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O Temor do Senhor

J. Gresham Machen

Tradução: Fabiane Fagundes Schütz


Revisão: Felipe Sabino de A. Neto

E não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma;


temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno a alma e o corpo
(Mt 10.28).

Essas palavras não foram pronunciadas por Jonathan Edwards. Não


foram ditas por Cotton Mather. Não foram faladas por Calvino, e nem por
Agostinho ou Paulo. Antes, elas foram proferidas por Jesus.
E quando agrupadas a muitas outras palavras semelhantes nos
Evangelhos, acabam desmascarando a falsidade total que vem sendo
construída nos últimos anos sobre a figura de Jesus. Um dia desses, em um
dos livros religiosos mais populares da atualidade, The Reconstruction of Religion
[A Reconstrução da Religião], de Ellwood, deparei-me com a estarrecedora
declaração que Jesus pouco atentou para o tema da vida após a morte. Diante
de tal afirmação qualquer estudante de história poderia ficar horrorizado.
Talvez nós não prestemos muita atenção à doutrina de uma vida futura, mas a
pergunta se Jesus fez isso não é uma questão de preferência, mas uma
pergunta histórica que pode ser respondida somente sobre a base de uma
análise das fontes históricas de informação, as quais chamamos os
Evangelhos. Se você quiser responder a pergunta, aconselho que faça o que
tenho feito, e simplesmente analise a harmonia dos Evangelho, observando as
passagens onde Jesus fala da bem-aventuraça e miséria na vida futura. Você
pode se surpreender com o resultado; certamente ficará surpreso se tiver sido
afetado, mesmo no mínimo grau, pela falsa representacção de Jesus que satura
a literatura religiosa dos nossos tempos. Você descobrirá que o pensamento
não somente do céu, mas também do inferno, permeia todo o ensino de Jesus.
Ele aparece em todos os quatro Evangelho; aparece nas fontes, supostamente
as bases dos Evangelhos, que têm sido reconstruídas, correta ou
erroneamente, pela crítica moderna. Nao é um elemento que pode ser
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removido por algum processo crítico, mas simplesmente permeia todo o


ensino e vida de Jesus.
Ele está presente nas parábolas mais famosas de Jesus – as solenes
parábolas do homem rico e Lázaro; do mordomo infiel; das minas; dos
talentos; do joio e trigo; dos servos; das bodas do Filho do Rei; das dez
virgens. Ele é igualmente proeminente no ensino restante de Jesus. A cena do
julgamento descrita no capítulo 25 do evangelho de Mateus é apenas a
culminação do que é encontrado em todo lugar nos Evangelhos. “E irão estes
para o tormento eterno, mas os justos para a vida eterna”. Não há
absolutamente nada peculiar nessa passagem entre os dizeres de Jesus. Se um
dia houve um mestre religioso que não poderia ser usado na defesa de uma
religião deste mundo, se houve um mestre que via o mundo sob o aspecto da
eternidade, este foi Jesus de Nazaré.
Essas e muitas outras passagens semelhantes estão arraigadas em todo
lugar na tradição do Evangelho. Até onde sei, nem mesmo a crítica mais
radical tentou remover esse elemento da pregação de Jesus. Mas não é
simplesmente a quantidade de ensino de Jesus sobre a vida futura que
impressiona; o que é mais impressionante é o caráter dele. Ele não aparece
como uma excentricidade nos Evangelhos, como algo que poderia ser
removido e ainda deixar o restante do ensino intacto. Se esse elemento fosse
removido, então o que restaria? Certamente não o evangelho, nem as boas
novas referentes à obra salvífica de Jesus, pois as questões de vida e morte
eternas estão aí envolvidas. Mas nem mesmo o ensino ético de Jesus seria
deixado. Não pode haver maior engano que supor que Jesus alguma vez
separou teologia de ética, ou que se você remover Sua teologia – Suas crenças
sobre Deus e o julgamento, a desgraça futura para os ímpios e a bem-
aventurança eterna para os santos – o Seu ensino ético fica intacto. Pelo
contrário, a seriedade estupenda da ética de Jesus está fundamentada no
pensamento constante do julgamento de Deus. “Portanto, se o teu olho
direito te escandalizar, arranca-o e atira-o para longe de ti; pois te é melhor
que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo lançado no
inferno”. Essas palavras são características de todo ensino de Jesus; a
seriedade extraordinária dos Seus mandamentos está intimamente ligada à
alternativa da bem-aventurança ou miséria eterna.
Tal alternativa é usada por Jesus a fim de despertar o homem ao temor.
“E não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei antes

