Gabinete de Mercadorias Tucker - Cap 1

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Era uma manhã de Segunda-Feira em Salgueiro do Valey.

Ethan havia aberto seus olhos


com o primeiro raio de sol que invadia seu quarto. O cantarolar do galo anunciava mais um
dia em Vale do Sol, e ele sabia que tinha que se apressar. A rotina matinal era sempre a
mesma: um banho rápido, o uniforme impecavelmente passado pela mãe, e o café da
manhã na mesa de madeira que range a cada movimento.

- Você vai se atrasar, Ethan! _ A voz de sua mãe ecoava da cozinha.

Ele sabia que ela tinha razão. A viagem até Nova Capital era uma corrida contra o tempo, e
cada minuto contava. E o ônibus não esperava por ninguém. Ethan mal podia sentir seus
pés tocando o chão enquanto corria para se arrumar, o sol mal havia surgido no horizonte,
mas a casa já estava viva com o som do rádio do seu pai, que preenchia a cozinha com as
últimas notícias. A voz do locutor anunciava a queda drástica nos preços do trigo, e o pai de
Lucas não conseguia esconder sua frustração.

- Covardes! Como se não fosse nós que sustentamos aquela cidade _ esbravejou ele,
batendo a mão na mesa de forma que a xícara de café balançou perigosamente.

A mãe de Ethan, com um sorriso triste que não chegava aos olhos, estendeu-lhe o lanche
cuidadosamente preparado, acompanhado de um abraço apertado e um beijo na testa.
Ethan se contorceu levemente, incomodado com o gesto que o fazia sentir-se ainda uma
criança.

- Boa sorte hoje, filho. Eu e seu pai estamos torcendo por você _ disse ela, com uma voz
que carregava tanto orgulho quanto preocupação, logo após ela dá um cutucão no seu pai.

- É, boa sorte, filho! _ O pai de Lucas dá um sorriso amarelo enquanto bagunça o cabelo do
rapaz, e apesar de tudo, um sorriso genuíno floresceu no rosto de todos.

Já aos 45 do último tempo, Ethan avistou o ônibus chegando, ele respirou fundo e apertou o
passo ainda mais. Ele achou que não daria tempo, afinal ele estava a poucos metros mas
deu a sorte de Mia, sua fiel escudeira e amiga, ter chegado antes dele na parada, e fazendo
o motorista se distrair numa conversa animada, ganhando tempo para ele.
O garoto então saltou para dentro do ônibus, logo após Mia terminar a conversa e arranjar
dois bancos para eles, ele logo sentou ao lado da garota que o saudou com um sorriso
radiante.

- Bom dia, Ethan! estendeu a mão para um "toca-aqui".

- Bom dia, Mia. Ah cara, de verdade, muito obrigado pela ajuda _ ele retribuiu o gesto
soltando uma risada que aliviava o peso da manhã.

Ambos se acomodam à medida que o ônibus se afastava de Salgueiro Valey, Ethan


encostado no vidro da janela, se deixava levar pelos pensamentos que acompanhavam a
mudança da paisagem. Ele observava os campos de trigo, agora apenas um borrão
dourado pela janela, dali uns vinte minutos eram substituídos por fileiras de casas que se
amontoam umas sobre as outras à medida que se aproximavam da metrópole.
O céu aberto e azul era agora cortado por fios de alta tensão, e o ar fresco da manhã
começava a se misturar com o cheiro distante da fumaça e do asfalto e café. O som do
rádio do motorista era aos poucos abafado pelo burburinho dos passageiros e o ritmo da
cidade que começava a despertar.
Mia havia puxado um livro e estava mergulhada na leitura, mas Ethan não conseguia
desviar o olhar do mundo que passava por ele. A cada quilômetro, a vida simples e
previsível de Salgueiro Valey parecia mais distante. Ele notou como as pessoas nos pontos
de ônibus pareciam mais apressadas, seus olhares fixos em relógios de pulso ou telas de
celulares.
Nova Capital emergia no horizonte como um gigante de concreto e vidro de manchas
verdes, seus prédios altos cortando o céu azul, os parques verdejantes, as grandes
televisores que passavam as mais diversas propagandas, na qual uma ele podia jurar que
via um mercado no formato de Ovni. Ethan sentia o peso da expectativa cada vez mais, a
cidade grande era um mundo de não só de oportunidades na qual ele queria explorar, mas
também de desafios. Era um lugar onde ele poderia se perder ou se encontrar, e essa
dualidade o intrigava e assustava na mesma medida.
Quando o ônibus finalmente entrou nos limites da Nova Capital, o contraste era inegável. O
trânsito se intensificava, e os sons da cidade cresciam em um crescente de buzinas,
conversas e o ritmo constante dos passos apressados nas calçadas. Os prédios altos
lançavam sombras sobre as ruas, e a luz do sol lutava para se infiltrar entre eles.

