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WBA0920_V1.

HABILIDADES VISUOESPACIAIS, PRAXIAS


E GNOSIAS: ASPECTOS TEÓRICOS E
INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO
2

Aline Monique Carniel

HABILIDADES VISUOESPACIAIS, PRAXIAS


E GNOSIAS: ASPECTOS TEÓRICOS E
INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO
1ª edição

São Paulo
Platos Soluções Educacionais S.A
2021
3

© 2021 por Platos Soluções Educacionais S.A.

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Editorial
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Beatriz Meloni Montefusco
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


_____________________________________________________________________________________
Carniel, Aline Monique
C289h Habilidades visuoespaciais, praxias e gnosias: aspectos
teóricos e instrumentos de avaliação / Aline Monique
Carniel. – São Paulo: Platos Soluções Educacionais S.A.,
2021.
45 p.

ISBN 978-65-5356-045-1

1. Neuropsicologia. 2. Habilidades visuespaciais.


3. Praxias. I. Título.
CDD 150
____________________________________________________________________________________________
Evelyn Moraes – CRB-8 SP-010289/O

2021
Platos Soluções Educacionais S.A
Alameda Santos, n° 960 – Cerqueira César
CEP: 01418-002— São Paulo — SP
Homepage: https://www.platosedu.com.br/
4

HABILIDADES VISUOESPACIAIS, PRAXIAS E GNOSIAS:


ASPECTOS TEÓRICOS E INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO

SUMÁRIO

Conceito de habilidades visuoespaciais e alterações


relacionadas__________________________________________________ 05

Conceitos e tipos de praxias__________________________________ 19

Conceitos e tipos de gnosias__________________________________ 33

Avaliação das habilidades visuoespaciais, praxias e gnosias__ 46


5

Conceito de habilidades
visuoespaciais e alterações
relacionadas
Autoria: Aline Monique Carniel
Leitura crítica: Elisangela Toth

Objetivos
• Conhecer como as informações sensoriais são
captadas pelos órgãos dos sentidos e interpretadas
pela percepção.

• Apresentar o conceito de habilidades visuoespaciais


e sua relação com as atividades cotidianas.

• Compreender como as alterações visuoespaciais


podem causar prejuízos na execução de tarefas
básicas.
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1. Percepção: a relação do homem


com o mundo

A sobrevivência do ser humano em um ambiente está estreitamente


relacionada à sua percepção. É por meio da percepção que o homem
pode conhecer o meio e compreender sua relação com ele. Os órgãos
responsáveis por receber as informações do ambiente são chamados
de órgãos dos sentidos, e eles permitem a percepção de temperatura,
textura, cores, formas, cheiro, gosto e sons presentes em um local.

De acordo com a literatura, o sistema sensorial humano é constituído


por 11 sentidos diferentes. Os sentidos químicos favorecem a percepção
de substâncias químicas que trazem riscos à saúde, e englobam o olfato
e o paladar. Os sentidos de posição, cinestésico e vestibular, permitem
identificar o posicionamento do corpo e mantê-lo equilibrado. Os
sentidos cutâneos são aqueles que captam as sensações de frio, calor,
pressão, dor e contato físico. A audição detecta ondas sonoras a partir
da vibração do ar e localiza a fonte dos sons. Por fim, a visão capta
ondas luminosas e produz imagens nítidas (DAVIDOFF, 2001).

Como observado, os órgãos dos sentidos facilitam o conhecimento e


a interação com o mundo, e oportunizam uma experiência infinita de
cheiros, sabores, imagens e sons, através do olfato, do paladar, da visão
e da audição. Além disso, permitem que os estímulos do ambiente
sejam percebidos e desencadeiem respostas autônomas ou voluntárias.
Também podem funcionar como órgãos efetores, por exemplo, na
comunicação verbal e no olhar.

O sistema sensorial é composto por diversas células que possibilitam


a recepção das informações. Essas células podem ser subdivididas
em: 1) exteroceptores: presentes em todo o sistema sensorial, são
responsáveis pela captação dos estímulos externos; 2) quimioceptores:
contidos no nariz e na boca, dependem da ligação específica de uma
proteína ao receptor; 3) propioceptores: responsáveis pela identificação
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dos estímulos internos e pela percepção dos membros do corpo


(postura e posição); 4) interoceptores: possibilitam a percepção das
necessidades básicas do organismo, como fome, náusea, sede, prazer
sexual e pressão arterial(STRAUSS et al., 2006).

Para captar os estímulos, o sistema sensorial é composto por


terminações nervosas que levam a informação, através de impulsos
elétricos, para serem interpretadas no sistema nervoso central (SNC).
Essa interpretação ou percepção ocorre através da discriminação dos
estímulos, realizada quando os impulsos nervosos chegam a áreas
cerebrais específicas para a codificação.

A percepção é um processo cognitivo, uma forma de conhecer o mundo.


Embora todos os processos cognitivos estejam interconectados, estamos
iniciando nosso exame da cognição pela percepção porque a percepção
é o ponto em que a cognição e a realidade encontram-se e, talvez, a
atividade cognitiva mais básica da qual surgem todas as outras. (DAVIDOFF,
2001, p.141)

A percepção possibilita que os indivíduos construam seu conceito


sobre o mundo e, a partir desse conceito, registrem suas experiências.
Ao mesmo tempo, à medida que novos estímulos são captados, são
significados de acordo com as experiências prévias do sujeito. Nessa
dinâmica, as habilidades construtivas criam uma hipótese a respeito de
dados relevantes que podem ser encontrados, estando em prontidão
para receber determinada informação com base no armazenamento e
na integração de experiências.

2. Funcionamento da visão e percepção visual

A visão é classificada como um sentido predominante no ser humano.


Através dela, os indivíduos podem observar o ambiente em que estão
inseridos, além de manter contato, ler e evitar obstáculos e acidentes.
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As estruturas que integram o sistema visual incluem componentes


anatômicos dos olhos, o colículo superior e o córtex occipital.

O processo visual inicia-se pelas ondas luminosas, resultado da vibração


do campo eletromagnético. A primeira estrutura dos olhos que entra
em contato com a luz é a pupila, que aumenta para possibilitar maior
entrada de luz em locais escuros e diminui para regular a entrada de luz
quando há excesso de luminosidade. A íris é a estrutura que controla a
dilatação da pupila e é conhecida por “dar cor aos olhos”. Já o cristalino,
situado atrás da pupila, permite a focalização das imagens na retina
(DAVIDOFF, 2001).

Os receptores das ondas luminosas são encontrados na retina e


chamados de fotoceptores. Eles se subdividem em duas classes:
bastonetes (visão em ambientes com baixa luminosidade) e cones (visão
em ambientes com boa luminosidade, em que se pode distinguir as
cores e os detalhes). Após a captação dessas ondas, as informações da
retina são levadas pelos nervos ópticos, que se encontram no chamado
quiasma óptico, dividindo as imagens entre os hemisférios direito e
esquerdo. No cérebro, essas informações são processadas no colículo
superior (análise da localização) e no lobo occipital (consciência do
ambiente) (DAVIDOFF, 2001).

Todas as estruturas envolvidas no processamento visual são


fundamentais para que seu funcionamento ocorra sem falhas. Quando
alguma delas é alterada, por lesões ou pelo próprio envelhecimento,
ocorre a diminuição da acuidade visual ou a perda da visão.

Entre as principais doenças que podem acometer os olhos está a miopia,


que ocorre devido a prejuízos na refração da luz. Consequentemente, a
formação da imagem acontece antes da retina, resultando em imagens
desfocadas ou embaçadas quando estão distantes. O contrário acontece
na hipermetropia, doença em que a imagem é focalizada após a retina,
trazendo alterações para a visualização do que está próximo aos olhos.
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Já o astigmatismo é causado pela curvatura desproporcional da córnea,


o que impossibilita a formação linear de toda a imagem na retina.
Assim, partes da imagem são constituídas antes ou após essa estrutura,
desencadeando uma visão turva dos objetos. A presbiopia está entre os
déficits visuais provocados pelo envelhecimento, causando a perda da
acuidade visual devido à perda progressiva de elasticidade do cristalino.
As lesões na via óptica causam inúmeras disfunções no campo visual, e o
tipo de impacto observado pode ajudar a localizar a lesão.

Para converter as imagens capturadas pela retina em representações


que possuem lógica para o homem, os sentidos perceptivos entram
em ação. Eles permitem que um objeto seja eleito como foco do
processamento, em detrimento de outros, e por meio de mecanismos
inatos realizam a interpretação dos objetos.

O princípio da constância garante que objetos já conhecidos pelas


pessoas sejam vistos de diferentes distâncias, ângulos e iluminações,
mantendo as características da imagem registrada previamente. Um
exemplo desse princípio é a visão de uma xícara em um ambiente
escuro. O sujeito a reconhecerá como uma xícara, mesmo não a vendo
com a mesma nitidez que em situações anteriores.

Outro padrão relevante é o do agrupamento, que envolve a capacidade


de agrupar imagens com as mesmas propriedades e tratá-las como uma
unidade. Uma revoada de pássaros é vista como um único elemento, em
vez de diversos pássaros isolados voando no mesmo local. Esse exemplo
contém ainda outro princípio, a similaridade, que prevê que elementos
com a mesma forma, cor e textura, ou que se movem na mesma direção,
são vistos como agrupamentos.

Propriedades como simetria, proximidade, continuidade e fechamento


também geram a percepção de diversos itens como um todo. Na
simetria, formas equilibradas e regulares se unem e são vistas como o
mesmo objeto. Na proximidade, elementos próximos formam um único
10

elemento. Na continuidade, traçados próximos ou na mesma direção


são conectados. No fechamento, estímulos incompletos são preenchidos
e vistos como inteiros.

A percepção das cores também é um elemento muito importante


para a compreensão das imagens. A sensação de cor é obtida pelo
comprimento e pela frequência das ondas luminosas. Todas as cores
vistas pelo homem podem ser classificadas quanto a três propriedades:
1) tonalidade (refere-se ao resultado do comprimento da onda luminosa,
ou seja, a cor. Azul, verde, amarelo e vermelho são consideradas
tonalidades básicas); 2) saturação (produto da junção entre a tonalidade
e a luz, responsáveis pela percepção de cores pálidas ou vibrantes); 3)
brilho (intensidade das ondas luminosas. Um alto nível de luz refletida
está associado a um alto brilho).

Além dos princípios discutidos até o momento, para que os sujeitos


possam localizar-se adequadamente, também precisam compreender
as imagens em um plano tridimensional. Para isso, necessitam
de indicadores que tornem possível a noção de profundidade. Os
indicadores de profundidade binoculares são caracterizados pela união
das imagens ligeiramente diferentes, captadas pelos olhos esquerdo e
direito, para que se tornem uma única representação tridimensional.
Por outro lado, também, podem facilitar a percepção da profundidade
através da convergência, em que ambos os olhos fixam o mesmo
ponto, voltando-se um em direção ao outro e causando um feedback
cinestésico, que estima a distância do objeto. O movimento também é
um indicador importante de profundidade monocular.

