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t Girl Novel
Volume 9

devious
Garota em Foco
Se seguir todas as regras, perderá toda a
diversão.
— Katharine Hepburn
É JANEIRO na Waverly Academy. Isso significa uma coisa,
apenas: novidades. E neste caso específico, filhos do novo reitor.
Isla e Isaac Dresden são a nova sensação do campus, e toda a
escola está fervilhando com as últimas fofocas. Mas quem será
que fisgará o gatíssimo Isaac? E será que Isla disputará a vaga
para a it girl da escola?
sino da capela tocou naquela manhã fria de janeiro, alertando o corpo discente da
Waverly Academy de que só faltavam cinco minutos para o primeiro discurso do reitor
saudando um ano novo em folha. Jenny Humphrey inspirou profundamente o ar
revigorante ao descer às pressas um dos caminhos cobertos de sal que cruzavam o pátio cheio
de neve. As botas Camper forradas com lã esmagavam a neve, e as pontas do longo cachecol
dourado e branco que a mãe mandara de Praga balançavam às costas dela como uma bandeira.
Era manhã de segunda-feira depois das férias de Natal, e o ambiente ainda não havia sido
maculado por pegadas e guerras de bola de neve. Os telhados íngremes dos prédios de tijolinhos
da escola estavam cobertos de branco, parecendo casinhas feitas de biscoito. Aquele cenário
fez Jenny se apaixonar pela Waverly Academy outra vez.
Mais adiante, uma multidão de alunos entrava na capela de pedra, ansiosos pelo fim do
discurso de boas-vindas-ao-campus do reitor Marymount.
— Você está tão bronzeada, Jenny! — exclamou Sage Francis, acenando do alto da
escada. Seu cabelo louro-palha espigado aparecia por baixo de uma boina de tricô listrada de
cor de rosa e branco. — Nem acredito que você passou duas semanas nas Bahamas com os
Vernon.
— Suas sardas estão bem visíveis. — Benny Cunningham olhou Jenny criticamente
enquanto dava um nó Windsor perfeito na gravata listrada da Waverly. Jenny precisara de umas
vinte tentativas na frente do espelho para conseguir aquilo. Seu casaco Michael Kors se agitava,
aberto sobre o blazer marrom do uniforme da Waverly. O primeiro discurso na capela de
Marymount exigia que todos usassem a mesma roupa, pelo menos durante a manhã.
— Só uma semana — corrigiu Jenny, ignorando o comentário passivo-agressivo de
Benny sobre suas sardas enquanto as meninas esperavam que a multidão cruzasse a porta. Ela
passara o Natal em Nova York com o pai, Rufus, e o irmão, Dan, depois uma semana com
Callie Vernon, sua colega de quarto e beldade sulista, no retiro familiar em Nassau. Quando
arrumava as malas para sair de férias, Callie lhe pedira que a acompanhasse em sua viagem
com a família, pois não desejava ficar sozinha com os pais. Jenny ficou meio intimidada com
a ideia de passar uma semana com a glamourosa governadora da Georgia, mãe de Callie, e o
pai, magnata internacional de imóveis. Mas eles foram surpreendentemente despreocupados,
passando os dias com seus laptops e celulares, deixando que as meninas fizessem o que bem
entendessem — o que consistiu principalmente em estender suas esteiras de palha na areia
quente e tomar sol. Jenny esgotou a coleção completa dos livros de Agatha Christie e dois tubos
inteiros de filtro solar Neutrogena Ultra Sheer.
— Fala sério, eu esperava que você usasse um filtro solar mais forte — acrescentou
Benny, cuja pele clara parecia fantasmagórica. As três meninas abriram caminho a cotoveladas
pelas pesadas portas de carvalho e adentraram a capela. — O sol tropical praticamente garante
câncer de pele e rugas — disse com tom de autoridade.
Jenny quase riu. Na Constance Billard, sua antiga escola em Nova York, ela sempre teve
inveja das colegas de turma que voltavam bronzeadas e lindas de suas férias em Palm Beach
ou em St. Lucia. Agora, ela era uma delas.
— Sentem-se, Waverly Owls! — ordenou a srta. Rose, professora de inglês de Jenny. Ela
bateu palmas e tentou conduzir os alunos lentos para dentro. Até o corpo docente tinha a
obrigação de usar o blazer e a gravata do uniforme na primeira reunião na capela, e a professora
mignon podia muito bem passar por uma aluna.
A capela de pé-direito alto era quente e úmida. Os corredores estavam apinhados de
meninos com blazers amassados, dando tapas nas costas dos colegas e trocando apertos de mão
complicados nos quais batiam os nós dos dedos. Meninas se abraçavam e tagarelavam sobre as
viagens de família a Anguilla ou Aspen.
— Jenny! — chamou Alison Quentin, amiga de Jenny da turma de artes que estava
sentada em um banco perto da frente da capela. — Guardei seu lugar.
Jenny se espremeu por um bando de meninas risonhas do time de futebol que admiravam
a pulseira cravejada de diamantes no braço de Rifat Jones. Deslizou no banco duro de madeira
ao lado de Alison.
— Como foram suas férias? — perguntou Jenny, soltando o cachecol do pescoço. Ela
sacudiu um pouco da neve que derretia em seus cachos castanhos e compridos. — Você foi
para Connecticut, não foi?
— Um tédio. É tão bom voltar para a civilização. — Alison revirou os olhos e arregaçou
as mangas puídas do blazer. — Olha, o que vai fazer no Jan Plan? Ontem à noite, Verena e eu
decidimos escrever e apresentar uma peça de um ato, mas precisamos de outra pessoa para que
dê certo. Quer entrar?
O Jan Plan era uma das maiores instituições da Waverly Academy. Em vez de aulas
comuns, os alunos passavam o mês de janeiro no campus trabalhando em um projeto de
aprendizado menos convencional. A maioria trabalhava aos pares ou em pequenos grupos,
fazendo coisas que iam desde analisar os padrões de precipitação nas trilhas de Rhinecliff à
redação de um artigo sobre a representação da beleza em Ugly Betty. Havia algumas aulas
ministradas por professores da Waverly para os alunos que não conseguiam se entender sem
uma estrutura regular de cursos, mas eram muito mais divertidas do que as aulas medianas de
química ou álgebra: as mais populares eram Fundamentos do Tricô, Apreciação da Música e
cursos de imersão em variados idiomas, que implicavam horas na sala de projeção assistindo a
filmes estrangeiros e comendo pipoca.
O melhor de tudo era que os alunos eram avaliados num sistema de passou ou falhou. O
que naturalmente significava dormir tarde e ir a festas toda noite.
— Obrigada pelo convite — disse Jenny, metendo as luvas cor-de-rosa da Gap nos bolsos
do blazer. Ela moveu os joelhos para deixar um jogador de futebol americano parrudo passar.
— Mas eu meio que esperava trabalhar num projeto de arte no qual andei pensando.
Depois de fazer dois cursos incríveis no segundo semestre — ilustração e fotografia
avançada — Jenny estava louca para aplicar o que aprendera em um projeto de arte solo.
Durante as férias, ficou na esquina da Columbus Avenue com a 85 observando o fluxo de
pessoas que atravessavam a rua enquanto o sinal verde piscava para os pedestres. Uma neve
úmida caía do céu, e algo no movimento das pessoas fazia Jenny desejar ter uma câmera
consigo — ou ela mesma ser uma câmera. Tentou imaginar como ficaria a fotografia caso
deixasse o obturador aberto: as latas de lixo e caixas de correio na calçada permaneceriam as
mesmas, mas as pessoas seriam apenas um lindo borrão de movimento. De imediato, entendeu
que queria reproduzir tal impressão com os olhos e as mãos.
O que seria complicado, porque os alunos eram estimulados a trabalhar juntos no Jan
Plan. Tecnicamente, só os alunos do penúltimo e do último ano tinham autorização para
trabalhar sozinhos.
— A srta. Rose disse que vou precisar da permissão do Marymount para fazer isso
sozinha.
Alison passou ChapStick de cereja nos lábios.
— Boa sorte. Sabe bem que ele pode ser um rabugento.
Jenny assentiu lentamente. Estava morrendo de medo de pedir permissão ao reitor para
trabalhar sozinha em seu projeto, especialmente porque ela já havia se metido em encrenca
tantas vezes naquele ano. O que poderia dizer para que ele acreditasse que era uma Waverly
Owl responsável e obediente?
— Peraí, cadê o reitor Marymount? — perguntou Jenny, esticando o pescoço e tentando
localizá-lo. O sino da capela tinha parado de soar cinco minutos antes, e um murmúrio corria
pela multidão de alunos, que começava a perceber que alguma coisa não estava muito certa.
— Aquele não é Marymount — cochichou Alison. Todo o corpo estudantil observou
quando um homem alto, de fartos cabelos grisalhos, cruzou o palco com confiança. Tinha quase
50 anos, era elegante e poderia ter encenado o papel de James Bond em outra vida... bem
diferente do careca de suéter, o reitor Marymount. — Ele está vestindo Armani? — perguntou
Alison, fazendo sinal com a cabeça para o terno de aparência cara.
Quando James Bond chegou ao púlpito no meio do palco, toda a capela zunia com
conversas.
— Atenção, todos vocês. — Ele ergueu uma única mão no ar. — Não precisam entrar em
pânico. — O homem tinha uma voz grave e tranquilizadora, e, como que por mágica, a sala
ficou em silêncio. — O reitor Marymount está vivo e passa bem, mas houve uma mudança na
administração. Meu nome é Dr. Henry Dresden, e sou seu novo reitor.
A capela soltou um arfar coletivo.
— As coisas serão um pouco diferentes comigo no comando. — O Dr. Dresden riu e
alisou a gravata azul-royal. — Estarei nas trincheiras com vocês. Ministrarei um curso no
primeiro semestre, Composição Literária Avançada, para os azarados que se matricularem nele.
Ele abriu um meio sorriso para os alunos assombrados.
— Aimeudeus. É tarde demais para fazer a matrícula? — cochichou Alison, cutucando
as costelas de Jenny com força.
— Além disso, meus filhos, Isaac e Isla, trabalharão entre vocês. — Ele inclinou a cabeça
de leve e sorriu para um menino e uma garota sentados à beira do palco. Jenny não os havia
percebido. Os dois tinham uns 16 ou 17 anos, cabelos escuros ondulados e olhos verde-claros...
E eram incrivelmente bonitos. Estavam com o blazer marrom da Waverly, que, neles, ainda
tinha um ar engomado e novo.
— Alguém ouviu minhas orações. — Ryan Reynolds se curvou para a frente, recostando-
se ao banco de Jenny, para dar um soco no braço de Lon Baruzza. — A garota é minha.
Alison revirou os olhos.
— Boa sorte. — A filha do reitor, cujo cabelo castanho ondulado tinha um corte perfeito,
puxou a saia xadrez Burberry com mais firmeza por sobre os joelhos, como se soubesse que
todos os meninos presentes a encaravam.
Jenny voltou os olhos para o garoto. Era lindo, de cabelo escuro meio crespo e pele macia
e bronzeada. O estômago dela revirou quando ela percebeu que ele a olhava fixamente. Um
leve sorriso surgiu nos lábios dele, como se tivesse gostado do que viu.
O coração de Jenny se acelerou ao dobro da velocidade normal. Seria imaginação dela?
Os olhos verdes impressionantes do garoto traziam uma expressão brincalhona, um desafio ao
sustentar seu olhar. De repente, o projeto de artes que parecia tão importante cinco minutos
antes era a coisa mais remota na mente dela.
Jenny estava acostumada a ser a garota nova do campus, mas agora estava feliz por
abdicar do título.

OwlNet Caixa de Mensagem Instantânea

TinsleyCarmichael: Acha que Marymount foi demitido? Ou que a


mulher dele o flagrou com Pardee e o obrigou a sair da Waverly?

CallieVernon: Quem liga? O reitor parece tão calminho.

TinsleyCarmichael: Que pena que ele não era o reitor quando Easy
estava aqui.

CallieVernon: Eu sei. Talvez então eu ainda tivesse um namorado.

TinsleyCarmichael: E os filhos gatos dele? Não prejudicam em nada


a popularidade dele.

CallieVernon: Vc tem namorado, não se esqueça. Deixa os gatos para


nós, as solteiras.

OwlNet Caixa de Mensagem Instantânea

RyanReynolds: Oficialmente eu reivindico os meus direitos sobre a


filha do reitor.

AlanStGirard: Sem chance, mano. Todo mundo viu a garota ao


mesmo tempo.

RyanReynolds: Por isso estou tomando posse!

AlanStGirard: Desculpe. Vale tudo no amor e nas gatas.


