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Para Nhá Chica, Patrícia Casé, Edinho e Alcino Leite Neto

Sumário

Antes de começar
Maktub
Graças te dou, ó Pai, porque ocultaste estas coisas dos sábios e
entendidos e as revelaste aos pequeninos.
Lucas 10,21
Antes de começar

Maktub não é um livro de conselhos, mas uma troca de


experiências.
Grande parte é composta de ensinamentos de meu mestre,
no decorrer de onze longos anos de convivência. Outros textos
são relatos de amigos, ou pessoas com quem cruzei uma vez —
mas me deixaram uma mensagem inesquecível. Finalmente,
existem livros que li e as histórias que — como diz o jesuíta
Anthony Mello — pertencem à herança espiritual da raça
humana.
Maktub nasceu de um telefonema de Alcino Leite Neto, então
diretor do caderno “Ilustrada” na Folha de S. Paulo. Eu estava
nos Estados Unidos e recebi a proposta sem saber exatamente o
que ia escrever. Mas o desafio era estimulante, e resolvi ir em
frente; viver é correr riscos.
Ao ver o trabalho que dava, quase desisti. Além do mais,
como precisava viajar para a promoção de meus livros no
exterior, a coluna diária virou um tormento. Entretanto, os
sinais me diziam que continuasse: uma carta de leitor chegava,
um amigo fazia um comentário, alguém me mostrava os
recortes guardados na carteira.
Lentamente, fui aprendendo a ser objetivo e direto no texto.
Fui obrigado a fazer releituras que sempre adiei, e o prazer
deste reen­contro foi imenso.
Comecei a anotar com mais cuidado as palavras de meu
mestre. Enfim, passei a olhar tudo que acontecia à minha volta
como um motivo para escrever Maktub — e isto me enriqueceu
de tal maneira que hoje sou grato por esta tarefa diária.
Selecionei, neste volume, textos publicados na Folha de S.
Paulo entre 10 de junho de 1993 e 11 de junho de 1994. As
colunas sobre o guerreiro da luz não fazem parte deste livro:
foram publicadas em O manual do guerreiro da luz.
Ao prefaciar um de seus livros de histórias, Anthony Mello
comenta: “Minha tarefa foi apenas a de tecelão; não tenho o
mérito do algodão e da linha”.
Nem eu, tampouco.
PAULO COELHO
Oviajante está sentado no meio do mato, olhando uma casa humilde
à sua frente. Já esteve ali antes, com alguns amigos, e na época tudo que
conseguira notar foi a semelhança entre o estilo da casa e o de um
arquiteto galego — que viveu há muitos anos, e jamais colocara os pés
naquele local.
A casa fica perto de Cabo Frio, no Rio de Janeiro, e é toda construída
com cacos de vidro. Seu dono, Gabriel, sonhou em 1899 com um anjo
que lhe dizia: “Constrói uma casa de cacos”. Gabriel começou a
colecionar ladrilhos quebrados, pratos, bibelôs e jarras partidas. “Tudo
caquinho transformado em beleza”, dizia Gabriel de seu trabalho.
Durante os primeiros quarenta anos, os moradores locais afirmavam
que era louco. Depois, alguns turistas descobriram a casa e começaram
a trazer os amigos; Gabriel virou gênio. Mas a novidade passou — e
Gabriel voltou ao anonimato. Mesmo assim, continuou construindo; aos
93 anos de idade, colocou o último caco de vidro. E morreu.

O viajante acende um cigarro; fuma em silêncio. Hoje não está


pensando na semelhança entre a casa de Gabriel e a arquitetura de A.
Gaudí. Olha os cacos, reflete sobre sua própria existência. Também ela
— como a de qualquer pessoa — é feita de pedaços de tudo que se
passou. Mas, em determinado momento, estes fragmentos começam a
tomar forma.
E o viajante relembra um pouco do seu passado, vendo os papéis em
seu colo. Ali estão pedaços de sua vida; situações que viveu, trechos de
livros que sempre recorda, ensinamentos do seu mestre, histórias dos
amigos, fábulas que algum dia lhe contaram. Ali estão reflexões sobre o
seu tempo e sobre os sonhos de sua geração.
Da mesma maneira que um homem sonhou com um anjo e construiu
a casa que está diante de seus olhos, ele tenta ordenar estes papéis —
para compreender sua própria construção espiritual. Lembra-se de que,
quando criança, leu um livro de Malba Tahan chamado Maktub! e
pensa:
“Será que eu devia fazer o mesmo?”
Diz o mestre:
Quando pressentimos que chegou a hora de mudar, começamos —
inconscientemente — a repassar um tape mostrando nossas derrotas até
aquele momento.
É claro que, à medida que ficamos mais velhos, nossa cota de
momentos difíceis é maior. Mas, ao mesmo tempo, a experiência nos
deu meios de superar estas derrotas e encontrar o caminho que permite
seguir adiante. É preciso também colocar esta fita em nosso videocassete
mental.
Se só assistimos ao tape da derrota, vamos ficar paralisados. Se só
assistimos ao tape da experiência, vamos terminar nos julgando mais
sábios do que realmente somos.
Precisamos das duas fitas.
Imagine uma lagarta. Passa grande parte de sua vida no chão,
olhando os pássaros, indignada com seu destino e com sua forma. “Sou
a mais desprezível das criaturas”, pensa. “Feia, repulsiva, condenada a
rastejar pela terra.”
Um dia, entretanto, a Natureza pede que faça um casulo. A lagarta
se assusta — jamais fizera um casulo antes. Pensa que está construindo
seu túmulo e prepara-se para morrer. Embora indignada com a vida que
levou até então, reclama novamente com Deus.
“Quando finalmente me acostumei, o Senhor me tira o pouco que
tenho.”
Desesperada, tranca-se no casulo e aguarda o fim.
Alguns dias depois, vê-se transformada numa linda borboleta. Pode
passear pelos céus e ser admirada pelos homens. Surpreende-se com o
sentido da vida e com os desígnios de Deus.
Um estranho procurou o abade Pastor no mosteiro de Sceta.
— Quero melhorar minha vida — disse ele. — Mas não consigo
deixar de pensar em coisas pecaminosas.
O abade Pastor reparou que ventava lá fora e pediu ao estranho:
— Aqui está muito quente. Será que o senhor podia pegar um pouco
de vento lá fora e trazê-lo para refrescar a sala?
— Isto é impossível — disse o estranho.
— Da mesma maneira, é impossível deixar de pensar em coisas que
ofendem a Deus — respondeu o abade. — Mas, se você souber dizer
não às tentações, elas não vão lhe causar nenhum mal.
Diz o mestre:
Se existe alguma decisão a ser tomada, é melhor ir adiante e
aguentar as consequências. Você não vai saber de antemão quais serão
estas consequências.
Todas as artes divinatórias foram feitas para aconselhar o homem,
jamais para prever o futuro. São excelentes conselheiras e péssimas
profetisas.
Diz a oração que Jesus nos ensinou: “Seja feita a Vossa Vontade”.
Quando esta Vontade mostra um problema, traz junto a solução.
Se as artes divinatórias conseguissem ver o futuro, todo adivinho
seria rico, casado e feliz.
Odiscípulo se aproximou do mestre:
— Durante anos busquei a iluminação — disse. — Sinto que estou
perto. Quero saber qual o próximo passo.
— E como você se sustenta? — pergunta o mestre.
— Ainda não aprendi a me sustentar; meu pai e minha mãe me
ajudam. Entretanto, isto são apenas detalhes.
— O próximo passo é olhar o sol por meio minuto — disse o mestre.
O discípulo obedeceu.
Quando acabou, o mestre pediu que descrevesse o campo à sua volta.
— Não consigo vê-lo, o brilho do sol ofuscou meus olhos —
respondeu o discípulo.
— Um homem que apenas busca a luz, e deixa suas
responsabilidades para os outros, termina sem encontrar a iluminação.
Um homem que mantém os olhos fixos no sol termina cego — comentou
o mestre.
Um homem caminhava por um vale dos Pireneus quando encontrou
um velho pastor. Dividiu com ele seu alimento, e ficaram um longo
tempo conversando sobre a vida.
O homem dizia que, se acreditasse em Deus, teria que acreditar
também que não era livre, já que Deus governaria cada passo.
O pastor então o levou até um desfiladeiro, onde se podia escutar —
com toda nitidez — o eco de qualquer ruído.
— A vida são estas paredes, e o destino é o grito de cada um — disse
o pastor. — Aquilo que fizermos será levado até o coração Dele, e nos
será devolvido da mesma forma.
“Deus costuma agir como o eco de nossas ações.”
Maktub quer dizer “está escrito”. Para os árabes, “está escri­­to” não é
a melhor tradução — porque, embora tudo já esteja escrito, Deus é
misericordioso, e só gastou sua caneta e sua tinta para nos ajudar.
O viajante está em Nova York. Acordou tarde para um encontro e,
quando desce, descobre que seu carro foi rebocado pela polícia.
Chega depois da hora, o almoço se prolonga mais do que o
necessário, ele pensa na multa — irá custar uma fortuna. De repente,
lembra-se da nota de um dólar que encontrou no dia anterior.
Estabelece uma relação louca entre aquela nota e o que aconteceu de
manhã. “Quem sabe eu peguei a nota antes que a pessoa certa a
encontrasse? Quem sabe tirei aquele dólar do caminho de alguém que
estava precisando? Quem sabe interferi no que estava escrito?”
Precisava livrar-se dela — e neste momento vê um mendigo sentado
no chão. Entrega rapidamente o dólar.
— Um momento — diz o mendigo. — Sou um poeta, quero pagar
com uma poesia.
— A mais curta, porque estou com pressa — responde o viajante.
O mendigo diz:
— Se você continua vivo, é porque ainda não chegou aonde devia.
Odiscípulo disse ao mestre:
— Tenho passado grande parte do meu dia pensando coisas que não
devia pensar, desejando coisas que não devia desejar, fazendo planos
que não devia fazer.
O mestre convidou o discípulo para um passeio na floresta perto de
sua casa. No caminho, apontou uma planta e perguntou se o discípulo
sabia o que era.
— Beladona — disse o discípulo. — Pode matar quem comer suas
folhas.
— Mas não pode matar quem simplesmente a contempla — disse o
mestre. — Da mesma maneira, os desejos negativos não podem causar
qualquer mal se você não se deixar seduzir por eles.
Entre a França e a Espanha existe uma cadeia de montanhas. Numa
destas montanhas existe uma aldeia chamada Argelès. Nesta aldeia
existe uma ladeira que leva até o vale.
Todas as tardes, um velho sobe e desce esta ladeira.
Quando o viajante foi a Argelès pela primeira vez, não reparou nada.
Da segunda vez, viu que um homem sempre cruzava com ele. E, cada
vez que ia àquela aldeia, reparava mais detalhes — a roupa, a boina, a
bengala, os óculos. Hoje em dia, sempre que pensa na aldeia, pensa
também no velhinho — embora ele não saiba disso.
Uma única vez o viajante conversou com ele.
Querendo brincar, perguntou:
— Será que Deus vive nestas lindas montanhas à nossa volta?
— Deus vive — disse o velhinho — nos lugares onde O deixam
entrar.
Omestre se encontrou com os discípulos certa noite e pediu que
acendessem uma fogueira, para que pudessem conversar.
— O caminho espiritual é como o fogo que arde diante de nós —
disse. — Um homem que deseja acendê-lo tem que se conformar com a
fumaça desagradável, que torna a respiração difícil e arranca lágrimas
do rosto.
Assim é a reconquista da fé.
— Entretanto, uma vez o fogo aceso, a fumaça desaparece, e as
chamas iluminam tudo ao redor — nos dando calor e calma.
— E se alguém acender o fogo para nós? — perguntou um dos
discípulos. — E se alguém nos ajudar a evitar a fumaça?
— Se alguém fizer isso, é um falso mestre. Que pode levar o fogo para
onde tiver vontade, ou apagá-lo na hora que quiser. E, como não
ensinou ninguém a acendê-lo, é capaz de deixar todo mundo na
escuridão.
Uma amiga pegou seus três filhos e resolveu viver numa pequena
fazenda no interior do Canadá.
Queria dedicar-se apenas à contemplação espiritual.
Em menos de um ano apaixonou-se, casou de novo, estudou as
técnicas de meditação dos santos, lutou por uma escola para os filhos,
fez amigos, fez inimigos, descuidou do tratamento dentário, teve um
abscesso, pegou carona debaixo de tempestades de neve, aprendeu a
consertar o carro, degelar os encanamentos, esticar o dinheiro da
pensão no final do mês, viver do seguro-desemprego, dormir sem
calefação, rir sem motivo, chorar de desespero, construir uma capela,
fazer reparos na casa, pintar paredes, dar cursos sobre contemplação
espiritual.
— E terminei entendendo que a vida em oração não significa
isolamento — diz. — O amor de Deus é tão grande que precisa ser
dividido.
—Quando você começar seu caminho, vai encontrar uma porta
com uma frase escrita — diz o mestre. — Volte e me conte qual é esta
frase.
O discípulo se entrega de corpo e alma à sua busca. Chega um dia em
que vê a porta e volta até o mestre.
— Estava escrito no começo do caminho: isto não é possível — diz.
— Onde estava escrito isso, num muro ou numa porta? — pergunta
o mestre.
— Numa porta — responde o discípulo.
— Pois coloque a mão na maçaneta e abra.
O discípulo obedece. Como a frase está pintada na porta, também vai
se movendo com ela. Com a porta totalmente aberta, ele já não
consegue mais enxergar a frase — e segue adiante.
Diz o mestre:
Feche os olhos. Não precisa sequer fechar os olhos. Basta imaginar a
seguinte cena: um bando de pássaros voando. O.k., agora me diga
quantos pássaros você vê: cinco? onze? dezessete?
Seja qual for a resposta — e dificilmente alguém sabe dizer o número
exato —, alguma coisa fica bem clara nesta pequena experiência. Você
pode imaginar um bando de pássaros, mas o número de aves fugiu ao
seu controle. Entretanto, a cena era clara, definida, exata. Em algum
lugar existe a resposta para esta pergunta.
Quem definiu quantos pássaros deviam aparecer na cena? Você não
foi.
Um homem resolveu visitar um ermitão que vivia perto do mosteiro de
Sceta. Depois de caminhar sem rumo pelo deserto, terminou
encontrando o monge.
— Preciso saber qual o primeiro passo que se deve dar no caminho
espiritual — disse.
O ermitão levou-o até um pequeno poço e pediu que ele olhasse seu
reflexo na água. O homem obedeceu — mas o ermitão começou a jogar
pedrinhas na água, fazendo com que a superfície se movesse.
— Não poderei ver direito o meu rosto enquanto o senhor jogar
pedras — disse o homem.
— Assim como é impossível para um homem ver seu rosto em águas
turbulentas, também é impossível buscar Deus se a mente estiver
ansiosa com a busca — disse o monge. — Este é o primeiro passo.
Na época em que o viajante praticava meditação zen-budista, havia
um momento em que o mestre ia até o canto do dojo (local onde os
discípulos se reuniam) e voltava com uma varinha de bambu.
Certos alunos — que não haviam conseguido concentrar-se direito —
levantavam a mão: o mestre se aproximava e dava três golpes em cada
ombro.
No primeiro dia, isto pareceu medieval e absurdo.
Mais tarde o viajante entendeu que muitas vezes é necessário colocar
no plano físico a dor espiritual, para ver o mal que ela causa. No
caminho de Santiago, ele aprendeu um exercício que consistia em cravar
a unha do indicador no polegar quando pensasse em algo prejudicial.
As terríveis consequências dos pensamentos negativos são percebidas
muito tarde. Mas, fazendo com que esses pensamentos se manifestem no
plano físico através da dor, entendemos o mal que nos causam.
E terminamos por evitá-los.
Um paciente de 32 anos procurou o terapeuta Richard Crowley:
— Não consigo parar de chupar o dedo — disse.
— Não ligue para isso — respondeu Crowley. — Mas chupe um dedo
diferente a cada dia da semana.
A partir deste momento o paciente — toda vez que levava a mão à
boca — era instintivamente obrigado a escolher o dedo que devia ser
objeto de sua atenção naquele dia. Antes que a semana terminasse,
estava curado.
— Quando o mal torna-se um hábito, fica difícil lidar com ele —
conta Richard Crowley. — Mas, quando ele passa a nos exigir atitudes
novas, decisões, escolhas, então temos consciência de que não vale tanto
esforço.
Na antiga Roma, um grupo de feiticeiras conhecidas como Sibilas
escreveu nove livros contando o futuro de Roma. Levaram os nove livros
para Tibério.
— Quanto custa? — perguntou o imperador de Roma.
— Cem moedas de ouro — responderam as Sibilas.
Indignado, Tibério expulsou-as. As Sibilas queimaram três livros e
voltaram:
— Continuam custando cem moedas — disseram.
Tibério riu e não aceitou: pagar por seis livros o mesmo que pagaria
por nove?
As Sibilas queimaram mais três livros e voltaram com os três
restantes:
— Continuam custando cem moedas de ouro — disseram.
Tibério, mordido pela curiosidade, terminou por pagar — mas só
conseguiu ler parte do futuro de seu Império.
