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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS – CCHL


MESTRADO EM POLÍTICAS PÚBLICAS

ELIANE DE SOUSA ALMEIDA

O PATRIMÔNIO EDIFICADO DO CENTRO HISTÓRICO DE CAXIAS-MA COMO


LUGAR DE MEMÓRIA: entre a materialidade e a imaterialidade

Teresina-PI
2009
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ELIANE DE SOUSA ALMEIDA

O PATRIMÔNIO EDIFICADO DO CENTRO HISTÓRICO DE CAXIAS-MA: COMO


LUGAR DE MEMÓRIA: entre a materialidade e a imaterialidade

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em Políticas
Públicas do Centro de Ciências Humanas e
Letras, da Universidade Federal do Piauí, para a
linha de Pesquisa Cultura, Identidade e Processos
Sociais, como requisito para o grau de Mestre em
Políticas Públicas, sob orientação do Professor
Dr. Fabiano de Souza Gontijo.

Teresina-PI
2009
3

A447p Almeida, Eliane de Sousa


O patrimônio edificado do Centro Histórico de Caxias-
MA: entre a materialidade e a imaterialidade. / Eliane de
Sousa Almeida. Teresina: 2008
166 fls.
Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas) UFPI

1. Patrimônio Histórico – Caxias (MA). 2. Patrimônio


Cultural – Caxias (MA). 3. Caxias (MA) – História. I. Título.

CDD – 725.95
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O PATRIMÔNIO EDIFICADO DO CENTRO HISTÓRICO DE CAXIAS-MA COMO


LUGAR DE MEMÓRIA: entre a materialidade e a imaterialidade

ELIANE DE SOUSA ALMEIDA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Políticas Públicas do Centro de
Ciências Humanas e Letras, da Universidade Federal do
Piauí, para a linha de Pesquisa Cultura, Identidade e
Processos Sociais, como requisito para o grau de Mestre
em Políticas Públicas, sob orientação do Professor Dr.
Fabiano de Souza Gontijo.

APROVADA: ______/_______/_______

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________________
Prof. Dr. Fabiano de Souza Gontijo
Universidade Federal do Piauí
Orientador

_____________________________________________________________
Profª Dra. Maria Lídia de Medeiros de Noronha Pessoa
Universidade Federal do Piauí
Examinador

____________________________________________________________
Prof. Dr. Wilton Garcia
Universidade Braz Cubas
Examinador externo

____________________________________________________________
Profª Dra. Áurea da Paz Pinheiro
Universidade Federal do Piauí
Suplente interno
5

O passado conserva-se e, além de conservar-se,


atua no presente, mas não de forma homogênea. De
um lado, o corpo guarda esquemas de
comportamento de que se vale muitas vezes
automaticamente na sua ação sobre as coisas: trata-
se da memória-hábito, memória dos mecanismos
motores. De outro lado, ocorrem lembranças
independentes de quaisquer hábitos: lembranças
isoladas, singulares, que constituiriam autênticas
ressurreições do passado.
Ecléia Bosi
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Aos cidadãos e cidadãs caxienses que


compreendem e compartilham a paixão pela
cidade e pelo seu patrimônio histórico
cultural. São muitos(as) e espero que se
sintam representados nessas vozes que ecoam
pela preservação dos “tesouros” da cidade; e
naqueles senhores e senhoras cujos olhos
mareavam ao rememorar acontecimentos de
Caxias. O brilho que Caxias lhes provoca nos
olhos contagia e faz com que esta cidade
ocupe lugar de destaque nos corações
caxienses.
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AGRADECIMENTOS

Grande é a lista de agradecimentos, afinal em todo trabalho realizado encerra


considerável esforço tanto de natureza individual, como de colaboradores, pois a sustentar
qualquer empreitada intelectual está o entrecruzamento das relações pessoais, sociais e
profissionais estabelecidas, que lhe imprime feição própria e se traduz em
trabalho/aprendizado coletivo. Portanto, são marcas desse trabalho:
A Universidade Federal do Piauí – UPFI –, que me acolheu, pela riqueza que encontro
nesta Instituição, lugar de pluralidades onde tenho encontrado a possibilidade de pensar essa
rica sociedade.
A orientação competente do Professor Doutor Fabiano Gontijo, sugerindo-me caminhos
e novas pistas para o aperfeiçoamento de meus conhecimentos, porque na beleza de sua
personalidade, ao invés de se dedicar simplesmente a nos guiar, nos desperta para um mundo
de idéias.
A contribuição do Professor Doutor Wilton Garcia, interlocutor sensível em diferentes
momentos do processo de construção desse trabalho.
As observações pertinentes do Professor Alcides Nascimento e da Professora Áurea
Pinheiro sugerindo indicações para o encaminhamento da investigação na oportunidade do
Exame de Qualificação.
Aos professores do Mestrado em Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí
(UFPI), que ajudaram, cada qual com sua experiência e conhecimento, no amadurecimento de
minhas idéias.
Aos entrevistados e entrevistadas, que com as composições de suas memórias,
contribuíram para a concretização deste trabalho.
Aos primos Heudes e Heules, pela acolhida generosamente amiga em sua residência,
em Teresina.
A amiga Betânia, pela amizade e generosidade em disponibilizar seu acervo
bibliográfico.
Ao amigo Desidério, a quem devo o incentivo para ingressar no Mestrado.
A amiga Marilac, pela leitura cuidadosa e contribuições significativas.
Ainda aos amigos, cabe lembrar do Elvis, Solange, Joana.
Aos amigos e amigas do Mestrado, em especial à Susane, mais que uma amiga, uma
irmã, compartilhando leituras e aprendizados, por todos os bons momentos e crescimento,
alegrias e “sufocos” que a nossa convivência oportunizou.
8

A querida Neila, secretária do Mestrado, amiga que carinhosamente e com muita


meiguice, está sempre disposta a esclarecer nossas dúvidas de maneira gentil e atenciosa.
A atenção e disponibilidade da amiga Deline, professora do Centro de Estudos
Superiores de Caxias – CESC-UEMA, responsável pela competente revisão deste trabalho.
Ao querido Alan Pires, pelas valiosas e generosas doações e conversa esclarecedora
sobre o patrimônio cultural do Maranhão.
A Sílvia Carvalho, Secretária de Educação de Município, pela contribuição sensível a
este trabalho.
A minha família, sempre acolhedora, em especial ao meu filho Leonardo, Eudi e à
pequenina Maria Beatriz, por terem o dom de dispersarem e aliviarem o meu estresse com
seus sorrisos maravilhosos que alimentam a alma e o coração, dão mais força e ânimo para a
vida, garantindo sempre carinho, força, incentivo, alegria....
Afinal, como já disse Raul Seixas, “sonho que se sonha só é só um sonho, sonho que se
sonha junto é realidade”.
Meu muito obrigado a todos e todas.
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RESUMO

Esta dissertação discute o patrimônio edificado de Caxias como lugar de memória, a partir do
entendimento de que as edificações são repletas de significados para aqueles(as) que
vivenciam a cidade. Por isso, busca investigar os sentidos e os significados do patrimônio
edificado do centro histórico de Caxias para os habitantes da cidade, de que forma estes(estas)
se identificam com o patrimônio e de que forma reivindicam políticas de preservação
patrimonial. Fundamenta o estudo a partir das discussões teóricas sobre o conceito de
patrimônio, que reflete sobre as noções de cultura, memória e identidades, suportes
fundamentais para compreender a trajetória das ações de preservação patrimonial e sua
configuração na atualidade. O estudo se pauta ainda em pesquisa de campo, em que, através
das entrevistas, é dado vozes aos cidadãos(ãs) caxienses sobre seus sentimentos em relação ao
patrimônio histórico-cultural. No primeiro momento, discute a identidade caxiense a partir do
patrimônio histórico-cultural. No segundo momento, são discutidos os conceitos de
patrimônio, cultura, memória e identidades, bem como o surgimento da idéia de preservação e
como essa discussão chega ao Maranhão e a Caxias. Os sentidos e significados do centro
histórico de Caxias são abordados no terceiro momento, através das vozes daqueles(as) que
vivem e sentem a cidade como lugar de memória. Neste, são verificadas as matrizes
intelectuais que orientaram os critérios de seleção para tombamento e uso do patrimônio
edificado em Caxias; os elementos que justificaram o tombamento desse patrimônio, na
perspectiva de entender os sentidos e os significados do patrimônio edificado do centro
histórico para os moradores(as) da cidade, para verificar de que forma este patrimônio é
articulado pelos(as) cidadãos(ãs), trazendo à tona a potencialidade da identidade e memória
dos caxienses como um dos elementos constitutivos de reivindicação de uma política pública
de patrimônio efetiva para a cidade. A reflexão sugere, a partir dessa percepção, mudanças na
concepção e nas políticas de educação patrimonial.

Palavras-chave: Patrimônio histórico-cultural. Memória. Identidades. Lugares de memória.


Sentidos e significados.
10

ABSTRACT

This dissertation argues the built patrimony of Caxias as memory place, from the
understanding that the constructions are replete of meanings for those which live the city.
Because of this, it seeks to investigate the senses and the meanings of the built patrimony of
the historical center of Caxias for then inhabitants of the city, the way they identify
themselves with the patrimony and the way they claim policies of patrimonial preservation. It
seeks to base the study from the theoretical discussions about the patrimony concept, which
reflects about the culture notions, memory and identities, fundamental supports to
comprehend the trajectory of the actions of patrimonial preservation and its configuration at
the present time. The study still bases in field research, in which, through the interviews, it is
given voices to the caxienses citizens about their feelings regarding the historical-cultural
patrimony. In the first moment, it is discussed the caxiense identify from the historical-
cultural patrimony. In the second moment, the concepts of patrimony, culture, memory and
identities, as well as the appearance of the preservation idea and as this discussion arrive to
Maranhão and to Caxias are also discussed. The senses and meanings of the historical enter of
Caxias are cited in the third moment, through the voices of those which live and feel the city
as memory place. In this one, the intellectual bases that guided the selection criteria for
tombamento and use of the built patrimony in Caxias are verified; the elements that justified
the tombamento of this patrimony, in the perspective of understand the senses and the
meanings of the built patrimony of the historical center for the inhabitants of the city, to
verify the way this patrimony is articulated by the citizens, bringing afloat the potentiality of
the identity and memory of caxienses as one of the constituent elements of revindication of a
public politics of effective patrimony for the city. The reflection suggests, starting from this
perception, changes in the conception and in the policies of patrimonial education.

Key-words: Historical-cultural patrimony. Memory. Identities. Memory place. Senses and


meanings.
11

SUMÁRIO

RESUMO............................................................................................................... 08
ABSTRACT........................................................................................................... 09

INTRODUÇÃO..................................................................................................... 11

CAPÍTULO I:
1 PATRIMÔNIO E MEMÓRIA: percorrer os dias para sentir a cidade....... 17
1.1 A Identidade Caxiense a partir de seu Patrimônio Cultural......................... 18
1.2 Caxias: aspectos históricos........................................................................... 27
1.3 A Belle Èpoque Caxiense............................................................................. 31

CAPÍTULO II:
2 A PERTINÊNCIA DOS CONCEITOS: do patrimônio histórico ao
cultural............................................................................................................... 57
2.1 O Patrimônio como Elemento Sociocultural................................................ 58
2.2 Patrimônio e Memória.................................................................................. 65
2.3 Os Usos Sociais do Passado: a sagração do patrimônio.............................. 84
2.4 Políticas de Preservação no Brasil............................................................... 92

CAPÍTULO III:
3 CAXIAS: significados e sentidos do centro histórico.................................... 104
3.1 Saberes sobre a Cidade............................................................................... 105
3.2 As Vozes do Patrimônio em Caxias........................................................... 115
3.3 O Patrimônio Presente: o centro histórico de Caxias................................. 127
3.4 Um Espaço Reencontrado........................................................................... 131
3.5 Práticas Patrimoniais: reinventar a cidade.................................................. 142

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 151

REFERÊNCIAS.................................................................................................... 156

APÊNDICE............................................................................................................ 162
12

INTRODUÇÃO

Caxias, a antiga São José das Aldeias Altas, considerada uma das mais expressivas
cidades maranhenses, orgulha-se por ter sido o berço de personalidades importantes no
cenário nacional e internacional, de ter sido a primeira a instalar uma fábrica têxtil no Estado
e possuir um significativo acervo arquitetônico remanescente do século XIX. A cidade teve o
centro histórico tombado em 1990 pela significância de seu patrimônio histórico-cultural.
A valorização desse patrimônio, por sua vez, passa pelo conhecimento que se tem sobre
ele e seu uso social, de qual significado possui para a comunidade, articulado estreitamente à
memória e às identidades locais. O patrimônio histórico-cultural, portanto, é uma construção
social, ou seja, historicamente determinado e em permanente reconfiguração, como processo
simbólico de legitimidade social e cultural.
Percebe-se neste trabalho, cuja observação e análise assentou em conceitos e
metodologias da antropologia, uma forma de estudar a realidade social e cultural de uma área
urbana específica – o centro histórico de Caxias – com o sentimento de registrar os sentidos e
os significados desse patrimônio para os habitantes da cidade.
Com a inquietação em descobrir até que ponto o tombamento do centro histórico de
Caxias fora criador de identidades, contribuindo para aproximar as pessoas, perpetuar a
memória, recuperar rituais ou desenvolver sustentadamente a cidade, encontrou-se na história
e no patrimônio histórico-cultural, principalmente no edificado, o pretexto para muitas
histórias, muitas pessoais, outras coletivas, porque partilhadas, e que suscitaram questões,
deram respostas, definiram objetivos e prioridades.
Leituras e trabalho de campo permitiram observar o centro histórico através do seu
patrimônio histórico-cultural. Quando se fala, aqui, de patrimônio, fala-se da sua invenção,
valorização, definição, políticas; de noções de identidades e memórias; de saberes técnicos; de
cidade, lugares e não-lugares, histórias familiares, sentimentos, emoções; de qualidade
estética, objetos, monumentos e monumentos históricos; de passado, presente, futuro;
conservação e descaracterização; de arquitetura. Organizados de forma a dar-lhes coerência,
são temas que serão desenvolvidos ao longo desse trabalho e não somente no capítulo teórico.
O palco para essa investigação é a cidade de Caxias, Estado do Maranhão, precisamente
o centro histórico, tombado pela 3ª Superintendência do Estado do Maranhão, em 1990, órgão
estadual subordinado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan –, com
vistas a preservação do patrimônio construído que, para o grupo que discutiu e reivindicou,
constituía-se em “lugar de memória”, esta pesquisa tem como foco de estudo investigar os
13

sentidos e os significados do patrimônio edificado desta cidade para os cidadãos e cidadãs


caxienses, na perspectiva de perceber se este patrimônio tem sido visto como forma de
identidade, assim como saber da importância desses significados à elaboração de políticas
públicas patrimoniais.
Acredita-se, à princípio, ser um momento oportuno para uma reflexão sobre questões
relacionadas com a crescente importância dada ao patrimônio cultural nas sociedades e,
igualmente, ter um contato com esta temática, orientada, desde o início, com pesquisas e o
recolhimento/revisão de referenciais que permitiram uma leitura das práticas patrimoniais
ocorridas em nível nacional, estadual e local.
Ao ter como problemática a acelerada descaracterização e destruição do patrimônio
edificado do centro histórico de Caxias, questiona-se como e/ou até que ponto os(as)
cidadãos(ãs) caxienses vêem este processo? Quem estaria descaracterizando/destruindo? Se
este patrimônio edificado tem sido visto/lido como forma de identidade? Que sentidos e
significados o patrimônio edificado do centro histórico têm para os habitantes da cidade? Qual
a importância desses significados na elaboração de políticas públicas patrimoniais? Define-se,
então, o objeto de estudo.
Como objetivo geral busca-se investigar os sentidos e os significados do patrimônio
edificado do centro histórico para a(o) cidadã(o) caxiense, na perspectiva de compreender de
que forma esta(e) se identifica com o patrimônio e como reivindica políticas de preservação
patrimonial; como objetivos específicos pretende-se verificar as matrizes intelectuais que
orientaram os critérios de seleção para tombamento e uso do patrimônio edificado, em
diferentes esferas políticas e espaços geográficos do país, bem como suas variações no tempo,
atentando-se especialmente para a historicidade do caráter político-ideológico presente nos
critérios seletivos que norteiam inventários e tombamentos. Para tanto, faz-se necessário
pesquisar sobre a trajetória e a implementação das políticas patrimoniais no Brasil, na
perspectiva de investigar quais elementos justificaram o tombamento do patrimônio edificado
do centro histórico de Caxias, como forma de compreender os sentidos e os significados desse
patrimônio para os moradores e moradoras da cidade, no intuito de conhecer as relações entre
patrimônio, identidade e memória; verificar de que forma este patrimônio é articulado pelos
habitantes, na perspectiva de trazer à tona a potencialidade da identidade e memória desse
cidadão(ã) como um dos elementos constitutivos de reivindicação de uma política pública de
patrimônio efetiva na cidade de Caxias.
A metodologia de pesquisa baseou-se em fontes bibliográficas, documentais e em
entrevistas. Tomou-se como princípio para a elaboração do marco teórico publicações de
14

referência no campo do patrimônio cultural: “A alegoria do patrimônio”, de Françoise Choay;


“O patrimônio em processo”, de Maria Cecília Londres Fonseca; “Patrimônio histórico e
cultural”, de Pedro Paulo Funari e Sandra Pelegrini, dentre outros títulos, que trazem
importantes discussões sobre o lugar do patrimônio no mundo contemporâneo, bem como as
perspectivas de preservação.
Como essa investigação está centrada no patrimônio histórico-cultural de Caxias,
recorreu-se, também, aos arquivos das instituições que cuidam desse patrimônio, a exemplo
do Departamento do Patrimônio Histórico, Artístico e Paisagístico do Maranhão – Dphap-MA
–, em São Luís; do Arquivo da Academia Caxiense de Letras – ACL – e do Arquivo do
Instituto Histórico e Geográfico de Caxias – IHGC – ambos em Caxias, em que foi possível
pesquisar em diversos periódicos sobre a trajetória, discussão e implementação de políticas de
preservação para o Maranhão e para Caxias.
Outro instrumento metodológico utilizado nesta pesquisa foram as entrevistas. O
conjunto dos entrevistados(as) é composto por pessoas vinculadas ao bairro Centro:
moradores, comerciantes, usuários e pessoas-chave que discutiram/discutem, propuseram/
propõem e vivenciaram/vivenciam, direta ou indiretamente, as ações desenvolvidas pela
Secretaria de Cultura há época do processo de tombamento e na atualidade. Compreende-se a
importância da produção da linguagem cuja realidade fundamental é o rememorar dos fatos
históricos ocorridos em torno da preservação do patrimônio municipal em Caxias. Utilizou-se
de entrevista semi-aberta, por entender a importância do levantamento de valores e
significações sociais do patrimônio histórico-cultural de Caxias, sobretudo o edificado, para
os(as) depoentes. Para a operacionalização das entrevistas foi elaborado um roteiro prévio
refletindo as hipóteses explicitadas no conteúdo desta investigação. Apesar de o roteiro ter
sido concebido como um guia, ele não foi seguido de maneira rígida, permitindo que se
pudesse introduzir novas perguntas, priorizar as temáticas de domínio do(a) entrevistado(a),
discorrer sobre fatos relevantes para ele(a). As entrevistas foram gravadas em formato mp3 na
totalidade e transcritas pela própria pesquisadora.
No seguimento do trabalho de pesquisa foi solicitado aos entrevistados(as) para
relatarem fatos da vida privada/familiar/profissional que permitissem entender a sua relação
com o centro histórico, isto é, histórias de vida que tivessem esse espaço como centro
aglutinador de vivências e memórias, relações de vizinhança, locais de trabalho, residência e
lazer, possibilidades de conhecimento dos outros e reconhecimento de si próprios. Procurou-
se igualmente saber sobre os espaços privados, públicos, monumentos históricos e edifícios
que mais valorizam, antes e depois do tombamento do centro histórico, em 1990.
15

A escolha desses(as) interlocutores(as) e encadeamento das entrevistas/conversas é


justificada pelo envolvimento com o objeto de estudo e está melhor esclarecido no capítulo 3,
momento em que, de forma mais sistemática, é dado voz a esses relatos de histórias de vida,
rotinas, formas de entender o patrimônio histórico, sua revalorização e classificação. Durante
as entrevistas/conversas, foram respeitadas regras fundamentais que facilitaram esses
diálogos: as questões foram colocadas de forma clara, evitando-se condicionar as respostas.
Com as entrevistas, as memórias dos moradores e moradoras de Caxias ofereceram a
possibilidade de recuperação de experiências individuais e coletivas num processo de
recomposição problematizada das vivências desses sujeitos como agentes sociais responsáveis
pela construção, conservação e preservação do patrimônio histórico-cultural de Caxias.
Memória, ou memórias, resultantes de uma multiplicidade de experiências sociais que são
forjadas no campo da cultura e do trabalho. É, pois, o resultado de um processo subjetivo,
fruto de uma construção social. As lembranças emergem como elaborações e reelaborações
efetuadas para dar sentido ao passado e ao presente vivido pelos habitantes da cidade,
expressando uma tensão latente em seu cotidiano vivido.
Sobre a utilização das entrevistas, torna-se necessário apontar que após a transcrição e
análises verticais e horizontais, realizou-se a edição de algumas passagens, retirando
repetições desnecessárias e adequando o texto à norma culta da língua portuguesa. As falas
dos(as) entrevistados(as) quando citadas serão apresentadas no formato de citação normal1, e,
em apêndice, colocou-se uma breve biografia de cada um(a).
Esse trabalho está estruturado em três capítulos. No primeiro, Patrimônio e Memória:
percorrer os dias para sentir a cidade, explora o recorte espacial da pesquisa. Para tanto,
inicia com uma breve caracterização histórica da capital maranhense, São Luís, de quem
Caxias sofre influência, sobretudo no aspecto do patrimônio edificado. Em seguida, trata da
caracterização da área de estudo e enfoca a fundação do núcleo urbano de Caxias, originado
no início do século XVIII, até a expansão da cidade, em decorrência das transformações
políticas (elevação à povoação, vila e cidade), econômicas e culturais; consequentemente,
apresenta o período de riqueza e opulência, aqui denominado de a belle èpoque caxiense, por
meio de um diálogo com as fontes bibliográficas, entrevistas e imagens do patrimônio
edificado de Caxias. Para esse mapeamento, conta-se com o apoio de uma bibliografia
centrada na produção de autores da história estadual e municipal. Entre esses autores pode-se
citar Mílson Coutinho, Maria de Lourdes L. Lacroix, Ananias Martins, Cláudio Melo,

1
O entrevistado e entrevistada com sobrenome igual, será acrescido de uma letra para melhor identificá-lo nas
referências bibliográficas.
16

Quincas Vilaneto, dentre outros. Tal contextualização histórica possibilita compreender de


que maneira a trajetória econômica da cidade ditou as regras na constituição do espaço
urbano. Além disso, permite entender os valores subjetivos da época na construção das
edificações dos séculos XIX e XX, hoje consideradas de importância histórica e arquitetônica.
O segundo capítulo, A pertinência dos conceitos: do patrimônio histórico ao
cultural, expõe a discussão teórica acerca dos principais conceitos utilizados na pesquisa
tomando como ponto de partida o patrimônio como lugar de memória, de Pierre Nora (1993).
Refletir sobre o patrimônio cultural edificado considerando-o como lugar de memória
significa debruçar-se sobre a lógica subjacente aos conceitos, valores e usos conferidos a
esses espaços ao longo do tempo e nos dias de hoje. As categorias patrimônio, memória,
identidade, preservação, são imprescindíveis nessa discussão, na medida em que atuam de
maneira ativa ou coadjuvante nos processos de preservação e/ou descaracterização do padrão
arquitetônico de Caxias, permitindo ou corroborando os mesmos. Para transitar por esses
conceitos fez-se uma opção teórica que se insere na perspectiva da denominada história
cultural, que se caracteriza pela abertura do campo da história para uma multiplicidade de
sentidos e interpretações, principalmente com a ampliação de temas e fontes. Discorre, ainda,
sobre as políticas e ações de preservação patrimonial nas esferas nacional, estadual e
municipal. Nesse sentido, foi possível identificar que o patrimônio histórico-cultural,
sobretudo o edificado, apresenta-se como um lugar de memória para o outro, patrimônio esse
em que são construídos os símbolos e as práticas que representam a cidade, pelo entendimento
de que o patrimônio material possui uma dimensão imaterial.
E, por fim, o terceiro capítulo, Caxias: significados e sentidos do centro histórico,
desenvolve essa questão, ao realizar uma análise sobre a percepção da comunidade local sobre
o patrimônio edificado com traços da arquitetura colonial, neoclássica e eclética ainda
existente na cidade. Para tanto, inicialmente aborda os saberes sobre a cidade, ao discutir a
categoria cidade, espaço e lugar; discute as vozes do patrimônio que ecoaram em Caxias com
vistas a preservar o patrimônio histórico e cultural. Para a sua elaboração, os depoimentos
(entrevistas) foram de fundamental importância, na medida em que, a partir deles, foi
abordado a questão da preservação patrimonial sob a perspectiva de uma produção de
discursos, falas e narrativas que estão para além da aplicação e dos motivos contidos na
legislação utilizada pelo Estado ou município. Nesse capítulo, concentrou-se nas lembranças e
reminiscências das pessoas que, de alguma forma, lutaram/lutam pela preservação do centro
histórico de Caxias; nas propostas que enfatizaram a necessidade de efetivação da educação
patrimonial e do turismo como alternativas para “salvar” o patrimônio edificado da cidade. A
17

intenção foi a de apresentar as falas dessas pessoas, para perceber as relações que elas
estabelecem com aquele patrimônio edificado. Nessa perspectiva, aponta para a prática de
preservação do patrimônio edificado de Caxias, aliada aos princípios da educação patrimonial
e das atividades turísticas. Essas vertentes buscam o comprometimento com a sociedade, de
forma que essas ações sejam utilizadas como ferramenta política, partindo-se em defesa de
políticas públicas preservacionistas que propõem uma melhor utilização do patrimônio
cultural considerando as leituras e anseios da população local.
Nas considerações finais, são apresentadas as percepções da pesquisa diante da
proposta inicial de investigar o patrimônio edificado de Caxias como lugar de memória e,
sendo assim, de que forma esse patrimônio é percebido pelos habitantes e como reivindicam
políticas de preservação do patrimônio histórico-cultural na realidade enfocada. Desse modo,
reforça-se os importantes e estratégicos pontos da pesquisa realizada, traçando reflexões com
vistas a fornecer subsídios à futuras investigações sobre o patrimônio edificado do centro
histórico de Caxias.
18

Prefeitura Municipal de Caxias – Antigo Mercado Central


(Ilustradora: Joana Batista, 2009)

Palácio Episcopal (Ilustradora: Joana Batista, 2009)


CAPÍTULO I
PATRIMÔNIO E MEMÓRIA: percorrer os
dias para sentir a cidade
Quanto és bela, ó Caxias! - no deserto,
Entre montanhas, derramada em vale
De flores perenais,
És qual tênue vapor que a brisa espalha
No frescor da manhã meiga soprando
À flor de manso lago.
(Gonçalves
Dias)

1 PATRIMÔNIO E MEMÓRIA: percorrer os dias para sentir a cidade


19

Neste capítulo, busca-se apresentar as razões para a escolha de Caxias como lugar de
realização da pesquisa. As leituras e o trabalho de campo deram subsídios para que se
percorresse o centro histórico da cidade e o observasse a partir de seu patrimônio histórico-
cultural.
Na perspectiva de percorrer os dias para sentir a cidade, foi possível descobrir o
patrimônio histórico-cultural de Caxias através das imagens, entrecortadas com as falas que os
habitantes possuem sobre ela. Isso proporciona caminhos variados de afirmação de
identidades e memórias sobre a cidade, seja através do recorte da paisagem, da arquitetura
secular ou do seu detalhe, ou fragmentos de lembranças de seus moradores e moradoras.
O caminho proposto é apresentar a cidade a partir de seu patrimônio cultural. Para
tanto, busca-se as influências que Caxias recebe da capital maranhense, São Luís, e de que
forma os cidadãos(ãs) caxienses vão se apropriando dessa riqueza cultural ao longo dos
séculos.
Por isso, o capítulo traz uma breve contextualização da capital maranhense, que
desempenha um patrimônio histórico-cultural que lhe é próprio na cultura do Estado:
proclama uma “herança” francesa e se orgulha dos traços arquitetônicos deixados pelos
colonizadores portugueses. Em virtude dessa riqueza, ostenta o título de Patrimônio Mundial
(1997) pela excepcionalidade do conjunto arquitetônico de que tanto se orgulha; é a Capital
Brasileira da Cultura em 2009. E, assim, vai influenciando outras cidades do Estado, a
exemplo de Caxias, ao servir de fonte inspiradora para as edificações construídas pelas elites
caxienses no período áureo – Belle Èpoque – da cidade, o século XIX.
E, assim, descreve-se desde a formação do Povoado até a ascensão à categoria de
cidade, bem como as atividades econômicas, políticas e culturais daí decorrentes, no sentido
de apresentar o patrimônio histórico-cultural de Caxias, destacando-se o edificado, e como
esse patrimônio vai se constituindo em lugares de memórias para os moradores e moradoras,
visto esta ser a cidade dos poetas, tais como Gonçalves Dias, Vespasiano Ramos, Coelho
Neto; dos “guerreiros” ou “facínoras e baderneiros” (como queria os governantes da época) da
Balaiada.
Sob essa constelação de fatos históricos – terra de poetas, palco da Guerra da Balaiada e
de resistência à independência do Brasil, formação de um parque têxtil, singularidade da
arquitetura colonial –, criaram-se subsídios para alimentar a idéia de uma cidade rica, cultural,
importante nacional e internacionalmente e, portanto, com um passado a ser protegido para
inspirar a cidade do presente.
20

Nos textos e nas imagens da cidade, caminhos já percorridos por outros passos,
cenários vistos por outros olhos, mas que querem provocar em Caxias um despertar para a
preservação de seu patrimônio histórico-cultural, de tanta tradição, e que possa levar o
conhecimento ou reconhecimento da cidade real que existe dentro da cidade imaginária, para
muitos(as), ou do que seria a cidade ideal, para outros(as).
Assim, busca-se investigar os elementos que justificaram o tombamento do patrimônio
edificado do centro histórico de Caxias.

1.1 A Identidade Caxiense a partir do Patrimônio Cultural

Canção do Exílio

Minha terra tem palmeiras,


Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,


Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
..............................................

Minha terra tem primores,


Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,


Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
(Gonçalves Dias apud MORAES, 1998, p. 270-271).

O poema evoca elementos que os habitantes da cidade de Caxias utilizam para


apresentá-la ao mundo: a riqueza de sua cultura, através de um de seus ilustres poetas –
Gonçalves Dias –, que reafirma seu profundo amor à terra natal, ao expressar a nostalgia, a
atmosfera do exílio e a saudade, porque a beleza de uma terra, lugar, rua, avenida, cidade está
no coração de quem a ama, constituindo-se nas particularidades e peculiaridades de suas
raízes culturais; mas outros elementos também são lembrados pelos(as) caxienses: as guerras
– Guerra da Balaiada –; as lutas e batalhas – resistência à independência do Brasil –; a
conservação da história no patrimônio arquitetônico, que lhe confere elementos estéticos de
21

encantamento e beleza a serem desvendados. São características das quais muitos(as)


caxienses se orgulham, sendo elas repetidas por uma variedade de pessoas e em ocasiões
diversas, em especial pelos poetas, intelectuais e, sobretudo, pelo(as) mais velho(as).
A construção de identidades para a cidade de Caxias, a partir do patrimônio cultural,
tem no patrimônio edificado instrumento privilegiado. Para que se possa compreender como
ocorre esse processo, esboça-se o cenário em que se configura a imagem de uma cidade
cultural à Caxias, em que se toma como ponto de partida o processo de colonização no
Maranhão feito pelos portugueses.
Localizada a 373 km da capital maranhense, São Luís, a cidade de Caxias nasce no
limiar do século XVIII, com o reconhecimento de terras feita pelos colonizadores, muito
embora a colonização portuguesa no Brasil tenha tido início no final do século XVI, a partir
da região Nordeste, no atual Estado da Bahia, com a instalação do aparato político-
administrativo e, posteriormente, o estabelecimento do governo-geral, em 1548, na vasta
colônia sul-americana, como forma de centralizar o poder, antes diluídos em mãos dos
capitães-donatários.
No Maranhão, esse processo inicia-se no século XVII, com a chegada dos franceses à
região, já que as primeiras tentativas de colonização empreendidas pelos portugueses foram
frustradas devido ao difícil acesso à região e dos constantes ataques indígenas. Assim, foram
os franceses os fundadores de São Luís, que deve seu nome ao rei francês Luís XIII, em nome
de quem, em 1612, aportaram Daniel de La Touche e Françoise de Rassily para fundar o
breve sonho da capital da França Equinocial2, mas, pouco mais de três anos depois são
expulsos pelos portugueses na “Batalha de Guaxenduba”. Essa data, no entanto, não é a que
marca a primeira chegada dos franceses ao Maranhão. Pesquisas históricas indicam que
estiveram nesta região estabelecendo contatos regulares com os nativos e explorando o pau-
brasil e as drogas do sertão em 1524, 1542 e 1594 (BOTELHO, 2007 e LACROIX, 2002).
A chegada dos franceses na ilha do Maranhão foi o suficiente para que o Norte saísse
do anonimato na mesa de decisões da Coroa portuguesa. O forte de São Luís é reconquistado
pelos portugueses na Batalha de Guaxenduba, nome das terras em frente à ilha, entre os rios
Munim e Anajatuba, em novembro de 1615, palco do episódio final que marca a derrota dos
chamados “invasores”. Os franceses estavam em maior número e mais bem equipados que
Jerônimo de Albuquerque, o comandante da expedição, que contava ainda com o apoio dos
índios tupinambás. Apesar disso, a vitória foi lusitana. Para explicar o inexplicável, a
2
Esforços franceses de colonização na América do Sul, em torno da Linha do Equador, que no século XVII
denominava-se Linha Equinocial. O empreendimento visava a propagação da fé cristã, a expansão dos domínios
da França e os interesses econômicos que tanto buscava os empreendedores dessa empresa.
22

sabedoria popular recorreu à lenda da Virgem Maria, chamando a dita expedição de milagrosa
– “Jornada Milagrosa” –, por Ela ter transformado areia em pólvora para os portugueses. Por
isso, dos fundadores pouco restou. O tempo exíguo não lhes permitiu a construção de obras
que sobrevivessem até a atualidade.
Não obstante a estes fatos, os ludovicenses3 reclamam uma herança francesa, que Maria
de Lourdes Lacroix chama de “ideologia da singularidade” (LACROIX, 2002), ao buscarem
uma diferenciação até em suas origens – francesa.
Destacar a fundação francesa faz sentido com a auto-imagem de distinção que os
ludovicenses criam a partir da cultura, considerada muito diferente da dos outros estados
brasileiros, e que por isso, aqueles que migram sempre buscam encená-la, reverenciá-la nos
novos lugares em que se estabelecem. E, simultaneamente, coaduna-se e reforça a idéia de ser
uma cidade diferente das demais porque sabe preservar suas tradições, um dos motivos do
atual crescimento turístico com o objetivo de conhecer a cultura local.
Ser fundada por franceses é mais uma riqueza cultural a ser mantida cuidadosamente ao
se falar da cidade, e a transmissão dos conhecimentos trazidos pelos franceses, mesmo que
tenha sido interrompida pelos portugueses, pode ser continuada pelos(as) moradores(as) de
São Luís, a partir da memória que a tradição histórica reafirma nas práticas cotidianas.
Exemplos de como a fundação francesa permanecem, contemporaneamente, são as
denominações de avenidas, sobrados, palácios governamentais, estátuas e personagens em
homenagem aos fundadores franceses (Avenida dos Franceses, Solar São Luís, Palácio La
Ravardière) e no nome da própria cidade que celebra o Rei-Menino de França – São Luís.
Não obstante, Maria de Lourdes Lacroix, dentre outros(as) pesquisadores(as), aponta os
portugueses como sendo os colonizadores efetivos. São estes que dão as primeiras formas
urbanas à São Luís, sendo incumbido ao engenheiro militar Francisco de Frias Mesquita o
projeto de planejamento das ruas e praças, que, a partir daquela data, deveria orientar o
crescimento da cidade, semelhantes aos desenhos originários das cidades espanholas4.
O mesmo processo de ocupação aplicado no Brasil a partir de 1530 foi estabelecido no
Maranhão, mas sem resultados efetivos. A forma usual de colonização foi a sesmaria 5, doada
tanto pelo governador como por qualquer donatário nos limites de sua Capitania. A
3
Herança da presença francesa em São Luís, uma vez que Luís em francês é Louis, que provém do germânico
Hlodoviko, Ludovico em português.
4
Com a morte do rei português D. Sebastião I, em 1578, e como este não possuía herdeiros, o Rei Felipe, da
Espanha, juntou os dois países num só reino – União Ibérica (1580-1640) –, período em que Portugal ficou sob
domínio espanhol.
5
Instituto jurídico português (presente na legislação desde 1375) que normatiza a distribuição de terras
destinadas à produçãode terras sem culturas ou abandonado. Foi aplicado no Brasil, através da Carta Régia a
Martim Afonso de Sousa, em 1531.
23

colonização, entretanto, foi lenta e cheia de obstáculos. Desde a década de 1620, existiam
lavouras de subsistência, gado e alguns engenhos de açúcar, mas a pobreza era a característica
maior da região.
Frente às constantes ameaças de invasão, principalmente na região Norte, a colonização
portuguesa no Brasil é marcada, em 1621, pela divisão territorial em dois Estados: o Estado
do Brasil, com capital em Salvador, e o Estado do Maranhão e Grão-Pará, com capital em São
Luís6, que compreendia os atuais estados do Ceará, Piauí, Maranhão, Pará, Tocantins e parte
de Goiás. Talvez essa primeira fase da organização administrativa tenha influído no
sentimento do seu povo, como aponta Maria de Lourdes Lacroix “[...] o ludovicense não se
sentia brasileiro” (LACROIX, 2002, p. 70), devido ao contato mais direto com Portugal do
que com o restante da Colônia brasileira.
Muito embora a planta da cidade de São Luís, registrada pelos holandeses em 1641,
apresente traçados geométricos bem definidos, regularmente cortada de ruas e quarteirões que
se entrecruzam em ângulos retos, percebe-se que nas cidades brasileiras, em especial São
Luís, essa orientação não foi obedecida; continuaram seguindo o modelo das cidades
portuguesas. No centro da cidade, por exemplo, observa-se becos, ruas estreitas, sinuosas,
dificultando a circulação de pessoas e dos meios de locomoção, mas encantando a todo(as)
que por ali passa. É o que se pode verificar nas palavras de Emanuel Araújo.
Ao que parece, os portugueses, teimaram em prolongar a tradição
medieval de ruas em ladeiras tortuosas e íngremes, formando labirintos
intrincados e irregulares por onde se postava o casario apertado
(ARAÚJO, 1993, p. 31).

Na zona urbana, ainda são conservados traços característicos de sua origem portuguesa,
com sólidas casas e sobrados, com azulejos importados de Lisboa e linhas arquitetônicas de
inconfundível acabamento lusitano. São prédios, casarões e sobrados que apresentam rigorosa
simetria nas fachadas, ao definir superfícies contínuas no alinhamento das vias e sobre os
limites laterais dos lotes.

As edificações da São Luís Colonial, genuinamente portuguesa, foram conservadas


e multiplicadas na época imperial e republicana, não obstante os períodos de
bonança e influência francesa. Os sobradões com seus mirantes, sobrados,
sobradinhos, moradas inteiras, meias moradas e porta e janelas, revestidos ou não de
azulejos, com suas sacadas a ferro, beirais e outros elementos complementares nos
fazem lembrar o centro de Lisboa (LACROIX, 2002, p. 80-81).

6
Esta estrutura administrativa foi extinta em 1652 e em 1751, foi transferida a capital do Estado do Maranhão
para o Pará, sendo a nova capital Belém, passando-se a denominar Estado do Grão-Pará e Maranhão.
24

Para Olavo Pereira da Silva Filho, “a casa maranhense oitocentista não representa
apenas um estilo decorrente das relações de produção e consumo” (SILVA FILHO, 1988, p.
22), pois a arquitetura de São Luís foi se formando com a mistura do estilo europeu, adaptado,
porém, ao meio tropical brasileiro, ou ainda nas palavras do autor,
uma arquitetura forjada nas relações Metrópole-Colônia. [...] As frentes, expostas ao
público, são fechadas, formais, e exibem respeito e austeridade: a Metrópole – nas
salas de vistas, alcovas e dormitórios, no equilíbrio da simetria das fachadas, nos
barrados e simulacros de capitéis de origem renascentista, na forja de bizarras
grades do renascimento espanhol, no lioz estrutural dos vãos, na azulejaria de
fabricação lisboeta. [...] nos fundos, ajustados ao rigor da frontaria européia (SILVA
FILHO, 1998, p. 33).

Sobre esta arquitetura, os viajantes, que por aqui passaram, deixaram seus depoimentos.
Encantados com a arquitetura de São Luís, os naturalistas Spix e Martius, quando estiveram
no Maranhão, em 1828, assinalaram:
São Luís merece, à vista de sua população e riqueza, o 4º lugar entre as cidades
brasileiras. As casas de 2 e 3 pavimentos são na maioria construídas de pés de
cantaria e a cômoda disposição interior corresponde ao exterior sólido, de conforto
burguês (SPIX e MARTIUS apud PEREIRA, 1992, p. 86).

Spix e Martius observam ainda, mais adiante, que em São Luís “as ruas não são bem
alinhadas, parte em ladeiras, e mal calçadas ou sem calçamentos” (SPIX E MARTIUS apud
ARAÚJO, 1993, p. 46). Esse fator pode ser atribuído ao sentido que deram à colônia, ou seja,
algo fugaz e provisório, chegando mesmo a um sentimento de desapego ao lugar, à princípio,
já que os colonos que vieram ao Brasil, em sua maioria, tinham como propósito enriquecer e
voltar à terra natal, à “civilidade”.
Ao contrário de Spix e Martius, outro viajante, Raimundo José de Sousa Gaioso, na
primeira metade do século XIX, parece ter visto outra cidade.
[...] A principal cidade do Maranhão, São Luís, possui dois grandes bairros: o maior,
tem muitos sofríveis edifícios e com muita comunidade, mas a desigualdade do
terreno lhes tira uma parte da sua formosura e algumas ruas mal calçadas fazem a
sua serventia bastante incômoda. [...] o segundo bairro, se é mais extenso, também é
mais miúda e diminuta sua povoação em geral (GAIOSO apud ARAÚJO, 1993, p.
41).

Em todo caso, a arquitetura colonial e imperial deixada pelos portugueses é o que


predomina no centro histórico de São Luís. A cidade conserva um homogêneo conjunto
arquitetônico, sobressaindo-se os casarões com fachadas revestidas em azulejos e pedras lioz,
vindos da Europa, o que lhe conferiu o nome de “Cidade dos Azulejos”. Escadarias e ruas
calçadas em pedras de cantaria, palácios e palacetes, completam o conjunto arquitetônico da
cidade.
25

Em São Luís, em conseqüência do que já se estava realizando em outros Estados


brasileiros, a partir das primeiras décadas do século XX aumentam as discussões sobre a
preservação e a valorização do patrimônio histórico local, iniciando-se na década de 1950
vários processos de tombamentos, numa luta urgente contra a rápida descaracterização pela
qual estava passando a cidade. Segundo Deusdédit Carneiro Leite Filho,
essa é uma discussão muito antiga. Você pega uma pessoa na minha área de
arqueologia, pessoas como Raimundo Lopes ou Antonio Lopes, que são duas
pessoas importantes para a cultura local, por volta de 1920 já estavam discutindo
essa questão. Então, anterior à política de implantação nacional, já havia no
Maranhão essa discussão, inclusive tem toda uma idéia de patrimônio que o Instituto
Histórico Geográfico local tinha em mente, não só em relação ao patrimônio, mas
também em relação ao meio ambiente (LEITE FILHO, 2008).

Os arqueólogos ludovicenses, a que o entrevistado se refere, pioneiros na arqueologia


do Maranhão, foram, nessa época, desenvolver trabalho no Museu Nacional. Deusdédit
Carneiro Lima Filho chama a atenção também para o fato de que o Maranhão teve como
primeiro bem tombado um sambaqui – Sambaqui do Pindaí, em São Luís, tombado em 1940
–, sítio pré-histórico, e não na arquitetura. Então, nessa época, início do século XX, já havia
pessoas discutindo essas questões, pessoas essas ligadas ao Instituto Histórico e Geográfico
do Maranhão, inclusive com publicações de revistas na década de 1920 (Revista do IHG-
MA), que mesmo ficando suspensas por um tempo, voltam a circular na década de 1930.
Na década de 1940, período de reformas urbanísticas, empreendidas pelo Governo do
Estado, a preocupação com a preservação do acervo arquitetônico de São Luís é reforçada.
Nessa diretriz, nas décadas seguintes, estudos e reflexões sobre o patrimônio arquitetônico são
aprofundados, culminando com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional –
Iphan –, que em 1974 faz o tombamento do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Cidade
de São Luís, em etapas sucessivas. A implementação de um programa de revitalização do
centro histórico da capital maranhense, à luz das discussões sobre a problemática de
preservação dos bens culturais, se efetiva nas outras gestões, ao incluírem, entre as
prioridades de planos de governo, questões referentes à preservação do centro histórico de
São Luís.
A inscrição de São Luís como bem cultural justifica-se pelo valor correspondente à
extensão do seu conjunto urbano e arquitetônico colonial, pela quantidade de imóveis
considerados representativos da história do Maranhão. Pelo discurso dos técnicos
responsáveis7 pela elaboração do Dossiê, São Luís é definitivamente um dos mais bem
acabados exemplos de viver do Brasil: “São Luís [...] possui o maior conjunto urbano da

7
Equipe formada por engenheiros, arquitetos e historiadores.
26

arquitetura civil dos séculos XVIII e XIX da América Latina e, neste aspecto, atinge o nível
da excepcionalidade” (BOGÉA et al, 2005, p. 27).
Em São Luís, os debates sobre uma configuração cultural que exprime “ser
maranhense”, acentuam três conjuntos de significados: o valor da cultura erudita e popular; o
patrimônio arquitetônico e histórico; e a história do Estado e da cidade. À categoria das festas,
como expressão do valor da cultura, alia-se à produção de intelectuais do século XIX, que
nomeou a cidade de “Atenas Brasileira”8, possibilitando aos estudiosos contemporâneos e
produtores culturais estabelecerem continuidades dos significados das identidades locais, em
textos e falas onde destacam a profícua produção literária e intelectual do Estado.
Esta produção de significados e sentidos lhes permite fazer uma relação entre o erudito
e o popular, que privilegia mais o diálogo do que a oposição, sem, entretanto, eliminar uma
hierarquia entre essas classificações da cultura e do conhecimento. Aqui, o patrimônio
arquitetônico e a história são traduzidos como tradição, cujos conteúdos servem para a
interpretação da produção cultural dos setores populares e para o entendimento do tempo
histórico, desde a fundação do Estado até os dias atuais. Esta relação é mediada por diferentes
grupos sociais que revelam disputas de poder, ao deslocar, manter e criar desigualdades entre
estes agentes. Por isso, a identidade maranhense não resulta de processos lineares e contínuos,
como se pretende enfatizar nos registros da história oficial local. É o lugar privilegiado onde
se pode ver, ouvir e tomar parte das festas, exposições e palestras que tratam da história, do
patrimônio e da cultura.
No rastro da valorização patrimonial, iniciada nos anos 50, num conjunto de
tombamentos, em uma luta constante com a rápida descaracterização, preservou-se
um valioso patrimônio arquitetônico, somado a aspectos culturais, que permitiram
adaptações a novas funções através dos anos, assegurando que a Unesco concedesse
ao centro histórico o maior valor que um núcleo urbano possa receber no planeta: o
de Patrimônio Cultural da Humanidade (MARTINS, 2000, p. 21).

