser
um exemplo de profissionalismo, sensibilidade, compromisso e perseverança.
Obrigada por aceitar me acompanhar nessa corrida com obstáculos que foi, para
mim e para você, este período do meu mestrado.
Ao Prof. Dr. Leandro Rodrigues Alves Diniz, por sua leitura atenta e suas ricas
contribuições a este trabalho. Por toda sua produção acadêmica que influenciou
esta dissertação e por sua participação na banca.
À Profa. Dra. Helena Regina Esteves de Camargo, por ser uma ótima irmã mais
velha de orientação, acompanhando-me desde o início, dividindo inquietações e
participando da banca. Obrigada por sua leitura atenta e por todas as suas
contribuições.
Aos demais irmãos de orientação, Danielle Lins, Elaine Medeiros Philipe, Gabriel
Dangió, Glauber Heitor Sampaio, Izabel Silva, Renata Franck Anunciação, Tiêgo
Alencar, e aos recém chegados Fred Farid, Rita Devos, Taís Machado e Verônica
Carvalho, por formarem uma verdadeira família acadêmica. Obrigada por me
mostrarem que o mundo acadêmico não é sempre competitivo, mas pode ser
também colaborativo. Obrigada pelas sempre produtivas interlocuções e por
dividirem muitas das minhas inquietações sobre o mundo.
A Karol Coelho e Priscila Pereira, por serem mais que colegas de república. A
amizade de vocês foi essencial para eu me territorializar em São Paulo e me
(re)territorializar na escrita e no cristianismo. Obrigada.
Aos queridos Seu Berto, Dona Eli, Débora, Miriam, Yara e Yonne, por me
convidarem para um café. Obrigada por abrirem a casa e a vida para mim, para o
Zé e pro Calebe. Vocês são nossa família paulistana.
À Leonora Tavares, por me ajudar a enxergar que escrever pode ser um processo
solitário, mas não significa solidão.
À Mari Lopes, pela amizade. Obrigada pelos infográficos que fazem parte dessa
dissertação.
Aos meus pais, Emmanuel e Délnia, pelo “paitrocínio” no meu tempo em São Paulo.
Obrigada por sempre estenderem a mão quando necessário e por me indicarem a
importância dos estudos. Obrigada por comprarem, junto com meus irmãos, este
computador para meus estudos no mestrado.
Aos meus irmãos, Josué e Davi, às suas esposas, Mari e Samara, e aos seus filhos,
Moisés, Bebel e Iréne, por tornarem a vida mais interessante. Obrigada por estarem
sempre dispostos a me apoiar e conversar. Obrigada por comprarem, junto com
meus pais, este computador para meus estudos no mestrado.
Ao meu filho Calebe, por deixar meus dias mais alegres e empolgantes. Obrigada
por me ensinar a valorizar cada 5 minutos e a comemorar cada novo aprendizado.
Obrigada por ser tão carinhoso e por me ensinar tanto sobre o universo materno e
sobre mim mesma.
Ao Zé Luis, meu esposo, parceiro e amigo. Por seu apoio diário, que tornou possível
eu me dedicar à escrita desta dissertação: pelas batatas com queijo na gravidez, por
dividir a dieta de diabetes gestacional comigo, por assumir minha parte nos
cuidados com a casa, por ouvir meus desabafos e me fazer ouvir os seus. Obrigada
por me incentivar a alçar vôos sempre mais altos, acreditando em mim mesmo
quando eu não me sentia capaz de tirar os pés do chão.
A Deus, que dá sentido ao caos. Por me guiar por caminhos que eu não conseguia
ver e me ajudar a começar, desenvolver e concluir esta dissertação. Por ser o farol
em todos os meus processos de des(re)territorialização.
RESUMO
Baeninger and Peres (2017) point out that, in the last decade, Brazil has become a
country of migratory destination, with a significant increase in crisis migrants,
including refugees. This generated new demands for teaching and learning
Portuguese as a Welcoming Language (PWL). The PWL for Arab Women in Refuge
Situations (AWRS), focused here, is seldom studied, and resources aimed at its
specificities are almost non-existent. Starting from the researcher's practice as a
coordinator of the PWL course for the AWRS at Associação Compassiva in São
Paulo, this work, which is part of the studies in Indisciplinary and Critical Applied
Linguistics (MOITA LOPES, 2006), aimed to create intelligibility about the
relationship of AWRS with the the learning the Portuguese language and its uses in
social practices in order to subsidize guidelines for reception policies and PWL
teaching for these women. More specifically, we sought to identify (i) spaces in the
city of São Paulo frequented by this public, mapping the most used languages in
each of them; (ii) situations in which Portuguese is mandatory; (iii) needs in relation
to the Portuguese language; (iv) how the AWRS position themselves in relation to
the Portuguese language and its learning. Reaffirming the political and ethical
commitment to the researched context, we first sought to listen to the AWRS and
other people involved in the context, developing the research with them and not
about them. The records were generated through a questionnaire, a focus group and
two informal conversations with the research participants. Based on two curricular
guidelines for teaching Portuguese as an Additional Language (KRAEMER, 2012;
MRE, 2019) and discussions on Needs Analysis (VIAN JR., 2008; SILVA, 2016),
categories were defined for an expanded and critical needs analysis. The data
analysis was supported, especially, on the concepts of crisis migration
(BAENINGER; PERES, 2017) and PWL (ANUNCIAÇÃO, 2017; LOPES; DINIZ,
2018; BIZON, CAMARGO, 2018), in dialogue with Narrative Studies (DE FINA,
2015), and mobilized indexical clues of positioning proposed by Wortham (2001) and
complemented by Bizon (2013). The analyzes shed light on the sociolinguistic and
political complexity of this context, highlighting that the AWRS use several
languages, with Arabic predominating in private spheres and Portuguese in public
spheres. Health and education of children emerged as contexts of greatest need for
Portuguese. The classroom, more than a place of learning, proved to be an essential
environment for socialization and emotional strengthening. Based on the analyses, a
table was created with several guidelines, highlighting: Portuguese classes in
environments exclusively for women, class schedules that coincide with children's
school schedules, availability of caregivers for children, elaboration of specific
material that teaches the western alphabet, the difference between voiced and
voiceless consonants (/p/ and /b/, /v/ and /f/) and Portuguese vowels, training for
teachers and staff on Islamic cultural constructions, training AWRS as agents of
education of the surroundings, dialogues on violence against women, Human Rights
and the influence of the predominant religions in the societies of origin and
destination of the AWRS.
أشار بيننجر وبيريز ( )2017إلى أن البرازيل أصبحت ،في العقد الماضي ،بل ًدا مقص ًدا للمهاجرين ،مع زيادة كبيرة
في عدد مهاجري األزمات ،بمن فيهم الالجئون .أدى ذلك إلى ظهور مطالب جديدة لتعليم وتعلم اللغة البرتغالية كلغة
منزلية (بالك .)PLAcسياق بالك الخاص بالنساء العربيات الالجئات (مصير) ،الذي يركز هنا ،لم يُدرس كثيرً ا ،
والموارد التي تستهدف خصوصياته تكاد تكون معدومة .بدءًا من ممارسة الباحث كمنسق لدورة (بالك )PLAcلـ
(مصير) في جمعية كومباسيفا في ساو باولو ،يهدف هذا العمل ،الذي يعد جزءًا من اللسانيات التطبيقية متعددة
التخصصات والنقدية (مويتا لوبيز ، )2006إلى خلق وضوح حول العالقة بين هؤالء( .مصير) مع تعلم اللغة البرتغالية
واستخداماتها في الممارسات االجتماعية ،من أجل دعم المبادئ التوجيهية لسياسات االستقبال والتعليم (بالك )PLAc
لهؤالء النساء .وبشكل أكثر تحدي ًدا ،سعينا إلى تحديد ( )1المساحات في مدينة ساو باولو التي يتردد عليها هذا الجمهور،
ورسم خرائط للغات األكثر استخدامًا في كل منها؛ ( )2الحاالت التي تكون فيها اللغة البرتغالية إلزامية ؛ ( )3االحتياجات
المتعلقة باللغة البرتغالية ؛ ( )4المواقف المتخذة فيما يتعلق باللغة البرتغالية وتعلمها .تأكي ًدا على االلتزام السياسي
واألخالقي بالسياق الذي تم البحث فيه ،سعينا أوالً إلى االستماع إلى (مصير) واألشخاص اآلخرين المشاركين في السياق
،وتطوير البحث معهم وليس عنهم .تم إنشاء السجالت من خالل استبيان ومجموعة مركزة ومحادثات غير رسمية مع
المشاركين في البحث .استنا ًدا إلى اثنين من المبادئ التوجيهية المنهجية لتدريس اللغة البرتغالية كلغة إضافية (كريمير ،
2012؛ م.ر.ي )2019 ،ومناقشات حول تحليل االحتياجات (فيان جونير 2008 ،؛ سيلفا ، )2016 ،تم تحديد الفئات
لتحليل االحتياجات الموسعة والنقد تم دعم تحليل البيانات ،خاصة فيما يتعلق بمفاهيم هجرة األزمات (باينينغر ,
بيريس )2017واالستقبال (إعالن 2017؛ لوبيز؛ دينيز2018؛ بيزون ،كامارغو ، )2018في حوار مع الدراسات
السردية (دي فينا ، )2015وحشد أدلة تحديد المواقع التي اقترحها ورسوم ( )2001واستكمالها بيزون (.)2013
سلطت التحليالت الضوء على التعقيد االجتماعي اللغوي والسياسي لهذا السياق ،مع إبراز أن (مصير) تستخدم عدة لغات
،حيث تسود اللغة العربية في المجاالت الخاصة والبرتغالية في المجاالت العامة .ظهرت صحة األطفال وتعليمهم
كسياقات في أمس الحاجة للغة البرتغالية .أثبت الفصول الدراسية ،أكثر من مجرد مكان للتعلم ،أنها بيئة أساسية للتنشئة
االجتماعية وتقوية المشاعر .بنا ًء على التحليالت ،تم إنشاء جدول يحتوي على العديد من اإلرشادات ،مع تسليط الضوء
على :فصول اللغة البرتغالية في بيئات حصرية للنساء ،والجداول الزمنية للفصول التي تتوافق مع جداول مدارس
األطفال ،وتوافر مقدمي الرعاية لألطفال ،ووضع مواد محددة تعلم األبجدية الغربية ،واالختالف بين الحروف الساكنة
المسموعة وغير الصوتية ( /p/و /b/ ، /v/و )/f/والحروف المتحركة البرتغالية ،وتدريب المعلمين والموظفين على
اإلنشاءات الثقافية اإلسالمية ،وتدريب (مصير) كوكالء لتعليم البيئة المحيطة ،والحوارات حول العنف ضد المرأة
وحقوق اإلنسان وتأثير األديان السائدة في مجتمعات المنشأ والمقصد من (مصير).
كلمات رئيسية :البرتغالية كلغة مضيفة ؛ تحليل االحتياجات روايات هجرة األزمات؛ الالجئون.
QUADRO DE TRANSCRIÇÃO1
OCORRÊNCIAS SINAIS
Comentários do pesquisador ()
Entonação indicando tom enfático MAIÚSCULAS
Alongamento de vogal : , :: , :::
Sobreposição de falas [
Truncamento ou quebra de raciocínio /
Pausa ...
Pausa curta ,
Entonação indicando pergunta ?
Entonação indicando exclamação !
Pausa preenchida é, ah, hum, aham
Marca de citação “
Trecho incompreensível (inc)
Palavras em inglês itálico
1
As transcrições dos dados são baseadas em Marcuschi (1991) e Bizon (2013).
LISTA DE FIGURAS
Era uma manhã de fevereiro em 2017. Ainda sonolenta por conta das doze
horas de viagem, tratei de descer do ônibus e pegar minha mudança: uma grande
mala de rodinhas e uma mochila de acampamento. Era a primeira vez que tocava o
chão da capital paulistana – e não vinha de visita. Meus pensamentos flutuavam
entre lembranças do que eu deixava para trás, expectativa pelo que vinha pela
frente e uma certa dose de tensão que só um mineiro do interior, recém-chegado na
rodoviária do Tietê, é capaz de entender.
Graças aos mapas e às placas da rodoviária (todos em português), consegui
pegar o metrô e chegar à estação Vergueiro, onde uma pessoa da Associação
Compassiva, a organização não governamental (ONG) em que eu iria trabalhar, me
encontrou e me guiou até minha nova casa: uma república só de meninas, que
ficava a apenas cinco minutos a pé da estação de metrô e que pertencia à mesma
igreja em que a ONG funcionava.
Assim que cheguei, ganhei um quarto (a ser dividido no futuro) e arrumei
minhas coisas. Minha chefe e minha colega de república haviam preparado um
almoço para mim, e me senti ali muito bem recebida. Em seguida, fui levada para
conhecer a ONG e não foi difícil saber que aquela selva de concreto se tornaria meu
lar.
Claro, nem tudo foi tão tranquilo como naquele primeiro dia. Passei por altos
e baixos até sentir que aquela cidade era também minha casa. Posso dizer, porém,
que o início de minha territorialização (HAESBAERT, 2004) em São Paulo foi
tranquila, pois muitos encaminhamentos já haviam sido feitos e colocados à minha
disposição quando cheguei.
Diferentemente da minha experiência, Mira, uma das mulheres árabes
participantes dessa pesquisa, teve vontade de voltar assim que colocou os pés em
São Paulo em 2015. Ela e seus pais idosos ficaram no aeroporto por várias horas
sem conseguir entender o que estava acontecendo e sem se comunicar com
ninguém. Seu cunhado atrasou muito para buscá-los no aeroporto por conta de
engarrafamentos, e Mira não conseguiu encontrar ninguém que falasse inglês para
ajudá-la a contactar a irmã ou o cunhado. Seus aparelhos eletrônicos não estavam
funcionando, e o cansaço pela viagem juntou-se à sensação de estar em um local
perigoso, gerando uma crise de choro e o desejo de voltar atrás. Foi então que um
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taxista lhe emprestou o celular para ligar para a irmã, com quem discutiu feio pelo
telefone. Pelo menos, foi possível entender que o cunhado estava a caminho.
Tal sentimento de angústia por chegar ao Brasil e não conseguir se
comunicar está presente nas histórias de todas as mulheres árabes em situação de
refúgio que conheci, algumas das quais analiso nesta pesquisa. O aprendizado da
língua aparece nessas narrativas como um ponto de virada, quando começam a se
sentir capazes de construir um lar para si mesmas no Brasil, passando a se sentir
“acolhidas”.
No entanto, que significados o acolhimento tem para essas mulheres? E que
facetas da língua portuguesa realmente fazem diferença no processo de acolher e
de ser acolhido? Será que o aprendizado de língua portuguesa é apenas um meio
para se comunicar na sociedade brasileira ou ganha outros contornos para essas
mulheres? Essas são algumas questões que me levaram ao mestrado e que busco
compreender um pouco mais por meio desta pesquisa.
Termino esta breve conversa com você, leitor(a), afirmando que tenho nesta
dissertação um processo similar ao de chegada a um novo local, como a minha
experiência e a experiência de Mira de deslocamento. Ao menos para mim, esta
pesquisa é um processo de des(re)territorialização (HAESBAERT, 2004) epistêmica,
em que meus conhecimentos sobre o mundo viraram de ponta-cabeça, para se
re(des)organizarem novamente em outras composições, sempre em movimento,
sempre no devir. Assim como a mudança de cidade (ou de país) provoca um misto
de emoções que nos causa, inicialmente, desconforto, até que nos sintamos
confortáveis novamente, assim também acontece com a mudança de pensamento e
conceitos.
Espero que, na leitura desta dissertação, você seja provocado(a) a (re)pensar
sobre acolhimento, assim como eu tenho sido. Meu desejo é que as narrativas de
Luz, Sham, Mira, Sara e Yara conquistem sua atenção, tornando seu olhar mais
sensível às mulheres árabes em situação de refúgio (doravante MASiR). Espero que
suas vozes sejam ouvidas e que este trabalho possa, de alguma forma, contribuir
para que a territorialização dessas mulheres seja mais eficaz.
Caro(a) leitor(a), vem comigo conhecer essas mulheres e sua relação com a
língua portuguesa?
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1. INTRODUÇÃO
refúgio que haviam deixado seus países, suas famílias e vizinhanças destruídas por
guerras, fui me dando conta de que, na verdade, a pessoa mais frágil daquelas
salas era eu. Minhas alunas tinham esperança e força sem tamanho. Atitudes que
remetem à coragem daqueles que chegam no novo, fazendo, no desconhecido, um
local para si. Muitas traziam feridas e cicatrizes, com a saudade sempre latejando.
Mas não eram fracas. E tinham muito a oferecer.
Assim como grande parte das pessoas, a representação sobre populações
em situação de deslocamento forçado que eu tinha era, em grande parte, pautada
no que Diniz e Neves (2018) nomeiam como “discurso da falta”. Eu os enxergava
pelo que supostamente não eram, não faziam, não sabiam, não conheciam. Ou
seja, pessoas que, nada tendo, precisavam receber. Claro está que, como
migrantes de crise (BAENINGER; PERES, 2017), aquelas mulheres precisavam,
sim, de ajuda. Haviam saído de territórios política e socialmente instáveis – no caso,
em um processo de guerra civil – para chegar a outro local em crise – com pouca
experiência e estrutura para a recepção de populações refugiadas, ressaltando o
caráter bilateral da crise (ibidem) neste contexto migratório.
Contudo, narrativas como as de Sham, uma das estudantes sírias que
participaram dessa pesquisa, começaram a me mover desse lugar comum. Ao pedir
ajuda para escolher uma apresentação para um sarau na escola dos filhos, Sham
se recusou a apresentar algo “tipicamente refugiado” (como o hino de seu país, ou
uma receita típica), preferindo performar uma dança de tango. Como me
confidenciou posteriormente, ela havia escolhido essa dança para mostrar que era
muito mais do que uma possível imagem reduzida de seu país de origem. Foi isso
também que aprendi com Joanna Ibrahim, empreendedora síria que criou um
restaurante, o Open Taste, no qual diferentes chefs refugiados em São Paulo
cozinham em dias alternados. O objetivo deste empreendimento é ajudar outros
refugiados a se inserirem no mercado de trabalho brasileiro. Em um evento do qual
participei em 2019, Joanna afirmou que não gostava de ser apresentada e
conhecida como refugiada, pois as pessoas sempre associavam o refúgio com
carência, falta, vulnerabilidade, o que limitava suas possibilidades de ação. Vale
destacar que, em um texto de seu perfil público no Instagram, Joanna destaca que o
status de refugiada é “apenas um documento” que legaliza sua estadia no Brasil,
sendo algo secundário em sua história. Várias vezes escutei Joanna dizer que
desejava que as pessoas comprassem seu produto porque ele era bom, e não por
23
3
O conceito de distância linguística ampliado pelas autoras Frazatto e Gabas (no prelo) será
discutido mais adiante nesta dissertação.
26
uma narrativa. Narra meu encontro com as MASiR e como o contato com as
vivências dessas mulheres desorganizaram meus conceitos, para reorganizá-los em
novas configurações. Então, este trabalho, além de ser sobre elas, é sobre mim. É
sobre nós. Pretendi construir essa narrativa conduzindo você, leitor(a), pelos
caminhos que trilhei ao longo do mestrado. Para isso, organizei a dissertação em 4
capítulos.
No primeiro capítulo, conto como me envolvi com as MASiR, sendo instigada
a realizar esta pesquisa. Apresento, então, os objetivos e perguntas de pesquisa,
bem como a organização desta dissertação – Sim, é neste ponto da história que
você se encontra, caro(a) leitor(a).
No segundo capítulo, apresento o cenário teórico em que a pesquisa se
desenvolve, abordando os principais conceitos que a estruturam. Começo
discorrendo sobre as migrações no século XXI, ancorando-me nas discussões sobre
a face perversa da globalização (M. SANTOS, 2001 apud CAMARGO, 2019) e
migração de crise (BAENINGER; PERES, 2017). Apresento brevemente o contexto
migratório brasileiro na última década, passando, em seguida, a focalizar a
migração árabe no Brasil. Discorro brevemente sobre a Primavera Árabe e sua
influência no trajeto migratório das MASiR participantes desta pesquisa. Na
sequência, filiando-me a uma perspectiva crítica de PLAc (ANUNCIAÇÃO, 2017;
LOPES; DINIZ, 2018; BIZON; CAMARGO, 2018), discuto o conceito de acolhimento
e sua relação com o ensino de língua portuguesa. Ainda no que tange ao meu
entendimento sobre migrações, argumento a favor de um ensino específico de
português para as MASiR.
