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IFMG CAMPUS IBIRITÉ —E STUDOS F ILOSÓFICOS E S OCIOLÓGICOS 3

A LEGORIA DA C AVERNA
PLATÃO. A ALEGORIA DA CAVERNA . A R EPÚBLICA , 514 A -517 C. T RADUÇÃO DE L UCY M AGALHÃES . I N : MARCONDES, D. T EXTOS BÁSICOS
DE F ILOSOFIA . S ÃO P AULO : Z AHAR , 2007, P . 40-43.

SÓCRATES: Agora imagine a nossa natureza, segundo o longo do pequeno muro falasse, não acha que eles to-
grau de educação que ela recebeu ou não, de acordo mariam essa voz pela da sombra que desfila à sua fren-
com o quadro que vou fazer. Imagine, pois, homens que te?
vivem em uma espécie de morada subterrânea em for- GLAUCO: Sim, por Zeus.
ma de caverna. À entrada se abre para a luz em toda a
SÓCRATES: Assim sendo, os homens que estão nessas
largura da fachada. Os homens estão no interior desde
condições não poderiam considerar nada como verda-
a infância, acorrentados pelas pernas e pelo pescoço,
deiro, a não ser as sombras dos objetos fabricados.
de modo que não podem mudar de lugar nem voltar a
cabeça para ver algo que não esteja diante deles. A luz GLAUCO: Não poderia ser de outra forma.
lhes vem de um fogo que queima por trás deles, ao lon- SÓCRATES: Veja agora o que aconteceria se eles fossem
ge, no alto. Entre os prisioneiros e o fogo, há um cami- libertados de suas correntes e curados de sua desrazão.
nho que sobe. Imagine que esse caminho é cortado por Tudo não aconteceria naturalmente como vou dizer? Se
um pequeno muro, semelhante ao tapume que os exibi- um desses homens fosse solto, forçado subitamente a
dores de marionetes dispõem entre eles e o público, levantar-se, a virar a cabeça, a andar, a olhar para o la-
acima do qual manobram as marionetes e apresentam do da luz, todos esses movimentos o fariam sofrer; ele
o espetáculo. ficaria ofuscado e não poderia distinguir os objetos, dos
GLAUCO: Entendo. quais via apenas as sombras, anteriormente. Na sua
opinião, o que ele poderia responder se lhe dissessem
SÓCRATES: Então, ao longo desse pequeno muro, imagi-
que, antes, ele só via coisas sem consistência, que agora
ne homens que carregam todo tipo de objetos fabrica-
ele está mais perto da realidade, voltado para objetos
dos, ultrapassando a altura do muro; estátuas de ho-
mais reais, e que está vendo melhor? O que ele respon-
mens, figuras de animais, de pedra, madeira ou qual-
deria se lhe designassem cada um dos objetos que des-
quer outro material. Provavelmente, entre os carrega-
filam, obrigando-o, com perguntas, a dizer o que são?
dores que desfilam ao longo do muro, alguns falam,
Não acha que ele ficaria embaraçado e que as sombras
outros se calam.
que ele via antes lhe pareceriam mais verdadeiras do
GLAUCO: Estranha descrição e estranhos prisioneiros! que os objetos que lhe mostram agora?
SÓCRATES: Eles são semelhantes a nós. Primeiro, você GLAUCO: Certamente, elas lhe pareceriam mais verda-
pensa que, na situação deles, eles tenham visto algo deiras.
mais do que as sombras de si mesmos e dos vizinhos
SÓCRATES: E se o forçassem a olhar para a própria luz,
que o fogo projeta na parede da caverna à sua frente?
não achas que os olhos lhe doeriam, que ele viraria as
GLAUCO: Como isso seria possível, se durante toda a costas e voltaria para as coisas que pode olhar e que as
vida eles estão condenados a ficar com a cabeça imó- consideraria verdadeiramente mais nítidas do que as
vel? coisas que lhe mostram?
SÓCRATES: Não acontece o mesmo com os objetos que GLAUCO: Sem dúvida alguma.
desfilam?
SÓCRATES: E se o tirassem de lá à força, se o fizessem
GLAUCO: É claro. subir o íngreme caminho montanhoso, se não o largas-
SÓCRATES: Então, se eles pudessem conversar, não sem até arrastá-lo para a luz do sol, ele não sofreria e se
acha que, nomeando as sombras que veem, pensariam irritaria ao ser assim empurrado para fora? E, chegando
nomear seres reais? à luz, com os olhos ofuscados pelo seu brilho, não seria
GLAUCO: Evidentemente. capaz de ver nenhum desses objetos, que nós afirma-
mos agora serem verdadeiros.
SÓCRATES: E se, além disso, houvesse um eco vindo da
parede diante deles, quando um dos que passam ao
GLAUCO: Ele não poderá vê-los, pelo menos nos primei- vez, não seria pelas trevas que ele teria os olhos ofusca-
ros momentos. dos, ao vir diretamente do sol?
SÓCRATES: É preciso que ele se habitue, para que possa GLAUCO: Naturalmente.
ver as coisas do alto. Primeiro, ele distinguirá mais facil- SÓCRATES: E se ele tivesse que emitir de novo um juízo
mente as sombras, depois, as imagens dos homens e sobre as sombras e entrar em competição com os prisi-
dos outros objetos refletidas na água, depois os pró- oneiros que continuaram acorrentados, enquanto sua
prios objetos. Em segundo lugar, durante a noite, ele vista ainda está confusa, seus olhos ainda não se recom-
poderá contemplar as constelações e o próprio céu, e puseram, enquanto lhe deram um tempo curto demais
voltar o olhar para a luz dos astros e da lua mais facil- para acostumar-se com a escuridão, ele não ficaria ridí-
mente que durante o dia para o sol e para a luz do sol. culo? Os prisioneiros não diriam que, depois de ter ido
GLAUCO: Sem dúvida até o alto, voltou com a vista perdida, que não vale
SÓCRATES: Finalmente, ele poderá contemplar o sol, mesmo a pena subir até lá? E se alguém tentasse retirar
não o seu reflexo nas águas ou em outra superfície lisa, os seus laços, fazê-los subir, você acredita que, se pu-
mas o próprio sol, no lugar do sol, o sol tal como é. dessem agarrá-lo e executá-lo, não o matariam?