Diz o mestre:
Faz parte da arte de viver não barganhar com a oportunidade.
As palavras são de Rufus Jones:
— Não estou interessado em construir novas torres de Babel usando
como desculpa a ideia de que preciso chegar até Deus.
“Estas torres são abomináveis; algumas são feitas de cimento e tijolos;
outras, com pilhas de textos sagrados. Algumas foram construí­das com
velhos rituais, e muitas são erigidas com as novas provas científicas da
existência de Deus.
“Todas estas torres, que nos obrigam a escalá-las desde uma base
escura e solitária, podem nos dar uma visão da Terra — mas não nos
conduzem ao Céu.
“Tudo que conseguimos é a mesma e velha confusão de línguas e
emoções.
“As pontes para Deus são a fé, o amor, a alegria e a oração.”
Dois rabinos tentam de todas as maneiras levar o conforto espiritual
aos judeus na Alemanha nazista. Durante dois anos, embora mortos de
medo, enganam seus perseguidores — e realizam ofícios religiosos em
várias comunidades.
Finalmente são presos. Um dos rabinos, apavorado com o que pode
acontecer dali por diante, não para de rezar. O outro, ao contrário,
passa o dia inteiro dormindo.
— Por que você está agindo assim? — pergunta o rabino assustado.
— Para salvar minhas forças. Sei que vou precisar delas daqui por
diante — diz o outro.
— Mas você não está com medo? Não sabe o que pode nos
acontecer?
— Eu tive medo até o momento da prisão. Agora que estou preso, de
que adianta temer o que já aconteceu?
O tempo do medo acabou; agora começa o tempo da esperança.
Diz o mestre:
Vontade. É uma palavra que a gente deveria colocar sob suspeita
durante algum tempo.
Quais são as coisas que não fazemos porque não temos vontade e
quais aquelas que não fazemos porque são arriscadas?
Eis um exemplo do que confundimos com “falta de vontade”: falar
com desconhecidos. Seja uma conversa, um simples contato, um
desabafo, raramente conversamos com desconhecidos.
E sempre achamos que “foi melhor assim”.
Terminamos sem ajudar e sem sermos ajudados pela Vida.
Nossa distância faz com que pareçamos muito importantes, muito
seguros de nós mesmos. Mas, na prática, não estamos deixando que a
voz de nosso anjo se manifeste através da boca dos outros.
Um velho ermitão foi certa vez convidado para ir até a corte do rei
mais poderoso daquela época.
— Eu invejo um homem santo que se contenta com tão pouco —
disse o rei.
— Eu invejo Vossa Majestade, que se contenta com menos que eu —
respondeu o ermitão.
— Como você me diz isto, se todo este país me pertence? — disse o
rei, ofendido.
— Justamente — falou o velho ermitão. — Eu tenho a música das
esferas celestes, tenho os rios e as montanhas do mundo inteiro, tenho a
Lua e o Sol, porque tenho Deus na minha alma. Vossa Majestade,
porém, tem apenas este reino.
—V
amos até a montanha onde Deus mora — comentou um cavaleiro com
seu amigo. — Quero provar que Ele só sabe pedir e nada faz para
aliviar nosso fardo.
— Pois vou para demonstrar minha fé — disse o outro.
Chegaram à noite no alto do monte e escutaram uma Voz na
escuridão:
“Montem seus cavalos carregando as pedras do chão!”
— Viu? — disse o primeiro cavaleiro. — Depois de tanto subir, Ele
ainda nos faz carregar mais peso. Jamais obedecerei!
O segundo cavaleiro fez o que a Voz dizia. Quando terminaram de
descer o monte, a aurora chegou — e os primeiros raios de sol
iluminaram as pedras que o cavaleiro piedoso havia trazido: eram
diamantes puríssimos.
Diz o mestre:
As decisões de Deus são misteriosas, mas estão sempre a nosso favor.
Diz o mestre:
Meu caro, preciso lhe dar uma notícia que talvez você ainda não
saiba. Pensei em suavizar esta notícia, pintá-la com cores mais
brilhantes, enchê-la com promessas de Paraíso, visões do Absoluto,
explicações esotéricas — mas, embora tudo isto exista, não vem ao caso
agora.
Respire fundo e prepare-se. Sou obrigado a ser direto e franco e —
posso assegurar — tenho absoluta certeza do que estou dizendo. É uma
previsão infalível, sem qualquer margem para dúvidas.
A notícia é a seguinte: você vai morrer.
Pode ser amanhã, pode ser daqui a cinquenta anos, mas, cedo ou
tarde, você vai morrer. Mesmo que você não concorde. Mesmo que tenha
outros planos.
Pense com todo cuidado no que você irá fazer hoje. E amanhã. E no
resto dos seus dias.
Um explorador branco, ansioso para chegar logo ao seu destino no
coração da África, pagava um salário extra para que os seus
carregadores nativos andassem mais rápido. Durante vários dias os
carregadores apressaram o passo.
Certa tarde, porém, todos se sentaram no chão e depositaram seus
fardos, recusando-se a continuar. Por mais dinheiro que lhes fosse
oferecido, os nativos não se moviam. Quando, finalmente, o explorador
pediu uma razão para aquele comportamento, obteve a seguinte
resposta:
— Andamos muito depressa, e já não sabemos mais o que estamos
fazendo. Agora precisamos esperar até que nossas almas nos alcancem.
Nossa Senhora, com o Menino Jesus nos braços, desceu à Terra para
visitar um mosteiro.
Orgulhosos, os padres fizeram fila para homenageá-la; um declamou
poemas, outro mostrou iluminuras para a Bíblia, outro recitou o nome
dos santos.
No final da fila estava um padre humilde, que não tivera chance de
aprender com os sábios da época.
Seus pais eram pessoas simples, que trabalhavam num circo. Quando
chegou sua vez, os monges quiseram encerrar as homenagens, com
medo de que ele comprometesse a imagem do mosteiro.
Mas também ele queria mostrar seu amor pela Virgem.
Envergonhado, sentindo o olhar reprovador dos irmãos, tirou umas
laranjas do bolso e começou a atirá-las para o ar — fazendo
malabarismos que seus pais lhe haviam ensinado no circo.
Foi só então que o Menino Jesus sorriu, batendo palmas de alegria. E
só para ele a Virgem estendeu os braços, deixando que segurasse um
pouco seu filho.
Não procure ser coerente o tempo todo. Afinal, São Paulo disse que “a
sabedoria do mundo é loucura diante de Deus”.
Ser coerente é usar sempre a gravata combinando com a meia. É ser
obrigado a ter, amanhã, as mesmas opiniões que tinha hoje. E o
movimento do mundo — onde fica?
Desde que você não prejudique ninguém, mude de opinião de vez em
quando, e caia em contradição sem se envergonhar disso.
Você tem este direito. Não importa o que os outros pensem — porque
eles vão pensar de qualquer maneira.
Por isso, relaxe. Deixe o Universo se movimentar à sua volta,
descubra a alegria de ser uma surpresa para você mesmo. “Deus
escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios”, diz
São Paulo.
Diz o mestre:
Hoje seria bom fazer algo fora do comum.
Podemos, por exemplo, dançar na rua enquanto caminhamos para o
trabalho. Olhar nos olhos de um desconhecido e falar de amor à
primeira vista. Dar ao chefe uma ideia que pode parecer ridícula, mas
em que acreditamos. Comprar um instrumento que sempre quisemos
tocar, e nunca nos arriscamos. Os guerreiros da luz se permitem tais
dias.
Hoje podemos chorar algumas mágoas antigas que ainda estão presas
na garganta. Telefonaremos para alguém com quem juramos nunca
mais falar (mas de quem adoraríamos escutar um recado em nossa
secretária eletrônica). Hoje pode ser considerado um dia fora do roteiro
que escrevemos todas as manhãs.
Hoje, qualquer falha será admitida e perdoada. Hoje é dia de se ter
alegria na vida.
Ocientista Roger Penrose caminhava com alguns amigos,
conversando animadamente. Fizeram silêncio apenas por um momento,
para atravessar a rua.
— Lembro que, enquanto atravessava, um pensamento incrível me
ocorreu — diz Penrose. — Entretanto, assim que chegamos à outra
calçada, retomamos o assunto, e não consegui recordar o que havia
pensado segundos antes.
No final da tarde, Penrose começou a sentir-se eufórico — sem
entender por quê.
— Tinha a sensação de que algo importante me havia sido revelado
— diz.
Resolveu recapitular cada minuto do dia, e — ao lembrar-se do
momento em que atravessava a rua — a ideia voltou. Desta vez ele
conseguiu escrevê-la.
Era a teoria dos buracos negros, uma verdadeira revolução na física
moderna. E tornou a surgir porque Penrose foi capaz de lembrar-se do
silêncio que fazemos sempre que atravessamos uma rua.
Santo Antão vivia no deserto quando se aproximou um jovem:
— Padre, vendi tudo que tinha e dei aos pobres. Guardei apenas umas
poucas coisas para me ajudar a sobreviver aqui. Gostaria que me
ensinasse o caminho da salvação.
Santo Antão pediu que o rapaz vendesse as poucas coisas que havia
guardado e, com o dinheiro, comprasse carne na cidade. Na volta, devia
trazer a carne amarrada em seu corpo.
O rapaz obedeceu. Ao voltar, foi atacado por cachorros e falcões, que
queriam um pedaço da carne.
— Eis-me de volta — disse o rapaz, mostrando o corpo arranhado e
as roupas em frangalhos.
— Aqueles que dão um passo novo e ainda querem manter um pouco
da vida antiga terminam dilacerados pelo próprio passado — foi o
comentário do santo.
Diz o mestre:
Viva todas as graças que Deus lhe deu hoje. A graça não pode ser
economizada. Não existe um banco onde depositamos as graças
recebidas, para utilizá-las de acordo com a nossa vontade. Se você não
usufruir essas bênçãos, irá perdê-las irremediavelmente.
Deus sabe que somos artistas da vida. Um dia nos dá formas para
esculturas, outro dia nos dá pincéis e tela, ou uma pena para escrever.
Mas jamais conseguiremos usar formas em telas, ou penas em
esculturas.
A cada dia, o seu milagre. Aceite as bênçãos, trabalhe e crie suas
pequenas obras de arte hoje.
Amanhã você receberá mais.
Omosteiro na margem do rio Piedra está cercado por uma linda
vegetação — verdadeiro oásis nos campos estéreis daquela parte da
Espanha. Ali, o pequeno rio transforma-se numa caudalosa corrente e
se divide em dezenas de cachoeiras.
O viajante caminha por aquele lugar escutando a música das águas.
De repente, uma gruta — debaixo de uma das cachoeiras — chama a
sua atenção. Ele olha cuidadosamente a pedra gasta pelo tempo, as
belas formas que a natureza cria com paciência. E descobre, escrito
numa placa, os versos de R. Tagore:
— Não foi o martelo que deixou perfeitas estas pedras, mas a água,
com sua doçura, sua dança e sua canção.
Onde a dureza só faz destruir, a suavidade consegue esculpir.
Diz o mestre:
Muita gente tem medo da felicidade. Para essas pessoas, esta palavra
significa mudar uma série de hábitos — e perder sua própria
identidade.
Muitas vezes nos julgamos indignos das coisas boas que acontecem
conosco. Não aceitamos — porque aceitá-las nos dá a sensação de que
estamos devendo alguma coisa a Deus.
Pensamos: “É melhor não provar o cálice da alegria, porque, quando
este nos faltar, iremos sofrer muito”.
Por medo de diminuir, deixamos de crescer. Por medo de chorar,
deixamos de rir.
Omosteiro da Sceta assistiu, certa tarde, a um monge ofender o outro.
O superior do mosteiro, abade Sisois, pediu ao monge ofendido que
perdoasse seu agressor.
— De jeito nenhum — respondeu o monge. — Ele fez, ele terá que
pagar.
Na mesma hora, o abade Sisois levantou os braços para o céu e
começou a rezar:
— Meu Jesus, não precisamos mais de Ti. Já somos capazes de fazer
os agressores pagarem por suas ofensas. Já somos capazes de tomar a
vingança em nossas mãos, e cuidar do Bem e do Mal. Portanto, o
Senhor pode afastar-se de nós sem problemas.
Envergonhado, o monge perdoou imediatamente seu irmão.
—T
odos os mestres dizem que o tesouro espiritual é uma descoberta
solitária. Então, por que estamos juntos? — perguntou um dos
discípulos.
— Vocês estão juntos porque um bosque é sempre mais forte que uma
árvore solitária — respondeu o mestre. — O bosque mantém a
umidade, resiste melhor a um furacão, ajuda o solo a ser fértil. Mas o
que faz a árvore forte é a sua raiz. E a raiz de uma planta não pode
ajudar outra planta a crescer.
“Estar junto no mesmo propósito, e deixar que cada um cresça à sua
maneira, este é o caminho dos que desejam comungar com Deus.”
Quando o viajante tinha dez anos, a mãe obrigou-o a fazer um curso
de educação física.
Um dos exercícios era pular de uma ponte na água. Ele morria de
medo. Ficava no último lugar da fila e sofria com cada menino que
pulava na frente, porque em pouco tempo chegaria o momento de seu
salto. Um dia, o professor — vendo seu medo — obrigou-o a ser o
primeiro a pular.
Teve o mesmo medo, mas acabou tão rápido que passou a ter
coragem.
Diz o mestre:
Muitas vezes temos que dar tempo ao tempo. Outras vezes, temos que
arregaçar as mangas e resolver a situação. Neste caso, não existe coisa
pior do que adiar.
Buda estava reunido com seus discípulos certa manhã, quando um
homem se aproximou.
— Existe Deus? — perguntou.
— Existe — respondeu Buda.
Depois do almoço, aproximou-se outro homem.
— Existe Deus? — quis saber.
— Não, não existe — disse Buda.
No final da tarde, um terceiro homem fez a mesma pergunta:
— Existe Deus?
— Você terá que decidir — respondeu Buda.
— Mestre, que absurdo! — disse um dos seus discípulos. — Como o
senhor dá respostas diferentes para a mesma pergunta?
— Porque são pessoas diferentes — respondeu o Iluminado. — E
cada uma se aproximará de Deus à sua maneira: através da certeza, da
negação e da dúvida.
Somos seres preocupados em agir, fazer, resolver, providenciar.
Estamos sempre tentando planejar uma coisa, concluir outra, descobrir
uma terceira.
Não há nada de errado nisto — afinal de contas, é assim que
construímos e modificamos o mundo. Mas faz parte da experiência da
vida o ato da Adoração.
Parar de vez em quando, sair de si mesmo, permanecer em silêncio
diante do Universo.
Ajoelhar-se com o corpo e com a alma. Sem pedir, sem pensar, sem
mesmo agradecer por nada. Apenas viver o amor calado que nos
envolve. Nestes momentos, algumas lágrimas inesperadas — que não
são nem de alegria, nem de tristeza — podem jorrar.
Não se surpreenda. Isto é um dom. Estas lágrimas estão lavando sua
alma.
Diz o mestre:
Se você tiver de chorar, chore como as crianças.
Você foi criança um dia, e uma das primeiras coisas que aprendeu em
sua vida foi chorar; porque faz parte da vida. Jamais esqueça que você é
livre, e que demonstrar emoções não é uma vergonha.
Grite, soluce alto, faça barulho se tiver vontade — porque assim
choram as crianças, e elas sabem a maneira rápida de sossegar seus
corações.
Você já reparou como as crianças param de chorar?
Alguma coisa as distrai, algo chama a atenção delas para uma nova
aventura.
As crianças param de chorar muito rápido.
Assim será também com você — mas apenas se chorar como chora
uma criança.
Oviajante almoça com uma amiga advogada em Fort Lauderdale.
Um bêbado animadíssimo, na mesa ao lado, insiste em puxar conversa
o tempo todo. A certa altura a amiga pede ao bêbado para ficar quieto.
Mas ele insiste:
— Por quê? Eu falei de amor como um homem sóbrio nunca fala.
Demonstrei alegria, tentei comunicar-me com estranhos. O que há de
errado nisto?
— O momento não é apropriado — responde ela.
— Quer dizer que existe hora certa para demonstrar felicidade?
Depois desta frase, o bêbado é convidado para a mesa dos dois.
Diz o mestre:
Devemos cuidar de nosso corpo — ele é o templo do Espírito Santo, e
merece nosso respeito e nosso carinho.
Devemos aproveitar ao máximo nosso tempo — é preciso lutar por
nossos sonhos, e temos de concentrar nossos esforços neste sentido.
Mas é preciso não esquecer que a vida é composta de pequenos
prazeres. Eles foram colocados aqui para nos estimular, ajudar nossa
busca, nos dar momentos de repouso enquanto travamos nossas
batalhas diárias.
Não existe pecado algum em ser feliz. Não existe nada de errado em
— uma vez ou outra — transgredir certas regras de alimentação, de
sono, de alegria.
Não se culpe se — de vez em quando — você perde tempo com
bobagens. São os pequenos prazeres que nos dão os grandes estímulos.
Enquanto o mestre viajava para divulgar a palavra de Deus, a casa
onde vivia com seus discípulos pegou fogo.