Continuo, no segundo capítulo, com as discussões teóricas que embasam
este trabalho, apresentando duas propostas curriculares de ensino de Português
como Língua Adicional (PLA) que servem como base para a elaboração de
instrumentos de geração de registro e de categorias de análise dos dados. Em
seguida, apresento o conceito de análise de necessidades (CARVALHO, 2003;
VIAN JR., 2008; SILVA, 2016), aprofundando a discussão em pontos favoráveis e
desfavoráveis à sua adoção como instrumento metodológico. Proponho, então, a
ampliação do conceito, de modo a melhor dialogar com a perspectiva teórica que
assumo, e a contemplar os dados que seleciono para a análise. Finalizo este
segundo capítulo discorrendo sobre narrativas (WORTHAM, 2001; DE FINA, 2015;
DEPPERMAN, 2015), construídas na interação, onde emergem posicionamentos
28
2 TRAJETÓRIA TEÓRICA
Baeninger e Peres (2017), tal fluxo migratório foi responsável por inserir o país nas
migrações transnacionais do século XXI, sendo reflexo não apenas dos
posicionamentos brasileiros e haitianos, mas também de outros países. Explico: o
Brasil liderou a missão de paz da ONU no Haiti no pós-terremoto, e abriu suas
fronteiras para a legalização de migrantes desse país por meio da criação de um
visto pensado especificamente na situação dos haitianos: o visto humanitário. Por
outro lado, outros países, tradicionalmente receptores, se articularam em
movimentos contrários, de fechamento de fronteiras. Então, não vendo nos países
do Norte Global boas opções de migração, os haitianos se redirecionaram para o
Brasil, gerando uma migração sul-sul, a qual acabou por revelar a crise no Brasil
enquanto país de destino. A falta de estrutura para recepção e inserção dos
migrantes na sociedade foi escancarada com a xenofobia e os altos níveis de
desemprego4 encontrados aqui pelos haitianos.
O gráfico a seguir mostra o número de imigrantes internacionais com registro
ativo no Brasil segundo o ano de registro, no período referente aos anos 2000 a
2019. Ele aponta para o aumento das migrações para o Brasil, exemplificando a
inserção do país nas migrações transnacionais do século XXI.
Fonte: BAENINGER et al. Atlas Temático: Observatório das Migrações em São Paulo e Observatório
das Metrópoles - Migrações Internacionais, Macrometrópole Paulista, Regiões Metropolitanas e
Regiões Administrativas. 2020, p.20.
4
Baeninger e Peres (2017, p. 135), analisando os dados do Sistema Nacional de Cadastramento de
Registro de Estrangeiros (Sincre), apontam que “35% de imigrantes do Haiti no Brasil, entre 2010 e
2015, se encontravam na categoria sem ocupação ou outra ocupação não classificada”.
33
Fonte: BAENINGER et.al. Atlas Temático: Observatório das Migrações em São Paulo e Observatório
das Metrópoles – Migrações Refugiadas. 2018, p.27.
5
Disponível em: https://anba.com.br/de-1500-a-2020-arabes-encontram-no-brasil-seu-novo-lar/.
Acesso em: 06 jul. 2021.
6
Notícia 1: SIMÕES, R. O que foi e como terminou a primavera árabe? BBC News Brasil, 2021.
Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-55379502. Acesso em 10 set. 2021.
Notícia 2: GARDNER, F. O homem que 'acendeu' a fagulha da Primavera Árabe. BBC News Brasil,
2011. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2011/12/111217_bouazizi_primavera
_arabe_bg. Acesso em 10 set. 2021.
35
7
O ACNUR estima 5,5 milhões de refugiados sírios no mundo. Disponível em:
https://www.acnur.org/portugues/quem-ajudamos/refugiados/. Acesso em: 12 out. 2021.
8
Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/2021/04/01/relembre-os-principais-momentos-dos-
10-anos-de-crise-na-siria/. Acesso em: 06 set. 2021.
9
Dado do ACNUR, disponível em https://www.acnur.org/portugues/dados-sobre-refugio/dados-sobre
-refugio-no-brasil/. Acesso em 12 fev. 2022.
10
Camargo (2021, p.140) explica o contexto da seguinte maneira: “É nesse sentido que escolho
empregar o termo “migrantes de crise”, conforme ampliado e aprofundado por Baeninger e Peres
(2017), para significar todos aqueles que são forçados a migrar devido a problemas econômicos,
políticos, civis, religiosos e humanitários. Na ampliação proposta pelas autoras, estão incorporados
37
Fonte: Pesquisa Google. Disponível em: https://url.gratis/xjINsi. Acesso em: 08 dez. 2021.
os diversos tipos de migrantes, tais como aqueles com a condição jurídica de refugiado, solicitantes
de refúgio, com visto humanitário e refugiados ambientais. Além de indicar a presença da crise nos
países de origem desses deslocados, as autoras apontam como essa crise também diz respeito ao
país de destino, frequentemente despreparado para receber os fluxos migratórios, evidenciando,
assim, “o caráter bilateral da crise” (BIZON; CAMARGO, 2018, p. 712)”.
38
11
Disponível em: dicionario.priberam.org/acolhimento. Acesso em: 04 abr. 2021.
12
Disponível em: dicionarioinformal.com.br/acolhimento/. Acesso em : 04 abr. 2021.
39
BIZON; CAMARGO, 2018; LOPES; DINIZ, 2018) têm dirigido a esse programa diz
respeito ao fato de se estabelecer a aprendizagem de um determinado português
para determinados fins como pré-requisito para o acesso a importantes direitos,
como visto de residência, cidadania portuguesa e carteira de trabalho. Essa
perspectiva que condiciona o aprendizado da língua local como pré-requisito para
obtenção de direitos, no limite, pode acabar por excluí-lo da sociedade até que se
adapte a um padrão imaginário de cidadão local.
Transpor essa nomenclatura ao contexto brasileiro acaba por reforçar os
mitos do Brasil como um “país monolíngue e linguisticamente homogêneo”, como
discute Anunciação (2018, p. 45). É importante, porém, olhar para o uso da palavra
“acolhimento” do ponto de vista da saúde pública brasileira. Na Biblioteca Virtual em
Saúde (BVS Online),13 gerenciada pelo governo brasileiro, encontra-se que
acolhimento é
13
Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/dicas/167acolhimento.html Acesso em: 06 jun.
2021.
40
14
Maher (2007, p. 257) apresenta que um grupo minoritarizado jamais será capaz de exercer de
forma plena sua cidadania “sem que o entorno aprenda a respeitar e a conviver com diferentes
manifestações lingüísticas e culturais”.
15
Veja um trecho da entrevista de Eduardo Galeano sobre o papel da utopia no vídeo Eduardo
Galeano – El Derecho al Delirio. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=Z3A9NybYZj8&ab_channel=FelipeMartins. Acesso em: 2 nov.
2021.
41
crianças de colo nas aulas. Discuto esse ponto ao longo desta dissertação, mas é
importante já adiantar que muitas MASiR são mães e precisam amamentar durante
as aulas. Se o ambiente for só de mulheres, elas têm liberdade de amamentar na
própria sala de aula, não perdendo o fio da interação. Se, porém, o ambiente contar
com a presença de homens, a amamentação acontecerá em outro local,
acarretando desigualdade entre o tempo de aula dessas mulheres com o restante
da turma.
Ao trazer essa questão, acho necessário explicitar que providenciar um
ambiente sem homens significa não apenas que as aulas devem ser dirigidas por
professoras, mas abrange todas as outras pessoas que podem, por diversos
motivos, adentrar naquele ambiente durante o horário das aulas. Por exemplo,
qualquer aviso, doação ou pesquisa que aconteça nesse momento deve ser
realizado por uma mulher, a menos que previamente avisado às alunas. É
aconselhável que isso seja feito para que as MASiR tenham tempo de recolocar o
hijab ou cobrir os seios se estiverem amamentando, sendo respeitadas em suas
visões sobre moralidade. Assim, ao se pretender um ambiente somente para as
mulheres, é necessário atentar-se para o sexo de professores, colegas de turma,
parentes das alunas, outros voluntários ou funcionários da instituição que oferece o
curso de português, cuidadores de crianças, zeladores, pedreiros que estejam
trabalhando no prédio, parentes das professoras, crianças mais velhas,
pesquisadores. Em suma: qualquer pessoa que possa adentrar ao ambiente de
aulas.
A organização adotada pela Associação Compassiva contemplava esse
ambiente exclusivo para mulheres durante os horários de aula matutina. Assim,
criou-se um contexto de proximidade e parceria que permitiu às alunas que
desejassem, além de amamentar no momento desejado, retirar o hijab durante as
aulas sem perder o sentido simbólico que essa peça de vestimenta carrega. Isso
porque o véu islâmico deve ser utilizado na presença de qualquer homem com
quem as MASiR não tenham uma relação de parentesco direto, indicando um
código de moralidade e pertencimento a uma religião, como aponta Abu-Lughod
(2012). Entre mulheres, o uso do véu não é necessário. Esclareço que as ocasiões
em que as estudantes optaram por retirar o hijab durante as aulas corresponderam
a dias muito quentes, em que a ventilação das salas estava prejudicada.
É importante destacar, também, que as crianças ocupam papel central no
43
Silva (2016) em seu artigo Ensino de Português para Falantes de Árabe. Nele, a
autora aponta algumas especificidades linguísticas percebidas em suas aulas para
alunos dos dois anos iniciais da primeira graduação em português no mundo árabe,
na Universidade de Aswan, Egito. No quadro a seguir, encontram-se algumas
dificuldades mapeadas por Silva (2016), concernentes a seu contexto de pesquisa,
mas que, a meu ver, também se aplicam ao aprendizado das MASiR. Além dessas
dificuldades, a autora elenca outras que são comuns a quase todos os alunos de
PLA, não apenas aos falantes de árabe (como a diferenciação entre os verbos ser e
estar e a concordância de gênero das palavras), as quais optei por não colocar no
quadro. Em alguns casos, a autora exemplificou a dificuldade apontada, mas em
outros não. Apontei, no quadro, os exemplos apresentados pela autora.
Confusão entre o modo “Que eu fale” x “Fale Esses dois modos verbais
imperativo (no registro agora.” (SILVA, 2016, p. têm a mesma forma em
formal) e o tempo 16). português, mas assumem
presente do modo sentidos diferentes. Por
subjuntivo terem a mesma forma, os
alunos tiveram dificuldade
em distingui-los.
Ressalto que eu não sou proficiente em árabe, motivo que me levou ao artigo
de Silva (2016). Assim sendo, baseei o quadro acima no artigo em questão, optando
por não inventar exemplos para os pontos que a autora não exemplificou.
Acredito ser importante, neste momento da dissertação, esclarecer que me
oponho à visão apresentada pelo Ministério de Relações Exteriores em sua cartilha
Proposta Curricular para o Ensino de Português nas Unidades de Ensino do
Itamaraty em Contextos de Língua de Média Distância (MRE, 2021), a qual
considera o árabe como língua de média distância pela possibilidade de haver uma
língua mediadora entre o árabe e o português. Para o autor da cartilha do MRE,
haver uma língua mediadora – o francês ou o inglês, nos casos apresentados na
cartilha – aproximaria o português do árabe. Em meu entendimento, a necessidade
de acrescentar uma língua no processo de ensino-aprendizagem é, por si só, um
indicativo de que a língua primeira (árabe) e a língua adicional (português) são
línguas distantes entre si.
No artigo Repensando necessidades e especificidades no ensino de
português como língua adicional para grupos asiáticos, Frazatto e Gabas (no prelo)
discutem questões em torno do distanciamento entre línguas, partindo na noção
apresentada em De Angelis (2007) e ampliando a discussão. Para esta autora, esse
distanciamento se dá sob dois vieses, um objetivo e outro subjetivo. O primeiro está
47
16
Uma sugestão que deixo para a construção desse processo é acompanhar influencers islâmicas
brasileiras nas redes sociais. Existem inúmeras, mas deixo a sugestão de três instagramers:
@mariamelhem_, @fabiolaoliver e @shakilaahmad.
49
educação, direitos trabalhistas, entre outros. Aliás, toda informação sobre o sistema
de trabalho no Brasil – desde como elaborar um currículo e procurar emprego até
como se comportar em um ambiente de trabalho, como vender seu produto e como
manter um emprego – é relevante não apenas para este público específico, mas
para todas as pessoas que estão em situação de refúgio no Brasil.
Além disso, o ensino de língua portuguesa para essas pessoas no Brasil
impõe diversos desafios para as instituições que disponibilizam esse ensino. Na
maioria dos casos, os cursos são ministrados por voluntários, que frequentemente
não possuem formação pedagógica para o ensino de línguas adicionais. Há também
a própria instabilidade vivenciada pelos estudantes, o que afeta a frequência nas
aulas – seja pela possibilidade de trabalhar no horário do oferecimento dos cursos,
seja por falta de recursos para o transporte ou outros motivos.
Ainda no âmbito do ensino, considero importante frisar a falta de material
específico para o ensino de português para as MASiR. Em dezembro de 2021,
época em que finalizo esta dissertação, o Brasil conta com os seguintes materiais
didáticos de PLAc: Pode Entrar: português do Brasil para refugiadas e refugiados
(FEITOSA et al., 2015),17 Recomeçar: língua e cultura brasileira para refugiados
(REINOLDES; CANDIDO; ROCHA, 2015),18 Entre Nós: português com refugiados
(ARANTES, 2018),19 Portas Abertas: português para imigrantes (REINOLDES;
MANDALÁ; AMADO, 2017; 2020),20 Passarela: português como língua de
acolhimento para fins acadêmicos (FREITAS et al., 2020),21 e a coleção Vamos
Junto(a)!s: Português como Língua de Acolhimento, volumes Trabalhando e
Estudando, e Me virando no dia a dia, (BIZON et al., 2020, 2021).22 Há ainda
apostilas de exercícios desenvolvidas pelos professores dos diversos cursos de
PLAc no Brasil, que podem ou não estar disponibilizadas na internet, e que, embora
não se constituam como livros didáticos, servem, em sua maioria, como material de
17
Disponível em: www.acnur.org/portugues/wp-content/uploads/2018/02/Pode_Entrar_ACNUR-
2015.pdf. Acesso em: 07 set. 2021.
18
Disponível em: https://issuu.com/monicanakajima/docs/recomec_ar_pu_blico. Acesso 04 dez.
2021.
19
Disponível em: https://www.editoracartolina.com.br/entre-nos. Acesso 31 jan. 2021.
20
Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/direitos_humanos/imigrantes_e_
trabalho_decente/programas_e_projetos/portas_abertas/index.php?p=259310 Acesso em: 31 jan.
2022.
21
Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/wp-content/uploads/2020/08/Passarela_Portugues
-como-lingua-de-acolhimento-para-fins-academicos.pdf. Acesso em: 31 jan. 2022.
22
Disponíveis em: https://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/_vamosjuntos.php e
https://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/_vamosjuntos2.php. Acesso em: 04 dez. 2021.
50
apoio à prática pedagógica. Ainda que não seja o foco deste trabalho realizar uma
análise profunda dos materiais disponíveis, acredito ser relevante trazer alguns
apontamentos, pois nenhum deles foi elaborado exclusivamente para as MASiR,
apresentando lacunas quanto às necessidades dessas mulheres. O alfabeto
brasileiro, por exemplo, é apresentado em todos eles de maneira rápida e
superficial, dificultando que alguém que não tenha tido contato com outras línguas
além do árabe acompanhe as aulas. Apenas o volume Me virando no dia a dia, da
coleção Vamos Junto(a)s! Português como Língua de Acolhimento (Bizon et al.,
2021) apresenta o funcionamento do sistema educacional brasileiro, algo essencial
para as MASiR.
Outra questão relevante a ser abordada em relação aos materiais didáticos é
o fato de poderem exercer importante papel na educação para a diversidade –
pauta crucial das discussões educacionais brasileiras hoje. Além da óbvia
relevância do assunto para a construção de uma convivência respeitosa com todas
as pessoas, como apregoado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos
(1948), destaco a importância jurídica dessa educação para esse público específico.
Por exemplo, em alguns países, a relação entre pessoas do mesmo sexo é
considerada crime. Em reportagem23 publicada no site do jornal Folha de São Paulo,
Mantovani (2019) aponta que a pena de morte é aplicada a homossexuais em
quatro países, sendo três deles membros da LEA. No entanto, é necessário abordar
as lutas das minorias e os direitos das mulheres de forma cuidadosa e culturalmente
sensível, uma vez que uma abordagem agressiva pode levar ao abandono das
aulas – e do tema – por parte das MASiR. Ao mesmo tempo, não tratar desses
temas por serem “difíceis” é um erro, pois o desconhecimento pode levar essas
mulheres a realizarem ações classificadas como crime no Brasil, mas não em seus
países. Esclareço que alguns livros existentes têm uma abordagem adequada, mas
acredito ser importante frisar essa reflexão.
Outro importante assunto relacionado a material específico para as MASiR é
o necessário cuidado na escolha de imagens, assunto que exploro um pouco
mais a seguir, sem, contudo, esgotar as discussões que o cercam.
Ao conversar com alguns colegas professores-pesquisadores de PLAc,
argumentei que seria relevante refletir sobre as imagens utilizadas nos livros
23
Disponível em: www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/03/relacao-homossexual-e-crime-em-70-paises-
mostra-relatorio-mundial.shtml. Acesso em 02 dez. 2021.
51
28 homem, pode achar ruim que a mulher estude em um livro que tenha um desenho
29 assim disso e aí proibir o estudo ou alguma coisa assim? Ou você acha que não tem
30 problema?
31 P: (emoji de risada respondendo ao áudio de Lara)
32 Lara: É. Depende de cara, né? Se ele pessoas só pensar mal, pode ele achar sim.
33 Mas, pra minha opinião, normal. Porque vocês vai colocar foto de músculo, né? Não
34 foto real. Tira foto e coloca na livro, né? Que é explicação. Eu acho normal, não tem
35 problema pra ninguém.
36 P: Tá bom. (emoji carinha feliz)
37 Você acha que, se tivesse só uma lista de palavras com a tradução em árabe para
38 as genitálias e uma imagem de uma pessoa com roupas seria mais confortável? Ou
39 não faria diferença?
40 Lara: Querida, eu acho… Não tem problema. Pode colocar o… qualquer coisa.
41 Porque… Eu acho, eles vai ficar feliz só tem uma roupa igual. Porque parece que
42 tem pensar neles, né? Então eu acho vai ficar bom.
43 P: Entendi. Muito obrigada, Lara. (Dois emojis pensando corações.)
44 Lara: (Dois emojis de fada. Três emojis de beijo coração. Dois emojis de coração.)
45 (Um gif de abraço. Um gif de flor.)
46 P: (Um gif de abraço.)
Não foto real. Tira foto e coloca na livro, né?” (linhas 34 e 35). Vê-se que a
representação aceita por Lara é um desenho, uma ilustração.
Quando questiono sobre a possibilidade de algum homem impedir a
frequência de uma mulher às aulas por causa de imagens como essa, Lara
responde que isso pode acontecer, mas que seria um caso atípico (linha 33). Em
sua opinião, a imagem não traria problema, sendo até necessária (“precisa”, linha
17). No entanto, quando proponho uma alternativa às imagens, a resposta de Lara
surpreende. A alternativa que ofereço é um glossário de palavras em árabe e em
português, sendo que a imagem do corpo humano seria um corpo vestido, não um
corpo nu. A isso, Lara responde que não vê problema em usar o desenho de um
corpo nu, mas comenta: “Eu acho, eles vai ficar feliz só tem uma roupa igual.
Porque parece que tem pensar neles, né? Então eu acho vai ficar bom” (linhas 41 e
42). Ou seja, embora não veja problema com o uso de ilustrações das genitálias,
ilustrações com roupas seriam uma alternativa mais agradável a ela, uma vez que
sinalizaria que o livro foi feito pensando nela – e em outras pessoas de sua
comunidade.