O título de Patrimônio Mundial, concedido pela Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco –, em dezembro de 1997, a que Ananias Martins se
refere, foi em reconhecimento à excepcionalidade de seu centro histórico, com traçado
preservado e conjunto arquitetônico representativo, adaptada às condições climáticas do
Brasil equatorial.
Antes mesmo do reconhecimento da Unesco, já podem ser verificadas, no âmbito
nacional, ações do Estado na preservação de seu patrimônio, frente às ameaças de destruição e
descaracterização da arquitetura de São Luís. O governo passa a empreender projetos
8
Denominação atribuída à São Luís pela prosperidade econômica (4ª Província mais rica do Império) e,
sobretudo, pelo desenvolvimento cultural do Estado, com seus famosos escritores e intelectuais (Gonçalves Dias,
Sousândrade, Artur Azevedo, Coelho Neto, entre outros).
27

preservacionistas, visando recuperar a qualidade ambiental das ruas, praças e jardins e


preservar a paisagem urbana do século XIX, a exemplo dos projetos Praia Grande (1979);
Reviver (1987); Cores da Cidade (2001)9. Através deles, os governos visavam, também,
despertar na população a consciência de valorizar o patrimônio histórico. Assim, museus,
monumentos, bibliotecas e centros culturais, localizados no centro da cidade, são espaços em
que a memória se oferece ao conhecimento dos habitantes e visitantes do interior do próprio
Estado, de outros lugares do país e do mundo. Nestes espaços, são realizadas variadas
exposições para a população local e para os turistas. São fontes de dados e de observação da
arquitetura, do significado de tradição e história que a cidade busca conservar.
É por isso que, na leitura que muitos(as) fazem sobre o Maranhão, conhecer São Luís
implica andar por suas ruas, sendo ressaltado nos textos divulgados sobre a capital
maranhense a homogeneidade e imponência do casario colonial, que possibilita a sensação de
uma viagem através de tempo e espaço. O sentido de intacto remete à permanência, a
arquitetura teria se mantido sem mudanças nas construções, e por isso se mantém hoje, como
era num suposto ontem.
A arquitetura da capital influencia outros centros urbanos maranhenses, notadamente a
cidade de Caxias, que, no século XIX, em função do desenvolvimento da atividade econômica
– algodão – e da efervescência cultural – através dos poetas e escritores –, é a cidade mais
importante do Estado, depois de São Luís. O padrão sócio-econômico de parcela da sociedade
caxiense proporciona-lhe a incorporação dos padrões culturais e identitários, sobretudo os
arquitetônicos de São Luís, que está presente em parte do casario do centro histórico de
Caxias, sendo que a cidade incorpora, ainda, novos elementos que vão singularizar sua
arquitetura e, portanto, seu patrimônio histórico-cultural.

1.2 Caxias: aspectos históricos

9
As ações para o patrimônio arquitetônico foram consideradas prioritárias pelo Governador Epitácio Cafeteira, a
partir de 1987. A obra de maior destaque foi o Projeto Reviver, cujo objetivo era o de promover, recuperar,
reformar e ampliar os prédios do centro histórico de São Luís. O Departamento de Patrimônio Histórico,
Artístico e Paisagístico da Secretaria do Estado do MA – Dphap-MA – ficou responsável pela implementação,
juntamente com outros órgãos estaduais e federais. O Projeto Reviver torna-se fundamental para as ações de
desenvolvimento do turismo, assim como sua representação como símbolo de identidade maranhense.
28

O que se conhece, hoje, como Caxias nasce por volta de 1716. Formada ao longo das
margens do rio Itapecuru ou, nas palavras do escritor caxiense Libânio da Costa Lôbo, do
“Nilo maranhense” (LÔBO, 2003, p. 171), o local era habitado por diversas tribos indígenas,
entre elas os Guanarés, os Timbiras e os Gamelas, quando chegaram os colonizadores.
A história de Caxias começa com a história das entradas e reconhecimento da terra,
feita pelos franceses, e com a ocupação das terras férteis que margeiam o Itapecuru,
e principalmente com o trabalho valoroso dos missionários que, em sua obra
evangelizadora por toda a redondeza, criou entre os silvícolas um laço de confiança
que se processou na fé e civilização (VILANETO, 2006, p. 31).

A cidade de Caxias, ao longo de sua história, recebe várias denominações, sendo


primeiramente “batizada” de Guanaré, depois passa a ser chamada de Missão Alta, São José
das Aldeias Altas e, por fim, Cachias, como deixaram registrados os viajantes e naturalistas
Spix e Martius, em 1819, quando por aqui passaram. Hoje, grafa-se Caxias com a letra x.
Há algumas versões para o nome Cachias: a primeira é a de que o nome foi dado em
homenagem à existência, em Portugal, de uma Freguesia com o mesmo nome, de propriedade
do Marquês de Pombal; outra versão atribuída ao nome da cidade, é a de que derivaria do
nome da flor de arbusto “corona christi” (VILANETO, 2006 e MELO, 1986).
Os índios ficaram “aldeados” na margem direita do rio Itapecuru, chamado de
Trezidela, pela existência de três aldeias no local – Guanarés, Timbiras e Gamelas – e na
outra margem do rio estabelece-se o branco colonizador, com suas roças e criações. Foi no
lado do colonizador que se formou a “Princesa do Sertão”, Caxias. A partir do
estabelecimento de uma fazenda de gado, localizado ao seu redor, um aglomerando de
pessoas se forma, até que ali se funda o Arraial.
De fato, quase sem exceção, as cidades do interior do norte do Brasil nasceram em
conseqüência dos chamados pousos10 ou paiós11. Os sertanistas que partiam do sul e leste do
Brasil penetraram nos sertões do Piauí e atingiram o rio Parnaíba chegando, nas imediações
de Caxias, através do curso do rio Itapecuru, como já haviam feito na região de Pastos Bons12.
Assim, o perfil econômico de Caxias é marcado, desde o início, pela agropecuária.
A formação da cidade de Caxias, iniciada como estabelecimento da missão jesuítica,
também está ligada, desde o final do século XVIII, ao povoamento da Província do Piauí feito

10
Casebres construídos de folhas de palmeira, geralmente tapados de palha, que serviam aos tocadores de gado.
11
Depósitos provisórios construídos pelos lavradores de cultivo, onde armazenavam, nas colheitas, o produto do
seu trabalho.
12
Cidade maranhense, localizada a 490 km da capital, fica localizada na região do Leste Maranhense, teve seu
povoamento iniciado por bandeirantes e fazendeiros vindos do vale do São Francisco e da Serra da Ibiapaba,
Pernambuco.
29

pelos criadores de gado baianos e bandeirantes vindos da região do rio São Francisco, em
função da “via de passagem” ocorrer por Caxias13.
O pesquisador Mílson Coutinho é quem melhor aborda sobre a origem da povoação:
“Caxias, que jamais fora fundada, num dia e hora certos, senão originada dos pousos e paiós,
e do aglomerado de lavradores e criadores da região, veio a se transformar, a partir dos 30
primeiros anos do século XVIII, no arraial que foi o núcleo da atual Caxias” (COUTINHO,
2005, p. 24, grifo do autor). O Arraial nasce, lentamente, a partir da chegada dos primeiros
colonos, organizada com a vinda dos padres jesuítas e impulsionada com o trabalho dos
mercadores que para cá se dirigiam, ao trazer suas mercadorias e comprar os produtos da
terra.
Porto de entrada para o Alto Itapecuru e para a próspera região de Pastos Bons, era
também rota de passagem do intenso intercâmbio mercantil a partir da Bahia, passando pelo
Sul do Piauí até os sertões maranhenses, como escreve o governador do Maranhão D.
Fernando Antônio de Noronha (1792-1798):
O Julgado de Aldeias Altas tem tido um aumento considerável em população,
cultura e comércio [...], constitui-se como um ponto central comunicável às
Capitanias do Ceará, Pernambuco, Piauí, Bahia e a todos esses vastíssimos sertões
(NORONHA apud COUTINHO, 2005, p. 29).

Esta informação mostra a importância da ligação de Caxias a outras Províncias, pois a


cidade transforma-se em um florescente entreposto de compra e venda de gado e de produtos
agrícolas, principalmente arroz e algodão, de acentuada participação na economia maranhense
dos séculos XVIII e XIX, transformando-a em empório comercial e atraindo comerciantes
vindos de outras regiões do país e até do exterior.
No documento elaborado pelo Marechal-de-campo Antônio Corrêa Furtado de
Mendonça, em 1796, enviado à rainha D. Maria I, tem-se uma descrição pormenorizada do
Arraial no século XVIII. No relatório, o Marechal aborda sobre a extensão do Distrito, a
localização do sítio, a cultura, o comércio e o número de moradores do Arraial, onde destaca-
se aqui a questão econômica:

A lavoura de algodão objeto dos habitantes tem aí aumentado consideravelmente em


pouco tempo, por efeito da fecundidade das terras. Há acima de 20 lojas de fazendas
de todas as qualidades, fias, ordinárias, sedas e galões, e algumas delas
importantíssimas, e negociantes de centros de mil cruzados, de importação e

13
A ligação entre Caxias e a capital do Piauí, Teresina, mantém-se até a atualidade devido à proximidade
(78km). Vale ressaltar, que esta relação é sobretudo econômica.
30

exportação, de sorte que aquele arraial é uma continuada feira de compras e vendas.
As embarcações que atualmente ali vão desta cidade, carregadas de fazendas secas e
molhadas, são muitas e, no regresso vêm todas carregadas de sacaria de algodão. Eu
vi em maio do ano passado, juntos naquele porto, cinco barcos de coberta, grandes e
todos capazes de navegar o alto mar, que foram carregados de mercadorias e
voltaram abarrotados de sacas (MENDONÇA apud COUTINHO, 2005, p. 31-32).

Assim, como em grande parte das cidades coloniais brasileiras, o porto desempenhou
um papel importante no seu desenvolvimento, como pólo econômico da cidade, provocando a
aglomeração da população e de estabelecimento de serviços e comércio. Em Caxias, a ligação
com a capital e os vilarejos ribeirinhos era através do rio Itapecuru. Em um tempo em que a
navegação era o mais importante meio de circulação das riquezas, o Arraial muito se beneficia
dessa circunstância. Mas o incremento da produção algodoeira e a necessidade de escoar a
produção forçaram a que os caxienses iniciassem a ligação terrestre, abrindo estradas para
animais de carga. Posteriormente, já no final do século XIX, foi iniciada a construção da
estrada de ferro ligando Caxias à Cajazeiras (hoje Timon)14. Os trilhos dessa estrada atingiram
Caxias em 1895, data de sua inauguração. Para Mílson Coutinho, esta ferrovia foi o primeiro
grande fator do que possa ser considerado progresso da cidade e no desenvolvimento de sua
economia (COUTINHO, 2005).
A estrada de ferro e os trens significaram uma nova etapa na história da cidade, tanto
pelo incremento do comércio e possibilidade do intercâmbio, como pelas modificações físicas
resultantes da implementação do sistema férreo na malha urbana.
As linhas do trem estabeleceram-se como eixo de crescimento na cidade, atraindo para
suas margens, fábricas e armazéns, à semelhança do papel exercido pelo porto, décadas antes.
Impulsionada pelo desenvolvimento econômico o Arraial é elevado a Vila em 1811,
passando a denominar-se Caxias das Aldeias Altas. Nessa época, já havia um ambiente
construído significativo em “feitio colonial no Largo da Cadeia e ainda em terrenos
devolutos” (MEDEIROS, 2005, p. 99).
Segundo Pe. Cláudio Melo, a ascensão à categoria de cidade, com a denominação
Caxias, ocorrida em 1836 – Lei Provincial nº 24 –, é conseqüência do aumento populacional,
resultante do significativo desenvolvimento econômico, pois em meados do século XIX, a
cidade transforma-se na principal exportadora de algodão, abastecendo grande parte da
Europa, pelo porto de São Luís, e para os grandes centros do Sul, através do Piauí,
Pernambuco e Bahia (MELO, 1986).

14
Cidade maranhense, localizada a 426 km da capital, está localizada na região do Leste Maranhense. A cupação
de Timon começa ainda no século XVIII, com o estabelecimento das comunicações entre a Vila da Mocha, hoje
Oeiras, no Piauí, e Aldeias Altas , hoje Caxias.
31

A cultura do algodão amplia-se devido a abundância de terras virgens, do baixo nível


técnico e das condições climáticas. Em função dessas condições, o plantio do produto se
estende pelo Vale do Itapecuru e pelo rio Mearim, estabelece-se nas cidades hoje conhecidas
como Itapecuru-Mirim, Coroatá, Codó, Baixada Maranhense, mas concentrando-se com mais
vigor na região de Caxias, como afirmam Spix e Martius:
Deve a sua prosperidade à cultura do algodão, explorada desde uns vinte e trinta
anos, com afinco, em seu interior e fomentada em toda a província pela Companhia
de Comércio do Maranhão e Grão-Pará, assim como à atividade comercial de seus
habitantes entre os quais se encontram muitos europeus (SPIX e MARTIUS apud
MORAES, 1998, p. 29-30).

De fato, entre os muitos comerciantes europeus de Caxias a quem se referem Spix e


Martius, o mais significativo número era de portugueses, que emprega aqui vultosas quantias
de dinheiro em casas comerciais, armazéns, quitandas, botequins e pensões.
Frente a essa dinâmica comercial, em meados de 1882, como afirma Mílson Coutinho,
Caxias instala a sua primeira indústria têxtil – Empresa Industrial Caxiense –, antes mesmo da
capital, despertando a outrora empobrecida Caxias. Isso reanima o comércio e a agricultura,
com os compradores de algodão à porta do caboclo, a “dinheiro de contrato” (COUTINHO,
2005). Esta informação também é observada por Quincas Vilaneto.
O comércio organizado foi tão importante que nenhuma outra povoação se lhe
igualou. Ali se fixaram as grandes lojas que abasteciam, de fazendas finas e louças
caras, o Piauí e todo o interior maranhense. De Portugal, vinham navios com
carregamento destinado ao comércio de Caxias, trazendo vinhos, sedas, chapéus e
perfumes, etc. (VILANETO, 2006, p. 31).

É a cultura algodoeira, de meados do século XVIII até a década de 1950, o principal


fator de desenvolvimento econômico de Caxias. Paralelamente, cultivou-se o plantio de arroz,
do milho, da mandioca e do feijão, além do que sofreu forte incremento, já a partir do século
XX, a exploração da amêndoa do babaçu (COUTINHO, 2005).
Em função dessa atividade econômica – o algodão –, o núcleo urbano da cidade vai se
delineando à medida que a elite local se apropria dos bens de produção e, conseqüentemente,
ao se preocupar em ter um espaço mais adequado à sua condição social. As modificações
mais profundas na estrutura urbana, como o tipo de traçado das ruas, a construção de
estabelecimentos comerciais e residenciais começam a ser implementadas. Portanto, a
construção de edificações suntuosas (casarões, sobrados), a estrutura funcional da cidade
(iluminação a gás, água e esgoto), os espaços de lazer (praças e clubes), os prédios públicos
administrativos, vão dando formas urbanas à cidade.
Lugar de importância permanente na história brasileira, Caxias é fruto de sua destacada
inserção nos momentos significativos da história, com destaque para aqueles ligados às
32

mudanças nos rumos da economia, através do algodão e da implantação de um parque fabril


têxtil; na resistência à independência do Brasil, só reconhecida em agosto de 1823; na luta
contra a opressão, a exemplo da Guerra da Balaiada; na cultura, pela constelação de literatos,
dentre eles os poetas Antônio Gonçalves Dias, Henrique Maximiliano Coelho Neto e Teófilo
Dias, patronos de cadeiras na Academia Brasileira de Letras – que lhe deixou marcas da
riqueza cultural da cidade.
Sem ignorar tal tipo de interesse crescente e em voga, volta-se a atenção para as ruas
percorridas do centro histórico, os sobrados e casarões esquecidos em meio às tentativas de
atualizá-los, as igrejas seculares, os caminhos do passado hoje ocultos por anos de suposta
falta de importância, enfim, as imagens preservadas de seu passado nos monumentos
históricos-culturais.
Perscrutar a arquitetura, os becos, ruas, caminhos, imagens de uma cidade em busca de
pistas sobre o passado, a memória e a história, pressupõe uma motivação, uma questão a
investigar acerca do papel deste passado no presente para os(as) seus(suas) moradores(as).

1.3 A Belle Époque Caxiense

O século XIX marca o período áureo de Caxias, em função da cidade se apresentar


como uma das mais importantes na exportação de algodão do Maranhão para a Europa. Era a
modernidade chegando tanto a partir do leito do rio Itapecuru, nos vapores da Empresa de
Navegação a Vapor dos Rios do Maranhão e no Lóide Maranhense, como através dos vagões
do trem da Estrada de Ferro Caxias-Cajazeiras (fotos 1 e 2).

Figuras 1 e 2: Linha férrea da Estrada de Ferro Caxias-Cajazeiras (foto: arquivo pessoal de Rodrigo Bayma).
Ao chegar o século XX, a construção de estradas rodoviárias vem também fortalecer as
relações comerciais de Caxias com as principais cidades brasileiras. E, em meados do século
33

XX, o transporte aéreo, largamente utilizado, através do Consórcio Real-Aerovias-Nacional,


para passageiros e cargas, ligando Caxias a muitas localidades do país (COUTINHO, 2005).
Os meios de transportes que ligavam Caxias à São Luís, Teresina e ao mundo, dá mostras da
importância da cidade para a riqueza do Estado.
Vale ressaltar, ainda, os meios de comunicação instalados em Caxias, quando esta ainda
era Vila. Em 1812 foi implantado na cidade o serviço regular de Correios; já no final do
século XIX, contava também com o serviço de telegrafo:
Chegados ao Maranhão novos meios de comunicação, foi Caxias uma das primeiras
cidades a ser beneficiada por aparelhos que transmitiam e recebiam, em fitas, em
código de seu inventor (Samuel Morse), os telegramas que passaram a ser taxados
da capital do Estado e vice-versa (COUTINHO, 2005, p. 227).

Segundo Mílson Coutinho, ainda no século XIX, pela Lei Provincial de 1835, a Vila foi
contemplada com iluminação pública, com a concessão de 50 lampiões a querosene, para
iluminação das principais vias públicas e, em 1891, já possuía também serviço de
abastecimento de água (COUTINHO, 2005).
A “modernização” desfrutada pela elite da cidade foi fator de consolidação da cultura
algodoeira – o “ouro branco” caxiense –, cultivada em latifúndios na região, cuja mão-de-obra
fundamental era o trabalho escravo, e a conseqüente instalação de um parque fabril têxtil na
cidade, a partir da década de 1880, deixa marcas da riqueza da cidade. Isso desperta nos(as)
moradores(as), principalmente aos(às) mais aquinhoados(as), uma maior atenção à cidade,
com investimento nas áreas de urbanismo e saneamento, a partir da instalação de infra-
estrutura, com vistas a usufruir das benesses proporcionadas pela vitalidade econômica do
período.
Essa atividade econômica de grande vitalidade gera um acúmulo de capital, que se fez
refletir no aspecto arquitetônico e cultural significativo na cidade, com a construção de
sobrados, casarões, casas com mirantes, azulejos nas fachadas, fábricas têxteis.
Nesse contexto, “modernização” significava uma palavra carregada de atributos
inconfundíveis: a cidade, os sistemas de equipamentos urbanos, a comunicação, os transportes
e as extravagâncias contidas no que aqui se chama de Belle Époque, ou a idade de ouro de
Caxias, período compreendido entre 1850 a 1950, quando a cidade vivia uma fase de
esplendor econômico e cultural.
No campo da cultura, a imagem dessa nova sociedade cristaliza-se na proliferação de
jornais, multiplicado em números, ao difundir e reforçar, ainda mais, os novos hábitos
culturais da cidade. Segundo Mílson Coutinho, a tipografia em Caxias era significativa, tendo,
entre 1833 e 1900, circulado cerca de trinta e dois jornais, entre algumas interrupções e
34

outras. Alguns de natureza noticiosa e política (A Crônica, 1833; Correio de Caxias, 1847;
Bem-te-vi Caxiense, 1849); outros de linha literária (A Tulipa, 1857; A Rosa, 1860); e também
de cunho econômico (Correio Caxiense, 1854). (COUTINHO, 2005).
Para dar mostras da efervescência cultural e dos novos hábitos da elite caxiense, a
cidade possuía dois teatros, espaço esse que Caxias atualmente não tem. O primeiro teatro, o
Harmonia, foi inaugurado em 1846. Ali havia apresentações do que melhor se podia falar
entre as companhias teatrais da época. Já em 1882, inaugurava-se um segundo teatro, o Fênix,
que chegou a receber, em 1885, a Companhia Dramática Italiana, a Balsamani & Cia.
Em entrevista concedida para esta pesquisa, o desembargador Arthur Almada Lima
Filho, caxiense, 80 anos, reforça essa visão de cidade cultural:
É uma coisa extraordinária, em saber que no princípio do século XX a nossa cidade
tinha um movimento cultural tão importante: aqui haviam mais de oito pianos
particulares, inclusive esse de meia calda [mostra a imagem de um piano], que era
da família Carvalho. A minha família tinha dois pianos, um que ainda menino a
gente arrebentava com ele e o outro foi conservado até a morte da minha avó e
depois ficou jogado. Este piano está na Balaiada [Memorial da]. Você encontrava
muitos pianos: dois eram da família dos Cesário Lima e o outro da família da
Raimunda Maria. Tinha o da família Lobo, o da família Vidigal, e tinha o da família
Caldas. Mas o que fico admirado é como esses pianos vinham pra cá: pelo rio
Itapecuru. Eles chegavam da Europa de navios, desciam em São Luís e [...] vinham
pra cá nas lanchas e vapores da Companhia que era da família Robert Walls. [...]. Se
você ver jornais daquela época verá que tinha profissões de afinador de piano,
instrutor de piano. É incrível como era uma cidade cultural já naquela época. E você
vê também pelo número de jornais que foram publicados em Caxias [...]. Não existe
no Brasil, creio eu, uma cidade no interior do Maranhão, com tantos jornais como
aqui (LIMA FILHO, 2008).

Como grande parte da classe comerciante é portuguesa, tanto a arquitetura religiosa


como a civil, segue o estilo europeu, a exemplo do que já ocorria na capital, São Luís. As
construções arquitetônicas vão sendo substituídas por outras, mais sólidas, estilizadas em
detalhes e funções, utilizando-se materiais como pedra, ferro e adornos (azulejos), vindos da
Europa.
À medida que a cidade de Caxias se compõe, através das construções arquitetônicas,
junto estava sendo construídos os significados, os sentidos, os símbolos, a história e a
memória dessa sociedade, que vinculada a seu tempo, sedimentava, na memória das futuras
gerações, o refúgio de suas identidades. O patrimônio arquitetônico se enriquece, então,
continuamente, com novos tesouros que não param de ser valorizados e explorados pelos seus
habitantes.
Assim, o patrimônio cultural liga-se às concepções de cada época e a preservação deste
patrimônio depende dos acordos entre a comunidade e o poder público. A valorização do
patrimônio cultural se dá pelo fato de representar a memória dos grupos sociais, pois, sendo
35

palco de experiências individuais e coletivas, as pessoas, ao lembrarem dos fatos ocorridos,


sentem-se pertencentes ao mesmo espaço, assumindo, assim, uma identidade coletiva. Por
isso, a herança cultural de Caxias está presente no patrimônio edificado, constituindo-se este
em “lugar de memória”.
É pelo exposto aqui que o universo desta pesquisa é o centro histórico da cidade de
Caxias. Neste centro, atualmente, encontram-se edificações pertencentes a vários estilos da
arquitetura brasileira: colonial15, neoclássico16, contemporâneo17 e a incorporação de alguns
elementos arquitetônicos diferentes, que resulta numa arquitetura eclética18, o que permite
singularizar a arquitetura em Caxias.
A arquitetura eclética enfoca a função decorativa, com a reutilização do vocabulário
formal de estilos do passado, com presença de elementos de diversas épocas, comumente
adotadas na construção de edifícios públicos e de residências das classes sociais mais
abastadas.
Tipologicamente, essas construções podem ser definidas em morada-inteira, meia-
morada, porta-e-janela e outras variações daí derivadas. O ecletismo arquitetônico pode ser
visto em função da finalidade de novos usos ou em correspondência com o status social da
classe hegemônica caxiense que compõe o centro histórico. Essa área de Caxias compreende
o núcleo inicial da cidade (século XVIII) e espaços adjacentes da expansão urbana (séculos
XIX-XX).
Na leitura sobre a identificação da arquitetura caxiense, verifica-se a existência de
sobrados construídos em estilo colonial no final do século XIX. A arquitetura pode ser
identificada pelo uso de balcões, gradís de ferro nas sacadas, portadas em cantaria, portas e
janelas em forma de verga em arco pleno, com suas ombreiras, saimés e cunhas. Na
composição das fachadas destacam-se as sacadas e grades de ferro batido. Hoje, dois
permanecem edificados, mantendo algumas características originais.

15
Introduzido no Brasil com os colonizadores portugueses, é identificado pelo uso, nas construções, de balcões e
sacadas, portadas, portas e janelas emolduras em relevo, predominando a planta oval, com fachadas de
superfícies ondulantes. Como as construções ficavam alinhadas à rua, por segurança eram geminadas,
configurando um contínuo correr de casas semelhantes. A maior parte das casas era térrea, mas também existiam
os sobrados: edificações de dois pavimentos, sendo a parte inferior utilizada para atividades comerciais
(ALMEIDA, 2001, p. 73).
16
Inserido ao Brasil em fins do século XIX, apresenta uma arquitetura simples e de proporções harmoniosas,
linhas elegantes, efeitos ordenados, lembrando a arquitetura greco-romana. A simetria marcante e composição
perfeitamente equilibrada são traços típicos da arquitetura neoclássica (ALMEIDA, 2001, p. 74).
17
Recorrendo ao emprego das novas técnicas e materiais industriais, como o concreto, o aço laminado e o vidro
em grandes dimensões.
18
Mistura de estilos arquitetônicos para a criação de uma nova linguagem arquitetônica, catgorizando uma
arquitetura pós-moderna, termo genérico para designar uma série de novas propostas arquitetônicas.
36

Figura 3: Fachada do “Palácio Duque


de Caxias” (1890), de residência do Sr.
José Delfino (Foto: Arquivo pessoal de
Rodrigo Bayma).

Figura 4: Hoje, o sobrado está


dividido em pontos comerciais.
Localiza-se à Praça Gonçalves Dias,
Centro (foto: ALMEIDA, 2008).

Este sobrado (figuras 3 e 4), de propriedade de João Lobo, possui as mesmas


características dos velhos sobrados da São Luís colonial/imperial. Reza a tradição oral que o
Coronel Luís Alves de Lima e Silva – o Duque de Caxias –, fez a leitura do Decreto de
Anistia dos envolvidos na Guerra da Balaiada (1838-1841) nesse prédio, onde teria se
hospedado. É o que também enfatiza, em entrevista, a professora Letícia Mesquita.
Naquele edifício hospedavam-se pessoas ilustres que vinham para a cidade, porque
ali funcionava um hotel. Duque de Caxias foi um destes. Quando ele veio para cá
fez muitos amigos [...], e ele sentava ali na porta do edifício, conversando com
outras pessoas. Acabou fazendo muitos amigos aqui, principalmente o pessoal que
era ligado a cultura, os poetas [...]. (MESQUITA, 2009).

De propriedade de Pedro Lobo, o outro sobrado que permanece edificado (figura 5),
localiza-se na Praça da Matriz, foi construído na segunda metade do século XIX, em estilo
colonial, com portadas em cantaria, sacada com gradís de ferro.
37

Figura 5: Fachada do sobrado do centro


histórico de Caxias (Foto: ALMEIDA,
2008).

Outro exemplo significativo do patrimônio edificado de Caxias, lembrado sempre


pelo(as) mais velho(as), era a residência do industrial José Guimarães Júnior, acionista da
Fábrica Manufatura S/A, construída no final do século XIX, na Praça Gonçalves Dias. Essa
construção, a partir da década de 1950, foi transformada, tanto na arquitetura como na
funcionalidade. Antes residência, ao longo do século XX passa a funcionar várias lojas
comerciais. Em 1950, por exemplo, transforma-se numa das maiores lojas de departamentos
da cidade, o “Armazém Caxias”, de propriedade do Comendador Alderico Jefferson da Silva,
onde funcionava, inclusive, a Concessionária Willys, cuja propaganda, segundo jornais da
época, era a de ser “Loja com 32 portas”. João Afonso Barata também traz algumas
recordações dessa loja:
Eu, como balconista na [Loja] Babylônia e no Armazém Caxias, do Alderico Silva,
cortei muito tecido fabricado na [fábrica] Sanharó e na Manufatura Caxiense; o xpto
era um riscado parecido um brim, próprio para fazer calça; e tinha o azulão, que era
um algodãozinho azul, que as mulheres faziam vestidos, toalhas de mesa. Tinha cor
de rosa e vermelho; e tinha o morim branco. Todos os outros tecidos era importado;
a classe pobre e a rural é que usava os tecidos fabricados aqui; mesmo os operários
de Caxias, eles pouco usavam (BARATA, 2008).
38

Hoje, no mesmo local, funciona uma agência bancária (Bradesco), uma loja de
artesanato local, a única que ainda mantém a fachada original, apesar de descaracterizada pelo

Figura 6: Fachada da residência do Coronel José Figura 7: Concessionária Willys, na década de 1950
Guimarães Júnior, final do século XIX (Foto: (Foto: Arquivo pessoal de Rodrigo Bayma).
Arquivo pessoal de Rodrigo Bayma).
uso inadequado de cores, lojas de xérox e papelaria e loja de produtos populares. Pelas
fotografias é possível visualizar estas transformações/atualizações.

Figura 8: Banco Bradesco (Foto: ALMEIDA, 2008). Figura 9: Lojas diversas (Foto: ALMEIDA, 2008).

As figuras 6, 7, 8 e 9 mostram as transformações/atualizações pelas quais passaram, e


estão passando, a antiga construção colonial, que mesmo mantendo, na parte central do
quarteirão características originais do antigo casarão do século XIX, os novos usos que foram
sendo dados ao imóvel.
Saindo da Praça Gonçalves Dias, pode-se entrar na antiga Rua do Cisco, hoje, Benedito
Leite. Logo no início, no nº 721 (figura 10), está situado o casarão que pertenceu a Dr.
Berrêdo, homem influente na cidade. O casarão, construído em 1872, ainda mantém
características da construção original, com algumas alterações na parte exterior (porta de
39

ferro, janelas de vidro); mantém acima da porta principal uma grade de ferro decorada, com
data de construção do imóvel (no detalhe), conforme costume da época; o imóvel possui
espessas paredes de pedras; portadas e janelas apresentando-se em colunas que terminam na
parte superior em um arco de volta perfeita e entablamento, que caracterizam o estilo colonial
no Brasil. Na década de 1920 funcionou como Escola – Grupo Escolar João Lisboa.

Foto 10: Fachada de casas do centro


histórico (Foto: ALMEIDA, 2008).

Ao caminhar por esta rua, encontra-se também um casarão datado do ano de 1901, de
significativo valor arquitetônico (figura 11). O imóvel ostenta sua carcaça desfeita em ruínas,
com perda de paredes e tetos. A única fachada ainda de pé mostra a imponência de outros
tempos. A residência pertenceu a Turíbio Oliveira, de família tradicional em Caxias, no início
do século XX. A fotografia destaca a fachada, com profusa decoração, entablamento reto,
vergas das portas e janelas guarnecidas de moldura (padieira) , como também se pode observar
nos detalhes abaixo.

Foto 11: Fachada de casas do centro histórico


(Foto: ALMEIDA, 2008).
40

Ao passear um pouco mais pelas ruas da cidade, chega-se à Praça do Panteon, onde se
encontra o prédio que sedia, hoje, a Prefeitura Municipal de Caxias. Nas imagens (figuras 12
e 13) podem ser visualizadas a construção em estilo colonial, em dois momentos.

Foto 12: Presídio da cidade,


construído em 1920, na década
de 1950 passou a sediar o
mercado central (Foto: Arquivo
pessoal de Rodrigo Bayma).

Foto 13: Atualmente, o prédio sedia a


Prefeitura de Caxias (Foto: ALMEIDA,
2008).

O prédio (figuras 12 e 13) conserva a estrutura original. A construção é um exemplo da


atribuição de novos usos para o imóvel. Construído para ser o presídio da cidade, em 1920,
posteriormente abriga o mercado público e, já na década de 1990, é adaptado à funcionalidade
do Executivo local.
A tradição de revestir as fachadas em azulejos também é originária da capital
maranhense. Segundo Dora Alcântara, esta tradição foi introduzida em São Luís a partir de
1850, sendo a inovação arquitetônica mais interessante na época (ALCÂNTARA, 1980).
Revestir as fachadas dos prédios com azulejos atendia às condições climáticas da região que,
pela sua posição geográfica, apresenta um clima com características muito quente durante o
41

verão, que os moradores chamam de “sol escaldante”, e muita chuva no inverno. Tal inovação
expandiu-se até Caxias, onde construções residenciais passaram a ter as fachadas revestidas
em azulejos vindos de Portugal, utilizados como proteção e embelezamento das fachadas do
casario colonial, como os casarões ilustrados a seguir:

Figura 15: Fachada da residência da família


Figura 14: Fachada da residência da família Simão,
Campelo de Menezes Marinho, situada na Praça
localizada à Rua Benedito Leite, nº 10 – Centro.
Rui Barbosa, nº 839 – Centro. Construída em 1848,
Construída em 1851, recebeu revestimento de azulejo
recebeu revestimento em azulejo por volta de 1871
entre 1872 e 1877 (Foto: ALMEIDA, 2008).
(Foto: ALMEIDA, 2008).

Figura 16: Fachada da residência da família Silveira. Construída em 1873, quando recebeu
revestimento de azulejo português (Foto: ALMEIDA, 2008).

Os casarões coloniais revestidos em azulejos (figuras 14, 15 e 16) representam a


ascensão social de uma classe que interagiu na cidade, ao alcançar notoriedade econômica e
social. Seus elementos construtivos, definidores da paisagem urbana de Caxias foram, na sua
42

maioria, trazidos de Portugal. Esses casarões ainda permanecem na mesma família, que
procuram preservar a fachada; já o interior dessas residências sofreu algumas atualizações.
Assim, como em São Luís, Caxias possuiu vários casarões com mirantes, mas, ao longo
do tempo, foram sendo destruídos, é o que afirma Arthur Almada Lima Filho: “[...] tinha uma
casa com mirante, do prefeito Vilanova, de 1921 a 1923, ali no Largo do Poço” (figuras 17 e
18), hoje Praça Gonçalves Dias. E, ainda segundo o entrevistado, “tinha uma casa também
muito interessante do Nafitali Carvalho [...]; lá tinha um mirantizinho, baixinho, mas tinha um
sobradinho, e lá com meus primos a gente brincava” (LIMA FILHO, 2008).
Quando convidados a (re)visitar o passado, através de suas memórias, constata-se que
os mirantes também eram vistos como lugares para bisbilhotar a vida alheia. Assim, no
depoimento de Luís Domingues Oliveira, o fato se confirma: “os mirantes eram chamados de
alcoviteiro [...], porque de lá dava pra ver tudo o que estava acontecendo na cidade [...], quem
estava namorando, quem ia passando, quem estava na porta” (OLIVEIRA[A], 2001).

Figura 17: Fachada da residência


da família Vilanova, construída
no final do século XIX (Foto:
Arquivo pessoal de Rodrigo
Bayma).

Figura 18: Fachada da mesma


residência, sem o mirante (Foto:
ALMEIDA, 2008).
43

A fachada do casarão da família do Coronel Francisco Vilanova, situado à Rua Afonso


Pena, Centro (figuras 17 e 18), é um singular exemplo das descaracterizações pelas quais o
centro histórico de Caxias passa. Hoje, a antiga construção foi transformada em pontos
comerciais, e, para estas transformações, foram feitas as alterações. O interior da residência,
porém, mantém a mesma estrutura, as paredes excessivamente espessas, em pedras e taipa,
além da manutenção da escada que dava acesso ao mirante.
Os danos ao patrimônio edificado no centro histórico de Caxias são os mais diversos,
indo do calor ou da umidade ao não-uso; pode ser notado, também, através da poluição visual,
quer seja no uso de cores inadequadas (cores berrantes), placas de propagandas e de
sinalização (figura 19 e 20), onde, ao transformarem os sobrados/casas em pontos comerciais,
não é respeitada a arquitetura original.

Figuras 19 e 20: Edificações do centro histórico (Fonte: ALMEIDA, 2008).

Mas é bom ressaltar que tais descaracterizações podem ocorrer por fatores diversos,
como os proprietários argumentam, sendo um deles a falta de recursos financeiros, devido ao
elevado custo para restaurar os imóveis; contudo, isso termina por destruir importantes
monumentos históricos do patrimônio arquitetônico caxiense.
Um dos cartões-postais da cidade é a Fábrica da Companhia Têxtil Caxiense (figuras 21
e 22). Em estilo neoclássico, caracteriza-se pela simplicidade e proporções harmônicas, linhas
elegantes, colunas e colunatas, que lembram as ordens greco-romanas, principalmente na
composição dos elementos de fachada, como platibandas, frontões isósceles, que podem ser
observados também em algumas construções de caráter civil que compõem o centro histórico.
O interior, com grandes espaços, é próprio da atividade industrial, símbolo de uma nova
ordem econômica na cidade.
44

Figura 21: Fachada da Companhia Têxtil Caxiense, inaugurada em 1889, localizado na Praça
do Panteon, fotografada em 1940 (Foto: Arquivo pessoal de Rodrigo Bayma).

Figura 22: Hoje, Centro de Cultura José Sarney, funcionam várias secretarias da administração
municipal (Foto: ALMEIDA, 2008).

Nestas imagens (figuras 21 e 22) é possível visualizar os detalhes da edificação. Elas


são ilustrativas de construção existente no centro histórico em que foi mantida as
características originais, inclusive a estrutura em aço, importada da Inglaterra. Os
proprietários eram Antonio Joaquim Ferreira Guimarães, Francisco Dias Carneiro e Manuel
Correia Bayma Lago. Sob a denominação de Companhia Manufatura Gonçalves Dias S. A.,
foi o primeiro tombamento isolado ocorrido na cidade, pelo Departamento do Patrimônio
45

Histórico, Artístico e Paisagístico do Maranhão – Dphap/MA –, sob o Decreto nº 7.660, de 23


de junho de 1980, e inscrito no Livro de Tombo em 15 de outubro de 1980. A história desse
edifício é longa, atravessa mais de um século e consolida o caráter industrial da cidade em
fins do século XIX.
O estilo neoclássico pode ser também observado nas residências domésticas e em
instituições religiosas, como nas ilustrações abaixo.

Figura 23: Fachada principal de residência localizada no centro histórico de Caxias


(Foto: ALMEIDA, 2008).

Figura 24: Fachada do Palácio Episcopal, construído em 1944 (Foto: ALMEIDA, 2008)
46

Nas figuras (23 e 24) são apresentadas fachadas em estilo neoclássico. Na residência,
identificando, por exemplo, que ali residia um industrial, a partir da existência do detalhe de
uma “rede” na parte do frontão isóscele. No Palácio Episcopal, podendo ser identificado pelo
uso colunas, colunatas, janelas em dois estilos diferentes.
Na identificação e caracterização dos estilos do patrimônio edificado de Caxias também
foi possível notar, em parte das construções, uma arquitetura eclética, ou seja, a mistura de
vários estilos na mesma construção, como pode ser visualizada nas imagens abaixo:

Figura 25: Portas e janelas identificadas como estilo gótico pelo uso do arco em ogiva; neoclássico pelo
entablamento, onde não é possível visualizar o teto do chão (Foto: ALMEIDA, 2008).

De um lado, o resultado do ecletismo do patrimônio edificado da cidade (figura 25),


singulariza a arquitetura, principalmente a residencial, à medida que, em algumas construções,
os estilos se interpenetram, dificultando a afirmação da predominância de um estilo sobre o
outro. Por outro, a interpenetração de estilos é o que particulariza o estilo da arquitetura da
cidade, identificador do personalismo e da ostentação vaidosa de soluções imaginativas e
criadoras, o que faz com que se reconheça a arquitetura caxiense dentre as demais.

Figura 26: Fachada do casario do centro histórico de Caxias (Foto: ALMEIDA,


2008).
47

Figuras 27 e 28: Fachadas do casario do centro histórico de Caxias (Foto: ALMEIDA, 2008).

Assim, nota-se (figuras 26, 27 e 28) que as fachadas não variam muito, constituindo-se
por linhas retas; tipologicamente definidas como morada-inteira, ou seja, uma porta central e,
de cada lado desta, uma ou duas janelas, em perfeita simetria e proporção.
Já na arquitetura religiosa, identifica-se características de várias fases do barroco 19. As
Igrejas de Nossa Senhora da Conceição e São José e a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos
Pretos são caracterizadas como sendo da primeira fase: frontispício com frontões curvos,
torres em seção quadrada, cúpula de alvenaria com formas diversas, entablamento reto, com
um encurvamento em semicírculo no meio, parte central triangular e sineira na capela ao lado.

Figuras 29 e 30: Igreja de Nossa Senhora da Conceição e São José


(Fotos de 1908 – Arquivo público – e 2008 – ALMEIDA –,
19
Estilo que surgiu no final do século XVI,respectivamente).
na Europa, em grande parte resultante dos conflitos que estavam
ocorrendo no seio da Igreja, entre católicos e protestantes. Visavam a criação de um estilo artístico que
resgatasse o poder da Igreja Católica, por isso mesmo utilizada para emocionar e segurar os fiéis no catolicismo.
Caracteriza-se pela exuberância e por uma estrutura formal e minuciosa, ornamentação rebuscada, com o
emprego da coluna sinuosa e da projeção tridimensional de planos côncavos e convexos. A arquitetura possui
um ar de teatralidade, prevalecendo a superposição de planos e volumes, cujo recurso tende a criar efeitos
visuais de impacto, tanto nas fachadas quanto no desenho dos interiores (ALMEIDA, 2001).
48

A Capela dedicada a São José (Figuras 29 e 30) foi construída na primeira metade do
século XVIII, pelos colonizadores portugueses. Constituía-se numa capela de edificação
simples: capela-mor, sacristia, arco cruzeiro, nave e coro; na parte externa observa-se um
frontispício simples, compondo uma fachada sem torres sineiras. Em 1835, foi elevada a
condição de Igreja Matriz, passando por algumas reformas, com as características
arquitetônicas de hoje. Está situada na Praça Cândido Mendes, centro, em construção maciça
de pedra e cal, paredes excessivamente grossas, de uma só torre.
A construção da Capela do Rosário (figuras 31 e 32) foi iniciada em 1772, em pedra,
rebocada de cal e coberta de palha. Com o conflito armado na cidade, em 1839, quando da
Guerra da Balaiada (1838-41), foi ocupada pelos balaios, que instalaram nela um posto de
abastecimento, ocasionando alguns danos à edificação. A partir de 1840 a Capela passa por
processo de reforma, momento em que foi feita a reforma do frontispício, cobertura, altar-mor
e laterais, como se apresenta hoje.

Figuras 31 e 32: Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos (1908 – Arquivo público – e 2008 – ALMEIDA
–, respectivamente).

No segundo momento, o estilo recebe influência do Barroco romeno, e as construções


tornam-se mais complexas, com frontispícios em forma livre e ondulante, o frontão se abre, o
partido típico de três aberturas persiste: o triângulo com vértice para baixo, além de ganhar
duas torres, como pode ser observado na Igreja de São Benedito (figura 33) e na Catedral de
Nossa Senhora dos Remédios (figura 34).
49

Figura 33: Igreja de São Benedito (Foto: ALMEIDA, 2008).

Figura 32: Igreja de São Benedito (Foto: ALMEIDA, 2008).

Figura 34: Igreja de Catedral de Nossa Senhora dos Remédios (Foto: ALMEIDA,
2008).

A Catedral de Nossa Senhora dos Remédios (Figura 34) domina importante vista da
cidade. Localizada na Praça Magalhães de Almeida, a Igreja foi construída em 20 de outubro
de 1817, em terreno elevado, próximo ao Morro do Alecrim. Como as demais, o frontispício
tem forma quadrangular, torres quadradas, frontão se abrindo, sugerindo movimento, sineiras,
janelas e porta ornadas em perfeita simetria, envasadura circular.
Alguns episódios da história de Caxias estão ligados ao patrimônio edificado. Destaca-
se, por exemplo, o episódio da Guerra da Balaiada: a Igreja de São Benedito teria servido de
abrigo para parte da população; a Igreja de Nossa Senhora de Nazaré dos Pretos foi
transformada em Mercado da Intendência dos insurretos. Já a Igreja de Nossa Senhora dos
50

Remédios serviu como depósito de artigos bélicos aos legalistas, sendo depois tomada pelos
balaios. No movimento pelo reconhecimento de Caxias à independência do Brasil, foi na
Igreja Nossa Senhora da Conceição e São José (Matriz) que o Major João José da Cunha Fidié
assinou sua rendição.
Assim, o patrimônio edificado de Caxias é um testemunho marcante da arte de saber
fazer, que determinaram o processo de urbanização da cidade e, conseqüentemente, da
concentração de riquezas proporcionadas pelo ciclo de exportação do algodão e da instalação
de manufaturas.
A carga histórica do lugar é sabiamente usada pelo poder municipal como instrumento
eficaz de desenvolvimento local. Vários folhetos/guias são editados, apostando, sobretudo, no
registro fotográfico que tira partido não só das belezas arquitetônicas, mas também das figuras
populares que conferem a este centro histórico uma “identidade própria”, ao contribuir para
gerar uma imagem de marca, elemento fundamental para a visualização de Caxias no mundo.
Os guias turísticos podem dar uma dimensão geral da cidade. No entanto, eles têm
como objetivo apresentar a cidade de Caxias para os(as) visitantes. Por isso, acredita-se tratar
de uma fonte privilegiada, pois através deles é possível compreender que cidade se quer
apresentar para os(as) visitantes, que bairros, que tradições devem ser apresentadas às visitas.
Dos itens que compõem o Guia Turístico de Caxias, editado pelo governo municipal
(2005-2008), distribuído gratuitamente a quaisquer interessados, estão as igrejas seculares,
construídas nos séculos XVIII e XIX: Igreja da Matriz de Nossa Senhora da Conceição e São
José, localizada na área central da Praça Cândido Mendes; Igreja de São Benedito, localizada
na Praça Vespasiano Ramos; Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, na Praça Rui
Barbosa; Igreja de Nossa Senhora de Nazaré, localizada no antigo largo de Nazaré, à margem
esquerda do Rio Itapecuru e Igreja da Catedral Nossa Senhora dos Remédios, na Praça
Magalhães de Almeida.
Os outros itens se dividem por monumentos, assim classificados: casario, praças,
cultura, balneários e culinária, procurando dar uma visão de conjunto em que se ignora, de
forma explícita, novas áreas urbanas ou marcas de desenvolvimento tecnológico.
Os folhetos – na medida em que se arrogam a traduzir Caxias para os(as) visitantes,
revestindo de verdade suas descrições com dados históricos, topográficos e culturais –
compõem uma identidade para a cidade, e, através dela, ao Maranhão. Dessa forma, na sua
função de propaganda, faz uma mediação entre os turistas e os(as) moradores(as), tornando
triangular esta relação, ou seja, nesta função a propaganda atua nessas relações. A passagem
51

seguinte, extraída do Guia Turístico de Caxias, é um exemplo de como as imagens sobre uma
identidade caxiense nos folhetos, também articulam as relações entre turistas e locais:
‘Minha terra tem palmeiras [...]’. O canto do nosso poeta maior encanta os amantes da
vida. Ao chegar em Caxias você perceberá melhor o significado das palavras do nosso
Gonçalves Dias. A poesia e a literatura pulsam nas veias de nossa gente. Mas Caxias
é muito mais que poesia. É realidade. É encanto. É natureza. É progresso social.
Caxias é vida. É alegria. A alegria que sentimos ao recebê-lo em nossa terra. Terra de
poetas e guerreiros, de grandes vultos literários e políticos do Maranhão e do Brasil.
[...]. o cenário que se descortinará à sua frente é um mosaico de história, cultura,
letras e um patrimônio arquitetônico-paisagístico-artístico incomum (Guia Turístico
de Caxias, 2005, p. 2).

