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Jhonatas Nilson
Copyright © 2022 Jhonatas Nilson
Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão total
ou parcial, sob qualquer forma. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança
com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência.
Histórias curtas, clichês e muito românticas!
— Vocês dois irão ficar responsáveis pelo restaurante por dez dias.
— A minha mãe apontou para mim e em seguida para o meu irmão mais
novo enquanto falava sem preâmbulos, como se essa fosse a notícia mais
típica do mundo. — Conversei com o seu pai e nós dois decidimos que está
na hora de visitar a Coreia do Sul depois de tanto tempo.
Os meus pais nasceram na Coreia do Sul, mas decidiram tentar a
vida em Londres muitos anos atrás. Isso faz tanto tempo que eu arriscaria
dizer que foi na época dos dinossauros.
Acho que eles são felizes aqui, quero dizer, eles abriram um
restaurante de comida típica coreana que faz bastante sucesso entre os
turistas e também conseguiram comprar uma casa boa o suficiente
localizada no andar de cima do nosso negócio. Para além de tudo,
conseguem pagar as contas sem ter muitas dificuldades.
Temos uma vida boa, sem grandes reviravoltas. Somos pessoas
normais vivendo vidas normais.
Imagino que, obviamente, eles devem sentir saudades de Seoul e
talvez por isso tenham decidido que chegou a hora de visitar a Ásia
novamente. Eu adoraria visitar também. Na verdade, eu nunca sequer saí do
Reino Unido. E para ser muito sincera, não acho que eu vá poder visitar
qualquer país sozinha em um futuro próximo.
Apesar de tentarem parecer muito descolados e super bem-
humorados, os meus pais ainda são bastante conservadores e guardam
muito da cultura coreana dentro de si. Consequentemente, pensar na
possibilidade de permitir que a filha deles, com apenas dezenove anos,
pegue uma mochila e comece a viajar sozinha pelo mundo seria
simplesmente absurdo demais.
Eu consigo entendê-los. O mundo é grande, é perigoso e apresenta
pessoas com personalidades bastante questionáveis. Trabalhando no
restaurante da nossa família, pude perceber as diferenças e observar turistas
do mundo inteiro. Alguns são simpáticos, outros nem tanto. Então não acho
que eu esteja preparada para viver aventuras ao redor do mundo.
Talvez eu precise apenas começar a viver aventuras aqui em
Londres, afinal, pelo amor de Deus, eu nunca sequer tive a oportunidade de
visitar os museus daqui. E devo dizer que a maioria dos museus de Londres
são gratuitos, então se eu não os visitei é porque sou preguiçosa.
Bem, eu também trabalho muito no restaurante. Com isso, acho que
eu poderia dizer que não tenho tanto tempo, muito menos interesse. Sou
uma péssima aventureira.
Não sei em que momento eu comecei a divagar acerca das
probabilidades de visitar o mundo. E eu, na verdade, até me perdi no que a
minha mãe estava falando. Só sei que agora o meu irmão mais novo está
com os olhos arregalados, tentando descobrir como nós dois, sozinhos,
vamos controlar um restaurante cheio de turistas todos os dias. Meu Deus,
será um inferno.
— Eu acho que vocês deveriam nos levar. Nós nunca visitamos o
vovô e a vovó. — Enquanto fala, percebo que às vezes Josh ainda soa como
um bebê, como o irmãozinho fofo e adorável que ele foi um dia. Não que
ele já não seja adorável hoje em dia, pois ele é.
Nós nos damos muito bem. Eu diria até que ele é o meu melhor
amigo. Nós conversamos o tempo inteiro e vamos ao cinema sempre que
possível. É engraçado. Há algo de muito especial e mágico e fantástico na
possibilidade de sair com o meu irmão mais novo, na possibilidade de
escrever algum tipo de história bonita ao lado dele. Juntos, passamos horas
descobrindo livros e séries, tomamos sorvete e comemos hambúrgueres ou,
quando não temos tanto dinheiro, optamos por ficar em casa e
simplesmente dar risada sobre qualquer coisa.