A conversa é muito esclarecedora, pois, além de mostrar a opinião de Lara
sobre o assunto, exemplifica a complexidade inerente ao acolhimento. Por um lado,
ao se sujeitar a uma situação possivelmente desconfortável, Lara faz um movimento
em direção à sociedade que a acolhe. Por outro, uma postura que busque evitar
gerar constrangimento a ela é percebida por Lara como um movimento que a
sociedade acolhedora poderia fazer em sua direção. Assim, ouso reforçar a
importância de analisar com bastante cuidado as imagens colocadas em um livro
didático de PLAc. Se o material elaborado for pensado especificamente para as
MASiR, acredito ser importante evitar imagens de nudez ou semi-nudez, mesmo
que, como Lara afirma, essa atitude não seja imprescindível ao ensino de PLAc
para mulheres como ela.
Tendo em vista a discussão tecida nesta seção, reafirmo a necessidade de
um ensino de PLAc específico para as MASiR. Na análise dos dados, trato dos
pontos aqui levantados de maneira mais aprofundada, buscando respaldo ou
refutação nas vozes das próprias MASiR.
55
Dado que esta pesquisa objetiva traçar diretrizes para políticas de PLAc para
as MASiR, entendo ser importante discutir brevemente a questão dos currículos
disponíveis para o ensino de PLA. Amparo-me em discussões e conceitos
teoricamente relevantes desses documentos para criar instrumentos de geração de
registro e definir categorias de análise de dados que dialoguem diretamente com o
ensino de línguas adicionais, mais especificamente de PLAc.
O primeiro ponto que salta aos olhos ao abordar currículos de línguas
adicionais é que ainda não existem documentos oficiais com orientações
curriculares voltadas especificamente ao PLAc. Embora haja a inclusão da língua
árabe em uma das propostas curriculares para o ensino ensino de Português como
Língua Adicional publicada pelo Ministério das Relações Exteriores, a saber, a
Proposta Curricular para o Ensino de Português nas Unidades de Ensino do
Itamaraty em Contextos de Língua de Média Distância (MRE, 2021), não a utilizo
como referência, por discordar fortemente de sua abordagem, que não abre espaço
para se pensar a interculturalidade de forma crítica. Entendo que, ao conceber o
árabe como uma língua de média distância em relação ao português, tendo como
justificativa o fato de que haveria a possibilidade de o inglês ou o francês serem
mobilizados como línguas mediadoras na interação, o autor dessa proposta acaba
por apagar por completo as pessoas monolíngues em árabe – realidade bastante
presente no contexto de migração de crise. Muitas dessas pessoas, como mostro
neste trabalho, estão presentes na sala de aula de PLAc no Brasil – algumas das
quais não tiveram sequer a oportunidade de se alfabetizarem na língua árabe,
quanto mais em inglês ou francês.
Portanto, opto por não abordar essa proposta curricular em minha
dissertação, focalizando, por outro lado, a base curricular proposta por Kraemer
(2012), em sua pesquisa de mestrado, e a Proposta Curricular para Ensino de
Português nas Unidades da Rede de Ensino do Itamaraty em Países de Língua
Oficial Espanhola (MRE, 2020). Considero-as baseadas em pressupostos teóricos
mais alinhados àqueles aos quais me afilio.
Inicio abordando o trabalho de Kraemer (2012, p. 12), o qual objetivou “refletir
sobre como se pode organizar uma progressão curricular para o ensino de língua
adicional (LA) com base em gêneros do discurso”. O resultado da reflexão da autora
56
foi uma proposta curricular para o Programa de Português para Estrangeiros (PPE)
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde atuou como
professora de PLA por 5 anos.
Apresento, então, em linhas gerais, a organização do trabalho de Kraemer.
No primeiro capítulo, é apresentado o PPE como parte do contexto da pesquisa.
No segundo, é discutida a perspectiva bakhtiniana de uso da linguagem e de
gêneros do discurso, que embasa sua proposta curricular. No terceiro capítulo, que
apresenta a metodologia da pesquisa, descreve-se o público atendido pelo PPE,
analisa-se o currículo adotado pelo PPE à época da pesquisa, bem como os
documentos oficiais que, de alguma forma, dizem respeito ao ensino de português,
seja como língua materna, seja como língua adicional, a saber, o Quadro de
Referência para o Ensino de Português no Estrangeiro (GROSSO et al., 2011), os
Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), os Referenciais Curriculares do
Rio Grande do Sul (RS, 2009) e o exame Celpe-Bras – apenas os três últimos,
contudo, amparam a elaboração de sua proposta curricular. No quarto capítulo, a
autora aborda a definição e as características de um currículo e apresenta sua
proposta curricular, refletindo sobre as escolhas teóricas que a subsidiam, e sobre a
possibilidade de ser posta em prática.
O trabalho de Kraemer trouxe importantes contribuições para a presente
pesquisa. Especialmente relevante foi sua discussão sobre os gêneros do discurso
e sobre os currículos – questões que abordo, ainda que de maneira breve, nos
próximos parágrafos.
Conforme aponta a autora, o círculo de Bakhtin tem grande influência no
ensino de línguas adicionais, embora não fosse este o foco do grupo. Mesmo assim,
a concepção de que uma língua só pode ser aprendida no uso, e não como um
sistema abstrato isolado, faz parte de boa parte das discussões teóricas sobre o
ensino de LA. Tal perspectiva está presente em cursos de línguas e em alguns livros
didáticos atuais. A autora cita Bakhtin para apresentar este argumento e começar a
discutir o que seriam gêneros do discurso:
Fonte: Proposta Curricular para Ensino de Português nas Unidades da Rede de Ensino do Itamaraty
em Países de Língua Oficial Espanhola (MRE, 2020, p. 35).
Fonte: Proposta Curricular para Ensino de Português nas Unidades da Rede de Ensino do Itamaraty
em Países de Língua Oficial Espanhola (MRE, 2020, p. 38).
sobre elas. Para a AdN tradicional, o público da pesquisa não seria participante da
pesquisa, mas fonte de dados. Aliás, como destaca Vian Jr. (2008), muitas vezes o
profissional que realiza a AdN é contratado por uma empresa, não pelo público-alvo.
Dessa forma, o profissional busca agradar seu cliente, reforçando uma perspectiva
mercadológica e uma estrutura de poder previamente estabelecida. Isso também
entra em conflito com a LA Indisciplinar, que critica um fazer científico que “mais do
que passar ao largo das questões sociopolíticas, colabora na manutenção de
injustiças sociais ao não situar seu trabalho nas contingências e vicissitudes
sócio-históricas e ao não se indagar sobre interesses a que seu trabalho serve”
(MOITA LOPES, 2006, p.21).
Neste trabalho, opto por utilizar apenas o termo “necessidades”, que pode ser
compreendido como uma macro-categoria de análise dos dados, que subdivido em
três micro-categorias: necessidades socioculturais, afetivas e linguísticas. Estas
últimas, por sua vez, são especificadas em recursos lexicogramaticais e recursos
fonético-fonológicos.
Em relação às necessidades sócio-afetivas – apontadas por Vian Jr (2008)
como frequentemente negligenciadas nas análises de necessidades –, sublinho que
terão destaque neste trabalho. Focalizar esse tipo de necessidade é algo que
precisa ser feito de maneira culturalmente sensível, respeitosa e ética, o que espero
ter conseguido, nos diferentes encontros com as participantes de pesquisa –
momentos que busquei configurar como uma parceria com as MASiR.
Outro ponto em que a análise de necessidades aqui empreendida se
diferencia da AdN tradicional diz respeito ao objetivo do procedimento
metodológico. Se, tradicionalmente, a análise de necessidades é realizada para
subsidiar processos de ensino, objetivos e conteúdos de um curso (Carvalho, 2012;
Nunan, 1999), neste trabalho, ela é formulada de modo mais abrangente. Nessa
abrangência, busco identificar necessidades particulares do público-alvo não
apenas para a elaboração de um curso específico, mas também de materiais
didáticos, currículos de PLAc e outras possíveis políticas que busquem promover o
acolhimento a esse público. Focalizo os usos da língua e as línguas em uso no
cotidiano do público-alvo, bem como particularidades do ambiente de
aprendizagem.
Convém reforçar que, tradicionalmente, a AdN implica uma observação da
situação de aprendizagem, propondo-se a um levantamento dos materiais
67
cada registro.
A seguir, apresento um quadro especificando as categorias de análise que
mobilizo para compor o que chamo de Análise de Necessidades Ampliada e Crítica.
Como procurei deixar claro, algumas foram criadas tomando como base a AdN,
enquanto outras se baseiam na leitura das propostas curriculares de Kraemer
(2012) e do MRE (2020). Outras, ainda, decorrem do diálogo entre pressupostos
teóricos presentes na AdN e nas propostas curriculares supracitadas. Destaco,
ademais, que certas categorias da AdN não foram abordadas neste trabalho, seja
por não caberem à análise atual (como a análise de “lacunas”), seja por serem
destoantes da perspectiva teórico-epistemológica que assumo (como a categoria
“desejos”).
24
Original: “The stories we tell mold us into what we are.”
25
Original: “What they focus on is the process of identity construction itself – the strategies used by
narrators, co‐narrators, and their audience to achieve, contest, or reaffirm specific identities.”
70
poder não apenas pelo que elas contam ou pela maneira que posicionam seus
personagens, mas pela capacidade de escolher as narrativas que serão contadas e
ouvidas, até o ponto de se tornarem “histórias definitivas”. Como dizem Barker e
Galanski (2001, p. 56. apud Bizon, 2013, p. 98), “o que importa é quem tem o poder
de nomear, de representar o senso comum, de criar ‘versões oficiais’, e de
representar mundos sociais legitimados, excluindo outras histórias que podem
construir essas coisas de forma muito diferente”.
Nessa lógica, ouvir narrativas provenientes de fontes não-hegemônicas de
poder é, por si só, um ato político. Afinal, aqueles que frequentemente ocupam lugar
de personagens têm riquíssimas e diferentes narrativas a contarem, quando se
colocam na posição de narradores. Concordo, portanto, com Bizon (2013, p. 99), ao
afirmar que,
26
Original: “The concepts of ‘position’ and ‘positioning’ have been introduced as general metaphors to
grasp how persons are ‘located’ within conversations as observably and subjectively coherent
participants in jointly produced story-lines.”
27
Original: “Conversations have story-lines and the positions people take in a conversation will be
linked to these story-lines.”
28
Original: “‘Discourses make available positions for subjects to take up. These positions are in
relation to other people. Like the subject and object of a sentence (...), women and men are placed in
relation to each other through the meanings which a particular discourse makes available.”
72
29
Original: “People’s actions and their conceptions of self are not self‐contained psychological
entities, but tied to social discourse. It is therefore inadequate to isolate subjects’ identities from the
context of the discourses in which they are embedded. Positioning theories, instead, approach facets
of identity in the way they are accomplished in and by discourse.”
30
Original: “Discourses position subjects in terms of status, power, legitimate knowledge, and
practices they are allowed to and ought to perform.”
31
Original: Positioning theories do not “presume that identities be integrated, coherent entities. Rather,
positions are situated achievements, which do not sum up to a coherent self. Positions give evidence
of multiple facets of personal identity. They are potentially contradictory, and they may be fleeting and
contested”.
73
32
Original: “Adopting a ‘position’ involves the use of rhetorical devices by which oneself and other
speakers are presented as standing in various kinds of relations. These include relations of power,
relations of competence (knowledge/ignorance), relations of moral standing (trustworthy/trusting) and
so on.”
33
Original: “The concept refers to ways in which linguistic constructs ‘index’ (Silverstein 1976), or point
to, elements of the social context without explicitly evoking them.”
74
3 CENÁRIO METODOLÓGICO
qualitativa. Isso porque o questionário será utilizado para traçar o perfil do público
pesquisado, não tendo influência direta sobre os instrumentos metodológicos
seguintes. Além disso, a amostra que respondeu ao questionário é ínfima (19
mulheres), não tendo, portanto, validade sob uma visão quantitativa. De fato, a
análise de dados se baseará principalmente nas narrativas, sendo, portanto,
qualitativo-interpretativista, de viés etnográfico.
A pesquisa não se percebe universal, mas localizada, podendo contribuir
para a compreensão de um contexto específico: no caso, apenas (algumas)
mulheres árabes em situação de refúgio na cidade de São Paulo. Não se pretende
uma generalização do que seria eficaz, adequado ou esperado para o ensino do
português para todas as mulheres refugiadas do/no Brasil. Ela visa compreender um
cenário específico, com um contexto específico. Vale lembrar, aliás, que a própria
ferramenta teórica de Análise de Necessidades, que embasa a geração de registros
deste trabalho, parte do pressuposto de um público específico, não de uma
generalização. Além disso, é preciso ter em mente que diversos acontecimentos –
como a aprovação de uma nova lei ou mudanças nos fluxos migratórios – podem
alterar, de forma mais ou menos significativa, as necessidades do público aqui
focalizado – o que reforça a natureza sempre contingente das investigações.
36
Para saber mais sobre a igreja Projeto 242, acesse o site: www.projeto242.com.
79
37
Para mais informações sobre a Compassiva, acesse o site da organização:
https://compassiva.org.br/.
80
38
Ramadã é um mês sagrado para os muçulmanos, sendo um período em que realizam jejum do
nascer ao pôr do sol. Sua data de início e final muda a cada ano, sendo sempre no primeiro
semestre.
82
39
Veja pequenas amostras das aulas "Drops de Protuguês" no link:
https://www.instagram.com/explore/tags/compassivadrops/.
83
3.3.1. A pesquisadora
Apesar de ter vivido durante mais de vinte anos em Viçosa, MG, sempre tive
contato com pessoas de diferentes origens. Costumo dizer que sou a prova de que
Deus tem senso de humor, pois, tendo o fenótipo mais alemão de toda a minha
família, sou a única nascida no continente africano, mais precisamente em Angola.
Talvez essa minha aparente contradição e as muitas viagens de meu avô – pastor
evangélico e jornalista – despertaram em mim, desde muito nova, o interesse por
países, culturas e pessoas de outras nacionalidades. Sempre tive mais facilidade
em me identificar com estrangeiros do que com brasileiros. Além disso, por Viçosa
ser uma cidade universitária, o trânsito de pessoas é constante, motivo que me fez,
na adolescência, ter conhecidos espalhados nos vários continentes e em diversos
estados do Brasil. Assim, meu caminho no ensino de português como língua
adicional se deu de maneira muito natural.
Durante a graduação em Letras na Universidade Federal de Viçosa (UFV),
conheci Viviane Araújo, colega de curso que se tornou amiga e parceira em diversos
projetos no trabalho com estudantes estrangeiros. Juntas, percebemos que vários
40
Para outras reflexões sobre nomes próprios e sua influência em identidades, ver o artigo “Prazer,
sou o MHD”: reflexões sobre nomes próprios, identidades e equívocos em documentos de migrantes
refugiados (BASTOS, 2020).
41
Projeto de pesquisa aprovado em 15/11/2018, sob o parecer de número 3022357. Certificado de
Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) número 98055218.4.0000.8142.
84
3.3.2. As estudantes
Sara
Sara, com 35 anos à época da geração de registros, era solteira, não usava
hijab e morava em São Paulo com o pai, a mãe e o irmão. Cheia de talentos, falava
fluentemente o inglês, e revelou gostar de atuar e dançar, já tendo oferecido aulas
de dança pelo aplicativo Airbnb. Quando a guerra na Síria começou, Sara
trabalhava em outro país e subsidiou as despesas de viagem de sua mãe, seu pai e
seu irmão (na época, menor de idade) para o Brasil. Infelizmente, perdeu seu
emprego e precisou voltar para a Síria até conseguir recursos e migrar para o Brasil.
Sua família já frequentava as aulas da Compassiva e sempre nos falava sobre a
filha, esperando poder trazê-la logo para perto deles.
Sara possui formação para atuar como advogada, mas até então não podia
exercer a profissão no Brasil. Para que isso fosse possível, dois passos seriam
necessários: conseguir revalidar seu diploma em uma universidade nacional e
passar no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A revalidação de
diplomas é um problema não apenas para Sara, mas para diversos refugiados das
mais variadas profissões.
Conforme contou, no Brasil, ajudava os pais, que faziam comida árabe para
vender em feiras, eventos ou sob encomenda. Deles é o melhor quibe assado que
já comi, com lascas de amêndoas sobre cada fatia, e com o qual me presentearam
algumas vezes. Além disso, o irmão possuía um trabalho remunerado, sendo o
principal provedor da casa. Quando chegou, por causa de seu vasto currículo, suas
experiências vivendo em outros países e sua fluência em inglês, Sara pensou que
não teria problemas em conseguir um emprego. Contudo, após pouco mais de um
ano no Brasil, ela ainda estava à procura. Isso a frustrou muito. Também disse sentir
muita falta de seus amigos, o que teria lhe valido uma certa resistência ao
aprendizado do português. Além disso, como seus familiares já estavam no país há
algum tempo, se apoiava neles quando precisava da língua. Como ela mesma
relatou, somente após um ano de sua chegada ela decidiu que precisava da língua
para conseguir um emprego e ser mais independente. Escolheu ser chamada de
Sara por gostar desse nome.
Sham
86
O primeiro encontro que tive com Sham, com 35 anos à época da geração
dos registros, me deixou a forte impressão de que eu estava diante de uma mulher
inteligente, forte e resiliente. Foi em maio de 2017, pouco tempo antes do início do
Ramadã, que Sham procurou a Compassiva em busca de aulas de português.
Quando comecei a falar com ela em inglês, seu semblante demonstrou um grande
alívio e ficamos um bom tempo conversando. Logo no início, ela me disse: “Eu não
quero aprender português. Não gosto dessa língua. Não queria estar no Brasil. Mas
eu preciso”. Como o Ramadã estava para começar, as aulas na Compassiva iriam
diminuir, o que permitiu que déssemos aula apenas para a Sham durante alguns
dias. Lembro-me perfeitamente que, na primeira aula, não falamos uma palavra em
português. Conversamos bastante sobre a história do Brasil e da Síria e sobre o
motivo de o português ser língua oficial no país. Considero que essa aula foi
imprescindível para que encontrássemos brechas no bloqueio de Sham e ela
pudesse, além de precisar, querer aprender a língua.
No período de nossas conversas, Sham morava em São Paulo com seu
esposo, sua sogra e seus dois filhos. O esposo trabalhava com vendas pela internet
e Sham o ajudava a conseguir as peças. Também era responsável pelo serviço de
casa e por acompanhar as crianças na escola. Sham é muçulmana, mas não usa
hijab. Conheceu seu esposo em aulas de tango quando cursava faculdade na
Europa. Aliás, Sham possui mestrado incompleto em literatura inglesa e fala quatro
línguas, embora não considerasse falar suficientemente o português. Por causa de
amigos, ela visitava com certa frequência o litoral paulista, sendo “ver o mar” uma
de suas atividades turísticas preferidas.
Como a maioria de suas conterrâneas, Sham declarou amar a Síria. Por isso
escolheu ser referenciada por esse nome, que é comumente utilizado para designar
a cidade de Damasco, capital da Síria, e o próprio país.
Luz
Lembro-me de ter tido contato mais próximo com Luz, com 36 anos à época
da geração dos registros, em um almoço na Compassiva. Ao vê-la tentando
controlar cinco crianças famintas, sendo uma de colo, me dispus a servir os pratos
da família e a conversar um pouco. Mas Luz não falava português, então nos
comunicamos por meio de seus filhos, que traduziam para ela. Nas primeiras aulas,
sua filha mais velha a acompanhava, até que Luz começou a se sentir segura para
87
Lara
Lara, então com 38 anos, foi uma das primeiras alunas da Compassiva com
quem tive contato. Muito participativa, costumava ser a intérprete entre suas colegas
de classe e os brasileiros. Muçulmana, andava sempre com seu hijab colorido, que
compunha bem o sorriso em seu rosto. Sorriso este que, a meu ver, ocultava sua
difícil trajetória até São Paulo. Conforme relatou, seu marido havia sido preso na
Síria por ajudar a levar pessoas para hospitais na fronteira. Durante sua prisão, ela
e os filhos viveram na casa do seu irmão. Quando o marido conseguiu sair da
cadeia, toda a família se mudou para Damasco, onde, com nomes falsos, alugaram
uma casa. Durante pouco mais de um ano, viveram ali escondidos, sem que os
filhos pudessem frequentar a escola, pois o pai continuava sendo perseguido.
Resolveram então pedir refúgio na Jordânia, e viveram em Zaataria, o maior campo
de refugiados sírios do mundo. Somente após dois anos no local, onde a filha mais
nova nasceu, conseguiram autorização para se refugiarem no Brasil.