— Ele nos confiou este lugar, e não soubemos cuidar direito — diz
um dos discípulos.
Imediatamente, começam a reconstruir o que sobrou do incêndio —
mas o mestre volta antes da hora e vê os trabalhos de reconstrução.
— Então, estamos melhorando: uma casa nova! — diz, com alegria.
Um dos discípulos, envergonhado, conta a verdadeira história: o local
onde moravam fora destruído pelas chamas.
— Não consigo entender o que está me contando — responde o
mestre. — O que vejo são homens com fé na vida, começando uma nova
etapa. Aqueles que perderam a única coisa que tinham estão em melhor
posição que muita gente; porque, a partir de agora, só têm a ganhar.
Opianista Arthur Rubinstein atrasou-se para o almoço num
importante restaurante de Nova York. Seus amigos começaram a ficar
preocupados — mas Rubinstein finalmente apareceu, ao lado de uma
loura espetacular, com um terço de sua idade.
Conhecido por seu pão-durismo, nesta tarde ele pediu os pratos mais
caros, os vinhos mais raros e sofisticados. No final, pagou a conta com
um sorriso nos lábios.
— Sei que vocês devem estar estranhando — disse Rubinstein —,
mas hoje fui ao advogado fazer meu testamento. Dei uma boa quantia
para minha filha, para meus parentes, fiz generosas doações para obras
de caridade. De repente, me dei conta de que eu não estava incluído no
meu testamento: era tudo dos outros!
“A partir daí, resolvi me tratar com mais generosidade.”
Diz o mestre:
Se você está percorrendo o caminho de seus sonhos, comprometa-se
com ele. Não deixe a porta de saída aberta através da desculpa: “Ainda
não é bem isto que eu queria”. Esta frase guarda dentro dela a semente
da derrota.
Assuma o seu caminho. Mesmo que precise dar passos incertos,
mesmo que saiba que pode fazer melhor o que está fazendo. Se você
aceitar suas possibilidades no presente, com toda certeza vai melhorar
no futuro.
Mas, se negar suas limitações, jamais se verá livre delas.
Enfrente seu caminho com coragem, não tenha medo da crítica dos
outros. E, sobretudo, não se deixe paralisar por sua própria crítica.
Deus estará com você nas noites insones, e enxugará as lágrimas
ocultas com Seu amor.
Deus é o Deus dos valentes.
Omestre pediu aos seus discípulos que conseguissem comida.
Estavam viajando e não conseguiam se alimentar direito.
Os discípulos voltaram no final da tarde. Cada um trazia o pouco
conseguido por meio da caridade alheia: frutas já podres, pães duros,
vinho azedo.
Um dos discípulos, porém, trazia uma saca de maçãs maduras.
— Farei sempre todo o possível para ajudar meu mestre e meus
irmãos — disse ele, dividindo as maçãs com os outros.
— Onde você arranjou isso? — perguntou o mestre.
— Tive que roubá-las — respondeu o discípulo. — Os homens só me
deram alimentos velhos, mesmo sabendo que pregamos a palavra de
Deus.
— Pois vá embora com suas maçãs, e não volte nunca mais — disse
o mestre. — Aquele que rouba por mim terminará roubando de mim.
Saímos pelo mundo em busca de nossos sonhos e ideais. Muitas vezes
colocamos nos lugares inacessíveis o que está ao alcance das mãos.
Quando descobrimos o erro, sentimos que perdemos tempo, buscando
longe o que estava perto. Culpamo-nos pelos passos errados, pela
procura inútil, pelo desgosto que causamos.
Diz o mestre:
Embora o tesouro esteja enterrado na sua casa, você só irá descobri-lo
quando se afastar. Se Pedro não tivesse experimentado a dor da
negação, não teria sido escolhido como chefe da Igreja. Se o filho pródigo
não tivesse abandonado tudo, não seria recebido com festa por seu pai.
Existem certas coisas em nossas vidas que têm um selo dizendo:
“Você só irá entender meu valor quando me perder — e me recuperar”.
Não adianta querer encurtar este caminho.
Omestre reuniu-se com seu discípulo preferido e perguntou como ia
seu progresso espiritual. O discípulo respondeu que estava conseguindo
dedicar a Deus todos os momentos de seu dia.
— Então, falta apenas perdoar os seus inimigos — disse o mestre.
O discípulo virou-se, chocado:
— Mas eu não preciso! Não tenho raiva de meus inimigos!
— Você acha que Deus tem raiva de você? — perguntou o mestre.
— Claro que não! — respondeu o discípulo.
— E mesmo assim você pede Seu perdão, não é verdade? Faça o
mesmo com seus inimigos, mesmo que não sinta ódio por eles. Quem
perdoa está lavando e perfumando o próprio coração.
Ojovem Napoleão tremia como vara verde durante os ferozes
bombardeios no cerco de Toulon.
Um soldado, vendo-o assim, comentou com os outros:
— Reparem como ele está morto de medo!
— Sim — respondeu Napoleão. — Mas continuo combatendo. Se
você sentisse a metade do pavor que estou sentindo, já teria fugido há
muito tempo.
Diz o mestre:
O medo não é sinal de covardia. É ele que nos dá possibilidade de
agir com bravura e dignidade diante das situações da vida. Quem sente
medo — e apesar disso segue adiante, sem deixar-se intimidar — está
dando uma prova de valentia. Quem, entretanto, enfrenta situações
arriscadas sem dar-se conta do perigo, demonstra apenas
irresponsabilidade.
Oviajante está numa festa de São João, com barraquinhas, tiro ao
alvo, comida caseira.
De repente, um palhaço começa a imitar todos os seus gestos. As
pessoas riem, e ele também se diverte. No final, convida-o para tomar
um café.
— Comprometa-se com a vida — diz o palhaço. — Se você está vivo,
você tem de sacudir os braços, pular, fazer barulho, rir e falar com as
pessoas — porque a vida é exatamente o oposto da morte.
“Morrer é ficar sempre na mesma posição. Se você está muito quieto,
você não está vivendo.”
Um poderoso monarca chamou um santo padre — que todos diziam
ter poderes curativos — para ajudá-lo com as dores na coluna.
— Deus nos ajudará — disse o homem santo. — Mas antes vamos
entender a razão destas dores. A confissão faz o homem enfrentar seus
problemas, e o liberta de muitas coisas.
E o sacerdote começou a perguntar tudo sobre a vida do rei, desde a
maneira como tratava seu próximo até as angústias e aflições do seu
reinado. O rei, aborrecido por ter de pensar em problemas, virou-se para
o homem santo:
— Não quero falar sobre esses assuntos. Por favor, me traga alguém
que cure sem fazer perguntas.
O padre saiu e voltou meia hora depois com outro homem.
— Eis de quem o senhor precisa — disse ele. — Meu amigo é
veterinário. Não costuma conversar com seus pacientes.
Discípulo e mestre iam pelo campo certa manhã.
O discípulo pedia uma dieta necessária para a purificação. Por mais
que o mestre insistisse que todo alimento é sagrado, o discípulo não
queria acreditar.
— Deve existir uma comida que nos aproxima de Deus — insistia o
discípulo.
— Bem, talvez você tenha razão. Aqueles cogumelos ali, por exemplo
— disse o mestre.
O discípulo animou-se, pensando que os cogumelos lhe trariam
purificação e êxtase. Mas deu um grito ao chegar perto:
— São venenosos! Se eu comer algum deles, morro na hora! — disse,
horrorizado.
— Além desta, não conheço qualquer outra maneira de se aproximar
de Deus por meio da alimentação — respondeu o mestre.
No inverno de 1981 o viajante caminha com a mulher pelas ruas de
Praga, quando vê um rapaz desenhando os prédios à sua volta.
Gosta de um dos desenhos e resolve comprá-lo.
Quando estende o dinheiro, repara que o rapaz estava sem luvas —
apesar do frio de -5ºC.
— Por que você não usa luvas? — pergunta.
— Para poder segurar o lápis.
Conversam um pouco sobre Praga. O rapaz resolve desenhar o rosto
da mulher do viajante, sem cobrar nada.
Enquanto espera o desenho ficar pronto, o viajante percebe que algo
estranho acontecera; conversara quase cinco minutos com o rapaz, sem
que um soubesse falar a língua do outro.
Foram apenas gestos, risos, expressões faciais — mas a vontade de
compartilhar alguma coisa fez com que entrassem no mundo da
linguagem sem palavras.
Um amigo levou Hassam até a porta de uma mesquita, onde um cego
pedia esmolas.
— Este cego é o homem mais sábio de nosso país — disse.
— Há quanto tempo o senhor é cego? — perguntou Hassam.
— Desde que nasci — respondeu o homem.
— E o que o transformou em um sábio?
— Como não me conformava com minha cegueira, tentei ser
astrônomo — respondeu o homem. — Já que não podia ver os céus, fui
obrigado a imaginar as estrelas, o Sol, as galáxias. À medida que me
aproximava da obra de Deus, terminei me aproximando de Sua
Sabedoria.
Em um remoto bar da Espanha, perto de uma cidade chamada Olite,
existe um cartaz escrito por seu dono:
“Justamente quando consegui encontrar todas as respostas,
mudaram todas as perguntas.”
Diz o mestre:
Sempre estamos muito ocupados em procurar respostas; consideramos
respostas coisas importantes para compreender o sentido da vida.
É mais importante viver plenamente, e deixar que o próprio tempo se
encarregue de nos revelar os segredos de nossa existência. Se estamos
ocupados demais em encontrar um sentido, não deixamos a Natureza
atuar, e nos tornamos incapazes de ler os sinais de Deus.
Uma lenda australiana conta a história de um feiticeiro que passeava
com suas três irmãs quando se aproximou o mais famoso guerreiro
daqueles tempos.
— Quero me casar com uma destas belas moças — disse.
— Se uma delas casar, as outras vão sofrer. Estou procurando uma
tribo onde os guerreiros possam ter três mulheres — respondeu o
feiticeiro, afastando-se.
E, durante anos, caminhou pelo continente australiano, sem
conseguir encontrar tal tribo.
— Pelo menos uma de nós podia ter sido feliz — disse uma das
irmãs, quando já estavam velhos e cansados de tanto andar.
— Eu estava errado — respondeu o feiticeiro. — Mas agora é tarde.
E transformou as três irmãs em blocos de pedra, para que quem por
ali passasse pudesse entender que a felicidade de um não significa a
tristeza de outros.
Ojornalista Wagner Carelli foi entrevistar o escritor argentino Jorge
Luis Borges.
Ao terminar a entrevista, ficaram conversando sobre a linguagem que
existe além das palavras e sobre a imensa capacidade que o ser humano
tem de entender o seu próximo.
— Vou lhe dar um exemplo — disse Borges.
E começou a dizer algo numa língua estranha. No final, perguntou de
que se tratava.
Antes que Wagner pudesse dizer qualquer coisa, o fotógrafo que
estava com ele respondeu:
— É a oração do pai-nosso.
— Exato — disse Borges. — E eu a estava recitando em finlandês.
Um treinador de circo consegue manter um elefante aprisionado
porque usa um truque muito simples: quando o animal ainda é criança,
ele amarra uma de suas patas num tronco muito forte.
Por mais que tente, o elefantinho não consegue soltar-se. Aos poucos,
vai se acostumando com a ideia de que o tronco é mais poderoso que ele.
Quando adulto, e dono de uma força descomunal, basta colocar uma
corda no pé do elefante e amarrá-la num graveto que ele nem tenta
libertar-se — porque se lembra que já tentou muitas vezes e não
conseguiu.
Assim como os elefantes, nossos pés estão amarrados em algo frágil.
Mas como, desde criança, nos acostumamos com o poder daquele
tronco, não ousamos fazer nada.
Sem saber que basta um simples gesto de coragem para descobrir
toda nossa liberdade.
Não adianta pedir explicações sobre Deus; você pode escutar
palavras muito bonitas, mas, no fundo, são palavras vazias. Da mesma
maneira que você pode ler toda uma enciclopédia sobre o amor e não
saber o que é amar.
Diz o mestre:
Ninguém vai conseguir provar que Deus existe, ou que não existe.
Certas coisas na vida foram feitas para serem experimentadas — nunca
explicadas.
O amor é uma dessas coisas. Deus — que é amor — também é. A fé
é uma experiência infantil, naquele sentido mágico que Jesus nos
ensinou: “É das crianças o Reino dos Céus”.
Deus nunca vai entrar por sua cabeça — a porta que Ele usa é o seu
coração.
Oabade Pastor costumava dizer que o abade João rezava tanto que
não precisava mais se preocupar — suas paixões haviam sido vencidas.
As palavras do abade Pastor terminaram chegando aos ouvidos de
um dos sábios do mosteiro de Sceta. Este chamou os noviços depois da
ceia.
— Vocês têm escutado dizer que o abade João não tem mais tentações
a vencer — disse ele. — A falta de luta enfraquece a alma. Vamos pedir
ao Senhor que envie uma tentação bem poderosa para o abade João. E se
ele vencer esta tentação, vamos pedir outra e mais outra. E, quando ele
estiver de novo lutando contra as tentações, vamos rezar para que ele
jamais diga: “Senhor, afasta de mim este demônio”. Vamos rezar
para que ele peça: “Senhor, dai-me força para enfrentar o mal”.
Existe um momento do dia em que fica difícil enxergar direito: o
crepúsculo. Luz e trevas se encontram — e nada é total­­mente claro ou
totalmente escuro. Na maior parte das tradições espirituais esse
momento é considerado sagrado.
A tradição católica nos ensina que às seis horas da tarde devemos
rezar a ave-maria. Na tradição quéchua, se encontramos um amigo à
tarde e estamos ainda com ele no crepúsculo, devemos começar tudo de
novo, saudando-o novamente com um boa-noite.
No momento do crepúsculo, o equilíbrio do planeta e do homem é
testado. Deus mistura sombra e luz, quer ver se a Terra tem coragem de
continuar girando.
Se a Terra não se assusta com a escuridão, a noite passa — e um
novo sol torna a brilhar.
Ofilósofo alemão Schopenhauer caminhava por uma rua de Dresden,
procurando respostas para questões que o angustiavam. De repente, viu
um jardim e resolveu ficar horas seguidas olhando as flores.
Um dos vizinhos notou o comportamento estranho daquele homem e
chamou a Guarda Civil. Minutos depois, um policial se aproximava de
Schopenhauer.
— Quem é o senhor? — perguntou o policial, com voz dura.
Schopenhauer olhou de alto a baixo o homem à sua frente:
— Se o senhor souber responder a esta pergunta — disse o filósofo —
eu lhe serei eternamente grato.
Um homem em busca da sabedoria resolveu ir para as montanhas,
pois lhe disseram que a cada dois anos Deus aparecia ali.
Durante o primeiro ano, comeu tudo o que a terra lhe oferecia. No
final, a comida acabou, e teve que retornar à cidade.
— Deus é injusto! — exclamou. — Não viu que fiquei aqui durante
todo esse tempo procurando ouvir Sua voz. Agora tenho fome, e volto
sem escutá-Lo.
Neste momento, um anjo apareceu.
— Deus gostaria muito de conversar com você — disse o anjo. —
Durante um ano lhe deu alimento. Esperava que você cuidasse de sua
alimentação no próximo ano. Entretanto, o que você plantou? Se um
homem não é capaz de produzir frutos no lugar onde vive, não está
preparado para conversar com Deus.
Nós pensamos: “Bem, realmente parece que a liberdade do
homem consiste em escolher a própria escravidão. Trabalho
oito horas por dia, e, se for promovido, passarei a trabalhar
doze horas. Casei, e agora não tenho mais tempo para mim
mesmo. Procurei Deus e sou obrigado a ir a cultos, missas,
cerimônias religiosas. Tudo que é importante nesta vida —
amor, trabalho, fé — termina se transformando em um fardo
pesado demais”.
Diz o mestre:
Só o amor nos faz escapar. Só o amor ao que fazemos em liberdade.
Se não podemos amar, é melhor parar agora. Jesus disse: “Se teu olho
esquerdo te escandaliza, fura-o. É melhor estar cego de um olho do que
fazer com que todo o teu corpo pereça nas trevas”.
A frase é dura. Mas é isso aí.
Um ermitão conseguiu jejuar durante um ano, comendo apenas uma
vez por semana. Depois de tanto esforço, pediu que Deus lhe revelasse o
verdadeiro significado de determinada passagem bíblica.
Não escutou qualquer resposta.
— Que desperdício de tempo — disse o monge para si mesmo. — Fiz
todo este sacrifício e Deus não me responde! Melhor sair daqui e
encontrar algum outro monge que saiba o significado deste texto.
Neste momento, apareceu um anjo.
— Os doze meses de jejum serviram apenas para você acreditar que
era melhor que os outros, e Deus não escuta os vaidosos — disse o anjo.
— Mas, quando você foi humilde, e pensou em pedir ajuda ao seu
próximo, Deus me enviou.
E o anjo revelou ao monge o que ele queria saber.
Diz o mestre:
Reparem como certas palavras foram construídas para mostrar
claramente o que querem dizer.
Tomemos a palavra “preocupação” e dividamos em duas: pré e
ocupação. Significa ocupar-se de uma coisa antes que ela aconteça.