Muitas pessoas não se relacionam muito bem com os irmãos. Mas
eu sou sortuda em relação a isso. Na verdade, eu sou sortuda em relação a
toda a minha família, pois temos um vínculo extremamente poderoso.
Somos incríveis. Talvez tal conexão esteja relacionada ao fato de que os
meus pais vieram da Coreia do Sul muito novos. Isso os obrigou a
permanecer juntos, a criar raízes, a confiar no poder do amor que há entre
eles. E provavelmente tudo foi passado de maneira bastante silenciosa para
Josh e eu quando nascemos.
Não é fácil sair de um país e passar a morar em outro. As culturas
são muito diferentes. Londres, por ser uma cidade tão grande, cheia e
diversa, às vezes pode ser vista como igualmente solitária.
As pessoas aqui são frias, eu diria. Inclusive, tenho medo de parecer
tão fria quanto a maioria. Porque gosto de ser simpática, gosto de sorrir.
Gosto de fazer com que as pessoas se sintam especiais. E isso também foi
mais uma coisa que a minha mãe tratou de me ensinar.
Quando as pessoas se sentem especiais, elas sempre voltam, filha...
— Um dia vocês dois poderão visitar o vovô e a vovó, mas agora
não. Alguém da família precisa ficar aqui e cuidar do restaurante. Levar
apenas um de vocês seria injusto. — O meu pai dá de ombros. — Além
disso, os outros funcionários ajudarão com tudo.
— Stephanie e eu iremos roubar todo o dinheiro do caixa. — Josh
fala com um sorrisinho ousado e irônico. — Vamos roubar o dinheiro e
comprar drogas.
Eu sinto que Josh é simplesmente uma das pessoas mais incríveis da
minha vida. Ele tem dezoito anos, ou seja, é um ano mais novo do que eu. E
apesar disso, tenho a impressão de que sou muito mais velha do que ele,
como se eu tivesse a obrigação de cuidar dele. Para mim, ele ainda é um
bebê.
Talvez os meus pensamentos não façam tanto sentido, mas tenho a
total certeza de que Josh desperta o que há de mais protetor em mim.
— Vocês dois são certinhos demais para tentarem algo assim. Nós
confiamos em vocês. — A minha mãe sorri e se levanta da mesa. A reunião
familiar repentina aparentemente terminou. — São apenas dez dias. O que
poderia acontecer de tão importante em tão pouco tempo?
Bem, acho que muita coisa pode acontecer em tão pouco tempo.
Muita coisa mesmo.
Capítulo 1
Acho que eu ainda não mencionei isso, mas nasci na menor cidade
de toda a Alemanha. E não estou exagerando. Acho que a população era de
trezentas pessoas ou algo assim. Literalmente, todo mundo se conhecia e
era impossível passar despercebido.
Todos sabiam da vida de todos. Mas não era tão desagradável assim
viver em uma cidade pequena. Eu meio que sentia que havia certo
pertencimento no fato de que a população inteira do lugar estava conectada
de alguma maneira. Por outro lado, a vida não era o suficiente, ao menos
não parecia o suficiente para mim.
Então talvez você possa imaginar o quão especial é poder estar em
Londres, uma cidade grande, cheia de vida, cheia de cores, cheia de pessoas
diferentes, sons e personalidades. Totalmente diversa. Às vezes, quando eu
estou caminhando pelas ruas bem arborizadas da cidade, ainda sinto como
se estivesse em um filme desses antigos que passam durante a madrugada
em que os protagonistas correm em direção ao metrô segurando um copo de
café na mão. Me sinto assim. Me sinto como se estivesse em um filme
incrível.
Acho que envolve muita coragem deixar uma cidade pequena como
a minha e simplesmente se aventurar em um lugar tão grande quanto
Londres. É quase como se eu saísse de um universo para tentar viver em
outro totalmente diferente. No início foi um pouco difícil, até porque todos
nós sabemos que em cidades grandes as pessoas não são tão simpáticas
assim. Eu me sentia sozinho. Me sentia excluído. Porém os meses se
passaram e estou me adaptando. Estou vivendo.
Nos últimos meses, aluguei o meu próprio apartamento — fato que
não é tão fácil assim, considerando que o aluguel em Londres é caríssimo
— e encontrei um bom emprego.