Lara se mostrava muito proativa, sempre encontrando um jeito de se virar.
88
Mira
Mira era a mais jovem do grupo, com 21 anos e uma filha pequena que ainda
não frequentava a escola. Vivia em São Paulo com seu pai, sua mãe, seu esposo e
sua filha, sendo o esposo o único empregado. Na Síria, estudou até o que seria o
ensino médio brasileiro. Sonhava em aprender logo o português a fim de cursar uma
faculdade no Brasil. Dizia gostar muito de frequentar os parques da cidade, como o
Ibirapuera, onde havia espaço para brincar com a filha. Frequentava as aulas da
Compassiva sempre acompanhada de sua mãe e da filha de colo. Quando chegou
ao Brasil, seu cunhado e sua irmã já moravam aqui. Ainda assim, não sabia
praticamente nada sobre o Brasil e pensou que a língua oficial era o inglês. Ficou
muito frustrada quando chegou aqui e não conseguiu se comunicar, pois não
encontrava pessoas que falavam inglês. Escolheu ser chamada de Mira por achar
esse um nome bonito.
42
Logos Hope é a maior livraria flutuante do mundo. É uma iniciativa evangelística cristã cujo navio
atraca em portos do mundo inteiro, promovendo eventos e ações comunitárias para as comunidades
visitadas, em conjunto a igrejas locais. Para conhecer mais, ver site da organização:
https://www.om.org/ships/pt.
90
I. Perfil: sete perguntas sobre idade, data de chegada ao Brasil, país de origem
etc.
II. Educação formal: três perguntas sobre profissão e estudos no país de
origem.
III. Situação Familiar: sete perguntas sobre família, moradores da casa,
ocupação de moradores da casa e projeção de tempo no Brasil.
IV. Língua: doze perguntas sobre objetivos e percurso de aprendizado de língua
portuguesa, relação com a língua portuguesa e mapeamento de línguas
utilizadas para conversar com diferentes pessoas.
V. Cotidiano: seis perguntas mapeando atividades, locais e meios de locomoção
que utiliza em São Paulo.
Tempo de Total
Tipo de interação Língua Participantes Data registro acumulado
No dia 10 de junho de 2019, conversei por 70 minutos com Lena sobre seu
trabalho e sua perspectiva sobre a necessidade da língua portuguesa pelas MASiR.
Considerei a assistente social uma voz importante para a pesquisa por ela ter
contato direto com os estudantes e ser acionada sempre que um deles precisa de
ajuda, não apenas em nível social ou burocrático, mas, como pudemos constatar na
entrevista, também em nível linguístico. A conversa aconteceu no próprio prédio da
Compassiva, em um dia previamente combinado com Lena, a fim de não prejudicar
seu trabalho.
94
A conversa com Sara não foi programada no início da pesquisa. Por ela estar
ocupada nos dias marcados para a realização dos encontros do grupo focal e por se
sentir mais à vontade para conversar em inglês, marcamos um encontro fora dos
horários das aulas. No entanto, por não termos conversado em língua portuguesa,
as análises que realizei de recortes dessa interação acabaram por ser menos
aprofundadas que as análises de recortes em língua portuguesa, já que não me
considero proficiente em inglês a ponto de analisar linguisticamente narrativas
nessa língua. Além disso, aos recortes em inglês adicionei uma coluna com
tradução livre para o português, feita por mim.
A conversa aconteceu no dia 6 de julho de 2019, em uma sala da
Compassiva, tendo como disparadores os mesmos materiais utilizados no primeiro
grupo focal: (i) um vídeo produzido por mim em que um colombiano, estudante de
pós-graduação no Brasil, relata a sua chegada e os problemas que teve por conta
da dificuldade linguística; e (ii) uma pequena narrativa escrita, também elaborada
por mim, com o relato, em primeira pessoa, de uma refugiada sobre a sua
comunicação com a escola de suas filhas. Ambos os relatos foram baseados em
histórias verídicas, sendo que a narrativa escrita foi produzida a partir dos dados
presentes na dissertação Política Linguística de Acolhimento a Crianças Imigrantes
no Ensino Fundamental Brasileiro: Um Estudo de Caso, defendida, em 2018, por
Amélia Neves. Esses relatos são brevemente descritos no próximo tópico, quando
explico a estruturação do grupo focal.
Optei, nesta pesquisa, por utilizar o Grupo Focal como uma das estratégias
de geração de registros. Conforme apontam Aschidamini e Saupe (2004), essa é
uma metodologia de geração de registros em pesquisas qualitativas que tem sido
utilizada em diversas áreas, como marketing, enfermagem e ciências sociais.
Diferencia-se das entrevistas coletivas principalmente por ter como objeto de estudo
a interação entre os participantes e a geração de registros a partir de uma discussão
com foco em tópicos específicos, pré-determinados pelos pesquisadores.
Barbour e Schostak (2005) ressaltam que grupos focais permitem “promover
95
12/07/2019 Minha saúde Avaliar, a partir do olhar das Unidades sobre saúde retiradas de
em livros de MASiR, a abordagem sobre livros de português para refugiados
português saúde em livros de PLAc
língua portuguesa.
O segundo relato foi escrito por mim, baseado na dissertação de Amélia
Neves (2018), e conta a dificuldade que uma mãe refugiada tem em entender a
comunicação da escola da filha por meio do gênero bilhete (ver o texto completo
utilizado no anexo 7). As mulheres se identificaram bastante com esse relato,
apontando, a partir daí, diversos momentos em que a dificuldade com a língua
portuguesa gerou problemas para elas e seus familiares. Ressalta-se que mesmo
aquelas que ainda não tinham filhos em idade escolar tinham algo para contar.
O segundo encontro não foi tão produtivo, pois considero que a seleção dos
materiais não foi bem feita por mim. Separei unidades didáticas sobre saúde nos
quatro livros voltados para o ensino de português para refugiados no Brasil que
existiam à época: Pode Entrar43, Portas Abertas44, Entre Nós45 e Recomeçar46.
Levei, também, uma unidade de ensino de português para refugiados voltada
especificamente para a saúde, produzida em uma matéria da pós-graduação da
Unicamp. O material ficou muito extenso e a sua análise acabou gastando
praticamente todo o tempo de interação.
O terceiro e último encontro foi mais focado em questões específicas das
mulheres, como os papéis sociais das mulheres e a violência contra a mulher. Esse
tema é bem sensível e, para abordá-lo, utilizei três disparadores de conversa, os
quais descrevo a seguir.
(i) Vídeo com uma propaganda da marca de cosméticos “Quem disse, Berenice?”. A
propaganda, intitulada Quem disse que beleza tem fronteira?47, tem como
protagonista uma refugiada síria. Enquanto escutamos a refugiada narrando sua
própria história, com uma leve música de fundo, são apresentadas cenas dessa
refugiada em afazeres domésticos e olhando fotografias. A narrativa apresenta uma
mulher que, antes, ficava sempre em casa e não podia andar sozinha na rua.
43
Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/wp-content/uploads/2018/02/Pode_Entrar_
ACNUR-2015.pdf. Acesso em: 07 set. 2021.
44
Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/direitos_humanos/imigrantes
_e_trabalho_decente/programas_e_projetos/portas_abertas/index.php?p=259310. Acesso em: 07
set. 2021.
45
Disponível em: https://www.editoracartolina.com.br/entre-nos. Acesso em: 19 out. 2021.
46
Disponível em: https://www.passeidireto.com/arquivo/67563318/recomecar-lingua-e-cultura-
brasileira-para-refugiados-material-didatico-portugue/7. Acesso em: 07 set. 2021.
47
Propaganda disponível em https://www.youtube.com/watch?v=j_XhWFhzDuI&ab_channel=quem
disse%2Cberenice%3F. Acesso em 08 set. 2021.
98
Durante a guerra, ela se separou de seu marido, que foi para a Alemanha com seus
filhos. No Brasil, sua vida é diferente: ela tem seu trabalho, anda sozinha, encontra
com as amigas… Mas não se sente à vontade para usar maquiagem porque chama
muita atenção na rua. Então, a maquiadora propõe uma maquiagem leve, que
“respeite sua cultura”, e a propaganda termina com uma cena da refugiada nas ruas
de São Paulo e a voz da refugiada afirmando que, com a maquiagem em questão,
ela pode sim sair e “fica mais bonita, igual brasileira”.
Escolhi a propaganda em questão pensando que seria um bom disparador de
conversa sobre os papéis sociais femininos e masculinos no Brasil e na Síria. Além
disso, a narrativa construída pela propaganda me incomodou bastante, posto que a
refugiada é retratada como alguém que não possui liberdade na Síria, mas que tem
uma vida nova e muito mais feliz no Brasil. Incomodou-me a forma como a guerra, a
necessidade de deixar seu país e separar-se de sua família foi apresentada como
uma “oportunidade libertadora”, representada pelo uso da maquiagem. Além disso,
a frase final remete a uma perspectiva assimilacionista ao apontar que esta seria a
meta da refugiada: deixar de ser quem é para tornar-se igual a uma brasileira. A
mesma frase ainda reproduz um conhecido estereótipo que liga a mulher brasileira
à beleza e à sensualidade.
A meu ver, conversar sobre a propaganda seria uma oportunidade de as
participantes da pesquisa exporem seus olhares sobre os assuntos, compreender
se esses seriam também incômodos para elas. Deparei-me com o desafio de as
estudantes serem amigas da refugiada retratada no vídeo, o que gerou alguns
minutos de conversa sobre a pessoa em questão. Ainda assim, o vídeo de fato
gerou diversas considerações sobre o que consideravam respeitável para uma
mulher e sobre os papéis sociais que tiveram de assumir antes e depois da
realidade de guerra.
48
A organização beneficente Ontario Council of Agencies Serving Immigrants (OCASI) reúne mais de
200 organizações comunitárias em Ontário, Canadá, e objetiva alcançar a igualdade, o acesso e a
plena participação de imigrantes e refugiado(a)s em todos os aspectos da vida canadense. Para mais
informações sobre a organização ou para ter acesso ao livro em inglês, acessar www.ocasi.org.
100
4 ANÁLISE DE DADOS
49
Os infográficos foram elaborados por Mariana Lopes Design.
50
De acordo com o Observatório Ibero-Americano de Políticas e Sistemas de Saúde, idade ativa é
considerada entre 15 a 64 anos. Disponível em:
http://oiapss.icict.fiocruz.br/ficha.php?cod=110101&ling=2. Acesso em: 7 set. 2021.
101
Fonte: Figura elaborada para esta dissertação com base em questionários aplicados.
102
Fonte: Figura elaborada para esta dissertação com base em questionários aplicados..
106
a) saúde (6 respostas)
b) trabalho (5 respostas)
c) documentos (3 respostas)
d) escola (2 respostas)
e) passear e comprar (2 respostas).
a) novidade (5 respostas)
b) Brasil (4 respostas)
c) aprendizado (4 respostas)
d) cultura (3 respostas)
e) meio de sobrevivência (3 respostas)
f) meio de integração (2 respostas).
falar com…?”, que tinha por objetivo mapear as principais línguas usadas nas
interações cotidianas das MASiR, bem como identificar os contextos em que o
português se destaca. A última coluna contém o número total de mulheres que
preencheram aquela categoria. Por exemplo, das 19 mulheres que preencheram o
questionário, 13 indicaram uma ou mais línguas que utilizam na interação com o
marido.
Essa pergunta foi aberta e as mulheres podiam escrever qualquer resposta,
inclusive indicar mais de uma língua. Por isso, a soma do número de respostas em
cada linha não corresponde ao total de mulheres que responderam determinada
categoria. Voltando ao exemplo da interação com o marido, temos que 13 mulheres
indicaram o árabe, uma indicou o português e uma indicou o inglês, somando 15
respostas. No entanto, apenas 13 mulheres preencheram a questão, o que indica
que pelo menos uma mulher utiliza mais de uma língua para falar com o marido.
Marido 13 1 1 13
Filhos 10 3 1 10
Irmãos 17 2 17
Pais 12 12
Amigos 17 11 2 1 19
Deus 18 18
Profissionais de 15 1 17
saúde
Profissionais da 1 15 1 16
escola
Funcionários do 14 1 1 15
governo
Pessoas no 7 7
trabalho
Vizinhos 2 17 1 17
Comerciantes 19 1 19
Desconhecidos 1 15 2 1 16
114
Analisando a tabela, vemos que as duas línguas mais utilizadas são o árabe
e o português. Percebemos a presença do inglês de forma bem discreta, enquanto o
francês só aparece em uma resposta. É interessante observar que a utilização de
gestos foi destacada em algumas respostas, mostrando que essas mulheres não
ficam dependentes unicamente da comunicação verbal.
Podemos perceber também que a língua portuguesa e a língua árabe são
utilizadas em contextos diferentes. Enquanto o árabe predomina em interações mais
privadas, como interações familiares e religiosas, o português aparece em contextos
mais públicos. Nota-se que, quanto mais afastados do ambiente doméstico, maior a
interação em língua portuguesa. Inclusive, a interação com os vizinhos é quase toda
em português, demonstrando que essas mulheres têm bastante contato com
brasileiros. A única categoria em que o árabe e o português dividiram espaço de
forma mais equilibrada foi a interação com amigos.
Para a identificação das atividades cotidianas, formulei uma pergunta do
questionário em que apresentei 34 atividades, requisitando que cada mulher
marcasse aquelas que realizava. A partir das respostas, elaborei a tabela seguinte,
destacando as atividades mais realizadas em verde e as menos realizadas em
vermelho. Observo que as três atividades mais praticadas pelas mulheres
constituem tarefas domésticas: limpar a casa, lavar roupa e cozinhar. As outras
duas atividades mais frequentes se relacionam a lazer: compras em shopping e
passeios. Por outro lado, as atividades menos realizadas são, respectivamente,
viagem a trabalho, frequentar academia, dirigir, frequentar exposições de arte,
frequentar apresentações musicais, dar entrevistas e falar para plateias. Ressalto,
portanto, que aulas de língua portuguesa serão mais relevantes para este público se
abordarem assuntos relacionados a afazeres domésticos e lazer do que se
abordarem assuntos de reuniões de negócios ou academia, por exemplo.
Orar 15 Dançar 5
Uma última pergunta era “O que você costuma fazer e onde você costuma
ir para se divertir?”. A maior parte das respostas apontou para os parques e para
as tarefas domésticas como diversão. Em seguida, encontramos os shoppings e os
passeios, sem especificação de local. Segue-se então a prática de esportes
(basquete e patinação), as aulas de português, o encontro com amigos, e
caminhadas ouvindo música. Foram citadas também a avenida Paulista, viagem a
Santos, churrasco com amigos e a mesquita. Fiquei surpresa com as respostas que
associam tarefas domésticas à diversão, posto que tal relação não é comum para
mim. Isso me trouxe os seguintes questionamentos: Será que as mulheres
realmente enxergam os afazeres domésticos como diversão? Ou houve uma falha
na compreensão da pergunta? Ou, ainda, será que a palavra “tarefas” foi usada de
maneira equivocada, sendo considerada sinônimo de “atividades”? Se assim o for,
então atividades como ver televisão, ver vídeos online ou ler um livro estariam
incluídas nas respostas. Ressalto que desconheço a explicação para tal relação.
1 Lara: Porque tem pessoas mais dez anos aqui ainda não fala português. Porque
2 não tem aula, não conhece ninguém, fica sozinho em casa. Quando a gente:::
3 Quase 3 anos de trás, a gente… alguém fala: “Tem uma família aqui quase 7 ano,
4 mas ainda não fala português...
5 Luz: [Não fala português!
6 Lara: “Pode vocês ajuda eles?”. Eu fala: “Quem é? Eu acho eles não tem vontade
7 conversa com ninguém. Por que eles não aprender até agora?”. Que não tem
8 vontade e também tem medo. Eu (ou) não fica berto de bissoas. Só fica em casa.
9 P: É mesmo?
10 Luz: Só… Eles também não querem aprender. De verdade. Tem pessoas eles não
11 querem aprender.
12 P: Por quê?
13 Lara: Tem família, ele é::: não conhece pessoas próximo parece vocês é também
14 difícil para aprendeu. Entende? Eles vai tem medo de falar errado. Entende? Vai
118
15 ficar em casa. Não precisa. Filho vai fazer compras, levar ele pra shopping, não sei
16 quê, não sei quê. Mas como a gente tem crianças, precisa:: cuidar eles, precisa::
17 livar eles pra escola, pra passear, pra não sei quê. Tem vontade para aprender.
Inicio observando que, nesse trecho de nossa conversa, Lara comenta sobre
sua motivação para aprender a língua portuguesa, estabelecendo uma relação de
oposição entre sua própria família e outra família refugiada que, embora estivesse
no Brasil há sete anos, tinha membros que ainda não haviam aprendido português.
Isso se evidencia principalmente por meio da citação direta, em “Pode vocês ajuda
eles?” (linha 6), em que se reproduz a voz de terceiros indagando sobre o motivo de
a família de Lara não ensinar o português para os conterrâneos. Na cena narrada,
tem-se, de um lado, referência aos que sabem a língua portuguesa por meio do
pronome “vocês”, e, de outro, referência aos que não sabem, por meio do pronome
“eles”. Essa relação de oposição se acentua quando a narradora aciona o
modalizador epistêmico “a gente” juntamente com a conjunção adversativa “mas”
(“Mas como a gente tem crianças, precisa:: cuidar eles, precisa:: livar eles pra
escola, pra passear, pra não sei quê. Tem vontade para aprender”, linha 16). Assim,
Lara se autoposiciona como alguém que, diferentemente da outra família, tem uma
motivação específica para aprender a língua portuguesa: ter crianças. Ter filhos
pequenos significaria, então, ser obrigado a sair de uma espécie de “zona de
conforto”.
É possível perceber, também, na narrativa de Lara, uma forte relação entre o
tempo de vivência no Brasil e o aprendizado da língua portuguesa. No
estabelecimento dessa relação, é significativa a repetição do advérbio “ainda”
(linhas 1 e 4), que, no contexto, funciona como um indexicalizador avaliativo,
ajudando a posicionar negativamente quem não aprende a língua após um certo
tempo morando no Brasil. Tal posicionamento é reforçado pelo advérbio “até” (linha
7), que sinaliza haver algo errado na constatação de não se buscar aprender a
língua portuguesa até aquele momento, quer dizer, após sete anos no país.
Percebe-se que, por meio de uma interrupção da fala de Lara, Luz se utiliza da
repetição “Não fala português!” (linha 5) para destacar aquilo que ela vê como
absurdo, concordando com a colega ao expressar seu espanto sobre o não
119
aprendizado da língua após tanto tempo no Brasil. Além disso, o fato de Lara
apresentar explicações para o não interesse da família, mesmo antes de ser
questionada sobre isso (linhas 1 e 2), contribui para compreender esse fato como
algo fora do padrão, que precisa de explicação.
Apesar de, inicialmente, Lara apontar como motivos para o não aprendizado
da família a falta de aulas de português e a solidão (linhas 1 e 2), são notáveis, em
sua fala, certas repetições para destacar outras explicações importantes, como a
falta de vontade (linhas 6 e 8). Tal percepção ecoa em Luz, que concorda e reforça,
por meio da repetição de “eles não querem aprender” (linhas 10 e 11) e da
expressão “de verdade” (linha 10), a visão de que a principal explicação para o não
aprendizado do português é a falta de vontade, um fator de ordem sócio-afetiva. É
possível perceber que, ao utilizar o verbo “querer”, Luz posiciona as pessoas que
não aprendem português mais negativamente do que Lara, que utiliza a expressão
“ter vontade”. Isso porque tal verbo denomina uma ação que parte dos sujeitos,
sendo inerente a eles, enquanto o substantivo “vontade” é algo externo. Não é uma
ação que precise ser realizada por alguém, mas é algo que existe e, assim como um
objeto (uma coisa) pode pertencer ou não a alguém, vontade é algo que se tem ou
não. Além disso, Lara apresenta outras possíveis explicações para o não
aprendizado, enquanto Luz coloca a falta de vontade como única explicação.