Ethan sentiu uma mistura de excitação e nervosismo. A metrópole era um gigante vivo,
pulsante com energia e possibilidades. Era aqui que ele passaria seus novos dias de aula,
longe dos olhos atentos de seus pais, explorando e aprendendo.
O ônibus parou com um solavanco em frente à escola, e os estudantes começaram a
desembarcar. Lucas pegou sua mochila e seguiu junto a Mia, respirando fundo. "Boa sorte
hoje, filho," as palavras de sua mãe ecoavam em sua mente. Ele precisaria dessa sorte, não
apenas para os desafios escolares, mas para navegar na complexidade da vida que se
desdobrava diante dele.

- É muita gente, né? _ Comentou Ethan, pego de surpresa pela onda de pessoas, tentando
não perder Mia de vista enquanto tentavam navegar pelo mar de alunos.

- De fato _ Mia parecia mais animada que o normal, diferente de Ethan ela sim transpirava
confiança _ Mas é excitante, não acha? Tantas pessoas para conhecer, tantas histórias
diferentes.

Ethan sorriu, admirando a capacidade de Mia de encontrar o lado positivo em qualquer


situação.

- É, você tem razão. Só espero que a gente não se perca nessa multidão. _ Os dois riem e
seguem o fluxo.

O corredor da escola estava abarrotado de estudantes, cada um mais apressado que o


outro para encontrar suas salas de aula. Ethan se sentia um peixe fora d'água, os sons e o
movimento frenético eram opressores comparados à tranquilidade de Salgueiro Valey. Ao
seu lado, Mia parecia vasculhar o lugar, seu olhar atento era penetrante e intenso, pelo
menos Ethan se sentiu aliviado que alguém ali sabia o que estava fazendo.
Eles finalmente encontraram a sala 101, o lar de sua primeira aula do ensino médio. A
professora, uma mulher de meia-idade com óculos pendurados em um cordão, os recebeu
com um sorriso caloroso.

- Ora sejam bem-vindos! Alunos novos imagino _ Ela ajeita o óculos sobre o nariz _ Vocês
devem ser Ethan e Mia, certo? De Salgueiro Valey

Com ela perguntando, os dois assentiram. Então ela sorriu e fez um gesto para se
aproximarem.

- Venham, arranjem um lugar para se sentarem, sabe já estive em Salgueiro Valey, de fato é
uma vila pitoresca _ Com esse comentário Ethan e Mia trocaram um olhar cúmplice.

“Talvez a transição não fosse tão difícil quanto imaginava” pensaram, agora especialmente
se tivessem um ao outro para contar.

- Vamos sentar ali? _ Mia sugeriu, apontando para duas carteiras vazias no fundo da sala. -
Hoje ser os observadores silenciosos.

Ethan concordou com um aceno, e eles se dirigiram para seus lugares, mas na mesma hora
o peso de duas mochilas foram colocadas sobre seus lugares como um presságio. Ele e
Mia se viraram para encarar duas pessoas mal encaradas: um rapaz alto, cuja postura e
cicatriz na bochecha lhe davam um ar de perigo, e uma garota de cabelos negros com uma
mecha vermelha que cortava sua testa e caia pelos olhos, cuja atitude desafiadora era tão
marcante quanto sua voz.

