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Excelentíssima Presidente Maria Cecília Moreira Fagundes

Ilustríssima Diretora Rita Schürmann

Prezados Mesários

Fraternos Acadêmicos

Estimados Convidados

Boa tarde

Sangue Rasgado nas Dunas de Areia

A areia voava no ar/ entre nossas botas,/ cantis/ e armas./

O calor do oriente atingia nossas nucas,/ já queimadas como

nunca haviam sido,/ deixando/ até alguns dos soldados mais

fortes /nauseados.

Caminhávamos naquele deserto infindo e labiríntico,/ até que

nossos olhos encontraram a finitude:/ casas simples, um poço

com água e alguns automóveis surrados./


De maneira completamente maquinal,/ empunho minha arma

com mira/ que chegava a algumas milhas, suficientes/ para

atingir a pessoa que eu desejasse.

Minha pontaria viaja pelo horizonte,/ buscando algo para

repousar. Avistei uma criança,/ mirei na cabeça, puxei o gatilho.

No instante seguinte todas as funções do meu corpo pararam,/

meu suor parecia gelo,/ meu cérebro havia se desentendido/ com

meu pulmão e meu coração. O que eu havia feito? Por que?

Nunca havia me perguntado. Já matara incontáveis pessoas.

Feito coisas vis e jamais tinha parado para refletir./ Mas hoje/ foi

diferente. Fiquei paralisado,/ meus companheiros me

congratularam/ e seguiram na direção do pequeno vilarejo.


Em poucos minutos/, havia presenciado/ uma carnificina sem

igual, com direito a todos os requintes de crueldade possíveis./

Pessoas indefesas, cidadãos,/ apenas vivendo suas simples vidas/

em um país tão desmoronado pela guerra./ Meu povo matou

pessoas, queimou igrejas e livros,/ apagou o passado,/ a história

do lugar, de um país que não mais existiria.

Sob quais justificativas nós fizemos isso? Todas as respostas que

vinham em minha mente/ eram as atitudes mais nobres: pela

paz, pelo progresso, por Deus./ Nunca pelo sadismo de ver o

sofrimento,/ pelo preconceito por outros povos e culturas, e

também nunca pelo dinheiro./

As grandes potências do mundo são/, por coincidência,/ as

maiores produtoras de armas. Sem armas, as guerras não


existiriam./ Quem as inicia são os engravatados, os burocratas,

os mais abastados./ Entretanto quem pega as armas/ somos nós./

Se pudesse, pediria a paz ao invés da guerra,/ há lugar para todos

no mundo./ O poder exacerbado envenena as mentes dos

homens, transformando-os na pior criatura que Deus criou./ Se

tivesse apenas um minuto para conversar com Ele, gostaria de

perguntar/ se Ele está satisfeito ou infeliz conosco e se arrepende

de sua criação./ Mas não posso falar com Deus,/ os atos que

cometi me afastam d`Ele.

Eu matei uma criança/ inocente, pura, muito ainda para

aprender./ Meus soldados/ arrancaram as roupas das mulheres/

que mataram e penduraram nas paredes ensanguentadas das

casas,/ ou guardaram para levar as suas esposas.Viam com


beleza e admiração o sangue derramado. Uma vez já senti o

mesmo.

Sinto/ o pior sentimento de um ser humano/ a culpa./ O remorso

queima minha cabeça,/ uma mão gélida e cadavérica tem, por

hora, a posse de meu coração,/ minhas pernas não aguentam o

peso de minha angústia / e caio ao chão arenoso e seco./ Minha

respiração fica pesada,/ começo a me debulhar em lágrimas, sem

vergonha alguma dos outros soldados./ Meu sentimento agora

por eles é de desprezo/ e isso cabe a minha pessoa também.

Passadas algumas horas, voltamos a nossa base. Todos

sorridentes,/ escrevendo seus nomes nos mísseis que serão

lançados amanhã,/ comendo, jogando cartas,escrevendo para

suas esposas. Alguns até imitam os rostos das pessoas que


haviam matado anteriormente./ Sinto repulsa disso,contudo/ o

nojo agora não trará ninguém de volta.

Olho-me no espelho. Penso ser apenas uma miragem,/ um

“Jinn” do deserto punindo-me por tudo o que fiz. Vejo minhas

mãos com sangue rubro nas palmas e entre minhas unhas. Lavo

minhas mãos nas águas correntes,/ mas ele continua intacto,/

como se agora estivesse marcado na minha pele/ pela finitude da

minha vida nesse plano terreno. Jamais vou me perdoar por tudo

o que fiz./Todavia, esse arrependimento é inútil.

Toda a minha angústia e o meu desespero/ não trarão aquelas

pessoas de volta, porém,/ se o mundo abrir os olhos, parar de

acreditar nos falsos Messias e em inimigos imaginários/ criados

por essa mídia torpe e inescrupulosa, poderemos evitar que

vidas sejam interrompidas./


O ódio/ é alheio às idiossincrasias do homem,/ o amor que é

intrínseco,/ colado ao cerne e à carne do ser, humano/ jamais nos

esqueçamos disso./

Não me vejo com esse peso sobre os meus pensamentos. Todo o

sangue que deixei ser derramado, toda a dor que causei, toda a

felicidade que transformei em nada,/ em vazio, na inexistência

da matéria,me consomem!

Corro para longe da base para não ser encontrado, entrevejo uma

cadeia montanhosa de areia, deslizo para lá.Peço perdão.

Suplico que todas as almas que machuquei encontrem a vida

eterna e plena / em qualquer que seja o paraíso de sua fé.

Puxo o gatilho, receio mais nada,/ apenas meu sangue, nefasto e

traiçoeiro/ foi derramado, e não o de um inocente./


Agora vejo beleza/ e tenho admiração pelo meu sangue

rasgado/ nas dunas de areia.

Dito.

Ricardo Fausto Cardoso de Lima- 2ª série 4ª

Blumenau, 04 de abril de 2024

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