allie Vernon bocejou ao passar pelas portas exageradas do salão de jantar. Parecia
uma antiga catedral inglesa, com grossas paredes de pedra e o teto em arco. As
paredes eram cobertas por fotos em preto e branco retratando turmas da época da
fundação da Waverly e instantâneos do campus quando era pouco mais do que dois prédios de
tijolinhos e a capela. Os pais de Callie se conheceram na Waverly e os dois estavam em uma
das fotos de turma. Callie ficava tão nervosa quanto irritada por não conseguir escapar de seus
olhos vigilantes nem mesmo a milhares de quilômetros de distância.
Ela foi se arrastando em direção aos cereais matinais. Tinha achado quase impossível sair
da cama naquela manhã, com o corpo ainda acostumado a dormir até o meio-dia nas férias no
Caribe. Depois de se servir de uma tigela de MultiGrain Cheerios e um copo de suco de laranja,
seus olhos castanhos percorreram a multidão do café da manhã. O salão era um mar alarmante
de corpos idênticos em suas roupas marrons, e ela precisou de alguns segundos para localizar
a linda e sardenta de sol Jenny, sua companheira nas Bahamas, e sua outra melhor amiga,
Tinsley Carmichael. As duas estavam sentadas a uma longa mesa de carvalho na frente da
lareira com Benny, Sage e um bando de outras meninas do Dumbarton.
— Belo cabelo — disse Tinsley alegremente, estendendo a mão para dar um piparote no
rabo de cavalo desordenado de Callie. Ela usava uma camiseta preta e calça de veludo cotelê
da mesma cor. Como é que Tinsley sempre conseguia vestir qualquer coisa e ainda ficar tão
bem? — Parece que você ainda está no horário das férias.
Callie deslizou a bandeja pela mesa, derramando o leite desnatado pela beira da tigela de
cereais.
— Me deixa em paz. Estou com abstinência de sol.
Um ar sonhador atravessou os enormes olhos castanhos de Jenny.
— Eu ainda estou pensando na areia fina e quente.
— Nós já entendemos. — Benny Cunningham colocou os cotovelos na mesa, girando
seus anéis de platina da Tiffany no dedo. — Vocês relaxaram no Caribe enquanto eu estava
presa na neve. Podemos falar de outra coisa, por favor?
Callie tirou o blazer da Waverly e o colocou nas costas da cadeira. Tinha esse mesmo
blazer desde o primeiro ano, e os cotovelos estavam ficando puídos.
— Não me odeie porque estou bronzeada.
Sage Francis riu enquanto passava cream cheese desnatado em seu bagel de cebola
tostado.
— A Benny só está amargurada porque a família dela cancelou a viagem anual a Aruba.
Ela teve de se contentar com uma semana em Londres.
Benny sorriu com malícia para Sage.
— E vai me culpar por isso? Minha pele está mais branca do que a da Nicole Kidman, e
agora tem esse filho gostoso do reitor para impressionar. — Ela jogou a casca de banana na
bandeja de Sage. — A gente devia convidar o garoto para trabalhar no nosso projeto do Jan
Plan.
Sage enfiou a casca de banana no copo de água pela metade de Benny.
— Qual é mesmo o nome dele? Ivan?
Callie e Tinsley arquearam a sobrancelha uma para a outra enquanto Tinsley misturava
morangos em seu iogurte natural languidamente. Benny e Sage tinham o histórico de se atirar
em qualquer cara novo que pisasse no campus. Em geral, acabavam afugentando o sujeito.
— Acho que é Isaac. — Jenny se manifestou, olhando o salão apinhado como se
verificasse se ele estava presente.
Callie olhou a colega de quarto baixinha e curvilínea. Foi divertido ter Jenny com ela nas
férias. Tinsley tinha outros planos para o feriado — envolvendo seu namorado grudento Julian
—, e a ideia de ficar sozinha com os pais provocou uma crise de pânico em Callie. Jenny era
calma e fácil de agradar. E embora tivesse atraído uma boa quantidade de olhares na praia em
seu maiô J. Crew azul-marinho de bolinha, Callie não se sentiu ameaçada do alto de seu biquíni
Dior preto, dourado e sexy. Ela era dona daquela praia — pelo menos por uma semana.
— Ei, o que vocês vão fazer nos projetos do Jan Plan? — Callie mudou de assunto. O Jan
Plan era a época preferida de todos no ano. Eram quatro semanas de paraíso: todos ficavam no
campus com os amigos e não tinham nenhuma responsabilidade real. Alguns alunos estavam
fora — como Brett Messerschmidt, outra das melhores amigas de Callie, trabalhando em Nova
York num estágio na Vogue que a irmã tinha arrumado. Os alunos mais nerds tendiam a ter
planos mais acadêmicos, como apresentar uma cena de tribunal ou passar o mês todo lendo um
romance clássico terrivelmente longo e chato do século XVII e escrever um artigo sobre como
ainda era relevante hoje. Callie não entendia por que alguém trabalharia tanto para não ter nota
nenhuma e simplesmente passar. — Ainda não tenho nenhum.
Sage enroscava uma mecha do cabelo louro-claro no dedo.
— Benny e eu vamos estudar os gêneros no cinema contemporâneo.
Tinsley, que demonstrava ficar escandalizada sempre que alguém sugeria ver um filme
que não fosse em preto e branco ou feito em idioma estrangeiro, bebeu um golinho do suco de
toranja e revirou os olhos.
— Então vai usar isso como desculpa para ver O melhor amigo da noiva pela bilionésima
vez?
— Entre outras coisas. — Benny cantarolou. Acenou para Emily Jenkins, que enfiava
pedaços de fruta nos bolsos. — A Emily vai estudar os efeitos dos exercícios no estresse.
— Mas que original — cochichou Tinsley para Callie, que quase engasgou com o suco
de laranja.
— Estou dando aulas de Pilates nas segundas, quarta e sextas, no estúdio de dança, caso
alguém esteja interessado — ofereceu Emily, amarrando o cachecol no pescoço. — Nem
acredito que isso conta como matéria.
— Nem eu — respondeu Callie secamente, cortando uma banana na tigela de Cheerios.
É claro que Emily Jenkins usaria o Jan Plan como forma de diminuir o manequim de seus jeans.
— Está pronta para voltar? — Benny se levantou, jogando o guardanapo amarrotado na
bandeja. — Talvez pudéssemos assistir a Vestida para casar como aquecimento.
Tinsley fez um gesto de vômito enquanto as três meninas desapareciam.
— Pelo menos Brett está fazendo uma coisa legal. Nem acredito que ela conseguiu estágio
na Vogue.
— É, mas é esquisito que ela não esteja aqui. —Jenny limpou uma mancha de geleia de
framboesa do rosto. — Esbarrei em Sebastian na Maxwell ontem à noite, e ele parecia infeliz.
Agora Callie é que teve vontade de vomitar.
— Eu nem acredito que fiquei biruta com essa história do Sebastian. — Era difícil
acreditar que só um mês antes ela estava, mais ou menos, namorando Sebastian Valenti. O tal
“relacionamento” era um exemplo perfeito de Callie convencendo-se de uma coisa que na
verdade não existia. Ela acreditou em unicórnios até os 11 anos, apesar de todas as provas em
contrário, simplesmente porque queria acreditar. Entediada e solitária depois de terminar com
Easy Walsh, de repente sentiu que estava destinada a ficar sozinha. Precisava de um namorado.
E então Sebastian entrou na vida dela, representando um mundo de oportunidades. Uma
tabula rasa. E claro que, quando o viu pela primeira vez, Callie não percebeu que era o aluno
de monitoria de Brett — ou que Brett já havia colocado os olhos em cima dele. Callie então se
jogou em cima de Sebastian, ignorando suas características nada atraentes, e acabou sendo
preterida por causa de Brett, por quem ele estava apaixonado o tempo todo.
— O gozado é que... Eu nem gostava dele. Quero dizer, a ideia dele de romantismo era
Bon Jovi e pizza. Eca. — Callie balançou a cabeça como se quisesse se livrar da lembrança.
— Você certamente fez um bom trabalho convencendo-se disso — observou Tinsley,
enquanto abria e fechava a pulseira de corrente de platina antiga que tinha no braço —
provavelmente um presente de Natal romântico do namorado, Julian McCafferty. Callie se
consolava com o fato de Julian ser um calouro. Ele nem mesmo tinha carteira provisória.
— Isso é que é tão esquisito. — Callie se remexeu na cadeira enquanto tirava um fiapo
imaginário do blazer. —Eu não sentia que estava me convencendo. Ele era um gato, e todo
mundo babava por ele. Além do mais, eu estava começando a ficar histérica por estar sozinha.
Depois tudo meio que se encaixou...
— Não pode realmente pensar que vai ficar sozinha para sempre. — Os olhos castanhos
de corça de Jenny se arregalaram. Ficava minúscula com sua blusa listrada cor-de-rosa e o
blazer da Waverly, cujas mangas eram meio compridas demais para ela.
— Não sei. Só pensei que Easy era meu verdadeiro amor e depois... acabou — respondeu
Callie. Ela olhou os Cheerios flutuando no leite desnatado. Sempre pensou que ela e Easy
ficariam juntos para sempre. Mas depois que ele foi expulso da Waverly, praticamente
desapareceu da vida dela. O pai o condenou a um colégio militar no meio do nada, onde ele
não tinha acesso a e-mail nem telefone. Era difícil demais manter um relacionamento quando
ela nunca conseguia vê-lo — ou mesmo falar com ele. Quando Easy escapuliu da escola para
se entrar com ela no topo do Empire State no Dia de Ação de Graças, era tarde demais. Callie
não entendia inteiramente por quê, mas sabia que tinha acabado. — Isso quer dizer que ele não
foi realmente um amor verdadeiro? Ou eu me convenci em relação ao Easy do mesmo jeito que
me enganei pensando gostar do Sebastian?
— Me parece um ótimo projeto de psicologia. — Tinsley passou um pouco de gloss Foul
Play da NARS nos lábios.
— Bem que eu podia fazer um projeto no Jan Plan sobre a natureza do amor. — Callie se
endireitou na cadeira. — Temos mesmo de nos prender a isso, só porque nos oferece conforto?
Temos o poder de convencer a nós mesmas de que estamos apaixonadas? Ou é um sentimento
mais forte, que não podemos controlar? — De repente ela foi tomada por uma onda de
empolgação. Avançou vinte anos, enxergando-se como uma especialista no amor, educada
numa faculdade da Ivy League e escritora de sucesso, autografando livros a fãs adoradores,
muitos que, por acaso, eram homens e lindos.
— Eu estava sendo sarcástica — observou Tinsley, bebendo um gole do chá.
— Mas eu não. — Callie deu de ombros. — Quero conversar com as pessoas. Descobrir
o que as faz pensar que estão apaixonadas por alguém, — Os olhos dela se estreitaram e se
concentraram em Tinsley, que pegava a bolsa e jogava o guardanapo amassado na bandeja. —
Você pode ser minha primeira vítima.
Tinsley sorriu docemente e se levantou.
— Desculpe, garota. — Ela jogou a cabeça, com o cabelo preto e sedoso brilhando sob
as luzes do refeitório. — Você sabe que eu não gosto de me gabar de minhas conquistas.
Callie bufou.
— Você adora se gabar.
Os olhos violeta de Tinsley cintilaram.
— É, acho que sim. E por falar em conquistas, preciso namorar Julian agora mesmo. —
Ela soprou um beijo a Callie enquanto seguia para a porta do salão.
Callie fungou. Não tinha dúvida de que o verdadeiro amor era algo que inventaram só
para irritá-la.
rett Messerschmidt olhava através da ampla vidraça espelhada da sala de espera da
Vogue no décimo segundo andar do Condé Nast Building, na Times Square. Ter uma
irmã trabalhando no ramo das revistas de moda definitivamente tinha suas vantagens:
tudo, de amostras grátis a lugares nos desfiles. Agora sentada em uma poltrona de couro
desconfortável e ultramoderna, olhando o trânsito interminável de uma manhã de segunda-feira
de janeiro, a ficha estava realmente caindo. A irmã mais velha de Brett, Brianna, era a assistente
editorial da Elle, e, na semana anterior, enquanto bebericava coquetéis, sua amiga da
universidade Vassar, Leslie Nichols, assistente editorial da Vogue, estava reclamando da carga
de trabalho. A última estagiária desaparecera quando saiu para buscar café e ainda levou o
dinheiro consigo. Brianna logo sugeriu Brett para o cargo. Era perfeito para Brett — a moda a
fascinava, e ela sempre sonhara em se tornar uma jornalista que viajava pelo mundo. Que
melhor começo haveria do que um estágio na Vogue? Além disso, a Waverly adorava quando
suas alunas usavam o Jan Plan para obter estágios de destaque que melhoravam seu currículo.
Depois de uma rápida entrevista por telefone com uma Leslie esgotada, Brett foi contratada
para o mês de janeiro.
Tudo aconteceu com tanta rapidez que Brett mal teve tempo de pensar no assunto. O que
era uma felicidade, porque ela provavelmente teria começado a sentir pena de si mesma. Claro
que a oportunidade de passar um mês glamouroso em Nova York só surgiu depois de ela
começar um novo e incrível relacionamento com Sebastian Valenti, que estava na Waverly este
mês, sem ela.
As férias de Natal foram incríveis. Pela primeira vez, o sotaque de Nova Jersey de seus
pais e sua necessidade de ter pelo menos dois televisores na casa ligados o tempo todo nem
mesmo a incomodaram. Ela ficou a maior parte do tempo com Sebastian, o lindo veterano de
cabelo preto e olhos escuros de quem havia sido monitora nos últimos dois meses — e por
quem se apaixonou. A casa dos pais dela em Rumson ficava a vinte minutos da casa dele, e os
dois iam e voltavam entre as duas diariamente. Brett jogara uma rodada de gamão com o pai,
que falava como se estivesse no seriado The Sopranos, no entanto era gentil como um gatinho.
Sebastian assistira a filmes bregas na amada TV de plasma de 58 polegadas dos Messerschmidt.
Eles até mesmo foram à costa de Jersey e caminharam pelas praias frias e silenciosas, de mãos
dadas, espiando as lojas, fliperamas e salões de tatuagem fechados durante a baixa temporada.
— Brett?
Ela se levantou de um salto, alisando a saia Nanette Lepore cor de papoula que pegara
emprestada com Bree. Combinou-a com a blusa creme de frente franzida preferida e
acrescentou uma jaqueta curta azul-marinho da Diesel, com botões dourados imensos, e um
par de botas marrons de couro, na altura do tornozelo, da irmã. Bree insistira em rever O diabo
veste Prada na noite anterior, para dar sorte. Brett não conseguiu evitar se sentir um pouco
como Anne Hathaway — depois de sua transformação numa especialista em moda, é claro.
— Meu nome é Leslie. — Uma loura alta com uma cara afilada de passarinho se pôs
diante dela. — É ótimo finalmente conhecer você.
Brett sorriu ao apertar a mão bem cuidada de Leslie, uma pulseira verde-esmeralda
gigante tinia no pulso dela.
— É mesmo ótimo estar aqui. Muito obrigada por esta oportunidade.
Um olhar estranho atravessou a carinha bonita de Leslie antes de ela voltar a sorrir
animadamente.
— Quer um café ou coisa assim? Um chá? Água? — Leslie falava de maneira acelerada,
em frases curtas, como se já estivesse pensando nos milhões de coisas que tinha a fazer naquela
manhã.
— Estou bem, obrigada — Brett declinou, suspeitando que Leslie só estivesse sendo
educada. Pegou a bolsa acolchoada Chanel cor de creme e a passou pelo ombro, ansiosa para
começar. O celular vibrou na bolsa, e ela reprimiu o impulso de abri-lo e ler o torpedo. Devia
ser algo fofo vindo de Sebastian, Se lesse, só iria sentir mais saudade dele.
— Acho que tem uma sala de reuniões aberta. Vamos para lá, assim podemos ter alguma
privacidade — sussurrou Leslie, como se os escritórios estivessem transbordando de editores
morrendo de vontade de ouvir o que as duas tinham a dizer.
Ela seguiu Leslie por um longo corredor forrado por capas e páginas duplas emolduradas
da Vogue, tentando não pensar no presente de Natal incrível que Sebastian dera a ela. Era a
foto de uma cidadezinha à beira-mar, em uma moldura de prata antiga. Casas de pedra
embranquecida pelo sol aderiam à paisagem rochosa, seus telhados vermelhos e alegres
contrastando com o azul comovente do Mediterrâneo. “É de onde minha família vem, na Itália”,
explicara Sebastian numa voz suave. “Vou levar você lá.” Brett ficava com os joelhos bambos
só de pensar nisso.
— E entããão... — Leslie se interrompeu. Ela estivera falando de sua viagem no metrô
naquela manhã, e Brett só ouviu a metade. Leslie abriu a porta de uma sala de reuniões
envidraçada, com cadeiras de couro enormes e uma mesa comprida e reluzente, Brett imaginou
Anna Wintour em pessoa sentada à cabeceira daquela mesa, olhando criticamente seus asseclas
apresentarem layouts para sua aprovação. — Houve uma pequena, hummm, mudança de
planos.
Os olhos de Brett se arregalaram enquanto ela afundava na cadeira de couro que Leslie
indicara.
— Que tipo de mudança de planos? — Ela conseguiu soltar num guincho. Tomara que
não a mandassem para a equipe de limpeza ou coisa assim.
Leslie apoiou os cotovelos na mesa e respirou profundamente.
— Bom, como sabe, eu fiquei feliz em aceitar você como estagiária, porque a minha
última me ferrou completamente e me deixou com uma montanha de trabalho pendente antes
da Fashion Week.
— Sim, claro. — Brett também se curvou para a frente. Não se importava de ir correndo
buscar cafés ou fazer fotocópias, nem mesmo lamber envelopes — só queria estar na Vogue,
senti-la ao seu redor. Desde que tivera sua carta ao editor publicada na revista Seventeeen
quando tinha 12 anos, fantasiava em ver seu nome impresso de novo. — Eu fico feliz em fazer
qualquer coisa.
— Sim, bem. — Leslie tossiu. Era quase como se estivesse tentando não sorrir. — Receio
que eu tenha recebido a oferta de uma promoção esta manhã... Que envolve minha transferência
para a Vogue italiana. Vou me mudar para Milão na semana que vem.
— Oh. — Brett sentiu o rosto corar. Certamente não podia acusar Leslie por isso; quem
não aproveitaria a oportunidade de morar na Itália? — Isso é ótimo, não?
O sorriso que Leslie estava tentando esconder tomou todo o seu rosto.
— Sim! Há anos eu morro de vontade de trabalhar lá... As mulheres italianas são tão
glamourosas. E os homens! — Brett quase expressou concordância, mas se conteve. Sebastian
era o cara mais sexy que ela já conhecera, E então a expressão de aflição voltou à carinha bonita
de Leslie. — Mas, como você pode ver, isso significa... Que não preciso mais de você. E era
tarde demais para telefonar e lhe dizer para não vir hoje.
— Não posso ajudar outra pessoa? — Brett soltou, pega de surpresa. — É sério, posso
fazer qualquer coisa. — Pertencer à equipe de limpeza não parecia mais tão ruim.
Leslie meneou a cabeça com tristeza, contraindo os lábios com tanta força que eles quase
desapareceram.
— Eu perguntei por aí, e, infelizmente, ninguém quer uma estagiária do ensino médio.
Sem ofensas! — acrescentou ela imediatamente. Brett ainda estava pasma demais para se
ofender.
Ela colocou o cabelo vermelho flamejante atrás das orelhas. De repente todo o mês se
estendia diante dela. Pensou que ficaria em Nova York, dormindo no sofá do loft da irmã no
SoHo, trabalhando na Vogue, passando as noites em leituras de poesia ou entrando de fininho
em boates com sua identidade falsa. Agora não tinha nada para fazer.
A não ser voltar para a Waverly. E para Sebastian, o que era um consolo. Mas embora se
enroscar com o namorado gato pudesse manter Brett ocupada, ela não achava que receberia
crédito acadêmico por isso.
á chegamos? — perguntou Brandon Buchanan, ajeitando mais para cima a mochila
de camping vermelha que pegou emprestada no Clube de Excursão da Waverly.
Seguia seu colega de quarto, Heath Ferro, pelo bosque denso que cercava o campus
da Waverly Academy durante o que pareciam horas. — A essa altura, já andamos
alguns quilômetros.
Mesmo sob o gorro preto de microforro e os óculos Ray-Ban, Brandon conseguia ler a
expressão de desgosto de Heath.
— Cara, não comece.
Brandon suspirou enquanto seguia Heath pela neve funda, tirando os galhos nus do rosto.
Só havia voltado ao campus naquela manhã, depois de seu avião na Suíça ter atrasado por causa
de uma nevasca nos Alpes. Os dez dias depois do Natal foram os melhores de sua vida, e,
estranhamente, ele precisava agradecer a Heath por isso. Afinal, foi Heath que comprou para
Brandon a passagem até a Suíça, para ver Hellie Dunderdorf, a linda filha do professor
Dunderdorf. Brandon a conhecera no feriado de Ação de Graças e desde então era a única
menina na qual ele conseguia pensar. Pela primeira vez, Brandon nem mesmo se importara de
passar o Natal em casa, com a madrasta loura de farmácia e os irritantes meio-irmaos de 3 anos.
Afinal 24 horas depois ele pegaria Hellie nos braços de novo, beijaria sua boca macia e
levemente rachada. O restante da viagem passou voando. Os dois caminharam de mãos dadas,
explorando o lindo campus de Le Rosey, o internato exclusivo onde ela estudava. Ou se
entocaram no minúsculo quarto de paredes amarelas, aquecendo um ao outro.
Quando voltou para a Waverly na manhã de segunda-feira, com jet lag, mas feliz,
Brandon nem tinha pensado em sua proposta para o Jan Plan. Então quando Heath propôs a
Brandon que fosse com ele em sua excursão de camping da Jan Plan, Brandon concordou de
pronto. Imaginou que passariam a noite no bosque, tomariam umas notas sobre como acender
uma fogueira, talvez fizessem um vídeo dos dois esfregando varetas. Eles podiam dar mais
substância depois com uma pesquisa sobre a história do bosque de Rhinecliff ou alguns
desenhos de carvalhos. Brandon vira Heath enfiar alguns pacotes de sorvete desidratado de
astronauta na mochila. Brandon sempre adorou essas coisas.
E ele adorou o motivo ulterior para se unir à excursão. Procurava a oportunidade de contar
a Heath — por acaso, é claro — que ele não era mais seu colega de quarto virginal. Acabaram-
se os anos de Heath implicando com a inexperiência sexual de Brandon.
Mas à medida que se afastavam cada vez mais do campus da Waverly, o céu cinza de
janeiro começava a arroxear.
— Talvez a gente deva montar acampamento agora, sabia? — disse Brandon, nervoso.
— Parece que vai nevar.
Heath parou e lançou um olhar elogioso a Brandon.
— Nada mal, Buchanan. Bom olho. Preparei este local hoje de manhã. — Ele apontou
uma moita de bétulas brancas. Elas se amontoavam, como se estivessem se protegendo do frio.
— Já montei nosso acampamento.
— Montou mesmo? — perguntou Brandon, agradecido. Estava exausto e ainda tinha jet
lag. Queria acender uma fogueira, fazer algumas anotações para o artigo dos dois, depois se
enroscar em seu saco de dormir com enchimento de penas e desmaiar. — Onde? Não estou
vendo a barraca.
— Barraca? — Heath bateu na barriga de Brandon com um galho que tinha cortado com
seu canivete suíço tamanho facão. — Acha que vamos passar três semanas na mata dormindo
numa porra de barraca?
Brandon baixou a mochila no chão.
— Três semanas? Mas do que é que você está falando? — O sol se punha no horizonte,
e Brandon sentia os pés começando a ficar dormentes. — Pensei que fôssemos passar uma ou
duas noites aqui e registrar o que comemos e essas merdas. Eu trouxe minha câmera para tirar
umas fotos para complementar o artigo.
Heath colocou a bolsa encostada num rochedo.
— Cara, eu te comprei aquela passagem de avião para a Suíça para você aprender a ser
homem, porra. Ao que parece, não deu certo.
— Isso não tem nada a ver com ser homem. — Brandon encarou Heath, perguntando-se
se ele enfim, literalmente, tinha enlouquecido. — Não podemos viver na neve por três semanas.
E você está me dizendo que não tem barraca? — Brandon percebeu pela primeira vez que as
bétulas que vira na verdade tinham sido cortadas e estavam amarradas com uma espécie de
corda. Estavam recostadas no rochedo, formando um alpendre rudimentar.
Com cuidado, Heath deitou a folhagem no chão nu abaixo das bétulas, antes de se virar
para Brandon.
— Você não viu A prova de tudo?
Brandon pressionou as luvas nos olhos. Estava esgotado, e Heath estava tentando ser uma
espécie de herói do Discovery Channel?
— Heath, esse é o abrigo mais merda que já vi. Vamos morrer congelados.
— Assisti a três temporadas inteiras de A prova de tudo nas férias, e aquele cara não leva
uma porra de barraca. Ele não tem chocolate quente, nem travesseiros de penas de ganso. Se
for preciso, ele bebe a própria urina. — Heath socou os punhos no peito feito King Kong. —
Além disso, esse abrigo é muito melhor do que qualquer coisa que você poderia fazer.
Brandon respirou o ar frio que cheirava a pinho e tentou se controlar. Assoviando
desafinadamente, Heath reuniu um pequeno feixe de gravetos e começou a montar uma
fogueira. Brandon tinha de admitir, seu colega de quarto meio que parecia saber o que estava
fazendo.
Mas então Brandon colocou a cabeça para dentro do alpendre — o que era fácil, afinal
não tinha porta.
— Qualquer coisa pode... entrar aqui. — Era cerca de um grau mais quente do que a céu
aberto. —E não tem exatamente espaço para duas pessoas.
— Fica frio, cara. Tem de ser pequeno para manter o calor corporal aí dentro. Está um
frio de matar aqui fora.
Brandon gemeu, cansado demais para brigar. O jet lag o estava matando. Depois de tirar
uma soneca, ele convenceria Heath a voltar ao campus e ver mais alguns episódios de A prova
de tudo no conforto da sala de estar do Richards Hall.
Ele abriu o saco de dormir, que parecia perigosamente fino, e o estendeu nos ramos de
folhagem cheios de protuberâncias dentro do alpendre. Começou a cochilar enquanto Heath se
ocupava em volta da fogueira. Brandon sonhava com Hellie, estava enroscado ao lado dela, ela
com seu short de algodão branco embaixo das cobertas, quando o cheiro acre de carne
queimada chegou ao seu nariz. Sobressaltado, ele se sentou e saiu do abrigo. Heath estava
agachado sobre a fogueira, segurando uma vareta comprida com um pedaço de carne na ponta.
— Mas que porra é essa? — Brandon tentou perguntar, mas sua cara estava entorpecida.
Ele deu uns tapas nas bochechas, na esperança de não ter ulcerações pelo frio, e se aproximou
da fogueira. Quando olhou o céu, viu gordos flocos de neve caindo.
— Carne é carne — disse Heath, com um sorriso diabólico na cara, que parecia
estranhamente congelada, como a do Coringa do Batman. — Não pergunte de onde veio... É
só curtir! — Ele estendeu o espeto para Brandon. Nele havia o corpo vermelho e mirrado de
um esquilo recém-esfolado.
O estômago de Brandon revirou.
— Essa não pode ser a única comida que temos. — Brandon se virou, esfregando as mãos
perto do fogo. — Onde estão as provisões?
— Aquilo é para as emergências, imbecil. — Heath levou o pedaço de carne fedorenta à
boca e deu uma mordidinha.
— Hummm, tem gosto de frango!
Brandon se colocou de pé, pé que também estava alarmantemente entorpecido.
— Isso não vai dar certo. — O fogo estava morrendo, e o frio ainda era de lascar. Seu
ombro doía por ter ficado encostado no rochedo dentro do abrigo, onde não havia espaço
suficiente para se esticar. Ele não ia ficar abraçadinho com Heath ali. — Está fazendo tipo seis
graus negativos aqui fora e já estou sentindo meus órgãos começarem a congelar. — Seu
estômago roncou. — E não vou comer nada caçado por você.
Heath se levantou também.
— Contenha-se, seu fresco. Deve ficar acima de zero... Pelo menos à noite.
Brandon esfregou a testa, que parecia um congelador.
— Não seja idiota. Não podemos ficar aqui nestas condições, dormindo no chão, debaixo
de uns troncos amarrados. Vamos morrer congelados!
— Cara, Bear Grylls sobreviveu à Islândia! À cordilheira do Alasca! Aos Andes... E vou
te contar, as condições eram muito piores do que estas, caralho.
Brandon balançou a cabeça lentamente.
— Vem. Vamos voltar para o campus, Vamos fazer uma caminhada de sobrevivência
especial no bosque amanhã... Mas fala sério, a gente vai morrer se ficar aqui esta noite. — E a
ideia de morrer ali fora e nunca mais ver Hellie parecia a pior coisa do mundo para Brandon
naquele instante.
Heath parou na frente do fogo e deu outra mordida na carne de esquilo.
— Eu vou ficar, cara.
Brandon o encarou. Heath tinha o mesmo olhar decidido que cruzava seu rosto sempre
que precisava provar algum argumento irritante.
— Tá legal, vou te deixar meu saco de dormir. Vai precisar dele.
Heath bufou, lambendo os dedos.
— Eu não preciso nem do meu.
— Se você não voltar em dois dias, vou mandar uma equipe de resgate. — Brandon pegou
o celular no bolso e procurou o sinal. A melhor coisa, depois de ter Hellie esperando por ele
quando voltasse a seu quarto, seria uma pizza fumegante tamanho família do Ritoli’s.
E pelo menos ele era homem suficiente para admitir isso.
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RyanReynolds: E aí, gostosa. As férias foram boas?