- Foi mal, pirralhos! Chegamos primeiro _ Afirmou a garota, estourando uma bola de
chiclete com um estalo que ressoou pelo silêncio súbito da sala.

Ethan, cujo primeiro instinto foi de protesto, sentiu a mão de Mia em seu braço.

-Vem, Ethan... Não vale a pena _ murmurou, guiando-o para longe de um possível
confronto iminente.

Eles encontraram refúgio no canto esquerdo da sala, perto de uma janela que agradava a
Ethan e oferecia uma vista parcial da cidade que se estendia além dos muros da escola.
Os risos e a bagunça dos dois valentões preenchiam o ar, e a professora, que presenciou
tudo com uma expressão de resignação, começou a aula mais cedo na tentativa de
restaurar a ordem. Ethan e Mia trocaram olhares, um entendimento mútuo se formou entre
eles. Apesar de serem os novatos, eles não levariam desaforo para casa tão facilmente.

Com o alarme dando início ao primeiro dia de ensino médio em Nova Capital, se inicia a
verdadeira prova de fogo para Ethan e Mia. A escola era um microcosmo da cidade:
vibrante, diversificada e implacável. As salas de aula eram amplas e bem iluminadas, mas o
ar estava carregado com a tensão de expectativas e a ansiedade do desconhecido.
Mia, tinha uma mente ágil e sede de conhecimento, não demorou a se destacar.
Ela respondia às perguntas com uma confiança que a fazia brilhar, salvando a turma de
mais de um sermão do professor. Mas cada resposta certa parecia apenas aumentar o
brilho do alvo imaginário em suas costas. Harley, cuja a garota do fundo da sala com uma
atitude tão marcante quanto sua mecha vermelha, não perdeu a oportunidade de zombar de
Mia, lançando comentários sarcásticos que cortavam o ar como lâminas afiadas.

Ethan, já por outro lado, mostrou-se um prodígio em matemática. Suas habilidades


rapidamente chamaram a atenção dos colegas, que buscavam sua ajuda nas primeiras
atividades. Mas isso não passou despercebido por Kauã, o rapaz com a cicatriz e uma aura
intimidadora. Kauã via em Ethan um rival indesejado, e suas bolinhas de papel eram como
pequenos mísseis destinados a abalar a concentração do garoto.
A tensão entre os novatos e os veteranos era palpável, e a primeira hora de aula parecia se
estender indefinidamente. Nossos jovens sentiam cada vez mais o peso do olhar dos outros
alunos, alguns curiosos, outros críticos. Era um jogo de sobrevivência social onde cada
gesto e palavra contavam.

No intervalo, Ethan e Mia se refugiaram de toda pressão imposta neles, sob a sombra de
uma árvore no pátio da escola. Eles compartilhavam um lanche silencioso, ponderando
sobre as batalhas que ainda estavam por vir.

- Você acha que vai ser sempre assim? _ A garota ponderou, quebrando o silêncio.

Ethan pensou por um momento antes de responder.

-Nha...eles são idiotas _ Ele estende o punho para Mia_ Nós podemos lidar com isso.
Juntos, somos mais fortes.

Mia sorri e finaliza o gesto com o punho dela e trocaram um olhares determinados, sabendo
que, apesar dos desafios, tinham um ao outro para enfrentar os dias que viriam. O segundo
período na escola transcorreu com uma calmaria inesperada. Os corredores estavam
silenciosos, um reflexo da ausência de Harley e Kauã, que haviam sido repreendidos pela
diretora por um ato de pequeno furto na cantina. A punição? Suspensão pelo resto do dia, o
que inadvertidamente trouxe um alívio para Ethan e Mia.