Sempre que nos movimentamos, os objetos mais próximos parecem


passar com mais velocidade que os distantes. Tanto os objetos mais
próximos com os distantes parecem mover-se na direção oposta àquela
para qual estamos nos dirigindo. A paralaxe do movimento torna-se mais
vívida quando andamos de carro em uma rodovia. As cercas e postes
11

que ladeiam a rodovia parecem passar voando, enquanto aqueles mais


distantes passam lentamente. (DAVIDOFF, 2001, p. 176)

Os indicadores de profundidade monoculares fazem a acomodação


dos músculos dos olhos para focalizar objetos próximos e distantes,
produzindo a noção de percepção em imagens bidimensionais. Para
que isso aconteça, são utilizados alguns fatores, como tamanho familiar
do objeto, perspectiva linear, caracterização da luz, sombra e textura,
perspectivas aéreas e interposição de imagens. Os indicadores pictóricos
são aprendidos, pois os indivíduos comparam as imagens da retina às
memórias de outras experiências, que permitem extrair relações dos
objetos no espaço.

Assim, as percepções do ser humano são influenciadas pelas emoções


e expectativas. Alguns interesses e motivações podem se sobrepor
à percepção fornecida pelos órgãos dos sentidos, quando estão
profundamente arraigados em experiências anteriores.

3. Funções visuoespaciais

As funções visuoespaciais estão envolvidas na maioria das atividades


cotidianas. Elas mantêm o ser humano em contato com o ambiente ao
seu redor, permitem a compreensão e a manipulação dos estímulos
visuais, bem como possibilitam escolher e avaliar os comportamentos a
serem emitidos diante de determinada situação.

Além disso, são responsáveis pela identificação do estímulo e de sua


localização. Um exemplo é a utilização da capacidade visuoespacialpara
imaginar um lugar ou um endereço sobre qual se ouviu falar. Também,é
acionada quando há a necessidade de girar objetos mentalmente, para
saber, antes de uma ação ser praticada, de que maneira ficariam.
12

Salimi e colaboradores (2018, p. 67) descrevem: “A função visuoespacial


é a habilidade de especificar as partes e a configuração geral de uma
percepção, apreciar sua posição no espaço, integrar uma estrutura
espacial coerente e realizar operações mentais em conceitos espaciais”.

Para que esse processamento de estímulos aconteça, é necessário


que haja a seleção das informações que serão processadas, visto
que os indivíduos estão expostos a diversas informações no campo
visuoespacial. Essa escolha é realizada através dos processos
atencionais: bottom-up ou ascendente e top-down ou descendente.

O bottom-up é o mecanismo automático responsável pela atenção


aos estímulos instintivos e involuntários. São partes integrantes
desse processamento estruturas como o tronco cerebral, a junção
temporoparietal e o córtex frontal. Considerada uma rede que atua “de
baixo para cima”, depende do estado de alerta ou vigília (PETERSEN;
POSNER, 2012).

O processamento top-down permite direcionar a atenção de acordo


com as escolhas do indivíduo e suprimir alguns estímulos para manter
a concentração em outros que são relevantes para determinada
situação. Um exemplo desse processamento é a capacidade de ler um
livro enquanto, no mesmo ambiente, uma música é reproduzida. Esse
processamento utiliza estruturas frontais, o sulco intraparietal e o lobo
parietal superior. A atenção top-down requer amadurecimento cerebral e
pode ser estimulada e treinada durante a vida (GILBERT; LI, 2013).

Além da identificação e interpretação dos estímulos, as habilidades


visuoespaciais estão relacionadas à retenção e à manipulação de
representações mentais. Assim, são partes integrantes do sistema de
memória operacional, que consiste na capacidade de apreender as
informações por um breve período, para posterior processamento da
memória e formulação de resposta.
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O modelo de Baddeley (2012) propôs que esse tipo de memória abarca


o componente executivo central (diretor dos recursos atencionais), a alça
fonológica (responsável por reter o conteúdo verbal e importante para a
aquisição de palavras, coerência e compreensão de discursos), o esboço
visuoespacial (encarregado da manipulação e do armazenamento de
estímulos visuais e espaciais, imprescindível para a orientação espacial,
localização geográfica, movimentação dos olhos e representação da
página durante a leitura) e, por fim, o buffer episódico (integrador das
funções verbal e espacial, e de ambas com a memória de longo prazo).

Figura 2–Modelo de Baddeley

Fonte: elaborada pela autora.

O esboço visuoespacial também foi subdividido em dois armazenadores,


o visual cache e o innerscribe. O primeiro, visual cache, guarda os
conteúdos visuais estáticos, como formas, texturas e cores de uma cena.
O segundo, innerscribe, retém as relações espaciais da cena, fazendo
o armazenamento da sequência dos eventos no campo visual e a
associação com as informações mantidas no visual cache.

O desenvolvimento das habilidades visuoespaciais é conceituado em


três componentes: percepção visual, visuoconstrução e memória visual.
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A percepção visual é a encarregada por identificar luz, cor, contraste,


sensibilidade, orientação do estímulo e movimento.

O processamento das informações visuais no sistema visual primário


contém dois principais caminhos. A via ventral é direcionada para o
córtex temporal inferior e é responsável pelo reconhecimento visual
de objetos. Por sua vez, a via dorsal se projeta para o córtex parietal
posterior e atua no reconhecimento de espaço.

A integração progressiva dessa percepção visual envolve a entrada


dos córtices parietal, temporal e frontal. A integração progressiva
da informação visual ocorre por meio de dois fluxos principais de
processamento visual: o fluxo ventral “o quê” e o fluxo dorsal “onde”.
O fluxo ventral é responsável por (1) resolver a interferência visual; (2)
a capacidade de identificar um objeto mascarado por uma imagem
sobreposta; e (3) a capacidade de dar sentido a objetos fragmentados ou
apresentados de forma ambígua. O fluxo dorsal “onde” é responsável pela
orientação espacial e depende das regiões parietais posteriores e inferior.
(SALIMI et al., 2018, p. 67)

Estudos indicam que tarefas de identificação e de localização de objetos


ativam áreas corticais distintas, como as áreas de Brodmann, o lóbulo
parietal superior, a junção parieto-occipital e as áreas pré-motoras.
Outros levantamentos evidenciam que as duas funções (identificação
e localização de objetos) acionam circuitos neuronais diferentes, que
partem do córtex estriado e seguem para os córtices occipitotemporal e
occipitoparietal, respectivamente (STRAUSS et al., 2006).

A visuoconstrução envolve a coordenação de habilidades motoras


finas e habilidades espaciais, para criar um design ou reproduzir um
modelo. Geralmente, implica a reprodução de figuras geométricas e
analisa não apenas a aptidão do indivíduo para copiar uma figura, mas
também seu planejamento e organização. Já a memória visual consiste
em dois fatores: o reconhecimento de informações visuais e a memória
topográfica. A memória topográfica envolve a percepção e a codificação
da orientação espacial. A orientação topográfica é caracterizada
15

como egocêntrica (orientação em relação a si mesmo) ou alocêntrica


(orientação em relação a outros objetos).

Mediante essa perspectiva de noções cerebrais anatômicas e de


organização e processamento das funções visuoespaciais, é possível
compreender que a composição desses sistemas é fundamental para a
realização da maioria das atvidades humanas. Quando alguma dessas
estruturas é alterada, prejuízos importantes ocorrem na percepção
visual, visuoconstrução e memória visual.

4. Alterações nas funções visuoespaciais

Os distúrbios visuoespaciais são um conjunto de alterações associadas


às lesões cerebrais, tendo sido identificados pela primeira vez por
Quaglino e Borelli no século XIX, em um paciente que apresentava,
após um acidente cerebrovascular, hemianopsia homônima esquerda,
incapacidade de reconhecer familiares, perda da visão para cores e
dificuldade na orientação espacial.

Algumas áreas do cérebro são responsáveis pelo funcionamento


visuoespacial. No entanto, quando lesionadas, podem causar danos
significativos nessas habilidades. Lesões no córtex primário podem
provocar a chamada cegueira cortical, ou seja, incapacidade de receber
informações dos estímulos visuais. Lesões no córtex secundário podem
produzir agnosia visual, que consiste em não reconhecer objetos do
cotidiano ao vê-los, somente ao tocá-los; cegueira verbal, que diz
respeito à dificuldade de reconhecer as palavras; e alexia, que é a perda
da capacidade de compreender a linguagem escrita ou impressa.

Outras alterações podem ser encontradas no sistema visuoespacial, tais


como:
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• Prosopagnosia: condição pouco conhecida que se trata de uma


falha ou alteração do processo neural que reconhece a face ou o
rosto, mesmo de pessoas conhecidas e até mesmo de familiares.
As lesões cerebrais são as causas mais comuns para o surgimento
da prosopagnosia, que pode ser decorrente de um AVC ou trauma
no lobo occipital e temporal do hemisfério cerebral direito, local
relacionado à área da visão.

• Desorientação geográfica: déficits no senso de localização,


apesar de identificar o ambiente. Condição típica em quadros
demenciais, dificultando que o sujeito tenha uma compreensão
da sua geolocalização, mas não impedindo que aquele lugar seja
identificado e assimilado.

• Desorientação topográfica: dificuldade de se relacionar com


o espaço externo. Indivíduos com essa alteração demonstram
problemas para se locomover e saber o caminho correto, mesmo
que em ambientes familiares. Tal dificuldade pode iniciar-se em
decorrência de falhas de memória ou de agnosia topográfica.

• Apraxia construtiva: déficits na capacidade de reproduzir


imagens através de desenhos, representações gráficas ou
construções. Tais atividades requerem preservação da capacidade
visuoespacial e da motricidade. A apraxia construtiva ocorre
principalmente devido a problemas perceptuais, que podem ser
provocados em caso de lesões no hemisfério direito, no lobo
parietal, e devido a erros de execução, que podem aparecer como
consequência de alterações no hemisfério esquerdo.

• Ataxia óptica: prejuízos na integração visual e motora,


acarretando a perda do controle muscular durante os movimentos
voluntários. É um distúrbio de coordenação entre a visão e os
movimentos, em que ocorrem alterações na identificação dos
estímulos, mesmo que o indivíduo não apresente desorientação
visual, proprioceptiva, cinestésica ou deficiência motora. O
17

problema está na fixação do estímulo, apesar de a orientação ser


preservada. Envolve o córtex parietal posterior em sua parte mais
próxima ao sulco intraparietal.

• Heminegligência: ausência da capacidade de reagir a estímulos


destinados a um dos lados do corpo. Além disso, também ocorre
dificuldade para a orientação e o direcionamento do lado em
que o déficit se manifesta (direito ou esquerdo). Essa condição
acontece após uma lesão cerebral que atinge áreas responsáveis
pelos sentidos e pelos movimentos. No entanto, as alterações que
ocorrem nesses quadros podem ser diferentes, dependendo da
área lesionada, como problemas na atenção a estímulos sensoriais,
discrepância entre o planejamento das ações e a execução dos
movimentos, e prejuízos na representação mental.