AlisonQuentin: Hmmm. É bom voltar, como sempre.

RyanReynolds: Vai à festa no porão do Maxwell esta noite?

AlisonQuentin: Não perderia por nada. Alguém devia convidar os


filhos do Dresden, né?

RyanReynolds: Pelo menos a garota. Não gosto do jeito daquele cara.

AlisonQuentin: Não gosta do quê? Ele é um gato.

RyanReynolds: É, o problema é esse.


Diário da Vida Selvagem: Heath à Prova de Tudo
Por Heath Ferro

Dia 1

Acordei ao amanhecer para pegar madeira. Achei ótima localização para o abrigo e
construí um alpendre com mudas de bétula usando trepadeiras e a confiável faca de titânio
Rambo 5.0 Full Tang. Que pena que ninguém me viu fazer isso. Voltei mais tarde para passar
a noite com BB, que rapidamente deu uma de mulherzinha. Tudo bem. HF não precisa de
ninguém.

Temperatura ao meio-dia: 4 graus negativos. Não é tão ruim.

Comida: Montei uma armadilha e peguei o primeiro esquilo. Cozinhei-o num graveto até
ficar bom e crocante. Achei uns cogumelos marrons escuros por baixo da neve para um lanche
de madrugada. Nada mais satisfatório do que pegar e comer sua própria comida.

Aquecimento: Muita madeira para a fogueira. Agulhas de pinheiro no chão do abrigo


proporcionam bom acolchoamento. O frio é revigorante!

