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Perfil e atitudes de balconistas

de drogarias ao dispensar
medicamentos sem prescrição
médica
Joice Alves Sabino inflamatory (95,0%), analgesics (89,0%),
Rita Alessandra Cardoso antibiotics (53,0%), “anti-flue” (26,0%),
contraceptiveos (11,%) and e anti-argicérgicos
Implications of these practices are discussed.
Resumo
Keywords: Pharmacy dispensing clerks.
O artigo relata os resultados de Medicines dispensing practices. Pharmaceutical
uma pesquisa realizada em 20 drogarias care.
da cidade de Uberlândia (MG), em que os
balconsitas foram entrevistados para verificar
suas atitudes ao dispensar medicamentos. Resumen
Foram averiguadas as fontes de informação
disponíveis nas farmácias e a dispensação Este artículo reporta los resultados de
de medicamentos sem prescrição. Os una investigación realizada enm 20 droguríias
medicamentos mais indicados pelos próprios de laa ciuad dadee Undia (Estado de Minas
balconistas foram anti-inflamatórios (95,0%), Gerais - BrasilMG), en la cual los atendientes em
seguidos de analgésicos (89,0%), antibióticos e os balconsitas foram fueron enuas actitudes
(53,0%), “antigripais” (26,0%), contraceptivos al ao dispensar medicamentos. Fueron
(11,0%) e anti-alérgicos (5,0%).Discutem-se as oram averiguads las fueontes dnformación
implicações destas práticas. ção disponibles íveisas nas farmaácias y
a e a dispensación ção edicamentos sin
Palavras-chave: Balconistas de farmácias escripciónçãos Os camentos mais indicados
comunitárias. Práticas de dispensação de por los elos proópratendientes balconistas
medicamentos. Assistência farmacêutica. fun:oram i-inflamatoórios (95 seguidos de
analgésico%), antibióticos tigripaleis” (26,0%),
coeptivos (11,0%) ye anti-alérgicos (5,0%).
Abstract Se discuten Discutem-se las implicaciones de
estas ções destas pácticas.
This article describes the results of a
research conducted in 20 drugstores in the city Palabras clave: Atendientes de farmacias.
of Uberlândia (Minas Gerais State – Brazil), Prácticas de dispensación de medicamentos.
in which non-professional pharmacy clerks Atención farmacéutica.
were interviewed in order to know about
their attitudes while dispensing medicines.
The authors looked for sources of information Introdução
available in the pharmacy and asked about
practices of dispensing medicines without No Brasil, é comum que balconistas
prescription. The medicines which were de drogarias desempenhem o papel de
dispensed by the pharmacy clerks were anti- prescritores, constituindo um fator importante