Quem, em todo este Universo, pode ter o dom de ocupar-se de uma
coisa que ainda não aconteceu?
Nunca se preocupe. Esteja atento ao seu destino e ao seu caminho.
Aprenda tudo que precisa aprender para manejar bem a espada da luz
que lhe foi confiada.
Repare como lutam os amigos, os mestres e os inimigos. Treine
bastante, mas não cometa o pior dos erros: acreditar que sabe qual o
golpe que o adversário vai aplicar.
Ésexta-feira, você chega em casa e pega alguns jornais que não pôde
ler durante a semana. Liga a TV sem som, coloca um disco. Usa o
controle remoto para passar de uma estação a outra, enquanto folheia
algumas páginas e presta atenção na música que está tocando. Os
jornais não trazem nenhuma novidade, a programação da TV é
repetitiva, e você já ouviu este disco dezenas de vezes.
Sua mulher está cuidando das crianças, sacrificando o melhor da sua
juventude, sem entender direito por que está fazendo isso.
Uma desculpa passa por sua cabeça: “Bem, a vida é isto mesmo”.
Não, a vida não é isto mesmo. A vida é entusiasmo. Pense onde você
deixou seu entusiasmo escondido. Pegue sua mulher e seus filhos e vá
atrás dele, antes que seja tarde demais. O amor nunca impediu ninguém
de seguir seus sonhos.
Na véspera de Natal o viajante e sua mulher faziam um balanço do
ano que estava terminando.
Durante o jantar no único restaurante de um povoado nos Pireneus, o
viajante começou a reclamar de algo que não tinha ocorrido como
desejava.
A mulher olhava fixamente a árvore de Natal que enfeitava o
restaurante. O viajante achou que ela não estava mais interessada na
conversa, e mudou de assunto:
— Bela a iluminação desta árvore — disse.
— É verdade — respondeu a mulher. — Mas, se você reparar bem,
no meio destas dezenas de lâmpadas há uma que está queimada. Me
parece que, em vez de ver o ano como dezenas de bênçãos que
brilharam, você está fixando seu olhar na única lâmpada que não
iluminou nada.
—V
ê aquele homem santo, humilde, caminhando pela estrada? — disse um
demônio para o outro. — Pois vou até lá conquistar sua alma.
— Ele não lhe dará ouvidos, porque só presta atenção em coisas
santas — respondeu seu companheiro.
Mas o demônio, ardiloso como sempre, vestiu-se como o Arcanjo
Gabriel e apareceu para o homem.
— Vim para ajudá-lo — disse.
— Talvez você esteja me confundindo com outra pessoa — respondeu
o santo homem. — Nunca em minha vida fiz nada para merecer a visão
de um anjo.
E continuou o seu caminho, sem saber do que havia escapado.
Ângela Pontual assistia a uma peça de teatro na Broadway e saiu
para tomar um uísque no intervalo. A sala de espera estava lotada; as
pessoas fumavam, conversavam, bebiam.
Um pianista tocava. Ninguém prestava atenção à música. Ângela
começou a beber e olhar o músico. Ele parecia entediado, fazendo aquilo
por obrigação, doido para que o intervalo terminasse.
Já no seu terceiro uísque, meio tonta, aproximou-se do pianista.
— Você é um chato! Por que não toca apenas para você? —
vociferou.
O pianista olhou surpreso para ela. E, no minuto seguinte, começou a
tocar as músicas que gostaria de estar tocando. Em pouco tempo a sala
de espera estava em total silêncio.
Quando o pianista acabou, todos aplaudiram com entusiasmo.
São Francisco de Assis era um jovem muito popular quando resolveu
largar tudo e construir sua obra. Santa Clara era uma bela mulher
quando fez voto de castidade. São Raimundo Lull conhecia os grandes
intelectuais da sua época quando se retirou para o deserto.
A busca espiritual é, sobretudo, um desafio. Quem a usa para fugir de
seus problemas não irá muito longe.
De nada vale retirar-se do mundo aquele que não consegue fazer
amigos. Não adianta fazer voto de pobreza porque se é incapaz de
ganhar o próprio sustento. Não adianta ser humilde quando se é
covarde.
Uma coisa é ter — e renunciar. Outra coisa é não ter — e condenar
quem tem. É muito fácil para um homem impotente sair pregando a
castidade absoluta, mas que valor tem isso?
Diz o mestre:
Louve a obra de Deus. Vença a si mesmo enquanto enfrenta o mundo.
Como é fácil ser difícil. Basta ficar longe dos outros e, desta maneira,
não vamos sofrer nunca. Não vamos correr os riscos do amor, das
decepções, dos sonhos frustrados.
Como é fácil ser difícil. Não precisamos nos preocupar com
telefonemas que precisam ser dados, com pessoas que pedem nossa
ajuda, com a caridade que é necessário fazer.
Como é fácil ser difícil. Basta fingir que estamos numa torre de
marfim, que jamais derramamos uma lágrima. Basta passar o resto de
nossa existência representando um papel.
Como é fácil ser difícil. Basta abrir mão do que existe de melhor na
vida.
Opaciente virou-se para o médico:
— Doutor, o medo me domina, me tira a alegria de viver.
— Aqui no meu consultório tem um ratinho que come meus livros —
disse o médico. — Se eu ficar desesperado com este ratinho, ele se
esconderá de mim, e não farei outra coisa na vida a não ser caçá-lo.
Portanto, eu coloco os livros mais importantes num lugar seguro e deixo
que ele roa alguns outros.
“Desta maneira, ele continua um ratinho e não se torna um monstro.
Tenha medo de algumas coisas e concentre todo o seu medo nelas —
para que tenha coragem no resto.”
Diz o mestre:
Muitas vezes é mais fácil amar que ser amado.
Temos dificuldades em aceitar a ajuda e o apoio dos outros. Nossa
tentativa de parecermos independentes não permite que o próximo tenha
oportunidade de demonstrar seu amor.
Muitos pais, na velhice, roubam dos filhos a chance de dar o mesmo
carinho e apoio que receberam quando crianças. Muitos maridos (ou
mulheres), quando são atingidos por certos raios do destino, sentem-se
envergonhados de depender do outro. E, com isto, as águas do amor não
se espalham.
É preciso aceitar o gesto de amor do próximo. É preciso permitir que
alguém nos ajude, nos apoie, nos dê forças para continuar.
Se aceitamos este amor com pureza e humildade, vamos entender que
o Amor não é dar ou receber — é participar.
Eva passeava pelo Jardim do Éden quando a serpente se aproximou.
— Coma esta maçã — disse a serpente.
Eva, muito bem instruída por Deus, recusou.
— Coma esta maçã — insistiu a serpente —, porque você precisa
ficar mais bela para o seu homem.
— Não preciso — respondeu Eva —, porque ele não tem outra
mulher além de mim.
A serpente riu:
— Claro que tem.
E, como Eva não acreditasse, levou-a até o alto de uma colina, onde
existia um poço.
— Ela está dentro desta caverna; Adão escondeu-a ali.
Eva debruçou-se e viu, refletida na água do poço, uma linda mulher.
Na mesma hora, sem titubear, comeu a maçã que a serpente lhe
oferecia.
Trechos de uma anônima “Carta ao coração”:
“Meu coração: eu jamais te condenarei, te criticarei ou terei vergonha
de tuas palavras. Sei que és uma criança querida de Deus, e Ele te
guarda no meio de uma luz radiante e amorosa.
“Confio em ti, meu coração. Estou do teu lado, sempre pedirei bênçãos
em minhas orações, sempre pedirei para que tu encontres a ajuda e o
apoio de que necessitas.
“Confio no teu amor, meu coração. Confio em que irás dividir este
amor com quem merece ou necessita. Que meu caminho seja o teu
caminho, e que caminhemos juntos em direção ao Espírito Santo.
“E te peço: confia em mim. Sabe que te amo, e que procuro dar-te a
liberdade necessária para que continues batendo com alegria em meu
peito. Farei tudo que estiver ao meu alcance para que jamais te sintas
incomodado com a minha presença à tua volta.”
Diz o mestre:
Quando decidimos agir, é natural que surjam conflitos inesperados. É
natural que surjam feridas no decorrer destes conflitos.
As feridas passam: permanecem as cicatrizes, e isto é uma bênção.
Estas cicatrizes ficam conosco o resto da vida, e vão nos ajudar muito.
Se em algum momento — por comodismo ou qualquer outra razão — a
vontade de voltar ao passado for grande, basta olhar para elas.
As cicatrizes vão nos mostrar as marcas das algemas, vão nos
lembrar os horrores da prisão — e continuaremos caminhando para a
frente.
Na sua epístola aos Coríntios, São Paulo nos diz que a doçura é uma
das principais características do amor.
Não esqueçamos nunca: o amor é ternura. Uma alma rígida não
permite que a mão de Deus a molde de acordo com Seus desejos.
O viajante caminhava por uma pequena estrada no norte da Espanha
quando viu um camponês deitado num jardim.
— O senhor está amassando as flores — disse.
— Não — respondeu ele. — Estou tentando tirar um pouco da
doçura delas.
Diz o mestre:
Reze todos os dias. Mesmo sem palavras, sem pedidos, sem entender
por quê, faça da oração um hábito. Se no começo for difícil, proponha a
você mesmo: “Vou rezar todos os dias desta próxima semana”. E renove
esta promessa a cada sete dias.
Lembre-se de que você não está apenas criando um laço mais íntimo
com o mundo espiritual; também treina a sua vontade. É através de
certas práticas que desenvolvemos a disciplina necessária para o
verdadeiro combate da vida.
Não adianta esquecer a promessa e no dia seguinte rezar duas vezes.
Tampouco adianta rezar sete orações num mesmo dia e passar o resto
da semana achando que cumpriu sua tarefa.
Certas coisas precisam acontecer na medida e no ritmo certos.
Um homem mau, ao morrer, encontra um anjo na porta do inferno.
O anjo lhe diz:
— Basta você ter feito alguma coisa boa nesta vida, e esta coisa boa o
ajudará.
O homem responde:
— Nunca fiz nada de bom nesta vida.
— Pense bem — insiste o anjo.
O homem então se lembra de que, certa vez, enquanto andava por
uma floresta, viu uma aranha no seu caminho — e deu a volta, evitando
pisá-la.
O anjo sorri e um fio de aranha desce dos céus, permitindo que o
homem suba até o Paraíso. Outros condenados aproveitam para subir
também — mas o homem se vira e começa a empurrá-los, pois tem
medo de que o fio se rompa.
Neste momento o fio arrebenta, e o homem é de novo projetado no
inferno.
— Que pena — o homem escuta o anjo dizer. — Seu egoísmo
transformou em mal a única coisa boa que você fez.
Diz o mestre:
A encruzilhada é um lugar sagrado. Ali o peregrino tem de tomar
uma decisão. Por isso os deuses costumam dormir e comer nas
encruzilhadas.
Onde as estradas se cruzam, se concentram duas grandes energias —
o caminho que será escolhido e o caminho que será abandonado. Ambos
se transformam em um caminho só — mas apenas por um pequeno
período de tempo.
O peregrino pode descansar, dormir um pouco, até mesmo consultar
os deuses que habitam as encruzilhadas. Mas ninguém pode ficar ali
para sempre: uma vez feita a escolha, é preciso seguir adiante, sem
pensar no caminho que deixou de percorrer.
Ou a encruzilhada se transforma em maldição.
Em nome da Verdade, a raça humana cometeu seus piores crimes.
Homens e mulheres foram queimados. A cultura de civilizações inteiras
foi destruída.
Os que cometiam os pecados da carne eram mantidos a distância. Os
que procuravam um caminho diferente eram marginalizados.
Um deles, em nome da “verdade”, terminou crucificado. Mas — antes
de morrer — deixou a grande definição da Verdade.
Não é o que nos dá certezas.
Não é o que nos dá profundidade.
Não é o que nos faz melhor que os outros.
Não é o que nos mantém na prisão dos preconceitos.
A Verdade é o que nos faz livres.
— Conhecereis a Verdade, e a Verdade vos libertará — disse Ele.
Um dos monges do mosteiro de Sceta cometeu uma falta grave, e
chamaram o ermitão mais sábio para que pudesse julgá-lo.
O ermitão se recusou, mas insistiram tanto que ele terminou por ir.
Antes, porém, pegou um balde e furou-o em vários lugares. Depois,
encheu o balde de areia e se encaminhou para o convento.
O superior, ao vê-lo entrar, perguntou o que era aquilo.
— Vim julgar meu próximo — disse o ermitão. — Meus pecados
estão escorrendo atrás de mim, como a areia escorre deste balde. Mas,
como não olho para trás, e não me dou conta dos meus próprios
pecados, fui chamado para julgar meu próximo!
Os monges desistiram da punição na mesma hora.
Estava escrito na parede de uma pequena igreja nos Pireneus:
“Senhor, que esta vela que acabo de acender seja luz e me
ilumine em minhas decisões e dificuldades.
“Que seja fogo para que Tu queimes em mim o egoísmo, o
orgulho e as impurezas.
“Que seja chama para que Tu aqueças meu coração e me
ensines a amar.
“Eu não posso ficar muito tempo em Tua igreja. Mas,
deixando esta vela, um pouco de mim mesmo permanece aqui.
Me ajuda a prolongar minha prece nas atividades deste dia.
Amém.”
Um amigo do viajante resolveu passar algumas semanas num
mosteiro do Nepal. Certa tarde, entrou num dos muitos templos do
mosteiro e encontrou um monge, sorrindo, sentado no altar.
— Por que o senhor sorri? — perguntou ao monge.
— Porque entendo o significado das bananas — disse o monge,
abrindo a bolsa que carregava e tirando uma banana podre de dentro.
— Esta é a vida que passou e não foi aproveitada no momento certo,
agora é tarde demais.
Em seguida, tirou da bolsa uma banana ainda verde.
Mostrou-a e tornou a guardá-la.
— Esta é a vida que ainda não aconteceu, é preciso esperar o
momento certo — disse.
Finalmente, tirou uma banana madura, descascou-a e dividiu-a com
meu amigo, dizendo:
— Este é o momento presente. Saiba vivê-lo sem medo.
Baby Consuelo tinha saído com o dinheiro contado para levar o filho
ao cinema.
O garoto estava animadíssimo, e a toda hora perguntava quanto
tempo demorariam para chegar.
Ao parar no sinal, viu um mendigo sentado na calçada — sem pedir
nada.
— Dê todo o dinheiro que você carrega para ele — escutou uma voz
dizer.
Baby argumentou com a voz — havia prometido levar o filho ao
cinema.
— Dê tudo — insistiu a voz.
— Posso dar a metade, meu filho entra sozinho e eu espero na saída
— disse ela.
Mas a voz não queria conversa:
— Dê tudo.
Baby nem teve tempo de explicar para o garoto: parou o carro e
estendeu todo o dinheiro que carregava para o mendigo.
— Deus existe, e a senhora me mostrou isto — disse o mendigo. —
Hoje é meu aniversário. Eu estava triste, envergonhado de estar sempre
esmolando. Então resolvi não pedir nada e pensei: se Deus existe, ele me
dará um presente.
Um homem vai passando por uma aldeia, em pleno temporal, e vê
uma casa se incendiando.
Ao se aproximar, nota um outro homem — com fogo até nas
sobrancelhas — sentado na sala em chamas.
— Ei, sua casa está pegando fogo! — diz o peregrino.
— Eu sei disso — responde o homem.
— Então por que você não sai?
— Porque está chovendo — diz o homem. — Minha mãe me disse
que a chuva pode nos trazer pneumonia.
Zao Chi comenta sobre a fábula:
“Sábio é o homem que consegue mudar de situação quando se vê
forçado a isto.”
Em certas tradições mágicas, os discípulos tiram um dia por ano —
ou um final de semana, se for necessário — para entrar em contato com
os objetos de sua casa.
Tocam cada coisa e perguntam em voz alta:
— Preciso realmente disto?
Pegam os livros na estante:
— Vou reler este livro algum dia?
Olham as recordações que guardaram:
— Ainda considero importante o momento que este objeto me faz
lembrar?
Abrem todos os armários:
— Há quanto tempo tenho isto e não usei? Será que vou precisar
mesmo?
Diz o mestre:
As coisas têm energia própria. Quando não utilizadas, terminam se
transformando em água parada dentro de casa — um bom lugar para
mosquitos e podridão.
É preciso estar atento, deixar a energia fluir livremente. Se você
mantém o que é velho, o novo não tem espaço para manifestar-se
Uma velha lenda peruana fala de uma cidade onde todos eram felizes.
Seus habitantes faziam o que desejavam e se entendiam bem — menos o
prefeito, que vivia triste porque não conseguia governar nada.
A prisão estava vazia, o tribunal nunca era usado e o tabelionato não
dava lucro, porque a palavra valia mais que o papel.
Um dia, o prefeito mandou vir operários de longe, que fecharam com
tapume o centro da praça principal; ouviram-se martelos batendo e
serras cortando madeira.
No final de uma semana, o prefeito convidou a todos da cidade para a
inauguração. Com solenidade, os tapumes foram retirados, e apareceu…
uma forca.