Quando o relógio marcou 12:30, o alarme ecoou pelos corredores, sinalizando o fim das
aulas. Com um misto de alívio e alegria, os dois amigos rapidamente guardam seus
materiais e se juntam à maré de estudantes que fluía para fora da escola. A saída,
curiosamente, provou ser mais caótica do que a entrada, com um turbilhão de alunos se
espalhando pela rua — uns encontrando seus pais, outros se amontoando em vans
escolares, e os ônibus já partindo. Ethan e Mia trocaram um olhar cúmplice e um sorriso de
cumplicidade.

- Bom... temos a tarde toda até nosso ônibus chegar._ ele bate no próprio joelho _ O que
quer fazer primeiro, vaqueira? _ brincou, adotando um sotaque caipira.

- Ora, meu caro colega das campinas! _ Mia até entra na brincadeira antes de voltar ao tom
normal _ Eu estava pensando em ir ao mercado. Minha mãe pediu para eu comprar
algumas coisas para fazer sopa para o meu avô...

Ethan sentiu a mudança de ares, claramente sendo um tópico sensível para Mia.
-Ele ainda não melhorou da doença?

Mia assentiu triste, porém o garoto querendo fazer sua amiga se sentir melhor sorri
gentilmente e segura a mão dela.

-Bom, então vamos lá! Deve ter um mercado por aqui...

Mia até dá um rápida corada pelo gesto inesperado, mas no primeiro passo que Ethan dá, a
sorte parecia ter outros planos. Na frente deles, Kauã e Harley, passavam com expressões
sombrias e silenciosas. Mia fez um gesto para Ethan, pedindo discrição, mas era tarde
demais — os olhares dos dois veteranos eram como dardos afiados teleguiados.

-Ham! Estão perdidos pirralhos? _ Harley perguntou, com um traço de provocação na voz.

- Hã… _ Ethan esboçou mas Mia responde em seguida _ Sim! estamos à procura de um
mercado..

Houve um momento de tensão, onde os olhares se cruzaram e o medo se instalou. Eles


não sabiam o que Haley e Kauã estavam pensando, será que eles iriam descontar a
frustração deles ali mesmo, porém, com um suspiro que dissipou a tensão, Harley acenou
com a cabeça.

-Vem… vou mostrar o mais próximo… _ Sem olhar para trás, os dois mais velhos seguiram
em passos rápidos para o lado leste da cidade.

Isso foi estranho, considerando todas as circunstâncias, mas essa parecia ser a melhor
opção para eles. Ethan e Mia se esforçaram para manter o ritmo que não diminuiu nem um
pouco o sol do meio-dia, banhavam as ruas de Nova Capital, era quente com uma luz
dourada, mas para o garoto e a garota, a sombra de Harley e Kauã parecia lançar um frio
inesperado.
As ruas cheias de vida começavam a perder o ritmo, vendedores ambulantes suspeitos
anunciando suas mercadorias, não havia nenhuma criança correndo entre as ruas, aquele
ambiente era estranho, aos poucos Ethan e Mia começaram a ficar com medo. Mas o
mercado que Harley indicou não estava longe, ficava a algumas quadras da esquina do
colégio, era uma estrutura grande e um tanto antiquada que parecia ter mais histórias para
contar do que todos os livros da biblioteca da escola, a fachada possui um mini televisor
com ofertas e o nome “Gabinete de Mercadorias Tucker” estava envolta de um adesivo
simulando um Ovni, o mesmo que Ethan havia visto quando passaram pelo centro.

-É aqui _ disse Harley, sem olhar para trás. _ Esse lugar pode dar medo as vezes, mas
vocês vão encontrar o que precisam lá dentro.

Ethan e Mia engoliram em seco trocando olhares. Fora o televisor e o nome chamativo, a
fachada era coberta por cartazes desbotados e anúncios de ofertas que pareciam ter sido
colocados ali há anos. Havia algo estranhamente convidativo naquele lugar, como se cada
tijolo estivesse sussurrando para eles entrarem.
-É…valeu eu acho._ Mia disse, sua voz um pouco mais firme do que ela se sentia.