Nessa passagem, além de ser destacada a categoria poética para compor uma identidade
caxiense, relacionando-a com a personalidade do seu poeta maior, Gonçalves Dias, “Minha
terra tem palmeiras, onde canta o sabiá, as aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá” são
introduzidos novos atributos, novas qualidades para a cidade e seus habitantes como um
caráter, um modo de ser, uma alma específica. Os adjetivos e substantivos que dão
significados para a cidade – encanto, natureza, progresso social, vida, alegria, história, cultura,
letras, poetas e guerreiros, patrimônio arquitetônico, paisagístico e artístico – parecem
(re)apresentar as qualidades estudadas acima, como se fosse um núcleo aglutinador da
composição de uma cultura caxiense nesses folhetos, aqui denominada caxiensidade,
terminologia emprestada dos folhetos do Estado, que fala da maranhensidade que, em outras
palavras, nada mais é do que os habitantes se assumirem como verdadeiros caxienses, com as
suas caras autênticas, onde resplandecem as conquistas em vastos segmentos culturais, em
especial, no que vem de suas raízes históricas.
Numa leitura atenta a esse folheto, nota-se que a apresentação da cidade traz como
elementos principais, as fachadas de casarões em estilo colonial, as igrejas seculares no estilo
barroco, a fábrica têxtil, em estilo neoclássico, praças, comidas típicas, balneários, que se
repetem na estrutura ilustrativa do folheto. Esta relação entre a cidade e o seu casario colonial
é reforçada pela editoração do folheto, que enfocam detalhes característicos da arquitetura
colonial de Caxias, azulejos, portas e janelas, intercaladas aos textos. A predominância da
arquitetura como detalhe ilustrativo coaduna-se com uma configuração de cultura que
exprime a identidade caxiense e (inter)media sua experiência, ao pretender se apresentar como
cidade culta, literária, histórica.
De fato, no folheto, com a presença da fachada da Academia Caxiense de Letras, as
produções eruditas locais aparecem como composição na qual arquitetura e literatura são
entrelaçadas nos nomes poéticos das ruas e praças, ou em homenagem aos literatos caxienses
52

de renome nacional; e nos detalhes arquitetônicos: azulejos, pedras de cantaria, telhados,


sacadas em ferro.
A aproximação entre arquitetura e literatura parece conferir concretude simbólica a um
atributo recorrente nos folhetos: a inteligência do povo caxiense. Desta forma, símbolos
culturais são apresentados como especifico modo de ser – a caxiensidade. Na operação de
delinear um caráter para eles, essa inteligência seria demonstrada por uma produção literária
erudita reconhecida nacionalmente, a exemplo do poeta Gonçalves Dias.
Enquanto que a fruição da história, através dos monumentos, é uma prática de pelo
menos dois séculos, a fruição da atmosfera – cidade histórica, urbana e, necessariamente
popular – proposta no Guia, é um conceito que surgiu nas sociedades modernas ocidentais. Ao
alargar a noção de patrimônio a uma concepção antropológica, passa-se a considerar os
imóveis e os objetos como conjuntos, cuja integridade também é objeto de conservação.
Nessa perspectiva, os patrimônios culturais são os objetos e os conjuntos de objetos ligados a
uma atividade humana e ao edifício que lhe dá abrigo.
Assim, o que se pretende investigar é que significados e sentidos esse patrimônio
cultural têm para os(as) cidadãos(ãs) caxienses; se estes são vistos como “lugares de
memória”; se esse patrimônio consegue interpelar seus(suas) moradores(as). A investigação
aqui proposta está ligada à presença marcante, em Caxias, de um rico acervo patrimonial
representado, predominantemente, por suas edificações históricas: igrejas seculares, sobrados,
casas azulejadas, fábricas têxteis.
Por isso, os bens imóveis tombados de Caxias podem ser considerados ao mesmo
tempo objeto e espaço dessa relação, já que são lugares de memória, como definiu Pierre Nora
em seu texto “Entre memória e história: a problemática dos lugares”, no qual distingue dois
tipos de memória: uma tradicional (imediata) e uma memória transformada por sua passagem
em história. “À medida que desaparece a memória tradicional, nós nos sentimos obrigados a
acumular religiosamente vestígios, testemunhos, documentos, imagens, discursos, sinais
visíveis do que foi” (NORA, 1993, p. 15).
Segundo o autor, esses “lugares de memória” existem no sentido material, funcional e
simbólico, ou seja, têm materialidade e tangibilidade, têm uma função de soldar o coletivo e
também operam no âmbito do simbólico. Eles são entendidos como “museus, arquivos,
cemitérios e coleções, festas, aniversários, tratados, processos verbais, monumentos,
santuários, associações” (NORA, 1993, p. 15). Os lugares de memória nascem e vivem do
sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso
53

manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas e


tratados.
Ao tomar os monumentos históricos representados pelas edificações como foco de um
olhar sobre a cidade, pretende-se buscar nos movimentos em que se inserem seus(as)
cidadãos(ãs), nas maneiras como vivenciam esse espaço urbano singular, agem e são afetados
pelo mesmo, as implicações inerentes a esta presença do patrimônio no planejamento urbano
local. Nessa perspectiva, o espaço urbano é lugar de embates em torno de interesses diversos
dos distintos grupos que nele atuam predominando aqueles, claramente, ligados aos
movimentos do capital em sua busca de novas formas para garantir a sua acumulação.
As discussões sobre a preservação do patrimônio cultural caxiense, em especial o
edificado, ocorre em função das ameaças crescentes pelas quais este passa(va), surgindo, não
fugindo à regra do que já ocorria em termos nacional e regional, de um grupo de intelectuais –
os “guardiões da memória” (FONSECA, 2005), que começou a discutir a “caxiensidade”
cultural da cidade, levando ao governo municipal a proposta de tombamento para o centro
histórico.
Caxias, historicamente, tem um discurso de auto-convencimento e auto-celebração:
“terra das palmeiras”, “terra de Gonçalves Dias”, “palco da Guerra da Balaiada”, “Princesa do
Sertão”. Este conjunto de qualidades intrínsecas/extrínsecas usados para definir a cidade e
seus moradores e moradoras, chama a atenção ao indicar que há múltiplas relações entre os
significados e o patrimônio edificado. Tais qualidades projetaram a produção literária
maranhense em nível nacional. Por sua vez, requer também ler se estes conteúdos são
repetidos, enfatizados ou negados pela camada menos abastada da cidade, os quais ocupam
um lugar de menor destaque na configuração cultural, composta por elementos distintos,
afirmados por diferentes grupos no cenário cultural da cidade, para exprimir uma identidade
caxiense atualmente.
Assim, a área classificada pela 3ª Superintendência do Estado do Maranhão, órgão
estadual subordinado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan –
como centro histórico de Caxias compreende o núcleo inicial originador da cidade (início do
século XVIII), bem como os espaços adjacentes da expansão urbana, ocorrido a partir do final
do século XIX, conforme o Decreto nº 11.681, de 29 de novembro de 1990, em conformidade
com a Lei Estadual nº 3.999, de 06 de dezembro de 1978, publicado no Diário Oficial do dia
30 de novembro de 1990, como mostra o mapa dos limites de tombamento.
54

Figura 35: Mapa dos limites de tombamento do Centro Histórico de Caxias-MA. Ilustração: Joana Batista.

O mapa (Figura 35) mostra a área que foi efetuado o tombamento do centro histórico,
arquitetônico e área paisagística do município de Caxias. Nessa lei, definiu-se como limites:
Centro Histórico
Inicia-se na interseção do Rio Itapecuru com a Rua Porto das Pedras, seguindo por
esta e incluindo o casario do lado direito até encontrar a Rua Conselheiro Furtado.
Dobra-se à direita e, incluindo o casario do lado direito, segue-se pelas Ruas do
Cotovelo e 13 de Maio, alcançando a Praça Magalhães de Almeida. Incluindo o
casario do lado direito da Praça, sobe o Morro do Alecrim, contornando as ruínas do
Forte e o Monumento ao Duque de Caxias. Neste ponto, desce a encosta à esquerda
do morro até o cruzamento das Ruas Aarão Reis e Bom Jesus dos Passos, seguindo
por esta até a Rua Dr. Berrêdo onde dobra-se à esquerda e, incluindo o casario do
lado direito, segue-se até à esquina da Rua dos Grades. Dobra-se à direita, seguindo
pela Rua dos Frades até seu cruzamento com a Praça do Cemitério dos Remédios,
subindo por esta e incluindo seu casario do lado direito, contornando o Cemitério
dos Remédios descendo pela mesma Praça do Cemitério dos Remédios até a Praça
São Sebastião. Dobra-se à direita e, incluindo o casario do lado direito, segue-se
pela Rua da Tangerina, cruzando a Rua Nossa Senhora de Fátima, contornando a
Praça Dom Marelim e o Cemitério São Benedito. Retornando pela Av. Santos
Dumont até a Rua da Independência onde dobra à direita e, incluindo o casario do
lado direito, segue-se até a esquina da Rua Siqueira Campos onde dobra-se à direita
e segue-se até contornar a Capela de São Francisco e a Praça que lhe fica em frente.
Retorna-se pela mesma Rua Siqueira Campos até a Rua Libânio Lobo, seguindo-se
por esta até a esquina da Rua Agostinho Reis onde dobra-se à direita, continuando
por esta e cruzando a Av. Getúlio Vargas, contornando o Mercado Central até a
linha da Estrada de Ferro, acompanhando-a até encontrar o Rio Itapecuru.
Morro Santo Antonio
Compreende a Capela Santo Antonio no bairro Ponte, edificada no topo do Morro
do mesmo nome, as encostas e escadaria existentes que dão acesso ao templo.
55

Fábrica Francastro
Compreende a edificação original sede da Fábrica do mesmo nome, localizada no
Bairro Ponte.
Balneário Hidromineral
Área paisagística composta por fonte de água mineral sulfurosa, lago que contém
lama negra com propriedades medicinais e extensa reserva florestal, totalizando 40
hectares.
(Decreto de Tombamento Nº 11.681/90).

Assim, o centro histórico de Caxias concentra uma significativa quantidade de


elementos arquitetônicos sobreviventes, dado o seu caráter singular, isto é, construções em
que a melhor qualidade dos materiais utilizados lhes permitiu resistir às intempéries – da
natureza e do homem. Contudo, é bom deixar registrado, que essas edificações foram
alteradas, pois ao longo dos séculos introduziram-se modificações de acordo com
conveniências pessoais, interpretações e utilizações mais racionais, ao melhorar o que estava
“velho” e introduzir novidades, como novos materiais, cores e formas.
Mas, o que se tem em mente é que esse patrimônio edificado são restos de um passado
que teimam em permanecer de pé para o deslumbramento cotidiano de seus habitantes e/ou
visitantes. Constituem-se numa valorização e reconstituição histórica, monumentos, imóveis
de vários tipos, ruas e quaisquer outros espaços públicos onde as pessoas cotidianamente se
movem, transporta consigo dinâmicas sócio-temporais diversas, materialidade de modelos
culturais, relações sociais e estilos de vida.
Desse modo, pretendeu-se, neste capítulo, mostrar que Caxias possui um patrimônio
arquitetônico bastante expressivo, mas que, como cidade histórica, vive o tormento da
descaracterização, destruição e/ou atualização deste patrimônio, seja na (quase) completa
retirada dos detalhes que caracterizam o edifício, seja no uso inadequado das cores, seja no
uso de placas sinalizadoras e de propagandas e publicidades que escondem, poluem as
fachadas e comprometem o visual do patrimônio.
Caxias, que durante muito tempo foi considerada uma das cidades mais importantes do
Maranhão, tanto no que se refere ao desenvolvimento econômico, quanto pelas manifestações
culturais, parece viver hoje um período de abandono à sua tradição histórica e isso está
relacionado diretamente à memória e identidade da cidade.
Dificilmente os patrimônios edificados serão mantidos sem projetos de intervenções
físicas. Contudo, em cidades históricas, os projetos de preservação devem procurar manter as
características das cidades, suas informações e significados como herança cultural, porém,
devem abrir caminho para inserção do patrimônio na teia das relações atuais. Ou seja, não
resta dúvida das mudanças, das transformações ocorridas, bem como da necessidade delas.
Em entrevista, o caxiense Luís Pereira da Silva, fala da importância da preservação:
56

As mudanças são importantes, mas o passado e o presente devem caminhar juntos. A


gente vê muita coisa sendo destruída, por isso devemos conservar, mas construir
também, por que senão vamos ficar sem história (SILVA[A], 2008).

Seria bom, portanto, que a relação passado/presente tivesse significados, sentidos, que
fossem preservados, na perspectiva de que poderão possibilitar aos cidadãos e cidadãs
caxienses compreenderem a importância dos acontecimentos passados e, a partir daí,
reelaborar e refletir sobre a necessidade ou não de preservá-lo, bem como que novos usos
podem ser atribuídos ao patrimônio.
Com as informações acima expostas, procurou-se fazer a caracterização da cidade de
Caxias, abordando os aspectos políticos, econômicos, históricos e culturais relativos à
fundação e expansão de Caxias, fatores que se refletiram e ainda influenciam na configuração
espacial da cidade. Trazer esses dados à tona permite a identificação do patrimônio
construído, bem como os valores subjacentes a esse patrimônio erigidos nos séculos XIX e
XX.
Constata-se que o interesse da elite dessa época, formada por industriais e
comerciantes, é estruturar a cidade, tornando-a compatível com o desenvolvimento
econômico, sendo uma das ferramentas utilizadas a edificação de residências imponentes em
estilo colonial, neoclássico e eclético.
Investigar o contexto social, econômico e histórico é o primeiro passo para o estudo do
universo em que se elaboram, se difundem e se reproduzem os sentidos e significados sociais
do patrimônio edificado de Caxias.
Buscando acrescentar elementos do debate sobre a apreensão desse patrimônio cultural,
o capítulo seguinte aborda a expansão do conceito de patrimônio ao longo do tempo, bem
como as categorias memória e identidades, a partir da perspectiva dos valores históricos
associados aos bens patrimoniais, com enfoque nos sentidos e significados atribuídos ao
patrimônio edificado.
57

Igreja de Nossa Senhora da Conceição e São José (Matriz)


(Ilustradora: Joana Batista, 2009)

Casa da família Vilanova (Ilustradora: Joana Batista, 2009)

CAPÍTULO II
A PERTINÊNCIA DOS CONCEITOS: do
patrimônio histórico ao cultural
A palavra patrimônio talvez seja das lembranças mais antigas da minha vida.
Era como se fosse, senão uma pessoa. Certamente uma coisa viva, íntima e
querida, um pouco parte da família. Passado, lá em casa, nunca teve cheiro
de mofo, nunca foi visto como coisa pretérita, mas como o “moderno” de sua
época.
Maria Elisa Costa
58

2 A PERTINÊNCIA DOS CONCEITOS: do patrimônio histórico ao cultural

Neste capítulo, aborda-se as categorias utilizadas para o entendimento de patrimônio


como lugar de memória: patrimônio, cultura, identidade e memória, a partir dos aportes
teóricos de Pierre Nora, Françoise Choay, Maria Cecília Londres Fonseca, José Reginaldo
Gonçalves, dentre outros.
O capítulo é composto de quatro itens: o patrimônio como elemento sociocultural,
patrimônio e memória, os usos sociais do passado: a sagração do patrimônio e políticas de
preservação no Brasil.
No primeiro, em que se discute as categorias lugares de memória, patrimônio histórico-
cultural, traz como enfoque principal como o conceito patrimônio, ao longo dos anos, ganha
amplitude e torna-se mais abrangente, suscitando, desse modo, novas questões no que tange à
sua preservação e seu entendimento, tratando de sua abrangência ampla e sua importância
para o processo de identidade local
Originalmente visto como “herança do pai”, no direito romano antigo era percebido
como um complexo de bens com algum valor econômico, objeto de apropriação privada, e na
modernidade, presencia-se uma verdadeira explosão do conceito, que passa de uma
formulação restrita e delimitada à uma concepção contemporânea tão ampla que tende a
abranger a gestão do espaço como um todo.
O conceito de patrimônio vem sofrendo reformulações desde as suas concepções
iniciais. Com o acréscimo do termo histórico, a expressão adquiriu outras conotações que
foram se modificando ao longo do tempo. Antes de abordar sua conceituação atual, convém
mostrar o surgimento do conceito de patrimônio histórico e da construção do seu sentido,
ressaltando que o foco principal deste trabalho, embora seja o patrimônio histórico material
representado pelas edificações, estende-o à concepção do patrimônio imaterial, por se
entender que além da pedra e cal existe o fazer humano de quem o construiu.
Hoje, a categoria está associada à diversos adjetivos: histórico, arquitetônico,
arqueológico, natural, entre outros, com o intuito de qualificá-lo ou melhor descrevê-lo. Na
atualidade, predomina o uso do termo patrimônio cultural porque ela engloba essas dimensões
anteriores. No entanto, apesar de essas adjetivações terem feito dele um conceito “nômade”,
ele continua a remeter à idéia de construção social e de herança, ou seja, algo do passado que
permanece até a atualidade, revelando algumas facetas das sociedades.
A discussão, no segundo item, gira em torno das categorias patrimônio e memória, ou
seja, da construção e dos usos do patrimônio e da memória que se dão de acordo com as
59

apropriações de cada sujeito ou grupo social. Um bem que é considerado patrimônio de um


grupo hoje, possui significados diferentes para cada integrante do grupo, para outros sujeitos e
em outros tempos. Em cada tempo e em cada momento, os significados e os usos serão
diferenciados de acordo com a vivência, os contextos e a posição na sociedade.
Em os usos sociais do passado: a sagração do patrimônio, procura-se mostrar como o
despertar das políticas preservacionistas surgem na França, a partir dos embates
revolucionários provocados pela Revolução Francesa, em que procuraram preservar o
patrimônio histórico, representado pelos monumentos significativos do “povo” francês.
E, no quatro item, as discussões sobre as políticas de preservação no Brasil, em que o
enfoque é sobre a trajetória e a implementação das políticas patrimoniais no Brasil, bem como
essa discussão vai chegando ao Maranhão e em Caxias; busca verificar também as matrizes
intelectuais que orientaram os critérios de seleção para tombamento e uso do patrimônio
edificado, em diferentes esferas políticas e espaços geográficos do país, assim como suas
variações no tempo, atentando-se especialmente para a historicidade do caráter político-
ideológico presente nos critérios seletivos que norteiam inventários e tombamentos.
A partir da literatura existente, busca-se entrecortá-la com as falas dos moradores e
moradoras sobre o patrimônio histórico-cultural de Caxias.

2.1 O Patrimônio como elemento sociocultural

Numa época em que as constantes transformações da sociedade ameaçam o


desaparecimento das referências que possam garantir a identidade cultural de uma civilização,
suscitam-se dúvidas quanto à forma de atuar sobre a herança cultural das sociedades. Por isso,
a preservação do patrimônio cultural (material ou imaterial) vem ganhando espaço e se
destacando como assunto relevante, sobretudo a partir das últimas décadas do século passado.
Embasadas em políticas públicas, existe hoje a preocupação em “preservar”,
“revitalizar” e/ou “restaurar” as áreas onde estão localizados bens arquitetônicos em estado de
degradação. Isto pelo fato de alguns segmentos da sociedade passarem a ver estes bens,
segundo Pierre Nora, como “lugares de memória” (NORA, 1993).
A expressão “lugares de memória” foi criada pelo historiador francês Pierre Nora, ao
analisar o processo de constituição da memória da República francesa; esses “lugares de
memória” seriam espaços criados pelos indivíduos contemporâneos, diante da crise dos
paradigmas modernos. O conceito apresentado por esse historiador visa articular a idéia de
patrimônio como preservador de uma memória coletiva e um espaço veiculador, cuja
60

categoria seria representada por espaços materiais que possibilitariam essa proteção. Na pós-
modernidade, verifica-se que há, cada vez mais, uma demanda por fundar “lugares de
memória”, para imortalizar o passado, impedindo seu esquecimento.
Em 2001, Françoise Choay escreve que o patrimônio histórico se tornou a palavra-
condição midiática, sendo o seu culto revelador do estado de uma sociedade e das questões
que se lhe colocam. A mídia é um dos artifícios empregados para a preservação dos bens
culturais, na medida em que se observa que as memórias são influenciadas pela organização
social de transmissão e os diferentes meios de comunicação utilizados.
De fato, ao longo das últimas décadas do século XX, verifica-se um mundo que tem
dedicado grande atenção aos chamados patrimônios culturais. São patrimônios históricos
edificados, socioculturais, artísticos, lingüísticos e humanos, que encontram expressões
diversas nas cidades de hoje. Enunciadores de modos de viver, passados e atuais que, no seu
conjunto, constituem a memória social, estes patrimônios, tanto os tangíveis como os
intangíveis, revelam as identidades, os significados, os “lugares de memória”, para lembrar
mais uma vez a expressão de Pierre Nora (NORA, 1993), pelo fato de que a experiência
proporcionada pelos lugares de memória está vinculada a uma importante busca do ser
humano: o entendimento de si mesmo.
Isso porque do lugar em que se vive, espera-se mais do que simples situações
favoráveis à saúde, recursos para fazer funcionar a máquina econômica e tudo o que
signifique boas condições ecológicas. Em outras palavras, o que se quer experimentar são as
satisfações sensoriais, emocionais e espirituais que somente podem ser conseguidas mediante
uma interação íntima, uma real identificação com os lugares onde se vive. Essa interação e
identificação geram o espírito do lugar.
É a noção de patrimônio evocando múltiplas dimensões da cultura, como imagens de
um passado vivo, acontecimentos e coisas a serem preservadas, porque são coletivamente
significativas em sua diversidade. Quando se discute “preservar o patrimônio”, é por
compreendê-lo como forma de respeito pela história social, pelo passado, presente e futuro.
Isso implica considerar não apenas as dimensões construtivas, decorativas e estéticas, mas
também os significados, sentidos e valores simbólicos, sociais e culturais inerentes a tais
dimensões.
Contudo, não é o que parece acontecer. Quando se fala em patrimônio, pensa-se quase
sempre em uma imagem congelada do passado. Um passado paralisado em museus cheios de
objetos que ali estão para atestar que há uma herança coletiva. Monumentos arquitetônicos e
obras de arte espalhadas pela cidade, cuja visibilidade se achata no meio da paisagem urbana,
61

documentos e material historiográfico que parecem interessar somente a pesquisadores. Pode


ser visto, ainda, como modos de expressão artística folclorizados e destituídos de seu sentido
original. A atitude externa, que habitualmente se tem com relação a este passado, mostra o
quanto a sua preservação – como produção simbólica e material – é dissociada de sua
significação coletiva e o quanto está longe de expressar experiências sociais.
Da origem romana patrimonium, passando pela invenção do patrimônio nacional, no
século XVIII, até a noção contemporânea, expandida e pulverizada em diferentes esferas
patrimoniais, a noção de patrimônio adquiriu diferentes significados ao longo da história.
Pode-se, então, considerar que os bens patrimoniais são materialidades e práticas culturais
que, ao serem contempladas e despertarem a reflexão, destacam-se na tessitura urbana e no
conjunto das manifestações sociais por mediarem distintos fatos históricos memoráveis,
personagens ilustres ou por representarem heranças técnicas, estéticas e culturais de
temporalidades passadas e atuais.
Segundo Françoise Choay, a palavra patrimônio
[...] estava, na origem, ligada às estruturas familiares, econômicas e jurídicas de uma
sociedade estável, enraizada no tempo e no espaço. Requalificada por diversos
adjetivos (genético, natural, histórico, etc.) que fizeram dela um conceito ‘nômade’,
ela segue hoje uma trajetória diferente e retumbante (CHOAY, 2001, p. 11).

A palavra patrimônio tem a capacidade de expressar certa totalidade difusa, à


semelhança do que ocorre com outros termos como cultura, memória, identidade. Isso implica
que o termo patrimônio requer uma leitura crítica substancial, flexível, dinâmica, visto que
sua (re)dimensão aqui, extrapola a possibilidade do material. Se tradicionalmente ela foi
utilizada como referência à “herança paterna” ou aos “bens familiares” transmitidos de
pais(mães) para filho(as), em particular no que se referia aos bens de valor econômico e
afetivo, ao longo do tempo, de forma gradual, adquiriu novos contornos e ganhou outras
qualidades.
Uma leitura no processo de requalificação desse conceito permite observar a construção
do valor do patrimônio e levantar questões importantes sobre o papel cultural, econômico e
social que tem atualmente, de um modo geral nas sociedades contemporâneas e, em
particular, na cidade de Caxias. Ser ou não patrimônio dependeu sempre do tempo e do lugar,
por se compreender que a qualidade patrimonial não tem uma existência própria, é algo que
lhe é atribuído.
Maria Cecília Londres Fonseca abordou, igualmente, a questão do patrimônio,
evidenciando o século XX como marco importante para a ampliação do termo.
62

Começam a ser introduzidas nos patrimônios as produções dos ‘esquecidos’ pela


história factual, mas que passaram a ser o objeto principal de interesse da história
das mentalidades: os operários, os camponeses, os imigrantes, as minorias étnicas
etc. Aos bens referentes a esses grupos se acrescentam os produtos da era industrial
e os remanescentes do mundo rural (FONSECA, 2002, p. 70).

O que se evidencia é que o patrimônio passa a ser visto como o discurso do cotidiano,
prioriza valores como a experiência pessoal e coletiva dos diversos grupos sociais ao
constituir o patrimônio como a representação da diversidade cultural presente em uma
sociedade nacional. É o que afirma José Reginaldo Gonçalves: “o passado, portanto, torna-se
relativo. Ele vai depender de pontos de vista particulares” (GONÇALVES(a), 2002, p. 114), o
que parece ser certo, haja vista o patrimônio simbolizar diferentes práticas sociais e memórias
de diversos grupos nem sempre reconhecidos pela historiografia oficial. Trata-se daquelas
situações em que determinados bens culturais, classificados pelo Estado ou Município, como
patrimônio não chegam a encontrar respaldo ou reconhecimento junto a setores da população.
Os patrimônios culturais não são simplesmente objetos e estruturas materiais existentes por si
mesmos, mas, antes, são constituídos no discurso, ao expressar diferentes visões de mundo.
Quando se fala patrimônio cultural, pretende-se fazer referência ao conjunto daquilo que
tem significação, que tem sentido social; não importa se esse patrimônio é algo materializado,
visível, ou manifestações da cultura que se apresentam através da(o) cidadão(ã) comum.
Nesse sentido, compreende-se que a materialidade não está dissociada da imaterialidade, elas
se complementam. Desse modo, os bens materiais e imateriais que compreendem o
patrimônio cultural são considerados manifestações ou testemunho significativo da cultura
humana, reputados como imprescindíveis para a conformação da identidade cultural de um
povo.
Corroborando as leituras de patrimônio apresentada por Françoise Choay e Maria
Cecília Londres Fonseca, para José Reginaldo Santos Gonçalves o:
patrimônio está entre as palavras que usamos com mais freqüência no cotidiano.
Falamos dos patrimônios econômicos e financeiros, dos patrimônios imobiliários;
referimo-nos ao patrimônio econômico e financeiro de uma empresa, de um país,
de uma família, de um indivíduo; usamos também a noção de patrimônios culturais,
arquitetônicos, históricos, artísticos, etnográficos, ecológicos, genéticos; sem falar
nos chamados patrimônios intangíveis, de recente e oportuna formulação no Brasil.
Parece não haver limite para o processo de qualificação dessa palavra
(GONÇALVES(b), 2002, p. 21-22).

De fato, nas últimas décadas do século XX, verifica-se uma transição significativa na
forma de compreender o patrimônio, pois ao serem acrescentados os adjetivos cultural,
histórico ou natural, a concepção de patrimônio foi ampliada, passando da noção estrita de
patrimônio histórico, para a de patrimônio cultural. Assim,a expressão patrimônio cultural é
63

usada para designar objetos no sentido mais geral desse termo: prédios, obras de arte,
monumentos, lugares históricos, relíquias, documentos e diferentes modalidades de práticas
sociais objetificadas enquanto bens culturais: artesanato, rituais, festas populares, religiões
populares, esportes (GONÇALVES, 1996).
Em outras palavras, a expressãopatrimônioculturalé usadaparadesignaraquiloque é
próprioda criaçãohumana,constituindo-
seem um lócus privilegiado,em queasidentidadese
asmemóriasadquiremmaterialidadee visualidadesocial.É relevantenotarqueessesobjetos
ou práticassociaissão objetificadosparase tornarem visveis
í no mundo dos homens e das
mulheres. Assim, pode-se argumentar que um patrimônio histórico edificado é a
concretizaçãodessaobjetificação,poiseleé concreto,visvel
í ou tangvel
í ,constituindo-
se,por
assimdizer,numa metáforamaisevidenciada.
Esse discurso evidencia outras naturezas, apropriadas socialmente e vividas com
intensidade: o patrimônio como memória coletiva das histórias de vida. É a passagem da
noção de patrimônio histórico para a de patrimônio cultural. O que se verifica é o
aparecimento de uma outra forma de leitura, na qual esse patrimônio manifesta-se como algo
que é conquistado por meio da organização social, ligado, assim, às práticas sociais e à
memória coletiva; um patrimônio que faz parte da vida humana e cuja legitimidade passa pela
discussão de seu valor social e afetivo.
Sobre esse patrimônio coletivo, Maria Cecília Londres Fonseca afirma que,
a idéia da posse coletiva como parte do exercício de cidadania, inspirou a utilização
do termo patrimônio para designar o conjunto de bens de valor cultural que
passaram a ser propriedade da nação, ou seja, do conjunto de todos os cidadãos. A
construção do que chamamos patrimônio histórico e artístico nacional partiu,
portanto, de uma motivação prática – o novo estatuto de propriedade dos bens
confiscados – e de uma motivação ideológica – a necessidade de ressemantizar
esses bens (FONSECA, 2005, p. 58).

Esta posição amplia os horizontes sociais e legais, verificando-se, a partir da década de


1950, uma legislação de proteção do patrimônio direcionada ao meio ambiente e para os
grupos sociais e locais, resultando na incorporação de novas categorias de bens que
referenciavam diferentes etnias, exemplares da cultura popular e do mundo industrial e,
também, dos bens naturais.
Além de aproximar o patrimônio da experiência de vida coletiva da dimensão do
cotidiano, essa noção proporciona outro desdobramento, na medida em que considera a
relevância dos bens e artefatos para além de si mesmos, ao incorporar o ambiente no qual
estes foram e são produzidos.
64

Pensar o patrimônio cultural nesse contexto significa equacionar, de forma não sectária,
o largo espectro de diferenças que permeiam o tecido social, seus conflitos, interesses e
constantes transformações, ou seja, olhar as experiências sociais que acompanham os objetos,
os lugares, pois dizem respeito a inúmeras trajetórias de vidas em diferentes momentos; são,
portanto, memórias em nuances que vão do político e do religioso ao social, por meio dos
diferentes segmentos sociais, englobando o homem e a mulher comum e, portanto, não
supondo que o patrimônio tenha significado igual.
Convém enfatizar que ao entrar em contato com o conceito de patrimônio, e vendo-o ao
longo do tempo, logo se percebe a simbiose entre este e o de cultura. O conceito de cultura
defendido por Clifford Geertz passa a ser um instrumento para visualizar as teias de
significados na interação dos indivíduos, isto porque “o homem é um animal amarrado a teias
de significados que ele mesmo teceu” (GEERTZ, 1989, p. 15). Por isso, o autor assume a
cultura como sendo “essas teias e a sua análise; [...] não como uma ciência experimental em
busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura de significados” (Ibidem, p. 15).
Isso equivale a compreender a cultura como um texto que vai ser lido e decodificado, haja
vista esta só ter sentido em um contexto histórico-social. Seria encarar a cultura como um
texto que se lê, escrito pelos agentes transformadores do passado ao longo do processo de sua
(trans)formação.
Clifford Geertz tem, dessa forma, uma concepção simbólica de cultura, em que as
manifestações e práticas que certa comunidade possui carregam significados compreensíveis
para aquela e que, muitas vezes, é menosprezada pelo Estado, o qual, influenciado ou por uma
ideologia cultural de elite, ou por não ler tal teia simbólica, acaba praticando ações ou
omissões que destroem o patrimônio cultural de determinadas comunidades.
Assim, o comportamento do ser humano pode ser visto como uma ação simbólica que
pode se constituir pela e na interpretação, possibilitada pelo contexto, através do
procedimento do situar-se. A questão pertinente aqui é buscar a compreensão da cultura como
documento de atuação pública, portanto, como diz Clifford Geertz, com caráter diverso, em
que múltiplas vozes querem se fazer ouvir (GEERTZ, 1989).
Para Denys Cuche a cultura pode ser compreendida como sendo
um conjunto dinâmico, mais ou menos homogêneo. Os elementos que compõe uma
cultura jamais são integrados uns aos outros, pois provém de fontes diversas no
espaço e no tempo. Em outras palavras, há um ‘jogo’ no sistema, especialmente
porque se trata de um sistema extremamente complexo. Este jogo está no interstício
no qual a liberdade dos indivíduos e dos grupos se instala para ‘manipular’ a cultura
(CUCHE, 2002, p. 140).
65

Essa relação entre o bem e a atribuição cultural que se faz dele traz à tona a questão da
reflexividade entre as práticas de discurso e a memória que marcam os grupos humanos. Isso
é marcado com o aparecimento da escrita, como é abordado por Luís Fernando Dias Duarte,
quando afirma:
Essa separação, esse ‘distanciamento’ entre os recursos objetivados de memória e a
experiência vivida de rememoração implicou, na verdade, duas linhas de
desenvolvimento paralelas: se a desvitalização e dessensibilização dos suportes
ameaça a integridade vivencial da cultura (inclusive servindo diretamente as
diferenciações sociais, decorrentes da emergência das estruturas estatais, de que são,
às vezes, consideradas alguns dos mecanismos ativos), enseja por outro lado uma
autonomização virtual dos processos de racionalização do pensamento (DUARTE,
2003, p. 307).

Assim, a categoria patrimônio extrapola a questão de referência, mas sendo considerada


como “essência” do indivíduo em relação ao seu grupo, ligada a esfera do pensamento, já que
passa pelo reconhecimento. Nesse sentido, ao se compreender que a cultura não se dá no
vazio, mas em um contexto, sendo ela o estudo da própria existência humana, seria bom que
os homens e as mulheres a conhecesse. Isso porque a idéia de proteção de um bem cultural,
em especial de um patrimônio edificado, se articula ao seu conhecimento e ao seu uso social.
Como sistemas entrelaçados de signos interpretáveis, a cultura não é um poder, algo ao
qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos; ela é
um contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível, denso, para
lembrar mais uma vez Clifford Geertz. Isso implica em ler os significados da cultura, os
gestos, ao olhares e as piscadelas, ou seja, a capacidade de se apreender o que é dito e as
trocas simbólicas pelo não-dito (GEERTZ, 1989).
Para Boaventura da Silva Santos, a cultura é, por definição, um processo social
construído sobre a intercessão entre o universal e o particular (SANTOS, 2002). Inscreve-se
na história e, mais precisamente, na história das relações dos grupos sociais entre si. Assim,
para que seja possível estudar um sistema cultural é necessário, antes, investigar a situação
sóciohistórica que o produz como ele é.
Kathryn Woodward explica, também, que cada cultura tem suas próprias e distintivas
formas de categorizar o mundo.
É pela construção de sistemas classificatórios que a cultura nos propicia os meios
pelos quais podemos dar sentido ao mundo social e construir significados. Há, entre
os membros de uma sociedade, um certo grau de consenso sobre como classificar as
coisas a fim de manter alguma ordem social. Esses sistemas partilhados de
significação são, na verdade, o que se entende por ‘cultura’ (WOODWARD, 2000,
p. 41).

Por isso, o estudo da cultura é o estudo da própria existência, ao lidar com a


objetividade para compreender a subjetividade. Dessa forma, é fundamental o papel que
66

desempenha a categoria patrimônio no processo de formação de subjetividades individuais e


coletivas, pois não há patrimônio que não seja, ao mesmo tempo, condição e efeito de
determinadas modalidades de autoconsciência individual ou coletiva. Em outras palavras, não
há subjetividade sem alguma forma de patrimônio, sendo a cultura, portanto, elemento de
significação de símbolos e signos, o conjunto de significações aplicadas nas interações.
Para José Reginaldo Santos Gonçalves, um ponto importante a ser considerado é a
repercussão do entendimento da cultura nos usos da categoria patrimônio.
Se por um lado, este pode ser entendido como a expressão de uma nação ou de um
grupo social, algo portanto herdado, por outro, ele pode ser reconhecido como um
trabalho consciente, deliberado e constante de reconstrução. [...] Os patrimônios
podem assim exercer uma mediação entre os aspectos da cultura classificados como
‘herdados’ por uma determinada coletividade humana e aqueles considerados como
‘adquiridos’ ou ‘reconstruídos’, resultantes do permanente esforço no sentido do
auto-aperfeiçoamento individual e coletivo (GONÇALVES, 2005, p. 28).

A subjetividade envolve sentimentos e pensamentos pessoais. Entretanto, cada


indivíduo vive subjetividade em um contexto social, no qual a linguagem e a cultura dão
significados e sentidos à experiência que cada um tem de si. Qualquer que sejam os conjuntos
de significados construídos pelos discursos, eles só podem ser eficazes se recrutam, se
interpelam o indivíduo como sujeito. Os sujeitos são, assim, sujeitados aos discursos e devem,
eles próprios, assumi-los como indivíduos que se posicionam a si próprios.
Não se poderia pensar cultura sem imediatamente remetê-la para o campo da produção
das identidades, sejam nacionais, regionais, étnicas, de gênero, de classe. Nessa discussão, o
patrimônio cultural tem papel fundamental para a construção de identidades do indivíduo, o
respeito pelo passado e pelas diferenças, em que se podem projetar as significações que
delinearão e formarão os sentidos sociais. É a leitura de patrimônio na perspectiva dos usos
sociais e das apropriações que a sociedade faz de sua memória e de sua história.
Freqüentemente visto como passado, memória daquilo que ficou para trás, é bom pensar o
patrimônio como presente, como memória do tempo presente. Isso pelo fato de que não se
pode entender o presente, nem tão pouco pensar o futuro, sem olhar para a memória, esta,
contexto para as transformações sociais.

2.2 Patrimônio e Memória

A relação entre patrimônio e memória inicia-se a partir do momento em que a memória


busca instrumentos que lhe permitam evocar um fazer humano que possa revelar a
tridimensionalidade do tempo, consagrando-o entre o passado, presente e futuro. Essa relação
67

ganha contornos diferenciados conforme a temporalidade e as intenções que a intermediam,


servindo como suporte para a conformação de identidades.
Para Jacques Le Goff “a memória é um elemento essencial do que costuma chamar
identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos
indivíduos e da sociedade hoje” (LE GOFF, 2006, p. 410). Assim, a memória se concretiza no
registro mental do acontecido que pode adquirir materialidade ou não, e que é transmitido de
geração a geração, moldando, a partir daí, a identidade de um povo.
Segundo Wilton Garcia, “a materialidade de um produto e/ou objeto deve ser
(inter)mediada pela manifestação do corpo que reage aos pressupostos comunicacionais do
mercado [...]” (GARCIA, 2006, p. 16), o que explicita-se uma associação entre a
materialidade (construída) e a memória. O patrimônio edificado cumpre, então, a
funcionalidade de constituir o veículo para a memória. Interessa observar que a abordagem da
materialidade, aqui, apresenta-se em dois níveis: na arquitetura e na própria palavra, que já é
imaterial, pois “[...] a imaterialidade perfaz a lógica cognitiva que restabelece o limiar de
subjetividade e representações” (Ibidem, p. 16). Desse modo, patrimônio é uma categoria
ambígua, que transita entre o material e o imaterial, reunindo em si as duas dimensões. O
material e o imaterial aparecem de modo indistinto nos limites dessa categoria.
Assim, a memória passa a ser considerada também como suporte da identidade. Isso
porque na busca pela identificação com o grupo social no qual se encontra inserido, os
indivíduos recorrem à ela (memória) na tentativa de dar sentido à sua história e às suas
origens. De fato, Wilton Garcia argumenta que “a noção de identidade equaciona-se na
exterioridade do objeto corpóreo, vinculada aos argumentos e aos traços identitários do
sujeito” (GARCIA, 2003, p. 31). Muitos desses objetos podem ser certamente entendidos
como patrimônios, na medida em que, pela repercussão junto a grande parte da população,
realizam mediações importantes entre o passado e o presente, entre o imaterial e o material,
entre a alma e o corpo, isso porque, segundo Riccardo Mariani, “a cidade, igualmente, estava
cheia de monumentos sim, mas também de um tecido que mantinha aqueles monumentos, isto
é, da relação que existe entre carne e ossos” (MARIANI, 1992, p. 66).
Assim, o patrimônio, enquanto legado cultural, é a forma edificada da identidade de um
povo. Através das interpretações das pessoas, de acordo com a sua cultura e conhecimento, os
bens patrimoniais passam a interagir na sociedade. Em interação com a memória, o
patrimônio é constituído nos universos abertos de significação e ressemantizações no seu
valor social pelas atualizações e traduções que abarca.
68

Em Caxias, a memória dos locais com significação histórica carrega recordações do que
ali se passou e foi vivido, despertando curiosidade entre habitantes e visitantes. Essa memória
se torna viva e freqüente, a ponto de manter esses patrimônios erguidos para servirem como
suporte físico retratado em suas histórias, como no depoimento de Letícia Maria Mesquita.
O Edifício Duque de Caxias, que se localiza na Praça Gonçalves Dias, hoje onde é o
Laboratório São João, ali é um dos edifícios mais importante para a cidade; é um
dos edifícios que deveria até ser aberto para visitação pública, que fosse
transformado em um museu, alguma coisa que pudesse mostrar o esplendor daquela
época (MESQUITA, 2009).

O caxiense João Afonso Barata também guarda suas memórias da cidade.


A Praça Gonçalves Dias era toda de pedra. E tinha ainda, naquele tempo, as carroças
com rodas grandes cobertas com aço, era de ferro; a roda era de madeira e rodeando
a roda era de ferro, e quando passavam naquela rua, não tinha quem suportasse [...];
quando uma só carroça passava naquela rua acordava todo mundo, e quando passava
cinco, seis? [isso ocorria] principalmente quando funcionava a fábrica de açúcar, no
Engenho D’água. Fretavam todas as carroças de Caxias, para trazer o açúcar para
essa depósito daqui. Então você já pensou como eram essas carroças andando aqui
dentro de Caxias, nessas ruas de pedras, fazendo a pior zoada do mundo (BARATA,
2008).

Ou ainda, dentre tantos outros(as) caxienses, os lugares de memória, na visão de


Berenice Castelo, tem relação com sua história de vida, quando enfatiza: “esta casa foi
construída no século final XIX, pertenceu a meu avô, José Castelo Branco da Cruz, todos
nasceram e se criaram aqui, aqui casaram, criaram os filhos” (CASTELO, 2008).
Os lugares a que os(as) entrevistados(as) se referem, fazem parte da história da cidade,
são monumentos (re)visitados e que, para eles e elas, constituem-se em lugares de memória. É
parte do patrimônio cultural de Caxias e serve como um elo entre presente e passado ao dar
sentido de continuidade. São, portanto, referenciais que vinculam o(a) cidadão(ã) ao lugar e
criam identidades variadas, não necessariamente uma identidade nacional. A arquitetura passa
a demonstrar a riqueza da cidade assim como é uma forma de falar da sua história, como se
quisessem dizer que o caxiense tem uma história, sabe contá-la e mantê-la ao longo dos
séculos.
Caxias, que se mostra diante de seu patrimônio cultural a partir de seus filhos e filhas, é
uma cidade que certamente se volta para o cultivo da memória em alguns locais, em especial
nos edificados, e se revida para um sentimento contínuo dessa memória. Segundo Pierre Nora,
“o sentimento de continuidade torna-se residual aos locais. Há locais de memória porque não
há mais meios de memórias” (NORA, 1993, p. 7). Por esta afirmação, entende-se que a
história sempre está sujeita à aceleração e mutação dos tempos, e por esse motivo, valoriza-se
a preservação dos patrimônios culturais como forma de manter a ligação atemporal dos
lugares de memória.
69

A memória não é estática, nem seu volume e conteúdo são fixos; ela se movimenta, e
esse movimento configura uma espiral no espaço e no tempo, que se inicia e se atualiza no
presente. Surge ligada ao sentimento, à pertença. É, pois, elemento fundamental do que se
costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades
fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje. A memória, onde cresce a história, que
por sua vez a alimenta, procura “salvar” o passado para servir o presente e o futuro.
É por isso que alguns segmentos da sociedade caxiense elegeram o patrimônio
edificado como lugares de memória de Caxias que, por sua vez, são valorizado por conter
uma relação cultural e histórica com a memória dos mesmos, como destaca Wybson
Carvalho:
Caxias recebeu, dentro desse contexto do acervo arquitetônico da cidade, uma
herança européia. Para cá vieram os portugueses e deixaram essa herança [...]. Por
exemplo, essas edificações seculares: nossas igrejas, o edifício Duque de Caxias, no
perímetro central da cidade; esse centro de cultura José Sarney (CARVALHO,
2008).