As pessoas começaram a se perguntar o que aquela forca estava
fazendo ali. Com medo, passaram a procurar a justiça para qualquer
coisa que antes era resolvida de comum acordo. Recorriam ao tabelião
para registrar documentos que antes eram substituídos pela palavra. E
voltaram a escutar o prefeito, com medo da lei.
A lenda diz que a forca nunca foi usada. Mas bastou sua presença
para mudar tudo.
Opsiquiatra alemão Viktor Frankl descreve sua experiência num
campo de concentração nazista: “… no meio do castigo humilhante, um
preso disse: ‘Ah, que vergonha se nossas mulheres nos vissem assim!’ O
comentário fez lembrar o rosto de minha esposa e, no mesmo instante,
me jogou para fora daquele inferno. A vontade de viver retornou, me
dizendo que a salvação do homem é por e pelo amor.
“Ali estava eu, no meio do suplício, e ainda assim capaz de entender
Deus, porque podia contemplar mentalmente a face de minha amada.
“O guarda mandou que todos parassem, mas não obedeci — porque
não estava no Inferno naquele momento. Embora não tivesse como
descobrir se minha mulher estava viva ou morta, isto não mudava nada.
Contemplar mentalmente sua imagem me devolvia a dignidade e a
força. Mesmo quando retiram tudo de um homem, ele ainda tem a bem-
aventurança de lembrar-se do rosto de quem ama — e isto o salva.”
Diz o mestre:
Daqui por diante — e por algumas centenas de anos — o Universo
vai boicotar os preconceituosos.
A energia da Terra precisa ser renovada. As ideias novas precisam de
espaço. O corpo e a alma precisam de novos desafios. O futuro bate à
nossa porta, e todas as ideias — exceto as que envolvem preconceitos —
terão chance de aparecer.
O que for importante ficará; o que for inútil desaparecerá. Mas que
cada um julgue apenas as próprias conquistas: não somos juízes dos
sonhos de nosso próximo.
Para ter fé em nosso caminho não é preciso provar que o caminho do
outro está errado. Quem age assim não confia nos próprios passos.
Avida é como uma grande corrida de bicicleta — cuja meta é cumprir
a Lenda Pessoal.
Na largada, estamos juntos — compartilhando camaradagem e
entusiasmo. Mas, à medida que a corrida se desenvolve, a alegria inicial
cede lugar aos verdadeiros desafios: o cansaço, a monotonia, as dúvidas
quanto à própria capacidade. Reparamos que alguns amigos desistiram
do desafio — ainda estão correndo, mas apenas porque não podem
parar no meio de uma estrada. Eles são numerosos, pedalam ao lado do
carro de apoio, conversam entre si e cumprem uma obrigação.
Terminamos por nos distanciar deles; e então somos obrigados a
enfrentar a solidão, as surpresas com as curvas desconhecidas, os
problemas com a bicicleta.
Perguntamo-nos finalmente se vale a pena tanto esforço.
Sim, vale. É só não desistir.
Mestre e discípulo caminham pelos desertos da Arábia. O mestre
aproveita cada momento da viagem para ensinar ao discípulo sobre a fé.
— Confie suas coisas a Deus — diz ele —, Deus jamais abandona
seus filhos.
De noite, ao acamparem, o mestre pede que o discípulo amarre os
cavalos numa rocha próxima. Ele vai até a rocha, mas lembra-se dos
ensinamentos do mestre: “Ele está me testando”, pensa. “Devo confiar os
cavalos a Deus.” E deixar os cavalos soltos.
De manhã, o discípulo descobre que os animais fugiram. Revoltado,
procura o mestre.
— Você nada entende sobre Deus — reclama. — Eu entreguei a Ele a
guarda dos cavalos. E os animais não estão lá.
— Deus queria cuidar dos cavalos — responde o mestre. — Mas,
naquele momento, Ele precisava de suas mãos para amarrá-los.
—Talvez Jesus tenha enviado alguns de seus apóstolos ao inferno
para salvar almas — diz John. — Mesmo no inferno, nem tudo está
perdido.
A ideia surpreende o viajante. John é bombeiro em Los Angeles e está
em seu dia de folga.
— Por que você diz isto? — pergunta.
— Porque tenho experimentado o inferno aqui na Terra. Entro no
meio de edifícios em chamas, vejo pessoas desesperadas tentando sair, e
muitas vezes cheguei a arriscar minha vida para salvá-las. Sou apenas
uma partícula neste Universo imenso, forçado a agir como herói no meio
dos muitos infernos de fogo que conheço. Se eu — que não sou nada —
consigo agir assim, imagine o que Jesus não deve fazer! Com certeza,
alguns de Seus apóstolos estão infiltrados no inferno, salvando almas.
Diz o mestre:
Grande parte das civilizações primitivas costumava enterrar seus
mortos na posição fetal. “Ele está nascendo para uma outra vida, de
modo que vamos colocá-lo na mesma posição que estava quando veio
para este mundo”, comentavam. Para essas civilizações — em constante
contato com o milagre da transformação —, a morte era apenas mais
um passo no longo caminho do Universo.
Aos poucos, o mundo foi perdendo a suave visão da morte. Mas não
importa o que pensamos, o que fazemos, ou em que acreditamos: vamos
todos morrer um dia.
É melhor fazer como os velhos índios iaqui: usar a morte como
conselheira. Perguntar sempre: “Já que vou morrer, o que devo fazer
agora?”.
Avida não é pedir ou dar conselhos. Se precisamos de ajuda, é melhor
ver como as outras pessoas resolvem, ou não, seus problemas.
Nosso anjo está sempre presente, e muitas vezes usa os lábios de
alguém para nos dizer algo. Mas esta resposta nos vem de maneira
casual, geralmente quando, embora atentos, não deixamos que nossas
preocupações turvem o milagre da vida.
Deixemos nosso anjo falar da maneira como ele está acostumado —
quando ele achar que precisa.
Diz o mestre:
Os conselhos são a teoria da vida — e a prática, em geral, é muito
diferente.
Um padre da Renovação Carismática do Rio de Janeiro estava num
ônibus quando escutou uma voz dizendo que devia levantar-se e pregar
a palavra de Cristo ali mesmo. O padre começou a conversar com a
voz:
— Vão me achar ridículo, isto não é lugar para sermão.
Mas algo dentro dele insistia, era preciso falar.
— Sou tímido, por favor não me peça isto — implorou.
O impulso interior persistia.
Então ele lembrou-se de sua promessa — aceitar todos os desígnios
de Cristo. Levantou-se — morrendo de vergonha — e começou a falar
do Evangelho. Todos escutaram em silêncio. Ele olhava cada passageiro,
e raros desviavam os olhos. Disse tudo o que sentia, terminou o sermão
e sentou-se de novo.
Até hoje não sabe que tarefa cumpriu naquele momento. Mas tem
absoluta certeza de que cumpriu uma tarefa.
Um feiticeiro africano conduz seu aprendiz pela floresta. Embora mais
velho, caminha com agilidade, enquanto seu aprendiz escorrega e cai a
todo instante. O aprendiz blasfema, levanta-se, cospe no chão traiçoeiro
e continua a acompanhar seu mestre.
Depois de longa caminhada, chegam a um lugar sagrado. Sem parar,
o feiticeiro dá meia-volta e começa a viagem de volta.
— Você não me ensinou nada hoje — diz o aprendiz, levando mais
um tombo.
— Ensinei, sim, mas você parece que não aprende — responde o
feiticeiro. — Estou tentando lhe ensinar como se lida com os erros da
vida.
— E como lidar com eles?
— Como deveria lidar com seus tombos — responde o feiticeiro. —
Em vez de ficar amaldiçoando o lugar onde caiu, devia procurar aquilo
que o fez escorregar.
Oabade Pastor estava certa tarde no mosteiro de Sceta quando
recebeu a visita de um ermitão.
— Meu orientador espiritual não sabe como me dirigir — disse o
recém-chegado. — Devo deixá-lo?
O abade Pastor nada disse, e o ermitão voltou para o deserto. Uma
semana depois, foi de novo visitar o abade Pastor.
— Meu orientador espiritual não sabe como me dirigir — disse. —
Resolvi deixá-lo.
— Estas são palavras sábias — respondeu o abade Pastor. —
Quando um homem percebe que sua alma não está contente, ele não
pede conselhos; toma as decisões necessárias para preservar sua
caminhada nesta vida.
Uma jovem se aproxima do viajante.
— Quero lhe contar algo — diz. — Sempre acreditei que tinha o
dom da cura. Mas não tinha coragem de tentar com ninguém. Até que
um dia meu marido estava com muita dor na perna esquerda, não havia
ninguém por perto para ajudar, e eu resolvi — morrendo de vergonha —
colocar minhas mãos sobre sua perna e pedir que a dor passasse.
“Agi sem acreditar que seria capaz de ajudá-lo, quando o escutei
rezando. ‘Faça, Senhor, com que minha mulher seja capaz de ser
mensageira de Tua luz, de Tua Força’ — dizia ele. — Minha mão
começou a esquentar, e as dores logo passaram.
“Depois perguntei por que havia rezado daquela maneira. Ele
respondeu que foi para me dar confiança. Hoje sou capaz de curar,
graças àquelas palavras.”
Ofilósofo Aristipo cortejava o poder da corte de Dionísio, tirano de
Siracusa.
Certa tarde encontrou Diógenes preparando para si mesmo um
pequeno prato de lentilhas.
— Se você cumprimentasse Dionísio, não seria forçado a comer
lentilhas — disse Aristipo.
— Se você soubesse comer lentilhas, não seria forçado a
cumprimentar Dionísio — respondeu Diógenes.
Diz o mestre:
É verdade que existe um preço para tudo, mas esse preço é relativo.
Quando seguimos nossos sonhos, podemos dar a impressão aos outros
de que somos miseráveis e infelizes. Mas o que os outros pensam não
importa: o que importa é a alegria em nosso coração.
Um homem que vivia na Turquia escutou falar de um grande mestre
que morava na Pérsia.
Sem hesitar, vendeu todas as suas coisas, despediu-se da família e foi
em busca da sabedoria.
Depois de anos viajando, conseguiu chegar diante da cabana onde
morava o grande mestre. Cheio de temor e respeito, aproximou-se e
bateu.
O grande mestre abriu a porta.
— Venho da Turquia — disse. — Fiz esta viagem inteira para fazer
apenas uma pergunta.
O velho olhou com surpresa:
— Está bem. Pode fazer apenas uma pergunta.
— Preciso ser claro no que vou perguntar; posso fazer a pergunta em
turco?
— Pode — disse o sábio —, e já respondi sua única pergunta.
Qualquer outra coisa que você quiser saber, pergunte ao seu coração; ele
dará a resposta.
E fechou a porta.
Diz o mestre:
A palavra é poder. As palavras transformam o mundo e o homem.
Todos nós já escutamos dizer: “Não se deve falar das coisas boas que
nos acontecem, pois a inveja alheia destruirá nossa alegria”.
Nada disso: os vencedores falam com orgulho dos milagres em suas
vidas. Se você coloca energia positiva no ar, ela atrai mais energia
positiva — e alegra aqueles que realmente lhe querem bem.
Quanto aos invejosos, aos derrotados — estes só poderão lhe causar
algum dano se você lhes der este poder.
Não tema. Fale das coisas boas da sua vida para quem quiser ouvir.
A Alma do Mundo precisa muito de sua alegria.
Havia um rei de Espanha que se orgulhava muito de sua linhagem, e
que era conhecido por sua crueldade com os mais fracos. Certa vez,
caminhava com sua comitiva por um campo de Aragón, onde — anos
antes — havia perdido seu pai em uma batalha.
Ali encontrou um homem santo remexendo uma enorme pilha de
ossos.
— O que fazes aí? — perguntou o rei.
— Honrada seja Vossa Majestade — disse o homem santo. —
Quando soube que o rei de Espanha vinha por aqui, resolvi recolher os
ossos de vosso falecido pai para entregar-vos. Entretanto, por mais que
procure, não consigo achá-los: eles são iguais aos ossos dos camponeses,
dos pobres, dos mendigos e dos escravos.
Do poeta afro-americano Langston Hughes:
“Eu conheço os rios.
“Eu conheço rios tão antigos como o mundo, e mais velhos que o fluxo
de sangue nas veias humanas.
“Minha alma é tão profunda como os rios.
“Eu me banhei no Eufrates, na aurora da civilização.
“Eu fiz minha cabana na margem do Congo, e suas águas me
cantaram uma canção de ninar.
“Eu vi o Nilo e construí as pirâmides.
“Eu escutei o canto do Mississipi quando Lincoln viajou até New
Orleans, e vi suas águas tornarem-se douradas ao entardecer.
“Minha alma se tornou tão profunda como os rios.”
—Q
uem é o melhor no uso da espada? — perguntou o guerreiro.
— Vá até o campo perto do monastério — disse o mestre. — Ali
existe uma rocha. Insulte-a.
— Por que devo fazer isto? — perguntou o discípulo. — A rocha
jamais me responderá de volta!
— Então, ataque-a com sua espada — disse o mestre.
— Tampouco farei isto — respondeu o discípulo. — Minha espada se
quebrará. E se atacá-la com minhas mãos, ferirei meus dedos sem
conseguir nada. Minha pergunta era outra: quem é o melhor no uso da
espada?
— O melhor é o que se parece com a rocha — disse o mestre. — Sem
desembainhar a lâmina, consegue mostrar que ninguém poderá vencê-
lo.
Oviajante chega ao vilarejo de San Martín de Unx, em Navarra, e
consegue localizar a mulher que guarda a chave da bela igreja
românica, no povoado quase em ruínas. Muito gentilmente, ela sobe as
ruelas estreitas e abre a porta.
A escuridão e o silêncio do templo medieval comovem o viajante.
Conversa um pouco com a mulher — e a certa altura comenta que,
embora seja meio-dia, pouco se pode ver das belíssimas obras de arte
que estão ali dentro.
“Só podemos ver os detalhes ao amanhecer”, diz a mulher. “Conta a
lenda que era isto que os construtores desta igreja queriam nos ensinar:
que Deus tem sempre uma hora certa para nos mostrar sua glória.”
Diz o mestre:
Existem dois deuses. O deus que nossos professores nos ensinaram e o
Deus que nos ensina. O deus sobre o qual as pessoas costumam
conversar e o Deus que conversa conosco. O deus que aprendemos a
temer e o Deus que nos fala de misericórdia.
Existem dois deuses. O deus que está nas alturas e o Deus que
participa de nossa vida diária. O deus que nos cobra e o Deus que
perdoa nossas dívidas. O deus que nos ameaça com os castigos do
inferno e o Deus que nos mostra o melhor caminho.
Existem dois deuses. Um deus que nos esmaga com nossas culpas e
um Deus que nos liberta com Seu amor.
Certa vez perguntaram ao escultor Michelangelo como fazia para
criar obras tão magníficas.
— É muito simples — respondeu Michelangelo. — Quando olho um
bloco de mármore, vejo a escultura dentro. Tudo que tenho de fazer é
retirar as aparas.
Diz o mestre:
Existe uma obra de arte que nos foi destinada criar.
Ela é o ponto central de nossa vida, e — por mais que tentemos nos
enganar — sabemos como é importante para nossa felicidade.
Geralmente esta obra de arte está coberta por anos de medos, culpas,
indecisões.
Mas se decidimos tirar estas aparas, se não duvidamos de nossa
capacidade, somos capazes de levar adiante a missão que nos foi
designada. E esta é a única maneira de viver com honra.
Um ancião que está para morrer procura um jovem e narra uma
história de heroísmo: durante uma guerra, ajudou um homem a fugir.
Deu-lhe abrigo, alimento e proteção. Quando já estavam chegando a
um lugar seguro, esse homem decidiu traí-lo e entregá-lo ao inimigo.
— E como você escapou? — pergunta o jovem.
— Não escapei; sou o outro, sou aquele que traiu — diz o velho. —
Mas, ao contar esta história como se fosse o herói, posso compreender
tudo o que ele fez por mim.
Diz o mestre:
Todos nós precisamos de amor. O amor faz parte da natureza
humana — tanto quanto comer, beber e dormir. Muitas vezes sentamos
diante de um belo pôr do sol, completamente sós, e pensamos:
“Nada disto tem importância, porque não posso compartilhar toda
esta beleza com alguém.”
Nestes momentos, vale a pena perguntar: quantas vezes nos pediram
amor e nós simplesmente viramos o rosto para o outro lado? Quantas
vezes tivemos medo de nos aproximar de alguém e dizer, com todas as
letras, que estávamos apaixonados?
Cuidado com a solidão. Ela vicia tanto quanto as drogas mais
perigosas. Se o pôr do sol parece não ter mais sentido para você, seja
humilde e parta em busca de amor. Saiba que — assim como outros
bens espirituais —, quanto mais estiver disposto a dar, mais você
receberá em troca.
Um missionário espanhol visitava uma ilha quando encontrou três
sacerdotes astecas.
— Como vocês rezam? — perguntou o padre.
— Temos apenas uma oração — respondeu um dos astecas. —
Dizemos: “Deus, Tu és três, e nós somos três. Tende piedade de nós”.
— Vou ensinar uma oração que Deus escuta — disse o missionário.