• Discalculia: apresenta-se como um quadro secundário às


disfunções visuais, por meio de problemas no raciocínio lógico-
matemático e no desenvolvimento de cálculo e operações
numéricas. Definida como um transtorno de aprendizagem, pode
ser subdividida em diferentes tipos de manifestação: 1) dificuldade
na nomeação e compreensão de números, quantidades e
símbolos matemáticos que são apresentados verbalmente
(discalculia verbal);2)problemas na leitura e compreensão de
algarismos, operações e expressões matemáticas quando são
escritas (discalculia léxica);3) prejuízos para escrever números e
sinais matemáticos (discalculia gráfica);4) dificuldade para realizar
contas mentais e entender os conceitos da matemática (discalculia
ideognóstica);5) dificuldade de usar números e realizar cálculos
(discalculia operacional); 6) disfunções na associação de princípios
matemáticos abstratos a informações concretas (discalculia
practognóstica).

Mediante o exposto, verifica-se que as funções visuoespaciais são


habilidades necessárias para a realização da maioria das atividades
humanas. Conhecer os componentes da capacidade visuoespacial e suas
18

possíveis alterações permite a elaboração de programas de intervenção


e reabilitação que aumentem a capacidade visuoespacial ou minimizem
os déficits já existentes.

Referências
BADDELEY, A. D. Working Memory: theories, models and controversies.
Annual Review of Psychology, v. 63, p. 1-29, 2012. Disponível em:
https://doi.org/10.1146/annurev-psych-120710-100422. Acesso em: 10 dez. 2021.
DAVIDOFF, L. L.Introdução à Psicologia. 3.ed. São Paulo: Pearson Makron Books,
2001.
GILBERT, C. D.; LI, W. Top-downinfluenceson visual processing. NatureReviews.
Neuroscience, v. 14, n. 5, p. 350-363, 2013.Disponível em:http://doi.org/10.1038/
nrn3476.Acessoem: 10 dez. 2021.
PETERSEN, S. E.; POSNER, M. I. The attention system of the humanbrain: 20
yearsafter. AnnualReviewofNeuroscience, v. 35, p. 73-89, 2012.
SALIMI, S. et al. Can visuospatial measures improve the diagnosis of Alzheimer’s
disease? Alzheimers Dement (Amst), v.10, p. 66–74, 2018.
STRAUSS, E.; SHERMAN, E. M. S.; SPREEN, O.
ACompendiumofNeuropsychologicalTests: administration,
normsandcommentary. 3. ed. New York: Oxford University Press, 2006.
19

Conceitos e tipos de praxias


Autoria: Aline Monique Carniel
Leitura crítica: Elisangela Toth

Objetivos
• Conhecer os diferentes tipos de movimento
necessários para o desenvolvimento e a
sobrevivência humana.

• Identificar as áreas cerebrais envolvidas no


gerenciamento dos movimentos e compreender o
funcionamento do córtex motor.

• Reconhecer possíveis alterações na execução dos


movimentos e distinguir os diferentes tipos de
apraxias que podem acometer indivíduos com tais
alterações.
20

1. Vida e movimento

Os movimentos fazem parte da vida humana desde seus estágios iniciais


e caracterizamos marcos do neurodesenvolvimento. Para compreender
se um bebê está adquirindo as habilidades esperadas para a sua idade,
avalia-se com quanto tempo ele se sentou, engatinhou, andou, falou,
atingiu o controle dos esfíncteres, aprendeu a escrever e a amarrar os
cadarços, entre outros.

Durante toda a vida, o homem está em constante movimento. Ele


desloca-se de um lugar para o outro, muda sua postura, veste-
se, alimenta-se e realiza diversas atividades necessárias para sua
sobrevivência. Uma pessoa que perde a capacidade de movimentação
requer cuidados específicos, como o uso de dispositivos, recursos e
cuidadores que possibilitem a realização dessas atividades.

A prontidão para efetuar um movimento é chamada de praxia, que


abrange tanto a capacidade para a execução dos movimentos quanto
o conhecimento das ações a serem realizadas e da aplicabilidade
dos objetos. Um exemplo de praxia é a capacidade de alimentar-se
utilizando talheres, pois é necessário que haja a capacidade motora
preservada e o entendimento da utilidade dos talheres e dos atos
necessários para manuseá-los. Assim, a praxia define todos os gestos
realizados que encerram uma finalidade (FLUENTES et al., 2014).

Existem diversas classificações para os movimentos humanos, de


modo que eles podem ser subdivididos em: repostas reflexas, padrões
motores rítmicos e movimentos voluntários. As repostas reflexas são
movimentos involuntários diante de um estímulo, como a diminuição
da pupila de frente para aluz, o reflexo da patela após a estimulação do
joelho ou a retirada imediata da mão de um objeto que está quente.
Já os padrões motores rítmicos determinam o começo e o fim de uma
21

sucessão de movimentos, que depois de estabelecidos continuarão a ser


realizados de forma automática, como comer e andar.

Os movimentos voluntários são distintos por serem executados


mediante um objetivo. Eles podem ser eliciados por estímulos externos
ou pela motivação do indivíduo, têm um propósito estabelecido e são
aprendidos durante a vida. Por exemplo: ler, tocar um instrumento
musical ou digitar no computador.

2. O córtex motor

O córtex motor gerencia todos os padrões de movimentos. Como é


possível observar na Figura 1, ele está situado principalmente no lobo
frontal, na frente do sulco central, e integra diversas áreas cerebrais
para possibilitar a realização dos movimentos.

Figura 1 – Córtex motor

Fonte: medicalstocks/iStock.com.
22

O córtex motor é subdividido em diversas áreas: córtex motor primário,


área motora suplementar, áreas pré-motoras, área de Broca e córtex
parietal posterior.

Nos últimos estágios de desenvolvimento, nos primatas e, em particular,


no homem, ocorreu uma diferenciação, e as duas partes do sistema
funcionalmente único, uma para a preparação de movimentos e outra para
levá-los a cabo, tornaram-se claramente separadas. As zonas posteriores
do córtex sensitivo-motor, que fornecem a base cinestésica do movimento,
se viram segregadas na região pós-central, mantendo as suas funções
aferentes e formando uma parte da segunda unidade cerebral, enquanto
as zonas anteriores, que incluem as áreas motoras e pré-motoras,
assumiram uma responsabilidade especial na organização eferente do
movimento, e constituem uma parte da terceira unidade cerebral. (LURIA,
1981, p.144)

O córtex motor primário pode ser considerado como o comandante dos


movimentos, isso porque origina os impulsos elétricos que atuam como
mensageiros elevam para os músculos as ordens para a produção das
ações voluntárias. A área motora suplementar funciona como o maestro
dos movimentos, pois cria e organiza as sequências das ações a serem
executadas.

Enquanto isso, as áreas pré-motoras são as guardiãs das memórias


dos movimentos já executados durante a vida. Auxiliam o córtex motor
primário na coordenação das ações e estão relacionadas como alguns
movimentos necessários para a fala. Considerando a linguagem oral,
ressalta-se a área de Broca como a principal encarregada da geração dos
movimentos necessários para a fala.

Outra área muito importante para a execução dos movimentos é o


córtex parietal posterior. No entanto, ele nem sempre é considerado
como uma área motora, devido ao fato de funcionar como um
intermediário entre os estímulos visuais e os estímulos motores. Por
23

isso, também pode ser considerado como parte integrante do sistema


sensorial.

No que diz respeito à estruturação dessas regiões, as áreas corticais pós-


centrais são responsáveis pela coordenação aferente dos movimentos.
Na porção primária dessa região, estão os acessos que geram os
impulsos elétricos para os membros superiores e inferiores e para o
rosto (incluindo os lábios e a língua). Lesões nesse local podem provocar
diminuição ou perda da sensibilidade dos membros coordenados por
essa porção do cérebro.

Tais alterações podem ocasionar um quadro nomeado de paresia


aferente, no qual os impulsos motores não chegam aos músculos
adequados, por isso o controle dos membros é atingido e o indivíduo
perde a capacidade de realizar as ações voluntárias, mesmo não
sofrendo declínio da força muscular.

Na porção secundária da região pós-central, estão os neurônios que


processam informações especializadas e generalizadas a todo o corpo.
Lesões nesse local podem ocasionar problemas na percepção dos
movimentos corporais e déficits na sensibilidade do tato.

Outra circunstância provocada por lesões nessa área é a apraxia


aferente, em que perturbações nos estímulos aferentes interferem
diretamente na organização do movimento. Por esse motivo, as mãos
não recebem os impulsos para executar movimentos especializados.
Pessoas com esse comprometimento fazem gestos similares para
segurar uma caneta ou para transportar uma mesa, por exemplo.

Ainda, lesões nas áreas inferiores dessa região podem atingir o domínio
dos movimentos necessários para a fala, causando a afasia motora
aferente. Sujeitos com esse tipo de afasia não conseguem posicionar
corretamente a língua e os lábios, a fim de obterem os sons necessários
24

para a comunicação. Comprometimentos na escrita, como trocas de


palavras por outras com sons semelhantes, também são notados nesse
tipo de afasia.

Enquanto as áreas pós-centrais gerenciam os impulsos aferentes, as


regiões pré-motoras ocupam-se da união dos estímulos eferentes. Dessa
forma, cuidam da ordenação das informações motoras individuais, para
que sejam integradas em uma sequência.

Lesões nesse local não acarretam danos no desejo de executar as


ações, prejuízo no plano de realização dos movimentos ou paralisia
dos membros, mas sim a desregulação dos gestos realizados com uma
finalidade específica, como a perda da precisão para escrever, digitar ou
tocar um instrumento musical.

Se a lesão na área pré-motora estiver localizada em estruturas


profundas do córtex motor, o sinal observado será a dificuldade de
finalização dos movimentos. Pessoas com esse tipo de disfunção podem
iniciar facilmente um movimento; no entanto, têm dificuldade para
discernir o momento certo de interromper a ação.

Lesões inferiores da área pré-motora geram a chamada afasia motora


eferente, marcada pelos déficits na articulação de palavras compostas
ou de uma sequência de palavras. Nesse tipo de afasia, o paciente é
capaz de pronunciar sons isolados, mas quando é solicitada a junção
de tais sons, ele manifesta dificuldades. A Tabela 1 apresenta de forma
sucinta os possíveis transtornos relacionados às áreas pós-centrais e
pré-motoras.
25

Tabela 1 – Lesões no córtex motor

Localização Região Alteração Características

Áreas pós- Zonas Paresia aferente


Os impulsos motores não
centrais primárias
chegam aos músculos
adequados, por isso o
controle dos membros é
atingido e o indivíduo perde
a capacidade de realizar as
ações voluntárias, mesmo
sem declínio da força
muscular.