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no incremento do uso inadequado dos dos antimicrobianos, para que se proponha
medicamentos, o que se deve à persistência de a retenção obrigatória de receita para a
todo um conjunto de determinantes que fazem venda desses fármacos, devido ao aumento
a população optar pelos medicamentos como considerável da resistência antimicrobiana,
fonte de saúde e pela farmácia como substituto que consiste na capacidade de certos
dos serviços de saúde e do médico (BARROS, microrganismos para resistir à ação de
1997; BARROS, 2008; BARROS, 2010). agentes antimicrobianos (WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 2001).
O próprio paciente favorece essa
situação, devido à busca de soluções rápidas Com o propósito de restringir o acesso
para seus problemas e por pensar que os indevido a medicamentos, foi publicada em
medicamentos são a cura de todos seus males, agosto de 2009 pela Agência Nacional de
sem levar em consideração que esta atitude Vigilância Sanitária – ANVISA, a RDC 44
pode trazer prejuízos para sua saúde. que dispõe sobre Boas Práticas Farmacêuticas
para o controle sanitário do funcionamento, da
Além disso, com o objetivo de dispensação e da comercialização de produtos
incrementar as vendas em drogarias, é comum e da prestação de serviços farmacêuticos em
observar-se o emprego de uma estratégia farmácias e drogarias e dá outras providências
comercial chamada “empurroterapia”, que (ANVISA, 2009). A resolução define novas
consiste em vender o máximo de produtos regras de funcionamento para as farmácias
para um mesmo cliente (BARROS, 1997; e drogarias, entre elas impedindo a venda
BALBANI et al., 1998). Devido a esta de medicamentos em gôndolas. Segundo o
modalidade mercantilista, o paciente consome documento, os medicamentos de venda livre
mais medicamentos do que necessita, além – aqueles que não necessitam de prescrição
de favorecer a formação de estoques de médica para serem comercializados - não
medicamentos em sua residência, promovendo poderão mais ficar ao alcance dos clientes,
o uso irracional de medicamentos. salvo algumas exceções previstas na instrução
normativa 10/09 que inclui fitoterápicos, água
Dados da Organização Mundial da boricada, solução fisiológica, entre outros que
Saúde (OMS) demonstram que o problema do poderão ficar ao alcance dos consumidores.
uso irracional de medicamentos não é exclusivo
do Brasil: Com a implementação da RDC 44/09,
torna-se necessário que o cliente solicite os
• 50% de todos os medicamentos são medicamentos de venda livre ao profissional no
prescritos, dispensados ou usados balcão da farmácia. Nesse ato, o farmacêutico
inadequadamente (WORLD HEALTH deve orientá-lo sobre o uso adequado do
ORGANIZATION, 1999; AQUINO, 2008). medicamento e quanto a possíveis interações
medicamentosas.
• 2/3 dos antibióticos são usados sem
prescrição médica em muitos países A dispensação é definida como o “ato
(WORLD HEALTH ORGANIZATION, profissional farmacêutico de proporcionar
1999; AQUINO, 2008). um ou mais medicamentos a um paciente,
geralmente como resposta à apresentação de
• O uso e abuso de antibióticos nos últimos uma receita elaborada por um profissional
70 anos levou a um aumento incessante autorizado. Nesse ato, o farmacêutico informa
do número e tipos de microorganismos e orienta o paciente sobre o uso adequado do
resistentes a esses medicamentos (WORLD medicamento” (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
HEALTH ORGANIZATION, 2001). 2001). Sabe-se que não somente o farmacêutico
dispensa medicamentos, mas cabe a ele
Estes dados têm preocupado a responsabilidade de treinar os demais
muito a OMS, que nos últimos anos tem funcionários da drogaria/farmácia para que o
levantado discussões sobre o uso racional façam corretamente, exercendo a promoção do
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uso racional de medicamentos. gôndolas, infligindo a RDC 44/09, porém estes
estabelecimentos se mantinham protegidos por
A drogaria/farmácia deve ser liminar impetrada pela Associação Brasileira
considerada como um estabelecimento de Rede de Farmácias e Drogarias (Abrafarma).
de promoção de saúde e não somente um Este resultado demonstra que com uma
local para a prestação de serviços na venda legislação e fiscalização presentes, houve uma
de medicamentos. Assim, para que haja a boa adequação à RDC vigente.
adequada prestação de informação dentro
do contexto de educação em saúde, torna- Dentre os balconistas entrevistados,
se necessária a comunicação mais eficiente 30% possuíam somente ensino fundamental,
entre profissionais e usuários (OSHIRO & 65% possuíam ensino médio e somente um
CASTRO, 2002). Para que essa comunicação balconista (5%) estava cursando nível superior.
seja eficiente, o adequado treinamento e acesso
à informação, por parte dos profissionais que Somente 7 balconistas (35%) tinham
atendem os usuários de drogarias, tornam-se feito algum curso de capacitação na área,
