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A bruxa que criou Harry Potter

Pode-se começar a falar de J. K. Rowling contando como ela criou o


personagem de maior sucesso dos últimos anos, o menino bruxo Harry
Potter. No final de 1994, sentada com a filha pequena num café escuro e
empoeirado de Edimburgo, na Escócia, sua vida não parecia muito
promissora. Como milhares de candidatos a escritores ao redor do mundo,
ela sonhava em ter, ao menos, uma obra sua nas estantes das livrarias. Só
não imaginava que a série de livros que vinha diariamente escrevendo a
mão, entre um gole e outro de café, iria fazer com que, alguns anos
depois, milhões de crianças em todo o mundo deixassem de ver televisão
para ficarem quietas, encantadas com relatos sobre bruxas voadoras,
dragões terríveis, vassouras mágicas e caldeirões de cobre.

Essa história começou, na verdade, muitos anos antes, em 31 de julho de


1965. Foi nesse dia que a menina Joanne, primeira filha do casal Peter e
Anne Rowling, nasceu em Chipping Sodbury, perto de Bristol, oeste da
Inglaterra. Essa data é importante não apenas para a família Rowling. É
também um detalhe significativo para a legião de fãs de Harry Potter –
que, por um capricho da escritora, comemora seu aniversário exatamente
nessa data, dando pistas de que, em grande medida, o pequeno bruxo é
um alter ego de sua criadora.

A infância da mulher que cria-ria histórias fantásticas nada teve de


excepcional. “Minhas primeiras lembranças estão relacionadas ao
nascimento de minha irmã, Dianne, quando eu tinha cerca de 2 anos”,
conta a escritora em suas memórias. Mas a vida normal era apenas
aparente. Por trás da fachada da casa de tijolos antigos de uma rua no
subúrbio de Bristol, para onde havia se mudado com a família aos 4 anos,
as duas irmãs brigavam como cão e gato, brincavam de fazer mágica e
encenavam longas peças de teatro. Como outras crianças de suas idades,
Joanne e Di pareciam ter a chave secreta para viajar pelo mundo da
fantasia sempre que quisessem. O escritor brasileiro Monteiro Lobato
chamava essa viagem de “pó de pirlimpimpim”. No caso das irmãs
Rowling, não havia um pó, mas a imaginação das duas fazia um pequeno
subúrbio inglês, com sua arquitetura monótona, servir de porta para
outros mundos. “Eu me lembro bem da primeira história que escrevi. Era
sobre um coelho. Eu tinha 6 anos”, recorda-se Joanne.

A infância e a adolescência foram períodos decisivos para ela, nos quais


suas histórias começaram a ganhar alicerce. Joanne tinha 9 anos quando a
família Rowling foi morar no campo, perto de um vilarejo chamado
Tutshill, no País de Gales. “Era uma cidadezinha protegida por um castelo,
que ficava no alto de uma montanha”, conta a escritora em seu diário
eletrônico na internet. Sua casa era próxima ao cemitério da cidade, e os
túmulos se tornaram palco de muitas brincadeiras dela com sua irmã.
Naturalmente, o Halloween, a festa das bruxas, no dia 31 de outubro,
passou a ser o feriado preferido das meninas.

Na mesma rua dos Rowling morava uma família de sobrenome Potter. Na


casa, viviam um menino (Ian) e uma menina (Vicky), que costumavam
brincar com as duas irmãs. Muitos anos depois, em 1990, durante uma
viagem de trem lotado de Manchester a Londres, Joanne se lembraria dos
vizinhos. Foi nessa viagem aparentemente chata que ela teve a idéia mais
interessante e lucrativa de sua vida – a de escrever sobre a saga de um
menino de sobrenome Potter. “A história foi concebida num repente. Fui
obrigada a pensar nela durante as quatro horas que durou a viagem, pois
não tinha caneta nem papel e tive vergonha de pedir emprestado”, conta.