Ensinou uma oração católica, e seguiu seu caminho.
Pouco antes de retornar à Espanha, teve que passar por aquela
mesma ilha onde estivera alguns anos antes.
Quando a caravela se aproximava, o padre viu os três sacerdotes
caminhando sobre as águas.
— Padre, padre — disse um deles. — Por favor, torne a nos ensinar a
oração que Deus escuta, porque não conseguimos lembrar.
— Não importa — respondeu o padre, ao ver o milagre.
E pediu perdão a Deus, por não haver entendido que Ele falava todas
as línguas.
San Juan de la Cruz ensina que, em nossa caminhada espiritual, não
devemos procurar visões, ou sair atrás de declarações de outros que
percorreram este caminho. Nosso único apoio deve ser a fé — porque a
fé é algo límpido, transparente, que nasce dentro de nós, e não pode ser
confundida.
Um escritor estava conversando com um padre e perguntou-lhe o que
era a experiência de Deus.
— Não sei — respondeu o padre. — Tudo que tive até hoje foi a
experiência da minha fé em Deus.
E isto é o mais importante.
Diz o mestre:
O perdão é uma estrada de mão dupla.
Sempre que perdoamos alguém, estamos também perdoando a nós
mesmos. Se somos tolerantes com os outros, fica mais fácil aceitar
nossos próprios erros. Assim, sem culpa e sem amargura, conseguimos
melhorar nossa atitude diante da vida.
Quando — por fraqueza — permitimos que o ódio, a inveja, a
intolerância fiquem vibrando ao nosso redor, terminamos consumidos
por esta vibração.
Pedro perguntou a Cristo:
— Mestre, devo perdoar sete vezes meu próximo?
E Cristo respondeu:
— Não apenas sete, mas setenta vezes sete.
O ato de perdoar limpa o plano astral, e nos mostra a verdadeira luz
da Divindade.
Diz o mestre:
Os antigos mestres costumavam criar “personagens” para ajudar seus
discípulos a lidar com o lado mais sombrio da personalidade. Muitas
das histórias relacionadas com a criação de personagens se
transformaram em famosos contos de fadas.
O processo é simples: basta colocar suas angústias, medos, decepções
em um ser invisível que está do seu lado esquerdo. Ele funciona como o
“vilão” de sua vida, sempre sugerindo atitudes que você não gostaria de
tomar — mas termina tomando. Uma vez criado tal personagem, fica
mais fácil não obedecer a seus conselhos.
É extremamente simples. E por isso funciona muito bem.
—C
omo posso saber a melhor maneira de agir na vida? — perguntou o
discípulo ao mestre.
O mestre pediu que ele construísse uma mesa. Quando a mesa estava
quase pronta — bastando apenas cravar os pregos da parte de cima —,
o mestre aproximou-se.
O discípulo cravava os pregos com três golpes precisos.
Um prego, porém, estava mais difícil, e o discípulo precisou dar mais
um golpe. O quarto golpe enterrou o prego fundo demais, e a madeira
foi atingida.
— Sua mão estava acostumada com três marteladas — disse o
mestre. — Quando qualquer ação passa a ser governada pelo hábito,
ela perde seu sentido; e pode terminar causando danos.
“Cada ação é uma ação, e só existe um segredo: jamais deixe que o
hábito comande seus movimentos.”
Perto da cidade de Soria, na Espanha, existe uma antiga ermida
encravada na rocha, onde vive — há alguns anos — um homem que
abandonou tudo para dedicar-se à contemplação. O viajante vai
procurá-lo numa tarde de outono; é recebido com toda hospitalidade
possível.
Depois de dividir um pedaço de pão, o ermitão pede que o acompanhe
até um riacho próximo, para colher alguns cogumelos comestíveis.
No caminho, um jovem se aproxima.
— Santo homem — disse —, tenho escutado dizer que, para atingir
a iluminação, não devemos comer carne. É verdade?
— Aceita com alegria tudo o que a vida te oferece — responde o
homem. — Não pecarás contra o espírito, mas tampouco blasfemarás
contra a generosidade da terra.
Diz o mestre:
Se a caminhada está muito difícil, procure ouvir seu coração. Procure
ser o mais honesto possível consigo mesmo, veja se está mesmo seguindo
seu caminho, pagando o preço dos seus sonhos.
Se mesmo assim você continua apanhando da vida, chega um
momento em que é preciso reclamar. Faça isto com respeito, como um
filho reclama de um pai, mas não deixe de pedir um pouco mais de
atenção e de ajuda. Deus é pai e mãe, e os pais sempre esperam o
melhor de seu filho. Pode ser que o ensino esteja sendo puxado demais, e
não custa nada pedir uma pausa, um carinho.
Mas nunca exagere. Jó reclamou na hora certa e teve seus bens de
volta. Al Afid habituou-se a reclamar de tudo, e Deus deixou de escutá-
lo.
As festas de Valência, na Espanha, têm um curioso ritual, cuja origem
está na antiga comunidade dos carpinteiros.
Durante o ano inteiro, artesãos e artistas constroem gigantescas
esculturas de madeira. Na semana de festa, levam estas esculturas para
o centro da praça principal. As pessoas passam, comentam,
deslumbram-se e ficam comovidas com tanta criatividade. Então, no dia
de São José, todas estas obras de arte — exceto uma — são queimadas
numa gigantesca fogueira, diante de milhares de curiosos.
— Por que tanto trabalho à toa? — perguntou uma inglesa, enquanto
as imensas labaredas subiam aos céus.
— Você também vai acabar um dia — respondeu uma espanhola. —
Já imaginou se, neste momento, algum anjo perguntasse a Deus: “Por
que tanto trabalho à toa?”
Um homem muito piedoso viu-se, de repente, privado de todas as suas
riquezas. Sabendo que Deus era capaz de ajudá-lo em qualquer
circunstância, começou a rezar:
— Senhor, faz com que eu ganhe na loteria — pedia ele.
Durante anos e anos ele rezou, e continuou pobre.
Finalmente chegou o dia de sua morte e, como era muito piedoso, foi
direto para o céu.
Lá chegando, recusou-se a entrar. Disse que vivera toda a sua
existência de acordo com os preceitos religiosos que lhe ensinaram, e que
Deus jamais fizera com que ganhasse na loteria.
— Tudo que o Senhor prometeu não passa de uma mentira — disse o
homem, revoltado.
— Estive sempre pronto para ajudá-lo a ganhar — respondeu o
Senhor. — Entretanto, por mais que eu quisesse ajudá-lo, você nunca
comprou um bilhete de loteria.
Um velho sábio chinês caminhava por um campo de neve quando viu
uma mulher chorando.
— Por que choras? — perguntou ele.
— Porque me lembro do passado, da minha juventude, da beleza que
via no espelho, dos homens que amei. Deus foi cruel comigo porque me
deu memória. Ele sabia que eu ia recordar a primavera de minha vida e
chorar.
O sábio ficou contemplando o campo de neve, com o olhar fixo em
determinado ponto. A certa altura a mulher parou de chorar:
— O que estás vendo aí? — perguntou.
— Um campo de rosas — disse o sábio. — Deus foi generoso comigo
porque me deu memória. Ele sabia que, no inverno, eu poderia sempre
recordar a primavera, e sorrir.
Diz o mestre:
A Lenda Pessoal não é tão simples como parece. Pelo contrário, pode
ser uma atividade perigosa.
Quando queremos algo, colocamos em marcha energias poderosas, e
já não podemos esconder de nós mesmos o verdadeiro sentido de nossa
vida.
Quando queremos algo, fazemos uma escolha do preço a pagar.
Seguir um sonho tem um preço. Pode exigir que abandonemos velhos
hábitos, pode nos fazer passar dificuldades, ter decepções etc.
Mas, por mais alto que seja este preço, nunca é tão alto como o que é
pago por quem não viveu sua Lenda Pessoal. Porque estes, um dia, vão
olhar para trás, ver tudo o que fizeram, e escutar o próprio coração
dizer: “Desperdicei minha vida”.
Acreditem, esta é uma das piores frases que alguém pode ouvir.
Em um dos seus livros, Castañeda conta que, certa vez, seu mestre
mandou-o colocar o cinto da calça na direção contrária à que estava
acostumado. Castañeda assim o fez, certo de que estava aprendendo um
poderoso instrumento de poder.
Meses depois, comentou com seu mestre que graças àquela prática
mágica estava aprendendo mais rápido que antes.
— Ao inverter a direção do cinto, transformei energia negativa em
positiva — disse.
O mestre deu gostosas gargalhadas.
— Cintos nunca modificaram energia! Mandei você fazer isto para
que, sempre que vestisse a calça, lembrasse que está num aprendizado
mágico. Foi a consciência do aprendizado — e não o cinto — que fez
você crescer.
Um mestre tinha centenas de discípulos. Todos rezavam na hora certa
— exceto um, que vivia bêbado.
No dia da sua morte, o mestre chamou o discípulo bêbado e lhe
transmitiu os segredos ocultos.
Os outros se revoltaram.
— Que vergonha! — diziam. — Pois nos sacrificamos por um mestre
errado, que não sabe ver nossas qualidades.
Disse o mestre:
— Eu precisava passar estes segredos para um homem que eu
conhecesse bem. Os que parecem muito virtuosos geralmente escondem
a vaidade, o orgulho, a intolerância. Por isso escolhi o único discípulo
em que eu podia ver o defeito: a bebedeira.
Do padre Cisterciense Marcos Garcia:
“Às vezes Deus retira uma determinada bênção para que a pessoa
possa compreendê-Lo além dos favores e dos pedidos. Ele sabe até que
ponto pode provar uma alma — e nunca vai além deste ponto.
“Nestes momentos, jamais digamos ‘Deus me abandonou’. Ele jamais
faz isto: nós é que podemos, às vezes, abandoná-Lo. Se o Senhor nos
coloca uma grande prova, também sempre nos dá as graças suficientes
— eu diria, mais que suficientes — para ultrapassá-la.
“Quando nos sentimos longe do Seu rosto, devemos nos perguntar:
estamos sabendo aproveitar o que Ele colocou em nosso caminho?”
Às vezes passamos dias ou semanas inteiras sem receber nenhum
gesto de carinho do próximo. São períodos difíceis, quando o calor
humano some, e a vida se resume a um árduo esforço de sobrevivência.
Diz o mestre:
Devemos examinar nossa própria lareira. Devemos colocar mais
lenha e tentar iluminar a sala escura em que nossa vida se transformou.
Quando escutarmos nosso fogo crepitando, a madeira que estala, as
histórias que as labaredas contam, a esperança nos será devolvida.
Se somos capazes de amar, também seremos capazes de ser amados.
É apenas uma questão de tempo.
Alguém quebrou um copo no jantar.
— Isto é sinal de boa sorte — comentaram.
Todos os presentes conheciam esta tradição.
— Por que isto é sinal de boa sorte? — perguntou um rabino que
fazia parte do grupo.
— Não sei — disse a mulher do viajante. — Talvez seja uma antiga
maneira de sempre deixar o hóspede à vontade.
— Não é a explicação correta — respondeu o rabino. — Certas
tradições judaicas dizem que cada homem tem uma cota de sorte, que
vai usando no decorrer de sua vida. Pode fazer com que esta sorte renda
juros, se usá-la apenas para coisas de que realmente necessita, ou pode
desperdiçá-la à toa.
“Também nós, judeus, dizemos ‘boa sorte’ quando alguém quebra um
copo. Mas isso significa: que bom, você não desperdiçou sua sorte
tentando evitar que este copo quebrasse. Então, vai poder usá-la em
coisas mais importantes.”
Oabade Abraão soube que perto do mosteiro de Sceta havia um
ermitão com fama de sábio.
Foi procurá-lo e perguntou:
— Se hoje você encontrasse uma bela mulher em sua cama,
conseguiria pensar que não é uma mulher?
— Não — respondeu o sábio —, mas conseguiria me controlar.
O abade continuou:
— E se visse moedas de ouro no deserto, conseguiria ver este ouro
como se fossem pedras?
— Não — disse o sábio —, mas conseguiria me controlar para não
pegá-las.
Insistiu o abade Abraão:
— E se você fosse procurado por dois irmãos, um que o odeia e outro
que o ama, conseguiria achar que os dois são iguais?
Disse o sábio:
— Mesmo sofrendo por dentro, eu trataria o que me ama da mesma
maneira que o que me odeia.
— Vou lhes explicar o que é um sábio — disse o abade aos seus
noviços, quando voltou. — É aquele que, em vez de matar suas paixões,
consegue controlá-las.
W. Frasier escreveu durante toda a sua vida sobre a conquista do
Oeste americano. Orgulhoso de ostentar em seu currículo o roteiro de
um filme estrelado por Gary Cooper, conta que poucas vezes em sua
vida conseguiu se aborrecer com algo.
— Aprendi muita coisa com os pioneiros americanos — diz ele. —
Lutavam contra os índios, cruzavam desertos, buscavam água e comida
em regiões remotas. E todos os registros da época mostram uma
característica curiosa: os pioneiros só escreviam ou conversavam sobre
as coisas boas. Em vez de reclamar, compunham músicas e faziam
piadas sobre as dificuldades enfrentadas. Assim conseguiam afastar o
desânimo e a depressão. E hoje, com meus 88 anos, procuro me
comportar da mesma forma.
Otexto é adaptado de um poema de John Muir:
“Quero deixar minha alma livre para que ela possa desfrutar todos os
dons que os espíritos possuem.
“Quando isto for possível, não tentarei conhecer as crateras da lua,
nem seguir os raios de sol até sua fonte. Não procurarei entender a
beleza da estrela, ou a desolação artificial do ser humano.
“Quando souber como libertar minha alma, seguirei a aurora, e
buscarei voltar com ela através do tempo.
“Quando souber libertar minha alma, mergulharei nas correntes
magnéticas que deságuam num oceano onde todas as águas se cruzam
e formam a Alma do Mundo.
“Quando souber libertar minha alma, procurarei ler a esplêndida
página da Criação desde o princípio.”
Um dos símbolos sagrados do cristianismo é a figura do pelicano. A
explicação é simples: na total ausência de comida, o pelicano abre seu
peito com o bico e oferece a própria carne aos filhotes.
Diz o mestre:
Muitas vezes somos incapazes de entender as bênçãos que recebemos.
Muitas vezes não percebemos o que Ele faz para nos manter
espiritualmente alimentados.
Há um conto sobre um pelicano que, durante um inverno rigoroso,
consegue sobreviver ao seu autossacrifício por alguns dias, oferecendo
sua própria carne aos filhos. Quando, finalmente, morre de fraqueza,
um dos filhotes comenta com o outro:
— Ainda bem. Eu estava cansado de comer todos os dias a mesma
coisa.
Se você está insatisfeito com alguma coisa — mesmo que seja uma
coisa boa, que gostaria de realizar e não está conseguindo —, pare
agora.
Se as coisas não andam, só existem duas explicações: ou sua
perseverança está sendo testada ou você precisa mudar de rumo.
Para descobrir qual das opções é correta — já que são atitudes
opostas —, use o silêncio e a oração. Aos poucos as coisas vão ficando
misteriosamente claras, até que você tenha forças suficientes para
escolher.
Uma vez tomada a decisão, esqueça por completo a outra
possibilidade. E siga adiante, porque Deus é o Deus dos Valentes.
Disse Domingos Sabino:
— Tudo sempre acaba bem no final. Se as coisas não estão bem, é
porque você ainda não chegou ao final.
Ocompositor Nelson Motta estava na Bahia quando resolveu visitar a
Mãe Menininha do Gantois. Tomou um táxi e, no caminho, o chofer
perdeu o freio. O carro rodopiou no meio da pista de alta velocidade,
mas — além do susto — nada de grave aconteceu.
Ao encontrar-se com Mãe Menininha, a primeira coisa que Nelson
contou foi o quase acidente no meio do caminho.
— Existem certas coisas que já estão escritas, mas Deus dá um jeito
de que passemos por elas sem nenhum problema sério. Ou seja, fazia
parte do seu destino um acidente de carro nesta altura da vida — disse
ela. — Mas, como você vê — conclui Mãe Menininha —, aconteceu
tudo, e não aconteceu nada.
—F
altou algo em sua palestra sobre o Caminho de Santiago — diz uma
peregrina ao viajante, assim que saem da conferência. — Tenho notado
que a maioria dos peregrinos, seja no Caminho de Santiago, seja nos
caminhos da vida, sempre procura seguir o ritmo dos outros — diz ela.
“No início de minha peregrinação, procurava ir junto com meu grupo.
Me cansava, exigia de meu corpo mais do que podia dar, vivia tensa, e
terminei tendo problemas nos tendões do pé esquerdo.
“Impossibilitada de andar por dois dias, entendi que só conseguiria
chegar a Santiago se obedecesse a meu ritmo pessoal.
“Demorei mais que os outros, tive que andar sozinha muitos trechos
— mas foi só porque respeitei o meu próprio ritmo que consegui
completar o caminho.
“Desde então aplico isso a tudo que preciso fazer na vida.”
Creso, rei da Lídia, estava decidido a atacar os persas — mas, mesmo
assim, resolveu consultar um oráculo grego.
— Você está destinado a destruir um grande império — comentou o
oráculo.