fundamentais. dentre os quais, Atendimento ao cliente
(62%) e Aplicação de Injetáveis (38%), sendo
Automedicação e risco aumentado de que a maior parte destes cursos (92%) foi
intoxicações são alguns problemas gerados promovida por indústrias farmacêuticas ou por
com a visão de que os medicamentos são distribuidoras. De acordo com estes resultados,
simplesmente mercadorias. Portanto, é é válido questionar o objetivo real destes cursos
necessário o desenvolvimento de pesquisas por parte das empresas que os oferecem: se
sobre o preparo dos balconistas para a esses cursos estão voltados para a promoção da
dispensação de medicamentos. Assim, o Assistência Farmacêutica ou para finalidades
objetivo deste trabalho foi avaliar o perfil e estritamente comerciais.
atitudes de balconistas de drogarias ao dispensar
medicamentos sem prescrição médica. Entre os balconistas entrevistados, 85%
possuem mais de dez anos de profissão e 15%
menos de dez anos. O salário recebido variou
Métodos de um salário mínimo e meio a três salários
mínimos, com média de dois salários mínimos
Para o desenvolvimento do presente e meio. Quando perguntados se recebem
estudo, foram visitadas 20 drogarias da cidade de comissão, excetuando os proprietários, 64%
Uberlândia-MG durante o 1º semestre de 2010. afirmaram receber comissão sobre as vendas de
As drogarias foram escolhidas randomicamente medicamentos, o que poderia representar uma
e a coleta de dados foi realizada por meio de importante barreira para a promoção do uso
entrevista baseada em um questionário semi- racional de medicamentos (FRANÇA FILHO
estruturado, composto por perguntas de et al., 2008).
múltipla escolha, perguntas abertas e também
a descrição de dois casos clínicos onde o Com relação às funções desenvolvidas
balconista responderia quais as condutas que pelos balconistas nas drogarias (Figura 1), a
tomaria diante das situações descritas. Todos dispensação de medicamentos representa seu
os balconistas entrevistados foram esclarecidos principal papel dentro desses estabelecimentos,
sobre o propósito da pesquisa e assinaram um seguido pela aplicação de injetáveis. Entre
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. os 16 balconistas que aplicam injetáveis, a
maioria (69%) não possuía cursos específicos
de capacitação, e quando possuíam, os cursos
Resultados e discussão tinham sido promovidos por fornecedores.
Agrava-se o fato de que em muitas drogarias
Dos 20 estabelecimentos visitados, no país, os medicamentos injetáveis são
apenas três (15%) mantinham medicamentos administrados sem prescrição médica e sem
de venda livre ao alcance dos clientes em a supervisão do farmacêutico (RANGEL
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& CASSIANI, 2000). Dificuldades na Quando perguntados por quem
aplicação dos injetáveis, sejam elas devidas foram treinados ao longo de sua carreira, se
à falta de conhecimento do profissional, às por outro balconista ou por farmacêutico,
características da medicação ou a fatores 55% afirmaram ter sido treinados por outros
relacionados ao próprio paciente, podem levar balconistas, 10% disseram ter sido treinados
ao aparecimento de lesões ou complicações somente por farmacêuticos e 35% por ambos.
pós-injeções (CASSIANI & RANGEL, 1999). Portanto, 45% dos balconistas afirmaram ter
Na maioria das vezes, o acidente caracteriza- sido treinados por farmacêuticos (Figura 2),
se pela dor e reação tecidual no local da uma percentagem bastante reduzida, dado
injeção de aparecimento imediato ou tardio, o fato da responsabilidade de todas as ações
inflamação estéril de evolução lenta, com de todos os funcionários de uma drogaria ou
eventual necrose, ulceração e cicatrização com farmácia recair sobre o responsável técnico, ou
fibrose retrátil (DUQUE & CHAGAS, 2009). seja, sobre o farmacêutico, de acordo com a Lei
A aplicação intramuscular de diclofenaco de 5991/73 (BRASIL, 1973) e a Resolução 261/94,
sódio, por exemplo, pode apresentar sérios que dispõe sobre Responsabilidade Técnica
riscos ao paciente. Giovanetti et al. (1993), (CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA,
Cassiani et al. (1998) e Duque & Chagas (2009) 1994). A capacitação dos balconistas constitui
apresentam casos de pacientes com necrose uma estratégia de melhoria da qualidade da
tecidual nos músculos deltóide e glúteo após dispensação e promoção do uso racional de
injeção intramuscular de diclofenaco de medicamentos (NAVES et al., 2005). Além de
sódio. É essencial, além do conhecimento do que, a prestação de serviços de qualidade pode
procedimento técnico, também compreender ser utilizada como uma estratégia de fidelização
as ações da medicação para administrá-la de da clientela do estabelecimento farmacêutico
forma a incrementar seu efeito terapêutico e, obviamente, para que isso ocorra, todos os
e evitar ou minimizar seus efeitos colaterais funcionários deverão estar adequadamente
(RANGEL & CASSIANI, 2000). capacitados.

