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Edição #101 Outubro 1875

A IMPRENSA
JORNAL LITERÁRIO, POLÍTICO E MERCANTIL DA CAPITAL

Publicações ás Quartas e aos Domingos.

“ESCÂNDALO JORNALÍSTICO” O INCIDENTE DA CORNETA DO DIABO


Inquieto, Carlos descintou o jornal. Chamava-se a Corneta do Diabo: e na impressão,
no papel, na abundância dos itálicos, no tipo gasto, todo ele revelava imundície e
malandrice.
Logo na primeira página duas cruzes a lápis marcavam um artigo que Carlos, num
relance, viu salpicado com o seu nome. E leu isto: "Ora viva, sô Maia! Então já se não vai
ao consultório, nem se veem os doentes do bairro, sô janota? - Esta piada era botada no
Chiado, à porta da Havanesa, ao Maia, ao Maia dos cavalos ingleses, um tal Maia do
Ramalhete, que abarrota por aí de catita; e o pai Paulino que tem olho e que passava
nessa ocasião ouviu a seguinte cornetada: - É que o sô Maia acha que é mais quente
viver nas fraldas de uma brasileira casada, que nem é brasileira nem é casada, e a quem
o papalvo pôs casa, aí para o lado dos Olivais, para estar ao fresco! Sempre os há neste
mundo!... Pensa o homem que botou conquista; e cá a rapaziada de gosto ri-se, porque o
que a gaja lhe quer não são os lindos olhos, são as lindas louras... Ora viva, sô Maia!"
Carlos ficou imóvel entre as acácias, com o jornal na mão, no espanto furioso e mudo de
um homem que subitamente recebe na face uma grossa chapada de lodo!
0 Sr. Palma mandou vir genebra. Depois, dando um grande puxão às calças:
- Pois eu espero que me acho aqui entre cavalheiros. Como eu já disse cá ao amigo Ega,
em todo este negócio...
Carlos atalhou-o, tocando muito significativamente com a ponteira da bengala na borda
da mesa.
Edição #101 Outubro 1875

A IMPRENSA
- Vamos ao ponto essencial... Quanto quer o Sr. Palma por me dizer quem lhe
encomendou o artigo da Corneta? [...]
- Quer cem mil réis por tudo isso? - perguntou Carlos.
Palma, com a cabeça baixa, desfazia torrões de açúcar dentro do copo de genebra. E
suspirou, findou por dizer, um pouco murcho, que era por ser entre cavalheiros, e com
amizade, que aceitava os cem mil réis...
Imediatamente Carlos tirou da algibeira das calças um punhado de libras, que começou a
deixar cair em silêncio uma a uma dentro de um prato. E Palma Cavalão, agitado com o tinir
do ouro, desabotoou logo o jaquetão, sacou uma carteira onde reluzia um pesado
monograma de prata sob uma enorme coroa de visconde. Os dedos tremiam-lhe; por fim,
desdobrou, estendeu três papéis sobre a mesa. Ega, que esperava, com o monóculo sôfrego,
teve um brado de triunfo. Reconhecera a letra do Dâmaso!
Carlos examinou os papéis lentamente. Era uma carta do Dâmaso ao Palma, curta e em
calão, remetendo o artigo, recomendando-lhe "que o apimentasse". Era o rascunho do artigo,
laboriosamente trabalhado pelo Dâmaso, com entrelinhas.
Palma, no entanto, nervoso, rufava com os dedos sobre a toalha, junto ao prato onde
reluziam as libras. E foi o Ega que o animou, depois de relancear os olhos aos documentos
por cima do ombro de Carlos:
- Recolha o bago, amigo Palma! Negócios são negócios, e o baguinho está aí a arrefecer!
Então, ao palpar o ouro, Palma Cavalão comoveu-se. Palavra, caramba, se soubesse que se
tratava de um cavalheiro como o Sr. Maia, não tinha aceitado o artigo! Mas então!... Fora o
Eusébio Silveira, rapaz amigo, que lhe viera falar. Depois o Salcede.

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