Zonas Amorfossíntese
Déficits na habilidade de
secundárias
integrar percepções táteis
e cinestésicas, gerando
inaptidão para identificar
objetos pelo tato.

Apraxia aferente
As mãos não recebem os
impulsos para executar
movimentos especializados.
Nesse quadro, as pessoas
fazem gestos similares para
segurar uma caneta ou para
transportar uma mesa.

Zonas Afasia motora Inabilidade para posicionar


inferiores aferente corretamente a língua e
os lábios, a fim de obter
os sons necessários
para a comunicação.
Comprometimentos na
escrita, como trocas de
palavras por outras com
sons semelhantes.
26

Áreas pré- Estruturas Perseverança


motoras subcorticais motora elementar Dificuldade para a
finalização dos movimentos.
Pessoas com esse tipo de
disfunção podem iniciar um
movimento, mas possuem
dificuldade para discernir
quando interromper a ação.

Zonas Afasia motora Déficits na articulação de


inferiores eferente palavras compostas ou de
uma sequência de palavras.
O paciente é capaz de
pronunciar sons isolados,
mas quando é solicitada
a junção de tais sons
ele tem dificuldades. Há
prejuízos na escrita quanto
à transição de uma palavra
para a outra.

Fonte: elaborada pela autora.

3. Apraxia: conceitos e classificações

A apraxia pode ser definida como um distúrbio que gera prejuízos


na realização de atividades motoras orientadas para uma finalidade,
limitando a prontidão para a execução das ações mesmo que o indivíduo
mantenha as áreas sensoriais, a aptidão física, a compreensão das ações
e a motivação para realizá-las preservadas (PARK, 2017).

Ela pode causar déficits na efetivação dos movimentos com uso


de objetos (por exemplo, escovar os dentes e utilizar talheres) e na
realização de atividades motoras familiares (por exemplo, fazer sinal de
positivo).
27

Para que o homem execute um movimento, é necessário que ele possua


primeiramente a imagem desse ato em sua mente, para que depois
consiga projetar uma sequência de ações a serem realizadas para tal
objetivo. Esse processo é chamado de estratégia ideatória.

Após conceber em sua mente esse planejamento, é necessário que o


cérebro propague para as áreas motoras as informações programadas,
a fim de que a estratégia ideatória seja realizada através da execução
dos movimentos.

Gil (2002) descreveu que as alterações no processo ideatório são a


causa da apraxia ideatória, enquanto distúrbios na transferência do
planejamento ideatório para as estruturas motoras explicam a apraxia
motora, como apresentado na Figura 2.

Figura 2 – Principais formas de apraxia

Fonte: adaptada de Gil (2002).


28

Heilman (1976) e colaboradores postularam que as representações


motoras podem ser chamadas de praxicons. Para ele, essas
representações ficam guardadas no lobo parietal e são processadas
pela área motora suplementar e pelo córtex motor. Assim, as
áreas responsáveis pelo reconhecimento dos movimentos seriam
consideradas como os praxicons de entrada, e as responsáveis pela
realização dos movimentos, como os praxicons de saída.

A Figura 3 demonstra como ocorre a entrada das informações e as


associações necessárias para a produção dos movimentos.

Figura 3 – Produção dos movimentos, de acordo com


Heilman e colaboradores (1976)

Fonte: adaptada de Gil (2002).

Existem diversas classificações para as apraxias, e essas divisões são


estabelecidas de acordo com as capacidades afetadas.

A apraxia ideatória é definida pela inabilidade na execução das tarefas


complexas, como o manuseio de objetos. Está ligada a perturbações
29

temporoparietais e pode ser vista através da sequência de atos


desorganizados diante de um objeto. Deve-se atentar para a diferença
entre a dificuldade de reconhecimento visual e tátil e os prejuízos na
manipulação dos itens.

Nesse tipo de apraxia, apesar de o objeto ser conhecido, o indivíduo não


consegue manipulá-lo, e por isso tenta manuseá-lo de todas as formas
possíveis. Essas tentativas envolvem alguns erros, como: 1) incapacidade
de reconhecimento da função do utensílio, como segurar um pente e
fazer o movimento utilizado para escovar os dentes; 2) dificuldade de
integração das ferramentas com os objetos, como tentar utilizar uma pá
para cortar um bloco; 3) desconhecimento mecânico dos objetos, como
problemas para escolher, entre vários tipos de escova, a mais adequada
para escovar os dentes; 4) déficits no conhecimento sobre a produção
de ferramentas.

Por outro lado, a apraxia reflexiva diz respeito aos prejuízos na


efetivação de ações desconhecidas, acarretando dificuldades para
aprender e repetir novos gestos abstratos.

A apraxia do vestir é um tipo especial de apraxia reflexiva, em que “o


corpo é o objeto”. Nessa forma de apraxia, acontecem erros na atividade
de colocar roupas de forma adequada. Pessoas com essa alteração
confundem a utilidade das peças, podendo vestir uma meia nos braços,
ou trocam a sequência correta das peças, vestindo roupas íntimas sobre
as calças, por exemplo.

Problemas para efetuar gestos direcionados por um pedido ou uma


orientação são classificados como apraxia ideomotora. Pessoas que
possuem esse acometimento conhecem a ação solicitada, entretanto
não conseguem fazê-la de forma motora. Essas perturbações estão
relacionadas especialmente a danos no córtex parietal.
30

A inabilidade nesse tipo de apraxia encontra-se na realização de ações


que não estão automatizadas. Por isso, ela dificilmente é observada
no cotidiano, evidenciando a importância da avaliação clínica para a
detecção desse comprometimento.

A apraxia ideomotora pode ser unilateral ou acometer mais de um


local. Nas manifestações unilaterais, evidencia-se o distanciamento ou a
intensificação da atração do membro em direção ao objeto. Nos casos
bilaterais, se sobressai a dificuldade para copiar os movimentos e sua
sequência.

As apraxias motoras podem ser diferenciadas em melocinética e


cinestésica. Essa distinção ocorre devido ao fato de que na apraxia
ideomotora os movimentos automáticos são mantidos, na apraxia
melocinética ocorre a preservação somente de gestos isolados e na
apraxia cinestésica há a perda de controle durante a realização da ação.

Os impactos observados como consequência da apraxia melocinética


atingem principalmente a coordenação motora fina, seja para
movimentos voluntários ou involuntários. Indivíduos com tal
comprometimento encontram problemas para a realização de
sequências de gestos finos, como abrir e fechar as mãos diversas vezes,
unir dedos da mesma mão ou dedilhar.

Nesses quadros, quando ocorrem tentativas para a execução


dos movimentos, notam-se reproduções sem ritmo ou destreza,
rapidamente interrompidas. Assim, é comum que a sucessão de gestos
seja substituída por repetições do mesmo gesto por um único membro
(por exemplo, uma pessoa com dificuldade para abrir e fechar todos os
dedos de uma mão pode fazer o movimento de abrir e fechar somente
um único dedo). Essa apraxia pode ser caracterizada por alterações nos
padrões dinâmicos das ações e lesões na área pré-motora, impedindo a
efetivação dos atos motores finos.
31

Por sua vez, a apraxia cinestésica está associada a lesões na área


sensório-motora do córtex pós-central, gerando déficits na captação de
impulsos aferentes (recepção de informações das áreas sensoriais) e na
efetivação dos movimentos (quando os impulsos eferentes não possuem
as informações do ambiente, reproduzem movimentos descontrolados).

Dessa forma, a apraxia cinestésica ocasiona alterações na habilidade de


reproduzir gestos necessários para o uso de um objeto ou para colocar
as mãos em determinada posição. As imitações também podem ser
realizadas de forma incorreta quando as lesões alcançam o controle
visual, diminuindo a sensibilidade cinético-postural.

As alterações na organização dos estímulos, para reproduzir uma


imagem e fazer desenhos em mais de uma dimensão, são chamadas de
apraxia visuoconstrutiva, e estão associadas a lesões no córtex parietal.
Essa competência implica unir informações e planos no espaço, através
de habilidades perceptivas, visuais e espaciais, para organizar um
projeto e reproduzi-lo de forma motora (GAINOTTI; TROJANO, 2018).

Já a apraxia facial consiste em uma disfunção na movimentação de


órgãos e músculos do rosto de maneira voluntária, sendo preservados
os movimentos automáticos. Outro tipo de apraxia observada no
cotidiano é a apraxia de marcha, em que ocorre a incapacidade de
efetuação dos passos, mesmo que o indivíduo não apresente nenhum
tipo de paralisia do membro.

Alguns tipos de apraxia podem interferir diretamente na realização


de atividades de vida diária, causando transtornos e impactando a
funcionalidade e a qualidade de vida dos sujeitos. Por isso, é de suma
importância que essas alterações sejam conhecidas pelos profissionais
da neuropsicologia, para que a partir da avaliação da extensão dessas
dificuldades sejam implementadas intervenções que minimizem os
impactos provocados por elas.
32

Referências
ANDRADE, T. S. S. Análise de execução de movimentos em indivíduos
diagnosticados com doença Alzheimer nafaseinicial. 2020. 63 f.
Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica e da Saúde)–Instituto
Universitário da Maia, Portugal, 2020.
FLUENTES, D. et al. Neuropsicologia: teoria e prática. 2.ed. Porto Alegre: Artmed,
2014.
GAINOTTI, G.; TROJANO, L. Chapter 16–Constructional apraxia. Handbook of
Clinical Neurology, v. 151, p.331-348, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1016/
B978-0-444-63622-5.00016-4. Acesso em: 14 dez. 2021.
GIL, R. Neuropsicologia. 2.ed. São Paulo: Livraria Santos Editora, 2002.
HEILMAN, K. M.; VOELLER, K.; ALEXANDER, A. W. Developmental dyslexia: a motor-
articulatory feedback hypothesis. Ann Neurol., v. 39, n. 3, p. 407-412, 1996.
LURIA, A. R. Fundamentos de Neuropsicologia. Rio de Janeiro: Editora da
Universidade de São Paulo, 1981. 346 p.
PARK, J. E. Apraxia: Review and Update. Journal of Clinical Neurology, v. 13, n. 4, p.
317-324, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.3988/jcn.2017.13.4.317. Acesso em:
14 dez. 2021.
33

Conceitos e tipos de gnosias


Autoria: Aline Monique Carniel
Leitura crítica: Elisangela Toth

Objetivos
• Conhecer as gnosias e as vias cerebrais responsáveis
pelo processo de reconhecimento dos estímulos.

• Identificar os tipos de agnosias e os


comprometimentos cerebrais envolvidos na gênese
de cada uma das alterações.

• Compreender alguns dos recursos utilizados para a


reabilitação das gnosias.
34

1. Gnosias e estruturas cerebrais

A gnosia é a habilidade humana responsável pelo reconhecimento


dos estímulos contidos no ambiente. Assim como outras capacidades
humanas, depende do funcionamento adequado das estruturas
cerebrais para que ocorra sem alterações.