Harley apenas acenou com a cabeça, e ela e Kauã se afastaram, deixando Ethan e Mia
sozinhos na entrada do mercado. Ao entrarem, se depararam com um labirinto de
corredores e barracas. O cheiro de ervas frescas e pães recém-assados enchia o ar, e o
burburinho das negociações criava uma melodia caótica, mas agradável. Mia pegou uma
cesta e começou a procurar os ingredientes para a sopa de seu avô, enquanto Ethan a
seguia, ainda processando a estranha interação que acabaram de ter.

Foi então que num relance, um simples erro de cálculo, ao olhar para trás ele viu, no
extremo de sua visão periférica, algo que o fez congelar no lugar. Ethan notou algo peculiar:
um corredor que parecia menos iluminado que os outros, com uma placa que dizia
"Especiarias Exóticas".

O rapaz hesitou o que o fez parar abruptamente, uma sensação inexplicável o invadindo,
uma queimação no estômago, ele ficou intrigado, então aos desviar o olhar ele viu que ele
estava num corredor comum, então ele cutuca Mia:

- Hei! viu aquilo… _ ele ia começar a falar, mas sua voz falha ao se virar para o corredor
estranho novamnete e notar, que ele não está mais lá.

Mia se aproximou, confusa com a súbita mudança no comportamento de Ethan, que agora
estava pálido, com o olhar fixo em uma parede cheia de café e achocolatado.

-Hum? Ei, Terra para Ethan? Aquilo o que? _ ela perguntou, seguindo o olhar dele.

Ele passou a mão pelos cabelos, frustrado. Ele sente a queimação revirar seu estômago, e
então ele só solta um longo suspiro.

-Eu… não sei ao certo. _ Ele respira fundo claramente abalado _ Juro que havia algo ali

Ele aponta para a parede claramente não havendo nada demais. Mia riu levemente,
tentando aliviar a tensão e bagunça o cabelo dele.

-Bom foi uma bela tentativa para me assustar _ Ela faz uma careta e em seguida passa a
lista para ele _ Vem bobão, temos uma lista para completar _ ela disse, puxando-o pelo
corredor.

Conforme percorriam o mercado, Ethan não conseguia se livrar da sensação de que algo
estava fora do lugar. Ele lançava olhares furtivos, tentando captar novamente aquela visão
periférica. Por um tempo, achou realmente que fora só alucinação até então, quando por um
breve instante, ele viu — não um corredor, mas a silhueta de uma criatura que desafiava a
sua realidade, esgueirando-se entre as sombras, ela era esquisita, parecia um polvo
humano, foi quando a criatura notou que foi vista e correu.

Um estrondo súbito fez Mia saltar. Produtos caíram das prateleiras sem motivo aparente, e
Ethan, com um grito involuntário, apontou para o vazio onde a figura havia estado. Antes
que pudessem processar o ocorrido, um senhor apareceu, usando sua bengala para
suportar o peso das embalagens.

- Ora, ora, ora... vejamos o que temos aqui _ O senhor coçava o cavanhaque sobre seu
queixo, sua voz carregada de uma autoridade que parecia pertencer a outro tempo _ -
Crianças na minha loja? E fazendo bagunça, imagino...

Ele olhou para Ethan e Mia, e por um momento, o rapaz pensou ter visto um brilho de
reconhecimento nos olhos do senhor, como se ele soubesse exatamente o que ele havia
visto. Mia se adiantou, com uma expressão de pesar. O velho sorri com a audácia da
garota, mas antes dela falar ele faz um gesto com a mão para deixar o assunto pra lá.

- Não há problemas, senhorita _ Disse com um tom rouco sugerindo familiaridade com o
caos. _ Coisas assim são, infelizmente, normais por aqui.

Mas apesar de tudo, seus olhos permaneciam fixos em Ethan, como se quisesse desvendar
um cubo mágico antes de tocá-lo. Ethan por sua vez que mantinha a cabeça baixa, ainda
atordoado pelo que havia — ou não havia — visto.