Figura 1. Atividades desempenhadas pelos balconistas em Todas as drogarias visitadas possuíam


drogarias. P.A.: Pressão Arterial. o Dicionário de Especialidades Farmacêuticas
Atividades (DEF), literatura impressa organizada
50%
Administrativas pelos laboratórios farmacêuticos. Por outro
Verificação da
lado, a maioria não dispunha de outras
P. A.
50%
fontes terciárias de consulta (65%) e fontes
científicas foram poucos citadas (Figura 3).
Aplicação de
Injetáveis
80% Ainda, dentre os entrevistados, 11 (55%)
afirmaram que utilizam a internet como fonte
Dispensação de
medicamentos
100% de dados além da literatura impressa. Deve-se
considerar o questionamento de Barros (1997)
e Correr et al. (2004) quanto à qualidade da
A satisfação profissional dos balconistas
informação disponível em fontes bibliográficas
das drogarias pesquisadas foi avaliada com base
de origem de laboratórios farmacêuticos,
em uma escala de 1 (nada satisfeito) a 5 (muito
principalmente no que diz respeito à sua
satisfeito), a média declarada foi de 4,25, este
confiabilidade, tornando imprescindível
dado demonstra que temos balconistas muito
promover ações de incentivo à aquisição de
satisfeitos profissionalmente apesar do baixo
melhores fontes de consulta pelas drogarias.
salário recebido. A satisfação profissional pode
ser um aspecto facilitador para uma maior
Quando foram perguntados quais os
receptividade a treinamentos e atividades de
medicamentos mais indicados pelo próprio
educação continuada, pois, funcionários com
balconista, antiinflamatórios, analgésicos/
boa satisfação profissional tendem a ser mais
antitérmicos e antibióticos ocuparam
motivados e participativos em atividades de
os primeiros lugares entre os mais citados
capacitação profissional.
(Figura 4). Vale relatar que um dos balconistas

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Figura 2. Distribuição dos entrevistados de acordo com treinamento recebido.

Outros Balconistas
35% 55%
Farmacêutico
10%
Por Balconistas e
Farmacêuticos

Figura 3. Fontes de consulta disponíveis nas drogarias.

100%

15% 10% 5% 5% 5%

le

um
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declarou, durante a entrevista, que são vendidos está transformando bactérias combatidas, até
os medicamentos que estiverem disponíveis pouco tempo, com antibióticos mais leves,
em maior quantidade na drogaria e/ou em microorganismos de difícil combate
aqueles medicamentos que apresentam maior (SANTOS, 2009). O uso indiscriminado
lucro, referindo-se aos produtos “bonificados”. de antibióticos facilita o surgimento de
Tais práticas provavelmente são favorecidas bactérias e outros microrganismos cada
pelo fato de que todos os medicamentos vez mais resistentes, reduzindo a eficácia
citados como os mais indicados pelos dos medicamentos (THIAGO et al., 2009).
balconistas não necessitam de retenção da
receita médica nas drogarias, sendo que a Além de possuir questões objetivas a
simples categorização do medicamento como respeito de características sócio-demográficas,
de venda de prescrição médica é totalmente o questionário utilizado para coleta de dados
negligenciado pelos balconistas, bem como também continha a descrição de casos clínicos
pelos clientes em geral. Em função disso, a que simulavam situações comuns no cotidiano
Agência Nacional de Vigilância Sanitária de uma drogaria, para que o balconista
(Anvisa), já iniciou trabalhos para incluir descrevesse sua conduta frente a tal situação.
os antibióticos no sistema de medicamentos
de uso controlado. Assim, os antibióticos só Ao descrever um caso clínico de infecção
poderão ser dispensados mediante retenção da de garganta, perguntou-se aos balconistas que
prescrição. A mudança auxiliará no combate à medicamento indicariam e quais perguntas e
resistência bacteriana às drogas, relacionada ao avaliações seriam feitas por eles para a tomada
mau uso desses medicamentos. A resistência de decisão dessa indicação. 90% dos balconistas
afirmaram que indicariam antibióticos e
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Figura 4. Medicamentos que mais são indicados pelos próprios balconistas.

Figura 5. Antibióticos que seriam indicados em resposta a caso clínico de infecção de garganta

somente 10% orientariam a buscar um médico. tomadas pelos pacientes, demonstrando o