Os locais do cérebro responsáveis pela gnosia são chamados de


áreas de associação, que podem ser divididas em áreas de associação
unimodais e áreas de associação supramodais. As regiões unimodais
estão relacionadas à captação sensorial e transmitem as informações
para as áreas supramodais, a fim de que seja realizada a integração dos
estímulos.

Nas regiões responsáveis pela apreensão das informações sensoriais


encontram-se as áreas unimodais, como a área de associação visual, a
qual é dividida em duas vias: a dorsal, que analisa onde a informação
visual se encontra, e a ventral, que decifra as características da
informação, como cores, formas e tamanhos. Lesões nessa região
podem causar vários tipos de agnosias visuais, em que os itens são
visualizados, mas não identificados pelo indivíduo (FLUENTES et al.,
2014).

A área de associação auditiva também é classificada em duas vias: a via


ventral, responsável pela distinção dos sons e das vozes, e a via dorsal,
encarregada da localização e interpretação do conteúdo dos sons.
Alterações na área auditiva secundária podem levar à agnosia auditiva,
marcada pela dificuldade em reconhecer os sons, sua sequência ou
timbre.

Já a área de associação somatossensorial tem a função de localizar,


explorar e manipular os estímulos de forma tátil, além de guardar as
memórias táteis. Lesões nesse local podem resultar em agnosias táteis,
em que os estímulos não são diferenciados a partir do toque.
35

Após passarem pelas regiões unimodais, as informações sensoriais são


direcionadas para as áreas de associação supramodais, participantes
da integração dos estímulos que possibilitam o reconhecimento do
ambiente.

A área de associação supramodal temporoparietal está envolvida com


habilidades como a praxia, o planejamento e a atenção espacial. A
região temporoparietal direita é encarregada do processo atencional,
enquanto a região temporoparietal esquerda é responsável pelas
gnosias. Alterações nessa região podem gerar agnosia digital, bem como
confusão no esquema corporal e espacial direito-esquerdo (LURIA,
1981).

Conforme observado na descrição das estruturas cerebrais, lesões


em qualquer uma dessas regiões, como traumas no crânio, tumores,
doenças neurodegenerativas ou acidentes vasculares cerebrais, podem
levar a quadros de agnosia.

As gnosias referem-se à capacidade de integração das impressões


sensoriais em informações com significado. As modalidades sensoriais
que possibilitam a percepção dos estímulos são: auditiva, visual, tátil e
sinestésica. Suas alterações são conhecidas como agnosias, caracterizadas
como falha no reconhecimento de estímulos. (CAIXETA; TEIXEIRA, 2014,
p.102)

As agnosias ainda são pouco conhecidas pela população geral. Apesar


de provocar alterações na funcionalidade dos indivíduos, assim como
doenças que comprometem a visão, a audição, o tato e o paladar, esse
transtorno diferencia-se dos demais, pois não impacta diretamente
as estruturas sensoriais, mas sim áreas do cérebro responsáveis por
conservar as características dos objetos (forma, cor, tamanho, superfície,
textura, gosto e cheiro, por exemplo).

Identificar os locais em que se encontram tais alterações é


imprescindível para determinar quais sentidos serão influenciados. Na
36

maioria dos quadros de agnosia, nota-se prejuízo em um dos sentidos,


seja em todo o seu processamento ou em particularidades dessa
elaboração.

2. Agnosias: conceitos e classificações

No diagnóstico de quadros de agnosia, é imprescindível que ocorra


uma avaliação das estruturas sensoriais para que sejam identificadas
possíveis alterações. Quando não são encontradas disfunções nos
órgãos dos sentidos que expliquem a dificuldade de reconhecimento
dos objetos, as habilidades de gnosia devem ser avaliadas. Antes
do diagnóstico de uma agnosia visual, por exemplo, é necessária a
realização de exames da acuidade visual do paciente, para eliminar
outras etiologias relacionadas às atividades apresentadas.

As agnosias visuais dizem respeito a problemas para identificar figuras,


objetos, cores e faces somente com o auxílio da visão. Pessoas com esse
comprometimento necessitam do auxílio de outros caminhos sensoriais
para efetuar o reconhecimento dos estímulos (FLUENTES et al., 2014).

Um sujeito que possui uma agnosia visual, ao ver um prato,


provavelmente não o identificará como um objeto em que é possível
colocar alimentos, mas ao tocá-lo conseguirá identificar e atribuir função
a esse objeto. Essa alteração pode afetar os dois hemisférios ou estar
presente em apenas um hemisfério cerebral, e nesse caso recebe o
nome de hemiagnosia.

As agnosias visuais ainda podem ser divididas em agnosias aperceptivas


e associativas. Nas agnosias visuais aperceptivas, o indivíduo não tem
37

uma estruturação da percepção visual. Assim, ele sabe que está diante
de um objeto, tem consciência de sua dificuldade em nomeá-lo, porém
não consegue classificar, reproduzir ou manusear o estímulo que está
diante dele.

Um tipo de agnosia aperceptiva é a simultagnosia. Caracterizada


pela dificuldade de reconhecer as figuras como um todo, permite
compreender somente partes isoladas ou um objeto por vez. A Figura 1
demonstra como ocorre a representação visual dos objetos e como esse
processo está relacionado às agnosias visuais.

Figura 1 – Representação visual e tipos de agnosias visuais

Fonte: adaptada de Gil (2002).

Nas agnosias visuais associativas, os sujeitos não podem diferenciar os


objetos; no entanto, conseguem reproduzi-los e utilizá-los. Podem ser
atingidas todas as modalidades visuais ou somente algumas classes
38

de estímulos (preservação do reconhecimento de seres humanos,


comprometimento do reconhecimento de objetos).

Essa classe de agnosias também está dividida em outros dois


subtipos: agnosia visual stricto sensu e agnosia visual multimodal. A
agnosia associativa stricto sensu diz respeito aos erros morfológicos
na classificação das imagens. Nela, a identificação tátil dos objetos
permanece, mas a distinção das imagens é prejudicada.

Na agnosia associativa multimodal predominam os erros de nomeação


semânticos e perseverativos. Mesmo os instrumentos comumente
utilizados pelas pessoas não são reconhecidos, porém mantém-se a
capacidade de acesso a sua forma. Os comprometimentos nesses casos
podem não estar somente no âmbito visual; assim, o tato, a audição e o
sistema semântico também podem ser impactados.

Na afasia óptica, os indivíduos reconhecem os objetos e as imagens,


porém não conseguem nomeá-los. Em suas tentativas, utilizam
definições próximas ao nome correto dos itens, demonstrando prejuízos
semânticos, e não visuais.

Não se trata de uma anomia afásica porque o objeto é bem denominado


se ele puder ser apresentado por outro canal sensorial, por exemplo táctil
ou auditivo, e não se trata de uma agnosia, pois o objeto é reconhecido.
[...] A afasia óptica foi considerada como uma agnosia visual associativa
tosca: a mímica do uso de um objeto não prova que o objeto tenha
sido corretamente identificado ou que o sujeito tenha tido acesso à
identificação de todos os seus atributos semânticos. A mímica do uso de
um objeto poderia ser diretamente ativada pela identificação da forma do
objeto. (GIL, 2002, p. 108)

Por isso, o conhecimento dos transtornos nas etapas associativas visuais


e verbais e a qualidade da identificação visual, verificada durante testes
cognitivos, possibilitam classificar a afasia óptica independentemente
39

das agnosias associativas. A afasia óptica está relacionada a alterações


na integração semântica dos estímulos visuais, verbais e táteis.

A Tabela 1 apresenta a diferenciação entre os possíveis tipos de agnosia


visual e a afasia óptica. A descrição de cada um dos casos contém os
principais erros observados, as habilidades alteradas e a localização das
lesões cerebrais.

Outras agnosias que afetam um aspecto da visão são a acromatopsia e


a prosopagnosia. A acromatopsia refere-se a déficits da percepção das
cores e impacta tarefas diárias que requerem a evocação dos estímulos
relacionados a cores (por exemplo, lembrar-se de frutas que sejam da
cor amarela) (CAIXETA; TEIXEIRA, 2014).

Tabela 1 – Características distintivas das agnosias


visuais e da afasia óptica

Agnosia Agnosia
Agnosia
associativa associativa Afasia óptica
aperceptiva
stricto sensu multimodal

Erros Erros
Erros
Denominação - semânticos e semânticos e
morfológicos
perseverativos perseverativos

Definição pelo uso


- - - +
(mímica)

Emparelhamento
(objetos de forma
- -/+ + +
igual, objeto e
figura)

Classificação
categorial e - - - +
funcional
40

Desenho
- + -/+ +
(solicitado)

Desenho (cópia) - -/+ + +

Agnosia tátil
Agnosia
auditiva
Prosopagnosia
Anomia
Alexia Anomia
Prosopagnosia das cores
Agnosia das das cores
Sinais associados Anomia das
cores Anomia das
Alexia fisionomias
fisionomias
Dano da
Alexia
memória
verbal
semântica

Infarto
cerebral
Difuso Infarto cerebral
posterior
Dano bilateral posterior
esquerdo,
Locais lesionados Dano bilateral do lobo lingual esquerdo ou do
lesões do
do lobo lingual fusiforme lobo occipital
lobo lingual
fusiforme esquerdo
e fusiforme
esquerdo

Fonte: adaptada de Gil (2002).

A prosopagnosia refere-se à inabilidade de distinguir fisionomias


familiares, seja de parentes, amigos, conhecidos ou personalidades
famosas. Nesses casos, o paciente faz a distinção por meio de outras
características pessoais, como roupas, timbre da voz ou forma de andar.

Essa disfunção frequentemente é consequência de lesões nas regiões


occipitais e temporais inferiores. Indivíduos com prosopagnosia podem
41

descrever traços faciais de forma correta, todavia não conseguem dizer


a qual pessoa esses traços pertencem.

Figura 3 – Modelo cognitivo de reconhecimento de rostos, segundo


Bruce, Hodges e Ypung (GIL, 2002)

Fonte: adaptada de Gil (2002).

Além das capacidades visuais, as agnosias podem afetar a percepção


espacial. A agnosia topográfica é marcada pela desorientação
do indivíduo no espaço, mesmo que ele esteja em um ambiente
previamente conhecido. A agnosia espacial unilateral também está
relacionada à localização espacial, mas nesse caso acomete a capacidade
de identificar os dois hemisférios (direito e esquerdo), seja no corpo ou
no espaço.

Considerando os impactos no esquema corporal, a autotopoagnosia


configura-se pela dificuldade de especificar as partes do próprio
corpo, mesmo em frente deum espelho. Em contrapartida, a
heterotopoagnosia é marcada pela inabilidade de relatar as partes
do corpo de outra pessoa. A anosognosia diz respeito à habilidade de
42

reconhecer as próprias limitações. Assim, em quadros de anosognosia,


o paciente não admite os déficits proeminentes, mesmo que lhe sejam
evidenciados (CAIXETA; TEIXEIRA, 2014).