Estado de espírito: Excelente. A mente parece mais clara. Prestes a dormir de barriga
cheia sob as estrelas depois de um longo dia de trabalho. Todos aqueles nenenzinhos do
campus, enroscados sob seus edredons, não sabem o que estão perdendo.
m pouco mais para cima... Um pouco mais. Mais forte, por favor... Ah, isso, isso —
Tinsley gemia.
— Tem alguma ideia de como isso soa obsceno? — Julian McCafferty tirou
as mãos dos ombros dela no meio da massagem. Tinsley estava sentada de costas na cadeira de
Julian, olhando a janela escurecida, enquanto ele aliviava toda a tensão de seus ombros, duros
devido à partida de tênis indoor daquela manhã. Os sons tranquilizadores de uma música antiga
do Death Cab for Cutie emanavam de seu Bose SoundDock.
— Claro, amorzinho — respondeu Tinsley, fechando os olhos. Adorava sentir as mãos
fortes de Julian nos ombros. — Por que acha que estou fazendo?
Tinsley passou um Natal relaxante movido a compras em Nova York com os pais — a
mãe se sentia tão culpada por abandonar Tinsley no Dia de Ação de Graças que elas quase
estouraram seu cartão AmEx numa farra de compras na Madison Avenue. Mas o ponto alto de
suas férias foi se encontrar com Julian na casa dos Carmichael em Lake Placid. Eles passaram
longos dias nas rampas, dando amassos nos teleféricos e disputando corrida na descida da
montanha. Julian era um esquiador ainda melhor do que Tinsley, o que a deixou louca — de
um jeito bom e ruim. Eles passaram as noites enroscados na frente da lareira, com uma garrafa
de vinho, ou no ofurô externo, vendo as estrelas cristalinas aparecerem no céu claro da noite.
Julian colocou os lábios na nuca de Tinsley para um beijo rápido antes de cair de cara na
cama. Ele era tão alto que seus pés quase ficavam pendurados da beira da cama de solteiro
extralonga. A bainha da calça de veludo cotelê da Diesel estava irremediavelmente puída. O
cabelo castanho-alourado tinha reflexos de sol devido aos dias nas rampas ensolaradas de esqui
e tinha crescido tanto que ele conseguia fazer um rabo de cavalo, o qual Tinsley ameaçava
decepar.
— Venha cá. É sua vez de ser massagista.
— Essa não é a pior ideia que você teve na vida. — Tinsley avançava para ele, louca para
passar as mãos por todo seu corpo magro e musculoso, quando um barulho do lado de fora
captou a atenção dela. Algumas vozes masculinas acaloradas foram seguidas por um coro de
risos de meninas. Era a primeira noite do Jan Plan e, como ninguém realmente precisava
levantar cedo, era notoriamente uma das melhores noites de festa. — Mas não acha que a gente
devia fazer uma aparição social esta noite? Está rolando alguma coisa na casa de Maxwell.
Julian se apoiou sobre o cotovelo e olhou para Tinsley. Vestia uma camiseta cinza com a
imagem de um macaco usando capacete espacial.
— Quer mesmo ir?
Tinsley afundou na beira da cama. Ela queria, mas sentia que Julian não estava com
vontade.
— Não sei.
Bom, vamos ter um monte de festas pela frente. Eu prefiro, sabe, só ficar com você. —
Julian pegou uma mecha do cabelo de Tinsley e a torceu no dedo, algo que recentemente tinha
virado um hábito.
Que amor. Mas uma pontada de remorso disparou por Tinsley — afinal, ela era Tinsley
Carmichael. Não deveria estar lá fora, no meio de toda a ação? Ela pensou com ternura no
último Jan Plan quando ela, Brett e Callie deram uma festa de Primeira Noite exclusiva no
imenso quarto do alojamento em Dumbarton. Era a rigor e só para convidados, eles só beberam
o melhor Shiraz das vinícolas da família de Ryan Reynolds.
Mas então Julian se sentou e colocou a mão na cintura de Tinsley, bem no ponto onde
seus jeans Earl pretos e apertados não conseguiam encontrar a camiseta de tecido macio da
Alice + Olivia, e por um instante ela se esqueceu de todo o restante do planeta. Engatinhou até
o colo dele, apoiando os calcanhares nas novas botas Stuart Weitzman de couro preto na mesa
de cabeceira de Julian, pensando, fugazmente, que era uma pena ter botas novas e ninguém
para olhá-las com inveja.
— Sabe no que estou pensando? — cochichou Julian ao ouvido dela, com o hálito quente
contra sua pele.
Tinsley suspirou teatralmente, olhando o gigantesco pôster em preto e branco de um
jovem Bob Dylan na parede acima da cama de Julian.
— Posso adivinhar. — Sim, seria tão bom ter um mês inteiro de namoro com Julian, sem
aulas, sem responsabilidades. Começaria seu projeto de Jan Plan no dia seguinte. Tinsley tinha
ganhado uma filmadora digital HD-SLR Nikon do pai e pretendia fazer um documentário. No
verão, depois de ter sido — temporariamente, bem entendido — expulsa da Waverly, ela
trabalhou com o pai em um documentário sobre a África do Sul. Estar atrás da câmera fez com
que Tinsley se sentisse criativa e poderosa. Era evidente que a Waverly Academy não era tão
excitante como a Cidade do Cabo, mas ela sentia que isso podia dar certo.
— Escute. — Julian colocou uma mecha do cabelo preto de Tinsley atrás da orelha, depois
beijou o lóbulo. — Sei que vai fazer um filme em seu Jan Plan e eu estive conversando com
Alan St. Girard e alguns caras no almoço. Vamos tentar escrever uma espécie de mistério noir
de internato... Sabe como é, tipo uma mistura de Raymond Chandler com Carrie, a estranha.
— Mas que ótima ideia! — exclamou Tinsley, passando os dedos pelo maxilar de Julian.
— E tenho certeza de que foi você que pensou nisso. — Ela sempre se esquecia de que Julian
era só um calouro; ele era muito mais inteligente do que qualquer dos meninos que conheceu
quando ela mesma estava no primeiro ano.
Ele deu de ombros com modéstia.
— O que posso dizer?
Tinsley deu uns tapinhas na bochecha dele.
— Sei que o Jan Plan de Heath Ferro no primeiro ano evolvia entrevistar todas as meninas
da Waverly e perguntar o que as deixava excitadas.
— Também não é uma ideia ruim, — Julian sorriu, fazendo surgir uma covinha mínima
abaixo do canto dos lábios, — Mas olha, você devia trabalhar com a gente no filme. Vamos
precisar de uma femme fatale, e você pode nos ensinar sobre direção e a montagem das
sequências.
— Estou lisonjeada — disse Tinsley lentamente. Ela deslizou do colo dele e se sentou ao
seu lado. — Talvez.
Julian tombou a cabeça de lado.
— Prometo que vou tentar impedir que eles deem em cima de você demais, se é que sua
preocupação seja essa.
— Não é isso. — Tinsley se levantou. Não podia muito bem dizer a Julian que parecia
meio demais trabalhar num projeto escolar com ele — afinal, eles já ficavam o tempo todo
juntos. De repente Tinsley sentiu a necessidade de ar fresco. Esticou os braços e pegou o
casaco. — Olha, vou dar um pulinho lá fora para fumar, tá legal? Volto já.
Ela vestiu o casaco da Joie em ziguezague de lã marrom e apertou o cinto. Era o horário
de visitas, então as meninas tinham permissão para entrar no alojamento masculino, mas as
portas deviam ficar abertas. Segundo o antigo manual da Waverly, que na realidade parecia um
manual de escola de aperfeiçoamento para meninas dos anos 1800, era preciso ter três pés no
chão sempre que os dois sexos se misturassem.
— Não demore.
Tinsley correu para fora, grata pela lufada de ar frio em sua pele. Antes de sair na noite
escura, não percebera o quanto estava quente no quarto de Julian. Pegou o maço meio
amarrotado de American Spirits no bolso do casaco e pôs um cigarro entre os lábios, olhando
em volta automaticamente à procura de professores. Enfiou-se nas sombras do Wolcott Hall,
tentando não pisar na lama. Ao longe, viu algumas meninas correndo pelo pátio. Com as saias
inviáveis de tão curtas e saltos altos, elas claramente estavam a caminho da festa.
Tinsley caminhou pelo canto do prédio, deixando que a fumaça do cigarro entrasse em
seus pulmões e a relaxasse. Ali, sentada num banco sob os lampiões de ferro que ladeavam as
trilhas do campus, havia uma menina de casaco preto e curto com um capuz forrado de pele.
Um cigarro pendia casualmente de sua boca. Tinsley piscou. Muita gente fumava na Waverly,
mas ninguém queria ser apanhado fazendo isso. E a menina não estava exatamente se
escondendo.
E então ela percebeu. Era a menina do palco da capela — a filha do reitor. Um gorro cinza
surrado estava empoleirado de forma torta na sua cabeça, e o cabelo preto e desgrenhado
aparecia por baixo dele.
A menina levantou a cabeça.
— Oi — disse ela, friamente, dando outro trago no cigarro. Tinsley largou a própria
guimba no chão e a esmagou com o sapato antes de se aproximar da garota.
— Você sempre fica de tocaia no escuro?
— Só quando estou fazendo o que não devia. — Tinsley meteu as mãos enluvadas nos
bolsos. — Mas pelo que vejo, você não tem o mesmo medo saudável da autoridade.
— Quando seu pai é o reitor, você desenvolve ideias distorcidas sobre o significado de
autoridade. — A menina riu. O rosto em formato de coração era pálido e parecia
surpreendentemente inocente. — Bonita bota.
Imediatamente, Tinsley se sentiu realizada. Suas botas só estavam esperando para serem
elogiadas.
— Obrigada.
— Meu nome é Isla — respondeu a menina, cruzando as pernas. Vestia uma minissaia de
lã vermelha, leggings pretas e botas Doc Martens de cano alto.
— Tinsley Carmichael — respondeu Tinsley.
Os olhos verdes de Isla se arregalaram, e ela se curvou para a frente. Um anel de cobre
entrelaçado em seu indicador direito chamou a atenção de Tinsley.
— Eu estava mesmo me perguntando quando iria conhecer a famosa Tinsley Carmichael.
Ouvi falar muito de você.
Tinsley riu de leve, mas é claro que ficou lisonjeada com o reconhecimento da própria
notoriedade.
— Não acredite em tudo que dizem.
— É uma pena. Pensei que tinha algumas pessoas bacanas por aqui. — Isla arqueou as
sobrancelhas finas e deu outro trago no cigarro. — Não se preocupe — disse ela ao pegar os
olhos de Tinsley no cigarro à mostra —, uma das vantagens de ser filha do reitor é que é quase
impossível se meter em encrenca.
Tinsley se sentou ao lado dela no banco. O frio rapidamente penetrou em seus jeans, mas
ela não se importou.
— Quais são as outras vantagens?
Isla riu, uma gargalhada alta, despreocupada e inteiramente contagiante.
— Já entrou na casa do reitor daqui? É muito irada. — Os olhos de Isla deixavam sua
expressão ligeiramente louca — talvez uma avaliação precisa.
— Sim, já estive — admitiu Tinsley com orgulho, esfregando os braços com as mãos em
luvas de couro. — Uma vez, no primeiro ano, um cara e eu invadimos. Era o fim de semana
em que Marymount estava fora, e a gente atacou a adega.
Isla assentiu, impressionada.
— Legal. — Ela se levantou e jogou o cigarro na neve, que apagou num chiado. Ela
arrumou a jaqueta de couro curta. — Tem algum outro esconderijo excitante no campus?
Tinsley sorriu e esfregou as mãos, pensando nas vezes em que ela e Julian entraram
escondidos na sala de projeção do Cinephiles para namorar.
— Acabo de te conhecer. Não posso te contar todos os meus segredos.
Isla lançou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada longa que ecoou pela noite
silenciosa.
— Tinsley Carmichael — disse ela vagarosamente, acendendo outro cigarro e dando um
longo trago. — Acho que este é o começo de uma bela amizade.

OwlNet Caixa de E-mail

De: BrandonBuchanan@waverly.edu

Para: MarielPritchard@waverly.edu

Data: Segunda-feira, 3 de janeiro, 21h15

Assunto: Jan Plan

Cara Srta. Pritchard

Sei que entreguei minha proposta de Jan Plan esta tarde para um projeto
de “sobrevivência em ambiente selvagem” com Heath Ferro, mas
depois de refletir bem, percebi que posso ser mais adequado para um
projeto diferente. Sei que amanhã termina o prazo de entrega das
propostas. Algum problema se eu lhe mandar por e-mail amanhã à
tarde?

Obrigado
Brandon
OwlNet Caixa de E-mail

De: MarielPritchard@waverly.edu

Para: BrandonBuchanan@waverly.edu

Data: Segunda-feira, 3 de janeiro, 22h24

Assunto: Re: Jan Plan

Brandon

Não se preocupe demais — eu não estava mesmo convencida de que o


projeto de “Sobrevivência” era realmente adequado para você. Preciso
de sua nova proposta até às cinco da tarde de amanhã, então, por favor,
apresse-se. Se ajudar, um de meus orientandos, Callie Vernon, está
trabalhando sozinha em um projeto que pode necessitar de duas
pessoas, caso queira entrar em contato com ela.

Estou ansiosa para ler sua proposta!

Atenciosamente

MP
em cedinho na manhã de terça-feira, Jenny deixou a porta da frente do Stansfield Hall
bater às suas costas quando foi para a sala do reitor. Conforme já desconfiava, sua
orientadora, a srta. Rose, disse-lhe que ela precisava pedir permissão diretamente ao
reitor caso quisesse trabalhar sozinha. Agora só precisava convencê-lo de que era justificável.
O prédio da administração estava silencioso, a não ser pelo som abafado de música e pelo
silvo dos antigos radiadores de metal. O solado molhado das botas Wellies verde-escuras de
Jenny guinchava no piso encerado de madeira. Pela primeira vez, ela se perguntou se os
professores gostavam tanto do Jan Plan como os alunos. Afinal, eles não precisavam dar aulas,
só supervisionavam os orientandos e, de vez em quando, dirigiam um estudo independente.
Será que os professores dão as próprias festas?, ela se perguntou de repente, tentando imaginar
a Srta. Rose perto de um barril de cerveja ao lado do obsessivo professor de latim, Sr. Gaston.
Ou um bebendo no corpo do outro. Eca.
Livrando-se daquela imagem perturbadora, ela caminhou de maneira decidida até a porta
do novo reitor. O Sr. Tompkins, secretário de Marymount, não estava à mesa — na verdade, a
mesa estava vazia, só tinha um porta-lápis da Waverly e um calendário de mesa achatado.
Quando um reitor saía, isso queria dizer que o secretário ia embora também? Como um governo
presidencial? Acho que vou entrar e me apresentar, pensou Jenny, com o estômago revirando.
Olhou seu reflexo no espelho grande que pendia na sala de espera. Havia escolhido uma blusa
preta da Banana Republic com manga três quartos e jeans da Seven que encontrara em um
brechó anos antes, com o qual adorava pintar. As manchas de tinta, assim esperava, fariam com
que parecesse séria a respeito de seu projeto de arte.
Assim que colocou a mão na maçaneta da porta, ela se abriu. Jenny deu um pulo de
surpresa para trás — e o reitor Dresden fez a mesma coisa.
— Oh! Olá. — Ele recuou, deixando cair uma pilha de amostras de tintas de cores vivas.
— Desculpe pela interrupção — soltou Jenny, curvando-se para pegar alguns pequenos
quadrados de papel. A sala era imensa, com janelas de nicho enormes que davam para o pátio.
Ao longe, um fio mínimo do rio Hudson cinza-azulado era visível acima dos galhos nus das
árvores. — Posso voltar depois, se esta não for uma boa hora.
— Não, não. — O reitor sorriu, recolhendo no chão o resto das amostras. — Minha mulher
anda me perseguindo para trocar a cor da sala antes de eu me acomodar inteiramente. Então
me desculpe pela bagunça. E por favor, entre.
— Ela não gosta de... bege? — perguntou Jenny, entrando na sala depois dele. Ela só
havia precisado se encontrar com o reitor Marymount uma vez, mas ainda era estranho ver a
sala quase completamente vazia. Os únicos móveis eram uma comprida mesa de carvalho e
duas poltronas grandes, sendo que uma ficava atrás da escrivaninha. As paredes — pintadas de
uma cor suave que fazia Jenny pensar em um consultório médico — estavam inteiramente nuas,
exceto pelos pregos onde os vários quadros do reitor Marymount costumavam ficar
pendurados. Havia uma pilha de caixas de papelão brancas no canto.
O rosto do novo reitor se voltou em expectativa para ela.
— Acho que isso parece meio... deprimente.
— Foi exatamente o que ela disse. — O reitor Dresden meneou a cabeça enquanto jogava
as amostras na mesa e estendia a mão para Jenny. — Mas então, sou o reitor Dresden. E sempre
fico feliz em receber um de meus alunos.
— Meu nome é Jenny Humphrey. —Jenny sorriu, sentindo as palpitações no estômago
começarem a se acalmar. — Sou do segundo ano, mas é meu primeiro ano na Waverly também.
— Uma companheira novata. — O reitor Dresden riu, sentando-se em sua poltrona. —
Bem, diga-me, Jenny Humphrey, o que posso fazer por você?
Jenny afundou na poltrona de frente para a escrivaninha.
— Eu queria perguntar se é possível eu fazer um projeto independente neste Jan Plan.
Pela primeira vez desde que Jenny entrou na sala, o sorriso deixou os lábios do reitor,
embora seus olhos continuassem sorrindo.
— Posso lhe perguntar por quê? Afinal, é seu primeiro Jan Plan. A administração projetou
o programa para que os alunos aprendessem a trabalhar em equipe.
— Entendo isso. — Jenny abriu o que esperava ser um sorriso convincente, embora o pai
chamasse de sorriso da órfã Annie. — Mas também serve para explorar algo pelo qual você é
apaixonado, não é verdade?
O reitor assentiu pensativamente.
— Creio fazer parte do programa também.
— Bom, durante todo o segundo semestre minhas aulas de artes tiveram um papel
importante em meu senso de realidade. —Jenny parou. Ela sabia que parecia uma puxa-saco.
Tentou de novo. — Eu simplesmente senti que tinha tanto a absorver que seria ótimo tentar
processar todas essas informações agora. Fiz dois cursos de artes com a Srta. Silver... Retratos
e ilustração avançados. E foram ótimos. Mas comecei a pensar em como seria desenhar pessoas
em movimento... Quase como se eu fosse uma câmera cujo obturador estivesse aberto enquanto
a foto estivesse sendo tirada.
— Tenho de admitir... Estou impressionado que saiba como funciona uma câmera
manual. — O reitor riu.
Jenny levou o riso como um bom sinal e se curvou para a frente.
— Eu queria tentar uma redução nos movimentos e capturá-los em cada momento.
Adoraria estudar as pessoas em todo tipo de situação... Andando, dançando ou, talvez,
esquiando. E acho que é o tipo de projeto que teria de fazer de forma independente.
O reitor assentiu e franziu a testa simultaneamente, e o coração de Jenny se deprimiu.
— Entendo seu argumento, mas infelizmente você é do segundo ano. E regras são regras.
Talvez no ano que vem possa fazer isso.
Jenny, que ficou tão à vontade no início da reunião, sentia o lábio tremer. Sempre ficava
nervosa perto de figuras de autoridade — e naquele momento foi preciso muita força de
vontade para evitar que uma lágrima escorresse por seu rosto.
— Oi, pai.
Jenny e o reitor giraram a cabeça para a porta aberta.
— Ah, desculpe. — Parado à soleira estava o menino lindo de cabelos pretos que estivera
sentado no palco na reunião da capela. Vestia um suéter grosso azul-marinho e calças cáqui
com bainhas puídas. Parecia um perfeito aluno de escola particular — com um brilho quiçá
diabólico nos olhos. — Não percebi que estava em reunião. Mamãe me disse que você esqueceu
seu BlackBerry.
Os olhos verdes e penetrantes do garoto focalizaram em Jenny, fazendo-a sentir um
nervosismo inteiramente diferente. Será que ele tinha invadido... de propósito? Jenny se
remexeu na cadeira, grata por ter se preocupado em torcer o cabelo em tranças frouxas e
artísticas. Ela soprou um cacho errante dos olhos.
O reitor bateu no bolso da frente da camisa, distraidamente.
— Jenny Humphrey, este é meu filho, Isaac. Jenny estava falando sobre um projeto do
Jan Plan.
Isaac aproximou-se e entregou o BlackBerry ao pai, depois se sentou no canto da
escrivaninha, como se não tivesse pressa de ir embora.
— É mesmo? — Seus olhos foram de Jenny ao pai. — Posso ouvir?
O reitor gesticulou para Jenny continuar. O estômago da menina deu uma cambalhota. Já
era estressante ter de explicar sua ideia ao reitor — agora tinha de fazer o mesmo na frente do
lindo filho dele também? Depois de inspirar profundamente, ela explicou seu projeto mais uma
vez, tentando evitar que o rosto corasse.
— Parece incrível — disse Isaac, quando ela terminou. — Boa sorte nele.
O reitor Dresden se remexeu pouco à vontade na poltrona.
— Infelizmente, Jenny terá de esperar até o ano que vem, uma vez que é do segundo ano.
Isaac olhou para Jenny com uma expressão um tanto estranha.
— E eu sou do penúltimo ano. Que importância tem isso?
O reitor Dresden sorriu com paciência para o filho.
— Porque os alunos do segundo ano trabalham aos pares ou em pequenos grupos.
— Mas os do terceiro e do quarto anos não? Que regra mais esquisita. — Isaac esfregou
o queixo pensativamente. — É uma pena. Para mim, parecia que a Waverly queria que seus
alunos fossem criativos.
O reitor Dresden franziu a testa.
— Isaac, não sei se é uma boa hora para isso.
— Desculpe, pai. — Ele cruzou os braços e olhou para Jenny. — Só acho que muitas
escolas têm tantos regulamentos, que destroem a criatividade. E acabamos de chegar a uma que
a estimula ostensivamente... Só que, por algum motivo, não para os alunos do segundo ou do
primeiro ano. — Ele se levantou e caminhou até a estante sem livros, onde pegou um peso de
papel em formato de prisma e o passou de uma palma da mão À outra. — Simplesmente parece
estranho.
O reitor passou a mão no rosto e se virou para Jenny.
— Jenny, o que você tem a dizer? Além do fato de meu filho estar destinado a uma
carreira em Direito?
Jenny sentiu o rosto inteiro ficar vermelho.
— Eu diria que... Sim, concordo com Isaac. — Ela o olhou e sentiu o rosto ficar ainda
mais quente. — Acho muito importante ser capaz de explorar nossos interesses artísticos. Eu
adoraria ter a chance de fazer isso sozinha.
— Muito bem, eu desisto. — O reitor pigarreou. — Uma artista é uma artista. Vou mandar
um e-mail a sua orientadora e informar que aprovei seu projeto independente. Mas antes de
você ir...
O coração de Jenny amoleceu. Ela trocou outro olhar com Isaac, mas teve de desviar os
olhos rapidamente. Os olhos dele eram como areia movediça, e ela não queria ser apanhada
encarando-o na frente do reitor.
— Sim?
O reitor pegou duas amostras de tinta na mesa e as estendeu para que Jenny visse.
— Coloque seu olhar artístico nisto. Qual acha que é a melhor cor para esta sala?
Jenny mordeu o lábio para não sorrir e inclinou a cabeça enquanto fazia sua melhor cara
de imersa-em-pensamentos.
— Eu diria que é o amarelo girassol. Ficaria bonito com a madeira escura. E vai deixar
todo mundo feliz por estar aqui dentro.
O reitor assentiu.
— Foi o que eu pensei também. Não que minha presença já não seja bastante animadora.
— Ele sorriu novamente. — Estou ansioso para ver seu projeto no final do Jan Plan. Espero
que valha a espera.
Jenny murmurou algo em resposta enquanto o reitor a conduzia à porta. Por sobre o
ombro, ela teve um vislumbre dos olhos elétricos de Isaac a observando.
— Foi um prazer — disse ela, tentando dizer “obrigada” com os olhos.
Isaac abriu um leve sorriso.
— Para mim também.
Um arrepio percorria a espinha de Jenny enquanto ela se virava e andava pela antessala
vazia. Sentia que flutuava no ar, todo o glorioso mês se estendendo adiante como uma tela em
branco. Ficou feliz por ter aproveitado a chance de pedir a permissão do reitor. Ele não era tão
assustador como Jenny pensava.
E o filho era ainda mais fofo de perto.
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BennyCunningham: A galera vai ao porão do Richards esta noite.