Outros fatores avaliados como importantes para explicar o não-aprendizado
do português dizem respeito ao medo (“e também tem medo” – linha 8 – e “eles vai
tem medo de falar errado” – linha 14) e, principalmente, à solidão:“não conhece
ninguém” (linha 2); “fica sozinho em casa” (linha 2); “só fica em casa” (linha 8); “não
conhece pessoas próximo” (linha 13); “vai ficar em casa” (linhas 14 e 15). Aqui,
“casa”, um índice de referência e predicação, contribui para posicionar e avaliar as
personagens da narrativa de Lara como indivíduos estáticos e isolados, sem contato
com a sociedade ao redor.
Nota-se que a explicação atinge seu clímax na menção à falta de
necessidade da família, comparada, por meio do “mas” (linha 16), com a
necessidade de Lara. Ela aponta que, na família em questão, os filhos são os
responsáveis pela interação com a sociedade brasileira, construindo, por meio de
cenas cotidianas, (“fazer compras, levar no shopping”, linha 15), a imagem dos
filhos como a ponte entre essa família e o entorno brasileiro, além de posicionar os
pais dessa família como dependentes de seus filhos. Porém, Lara ressalta que sua
120
necessidade é diferente. Por ter filhos em idade escolar, é ela quem precisa ser este
elo, e não os filhos, o que ela demonstra também por meio de imagens cotidianas –
“cuidar deles, levar eles pra escola, pra passear” (linhas 16 e 17). No
estabelecimento dessa relação, Lara se autoposiciona como responsável por seus
filhos e mediadora entre a sociedade brasileira e eles. Ela aponta que este fator é o
que desperta sua necessidade de língua portuguesa e motiva sua vontade de
aprender. Assim, neste trecho, identificamos dois possíveis papéis para os filhos no
aprendizado da língua portuguesa, sendo que eles podem ser acionados como um
fator desmotivador (filhos mais velhos e independentes, que funcionam como ponte
entre a sociedade e os pais) ou motivador (filhos ainda crianças, que demandam
cuidado e colocam os pais em interação com a sociedade que fala português).
Outra questão relevante é que, ao utilizar o verbo “ajudar” (linha 6), Lara se
autoposiciona como alguém mais acostumada à sociedade brasileira, capaz de
mediar uma interação entre a sociedade brasileira e a família que não fala
português. Ou seja, Lara se coloca como ponte não apenas entre seus filhos e a
sociedade brasileira, mas também entre esta e outros refugiados. Essa imagem que
Lara tem de si como mediadora deve-se à sua capacidade de falar a língua
portuguesa, indicando que essa habilidade contribui para uma visão de si mesma
como alguém capaz. Ou seja, o aprendizado de língua portuguesa contribui para o
fortalecimento de sua autoestima, um fator afetivo.
Dando atenção às necessidades de língua portuguesa que aparecem neste
trecho, pode-se observar que Lara ressalta a escola dos filhos como um importante
contexto de uso do português. Assim, os gêneros discursivos do contexto escolar
têm importância significativa para essas MASiR, tais como bilhetes (como se
observa no próximo trecho destacado da conversa), boletins escolares, reuniões de
pais etc. Também o funcionamento das escolas no Brasil, bem como as leis a
respeito da educação, são necessidades socioculturais das MASiR, já que há
especificidades (como quando usar o uniforme, qual é a nota para passar de ano, o
que acontece se atrasar ou faltar à aula, quando começa o período letivo etc) que
diferem entre escolas brasileiras e de outros países.
Em termos de necessidades lexicogramaticais e fonético-fonológicas,
detecta-se dificuldade com:
- “tem pessoas [que estão há] mais [de] dez anos aqui” (linha 1);
- “vontade [de] conversar com ninguém” (linhas 6 e 7)
- “precisa cuidar [d]eles” (linha 16)
- “tem vontade [de] aprender” (linha 17)
1 Lara: A gente também sofre de esse… Porque o (nome da filha) na creche, né?
2 Talvez ele escreve uma coisa, eu não dá… não dá uma olhada direita, entende?
3 Mas eles sempre escreve uma coisa pra gente sabe o que eles fazerem. Um dia ela
4 chegou entro no horário de… vai mudar, não sei. Vai ter uma dia… ahm… ela ir pra
5 escola 7. Precisa apresentar lá, né? Eu e, eu contratei horário de 8 até 11. Eu
6 coloquei na minha cabeça, eles vai mudar o turma. Vai começar mais… uma hora
7 pra trás, porque aquele tempo entra tempo de calor de frio. Eu coloquei na minha
8 mente esse… esse coisa. Eu entendi de maneira errada. Eu levei ela 8 hora o… o
122
9 diretora. Não diretora. Aquela bissoas cuida quando crianças entra e quando sai,
10 né? Ela fala: “Por que ela atrasada? O que aconteceu?”. Eu falo: “Ela não atrasada,
11 porque vocês colocaram dia de 27 vai mudar horário”. Ela fala: “Disse? A escola
12 não existe nada essas coisa”. (riso) Eu entendi uma coisa errada. Ela fala: “Onde
13 esse balavra tá escrito? Mostra pra mim.” Eu procura, procura. Como ficar com
14 raiva, não encontrei ni/ ni/ nenhuma palavra pra mostrar pra ela, né? Ela fala. Minha
15 filha não tem vontade aquele tempo ficar na creche. Tem vontade folta pra casa. Ela
16 comiçar: (voz mais fina) “Ai meu dente! Começa dói, né?”. Ela começa chorar. Ela
17 fala: “Como eu que ficar com essa menina, como ela tem dor de dente, né?”. Não
18 consegui aceitar ela. Levar ela para casa. Aquele dia eu parece uma guerra dentro
19 meu mente. Eu fala: “Que que é isso? Até esse lugar eu sou burra?”. (risadas ao
20 fundo) Mesma história, mesmo dói. Quando você lê, eu disse: “Nossa! Meu Deus!
21 Mesmo.”
22 P: É… você… você sentiu então
23 Lara: É
24 P: Que:: você tava sendo burra ali?
25 Lara: Mesmo.
26 P: E:: você acha que… a mãe da Nina sentiu a mesma coisa?
27 Lara: Sim. Porque pessoas vai sufrir, né? Vai sofrer. [suspiro fundo].
28 P: E vocês? Já passaram por isso também? Ou não?
29 Luz: Graças a Deus, não.
30 Lara: Porque ainda a filha dela na colo. (risos) Mas ela também…
i) a troca de vogais
- “Aquela bissoas [pessoa]cuida quando (...)” (linha 9)
- “o diretora” (linha 8)
- “Onde esse balavra tá escrito?” (linha 13)
- “parece uma guerra dentro meu mente” (linha 18)
1 Lara: Quando eu chegou pra cá… eh:: A gente acabamos de falar isso. Não sabe
2 nenhuma palavra português. Alguém ajuda a gente, a gente pergunta: “Como… que
3 maneira pra agradecer ele?”. Porque ele ajuda nós, né? Alguém me ensina:
4 “Obrigado”. A gente repite, repite. Até só fala dois hora, três horas aqueles pissoas.
5 Só fazer uma olhada: Obrigada. Abraço com obrigada, abraço com obrigada. E
6 debois, bergunta pra cumprimentar as pessoas. “Como fala? Como fez?”. Eles já me
7 ensinar “bom dia”, “boa tarde”… eh:: Como está bergunta pra fazer combra, alguma
8 coisa, né? E debois eu precisava visitar um lugar bara fazer cadastro, eu fui,
9 conversei com alguém pra ele me ajudar. Ele fala: “Eu tô ocubado, não sei quê, não
10 sei quê, não sei quê”. Ele vai deixa de quase 15 dia pra frente. Eu fica com dor de
11 cabeça. Quer aprender o português. Encontra um menino pequeno. Eu fala,
128
12 pergunta pra ele, porque ele chegou na frente de nós, né? “Que significa esse
13 palavra?”. Ele me ensina. “Que significa esse palavra?”. Ele me ensina. Começar
14 quanto escutar uma palavra eu coloca no meu mente. Procurar alguém. “Que
15 significa esse palavra?”. Ele me ensina. E debois, poco tempo pra frente, eu
16 começar, como fez… Chegou pra bastante lugar, escuta nós notícia. Tá tudo, tudo
17 errado! Tá tudo mente, né? Eu fala “Que que é isso? Ninguém fala com certeza! Nós
18 guerra não começar por causa disso”. Eu já pergunta, tem vontade de aprender o
19 português pra falar que eu sabe, porque a gente morou na guerra mesmo. Eu
20 começar aprender, começar a falar. Graças a Deus. Esses coisas, ela… me ajuda,
21 me ajuda muito. Porque quando bessoas precisa, eles vai, procura, vai aprender.
22 P: Deixa eu ver se eu entendi direito. Uma das coisas que você quis aprender o
23 português é pra conseguir falar o que você viveu?
24 Lara: Sim, porque, quando a gente chegar pra cá, primeiros 5 anos, tudo no nossa
25 notícia tá mentirosa.
26 P: [Ah é?
27 Lara: [Porque ninguém fala direito. Tem bissoas têm medo fala. Esses não têm
28 vontade falar. Há pessoas acredito nós guerra com… com um grupo, com alguém.
29 Mas nós guerra com nós governo mesmo. Por causa de isso, eu tenho vontade de
30 aprendeu pra mostrar o que eu sabe.
Situações como essa, segundo explica, aumentam ainda mais sua vontade de
aprender, para poder falar o que viveu: “Eu já pergunta, tem vontade de aprender o
português pra falar que eu sabe, porque a gente morou na guerra mesmo” (linhas
18 a 20). E, nesse sentido, pode-se dizer que, mesmo com limitações linguísticas,
próprias de quem se encontra no processo de aprendizagem, Lara alcança seu
objetivo na interação em foco, conseguindo compartilhar a sua versão sobre a
guerra (“mas nós guerra com nós governo mesmo” [nossa guerra é com nosso
próprio governo], linha 29). Saliento que o percurso de aprendizado da língua
funciona como um agente de transformação identitária para a personagem:
inicialmente alguém que recebe ajuda para alguém que, com o aprendizado da
língua, passa a ajudar, compartilhando seu conhecimento.
Vale salientar, na cena em foco, a presença de uma criança migrante que, em
sua narrativa, é posicionada como seu professor: “Encontra um menino pequeno.
Eu fala, pergunta pra ele, porque ele chegou na frente de nós, né? ‘Que significa
esse palavra?’. Ele me ensina. ‘Que significa esse palavra?’ Ele me ensina”, linhas
11 a 13). Algumas pistas linguísticas nos mostram que Lara vê essa realidade como
algo incomum: assim que menciona ter pedido ajuda para uma criança, arremata
com uma afirmação introduzida pela conjunção explicativa “porque” (linha 12). O
fato de apresentar uma justificativa sem que ninguém perguntasse pode indicar a
avaliação, por parte da narradora, de que sua afirmação precisa de explicação,
dado não ser a “ordem natural” uma criança ensinar um adulto. A justificativa
apresentada por Lara – “porque ele chegou antes de nós, né?” (linha 12) – também
recoloca a ideia de que o aprendizado é proporcional ao tempo de estadia no Brasil,
posicionamento já presente na conversa focalizada no primeiro recorte.
Durante todo o percurso, Lara se posiciona como ativa em seu aprendizado.
De fato, é ela quem faz o aprendizado acontecer por meio de perguntas, sendo o
verbo dicendi “perguntar” (linhas 2, 6, 7 e 11) um descritor metapragmático que
ajuda a posicioná-la como a responsável pelo processo. Tal posicionamento fica
mais claro na narrativa quando Lara diz: “Porque quando bessoas precisa, eles vai,
procura, vai aprender” (linha 21). Tal frase pode indicar que Lara percebe sua
história não como excepcional, mas como um exemplo do que acontece com outros
refugiados, já que ela escolhe utilizar como sujeito da frase a palavra “pessoas”.
Nesse contexto, a meu ver, o uso do verbo “procurar” pode ser visto como parte de
uma metáfora presente na fala da narradora, conotando e predicando a língua
130
como um recurso escondido ou perdido que, então, precisaria ser encontrado por
quem dela precise.
Outras expressões presentes na fala de Lara também parecem contribuir
para posicioná-la como alguém independente, que vai atrás de aprender, mesmo
que não tenha as condições ideais de estudo. Isso porque são expressões que
indiciam uma língua aprendida no dia-a-dia, pelo contato com brasileiros, ao mesmo
tempo em que mantêm marcas de seu aprendizado. São expressões como “fazer
uma olhada” (dar uma olhada, linha 5), “não sei quê, não sei quê, não sei quê”
(linha 9), “eu fica com dor de cabeça” (me deu uma dor de cabeça, no sentido de
problema, linha 10) e “que que é isso?” (linha 16), que são muito comuns na
oralidade.
No entanto, tal aprendizado é avaliado por Lara como um processo longo,
repetitivo e penoso por meio de várias repetições, como “repite, repite” (linha 4) e
“Que significa esse palavra? Ele me ensina” (linhas 12 a 15). Essa figura de
linguagem também contribui para aproximar o interlocutor da necessidade vivida,
trazendo a ideia de demora e tédio.
Em determinado momento de sua fala, Lara traz um embate de
posicionamentos com uma personagem, a qual se posiciona como ocupada, mas
que Lara reposiciona como indisponível por meio de uma repetição. Apesar da
afirmação da pessoa, apresentada por meio de uma citação direta, de estar
ocupada, Lara acrescenta “não sei quê, não sei quê, não sei quê” (linha 9),
construindo a noção de que as justificativas da personagem seriam desculpas sem
sentido ou sem importância.
Outro posicionamento que Lara apresenta para si mesma é o de alguém
inserida na sociedade brasileira e aberta a ela. É o que se pode identificar por meio
da repetição “abraço com obrigada, abraço com obrigada” (linha 5). Aqui, a escolha
lexical “abraço” remete a um costume mais brasileiro do que sírio, demonstrando,
portanto, sua capacidade de transitar entre ambas sociedades.
É perceptível, também, que Lara se posiciona como uma pessoa de
autoridade superior a outras, alguém com algo único a oferecer – no caso, seu
conhecimento sobre a guerra na Síria. Tal posicionamento se torna visível quando
atentamos para uma antítese em sua fala, a qual contrapõe os pronomes “alguém”
(linhas 2, 3, 9, 14, 28) e “ninguém” (linhas 17, 27). Assim, ela apresenta a
argumentação de que, embora diversos indivíduos (alguéns) a tenham ajudado
131
propus que ela refletisse sobre o grupo em uma situação ideal, com um número
ideal de participantes.
1 P: So you, you think that one group with P: Então você, você acha que um grupo
2 everybody it was going to be okay or do com todo mundo seria ok ou você acha
3 you think that maybe... making apart que talvez... separando solteiros e famílias
4 singles, and families or... What it would be ou... o que seria melhor? Se fosse
5 better? If it was perfect. Like, if we found a perfeito. Tipo, se a gente encontrasse
6 lot of people and we could divide. What muitas pessoas e pudesse dividir, quais
7 divisions do you think we should think divisões você acha que deveríamos
8 about? Men and women, singles and considerar? Homens e mulheres, solteiros
9 families, mother and... e famílias, mães e...
10 Sara: I think that... For sure, men and Sara: Acho que... Claro, homens e
11 women. But::: I think better to make mulheres. Mas... Acho que é melhor fazer
12 FAmilies with BABIES. With children. And famílias com bebês. Com crianças. E
13 others separated. Because even here, outros separados. Porque, mesmo aqui,
14 sometimes, I cannot focus with the teacher às vezes, eu não consigo focar no
15 from the children. professor por causa das crianças.
16 P: Okay. Yes. P: Ok. Sim.
17 Sara: So the activities with the children Sara: Então as atividades com as crianças
18 would be a little bit different than the seriam um pouco diferentes que as
19 activities if you don't have children. So, not atividades se você não tem crianças.
20 married and single, but with children and Então, não casados e solteiros, mas com
21 without children. crianças e sem crianças.
É possível perceber, por meio da expressão “for sure” (“Claro”, linha 10), que
a divisão tradicional entre homens e mulheres é não apenas mantida por Sara, mas
considerada óbvia. É uma opção tão evidente que não precisa nem de explicação
ou conversa sobre isso. No entanto, ela repensa seu posicionamento, colocando
que mais importante que a divisão entre homens e mulheres seria a divisão pela
presença ou não de crianças. Para ela, as crianças são um incômodo, um fator que
a atrapalha em seus estudos. na linha 12, ela destaca as crianças que mais a
incomodam: “BABIES” (bebês). Sua alteração na voz funciona como uma pista
133
19 dificuldade... E assim, qualquer atividade que você faça com os árabes, se você não
20 incluir as crianças, esquece. Você não vai ter atividade nenhuma. Nenhuma,
21 nenhuma. Se você não... Qualquer programa... Já vai falar “Ah! A gente vai fazer…”.
22 Qualquer coisa que você for fazer, se você falar que não pode levar as crianças, não
23 faça. Porque elas não confiam. Elas não deixam com ninguém. Elas levam as quatro
24 crianças.
O caso relatado pela assistente social é singular, mas Lena o utiliza para
exemplificar um costume comum aos árabes que ela atende: levar os filhos a todos
os lugares. Percebemos isso por meio da conjugação dos verbos nas linhas 1, 2 e
23: todos estão no presente do indicativo, indicando uma ação corriqueira. Além
disso, com exceção do primeiro verbo (“levo” – linha 1), cujo sujeito é a assistente
social, todos os outros estão conjugados em terceira pessoa, seja do plural ou do
singular, funcionando como índices de indeterminação do sujeito. Assim sendo,
esses verbos são pistas de referência e predicação que acionam uma
absolutização estratégica, contribuindo para posicionar os árabes como pessoas
que estão frequentemente acompanhados de seus filhos. Na linha 23, porém, a
indeterminação tem gênero – o feminino – indicando que Lena posiciona
especificamente as mulheres como as responsáveis pelas crianças.
No trecho, é perceptível que a assistente social atribui um valor negativo a
esse costume. Isso é evidenciado pela expressão “não confiam” (linha 23), a qual
funciona como uma pista de referência e predicação, posicionando os árabes,
mais especificamente as mulheres árabes, como pessoas desconfiadas. A
motivação que Lena apresenta para os árabes estarem sempre acompanhados dos
filhos não é um grande cuidado ou uma responsabilidade com as crianças, mas é a
falta de confiança dos pais. Caso entendesse essa atitude como algo bom, a
assistente social poderia ter usado expressões positivas, como “são precavidas”,
“são cuidadosas”, “são responsáveis”, “são muito atentas aos filhos”. No entanto, a
expressão “não confiam” traz uma carga negativa, demonstrando que a assistente
enxerga nessa atitude um defeito.
A minha interação neste trecho indica que concordei com a assistente social,
considerando irresponsável a atitude do homem, já que ele estaria disposto a
colocar a esposa em “risco de vida” (linha 13). No entanto, agora como mãe e
135
ambos na linha 2), onde não é costume levar as crianças, a menos que elas estejam
doentes.
O trecho permite, também, uma importante reflexão sobre a questão de
gênero. Afinal, apesar da história relatada ter como principal protagonista uma
mulher que precisa de atendimento médico, a pessoa com quem Lena conversa e
que ela posiciona como detentor de autoridade para permitir ou não a internação da
mulher é um homem. Além disso, por meio da expressão “dito e feito” (linha 6), Lena
retrata este homem como alguém firme e honesto, que cumpre sua palavra. Apesar
de não concordar com a escolha do homem de não internar sua esposa durante a
noite – o que fica claro por meio da interação nas linhas 11 a 14 –, a assistente
social ressalta a qualidade dele como alguém que mantém sua palavra. Ao mesmo
tempo em que ele é retratado como uma pessoa autoritária através do advérbio
“ninguém” (linhas 5 e 6), ele é apresentado como alguém que cuida das crianças,
por meio da frase “ele voltou pra casa pra ficar com as meninas” (linha 8). É
interessante que, por meio da conjunção “mas” (linha 8) e da repetição da fala do
homem (“Minha esposa não vai sair daqui hoje a noite, porque as minhas filhas não
vão ficar sozinhas em casa” (linhas 9 e 10)), a narradora dá maior ênfase à atitude
autoritária do que ao cuidado com as crianças.
Quanto à protagonista – a mulher que é internada – vemos que ela é
posicionada como alguém literalmente sem voz, posto que em nenhum momento
lhe é atribuída fala alguma. Fala-se sempre sobre ela, mas ela não é quem fala. As
palavras utilizadas para se referir a essa mulher árabe são esposa (linhas 5, 7 e 9),
ela (linha 5), ninguém (linha 5) e mãe (linha 14). Elas são importantes pistas de
referência e predicação que contribuem para posicionar essa mulher como alguém
cuja esfera de ação se resume à família e que não tem muita possibilidade de ação.