- Posso perguntar o que traz duas crianças sozinhas a este lugar? _ Indagou o senhor
voltando a olhar Mia, com sua curiosidade mal disfarçada.

- Estamos esperando o ônibus e decidimos comprar algumas coisas para minha mãe. _ Mia
explicou, tentando manter a conversa em terreno neutro.

- Interessante, devo dizer que é uma surpresa ver crianças por aqui… _ murmurou o
senhor, parecendo ponderar suas palavras seguintes _- E de onde vocês vêm?

Ethan e Mia trocaram um olhar hesitante, incertos sobre quanto compartilhar. O senhor
percebeu a relutância deles e, com uma habilidade nata, suavizou sua expressão para a de
um amável velhinho.

- Ah, me perdoem, onde estão meus modos não é mesmo _ ele então ajusta a postura e se
apresenta num reverência _ Meu nome é Sr. Tucker, dono do mercado, peço desculpas a
qualquer incômodo ocasionado aos meus novos clientes.

Ele dá um sorriso um pouco cínico, então ele ajusta os óculos redondos por cima do nariz
dá uma arrumada nas mangas de seu blazer, e ao puxar a benga-la novamente, dá pra ver
que nenhum produto antes caiu, apenas ficou numa posição que facilmente desafia a
gravidade, e começa a dar meia volta, em passos lentos. Mia, aproveitando, tenta aproveitar
o fim do assunto para pedir ajuda.

- Por acaso, o senhor poderia nos mostrar onde estão os produtos que precisamos?"

O senhor balançou a cabeça, um brilho astuto em seus olhos.

-Receio que deva me desculpar, senhorita, sou um homem muito ocupado com os
negócios, temo que tenho outras coisas para fazer _ a afinação de sua voz e o olhar
teleguiado sugeriu uma mensagem não dita para Ethan _ - Mas minha assistente, Annalise
está por aí, ela poderá ajudá-los. Ela conhece este lugar como a palma da mão.

Com um aceno discreto, ele se afastou, deixando Ethan e Mia com mais perguntas do que
respostas, mas não perderam tempo e se apressaram a achar a tal assistente. Os dois
caminharam pelo mercado, seguindo as instruções vagas do senhor para encontrar
Annalise a tal assistente que os ajudaria. O mercado estava cheio de corredores e cantos
escondidos, e cada passo parecia levá-los mais fundo em um labirinto de sons e aromas.

Ethan enquanto andava atrás de Mia, ele sentia a queimação no estômago aumentar. Ele
se sentia observado, e se perguntava se aquele “senhor” era o responsável. Foi quando ele
parou de repente de novo quando no canto do seu olho ele viu uma silhueta…não humana.
Mia, de saco cheio com essas atitudes de seu colega, percebe a abrupta parada dele, e
então se vira rapidamente achando que ele tinha achado a tal Annalise.

E de fato Mia viu a garota, ela estava naquele corredor semi claro, a garota vestia um
uniforme azul, calça jeans e coturno. Porém para Ethan…Annalise era, sem dúvida,
diferente de qualquer pessoa que já haviam encontrado. Sua pele tinha um brilho sutil,
como se refletisse as cores ao seu redor, ela parecia flutuar ao chão, possuindo uma longa
crista que se alongava da cabeça até os pés.

Ela possui uma pele clara pálida - e Ethan podia jurar que refletia a luz-, cabelos até o
ombro sendo castanhos com luzes nas mechas, seu rosto tinha sardas que mancharam o
nariz até a base dos olhos. E ela estava com uma caixa de sucos repondo a prateleira.
Ethan piscou e esfregou os olhos, se perguntando se ele tinha visto aquilo mesmo e não
essa garota, mas não dando tempo, Mia se aproximou da garota com passos decididos. A
mesma já havia notado – Não a presença deles mas o olhar de Ethan – eles.

-E aí! Você deve ser Annalise certo?_ Mia possuía um espírito muito animado mesmo com
toda a situação, tentando parecer casual apesar da tensão que sentia.