Contente, Creso declarou guerra. Depois de dois dias de luta, a Lídia
foi invadida pelos persas, sua capital saqueada, e o próprio Creso preso.
Revoltado, pediu a seu embaixador na Grécia que voltasse ao oráculo
para dizer que haviam sido enganados.
— Não, vocês não foram enganados — respondeu o oráculo ao
embaixador. — Vocês destruíram um grande império: a Lídia.
Diz o mestre:
A linguagem dos sinais está à nossa frente, para nos ensinar a melhor
maneira de agir. Entretanto, muitas vezes tentamos distorcer estes sinais
— de modo que eles “concordem” com aquilo que queremos fazer de
qualquer maneira.
Buscaglia conta a história do quarto rei mago, que também viu a
estrela brilhar sobre Belém — mas sempre chegava atrasado aos lugares
onde Jesus poderia estar, porque pobres e miseráveis viviam pedindo sua
ajuda.
Depois de trinta anos seguindo os passos de Jesus pelo Egito, Galileia,
Betânia, o rei mago chega a Jerusalém; é tarde demais, o menino já se
transformou em homem e está sendo crucificado naquele dia. O rei
havia comprado pérolas para Cristo, mas precisou vender quase todas
para ajudar as pessoas que encontrou em seu caminho. Sobrou apenas
uma pérola — e o Salvador já está morto.
— Falhei na missão da minha vida — pensa o rei mago.
Neste momento, escuta uma voz:
— Ao contrário do que pensas, tu me encontraste durante toda a tua
vida. Eu estava nu, e me vestiste. Eu tive fome, e me deste de comer. Eu
estava preso, e me visitaste. Eu estava em todos os pobres do teu
caminho. Muito obrigado por tantos presentes de amor.
Um conto de ficção científica fala de uma sociedade onde quase todos
nasciam prontos para uma tarefa; técnicos, engenheiros ou mecânicos.
Uns poucos nasciam sem qualquer habilidade; estes eram enviados para
um asilo de loucos — já que apenas os loucos eram incapazes de dar
alguma contribuição à sociedade.
Um dos loucos se rebela. O asilo tem uma biblioteca, e ele tenta
aprender tudo que pode sobre ciência e arte.
Quando acredita que já sabe o suficiente, decide fugir — mas é
capturado e levado para um Centro de Estudos fora da cidade.
— Seja bem-vindo — diz um dos encarregados do centro. — São
justamente aqueles que são forçados a descobrir seu próprio caminho
que nós admiramos mais. Pode fazer o que quiser a partir de agora, pois
é graças a pessoas como você que o mundo consegue avançar.
Antes de partir para uma longa viagem o comerciante foi despedir-se
da mulher.
— Você nunca me deu um presente à minha altura — disse ela.
— Mulher ingrata, tudo que lhe dei me custou anos de trabalho —
respondeu o homem. — O que mais poderia lhe dar?
— Algo que fosse tão belo como eu.
Durante dois anos a mulher esperou seu presente.
Finalmente, o comerciante regressou.
— Consegui encontrar algo que fosse tão belo como você — disse ele.
— Chorei com sua ingratidão, mas resolvi cumprir seu desejo. Pensei
todo este tempo no que seria um presente tão belo quanto você, mas
terminei encontrando.
E estendeu para a mulher um pequeno espelho.
Ofilósofo alemão F. Nietzsche disse certa vez: “Não vale a pena viver
discutindo sobre tudo; faz parte da condição humana errar de vez em
quando”.
Diz o mestre:
Há pessoas que fazem absoluta questão de estarem certas nos
menores detalhes. Nós mesmos, muitas vezes, não nos permitimos errar.
O que conseguimos com esta atitude é o pavor de seguir adiante.
O medo de errar é a porta que nos tranca no castelo da
mediocridade. Se conseguimos vencer este medo, estamos dando um
passo importante em direção à nossa liberdade.
Um noviço perguntou ao abade Nisteros, do mosteiro de Sceta:
— Quais são as coisas que devo fazer para agradar a Deus?
— Abraão aceitava os estranhos, e Deus ficou contente. Elias não
gostava de estranhos, e Deus ficou contente. Davi tinha orgulho do que
fazia, e Deus ficou contente. O publicano diante do altar tinha vergonha
do que fazia, e Deus ficou contente. João Batista foi para o deserto, e
Deus ficou contente. Jonas foi para a grande cidade de Nínive, e Deus
ficou contente.
“Pergunte à sua alma o que ela tem vontade de fazer.
“Quando a alma caminha de acordo com os seus sonhos, ela dá
alegria a Deus.”
Um mestre budista viajava a pé com seus discípulos, quando reparou
que discutiam entre si quem era o maior entre eles.
— Pratico meditação há quinze anos — dizia um.
— Faço caridade desde que saí da casa de meus pais — dizia outro.
— Sempre segui os ensinamentos de Buda — dizia um terceiro.
Ao meio-dia pararam debaixo de uma macieira para descansar. Os
galhos estavam carregados, e vergavam até o chão com o peso das
frutas.
Então o mestre falou:
— Quando uma árvore está carregada de frutos, seus ramos se
abaixam e tocam o chão. Desta maneira, o verdadeiro sábio é aquele
que é humilde.
“Quando uma árvore não tem frutos, seus ramos são arrogantes e
altivos. Desta maneira, o tolo sempre se crê maior que seu próximo.”
Na Última Ceia Jesus acusou, com a mesma gravidade — e na
mesma frase —, dois de seus apóstolos. Ambos cometeram os crimes
previstos por Jesus.
Judas Iscariotes caiu em si e condenou-se. Pedro também caiu em si,
depois de negar por três vezes tudo aquilo em que acreditava.
Mas, no momento decisivo, Pedro entendeu o verdadeiro significado
da mensagem de Jesus. Pediu perdão e seguiu em frente, mesmo
humilhado.
Ele também podia escolher o suicídio. Em vez disso, encarou os
outros apóstolos, e deve ter dito algo assim:
“O.k., falem do meu erro enquanto durar a raça humana. Mas
deixem-me corrigi-lo.”
Pedro entendeu que o Amor perdoa. Judas não entendeu nada.
Um famoso escritor caminhava com um amigo quando um garoto
atravessou a rua sem notar um caminhão que vinha a toda velocidade.
O escritor — numa fração de segundo — atirou-se na frente do veículo
e conseguiu salvá-lo. Mas, antes que alguém o parabenizasse pelo ato
heroico, deu um soco no rosto do menino:
— Não se deixe enganar pelas aparências, meu filho — disse ele. —
Só o salvei para que você não possa evitar os problemas que terá como
adulto!
Diz o mestre:
Às vezes temos vergonha de fazer o bem. Nosso sentimento de culpa
tenta sempre nos dizer que, quando agimos com generosidade, estamos
mesmo é tentando impressionar os outros, “subornar” Deus etc. Parece
difícil aceitar que nossa natureza é essencialmente boa. Cobrimos os
gestos bons com ironia e descaso — como se amor fosse sinônimo de
fraqueza.
Ele olhou a mesa, pensando no melhor símbolo de sua passagem pela
Terra. Tinha diante de si as romãs da Galileia, as especiarias dos
desertos do Sul, as frutas secas da Síria, as tâmaras do Egito.
Deve ter estendido Sua mão para consagrar uma destas coisas —
quando, de repente, lembrou que a mensagem que trazia era para todos
os homens, em todos os lugares. E talvez romãs e tâmaras não
existissem em determinadas partes do mundo.
Tornou o olhar à Sua volta, e outro pensamento Lhe ocorre: nas
romãs, nas tâmaras, nas frutas, o milagre da Criação se manifestava
por si mesmo — sem qualquer interferência do ser humano.
Então Ele pegou o pão, deu graças, partiu-o e deu aos seus discípulos,
dizendo:
— Tomai e comei todos vós, porque isto é o Meu corpo.
Porque o pão estava em todos os lugares. E porque o pão, ao contrário
das tâmaras, das romãs e das frutas da Síria, era o melhor símbolo do
caminho até Deus.
O pão era o fruto da terra E DO TRABALHO do homem.
Oequilibrista para no meio da praça, pega três laranjas e começa a
atirá-las para o alto. As pessoas se reúnem à sua volta, prestam atenção
na graça e na elegância de seus gestos.
— A vida é mais ou menos assim — comenta alguém com o viajante.
— Temos sempre uma laranja em cada mão, e uma solta no ar; é aí que
está toda a diferença. Foi jogada com habilidade e experiência, mas tem
seu próprio rumo.
Assim como o equilibrista, atiramos um sonho no mundo, e nem
sempre temos controle sobre ele. Nestas horas, é preciso saber entregá-lo
a Deus e pedir que, no seu devido tempo, ele cumpra com dignidade seu
percurso e caia realizado em nossas mãos.
Um dos mais poderosos exercícios de crescimento interior consiste em
prestar atenção a coisas que fazemos automaticamente — como
respirar, piscar ou reparar nas coisas à nossa volta.
Quando fazemos isto, permitimos que nosso cérebro trabalhe com
mais liberdade — sem a interferência de nossos desejos. Certos
problemas que pareciam insolúveis terminam sendo resolvidos, certas
obras que julgávamos insuperáveis terminam se dissipando sem esforço.
Diz o mestre:
Quando você precisar enfrentar uma situação difícil, procure usar
esta técnica. Exige um pouquinho de disciplina — mas os resultados são
surpreendentes.
Um sujeito está na feira vendendo vasos. Uma mulher se aproxima e
olha a mercadoria. Algumas peças estão sem desenho, outras foram
decoradas com todo cuidado.
A mulher pergunta o preço dos vasos. Para sua surpresa, descobre que
todos custam a mesma coisa.
— Como o vaso decorado pode custar o mesmo que um vaso simples?
— pergunta ela. — Por que cobrar igual por um trabalho que demorou
mais tempo para ser feito?
— Sou um artista — responde o vendedor. — Posso cobrar pelo vaso
que fiz, mas não posso cobrar pela beleza. A beleza é grátis.
Oviajante sentia-se solitário ao sair de uma missa. De repente, foi
abordado por um amigo:
— Preciso muito falar com você — ele disse.
O viajante viu naquele encontro um sinal, e ficou tão entusiasmado
que começou a conversar sobre tudo que considerava importante. Falou
das bênçãos de Deus, de amor, disse que o amigo era um sinal de seu
anjo — pois se sentia solitário minutos atrás e agora tinha companhia.
O outro escutou tudo em silêncio, agradeceu e foi embora.
Em vez de alegria, o viajante sentiu-se mais solitário que nunca.
Mais tarde se deu conta — no seu entusiasmo, não tinha dado atenção
ao pedido daquele amigo: falar.
O viajante olhou o chão e viu suas palavras jogadas na calçada —
porque o Universo estava querendo outra coisa naquela hora.
Três fadas foram convidadas para o batizado de um príncipe. A
primeira lhe concedeu o dom de encontrar seu amor. A segunda lhe deu
dinheiro para fazer o que gostava. A terceira lhe deu a beleza.
Mas — como em toda história infantil — apareceu a bruxa. Furiosa
por não ter sido convidada, lançou a maldição:
— Porque você já tem tudo, eu vou lhe dar ainda mais. Você será
talentoso em tudo aquilo que fizer.
O príncipe cresceu belo, rico e apaixonado. Mas jamais conseguiu
cumprir sua missão na Terra. Era excelente pintor, escultor, escritor,
músico, matemático — e não conseguia completar qualquer tarefa,
porque logo se distraía e queria fazer uma coisa diferente.
Diz o mestre:
Todos os caminhos vão ao mesmo lugar. Mas escolha o seu, e vá até o
final — não tente percorrer todos os caminhos.
Um texto anônimo do século XVIII fala de um monge russo que
procurava um guia espiritual.
Um dia lhe disseram que em certa aldeia existia um ermitão que se
dedicava dia e noite à salvação de sua alma. Ouvindo isso, o monge foi
procurar o santo homem.
— Quero que me guie nos caminhos da alma — disse o monge.
— A alma tem seu caminho próprio, e o anjo a guia — respondeu o
ermitão. — Reze sem cessar.
— Não sei rezar desta maneira. Quero que me ensine.
— Se você não sabe rezar incessantemente, então reze pedindo a
Deus que lhe ensine a rezar incessantemente.
— O senhor não está me ensinando nada — respondeu o monge.
— Não há nada que ensinar, porque não se pode transmitir Fé como
se transmitem os conhecimentos de matemática. Aceite o mistério da Fé
e o Universo se revelará.
Diz Antonio Machado:
“Golpe a golpe, passo a passo,
Caminhante, não há caminho,
o caminho é feito ao andar.
Andando, se faz o caminho
e se você olhar para trás
tudo que verá são as marcas
de passos que algum dia
seus pés tornarão a percorrer.
Caminhante, não há caminho,
o caminho é feito ao andar.”
Diz o mestre:
Escreva. Seja uma carta, ou um diário, ou algumas anotações
enquanto fala ao telefone — mas escreva.
Escrever nos aproxima de Deus e do próximo.
Se você quiser entender melhor seu papel no mundo, escreva. Procure
colocar sua alma por escrito, mesmo que ninguém leia — ou, o que é
pior, mesmo que alguém termine lendo o que você não queria. O simples
fato de escrever nos ajuda a organizar o pensamento e ver com clareza o
que nos cerca. Um papel e uma caneta operam milagres — curam dores,
consolidam sonhos, levam e trazem a esperança perdida.
A palavra tem poder.
Os monges do deserto afirmavam que era necessário deixar a mão
dos anjos agir. Para isto, de vez em quando faziam coisas absurdas —
como falar com flores ou rir sem razão. Os alquimistas seguem os
“sinais de Deus”; pistas que muitas vezes não fazem sentido, mas que
terminam levando a algum lugar.
Diz o mestre:
Não tenha medo de ser chamado de louco — faça hoje alguma coisa
que não combina com a lógica que você aprendeu. Contrarie um pouco o
comportamento sério que lhe ensinaram a ter. Esta pequena coisa, por
menor que seja, pode abrir as portas para uma grande aventura —
humana e espiritual.
Um sujeito está dirigindo um luxuoso Mercedes-Benz quando o pneu
fura. Ao tentar trocá-lo, descobre que falta o macaco.
— Bem, vou até a primeira casa e peço emprestado — pensa em voz
alta, enquanto caminha em busca de ajuda.
— Talvez, o sujeito vendo meu carro, queira me cobrar algo pelo
macaco — diz para si mesmo. — Um carro como este, e eu precisando
de macaco, ele vai me cobrar dez dólares. Não, talvez cobre cinquenta,
porque sabe que preciso do macaco. Ele vai se aproveitar, talvez cobre
cem dólares.
E, à medida que anda, o preço vai subindo.
Quando chega na casa e o dono abre a porta, o sujeito grita:
— Você é um ladrão! Um macaco não vale tanto! Pode ficar com ele!
Qual de nós pode dizer que nunca se comportou desta maneira?
Milton Ericksson é autor de uma nova terapia que começa a ganhar
milhares de adeptos nos Estados Unidos. Aos doze anos de idade ele foi
vítima da poliomielite. Dez meses depois de contrair a doença, escutou
um médico dizer a seus pais:
— Seu filho não passa desta noite.
Ericksson, logo em seguida, ouviu o choro de sua mãe.
Quem sabe, se eu passar desta noite, ela talvez não sofra tanto? —
pensou.
E decidiu não dormir até o dia amanhecer.
De manhã, gritou para a mãe:
— Ei, continuo vivo!
A alegria em casa foi tanta que, a partir daí, resolveu sempre resistir
mais um dia, para adiar o sofrimento dos pais.
Morreu aos 75 anos, em 1990, deixando uma série de livros
importantes sobre a enorme capacidade que o homem possui para
vencer suas próprias limitações.
—S
anto homem — disse um noviço para o abade Pastor —, tenho o
coração cheio de amor pelo mundo, e a alma limpa das tentações do
demônio. Qual o meu próximo passo?
O abade pediu que o discípulo o acompanhasse na visita a um doente
que precisava de extrema-unção.
Depois de confortarem a família, o abade reparou que num dos cantos
da casa havia um baú.
— O que há dentro deste baú? — perguntou.
— As roupas que meu tio nunca usou — disse o sobrinho do doen­te.
— Sempre pensou que ia surgir a ocasião certa para vesti-las, mas elas
terminaram apodrecendo ali dentro.
— Não esqueça aquele baú — disse o abade Pastor para seu
discípulo, quando saíram. — Se você tem tesouros espirituais no seu
coração, coloque-os em prática agora. Ou eles apodrecerão.
Os místicos dizem que quando começamos nosso caminho espiritual
queremos falar muito com Deus — e terminamos por não escutar o que
Ele tem para nos dizer.
Diz o mestre:
Relaxe um pouco. Não é fácil; temos a necessidade natural de sempre
fazer a coisa certa, e achamos que vamos conseguir isto se trabalharmos
sem cessar.
É importante tentar, cair, levantar e seguir adiante. Mas vamos
deixar que Deus nos ajude. No meio de um grande esforço, vamos olhar
para nós mesmos, deixar que Ele se revele e nos guie.
Vamos permitir que, de vez em quando, Ele nos coloque no colo.