Apesar do restaurante não pagar tão bem assim, eu diria que pagam
o suficiente para que eu possa viver de maneira adequada. Sem grandes
riquezas, mas também sem passar por complicações financeiras.
O casal Lee é bastante generoso. Sempre me dei muito bem com
eles. Quando eu sinto fome, eles não hesitam em me dar um prato de
comida, não importa se é pela manhã, pela tarde ou à noite. Sempre há
comida, então muitas das vezes não preciso me preocupar em manter a
despensa cheia no meu apartamento.
Às vezes eu só preciso me preocupar em pagar o aluguel em dia e
nada mais. Tudo isso já é uma grande vitória, sem dúvidas.
Confesso que eu dei muita sorte ao encontrá-los. Não é muito
comum conseguir um emprego tão facilmente, ainda mais quando o salário
é bom. Às vezes é praticamente impossível, afinal sou imigrante. Então,
mesmo que eu me sinta parte do grande universo que Londres representa,
eu não nasci aqui. Eu não sou inglês. Nunca serei, sou alemão. Nascido em
uma cidade minúscula chamada Arnis.
De repente, ao olhar para o lado, percebo que Stephanie também
está olhando em minha direção como se tentasse descobrir o que é que está
se passando na minha cabeça.
É engraçado porque passei os últimos minutos analisando a minha
própria vida desde que cheguei em Londres enquanto na verdade eu deveria
estar conversando com ela. Mas é que os pensamentos surgem de vez em
quando, principalmente em momentos como esse, em que tenho a
oportunidade de caminhar pela cidade. E confesso que estou orgulhoso de
mim mesmo, do fato de que eu tive a coragem de simplesmente pegar
minha mochila e partir.
Contudo, não foi apenas sobre coragem, foi sobre necessidade. Eu já
não podia permanecer na minha cidade. Eu já não podia continuar fingindo
que tudo ficaria bem, porque não ficaria. E até hoje, eu admito que não me
sinto tão bem assim. É difícil seguir em frente quando a vida tenta nos
destruir, é simplesmente muito difícil ter forças para acreditar. E por mais
forte que eu tente parecer ser, às vezes me sinto fraco. Muito fraco.
E conforme eu analiso tudo o que estou sentindo por Stephanie, me
sinto mais fraco ainda, porque eu prometi a mim mesmo que não permitiria
mais que as pessoas se aproximassem tanto assim. Mas convenhamos que
ninguém consegue viver sozinho, é impossível. Eu sei que é impossível.
Ainda mais quando se está em uma cidade grande sem família, sem
nenhuma possibilidade de criar laços afetivos.
A família Lee tem laços afetivos. Eles criaram raízes, têm um
negócio juntos e eu os admiro por isso. Gostaria de participar disso. Talvez
por esse motivo que eu esteja tão encantado por Stephanie. Observar o
respeito que ela tem pelos pais e o amor que sente pelo irmão é incrível.
— Eu não tenho amigos aqui. — Digo de repente, quase como se os
pensamentos tivessem escapado sem permissão. E ao falar, coro
violentamente. Eu não tinha vontade de soar como um garoto abandonado
na cidade grande.
— Suponho que não seja assim tão fácil recomeçar a vida em um
lugar diferente, principalmente no seu caso, afinal você passa boa parte do
dia trabalhando. — Ela olha diretamente nos meus olhos e faz uma
expressão repleta de questionamento. — Já saiu com alguma garota desde
que chegou?
— Não. — Respondo rápido demais.
Será que ela não percebe que estou interessado nela?
Será que ela não percebe que eu não desejava estar interessado por
pessoa alguma e tive a má sorte de simplesmente me interessar pelo sorriso
dela?
— Bem, eu sou uma garota. — E, quase como se ouvisse os meus
pensamentos, ela simplesmente ri, fazendo o meu coração saltitar.
— Então você é a primeira garota com quem eu saio.
Nós paramos diante da sorveteria e compramos os nossos sorvetes.
Depois disso, ficamos parados um ao lado do outro, na calçada, enquanto as
centenas de pessoas surgem e desaparecem.
— Talvez eu devesse ir embora. Está ficando tarde. — Ela volta a
sorrir.