Quando a garota se virou, Ethan pôde ver seus olhos — um par de orbes brilhantes que
pareciam mudar de cor com a luz. Porém nada mais era que efeito da luz, e para Mia,
Annalise tinha lindos olhos lilás.

-Ah olá! E sim, sou eu! _ respondeu a garota com um sorriso que não alcançava os olhos,
que permaneciam fixos em Ethan _ Como posso ajudá-los?

O rapaz ainda perturbado pela visão que tivera, hesitou antes de falar dando espaço para
Mia que estava se sentindo incomodada com os olhares da novata em cima de seu amigo..

– Nós estamos procurando alguns itens _ o sorriso de Mia era levemente confiante.

Annalise assentiu, e apoiou a mão no queixo pensando um pouco, então ela colocou a
caixa de sucos de lado.
– Bom, depende, se forem córneas de dragão holandes a sessão é do outro lado – ela
aponta para um corredor ao lado rindo da própria piada, mas vê que não surtiu o efeito
desejado – É brincadeira, venham, é por aqui!

Houve uma hesitação momentânea mas perceberam que parecia ser apenas uma
funcionária bem humorada –ou tentava ser–. Enquanto caminhavam seguindo Annalise,
Ethan não conseguia deixar de sentir que a garota escondia algo entrelinhas. Sua presença
era reconfortante e desconcertante ao mesmo tempo. Ele observava, de relance, e
conseguia ver claramente as mudanças sutis em sua aparência — uma piscadela e suas
sardas pareciam se rearranjar, um movimento de cabeça e a cor de seus cabelos parecia se
aprofundar.

Eles encontraram os itens rapidamente com a ajuda de Annalise, mas quando Mia
agradeceu e se virou para ir embora, o rapaz permaneceu parado. Ele não aguentava mais
aquela sensação, aquele lugar, ele queria respostas então ele encara Annalise e bate de
frente a questionando:

– Quem é você de verdade?... você é diferente, não parece daqui. – Seus olhos eram
afiados

Annalise o encarou de volta, com um sorriso sarcástico e por um momento, Ethan pensou
ter visto um brilho de mil galáxias em seus olhos.

–Oha rapazinho, eu sou Annalise, e moro aqui mesmo na Nova Capital _ sua voz agora
contendo uma profundidade que ele não havia notado antes – Mas admito…– ela respira
fundo e por um momento a audição de Ethan falha fazendo o escutar uma linguagem
totalmente estranha mas era apenas Annalise falando – Às vezes…não me sinto daqui.

Com essas palavras, Annalise se afasta, deixando Ethan extasiado e Mia confusa, assim a
garota retoma as rédeas da situação sentindo ciúmes do claro interesse que o garoto nutriu
pela assistente e o puxa pelo braço até o caixa.
A volta pra casa foi esquisita. Os dois não falaram uma palavra sequer do que havia
acontecido no mercado, e Mia sentiu Ethan distante, o que a deixou frustrada ao mesmo
tempo triste, mas ela também tinha outras coisas na cabeça. Eles se despediram após
descer na parada, o rapaz pode sentir que algo incomodou Mia, mas ele ficou calado,
aquele dia já havia sido estranho o suficiente para ele, ou melhor para os dois.
Chegando em casa, antes de entrar, Ethan escuta sua mãe pela porta, aparentemente no
telefone:

- Eu sei, escuta… eu e meu marido tivemos alguns problemas na colheita deste mês e… –
Ela para de falar e após alguns segundos ela retorna – Certo, eu entendo… a gente vai dar
um jeito.

Após a conversa Ethan resolve entrar sem esboçar nenhuma reação. Ele se sentia culpado
por aquilo, afinal seus pais sempre diziam que eram assuntos de adulto, mas sabia que algo
estava por trás, e ele não tava afim de esperar para ver no que vai dar. Sua mãe Amelia,
estava na cozinha, ela estava preparando alguma coisa bem cheirosa.
– Ah filho! _ Ela escuta a porta fechando _ Como foi a aula hoje?