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aquele que pode fazer perecer no inferno a alma e o corpo”. Lucas registra
uma declaração similiar de Jesus: “E digo-vos amigos meus: ‘Não temais os
que matam o corpo e, depois, não têm mais o que fazer. Mas eu vos mostrarei
a quem deveis temer; temei aquele que, depois de matar, tem poder para
lançar no inferno; sim, vos digo, a esse temei’.” Há aqueles que nos dizem que
o temor deveria ser banido da religião; deveríamos, é nos dito, não mais
sustentar a idéia de medo do inferno diante dos homens; nos dizem que é
ridículo temer. Aqueles que falam dessa forma, sem dúvida não têm o direito
de apelar a Jesus; pois Jesus certamente empregou, insistentemente, o motivo
de temor. Se você evita esse motivo na religião, então está em contradição
evidente com Jesus. Aqui, como em muitos outros pontos, uma escolha deve
ser feita entre o Jesus real e muito do que falsamente carrega o Seu nome hoje.
Mas quem estaria certo? Seria o próprio Jesus ou os que rejeitam os Seus
ensinamentos acerca de temer ser lançado no inferno? Seria o temor algo
absolutamente inaceitável? Estaria o homem arruinado por ter medo?
Penso, meus amigos, que depende totalmente de quem o homem teme.
As palavras do nosso texto, com uma solene inculcação de temor, são
também uma denúncia sonora do temor. O “temei a Ele” é balanceado pelo
“não temais”.O temor a Deus torna-se aqui um caminho para vencer o temor
ao homem. E os séculos heróicos da história cristã fornecem testemunho
abundante à sua eficácia. Com o temor a Deus diante dos seus olhos, os
heróis da fé permaneceram ousadamente diante de reis e governadores, e
disseram: “Aqui estou, e não posso agir de outra maneira. Que Deus me
ajude! Amém.”
Inaceitável, sim, é temer ser preso e morrer nas mãos do homem; é
ridículo temer aqueles que usam o poder para suprimir o direito. Até mesmo o
temor a Deus pode ser degradante. Tudo depende de como você vê a Deus.
Se pensa que Deus é alguém como você, temê-lo seria algo desprezível. Se
você O vê como um tirano caprichoso, que tem inveja das criaturas que fez,
você estará na mesma posição de um pagão. Mas é muito diferente quando
você está na presença da fonte de toda ordem moral do universo; é muito
diferente quando Deus vem andando no jardim e você não tem desculpa; é
diferente quando você pensa no dia terrível em que as máscaras cairão e você
estiver sem defesa diante do justo trono de Deus. Diferente será quando não
os pecados de outras pessoas, mas os seus estiverem sendo julgados. Meus
amigos, podemos realmente chegar diante do tribunal da justiça de Deus, e

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sem temor apelar aos nossos direitos? Poderemos realmente repetir as