— Talvez devêssemos caminhar mais um pouco, nós quase não
conversamos. Posso te levar para casa depois, não se preocupe.
E, sem dizer nada, ela apenas concorda com a cabeça.
Então caminhamos e conversamos. No percurso, eu descobri que a
cor favorita dela é rosa, mas não qualquer tipo de rosa. Há uma cor, um tom
específico que fica entre o rosa choque e o rosa queimado, se é que isso faz
sentido. Porém confesso que essa não é nenhuma surpresa, afinal
basicamente todos os moletons delas são desse tom. Acho fofo. É como se
ela tivesse criado algum tipo de branding pessoal, ou algo assim.
Também descobri que adora filmes de comédia e não gosta muito de
assistir a filmes de horror extremo. Ela lê vários livros por semana e possui
a meta de finalizar a leitura de dez livros por mês, detalhe que me pareceu
impressionante.
Stephanie nunca namorou, mas gostaria de namorar alguém.
Alguém bom o suficiente, segundo as palavras dela. Não gosta de praia,
mas gosta de sol e odeia frio. A chuva, apesar de ser frequente em Londres,
faz com que ela se sinta confortável. E seu prato favorito é qualquer um que
sua mãe faça.
No final da noite, quando já estávamos exaustos, eu já havia
descoberto bastante coisa acerca dela e gostaria de descobrir ainda mais,
mas nos sentíamos cansados demais para continuar caminhando, então
decidimos que talvez fosse hora de voltar para casa.
— Por que você decidiu conversar comigo só agora? — ela
perguntou pouco antes de nos despedirmos.
— Porque os seus pais estão viajando, então me senti um pouco
mais livre para... — Coloco as mãos nos bolsos e dou de ombros. — Bem,
para não ser mal compreendido.
— Entendi. — Ela balançou a cabeça em sinal de entendimento e
acenou em minha direção. — Até mais, Lukas. Fico feliz em ter você como
amigo.
Enquanto a observo partir, continuo imóvel, apenas admirando-a.
Tenho a impressão de que conheci muito mais dela em um dia do que nos
seis meses desde que eu cheguei aqui.
E quanto mais a conheço, mais quero conhecer.
Capítulo 5
O local é abafado e não tem luz. Por isso, acendo a luz do meu
celular antes mesmo que ela peça. Em seguida, trato de colocar o aparelho
em uma região estratégica que ilumina boa parte do ambiente.
— O meu irmão não sabe o que diz, estou falando sério. —
Stephanie me dá as costas e começa a empilhar as caixas repletas de lámen.
— Eu nunca transaria nesse lugar sujo e abafado.
— Isso quer dizer que você transaria comigo em outros lugares? —
falo sem pensar e logo em seguida engulo em seco, sabendo que acabei de
soar como um verdadeiro assediador.
Mas ao contrário do que eu imaginava, ela dá risada como se a
minha piada não tivesse sido ofensiva.
— Não me faça perguntas difíceis, ok? — ela empurra uma caixa de
lámen na minha direção. — Agora pare de conversa e comece a trabalhar.
Aposto que você não estaria conversando tanto caso os meus pais
estivessem aqui para te vigiar.
— Pelo visto você é tão mandona quanto eles. Entendi. —
Respondo, dando-lhe as costas.
Stephanie está certa. Com certeza eu nunca estaria conversando
tanto se o casal Lee estivesse no restaurante. Por isso, levando em
consideração o fato de que não posso perder o emprego, volto a focar no
trabalho.
Você precisa pagar o aluguel do seu apartamento. Se você ficar
desempregado, será obrigado a morar na rua. É isso o que você quer?
Literalmente converso comigo mesmo enquanto empilho as caixas.
Quando saí da Alemanha, eu tinha apenas algumas libras no bolso.
Foi a minha avó quem me deu. Inclusive, acredito que aquela foi a primeira
e única vez em que chorei sem vergonha alguma na frente de alguém na
minha fase adulta.
Doeu precisar ver a minha avó juntando algumas poucas notas e
moedas para que eu pudesse viajar. Mas ao mesmo tempo, me senti
extremamente grato por tê-la comigo, por saber que eu tinha alguém que me
apoiava. Me apoia.