Você vem?

TinsleyCarmichael: Eu não soube nada disso.

BennyCunningham: Porque vc e seu marido ficam ocupados demais


namorando para se divertir!

TinsleyCarmichael: A inveja não é nada atraente, Benny. Um dia vc


vai achar um namorado.

BennyCunningham: Deixa de ser cretina! Vc sabe que sentimos sua


falta. Vamos!

TinsleyCarmichael: Vou pensar no assunto.


rett puxou o casaco militar Anna Sui de encontro ao corpo ao passar espremida por
uma dupla de carrinhos de bebê do tamanho de tanques na frente da CoffeeRoasters,
a minúscula cafeteria no centro de Rhinecliff, na manhã de terça-feira. Abriu a porta
de vidro e entrou no café úmido, tentando não comparar a cafeteria suja aos lindos bistrôs do
SoHo onde poderia estar tomando o café da manhã. Teve de voltar à Waverly naquela manhã
e ainda estava meio mal-humorada. Adorava a escola; gostava de verdade. Mas devia estar
passando seu mês de janeiro indo a lugares da moda de Nova York como o Waverly Inn — e
não a biblioteca da Waverly.
Depois ela viu Sebastian, lendo num sofá de veludo ao fundo da cafeteria apinhada. Um
leve tremor se espalhou de seu rosto frio às pontas de suas botas de couro gastas e relaxadas.
Ele estava tão envolvido em seu exemplar de On the Road que nem viu Brett se aproximar.
— É bom te ver de novo também. — Brett cutucou a perna de Sebastian com a ponta do
pé quando ele não ergueu a cabeça.
A cara de Sebastian se iluminou ao vê-la. Ele se levantou em um sobressalto.
— Achei que você fosse pegar o último trem. — Ele se curvou para ela, os olhos castanho-
escuros exultantes, e deu um beijo no rosto dela. — Eu teria ido te buscar na estação.
Brett deu de ombros. Ela pegou um táxi para o campus porque ainda estava irritada com
o fracasso de seu estágio na Vogue e queria um tempo a mais sozinha. Mas agora, com
Sebastian diante dela, sexy e com a camiseta básica e preta da American Apparel, era difícil
imaginar estar em outro lugar.
— Eu sabia que você ia tentar me levar até seu quarto para me agarrar.
Um falso olhar de mágoa passou pela cara de Sebastian.
— E tem algum problema nisso? — Ele acariciou o braço de Brett.
— Tem. — Brett se atirou no sofá, deixando que a imensa bolsa de viagem da Diesel
caísse no chão molhado. — Hoje termina o prazo para as propostas do Jan Plan, e, de repente,
estou sem projeto nenhum.
— Então se eu te ajudar a pensar no que fazer, a gente pode ir para o meu quarto? — Ele
ergueu as sobrancelhas em expectativa.
Brett revirou os olhos, mas ficou secretamente satisfeita.
— Acho que sim.
— Que bom. — Sebastian voltou a se sentar no sofá e cruzou os braços. — Porque eu
tenho uma ideia.
— Se isso envolver euzinha posando em capôs de vários carros potentes, acho que não
vai dar certo.
Sebastian fingiu pensar no assunto, depois riu.
— Conheço uma garota que está num projeto de moda, mas a parceira que tinha deu bolo.
Conhece a Christine Bosley? A Chrissy?
Brett ergueu as sobrancelhas. Chrissy era uma das meninas do teatro, mas pelo menos era
uma das mais normais. Uma garota alta e desengonçada, que sempre usava colares elaborados.
— Que tipo de projeto de moda?
— Agora você me pegou. Alguma coisa ligada a figurinos.
— Sebastian bebeu um gole do café. — Só a ouvi reclamando de todo o trabalho que teve
de fazer na sala de correspondência.
Brett respirou profundamente. Chrissy sempre pareceu bem legal, e Brett estava bastante
desesperada. Precisava ter algo para mostrar à Sra. Horniman, sua orientadora, às cinco horas.
Rapidamente, procurou seu Nokia e escreveu um e-mail curto a ChristineBosley@waverly.edu.
— Agora venha cá. — Sebastian deu um tapinha ao lado dele no sofá, e Brett deslizou
até praticamente ficar em seu colo. Deixou que a cabeça repousasse no peito dele. Tinha cheiro
de cappuccino e creme dental de canela.
Talvez o Jan Plan na Waverly não fosse ser assim tão ruim.
Naquela mesma tarde, Brett caminhava pelo campus rumo à Merritt House, um prédio
acinzentado de madeira com uma imensa varanda na frente. Costumava ser usado como
dormitório de professores, mas fora convertido em alojamento de alunos na década de 80.
Todos os quartos tinham banheiros privativos. Agora era onde a maior parte das meninas da
música e do teatro terminava. Ficava na extremidade do pátio coberto de neve, que pulsava de
atividades. Havia um concurso de esculturas na neve, e as Waverly Owls corriam por ali com
baldes de neve e água e variadas ferramentas afiadas que pareciam adequadas para jardinagem.
Brett viu o conselheiro do Comitê Disciplinar, o Sr. Wilde, ajudando um grupo de calouros a
construir o que parecia um Snoopy gigante.
Brett subiu os degraus barulhentos e seguiu para o quarto de Chrissy no terceiro andar. A
porta do quarto 3D era coberta por um pôster de Cabaret, Brett bateu, e, quase de imediato, a
porta foi aberta por uma menina alta com um cabelo platinado e brilhante. Estava de leggings
pretas e um vestidinho listrado de preto e branco caindo pelo ombro, abraçando seu corpo
magro de bailarina. Ela sorriu para Brett.
— Oi, Brett. Entra aí!
— Eu agradeço muito por ter deixado eu me juntar ao seu projeto, Chrissy. — Brett entrou
no quarto, um aposento mínimo de solteiro, muito iluminado, com a cama empurrada para a
parte mais baixa do teto inclinado de sótão. O chão estava inteiramente coberto por fotos de
revistas, gravuras de arte e objetos ao acaso, como um broche de joaninha e uma toalha de mesa
estampada. Parecia que a gaveta de sucata de alguém tinha explodido no chão. — Meu projeto
morreu de uma hora para outra — explicou ela.
— Nem me fale. Eu bem que preciso de sua ajuda. — Chrissy deu de ombros. Tinha um
sinal em formato de noz no ombro esquerdo. — Acho que fiquei ambiciosa demais. De algum
jeito me ofereci para desenhar e costurar todo o figurino do musical de primavera.
— Parece muito trabalho. Mas também é incrível — disse Brett, animando-se. Em vez de
escrever matérias sobre os mesmos velhos estilistas que estão no mundo desde sempre, ali
estava a oportunidade de realmente trabalhar em design. Quem precisava da Vogue. — Como
conseguiu isso?
— O Sr. Shepard é meu orientador... E ele me adora totalmente. — O Sr. Shepard era o
diretor do departamento de teatro, de cabelos compridos e, segundo boatos, maconheiro.
Militou contra a guerra do Vietnã e escapou do alistamento fugindo pela fronteira do Canadá e
criando uma comunidade hippie na Colúmbia Britânica. — Eu fui figurinista do 1984 no ano
passado.
— Peraí, não foi o espetáculo em que todo mundo vestiu filme plástico? — Todo o elenco
foi levado diante do Comitê Disciplinar por atentado ao pudor depois que alguns pais visitantes
reclamaram, mas eles decidiram retirar as acusações. Brett pendurou o casaco nas costas da
cadeira de Chrissy e se ajoelhou no chão para dar uma olhada mais detalhada nos recortes.
Chrissy assentiu alegremente, jogando-se despreocupadamente no chão e cruzando as
pernas no estilo Buda.
— Você nem iria acreditar na quantidade de rolos daquela coisa que tivemos de usar só
para os atores não ficarem, você sabe, pornôs.
Brett riu.
— Espero que você não esteja querendo superar essa.
— Não. Shep disse que desta vez não poderia ser impróprio para menores. — Chrissy
esfregou as mãos, animada. — Vamos fazer Les Mis.
— E mesmo? — Os olhos de Brett se iluminaram. Ela havia lido Les Misérables no ano
anterior durante as aulas de Madame Renault, e era loucamente romântico, daquele jeito francês
de arrasar corações. — Moda francesa do século XIX? Que divertido.
— Sim, totalmente. — Chrissy bateu palmas, o cabelo louro caindo na testa. Era
revigorante estar na presença de outra pessoa cuja cor de cabelo não era encontrada na natureza,
pensou Brett enquanto colocava o cabelo vermelho-vivo atrás das orelhas. Talvez ela precisasse
sair com mais frequência com as meninas do teatro. — Vai arrasar!
— E aí, pra que serve tudo isso? — perguntou Brett, pegando um livro de história da arte
coberto de Post-its laranja berrante. Edith Piaf tocava suavemente no aparelho de som. Quando
fazia alguma coisa, Chrissy realmente entrava no clima. — Inspiração?
Chrissy assentiu, pegando uma foto em preto e branco de uma rua parisiense apinhada de
carruagens puxadas por cavalos.
— Eu meio que peguei tudo o que pude encontrar na biblioteca. Arte francesa, história da
França.
Brett ergueu um exemplar de Mastering the Art of French Cooking, de Julia Child.
— Comida francesa?
— Tá legal, não sei no que eu estava pensando com esse aí. — Chrissy riu, mexendo nas
fotos do chão. — Tenho um postal da Vênus de Milo. Onde foi parar?
Brett se levantou, percebendo alguns postais presos com tachas no quadro de avisos acima
da mesa de Chrissy.
— Ela está nua, não é? Espero que você não tenha outras ideias — Brett riu. Tinha se
esquecido de como era bom trabalhar em uma coisa criativa. Era isso que ela imaginava que
seria seu estágio na Vogue, tirando a parte de sentar no chão.
— Aqui está. — Brett pegou o postal da Vênus de Milo no quadro. Estava prestes a se
virar para Chrissy quando outra coisa chamou sua atenção. O postal de uma cidadezinha
costeira da Itália, as casas brancas e brilhantes cobertas por um amontoado de telhas vermelhas.
Brett semicerrou os olhos. Parecia a mesma cidade da foto que Sebastian lhe dera de Natal —
a aldeia onde a avó dele morou na costa de Amalfi. A família de Sebastian passava três semanas
por verão ali. Será que ele havia mandado um postal a Chrissy?
Aquele gesto era... gentil. Mas também meio esquisito. Os meninos realmente mandavam
postais às amigas?
— O que acha de um visual retrô anos 60, camponês-boêmio? Sabe como é, um pouco
repaginado? — perguntou Chrissy, mascando a ponta de um lápis cor-de-rosa da Hello Kitty.
— Tipo uma mistura de Nicole Richie com... O corcunda de Notre Dame.
— Acho que pode dar certo — respondeu Brett, distraída. Tinha certeza de que em algum
momento de sua vida mandara um postal para um amigo platônico. Ela não tinha mandado um
postal para Brandon Buchanan do Partenon de Atenas num verão? Foi um jeito legal de manter
contato.
— Mas talvez eu devesse ter te falado antes, não entendo nada de costura.
— Vou te ensinar. — Chrissy riu, arrepiando o cabelo com a mão esquerda. — E mais
fácil do que você pensa.
Brett também sorriu. Tudo bem, ela gostava de Chrissy. Além disso, qualquer amiga de
Sebastian era amiga dela.
Né?

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JulianMcCafferty: Saudade.

TinsleyCarmichael: Vc é um amor.

JulianMcCafferty: Peguei O terceiro homem na biblioteca. Quer ver


hoje?

TinsleyCarmichael: Talvez... Pensei em passar na festa no porão do


Richards. Vc vai?

JulianMcCafferty: Eu meio que tenho de fazer uma pesquisa para o


roteiro.