Por outro lado, a maneira como a narradora se posiciona ao longo da
narrativa é também bastante instigante. Destacam-se dois principais
posicionamentos: a) o de mediadora ou tradutora reconhecida e b) o de pessoa com
conhecimento no trato com os árabes. O primeiro é evidenciado por meio da citação
da fala da médica, que é repetida (linhas 17 e 18). Lena revela que este papel é
algo corriqueiro e simples para ela, mesmo sem falar árabe, por meio do advérbio
“só” em sua fala “e eu só fiz assim” (linha 15), sendo este advérbio um
indexicalizador avaliativo. E este é o motivo do riso e da incredulidade expressa
na repetição da fala da médica na linha 18, que a considera tradutora para os
137
O recorte acima se estrutura em duas partes. Na primeira, Luz narra sua ida
ao posto de saúde e como ela conseguiu se comunicar utilizando linguagem
não-verbal. Na segunda parte, as MASiR denunciam a recusa de atendimento
médico por falta de políticas linguísticas nos hospitais públicos.
A conversa começa com a narrativa de Luz. Chama atenção o fato de essa
mulher utilizar bastante a linguagem não-verbal durante a interação. Ao reproduzir a
cena, Luz estala os dedos e aponta para sua cabeça, fazendo assim algo que pode
ser considerado como uma citação semiótica, já que reproduz exatamente a
maneira que ela afirma ter agido na situação original. Dessa forma, a citação das
palavras da médica, juntamente com a reprodução de suas atitudes, os pronomes
pessoais de primeira pessoa (“eu”, linhas 1 e 5) e os verbos “ir” (linha 1) e “falar”
(linha 5) conjugados em primeira pessoa demonstram o acesso epistêmico
privilegiado da narradora. A situação que ela narra foi vivida por ela, não por outros.
Por outro lado, Lara aponta uma situação que “tudo mundo” (linha 21)
vivenciou. No caso, essa expressão é uma absolutização estratégica que totaliza
as MASiR em torno de uma vivência compartilhada. Ela começa o relato
contrapondo dois tipos de médicos: o que ajuda muito, estabelecendo uma
comunicação com o paciente migrante, mesmo que seja não linguística (como no
caso de Luz) e o médico que se recusa a realizar um atendimento caso o migrante
não esteja acompanhado de um tradutor.
À princípio, Lara não se mostra ofendida pelo médico. Pelo contrário, ela
justifica a recusa do médico em termos de responsabilidade profissional. Ele não
quer atender sem um tradutor para que o migrante possa compreender exatamente
as instruções que ele passa (“para você entende que ele quer mesmo”, linhas 9 e
10), não comprometendo a qualidade do serviço ofertado. Ainda assim, a situação
não é confortável, sendo geradora de sofrimento para o migrante (“Esse coisa
também pessoas sofre muito”, linha 10). No entanto, quando ela renarra a situação
para que eu possa entender, Lara utiliza uma citação direta, recriando a fala do
140
51
Ver, por exemplo, a reportagem disponível em: https://icarabe.org/mulher/artigo-feminismo
-islamico-uma-consciencia-emergente-de-genero-em-negociacao-e-resistencia. Acesso em: 20 jan.
2022.
143
Recorte 8: “Quando tem amor, tem amor. Quando tem respeta, tem respeta”
1 P: Porque às vezes a mulher pode ser engaNAda, não pode? Ou não? Se ela tem
2 uma boa educação ela vai conseguir perceber... Porque às vezes o homem
3 paRE:ce um PRÍ::ncipe encanTA:do, mas aí... por algum motivo, às vezes ele
4 perdeu o emprego, ou por outra coisa ele fica ruim.
5 Lara: [No real não. É. Esse, ousse, esse... É. Esse por causa
6 de vida. Borque, como fala pra você, vida tá tão cumblicado. Homem talvez fica
7 tri::ste, talvez não fica tranqui::la, parece de tudo casa (aparece de todo caso). Mas
8 violência sim, mas como fala pra você, as pessoas precisa procura que trás de esse
9 coisa. Porque, sabe, quando tem amor, tem amor. Quando tem respeta, tem
10 respeta.
11 Luz: [Sim. Verdade.
12 Lara: Mas talvez, bessoas fica com raiva de UMA coisa, de UMA BROBLEMA. Ele
13 gritar, fazer uma coisa, mas ele não tão ruim.
14 (...)
15 P: Sim. E... desculpa. E aí, vocês acham que::: O que que vocês acham dessa
16 situação? Vocês acham que aconTE::ce, não aconTE::ce...
17 Lara: NÃO! Vida normal. Bode, bode contece. Porque como fala bra você, talvez
18 esse parece bissoas, ele bardeu o trabalho, não tem dinheiro, fica com raiva, não
19 fica com tranquila. Não vai fazer só sórri, só amor. Vai fica tri::ste, vai... talvez bode
20 gritar um bouco. Talvez isse... bode ele quanto tem, quanto tem fé, ele vai gradecer
21 Deus. Vai saber pra frente, não vai ficar de mesmo esse tempo. Vai milorar.
22 P: Aham.
23 Lara: É. Mas e quanto bi... quanto bissoas não tem mente, não tem controle, não
24 tem fé, complicado.
144
25 Luz: Sim, sim. Eu não... quando tem dinheiro, acho que não tem vida.
26 P: Você...
27 Luz: [NÃO TODO MUNDO, NÃO TODO MUNDO. De verdade.
28 Lara: [É. Ela...
29 Luz: Quando HOMEM tem coração eu acho que tem outro vida. Bom. Você
30 entendeu? QUANDO TEM DINHEIRO, TEM VIDA RUIM. Você entendeu?
31 P: Às vezes, é...
32 Luz: [Homem agora, TUDO MUNDO homem FORTE.
33 Lara: [É. TUDO... TUDO NA VIDA... TUDO NA VIDA...
34 Luz: [ELE É SOPER,
35 ELE FORTE, ele é princeso, certo? Ele também... (árabe)
36 Lara: [É. É. É. Farmoso.
37 Luz: Farmoso. Só não tem vida. Tudo, tudo mulher está triste.
38 Lara: [Não tem amor.
39 P: Aham.
40 Luz: Acho que é ruim.
41 P: Vocês coNHE:cem alguém, alguma aMIga de vocês, brasilEIra ou síria, que
42 passa por isso?
43 Luz: Sim. Sim. Tem.
44 Lara: É! Parece muito, borque, como fala pra você, VIda, né? Talvezes... Talvezes...
45 Alguém trai outro. Vai começa briga. Não vai fala barabéns, você fez coisa legal,
46 né? Talvezes alguém a::: a:::: Vida normal barece esses coisas. Mas, quando passa
47 tempo longo, precisa fazer control. Faze:::r... como fala?
48 Luz: Querida, TEM HOMEM QUANDO... a... a mulher, ela fazer TUDO ÓTIMO, ele
49 não gostaria. Você entendeu? SÓ ele quer briga. A minha amiga, ela tem seis
50 crianças. TUDO DIA, TUDO DIA, marido dela começa brigar com ela.
51 P: É mesmo?
52 Luz: SIM! SIM! Ela tá lembando na casa, ela cuida do criança, ela, ela... Ela vai na
53 escola, ela volta, ela vai na rospital. Ele só traBAlho... (inc) como ele é. Você
54 entendeu?
55 Lara: MAS... deixa… Ah.. tá. Aí trai. Tem como fala pra você.
56 Luz: [TEM igual esse, tem igual esse. Só amo... homem, ele não gosta.
57 Lara: Não, ela fala A mulher. Esse, esse mulher tem corpo, esse mulher tem corpo.
58 Mas eu acho, talvezes, o mulhER de CAsa cuida criança, ela cansada. Entende?
59 Chegou o homem precisa ela, ela... não tá... não tá é.. tranquila, não tá relaxe.
60 Entende?
145
Fonte: Ministério Público de São Paulo, 2020. Cartilha PVDESF_SP. Disponível em:
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Cartilhas/PVDESF_portugues.pdf. Acesso em 17 dez.
2021.
amiga ser bonita como gerador de uma incompreensão da situação. Quase como se
ela dissesse: “se minha amiga fosse feia, eu entenderia ela sofrer violência ou
traição”. Por fim, para aumentar o drama vivido pela amiga, Luz traz o número de
filhos que ela tem (“ela tem seis filhos!” linha 80), sendo portanto o número “seis”
unido ao substantivo “filhos” uma pista de referência e predicação que ajuda a
construir a imagem de sua amiga como pessoa digna, dedicada, esforçada e
trabalhadora. Afinal, não há figura mais imaculada do que a de mãe, ainda mais
uma mãe de seis filhos.
Quanto aos contextos de uso, ficam claros neste recorte os contextos
relacionados à família, com escolas e hospitais em destaque. Há também uma
necessidade sociocultural de discussão sobre as diferenças de gênero e a forma
como as violências contra a mulher, com todos os gêneros textuais envolvidos
(ligação telefônica de denúncia, leis etc), são percebidas no Brasil.
Com relação às necessidades linguísticas, esse recorte evidencia, mais uma
vez a dificuldade fonética entre /p/ e /b/ (“borque”, linha 6, “bessoas”, linha 12), a
dificuldade no emprego das vogais (“casa/caso”, linha 7, “respeta/respeito”, linha 9,
“soper/super”, linha 34), a dificuldade com os gêneros das palavras (“uma
problema”, linha 12), dificuldades com as conjugações verbais (“as pessoas
precisam procurar”, linha 8), ausência de verbo de ligação (“as pessoas precisa
procura que [está por] trás de esse coisa”, linha 8). Aparecem, também, as
seguintes necessidades linguísticas pela primeira vez:
iv) gerúndio
- “ele tá briga comigo”, linha 78.
21 P: Caiu a ligação!
22 Mira: Não deixei ela falar…
23 P: Falar nada.
24 Lara: Ah! Ela desligou na cara dela, porque ela com raiva.
25 P: Aham.
26 Lara: Sim, porque quando alguém chegou não fala língua, pareceu crianças nasceu
27 agora. Nasceu agora. Ele não sabe nada, nada. Você deixa, ele vai e morre, né? É
28 porque… Infelizmente o língua… Tem pessoas que aprendeu inglês, mas não
29 encontrar ninguém fala inglês. Ele vai fica parece pessoas partido. Pra cá, pra lá.
30 Mas a gente agradece Gog, porque ele ajuda.
31 Mira: É… Ele ajuda um poquinho.
32 Lara: NÃO! MUITO! COMO POUQUINHO?
33 Mira: Não, tô… Não todas palavras certo.
34 Lara: Porque aqueles… NÃO. Se consegue usar celular ele vai colocar endereço,
35 vai pedir Uber, vai pedir… Vai fazer tudo, né?
36 Luz: Sim, sim. De verdade.
37 Lara: Mas quem é… No.. Non sabe essa maneira, ele parece agora nasceu vai que
38 alguém tratar ele, né?
39 Luz: Quando chegou na Brasil três meses eu tudo chorando. Eu quero voltar na
40 Síria. (risos)
41 Mira: Eu até agora.
42 Luz: Tudo os dias eu fala com meu marido: “Eu quero voltar. Eu não quero ficar
43 aqui. Eu quero voltar.” Ele fala “fica tranquila”. Ontem, ele fala: “Luz, você quer voltar
44 na Síria?”. Eu fala: “Non!”. (risos) Non com risada.
45 Lara: [Porque agora já motorista (inc)
46 Luz: Você entende? Non com risada. Non, non.
47 P: Você gosta do Brasil?
48 Luz: Sim, gosta. (risos) Ele fala: “Antes tá chorando com sim. Agora tá risada com
49 non?” (risos)
50 Lara: Porque Brasil um país muito legal.
O recorte acima se organiza com a participação das três mulheres: Mira inicia
relatando sua experiência de chegada ao Brasil, com uma espera de duas horas no
aeroporto sem conseguir entender o que estava acontecendo, nem se comunicar
com as pessoas à sua volta. Em seguida, Lara enuncia a metáfora que dá título a
154
1 Sara: And I was looking for the people Sara: E eu estava olhando para as
2 where they will go. Because there is one pessoas, onde elas iam. Porque tem uma
3 for Brazilian, and one... BUT (fila) para brasileiros e uma… MAS TUDO
4 EVERYTHING IN PORTUGUESE. Little EM PORTUGUÊS. Um pouquinho em
5 bit in English. Not too much. inglês. Não muito.
6 P: There... There was not... not writing P: Não… Não tinha… não tinha escrito
7 like... I don't know. Like: foreign como… Não sei. Tipo: passageiros
8 passengers this way? internacionais por aqui?
155
suas emoções por meio do choro (linhas 3 e 14), procurando soluções por meio da
ligação para a irmã (linha 9) e expressando sua raiva por meio da reação de
desligar o telefone na cara da irmã (linha 24). Ela não é passiva, mas ativa em toda
a narrativa. Os verbos em primeira pessoa e o pronome pessoal “eu” estão em todo
o relato, destacando o acesso epistêmico privilegiado da narradora-personagem e
dando credibilidade ao relato, ao mesmo tempo em que dão um tom mais emotivo
para a narrativa.
Ainda sobre o trecho em que Mira tem a palavra, destacam-se algumas
necessidades de ordem linguística. Há, por exemplo, a dificuldade em localizar as
situações narradas nos tempos adequados. Percebe-se uma confusão na
localização do advérbio “antes” e no sentido do advérbio “agora”, bem como a não
utilização do tempo verbal pretérito mais que perfeito no momento em que ele se faz
necessário. Refiro-me ao período “[o marido dela] sai da casa antes duas horas.
Não chegou no aeroporti até agora.” (linha 13), que poderia ser melhor
compreendido utilizando o pretérito mais que perfeito e mudando os advérbios
temporais: “o marido dela havia saído/saíra de casa duas horas antes. Não havia
chegado/chegara ao aeroporto até aquele momento”.
Além disso, destacam-se a dificuldade com o gênero das palavras (“na Santo
Amaro”, linha 1, e “a celular”, linha 9), a transformação de advérbios em palavras
variáveis (“coisas muita ruim”, linha 17), a utilização do verbo chegou (“você chegou
pra outro país”, linha 14) e a falta de concordância verbal adequada (“eu fala pra
ele”, linha 6).
Há também uma particularidade que pode ser típica de uma construção oral.
Refiro-me à repetição de termos em um período, tornando redundante a frase: “Fala
pra ela coisas muito ruim com ela” (linhas 10 e 11).
A fala de Mira é finalizada com a intervenção de Lara, construída inicialmente
para dar razão e explicar a atitude da colega. Isso é percebido pelas palavras “Sim,
porque” (linha 23), pistas de referência que introduzem sua fala. A metáfora que
Lara constrói é muito significativa, conectando, pela necessidade de constante
cuidado, os recém-chegados que não falam o português às crianças
recém-nascidas. Lara diz: “quando alguém chegou não fala língua, pareceu crianças
nasceu agora. Nasceu agora. Ele não sabe nada, nada. Você deixa, ele vai e morre,
né?” (linhas 26 e 27). Nessas duas linhas, Lara utiliza de repetição para chamar
atenção a dois pontos de sua fala: o recém nascimento (“nasceu agora”) e o total
157
essa maneira, ele parece agora nasceu vai que alguém tratar ele, né?” (linhas 37 e
38). Assim, a argumentação de Lara predica e posiciona, simultaneamente, dois
tipos de migrantes e uma ferramenta de informação: os migrantes recém-chegados
que conseguem usar smartphones são representados como independentes, mesmo
sem a língua portuguesa; os migrantes recém-chegados que não conseguem utilizar
essa tecnologia são totalmente dependentes, como recém-nascidos; a ferramenta
que concede independência a um migrante não seria a língua portuguesa, mas os
smartphones, a internet, os aplicativos – resumindo, o “Gog”.
Embora a questão das tecnologias traga inúmeros desdobramentos em
termos de políticas linguísticas e políticas públicas de acolhimento, ela não é o foco
deste trabalho. Registro apenas a dificuldade que muitos migrantes – e turistas –
têm para ter acesso a esse serviço, já que o chip de celular só é vendido por meio
de CPF no Brasil. Então, vários migrantes passam por situações bastante
complicadas por não poderem usufruir do “Gog” no momento que mais precisam: a
fase inicial de chegada no país.
Por fim, Luz toma a palavra, utilizando a própria história como um exemplo
que apoia a argumentação de Lara. Por meio de uma antítese, Luz contrapõe seus
sentimentos nos primeiros três meses no Brasil com os sentimentos atuais.
Considerando que essa narrativa se insere na metáfora de Lara sobre migrantes
recém-chegados como bebês recém-nascidos, o número de meses apresentado por
Luz é bastante significativo: “Quando chegou na Brasil, três meses eu tudo
chorando. Eu quero voltar na Síria” (linha 39). Afinal, os três primeiros meses de um
bebê são conhecidos atualmente pelo termo “exterogestação”, ou seja, o período
em que o bebê necessita de maiores cuidados. Pediatras que defendem esse
conceito apontam que a dependência do bebê é tão grande nos três primeiros
meses, com seus sistemas biológicos ainda em formação, que é praticamente um
último trimestre de gestação que ocorre fora do útero. Há profissionais que indicam
técnicas para acalmar o bebê com base na reprodução do ambiente uterino. Assim,
arrisco dizer que, se o migrante recém-chegado é como um bebê recém-nascido, o
momento de chegada ao Brasil é como o parto, o aeroporto é como o hospital e os
três primeiros meses no Brasil são a exterogestação, o momento de maior cuidado
e maior choro, bem como o desejo de retorno (seja ao país de origem, seja ao
útero).
Em sua fala, Luz aponta que “Tudo os dias eu fala com meu marido” (linha
159
42), lançando mão de uma absolutização estratégica para ressaltar o quanto ela
desejava voltar para a Síria. Por meio de citações diretas, Luz destaca seu acesso
epistêmico privilegiado, sendo que seu relato foi algo vivenciado por ela, não por
outros. E finaliza apresentando um ponto cômico, questionado por seu marido e
construído por meio das antíteses antes/agora, choro/risada, sim/não: “Antes tá
chorando com sim. Agora tá risada com non?’ (linha 49). Assim, ela demonstra que
a vontade de voltar à Síria estava ligada ao sofrimento, enquanto a vontade de ficar
no Brasil está ligada à alegria.
20 And... the other one is.... for me it's grande problema. E… o outro é… para
21 easier to understand Portuguese than to mim é mais fácil entender português do
22 talk in Portuguese. Because rarely we que falar português. Porque raramente
23 read or make frases, something like this. lemos ou fazemos frases, algo assim.
24 P: Okay. In, in the classes they don't.... P: Ok. Nas, nas aulas eles não…
25 Sara: Not all of them. Some of them. Sara: Nem todos. Alguns.
26 P: Okay. There's more... P: Ok. Tem algo mais…
27 Sara: I think this year is much better than Sara: Eu acho que este ano está muito
28 last year. Because last year I only get to melhor que o ano passado. Porque ano
29 participate in the middle of the year and passado eu só comecei a frequentar no
30 we have many vacations. And... we only meio do ano e tivemos muitas férias. E…
31 repeat how to introduce yourself. Your nós só repetíamos como se apresentar.
32 name, your age. And then, another Seu nome, sua idade. E então, alguém
33 people come and we start from the zero. chegava e tínhamos de começar do zero.
34 P: Okay. P: Ok.
35 Sara: But this year, I think there is some Sara: Mas este ano, eu acho que alguns
36 teachers to make ah... games, trying to... professores fazem ah… jogos, tentando…
37 We have a new teacher. Only for one Temos um novo professor. Só em uma
38 class. He came. He put all his efforts to aula. Ele veio. Ele se esforçou em fazer
39 do activities during the class. atividades na aula.
40 P: Okay. P: Ok.
41 Sara: Really, it was amazing. Even when Sara: De verdade, foi maravilhoso. Eu
42 I went back to my house, I sent até, quando voltei pra casa, mandei
43 messages to my friends who were here. mensagens para meus amigos que
44 And telling them about the class. estavam aqui. E contei sobre a aula.
essa denúncia, por meio de repetição do advérbio “some” (“some of them”, linhas
11, 14, 15, 25, e “some teachers”, linha 35). Ao destacar que sua avaliação diz
respeito apenas a alguns professores, ela amortece sua crítica, indiciando, mais
uma vez, a tentativa de não prejudicar a imagem da ONG. Como esse ponto foi
apresentado como a principal denúncia no recorte lido, voltarei a ele mais a frente.