O uso social do bem cultural preservado pode ser visto como possibilidade de ser
utilizado como referência de memória por determinados segmentos sociais, ou ainda como
recurso de educação, de conhecimento e de lazer para uma determinada coletividade.
Conseqüentemente, o uso social do bem cultural passa, necessariamente, através da
democratização do acesso ao patrimônio cultural, da democratização da produção cultural e
da incorporação ao patrimônio cultural brasileiro de representações de memória de origens
sociais diversas.
A memória diz respeito às experiências que o indivíduo retém de suas vivências em um
dado meio social, tendo, portanto, caráter coletivo, pois qualquer experiência pressupõe um
campo de partilha e de aprendizado. Em outras palavras, a experiência de um indivíduo vem
de suas vivências em um espaço comum: o indivíduo possui a memória que é compartilhada
com outros indivíduos de seu grupo social, de seus espaços de sociabilidade. Tem, portanto,
caráter afetivo e identitário marcante, pois concerne ao universo social de uma pessoa,
valores, códigos morais, hábitos. A memória coletiva acontece quando se estabelece relações,
sintonia com aqueles que participam, partilham alguma atividade anterior. Isso porque o
depoimento de outras pessoas podem avivar a memória individual no que tange àquilo que
tem relações com o(a) outro(a). Sobre essa memória, Maurice Halbwachs afirma:
70

Suponhamos agora que tenhamos feito uma viagem com um grupo de companheiros
que não revimos mais. Nosso pensamento estava ao mesmo tempo mais perto e mais
distante deles. Conversávamos e os diversos incidentes da viagem. Mas, ao mesmo
tempo, nossas reflexões seguiam um curso que lhes escapava. Trazíamos conosco,
com efeito, sentimentos e idéias que tinham sua origem em outros grupos, reais ou
imaginários: é com outras pessoas que nos entretínhamos interiormente, percorrendo
esse país nós o povoávamos, em pensamentos, com outros seres: tal lugar, tal
circunstância tomavam então a nossos olhos um valor que não podiam ter para
aqueles que nos acompanhavam (HALBWACHS, 1989, p. 33-34).

A questão central consiste na afirmação de que a memória individual existe sempre a


partir de uma memória coletiva, posto que as lembranças são constituídas no interior de um
grupo. A origem de várias idéias, reflexões, sentimentos, paixões que são atribuídos ao
indivíduo são, na verdade, inspiradas pelo grupo.
Assim, a valorização do patrimônio passa pelo conhecimento que se tem sobre ele, de
qual significado possui para a comunidade, articulado estreitamente às memórias e as
identidades locais. O patrimônio histórico-cultural, portanto, é uma construção social, ou seja,
historicamente determinado e em permanente reconfiguração como processo simbólico e
cultural.
A identidade se coloca no campo do (re)conhecimento, do se reconhecer enquanto
indivíduo de uma cultura, conhecendo suas manifestações através do agir, do produzir e do
construir que caracterizam o grupo social do qual o indivíduo pertence, bem como do
reconhecimento dos elementos que constituem o patrimônio histórico-cultural desse grupo.
Assim, a identidade firma-se nos limites do pertencimento, do saber e sentir-se membro de
um determinado mecanismo social, reconhecendo em seus elementos tangíveis e intangíveis a
expressão da sua cultura.
A identidade cultural, fator adquirido no processo de sociabilidade, caracteriza-se pela
capacidade de referenciar os membros de uma cultura, ao mesmo tempo em que serve de
referência para outros grupos culturais. É através da identidade que os indivíduos vêem e são
vistos dentro de uma ótica cultural definida pelas escolhas dos elementos simbólicos que
elegeram como marca identitária.
Apreender a cultura e as identidades nela conformadas é perceber o que os homens e as
mulheres fazem e como pensam em sua vida cotidiana, dentro de uma vivência
compartilhada, estabelecendo uma identidade a partir daquilo que o grupo seleciona como
sendo fundamental da sua história e da sua construção cultural que não se encontra,
necessariamente, em um passado remoto, mas que se revela dentro do fluxo das vivências,
com delimitações de espaços reais ou imaginados de ações e construções da realidade.
71

Nessa perspectiva, o patrimônio histórico-cultural atua como elemento de evocação da


memória e conformação de identidades, reforçando os sentimentos de pertencimento. Sua
preservação configura-se na expressão de reconhecimento de um passado comum
compartilhado por todos os membros do grupo. E esta memória reproduz a identidade de um
grupo. Como modo de viver deste grupo, a cultura se apresenta, através de seu patrimônio,
material ou imaterial. Assim, o patrimônio cultural é um bem de todos, construído e
reconstruído na dinamicidade da produção humana.
Ao compreender a preservação do patrimônio histórico e cultural resultante de
múltiplas formas de interpretações conjugadas e que envolvem uma série de atores sociais e
políticos, Régis Morais afirma:
[...] sendo a cultura a lente através da qual enxergamos e avaliamos nosso mundo, é
fundamental que não negligenciemos a possibilidade de elaborar detida reflexão
sobre o nosso ver a realidade e sobre o instrumento inevitável dessa ação – a cultura
(MORAIS, 1992, p. 20).

Na verdade, segundo Carlos A. C. Lemos, o termo patrimônio histórico, ao qual é


atribuída também a palavra “artístico”, abrange “um segmento de um acervo maior, que é
chamado patrimônio cultural de uma nação ou de um povo” (LEMOS, 1987, p. 7). O autor
segue uma linha de raciocínio condizente com o pensamento do professor francês Hugues de
Varine Boham, para quem o patrimônio cultural deve ser dividido em três grandes categorias
de elementos:
Primeiramente, arrola os elementos pertencentes à natureza, ao meio ambiente. São
os recursos naturais, que tornam o sítio habitável. Nesta categoria estão por
exemplo os rios, a água desses rios, os seus peixes, a carne desses peixes, as suas
cachoeiras e corredeiras, etc. [...].
O segundo grupo de elementos refere-se ao conhecimento, às técnicas, ao saber e
ao saber fazer. São os elementos tangíveis do patrimônio cultural. Compreende toda
a capacidade do homem no seu meio ambiente. Vai desde a perícia do rastejamento
de uma caça esquiva na floresta escura até às mais altas elocubrações matemáticas
apoiadas nos computadores de última geração, que dirigem no espaço cósmico as
naves interplanetárias que estão a ampliar o espaço vital do homem.
O terceiro grupo de elementos é o mais importante de todos porque reúne os
chamados bens culturais que englobam toda sorte de coisas, objetos, artefatos e
construções obtidas a partir do meio ambiente e do saber fazer. Aliás, a palavra
artefato talvez devesse ser a única a ser empregada no caso, tanto designando um
machado de pedra polida como um foguete interplanetário, ou uma igreja ou a
própria cidade em volta dessa igreja [...] (BOHAM apud LEMOS, 1987, p. 8-10).

Assim, o patrimônio é um sistema que envolve três questões: o meio ambiente e os


recursos naturais que o sítio proporciona, o artefato produzido pelo ser humano e o
conhecimento pelo qual o artefato foi produzido. De fato, o patrimônio cultural de um povo
ou nação pode se estender por uma infinidade de objetos, lugares, conhecimentos, bens
móveis e imóveis. O que de fato vai servir como parâmetro para um determinado bem ser
72

definido como patrimônio cultural é, na verdade, o conjunto de relações estabelecidas entre as


pessoas e o elemento em questão, devendo, neste conjunto de relações, estar implícito o
desenvolvimento cultural, manifestado ao longo do tempo.
Dessa forma, percebe-se o desenvolvimento no conceito de patrimônio cultural. A
própria Constituição Federal Brasileira, em vigor desde 1988, adota, no artigo 216, uma ótica
mais abrangente ao reconhecer o patrimônio cultural como a memória e o modo de vida da
sociedade brasileira, juntando elementos materiais e imateriais.
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial,
tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à
ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais
se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (BRASIL, 1988, p. 141-142).

O conceito de patrimônio cultural apresentado por esta Constituição refere-se à


identidade nacional. Os bens de natureza material e imaterial, segundo os dispositivos da
Constituição do Brasil, portadores de referência à identidade, à ação e à memória dos grupos
formadores da sociedade, constituem o patrimônio cultural que a sociedade deve valorizar,
difundir e preservar. Ao proteger as manifestações dos segmentos que participaram e
participam do processo civilizatório nacional, cada um assume o compromisso de zelar e
promover a memória nacional.
Segundo Pedro Paulo Funari e Sandra Pelegrini, a ampliação do conceito de patrimônio
nela observada “impulsionou a criação de um novo instrumento de preservação no país: o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial” (FUNARI & PELEGRINI, 2006, p. 54).
Sabe-se que a possibilidade de integração existe nos níveis federal e estadual, os quais
têm competência para efetuar os meios necessários para impedir que se degrade e destrua os
bens culturais. No entanto, em uma esfera muito mais próxima, deve-se ressaltar o papel do
município em cumprir essa tarefa. Por isso, em consonância com as discussões a nível
nacional, a Lei Orgânica do Município de Caxias, promulgada em 1990, no artigo 176,
também trata do assunto, definindo:
O patrimônio cultural do Município é constituído dos bens materiais e imateriais
portadores de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos que
se destacaram na defesa dos valores nacionais, estaduais e municipais [...]
(CAXIAS, 1990).
73

Ainda na Constituição em vigor (1988) se estabelece, com a criação do artigo 182, a


obrigatoriedade da elaboração do Plano Diretor para as cidades com mais de 20.000
habitantes, instrumento capaz de promover o bem-estar e a qualidade de vida da população,
ao conferir conteúdo ao princípio da função social da propriedade. Aprovado em 2006, o
Plano Diretor de Caxias – Lei nº 1.637/2006 – tem como princípio identificar a verdadeira
vocação da cidade e prepará-la para o desenvolvimento sustentável com qualidade de vida.
Nele, corroborando a Lei Orgânica do Município, consta no capítulo VI, Art. 19, como
diretrizes da política de cultural:
I. Criar uma política pública que promova o resgate e a valorização do
patrimônio histórico e cultural, bem como o incentivo às novas
manifestações culturais.
[...]
IV. Criar monumentos que resgatem a memória histórica e cultural da cidade, a
exemplo do marco zero da cidade; do monumento ‘a batalha da balaiada’, e
à quebradeira de coco babaçu.
V. Implantar o departamento de proteção ao patrimônio arquitetônico de
Caxias (Plano Diretor de Caxias, Prefeitura Municipal, 2006).

O que se observa é que existe o intuito da proteção por parte do governo municipal. O
Plano Diretor deve partir de uma leitura de cidade real, preocupando-se com aspectos
urbanos, sociais, econômicos e ambientais. O de Caxias, para o Promotor de Justiça do Meio
Ambiente e Patrimônio Histórico Fernando Menezes, é “mais uma carta de intenções [...]; ele
deixou mais para a lei de zoneamento urbano, a questão de habitação” (MENEZES, 2008).
Por outro lado, ressalta a importância do zoneamento, visto que este “vai delimitar na cidade
as áreas em que cada atividade vai ter: a área industrial, a área comercial, áreas residenciais,
áreas residenciais mistas”, ou seja, vai implementar legalmente, fazendo paulatinamente essas
mudanças. Um problema possível de ser identificado refere-se à prática de que determinados
planejamentos não tem continuidade no trabalho do governante sucessor, o que, ainda
segundo o Promotor, “acaba retrocedendo o processo”.
Ao se pensar o patrimônio cultural enquanto uma face da história de um povo, as
políticas de preservação e refuncionalização, definidas na Constituição e corroboradas no
Plano Diretor, pautam-se na dinâmica cotidiana da população local, não só em intervenções
urbanísticas, mas no desenvolvimento e implantação de políticas que visem a melhoria na
qualidade de vida.
Assim como a identidade de um indivíduo ou de uma família pode ser definida pela
posse de objetos que foram herdados e que permanecem na família por várias gerações,
também a identidade de uma nação constitui-se a partir de seus monumentos – aquele
conjunto de bens culturais associados ao passado nacional. Esses bens constituem um tipo
74

especial de propriedade: a eles se atribui a capacidade de evocar o passado e, desse modo,


estabelecer uma ligação entre passado, presente e futuro. Em outras palavras, eles garantem a
continuidade da nação no tempo e no espaço.
A partir da Constituição Federal de 1988 foram realizadas novas propostas que criaram
expectativas em relação à preservação do patrimônio cultural e, hoje, apesar de certo descaso
em que vive a área patrimonial, já podem ser vislumbradas possibilidades para a preservação
do patrimônio cultural edificado. Para Regina Abreu, houve, pelo menos, duas mudanças
significativas nesse quadro:
[...] a organização da sociedade civil e a afirmação do conceito antropológico de
cultura, com a conseqüente naturalização da noção de diversidade cultural.
Paralelamente, novas forças vêm se impondo, provocadas pela biodiversidade e pela
biotecnologia, o que complexifica mais ainda o debate (ABREU, 2003, p. 41).

A forma de pensar a herança cultural como lugar de memória vai ao encontro com as
práticas de preservação do patrimônio no país na década de 1930 e, até certo ponto, ao próprio
rumo assumido pelas políticas patrimoniais desde então. Para Marly Rodrigues, isso se deve
“a muitos e complexos fatores, a partir dos quais se estruturam as políticas públicas voltadas à
proteção do patrimônio” (RODRIGUES, 2003, p. 17), que no Brasil, nas palavras de Márcia
Sant’anna,
a idéia de que o patrimônio não se compõe apenas de edifícios e obras de arte
erudita, estando também no produto da alma popular, remete aos anos de 1930 e se
encontrava no projeto que o poeta modernista Mário de Andrade elaborou para o
Serviço do Patrimônio Artístico e Nacional, em 1936. Esse sentido amplo de
patrimônio encontrava-se na definição andradiana de arte, como a habilidade com
que o engenho humano se utiliza da ciência, das coisas e dos fatos, pois, para Mário,
arte equivale a cultura (SANT’ANNA, 2003, p. 51).

Aqui, nota-se que a cultura protegida seria a praticada, criada e representativa das mais
diversas camadas da população, o que, em termos sociológicos, é o povo. Nesta nova
conceituação, a cultura brasileira passou a ser considerada com valores muito próximos aos
idealizados no início do século XX por Mário de Andrade20.
Pensar a questão do patrimônio cultural olhando esse conjunto, observando a dimensão
da força simbólica do seu significado é, no mínimo, interessante. Seria, portanto, redefinir o
patrimônio cultural, como memória social e, por conseguinte, fonte de (in)formação. Isso leva
em consideração as condições históricas, sociais e comunicacionais na contemporaneidade,
que exalta a produção humana como bem cultural da maior significação à construção de um
ser socialmente ativo. É unir passado e presente e (re)criar imagens da cidade, do povo, da
cultura, é fundamental para que se possa reconhecer as diferenças culturais dos indivíduos.

20
A participação de Mário de Andrade junto ao Departamento de Cultura será abordada no item 2.3.
75

Pode-se, também, perceber a elaboração do conceito de patrimônio cultural conforme


este vai aparecendo nas Cartas Patrimoniais21. Uma leitura a estas Cartas dá uma visão mais
recente dessa trajetória, como tratada por Françoise Choay, ao afirmar, como premissa, que a
Convenção de 1972 encontra-se alicerçada em uma série de outros acordos estabelecidos
entre nações, a partir da segunda metade do século passado (CHOAY, 2001). Desse modo, a
um olhar mais fechado e específico, foram-se incorporando novas idéias, a partir de realidades
que questionam, em certa medida, àquele conceito original.
Em que pese à importância das ações internacionais para a proteção dos testemunhos da
história, é na escala local que se pode encontrar o patrimônio como expressão das práticas
sociais, um patrimônio reivindicado por sua função ligada à memória e à identidade coletiva
ou como busca de qualidade de vida. Isso exige a melhoria das condições físicas da área
preservada, com a instalação de equipamentos, infra-estruturas, espaços públicos, procurando
sempre manter a identidade e as características locais, para que não ocorram situações de
super-valorização da área e conseqüente expulsão da população da área do centro histórico de
Caxias.
Após a adoção da Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e
Natural, em 1972, alguns Estados-membros22 manifestaram interesse em ampliar a noção de
patrimônio de forma a poder identificar, proteger, revitalizar e classificar manifestações do
patrimônio oral e imaterial, o que parece ser pertinente, haja vista o fato de que o patrimônio
ter sido visto sempre como o que é “material”. Tanto é assim que foi necessário, nos discursos
contemporâneos, criar a categoria do “imaterial” ou do “intangível” para designar aquelas
modalidades de patrimônio que escapavam de uma definição convencional limitada a
monumentos, prédios, espaços urbanos, objetos. Para José Reginaldo Gonçalves, é curioso o
uso dessa noção para classificar bens tão tangíveis e materiais quanto lugares, festas,
espetáculos (GONÇALVES, 2005).
Surge, então, o conceito de patrimônio intangível ou imaterial definido pela Unesco
como aquilo que engloba manifestações culturais tradicionais, formas de expressão popular,

21
As Cartas Patrimoniais são recomendações no que diz respeito, entre outros temas, àqueles ligados à
preservação e conservação dos chamados bens culturais. Estes documentos, muitos dos quais firmados
internacionalmente, representam tentativas que vão além do estabelecimento de normas e procedimentos,
criando e circunscrevendo conceitos às vezes globais, outras vezes locais. Sua publicação oferece ao público
interessado um panorama das diferentes abordagens que a questão da preservação mereceu ao longo do tempo,
registrando o processo segundo o qual muitos conceitos e posturas se formaram, consolidaram e continuam
orientando estas ações, até os nossos dias.
22
Atualmente, a Unesco conta com 192 Estados-membros e 6 Estados-membros Associados, que se reúnem a
cada dois anos, numa Conferência Geral, para discutir e deliberar sobre importantes questões no âmbito de seu
mandato. Além disso, promove inúmeros estudos, reflexões e reuniões com os governos, dirigentes e
especialistas dos países que a integram com o objetivo de aprofundar o exame de temas vitais para o futuro das
sociedades, ao buscar consensos e definir estratégias de ação (www.unesco.gov.br).
76

saberes coletivos produzidos por certa comunidade e fundados sobre tradição, transmitidos
oralmente, através de gestos, modificados através dos tempos por um processo de recriação
coletiva – por exemplo, a música, a dança, os rituais, as festividades, a medicina, os jogos, a
mitologia, o artesanato, as artes da mesa, as formas tradicionais de comunicação e
informação. Ainda segundo o documento, a educação e a formação pessoal são as grandes
chances da perpetuação das memórias e dos bens culturais.
Em abril de 2006, o governo brasileiro ratificou, por meio do Decreto n° 5.753, essa
convenção, que define patrimônio cultural imaterial como sendo
[...] as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os
instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados – que as
comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte
integrante de seu patrimônio cultural. Esse patrimônio cultural imaterial, que se
transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua
história, gerando um sentimento de identidade e de continuidade e contribuindo
assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana
(IPHAN, 2006, p. 15-16).

Houve, a partir daí, uma definição detalhada de cultura que orientou o modelo de
política cultural recomendado para os países-membros. Nesse contexto, a cultura passa a ser
expressa como elemento fortalecedor da identidade das nações, tomando dimensão
fundamental no processo de desenvolvimento.
Stuart Hall defende que a formação das culturas nacionais edifica-se sobre cinco
elementos fundamentais: a narrativa dos símbolos ou rituais que representam as experiências
partilhadas; a crença na continuidade das origens representadas pela tradição e noção de
intemporalidade inerente à nação; a invenção de tradições que permitem cristalizar valores
individuais em proporções nacionais; a presença do mito fundador que situa a origem da
nação num passado imemorial incapaz de ser questionado; e, por fim, a identidade nacional
baseada na idéia de um povo enquanto entidade política, capaz de homogeneizar as diferenças
sociais (HALL, 2005).
De fato, na contemporaneidade, de constante movimento e informação, há uma
potencialização da diferença, com a constante exposição de expressões culturais, em um
intercâmbio de identidades, o que implica o reconhecimento social e o respeito ao outro.
Segundo Homi Bhabha, “o valor transformacional da mudança reside na rearticulação, ou
tradução, de elementos que não são nem o um [...] nem o outro [...], mas algo a mais, que
contesta os termos e territórios de ambos” (BHABHA, 1998, p. 55).
Nessa perspectiva, a expressão patrimônio cultural remete a uma reflexão: trata-se de
um conjunto cada vez mais vasto de bens e conhecimentos, e que será cada vez mais vasta
77

quanto mais complexa forem as sociedades. De qualquer forma, mesmo sendo tão ampla, ter-
se-á que considerar a valorização que cada uma dará ao seu patrimônio. Por vezes, muitos
objetos vistos sem importância, num dado momento histórico, passa a ser considerado como
de grande valor histórico e cultural, a partir do momento em que ganha representatividade
dentro da cultura onde está ou esteve inserido.
Contudo, nem sempre foi assim. Isso porque, desde seu “surgimento”, o conceito de
patrimônio virou sinônimo de “pedra e cal”23. Para diversos pesquisadores(as), entre eles
Pedro Paulo Funari e Sandra Pelegrini (2006) e Maria Cecília Londres Fonseca (2005), talvez
essa visão tenha ocorrido por o termo ter surgido no âmbito do direito privado da propriedade,
ligado aos pontos de vista e interesses aristocráticos, já na Antigüidade. Nas palavras de
Maria Cecília Londres Fonseca:
a imagem que a expressão ‘patrimônio histórico e artístico’ evoca entre as pessoas é
a de um conjunto de monumentos antigos que devemos preservar, ou porque
constituem obras de arte excepcionais, ou por terem sido palco de eventos
marcantes, referidos em documentos e em narrativas dos historiadores (FONSECA,
2002, p. 56).

Da leitura desses(as) autores(as), percebe-se o caráter mutante da expressão “pedra e


cal” e como o termo foi sendo (re)visto e ampliado, ocorrendo então, uma releitura do
conceito e a valorização não só daqueles elementos de natureza tangível e a conservação do
passado, tendo como objetivo a preservação de uma memória nacional alimentada pelo
conteúdo ideológico de fortalecimento da identidade do Estado-Nação, mas dos elementos de
natureza intangível. O crescente interesse das pessoas em conhecer os aspectos históricos e
culturais imbricados ao patrimônio parece ter sido encorajado a partir de uma maior
compreensão em relação ao valor de significado simbólico que passou a ser atribuído às obras
edificadas do passado, então pensada como produto cultural das sociedades ao longo dos
tempos e suporte importante para a manutenção das identidades.
Mas, no decorrer da história, ao termo foram sendo acrescentadas outras noções, de
cunho simbólico e coletivo: de sagrado, na Idade Média; de revalorização dos valores
humanos com inspiração na civilização greco-romana, no Renascimento; de valorização do
monumento nacional, definidor de sua identidade e, como tal, merecedor de proteção, com a
visão moderna (e agora atualizada) de história e de cidade, a partir da Revolução Francesa
(FUNARI & PELEGRINI, 2006, e BO, 2003), podendo ser considerado, portanto, um
conceito “mutante” (ANDRADE, 1987), ou seja, cada vez mais ampliado e pulverizado.

23
Expressão atribuída a Rodrigo Melo Franco para designar igrejas, fortes, pontes, chafarizes, prédios e
conjuntos urbanos representativos de estilos arquitetônicos específicos (SILVA, 2002).
78

Para Pedro Paulo Funari e Sandra Pelegrini, o conceito de patrimônio histórico tem uma
perspectiva reducionista, por reconhecer o patrimônio apenas no âmbito histórico, circunscrito
a recortes cronológicos arbitrários e permeados por episódios heróicos ou militares, mas aos
poucos, foi suplantada por uma visão mais abrangente, isso porque,
a definição de patrimônio passou a ser pautada pelos referenciais culturais dos
povos, pela percepção dos bens culturais nas dimensões testemunhais do cotidiano e
das realizações intangíveis. Essa abertura temática permitiu que construções menos
prestigiadas ou mais populares (mercado público, estação de trem) fossem
reconhecidas como patrimônio (FUNARI & PELEGRINI, 2006, p. 32).

No entanto, um espaço de patrimônio bem construído e conservado não faz uma cidade.
Isso porque um conjunto de construções, obras de arte, ornamentos, decorações, ruas e
avenidas, em si mesmas, não afirmam a razão vital, a força criadora, a capacidade de mudança
ou, pelo contrário, de permanência. Ao defender o patrimônio de um centro histórico, tem que
se lembrar a sua forma de estar, os seus gestos rotineiros, os seus sentidos e os significados, a
sua cultura, porque é isso que constitui a vida de uma cidade.
Com efeito, este estudo tem como fulcro configurar uma visão mais apurada dos
imóveis voltados para o interesse patrimonial na cidade de Caxias, uma vez que fazem parte
de um seleto número de edificações que se sobressaem na paisagem urbana em função de toda
uma carga simbólica que possuem; tais imóveis são, melhor dizendo, bens culturais, bens que
fazem parte do patrimônio histórico e cultural da sociedade caxiense. Seria, portanto, pensar
numa memória que mantenha conexão com os bens patrimoniais, que permita aos cidadãos e
cidadãs caxienses uma história capaz de lhes possibilitar o (re)conhecimento desses bens
como parte da sua memória e da sua história.
Ampliando a noção de patrimônio a uma concepção antropológica, passa-se a considerar
os imóveis e os objetos como conjuntos, cuja integridade também é objeto de conservação.
Nesta perspectiva, patrimônio são objetos e conjuntos de objetos ligados a uma atividade
humana e ao edifício que lhe dá abrigo e constitui valor simbólico.
Por sua vez, a leitura que se faz sobre a elaboração desse conceito é conseqüência de
uma demanda social, ocorrida um pouco por todo lado e de um avanço cultural, dando prova
da capacidade holística das ciências sociais, sobretudo da antropologia que lhe permite
penetrar nas formas do saber, do trabalho e das idéias e prova, também, de que, na prática, o
seu objeto de estudo continua a ser a cultura e os sistemas de relações sociais. É olhar o
patrimônio, portanto, enquanto memória social, como lugar onde se projetam as significações
que delineiam e formam os significados sociais e tem na cidade seu lugar privilegiado.
O interesse emergente pelo passado surge da necessidade de dimensionar essa
historicidade fragmentada e de torná-la compatível com o novo paradigma do saber, sendo
79

importante referir, no entanto, que não é a valorização do passado que produz a conservação,
mas sim a conservação que dá ao passado um novo valor de operador social. De fato, é a
invenção de uma política do patrimônio que engendra o interesse repentino pelo passado e a
necessidade de o conservar, e não o contrário.
Talvez se fale em preservar pelo fato de o ser humano estar diante de uma possível
massificação cultural, diante de um conceito conhecido como globalização. Percebe-se uma
ânsia por registrar diferentes estágios da passagem humana na Terra. Pensa-se que registrar
seja sinônimo de preservar, de fazer levantamentos de construções arquitetônicas,
especialmente aquelas sabidamente condenadas ao desaparecimento decorrente da
especulação imobiliária.
Num mundo em acelerado processo de globalização, em que as pressões para a
massificação cultural são constantes, cada grupo – nacional, regional, lingüístico – ao mesmo
tempo que absorve e transforma as idéias circulantes nos meios de comunicação globais, tenta
preservar o que considera ser a sua identidade cultural própria, valorizando as suas tradições,
usos e costumes, e definindo o seu “lugar singular” no mundo.
A despeito da lógica em se preservar o patrimônio edificado de valor histórico para
determinada sociedade, tem-se verificado que essas cidades estão sujeitas às mais diversas
formas de perda do seu patrimônio. Essa perda pode ser ilustrada, por exemplo, quando a
permanência de um monumento se coloca frente ao interesse de um empreendimento
imobiliário.
Contudo, para Gilberto Velho, não se trata de “satanizar as empresas imobiliárias”, pois
a indústria da construção civil pode gerar aspirações e expectativas de estilos de vida, além de
que “se constitui em um dos principais mercados para a mão-de-obra mais barata das camadas
populares” (VELHO, 2006, p. 241).
Não precisa um olhar mais aguçado para que seja verificado também esse processo
ocorrendo no centro histórico de Caxias, com um processo de verticalização acentuada, fruto
de uma corrida imobiliária fremente, decorrente do desenvolvimento econômico da outrora
“pequena” cidade, sobretudo a partir das últimas décadas do século passado. Em entrevista,
Letícia Maria Mesquita, professora, 54 anos, afirma que isso ocorre em Caxias por “conta do
desenvolvimento da cidade, das novas faculdades que estão surgindo aqui” (MESQUITA,
2009). Observa, em outro momento, que esse crescimento vertical “até que é bom, por uma
parte, por que desenvolve a cidade, por outro lado, descaracteriza o centro histórico”, vendo
como saída para que se mantenha a preservação do centro histórico, o mesmo que tem sido
feito na capital maranhense, São Luís, em que:
80

procuraram preservar; tem a parte velha, que é o centro histórico, e a parte nova,
muito embora esse centro histórico sofra também com as intempéries do tempo e do
abandono, sendo muito casarões do século XVIII e XIX, atualmente, transformados
em estacionamentos privativos e rotativos (MESQUITA, 2009).

De um lado, tornam-se válidos os mais diferentes argumentos para a sua demolição


e/ou descaracterização. As justificativas se baseiam desde a necessidade de renovação urbana,
até a necessidade de se construir um “grande e belo” ou “moderno” edifício que simboliza,
com a sua verticalidade, a ascensão da cidade. Ou mesmo pelo simples caráter especulativo de
valorização do imóvel que, quando demolido, dará lugar a um outro bem localizado e
extremamente valorizado, enquanto o velho casarão colonial não se presta a “quase nada”. É o
que diz um empresário que atua na área do centro histórico:
vivemos num mundo capitalista, onde o que vai prevalecer é a lucratividade. Então
se Caxias não está tendo políticas públicas, voltadas para o segmento turístico, para
mostrar o seu maior valor, que são os prédios antigos, as construções, as ruas, então
há uma tendência à destruição, porque os empresários, os proprietários desses
imóveis, vão querer fazer investimento aonde só poderão fazer se for realmente
destruindo para construir novos imóveis, aptos a receberem lojas, comércios, aonde
possa gerar renda para eles (FERREIRA, 2008).

Contudo, para muitos(as) moradores(as), os casarões, os sobrados, os velhos prédios


coloniais, não são apenas velharias descascadas e cheias de rachaduras, sem garagem, sem
suítes e sem conforto. Ao contrário, possuem qualidades arquitetônicas como beleza,
qualidade construtiva, temperatura agradável, identidade e história. É o que mostra o
depoimento de Iriomar José Ramos de Souza.
Daqui a algum tempo você encontra nada do velho de Caxias. Por exemplo, na
Praça Gonçalves Dias, ao lado, havia uma leiteria, num prédio de dois andares, hoje
funciona laboratório, consultório, não existe mais nada do prédio antigo. O mesmo
se vê ao lado da Praça da Matriz, onde hoje é um depósito de cimento, ali também
era um prédio de dois andares, e que hoje não existe mais nada desse prédio, só
restam as lembranças dos mais velhos ou das pessoas da minha idade (SOUZA,
2008).

O que é possível observar é que existe uma relação afetiva entre parcela significativa de
moradores(as) de Caxias e os patrimônios culturais da cidade em que vivem, estabelecem
relações, verificada a partir da polifonia, nas múltiplas vozes que se querem fazer ouvir: vozes
estas imbricadas em seus discursos, em seus fazeres sociais cotidiano.
Nesse sentido, as estruturas arquitetônicas encontram-se inseridas no fluxo histórico.
Portanto, dizem algo sobre as sociedades que as criaram. A preservação, a destruição ou a
alteração das edificações são resultados de determinadas conjunturas econômicas, culturais ou
políticas. Por isso mesmo, pode-se dizer que os bens arquitetônicos constituem-se em
elementos privilegiados para a formação do patrimônio cultural de uma cidade.
81

O desinteresse, ou falta de conhecimento, de alguns proprietários(as) em conservar seus


imóveis, que possuem valor histórico e cultural para a cidade, leva à destruição dos mesmos.
A posição de alguns destes sustenta-se no argumento, por aqueles que lidam com a
problemática do patrimônio, nos termos de Gilberto Velho, “o direito de propriedade24”, que
estaria sendo “desrespeitado pela interferência do poder público, cerceando os proprietários,
desvalorizando as propriedades” (VELHO, 2006, p. 245), o que é reafirmado, em entrevista a
esta pesquisa, pelo arqueólogo Deusdédit Carneiro Leite Filho: “As pessoas se sentem lesadas
com a questão da casa ser delas e não poder fazer do jeito que quer” (LEITE FILHO, 2008), a
exemplo do que diz o empresário José Ivan Ferreira:
Se eu sou proprietário de um imóvel, cabe a mim decidir o que eu quiser dele, e a
constituição me dá esse respaldo; agora se alguém chega, uma instituição federal,
estadual ou municipal, acho que é preciso haver negociação, é preciso isentar
impostos, é preciso investir, é preciso que o estado comece a participar investindo
nesses prédios, para que se mantenha, ou então o próprio estado compre, indenize
(FERREIRA, 2008).

De fato, em entrevista a esta pesquisa, o Chefe do Departamento do Patrimônio


Histórico e Artístico do Maranhão – Dphap-MA –, Alan Jorge Pires, revela as dificuldades
que existem entre os Departamentos de Patrimônio e os proprietários dos imóveis tombados
ou que estão no entorno, tendo em vista a dinâmica urbana, o “progresso” da cidade. Em suas
palavras,
É complicado, porque a gente lida com o direito privado, o direito de propriedade
privada. É um instituto novo, de 1988; já existia antes, mas incluída no texto
constitucional só a partir de 1988; e as pessoas são pegas de surpresa na questão da
preservação; é um ônus que são obrigados a arcar com toda a preservação do
imóvel. Então, quando a gente lida com o direito de propriedade, e as pessoas
querem por que querem fazer qualquer tipo de intervenção, aí se choca com a gente
[...]; no centro histórico são os órgãos de preservação que fazem isso, se for na
estadual o Departamento do Patrimônio Histórico, se na federal, o Iphan, e a
prefeitura só ratifica essa análise e fornece posteriormente a licença de execução de
obras (PIRES, 2008).

Somam-se a estas questões, a falta de recursos financeiros particulares ou públicos,


destinados para essa finalidade, que pode ser definida como fator responsável pela perda de
significativos exemplares do patrimônio edificado dos centros históricos das cidades
brasileiras e, em particular, da cidade de Caxias.
Inúmeros são os exemplos. Mas o que enfatiza aqui é que se perde, independentemente
do motivo, referências da história da cidade, que remete à história das pessoas,
conseqüentemente, às suas identidades, como aparece em parte dos discursos de alguns
caxienses, quando se “passeia” pela cidade, a exemplo do depoimento de Iriomar José Ramos
de Souza: “Houve uso e abuso da arquitetura de Caxias. Se nada for feito, até a fábrica da
24
Ver artigo 5º, parágrafos XXII e XXIII - (Constituição Federal, 1988, p. 7).
82

manufatura será destruída também” (SOUZA, 2008), colocando-se o desafio intelectual e


político de como lidar com a identidade social e o patrimônio cultural.
Maurice Halbwachs já apontava a importância da organização social do espaço e dos
lugares de memória para a construção e a dinâmica de identidades individuais e sociais
(HALBWACHS, 1998). Isso porque a destruição de referências, monumentos, casas, prédios,
ruas, praças, igrejas, dentre tantas outras, tem conseqüências nos “mapas emocionais e
cognitivos” (VELHO, 2006, p. 245) dos sujeitos, a exemplo do depoimento de Arthur Almada
Lima Filho, ao dizer que embora veja Caxias com respeito, em suas palavras, “como se fosse
um templo sagrado”, ela está sendo “deformada pelas novas gerações, inclusive gerações de
pessoas que não são nem vinculadas às nossas tradições, que não são de famílias, que eu diria,
fundadoras da cidade” (LIMA FILHO, 2008).
Ramón Gutiérrez ilustra esta perda pela relação que estabelece com a substituição de
exemplares do patrimônio por novos edifícios que atendam aos investimentos imobiliários:
“A cidade construída pela especulação imobiliária constitui o apogeu da desintegração das
identidades, na medida em que nega a urbe como bem comum e despreza valores sociais e
culturais que constituem essa identidade” (GUTIÉRREZ, 1989, p. 46).
De fato, a identidade, para Manuel Castells, “é a fonte de significado e experiência de
um povo, com base em atributos culturais relacionados que prevalecem sobre outras
fontes” (CASTELLS, 2000, p. 22). Para este autor, um dos que mais realce deu e melhor
explorou as múltiplas pertenças dos indivíduos foi Erving Goffman, pois, para este, “as
identidades são múltiplas, flutuantes e situacionais” (CASTELLS, 2000, p. 22).
Nesta mesma construção identitária, a identidade pode ser considerada como o processo
de construção de significados com base em um atributo cultural ou, ainda, um conjunto de
atributos culturais inter-relacionados, os quais prevalecem sobre outras fontes de significados.
Assim, o interesse no patrimônio não se justifica pelo vínculo com o passado seja ele qual for,
mas sim pela sua conexão com os problemas fragmentados da atualidade, a vida dos seres
humanos em relação com os outros, com as coisas, as palavras, os sentimentos, as idéias, os
significados e os sentidos.
A partir da proposição de Manuel Castells, nota-se que a identidade é constituída de
muitos componentes e ativamente produzida, em um processo contínuo de redefinir-se e de
inventar a sua própria história, sendo a cultura uma das principais bases desse construto
performativo que são as identidades. Assim, a “(re)descoberta” do passado é parte do
processo de construção das identidades e que, por sua vez, caracteriza-se por conflitos e
contestações o que, conforme Simone Scifoni enfoca “o patrimônio é sempre um campo de
83

lutas, de conflitos e tensões políticas, apesar de muitas vezes ser tratado apenas como objeto
técnico-científico neutro” (SCIFONI, 2006, p. 74).
De fato, Kathryn Woodward deixa bem claro que a indústria da herança parece
apresentar apenas uma e única versão. E questiona: “Qual é a história que pesa, a história de
quem?”, enfatizando que pode haver diferentes histórias, então, se existem diferentes versões
do passado, elas precisam ser negociadas (WOODWARD, 2000). A negociação é uma
categoria importante aqui, haja vista ela ser um processo em que se procura alcançar objetivos
através de acordos nas situações em que existem interpretações comuns e conflitantes. Parte-
se do entendimento de que o patrimônio cultural pode ser (re)visto e (re)negociado de acordo
com o interesse e a postura política de seus(as) narradores(as).
Para Ricardo Thomazinho da Cunha e Karla Christina Martins Borges, há várias
definições para o termo negociação, mas, em geral, diz-se que a negociação é um processo
seqüencial e dinâmico envolvendo dois ou mais atores que pretendem chegar a um acordo
sobre um assunto divergente qualquer, utilizando-se, nesta prática, de grande poder de
persuasão. A negociação é um processo de mão dupla, cujo objetivo deve chegar a um acordo
mútuo sobre as necessidades e opiniões divergentes. Negociar significa persuadir, em vez de
usar a força bruta. Além do mais, negociar quer dizer que o outro lado está satisfeito com o
resultado da negociação (CUNHA & BORGES, 2004).
Os indivíduos, segundo Gilberto Velho, defrontam-se constantemente com visões
divergentes sobre esta questão. De um lado, indivíduos com uma postura preservacionista,
que pode ser rotulada de elitista, e de outro, indivíduos com posturas “modernizantes e
invasiva, mais democrática” (VELHO, 2006, p. 245), destituída, portanto, dos laços e das
características dos antigos moradores, ávidos por desfrutarem as vantagens de conforto e
qualidade de vida.
Mediante a categoria negociação, Jonathan Friedman mostra que as identidades estão
sendo constantemente negociadas, haja vista elas serem heterogêneas e múltiplas. A
heterogeneidade da sociedade aponta para dificuldades e limitações de uma ação pública
responsável de defesa e proteção de um patrimônio cuja escolha e definição implica ainda em
arbítrio e exercício de poder,
o consumo é um aspecto das estratégias culturais mais amplas de definição e de
auto-manutenção, que marca os contornos de identidades específicas uma soma de
produtos configurados numa classificação que expressa o que eu sou (FRIEDMAN,
1994, p. 330).

O consumo, portanto, é um aspecto conjunto de estratégias para o estabelecimento e/ou


a manutenção da identidade. Ou seja, dentro dos limites do sistema mundial é um consumo de
84

identidades canalizado por uma negociação entre a auto-definição e uma série de


possibilidades oferecidas pelo mercado capitalista.
Seria pensar como o patrimônio edificado pode aglutinar os diferentes sujeitos sociais
que compõem a cidade, tendo em vista que cada grupo social tem suas concepções do que
deve ou não ser preservado. É certo, a categoria patrimônio cultural pode ser vista sob
diversas perspectivas: enquanto para determinado grupo social, sobretudo os(as) mais
velhos(as), pode significar “lugar de memória”, para outro, a exemplo dos(as)
empresários(as), signifique fonte de lucros.
Indagações acerca de quem tem legitimidade para selecionar o que deve ser preservado,
a partir de que valores, em nome de quais interesses e de quais grupos, nas últimas décadas do
século XX passaram a pôr em destaque a dimensão social e política de uma atividade que
costuma ser vista como eminentemente técnica. Pressupunha-se que o patrimônio cultural
brasileiro não devia se restringir aos grandes monumentos, aos testemunhos da história
oficial, em quem sobretudo as elites se reconhecem, mas devia incluir também manifestações
culturais representativas para os outros grupos que compõem a sociedade brasileira – os
índios, os negros, os imigrantes, as classes populares em geral.
Essa perspectiva veio deslocar o foco dos bens, que em geral se impõem por sua
monumentalidade, por sua riqueza, por seu peso material e simbólico, para a dinâmica de
atribuição de sentidos e valores. Ou seja, para o fato de que os bens culturais não valem por si
mesmos, não têm um valor intrínseco. O valor lhes é atribuído por sujeitos particulares e em
função de determinados critérios e interesses historicamente condicionados. Levada às últimas
conseqüências, essa perspectiva afirma a relatividade de qualquer processo de atribuição de
valor – histórico, artístico, nacional – a bens, e põe em questão os critérios até então adotados
para a constituição de patrimônios culturais, legitimados por disciplinas como a história, a
história da arte, a arqueologia, a etnografia.
Contudo, ao se em negociar qualquer projeto de preservação do patrimônio cultural de
uma cidade, tem-se que pensar nos fins sociais deste processo, pois uma paisagem sacralizada
como patrimônio por meio do tombamento25, não deve perder o sentido para a população que
nela habita, ou, a partir dela, se reconhece.
A propósito do conceito de patrimônio na história e o surgimento da noção moderna e
ocidental do termo, foi uma derivação dos efeitos iconoclastas da Revolução Francesa. Os
revolucionários, passados os momentos de euforia, quiseram estabelecer uma nova ordem

25
Ato administrativo realizado pelo poder público com o objetivo de preservar, por intermédio da aplicação de
legislação específica, bens de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a
população, impedindo que venham a ser destruídos ou descaracterizados. Esse instrumento coloca sob a tutela do
Estado bens dignos de preservação (BOGÉA et al, 2005, p. 32).
85

sobre o mundo, hierarquizado e diáfano, no qual os “restos” da história ocuparam um lugar de


destaque, que haveria de conservar dentro desta nova classificação.
As degradações e profanações ocorridas nessa altura fizeram com que o sentido da
expressão que envolvia os bens fundamentais inalienáveis da comunidade se estendesse às
obras de arte, tanto pelos valores tradicionais que estas transportam, como e especialmente
por esta nova idéia de bem comum, de riqueza moral e aglutinante da nação.
Assim, entende-se o patrimônio como abrangendo tanto os bens materiais como os
traços imateriais considerados definidores da história, da memória e da identidade de
determinado grupo sociocultural e integrante da cultura desse mesmo grupo, pode-se ressaltar
a importância que a classificação, a proteção e a conservação dos bens culturais têm assumido
na vida social contemporânea. Embora isso só possa ser apreendida a partir de manifestações
materiais, ou “suportes” – sítios, monumentos, conjuntos urbanos, artefatos, relatos, ritos,
práticas – só se constitui como referência cultural quando são valorizadas enquanto marcas
distintivas pelos sujeitos sociais (FONSECA, 2005).
Desse modo, as categorias aqui apresentadas são importantes para que se entenda, a
partir da discussão nacional, o patrimônio edificado de Caxias, na perspectiva de construir
conhecimentos sobre as idéias, as significações e os sentidos da cultura da cidade e,
consequentemente, de seu patrimônio edificado.

2.3 Os Usos Sociais do Passado: a sagração do patrimônio

A idéia de conservação do patrimônio surge na França. Com a Revolução Francesa, em


1789, é que se pode deparar com aquilo que pode ser tomado como “verdadeira” origem da
preservação de monumentos históricos, com a instituição pelas instâncias revolucionárias de
um aparato jurídico e técnico com vistas a atender às demandas de grande parte da população
preocupada com as depredações claramente ideológicas contra vários monumentos ocorridas
logo após a Revolução. A destruição e a definição de conceitos fizeram com que os bens, as
idéias e símbolos fossem totalmente alterados, muitas vezes, reinventados e, neste processo,
despertou o interesse pela preservação dos bens hegemônicos do clero e da nobreza. É a partir
dessas ações que surgem as legislações sobre a preservação (FONSECA, 2005; CHOAY,
2001).
A posição que Françoise Choay fornece da construção histórica do conceito de
patrimônio, tendo a realidade européia como pólo difusor de suas aplicações, é elucidativa em
relação ao lugar de importância que o patrimônio tem ocupado no mundo contemporâneo.
86

Com a tomada de consciência coletiva de que as antigas possessões, mobiliárias e


imobiliárias, do poder real, da Igreja e da nobreza não deveriam ser destruídas, por serem
símbolos do Ancien Régime26, é que a idéia de conservação de patrimônio ganha espaço na
França, compreendendo que aqueles bens deveriam tornar-se bens da nação e sendo
conservados como tal. Essa noção foi aplicada inicialmente à de monumento histórico.
Segundo a definição de Françoise Choay, monumento é um artefato edificado por uma
comunidade de indivíduos para lembrar ou fazer lembrar a outras gerações, acontecimentos,
sacrifícios, ritos e crenças. Já o monumento histórico aparece no Ocidente com um
movimento intelectual surgido do culto das ruínas da Antiguidade, que confirma o passado
“fabuloso” de Roma, lembra o seu esplendor e lamenta a sua destruição. A sagração do
monumento histórico surge diretamente ligada, na Inglaterra e na França, com o despertar da
era industrial (CHOAY, 2001).
Para essa autora, há uma distinção entre monumento e monumento histórico, sendo o
primeiro “uma criação deliberada cuja destinação foi pensada a priori, de forma imediata”, já
o segundo
não é, desde o princípio, desejado e criado como tal; ele é construído a posteriori,
pelos olhares convergentes do historiador e do amante da arte, que o seleciona na
massa uniforme dos edifícios existentes, dentre os quais os monumentos
representavam apenas uma pequena parte” (CHOAY, 2001, p. 25, grifo da autora).