Estes dados chamam a atenção para a utilização despreparo desses funcionários para a atividade
inadvertida de antibióticos, o que constitui um de dispensação de medicamentos.
grave problema, ao se considerar além dos
efeitos adversos, a possibilidade de infecções Apresentamos, também, um caso clínico
oportunistas e finalmente o desenvolvimento de de uma mãe que possui um filho de três anos que
se encontra em um quadro de vômitos, febre
resistência bacteriana, fato hoje diagnosticado
e diarréia. Os balconistas foram questionados
como um problema de saúde pública, que tem
quanto ao medicamento que indicariam e
merecido a atenção de autoridades sanitárias,
que perguntas e avaliações fariam. 25% dos
instituições médicas, farmacêuticas e a
balconistas solicitariam à mãe que procurasse
Organização Mundial de Saúde (COSTA et al.,
um médico, sem indicar nenhum medicamento,
2010; OLIVEIRA, 2001).
outros 25% orientariam a procurar um médico,
mas indicariam algum medicamento, portanto,
Os fármacos mais indicados no caso
50% sugeririam que as mães procurassem um
clínico de infecção de garganta já avançada
médico, e 75% dos balconistas indicariam
foram amoxicilina e azitromicina (Figura 5).
algum medicamento para a criança. Devemos
Sabe-se que a prescrição indevida de antibióticos
considerar que em grande parte as diarréias
e sua má utilização vêm ampliando o tempo de
são autolimitadas, sendo que a maioria dos
internação do paciente, também tem levado à
enteropatógenos é eliminada através da
necessidade do emprego de antibióticos mais
motilidade e outros mecanismos de defesa do
caros e mais tóxicos o que além de dificultar o
intestino (TRIPATHI, 2003). Leal et al. (1998),
tratamento pode até impossibilitá-lo (THIAGO
avaliando a indicação de medicamentos
et al., 2009). Dentre os 10 balconistas que
para diarréia em adultos na cidade de Passo
indicariam uma penicilina, somente dois
Fundo, encontraram que 96% dos balconistas
afirmaram que perguntariam quanto à presença
indicariam algum medicamento nessa
de alergia a penicilinas e 56% dos entrevistados
situação. Portanto, quando se trata de crianças,
não questionariam quanto à sintomatologia e/
parece haver uma maior cautela por parte dos
ou orientariam quanto a precauções a serem
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balconistas na indicação de medicamentos. Por Os antibióticos desempenham um
outro lado, devemos considerar as limitações papel limitado no tratamento global dos
envolvidas nos dados obtidos através de pacientes com diarréia, as razões disso são que
entrevistas, pois as respostas obtidas podem o patógeno bacteriano é responsável por apenas
refletir a atitude que o balconista considera uma fração dos casos e mesmo na diarréia
que seria mais correta e não aquela que o bacteriana, os antibióticos alteram a evolução
balconista realmente desempenharia frente da doença, podendo prolongar o estado do
a uma situação real. Nesse sentido, Oshiro & portador (TRIPATHI, 2003). Neste estudo,
Castro (2002), em um trabalho semelhante, 15% dos balconistas indicariam antibiótico
verificaram que as informações obtidas em para tratamento da diarréia.
resposta a um questionário estavam mais de
acordo com as recomendações dos protocolos Fármacos que alteram a motilidade
e guias oficiais, já em uma simulação de uma gastrintestinal têm utilidade muito limitada no
situação supostamente real, os balconistas tratamento da diarréia não infecciosa e diarréia
demonstraram uma conduta mais inadequada do viajante leve e são contra-indicados para
quanto às orientações medicamentosas para diarréias infecciosas agudas, visto que retardam
diarréia. a eliminação do patógeno do intestino. Nesta
situação, sua utilização pode ser desastrosa,
A SRO seria indicada por 55% dos pois pode prolongar a diarréia, mascarar a
balconistas, na sua maioria (45%) acompanhada desidratação, perfurar o intestino ou produzir
de um ou mais medicamentos (Figura 6). A intoxicação (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1993;
SRO é considerada um grande avanço dos KOROLKOVAS & FRANÇA, 2009; TRIPATHI,
últimos tempos e na maioria dos casos de 2003). Seu uso especialmente em crianças
diarréia, trata-se da única medida necessária provocou inúmeros casos de intoxicação grave
(TRIPATHI, 2003). (coma e mesmo a morte), por isto alguns países,
inclusive o Brasil, proibiram o seu emprego
Um probiótico (Saccharomyces em crianças menores de quatro anos de idade
boulardii) seria indicado em 35% dos casos (KOROLKOVAS & FRANÇA, 2009; RANG et
(Figura 6). Este medicamento é de venda livre, al., 2007). Em nosso estudo, 5% dos balconistas
sua função de probiótico consiste na capacidade indicariam um antidiarréico.
desses microrganismos em restaurar a
microbiota residente intestinal, também Desde a industrialização dos
tem sido utilizado empiricamente como medicamentos e por conseqüência da melhora
agente antidiarréico profilático e terapêutico da acessibilidade a estes, tem aumentado cada
no tratamento da diarréia infecciosa aguda vez mais seu consumo, que em muitos casos,
(GAON et al., 2003). Em crianças, a maioria seria desnecessário. Oshiro e Castro (2002)
dos estudos apresenta benefício com o uso de descrevem a indicação, para o tratamento de
probióticos em diarréia aguda infecciosa com diarréia, de vários medicamentos ineficazes,
ocorrência de poucos efeitos adversos (KAHN em detrimento da solução de Sais de
et al., 2009). Reidratação Oral (SRO). Sabe-se que, ao longo
dos anos, o Ministério da Saúde e a OMS têm
30% dos balconistas indicariam divulgado informativos nas unidades de saúde
antitérmicos pelo fato de que a criança e através da mídia quanto à importância da
apresenta-se com febre (Figura 6). A Terapia de Reidratação Oral (MINIATÉRIO
automedicação inadequada pode ter como DA SAÚDE, 1993). Entretanto, em nosso
conseqüência o mascaramento de doenças estudo, 20% dos balconistas indicariam
evolutivas, representando, portanto, problema outro(s) medicamento(s) sem indicar SRO,
a ser prevenido (ARRAIS et al., 1997). A sugerindo uma resistência desses profissionais
febre é um importante sinal de infecção e a a condutas preconizadas com fundamentação
automedicação com antitérmicos pode levar ao científica, ou simplesmente, falta de atenção
mascaramento desse sinal (WANNMACHER para informações de saúde, mesmo para com
& FERREIRA, 2004). aquelas divulgadas nos veículos de informação
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para o público em geral. responsável deve ocorrer somente mediante
orientação e acompanhamento de farmacêutico
Como pode ser observado na figura 6, nos casos dos medicamentos isentos de
50% dos balconistas indicariam um antiemético prescrição e não para medicamentos que
na situação descrita no caso clínico. Os necessitam de apresentação de prescrição
antieméticos são contra indicados nos casos médica para sua dispensação.
de diarréia aguda e podem levar a uma série de
reações adversas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, É necessário que a sociedade se adapte,
1993). A metoclopramida foi o anti-emético recebendo informação científica sobre os
mais indicado pelos balconistas, este fármaco medicamentos de venda livre, sem estímulo
bloqueia os receptores da dopamina em várias ao consumo desenfreado ou ao mito de cura
partes do sistema nervoso central, produzindo milagrosa, ao mesmo tempo em que seja
efeitos indesejáveis como distúrbios dos incentivada a procura do médico, revelando os
movimentos (mais comum em crianças e pontos positivos que uma consulta médica pode
jovens), cansaço, inquietação motora, sedação, ter em relação à automedicação (VILARINO et
tontura e confusão mental e ainda, podendo al., 1998).
prolongar ou favorecer um episódio diarréico
(RANG et al., 2007). A metoclopramida só pode
ser vendida com a apresentação da prescrição Conclusão
médica, no entanto, é vendida livremente sem
que essa exigência seja cumprida, e ainda pior, As principais práticas inadequadas
um balconista declarou que indicaria para a verificadas nos estabelecimentos incluídos
criança este medicamento na forma injetável. nesta pesquisa, que requerem medidas por