Ao colocar, na linha 24, a falta de atividades de leitura e de produção escrita
como causadoras de sua dificuldade de fala em português, Sara levanta uma
necessidade relativa ao seu aprendizado, apontando a sala de aula como o local em
que ela pratica a língua portuguesa. Assim, ela aponta como essencial que haja
mais atividades de produção – oral e escrita –, bem como de compreensão escrita.
As duas críticas subsequentes – excesso de dias sem aula e repetição de
conteúdos pela entrada constante de alunos – apontam para a estruturação do
curso, não ao andamento das aulas em si. O primeiro pode ter sido uma percepção
equivocada, uma vez que ela mesma aponta que só começou a frequentar as aulas
no meio do ano, pegando, portanto, o período de férias do final de ano. De qualquer
forma, por funcionar com base no voluntariado, durante o período que coincide às
férias escolares brasileiras, há uma queda significativa no número de voluntários
disponíveis, levando a Compassiva a reduzir as aulas. É interessante, porém, que a
instituição faz um esforço para manter ao menos uma aula por semana durante as
férias.
Na crítica seguinte, relativa à repetição de conteúdo pela entrada frequente
de alunos, percebemos um ponto característico dos contextos de PLAc: a
instabilidade dos alunos. No caso, a instituição não impedia a entrada dos alunos
mesmo que o curso já tivesse começado, posto não ser possível delimitar a data em
que uma pessoa chegaria ao Brasil como refugiada e entraria em contato em busca
de um curso de português. Dado que a necessidade de aprendizado dessa língua
costuma ser urgente e emergencial para migrantes de crise, a Compassiva evitava
barrar a entrada de novos alunos. No entanto, como podemos ver na reclamação de
Sara, essa prática era prejudicial ao ensino, desmotivando alunos que já estavam
matriculados no curso. Durante minha gestão como coordenadora pedagógica,
juntamente com a coordenadora das turmas mistas, colocamos um limite à entrada
de duas semanas após o início de um curso. Ao mesmo tempo, nos
comprometemos a iniciar novos cursos a cada 2 ou 3 meses, desde que houvesse
alunos interessados. Na época, isso melhorou muito a dinâmica e a frequência das
163
aulas.
A falta de formação é, com certeza, a denúncia mais importante para Sara.
Tanto que ela retoma esse problema nas linhas 35 a 44, destacando a diferença que
um bom professor faz em seu aprendizado. O “mas” (“but”, linha 35) é uma
importante pista de referência e predicação que retoma a comparação entre o
primeiro e o segundo ano de aprendizado de Sara. A maneira como ela apresenta
esse “professor ideal” por meio de um exemplo é bastante interessante. Ela começa
utilizando o pronome indefinido “alguns” (“some”, linha 35) para avaliar alguns bons
professores, mas reformula sua frase logo em seguida para indicar que ela se refere
especificamente a um “novo professor” (“new teacher”, linha 37), destacando em
seguida que foi ainda mais específico, “só em uma aula” (“only for one class”, linha
38). É interessante que ela não termina uma frase, cabendo ao interlocutor inferir o
que ela poderia indicar por meio do verbo “tentando” (“trying to”, linha 36). Em minha
leitura, considerando o exemplo que o segue, suponho que esse verbo indica os
esforços para tornar a sala de aula um espaço mais interativo e envolvente. Afinal, é
isso que ela destaca de tão maravilhoso neste novo professor: o fato de levar
“jogos” (“games”, linha 36), a sua dedicação, avaliada como “todo seu esforço” (“all
his efforts”, linha 38), e a realização de “atividades durante a aula” (“activities during
the class”, linha 39). Além disso, é extremamente significativa a pequena frase “Ele
veio” (“He came”, linha 38) durante o relato sobre esse professor, a qual é uma
pista de referência e predicação que parece avaliar a presença desse professor
como algo além da presença física. Ele não estava ali por acaso ou por obrigação,
mas “ele veio” intencionalmente, preparado.
Ao analisar os critérios que a levam a classificar o professor como um bom
professor, chama a atenção o fato de que tais critérios dizem respeito muito mais à
postura profissional, sensível ao aluno, do que a conhecimentos linguísticos
específicos. É claro que um bom professor precisa ter um conhecimento daquilo que
vai ensinar, mas isso não é tudo. Como aponta Sara, um bom professor, para ela, é
alguém que está intencionalmente presente na sala de aula, alguém que se dedica
e promove a interação em sala de aula, no caso, por meio de jogos e atividades.
Embora tal postura possa ser desenvolvida por qualquer pessoa que se
empenhe no ensino, seja ele enfermeiro, empresário ou professor, é pertinente
ressaltar que o professor voluntário aqui era um estudante do curso de Letras. Isso
mostra que a formação para o ensino de línguas realmente faz diferença, sendo
164
notada pelos alunos. Por isso, é preciso refletir sobre a valorização da formação no
ensino de línguas, especialmente na valorização da formação de licenciaturas e
especializações em ensino de Português como Língua Adicional (PLA).
Acredito que o primeiro ponto a ser levantado sobre isso diz respeito à
ausência do Estado nas políticas de ensino de língua portuguesa para migrantes de
crise. Aproveitando-me da discussão de Camargo (2019) em sua tese de doutorado,
o ensino de PLAc tem dependido muito mais de políticas horizontais do que
verticais, com ONGs e instituições religiosas agindo para suprir minimamente uma
grande lacuna nas políticas públicas no que tange ao acolhimento (ANUNCIAÇÃO,
2017) de migrantes de crise (BAENINGER; PERES, 2017).
O segundo ponto diz respeito à valorização da formação profissional no
ensino de línguas para trabalhar como professor de PLA, mais especificamente de
PLAc. Reconheço que o cenário em que o PLAc acontece traz particularidades que
tornam impraticável para muitas instituições a contratação de professores formados,
já que, diferentemente de cursos de PLA para outros públicos, as aulas de PLAc
devem obrigatoriamente ser gratuitas. De fato, às vezes é necessário inclusive
subsidiar o transporte dos alunos e trabalhar com ofertas de cestas básicas e outras
doações, sendo necessário definir se o dinheiro que as ONGs têm disponível irá
para bolsas-alimentação, transporte dos alunos ou para o pagamento de
professores. No entanto, precisamos, enquanto mobilizadores de políticas de PLAc,
construir uma percepção de que investir em bons professores – ou, no mínimo, em
bons coordenadores pedagógicos com formação específica no ensino de línguas
adicionais, mais especificamente com licenciatura, especialização ou práticas de
iniciação científica e cursos de extensão em PLA – é investir na independência dos
migrantes. Um professor sensível e bem preparado, contratado para isso,
conseguirá preparar aulas, identificar as necessidades pontuais e específicas dos
alunos e ajudar outros professores na prática pedagógica, fazendo com que o
aprendizado dos alunos seja mais rápido e efetivo.
Atualmente já existem licenciaturas52 em PLA no Brasil, além de cursos de
pós-graduação. Existem, também, diversas iniciativas em cursos de Letras que
proporcionam a prática e a reflexão teórica sobre o contexto de PLA – como cursos
52
Atualmente, as instituições que oferecem licenciaturas em PLA são: Universidade de Brasília
(UnB), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal de Integração
Latino-Americana (UNILA) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
165
5 CONSIDERAÇÕES (FINAIS)
Querido(a) leitor(a),
Não escrevo “caro”, mas “querido”. Sim, propositalmente. Afinal, após tão
longa jornada, iniciada quatro anos e mais de 150 páginas atrás, acredito termos
criado certa intimidade. E como comecei este trabalho dirigindo-me diretamente a
você, agora ouso terminá-lo de igual maneira.
Confesso empolgar-me com a ideia de, após tantas letras juntos,
compartilharmos o mesmo carinho pelas MASiR e um desejo de que elas sejam, de
fato, acolhidas na sociedade brasileira. Claro, não enxergo o acolhimento como um
favor, mas como uma maneira de lhes garantir o acesso a seus direitos. E as
percebo como detentoras de direitos. Por isso, me empolgo com a possibilidade de
meus estudos influenciarem as suas, caro(a) leitor(a), e as minhas práticas de
ensino de PLAc. Quero dizer, não apenas as práticas de ensino, mas também de
pesquisa no campo de uma Linguística Aplicada (MOITA LOPES, 2006)
indisciplinar, crítica e, sobretudo, ética e responsável.
Perdoe-me por tamanha pretensão. A verdade é que quase desisti desse
processo, e, agora, não consigo me conter. Sei que meu trabalho receberá críticas,
e é também para isso que o publico. Torno-o público, porque do público e para o
público ele foi feito. E ainda há tantas lacunas que ele não pôde preencher…
Confesso que termino este trabalho porque terminar é preciso. Mas ainda me sinto
em falta. Com você, leitor(a), mas, principalmente, com as outras participantes da
pesquisa.
Explico: ao iniciar esta pesquisa, esperava conseguir mapear as
necessidades das MASiR, contribuindo para um modelo de ensino que desse conta
de tudo aquilo que elas traziam para nossos encontros. No entanto, finalizo
analisando apenas 10 dos quase 30 recortes que eu gostaria de ter focalizado.
Sinto, portanto, que muito ainda ficou por fazer. Mas não lamento. Afinal, o valor da
ciência está na coletividade, na aprovação e contestação dos pares. Está na
continuidade. Nos novos olhares. Nas novas pesquisas. Nas reformulações. E, para
isso, existem ainda caminhos a serem descobertos por jovens (e experientes)
pesquisadores, num constante processo de des(re)territorialização (HAESBAERT,
2004) epistêmica. Há muitos artigos a serem escritos com base em uma análise de
168
e o exercício efetivo do cuidado a seus familiares. Elas se tornam pontes. Por meio
da língua portuguesa, vemos em suas narrativas, que elas deixam de ser
posicionadas e definidas pelo discurso da falta (DINIZ; NEVES, 2018) para se
posicionarem e definirem como pessoas que têm algo a oferecer.
Entendo, portanto, que este trabalho conseguiu identificar, nas respostas ao
questionário e nas conversas com as MASiR e com outros envolvidos no processo
de aprendizado do português, algumas diretrizes a serem consideradas para a
formulação de políticas de ensino de PLAc para este contexto específico. Entendo
que essas diretrizes apresentadas não esgotam as necessidades das MASiR com a
língua portuguesa, mas espero que contribuam para que o processo de
(re)territorialização (HAESBAERT, 2004) das MASiR seja mais eficaz.
O quadro a seguir apresenta um compilado das diretrizes mapeadas ao longo
deste trabalho. Destaco que, embora o foco seja as MASiR, algumas dessas
diretrizes são igualmente significativas para outros contextos de PLAc. Fique à
vontade para utilizar este quadro, mas também para questioná-lo e/ou ampliá-lo.
Sobre novas turmas a cada dois meses, caso haja novos interessados.
instituições Outra sugestão é criar dias de aulas apenas para novos alunos,
que repetindo conteúdos que outros já viram apenas nesses dias.
oferecem - Ofertar cursos gratuitos e, quando necessário, fornecer ajuda de
cursos de custo para os estudantes.
PLAc - Oferecer formação para professores e funcionários sobre as
construções culturais islâmicas - o Ramadã, as vestimentas
femininas e seus significados na religião, os cuidados com a
alimentação (muçulmanos não comem carne de porco,
procedimento halal no abate), o que é permitido no contato entre
homens e mulheres, entre outras questões.
- Valorizar professores com formação no ensino de línguas,
especialmente em PLA e em PLAc.
- verbo tomar
- verbo chegar
- verbos ser/estar
Abordar as seguintes - concordância de gênero
necessidades - pronome contraído de preposição (desse,
lexicogramaticais dessa, disso)
- pronomes oblíquos e possessivos
- advérbio como palavra invariável
- estrutura de frases (frases sem verbos,
falta de conectores)
- verbos: verbos de ligação, concordância
verbal, conjugações verbais, gerúndio,
tempos no passado, contraste entre
imperativo e subjuntivo.
- verbo ser/estar
- verbo chegar
- diferenciação entre classes de palavras
(em especial, entre verbos e substantivos)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARANTES, P. (Org.) Entre nós: Português com refugiados. Rio de Janeiro, RJ:
Cartolina. 2018.
BARBOUR, R. S., & SCHOSTAK, J. Interviewing and Focus Group. In: B. SOMEKH,
& C. LEWIN, Research Methods in the Social Sciences. Londres: Sage
Publications Ltd, 2005. p. 41-48.
CAMARGO, H. R. E. “Fazer por eles é fazer por mim”: Acolhimento como ato de
(des)reterritorialização. Travessia – Revista do migrante. São Paulo, v. 2, n. 91, p.
133-146. 2021.
FEITOSA, J.; MARRA, J.; FASSON, K.; MOREIRA, N.; PEREIRA, R. AMARO, T.
Pode Entrar: Português do Brasil para Refugiadas e Refugiados. Livro para
Estudantes. 1ª ed. São Paulo, SP: Curso Popular Mafalda, 2015.
REINOLDES, M.; MANDALÁ, P.S.; AMADO, R.S. Portas Abertas: Português para
imigrantes. São Paulo: USP, Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania
de São Paulo (SMDHC), 2017.
SIMÕES, R. O que foi e como terminou a primavera árabe?. BBC News Brasil, São
Paulo 2021. Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-55379502. Acesso em 10 set. 2021.
ANEXOS
ANEXO 1
QUESTIONÁRIO
⎕ Casada متزوجة⎕ Solteira عزباء ⎕Viúva أرملة⎕ Divorciada مطلقة⎕ outro أخرى
- Você possui familiares que moram longe de você? Cite os países em que eles estão.
؟ أذكري الدول التي يتواجدون فيها لديك أفراد من األسرة يعيشون بعيدا ؟
___________________________________________________________________
- Você planeja ficar no Brasil por quanto tempo?إلى متى تفكرين البقاء في البرازيل ؟
⎕Menos de 1 ano ⎕Entre 1 e 5 anos ⎕Entre 5 e 10 anos ⎕Mais de 10 anos
أقل من سنة سنوات5 من سنة إلى سنوات10 إلى5 من سنوات10 أكثر من
Língua: اللغة
- Por que você quer aprender português? لماذا تريدين تعلم اللغة البرتغالية ؟
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
- Há quanto tempo você faz aulas de português? منذ متى وأنت تأخذين دروس اللغة البرتغالية ؟
_________________________________________________________________________
- Você fez ou está fazendo um curso de português em outro lugar além da Compassiva?
Onde? هل درست أو تدرسين اللغة البرتغالية في مكان آخر عدا كومباسيفا ؟ أين ؟
_________________________________________________________________________
- Qual sua maior dificuldade com o português? ما هي الصعوبة األكبر التي تواجهينها مع اللغة البرتغالية ؟
187
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
-O que você achou mais fácil aprender em português?ما هو الشيء االكثر سهولة تعلمه في اللغة البرتغالية ؟
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
- O que você acha mais importante aprender no português?
ما هو الشيء األكثر أهمية تعلمه في اللغة البرتغالية ؟
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
- Em quais situações você mais precisa do português? Em quais situações você tem mais
dificuldade? Fale um pouco sobre essas dificuldades.
؟ في أي ظروف لديك صعوبات أكثر ؟ تكلمي قليال عن هذه الصعوبات ؟ في أي ظروف تحتاجين اللغة البرتغالية أكثر
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
- O que a língua portuguesa significa pra você? ماذا تعني لك اللغة البرتغالية ؟
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
- O que a sala de aula de português significa pra você? ماذا تعني لك غرفة صف اللغة البرتغالية ؟
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
- Você se sente acolhida em São Paulo? Por que?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
-Que língua você usa para falar com:
ما هي اللغة التي تستخدمينها في الكالم مع: :
Seu marido ____________ زوجك
Seus filhos ____________ أوالدك
Seus irmãos ____________ إخوانك
Seus pais ____________ والديك
Seus amigos ____________ أصدقائك
Seu deus ____________ (ربّك (هللا
Profissionais da saúde ____________ المهنيين الصحيين
Profissionais da educação (escola) ____________ المتخصصين بالتعليم
Entidades governamentais ____________ الكيانات الحكومية
Colegas de trabalho ____________ زمالء العمل
188
- Qual foi o melhor lugar que você já foi em São Paulo? Por quê?
ما هو أفضل مكان ذهبت إليه في ساو باولو ؟ لماذا ؟
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
- Qual foi o pior lugar que você já foi em São Paulo? Por quê?
ما هو أسوأ مكان ذهبت إليه في ساوباولو ؟ لماذا ؟
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
Obrigada!
190
ANEXO 2
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
VOLUNTÁRIOS DA ONG
Justificativa e objetivos:
Os objetivos desta pesquisa são analisar a relação de mulheres árabes em situação de refúgio
em São Paulo há menos de 5 anos com a língua portuguesa e propor a elaboração de um modelo de
material didático específico de português que contribua para que esse público possa se inserir mais
efetivamente na cidade de São Paulo. Esta pesquisa é relevante porque, além de contribuir para a
integração dessas refugiadas na sociedade paulistana, contribuirá para a produção de material didático
dessa área de ensino, fornecendo uma unidade didática (que será o produto final do projeto) e
servindo de exemplo para que outros trabalhos possam ser desenvolvidos para outros públicos
específicos.
Procedimentos:
Você está sendo convidado a participar de uma entrevista semi-estruturada audiogravada de
até duas horas com a pesquisadora. Tal entrevista será realizada em seu local de trabalho, em um dia e
horário previamente agendado de forma a coincidir com uma data em que você esteja no local. O
encontro será gravado e arquivado pela pesquisadora por cinco anos.
Desconfortos e riscos:
Você não deve participar deste estudo se tiver menos de 18 anos e se a participação for contra
a sua vontade.
Enquanto participante da pesquisa, você estará exposta à possibilidade de se emocionar
durante a conversa. Não existem riscos previsíveis
Benefícios:
Participando dessa pesquisa, você será beneficiado com a possibilidade de reflexão sobre suas
práticas de trabalho com mulheres árabes em situação de refúgio na cidade de São Paulo, bem como
sobre as práticas linguísticas e culturais das mesmas. Terá também a possibilidade de ser ouvida e de
colaborar para que as particularidades de mulheres árabes em situação de refúgio na cidade de São
Paulo sejam melhor compreendidas por outras pessoas. Tal compreensão poderá influenciar em
futuras políticas públicas ou privadas, como a elaboração de um material didático específico.
Acompanhamento e assistência:
Você poderá me contatar sempre que necessitar para esclarecer qualquer questão relativa à pesquisa
em qualquer momento no decorrer da mesma, seja por telefone ou pessoalmente. Estarei à disposição
durante e após os encontros para que você possa expressar qualquer ponto. Continuarei à disposição
após o término da pesquisa.
Sigilo e privacidade:
191
Você tem a garantia de que sua identidade será mantida em sigilo e nenhuma informação será
dada a outras pessoas que não façam parte da equipe de pesquisadores. Na divulgação dos resultados
desse estudo, seu nome não será citado. As gravações em áudio serão armazenadas por cinco anos
pela pesquisadora e poderão ser utilizadas em pesquisas posteriores.
Ressarcimento e Indenização:
Os encontros (tanto o grupo de conversa como as entrevistas) serão realizados antes ou depois
do seu horário de aula de português e no mesmo local das aulas, portanto você não terá nenhuma
despesa e nenhum reembolso será necessário. Você terá a garantia ao direito a indenização diante de
eventuais danos decorrentes da pesquisa.
Material:
( ) Concordo com a gravação de áudio da entrevista.
Contato:
Em caso de dúvidas sobre a pesquisa, você poderá entrar em contato com a pesquisadora Raquel
Heckert César Bastos, no IEL/Unicamp. Endereço: Rua Sérgio Buarque de Holanda, nº 571,
Campinas – SP. Telefone: 31 975145363. E-mail: raquelhcbas@gmail.com.
Em caso de denúncias ou reclamações sobre sua participação e sobre questões éticas do estudo,
você poderá entrar em contato com a secretaria do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UNICAMP
das 08:30hs às 11:30hs e das 13:00hs as 17:00hs na Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126; CEP
13083-887 Campinas – SP; telefone (19) 3521-8936 ou (19) 3521-7187; e-mail:
cep@fcm.unicamp.br.