Apesar da distância, faço questão de falar com ela regularmente.
Trocamos mensagens e fazemos chamadas de vídeo. Sinto falta dela. Na
verdade, ela é a única pessoa que faz com que eu sinta o que mais se
aproxima do que eu definiria de saudade de casa. Digo casa, porque não
considero que eu tenha tido um lar. Não tive um lar na infância, não tive na
adolescência e não tenho um lar agora. Eu diria que o mundo é o meu lar. O
universo é o meu lar.
Por outro lado, começo a ter a impressão de que as raízes que eu
tanto desejei ter estão sendo criadas. Porque todos os dias me sinto muito
animado com o fato de que posso simplesmente acordar no meu próprio
apartamento, de que posso caminhar nas ruas de Londres e depois chegar ao
trabalho. É bom ter uma vida assim. É bom olhar ao redor e ver rostos
conhecidos de pessoas que são emocionalmente saudáveis, ou aparentam
ser.
Nem todo mundo têm a possibilidade de crescer em uma família
saudável, em uma família que não é tóxica, em uma família que tenta
compreender tudo aquilo que você sente. Inclusive, eu arriscaria dizer que a
maioria das pessoas não tem essa possibilidade. Porque a sociedade é
doente. As pessoas estão cada vez mais doentes. E é triste pensar que nem
todo mundo vai encontrar a oportunidade que eu tive de simplesmente
recomeçar em um país distante. É triste pensar que nem todo mundo tem
uma avó disposta a juntar as poucas moedas e notas para que o neto possa
viajar para bem longe.
— Você poderia pegar aquela caixa lá de cima? — Stephanie me tira
dos meus devaneios, fazendo com que eu dê um pulo.
Eu estava tão imerso nos meus próprios pensamentos que até me
esqueci que ela estava presente.
Meio perdido, subo em um dos banquinhos e levanto os braços para
pegar a caixa. Mas, levando em consideração o fato de que o meu cérebro
está totalmente prejudicado pelo sono, me desequilibro e caio.
Caio em cima de Stephanie.
Todas as caixas desmoronaram comigo, fazendo um barulho imenso.
Sim, eu sou um desastre.
Capítulo 7
Josh não é bobo, então é claro que ele percebe quando as coisas
estão diferentes. É como se ele pudesse captar no ar tudo o que está
acontecendo, tudo o que está girando na minha cabeça e escapando para
todos os lados. Me sinto um pouco tensa porque não tenho o costume de
tomar atitudes socialmente questionáveis. Sempre fui uma boa garota,
nunca sequer faltei uma aula na escola. Portanto, suspeito que não seja
muito difícil perceber que estou agindo de maneira diferente desde que
beijei Lukas.
Ao anoitecer, depois de fecharmos o restaurante, eu volto para casa
e tento não conversar muito com o meu irmão, mas é claro que ele não
deixaria de puxar conversa comigo, então, apesar de eu tentar fugir de
possíveis assuntos comprometedores demais, Josh surge do quarto dele com
os braços cruzados e olhar avaliador, como se estivesse buscando alguma
coisa, como se soubesse tudo o que eu fiz antes mesmo de eu falar qualquer
coisa.
— Quando você vai me dizer o que aconteceu no armazém de
estoque? — ele dá mais quatro passos na minha direção e abre um
sorrisinho curioso.
— Do que você está falando? Não sei do que você está falando. —
Balanço as duas mãos e dou de ombros. — Fumou alguma coisa?
— É claro que você sabe do que estou falando. Vocês passaram um
tempão trancados no armazém e quando saíram, estavam vermelhos,
desarrumados e descabelados. Eu não sou bobo, Stephanie. Eu sou o seu
irmão, te conheço a vida inteira, então é claro que eu percebo quando
alguma coisa está diferente. — Ele aponta o dedo indicador na minha
direção. — Não adianta mentir para mim.
Eu estou horrorizada. Josh não deveria falar comigo dessa maneira.
Como ele é capaz de me colocar contra a parede? É como se eu realmente
tivesse a obrigação de revelar todos os meus segredos. E eu não tenho,
simplesmente não tenho.