Assim, enquanto o monumento tem por finalidade fazer reviver um passado


mergulhado no tempo, o monumento histórico relaciona-se de forma diferente com a memória
viva e com a duração. Ou ele é constituído em objeto de saber e integrado numa concepção
linear de tempo, ou então ele pode, como obra de arte, dirigir-se à sensibilidade artística, ao
desejo de arte, tornando-se parte constitutiva do presente vivido, mas sem a mediação da
memória ou da história.
Nesse sentido, o monumento histórico pode ser ponderado como suporte de memória e
um modo de partilha. Sua invenção como bem coletivo emerge com a consciência de história,
que coloca o passado distante do presente, permitindo objetivar em documentos as criações
antigas. É, pois, tanto uma herança do passado como, também, escolha do pesquisador,
justamente por representar um testemunho das sociedades históricas. Assim como o
documento é um monumento, por expressar muito além de apenas seu conteúdo superficial,
por conter implicações e expressões de uma determinada época e local, o inverso também
parece ser verdadeiro. Um monumento torna-se mantido através do esforço da sociedade em

26
Designação dada ao conjunto de características sociais, políticas, econômicas e culturais das sociedades da
Idade Moderna, na transição do feudalismo para o capitalismo.
87

passar para as gerações futuras parte de sua memória, mesmo que essa seja seletiva, já que é
feita, por parte dessa sociedade, uma escolha no sentido do que deve ou não ser registrado, de
qual seria a melhor história para se contar.
O caráter de monumentalidade desde o início permeou a concepção do que atualmente
se entende como patrimônio cultural. Mas, como lembra Françoise Choay, o monumento, em
seu sentido original, contrasta com a concepção que se tem hoje. Originalmente, era associado
a uma lembrança coletiva, era feito para marcar algo do que se desejava recordar,
acontecimentos, ritos, crenças, que deveriam ser transmitidos para às gerações, tendo,
portanto, uma função memorial (CHOAY, 2001).
A definição de monumento histórico, para uma cidade com valor patrimonial, o centro
histórico (ver Capítulo III) de Caxias dispõe de um reduzido número, categorizados em um
total de 7 (sete): a Fábrica União Têxtil Caxiense, a Casa do poeta Vespasiano Ramos, 5
(cinco) Igrejas católicas construídas entre os séculos XVIII e XIX: Igreja da Matriz de Nossa
Senhora da Conceição e São José, Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, Igreja de São
Benedito, Catedral de Nossa Senhora dos Remédios e Igreja Nossa Senhora dos Remédios.
Na verdade, a própria idéia de um passado ou de uma memória como dado relevante na
construção das identidades individuais e coletivas pode ser pensada como invenção moderna e
que data de fins do século XVIII, com a formação dos Estados Nacionais, como explicam
Pedro Paulo Funari e Sandra Pelegrini: “O melhor exemplo de criação do Estado nacional
moderno talvez seja a França, a partir da revolução de 1789. [...] foi lá que se desenvolveu o
moderno conceito de patrimônio” (FUNARI & PELEGRINI, 2006, p. 15).
O surgimento dos Estados Nacionais desencadeou uma transformação no conceito de
patrimônio. Isto ocorre porque, ao destruir o Ancien Régime, e instalar a República, criava-se
a igualdade, refletida na cidadania dos homens adultos. Precisava-se fornecer meios para que
compartilhassem valores e costumes, para que pudessem se comunicar entre si.
Assim, a construção da unidade nacional ocorre através de uma produção ideológica
que conseguisse abarcar as diferenças do povo francês, desenvolvendo o sentido de
identificação, de algo em comum. Isto é pertinente, pois segundo Manuel Castells, o
nacionalismo é construído a partir de ações e reações sociais, tanto por parte das elites quanto
das massas (CASTELLS, 2000).
Uma nação, para João Lanari Bo, entendida como comunidade de aspirações comuns,
“constitui-se por meio de instâncias de identificação, entre elas o patrimônio coletivo. Nessa
visão, pode-se reconhecer a nação brasileira, por exemplo, no conjunto arquitetônico e
artístico de Ouro Preto” (BO, 2003, p. 17), de São Luís, ou de Caxias, dependendo do enfoque
88

e das reivindicações postas pela sociedade. Em conseqüência, os Estados modernos são


levados, como forma de legitimação, a proteger seu patrimônio, seja ele cultural, histórico ou
natural.
Afinal, o Estado Nacional surge a partir da invenção de um conjunto de cidadãos(ãs)
que deveria compartilhar cultura, origem e território. Para isso, foram necessárias políticas
educacionais que difundissem a idéia de pertencimento a uma nação, como aponta Maria
Cecília Londres Fonseca.
A idéia de posse coletiva como parte do exercício da cidadania inspirou a utilização
do termo patrimônio para designar o conjunto de bens de valor cultural que
passaram a ser propriedade da nação, ou seja, do conjunto de todos os cidadãos. A
construção do que chamamos patrimônio histórico e artístico nacional partiu,
portanto, de uma motivação prática – o novo estatuto de bens confiscados – e de
uma motivação ideológica – a necessidade de ressemantizar esses bens (FONSECA,
2005, p. 58).

Começa a surgir o conceito de patrimônio que se tem hoje, não mais no âmbito privado
ou religioso, mas do povo, com língua, origem e território únicos. Foi em meio às violências e
lutas civis da Revolução Francesa que foi criada uma comissão encarregada de preservação
dos monumentos nacionais, com o objetivo de proteger os monumentos que representavam a
incipiente nação e sua cultura. É a idéia de um patrimônio comum a um grupo social,
definidor de sua identidade e enquanto tal merecedor de proteção.
Por sua vez, o conceito de cultura nacional homogênea baseado em tradições está sendo
desafiado e redefinido. O reconhecimento do caráter multicultural das sociedades leva a
constatação da pluralidade de identidades culturais que tomam parte na constituição da
cidadania. É sabido, hoje, que as pessoas possuem múltiplas identidades, em termos de
gênero, etnia, visões de mundo, rompendo com a noção de unidade identitária e deslocando,
dessa forma, a discussão sobre identidades para uma ótica mais atual, como explica Stuart
Hall:
Parece então que a globalização tem, sim, o efeito de contestar e deslocar as
identidades centradas e ‘fechadas’ de uma cultura nacional. Ela tem efeito
pluralizante sobre as identidades, produzindo uma variedade de possibilidades e
novas posições de identificação, e tornando as identidades mais posicionais, mais
políticas, mais plurais e diversas; menos fixas, unificadas e trans-históricas (HALL,
2005, p. 87).

Assim, quando se fala em patrimônio cultural, estar muito menos ligado a idéia de uma
identidade nacional, como era nos séculos XVIII e XIX, e mesmo na fundação do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Sphan –, no século XX, ou seja, a idéia de
patrimônio como documento de identidade da nação, e hoje tem-se muito mais a noção de
patrimônio como expressão da diversidade cultural, seja da diversidade cultural da
89

humanidade, seja da diversidade cultural dos diferentes grupos, como enfatiza Homi Bhabha:
“estamos diante da nação dividida no interior dela própria, articulando a heterogeneidade de
sua população” (BHABHA, 1998, p. 209).
Terá sido a partir dela que o patrimônio privado, indicativo, portanto, da propriedade
individual, sobretudo da nobreza, se estendeu para o grupo social. Instituiu-se e difundiu-se a
idéia do bem comum, como também se fez progressivo o valor de que alguns bens são
representativos da riqueza material e moral da nação.
A partir daí, e notadamente ao longo do século XIX, como aborda Márcia Sant’anna, os
países da Europa desenvolveram sistemas destinados à proteção e conservação dos seus
patrimônios nacionais, que eram compostos,
[...] de objetos de arte e edificações estreitamente relacionadas à concepção de
monumento histórico, aos ideais renascentistas de arte e beleza e aos conceitos de
grandeza e excepcionalidade. Esses patrimônios eram, ao mesmo tempo, as riquezas
das nações e a representação do seu gênio e história (SANT’ANNA, 2003, p.47).

Por essa época, foram valorizadas a autenticidade e a permanência da obra, cujos


valores concorrem para a prática da preservação, que se dá no Ocidente, com a criação de
instrumentos que resguardem todo o patrimônio histórico. A França, precursora de tais
providências, instituiu a Inspetoria dos Monumentos Históricos, em 1830, com a incumbência
de registrar e inventariar tais obras (CHOAY, 2001 e FONSECA, 2005).
Importante abordar, também, as questões conceituais ligadas à conservação,
preservação e restauração, a partir da Carta de Burra, assinada pelos países membros na
Austrália, em 1980.
Art. 1º - O termo conservação designará os cuidados a serem dispensados a um bem
para preservar-lhe as características que apresentem uma significação cultural. De
acordo com as circunstâncias, a conservação implicará ou não a preservação ou a
restauração, além da manutenção; ela poderá, igualmente, compreender obras
mínimas de reconstrução ou adaptação que atendam às necessidades e exigências
práticas (ICOMOS, 1980, p. 1).

A idéia de preservar algo surge com a noção de perda, afinal, preserva-se aquilo que se
corre o risco de perder. Quando esta questão chega ao Brasil, os intelectuais – “mediadores da
memória” –, acreditavam na possibilidade de preservação “in natura”, o que implicaria, nesta
visão, na estagnação do patrimônio preservado. Mas, com a ampliação desta categoria, o que
se verifica hoje é uma luta para mantê-lo vivo.
Pensando assim, a conservação englobaria os atos para prolongar a vida do patrimônio
cultural, sendo seu objetivo apresentar a todos(as) que usam e contemplam as edificações
históricas, as mensagens artísticas e humanas que essas edificações possuem. Isso por se
propor que o patrimônio cultural propicia a ligação entre as várias gerações, cria vínculos
90

entre os cidadãos por fazer referência aos símbolos que são representativos da coletividade,
ou bens coletivos (GONÇALVES, 1996 e FONSECA, 2005), acionando, portanto, os
sentimentos, os sentidos e os significados das edificações, além de aumentar a auto-estima do
grupo portador e herdeiro de tal legado.
Entende-se por preservação o ato ou processo de aplicar medidas necessárias para a
sustentação da forma, integridade e materiais existentes numa propriedade histórica. É a
manutenção no estado da substância de um bem e a desaceleração do processo pelo qual ele
se degrada. A Carta de Burra aponta:
Art. 11º - A preservação se impõe nos casos em que a própria substância do bem, no
estado em que se encontra, oferece testemunho de uma significação cultural
específica, assim como nos casos em que há insuficiência de dados que permitam
realizar a conservação sob outra forma (ICOMOS, 1980, p. 1).

A restauração, por sua vez, é o momento metodológico do reconhecimento do trabalho


(recurso patrimonial) na sua consistência física e no seu significado (estético e histórico), em
vista de sua transmissão para o futuro. A preocupação com a restauração, por sua vez, não
deve ser com a promoção de uma preservação baseada em uma verdade a ser apreendida, mas
antes com o exercício de múltiplas leituras que consideram as experiências individuais na
construção de um sentido para o ato de preservar.
Artigo 13º - A restauração só pode ser efetivada se existirem dados suficientes que
testemunhem um estado anterior da substância do bem e se o restabelecimento desse
estado conduzir a uma valorização da significação cultural do referido bem.
Nenhuma empreitada de restauração deve ser empreendida sem a certeza de
existirem recursos necessários para isso (ICOMOS, 1980, p. 3).

Entretanto, Riccardo Mariani tece críticas sobre o que os especialistas estão fazendo ao
procederem o processo de restauração urbana, questionando sobre o que, realmente, está
sendo salvaguardado. Segundo este autor, não estão salvaguardando a memória coletiva que
tais locais de memórias possuem, mas “fazendo osteologia urbana”, ou seja, estão
transformando a cidade histórica num esqueleto e, portanto,

como se fosse um esqueleto, faz-se paleontologia. No sentido de que algumas partes


estruturais da cidade histórica são privilegiadas e limpas e, então, procede-se à
restauração da área que foi limpa. Aí eu me pergunto e interrogo vocês também:
quando vêem um esqueleto no chão, quem sabe distinguir os ossos de uma rã dos
ossos de um sapo? [...]. Somente um grande especialista pode fazê-lo. Se não
examinarmos aquele esqueleto, não saberemos o que há nele, não viremos a
conhecer sua qualidade e suas cores, sua beleza, sua voz, seu olhar. Portanto, fazer
restauros osteológicos de algumas coisas; na arquitetura, restaura-se a parede de
pedra, mas a arquitetura, todos sabemos, estava cheia de telas, de cores, de madeira,
de coisas que mudavam com o tempo e que constituíam a sua riqueza. E a cidade,
igualmente, estava cheia de monumentos sim, mas também de um tecido que
91

mantinha aqueles monumentos, isto é, da relação que existe entre carne e ossos
(MARIANI, 1992, p. 66).

De fato, entender que a cidade é composta por edificações e por pessoas, gente de carne
e osso, implicou na reformulação do conceito de patrimônio, uma vez que nos bens a serem
preservados se incorporou o valor cultural, a dimensão simbólica que envolve a produção e a
reprodução das culturas, que se expressa nos modos de uso desses bens. Os bens culturais
demonstram aquilo que é comum e o que os representam, já que o ser humano é
eminentemente simbólico. Perpassam, assim, a noção de ideologia, pois constituem uma
identidade e trabalham com a noção de pertencimento.
Logo, o patrimônio transforma um simples lugar em espaço social, como diz Homi
Bhabha: “uma humanização criativa desta localidade, que transforma uma parte do espaço
terrestre num lugar de vida histórica para as pessoas” (BHABHA, 1998, p. 203). Assim, para
muitos caxienses, como a cidade de Caxias possui um patrimônio de importante valor
histórico e cultural, este deve ser preservado e revitalizado, não só para os seus moradores e
moradoras, como também para o setor turístico, quando esta se apresenta como atrativo
turístico do local. Mas, para que isso ocorra, afirmam, são necessárias ações efetivas, em
sinergia, entre a esfera pública, a iniciativa privada e a comunidade.
Portanto, empreender políticas visando a valorização do patrimônio cultural de uma
nação é dever do Estado, sobretudo quando os problemas sociais são de vulto que ponham em
segundo plano a questão da cultura. Contudo, há de se ter a sensibilidade de perceber a
importância da participação social.
Em A alegoria do patrimônio Françoise Choay faz uma análise abrangente da questão
do patrimônio, e com relação à França pós-revolução, descreve alguns tipos de valores que
podem ser definidos em relação ao patrimônio. Guardada as devidas proporções, mesmo
porque a autora investiga mais especificamente os monumentos, pode-se destacar do seu
estudo alguns parâmetros de valorização: nacional – quando há interesse do Estado em um
determinado bem histórico, gerando assim interesse em se criar mecanismos que garantam a
sua proteção; cognitivo – trata-se de um termo mais amplo, englobando aí uma série de ramos
relativos aos conhecimentos abstratos e as múltiplas competências. “[...] são testemunhas
irrepreensíveis da história” (CHOAY, 2001, p. 117); econômico – quando os monumentos são
capazes de atrair turistas, tornando-se assim uma atividade econômica atraente; e o artístico –
restrito a um número reduzido de pessoas, já que o próprio conceito de arte ainda não tinha se
popularizado.
O patrimônio passa a ser entendido como bem material concreto, um monumento, um
edifício, assim como objetos de alto valor material e simbólico para à nação, partindo-se do
92

pressuposto de que há valores comuns, compartilhados pela sociedade, que se consubstanciam


em coisas concretas.
Ainda para a autora, a ênfase no patrimônio nacional tem seu ápice no período em que
eclodiram as duas guerras mundiais (1914-1918; 1939-1945). O impacto da destruição
causada pelos bombardeios, catalisou as atenções dos estudiosos, tornando peremptória a
reconstituição das cidades e a restauração dos monumentos (CHOAY, 2001).
Sucede-se, após a Segunda Guerra Mundial, uma mudança no conceito de patrimônio.
Maneiras de se fazer ou práticas culturais, sem que fossem representadas por determinado
objeto, passaram à condição de bens culturais, livres de quaisquer representações materiais. É
bom ressaltar que este valor atribuído às práticas culturais é fruto da idéia de um patrimônio
incorpóreo de países asiáticos e de outros do chamado terceiro mundo, que têm nas criações
populares anônimas, independentemente de qualquer materialidade, um grande patrimônio.
Como se pode observar, o conceito ocidental de patrimônio cultural, fundamentado na
conservação e autenticidade do objeto, além da limitação imposta ao direito de propriedade,
não é suficiente para acolher a amplitude do significado do patrimônio cultural. Por este
motivo, a partir de 1970, foram incorporados ao conceito aspectos imateriais.
A partir da segunda metade do século XX, discussões sobre políticas patrimoniais
ganham evidência, com a realização de convenções internacionais. Essas convenções têm
imprimido novos parâmetros de análise à questão do patrimônio, na medida em que
propuseram a ampliação do conceito.
Segundo Fernando Fernandes da Silva, até meados do século XIX não havia no Direito
Internacional, tratados ou convenções internacionais que disciplinassem de forma universal a
proteção dos bens culturais (SILVA, 2002), sendo já nos fins deste século, a partir da
Conferência de Haia27, que foram estabelecidas regras para a proteção de tais bens.
Importante ressaltar a Declaração de Amsterdã (1975), que introduziu orientações para
viabilizar a implantação de “políticas de conservação integrada”, inaugurando uma
abordagem pautada pela noção de integração do patrimônio à vida social e conferindo ao
poder público municipal a responsabilidade de elaborar programas de conservação e aplicação
dos recursos financeiros angariados para esses fins. É no sentido de envolver a população nos
processos de preservação, de modo a garantir maior observância dos valores ligados à
identidade local (www.iphan.gov.br).

27
Foram realizadas várias conferências na cidade de Haia (1899, 1907 e 1954), cujo objetivo era humanizar a
guerra, através da proteção da população civil e da propriedade privada. A de 1954 constituiu-se como
importante instrumento normativo internacional, significativo para a proteção do patrimônio para a proteção da
propriedade cultural em caso de conflito armado, consolidando uma série de práticas e regras voltadas à proteção
de monumentos e bens culturais em áreas em conflito, iniciadas no século XIX (BO, 2003).
93

O que vale sublinhar é que a noção de preservação, que implica na idéia de prevenção,
proteção, conservação, para ser desenvolvida requer que o sujeito da ação se identifique no
objeto a ser preservado. Isso significa que a expressão patrimônio cultural tem historicidade e
cada período conta com as soluções de que dispõe e trabalha ao enfrentamento dos problemas
como se apresentam. Essa parece ser a razão principal das mudanças no conceito de
patrimônio percebidas ao se examinar a história.

2.4 Políticas de Preservação no Brasil

A inserção do Brasil no debate em torno do patrimônio não pode ser classificada como
tardia, pois desde a terceira década do século XIX assiste-se a diversas tentativas em torno da
proposição de um ideal de nação que viria a considerar o tema. Talvez o exemplo mais
representativo deste esforço esteja na fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
– IHGB – em 1838, ao ficar claro desde o início que o objetivo engloba uma reescrita do
passado brasileiro, adequando sua história a uma almejada e pré-determinada identidade do
país em construção. A preocupação com a elaboração de uma identidade nacional se exacerba
com a proclamação da República (1889) e eclode em diversos movimentos no século XX.
Para Maria Cecília Londres Fonseca, a preocupação com os lugares a serem
preservados partiu de expoentes da arquitetura moderna, consolidado com a criação do Sphan,
em 1937, seguindo as idéias e ideais de Mário de Andrade. A denominação Sphan foi mudada
para Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan – em 1970. Mesmo com a
mudança do nome, a data de criação permanece a mesma, pois a função do atual Iphan não foi
alterada (FONSECA, 2005). Como na França, a noção de preservar está associada com o
conceito de patrimônio histórico e artístico, mas ainda assim, tomou parte no processo de
construção do conceito, na medida em que foi adquirido e difundido, entre os estados co-
partícipes de convenções e tratados internacionais, a experiência advinda da sua própria
prática (FONSECA, 2005).
Viviane Pedrazzani afirma que no Brasil costuma-se situar as origens da noção de
preservação do patrimônio à década de 1920, quando foram elaborados os primeiros projetos
de lei a esse respeito. No entanto, já podem ser identificadas tentativas de preservação do
patrimônio brasileiro no século XVIII, quando em 1742 o nobre português Conde de
Galveias, D. André de Melo e Castro, manifesta preocupação contra a transformação do
Palácio das Duas Torres, erigido em Pernambuco pelo holandês Maurício de Nassau, sendo
94

contrário à sua utilização como quartel, como propunha o então Governador da Capitania
(FUNARI & PELEGRINI, 2006; PEDRAZZANI, 2005; LEMOS, 1987).
Quando Viviane Pedrazzani enfatiza a década de 1920, é por esta ser de intensa
efervescência política e cultural no país, estando lá as primeiras manifestações, liderada por
um grupo de intelectuais brasileiros (modernistas, naquela época), com vistas a romper com a
influência hegemônica européia, e iniciar um encaminhamento em busca das raízes
“autênticas” da cultura brasileira.
Nesse mesmo percurso, Soraia Maria de Andrade deixa bem claro o período ao apontar
o ano de 1922 como marco de defesa dos bens culturais da nação brasileira, tanto no plano
intelectual como legal, aparecendo o primeiro ato de legislação de proteção cultural com a
criação do Museu Histórico Nacional – decreto nº 1.596, de 02 de agosto de 1922 –, que
limitava como objetivo:
Será da maior conveniência para o estudo da História Pátria reunir os objetos a ela
relativos que se encontram nos estabelecimentos oficiais e concentrá-las em museus
que os conserve, classifique e exponha ao público, e, enriquecido com os obtidos
por compra, por doação ou legado, contribua, como escola de patriotismo, para o
culto de nosso passado (ANDRADE, 2002, p. 29).

De fato, Maria Cecília Londres Fonseca afirma que, no Brasil, a temática do


patrimônio, expressa com a salvação dos vestígios do passado da nação e, mais
especificamente, com a proteção de monumentos e objetos de valor histórico e artístico,
começa a ser considerado politicamente relevante, implicando o envolvimento do Estado, a
partir da década de 1920, com denúncias de intelectuais sobre o abandono das cidades
históricas (FONSECA, 2005). Estas cidades constituíam um quadro social de memória,
imagem que traz à lembrança a idéia de patrimônio, assimilada pelas populações em geral,
pelas novas instituições que se incorporaram às tarefas de preservação ao longo do século XX.
É logo nas primeiras décadas do século XX que são verificadas manifestações em
defesa do patrimônio cultural. Já em 1916, os intelectuais, Alceu Amoroso Lima e Rodrigo
Melo Franco de Andrade conhecem o barroco mineiro e percebem a necessidade de proteger
esse patrimônio colonial. Em viagens realizadas a Minas Gerais em 1919 e 1924, Mário de
Andrade, acompanhado do poeta suíço Blaise Cendrars, teve seu primeiro contato com a arte
colonial e também com os modernistas mineiros. Em 1920, publica na “Revista do Brasil”
textos em defesa do patrimônio mineiro. A arte colonial mineira passa a ser vista pela
vanguarda intelectual carioca, mineira e paulista como primeira manifestação cultural
tipicamente brasileira (FONSECA, 2005).
95

A partir das cidades mineiras, busca-se produzir uma imagem que representasse o
Brasil como “nação moderna”, que o Sphan, na década de 1930, consagra e veicula como as
únicas com valor de patrimônio, ao construir, além de uma representação de Brasil, uma
imagem socialmente incorporada de patrimônio histórico e cultural urbano. Nesse primeiro
momento, as cidades mineiras são selecionadas pelos intelectuais modernos para o exercício
da busca de uma “identidade nacional”, sendo a arquitetura colonial a expressão
“autenticamente” brasileira e fonte de inspiração para uma arquitetura moderna. Dessa forma,
a cidade de Ouro Preto, por exemplo, torna-se patrimônio nacional e padrão para este
patrimônio e o “colonial”, eleito como marca desta nacionalidade.
Com a preservação das cidades mineiras, e ignorando tantas outras, a instituição
estabelece critérios para a valoração do patrimônio urbano que considera exclusivamente as
características estético-estilísticas de sua arquitetura. Vincula o valor de patrimônio à
uniformidade estilística dos conjuntos coloniais e/ou à excepcionalidade dos monumentos nas
cidades que haviam perdido sua uniformidade colonial.
Para Lia Motta, os modernistas – “mediadores do patrimônio nacional” –, organizados
em torno dos debates sobre a identidade nacional, tinham a determinação de elaborar uma
feição brasileira para marcar uma civilização nacional (MOTTA, 2002). Essa feição foi
atribuída ao “abrasileiramento” da cultura trazida pela metrópole, à força de um Brasil
mestiço, que rompia com os determinismos de natureza biológica, buscando analisar e
compreender os brasileiros a partir da dinâmica que se estabeleceu no processo de
colonização.
Os modernistas criticavam o Brasil ‘europeizado’ do século XIX e valorizavam os
traços primitivos da cultura brasileira do século XVIII, anteriormente considerados
sinais de atraso. Entendiam que, no Brasil, uma cultura própria teria sido construída,
não se limitando à mera importação de estilos e técnicas da metrópole (MOTTA,
2002, p. 127).

Dessa forma, ao mesmo tempo em que intelectuais realizaram um movimento no


sentido de dissecar os repertórios tradicionais, ou seja, analisá-los, fragmentá-los, a
racionalidade moderna levou a experimentos artísticos radicais e, neste contexto, somente o
novo era capaz de alcançar alguma expressão singular. Não surpreende notar a posição de
Maria Cecília Londres Fonseca: “os mesmos intelectuais que se voltaram, simultaneamente,
para a criação de uma nova linguagem estética – no sentido de ruptura do passado – e para a
construção de uma tradição – no sentido de buscar continuidade” (FONSECA, 2005, p. 98),
principalmente a partir do momento em que a nacionalidade é revista, com um grupo de
intelectuais que vão procurar novas interpretações do Brasil, (re)mapeando, (re)editando,
96

traduzindo, revirando bibliotecas européias em busca de originais e do riquíssimo material


deixado por aqueles personagens que certificaram o nascimento de uma nação (MOTTA,
2002).
Foi o empenho desses expoentes da intelectualidade brasileira das primeiras décadas do
século XX que foi criado, em 1936, o Sphan, regulamentado pelo Decreto-Lei nº 25, de 30 de
novembro de 1937. Este órgão de proteção, sustentado pelo instituto do Tombamento, e sob a
direção de Rodrigo Melo Franco de Andrade, empreende a proteção dos grandes núcleos
históricos e dos monumentos mais expressivos da cultura brasileira até a década de 1970, ao
superar dificuldades e se consolidar.
Os intelectuais que se destacaram no comando institucional do patrimônio no Brasil,
liderados por Rodrigo Mello Franco de Andrade, na primeira e ‘heróica’ fase, e por
Aloísio Magalhães, em curta porém profícua administração, praticaram um discurso
de apropriação da cultura brasileira movidos pelo desejo de preservar fragmentos
escolhidos dessa cultura. Tais discursos, ao buscar e selecionar o que a sociedade
deveria considerar como patrimônio, produzem como conseqüência, ao mesmo
tempo em que pressupõe, a possibilidade mesma de sua perda. A possibilidade da
perda do patrimônio é ao mesmo tempo a ‘causa e o efeito da proteção’ (BO, 2003,
p. 25).

Selecionar e “salvar” da perda e da degradação material fragmentos da história artística


e arquitetônica, como é o caso do barroco brasileiro, significava eleger pontos de contato com
o passado, de modo a permitir à sociedade contemporânea identificar-se e estabelecer uma
continuidade imaginária com o conjunto patrimonial da cultura brasileira. Se por um lado,
seria sempre necessária a constatação da possibilidade da perda para que tais sítios e objetos
sejam eleitos, por outro, ao elegê-los, os intelectuais alertam a sociedade quanto à
possibilidade da perda desse patrimônio. Tombá-los, designá-los legalmente, significa dar
nome jurídico a essa possibilidade.
Fernando Fernandes da Silva chama a atenção para as primeiras Constituições
brasileiras, apontando as de 1824 e a de 1891 como sendo omissas quanto à proteção dos bens
culturais (SILVA, 2002). A base para a proteção encontra-se na Constituição de 1934, artigo
148, que atribuía à União, aos Estados e aos Municípios a responsabilidade de “favorecer e
animar o desenvolvimento das ciências, das artes, das letras e da cultura em geral, proteger os
objetos de interesse histórico e o patrimônio artístico do País” e a de 1937, artigo 134,
delegando também às esferas federal, estadual e municipal tal responsabilidade e definindo
“os monumentos históricos, artísticos e naturais, assim como as paisagens ou os locais
particularmente dotados pela natureza, gozam da proteção e dos cuidados
especiais” (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao).
97

É neste contexto que foram criadas as condições favoráveis à elaboração do anteprojeto


de Mário de Andrade e posteriormente o Decreto-Lei nº 25/37. Segundo Fernando Fernandes
da Silva, o anteprojeto de Mário de Andrade foi organizado em três capítulos. No primeiro,
constam as competências do Serviço do Patrimônio Artístico Nacional – Span –, para
determinar, organizar, conservar e defender o patrimônio artístico nacional. No segundo
capítulo constam os bens culturais que fazem parte do patrimônio artístico nacional e os
critérios de seleção desses bens, compreendendo obras de arte pura ou de arte aplicada,
popular ou erudita, nacional ou estrangeira. No terceiro, Mário de Andrade dedica-se a
estabelecer a estrutura interna do Span (SILVA, 2002).
Pode-se identificar duas tendências contemporâneas neste anteprojeto: quando refere-se
à proteção dos denominados bens imateriais, que se “manifesta nos vocabulários, cantos,
lendas, magias, medicina, culinária ameríndias” e na categoria arte popular, “consta o tema
folclore, que consiste na música popular, contos, histórias, lendas superstições, medicina,
receitas culinárias, provérbios, ditos, danças dramáticas [...]” (SILVA, 2002, p. 133).
A importância de Mário de Andrade é vista também, dentre inúmeros pesquisadores,
por Rogério Menezes. Para este autor, se a reflexão e a conseqüente ação sobre o patrimônio
cultural imaterial do Brasil tivesse um santo padroeiro, o título poderia ser atribuído a Mário
de Andrade. Escritor, musicólogo e polemista, foi um dos cérebros da Semana de Arte
Moderna de 1922 e um dos mais importantes nomes da cultura brasileira do século passado.
(MENEZES, 2006, p. 9).
Gilberto Gil, ex-Ministro da Cultura (2003-2008), registra este pioneirismo:
[...] A idéia de ampliar o raio de proteção, de preservação, e de valorização dos bens
simbólicos de nosso povo foi, na verdade, sugerida por Mario de Andrade, no
contexto do nascimento do Iphan, quando a consciência de preservação da memória
nacional começou a se enraizar na sociedade brasileira (GIL apud MENEZES, 2006,
p. 11).

É verdade, foi este intelectual quem deu início à reflexão sobre o patrimônio cultural
imaterial brasileiro. Em 1936, em proposta entregue ao então ministro da Educação Gustavo
Capanema, afirmava que o patrimônio cultural da nação compreendia muitos outros bens
além de monumentos e obras de artes. Mário de Andrade elaborou um projeto bastante amplo,
em que apresentou a definição de Patrimônio Artístico e Nacional, como sendo todas as obras
de arte, pura ou aplicada, popular ou erudita, nacional ou estrangeira, pertencentes aos
poderes públicos, e a organismos sociais e a particulares nacionais ou estrangeiros residentes
no Brasil. Desse modo o autor procurava englobar toda manifestação da cultura brasileira, sob
quaisquer formas que fossem: artefatos, música, culinária, contos e lendas, costumes e outros.
98

De volta à década de 1930, para Adriana Campani e Virginia Holanda, esta década é
marcada como período de forte discurso político de modernização do país, dentro das ações
que visavam a unificação nacional através da construção de uma identidade isenta de
sentimentos regionalistas, amparada no processo de formação de uma cultura brasileira
(CAMPANI & HOLANDA, 2005). Do ponto de vista de um projeto intelectual, os
integrantes da Sphan, afinados com o movimento moderno, propuseram a reelaboração do que
seria a tradição cultural brasileira, recusando tanto a cópia (neo) quanto a mistura (eclético) de
estilos pretéritos. “A afinidade estrutural [...] da arquitetura moderna com as técnicas
construtivas tradicionais era demonstrada para erigir esses dois estilos nas manifestações mais
autênticas da arquitetura brasileira” (FONSECA, 2005, p. 130).
É nesta década que as iniciativas preservacionistas começam a alcançar resultados mais
consistentes, sendo o primeiro deles o ano de 1933, durante o governo provisório de Getúlio
Vargas, quando a cidade de Ouro Preto foi declarada Monumento Nacional, em
reconhecimento a seu rico passado histórico, o cenário da Inconfidência Mineira (1789) 28, e a
seu opulento patrimônio edificado, a maior parte do qual era àquela altura atribuído à
Aleijadinho (MOTTA, 2002), tombada pelo Sphan em 1938 e sendo reconhecida pela Unesco
como Patrimônio Mundial em 1980.
Para Carlos A. C. Lemos,
Ouro Preto foi preservada porque se desejou proteger seus monumentos maiores,
cada um vistos de per si, e o ato legal visou à proteção de uma ‘pacote’ de
construções, cujas áreas envoltórias acabaram abrangendo a cidade toda (LEMOS,
1987, p. 46).

A identidade brasileira tomaria forma, em parte, através destes bens históricos, sendo a
preservação restrita às grandes edificações como igrejas, casarões, quartéis e outros símbolos
representativos do poder de uma época. Ouro Preto é, assim, dimensionado no imaginário
coletivo brasileiro como poderoso símbolo da identidade brasileira. Um símbolo barroco e
mineiro, desbancando inclusive a primeira capital brasileira, Salvador, que só recebeu o título
de Patrimônio Mundial em 1985.
Em 1934 o governo federal criou a Inspetoria dos Monumentos Nacionais, no âmbito
do Museu Histórico Nacional, que chegou a promover intervenções de restauro conduzidas
pelo engenheiro Epaminondas Macedo em vários monumentos de Ouro Preto. Neste mesmo
ano, foi promulgada nova Constituição Federal, que, em seu Capítulo II, artigo 148, incluiu

28
Movimento de cunho elitista que apresentava idéias e interesses de romper os laços que a colônia brasileira
mantinha com a metrópole portuguesa.
99

entre os deveres do Estado, a proteção dos “objetos de interesse histórico e o patrimônio


artístico do país” (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao).
Outro aspecto indicativo da ampliação do debate sobre o patrimônio é a criação, em
1935, da primeira “organização brasileira de estudos de coisas e de sonhos brasileiros”: o
Departamento Municipal de Cultura da cidade de São Paulo – DMC/SP – o que correspondeu
a anseios de um grupo de intelectuais paulistas aglutinados em torno do jornalista Paulo
Duarte. Juntamente com Mário de Andrade, planejavam ampliar a esfera de atuação do DMC
criando o Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico – DPHA/SP. Com tais planos em
mente, é que, ambos dedicavam-se a viagens de fins de semana para ir descobrir ruínas,
capelas antigas, velhos casarões coloniais.
A iniciativa de chamar Mário de Andrade para redigir o programa da instituição de
patrimônio a ser criada, reside na convicção que a principal tarefa do Ministério da Educação
e Saúde – MES –, a formação da mentalidade futura do homem brasileiro, não estaria
solidamente alicerçada caso não fosse igualmente estabelecido no presente o que importava
do passado da nação. O ponto central no sucesso dos modernos esteve na habilidade em criar
e gerir monumentos – interpretados como materialização de valores permanentes da
civilização – enquanto estratégia de autenticação de uma identidade nacional brasileira. Dessa
forma, a política de patrimônio cultural implementada pela Sphan, entre 1937 e 1979,
concentrou-se em monumentos arquitetônicos, religiosos e históricos, embora a definição do
Decreto-Lei nº. 25, de 30/11/1937, fosse bastante abrangente.
Para Lauro Cavalcanti,
os modernos possuíam [...] um projeto de nação incomparavelmente mais
globalizante, sofisticado e inclusivo da complexa realidade brasileira, enquanto os
‘tradicionalistas’ buscavam compensar sua fragilidade teórica com uma ‘arenga’
denunciadora de supostas posições esquerdistas dos primeiros - alegações que, em
muitos casos, beiravam o ridículo, como ao acusar Manoel Bandeira de comunista,
figura sabidamente conservadora no plano político (CAVALCANTI, 1999, p. 185).

O embate entre as várias correntes ocorre, de forma mais evidente e concreta, entre
1935 e 1937, no terreno da arquitetura e patrimônio. Em uma primeira instância, Lúcio Costa
consegue provar,em facedosacadêmicose neocoloniais,
quesuasconstruçõeseram,a um só
tempo, novas, nacionais e estruturalmente ligadas a uma tradição pretérita.Como
desdobramento,é convocadoparaformaros quadrosdo Sphan,que passaa detero poderde
seleção daquiloque deve sersacralizadoe conservadocomo monumento nacional,com o
tombamento.
As estruturasmodernas,simplificadase multiplicáveis,igualariamas casasde ricose
pobresno aspectoconstrutivo,possibilitaa produção em largaescalade casasoperárias.
100

Gostarou não dasformasmodernasnão setratavamaisde uma opção estils


í tica,mas sim de
uma necessidadeéticae social,como afirmavaLúcioCosta(FONSECA, 2005).
A partir de 1979 o Iphan passa por significativas transformações. A instituição passou a
contar com a Fundação Nacional Pró-Memória, criada por Aloísio Magalhães, possibilitando
contratações e a utilização de recursos sem sujeição à rigidez das normas federais de
admissões e ordenação de despesas. Novos profissionais, como antropólogos, sociólogos e
técnicos ligados à área de educação, foram incorporados à instituição, com o objetivo de
construir um sistema referencial básico, a ser empregado na descrição e na análise da
dinâmica cultural brasileira. Houve, na ocasião, uma divisão entre os bens imóveis, chamados
por Aloísio Magalhães de “pedra e cal”, e os demais bens culturais, os novos objetos de
patrimônio, chamados de bens “móveis”, “vivos” ou “fazeres culturais” – referências da
dinâmica cultural brasileira (MOTTA, 2002).
Maria Cecília Londres Fonseca, por sua vez, sublinha os aspectos político e ideológico
que permeiam as ações institucionais em relação ao patrimônio:
Os intelectuais que estão direta ou indiretamente envolvidos com uma política de
preservação nacional fazem o papel de mediadores simbólicos, já que atuam no
sentido de fazer ver como universais, em termos estéticos, e nacionais, em termos
políticos, valores relativos, atribuídos a partir de uma perspectiva e de um lugar no
espaço social (FONSECA, 2005, p. 22).

No Brasil, a promulgação do Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, organiza a


proteção do patrimônio histórico e artístico nacional e instituiu o instrumento do tombamento.
A inscrição, em um dos quatro livros do tombo 29, de bens móveis ou imóveis cuja
conservação é de interesse público impede legalmente que eles sejam destruídos ou mutilados.
Os livros de tombo definem, portanto, o estoque de bens culturais de propriedade ou
administrados pelo poder público como signos da nacionalidade.
O ato do tombamento, prerrogativa do poder Executivo, não implica desapropriação e
nem determina o uso, tratando-se sim de “uma fórmula realista de compromisso entre o
direito individual à propriedade e a defesa do interesse público relativamente à preservação de
valores culturais” (FONSECA, 2005, p. 115).
A criação de valores é fundamental dentro de qualquer sociedade. Um grupo social o é
na medida em que se distingue dos demais e, para tanto, a internalização dos valores culturais
que lhe são próprios é importante, afinal, como o ser humano é um animal que trabalha,
atribui significados, estabelece valores, exatamente porque ele estabelece valores, essa escala
hierárquica de valores criadas pelo homem, vai constituir o seu patrimônio.
29
Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico; Livro do Tombo Histórico; Livro do Tombo das
Belas Artes; Livro do Tombo das Artes Aplicadas.
101

Por outro lado, faz-se necessário reconhecer que a valorização do patrimônio no Brasil
é um processo extremamente desigual, pois atinge, em geral, aqueles bens considerados
monumentais ou aqueles para os quais o mercado turístico vê possibilidades de exploração.
Em outras palavras, na prática, essa visão de patrimônio cultural presente na Constituição de
1988 ainda precisa ser reconhecida e apropriada pela sociedade.
Isso pode levar à uma reflexão sobre o olhar que se tem sobre a região Nordeste, palco
do “descobrimento”, mas já primordialmente habitada pelos homens e mulheres da Pré-
História30, cenário dos maiores engenhos de açúcar, das drogas do sertão e do pau-brasil do
período colonial e por isso cobiçada pelos outros invasores31 que aqui estiveram,
estabelecendo inclusive relações econômicas, mas sendo colonizada mesmo pelos portugueses
que aqui deixaram as “indeléveis marcas lusitanas” (LACROIX, 2002) e que ressentiu-se
econômica e culturalmente pela transferência da capital de Salvador para o Rio de Janeiro, em
1763.
A produção dos intelectuais maranhenses sobre a história e cultura do Estado confirma
vários qualificativos: tradição, arquitetura, política, cultura. Somando-se a esse quadro,
apresentam a existência de um período de riqueza econômica, concomitante a uma grande
produção erudita que resultou no título de Atenas Brasileira para São Luís (ver Capítulo I). A
este período áureo segue-se um período de decadência, econômica e cultural, o qual nunca
teria sido completamente superado. Em certa medida a idéia da decadência estaria presente
em muitas falas sobre o Estado e a cidade, porém expressa de forma indireta, ao se reclamar
da insuficiência de recursos e apoio do governo federal para o desenvolvimento do Estado,
que por esse motivo estaria entre os mais pobres do país.
No processo de construção de uma visibilidade para a região, a fixação do que seria a
identidade nordestina, literatos, pintores, eruditos, historiadores, pesquisadores, que se
dedicaram a apresentar o patrimônio cultural da região, mostrando-o como fonte inesgotável
de surpresas e belezas naturais, em contraposição à imagem vendida pelo Sul de “primo-
pobre” (ALBUQUERQUE JR, 2003), na perspectiva de dar-lhe materialidade, de transformá-
la em matéria de expressão artística, paisagística e de significados. Materialidade essa capaz
de ser lembrada, de ser levada à memória de seus habitantes.
A natureza, aqui, proporciona momentos de prazer. São tradições, músicas, danças,
folclore e gastronomia que combinam, com o contato com os(as) moradores(as) ou visitantes,

30
Pesquisas feitas pelos arqueólogos Niède Guidon e Fábio Parenti desde a década de 1960, no sul do Piauí,
cidade de São Raimundo Nonato, apontam a chegada do homem na região há mais de 56 mil anos.
31
Holandeses: Salvador (1624-1625), Pernambuco (1630-1654), Maranhão (1941-1644); franceses: São Luís
(1612-1615) e outras potências européias que praticaram saques.
102

acolhimento em ambientes familiares com a salvaguarda de casas de significativo valor


arquitetônico. Patrimônio que se torna cristalizado, petrificado, cumulado de ícones,
símbolos, objetos e signos que perderão o caráter fugidio e equivocado do Nordeste da “seca”,
do “cabra da peste”, para ser dotado de discurso da prática e das identidades nordestinas.
Na trilha de Durval Muniz de Albuquerque Júnior, os discursos de preservação na
região Nordeste datam de 1882, quando o Chefe da Seção de Manuscritos da Biblioteca
Nacional percorreu as Províncias da Bahia, Alagoas, Pernambuco e Paraíba para recolher
material epigráficos dos monumentos da região.
De fato, o Nordeste e a figura do nordestino emergem entre o final do século XIX e o
início do século XX a partir das lutas regionais entre as várias parcelas que compõem as elites
brasileiras, notadamente a elite açucareira, do Norte, e a cafeicultura, do Sul. Os discursos
regionalistas se acentuam à medida que o espaço nacional se unifica e centraliza. As elites do
Norte, vinculadas às atividades econômicas em declínio, como a produção de açúcar e
algodão, vinham perdendo importância política, no âmbito nacional, e começam a se queixar
da forma como são tratadas pelo Estado. Este lhes negaria apoio financeiro, não lhes ajudaria
na substituição da mão-de-obra escrava e submeteria suas atividades a uma pesada carga
tributaria, praticando uma política econômica favorável ao café e desfavorável a seus
produtos.
Contudo, apesar desse intrólito, pensa-se que apenas os “fatos memoráveis”, o
patrimônio cultural, quer seja do país, da região, do Estado ou Município, não são suficientes
para colocá-los como lugares especiais, por se compreender que o status de especial é dado
por quem percebe o lugar. O que dá sentido a um lugar, é o conjunto de significados, os
símbolos que a cultura local imprime ou imprimiu nele, sendo isso o que leva o outro a senti-
lo, partindo de seus valores, o lugar em que se mora, visita, percebe, sente, vive. O significado
simbólico, aqui sugerido, é potencializador de múltiplas interpretações que a diversidade de
públicos, consoante os seus contextos socioculturais, pode e vai fazer.
Sendo assim, além de identificar o conceito associado ao patrimônio cultural edificado
e os valores a ele atribuídos nos dias atuais, essa pesquisa procura investigar o grupo social
que discutia e discute políticas de preservação do patrimônio construído em Caxias, os
critérios utilizados para selecioná-lo, na perspectiva de compreender os sentidos e os
significados do patrimônio edificado do centro histórico de Caxias para os cidadãos(ãs)
caxienses, se ele é apropriado pela população, no sentido de trazer à tona a potencialidade da
identidade e memória desse cidadão(ã) como um dos elementos constitutivos de reivindicação
103

de uma política pública de patrimônio efetiva na cidade de Caxias. É sobre esses temas que se
passa a tratar agora.