Ethan engole em seco, e dá um sorriso disfarçando a frustração. Ele não queria preocupar
os pais mais do que eles já estariam.

–Ah foi boa, eu e Mia fizemos novos amigos _ Ele dá uma ponderada quando diz “amigos” _
A professor foi bem legal e eu ajudei a Mia numas compras que a dona Rosa pediu…Hei
Mãe, sabia que tem um mercado perto do colégio?

Amélia não havia escutado metade da sua fala, e quando percebeu a pergunta do filho ela
tentou voltar para a realidade:

–Ah, serio filho? Que legal _ Ela dá um sorriso torto enquanto sofre para bater a massa sem
sujar o avental _ Escuta filho, mamãe está cansada, por que não toma um banho e
descansa? A janta saiu daqui uma hora, seu pai ainda vai demorar na roça.

Ethan claramente sente que sua mãe estava viajando…talvez culpa daquela ligação. Mas
ele não questiona, afinal ele estava realmente cansado e com uma leve enxaqueca devido
às situações estranhas de hoje. Ele assente com a cabeça e sobe para seu quarto, uma
mistura de arquitetura rústica com poster e decorações que lembram séries famosas de
ficção científica, ele se deita em seu beliche e começa a tirar os calçados.
É então que seu celular vibra e o balão de mensagens de Mia aparecer na tela de bloqueio.

Mia: “Hei vaqueiro, chegou em casa?”

Ele dá um sorriso aliviado e então pega o celular e se deita na cama, e começa a digitar.

Ethan: “Cheguei sim, e você?”


Mia: “Também, apesar da dor nos braços kkk”
Ethan: “Imagino, ter que carregar aquilo tudo não foi fácil…”
Mia: “Poisé…Mas tá tranquilo pelo menos você me ajudou uma boa parte do caminho”

Ethan pondera antes de responder, ele tinha que admitir ele acabou dando mais importância
a coisas estranhas e arrastou Mia para uma situação bizarra e não se desculpou. Ela
poderia estar odiando ele nesse momento.

Ethan: “Ei, desculpa por hoje…”

Mia demorou para responder, e cada segundo seu coração parecia querer saltar da boca.

Mia: ”Tá tudo bem, meio que nós dois havíamos pedido por isso…”
Ethan: “Então estamos de boa?”
Mia: ”Sim estamos :P”

Ethan sorri e finaliza a mensagem com uma figurinha de boa noite, e então vai para seu
banho. O tempo passa, e o garoto se junta a seus pais na janta, uma deliciosa sopa de
batatas.
Seu pai estava ainda meio sujo por conta do trabalho, mas estava devorando o que tinha no
prato, sua mãe estava em silêncio enquanto cortava uma fatia de queijo, e Ethan comenta
com seu pai seu dia “maravilhoso” na escola.

–Ah pai, sabe eu estava pensando… _ Ethan sabia que o que ele ia pedir agora estava
prestes a mudar seu mundo, um pouco mais _ –Eu estou pensando em arrumar um
emprego!

Com essa fala, seu pai acaba se engasgando pouco com a sopa enquanto sua mãe deixa o
queijo cair. Ambos o olham com um olhar de surpresa, ele não podiam acreditar que seu
filho acabou de pedir.
Capítulo 2 - Primeiro dia, e lutei contra um ET.

Confesso que eu esperava alguma resistência, mas depois do choque, meus pais apenas
suspeitaram de alívio e começaram a me elogiar muito sobre minha atitude “adulta”, o que
deixou tudo mais estranho, mas no dia seguinte, lá estava eu e meu pai, junto com Mia indo
para Nova Capital.

–Certo então galerinha, quando a aula acabar estarei aqui esperando vocês, daí levaremos
Ethan fazer sua carteira de trabalho _ Ele bagunça os cabelos do garoto _ Mia, você quer
vir junto? Pode demorar um pouco.

–Ah uma aventura dessa eu não ia perder _ Ela da um soco no ombro de Ethan rindo _
Podem contar comigo.

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