Tudo bem que nós somos irmãos, tudo bem que somos os melhores
amigos da vida inteira, mas nada poderia fazer com que a maneira com que
Josh está me perguntando as coisas soe aceitável.
— Eu acho que você está sendo muito indelicado ao me perguntar
coisas assim dessa maneira. — Dou dois passos na direção dele e agarro seu
dedo. — Aponte esse dedo na minha direção de novo e eu vou quebrar a
sua mão.
— Indelicado? Eu só estaria sendo indelicado se de fato algo tivesse
acontecido entre vocês. Ou seja, se você está ofendida e não quer falar
sobre isso, significa que algo realmente aconteceu. — Ele faz uma pequena
pausa e sorri outra vez. — Me diga, vocês tiraram a roupa?
— Tirar a roupa? — Eu praticamente grito, mortificada por ter essa
conversa com o meu irmãozinho. — Em que mundo você vive? Que tipo de
coisa você está pensando? Acha que estamos em algum tipo de filme
pornô? — dou-lhe as costas e começo a caminhar pela casa, tentando buscar
qualquer tipo de distração que me permita fugir de Josh.
Apesar de sermos melhores amigos e de termos uma conexão
maravilhosa, é bem difícil falar sobre assuntos sexuais tão abertamente, até
porque eu nunca fiz esse tipo de coisa. Confesso que Lukas foi o primeiro
garoto que beijei na vida.
E foi bom, foi muito bom. Depois que saímos do armazém, passei
horas pensando na proximidade dos nossos corpos, no fato de que ele tocou
a minha barriga. E quando eu me lembro de tudo, não consigo controlar o
sorriso que surge nos meus lábios. Não consigo não permitir que o meu
coração acelere dentro do peito.
É como se eu estivesse sob efeito de drogas, sob o efeito de algum
tipo de alucinógeno que me impede de pensar em outra coisa. Inclusive me
sinto um pouco aérea, como se fosse impossível me controlar.
— Então tudo bem, Stephanie Lee! Você não quer falar? Não fale!
Mas eu sei que alguma coisa aconteceu. Eu sei mesmo que você negue,
mesmo que você diga que não. — Ele estala a língua e começa a se afastar.
— Estou um pouco decepcionado porque eu sempre imaginei que nós
tínhamos uma boa conexão. Eu imaginava que nós podíamos falar sobre
tudo um com o outro.
Paro de caminhar e olho na direção do meu irmão mais novo. Ele
parece estar realmente magoado comigo apenas porque eu não estou
falando a verdade.
— Você sempre me diz tudo, Josh? Sempre fala sobre tudo o que
acontece na sua vida? — balanço a cabeça negativamente. — Sem mentiras,
sem nunca ocultar nada? Acho difícil. É possível existir sem segredos? Eu
acho que não. Eu acho que todo mundo precisa ter segredos em algum
momento.
Josh fica calado por alguns instantes. E parece reflexivo. Por um
milésimo de segundo, penso que ele vai falar alguma coisa, mas então volta
a fechar a boca. É estranho. É como se ele tivesse algum segredo de fato
para me dizer, mas não diz.
— Não é possível viver sem segredos, mas não acho que a sua
relação com o Lukas deveria ser um segredo entre nós. Logo eu, que
sempre te apoiei. — Ele solta um longo suspiro. — Quanto mais segredos
surgem, maior é o muro que se forma entre nós dois.
— Eu acho que você está sendo um pouco dramático. Mas tudo
bem, eu vou falar... — Faço uma pausa repleta de suspense e inspiro
profundamente. — Lukas e eu nos beijamos, ele tocou a minha barriga e
depois me chamou para jantar na casa dele. Hoje. Inclusive eu preciso me
arrumar porque logo ele vai vir me buscar.
— Espere, vocês vão sair para jantar? Sozinhos? — Josh arregala os
olhos.
— Sim, eu vou jantar no apartamento dele. Só nós dois. Ele vai
fazer hambúrgueres.
— Stephanie, isso é incrível! — Josh bate palmas e sorri,
caminhando na minha direção. Na verdade, ele praticamente corre. —
Então quer dizer que você beijou o gostoso do Lukas? Eu não consigo
acreditar que isso por fim aconteceu de verdade.