Centro de Cultura – antiga fábrica Têxtil Caxiense


(Ilustradora: Joana Batista, 2009)

Palácio Duque de Caxias (Ilustradora: Joana Batista, 2009)


104

CAPÍTULO III
CAXIAS: significados e sentidos do
centro histórico
“De pedras e azulejos, mirantes e becos, sobrados e torres faz-se
uma cidade: ainda mais alma”.
Bandeira Tribuzi

3 CAXIAS: significados e sentidos do centro histórico

Esse é um capítulo em que se faz a aplicação do que foram os dois capítulos anteriores,
em que se propôs apresentar, no primeiro, o objeto (Caxias) e, no segundo, a teoria, tendo
agora, portanto, uma soma dos capítulos para uma condição metodológica de aplicação do
olhar investigativo sobre o objeto de estudo.
Portanto, busca-se apresentar os significados e sentidos do centro histórico de Caxias
para os seus habitantes. Aqui, o grande eixo são os depoimentos; foram entrevistados tantos
os “renomados/intelectuais”, bem como os moradores, usuários e passantes, convidados para
pensar a cidade, a arquitetura da cidade, o significado que tal patrimônio tem para ele(a),
porque os olhares distintos têm a expectativa de demonstrar as diferentes visões sobre o
sentido desse patrimônio.
A memória dos(as) entrevistados(as) vai revelando o patrimônio histórico-cultural de
Caxias, cada um a seu modo, inserido no painel de acontecimentos que marcaram e marcam a
história da cidade. Não importa o lugar por eles(elas) ocupado, pois o que se verifica é o
compromisso em levar adiante a bandeira de contribuir para a preservação e requalificação do
patrimônio histórico-cultural de Caxias.
O capítulo se constitui de 4 itens. No primeiro, saberes sobre a cidade, busca-se
fundamentação nos aportes teóricos de intelectuais que discutem a sociologia urbana: cidade,
espaço, lugar, haja a cidade, como produção humana, ser o reflexo de uma variada gama de
valores, construções históricas e sociais que se relacionam ao imaginário. O espaço, que
contém os bens patrimoniais edificados é o lugar em que a dimensão subjetiva revela-se de
forma mais intensa. Por meio das práticas sociais, são atribuídos valores ao patrimônio que
ultrapassam a esfera objetiva, ao englobar os símbolos, as relações afetivas com o espaço, a
identidade e a memória local.
105

No segundo item, as vozes do patrimônio em Caxias, é dado voz aos relatos de


moradores e moradoras sobre o patrimônio histórico-cultural da cidade, com suas histórias de
vida, rotinas, formas de entender o patrimônio histórico, sua valorização e como reivindicam
políticas de preservação. Em o patrimônio presente: o centro histórico de Caxias, discute-se a
categoria centro histórico, momento em que o de Caxias é apresentado.
O capítulo traz, ainda, uma discussão sobre as práticas patrimoniais, discutindo a
educação como veículo de transmissão do patrimônio histórico-cultural para a cidade.
Salienta-se que este capítulo pretende contribuir de forma significativa para melhor
compreensão do patrimônio histórico-cultural de Caxias.
3.1 Saberes sobre a Cidade

O patrimônio arquitetônico tem um papel determinante no desenho das cidades, ao


organizar a paisagem urbana e marcar o diferencial de um período ou época. Não é só
marcador de tempo, ou simplesmente um acervo documental, ou ainda a afirmação da
“grandeza” de um passado perante o presente, mas o (re)construtor da natureza do processo
cultural, pois pode definir o ponto de partida para novas atividades na atualidade, permitindo
novos desafios para futuro. E visto que o palco onde se desenrola a cena patrimonial é a
cidade, o convite é para que uma reflexão sobre esta seja feita.
A cidade, base concreta da vida urbana, é formada por um conjunto de elementos como
as ruas, as praças, o centro, os estabelecimentos comerciais, as casas, os órgãos institucionais,
entre outros, que compõe sua estrutura interna, os quais estão em constante transformação,
sendo modificados, produzidos, sobrepostos e reproduzidos.
As cidades se impõem como desafios aos(as) pesquisadores(as) que visam entender
seus emaranhados de enigmas, de representações, de tempos, de espaços e de memórias. Sob
a sua materialidade fisicamente tangível, descortinam-se cidades invisíveis, com tramas de
memórias e de esquecimentos do passado, contendo impressões recolhidas ao longo das
experiências urbanas. Nelas, estabelecem-se conflitos e tensões, solidariedades e
acolhimentos, mobilidade e enraizamento, planificação e significações, tudo envolto em
confrontos que redimensionam incessantemente o pulsar urbano.
Por isso, a complexidade inerente às cidades exige que sejam tomadas como algo mais
que simples resultados técnicos e construtivos, ou seja, muito mais que conjuntos de traçados
viários e de distribuições mais ou menos ordenadas de edificações circunscritas a
determinadas áreas territoriais.
106

Por isso, definir o que seja cidade consiste numa tarefa não tão livre de imprecisões e
controvérsias. Pode-se contentar com os ensinamentos compilados pelo dicionarista Aurélio
Buarque de Holanda Ferreira que diz: “a cidade é um complexo demográfico formado, social
e economicamente, por uma importante concentração populacional não agrícola, e dedicada a
atividades de caráter mercantil, industrial, financeiro e cultural” (FERREIRA, 2004, p. 43).
Mesmo que se aceite esta noção como suficiente para definir a categoria cidade,
permanece a questão principal sobre o que ela seja. Segundo Ana Fani Carlos, esta pergunta
permanece no ar. Contudo, qualquer habitante sabe o que ela é, posto que vive nela e constrói
no seu cotidiano o cotidiano da cidade (CARLOS, 1997).
Pensa-se, porém, que para que se entenda a cidade não basta apenas observá-la ou viver
nela. É preciso sentir a sua dinâmica, geografia e história. Seria observar a movimentação das
pessoas nas ruas, as relações comerciais, onde estão localizados os estabelecimentos
industriais, onde moram e estudam seus habitantes, o que fazem nos momentos de trabalho e
de lazer. Isso por que a cidade é composta por um sem-número de traços, linhas, cores,
cheiros, sons, sotaques, frases, movimentos. Seria compreendê-la não apenas na acepção
exclusivamente visual, mas na dimensão significativa que os habitantes/usuários(as) atribuem
à ela, ou seja, na sua dinâmica cotidiana, símbolos e significados.
Com efeito, pensar a cidade leva à reflexão sobre o espaço físico, o homem e a mulher
que ocupa esse espaço, os significados, os lugares, as relações que permeiam cada canto que
fazem a cidade, como afirma Maria Cecília Silva de A. Nunes:
Ela é memória organizada, natureza e cultura. Tem história, personagens e uma
trama de desejos individuais e de projetos. Olhando a cidade como lugar onde as
contradições se dão; lugar onde a luta cultural para configurar valores, hábitos,
atitudes, comportamentos e crenças se faz presente. É importante afirmar que a
cidade também é lugar de pluralidades e diferenças (NUNES, 2005, p. 233).

Assim, pode-se pensá-la, em um primeiro momento, como conglomerado de casas,


prédios, formas, multidão, trânsito, barulho, agitação. Em um outro, podem ser atribuídos
outros significados e sentidos, como o processo produtivo, a ação, a relação, o fazer humano,
ou seja, o espaço em que o homem e a mulher vive e transforma de acordo com as
necessidades postas por cada sociedade, de cada tempo histórico, estando aí a “essência” da
cidade, fruto do processo das relações sociais e produtivas, onde se estabelecem as relações
humanas, cheias de contrastes, de desigualdades sociais, econômicas e culturais, como sugere
Maria Stella Brescianni: “local cheio de significações acumuladas ao longo do tempo e que se
manifestam através de múltiplas formas de cultura e particularidades
arquitetônicas” (BRESCIANNI, 1998, p. 237).
107

Certamente, refletir sobre a cidade é passear imaginariamente através de diferentes


épocas, ao buscar, invocar e agrupar acontecimentos para o associar imediato do presente. Por
isso, a cidade parece complexa e fundamental na vida contemporânea. Perpassa, assim, uma
experiência no olhar, com os estilos arquitetônicos traduzindo valores materiais e imateriais,
posto que além da “pedra e cal”, também há ações produtoras de subjetividades: são as
memórias, os sentimentos, as identidades que vão sendo elaboradas pelos sujeitos sociais que
vivem ou passam pela cidade.

Em cada cidade do império, os edifícios são diferentes e dispostos de maneiras


diversas, mas, assim que o estrangeiro chega à cidade desconhecida e lança o olhar
em meio às cúpulas de pagode e clarabóias e celeiros, seguindo o traçado de canais
hortos depósitos de lixo, logo distingue quais são os palácios dos príncipes, quais
são os templos dos grandes sacerdotes, a taberna, a prisão, a zona. Assim, confirma-
se a hipótese de que cada pessoa tem em mente uma cidade feita exclusivamente de
diferenças, uma cidade sem figuras e sem forma, preenchida pelas cidades
particulares (CALVINO, 1990, p. 40).

Ao descrever a cidade, Ítalo Calvino mostra que ela pode ser observada a partir da
conformação dos edifícios, ruas, moradias, praças, topografia, moradores(as) e visitantes, que
se expressam diferenciadamente, além de conhecer os caminhos e descaminhos históricos que
culminaram com a sua formação enquanto unidade político-econômica e cultural. É, pois, um
lugar de trocas, materiais, espirituais, simbólicas. É, então, objeto – pode ser observada
materialmente –, e sujeito, pois atrai e acolhe os habitantes aos quais fornece, através de sua
produção, a maior parte do que os moradores e moradoras necessita. No entanto, enquanto
objeto, ocorre a partir da função de sujeito, tendo em vista a influência que o ambiente urbano
materializado exerce em seus habitantes. Nesse sentindo, se os sujeitos utilizam e moldam a
cidade, a recíproca também é igualmente verdadeira.
Por sua vez, uma cidade também é um lugar singular, diferenciado; o sentimento de
orgulho, visto o que a faz são as particularidades que cada um cria; é o caráter individual que
proporciona a criação de densidades relacionais; assim, uma cidade torna-se mais do que uma
aglomeração de pessoas, mas sendo singular, depende criticamente da pluralidade que só as
outras cidades lhe emprestam: o sentido da constelação. O lugar induz à idéia de pertença e
identidade, como afirma Ana Cristina M. Brandim: “As lembranças, as reminiscências,
possuem uma ligação muito íntima com os espaços da memória, pois os monumentos, os
lugares, imprimem porções de identidade, estabelecem elos entre o passado e o
108

presente” (BRANDIM, 2005, p. 241). Assim, os lugares de Caxias subsistem enquanto


lugares de memória.
Segundo Marc Augé, a noção de lugar, menos genérica e abrangente do que a de
espaço, retém uma distinção. Pode-se entendê-lo como demarcações físicas e simbólicas no
espaço, cujos usos os qualificam e lhes atribuem sentidos de pertencimento, ao orientar ações
sociais e sendo por estas delimitados reflexivamente (AUGÉ, 2008), assim, os lugares
tornam-se patrimônio ao representarem a fixação da cultura, dado que são os lugares de sua
expressão pelos seres humanos.
Assim é Caxias. Ao caminhar por suas ruas, becos e avenidas, o que mais surpreende é
a forma como o espaço se encontra marcado, a diversidade de indivíduos, grupos e formas de
apropriação do lugar. Neste cenário, que é vivenciado, as pessoas fazem papel de ator e
espectador. A opulência do casario colonial, a expressividade dos monumentos públicos e
religiosos e a riqueza artística encontrada no interior das igrejas fornecem a dimensão da
importância deste núcleo a partir de meados do século XIX, ou, como nesse trabalho se
atribui, ao período da belle èpoque de Caxias.
Como toda cidade, Caxias é resultado da produção social do espaço urbano: é uma das
tantas cidades brasileiras que experimentou a criação de ambientes desenhados à luz da
história e das memórias de seus habitantes. Em que pese essa maneira de atribuir importância
a um lugar, Caxias condensa em sua história certos aspectos que permitem apreender não
apenas diferentes estilos arquitetônicos e subjetividades, como, também, distintas
experiências de intervenção urbana nos seus quase três séculos.
Os “lugares” de Caxias seriam, portanto, referências do seu passado rico, glorioso,
“heróico”. Esses lugares figuram na imagem que os habitantes possuem sobre a cidade, como
enfatiza a estudante Thays Torres da Silva: “Caxias, terra do poeta romântico Gonçalves Dias;
cidade onde ocorreu a Balaiada” (SILVA[C], 2008); ou, para a também estudante de ensino
médio, Géssica Amaral de Queiroga: “Cidade que possui uma arquitetura colonial preservada
em casas e casarões, deslumbrantes e extraordinários, de herança portuguesa” (QUEIROGA,
2008). Esses eventos, baseados em fatos históricos, apropriados e recriados tanto pela
população local como pelo poder público, recontam a história e reafirmam os símbolos que
constroem a imagem da cidade, como a “Princesa do Sertão Maranhense”. Dessa forma,
casarões e edifícios seculares, praças, ruas calçadas de pedras, são associados aos “feitos”
históricos e à existência presente do passado, como se uma memória coletiva estivesse
sedimentada na concretude da cidade. Esses lugares, para Marc Augé, são compostos de
109

algumas características: “Eles se pretendem históricos (pretendem-nos) identitários,


relacionais e históricos” (AUGÉ, 2008, p. 52). Identitários porque o lugar de nascimento, as
regras de residência, é como uma inscrição no solo que compõe a identidade individual;
relacionais porque são compartilhados e, portanto, designam fronteiras e marcam a relação
com os seus e os outros. Por fim, é histórico na medida em que os homens e mulheres vivem
a/na história. Assim, a apropriação simbólica feita pelos habitantes de Caxias do patrimônio
edificado está acumulada de sentimentos de pertença, o que o particulariza e o transforma em
lugar de memória.
A idéia de trazer o passado ao presente o faz contínuo e permanente, através da
experiência de ver e sentir a cidade, a partir do olhar (ou dos olhares) de seus moradores e
moradoras, como o do desembargador Arthur Almada Lima Filho:
Em frente à Praça Rui Barbosa, tem um casarão antigo, de propriedade de D.
Dazinha, e que eu acho muito bonita, inclusive as portas são bem altas, a chave da
casa, que ela sempre ostenta com muito orgulho, tem aproximadamente uns 30 cm;
no interior, tem lajotão, o teto ainda é de madeira traçada, trabalhada. Muita rica.
(LIMA FILHO, 2008).

Ou nas lembranças do poeta caxiense Wybson Carvalho:


O Raimundo Vilanova, que era proprietário daquele imóvel localizado a uma aresta
da Praça Gonçalves Dias, tinha noção de patrimônio, de conservação, porque foi ele
construiu a Praça Gonçalves Dias, que transformou o antigo presídio em mercado
público – posteriormente esse prédio veio a sediar a Prefeitura Municipal. Aquilo
era um presídio com caráter até regional. Caxias era uma cidade-mãe de todas as
cidades circunvizinhas (CARVALHO, 2008).

À medida que os(as) moradores(as) vão somando, em camadas, as lembranças de seu


patrimônio, surgem os lugares de memórias, em que a comunidade vê partes significativas do
seu passado com imensurável valor afetivo.
Sinto orgulho em fazer parte dessa História e dessa cidade. Caxias é a minha terra
natal. Gosto de saber como as pessoas viviam em outras épocas e que influências
nos deixaram. Através da História me sinto ligada aos meus antepassados. É como
um livro (os Lusíadas) ou uma música de Elis Regina, que vão ficar para sempre. E
sem eles, cadê a nossa História? Seremos como órfãos; ou como alguém que perde a
memória; ou como um mentiroso que conta suas histórias sem ter provas (LOBÃO,
2009).

As descrições, impressões e imagens sobre a possível “opulência e riqueza” do


patrimônio edificado são percebidas em grande parte dos discursos que narram Caxias e que a
apontam como uma cidade expandida em termos materiais e culturais, lugar vivido,
ancoradouro de uma identidade que não se deixa fazer esquecida, onde se configura a
memória através de seus murmúrios, uma espécie de canto de nostalgia que esconde a alegria
dos velhos tempos.
110

Por sua vez, é paradoxal o olhar de muitos(as) dos(as) entrevistados(as), que não fala de
uma visão mais realista, que envolve a dimensão das desigualdades sociais, da favela, da
pobreza. O tom de voz enuncia uma presença idílica, de algo quase lírico, de só olhar para
onde o foco de luz marca esse lugar da paisagem arquitetônica, a riqueza e beleza da cidade,
uma visão quase que divinizada, embora o seu entorno se agencia pelas desigualdades sociais,
com bairros sem infra-estrutura, saneamento básico, casas de pau a pique e telhados de palha.
Como contraponto a essa visão idílica de cidade, Luís Domingues Oliveira (in
memoriam), dentre outros(as), fala sobre a cidade e as edificações que conheceu.
A cidade melhorou muito, porque naquele tempo as casas eram tudo casinhas,
mesmos a desses homens ricos, tudo era pequeno. A casa do “seu” Zé Guimarães,
dono dessa fábrica aí [Manufatura, hoje Centro de Cultura], era tapada de taipa. Ali
era de taipa, amarrada com umas embiras, cipó, com rêis de couro de boi, que
usavam para amarrar. O prédio que tem na Praça Gonçalves Dias, eu já alcancei
daquele jeito. Foram desmanchando aos poucos e fazendo de alvenaria. [...] Não
achava tão bonita não, porque a gente acostuma com uma coisa, né? Eu passava
quase todo dia naquelas portas, eu vendia lenha para as donas dessas casas. O
homem trabalhador, naquele tempo, por dia só ganhava 10 tostão, dava mal pra
passar. Já passei muita fome. Tinha vez que os calangos ‘passava’ por dentro do
fogão, por que não era nem aceso no dia (OLIVEIRA[A], 2002).

São as desigualdades da própria condição daqueles que residem (ontem e hoje) nos
bairros periféricos e que usufruem do centro apenas como espaço de trabalho, em
atendimentos hospitalares ou nas visitas bancárias que fazem mensalmente, constituindo-se
este centro no que Marc Augé chama de não-lugar, em virtude de que “certos lugares só
existem pelas palavras que evocam, não-lugares nesse sentido ou, antes, lugares imaginários,
utopias banais, clichês” (AUGÉ, 2008, p. 88), visto serem apenas lugares de passagem ou
espaço utilizado para determinados fins: comércio, atendimentos, trabalho e lazer.
Não obstante a essa visão, as memórias daqueles que manifestam sentimentos positivos
com relação ao patrimônio histórico-cultural, revelam, quando convidados a (re)visitar os
lugares, as edificações, uma cidade monumental, de passado glorioso, que demonstra a
herança recebida, complementada com o toque do presente, numa dinâmica que por vezes se
constitui num verdadeiro desafio.
As edificações seculares, as manifestações artísticas dos poetas, escritores e artistas,
fornecem, para eles, uma amostra do desenvolvimento histórico-cultural de Caxias, expresso
não somente diante da cultura material, mas também, pela vasta produção literária que
imortalizou a imagem da cidade no Brasil e no mundo.
Por isso consideram particularmente regozijante constatar que a arquitetura constitui
um lugar de fala privilegiado. Por meio desse lugar de primazia da arquitetura é possível a
111

apropriação de um discurso urbanístico que vai além das dimensões das malhas viárias, que
esta apropriação arquitetônica está no centro eqüidistante de qualquer outro viés ali imbuído.
O(a) leitor(a) dos poetas caxienses, conhecendo através de suas obras a cidade, os
lugares mencionados, sente-se, muitas vezes, motivado(a) a ir a esses lugares e identificá-lo,
lançando também o seu próprio olhar. É assim, como pátria afetiva, cheia de significados e
sentidos, que muitos dos(as) entrevistados(as) também a vêem, a exemplo de Arthur Almada
Lima Filho:

Para mim a cidade de Caxias é como se fosse uma custódia, de guarda, lembrando
que aqui tem as raízes da minha família, e as lembranças, sabendo que os nossos
antepassados, no caso, o ramo dos Almada, chegou aqui já no século XVIII e os
Lima já nos meados do século XIX. Aqui nossas famílias, com o cruzamento dos
Almada com os Lima criaram uma certa tradição [...]. O meu avô, Coronel Cesário
Fernandes Lima, foi um grande comerciante, foi vereador e até Presidente da
Câmara. O Dr. Honorato Fernandes Lima, que era meu bisavô, teve uma prole
também, ainda que pequena, mas de bastante projeção: General Bernardino e o Dr.
Benedito Vieira Lima. Então, tudo isso me faz ver a cidade com respeito, como se
fosse um templo sagrado, que vejo, infelizmente, esteja sendo deformada pelas
novas gerações, inclusive gerações de pessoas que não são nem vinculadas às nossas
tradições, que não são de famílias, que eu diria, fundadoras da cidade (LIMA
FILHO, 2008 – grifo da pesquisadora).

Nessa fala, pretende-se destacar Caxias como um “lugar de memória”, tal como
descrito por Pierre Nora (1993), lugar esse, para o entrevistado, rico na cultura e na herança,
lugar de práticas e sentimentos vividos pelos seus antepassados. Esses lugares da memória
falam não somente do passado, mas, ainda mais, justificam e confirmam o tempo presente
para os habitantes. Por outro lado, a deformação pode ser entendida, ou lida, como
atualização, ressignificação. Por ressignificação entende-se a mudança de um referencial para
lhe conferir um novo significado. Em outras palavras, que esse patrimônio seja (re)utilizado.
O (re)uso é argumentado como um dos elementos dinamizadores (âncora) nas políticas e
projetos de intervenção nas edificações dos centros históricos.
Por sua vez, pode-se indagar o que tem então de se preservar para que uma cidade não
perca as suas referências, identidade, o seu patrimônio cultural. Quem responde é Helder
Pacheco, para quem, uma cidade precisa de,
antes do mais, de gente com ternura pelos sítios e as coisas, passadas e presentes,
que corporizam o espírito dos lugares. E precisa, depois, de gente que, num mundo
que se despersonaliza e onde as diferenças se liquefazem no amorfismo cinzento do
número, mantenha desperto o sentido vital de pertença a uma comunidade – rua,
largo, viela, bairro, freguesia – identificável. A uma comunidade que harmonize as
identidades sem as unificar, tonifique a solidariedade sem dependências, concite a
comunicação sem abafar as vozes. O silêncio das ruas desabitadas é, mais do que
um crime, uma abjeção do mundo contemporâneo, que deixa perder ou assassina o
sentido da existência. Porque uma cidade é feita de vizinhos. É feita de bulícios,
gestos, choros, falas, congruências e incongruências. Passado e presente, memória e
esquecimento. Uma cidade é feita de atos de viver: atitudes concretas que fazem
112

parte de um universo habitável e poético onde cada um, por humilde e apagado que
seja, desempenha o seu papel no jogo complexo e contraditório de ser cidadão
(PACHECO, 1996, p. 29-30).

É a cidade se constituindo em um “espaço praticado”, como bem lembra Fabio B.


Josgrilberg (2005). Para este autor, a rua, por exemplo, é um lugar fixo cheio de pontos de
referência e limites para os pedestres – é possível ir lá, mas não por aqui, porque o caminho
está bloqueado por um muro, um prédio, uma construção. A organização arquitetônica
determina pontos fixos, espacial e temporalmente. No entanto, a rua torna o caminhar possível
para pedestres que, dentro de um lugar controlado, criam seus próprios itinerários. É desse
modo que os pedestres transformam as ruas em um lugar praticado, em espaço
(JOSGRILBERG, 2005).
Aqui, trata-se de pensar na possibilidade de articulação de um espaço dentro de um
lugar organizado, o qual não se pode possuir, mas usar. Trata-se de um espaço criado por uma
série de movimentos dentro do campo visual do outro. Tais movimentos se beneficiam das
fissuras no campo do outro e de oportunidades contingentes, ou seja, os movimentos são
produzidos a partir de certa organização estabelecida pelo outro. Assim, o sentimento de
pertencer à coletividade, assim como de ocupar posição reconhecível no mapa social ganha
nova significação e importância, que se manifesta na construção de efeitos de sentidos de
lugar e inclui demandas de natureza patrimonial, isso porque os lugares de memória são
patrimônios culturais e podem estar atrelados a um passado vivo que marca presença e reforça
os traços identitários do lugar.
A cidade, para muitos de seus(suas) moradores(as), tem uma relação também de poesia.
É o que enfatiza o poeta caxiense Renato Lourenço de Meneses: “Nasci e cresci no centro
velho, onde ainda moro. Tenho uma relação de poesia com o pouco que ainda sobra. Penso
que o centro velho é minha poética” (MENESES, 2008). As lembranças de Renato Meneses
fazem referência ao lirismo de um fragmento de sua memória sobre a cidade. Remetem a um
sentimento de pertencimento ao lugar, que reflete e estimula a memória, a evocação de raízes
simbólicas, por meio da qual essa identidade é possibilitada, como na fala da professora
Letícia Maria Mesquita: “adoro a cidade, sempre gostei. Nasci e me criei aqui; me formei
fora, mas procurei voltar para trabalhar pelo patrimônio, pela preservação da cidade, para
divulgar a necessidade de manter viva nossa História e memória” (MESQUITA, 2009).
113

Em decorrência da busca de um “renascimento” para a cidade, eis que surge, aliada à


valorização da cidade colonial, de sua estética urbano-arquitetônica, a perspectiva de se
reavivar o desenvolvimento econômico e cultural da cidade através do turismo.
A genuína estima que muitos(as) caxienses afirmam sentir pelo lugar onde moram,
pode ser interpretada como sinal de que o passado, quando resultado de uma ativação
patrimonial, pode dar mais sentido ao presente. Isso porque, ainda para muitos dos sujeitos
entrevistados, uma cidade quando desfaz de seu passado, é uma cidade perdida no tempo, sem
memória, sem vida, sem referência, o que acaba comprometendo seu futuro, como lembra o
poeta caxiense Wybson Carvalho: “um povo que não conhece o seu lugar, por mais
majestoso, por mais altaneiro que seja, é como um adulto que desconhece a sua própria
origem” (CARVALHO, 2008).
Isso porque pertencer a uma cidade é também participar de suas atividades, ritos,
costumes e cultura. Pode-se morar anos em uma determinada comunidade e nunca sentir-se
realmente pertencendo a ela. Mesmo que parte de sua história pessoal tenha que ser contada
utilizando os referenciais materiais desta localidade, isto não implica diretamente que alguém
se sinta parte do lugar.
O patrimônio cultural – quer seja de propriedade pública ou privada –, têm conotações
afetivas. Trata-se de quanto a utilização do patrimônio é crivada pelo social e, dessa forma,
motiva e estabelece sentimentos de pertencimento na população à medida em que esta se
sente proprietária do objeto.
Por sua vez, o olhar do cidadão e da cidadã caxiense sobre a cidade, pode repousar,
além de sua poética, do sentido de custódia, como alguns caxienses enfatizaram
anteriormente, em uma dimensão utilitária: “a cidade é de grande utilidade. É nela que
recorremos quando estamos doentes, onde procuramos o médico, o remédio, tiramos nosso
dinheiro no Banco, podemos fazer compras nas lojas e nos supermercados
[...]” (ALMEIDA[A], 2008) e funcional:
Cidade é um aglomerado de pessoas, em que todos devem buscar o bem-comum, ou
seja, devemos ter consciência que somos os responsáveis pela cidade, pela limpeza
urbana, pela conservação de nossas próprias casas, e conservando nossas casas
estamos conservando o patrimônio da cidade (LIMA, 2008).

Por isso mesmo, os espaços urbanos são fundados na idéia do processo dinâmico
aberto, assim como também na idéia de acolhimento e conforto que os habitantes sentem ao
estar ou retornar à sua cidade, a seu lar, ao espaço construído, transformado e adaptado para
sua comodidade e bem-estar. É neste espaço que o homem projeta sonhos e idealizações,
114

produzindo e transformando a si e ao meio em que vive, ou seja, ao seu redor constrói o


“progresso”, elaborado para seu prazer pessoal e/ou coletivo.
Entende-se como espaço o lugar em que o homem e a mulher vive, constrói sua
moradia, trabalha, diverte-se, produz, portanto, significados, por isso mesmo, é um espaço
multifacetado. E desse modo está produzindo a memória e a história do lugar onde vive, em
que geralmente prevalece sentimentos de alegrias, desejos, sonhos, tristezas. Nesse sentido, é
o lugar de relações sociais, abrigando pessoas que se conhecem de perto ou não.
Em virtude disso, o lugar onde o homem se estabelece faz parte das referências básicas
para seus(suas) moradores(as), uma vez que abriga grupos de relações cotidianas que tanto
possibilitam informações sobre estratégias de sobrevivências como se articulam com as
satisfações de necessidades de lazer ou construção de identidades. Desse modo, do lugar,
advém a impressão material e imaterial que suporta os efeitos de sentidos. O lugar, em outras
palavras, é onde o acontecimento advém e configura, marca, afeta e que, para Marc Augé, “se
completa pela fala, a troca alusiva de algumas senhas, na conivência e na intimidade cúmplice
dos locutores” (AUGÉ, 2008, p. 73).
Nessa perspectiva, ao construir o lugar onde habita, o sujeito está propondo laços de
afetividade, além, é claro, da funcionalidade deste mesmo espaço, ou seja, atribuindo-lhe
significados e símbolos que permeiam sua existência enquanto ser social. É o lugar construído
como condição para a produção e para a vida, contudo, ao serem construídas, essas condições
produzem um espaço hierarquizado, diferenciado, dividido, contraditório, que se
consubstancia como um determinado modo e ritmo cotidiano de vida, bem como formas de
relacionamentos, ideologia, religião e modo de luta do homem e da mulher (CARLOS, 1997).
De fato, um observar sobre as ruas do centro histórico de Caxias, as artérias da cidade,
percebe-se a coexistência de vários mundos: o dos(as) empresários(as), dos camelôs, dos(as)
vendedores(as) ambulantes, de solitários(as) anônimos(as), ilustres desconhecidos(as),
estudantes, pessoas em trânsito, turistas, estátuas, monumentos. Há inúmeras variedades de
figuras, com vestuário, jeito, andar, rosto e expressões fisionômicas diferenciadas. As pessoas
caminham com os olhos fixos no chão, nos ponteiros dos relógios ou nas vitrines das lojas, ou
ainda correm e tomam atalhos com o objetivo de chegar mais rápido ao seu destino. Outras,
sentam-se nas praças, conversam, namoram, sorriem, contam anedotas, jogam cartas ou
simplesmente observam o vai-e-vem das pessoas, a pensar sobre o que pensam, onde moram,
o que fazem. Essas imagens contrastantes não são de oposição, pois uma não nega a outra.
Elas demonstram a complexidade da vida urbana.
115

De fato, a cidade continua a exercer atração entre as populações que para ela se dirigem
em busca de novas oportunidades de vida. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística – IBGE –, mais de 80% da população brasileira vive hoje em cidades. A intensa
urbanização que se inicia no Brasil no final da década de 1950 começa a apresentar seus
resultados já nos anos iniciais de 1960 (IBGE, 2005).
É, sobretudo, a partir de meados da década de 1950 que as cidades brasileira passam
por múltiplas intervenções urbanísticas no sentido de transformá-las em centros dinâmicos,
com o poder público implantando infra-estrutura necessária para acompanhar os passos do
desenvolvimento.
O debate sobre políticas preservacionistas (como visto no capítulo I), inicia-se no Brasil
efetivamente na década de 1930, com um debate que organizou as ações do patrimônio e
passou a orientar a compreensão e a leitura estética sobre o patrimônio histórico. Durante
muito tempo achava-se que não se tinha nada a ser preservado. Depois, passou-se a defender a
preservação do período colonial – daí a atuação dos órgãos de preservação no espaço das
cidades mineiras, com a proteção das igrejas barrocas, o chamado “patrimônio de pedra e
cal”.
É a partir desse momento que aumentam, consideravelmente, as discussões sobre a
preservação do patrimônio edificado nas cidades, com pedidos de tombamentos tanto de bens
isolados como em conjunto. A capital maranhense, São Luís, por exemplo, frente ao processo
de urbanização, a partir de 1955, teve vários bens tombados isoladamente pelo Iphan. Em
Caxias, esse debate chega no final da década de 1970, com um grupo de intelectuais
discutindo políticas de preservação para a cidade e o governo do Estado atendendo à
solicitação do tombamento da fábrica têxtil, a Companhia Têxtil Caxiense, em 1980.

3.2 As Vozes do Patrimônio em Caxias

Os sentidos de pertença que os habitantes têm por sua cidade e, conseqüentemente, pelo
seu patrimônio histórico-cultural, fazem com que busquem preservá-la. São pessoas que
apegam-se aos lugares onde nasceram e vivem ou viveram, e que costumam retratá-los de
forma nostálgica, como se fosse o melhor lugar do mundo. Muitos(as), mesmo quando saem
de sua terra natal, costumam voltar a ela periodicamente para rever parentes, amigos e para
visitar àqueles lugares “de memórias”.
116

Por isso, nos dias de hoje, o patrimônio arquitetônico está conectado não só com o
passado e a memória nacional, mas também com a vida das pessoas que moram no espaço da
cidade. O conjunto urbanístico, assim como a paisagem, faz parte do patrimônio cultural que
se inter-relaciona com a noção de espaço turístico.
A sintaxe das vozes do patrimônio histórico-cultural em Caxias se efetiva na década de
1980. O patrimônio edificado da cidade passa a ser alvo da atenção de intelectuais,
pesquisadores(as) e interessados(as) em preservar o acervo arquitetônico da cidade, por
reconhecer o valor e a importância desse conjunto para a sociedade. Esse grupo, teve à frente
Letícia Maria Mesquita, José Cardoso, Wybson Carvalho, Renato Meneses, dentre outros(as)
envolvidos(as) com a cultura local. As vozes desse grupo constroem a narrativa nostálgica de
um passado que agora parece ter urgência de reconstruir-se como presente e futuro, como
forma de preservar o patrimônio histórico-cultural da cidade.
Metaforicamente, “os(as) guardiões(ãs) da memória” caxiense começaram a discutir
sobre a preservação do acervo arquitetônico de Caxias, na perspectiva de que não se perdesse
os exemplares significativos da arquitetura colonial, presente nesse centro, ocorrendo a
primeira ação preservacionista na cidade, com o tombamento do antigo prédio da Companhia
Têxtil Caxiense, em 1980 – Decreto nº 7.660, de 23/06/1980 –, pelo fato dessa construção
estar, nas palavras de Letícia Maria Mesquita, “caindo, deteriorado, [desde que] parou a
manufatura e ficou abandonado” (MESQUITA, 2009). Por isso, enfatiza como importante
para o Maranhão e, evidentemente para Caxias, a chegada de um maranhense ao cargo
máximo do executivo nacional: “quando entrou o governo Sarney32, ele deu incentivo nessa
parte da cultura” (MESQUITA, 2009).
O Decreto nº 7.660, assinado pelo Governador do Estado do Maranhão João Castelo
(1979-1982), em 23 de junho de 1980, determina:
Art. 1º - Fica tombado, para os efeitos da Lei Estadual nº 3.599, de 05 de dezembro
de 1978, o prédio localizado à Praça do Panteon onde funcionou a Fábrica da
Companhia União Caxiense S. A., na cidade de Caxias, neste Estado.
Art. 2º - Por força deste Decreto, o imóvel de que trata o artigo anterior será inscrito
no Livro de Tombo Histórico da Fundação Cultural do Maranhão, de conformidade
com o disposto no artigo 29 da Lei acima referida.
[...]
(Arquivo do DPHAP-MA, 1980).

Essa ação parece ter tirado Caxias do torpor, do abandono pela qual, para os(as)
chamados(as) “guardiões(ãs) da memória” que o patrimônio edificado da cidade estava

32
José Sarney, maranhense, da cidade de Pinheiro, Presidente do Brasil no período de 1985-1990.
117

passando, pois começaram a ficar atentos(as) aos processos de destruição, descaracterização


e/ou deteriorização desses imóveis.
De fato, esse grupo, empolgado pela vitória, deu continuidade às discussões e em 1986,
afinado ainda mais com os debates sobre as políticas públicas de preservação que estavam
ocorrendo, tanto em âmbito nacional como no estadual, elaboraram um documento em que
dão sugestões para definição de uma política de ação cultural a ser desenvolvida pela
Prefeitura Municipal de Caxias, tendo como justificava a série de atentados ao patrimônio
arquitetônico e artístico da cidade e a descaracterização de certos aspectos urbano-
paisagísticos sem que uma pesquisa fosse feita para investigar o valor histórico-paisagístico
dos mesmos. Em função disso, apresenta como proposições:
1. Que seja nomeada em tempo hábil uma comissão mista de estudiosos e
funcionários da Secretaria de Educação para elaborar os estatutos, normas e
princípios que regerão o Centro Cultural e, também acompanhar os trabalhos
finais da obra e suas futuras instalações e equipamentos de modo a evitar,
quanto pronto, perda maiores de tempo e recursos devido um não
assessoramento interessado do setor.
2. Que a referida comissão comece a levantar o Patrimônio Histórico, Artístico e
Cultural a ser recuperado, preservado e utilizado pela comunidade, assim como
os órgãos e edifícios federais, estaduais, municipais e/ou particulares que
servirão de apoio ao Centro de Cultura na sua tarefa de Coordenador da Ação
Cultural a ser desenvolvida em Caxias.
3. Que essa comissão proponha e elabore os princípios sob os quais serão
definidos a criação da Secretaria de Cultura, Desportos e Lazer da Prefeitura a
ser votada pela Câmara Municipal.
4. Que a futura Administração do Centro de Cultura Acadêmico José Sarney seja
formada por uma equipe de comprovada capacidade intelectual e conseqüente
participação na vida artístico-cultural da cidade, sendo a mesma, tirada de uma
lista tríplice composta por indicações, dentre outras, da comunidade estudiosa
local.
[...].
(Arquivo do DPHAP-MA, 1986).

Motivado pelas discussões desse grupo, bem como das discussões no âmbito nacional e
estadual, a administração municipal, segundo depoimentos de pessoas envolvidas com o
processo, além de artigos publicados em jornais33 locais e até de outros Estados, mostrou-se
sensível à solicitação, ao encaminhar ao Departamento do Patrimônio Histórico Artístico e
Paisagístico do Maranhão – Dphap-MA – ofício em que solicitava a vinda de uma comissão
para investigar a situação dos imóveis históricos localizados no centro da cidade.
Atendendo à solicitação, neste mesmo mês, setembro de 1986, chegou à Caxias uma
equipe do Dphap-MA, composta pelos arquitetos Carlos Frederico Lago Burnett e Margareth
Figueiredo e da bibliotecária Marilúcia Basileu Bandeira, para assessoramento, pesquisas e
palestras sobre o patrimônio histórico e arquitetônico de Caxias.

33
Jornal O Dia, O Estado (Teresina-PI); O Estado do Maranhão; O Imparcial (São Luís-MA).
118

Esta equipe foi a responsável pela pesquisa dos imóveis históricos da cidade. Para
tanto, empreenderam visitas às Ruínas da Balaiada, às edificações que compunham a região
central e ao Balneário Veneza, área paisagística composta por fonte de água mineral
sulfurosa, lago que contém lama negra com propriedades medicinais e reserva florestal. Após
minuciosa pesquisa sobre o patrimônio cultural de Caxias, o Presidente do Conselho Estadual
de Cultura, Benedito Bogéa Buzar, determina:
Art. 1º - Aprovar o pedido de tombamento, elaborado pelo Departamento de
Patrimônio Histórico, Artístico e Paisagístico do Maranhão, constante do processo
nº 0834/90, referente ao Centro Histórico de Caxias/Maranhão.
Art. 2º - Recomendar que o tombamento solicitado seja precedido das exigências
contidas nos Arts. 2º e 4º e/ou 7º, da Lei nº 3.999, de 05 de dezembro de 1987
(Arquivo do DPHAP-MA, 1990).

Com essa medida, inicia-se o processo de tombamento do centro histórico de Caxias,


decretado em 1990. Em nota à comunidade caxiense, foi explicado o porquê da necessidade
de proceder tal medida:
Pela homogeneidade de seu conjunto urbano, sua presença na história maranhense e
a produção cultural de seus filhos ilustres, como Gonçalves Dias e Vespasiano
Ramos. Tal fato colocará o imenso acerco cultural de Caxias sob a proteção do
Estado, representando garantia de perenidade para seu valioso patrimônio histórico,
artístico e paisagístico, propriedade de toda comunidade caxiense. Porém, tudo de
valor exige cuidado; uma cidade histórica e seus ambientes naturais também
necessitam de atenção, tanto de seus administradores como daqueles que ali
habitam. Só assim torna-se possível a preservação de tantas e tão frágeis
preciosidades, como o espaço de uma praça, o brilho dos azulejos, a técnica de pau a
pique, a cor de uma Igreja (Arquivo do DPHAP-MA, 1990).

É interessante observar que as significações dadas ao patrimônio de Caxias não está, já


mesmo nesse período, restrito àquele ligado à idéia “pedra e cal”. Extrapola-se a esse conceito
e o estende a concepção que se tem, hoje, de patrimônio cultural, ao abranger tanto o tangível
como o intangível e mostrar a afinação desse grupo com as tendências que se proliferavam no
país (ver capítulo II). Desse modo, as novas leituras sobre a cidade não se limitam ao
patrimônio material, abrangendo um amplo espaço simbólico de sentidos e significados para a
população caxiense.
Contudo, o tombamento do centro histórico de Caxias, dentre outros no Maranhão,
segundo o arqueólogo ludovicense Deusdédit Carneiro Leite Filho, ocorreu como medida
emergencial, pelo fato de que esse patrimônio edificado estava sendo, por uma série de
razões, exposto a degradação, principalmente de pessoas influentes da cidade, que começaram
a derrubar alguns desses imóveis para construir novos prédios que atendessem a dinâmica do
“progresso”: “em função dessa medida emergencial, se faziam os tombamentos de conjuntos,
para depois começarem um trabalho mais sistemático, que nunca se chegou a
implantar” (LEITE FILHO, 2008).
119

A seleção dos espaços a serem preservados em Caxias partiu, certamente, de um olhar


sobre a história, porque grande parte dos imóveis que integra a área tombada constituía a
própria cidade no início do século XIX. A delimitação teve, portanto, um critério histórico e
arquitetônico, como veiculado em matéria em jornal.
Nossa história está presente e solidamente construída nesses mais de dois séculos
onde se escreve a evolução do Povoado de São José das Aldeias Altas, hoje a
dinâmica Caxias. O centro histórico ainda guarda exemplares significativos dessa
história, distribuídos em sua malha urbana (Jornal Tribuna de Caxias, 15 a
30/11/1989, p. 3).

O passo seguinte foi definir o que seria preservado. Na realidade, é possível notar, a
partir de análises nos documentos oficiais, que o objetivo era atribuir qualidade especial aos
imóveis em seu conjunto, ao privilegiar a arquitetura das construções singulares, porque a
importância dessas edificações é dada pelo ritmo e pelo valor ambiental que suas fachadas
proporcionam em termos de qualidade do espaço urbano.
A cidade de Caxias, pela homogeneidade de seu conjunto urbano, sua presença na
história maranhense e a produção cultural de seus filhos ilustres como Gonçalves
Dias e Vespasiano Ramos, passa hoje por estudos que poderão elevá-la à categoria
de cidade histórica do Maranhão, como São Luís, Alcântara e Viana. Tal fato
colocará o imenso acervo cultural de Caxias sob a proteção do Estado,
representando garantia de perenidade para seu valioso patrimônio histórico, artístico
e paisagístico, propriedade de toda comunidade caxiense (Arquivo DPHAP-MA,
1990).

A seleção de um patrimônio resulta, sem dúvida, de escolhas e processos políticos,


podendo contribuir para perpetuação do sistema vencedor. Os monumentos eleitos ratificam
determinadas camadas sociais, ou versões históricas que podem mostrar somente uma faceta,
produzindo os chamados “silêncios da história”.
Por isso, o interesse em preservar um patrimônio histórico-cultural está ligado a vários
fatores, como o político, o cultural, o artístico, o econômico e, mesmo, social. A indústria do
turismo, por exemplo, está ancorada nesse tripé e para que de fato possa se manter, necessita
dos bens culturais diferentes de cada local, para que o turista seja atraído.
Assim, o (re)descobrimento da cidade por parcela significativa da intelectualidade
caxiense, permitiu criar ou reforçar uma identidade para a cidade. Esse jogo de identidades foi
apropriado de diferentes modos por vários sujeitos que dialogavam no período – intelectuais e
membros do poder local (gestor municipal e secretário de Cultura, Obras e Urbanismo) –,
travando altercações em torno de quem detinha maior legitimidade para deliberar sobre os
monumentos que possuíam e revelavam as características de arte, memória e a história do
lugar.
120

Pelo menos é essa a imagem que o governo quis transmitir: uma cidade que tem o
centro tombado pela significância da arquitetura e da história. Por sua vez, as esferas
municipal, estadual e federal usufruem dos tombamentos, pois a cidade passa a agregar mais
valor quando trabalha para a promoção do patrimônio histórico de Caxias, afinal, trata-se da
“terra de Gonçalves Dias”, dos poetas “Coelho Neto, Vespasiano Ramos”, do “palco final da
Guerra da Balaiada”, etc. São esses aspectos que são observados nas falas de muitos(as)
dos(as) entrevistados(as), por isso, quando indagados(as) sobre o que elegem como símbolos
da cidade, citam:

O Centro de Cultura, que já foi uma grande fábrica de tecidos; a Praça Gonçalves
Dias (com suas lendas); e as Igrejas da Matriz, de São Benedito, do Rosário
(ALMEIDA[B], 2008).

Os lugares históricos da cidade, como o monumento da Balaiada, as Igrejas, os


casarões (os poucos que ainda existem), o centro de cultura, praças históricas e
centro da cidade, o balneário Veneza e os riachos (LOBÃO, 2009).

O símbolo da cidade são as ruínas que remontam à guerra da Balaiada (SILVA[C],


2008).

O Centro de cultura, as ruínas deixadas pela Balaiada, o balneário Veneza


(SILVA[B], 2008).

As ruínas da Balaiada (SILVA NETO, 2008).

Praça Gonçalves Dias, a estátua do poeta Gonçalves Dias, as casas e prédios de


arquitetura antiga que estão localizadas no centro histórico de Caxias (QUEIROGA,
2008).

É bom ressaltar que as menções estão ligadas tanto a referências a edificações de


importância histórico-arquitetônica (Centro de Cultura, ruínas, casas e prédios antigos, igrejas
e monumentos) como na questão paisagística (praças) e ambiental (balneário e riachos). A
identificação desses símbolos fornece dados fundamentais para a investigação de sentidos e
significados sociais do patrimônio edificado para a sociedade caxiense.
Por outro lado, para o segmento mais intelectualizado, o envolvimento da sociedade
local com o patrimônio histórico-cultural da cidade, é quase inexistente, decorrente, por um
lado, do desconhecimento por parte do(a) cidadão(ã) do acervo cultural de que dispõe a
cidade, como atesta Arthur Almada Lima Filho: “a população é indiferente porque não tem
conhecimento de nossa história” (LIMA FILHO, 2008), corroborado pelo olhar da também
caxiense e moradora de um casarão histórico, Patrícia Silva Lobão “a maioria das pessoas
121

desconhecem, esquecem ou ignoram que o centro histórico de Caxias é tombado. Então


destroem ou descaracterizam tudo” (LOBÃO, 2009).
O pouco ou quase nenhum envolvimento que aparece constantemente nas falas de
muitos(as) entrevistados(as), segundo o arqueólogo Deusdédit Carneiro Leite Filho, deve-se
ao fato de que “as políticas de preservação não tinham muita participação da sociedade. Na
época não se tinha muito o feedback que hoje se tem, das audiências públicas. Às vezes, tinha
algumas palestras, algumas coisas muito rapidamente” (LEITE FILHO, 2008).
Por sua vez, não se pode deixar de enfatizar a conjuntura política da época em que
passa a ocorrer, de forma mais sistemática, as discussões sobre preservação e os processos de
tombamentos, final da década de 1970 e início de 1980. Ou seja, vivia-se os resquícios do
regime ditatorial, período conturbado, sobretudo para as questões patrimoniais. Quem chama
a atenção para esse fato é Chefe do Dphap-MA, Alan Jorge P. Pires, quando enfatiza que as
políticas de preservação “foi muito mais uma imposição do que uma discussão” (PIRES,
2008), fazendo com que se pense que o debate com a população era mais no sentido de
legitimar o que tinham decidido sendo, portanto, menos negociação e muito mais uma
legitimação, necessária para a realização do projeto de preservação.
Assim, uma das primeiras medidas a ser tomada quando ocorre uma ação do
tombamento, seria informar à sociedade local, e sobretudo aos proprietários(as) o que é
tombamento, visto que muitos(as), por falta desse conhecimento, imaginam que não podem
fazer nenhum tipo de alteração no imóvel. Por isso, a historiadora Maria Bertolina Costa
enfatiza como problema “a falta de interlocução com a sociedade; faltou informar,
conscientizar a comunidade da importância do que é o patrimônio arquitetônico da
cidade” (COSTA, 2008).
Não é difícil constatar a ausência de diálogo com os(as) proprietários(as) dos imóveis
localizados no perímetro delimitado como centro histórico.
Agora é que estou sabendo que o centro é tombado. Nem vejo essa preocupação de
ninguém com isso. Aqui mesmo do lado tem uma casa que eu sabia que era a única
tombada nessa Praça [da Matriz] e foi feito dois pontos comerciais. Ali, onde é o
Sesc [Serviço Social do Comércio], era uma casa velha, e foram ajeitando,
ajeitando, e mudando (PEREIRA, 2008).