Na agnosia somatossensorial, é o reconhecimento dos utensílios através


do tato que é afetado. Pessoas que possuem esse tipo de agnosia
não conseguem saber o que estão tocando até poderem avaliar o
objeto por meio de outros sentidos. Quando seguram um talher, por
exemplo, não conseguem identificar que se trata de um objeto para
realizar as refeições, mas ao ver o que estão segurando, compreendem
corretamente qual utensílio têm em mãos.

A aptidão para distinguir o paladar também pode ser alterada na


agnosia gustativa. Nesses quadros, os sabores são sentidos, contudo
não são diferenciados. Um indivíduo com essa alteração pode provar um
abacaxi que esteja ácido, porém tal característica não é atribuída a essa
sensação.

Na agnosia olfativa, os cheiros que são captados pelo olfato não são
diferenciados. Por isso, o paciente pode sentir o cheiro de uma pizza,
mas não conseguirá atribuir esse aroma a um item.

Por sua vez, as agnosias auditivas refletem a perda da capacidade


de distinção dos sons. Podem ser especificadas em agnosia auditiva
aperceptiva e associativa. Na agnosia auditiva aperceptiva encontram-
se problemas no sequenciamento de sons semelhantes, como notas
musicais e barulhos da sirene de uma ambulância, por exemplo. Na
agnosia auditiva associativa notam-se déficits para associar os sons que
são produzidos. Os ruídos podem ser ouvidos, entretanto não é possível
identificar que se trata do toque de um celular, por exemplo.

As agnosias musicais contemplam a inaptidão para o reconhecimento


de melodias. Assim, todas as características que compõem uma música,
43

como tom, ritmo, timbre, tempo e intensidade, não são diferenciadas. Já


as agnosias paralinguísticas afetam a capacidade de identificar o autor
de uma fala e sua entonação emocional durante a comunicação (GIL,
2002).

3. Estratégias para a reabilitação das gnosias

As alterações na capacidade de gnosia causam prejuízos diretos na


realização das atividades diárias. Atualmente, sabe-se que não existem
medicações, procedimentos ou intervenções que possam “curar” a
doença. No entanto, a reabilitação cognitiva representa uma estratégia
importante para o desenvolvimento de habilidades que auxiliem o
indivíduo a compensar tais déficits.

Ao estarmos seguros de que o paciente não possui dificuldades para


localizar objetos ou imagens no espaço, que justificariam a falta de
resposta diante das solicitações de reconhecimento, algumas atividades
deverão ser propostas. (CAIXETA; TEIXEIRA, 2014, p.328)

Para favorecer o reconhecimento dos estímulos visuais, alguns recursos


podem ser utilizados, como exercícios que incentivem e auxiliem na
descrição do objeto e na contextualização do item. Além disso, técnicas
podem ser empregadas, como a troca de posição do utensílio, a
ampliação do tamanho da imagem e a utilização de cores e sons.

O treinamento para beneficiar a velocidade de identificação dos


instrumentos emprega tarefas que progridem com a elevação do
nível de dificuldade. Nas etapas iniciais, o sujeito utiliza o tempo que
precisar para efetuar a descrição. Nas tentativas seguintes, o tempo é
diminuído de forma progressiva, conforme as possibilidades de cada
paciente. Assim, ele poderá desenvolver a velocidade adequada para o
reconhecimento visual.
44

Nos últimos estágios da reabilitação da identificação visual podem ser


inseridos artigos ou detalhes incomuns no exercício, como uma xícara
com pernas. Essa variação possibilita corroborar a capacidade de
diferenciação das imagens.

O reconhecimento facial pode ser favorecido por atividades que permitam


ao sujeito avaliar as características que facilitam a identificação e os traços
das fisionomias, bem como compreender o significado da mímica facial e
analisar fotos e caricaturas.

Já o reconhecimento das cores pode ser desenvolvido através de técnicas


que incentivem a identificação da cor conforme imagens, priorizando
aquela sem que as cores não sofrem variação. Em situações de desordens
nas tonalidades, podem ser utilizados exercícios para classificar os tons e
colorir desenhos.

Em quadros moderados de agnosia visual, o déficit mais acentuado pode


estar na capacidade de identificação das imagens. A distinção dos objetos
geralmente é preservada, por isso o indivíduo pode se beneficiar de
atividades que estimulem a relação entre a imagem e o objeto.

Nos estágios mais leves da doença, o sujeito pode manter a habilidade


de reconhecimento da imagem dos objetos. Dessa forma, a técnica de
degradação da informação visual pode ser empregada, a fim de que essa
aptidão se fortaleça e se mantenha ao longo do tempo. Nessa técnica,
são apresentadas somente partes da imagem dos utensílios, para que
o paciente complete as porções faltantes com seu reconhecimento. O
protocolo também pode ser adaptado de acordo com as necessidades
individuais do paciente.

Após realizado o reestabelecimento das imagens mentais dos


instrumentos, as pessoas com agnosia podem ser submetidas a um
exercício que solicite a descrição das particularidades dos itens, sem a
45

presença destes. Essa definição permite a fixação das especificidades de


cada componente dos objetos.

Quando a dificuldade dos sujeitos está na representação mental das


peças, são sugeridas estratégias que permitem contemplar, utilizar e
detalhar verbalmente os estímulos. Em seguida, o item é ocultado para
que o paciente possa fazer seu esboço oral ou desenho.

Além disso, o profissional pode incentivar a diferenciação de ferramentas


familiares em posições diversas. A técnica de constância perceptiva é
utilizada para que o indivíduo consolide sua competência de distinguir os
artigos em diferentes formas e posições espaciais.

A aptidão para associar os objetos devido as suas características comuns,


pode ser desenvolvida através de treinamentos para a avaliação dos
atributos de cada utensílio e para o aprimoramento do pensamento
lógico, o que permite agrupar tais itens através de suas semelhanças.

Oferecer às pessoas com agnosia exercícios planejados que propõem a


diminuição dos déficits apresentados e minimizam os impactos causados
pela agnosia pode melhorar a qualidade de vida, a funcionalidade, a
autonomia e a autoestima desses pacientes, mostrando que é possível
conviver e superaras dificuldades impostas pela doença.

Referências
CAIXETA, L.; TEIXEIRA, A. L. Neuropsicologia Geriátrica: neuropsiquiatria cognitiva
em idosos. Porto Alegre: Artmed, 2014.
FLUENTES, D.et al. Neuropsicologia: teoria e prática. 2. ed. Porto Alegre: Artmed,
2014.
GIL, R. Neuropsicologia. 2. ed. São Paulo: Livraria Santos, 2002.
LURIA, A. R. Fundamentos de Neuropsicologia. Rio de Janeiro: Editora da
Universidade de São Paulo, 1981.
46

Avaliação das habilidades


visuoespaciais, praxias e gnosias
Autoria: Aline Monique Carniel
Leitura crítica: Elisangela Toth

Objetivos
• Observar os parâmetros necessários para
a escolha de testes durante uma avaliação
neuropsicológica.

• Conhecer os principais testes neuropsicológicos


para avaliação das habilidades visuoespaciais,
praxias e gnosias.

• Realizar diagnósticos neuropsicológicos por meio


da integração dos resultados dos testes e do
raciocínio clínico.
47

1. Parâmetros da avaliação neuropsicológica

A avaliação neuropsicológica surgiu da necessidade de compreender as


relações entre as estruturas cerebrais e os comportamentos humanos.
Os avanços da tecnologia e dos exames de neuroimagem ampliaram as
aplicações dessa ciência que, atualmente, concentra-se na repercussão
das alterações cerebrais sobre a cognição, o comportamento e as
emoções.

O processo de investigação dessas funções cerebrais considera, além


dos achados psicométricos, a etiologia dos quadros neurológicos, o
histórico de saúde e as características individuais de cada pessoa.
As incapacidades causadas por essas alterações, também, são
cuidadosamente examinadas, a fim de contemplar todos os danos
sofridos na execução das atividades de vida diária, funcionalidade,
autonomia e participação social do sujeito.

Dessa forma, a neuropsicologia possibilita um aprimoramento da


qualidade de vida dos indivíduos, à medida que reconhece os déficits
instaurados e orienta as intervenções primordiais para melhorar o
futuro dos pacientes, estimulando sua adaptação diante das novas
demandas impostas pela doença.

Contemplando os objetivos citados, uma avaliação neuropsicológica


pode ser solicitada para diversos fins, como auxiliar no diagnóstico,
prognóstico ou tratamento de um transtorno. Em situações diagnósticas,
permite compreender a apresentação dos déficits do indivíduo e se
estão relacionados a determinada origem neurológica. Nos casos de
análise do prognóstico, possibilita entender a evolução e o curso da
doença, considerando o tipo e as características dos transtornos.

O diagnóstico está feito, mas se deseja estabelecer o curso da evolução


e o impacto que a patologia em questão terá a longo prazo. Certamente,
esse tipo de previsão tem a ver com a própria doença ou condição de base
48

da doença ou transtorno; e, quando há lesão, com o lugar, o tamanho e


lado no qual se encontra, devendo, nesse caso, ser considerados os efeitos
a distância que ela provoca. A idade e a educação do sujeito, o suporte e
a compreensão familiar, os recursos pessoais e físicos para reabilitação
influem muito na evolução de um caso. (FLUENTES et al., 2014, p. 83)

A partir da identificação das áreas afetadas, da hierarquia das


alterações e de suas relações com os comportamentos, a avaliação
neuropsicológica orienta o tratamento, seja ele farmacológico ou
intervenções com exercícios para reabilitação. Por exemplo, ao se
entender que uma criança tem dificuldades escolares devido a um
quadro de déficit de atenção, e não por um transtorno de aprendizagem,
em vez de ser tratada para os problemas de aprendizagem, ela poderá
ser medicada com recursos específicos, para favorecer os processos
atencionais, e receber intervenções focadas em estratégias, para facilitar
sua concentração.

Para a realização de uma avaliação neuropsicológica, o profissional


precisa utilizar diversos recursos e instrumentos. A avaliação se inicia
pela entrevista clínica, em que acontece o levantamento do histórico
da queixa e sintomatologia, percorrendo estratégias como avaliação
neurológica e psiquiátrica (para análise de alterações químicas e
estruturais relacionadas às dificuldades), avaliação funcional (para
mensuração das habilidades dos sujeitos) e testes psicológicos (para
mensuração das habilidades cognitivas).

Ressalta-se que, apesar de os testes serem de suma importância para


a identificação das potencialidades e fraquezas dos pacientes, eles são
apenas uma das técnicas usadas para a avaliação neuropsicológica.
Portanto, deve-se utilizar da integração entre os diversos instrumentos
disponíveis na elaboração de um diagnóstico, além da escolha cuidadosa
dos testes a serem aplicados.
49

Alguns parâmetros a serem observados durante a escolha dos


instrumentos da avaliação contemplam a padronização, a validade e a
fidedignidade dos testes:

• Padronização: uniformidade dos procedimentos de aplicação e


interpretação dos resultados, a fim de que os desempenhos sejam
comparáveis. Depende de procedimentos uniformes durante a
aplicação dos instrumentos, como o uso correto de instruções,
materiais e tempo e ambiente sem distrações.