GLAUCO: Certamente. GLAUCO: Sem dúvida alguma, eles o matariam.

SÓCRATES: Depois disso, poderá raciocinar a respeito SÓCRATES: E agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar
do sol, concluir que é ele que produz as estações e os exatamente essa alegoria ao que dissemos anterior-
anos, que governa tudo no mundo visível, e que é, de mente. Devemos assimilar o mundo que apreendemos
algum modo, a causa de tudo o que ele e seus compa- pela vista à estada na prisão, a luz do fogo que ilumina a
nheiros viam na caverna. caverna à ação do sol. Quanto à subida e à contempla-
ção do que há no alto, considera que se trata da ascen-
GLAUCO: É indubitável que ele chegará a essa conclu-
são da alma até o lugar inteligível, e não te enganarás
são.
sobre minha esperança, já que desejas conhecê-la. Deus
SÓCRATES: Nesse momento, se ele se lembrar de sua sabe se há alguma possibilidade de que ela seja fundada
primeira morada, da ciência que ali se possuía e de seus sobre a verdade. Em todo o caso eis o que me aparece
antigos companheiros, não acha que ficaria feliz com a tal como me aparece: nos últimos limites do mundo
mudança e teria pena deles? inteligível aparece-me a ideia do Bem, que se percebe
GLAUCO: Claro que sim. com dificuldade, mas que não se pode ver sem concluir
SÓCRATES: Quanto às honras e louvores que eles se que ela é a causa de tudo o que há de reto e de belo. No
atribuíam mutuamente outrora, quanto às recompen- mundo visível, ela gera a luz e o senhor da luz, no mun-
sas concedidas àquele que fosse dotado de uma visão do inteligível ela própria é a soberana que dispensa a
mais aguda para discernir a passagem das sombras na verdade e a inteligência. Acrescento que é preciso vê-la
parede e de uma memória mais fiel para se lembrar se quer comportar-se com sabedoria, seja na vida priva-
com exatidão daquelas que precedem certas outras ou da, seja na vida pública.
que lhes sucedem, as que vêm juntas, e que, por isso GLAUCO: Tanto quanto sou capaz de compreender-te,
mesmo, era o mais hábil para conjeturar a que viria de- concordo contigo.
pois, acha que nosso homem teria inveja dele, que as
honras e a confiança assim adquiridas entre os compa-
nheiros lhe dariam inveja? Ele não pensaria antes, como Questões
o herói de Homero, que mais vale “viver como escravo
1. A alegoria da caverna fala sobre
de um lavrador” e suportar qualquer provação do que
qual assunto?
voltar à visão ilusória da caverna e viver como se vive
lá? 2. O que é defendido no texto sobre o
assunto?
GLAUCO: Concordo com você. Ele aceitaria qualquer
provação para não viver como se vive lá. 3. Quais argumentos sustentam essa
defesa?
SÓCRATES: Reflita ainda nisto: suponha que esse ho-
mem volte à caverna e retome o seu antigo lugar. Desta

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