— Por fim aconteceu? — arregalo os olhos, curiosa. — Como assim
“por fim aconteceu?”
— Era óbvio que Lukas tinha interesse em você. Ele olhava na sua
direção quase como se fosse um caçador desejando devorar algum tipo de
pedaço de carne. Todo mundo percebia.
— Eu não percebia. — Rebato mais rápido do que eu gostaria de
admitir.
— Você é lerda. — Ele joga a almofada do sofá na minha direção.
— Doeu me dizer a verdade? Viu só? Eu sou compreensivo.
— Josh, eu poderia te quebrar em dois nesse exato momento, mas
preciso me arrumar. — Corro para o meu quarto. — Até depois.
E assim, tentando ignorar o fato de que Josh acabou de revelar que
Lukas sempre esteve interessado por mim, trato de me arrumar.
Hoje eu tenho um encontro, o meu primeiro encontro de verdade.
Espero que tudo saia bem.
Capítulo 10
Com o decorrer dos dias seguintes, sinto que a vida está se tornando
cada vez mais incrível. Todas as noites depois do expediente no restaurante,
saio com o Lukas e nós sempre encontramos alguma coisa nova para fazer,
para descobrir. Às vezes nós vamos ao cinema ou então passamos um bom
tempo sozinhos, apenas conversando, deitados no sofá do apartamento
pequeno dele. É confortável sentir que faço parte de alguma coisa. Sentir
que posso amar alguém. Sentir que estou em um relacionamento de
verdade.
Quando o dia do retorno dos meus pais por fim chega, me sinto
nervosa porque eu não sei exatamente como eles irão reagir ao fato de que
estou namorando agora.
Muitas coisas podem mudar em dez dias, coisas demais.
É incrível pensar que quando reflito acerca da garota que fui apenas
poucos dias atrás, sequer sou capaz de me reconhecer. Aprendi muitas
coisas, descobri novos sentimentos. Passei por sensações incríveis,
sensações que quero continuar descobrindo.
Ao entardecer, quando os meus pais chegam do aeroporto Heathrow,
Josh e eu decidimos preparar uma surpresa para eles.
Nós não somos muito bons em cozinhar comidas deliciosas, então
optamos por pedir alguma coisa, mas não o de sempre, não o que está no
cardápio do restaurante da família.
Passamos um bom tempo em dúvida e quando chegamos a um
consenso, optamos por comida tailandesa. Após realizar o pedido no
aplicativo, corremos para preparar a mesa e limpar todo o ambiente.
Deixamos tudo organizadamente perfeito, tal como a minha mãe gosta.
Depois ficamos sentados um ao lado do outro, esperando até que nossos
pais cheguem. E eles chegam.
Ao abrir a porta, a minha mãe parece estar nas nuvens. Leve. Porque
apesar de amar viver em Londres, tenho certeza de que ela sentia muita
saudade de visitar a Coreia do Sul.
Apesar da Inglaterra ter se tornado o seu novo lar, existem alguns
lares antigos que nunca se desfazem, existem conexões que permanecem
pela vida inteira. Então apesar de eu nunca ter saído do país, sei que a
minha mãe sempre se sentirá em casa cada vez que visitar seu lugar de
nascimento. Porque aquele lugar fez parte da história dela e nunca será
esquecido.
Meu pai, por outro lado, esboça pouco menos emoção. É o jeito
dele. Ele não é tão aberto e não reage tão claramente quanto a minha mãe.
Mas posso ver em seu rosto que há felicidade estampada em suas
expressões faciais. Vejo que parece um pouco mais corado, mais animado.
Acho que a experiência foi ótima para ele também.
— Céus, eu estava morrendo de saudade de vocês! A viagem foi
incrível! — A minha mãe foi a primeira a falar. Em seguida, tirou os
sapatos e entrou em nossa casa. — Sei que enviei milhares de fotos para o
celular de vocês, mas quero mostrar tudo o que filmei. Eu estava com
muitas saudades de visitar Seoul. Além disso, até encontramos tempo para
passar alguns dias em Busan. Estou tão feliz, mas ao mesmo tempo eu
sentia saudades de trabalhar no restaurante.