• Validade: análise que comprova se o teste mede o que se


propõe a avaliar, baseada nos constructos estabelecidos e na
consistência interna dos itens. Deve ser apresentada no manual
dos instrumentos.

• Fidedignidade: consistência dos resultados obtidos. Também deve


ser especificada no manual dos testes, nos campos destinados
ao método e ao coeficiente de precisão, obtidos nos estudos
amostrais.

Além desses parâmetros, o neuropsicólogo precisa estar atento


ao cuidado com o uso indiscriminado dos testes, para que sejam
administrados de forma a contemplar os fins pretendidos, evitando
aplicações inadequadas ou interpretações errôneas. O treinamento e
a habilidade do aplicador durante a administração dos instrumentos
são fundamentais para evitar erros que comprometam a validade dos
resultados.

2. Avaliação das habilidades visuoespaciais,


praxias e gnosias

Durante a avaliação neuropsicológica são investigados diversos


constructos, necessários para o desenvolvimento normal do indivíduo.
50

Variáveis como inteligência, atenção, funções executivas, memória,


aprendizagem, linguagem, raciocínio lógico-matemático, habilidades
visuoespaciais, praxias e gnosias são identificadas para que seja possível
obter um rastreio das capacidades cognitivas do paciente.

A avaliação das habilidades visuoespaciais permite identificar como o


sujeito realiza: 1) a busca visual, identificando informações no campo
visual e analisando-as de forma rápida e eficiente; 2) a organização
visual, ordenando imagens e figuras completas ou incompletas; 3) a
orientação espacial, efetuando a localização no espaço, com base nas
informações visuais; 4) a visuoconstrução, manipulando informações
espaciais e identificando elementos para criar um design ou reproduzir
um modelo.

Na vida cotidiana, essas habilidades são responsáveis pela percepção e


orientação espacial, permitindo a identificação de tamanho, dimensão,
forma e distância dos lugares e dos objetos. Por meio do domínio
visuoespacial, é possível posicionar o corpo com relação ao ambiente,
desviar de obstáculos, praticar esportes, estimar a distância entre dois
objetos, estacionar o carro, imaginar um lugar e traçar e memorizar
rotas.

Por sua vez, a testagem das praxias tem por objetivo mensurar a
capacidade do sujeito de realizar movimentos orientados para uma
finalidade. Atenta-se para o reconhecimento de problemas na prontidão
para a execução de ações, mesmo que a pessoa mantenha as áreas
sensoriais, a aptidão física, a compreensão da ação e a motivação para
realizá-la preservadas.

Essas dificuldades podem atingir a execução dos gestos direcionados


por um pedido ou uma orientação (apraxia ideomotora); a organização
dos estímulos para reproduzir imagens em mais de uma dimensão
(apraxia visuoconstrutiva); a execução das tarefas complexas, como o
51

manuseio dos objetos (apraxia ideatória); e o aprendizado e repetição de


gestos abstratos (apraxia reflexiva).

Alguns tipos de apraxia podem interferir diretamente na realização de


atividades de vida diária. A apraxia facial (disfunção na movimentação
de órgãos e músculos do rosto), a apraxia de marcha (incapacidade de
efetuação dos passos) e a apraxia do vestir (erros na atividade de colocar
roupas de forma adequada) são alguns exemplos dos transtornos
causados por tal alteração, além dos impactos na funcionalidade e
qualidade de vida dos indivíduos.

A praxia é imprescindível para o cotidiano, pois está envolvida


na execução de atividades simples e complexas, direcionadas a
determinado fim, como sorrir, escrever ou dançar. As praxias abarcam
a compreensão da funcionalidade dos objetos, para que possam ser
manipulados para a realização de uma ação.

Já a investigação das gnosias busca compreender se os mecanismos


que realizam a identificação dos estímulos, por meio dos sentidos e das
estruturas cerebrais relacionadas à percepção, estão funcionando de
forma adequada.

Na avaliação das gnosias podem ser encontradas diversas alterações,


como problemas para identificar figuras, objetos, cores e faces somente
com o auxílio da visão (agnosia visual), dificuldade de identificar imagens
em um dos hemisférios visuais (hemiagnosia), déficits para reconhecer
as figuras como um todo, com compreensão somente de partes isoladas
ou de um objeto por vez (simultagnosia), alteração na percepção das
cores (acromatopsia) e inabilidade de distinguir fisionomias familiares
(prosopagnosia).

Além das capacidades visuais, as agnosias podem afetar a percepção


espacial. A agnosia topográfica é marcada pela desorientação
do indivíduo no espaço, mesmo que ele esteja em um ambiente
52

previamente conhecido. A autotopoagnosia configura-se pela dificuldade


de especificar as partes do próprio corpo, e a heterotopoagnosia é
marcada pela inabilidade de relatar as partes do corpo de outra pessoa.
A anosognosia diz respeito à dificuldade de reconhecer as próprias
limitações.

Na agnosia somatossensorial, é o reconhecimento dos utensílios


através do tato que é afetado. O mesmo fenômeno acontece na
agnosia gustativa, com os sabores que são sentidos, porém não são
diferenciados; na agnosia olfativa, com os cheiros que são captados
pelo olfato, mas não são identificados; e nas agnosias auditivas, em que
ocorre a perda da capacidade de distinção dos sons.

É possível observar que a presença de déficits em qualquer uma das


habilidades mencionadas pode causar danos diretos na realização das
atividades diárias. Por isso, a mensuração dessas variáveis é de suma
importância para o reconhecimento das potencialidades e fragilidades
de cada um dos pacientes e para a elaboração de propostas de
intervenções voltadas às necessidades particulares deles.

3. Testes neuropsicológicos: habilidades


visuoespaciais, praxias e gnosias

Existem diversos testes neuropsicológicos voltados para a avaliação


das habilidades visuoespaciais, praxias e gnosias. A seguir, serão
apresentados alguns desses instrumentos, a fim de oferecer subsídios
para que o profissional possa avaliar esses construtos. Ressalta-se
que todos os testes utilizados durante uma avaliação neuropsicológica
devem ser válidos para a população brasileira e que todos os
procedimentos realizados na avaliação precisam respeitar as diretrizes
do Conselho Federal de Psicologia.
53

O teste da Figura Complexa de Rey é amplamente utilizado para


avaliação da percepção visual, visuoconstrução e memória visual. É
dividido em dois formatos, de acordo com a faixa etária de interesse. A
Figura A pode ser aplicada a partir dos 5 anos de idade e estende-se até
a população idosa, enquanto a Figura B é específica para crianças de 4 a
7 anos de idade. Em ambos os formatos, o tempo médio de duração do
teste está entre 5 e 25 minutos (REY, 2010).

Para a aplicação da Figura de Rey, são necessários materiais como o


manual de instruções, as lâminas de estímulos (que contêm as figuras a
serem reproduzidas), papel branco, lápis pretos e coloridos, cronômetro
e folha de anotação dos resultados (REY, 2010).

O início do teste ocorre após a leitura das instruções padronizadas.


Apresenta-se ao avaliando a lâmina de estímulo adequada para sua
idade e a folha branca onde ele fará o registro da figura. O cronômetro
é acionado no início do teste, e o profissional acompanha a execução
da figura, solicitando a troca dos lápis coloridos, conforme a cópia da
figura evolui. Ao final, retira-se a lâmina de estímulo, e após o intervalo
máximo de três minutos, solicita-se a reprodução da memória da figura
copiada anteriormente (REY, 2010).

Para a interpretação da Figura de Rey, são utilizados a folha de registro


dos resultados e o manual de instruções do teste, sendo possível
pontuar cada traço realizado pelo paciente, tanto na etapa de cópia
como na de memória. Essas pontuações são convertidas em percentis,
através das tabelas padronizadas para as idades. Posteriormente, são
classificadas de acordo com a média, identificando quais percentis
representam prejuízo na percepção e memória visual ou até mesmo
desempenho superior à média no que diz respeito à precisão da figura
(REY, 2010).

Os tipos de cópia também podem ser avaliados de forma qualitativa


através do manual de instruções. De acordo com a idade, os sujeitos
54

tendem a adotar determinado planejamento para reproduzir a figura.


Esse planejamento se especializa com o passar dos anos, por isso o
desenho tende a ser feito de forma elementar por crianças pequenas ou
por pessoas que apresentam déficits clínicos (REY, 2010).

O teste de Retenção Visual de Benton (BVRT) também avalia a percepção


visual, a praxia visuoconstrutiva e a memória visual. Foi elaborado para
participantes de 7 a 30 anos e idosos de 60 a 75 anos. Sua execução é
realizada de forma individual, com duração de aproximadamente 20
minutos. Para a aplicação do teste, são necessários materiais como livro
de instruções, livro de estímulos, livro de aplicação, crivo de avaliação,
lápis e cronômetro (SALLES et al., 2016).

As tarefas executadas durante o BVRT baseiam-se em duas formas


de administração. Na forma A, a memória visual é avaliada através
da exposição do testando, por 10 segundos, a figuras que devem ser
reproduzidas imediatamente após a visualização. Na forma C, o paciente
realiza a cópia dos estímulos observados (SALLES et al., 2016).

Esse teste possui duas possibilidades de interpretação, uma quantitativa


e outra qualitativa. Na avaliação quantitativa, os acertos são somados
e transformados em percentis, segundo as tabelas normativas. Na
avaliação qualitativa, os erros podem ser analisados quanto a sua
localização (se ocorrem na parte central, esquerda, direita ou periférica
dos desenhos) e suas características (omissão, distorção, perseveração,
rotação, troca de posição e de tamanho) (SALLES et al., 2016).

O teste Gestáltico Visomotor de Bender foi formulado para a


investigação da maturação percepto-motora de crianças de 6 a 10
anos. Sua aplicação conta com manual de instruções, folhas dos
estímulos, folha de resposta e lápis preto. Os exercícios consistem na
apresentação de nove figuras, que devem ser copiadas da maneira mais
precisa possível. Os modelos desenhados recebem de 0 a 3 pontos,
55

considerando a qualidade da reprodução gráfica ou a presença de


distorções nas formas (SISTO; NORONHA; SANTOS, 2006).

O Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve NEUPSLIN foi


desenvolvido para o rastreamento das funções neuropsicológicas em
variados públicos. Conta com uma versão infantil e outra para adultos e
idosos. Entre os seus subtestes estão atividades que avaliam orientação,
percepção visual e habilidades construtivas (FONSECA; SALLES; PARENTE,
2009).