TinsleyCarmichael: Ah. Tá legal. De repente dou uma passada depois


disso.
allie espiou pela porta aberta da biblioteca de livros raros na tarde de terça-feira.
Procurava ostensivamente um lugar tranquilo para preparar suas ideias para o projeto
de psicologia, mas, na realidade, simplesmente havia sido atraída por aquele espaço.
Era lindo — um mezanino no segundo andar, com uma balaustrada de mogno polido de frente
para as poltronas de couro gastas e para as estantes com portas de vidro logo abaixo.
Mostruários envidraçados ofereciam edições raras de manuscritos encadernados em couro, e
uma luz difusa se infiltrava pelas janelas altas e acortinadas. Quase sempre estava vazio, a não
ser pelo Sr. Gruber, o bibliotecário, que ficava na sala do segundo andar e acariciava com luvas
brancas o primeiro fólio recentemente adquirido de Shakespeare.
Mas Callie não estava exatamente interessada nos livros. Adorava a biblioteca de livros
raros porque foi o primeiro lugar em que Easy Walsh a beijou. Embora eles tivessem terminado,
ela não conseguia parar de pensar nele. E, para falar a verdade, nem queria.
Callie esfregou os braços e arriou no sofá de couro de dois lugares. O Sr. Gruber alegava
manter a temperatura em 15 graus para conservar os livros, mas ela desconfiava de que ele não
queria os alunos vadiando em seu covil particular. (Callie tinha esperanças de que ele não
fizesse nada de estranho ali.) Pelo menos viera preparada, com a calça e o casaco de capuz de
cashmere da Juicy Couture mais aconchegantes. Algumas meninas do Dumbarton tinham dado
uma festa de appletini no hall do segundo andar na noite anterior, e Callie ainda estava com
um pouco de ressaca. Era bom ficar sozinha para pensar.
— Callie. Tem de me deixar trabalhar com você.
Callie se encolheu quando ouviu uma voz masculina. Ela hoje estava um trapo. Mas
percebeu com alívio que era só Brandon Buchanan. Embora eles tivessem namorado durante
todo o primeiro ano da escola, ela não pensava nele exatamente como um cara. Ele tinha roupas
mais bonitas do que ela, a pele estava sempre perfeitamente hidratada, e ele era meio
arrumadinho demais.
Só que... Ele estava meio desmazelado hoje. Uma barba rala cobria o queixo, e seu cabelo
castanho dourado se arrepiava, meio rebelde, como se ele ainda não tivesse tomado banho.
— Do que você está falando? — perguntou Callie rispidamente, fechando o caderno de
capa de couro no qual estivera rabiscando em vez de trabalhar. — Por que iria querer trabalhar
comigo? E eu não tenho de fazer nada. — A Srta. Emory tinha carimbado sua proposta para
trabalhar sozinha, o que era perfeito para Callie.
— Eu não pretendia falar desse jeito — disse Brandon timidamente, passando a mão no
cabelo. Parecia que tinha dormido com a camisa Ben Sherman, de tão amarrotada que estava.
— Desculpe.
— O que há com você? — Callie deu as costas a ele e fingiu olhar o caderno. Pegou seu
tubo de gloss Smashbox e passou um pouco nos lábios. — Pensei que estivesse acampando
com o Heath.
— É, bem. — Brandon foi para um dos mostruários e tocou a lombada de um exemplar
antigo de A teia de Charlotte.
— Acontece que Heath ficou louco... Imagine só. E como eu dou valor a minha vida,
pensei que seria mais seguro fazer um projeto diferente. — Ele olhou por sobre o ombro. —
Pritchard disse que você estava trabalhando sozinha, então eu esperava poder me juntar a você
e te ajudar.
Callie olhou para Brandon. Algo nele estava diferente, e não era só a barba por fazer e a
camisa amarrotada. Ela não falava com ele há séculos, mas soube que ele havia passado as
férias de Natal dando uns amassos em uma das filhas gatas do professor Dunderdorf na Suíça,
transando sem parar. Ela nem acreditou nisso quando ouviu — Brandon praticamente tinha um
V escarlate, de virgem, marcado na testa. Mas agora ele parecia diferente, de algum jeito.
Talvez fosse mesmo verdade.
— Tudo bem — disse ela por fim. Meio que poderia ser divertido trabalhar com Brandon.
Ele era sempre educado e ela poderia contar com ele para fazer as coisas chatas, como digitar
anotações ou reunir a bibliografia. — Basicamente, quero explorar a ideia do que é o amor... E
tentar deduzir se o amor verdadeiro é real ou se é uma espécie de conforto...
— E deixe-me adivinhar, você vai descobrir isso entrevistando um monte de suas
amigas... Meninas que pensam que o amor verdadeiro é o que elas sentem pela Prada? —
perguntou Brandon, incrédulo, rindo um pouco ao cruzar os braços.
— Ei! — Callie lhe lançou um olhar cruel. Desde quando Brandon era tão arrogante? —
Se não gosta do meu projeto, pode voltar para o bosque com Heath. — Ela mostrou a língua
para ele.
Brandon ergueu as mãos, na defensiva.
— Tem razão. Estou totalmente a sua mercê. E, sinceramente, acho que é um tema legal.
É sério.
Callie fungou. Abriu o zíper da bolsa Prada, meio constrangida, e lhe estendeu uma folha
de papel.
— A entrevista só será uma parte do projeto, de qualquer modo. O restante é pesquisa na
área de psicologia e química do amor. Mas aqui está minha lista de perguntas, caso esteja
interessado. — Ela abriu o celular e olhou a hora. Não sabia por que, mas queria que Brandon
visse que tinha coisas melhores a fazer do que ficar falando com ele. Mesmo que não fosse
verdade.
— Você acredita em amor à primeira vista? — Brandon leu em voz alta, com um sorriso
engraçado no rosto. — Ou só quer acreditar nele? — Brandon olhou para Callie, que se sentiu
corar. Ela, de certo modo, queria ter se demorado um pouco mais vestindo roupas menos
desmazeladas. Não se importava com o que Brandon pensava, era só para parecer mais
profissional. Normalmente, ele ficava babando por ela. Em vez disso, estava olhando para ela
de um jeito meio entediado, distraído.
— Temos de fazer as perguntas aos participantes, Brandon, e não um ao outro. — Callie
revirou os olhos. Mas quando seus olhos caíram na expressão sorridente de Brandon, ela
pensou: foi ali mesmo que ele a havia flagrado dando uns amassos em Easy Walsh, no segundo
ano, na noite da festa de lançamento da revista literária Absinthe. Ela namorou Brandon durante
o ano todo, mas foi necessário apenas um olhar latente de Easy naquela noite e ela o seguiu
para aquela mesma sala. Eles se beijaram pelo que pareceram horas antes de Brandon, que
procurava pela namorada, finalmente flagrar os dois. Ele provavelmente estava revivendo tal
humilhação vezes sem conta. Não me admirava que estivesse agindo de forma estranha.
Brandon abriu a boca para responder quando um zumbido alto o interrompeu. Procurou
o telefone no bolso do casaco. Será que ele iria atender a um telefonema depois de praticamente
implorar a ela para ser aceito no projeto? Ao olhar o número, o rosto dele se iluminou
completamente.
— Ooooiiiii — disse ele num tom mais baixo, dando as costas para Callie por reflexo, a
fim de ter privacidade. — Eu estava mesmo pensando em você.
O queixo de Callie caiu. Ele estava recebendo uma ligação da namorada suíça? Que
grosseria. Rapidamente, Callie tentou parecer ocupada, remexendo os papéis e fazendo
anotações sobre as perguntas.
Brandon apoiou os cotovelos num dos mostruários de vidro que abrigava um livro de
orações medieval inestimável, ato que teria causado um ataque cardíaco no Sr. Gruber. Havia
placas mínimas com os dizeres NÃO ENCOSTAR numa letra floreada coladas por todas as
caixas.
— Nada demais. Estou trabalhando com Callie no projeto dela sobre o amor,
entrevistando pessoas e essas coisas... Callie? Sim, mas... Essa história é passado. — Houve
uma pausa, depois ele riu. — É, isso mesmo.
Callie largou o caderno no chão com um baque. Nunca se sentira mais insultada. Desde
quando Brandon pensava nela como passado? Não fazia muito tempo desde que eles haviam
namorado. E ela não era velha em nenhum aspecto.
Brandon segurava o telefone na orelha com uma das mãos enquanto passava os dedos
casualmente no globo cor de papiro no meio da sala. Tinha um sorriso irritante no belo rosto.
Quando ele girou o globo em seu eixo, os continentes e mares se embaralharam e Callie
percebeu que a camisa dele estava apertada no bíceps. Será que ele andou malhando?
Irritada, ela marchou até ele e estendeu o pulso, batendo furiosamente no lugar onde
haveria um relógio, caso estivesse usando um. Um olhar de diversão cruzou a cara de Brandon
antes de ele se virar de novo.
— Olha, Hellie, preciso ir. Estamos no meio de um lance. A gente se fala mais tarde, tá
legal? — Com relutância, ele encerrou a ligação e colocou o telefone no bolso.
— Preciso que se concentre, Brandon, se quiser trabalhar comigo nisso. — Callie ficou
admirada em ver como parecia cretina. Ela respirou profundamente.
— Sim, capitã — respondeu Brandon, fazendo-lhe uma saudação de zombaria. Ele sorriu
alegremente, mas pela primeira vez seus olhos verde-claros não tinham nada do olhar de
cachorrinho pidão que ela costumava ver ali.
E, de algum modo, aquilo o deixava ainda mais bonito.
Callie sacudiu a cabeça para clarear as ideias. Será que o ar estranho e muito oxigenado
dali a deixava assim, tonta? Porque ela não poderia estar atraída por Brandon Buchanan de
novo.
Ou poderia?
OwlNet Caixa de E-mail

De: CallieVernon@waverly.edu

Para: Lista de Mulheres da Waverly

Data: Terça-feira, 4 de janeiro, 21h15

Assunto: A Ciência do Amor

Olá, Senhoritas!

Querem ajudar participando de meu projeto do Jan Plan sobre o


AMOR? Sei que todas têm opinião sobre o assunto. Assim, por favor,
juntem-se a mim e respondam a algumas perguntas ponderadas amanhã
à tarde, das duas às quatro, no Reynolds Atrium. Teremos petiscos!

Obrigada,

Callie
insley abriu a porta embaçada do Clube Desportivo da Waverly na tarde de terça-
feira, a bolsa de lona de ioga pendurada no ombro. Mabel Moody, uma veterana
colega de turma de italiano de Tinsley, estava dando aula de ioga ashtanga como
projeto do Jan Plan. Muito melhor do que cálculo. Tinsley tinha algumas horas para mandar
um e-mail com sua proposta de Jan Plan à orientadora e pretendia pensar bem enquanto fazia
o Cachorro Olhando Para Baixo.
Tinsley mostrou a identidade no balcão da recepção. Um atleta veterano de nome Bradley
acenou para ela passar, mal erguendo os olhos da tela do iPhone. Ela caminhava pelo saguão,
indo para o vestiário feminino, quando a porta do vestiário dos meninos se abriu. Isla Dresden
saiu saltitante dali. Estava com um vestido preto e supercurto de gola rulê e meia-calça
decorada. Sua expressão era indiferente, como se sair de um vestiário masculino fosse uma
atividade normal de terça-feira.
— Oi, o que estava fazendo aí dentro? — Bradley apareceu ao lado de Tinsley com um
apito prateado pendurado no pescoço. Sua camisa polo vinho com o emblema da Waverly era
dois números menor. — Esse é o vestiário masculino.
— Desculpe. — Isla sorriu com doçura, desgrenhando o cabelo molhado. Tinsley ergueu
uma sobrancelha. Será que ela havia tomado banho ali? — Eu sou nova aqui.
— Ah, tudo bem. — Inconscientemente, Bradley massageou o bíceps imenso com a outra
mão. — Bom, se quiser um guia particular...
Isla franziu os lábios cor-de-rosa.
— Vou me lembrar disso. — Uma multidão de alunos passava pela porta da frente, e
Bradley voltou com relutância a seu posto na recepção.
Tinsley, que ficou em silêncio durante todo o diálogo, estava prestes a ir para o vestiário
das meninas quando Isla a viu. Seus olhos se iluminaram.
— Justamente a garota que eu estava procurando.
— Não no vestiário masculino, espero. — Tinsley ficou satisfeita por Isla ter procurado
por ela. Normalmente ficava meio preocupada sempre que uma garota nova e bonita aparecia
no campus, mas Isla parecia ser legal. — Não entro lá há séculos.
— Não. — Isla baixou a voz. — Eu só estava fazendo o reconhecimento para o meu
projeto do Jan Plan. Por isso estava procurando por você. Pensei que talvez quisesse trabalhar
comigo.
Tinsley olhou o relógio. Ia se atrasar para a aula de ioga, mas de repente não se importava
mais.
— Tudo bem, estou intrigada.
— Olha só isso. — Isla colocou a bolsa de couro na mesa de centro de tampo de vidro no
saguão e pegou um imenso álbum de fotos. Tinsley a seguiu, passando por cima de um
exemplar abandonado de Men’s Health. — Este é um de meus fotógrafos preferidos. Olha só
as coisas incríveis que ele faz.
Tinsley observava enquanto Isla folheava as páginas. Era um livro de recortes
sensacional, com fotos em página dupla no estilo Vogue, que mostrava pessoas em cenas loucas
e improváveis: uma modelo de biquíni num topo de montanha coberto de neve, ou com saltos
exorbitantemente altos enquanto corria por uma trilha. Era um estudo dos contrastes,
misturando moda a ambientes descolados e cenas cotidianas.
— É lindo.
— Acha mesmo? — Isla pegou o livro e o segurou na frente de Tinsley. — Imagine o
quanto essas fotos seriam ainda mais lindas se as modelos fossem você e eu. A gente devia se
fotografar, usando isso como inspiração.
Tinsley mordeu o lábio. As fotos de página inteira eram clássicas, com qualidade de
museu. Ela podia muito bem se imaginar em uma galeria de arte de paredes brancas, cercada
por reproduções gigantes daquelas fotos — exceto, é claro, sendo ela uma das modelos.
— Não sei — respondeu Tinsley, por fim. — Não sei bem se é a minha praia.
Na verdade, Tinsley sempre teve a fantasia de ser modelo. Uma vez, quando tinha 8 anos,
um olheiro de agência a viu jogar pão aos patos no lago do Central Park e colocou o cartão na
mão da mãe de Tinsley, pedindo a ela para telefonar. Mas a mãe de Tinsley se recusou,
insistindo que era mais importante que a filha dependesse de sua inteligência do que da
aparência. Até agora, as duas coisas se mostraram úteis.
— Vamos nessa — pediu Isla, fechando o álbum de fotos com um estalo. — Pense em
quantas fotos legais a gente pode fazer no campus. Talvez a gente ache alguns vestidos antigos
de casamento e desça de rapei pela lateral da capela com eles.
— Os olhos de Isla cintilaram de excitação. — Você tem de trabalhar comigo. Não posso
fazer isso sozinha.
Por um momento, Tinsley pensou em Julian. Ele lhe pedira para trabalhar com ele em seu
filme, e ela disse que iria pensar. Era um projeto bacana e tudo, mas a última coisa que Tinsley
queria era que se tornassem um desses casais que nunca têm interesses distintos, que ficam
satisfeitos em relaxar juntos usando moletons nojentos o dia inteiro. Casais de moletom. Isso
lhe dava pesadelos.
— Vamos fazer — disse ela, depois de um segundo.
Os olhos verdes de Isla se iluminaram.
— Ótimo. Trouxe minha câmera. — Ela sacudiu a bolsa da Nikon pendurada na lateral
do corpo. — Pode começar agora?
Um grupo de veteranos de roupas de ginástica suadas saiu ruidosamente da academia.
Tinsley sentiu os olhos caírem nela e em Isla. Era uma sensação boa.
— Claro — respondeu ela, jogando o cabelo para trás. — Vamos começar.
— Eu esperava mesmo que dissesse isso. — Isla mexeu na bolsa por um segundo, e o
cabelo preto e ondulado escondeu seu rosto. Pegou algo vermelho vivo e jogou para Tinsley.
— Vista isso.
— Ficou maluca? — Tinsley riu, segurando o biquíni mínimo contra o casaco. Já
conseguia ver Bradley encarando as duas de trás do balcão da recepção. — Você sempre
carrega um biquíni extra?
— Eu fui bandeirante durante três anos antes de me expulsarem. — Isla deu de ombros.
Ela pegou o álbum e foi até a porta de madeira do vestiário feminino. Abriu-a com a bunda e a
segurou para Tinsley passar. O vestiário estava cheio de vapor dos chuveiros e cheirava a loção
de pêssego e gel para cabelo. — Esteja preparada e todas essas coisas.
— Pensei que fosse lema dos escoteiros — Tinsley brincou, jogando o casaco em um dos
armários de metal.
— Tanto faz. Passei muito tempo com eles também. — Isla rapidamente puxou o vestido
pelos ombros e o largou no banco de madeira no meio do nicho.
— Graças a Deus depilei minhas pernas hoje de manhã — disse Tinsley, abrindo o zíper
do jeans cinza da Rich & Skinny.
— Tem certeza de que está preparada para isso? — perguntou Isla, agitando o próprio
biquíni amarelo no dedo. Passou os olhos criticamente por Tinsley, como se avaliasse a
capacidade da outra para o comportamento ilícito.
— Se me conhecesse, nem perguntaria isso.
Cinco minutos depois, Tinsley e Isla corriam para a tarde luminosa de janeiro. Era um dia
de sol, e o brilho da neve branca parecia quase ofuscante. Logo Tinsley sentiu arrepios
explodirem por cada parte visível de seu corpo — isto é, a maior parte dele. O sutiã do
minúsculo biquíni Shoshanna mal cobria seus seios, e a calcinha era ainda mais ínfima. Tinsley
sentia que deveria estar numa praia do Brasil em vez de numa tundra nevada do interior de
Nova York. Isla caminhou com confiança até o meio do pátio, o traje de banho amarelo
brilhando contra a neve branca ao fundo. Ainda estava com as botas de equitação, pretas de
cano alto.
Tinsley, usando as botas Ugg pesadas de cadarço, seguiu Isla até o pátio. Nunca na vida
se sentiu tão consciente do próprio corpo. Cada centímetro dele parecia eletrificado.
Congelando, porém eletrificado. Um grupo de meninas de calça de ginástica e moletom que
descia os degraus do estúdio de dança ao lado da academia começou a rir e apontar.
— Não é demais? — perguntou Isla, jogando os braços num boneco de neve no meio do
pátio, na frente da academia. Tinsley semicerrou os olhos. Podia ver o Stansfield Hall ao longe.
E se o reitor Dresden olhasse pela janela do segundo andar agora mesmo e visse a filha
brincando na neve sem roupa nenhuma?
— Frio, mas legal.
— Sopre um beijo para ele! — Tinsley dirigiu, erguendo a cara câmera SLR digital. Isla
dançou em volta do boneco de neve como uma ninfa, pagando o braço por ele. O sol de final
de tarde se punha atrás dos prédios, e sombras longas se esgueiravam pelo pátio. Mas Isla ainda
estava ao sol, e o cabelo preto e a pele macia eram impressionantes contra a neve branca que
brilhava feito diamante.
Tinsley ficou maravilhada Isla tinha um corpo perfeito — um pouco mais curvilíneo do
que o da própria Tinsley, o que fazia Isla parecer um pouco mais adulta. E pelo modo como se
mexia, ela parecia... completamente desinibida. Como se sempre caminhasse pelo novo
internato usando biquíni e brincando na neve.
Tinsley se afastou, sentindo uma multidão começar a parar e se formar em volta delas. As
conversas ficavam mais ruidosas e eram acompanhadas por uivos masculinos de excitação.
Com os casacos pesados e cachecóis quentes no pescoço, todos os outros pareciam tão
reprimidos.
— Sua vez! — Isla pegou a câmera, e Tinsley deu uma pirueta na neve. Por algum motivo,
sentia-se uma das fadas loucas de Sonho de uma noite de verão, embora fosse inverno, no meio
do dia. Rindo, ela fez uma bola de neve e fingiu uma guerra com o boneco, depois apertou o
rosto de encontro ao dele e pegou seu braço de graveto como se estivessem dançando uma
música lenta.
Ela podia estar congelando, mas pelo menos não estava entediada.