Responsabilidade do Pesquisador:
Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e complementares na
elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Asseguro,
também, ter explicado e fornecido uma via deste documento ao participante. Informo que o estudo foi
aprovado pelo CEP perante o qual o projeto foi apresentado. Comprometo-me a utilizar o material e
os dados obtidos nesta pesquisa exclusivamente para as finalidades previstas neste documento ou
conforme o consentimento dado pelo participante.
ANEXO 3
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
ESTUDANTES EM GERAL – EM PORTUGUÊS
Você está sendo convidado a participar como voluntário de uma pesquisa. Este
documento, chamado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa assegurar seus
direitos como participante e é elaborado em duas vias, uma que deverá ficar com você e outra
com o pesquisador.
Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer suas dúvidas. Se
houver perguntas antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá esclarecê-las com o
pesquisador. Se preferir, pode levar este Termo para casa e consultar seus familiares ou outras
pessoas antes de decidir participar. Não haverá nenhum tipo de penalização ou prejuízo se
você não aceitar participar ou retirar sua autorização em qualquer momento.
Justificativa e objetivos:
Os objetivos desta pesquisa são analisar a relação de mulheres árabes em situação de
refúgio em São Paulo há menos de 5 anos com a língua portuguesa e propor a elaboração de
um modelo de material didático específico de português que contribua para que esse público
possa se inserir mais efetivamente na cidade de São Paulo. Esta pesquisa é relevante porque,
além de contribuir para a integração dessas refugiadas na sociedade paulistana, contribuirá
para a produção de material didático dessa área de ensino, fornecendo uma unidade didática
(que será o produto final do projeto) e servindo de exemplo para que outros trabalhos possam
ser desenvolvidos para outros públicos específicos.
Procedimentos:
Participando do estudo você está sendo convidado a preencher um questionário
anônimo para relatar um pouco da sua experiência com a língua portuguesa e outras questões
relacionadas ao perfil das mulheres árabes em situação de refúgio na cidade de São Paulo. O
preenchimento do questionário pode demorar de 15 a 60 minutos e deverá ser feito em língua
portuguesa. Você terá a ajuda de uma tradutora para respondê-lo. O preenchimento ocorrerá
no local onde você tem aulas de português, em um dia de aula. Após ser utilizado na
pesquisa, seu questionário será arquivado por cinco anos pela pesquisadora.
Desconfortos e riscos:
Você não deve participar deste estudo se você tiver menos de 18 anos, se você não for
mulher, se você não for proveniente de um dos países da Liga dos Estados Árabes (a saber,
Arábia Saudita, Argélia, Bahrein, Catar, Comores, Djibuti, Egito, Emirados Árabes Unidos,
Iêmen, Iraque, Jordânia, Kuwait, Líbano, Líbia, Marrocos, Mauritânia, Omã, Palestina, Síria,
Somália, Sudão e Tunísia) e se você não estiver em situação de refúgio na cidade de São
Paulo. Você também não deve participar da pesquisa caso a participação seja contra a sua
vontade.
Enquanto participante da pesquisa você estará exposta ao desconforto da
incompreensão de alguma questão do questionário e de depender de um tradutor para
responder às perguntas. É possível que você se emocione com algumas das questões
propostas. Além disso, a pesquisa não possui riscos previsíveis.
193
Benefícios:
Participando dessa pesquisa, você será beneficiado com a possibilidade de reflexão de
suas práticas linguísticas e culturais na cidade de São Paulo. Terá também a possibilidade de
ser ouvida e de colaborar para que as particularidades de mulheres árabes em situação de
refúgio na cidade de São Paulo sejam melhor compreendidas por outras pessoas. Tal
compreensão poderá influenciar em futuras políticas públicas ou privadas, como a elaboração
de um material didático específico.
Acompanhamento e assistência:
Você poderá me contatar sempre que necessitar para esclarecer qualquer questão
relativa à pesquisa em qualquer momento no decorrer da mesma, seja por telefone ou
pessoalmente. Estarei à disposição durante e após o preenchimento do questionário para que
você possa expressar qualquer ponto. Continuarei à disposição após o término da pesquisa.
Sigilo e privacidade:
Você tem a garantia de que sua identidade será mantida em sigilo e nenhuma
informação será dada a outras pessoas além da equipe de pesquisadores e uma intérprete que
ajudará na pesquisa. Na divulgação dos resultados deste estudo, seu nome não será citado. As
respostas aos questionários serão armazenados por cinco anos pela pesquisadora. Você poderá
retirar sua autorização de uso das respostas em qualquer momento.
Ressarcimento e Indenização:
O preenchimento do questionário será realizado antes ou depois do seu horário de
aula de português e no mesmo local das aulas, portanto você não terá nenhuma despesa e
nenhum reembolso será necessário. Você terá a garantia ao direito a indenização diante de
eventuais danos decorrentes da pesquisa.
Contato:
Em caso de dúvidas sobre a pesquisa, você poderá entrar em contato com a pesquisadora
Raquel Heckert César Bastos, no IEL/Unicamp. Endereço: Rua Sérgio Buarque de Holanda,
nº 571, Campinas – SP. Telefone: 31 975145363. E-mail: raquelhcbas@gmail.com.
_______________________________________________________ Data:
____/_____/______.
(Assinatura do participante ou nome e assinatura do seu RESPONSÁVEL LEGAL)
Responsabilidade do Pesquisador:
Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e complementares na
elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Asseguro, também, ter explicado e fornecido uma via deste documento ao participante.
Informo que o estudo foi aprovado pelo CEP perante o qual o projeto foi apresentado.
Comprometo-me a utilizar o material e os dados obtidos nesta pesquisa exclusivamente para
as finalidades previstas neste documento ou conforme o consentimento dado pelo
participante.
______________________________________________________
Data: ____/_____/______.
(Assinatura do pesquisador)
195
ANEXO 4
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO EM ÁRABE
ESTUDANTES EM GERAL – EM ÁRABE
أنت مدعو للتطوع بالبحث .هذا وثيقة تسمى استمارة موافقة الحرة وموضحة ،وتهدف إلى ضمان حقوق كمشارك ويتم
وضعها بطريقتين ،واحدة يجب أن تقف معك ومع أخرى مع الباحث .يرجى قراءة بعناية وبهدوء ،مع اغتنام الفرصة
لتوضيح شكوكك .إذا لديك أسئلة من قبل أو حتى بعد التوقيع عليها ،يمكنك توضيحها مع الباحث .إذا كنت تفضل ذلك ،
يمكنك أن تأخذ هذا المصطلح إلى المنزل واستشارة عائلتك أو غيرها قبل أن تقرر المشاركة .لن يكون هناك عقوبة أ أو أنت
.ال توافق على المشاركة أو إلغاء تصريحك في أي وقت
المبرر من هذه الوثيقة واالهداف:
تتمثل أهداف هذا البحث في تحليل العالقة بين المرأة العربية في أوضاع الالجئين في ساو باولو لمدة أقل من 5سنوات مع
اللغة البرتغالية واقتراح وضع نموذج لمواد تعليمية محددة للبرتغالية تساهم في تمكين الطالب من االندماج بشكل فعال في
مدينة ساو باولو .هذا البحث ذو صلة ألنه ،إلى جانب المساهمة في دمج هؤالء الالجئين في مجتمع ساو باولو ،سيساهم في
إنتاج المواد التعليمية في هذا المجال من التعليم ،وتوفير وحدة تعليمية (ستكون النتيجة النهائية للمشروع) وخدمتها كتجربة
لآلخرين .يمكن تطويرها لجمهور محدد آخر.
اإلجراءات
المشاركة في الدراسة التي دعيت إليها لملء استجواب مجهول الهوية (بدون ذكر اسم المشارك) لإلبالغ عن القليل من
تجربتك مع اللغة البرتغالية والقضايا األخرى المتعلقة بملف المرأة العربية في وضع اللجوء في مدينة ساو باولو .يمكن أن
يستغرق إكمال االستبيان من 15إلى 60دقيقة ويجب أن يتم باللغة البرتغالية .سيكون لديك مساعدة من مترجم للرد عليك.
سيتم انجاز االستبيان في مكان دروس في اللغة البرتغالية ،في يوم واحد من صف اللغة .بعد استخدامها في البحث ،ستتم
.أرشفة البحث لمدة خمس سنوات من قبل الباحث
المضايقات والمخاطر:
ال يجوز لك المشاركة في هذه الدراسة إذا كنت دون الثامنة عشرة ،إذا لم تكن امرأة ،إذا لم تكن من إحدى دول جامعة الدول
العربية (وهي المملكة العربية السعودية والجزائر والبحرين وقطر وجزر القمر وجيبوت مصر ،اإلمارات العربية المتحدة،
اليمن ،العراق ،األردن ،الكويت ،لبنان ،ليبيا ،المغرب ،موريتانيا ،عمان ،فلسطين ،سوريا ،الصومال ،السودان وتونس)
.وإذا لم تكن في حالة اللجوء في مدينة ساو باولو .يجب عليك أيضا عدم المشاركة في البحث إذا كانت المشاكة ضد إرادتك
كجزء من البحث ،سوف تتعرض لضيق من سوء فهم بعض األسئلة في االستبيان واعتمادا على مترجم لإلجابة على
األسئلة .قد تكون تتأثر نتيجة األسئلة المقترحة .باإلضافة إلى ذلك ،فإن البحث ال يوجد لديه مخاطر يمكن التنبؤ بها .فإن
البحث ال يوجد لديه مخاطر يمكن التنبؤ بها.
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الفوائد
المشاركة في هذا البحث ،سوف تستفيد من إمكانية عكس الممارسات اللغوية والثقافية الخاصة بك في مدينة ساو باولو .كما
سيكون لديها إمكانية االستماع والتعاون من أجل فهم تفاصيل النساء العربيات في وضع اللجوء في مدينة ساو باولو بشكل
أفضل من قبل أشخاص آخرين .قد يؤثر هذا الفهم على السياسات العامة أو الخاصة المستقبلية ،مثل تطوير مادة تعليمية
محددة.
المرافقة والمساعدة:
يمكنك االتصال بي عندما تحتاج إلى توضيح أي سؤال متعلق بالبحث في أي وقت أثناء البحث ،إما عن طريق الهاتف أو
شخصيًا .سوف أكون متاحً ا أثناء وبعد ملء االستبيان حتى يمكنك التعبير عن أي نقطة .سأظل متاحً ا بعد اكتمال البحث.
السرية والخصوصية:
لديك ضمان بأن هويتك ستبقى سرية ولن يتم إعطاء أي معلومات لآلخرين الذين ليسوا جزءًا من فريق البحث .في الكشف
عن نتائج هذه الدراسة ،لن يتم ذكر اسمك .وسيتم تخزين الردود على المساعدين بشكل دائم ويمكن استخدامها في البحوث
الالحقة.
التعويض:
سيتم االنتهاء من االستجواب قبل أو بعد جدول الدرس البرتغالي الخاص بك وفي نفس المكان من الفصول الدراسية ،
وبالتالي لن يكون لديك أي نفقات ،ولن تكون هناك أية مبالغ مستردة .سيكون لديك ضمان الحق في التعويض في حالة
حدوث أي أضرار ناجمة عن البحث.
اتصال:
في حالة وجود شكوك حول البحث ،يمكنك االتصال بالباحث راكيل هيكرت سيزار باستوس ،في .IEL / Unicamp
العنوان:
Rua Sérgio Buarque de Holanda، 571، Campinas – SP.
الهاتف:
(975145363)31
البريد اإللكترونيraquelhcbas@gmail.com :
في حالة االستنكار أو الشكاوى حول مشاركتك والقضايا العامة للدراسة ،يمكنك االتصال بأمين لجنة األبحاث في
UNICAMPمن الساعة 8:30صباحً ا حتى الساعة 11:30صباحً ا ومن الساعة 1ظهرً ا حتى الساعة 5مساءً .في الشارع:
Tessália Vieira de Camargo، ، 126 Campinas – SP CEP 13083-887
هاتف
(7187-3521)19
197
(8936-3521)19
البريد اإللكتروني:
cep@fcm.unicamp.br
مسؤولية الباحث:
ومكملة في وضع البروتوكول والحصول على هذه الموافقة على CNS / MSأؤكد أنك قد امتثلت لمتطلبات 466/2012
استمارة موافقة حرة و موضحة
كما أؤكد أنك قد أوضحت وقدمت نسخة لهذه الوثيقة إلى المشارك .أبلغ أن الدراسة تمت الموافقة عليها من قبل الذي تم تقديم
.المشروع من خالله
أتعهد باستخدام المواد والبيانات التي تم الحصول عليها في هذا البحث حصريًا لألغراض المنصوص عليها في هذه الوثيقة
.أو وف ًقا للموافقة التي قدمها المشارك
__________________________________التاريخ._____ / _____ /_2019_ :
(توقيع الباحث)
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ANEXO 5
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
ESTUDANTES QUE PARTICIPARAM DAS CONVERSAS E DO GRUPO FOCAL
O desenvolvimento de material didático de português para refugiadas árabes em São Paulo a partir
da Análise de Necessidades (Ampliada)
Raquel Heckert César Bastos
Número do CAAE: 98055218.4.0000.8142
Você está sendo convidado a participar como voluntário de uma pesquisa. Este documento,
chamado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa assegurar seus direitos como participante
e é elaborado em duas vias, uma que deverá ficar com você e outra com o pesquisador.
Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer suas dúvidas. Se houver
perguntas antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá esclarecê-las com o pesquisador. Se
preferir, pode levar este Termo para casa e consultar seus familiares ou outras pessoas antes de
decidir participar. Não haverá nenhum tipo de penalização ou prejuízo se você não aceitar participar
ou retirar sua autorização em qualquer momento.
Justificativa e objetivos:
Os objetivos desta pesquisa são analisar a relação de mulheres árabes em situação de
refúgio em São Paulo há menos de 5 anos com a língua portuguesa e propor a elaboração de um
modelo de material didático específico de português que contribua para que esse público possa se
inserir mais efetivamente na cidade de São Paulo. Esta pesquisa é relevante porque, além de
contribuir para a integração dessas refugiadas na sociedade paulistana, contribuirá para a produção
de material didático dessa área de ensino, fornecendo uma unidade didática (que será o produto
final do projeto) e servindo de experiência para que outros trabalhos possam ser desenvolvidos para
outros públicos específicos.
Procedimentos:
Você está sendo convidada a participar de um grupo de conversa com duração de até duas
horas com a pesquisadora e outras mulheres árabes em situação de refúgio na cidade de São Paulo.
Além disso, você também está sendo convidada a participar individualmente de uma entrevista
semi-estruturada com a pesquisadora, a qual será marcada em um dia posterior ao grupo de
conversa e terá duração de aproximadamente 1 hora. Tanto o grupo de conversa como a entrevista
serão marcados em dias e horários próximos aos seus dias de aula de português e serão realizadas
nas dependências da instituição. Os encontros serão gravados e arquivados pela pesquisadora por
cinco anos.
Desconfortos e riscos:
Você não deve participar deste estudo se você tiver menos de 18 anos, se você não for
mulher, se você não for proveniente de um dos países da Liga dos Estados Árabes (a saber, Arábia
Saudita, Argélia, Bahrein, Catar, Comores, Djibuti, Egito, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Iraque,
Jordânia, Kuwait, Líbano, Líbia, Marrocos, Mauritânia, Omã, Palestina, Síria, Somália, Sudão e Tunísia)
e se você não estiver em situação de refúgio na cidade de São Paulo há mais de 5 anos. Você
também não deve participar da pesquisa caso a participação seja contra a sua vontade.
Enquanto participante da pesquisa você estará exposta ao desconforto de possível
incompreensão ou dificuldade em se expressar sobre algum ponto conversado. É possível que você
se emocione com alguns tópicos conversados. A pesquisa não possui riscos previsíveis.
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Benefícios:
Participando dessa pesquisa, você será beneficiado com a possibilidade de reflexão de suas
práticas linguísticas e culturais na cidade de São Paulo. Terá também a possibilidade de ser ouvida e
de colaborar para que as particularidades de mulheres árabes em situação de refúgio na cidade de
São Paulo sejam melhor compreendidas por outras pessoas. Tal compreensão poderá influenciar em
futuras políticas públicas ou privadas, como a elaboração de um material didático específico.
Acompanhamento e assistência:
Você poderá me contatar sempre que necessitar para esclarecer qualquer questão relativa à
pesquisa em qualquer momento no decorrer da mesma, seja por telefone ou pessoalmente. Estarei à
disposição durante e após os encontros para que você possa expressar qualquer ponto. Continuarei à
disposição após o término da pesquisa.
Sigilo e privacidade:
Você tem a garantia de que sua identidade será mantida em sigilo e nenhuma informação
será dada a outras pessoas que não façam parte da equipe de pesquisadores. Na divulgação dos
resultados deste estudo, seu nome não será citado. As gravações em áudio serão armazenadas por
cinco anos pela pesquisadora e poderão ser utilizadas em pesquisas posteriores.
Ressarcimento e Indenização:
Os encontros (tanto o grupo de conversa como as entrevistas) serão realizados antes ou
depois do seu horário de aula de português e no mesmo local das aulas, portanto você não terá
nenhuma despesa e nenhum reembolso será necessário. Você terá a garantia ao direito a
indenização diante de eventuais danos decorrentes da pesquisa.
Material:
( ) Concordo com a gravação de áudio das conversas individuais e do grupo focal.
Contato:
Em caso de dúvidas sobre a pesquisa, você poderá entrar em contato com a pesquisadora
Raquel Heckert César Bastos, no IEL/Unicamp. Endereço: Rua Sérgio Buarque de Holanda, nº 571,
Campinas – SP. Telefone: 31 975145363. E-mail: raquelhcbas@gmail.com.
Em caso de denúncias ou reclamações sobre sua participação e sobre questões éticas do estudo,
você poderá entrar em contato com a secretaria do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UNICAMP
das 08:30hs às 11:30hs e das 13:00hs as 17:00hs na Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126; CEP
13083-887 Campinas – SP; telefone (19) 3521-8936 ou (19) 3521-7187; e-mail: cep@fcm.unicamp.br.
Responsabilidade do Pesquisador:
Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e complementares na
elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Asseguro,
também, ter explicado e fornecido uma via deste documento ao participante. Informo que o estudo
foi aprovado pelo CEP perante o qual o projeto foi apresentado. Comprometo-me a utilizar o material
e os dados obtidos nesta pesquisa exclusivamente para as finalidades previstas neste documento ou
conforme o consentimento dado pelo participante.
ANEXO 6
AUTORIZAÇÃO PARA COLETA DE DADOS
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ANEXO 7
TEXTO “NINA E A ESCOLA” UTILIZADO NO ENCONTRO 1 DO GRUPO FOCAL
Nina e a escola
Um dia, Nina chegou toda contente em casa, com um bilhete da escola na mão. Ela
me disse que ia fazer um passeio com a escola! Eu não consegui ler o bilhete, mas acreditei
na Nina. No dia seguinte, ela escolheu sua roupa e foi para a escola sem uniforme, pois ela ia
passear. Mas fiquei muito surpresa quando fui buscar a Nina no final do dia e a professora
dela me disse que por pouco a Nina não participou do passeio. “Você não leu o bilhete? Por
causa do passeio, todas as crianças tinham de usar uniforme! Ainda bem que a gente tinha
uma camisa sobrando”.
Outro dia, tive que sair correndo de casa e ir buscar a Nina porque a escola tinha
mandado um bilhete dizendo que não ia ter aula e eu não entendi o bilhete. Quando Nina me
disse que não tinha aula, eu achei que ela estava mentindo! Então mandei ela pra escola do
mesmo jeito. Mas ela não estava mentindo e ouvi da professora de novo “você não leu o
bilhete?”.
Esses problemas com os bilhetes da escola já aconteceram várias vezes. Tantas que,
um dia, Nina ficou chateada porque eu não entendi um bilhete da escola e começou a chorar.
Tive que ir até a escola para a professora me explicar o que era. Aí ela pediu pra eu assinar
uma coisa que eu não sei o que era, mas a Nina ficou feliz da vida. Acho que era pra ela
poder tomar uma vacina ou participar de alguma atividade especial. Até hoje eu não entendi
direito.
203
ANEXO 8
TIRINHAS UTILIZADAS NO ENCONTRO 3 DO GRUPO FOCAL