A falta de diálogo entre poder público e sociedade, sobre o que deveria, ou merecia, ser
preservado é evidente nas falas dos(as) entrevistados(as), ressaltando-se aqui, o depoimento
de Madalena Pereira. Não menos diferente é a compreensão da professora Letícia Maria
Mesquita, ao afirmar que faltam ações efetivas do poder público para esclarecer à sociedade
de seu patrimônio.
122

É triste a gente dizer, mas eu não vejo, nem no jovem nem no próprio poder público.
Eu acho que falta campanha de preservação para esclarecimento do patrimônio
histórico. Falta também a questão de você ter um pouco dessa educação na escola,
uma disciplina, a Educação Patrimonial, que deveria ser passada, poderia nem ser
como uma matéria fixa, mas dentro da área de História. Poderia ser desenvolvida
para a preservação da cidade, se voltar para o patrimônio da cidade, porque aqui as
pessoas não sabem a história de Caxias (MESQUITA, 2009).

Determinar o que deve ou não ser preservado é uma decisão político-ideológica. Nessa
discussão, espera-se que estejam refletidos os valores e as opiniões da comunidade,
envolvendo os elementos tidos como representativos de uma determinada sociedade. A idéia
seria estabelecer diálogos entre a esfera política e a comunidade, para que, juntas, decidam o
que preservar ou não.
Destaca-se aqui a divulgação, através da imprensa, sobre a idéia da proteção do
patrimônio histórico local, no período do processo de tombamento do centro histórico de
Caxias, em que traz como manchete “Caxias vai ser estudada”:
Uma equipe de técnicos do Departamento de Patrimônio Histórico do Estado
seguirá para Caxias [...], onde durante alguns dias, realizará um trabalho de
levantamento histórico, fotográfico e arquitetônico, constatando as reais condições
da casa onde nasceu o escritor caxiense Vespasiano Ramo, local que poderá ser
elevado, dentro dos próximos meses, à categoria de patrimônio histórico (Jornal O
Imparcial, 03/03/1989).

Cabe salientar a importância da preservação do patrimônio cultural como forma de


garantir a sobrevivência social dos indivíduos na medida em que este patrimônio é produto e
testemunho das várias formas de vida, costumes, tradições e visões de mundo (ver capítulo
II). A manutenção dessas memórias possibilita a criação de identidades culturais pelos
diferentes agentes sociais da cidade, ou do Estado, que as constroem e reconstroem ao longo
dos tempos através de novas significações e sentidos.
Por sua vez, pensa-se que a meta essencial deveria ser trazer para a cidade a idéia de
que o patrimônio que se estava ou está preservando é um patrimônio de seus habitantes, é de
domínio das pessoas que usavam e usam esses patrimônios, circulam, moram, trabalham e
nele se divertem, ou seja, das pessoas que usufruem a cidade.
Ao longo dos anos de 1989 e 1990 a equipe do Dphap-MA dá continuidade aos estudos
para elaborar o processo de tombamento do centro histórico de Caxias. A prefeitura apóia o
governo maranhense nesse projeto, ao atender às solicitações de um grupo de pessoas ligadas
à Secretaria de Cultura e à cultura local, que se mobilizou no sentido de ver quais seriam as
possibilidades para poder traçar/conter a degradação do patrimônio histórico da cidade.
Vale ressaltar que o estudo do processo de tombamento do centro histórico da cidade de
Caxias inicia-se em 1986. A equipe do Dphap-MA que veio a Caxias, composta de
123

arqueólogo, historiador e arquiteto, levantou um trabalho minucioso sobre a história da


cidade, seguida de vistorias e visitas à diversos locais, além de dar assessoria e palestras sobre
o patrimônio histórico e arquitetônico da cidade. A palestra era no sentido de envolver a
comunidade nesse processo.
Não obstante à “sensibilização” e à pesquisa que estava sendo realizada por esta equipe,
o ano de 1989 é marcado por dois acontecimentos que não se coadunam com a discussão que
ocorre na cidade, constituindo-se em vozes dissonantes ao que estava sendo proposto e
discutido como proposta de preservação do patrimônio histórico-cultural para Caxias. Ou
seja, trata-se da proposta de preservação do patrimônio edificado de Caxias, ao envolver o
executivo local e a Igreja católica. A primeira, com o revestimento na fachada da Igreja de
São Benedito em “pedra piracuruca”, sendo motivo de inúmeras matérias nos jornais.

[...] o processo de descaracterização das igrejas maranhenses vem assumindo


dimensões alarmantes na cidade de Caxias. Terceiro município de Estado e
importante pólo de produção cultural, cidade natal de Gonçalves Dias, Coelho Neto
e Vespasiano Ramos, com participação decisiva na Guerra da Balaiada, Caxias corre
o risco de ser conhecida como ‘Cidade das Igrejas de Pedra Piracuruca’ tal o
desembaraço com que os padres locais lançam mão daquela material, justificando tal
pecado contra o patrimônio cultural da cidade como economia de recursos nas
periódicas pinturas externas e como forma de combater a umidade. Tais argumentos
não resistem a simples observação de que o investimento inicial em pedras, cimento,
barro, verniz e mão-de-obra são muitas vezes superiores há vários anos de pintura e
manutenção da Igreja. Quanto à umidade, a técnica construtiva adverte que os
revestimentos, ao esconderem aqueles efeitos sobre o reboco aumentam os prejuízos
sobre a construção, tornando necessário atacar suas verdadeiras causas. O resultado
então, da atitude dos sacerdotes em Caxias, resume-se à soma do inútil das medidas
construtivas ao desagradável produto estético final (Jornal O Estado do Maranhão,
1990).

E, em outro periódico,
a cada dia que passa Caxias perde um pouco de sua memória, e desta vez, quem é
responsável por tal fato é a Igreja caxiense, que por capricho de seus párocos, vem
descaracterizando os seus templos e apagando o patrimônio histórico de nossa Terra.
O que nos chamou a atenção foram as obras que estão sendo realizadas na Igreja de
São Benedito, que está tendo sua fachada revestida em pedra piracuruca, o que tira
por completo sua originalidade (Jornal Tribuna de Caxias, 15 a 30/08/1989).

E a segunda, com a pavimentação asfáltica aplicada sobre o calçamento de pedras


centenárias na área central da cidade.
O Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico e a Secretaria da Cultura estão
de mãos dadas e desenvolvendo ingentes esforços no sentido de impedir que a
Prefeitura de Caxias cometa o erro praticado em São Luís, quando o Poder Público
mandou colocar asfalto nas ruas do centro da cidade (Jornal O Estado do Maranhão,
03 de junho de 1990).

Os discursos acima demonstram uma clara intenção em ressaltar o caráter histórico-


cultural de Caxias, além de desferir uma crítica mordaz tanto à Igreja Católica como à
124

Prefeitura Municipal pela descaracterização da arquitetura colonial da Igreja e pela


pavimentação de ruas calçadas de pedras. É justamente esse tipo de discurso que baliza as
preocupações efetivadas na cidade na década de 1990.
Em Caxias, essa antiga e vetusta cidade, a caxiensidade encontra um nicho privilegiado;
aqui, a história é evocada pela arquitetura e traçado colonial da cidade, constituindo um fator
determinante na sua identidade simbólica; o passado histórico passa a definir a cidade, a
delineando e diferenciando de outras do Estado. Caxias torna-se (ver Capítulo I) o teatro dos
“grandes” feitos, dos gestos que marcaram a história, o lugar onde se inscreveu tais
acontecimentos, a prova autêntica, visível, de fatos históricos que concorreram para a
definição da própria identidade do povo caxiense. Remanescente de um “passado heróico”, a
cidade traz em si as reminiscências de sua história, portanto, vista, para muitos(as), como
relíquia, como peça sagrada, essencial na legitimação da tradição e na construção da
identidade caxiense.
Não obstante ao passado “glorioso” e “altaneiro” da cidade, como já enfatizado pelo
poeta caxiense Wybson Carvalho, a Igreja mostrava-se contrária ao tombamento dos templos
religiosos. Em memorando enviado ao Dphap-MA, os párocos das Igrejas de Nossa Senhora
da Conceição e São José, Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, São Benedito e Nossa
Senhora dos Remédios, através dos padres Maximiliano e José Mendes Filho, com o aval do
Bispo Diocesano Dom Frei Luís D’Andrea, comunicam posição contrária aos tombamentos
ao mobilizar a população, com um abaixo-assinado contendo centenas de assinaturas.
A legitimidade desse abaixo-assinado é questionada pelo segmento que lutava pela
preservação do patrimônio cultural da cidade, pois, em matéria no Jornal Tribuna de Caxias
“[...] esse documento de apoio não é legítimo, pois temos certeza que a maioria da população
não concorda com essa atitude autoritária e irresponsável no trato com o bem público” (Jornal
Tribuna de Caxias, 15 a 30/11/1989).
Vistos sempre como carentes de conhecimentos de seu patrimônio e, nesse sentido, de
seus significados e sentidos, a sociedade caxiense, para muitos dos(as) entrevistados(as), é
indiferente à ele e, portanto, torna-se alheia à discussão por não conhecer a sua história e,
conseqüentemente, o patrimônio histórico-cultural de sua cidade.
A posição da Igreja católica na questão do patrimônio arquitetônico está presente em
várias falas. A professora Letícia Maria Mesquita, ao relatar sobre o embate entre o setor da
cultura e a Igreja naquele período, afirma que,
nessa época a gente teve uma represália bem grande da Igreja. A Igreja católica se
manifestou contra essa preservação dos templos, das coisas dos templos, porque eles
diziam que já que a gente estava tombando, a gente tinha que manter o tombamento.
125

A briga maior foi com a Igreja São Benedito que foi totalmente descaracterizada. Às
vezes, a gente estava na missa e ele falava alguma coisa contra a Secretaria de
Cultura (MESQUITA, 2009).

A discussão feita pela Igreja católica sobre quem deveria arcar com o ônus da
preservação é ouvida também entre muitos(as) proprietários(as) de imóveis localizados na
área do perímetro tombado, a exemplo de uma entrevistada que não quer ser identificada:
“falta auxílio do governo municipal, pois se o bem é tombado, deveria ter alguma ajuda do
governo para manter”, e por isso não vê esse tombamento como importante.
Sobre esse aspecto, a atual Secretária de Cultura, Valquíria Araújo Fernandes de
Oliveira, diz que a Secretaria de Cultura não é gestora financeira: “Ela não tem sequer conta
em Banco e tudo o que envolve recursos financeiros, a gente elabora projetos e envia para o
Prefeito, ou para o governo do Estado, através de edital específico para aquele
fim” (OLIVEIRA[B], 2008).
A maioria dos(as) proprietários(as) de imóveis situados na área tombada e seu entorno
reclama o fato de arcar apenas com o ônus de serem proprietários(as) de imóveis tutelados
pelo município, o que significa terem seus direitos de propriedade restringidos; muito embora
não seja bem o que se verifica nessa área, que não tem experimentado uma vigilância
constante da burocracia patrimonial.
De fato, o tombamento tem sido apropriado pela sociedade brasileira de forma
diferenciada e, nesse sentido, pode ser considerado de forma positiva ou negativa. Segundo
Maria Cecília Londres Fonseca, “ter um bem de sua cultura tombado pode significar, para
grupos econômico e socialmente desfavorecidos, benefícios de ordem material e simbólica,
além de demonstração de poder político” (FONSECA, 2005, p. 180).
A falta de interlocução com a sociedade aparece em muitas falas dos(as)
entrevistados(as), muito embora tenha sido divulgado na época a ocorrência de palestras e até
mesmo “nota à comunidade”. Não obstante, o que se verifica é a falta de informação para que
a comunidade compreenda e tenha acesso ao conhecimento sobre a importância do patrimônio
arquitetônico da cidade, sobretudo os(as) proprietários(as) de imóveis localizados no centro
histórico, pois o que entendem é que não podem “fazer mais nada” no imóvel, momento em
que se sentem “lesados” desse patrimônio, pois muitos são de propriedade privada.
Partindo do argumento de que o sentimento de pertença a um lugar sustenta-se numa
memória coletiva, esta depende de práticas de (re)conhecimento para que a sociedade se
aproprie de seu patrimônio cultural, que pode ser visto como alimentadores das ligações
126

afetivas e emocionais que, por sua vez, renovam o sentimento de pertença entre as pessoas. O
patrimônio apresenta-se, assim, como um valor da memória que, de certo modo, projeta na
contemporaneidade a presença daquelas origens que os sujeitos, protagonistas da atualidade,
constituem como seus.
Sobre o asfaltamento de ruas centrais feita pela Prefeitura na década de 1990, Letícia
Maria Mesquita, funcionária da Secretaria de Cultura e Urbanismo na época, ressalta as
dificuldades entre aquelas Secretarias e o Executivo. Enquanto uma discutia, pesquisava e
estabelecia medidas para conter a descaracterização e/ou destruição do patrimônio histórico e
cultural da cidade, a outra concedia autorizações para as transformações. É o que expõe:

Ele [o prefeito] asfaltou o centro histórico todo e a gente era contrária a isso, ficando
uma situação difícil a gente se manifestar contra a própria administração. Haviam
ruas que tinham calçamento próprio, antigo, que a gente procurava preservar,
principalmente nas proximidades da Igreja São Benedito. Aquelas pedras eram
pedras originais, da época mesmo da formação do Largo de São Benedito. Eu tenho
fotos, onde faço essa comparação: a parte antiga e a parte nova da cidade, da cidade
moderna. E é triste a gente perceber que a nossa cidade não preservou o centro
histórico. Na época eu estava ministrando um curso no Senac de Guia Regional de
Turismo e ficou difícil a gente falar a respeito de uma coisa que até não existia mais,
porque o centro histórico foi modificado, descaracterizado, porque até o calçamento
que tinha original foi retirado, ou seja, foi asfaltado tudo e nada se preservou
(MESQUITA, 2009).

O que ocorria antes, como enfocado nessa fala, não é diferente das ações que continuam
sendo praticadas pelos diferentes órgãos do município. O centro histórico, atualmente, passa
por um processo de verticalização acentuado, em que se vê exemplares arquitetônicos
significativos para a memória da cidade sendo destruídos para atender a lógica do
desenvolvimento urbano. O que muitas vezes acontece é que as pessoas acham que imóveis
velhos não têm valor ou que sua recuperação seria onerosa. Além disso, há uma carência de
políticas de incentivo à preservação desse patrimônio. Por isso, muitos(as) deixam as
edificações caírem para erguerem construções novas no espaço.
Na Rua Benedito Leite, que era a antiga Rua do Cisco, aquelas edificações eram
seculares. Simplesmente uma certa pessoa comprou todo um quarteirão e ia derrubar
as casas; como a gente interferiu, ele simplesmente derrubou a parte de trás de um
casarão e ficou só a fachada, e agora a fachada não agüentou e ruim também, e aí ele
ficou numa boa, porque não foi ‘ele’ que derrubou o casarão, quer dizer, foi o tempo,
que deixou se desgastar (MESQUITA, 2008).

Para essas transformações e até destruições os(as) proprietários(as) não estão


sozinhos(as), afinal recebem a anuência dos agentes públicos que analisam os projetos e
emitem alvarás de construção ou reformas arquitetônicas. Caso recente, por exemplo, é o de
127

uma edificação de dois pavimentos em terreno localizado no entorno do Memorial da


Balaiada, no Morro do Alecrim, integrante do centro histórico arquitetônico e área
paisagística de Caxias. Acionado pelo Ministério Público, o Dphap-MA embargou a obra e
discute com os proprietários as alterações para que o imóvel possa ser construído. Para Dea
Fenelon, duas das principais causas da perda do patrimônio edificado das cidades seriam as
sucessivas alterações nos códigos de obras, que tendem a fazer com que conjuntos
significativos sejam destruídos com a completa anuência do poder público e a ausência de
especialistas em preservação nas comissões encarregadas de elaborar os planos diretores
(FENELON, 1992, p. 219).
Sobre as dificuldades de comunicação entre as Secretarias, o Promotor do Meio
Ambiente e Patrimônio Histórico dá ênfase à falta de “sintonia, diálogo” entre elas,
ressaltando ainda que numa cidade pequena como Caxias “existem muitos interesses pessoais,
que acabam se sobrepondo aos interesses coletivos” (MENEZES, 2008).
O certo é que a fachada da Igreja de São Benedito e as pedras centenárias existentes nas
ruas centrais de Caxias, presentes no calçamento das ruas mais antigas da cidade, os antigos
casarões e edifícios têm valor histórico para muitos(as). Onde calçava a rua, a pedra atribuía
mais sentido, constituindo-se essa também em “lugar de memória”.
Contudo, reivindicadas por muitos(as), são negadas por outros(as), por não trazerem
boas lembranças, nem terem significados, “lembro daquela rua cheia de pedras, onde estava
ali estampado a marca do sofrimento de quem a fez [o trabalho escravo]; e depois virou
patrimônio cultural. O que eu posso lembrar de uma rua dessas? Só da história? E da questão
humana?” (SOUSA, 40 anos).
Esses dois casos mostram algumas das tensões existentes em Caxias. O arqueólogo
Deusdédit Carneiro Leite Filho, lamenta esse problema: “infelizmente não houve, depois,
nenhum trabalho de educação patrimonial. Na época na se falava tanto, não houve uma
política de sensibilização e mesmo de implementação” de políticas de preservação.
Por sua vez, seria bom que fosse observado que além dos espaços oficiais, emergem
muitos outros, cuja finalidade passa a ser o de preservar do esquecimento a identidade dos
sujeitos e de suas relações sociais. Isso traduz a valorização crescente, no âmbito da sociedade
e de suas memórias, como forma de compensar a perda acentuada, no último século, de seus
referenciais comunitários ou identitários, quer seja individual, étnico ou nacional, diante de
um mundo globalizado e em constante transformação.
Apesar da disseminação de múltiplos e diferenciados “lugares de memórias”, alguns
dos materiais, ou legados, ali preservados, aparecem revestidos de projeções que os
128

inscrevem, pelo seu “exotismo” ou “raridade”, na categoria de “objetos de culto”, como bem
explicitou Françoise Choay, cuja função é a de serem olhados e apreciados por esses atributos
(CHOAY, 2001). Em decorrência dessas características, tais patrimônios histórico-culturais
passam a ser considerados partes constitutivas do legado cultural no centro histórico de
Caxias.

3.3 O Patrimônio Presente: o centro histórico de Caxias

Assim como a categoria patrimônio, o conceito de centro histórico vem se


transformando e ampliando ao longo dos anos. Às noções iniciais, juntaram-se outras, mais
amplas e completas, como a expressão sítio histórico urbano. Em 1987, a Carta de Petrópolis
define sítio histórico urbano como o espaço que concentra testemunhos do fazer cultural de
uma cidade (ICOMOS, 1987). Esse espaço é parte integrante de um contexto amplo que inclui
não só a paisagem construída, mas também a natural, incluindo o(a) próprio(a)
homem(mulher). Não é um espaço estático, mas em formação, pois engloba também a
vivência de seus habitantes num espaço de valores produzidos no passado e no presente e
como tal pode ser estudado. Desse modo, centro histórico é o sítio urbano localizado em área
central da área-sede do município, seja em termos geográficos, seja em termos funcionais e
históricos, configurando-se em centro tradicional.
O centro histórico de Caxias constitui-se em o hipercentro institucional, econômico e
sociocultural da cidade. É uma área extensa, eclética e problemática, formada pelas mais
diversas atividades, com zonas comerciais, residenciais, administrativas, de prestação de
serviços, entre outras. Tal polifuncionalidade é uma característica dos centros históricos e, via
de regra, sua preservação não se dá à custa de exclusividade de usos, abrigando os universos
de trabalho, cotidiano e lazer, em que se manifestam as expressões de uma sociedade
heterogênea e multifacetada como a atual.
Assim, um centro histórico não é simplesmente o local onde a cidade nasce, mas um
marco de referência da memória, sendo esta a base para a construção de identidades, da
consciência do indivíduo e dos grupos sociais.
Relegado e pouco ajustado às imposições do rearranjo sócio-espacial, esta porção
regional de Caxias converte-se em resíduo arquitetônico e paisagístico do que fora a cidade de
outrora. Lugar privilegiado da memória coletiva de muitos(as) caxienses, o centro, tombado
desde 1990 (ver Capítulo I), poderia ser um verdadeiro relicário de formas pretéritas,
impregnado de lembranças, como as desses entrevistados(as):
129

Caxias é uma cidade maravilhosa, cheia de belezas naturais, com um passado


marcante pelas conquistas de homens corajosos, que soube preservar, pelo menos
em parte, traços da arquitetura herdada dos colonizadores (ALMEIDA[B], 2008).
Eu alcancei a casa onde viveu o poeta Gonçalves Dias, onde mora hoje o Fause
Simão. Era um sobrado grande, onde eu ia brincar lá em cima com os filhos do
proprietário, o Salustiano e o Rui. A dona Sinoca, que era a dona da casa, nos dava
permissão para ficarmos brincando (BARATA, 2008).

Eu já vi grades de ferro da antiga fábrica lá do bairro Ponte, em Fortaleza, no bairro


Aldeota. Eram as pessoas daqui que roubavam e vendiam pra fora. Eu vi as 4
fábricas funcionando nesta terra, hoje não existe nem meia. Acabou a cidade (LIMA
FILHO, 2008).

Ter nascido e morado na Rua Coelho Neto para mim é significativo. Nessa Rua,
hoje, existe o Centro Artístico Operário Caxiense, pouco valorizado pelos caxienses,
mas que trás a História da casa onde morou Coelho Neto (poeta caxiense). Outra
lembrança presente em minha vida é a antiga residência da Refesa 34, onde meus
avós residiram e onde atualmente funciona o Samal35. O prédio onde atualmente
funciona o Colégio João Lisboa (onde fiz o meu primário) – lá foi fundada a
primeira Escola Normal de Caxias, que foi doado por uma família portuguesa e até
hoje mantém suas características originais (LOBÃO, 2009).

Ou nas marcas de sucessivos modos de vida, como lembra outra moradora do centro
histórico.
Eu gostava mais da cidade antes do que de agora. Hoje houve mudanças, até demais.
No meu tempo não tinha esse tanto de camelô na porta da gente. Todo mundo
respeitava e era respeitado. Hoje ninguém respeita mais. Nesta casa não tinha essa
grade na porta da frente, não. Eu mandei botar por causa dos maus elementos. Nesse
corredor já roubaram dois conjuntos de cadeira. Hoje é tudo no cadeado. [...] Ali na
Praça Gonçalves Dias, lá no canto, tinha um microfone, que entoava músicas; Na
Praça da Igreja São Benedito tinha a maior festa do ano – a Festa de São Benedito –,
vinha gente de todo lugar, depois fizeram uma Praça nova e acabou a festa; na praça
Gonçalves Dias era onde os rapazes e as moças se encontravam: as moças
caminhavam numa direção e os rapazes, na outra, e se encontravam em determinado
ponto, mas tudo com muito respeito. Naquele sobrado antigo, perto da Praça, havia
o Cassino Caxiense. Todas as festas eram lá. Eu gostava de ir. As moças bem
vestidas, os rapazes de terno; [...] havia várias lojas, que vendiam de tudo
(PEREIRA, 2008).

Este é um olhar hegemônico (mainstream), em contraste com o aumento da população,


fruto do desenvolvimento econômico e da complexidade da vida urbana. Esse tessimento
acaba provocando novas experiências. É uma diversidade de posicionamentos que requer, no
mínimo, repensar o patrimônio arquitetônico de Caxias, ou seja, para além desse olhar
hegemônico, existem outros olhares, fruto da complexidade que envolve novas experiências e
vivências.

34
Rede Ferroviária S/A.
35
Serviço Autônomo de Meio Ambiente e Limpeza.
130

O lugar guarda, de fato, estreita relação pessoal com certos aspectos mais perenes da
vida social, do passado comum e do inconsciente das pessoas. O “lugar da memória” da
moradora Madalena Pereira surge, assim, do que sobrevive, ou remanesce, ao tempo
destruidor da chamada “modernidade”. Ou seja, o surgimento da cidade histórica depende
desse processo temporal mutante, que gera as condições, pela própria dramaticidade e vigor
de suas mudanças, de se elencar e eleger os resquícios pretéritos que resistem no presente,
mas que foram engendrados em outrora. Quanto maior for o ritmo das mudanças, maior será a
produção desses resquícios que servirá como “lugares da memória” ou testemunhos de um
passado histórico.
O que se verifica, na contemporaneidade, é que tais centros históricos constituem um
elemento central de uma nova sintaxe do espaço urbano. Enquanto objeto de estudo, é um
instrumento privilegiado para que se investigue a dialética urbana da permanência e da
mudança e para que se apreenda a cidade em seu contexto. É um objeto que permite, ao
mesmo tempo, dar conta desse imponderável hiato entre a cidade imaginada e ensaiada pelos
projetos e a cidade vivida e sentida pelos seus habitantes, em que as políticas urbanas tantas
vezes se demoram, chegando, por vezes, a estagnar.
Para o Chefe do Dphap-MA Alan Jorge P. Pires, o centro histórico ferve cultura,
história, turismo, contudo, mas as pessoas precisam “fazer o uso racional desse espaço, de
forma que ao mesmo tempo nós possamos utilizar nosso bem e constituir relações” (PIRES,
2008), isso baseado na questão do desenvolvimento sustentável, ou seja, seria usá-lo com
responsabilidade, para que no futuro esse patrimônio possa ser contemplado e vivido. O
patrimônio arquitetônico de uma cidade é capaz de desencadear o sentimento de pertença em
relação ao seu lugar, como ruas, praças, igrejas, edifícios, casarões, cemitérios, monumentos,
museus, teatros, colocando-o em sintonia com o lugar.
Mediante a lógica que os sujeitos utilizam os patrimônios culturais, percebe-se os
vários sentidos e significados que elaboram em torno de patrimônio e arquitetura, ambos
performances de um diálogo simbólico e, portanto, polissêmico, com o qual inscrevem sua
história.
Há uma tendência para uma elitização de muitos centros históricos, resultantes de
agressivas políticas de enobrecimento urbano ou “gentrificação”. No entanto, preservar e dar
qualidade aos centros históricos não pode ser visto como torná-lo uma paisagem de privilégio
e exclusividade social para usufruto de grupos sociais determinantes.
Assim, o patrimônio histórico-cultural não deveria ser apresentado apenas como
monumento estático, exposto à curiosidade dos habitantes da cidade ou mesmo de visitantes.
131

É preciso que seja interativo e que leve a pensar e refletir os que se colocam diante dele, para
assim dar continuidade à ação dinâmica da cultura. O atrativo cultural não deve apenas ser
objeto de atenção por um momento, mas antes ser apreciado como uma inserção histórica,
dotada de amplos significados. Pois todo patrimônio é vivo, porque é construído a cada dia,
nas reformas e ressignificações e, ainda, pelo seu caráter polissêmico que a apreciação pessoal
possibilita, através de diversas interpretações pessoais.
A ressignificação passa pelo valor de uso/função. No momento em que se fizer o uso,
evidentemente sem a mesma função de antes, visto esses serem diferentes, a ambiência
interna/externa pode ser trabalhada, em favor inclusive de quem vai fazer uso dele,
preservando, assim o(a) homem(mulher) e suas necessidades na contemporaneidade.

3.4 Um Lugar Reencontrado

É no sentimento de pertença que são (re)encontrados os lugares de memórias dos(as)


moradores(as) e utilizadores(as) de uma cidade. A partir do momento em que sítios históricos,
percursos, vestígios, são reencontrados e transformados sob o pretexto de se lhes restituir a
glória de outros tempos, uma outra história começa, fabricada por um vasto trabalho de
requalificação. Em Caxias, esse reencontro faz referência a um passado rico e que, portanto,
“deve” ser reverenciado e preservado.
Quando se discute porque o patrimônio cultural deve ser preservado, é possível avaliar
os interesses envolvidos nesse processo. A partir dos interesses econômicos, há a preservação
do patrimônio em função do turismo, tornando a cultura uma mercadoria. Assim, o
patrimônio cultural torna-se mais preservável, na medida em que o interesse turístico por
prédios históricos, torna-os economicamente viáveis, ao serem ressignificados.
O centro histórico de Caxias constitui hoje uma obra singular, de grande importância
patrimonial, artística e simbólica para a cidade. Como já exposto (ver Capítulo I), os
exemplares arquitetônicos da cidade resistem, teimam em ficar de pé, mesmo diante das
adversidades, dos esforços, inclusive, de muitos(as) para que sucumbam pelas intempéries do
tempo. Talvez por esse motivo, o estado de conservação da estrutura edificada encontre-se, na
sua maioria, com um caráter envelhecido e decadente, sendo lisível sua degradação física.

Figura 36 e 37: Edifício Duque de


Caxias (Foto: ALMEIDA, 2008).
132

Figura 38: Residência (estilo neoclassico), de propriedade de Raimunda Maria e Silva, situada na
Praça Cesário Lima, nº 153, Centro (Foto: ALMEIDA, 2008).

Figura 39: Casas comerciais localizadas no centro histórico de Caxias, em estilo neoclassico
(Foto: ALMEIDA, 2008).
As imagens (figuras 36, 37, 38 e 39) ilustram edificações com pintura descascadas,
portas de aço lacrando entradas e janelas e restos de paredes que apenas insinuam o que já
existiu. Por isso, muitos(as) entrevistados(as), quando indagados sobre a imagem que têm
sobre o patrimônio arquitetônico do centro histórico de Caxias é de “algo caindo, tombado,
literalmente” (ALMEIDA[B], 2008), quando, para a moradora de um casarão no centro
histórico, Patrícia Silva Lobão, deveria ser a imagem de

edifícios conservados e respeitados pelo seu valor histórico e cultural, pelo poder
público e pelos cidadãos, a exemplo da casa onde atualmente moro, pela beleza e
133

conservação de seus antigos proprietários; por conter traços de origem portuguesa,


como os azulejos portugueses, pintados à mão, e sua arquitetura (LOBÃO, 2009).

A constatação de que o patrimônio edificado de Caxias encontra-se cada vez mais


ameaçado de destruição por causas naturais de degradação, pelo desenvolvimento social e
econômico agravado por fenômenos de alteração ou de destruição é visível. “O casario do
centro histórico de Caxias, que é um cartão postal da cidade, merecia mais atenção” (SOUZA,
2008), o que é motivo de lamento também para Patrícia Silva Lobão, pois, segundo a
entrevistada, “infelizmente vejo somente (poucos) historiadores, alguns antigos moradores e
poucos simpatizantes da História, como eu” (LOBÃO, 2009) com a atenção voltada para a
preservação do casario histórico da área tombada de Caxias. De fato, o discurso da
necessidade de conservação/preservação do patrimônio cultural de Caxias, torna-se cada vez
mais freqüente e difundido.
Poeticamente, Wybson Carvalho também denuncia a mutilação desse patrimônio, na
poesia valor patrimonial36.
a polis deve estar para a história;
assim como o esqueleto
arma-se para a plástica do tecido muscular...

paralelepípedos escondidos nas vias públicas


e
escombros às edificações etárias;

eis, o que a polis é


eis, como a polis está
(Wybson Carvalho, 2008).

A proteção desse patrimônio, em âmbito estadual e municipal é, muitas vezes,


insatisfatória, devido à magnitude dos meios necessários e à insuficiência dos recursos
financeiros, científicos e técnicos. Sobre esse aspecto, Alan Jorge P. Pires, Chefe do Dphap-
MA, explica que falta
nós, enquanto órgão de preservação, atuarmos lá. Agora como fiscalizar São Luís,
que tem 5.200 imóveis, mais alguns outros que são isolados; Caxias, Viana,
Carolina, isso só nos centros históricos, sem falar nos tombamentos isolados, como
o Engenho de Pindaré, Alcântara [...]. Em São Luís e Alcântara a gente tem o apoio
do Iphan (PIRES, 2008).

Ainda para o Chefe do Dphap-MA, um ponto importante e que deve ser revisto é
quanto à equipe técnica:

hoje nós temos dez fiscais, mas nem todos são técnicos e nem todos estão aqui
conosco. Em Alcântara, por exemplo, a gente tem uma situação sui generis, pois os
técnicos estão em cargos administrativos e isso compromete o resultado final. A
36
A poesia valor patrimonial foi criada especialmente para este trabalho, no momento em que o poeta recebeu a
pesquisadora para a entrevista, em 16 de outubro de 2008.
134

gente tem, numericamente falando, mais de 400 imóveis para cada fiscal. Temos um
trabalho administrativo que só funciona à tarde, mas o tempo todo ocorre de forma
sistemática, permanente, de forma que não fuja aos olhos do Estado essa questão da
violação do patrimônio (PIRES, 2008).

O que se observa é que os patrimônios histórico-culturais encontram-se cada vez mais


ameaçados de destruição por causas naturais de degradação, pelo desenvolvimento social e
econômico agravado por fenômenos de alteração ou de destruição. E, ainda, verifica-se,
sobretudo a partir da fala do entrevistado, que a proteção desse patrimônio é, muitas vezes,
insatisfatória, devido à magnitude dos meios necessários e à insuficiência dos recursos
financeiros, científicos e técnicos do Estado.
É voz corrente entre os(as) moradores(as), ouvidos no âmbito desta pesquisa, a
necessidade do município investir mais nesses prédios – comprar, indenizar proprietários(as),
conceder incentivos fiscais – para que sejam mantidos “vivos”. Para o Promotor de Justiça,
Fernando Menezes, isso passa por uma conjunção de atitudes que vão do diálogo à palestras e
orientações, não só aos proprietários desses imóveis, mas à população em geral. Em suas
palavras:
uma das melhores maneiras de preservar esse patrimônio seria no sentido de motivar
as pessoas, através de diálogo, com palestras, passando também pela parte fiscal,
não só de isenção de impostos, mas até com uma linha de crédito especial, pelo
próprio município, para que as pessoas possam lançar mão dessa linha de crédito,
para preservar esse patrimônio, fazer as adequações as reformas devidas
(MENEZES, 2008).

De fato, um projeto de preservação, recuperação e/ou revitalização urbana requer uma


estratégia de implantação com várias frentes de atuação e com diferentes mecanismos de
incentivos, parcerias e investimentos de capitais para que possa funcionar. Cabe aos órgãos
públicos das esferas municipal, estadual e federal observarem o compromisso com o
patrimônio histórico-cultural do país, bem como o da própria comunidade.
No âmbito do município de Caxias, o que alguns entrevistados(as) propõem é que a
prefeitura municipal crie incentivos fiscais, tais como descontos no Imposto Predial e
Territorial Urbano – IPTU – para àqueles que preservarem seus imóveis, o que poderia
estimular a conservação das edificações do centro histórico e do entorno, como já ocorre em
outros centros históricos tombados.
Para o empresário José Ivan Ferreira,

aqui, quando se trata do centro histórico, eles [imóveis] são quase todos prédios
privados. Eu acho que não é interessante para o dono mantê-lo. Por exemplo, o
aluguel de um prédio novo, estruturado para receber investimentos, cobra-se um
135

valor x, mas se o prédio é tombado pelo patrimônio histórico vale 20% do valor real
do aluguel, então não tem benefícios para quem mantém [...]. Agora, se o estado ou
o município pode manter, eu acho que ele poderia até adquirir esse imóvel, fazer
uma Secretaria; isso é diferente, porque uma Secretaria dentro de um imóvel desse,
o povo vai, porque é um setor público e as pessoas vão lá para resolver negócios
(FERREIRA, 2008).

Diante do processo de descaracterização urbana, a sociedade responde, muitas vezes,


com um comportamento conservacionista, que se contrapõe ao pragmatismo de diversos
setores empresariais, notadamente o imobiliário. A propriedade imobiliária não pode e não
deve ser considerada apenas como valor de uso, mas, principalmente, pelo potencial valor
econômico determinado pelas regras do mercado. A determinação do tombamento de bens
imóveis é geralmente considerada pelos(as) proprietários(as) apenas como ônus, uma
penalização que os(as) obriga a arcar individualmente com uma responsabilidade – a de
preservar um bem –, em benefício de um interesse que é coletivo. Pela tendência de encarar a
preservação simplesmente como um "congelamento" de um bem privado – cuja apropriação
em termos de potencial econômico é restringida –, instaura-se, entre muitos proprietários(as),
a cultura do descaso em relação à preservação como forma de provocar, literalmente, o
"tombamento" do imóvel.
Segundo Pedro Paulo Funari e Sandra Pelegrini, vista por esse ângulo, a reabilitação
dos centros históricos, além de potencializar a identidade coletiva dos povos e promover a
preservação de seus bens culturais, material e imaterial, pode contribuir para o
desenvolvimento econômico e social e, ainda, otimizar os custos financeiros e ambientais do
crescimento urbano, através do aproveitamento da infra-estrutura de áreas centrais e do
incremento da indústria turística (FUNARI & PELEGRINI, 2006).
Visão compartilhada por muitos habitantes da cidade de Caxias:
A gente pode levar em consideração experiências de outras cidades brasileiras que
conseguem preservar o seu passado sem destruir, aliando ao progresso, ou seja,
fazer o uso disso como um empreendimento, como uma fonte de sustentabilidade
para o município. Quantas cidades mineiras, por exemplo, vivem somente do
turismo histórico? (COSTA, 2008).

Na visão do empresário José Ivan Ferreira, é importante analisar o que esse centro
histórico pode trazer de benefícios para a sociedade.

Se esse centro histórico for explorado e se o setor público investisse em mídia,


atrairia o turismo – acho que é um dos benefícios que pode ser trabalhado é o setor
136

turístico, que hoje tem crescido muito no mundo, especialmente no Brasil –, se


houver uma política pública voltada para o desenvolvimento do turismo, através de
ações que mostrem o centro histórico de Caxias, esses prédios, esses locais que
estão tombados, beneficiará a população e a cidade em geração de emprego, em
rendimentos, podendo melhorar, inclusive, a qualidade de vida das pessoas
(FERREIRA, 2008).

Um olhar sobre os imóveis localizados no centro histórico de Caxias revela que os


conservados ou preservados são os de uso do governo municipal: a antiga fábrica têxtil, hoje,
Centro de Cultura José Sarney; o antigo mercado público, hoje Prefeitura Municipal; as
igrejas católicas. Ou seja, calculadamente, deu-se prioridade a ações nos imóveis públicos.
Por isso, a preservação do patrimônio culturalmente construído tem sido realizada sob
influência de pressões políticas, econômicas, de especulações financeiras e imobiliárias, de
modo que não se consegue garantir aos(as) cidadãos(ãs) o direito de desfrutar, em iguais
condições, da monumentabilidade e da beleza do espaço público. O desafio consiste em
adequar a preservação do patrimônio edificado com as necessidades da população, a partir do
princípio, como afirma Nestor Canclini, de que “os usos sociais do que foi produzido no
passado devem estar relacionados com as necessidades contemporâneas da maioria dos
habitantes” (CANCLINI, 1994, p. 96).
Isso porque o patrimônio cultural está ligado aos produtos do sentir, do pensar e do agir
humano; constitui-se, portanto, nos bens que identificam um povo. Como símbolos de
determinada comunidade, traz em seu bojo a importância do estudo desse patrimônio para ser
transmitido às gerações futuras e, assim, ser preservado, restaurado e difundido, através da
história e da memória, para reforçar e discutir a identidade coletiva.
Mas, o discurso corrente é que a sociedade desconhece sua história e, portanto, o
patrimônio cultural no qual está inserido. Para Maria Bertolina Costa a população caxiense
acha importante preservar, porque tal ação passa pela preservação de parte da memória da
cidade, contudo,
quando falo em população, é a sociedade civil organizada, porque a sociedade civil
não organizada, que é o povo, ela não tem muita preocupação com isso não, porque
não existe uma discussão, não existe nenhum critério de informação para a
população, é isso que precisamos criar na Secretaria de Cultura, criar, por exemplo,
folder informativo e fórum de discussão sobre o patrimônio (COSTA, 2008).

Evidencia-se uma proposta coerente para elaboração de materiais informativos que


ampliem o discurso institucional do patrimônio histórico-cultural. Aqui, seria trabalhar,
sobretudo com os jovens, “conscientizando a população, principalmente os jovens, mostrando
a importância da preservação e evitando atos de vandalismo” (ALMEIDA[B], 2008). Nesse
sentido, ter conhecimentos sobre o que é patrimônio cultural, bem como sua importância para
137

a sua comunidade, se faz imprescindível, para que possam também lutar e reivindicar pela
preservação e manutenção desse patrimônio.
Ao investigar fontes hemerográficas do período de pesquisa para o tombamento do
centro histórico, em 1990, ou até mesmo de dez anos antes, quando do tombamento da fábrica
têxtil, não se vê o povo sendo convidado a discutir sobre o que é preservação, ou sobre a
importância ou não de preservar. O que se verifica nessas fontes é o povo sendo chamado à
participar somente em eventos comemorativos, como a data de adesão à independência, o
aniversário da cidade, etc. Em poucos momentos foram ou são convidados a discutir questões
relativas à cidade. Sobre esse fato, Alan Jorge P. Pires afirma: “Se não ocorre hoje, naquela
época [década de 1980] menos ainda, até por conta da conjuntura política37” do período.
Não obstante a essa constatação, quando da visita da comissão do Dphap-MA, em
setembro de 1986, foi proferida, no Auditório da Prefeitura Municipal, uma palestra para um
público de cerca de cem (100) pessoas, composta por professores, engenheiros, advogados e
alunos, sobre o tema “Patrimônio cultural”, em que foram discutidos conceitos de patrimônio
e preservação.
Como o patrimônio arquitetônico é um lugar de memória e sendo lugar de memória é
lugar de história, muitos(as) moradores(as), em conversas formais e informais, sobretudo
os(as) mais idosos(as), mostram-se tristes, ficando até mesmo penalizados(as), quando vêem o
centro histórico hoje, porque ali, para eles(elas), está se destruindo um lugar de memória.
Parcela significativa da população sente-se desenraizada quando vê algum casarão ou prédio
sendo destruído ou descaracterizado, aqui pensando na posição de Riccardo Mariani, para
quem o prédio “não é apenas pedra e cal” (MARIANI, 1991, p. 66) e na de Alan Jorge Pires,
para quem,
o prédio é vivo. A gente quando trata de patrimônio tem que ver que o patrimônio
está muito ligado à questão da herança, no caso o patrimônio cultural ligado à
herança cultural. Mas não é só isso. Toda herança, quem a recebe, recebe com muito
prazer, com muito gosto, e quer sempre manter. A preservação é inclusive pra isso,
para você ter de volta todo aquele passado, que não volta mais, mas é você
rememorar, tornar aquilo vivo na sua lembrança, que já é algo imaterial (PIRES,
2008).

Esse patrimônio herdado, a que se refere o entrevistado, capaz de identificar uma nação,
pode ser visto por muitos(as) como um dom, algo que por ter sido recebido do passado com
tal prestígio simbólico não cabe discuti-lo. As operações possíveis – preservá-lo, restaurá-lo,
difundi-lo – são a base da simulação social que mantém determinada comunidade unida,
como afirma Nestor Canclini, “a perenidade desses bens leva a imaginar que seu valor é

37
Regime militar (1964-1985).
138

inquestionável e torna-os fontes do consenso coletivo, para além das divisões entre classes,
etnias e grupos que cindem a sociedade e diferenciam os modos de apropriar-se do
patrimônio” (CANCLINI, 1998, p. 160).
O sentimento de preservação do patrimônio está presente tanto na comunidade, quanto
no(a) visitante(a), afinal, é o valor desse patrimônio que torna a cidade mais atraente, mais
viva. Acontecimentos recentes, ou mesmo de problemas atuais, bem como a coleta de
evidências pessoais da história, são fundamentais no processo de valorização. Em qualquer
cultura, as construções seculares, as lembranças pessoais e as experiências passadas, as
fotografias desbotadas e os registros de eventos familiares fornecem marcos de vidas
individuais e são de grande valor para o processo de leitura do patrimônio.
Por sua vez, a importância de defender o patrimônio local torna-se pública. Valorizado
progressivamente aos olhos de um número significativo de pessoas, enfatiza-se o estudo,
divulgação e preservação do patrimônio edificado caxiense, bem como a prática de quaisquer
outras atividades culturais.
Muito se tem discutido, em vários âmbitos, sobre as possibilidades e alternativas de
preservação desses patrimônios, porém, estabelecer diálogo com a comunidade é primordial,
ou seja, se é preciso saber se é de interesse da população local. Nas entrevistas, o que mais se
ouviu foram os clamores da comunidade quanto à falta de investimentos, preservação e outros
cuidados para com o patrimônio edificado da cidade, momento em que propõem:
Seria ideal que cada cidadão caxiense tomasse consciência de que da mesma
maneira que lhe foi mostrado a história de Caxias, as próximas pessoas a ocuparem
a sociedade também têm esse direito. Assim, cada um preservará seu patrimônio e
respeitará o que lhe foi deixado (QUEIROGA, 2008).

A alternativa é o povo ter consciência do patrimônio que possuímos e o poder


público ter compromisso com o povo (SILVA[B], 2008).

O caminho seria fazer com que a população tivesse conhecimento de seu patrimônio
e da importância de preservar a história de nossa cidade (SILVA[C], 2008).

O avanço obtido com o tombamento do centro histórico de Caxias é relevante na


criação de uma imagem para a cidade como legítima expressão da cultura local e como
elementos significativos de uma história em construção; idéia que gradativamente parece
substituir aquela até então predominante em determinados segmentos da população, segundo
a qual os monumentos históricos representados pelos edifícios e casarões seculares devem ser
postos como indesejáveis símbolos do atraso, transformando-se o centro histórico em um
lugar reencontrado pelos(as) seus moradores e moradoras.
Contudo, trata-se de um ato de auto-reflexão que recomenda verificar a
contemporaneidade sociocultural de Caxias, o que requer um balanço breve do ponto de
139

partida e de onde se julga razoável chegar. Brevemente, parte-se de um período em que se


instala e se cultiva em diversos setores econômico, político e cultural um discurso auto-
complacente, como cidade impotente e em perda, “a cidade do já teve”, conforme discurso
corrente, como fala a professora Letícia Maria Mesquita, “isso é triste, a ‘cidade do já teve’,
mas a gente tenta resgatar” (MESQUITA, 2009).
De fato, a cidade de Caxias caminhou entre períodos de opulência e decadência. Como
segunda38 cidade mais importante do Estado do Maranhão edificou a afirmação de sua
identidade calcada no patrimônio material e intelectual sempre ligada a um passado
“glorioso”. Porém, a desarticulação do parque fabril, em meados do século XX, desestabiliza
as bases sociais e econômicas de Caxias. Esse período, expressivo na história da cidade, é
marcado por perdas materiais e sociais, sendo que através da ressignificação de seus valores
que os caxienses buscam resgatar a “cidade altaneira”, como já disse o poeta caxiense
Wybson Carvalho.
Ao lançar um olhar sobre a história da cidade, pode-se até visualizar como poderia ter
sido sua dinamicidade no final do século XIX até meados do século XX. Uma cidade que
“vive poesia”, cultura, através de um grande número de poetas caxienses de renome nacional,
como ressalta o poeta Wybson Carvalho.
Caxias para mim é uma cidade de um povo que traz dentro de uma hereditariedade
histórico-cultural, riquezas de conhecimentos, riquezas de participação na própria
história cívica, política e administrativa do país, haja vista nós sermos eternizados
em dois dos principais símbolos nacionais: estamos presente em nossa bandeira
nacional, com a insígnia ordem e progresso, criado por um caxiense, Raimundo
Teixeira Mendes, extraído do lema do Positivismo, e estamos presente no nosso
hino nacional, em dois versos – ‘nossos bosques tem mais vida, nossas vidas no teu
seio mais amores’ – do poeta Gonçalves Dias. Caxias é isso, sobretudo atrevida, por
esse perfil cívico que ela tem para com a história do país. Para mim Caxias é isso,
um povo bastante rico, com um histórico-cultural de muita criatividade, se nós
fossemos elencar vultos caxienses, em todos os segmentos da cultura nós temos
caxienses reconhecidamente a nível nacional. Nós temos Raimundo Teixeira
Mendes, Gonçalves Dias, Coelho Neto; no campo das artes plásticas, Celso Antonio
Silveira de Menezes, com trabalhos esculpidos nas principais capitais do mundo:
Rio de Janeiro, São Paulo, Paris, Roma, que são capitais mundiais. Na filosofia,
Augusto César Marques [...]. Na contemporaneidade, temos nomes que deram
continuidade a esse segmento. Nas artes plásticas, Sílvia Carvalho, Antonio
Oliveira, Ribamar Vieira, e outros mais novos que estão como aprendizes na
escultura, na pintura, e isso ratifica que Caxias é nobre, porque as artes plásticas é
um segmento cultural meio erudito, meio apreciado pela pseudo-burguesia. Então
Caxias é, até aí, pretensiosa (CARVALHO, 2008).