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JulianMcCafferty: Senti sua falta no jantar.

TinsleyCarmichael: Desculpa, fiquei meio ocupada trabalhando num


projeto c/ Isla. Café da manhã mañana?

JulianMcCafferty: Está trabalhando c/ Isla? Pensei que íamos


trabalhar juntos.

TinsleyCarmichael: Quê? Não, acho que não decidimos nada,


decidimos?

JulianMcCafferty: Acho que não.

TinsleyCarmichael: Meu Deus, pq já comecei. Vc vai ficar na boa


comigo, né?

JulianMcCafferty: Tá, tudo bem. Divirta-se com Isla.

TinsleyCarmichael: Pode apostar que vou. Beijos.


OwlNet Caixa de Mensagem Instantânea

AlanStGirard: Puta merda. Soube que Tinsley e a filha gostosa do


reitor tiraram fotos quase nuas no pátio?

[HeathFerro não respondeu à sua mensagem.]

OwlNet Caixa de Mensagem Instantânea

AlanStGirard: Tinsley. A filha do reitor. Biquínis. Pátio. Vc estava lá


e tirou fotos?

TeagueWilliams: Eu tava lá, mas embasbacado demais para tirar uma


foto.

AlanStGirard: Vc não presta pra nada. Kd o Ferro quando vc precisa


dele? Deve ter tirado fotos!

TeagueWilliams: Cara, o Ferro tá vivendo no bosque, comendo esquilo


e essas merdas.

AlanStGirard: KCT???

TeagueWilliams: Jan Plan, brother. Época doida.


Diário da Vida Selvagem: Heath à Prova de Tudo

Dia 2

Acordei antes do amanhecer ao som de passarinhos. Quem diria que os passarinhos


podem fazer tanto barulho?

Temperatura ao meio-dia: 5 graus negativos. Achei que estaria mais quente. Acho que
se Bear Grylls consegue sobreviver na Sibéria, HF consegue sobreviver aqui!

Comida: Passei três horas montando uma rede de trepadeiras para pegar aves. Pendurei
entre duas árvores. Passei quatro horas vendo as aves voarem por ali. Enfim peguei um coelho
numa armadilha. Peludo e bonitinho. Me senti mal por comê-lo, mas estava faminto. Procurei
frutas silvestres, mas as porras dos passarinhos comeram primeiro. Acho que vou ter de acordar
mais cedo amanhã.

Aquecimento: Começando a sentir os efeitos do frio. O desafio começou.

Estado de espírito: Bom. Cansado. Vou dormir bem. Ouço uns praticantes de esqui de
fundo rindo ao longe. Ou então são hienas. Será que tem uma festa hoje à noite? Eu podia tomar
uma cerveja depois de meu trabalho árduo, mas uma boa noite de sono vai ter de resolver.
enny caminhava pelo pátio da Waverly na manhã de quarta-feira com o ArtBin na
mão. Estava ansiosa para começar seu projeto de arte e acordou, tomou banho e se
vestiu antes das nove. O pátio estava quase deserto — os alunos da Waverly levavam
muito a sério a hora de dormir.
Kara Whalen, com leggings escuras enfiadas por dentro das Ugg, quase esbarrou em
Jenny ao passar em disparada.
— Desculpe, Jenny. Estou atrasada para a aula de imersão em francês. Vamos a Paris no
final do curso!
— Bonne chance — gritou Jenny, vendo Kara desaparecer no prédio de estudos de
idiomas. Ela sacudiu a neve das botas e colocou os pés com cuidado no piso de madeira recém-
encerado do Maxwell Hall, o centro dos estudantes. Sempre se sentia péssima pelos pobres
zeladores que trabalhavam tanto para deixar o piso brilhando só para ser coberto de novo,
minutos depois, pela lama trazida pelas dezenas de pés da Waverly.
O zumbido das máquinas de café preencheu os ouvidos de Jenny quando ela entrou na
enorme sala de estar arqueada de pedra. O Maxwell era um dos seis prédios preferidos no
campus. Havia sido uma capela, orginalmente, mas foi convertido em centro estudantil e fazia
Jenny sentir como se adentrasse um castelo antigo. Sempre tinha cheiro de café e pãezinhos de
passas e canela. Metade das mesas da cafeteria com ladrilhos art déco que se espalhavam pela
sala era ocupada por outros alunos madrugadores que aninhavam suas canecas de café. Jenny
rapidamente pagou por um cappuccino e procurou onde se sentar.
Celine Colista, cocapitã veterana do time de hóquei sobre a grama, acenou para Jenny.
Estava em uma mesa com Lon Baruzza, o garoto bolsista que trabalhava no salão de jantar e
tinha fama de galinha. Livros e caderno estavam espalhados diante deles. Celine exibia o visual
clean, rabo de cavalo e moletom, popular entre as Waverly Owls preguiçosas depois de longas
noites.
— Vocês parecem estar dando duro aí. — Jenny parou à mesa deles enquanto pegava três
pacotes de adoçante Splenda. — O Jan Plan não devia ser uma chance de recarregar a bateria?
— Eu sempre quis ler Anna Kareina — disse Celine entusiasmada, erguendo um exempla
do livro gordo que retirou da biblioteca. — Mas não sabia que Lon também queria... Até que
conversamos sobre isso na festa da Primeira Noite. Então ele foi um doce e me acompanhou
nessa. Vamos escrever um artigo sobre a heroína trágica. — Ela colocou as costas da mão na
testa, teatralmente.
Jenny olhou para Lon, que lhe abriu um sorriso tímido. Pelo modo como ele estivera
olhando a linda morena Celine, era evidente que Lon estava muito mais interessado nela do
que em Tolstói.
— Parece divertido, acho.
Jenny se sentou em uma poltrona robusta perto da lareira, que lhe dava uma boa visão da
porta e das pessoas que começavam a passar por ela, ansiosas para acordar com uma xícara de
café e um bagel. Organizou seus suprimentos rapidamente, sentindo a onda de excitação que
sempre a invadia antes de começar um novo projeto. Abriu um jogo novo de grafites Derwent,
todos bem apontados. Respirando profundamente, começou a desenhar. Primeiro trabalhou nos
objetos fixos, que ficariam completamente nítidos no desenho. Desenhou a porta decorada e
arqueada, a lixeira com a tampa de pedal, as garrafas transbordando da lata de reciclagem, as
canecas vazias se acumulando no balcão. Quando tinha o cenário, começou a desenhar as
pessoas. Ou melhor, seus corpos se movendo pelo espaço. Alguns meninos que jogavam uma
laranja de um lado a outro entraram pela porta, e Jenny se apressou a tentar capturar o arco da
fruta viajando pelo ar.
— Parece bom.
Jenny saiu do próprio corpo com o susto. Apoiado nas costas de sua poltrona estava Isaac
Dresden, vestindo uma jaqueta azul-marinho e jeans escuros. Tirou o gorro de lã vermelho, e
seus cachos curtos e pretos se eriçaram com a estática. O coração de Jenny bateu mais depressa.
— Como?
Isaac apontou o esboço com o biscoito meio comido. Estava no colo de Jenny, aberto no
desenho inacabado da laranja viajando pelo ar.
— Seu desenho. — Jenny percebeu um pedaço mínimo de cabelo louro, no meio das
ondas escuras, bem acima da orelha direita. Aquilo fez Jenny se lembrar de seu gato, Marx,
que era todo preto, exceto por um pedaço branco na barriga.
— Ah, obrigada. — Jenny corou, constrangida por estar comparando Isaac ao gato. —
Na verdade, acho que devo mesmo agradecer a você.
— A mim? E por quê? — Isaac saiu de trás da poltrona de Jenny e se sentou sobre a mesa
de centro, de frente para ela. Deslizou a mochila de lona preta para o chão.
— Consegui a chance de desenhar o dia todo graças a você. — Jenny de repente se sentiu
tímida. Fechou o bloco e bebeu um gole do café, rezando para que não entornasse em seu suéter
de gola em V azul-marinho da J. Crew. Tinha um J bordado acima do coração e era um presente
de Natal irônico do irmão, Dan. Ele lhe disse que a ajudaria a se lembrar de quem ela era no
internato afrescalhado. Agora, porém, ela estava preocupada por aquilo estar chamando uma
atenção desnecessária para seus seios grandes. — Foi muito legal de sua parte defender minha
causa na sala do seu pai.
Isaac deu de ombros. Jenny estava um tanto consciente da proximidade dos joelhos dele
em relação aos dela.
— Bom, tenho alguma experiência nessa área. Eu meio que sei o que ele precisa ouvir.
— Agradeço por isso. — A língua de Jenny estava pesada na boca, mas ela estava
decidida a não aparentar nervosismo. Afinal, Isaac era só mais um menino. Um menino lindo,
e filho do reitor, é claro, mas ainda assim era apenas um menino. — Deve ser estranho estudar
numa escola onde seu pai está, você sabe, no comando.
Isaac deu um gole na caneca de café de aço inox. Ainda não tinha tirado o casaco, o que
Jenny considerava, com decepção, um sinal de que ele não iria ficar.
— Agora já estamos acostumados com isso, eu e Isla. Ele foi diretor da St. Albans, em
Connecticut, por alguns anos. E deu aulas na Milton, quando éramos mais novos.
— Por que vocês vieram para cá? — perguntou Jenny, curiosa.
— A resposta oficial é que era um degrau a subir na carreira do meu pai. — Isaac baixou
a voz e o queixo misteriosamente.
— E a resposta não oficial?
Ele sorriu sedutoramente.
— Não sei se você já merece ouvir isso.
— E o que preciso fazer para merecer? — Os olhos de Jenny se arregalaram. Ela nem
acreditava que estava sendo tão atrevida.
— Não sei. — Isaac esfregou o queixo. — Dar uma caminhada comigo mais tarde.
Jenny corou, lisonjeada. Gostava de Isaac. E é claro que todo mundo comentava o quanto
ele era gato. Parecia incrível que, de todo mundo na Waverly, ele estivesse interessado nela.
Mas ela ainda não se sentia inteiramente à vontade com o fato de ele praticamente ter
conseguido a aprovação do projeto de Jan Plan para ela. Será que ela havia recebido tratamento
especial? E havia algum problema nisso para ela?
— É muito gentil de sua parte, Mas, hummm... acho que vou trabalhar o dia todo — Jenny
gaguejou. O lápis caiu da mão, e ela rapidamente se abaixou para pegar.
Isaac se levantou.
— Beleza. — Ele parecia meio decepcionado, mas não chateado. Pendurou a mochila nos
ombros, — Fica pra outra vez, então. — Ele deu uma pancadinha com o dedo no desenho de
Jenny. — Boa sorte.
Enquanto Isaac se afastava, Jenny não conseguiu tirar os olhos dele. Dez minutos antes,
ela estava numa daquelas bolhas criativas onde só conseguia pensar no desenho.
Mas, de repente, a ideia de trabalhar em seu projeto o dia inteiro, sozinha, não era mais
tão animadora.
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CelineColista: Acabo de ver o filho gato do reitor praticamente


babando na Jenny no Maxwell.

VerenaArneval: Como ela consegue pegar todos os bons?

CelineColista: Devem ser os peitos! =) Totalmente injusto.

VerenaArneval: Não reclame. Soube que Lon te levou um latte de soja


hoje. Deve ser amor.