Alguns anos antes, Joanne havia se formado em língua francesa na


Universidade de Exeter. Escolhera este curso por pressão dos pais, que
sonhavam em ver a filha seguir a carreira de secretária bilíngüe. Nessa
época, Joanne trabalhava para a Anistia Internacional, em Londres.
Demonstrava não levar jeito para secretária. Em vez de fazer as atas das
reuniões, ficava rabiscando suas histórias no papel. Em dezembro de
1990, um acontecimento trágico: sua mãe, que sofria de esclerose
múltipla, morreu. Abalada, Joanne resolveu viver um tempo em Portugal,
na cidade de Porto, onde passou a dar aulas de inglês. Foi lá que, traçou o
plano principal da história do menino bruxo: seriam sete livros, um para
cada ano de Harry na escola.
Em Portugal, Joanne casou-se com o jornalista Jorge Arantes, pai de sua
filha Jéssica. O casamento é um assunto tabu para a escritora. Uma
biografia sua não-autorizada, escrita por Sean Smith, narra deta-lhes sobre
a tempestuosa relação do casal, incluindo brigas em público. Quando
Joanne e Arantes se separaram, sua filha Jéssica ainda era bebê. No final
de 1994, Joanne decidiu se mudar com a menina para Edimburgo, na
Escócia, para ficar mais perto de Di, sua única irmã. Estava determinada a
concluir seu primeiro livro. Instalada num pequeno apartamento, Joanne
passava o dia cuidando da filha e, quando a menina caía no sono, levava-a
com um carrinho de bebê até o café mais próximo, onde passava horas
escrevendo as aventuras de Harry Potter. Chegou a ficar deprimida com
falta de perspectivas e de dinheiro, pois dependia do seguro-desemprego
concedido pelo governo britânico.

Quando, enfim, conseguiu terminar de escrever o livro, enviou o


manuscrito a um agente literário. Recebeu o texto de volta, acompanhado
de uma polida carta de recusa. Mas Joanne não desistiu. Teve mais sorte
com o segundo agente literário, Christopher Little, que acreditou no
potencial da história e a ofereceu à editora Bloomsbury. Em junho de
1997, o primeiro livro com as aventuras de Harry Potter foi lançado na
Inglaterra. A Bloomsbury sugeriu que a escritora usasse as iniciais em vez
do primeiro nome, por achar que leitores meninos poderiam ter
preconceito em relação a um livro escrito por uma mulher. Como só tem
um nome próprio, Joanne resolveu acrescentar a letra “K”, tirada do nome
de sua avó favorita, Kathleen. Nasceu, assim J. K. Rowling.

O primeiro livro, Harry Potter e a Pedra Filosofal, recebeu algumas


resenhas elogiosas e não demorou a entrar na lista dos mais vendidos.
Com o adiantamento que recebeu da editora, J. K. Rowling – que então se
sustentava dando aulas de francês – pôde se dedicar exclusivamente à
literatura. E não perdeu tempo. Escreveu as seqüências Harry Potter e a
Câmara Secreta (1998), O Prisioneiro de Azkaban (1999), O Cálice de Fogo
(2000) e A Ordem da Fênix (2003). Todos os livros viraram best-sellers. Os
cinco títulos já foram traduzidos em 55 idiomas e venderam mais de 250
milhões de exemplares em 200 países.
O sucesso da série transformou a ex-desempregada numa mulher
riquíssima quase da noite para o dia. Este ano, J. K. Rowling entrou na lista
de bilionários da revista americana Forbes, com uma fortuna estimada em
1 bilhão de dólares. A escritora já é mais rica do que a rainha Elizabeth II,
que, segundo a Forbes, tem uma fortuna pessoal de 660 milhões de
dólares (sem contar os palácios e outras propriedades, considerados
patrimônio do povo britânico). O êxito se repetiu no cinema. Os filmes
baseados nos dois primeiros livros arrecadaram 1,8 bilhão de dólares. O
terceiro filme, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, lançado no Brasil
em junho, também já é um sucesso. A conta bancária de J. K. Rowling
engorda ainda mais com os royalties pela venda de diversos produtos
baseados em Harry Potter, de brinquedos a videogames, totalizando de
cerca de 75 itens já licenciados.

Mesmo bilionária, J. K. Rowling não perdeu seu ar de pacata dona-de-casa.


Uma de suas poucas extravagâncias foi comprar, em 2001, uma luxuosa
mansão do século XIX no condado de Perthshire, na Escócia, onde passa a
maior parte do tempo reclusa, dedicando-se ao seu principal – e lucrativo
– hobby: escrever. Tímida, quase não dá entrevistas e raramente
comparece a eventos sociais. Apesar da vida discreta, todos os fãs ficaram
sabendo quando ela se casou com o médico anestesista Neil Murray, em
dezembro de 2001, e deu à luz um menino, David, em março de 2003.

Como foge das badalações, seu rosto não é tão familiar para o público. Por
isso, J. K. Rowling ainda consegue circular nas ruas sem ser incomodada.
“Raramente sou reconhecida e fico muito feliz com isso. Gosto de ser uma
pessoa anônima”, afirmou durante uma entrevista. O mesmo não poderia
dizer o menino bruxo que ganhou vida nos cafés de Edimburgo e, anos
depois, tornou-se muito mais famoso que sua discreta e rica criadora.

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