Figura 6. Orientações que seriam fornecidas pelos balconistas de drogarias diante de um caso clínico de criança de três anos
com diarréia.

Nota-se a imensa variedade de parte das autoridades, dizem respeito à


condutas de balconistas frente a uma mesma “empurroterapia” de produtos bonificados, de
situação, sugerindo a necessidade de um comissões pagas sobre as vendas aos balconistas
melhor treinamento desses profissionais, e à frequente indicação de medicamentos
atribuição que compete ao farmacêutico, que é pelos balconistas, em especial aqueles que só
o responsável técnico pelo estabelecimento. poderiam ser dispensados com prescrição
médica. Detectamos também a omissão da
A Organização Mundial de Saúde orientação de busca de auxílio médico, quando
(WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2010) este é necessário. Portanto, nota-se que são
reconhece que certo nível de automedicação necessárias intervenções educativas destinadas
é necessário, desde que ocorra de forma a funcionários de drogarias e medidas de
responsável, admitindo assim para o benefício incentivo à aplicação da lei quanto à venda de
do sistema público de saúde, evitando seu medicamentos que requerem apresentação de
colapso pelo atendimento a casos transitórios prescrição médica.
ou de menor urgência. Ainda, a automedicação
60 // Rev Tempus Actas Saúde Colet.
Agradecimentos medicamentos em ambientes de ensino.
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