famosas palavras de Henley: “Da noite que me cobre, negra como um poço
de alto abaixo, agradeço quaisquer deuses que existam, pela minha alma
inconquistável”? Ou estas: “não importa a estreiteza do portão, quão cheio de
castigos o pergaminho, sou o dono do meu destino: Sou o capitão da minha
alma”?
Seria esta a forma de vencer o medo? Claro que não! Podemos repetir
tais palavras apenas pela covardia dissimulada de ignorar os fatos. Na verdade,
nossa alma não é inconquistável; não somos dono dela ou capitão do nosso
destino. Muitos têm contemplado algum ato tolo a princípio com horror, e
dito: “Sou um cachorro para fazer isso?” E então vem a fácil descida até o
abismo, o enfraquecimento gradual da fibra moral, de forma que o que parecia
horrível ontem, parece justificável hoje; até que no final, numa triste hora,
com a memória do horror do pecado de alguém ainda na mente, o homem
desperta para a percepção que ele já está afundado na lama. Tal é o
endurecimento terrível que vem pelo pecado. Mesmo nesta vida não somos
donos do nosso desstino; sem dúvida não somos capitão dos nossos corpos, e
não somos, temo, nem mesmo capitão das nossas almas.
Covardia vergonhosa é tentar vencer o medo ignorando os fatos. Não
nos tornamos donos do nosso destino dizendo que o somos. Tal
descaramento de orgulho, fútil como é, não é nem mesmo nobre em sua
futilidade. Nobreza sim, seria rebelar-se contra um tirano caprichoso, mas não
é nobre rebelar-se contra a lei moral de Deus.
Estaremos, então, para sempre sujeitos ao medo? Resta-nos alguma
coisa além de uma temente expectativa de julgamento e ardente indignação?
Jesus veio para nos dizer que não! Ele veio para nos libertar do medo. E Ele
não fez isso escondendo os fatos; Ele não pintou nenhum retrato falso de um
Deus complacente que se compactua com o pecado; Ele não incentivou
nenhuma ilusão lisonjeira sobre o poder do homem. Jesus não abandonou a
esfera da justiça divina, estabelecendo em oposição a ela uma esfera de amor.
Mas Ele introduziu unidade no mundo por meio da Sua obra redentora. Ele
morreu, não para abolir, mas para satisfazer a justiça divina e nos reconciliar
com Deus. Nos dias de Sua carne Ele apontou para esse ato; Ele solicitou a
confiança do homem pela promessa do que estava por vir. Em nossos dias,
olhamos para trás, a fim de ver o que já foi feito; nosso gozo está na salvação
já conquistada; nós nos gloriamos na cruz.

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Até mesmo o cristão deve temer a Deus. Mas é outro tipo de temor. É
um temor do que poderia ter acontecido, e não do que está acontecendo; é
um temor do que viria, se nao estivéssemos em Cristo. Sem tal temor não
pode existir nenhum verdadeiro amor; pois o amor pelo Salvador é
proporcional ao horror do qual o homem foi salvo. E quão vigorosas são as
vidas cobertas por tal amor! São vidas valentes, não porque a realidade dos
fatos é ignorada, mas porque enfrentaram tal realidade– vidas essas que têm
por alicerce sólido a graça de Deus. Possam nossas vidas serem assim!
O perfeito amor lança fora o temor. Mas para que o nosso amor possa
lançar fora o temor, ele só pode ser uma resposta ao ato amoroso de Deus.
“Nisto está o amor, não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele
nos amou a nós, e enviou seu Filho para propicição pelos nossos pecados.”
Há a culminância e a transformação do temor. Disse Jesus: “Portanto
qualquer que me confessar diante dos homens, eu o confessarei diante de meu
Pai, que está nos céus.”

Notas sobre o autor


John Gresham Machen nasceu em Baltimore, estado de Maryland, no dia 28
de julho de 1881, e partiu desta terra para estar com o seu Senhor no dia
primeiro de janeiro de 1937. Ele estudou no Johns Hopkins (A.B., 1901); na
Universidade de Princeton (A.M., 1904); no Seminário Teológico de
Princeton (B.D., 1905); e nas universidades de Marburg e Goettingen (1905-
06). Começou lecionando Literatura e Exegese do Novo Testamento no
Seminário Teológico de Princeton (1916-1929), e então no Seminário
Teológico de Westminster de 1929 a 1937.
Machen foi um destacado apologista e teólogo conservador, dotado de um
talento de clareza na exposição. Um homem com habilidades de grande
liderança, ele liderou a fundação do Seminário Teológico de Westminster
(1929), e da Igreja Presbiteriana da América (1936),1 que mais tarde veio a
chamar-se Igreja Presbiteriana Ortodoxa.2
Algumas de suas obras mais conhecidas incluem: The Origin of Paul´s Religion
(1921); Christianity and Liberalism (1923);3 New Testament Greek for Beginners
(1923);4 The Virgin Birth of Christ (1930); The Christian View of Man (1937); e
God transcendent and Other Selected Sermons (1949).

1
Presbyterian Church of America (PCA).
2
Orthodox Presbyterian Church (OPC).
3
Publicado no Brasil pela Editora Puritanos. (N. do R.)
4
Publicado no Brasil pela Editora Hagnos. (N. do R.)

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