No olhar do entrevistado, Caxias possui uma carga histórico-cultural encarregada de


trazer ao presente símbolos capazes de enaltecer e valorizar a cidade de hoje. Torna-se claro o
papel da memória e da valorização dos signos, vale dizer, do conteúdo histórico-cultural e
afetivo que o entrevistado atribui às imagens que compõem a “sua” cidade. Ressalta-se, aqui,
38
Hoje, a cidade é a terceira maior do Estado do Maranhão, com população superior a 153.000 habitantes.
140

a importância de que o patrimônio seja visto como parte integrante da comunidade onde está
inserido, numa significação das manifestações sociais que marcam ou marcaram suas vidas,
conquistas, sonhos e realizações (ou idealizações) que constroem a história, e a possibilidade
de olhar esse patrimônio como memória social. É pensar que além de um patrimônio material
existe um patrimônio imaterial, um patrimônio que tem leveza, movimento e que pode
caminhar.
Ou, além da poesia, Caxias pode ser vista a partir das edificações seculares, que
embelezam e encantam a cidade: “aqui nós temos casas que têm umas grades que foi ainda do
período do Brasil Colônia” (LIMA, 2008). E, no olhar de um outro entrevistado: “A casa da
Dona Quininha Pires [...] tinha aqueles azulejos lindos, de alto relevo, que vieram de Portugal,
e que hoje em dia colocaram uma parte aqui neste edifico Duque de Caxias” (LIMA FILHO,
2008), são algumas vozes sobre o patrimônio construído de Caxias, pronunciadas por muitos
de seus habitantes como a cidade guardiã de uma memória que resiste aos processos sociais.
A cidade seria, assim, o próprio passado de glórias presentificado, visível, sobretudo, na
arquitetura. O que conta é a visibilidade da cidade, ou seja, seria tanto para moradores e
moradoras como visitantes, ler nas ruas e nas edificações caxienses os fatos históricos mais
representativos da personalidade e identidades dos caxienses.
Também, uma cidade economicamente ativa, que negociava a produção do algodão
com outras regiões do Brasil e, sobretudo com a Europa, e depois, no século XX, exportando
a amêndoa de babaçu, como afirma Géssica Queiroga: “Caxias já foi um grande pólo
econômico, o maior de todo o Maranhão, porém hoje sua economia diminuiu bastante por
vários fatores, o que mais se destaca é a ineficiência e incapacidade de
governar” (QUEIROGA, 2008). Com o declínio econômico, veio a estagnação e o sentimento
de perda, como expresso na fala da professora Letícia Maria Mesquita.
Caxias tinha um aeroporto. Daqui saiam vôos nacionais, e hoje em dia não tem mais
nada, perdeu, descaracterizou; tinha dois teatros, o Fênix – até de boa acústica, eu
não o vi funcionando, mas meus pais falavam, funcionava no colégio Caxiense, que
sempre teve essa preocupação de manter esse espaço de teatro; e o Teatro Harmonia
(MESQUITA, 2009).

Esse sentimento de “perda”, reivindicado por muitos(as), inicia-se com o declínio


econômico da cidade, com o fechamento das indústrias têxteis a partir da década de 1950.
Depois que fecharam as fábricas, muitos comércios se abalaram, porque viviam de
vender para o operariado de Caxias [...]. As quitandas e os comércios, que vendiam
para pagar por semana – naquela época a fábrica pagava semanalmente, e aquele
dinheiro circulava em Caxias. [...] depois que fechou, o algodão foi desaparecendo,
por que não tinha mais as fábricas, os compradores de algodão também foram se
desinteressando, porque também foram fechando as fábricas de Codó e as de São
Luís, e a comercialização, a cultura do algodão no Maranhão foi desaparecendo,
141

ficou a do babaçu, que hoje também já ta desaparecendo, sendo substituída pela soja
(BARATA, 2008).

A idéia de perda aparece, segundo José Reginaldo Gonçalves, como “processo


inexorável de destruição, em que valores, instituições e objetos associados a uma ‘cultura’,
‘tradição’, ‘identidade’ ou ‘memória’ nacional tendem a se perder” (GONÇALVES, 1996, p.
22). O que os intelectuais nacionalistas associados aos chamados patrimônios culturais
chamam de “perda”, diz ele, é na verdade, “o efeito de diferenças que, por sua vez, são pré-
condições existentes no interior mesmo das práticas de apropriação, no interior das culturas
nacionais enquanto culturas apropriadas” (Ibidem).
A “perda” ocorre de diferentes modos, desde a indiferença da população local, em
função do desconhecimento do patrimônio histórico-cultural – como enfatizado por alguns
entrevistados –, à ignorância, em nome do “progresso” e do desenvolvimento, além da
urbanização descontrolada, identificados como fatores responsáveis da destruição do
patrimônio de Caxias.
No entanto, este discurso, que se opõe àquele processo de destruição, é o mesmo que,
paradoxalmente, o produz. No mesmo movimento produzem-se, transformados em colações e
patrimônio culturais, os objetos que estão sendo destruídos e dispersados. Esses objetos são
concebidos nos termos de uma imagem originária de unidade, onde estariam presentes o
patrimônio do povo caxiense, a exemplo do que explica a Secretária de Cultura e Turismo,
Valquíria Araújo Fernandes Oliveira: “agora mesmo soubemos que o Saae39 fez um serviço
próximo da Igreja São Benedito, que arrancou alguns paralelepípedos, e nós fizemos uma
solicitação desses paralelepípedos para colocar no Museu40, porque eles são
históricos” (OLIVEIRA[B], 2008).
Embora haja um lamento constante em relação ao processo de fragmentação e perda,
ele, na verdade, não é apenas um fato exterior, mas algo que coexiste com o esforço de
preservação tal como aparece nos discursos sobre patrimônio cultural. Talvez seja o
distanciamento que os transforma em objetos de desejo, os transforma em objetos
“autênticos”, que merecem ser buscados, resgatados como parte representativa e significativa
de um patrimônio cultural. As práticas de apropriação, restauração e preservação desses
objetos são estruturalmente articuladas por um “desejo permanente e insaciável” pela
autenticidade, uma autenticidade que é o efeito de sua própria perda.

39
Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Caxias.
40
Memorial da Balaiada.
142

Paradoxal à visão de perda, de “cidade do já teve”, o olhar que a Secretária de Cultura


lança é a de uma cidade que se reinventa em função das necessidades do presente.
Muitas pessoas da cidade pensam em Caxias como ‘a cidade do já teve’, mas eu não
concordo com essa frase. Caxias, realmente, teve indústrias, algumas fábricas, que
acabaram com o tempo; mas as pessoas não acompanharam a evolução dos tempos.
Mas essas fábricas, essas indústrias elas foram substituídas. Por exemplo, há mais de
50 anos, Caxias não tinha Universidade, e a gente vê quantas faculdades tem aqui
hoje: a Uema está se expandindo cada vez mais; além de Licenciatura já tem curso
de Medicina, Enfermagem; a Facema já está aí com outros cursos também, e com a
parte física e a parte de ensino, de excelência; nós temos a Uniderp, a Uva, a
Religare. Então Caxias, não é a cidade do já teve. Se nós tivemos poetas no passado,
hoje também nós temos; os nossos poetas do passado tinham que ir para outras
plagas, e os de hoje são reconhecidos e valorizados aqui. Então você vê que Caxias
está evoluindo (OLIVEIRA[B], 2008).

Vale destacar que o depoimento da Secretária de Cultura é um olhar institucionalizado


e, desse modo, segue a orientação da política oficial do governo municipal que, ao mesmo
tempo em que pretende mostrar Caxias como a cidade que soube e saber preservar o seu
patrimônio histórico-cultural, é também uma cidade que não ficou congelada, não vive de um
passado glorioso e sabe adaptar-se à modernidade, aliando preservação e “progresso”.
Por isso, é no sentido de destacar os elementos culturais da cidade de Caxias que se
ergue parte dos discursos, ao demonstrar uma política de preservação que incorpora diferentes
atores sociais: intelectuais, instituições locais, comerciantes, moradores e moradoras. De fato,
a idéia da necessidade institucional de novos rumos para a cidade é partilhada por muitos que
advogam a importância da preservação de seu patrimônio histórico-cultural.

3.5 Práticas Patrimoniais: reinventar a cidade

A intervenção por parte do poder público no Brasil, ligada à política de preservação,


começa a ocorrer no século XX (ver capítulo II). Essa política se dá na relação entre o Estado
e a sociedade, muitas vezes, representada por grupos de intelectuais. Da fase “heróica” à
“moderna” (FONSECA, 2005), passou-se da limitada noção de patrimônio intitulada pela
expressão “pedra e cal” pela importância arquitetônica, para a outra linha chamada de
“referência”, pela ampliação da conceituação de patrimônio, ligado ao fazer e ao saber
popular.
No Maranhão, as políticas de preservação efetivam-se com mais consistência com a Lei
nº 3.999, de 05 de dezembro de 1978, revisada e revogada pela Lei nº 5.082, de 20 de
dezembro de 1990, que dispõe sobre a proteção do patrimônio cultural do Estado, constituído,
conforme artigo 1º, de bens de natureza material e imaterial, portadores de referências à
143

identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade maranhense e


que, por qualquer forma de proteção prevista em lei, venha a ser reconhecidos como valor
cultural visando a sua preservação.
Desse modo, o patrimônio cultural constitui-se em uma herança cultural que nas
últimas décadas vem recebendo reconhecimento e ao qual incorporam-se novos valores por
meio da ressignificação destes patrimônios. São patrimônios que trazem a lembrança viva da
história que marcaram as fases que pontuara a economia e a conseqüente riqueza nacional
e/ou local. Muitas dessas construções não foram conservadas ou se tornaram ruínas. Outras
mantiveram seu estilo arquitetônico, com o patrimônio histórico-cultural conservado, sendo
restaurados, recebendo inclusive novos usos e ressignificações.
Aqui, trabalha-se na perspectiva da preservação e do entendimento de patrimônio
histórico-cultural como resultado de uma prática social e cultural da sociedade, em que as
diversas funções sociais do passado possuem significados. A discussão é necessária para que
não haja o esquecimento ou para que os lugares não sejam apenas reduzidos ao sentimento
saudosista, nostálgico, pois o lugar reflete marcas que se internalizam no sujeito, passando a
construir sua memória e edificando o sentimento de pertença, por possuir valor histórico,
cultural e afetivo para a população caxiense.
Os patrimônios culturais, herdados do passado e vivenciados no presente, contribuem
para a formação da identidade, na formação de grupos, nas categorias sociais e no resgate à
memória, ao permitir estabelecer elos entre o pertencimento, a história e as raízes de um povo.
“Atribuir significação a algo implica um valor, portanto, a significação cultural de um bem
pressupõe um valor estético, histórico, científico ou social a ele atribuído por gerações
passadas, presentes ou futuras” (IPHAN, 1995, p. 283).
Em Caxias, as edificações históricas estão envelhecidas e parecem clamar por
revitalização/requalificação. Apesar do peso da carga histórica do lugar, como pleno de
formas vivas e pretéritas de uma Caxias histórica, rica, com um perfil econômico e poético
conhecido no mundo, sua revitalização caminha a passos lentos. A urgência de políticas
patrimoniais para o centro histórico, envolvendo especialmente os jovens, é uma possibilidade
de devolver o centro à cidade e de se pensar ações mais conseqüentes para sua preservação.
Por isso, as vozes do tombamento ecoam na cidade, como a de Arthur Almada Lima
Filho.
Aquele sobrado da Praça Gonçalves Dias [Edifício Duque de Caxias] estar
realmente condenado a cair a qualquer momento. Pretendemos até movimentar o
Ministério Público para que tome providências nesse sentido. As nossas igrejas, por
exemplo, a de São Benedito, que um vigário fez despojar os seus altares originais
[1990], em estilo barroco, mas o padre quis a igreja moderna despojando de todos os
144

seus altares. [...] E nós deixamos perder uma capela no Cemitério de São Benedito,
que era um estilo muito bonito. Despojaram. Recentemente vi que se está tirando
uma escultura lá do Cemitério para ornamentar um prédio aqui no centro da cidade.
É um crime o que se está praticando e que dói para nós (LIMA FILHO, 2008).

Ou no olhar de Maria Bertolina Costa.


Conversei com dois proprietários que estavam alterando casas no centro histórico. O
primeiro era o dono do imóvel onde morou o poeta Vespasiano Ramos 41. Conversei
com ele, inclusive com os pedreiros, mostrando a importância histórica daquela
casa, e ele preservou a fachada. A outra é a casa em frente a Academia Caxiense de
Letras. Acionamos o Banco Bradesco, que estava financiando o imóvel, para que
fosse colocada uma cláusula em que o proprietário não poderia alterar a fachada
(COSTA, 2008).

Apesar de atuar ainda em passos lentos, verifica-se, principalmente a partir dessas


vozes, que o poder público vem mediando os diversos interesses dos proprietários no sentido
de que a lei de tombamento do centro histórico da cidade seja respeitada. Porém, faz-se
necessária, e urgente, a formulação de novas políticas públicas que efetivamente incorporem
instrumentos eficazes como contrapartida aos proprietários(as).
Além disso, a realização de ações educativas voltadas para a preservação do patrimônio
cultural caxiense, no sentido de que os jovens conheçam a sua história e, portanto, o seu
patrimônio e sejam capazes de exercer seu direito de escolha de bens a serem preservados,
atribuir valores, encaminhar propostas de tombamentos e registros.
Se a criança ou jovem não entende porque tem que preservar um prédio, ela não vai
preservar, é a mesma coisa do adulto, ou seja, não vai preservar porque não vê
nenhuma importância, nenhum significado nisso. Por isso dizem: ‘casa velha’,
‘acabada’. Se não se preservar, a gente vai perdendo a memória e a história da
cidade, do passado. Preservar o patrimônio é manter a memória do município acesa,
viva (COSTA, 2008).

Aqui, ressalta-se as falas de muitos dos entrevistados e entrevistadas, que atribuem à


não preservação do centro histórico à falta de conhecimento da população, sobretudo a jovem,
do patrimônio cultural de Caxias.
Uma questão interessante que tem que ser feita é trabalhar os jovens, porque são
esses jovens que vão estar na cidade, gerenciando, administrando, fazendo algo no
sentido de gerir a cidade. Então, eles [os jovens] precisam ter conhecimento do que
é o patrimônio e a importância desse patrimônio para a cidade, para poder também
lutar pela preservação e manutenção desse patrimônio (PIRES, 2008).
Mas não só as novas gerações, como também deve-se ao fato de “o Estado ter tombado
e não ter feito um gerenciamento; a prefeitura não ter se interessado e o fato das próprias
elites proprietárias desses imóveis, não estarem nem aí para a questão da memória
coletiva” (LEITE FILHO, 2008).

41
Imóvel de propriedade da Arquidiocese de Caxias, tombada pelo governo do Estado, Decreto nº 11.595, de
12/10/1990, inscrita no Livro de Tombo nº 054, folha 12, em 30/11/1990.
145

Registrar a vontade de muitos caxienses em enaltecer e revalorizar a área do centro


histórico remete, especialmente, aos encaminhamentos e as falas que evidenciam o peso
polarizador da área central sobre a cidade, fazendo-a a responsável pela significativa parcela
de atividades econômicas da cidade.
Por isso, como eles mesmos abordaram, seria importante desenvolver junto às escolas,
atitudes de valorização do patrimônio histórico-cultural da cidade, afinal, sempre tem, na
comunidade, segmentos sociais, ou grupo de pessoas, que são mais sensíveis à preservação de
tal patrimônio. Contudo, para Deusdédit Carneiro Leite Filho, isso é uma questão “de
educação. Aí a gente volta para a educação, uma questão de sensibilização e de
educação” (LEITE FILHO, 2008). E, para culminar, as políticas na área de preservação,
segundo Alan Leite P. Pires, costumavam ser “ditatoriais. Foram preservando os bens das
elites, os valores consolidados na arquitetura que representa um poder político maior, sempre
imposto, nunca negociado, nunca compartilhado com a comunidade” (PIRES, 2008) e, como
valores da elite, há uma certa indiferença, por não ser o passado do povo, significando, de
certa forma, até a opressão.
Em Caxias, atualmente, começam a ser visualizadas algumas políticas patrimoniais para
a preservação do centro, fruto, sobretudo, do processo dinâmico de desenvolvimento pelo
qual a cidade passa, como por exemplo, os casarões que estão sendo destruídos para dar lugar,
assim como ocorre em outras cidades brasileiras, a estacionamentos. Algumas intervenções
realizadas em prédios públicos, estão sendo capazes de alterar o comportamento de parcela
dos caxienses em relação ao centro, no sentido de estabelecer e renovar vínculos identitários
mantenedores do lugar.
Mostrando-se sensível à destruição e/ou descaracterização do centro histórico da
cidade, a Secretaria de Cultura tem discutido, desde 2007, a criação de um Departamento
Municipal de Cultura. Para tanto, foi criada a Comissão Municipal de Patrimônio, com
representação da sociedade civil organizada, do Instituto Histórico e Geográfico de Caxias,
Academia Caxiense de Letras, representantes do Conselho Municipal de Cultura, e também
da Secretaria de Obras e Urbanismo do município.
O objetivo de ter essa representação, segundo Maria Bertolina Costa, seria para que “a
gente possa abrir depois para uma discussão com a comunidade, sobre a importância do
patrimônio arquitetônico e sua preservação” (COSTA). Enfatiza, ainda, que após formada
essa Comissão, será criado o Departamento Municipal de Cultura, dentro do organograma da
própria Secretaria “porque o organograma da Secretaria de Cultura ainda não prevê a
existência de um Departamento de Proteção ao Patrimônio, então para isso será formada essa
146

Comissão, para só depois criar o Departamento de Proteção ao Patrimônio do


Município” (COSTA), que para a Secretária de Cultura Valquíria Oliveira, “tem a função de
deliberar, mas também de avaliar e acompanhar as atividades da Secretaria de Cultura e
Turismo” (OLIVEIRA[B], 2008). É o governo municipal ampliando sua presença no centro.
Estamos sensibilizando a prof. Valquíria [Secretária de Cultura] sobre a necessidade
da criação desse Departamento. Ela sabe da importância, mas é as coisas ainda estão
muito lentas. No Plano Diretor de Caxias a gente prevê a criação do Departamento
de Proteção do Patrimônio Arquitetônico Municipal, ou Patrimônio Municipal, e
que esse órgão seja o responsável, inclusive pelo tombamento depois, pelos
possíveis tombamentos que virão (COSTA, 2008).

A partir dessa discussão, o Plano Diretor de Caxias, no capítulo VI, determina, no Art.
19 – São diretrizes da política de cultura: “V – Implantar o departamento de proteção ao
patrimônio arquitetônico de Caxias” (PLANO DIRETOR DE CAXIAS, 2006).
Com a criação desse Departamento, nos segmentos histórico, artístico e paisagístico,
com amparo juridicamente legal, por meio da criação da Lei Municipal de Tombamento,
pretende-se que esse se torne um Instituto pelo qual o poder público determinará que bens
culturais do acervo arquitetônico e paisagístico sejam objetos de proteção, dizendo inclusive
de que forma se dará essa proteção.
Outras Instituições em Caxias têm se mobilizado no sentido de criar mecanismos de
proteção ao patrimônio histórico-cultural, a exemplo do Instituto Histórico e Geográfico de
Caxias – IHGC. O presidente e um dos fundadores, Arthur Almada Lima Filho, tem sido
incansável nessa luta, ao buscar apoio em outros órgãos:
Fomos convocados pelo Presidente da Câmara, vereador Ironaldo Alencar, para
redigirmos um texto de lei a fim de criarmos um selo do patrimônio histórico. Estes
prédios que ainda restam serão identificados por este selo e não será admissível que
seja feito qualquer reforma, qualquer alteração, sem que se ouça o patrimônio
histórico, porque senão daqui a pouco nós teremos uma cidade, que ela já está
descaracterizada, que não podemos dizer se do século XVIII, do século XIX, porque
não existe mais continuidade das construções. A toda momento uma nova
construção é edificada entre um prédio antigo e outro; aí fazem a demolição de uma
casa antiga e constrói-se um sobradinho entre duas casas ainda em arquitetura
colonial (LIMA FILHO, 2008).

Porém, o patrimônio histórico-cultural não deveria depender unicamente de decisões


políticas e contar com a intervenção atenta dos diretamente interessados, pois trata-se
claramente da necessidade de uma comunidade guardar ou encontrar as suas raízes. A escola,
as associações e uma participação pública ativa podem fazer com que a comunidade possa
conhecer e amar o patrimônio da cidade, além de fazê-los assumir a função social primordial,
que é ajudar a fundar a comunidade e a legitimar os laços sociais, sobretudo quando se trata,
como no centro histórico de Caxias, de uma população eclética, que vai desde comerciantes
147

abastados à camelôs, ou seja, por classes populares, mais vulneráveis por ausência de reflexão
crítica sobre questões a isto associadas.
Em conseqüência do consenso da necessidade de conservação e preservação do
patrimônio a que chega a sociedade contemporânea, surgem propostas visando à inserção
desta idéia na mentalidade da comunidade. Um dos exemplos do trabalho de busca dessa nova
mentalidade é a Educação Patrimonial. No Brasil, a discussão acerca do tema pode parecer
recente, haja vista o lançamento do Guia Básico de Educação Patrimonial pelo Iphan, em
1990. No entanto, a Constituição de 1988 já aponta essa discussão.
Esse Guia veio ao encontro da necessidade de um texto que servisse de orientação para
a prática da Educação Patrimonial, além de atender demandas por textos que pudessem servir
como referencial teórico sobre este campo. Nele, educação patrimonial trata-se
de um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no
Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento
individual e coletivo. A partir da experiência e do contato direto com as evidências e
manifestações da cultura, em todos os seus múltiplos aspectos, sentidos e
significados, o trabalho da Educação Patrimonial busca levar as crianças e adultos a
um processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de sua herança
cultural, capacitando-os para um melhor usufruto destes bens, e propiciando a
geração e a produção de novos conhecimentos, num processo contínuo de criação
cultural (HORTA, 1999, p. 6).

Assim, a educação patrimonial seria primordial neste processo pela capacidade de


formar cidadãos livres e críticos e melhorar a consciência cívica; divulgar o legado histórico-
cultural entre os jovens, de propiciar mecanismos de ação para sensibilizar para a cidadania
no compromisso para com a cidade, ao incentivar trabalhos de caráter didático sobre os
aspectos mais característicos da memória local, divulgando-os através de campanhas nas
escolas, fomentando e apoiando iniciativas que tratem temáticas relacionadas com a cidade,
criando um debate permanente entre os distintos setores que conformam a cidade: no fundo é
uma simples questão de educação para a responsabilização dos(as) cidadãos(ãs) para com o
seu patrimônio cultural, para que estes(as) possam decidir sobre o seu futuro com
fundamento.
É, pois, uma das vias possíveis para levar os(as) cidadãos(ãs) caxienses a um processo
ativo de conhecimento, apropriação e valorização da herança cultural recebida, capacitando-
os para um melhor usufruto destes bens, e propiciando às novas gerações a produção de novos
conhecimentos, num processo contínuo de criação cultural.
A educação patrimonial é um instrumento de alfabetização cultural, ao possibilitar ao
indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à compreensão do universo
sociocultural e da trajetória histórico-temporal em que está inserido. Portanto, pode ser
148

entendida como uma proposta interdisciplinar de ensino que tem o patrimônio cultural como
objeto de conhecimento. E na perspectiva de José Ricardo Oriá Fernandes,
compreende desde a inclusão, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino,
de temáticas ou de conteúdos programáticos que versem sobre o conhecimento e a
conservação do patrimônio histórico, até a realização de cursos de aperfeiçoamento
e extensão para os educadores e a comunidade em geral, a fim de lhes propiciar
informações acerca do acervo cultural, de forma a habilitá-los a despertar, nos
educandos e na sociedade, o senso de preservação da memória histórica e o
conseqüente interesse pelo tema (FERNANDES apud BITTENCOURT, 2003, p.
146).

A proposta de uma política pública, tendo a educação como um dos caminhos seria no
sentido de despertar a consciência do maior número de pessoas para que elas possam
reconhecer a importância do patrimônio existente, aprendam a respeitá-lo e ajudem a
conservá-lo.
A legitimação do valor histórico de Caxias, reforçada pelo tombamento do centro
histórico da cidade em 1990, pode proporcionar benefícios econômicos e sociais. Um sítio
classificado converte-se em destino turístico fazendo com que o patrimônio cultural se
transforme em cultura formativa e produtiva, isto é, a cultura capaz de gerar riqueza cultural e
de se transformar em artigo de consumo.
Porém, a política de preservação do patrimônio histórico-cultural no Brasil não
conseguiu ainda conciliar o progresso com a preservação de traços do passado. As realizações
e significações culturais, representados pelo patrimônio cultural, estão repletas de
significações que possibilitam a busca e reconstituição de identidades, para conquista de
cidadania. Para isso a valorização das várias faces constitutivas do patrimônio cultural é
primordial como política preservacionista desse patrimônio.
Assim, (re)equacionando o seu papel como agente regulador dos mercados culturais, o
poder político local poderia proporcionar o aumento do consumo da cultura, que suportada
pela dinâmica do sistema municipal de ensino, ampliará o conteúdo do conceito de prática
cultural.
De fato, o poder público local tem buscado dar atenção ao patrimônio cultural da cidade
numa visão mais ampla. É o que confirma a Secretária de Cultura Valquíria Oliveira:

a gente trabalha tanto a cultura popular como a elitista; nós valorizamos os artistas
da terra, os cantores da terra. Por exemplo, agora, no carnaval, vamos colocar 20
bandas da terra; temos que trabalhar, mostrar o valor das coisas da terra. Faremos o
carnaval na zona urbana, em vários bairros [elenca os bairros] e na zona rural. O
carnaval nos bairros é para resgatar as antigas marchinhas e sambas, tipo saca-rolha,
149

músicas bem antigas de quando a gente era criança. O São João, nós registramos
todas as noites, com edição ao vivo, além do resumo, que está num cd. Trabalhamos
o Reisado [emociona-se]: eu vi Reisado quando era criança. Como cultura dita das
elites, no campo da música, trouxemos o pianista Arthur Moreira Lima, o Grupo
Cazumbá [...]; festival de poesias [...] (OLIVEIRA[B], 2008).

A valorização do patrimônio histórico-cultural do centro histórico de Caxias poderá


promover não só o turismo, mas o refúgio das identidades de seus utilizadores, acrescentando
um sentido novo às estórias de cada um, riqueza que constitui um patrimônio igualmente a
promover, como sugere a professora Letícia Maria Mesquita.
Se a cidade fosse reconhecida, se fosse colocada na rota do turismo, como ocorre em
outras cidades, acho que Caxias teria um desenvolvimento muito grande, até mesmo
para a economia da cidade. Seria importantíssimo se o turismo fosse difundido, de
forma correta, como em outras cidades pequenas que vivem, que sobrevivem em
função do turismo. Aqui não precisaria ter indústrias e mais indústrias, seria a
‘indústria branca’, que é a indústria do turismo, mas para que isso ocorresse teria
que ter a colaboração de outras áreas, como do meio ambiente, da preservação; teria
que ser debatido, discutido para que se pudesse formar rotas de turismo, onde se
pudesse ser acessível o turismo ecológico, do centro histórico, de igrejas. Aqui daria
para fazer várias rotas, apesar da cidade ser pequena, porque é uma cidade muito
rica em tudo, em cultura, em mananciais hídricos, é belíssima (MESQUITA, 2009).

Os significados e sentidos do patrimônio histórico-cultural, como segredos guardados


por igrejas, casarios e manifestações culturais, seriam intimamente compartilhados de forma
intuitiva e racional por parte de indivíduos que com eles interagem. Nesse sentido, para falar
em preservação e em educação patrimonial, faz-se necessário compreender esses sentimentos
que o patrimônio desperta. Além de decodificar essas sensações de pertencimento e de
necessidade de pertencimento; de reconhecimento de si no outro ou no bem patrimonial; da
formação da identidade relativa à história e à memória, e do patrimônio na população local e
na sociedade de modo geral.
De certa forma, essas pessoas assumem o papel de “guardiões de uma memória” da
cidade, que, atento aos debates de seu tempo, foram e são um dos principais responsáveis pela
criação políticas preservacionistas em Caxias.
150

Igreja de Nossa Senhora dos Remédios (Catedral) (Ilustradora: Joana Batista, 2009)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O acervo arquitetônico de Caxias, remanescente de meados do século XIX e início do


século XX, é constituído em sua grande maioria, por edificações de função residencial e
institucional, representativos de um dos principais períodos econômicos da cidade, o ciclo do
151

algodão. Com o objetivo de preservar da destruição e/ou da descaracterização pelo qual estava
passando, foi efetuado o tombamento do centro histórico da cidade, em 1990.
O tombamento do centro histórico de Caxias é um marco significativo para a história
da cidade. Significa uma importante ação com vista a proteger o patrimônio histórico,
arquitetônico e paisagístico da cidade. Este patrimônio, por sua vez, não é constituído apenas
de pedra e cal, porque repletos de lembranças, de significados e sentidos para os habitantes da
cidade.
Escolhida essa ótica, o recorte espacial (o centro histórico de Caxias) e o tema a ser
tratado (patrimônio edificado), foi definido o objetivo da pesquisa: investigar os sentidos e os
significados do patrimônio edificado do centro histórico para a(o) cidadã(o) caxiense, na
perspectiva de compreender de que forma estes sujeitos se identificam com o patrimônio e
como reivindicam políticas de preservação patrimonial.
Para realizar tal intento, investigou-se desde a dimensão histórica, com a abordagem
desde a formação do Povoado das Aldeias Altas à ascensão da categoria de cidade, bem como
os aspectos subjacentes ao desenvolvimento econômico e cultural de Caxias, além de tratar de
questões teóricas relativas ao conceito de patrimônio, cultura, memória e identidades,
tratando, pois, da dimensão subjetiva desses sujeitos ao seu patrimônio.
Muitas vezes, defende-se a proteção de bens do passado balizados em atributos
estilísticos e estéticos, esquecendo a sua vinculação social. Não raro, exige-se a preservação
integral da unidade construída, mas não do organismo urbano, admitindo-se a transformação,
muitas vezes, inconseqüente. Muitas são as razões que justificam a preservação do patrimônio
edificado, lugares e até mesmo de resíduos antigos. Conseqüentemente, para preservar é
pertinente atuar na qualidade do presente. O conhecimento, a auto sustentação decorrente
dessa harmonia, será, certamente, o recurso capaz de assegurar, sem paternalismo, nostalgia
ou saudosismo, tamanho legado.
É importante considerar que promover a preservação do patrimônio histórico-cultural
em Caxias, ou em qualquer outra cidade brasileira, não é tarefa fácil. Laços afetivos
tradicionais, saudosismos, que ligam as pessoas aos patrimônios, muitas vezes laços
temporais de proximidade rememorados pela exibição/exposição, não são ativados
instantaneamente pelos órgãos protetores de tal patrimônio. Dito de outra forma, seria lançar
mão de alternativas ou artifícios que estabeleçam elos entre poder público e sociedade.
Entretanto, não é necessário inventar relações, elas já existem. Resta aos patrimônios
histórico-culturais, em sua função de lugares de memória, promover a externalização dos
múltiplos usos e significados que a sociedade atribui ao patrimônio histórico-cultural.
152

A perspectiva de lugar de memória atribuída ao patrimônio edificado de Caxias


poderia possibilitar a inclusão das várias práticas cotidianas que vêm constituir o sentido do
centro histórico tombado. O desafio que emerge é o de como equacionar as diferentes formas
de olhar o patrimônio construído, dando-lhes um espaço nos lugares de memória oficiais a
fim de prolongar a sua existência. A significação cultural de um bem representa preservação
do patrimônio cultural; seria garantir à sociedade, que tenha oportunidade de perceber e
conhecer o seu patrimônio, material, imaterial.
Na investigação foi detectado a importância, orgulho e afetividade que os sujeitos
caxienses conferem à história da cidade, ao patrimônio arquitetônico e ao ideal de
preservação. Contudo, é preciso deixar claro que, mudando as variáveis determinadas pela
pesquisadora, como grupo de entrevistados(as), procedimentos de construção de dados e
enfoque teórico, outras inferências podem ser feita, mas isso não desqualifica o trabalho
realizado.
Considerando que o patrimônio é um construto social, estrutura-se a partir da relação
entre as noções de valor e patrimônio, pois é o grupo social que, em determinado espaço de
tempo, atribui valor a algo, que assim passa a ser considerado “bem patrimonial”. Assim, o
valor histórico associado pelos indivíduos ao patrimônio edificado de Caxias é reforçado pela
política cultural pela qual o país passa hoje.
O patrimônio arquitetônico de Caxias, enunciado como um elemento palpável, com
dimensão material, foi associado à idéia de herança e, assim, remetido a noção de significados
simbólicos e afetivos, que é algo imaterial, por serem recheados de lembranças, despertando e
estabelecendo sentimentos de pertencimentos na população.
A manifestação de laços afetivos positivos com o patrimônio é demonstrada no
orgulho de ter a própria cidade como objeto de admiração, com grande enfoque para “terra de
poetas”; símbolo de resistência, pois foi cenário de “guerras, lutas e batalhas” de caráter
nacional, regional e local; economicamente importante no cenário nacional e internacional;
rico acerco arquitetônico, de herança portuguesa.
A enunciação da perda, por sua vez, é identificada nas falas dos indivíduos, frente a
associação ao valor afetivo do patrimônio. As vozes dos indivíduos foram repletas de
referências a sua própria história de vida e à eleição de lugares carregados de lembranças,
revelando a apropriação desses lugares. Na constatação e lamento dessas perdas, os
indivíduos fazem referência ao ideal da importância da preservação, em que foi mencionada a
necessidade de manutenção da memória coletiva, de bens que a cidade não poderia perder,
sob o risco de descaracterizá-la. Os sujeitos consideram que impedir esse processo só é
153

possível com a atuação do poder público, que deve adotar medidas que garantam a
conservação das edificações, promovam benefícios aos proprietários(as) e a destinação dos
bens a um uso que lhe garanta a permanência para o usufruto das próximas gerações.
Os resultados obtidos na investigação surpreenderam. O processo de degradação das
edificações de importância histórico-arquitetônica do centro da cidade de Caxias e a
indiferença da população em relação a esse patrimônio eram compreendidos, antes da
elaboração do estudo, como indicativos da falta de apropriação dos bens. Contudo, constatou-
se, ao contrário do que se pensava, que a população tem conhecimento e apropria-se das
edificações de importância histórica e arquitetônica e considera como lugares de memórias
muitas das edificações que foram demolidas ou que estão sendo descaracterizadas. Vêem,
portanto, a necessidade de preservação desses bens em função do reconhecimento do seu
valor, principalmente histórico e de suporte de memórias.
Outra consideração importante refere-se às falas dos sujeitos entrevistados que não
pensam numa cidade paralisada. Vêem Caxias como uma cidade que cresce, ascende
economicamente, se verticaliza. O que não significa que precise destruir o seu acervo
patrimonial construído. Dessa forma, a necessidade de manter a identidade cultural da cidade
com medidas preservacionistas, seria garantir o equilíbrio entre o crescimento e o progresso
sem desaparecer o passado e a memória da sociedade no processo de desenvolvimento da
cidade.
Não obstante a essas considerações, parcela significativa dos cidadãos(ãs) caxienses,
sobretudo a mais jovem, fica na expectativa de que o poder público atue no que se refere à
elaborar (e colocar em prática) políticas patrimoniais. Frente a isso, corrobora-se o
pressuposto inicial dessa investigação, sobre a falta de reação da população à destruição do
seu acervo histórico-cultural edificado, visto que apesar da existência de uma política de
preservação do patrimônio edificado, este portador de sentidos e significações históricas e
simbólicas, a implementação de políticas patrimoniais deve partir dos anseios da comunidade
e ser norteada pela delimitação democrática dos bens reconhecidos como merecedores de
preservação, o que significa a participação da sociedade na reivindicação de políticas
patrimoniais para a cidade.
A partir da avaliação dos principais resultados encontrados, considera-se que os
objetivos da pesquisa foram alcançados, pois foi possível verificar as matrizes intelectuais que
orientaram os critérios de seleção para tombamento do centro histórico de Caxias e identificar
os elementos que estruturam o imaginário dos sujeitos pesquisados, referentes aos símbolos,
às memórias e aos referenciais de identidade e assim apontar quais os sentidos e os
154

significados do patrimônio edificado do centro histórico de Caxias para os cidadãos(ãs)


caxienses.
Considera-se que esse estudo, trouxe contribuições por apontar caminhos
metodológicos que possam servir de parâmetro para pesquisas futuras. Traz contribuições não
só para o meio acadêmico, como também pode fomentar ações que tragam benefícios à
preservação do patrimônio histórico-cultural de Caxias, por conter informações que podem
subsidiar a formulação de políticas públicas de preservação. O trabalho pode também ser
utilizado para auxiliar a criação e implementação de um programa de educação patrimonial
para a cidade, além de apontar para desenvolver a atividade turística.
Além disso, a pesquisa poderá contribuir na elaboração de outras investigações, que
podem recair em pesquisas mais restritivas – a imagem da cidade, das perdas patrimoniais, do
patrimônio ou da preservação.
Esses estudos são relevantes na medida em que consiste na apreensão da percepção
dos sujeitos sociais sobre o patrimônio cultural edificado, enriquecendo o corpo teórico sobre
os estudos urbanos. Além disso, podem fornecer ferramentas para que as políticas urbanas, de
modo geral, e as políticas preservacionistas, em particular, sejam mais efetivas.
155

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“De uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete


maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas”.
Ítalo Calvino

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162
163

APÊNDICE

APÊNDICE I: LISTA DOS ENTREVISTADOS

ALMEIDA, Angelita Raimunda de Sousa. 68 anos, piauiense da cidade de Inhuma, não


alfabetizada, do lar, moradora da zona rural, na localidade Pindoba, 3º Distrito de Caxias-MA,
desde 1958. É utilizadora do centro de Caxias ao fazer visitas mensais (bancária, comerciais).
Entrevista realizada em novembro de 2008.

ALMEIDA, Antonia Maria da. Caxiense, 39 anos, pedagoga – Instituto de Filosofia,


Teologia e Educação Religiosa –, é professora do Ensino Fundamental I (2º Ano). Entrevista
realizada em novembro de 2008.
164

BARATA, João Afonso. Maranhense de Caxias, 81 anos, ex-deputado estadual. Afinado com
as discussões sobre a preservação do patrimônio edificado da cidade. Entrevista realizada em
novembro de 2008.

CARVALHO, Wybson. Maranhense de Caxias, nascido em 1958, funcionário público


municipal, comunicólogo com habilitação em Relações Públicas e jornalista, colaborador em
diversos periódicos regionais. Poeta, com vários livros publicados (Neófitos da Terra; Eu
Algum; Iguaria Real). É membro fundador da Academia Caxiense de Letras – ACL –, na qual
tem assento à Cadeira nº 30, patroneada pelo poeta caxiense João Vicente Leitão. Entrevista
realizada em outubro de 2008.

CASTELO, Berenice. Caxiense, de família tradicional da cidade, é proprietária de um


casarão localizado no perímetro tombado, construído no final do século XIX, que mantém as
características originais da época de construção, inclusive o mobiliário da residência.
Entrevista realizada em outubro de 2008.

COSTA, Maria Bertolina. Maranhense de São Bento, reside em Caxias há mais de 20 anos.
Atualmente é Diretora do Memorial da Balaiada. Licenciada em História pela Universidade
Federal do Piauí – UFPI –, Especialista em História do Brasil. Atua principalmente nos temas:
memória, tradição oral, balaiada e patrimônio cultural imaterial. Mestranda em Políticas
Públicas pela Universidade Federal do Piauí – UFPI. Entrevista realizada em outubro de
2008.

FERREIRA, José Ivan. Empresário, natural do Estado do Ceará, estabelecido em Caxias


desde 1994, atua no ramo logístico na área do centro histórico [Ideal Magazine]. Para ele, a
cidade é hospitaleira, de um povo de bom coração, que recebeu sua família “de braços
abertos”. Entrevista realizada em dezembro de 2008.

LEITE FILHO, Deusdédit Carneiro. Natural de São Luís, Estado do Maranhão, arqueólogo,
Diretor do Centro de Pesquisa Natural e Arqueologia do Maranhão. Fez parte da equipe que
esteve em Caxias para realizar trabalho de campo com o objetivo de reconhecimento dos
pontos de interesse na cidade para demarcação dos limites da área a ser tombada, em 1990.
Entrevista realizada em setembro de 2008, em São Luís-MA.

LIMA FILHO, Arthur Almada. Caxiense, 80 anos, magistrado e professor aposentado, desde
1953 exerceu cargo de Juiz de Direito, Promotor e Desembargador em várias Comarcas do
Estado do Maranhão, fundador a atual Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de
Caxias (IHGC). Entrevista realizada em novembro de 2008.

LOBÃO, Patrícia Silva. Caxiense, 38 anos, médica. De família tradicional na cidade, fez
curso de Medicina em outro Estado. Mora em um casarão histórico, construído em 1873. O
imóvel recebeu revestimento de azulejo português. Está localizado na Praça da Matriz e hoje
sofreu inúmeras transformações, sobretudo na parte externa. Entrevista realizada em janeiro
de 2009.

MENESES, Renato Lourenço de. Caxiense, nascido em 13/09/1959, poeta, bacharel em


História pelo Cesc-Uema, acadêmico do graduando em Direito da Faculdade Vale do
Itapecuru – FAI, membro fundador da Academia Caxiense de Letras e titular da Cadeira nº
17, patronada por Celso Antônio de Silveira de Meneses. Ex-Secretário Municipal de Cultura;
ex-assessor especial da prefeitura de Caxias, co-editor da Revista “O Balaio”, fundador da
165

Emissora de Rádio Comunitária “Cultura FM”, sócio da “Caburé Editora”, ex-Presidente da


Academia Caxiense de Letras e da Associação dos Amigos do Memorial da Balaiada.
Entrevista realizada em setembro de 2008.

MENEZES, Fernando. Teresinense, Promotor de Justiça do Meio Ambiente e Patrimônio


Histórico em Caxias desde julho de 2008. Entrevista realizada em dezembro de 2008.

MESQUITA, Letícia Maria. Caxiense, graduada em Turismo (Brasília) e Letras (Teresina), é


professora de Espanhol. Já trabalhou na Secretaria de Cultura e de Turismo nas
administrações do prefeito Sebastião Lopes. Hélio Queiroz e Paulo Marinho. Atualmente, é
Coordenadora do Espaço da Juventude do Bairro Volta Redonda. Entrevista realizada em
janeiro de 2009.

OLIVEIRA [A], Luís Domingues [In memoriam]. Aposentado pela Estrada de Ferro, 102
anos. Esta entrevista foi realizada em 2001, para o trabalho de graduação em Licenciatura
Plena em História, pelo Cesc-Uema, com o título O patrimônio arquitetônico e artístico do
centro histórico de Caxias-MA.

OLIVEIRA [B], Walquíria Araújo Fernandes de. Caxiense, graduada em Letras pela UFBA;
especialista em Língua e Literatura Anglo-americana na UFPB; mestrado em Letras na área
de concentração Língua Inglesa, na UFPB. Exerceu diversos cargos públicos: Secretária
Municipal de Educação, Diretora Regional da Secretaria de Educação Estadual de Caxias;
Diretora da Escola Monsenhor Frederico Chaves; Chefe de Departamento do Curso de Letras
(CESC/UEMA); Diretora do Curso de Letras; Diretora Geral do CESC-UEMA, atualmente é
Secretária de Cultura do Município (2007-...). Entrevista realizada em outubro de 2008.

PEREIRA, Madalena. Natural de Caxias, 80 anos, aposentada, de família tradicional na


cidade, é proprietária de um casarão localizado no perímetro tombado, construído no final do
século XIX, que mantém as características originais da época de construção, inclusive o
mobiliário da residência. Entrevista realizada em novembro de 2008.

PIRES, Alan Jorge Pereira. Alan Jorge Pereira Pires, Natural de São Luís-MA, Servidor
Público Estadual, Engenheiro Civil pela UEMA, professor licenciado em Construção Civil
pelo CEFET-MA, especialista em gestão de cidades pela UEMA, exerceu os cargos de: chefe
da seção de obras – DPHAP-MA, diretor da divisão de conservação e restauração do DPHAP-
MA, diretor do Departamento do Patrimônio Histórico, Artístico e Paisagístico do Maranhão,
atualmente é Superintendente Estadual do Patrimônio Cultural da Secretaria de Estado da
Cultura do Governo do Estado do Maranhão. Entrevista realizada em setembro de 2008, em
São Luís-MA.
QUEIROGA, Géssica Amaral C. de. Caxiense, 16 anos, estudante do ensino médio.
Entrevista realizada em janeiro de 2008.

SILVA[A], Luís Pereira da. Caxiense, 79 anos, funcionário público. Admirador da


arquitetura caxiense e do patrimônio histórico-cultural da cidade, exerce suas funções no
prédio do Centro de Cultura. Entrevista realizada em dezembro de 2008.

SILVA[B], Jusivan Alves da. Caxiense, 31 anos, com nível de escolaridade de Ensino Médio,
exerce a função de Auxiliar Operacional em uma Escola localizada no centro histórico da
cidade. Entrevista realizada em janeiro de 2009.
166

SILVA[C], Thays Torres da. Natural de Caxias, 18 anos, cursa o 3º ano do Ensino Médio. É
usuária do centro histórico, para onde se desloca todos para ir à Escola, ou fazer comprar e se
divertir. Entrevista realizada em janeiro de 2009.

SILVA NETO, Adonato Teles da. Caxiense, 16 anos, estudante do 3º ano do Ensino Médio.
Entrevista realizada em janeiro de 2008.

SOUSA, Paulo. Nasceu em Caxias, em 1967. Possui o ensino médio; trabalha como radialista
e repórter cinematográfico; considera-se leitor dadaísta e crítico na arte de julgar algumas
produções literárias com comentários, às vezes com apreciação antagonista. Entrevista
realizada em dezembro de 2008.

SOUZA, Iriomar José Ramos. Caxiense, 60 anos, nível médio de ensino, trabalhador rural,
filiado ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Caxias, co-fundador do PT em Caxias,
contribuiu na fundação da Central Única dos Trabalhadores em Caxias. Sua formação
militante teve origem no movimento da Igreja. Atualmente é assessor do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Gonçalves Dias-MA. Entrevista realizada em dezembro de 2008.
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