A versão infantil NEUPSLIN-Inf foi delineada para crianças de 6 a 12 anos,


com escolaridade entre o primeiro e o sexto ano do ensino fundamental.
O tempo de aplicação estimado é de 50 minutos, em que são utilizados:
cronômetro, folhas brancas, prancheta, lápis preto, caneta vermelha,
gravador, caixas de som e três moedas do mesmo valor/tamanho.
Durante a execução do instrumento, são aplicados 26 subtestes, que
avaliam oito funções neuropsicológicas (SALLES et al., 2016). Entre os
subtestes, estão:

1. Orientação: é composto por perguntas relativas a dados de


identificação (nome, idade e data de aniversário), dia da semana
e localização. Permite a compreensão da orientação espacial,
temporal e autopsíquica.
2. Atenção: com atividades de busca visual, cancelamento de figuras
e atenção a comandos, possibilita obter medidas de atenção visual
e auditiva.
3. Percepção: é formado por exercícios de percepção da emoção
em faces e de associação de figuras. Oferece parâmetros sobre
percepção visual e identificação das emoções.
4. Memória: com tarefas de memória operacional, episódico-
semântica e verbal, transmite indícios sobre os processos de
retenção dos conteúdos.
5. Linguagem: possui atividades de linguagem oral e escrita,
demonstrando as habilidades verbais da criança.
56

6. Habilidades visuoconstrutivas: solicita a cópia de formas


geométricas e figuras em intersecção, para avaliar a
visuoconstrução.
7. Habilidades aritméticas: através de exercícios matemáticos,
permite a identificação da capacidade numérica e de raciocínio
lógico.
8. Funções executivas: com tarefas que requerem planejamento e
organização, permite identificar a capacidade executiva da criança.

As pontuações de todos os subtestes são realizadas considerando as


instruções contidas no manual. A pontuação bruta é comparada nas
tabelas de normatização, de acordo com a idade e a escolaridade das
crianças (SALLES et al., 2016).

A escala NEUPSLIN destinada a adolescentes, adultos e idosos abrange


a faixa etária dos 12 aos 90 anos. Com duração estimada de 50 minutos,
é formada por 32 subtestes que avaliam oito funções neuropsicológicas,
assim como no NEUPSLIN-Inf (FONSECA; SALLES; PARENTE, 2009). Os
subtestes que compõem esse instrumento são:

1. Orientação têmporo-espacial: através de perguntas relacionadas


a datas, horários e localizações, permite a compreensão da
orientação espacial, temporal e autopsíquica.
2. Atenção concentrada: com atividades de contagem de dígitos em
ordem inversa e repetição de uma sequência de dígitos, possibilita
obter medidas de atenção concentrada.
3. Percepção visual: formado por exercícios de igualdades e
diferenças, heminegligência visual, percepção e reconhecimento
de faces, oferece parâmetros sobre a percepção visual.
4. Habilidades aritméticas: com operações matemáticas básicas,
permite a identificação da capacidade numérica e de raciocínio
lógico.
57

5. Linguagem oral e escrita: possui atividades de nomeação,


repetição, linguagem automática, compreensão, linguagem escrita,
processamento de metáforas e provérbios.
6. Memória: inclui tarefas de memória operacional, span auditivo,
memória verbal episódico-semântica, memória semântica
de longo prazo, memória visual de curto prazo e memória
prospectiva.
7. Praxias: através de exercícios de praxia ideomotora, construtiva e
reflexiva, oferece indícios sobre alterações nas praxias.
8. Funções executivas: com tarefas de resolução de problemas e
fluência verbal, permite identificar a capacidade executiva.

A correção é realizada através do total de acertos em cada subteste,


e as pontuações são comparadas às tabelas normativas, que contêm
os percentis para cada idade e sexo. Os percentis são classificados em
estágios de alerta para déficit, sugestivo para déficit, déficit moderado e
severo, e déficit grave (FONSECA; SALLES; PARENTE, 2009).

A Escala de Inteligência Wechsler para Adultos (WAIS-III) apresenta uma


medida da capacidade cognitiva do paciente, o chamado quoeficiente de
inteligência (QI). É composta de diversos subtestes que são organizados
para compor o QI verbal e o QI de execução. Os subtestes contidos no
QI execução auxiliam na avaliação das habilidades visuoespaciais, pois
mensuram raciocínio fluido, processamento espacial, atenção a detalhes
e integração visuomotora (WECHSLER, 2016).

O QI de execução é composto pelos subtestes: completar figuras,


códigos, cubos, raciocínio matricial, arranjo de figuras, procurar símbolos
(subteste suplementar que pode substituir o subteste códigos, caso
seja anulado) e armar objetos (subteste opcional que pode substituir
qualquer subteste de execução, para pessoas entre 16 e 74 anos).
Por sua vez, o QI verbal é formado pelos subtestes: vocabulário,
semelhanças, aritmética, dígitos, informação, compreensão e sequências
58

de números e letras (subteste suplementar que pode substituir o


subteste dígitos, caso seja anulado) (WECHSLER, 2016).

O WAIS-III é uma medida de inteligência estruturada para a população


entre 16 e 89 anos. O tempo médio utilizado para sua aplicação é de
75 minutos, variando entre 60 e 90 minutos. Já a duração da aplicação
incluindo o subteste opcional está entre 65 e 90 minutos, com média de
80 minutos (WECHSLER, 2016).

A administração do teste é realizada de forma individual e requer


materiais como: manual de aplicação e avaliação, protocolo de registro,
protocolo de resposta, livro de estímulo, cartões do subteste arranjo de
figuras, caixa de cubos, peças e anteparo do subteste armar objetos,
crivo de avaliação dos códigos e procurar símbolos, cronômetro
e lápis grafite. A organização dos materiais não pode estar à vista
do examinando, mas eles precisam estar ao alcance do aplicador
(WECHSLER, 2016).

Para interpretação da escala, deve-se atentar para o cálculo da idade do


avaliando, que será fundamental para definir o início e a interrupção dos
testes, bem como as tabelas a serem consultadas. A correção inicia-se
com a atribuição dos pontos a todas as respostas, segundo o manual
de aplicação e avaliação. Em seguida, os escores brutos são convertidos
em pontos ponderados, através das tabelas normativas, e assim são
definidos os índices fatoriais, o QI verbal, o QI de execução e o QI total
(WECHSLER, 2016).

Os índices fatoriais se dividem em: compreensão verbal (vocabulário,


semelhança, informação); organização perceptual (completar figuras,
cubos e raciocínio matricial); memória operacional (aritmética, dígitos,
sequências de números e letras); velocidade de processamento (códigos
e procurar símbolos) (WECHSLER, 2016).
59

As tabelas normativas também são utilizadas para a definição dos


percentis, intervalos de confiança e classificação. Podem ainda oferecer
medidas sobre as possíveis discrepâncias, facilidades e dificuldades
encontradas pelo examinando (WECHSLER, 2016).

A Escala de Inteligência Wechsler para Crianças (WISC-IV) propõe-se a


mensurar o QI de crianças de 6 a 16 anos, através de índices fatoriais
que representam a performance do indivíduo em determinado domínio
ou área de conteúdo. Os índices fatoriais que compõem o WISC-IV são:
compreensão verbal, organização perceptual, memória operacional e
velocidade de processamento (WECHSLER, 2013).

O índice de compreensão verbal corresponde aos subtestes de


semelhanças, vocabulário, compreensão, informação (suplementar) e
raciocínio com palavras (suplementar). Avalia raciocínio verbal, formação
de conceitos e compreensão da linguagem (WECHSLER, 2013).

O índice de organização perceptual abrange os subtestes cubos,


conceitos figurativos, raciocínio matricial e completar figuras
(suplementar). Analisa a formação de conceitos não verbais, percepção
visual, atenção aos detalhes e integração visuomotora (WECHSLER,
2013).

O índice de memória operacional é composto pelos subtestes dígitos,


sequência de números e letras e aritmética (suplementar). Abrange a
capacidade de reter informações por um breve período, para posterior
processamento da memória e formulação da resposta (WECHSLER,
2013).

O índice velocidade de processamento é formado pelos subtestes


códigos, procurar símbolos e cancelamento (suplementar). Analisa a
habilidade de processar as informações visuais, coordenação visual,
flexibilidade cognitiva e memória visual de curto prazo (WECHSLER,
2013).
60

A administração do teste ocorre de forma individual e requer materiais


como manual técnico, manual de instruções, protocolo de registro,
protocolo de resposta (código, procurar símbolos e cancelamento),
livro de estímulo, cubos, crivos dos códigos, procurar símbolo e
cancelamento, lápis grafite e cronômetro. Para a aplicação dos dez
principais subtestes, o tempo estimado é de 67 minutos (WECHSLER,
2013).

A correção dos subtestes deve ser realizada com base nas instruções
contidas no manual do teste. Após a soma, os escores brutos devem
ser transformados em pontos ponderados, utilizando-se as tabelas
normativas. As somas dos pontos ponderados correspondem aos
índices fatoriais e ao QI total (WECHSLER, 2013).

Em seguida, é necessário encontrar os pontos compostos de cada


índice, assim como o rank percentil e o intervalo de confiança, também
fornecidos pelas tabelas normativas. Os resultados são interpretados de
acordo com a curva normal e podem ser classificados em extremamente
baixo, limítrofe, média inferior, média, média superior, superior e muito
superior (WECHSLER, 2013).

Além dessas medidas, a escala fornece outros escores, como a


discrepância entre os subtestes, a determinação das facilidades e
dificuldades do sujeito e a análise dos escores de processo (WECHSLER,
2013).

Devido às diversas opções de instrumentos à disposição para a avaliação


dessas funções, é preciso que o neuropsicólogo esteja atento à escolha
dos testes adequados ao seu avaliando. Orienta-se que ele considere
em sua seleção de recursos a fidedignidade do método, a faixa etária
a que se destina, o tempo de duração das atividades, as características
individuais do paciente e as variáveis elegidas durante o raciocínio
clínico.
61

Referências
FLUENTES, D. et al. Neuropsicologia: teoria e prática. 2. ed. Porto Alegre: Artmed,
2014. 432 p.
FONSECA, R. P.; SALLES, J. F.; PARENTE, M. A. M. P. Instrumento de Avaliação
Neuropsicológica Breve Neupsilin. São Paulo: Vetor, 2009.
REY, A. Figuras Complexas de Rey. São Paulo: Editora Casa do Psicológo, 2010.
SALLES, J. F. et al. Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve Infantil:
NEUPSILIN-Inf – Manual. São Paulo: Editora Vetor, 2016.
SALLES, J. F. et al. Manual do Teste de Retenção Visual de Benton. São Paulo:
Casa do Psicólogo, 2016.
SISTO, F. F.; NORONHA, A. P.; SANTOS, A. A. A. (2005). Manual Bender–Sistema de
Pontuação Gradual (B-SPG). São Paulo: Vetor, 2006.
WECHSLER, D. Escala Wechsler de Inteligência (WAIS). São Paulo: Pearson
Clinical Brasil, 2016.
WECHSLER, D. Escala Wechsler de Inteligência para Crianças – Quarta Edição
(WISC IV). São Paulo: Editora Casa do Psicológo, 2013.
62

BONS ESTUDOS!

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