— Ah, então quer dizer que você estava com mais saudades do
restaurante do que de nós? — Josh brinca e em seguida abraça a nossa mãe.
— Não diga besteiras, Josh Lee. Se não fosse por vocês dois, nós
ainda estaríamos lá. A vida não é tão interessante quando vocês não estão.
— O meu pai fala e me abraça. Depois disso, abraça o Josh.
Eu não consigo deixar de sorrir. Agora que a nossa família está
reunida novamente, sinto que a vida está completa. Sinto que os nossos
laços estão prontos para serem fortalecidos mais uma vez. Porque apesar de
ser incrível ter mais liberdade e de não precisar me explicar para os meus
pais o tempo inteiro, é ainda mais incrível tê-los por perto. É ainda mais
incrível poder observar o sorriso da minha mãe, poder sentir o cheiro da
colônia do meu pai. É simplesmente incrível ter uma família.
— Eu tenho uma novidade. — Falo, incapaz de aguentar a minha
própria ansiedade. — É uma coisa inacreditável. Espero que vocês não
fiquem chateados comigo.
A minha mãe sempre foi o tipo de mulher um pouco nervosa, que se
preocupa com tudo, então, no instante em que falo isso, um pouco de cor
desaparece do seu rosto, deixando-a levemente pálida.
— O que vocês dois fizeram? Josh realmente vendeu drogas? Eu
vou matar vocês. — A minha mãe praticamente grita. Logo após, se recosta
contra a mesa da sala de estar.
— Estou namorando com o Lukas. — Digo, sem preâmbulos. Olho
na direção da minha mãe e do meu pai, tentando interpretar suas reações.
— Com o funcionário do restaurante? — o meu pai é o primeiro a
perguntar, ficando levemente pálido também.
— Sim, estou namorando o Lukas, funcionário do restaurante.
Começamos a namorar há alguns dias, espero que vocês não briguem
comigo.
Os meus pais reagem de uma maneira que eu realmente não
imaginava que eles reagiriam. A minha mãe me abraça, me olha nos olhos e
sorri.
— Lukas é um bom garoto, filha. Nos últimos seis meses, foi um
dos funcionários mais esforçados do nosso restaurante. Então, se ele te faz
feliz... É claro que estou feliz também. Extremamente. — Tenho a
impressão de que a minha mãe parece estar muito orgulhosa pelo fato de
que eu comecei a namorar. É estranho. Na minha cabeça, imaginei que ela
simplesmente surtaria com a novidade.
— Mas avise ao Lukas que deve tomar cuidado. Se ele quebrar o
seu coração, eu vou obviamente quebrar as pernas dele. — O meu pai fala,
mas dá uma longa gargalhada. —Meu Deus, estou ficando velho. A minha
filhinha já está namorando.
— E você, Josh? — a minha mãe olha na direção do meu irmão
mais novo e caminha até ele. — Quando você pretende começar a namorar?
Tem alguma garota em mente?
Por algum motivo estranho um silêncio desconfortável se forma na
sala. O meu pai não fala e Josh muito menos. Todos ficamos olhando um
para o outro. E eu realmente não sei o que é que está acontecendo. É como
se de repente o ar tivesse se tornado rarefeito, difícil respirar.
— Quero dizer, não é porque eu comecei a namorar que Josh precisa
começar a namorar também. — Digo na tentativa de salvar o meu irmão do
momento indelicado. Não sei se gosto dessa cobrança que a minha mãe fez.
Talvez por isso eu esteja me sentindo desconfortável também. — Josh é
mais novo do que eu, ele ainda tem muito tempo para encontrar alguém.
— Ele é muito bonito. Tenho certeza de que poderia ficar com
qualquer garota que bem entendesse. Na idade dele, eu já estava começando
a conhecer a sua mãe. — O meu pai fala e em seguida aponta o dedo na
direção de Josh. — Por que ficou tão calado, filho?
Nada poderia ter me preparado para o que Josh falou logo em
seguida.
— Eu sou gay, pai.
Continua...
Gostou? Não deixe de ler o segundo livro do dueto Irmãos Lee!
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