Um abade do mosteiro de Sceta foi procurado por um jovem que
queria seguir o caminho espiritual.
— Pelo período de um ano, pague uma moeda a quem lhe agredir —
disse o abade.
Durante doze meses o rapaz pagava uma moeda sempre que era
agredido. No final do ano, voltou ao abade para saber o próximo passo.
— Vá até a cidade comprar comida para mim — disse.
Assim que o rapaz saiu, o abade disfarçou-se de mendigo e —
tomando um atalho que conhecia — foi até a porta da cidade. Quando
o rapaz se aproximou, começou a insultá-lo.
— Que bom! — comentou o rapaz com o falso mendigo. — Durante
um ano inteiro tive que pagar a todos que me agrediam, e agora posso
ser agredido de graça, sem gastar nada!
Ouvindo isto, o abade retirou seu disfarce.
— Você está pronto para o próximo passo, porque consegue rir dos
problemas — disse.
Oviajante caminhava com mais dois amigos pelas ruas de Nova
York. De repente, no meio da conversa banal, os dois começaram a
discutir, e quase se atracaram.
Mais tarde — já com os ânimos serenados — sentaram-se em um
bar. Um deles pediu desculpas ao outro:
— Tenho reparado que é muito mais fácil ferir pessoas que estão
próximas — disse. — Se você fosse estranho, eu teria me controlado
muito mais.
“Entretanto, justamente pelo fato de sermos amigos — e de você me
entender melhor que ninguém —, terminei sendo muito mais agressivo.
Esta é a natureza humana.”
Talvez esta seja a natureza humana.
Mas vamos lutar contra isto.
Existem momentos em que gostaríamos muito de ajudar determinada
pessoa, mas não podemos fazer nada. Ou as circunstâncias não
permitem que nos aproximemos, ou a pessoa está fechada para qualquer
gesto de solidariedade e apoio.
Diz o mestre:
Resta-nos o amor. Nos momentos em que tudo o mais é inútil, ainda
podemos amar — sem esperar recompensas, mudanças,
agradecimentos.
Se conseguimos agir desta maneira, a energia do amor começa a
transformar o Universo à nossa volta. Quando esta energia aparece,
sempre consegue realizar seu trabalho.
Opoeta J. Keats (1795-1821) dá uma bela definição de poesia. Se
quisermos, podemos entender também como uma definição de vida: “A
poesia nos deve surpreender pelo seu delicado excesso, e não porque é
diferente. Os versos devem tocar nosso irmão como se fossem suas
próprias palavras, como se ele estivesse lembrando algo que, na noite
dos tempos, já conhecia em seu coração.
“A beleza de um poema não está na capacidade que ele tem de deixar
o leitor contente. A poesia é sempre uma surpresa, capaz de nos tirar a
respiração por alguns momentos. Ela deve permanecer em nossas vidas
como o pôr do sol: algo milagroso e natural ao mesmo tempo.”
Quinze anos atrás, numa época de profunda negação da fé, o viajante
estava com sua mulher e uma amiga no Rio de Janeiro. Haviam bebido
um pouco — quando chegou um velho companheiro, com quem tinham
compartilhado as loucuras dos anos 1960 e 1970.
— O que você está fazendo? — perguntou o viajante.
— Sou padre — respondeu o amigo.
Ao saírem do restaurante o viajante apontou para uma criança que
dormia na calçada.
— Está vendo como Jesus se preocupa com o mundo? — disse.
— Claro que estou vendo — respondeu o padre. — Ele colocou
aquela criança bem na sua frente e fez questão de que você visse para
que pudesse fazer alguma coisa.
Um grupo de sábios judeus reuniu-se para tentar criar a menor
Constituição do mundo. Se — no espaço de tempo que um homem leva
para equilibrar-se em um só pé — alguém fosse capaz de definir as leis
que deviam reger o comportamento humano, seria considerado o maior
dos sábios.
— Deus pune os criminosos — disse um.
Os outros argumentaram que isto não era uma lei, mas uma ameaça;
a frase não foi aceita.
Nesse momento aproximou-se o rabino Hillel. E, colocando-se num
pé só, disse:
— Não faça com seu próximo aquilo que você detestaria que fizessem
com você; esta é a Lei. Todo o resto é comentário jurídico.
E o rabino Hillel foi considerado o maior sábio de seu tempo.
Oescritor G. Bernard Shaw notou um grande bloco de pedra na casa
de seu amigo, o escultor J. Epstein.
— O que você vai fazer neste bloco? — perguntou Shaw.
— Não sei, ainda estou decidindo — respondeu Epstein.
Shaw ficou surpreso:
— Quer dizer que você planeja sua inspiração? Não sabe que um
artista tem que ser livre para mudar de ideia quando deseja?
— Isto funciona quando, ao mudar de ideia, tudo que você precisa
fazer é amassar uma folha de papel que pesa cinco gramas. Mas quem
lida com um bloco de quatro toneladas tem que pensar diferente — foi a
resposta de Epstein.
Diz o mestre:
Cada um de nós sabe a maneira de realizar melhor seu trabalho. Só
quem tem uma tarefa conhece as suas dificuldades.
Oabade João Pequeno pensou: “Preciso ser igual aos anjos, que nada
fazem e vivem contemplando a glória de Deus”. Naquela noite,
abandonou o mosteiro de Sceta e foi para o deserto.
Uma semana depois, voltou para o convento. O irmão porteiro
escutou-o bater na porta e perguntou quem era.
— Sou o abade João — respondeu. — Estou com fome.
— Não pode ser — disse o irmão porteiro. — O abade João está no
deserto, se transformando em anjo. Já não sente mais fome e não precisa
trabalhar para sustentar-se.
— Perdoa meu orgulho — respondeu o abade João. — Os anjos
ajudam os homens. Este é o seu trabalho, e por isso contemplam a
glória de Deus. Eu posso contemplar a mesma glória, se fizer o meu
trabalho diário.
Ouvindo as palavras de humildade, o irmão porteiro abriu a porta do
convento.
De todas as poderosas armas de destruição que o homem foi capaz de
inventar, a mais terrível — e a mais covarde — é a palavra.
Punhais e armas de fogo deixam vestígios de sangue. Bombas abalam
edifícios e ruas. Venenos terminam sendo detectados.
Diz o mestre:
A palavra consegue destruir sem pistas. Crianças são condicionadas
durante anos pelos pais, homens são impiedosamente criticados,
mulheres são sistematicamente massacradas por comentários de seus
maridos. Fiéis são mantidos longe da religião por aqueles que se julgam
capazes de interpretar a voz de Deus.
Procure ver se você está utilizando esta arma. Procure ver se estão
utilizando esta arma contra você. E não permitia nenhuma destas duas
coisas.
Wiliams procura descrever uma situação muito curiosa:
“Vamos imaginar que a vida seja perfeita. Você está num mundo
perfeito, com pessoas perfeitas, tendo tudo o que quer, com todo mundo
fazendo tudo direitinho, na hora certa. Neste mundo você tem tudo o
que deseja, apenas o que deseja, exatamente como sonhou. E pode viver
quantos anos quiser.
“Imagine que, depois de cem ou duzentos anos, você senta num banco
imaculadamente limpo, diante de um cenário magnífico, e pensa: ‘Que
chato! Falta emoção!’
“Neste momento, repara num botão vermelho na sua frente, escrito:
SURPRESA!
“Depois de considerar tudo o que esta palavra significa, aperta este
botão? Claro! Então você entra por um túnel negro e sai no mundo em
que você está vivendo neste momento.”
Uma lenda do deserto conta a história de um homem que ia mudar-
se de oásis e começou a carregar o seu camelo. Colocou os tapetes, os
utensílios de cozinha, os baús de roupas — e o camelo aguentava tudo.
Quando ia saindo, lembrou-se de uma linda pena azul com que seu pai
o tinha presenteado.
Resolveu pegá-la, e a colocou em cima do camelo.
Neste momento, o animal arriou com o peso e morreu.
“Meu camelo não aguentou o peso de uma pena”, deve ter pensado o
homem.
Às vezes pensamos o mesmo do nosso próximo — sem entender que
nossa brincadeira pode ter sido a gota que transbordou a taça do
sofrimento.
—Às vezes a gente se acostuma com o que vê nos filmes e termina
esquecendo a verdadeira história — diz alguém ao viajante, enquanto
ele olha o porto de Miami. — Lembra-se dos Dez Mandamentos?
— Claro. Moisés, interpretado por Charlton Heston, em determinado
momento levanta seu bastão. As águas se dividem, e o povo hebreu
atravessa a grande água.
— Na Bíblia é diferente — comenta o outro. — Ali, Deus ordena a
Moisés: “Diz aos filhos de Israel que marchem”. E só depois que
começam a andar é que Moisés levanta o bastão, e o mar Vermelho se
abre.
“Porque só a coragem no caminho faz com que o caminho se
manifeste.”
Otrecho foi escrito pelo violoncelista Pablo Casals:
“Eu estou sempre renascendo. Cada nova manhã é o momento de
recomeçar a viver. Há oitenta anos que eu começo meu dia da mesma
maneira — e isto não significa uma rotina mecânica, mas algo essencial
para minha felicidade.
“Eu acordo, vou para o piano, toco dois prelúdios e uma fuga de Bach.
Estas músicas funcionam como uma bênção para minha casa. Mas
também é uma maneira de retomar contato com o mistério da vida, com
o milagre de ser parte da raça humana.
“Mesmo fazendo isto há oitenta anos, a música que toco nunca é a
mesma — ela sempre me ensina algo novo, fantástico, inacreditável.”
Diz o mestre:
Por um lado, sabemos que é importante buscar a Deus. Por outro, a
vida nos distancia Dele; sentimo-nos ignorados pela Divindade, ou
estamos ocupados com nosso cotidiano. Isto nos dá um sentimento de
culpa: ou achamos que estamos renunciando demasiadamente à vida
por causa de Deus, ou achamos que estamos renunciando
demasiadamente a Deus por causa da vida.
Esta aparente lei dupla é uma fantasia: Deus está na vida, e a vida
está em Deus. Basta ter esta consciência para entender melhor o
destino. Se conseguimos penetrar na harmonia sagrada de nosso
cotidiano, estaremos sempre no caminho certo, e vamos cumprir nossa
tarefa.
Afrase é de Pablo Picasso:
“Deus é um artista. Ele inventou a girafa, o elefante e a formiga. Na
verdade, Ele nunca procurou seguir um estilo — simplesmente foi
fazendo tudo o que tinha vontade de fazer.”
Diz o mestre:
Quando começamos a percorrer nosso caminho, um grande pavor nos
acomete; sentimo-nos obrigados a fazer tudo certinho. Afinal, já que
cada um tem uma vida única, quem inventou o padrão do “tudo
certinho”? Deus fez a girafa, o elefante e a formiga — por que
precisamos seguir um modelo?
O modelo só serve para mostrar como os outros definem suas
próprias realidades. Muitas vezes admiramos os modelos dos outros, e
muitas vezes podemos evitar erros que outros já cometeram.
Mas quanto a viver — bem, isto só nós temos competência para
tanto.
Vários judeus piedosos rezavam numa sinagoga quando começaram a
escutar uma voz de criança dizendo: A, B, C, D.
Tentaram concentrar-se nos versos sagrados, mas a voz repetia:
— A, B, C, D.
Aos poucos, foram parando de rezar. Quando olharam para trás,
viram um menino que continuava dizendo:
— A, B, C, D.
O rabino aproximou-se do garoto:
— Por que você está fazendo isto? — perguntou.
— Porque não sei os versos sagrados — respondeu o menino. —
Então, tenho a esperança de que, recitando o alfabeto, Deus pegue estas
letras e forme as palavras corretas.
— Obrigado por esta lição — disse o rabino. — E que eu possa
entregar a Deus os meus dias nesta terra da mesma maneira que você
entrega suas letras.
Diz o mestre:
O espírito de Deus presente em nós pode ser descrito como uma tela
de cinema. Por ali passam várias situações — pessoas amam, pessoas
se separam, tesouros são descobertos, países distantes se revelam.
Não importa qual o filme que está sendo projetado: a tela permanece
sempre a mesma. Não importa se as lágrimas rolam, ou se o sangue
escorre — porque nada pode atingir a brancura da tela.
Assim como a tela de cinema, Deus está ali — atrás de toda a agonia
e êxtase da vida. Todos O veremos quando o nosso filme terminar.
Um arqueiro caminhava pelas redondezas de um mosteiro hindu
conhecido por sua dureza nos ensinamentos quando viu os monges no
jardim — bebendo e se divertindo.
— Como são cínicos aqueles que buscam o caminho de Deus — disse
o arqueiro em voz alta. — Dizem que a disciplina é importante e se
embriagam às escondidas!
— Se você disparar cem flechas seguidas, o que acontecerá com o seu
arco? — perguntou o mais velho dos monges.
— Meu arco se quebrará — respondeu o arqueiro.
— Se alguém vai além dos próprios limites, também quebra sua
vontade — disse o monge. — Quem não equilibra trabalho com
descanso, perde o entusiasmo e não chega muito longe.
Um rei mandou um mensageiro até um país distante, levando um
acordo de paz para ser assinado. Querendo aproveitar a viagem, o
mensageiro comunicou o fato a amigos que tinham negócios
importantes naquele país. Estes pediram que o mensageiro demorasse
alguns dias, e — por causa do acordo de paz — escreveram novas
ordens e mudaram a estratégia de seus negócios.
Quando o mensageiro finalmente viajou, já era tarde para o acordo
que levava; a guerra estourou, destruindo os planos do rei e os negócios
dos comerciantes que atrasaram o mensageiro.
Diz o mestre:
Só existe uma coisa importante em nossas vidas: viver nossa Lenda
Pessoal, a missão que nos foi destinada. Mas sempre terminamos nos
sobrecarregando de ocupações inúteis, que acabam por destruir nossos
sonhos.
Oviajante está no porto de Sydney, olhando a ponte que une as duas
partes da cidade, quando se aproxima um australiano e pede que ele leia
um anúncio de jornal.
— São letras muito pequenas — diz o recém-chegado. — Não
consigo enxergar e deixei meus óculos em casa.
O viajante também está sem os óculos de leitura.
Pede desculpas ao homem.
— Então é melhor esquecer este anúncio — diz ele após uma pausa.
E, como deseja continuar a conversa, comenta:
— Não somos apenas nós dois. Deus também tem a vista cansada.
Não porque esteja velho, mas porque escolheu assim. Deste modo,
quando alguém próximo a Ele faz alguma coisa errada, Ele não
consegue ver direito e, temendo ser injusto, termina perdoando a pessoa.
— E quanto às coisas boas? — pergunta o viajante.
— Bem, Deus nunca esquece os óculos em casa — riu o australiano,
afastando-se.
—H
á algo mais importante que a oração? — perguntou o discípulo ao
mestre.
O mestre pediu que o discípulo fosse até um arbusto próximo e
cortasse um ramo. O discípulo obedeceu.
— A árvore continua viva? — perguntou o mestre.
— Tão viva como antes — respondeu o discípulo.
— Então vá até lá e corte a raiz — pediu o mestre.
— Se eu fizer isto, a árvore morrerá — disse o discípulo.
— As orações são os ramos de uma árvore, cuja raiz se chama fé —
disse o mestre. — Pode existir fé sem oração, mas não pode existir
oração sem fé.
Santa Teresa d’Ávila escreveu:
“Lembre-se: o Senhor nos convidou a todos e — como Ele é a pura
verdade — não podemos duvidar deste convite. Ele disse: ‘Vinde a
mim os que estão com sede, e eu lhes darei de beber’.”
“Se o convite não fosse para cada um de nós, o Senhor teria dito:
‘Vinde a mim todos os que quiserem, porque vocês não têm
nada a perder. Mas eu darei de beber apenas àqueles que estão
preparados’.
“Ele não impôs qualquer condição. Basta caminhar e querer, e todos
receberão a Água Viva do seu amor.”
Os monges zen, quando querem meditar, sentam-se diante de uma
rocha: “Agora vou esperar esta rocha crescer um pouco”, pensam.
Diz o mestre:
Tudo à nossa volta está mudando constantemente. A cada dia o sol
ilumina um mundo novo. Aquilo que chamamos rotina está repleto de
novas propostas e oportunidades. Mas não percebemos que cada dia é
diferente do anterior.
Hoje, em algum lugar, um tesouro o espera. Pode ser um pequeno
sorriso, pode ser uma grande conquista — não importa. A vida é feita
de pequenos e grandes milagres. Nada é aborrecido, porque tudo muda
constantemente. O tédio não está no mundo, mas na maneira como
vemos o mundo.
Como escreveu o poeta T.S. Eliot:
“Percorrer muitas estradas
voltar para casa
e olhar tudo como se fosse pela primeira vez.”
Copyright © 1994 by Paulo Coelho
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Publicado mediante acordo com Sant Jordi Asociados Agencia Literaria SLU,
Barcelona, Espanha.
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Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em
vigor no Brasil em 2009.

CAPA Alceu Chiesorin Nunes

REVISÃO Nana Rodrigues e Marise Leal

ISBN 978-85-438-0981-6

Todos os direitos desta edição reservados à


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