CelineColista: Hummm. Lon serve para emergências. Mas eu preferia


ficar numa boa com o reitor!
allie cruzou os braços e bateu o bico pontudo da bota de cano curto Tory Burch no
piso de mármore do Reynolds Atrium. O espaço de dois andares e teto de vidro foi
projetado por um arquiteto mundialmente famoso e financiado pelo pai bilionário de
Ryan Reynolds. Normalmente, Callie evitava o átrio quando possível — o ambiente sempre a
fazia se sentir como se devesse alguma coisa a Ryan, e ele era o último cara com quem uma
garota queria ter uma dívida. Mas a área do saguão, cheia de árvores em vasos e sofás
confortáveis, era perfeita para a reunião informal de um grupo grande. Callie tinha arrumado
uma bandeja de biscoitos Oreo e Chips Ahoy! na pesada mesa de centro antiga, no meio de um
dos cantos para bate-papo. Eram quase duas da tarde de quarta-feira, e seu parceiro idiota não
estava em lugar nenhum.
O que Brandon poderia estar fazendo de tão importante? Com relutância, ela pegou um
tripé na bolsa de lona pesada de equipamentos que emprestara com o departamento de
audiovisual e se atrapalhou com as pernas do aparato. Decidira gravar as entrevistas para poder
se concentrar nas perguntas em vez de se distrair tentando anotar tudo.
— Está atrasado! — Ela vociferou para Brandon quando ele finalmente entrou voando
pelas portas giratórias de vidro, cinco minutos depois, colocando o BlackBerry no bolso. Ela
se levantou, tirando com as costas da mão uma mecha loura e errante que caíra no rosto.
— Desculpe. — Ele tirou o gorro de cashmere verde-oliva e espanou a neve dos ombros
da jaqueta de couro preta da Diesel. Despreocupadamente, atirou o gorro e a jaqueta nas costas
de uma poltrona com forro de lona amarelo-limão. — Eu estava falando com Hellie.
— Eu só queria que você tratasse isso com mais seriedade.
— Callie fez uma leve carranca enquanto afixava a câmera de vídeo emprestada no alto
do tripé, apontando para os Oreo. Tinha uma inaptidão grave para lidar com qualquer aparelho
eletrônico — era um defeito herdado da mãe tecnofóbica.
Brandon piscou. Seus olhos estavam meio vermelhos, como se ele não tivesse dormido
bem, e o queixo ainda exibia uma barba rala. Será que ele esqueceu todos os barbeadores na
Suíça?
— Tudo bem, vou tentar levar a sério. — Ele tossiu no punho, tentando encobrir o sorriso
malicioso. — Aliás, pra que a câmera?
— Achei que seria mais fácil do que tomar notas. Podemos repassar as respostas de todas
depois. — Callie o fuzilou com os olhos. Ele nem estava oferecendo ajuda. O velho Brandon
Buchanan teria se desdobrado em mil para ela não ter de levantar nem o dedo mindinho.
— Bem pensado. — O telefone de Brandon apitou, e ele o tirou do bolso para ler o
torpedo.
Callie revirou os olhos e se levantou, alisando as laterais da minissaia xadrez de seda da
Theory. Pelo menos hoje parecia mais ela mesma, com uma blusa Ralph Lauren branca que
destacava sua pele recém-bronzeada. Puxou o cabelo num coque frouxo, com alguns fios louros
caindo no rosto. Olhou o relógio na parede.
— Só espero que as pessoas venham.
Brandon apontou para a parede de janelas na frente do átrio, e Callie se virou assim que
um grupo de meninas passou pelas portas giratórias, vestindo cachecóis e botas.
— Nada mal — disse ele, impressionado. — Disse a elas que daria bolsas Prada de
brinde?
Callie abriu um sorriso falso para ele, mas ficou secretamente satisfeita.
— Pode ver se a câmera está pegando toda a área do lounge?
Na noite anterior, Callie mandou um e-mail para a antiga lista das Mulheres da Waverly
— praticamente todas as meninas da Waverly estavam nela, e Callie tinha certeza absoluta de
que iriam querer fofocar sobre suas vidas amorosas. Pelo visto, Callie tinha razão. Jenny,
Tinsley e todas as suas amigas apareceram.
— Bem-vindas, senhoritas — anunciou Callie alegremente.
— Sentem-se onde quiserem. — Ela apontou para os sofás enquanto Brandon se curvava
sobre a câmera, ajeitando a lente.
Callie foi momentaneamente distraída por aquela visão. Brandon tinha um traseiro
totalmente lindo, em especial naqueles jeans Earl desbotados.
Ele se virou e deu uma olhadinha para ela.
— Cal? Está pronta?
Callie sacudiu a cabeça.
— Você opera a câmera. Vou fazer as perguntas. — As meninas tinham se espalhado
pelos confortáveis sofás cor de coral da Pottery Barn na área de estar e a olhavam, aguardando
instruções. A maioria vestia roupas relaxadas, de quem está à toa: calças de ginástica, moletons,
botas Ugg. Durante o semestre de aulas, a maioria das meninas da Waverly não seria pega nem
morta com uma aparência tão desmazelada, mas de algum modo o Jan Plan era algo diferente.
— Obrigada, senhoritas, por comparecerem. Sirvam-se de chocolate e biscoitos ali. —
Ela respirou profundamente. — Basicamente, só vou fazer algumas perguntas. Quero ouvir a
todas, então, por favor, não se intimidem.
— Você não nos contou que haveria meninos aqui — sibilou Celine, curvando-se de um
dos sofás, vestindo a calça de ginástica cinza da Waverly e um moletom de lã. — Acabo de vir
do Pilates. Eu estou uma bosta. — Callie olhou por sobre o ombro para Brandon, que fingia
não ouvir.
— Está tudo bem, garota. — Benny Cunningham, que usava o pingente de pérola até no
treino de hóquei sobre a grama, cutucou Celine nas costelas. — O verdadeiro amor não liga
para o suor.
— Então isso quer dizer que vocês acreditam no amor verdadeiro? — Callie aproveitou
a deixa, ansiosa para colocar a reunião nos trilhos. Sentou-se em uma poltrona e cruzou as
pernas na altura dos joelhos. Imaginou-se uma apresentadora de talk show e usou sua melhor
voz de Tyra Banks.
Um coro de meninas concordou prontamente.
— Hummm, claro que sim! — Verena Arneval tirou o cabelo curto da testa. — Pode não
ser tipo A princesa prometida, mas deve estar por aí, né?
— Acreditam em amor à primeira vista? — perguntou Callie, mascando a caneta. Estava
esforçando-se muito para não pensar em Easy. Ela já o conhecia antes de eles começarem a
namorar, é claro, já que a Waverly era pequena. E ela o achava fofo, sexy e artístico, mas não
foi amor à primeira vista nem nada. Quando ele a tocou, foi mais parecido com uma reação
química instantânea. Depois disso, eles não conseguiram tirar as mãos um do outro, mas as
coisas nunca foram só físicas. Era pomo se eles tivessem uma ligação profunda e quase mística
— e, apesar das diferenças óbvias entre os dois, ambos sentiam isso.
— Sem dúvida alguma — Jenny se manifestou. Não pretendia ser a primeira pessoa a
responder, mas ficou pensando em Isaac, em como os olhos dos dois se encontraram na capela
abarrotada. Talvez não fosse necessariamente amor — pelo menos, ainda não —, mas era
alguma coisa. — Mais ninguém? — perguntou ela, recostando-se em uma almofada gorda no
canto do sofá.
— De jeito nenhum — interveio Kara Whalen. Callie a olhou com atenção. Kara tinha
um currículo amoroso interessante: depois de ter um breve lance de meninas com Brett, ela
começou a namorar Heath Ferro, o autoproclamado maior pegador da Waverly. — Ou, pelo
menos, é superestimado. Talvez haja uma ligação... Mas não é preciso conhecer a pessoa antes
de se apaixonar?
— Não sei. — Benny mordeu os lábios rosa perolados. — Acho totalmente possível
conhecer alguém há anos e um dia... você simplesmente o enxerga sob um prisma diferente. —
Ela olhou para a câmera sem muita sutileza, afofando o cabelo.
— Isso é muito chato — anunciou Celine, pegando um Oreo na travessa que Callie
colocara na mesa de centro. Ela deu uma mordidinha, depois olhou para a câmera. Como se de
repente se lembrasse de que o biscoito de chocolate podia grudar nos dentes, ela o depositou
de volta na mesa. — É claro que existe amor à primeira vista... Talvez não literalmente, sabe
como é, à primeira vista. Mas, sim... Todo mundo já não teve um momento em que levantou a
cabeça, olhou nos olhos de um cara, e simplesmente aconteceu um choque fantástico de
ligação?
— Mas isso não é só desejo? — Rifat Jones, a capitã desajeitada do time de vôlei
feminino, remexeu-se na cadeira, prendendo o cabelo molhado de suor num rabo de cavalo. A
bolsa de ginástica Adidas estava a seus pés. — Como você pode se apaixonar por alguém que
não conhece?
Verena bateu as pestanas para a câmera.
— Essa é a melhor maneira de fazer isso — disse ela, passando as unhas com esmalte
vermelho-sangue nos cachos do cabelo. As outras meninas riram e ajeitaram o cabelo, quase
coletivamente. Callie mordeu o interior da bochecha. Era estranho que todas aquelas meninas
que apareceram praticamente de pijama estivessem tão preocupadas com a aparência diante da
câmera. Elas não percebiam que Callie só iria analisar a gravação? Talvez pensassem ser parte
da apresentação, quando todos os projetos do Jan Plan seriam exibidos ao final do mês.
— Acham que só pode acontecer uma vez? Que as pessoas só têm um amor verdadeiro?
— O coração de Callie martelou quando ela fez a pergunta. Embora não quisesse admitir, isto
era o que ela mais queria saber; e de certo modo era o motivo para ter criado o projeto. Haveria
esperanças para ela depois de Easy? Ou ela atingiu o auge do amor cedo demais? Estaria
destinada a passar o restante da vida sozinha?
— Não — anunciou Sage Francis, parecendo irritadiça. Ela olhou para a câmera também,
lançando-lhe uma expressão divertida. — Mas a primeira é sempre a mais difícil de se esquecer,
né?
Callie olhou por sobre o ombro. Brandon estava recostado na mesa do canto, aparentando
tédio, a camiseta subindo pela barriga e revelando os abdominais divididos e tonificados devido
à prática de squash. Foi quando Callie se deu conta: as meninas não estavam interessadas na
câmera, estavam interessadas em Brandon. Sage, que namorou Brandon durante alguns meses
antes de largá-lo de repente, parecia particularmente interessada em chamar a atenção do
garoto. Era tão esquisito. Brandon parou de se barbear e tinha namorada, e de repente todas as
meninas estavam lançando olhares e empinando o peito para ele.
Agora que Callie entendeu o que estava acontecendo, pareceu ridiculamente óbvio. Ela
se prendeu à lista de perguntas, mas à medida que a entrevista ficava mais pessoal, as meninas
levavam mais tempo para responder, olhando para Brandon, à procura de dicas. Callie se sentiu
uma cientista que percebia que seu experimento fora contaminado. Estava claro que aquelas
meninas não estavam sendo sinceras — só estavam tentando ficar bem na frente de um garoto.
E ainda por cima o garoto era Brandon.
Depois de um coro de meninas concordar que o amor verdadeiro era algo que quase
sempre acontecia a uma menina no ensino médio, Callie respirou profundamente. A irritação
aumentou quando Benny anunciou que só conseguia se apaixonar por um músico — Brandon,
é claro, tocava violino na orquestra da Waverly. Mais irritante ainda foi quando, sem nenhum
motivo, Celine disse que sempre se sentiu atraída por meninos de olhos castanho-dourados,
uma característica, não por coincidência, que Brandon possuía.
Já bastava. Não apenas aquelas harpias mentirosas estavam estragando todo o
experimento, mas se Brandon iria se interessar por alguém naquela sala, seria evidentemente
por Callie. Ele havia sido apaixonado por ela praticamente desde sempre, e, mesmo que não
estivesse assim naquele exato momento, era só porque estava distraído por causa da
montanhiesa suíça. Ele se referia ao relacionamento com Callie como “passado”, mas não tinha
sido há tanto tempo assim, tinha?
Antes que percebesse o que estava fazendo, Callie se levantou e foi até ele. Brandon
estava de pé e de braços cruzados atrás da câmera.
Ele a olhou, surpreso, e Callie se curvou para ele.
— O que foi? — perguntou Brandon em voz baixa. Estava com um suéter de gola redonda
azul-marinho da Ralph Lauren por cima de uma camiseta branca básica, mais sexy do que
nunca. Era a história de Sebastian acontecendo toda outra vez? Será que Callie só se sentia
atraída pelo Brandon porque as outras meninas demonstravam interesse?
Só havia um jeito de descobrir.
A sala ficou perceptivelmente mais silenciosa quando as meninas se esforçaram para
ouvir a conversa entre Callie e Brandon. Propositadamente, ela colocou a mão nas costas de
Brandon e a boca perto da orelha dele. Quase desmaiou com o cheiro familiar de colônia Acqua
di Parma.
— Como está indo a câmera? — Ela falou num tom arrastado, com o cuidado de deixar
que seu sotaque da Geórgia adoçasse as palavras. Brandon sempre dizia que aquilo o deixava
de joelhos bambos.
— A câmera? — Brandon endireitou o corpo com uma expressão confusa. Deu de
ombros. — Acho que está ótima.
— Excelente. — Callie jogou o cabelo no ombro e se curvou para olhar através da câmera.
Viu os olhos das meninas focalizados nela. Os braços de Celine estavam cruzados, e a garota
tinha aquela expressão aflita e irritada que sempre aparecia quando alguém se metia entre ela
e um cara.
Callie também a olhou, com um sorriso presunçoso contorcendo os cantos da boca. De
repente, nada parecia mais importante do que mostrar àquelas meninas que Brandon era
parceiro dela. E Callie não tinha certeza, mas pensou ter visto um vislumbre familiar nos olhos
de Brandon — algo que dizia que talvez ele não estivesse inteiramente imune aos seus encantos.
Talvez o passado não fosse assim tão passado, afinal.
OwlNet Caixa de E-mail

De: BrettMesserschmidt@waverly.edu

Para: CallieVernon@waverly.edu

Data: Quarta-feira, 5 de janeiro, 15h34

Assunto: Re: A ciência do Amor

Oi, Cal

Desculpe por não ter podido ir à sua entrevista hoje — fiquei presa no
meu projeto com Chrissy. Mas ainda adoraria ajudar — me conte se
precisar entrevistar mais alguém depois.
Aliás, você vai adorar essa — quatro meninas me perguntaram se estava
rolando alguma coisa entre você e Brandon. E todas pareciam mortas
de inveja. Rá!

Bjs

OwlNet Caixa de Mensagem Instantânea

JennyHumphrey: Ainda interessado em dar aquela caminhada?


Talvez depois do jantar?

IsaacDresden: Já está remarcando?

JennyHumphrey: É uma pena trabalhar o dia todo...

IsaacDresden: Exatamente. Por que não me encontra no ginásio às


sete? Com roupas quentes, tá?

JennyHumphrey: Epa. O que você tem em mente?

IsaacDresden: Só um passeio pelo país das maravilhas de Inverno.


que acha disso? — perguntou Chrissy, enrolando um retalho de tecido
amarelo florido na cintura de uma Barbie nua. — Para Fantine?
Brett inclinou a cabeça, e seu cabelo vermelho balançou nos ombros.
— Acho melhor que a atriz que interprete Fantine não seja tímida.
As duas meninas estavam entocadas em um canto ensolarado do segundo andar do
Maxwell Hall na noite de quarta-feira, com os recortes de revista e retalhos de tecido
espalhados pela mesa de centro ligeiramente pegajosa. Naquela manhã, elas apanharam
emprestado o Volkswagen Golf instável de Chrissy e passaram horas na loja de tecidos no
centro de Rhinecliff, vasculhando cestos de retalhos em liquidação. — E esse tecido parece
pertencer a Laura Ingalls.
— Então acha que devemos colocar uma stripper em Os Pioneiros? — perguntou Chrissy
com inocência, girando a Barbie de um lado a outro.
— Acho estranho que você tenha Barbies guardadas em baixo da cama, a propósito. —
Brett se recostou na cadeira e tomou um gole do latte fumegante. Puxou a gola rulê do suéter
marrom chocolate apertado da Joie. — Não conte a Heath Ferro... Pode ser uma fantasia dele.
— Elas só ficarão nuas até eu criar as roupas — insistiu Chrissy, ajeitando os braços e
pernas da Barbie para que ela ficasse numa pose bem obscena. — E além de tudo... aposto que
Heath Ferro é o tipo de cara que tem um monte de bonecas dele mesmo metidas embaixo da
cama.
Brett quase bufou espuma pelo nariz com as gargalhadas que deu com Chrissy. Não
esperava que o projeto fosse tão divertido. No último Jan Plan, ela passou o mês inteiro
traduzindo um monte de poesia grega com Celine Colista. Brett nunca pensou em si mesma
como uma pessoa artística — certamente não era tão criativa quanto Jenny, que sempre fazia
desenhos incríveis das coisas que via, como uma lixeira virada ou o miolo de uma maçã. Mas
Chrissy, cujo gosto era uma estranha combinação de clássico e bizarro, fazia Brett se sentir
parte essencial da equipe. Ela era o lado careta que compensava as sensibilidades heterodoxas
de Chrissy.
— Sabe o que ia ficar ótimo nos soldados... Que tal aquelas jaquetas Nehru? — Brett
escapuliu para a beira do sofá e se curvou sobre a mesa de centro. Folheou um dos livros de
fotos até encontrar uma imagem dos Beatles, em seus tempos de viagem-à-índia-para-achar-o-
Buda-e-ficar-doidão, com casacos longos e coloridos e colarinho tipo padre.
— Você é brilhante! — gritou Chrissy, colocando o cabelo descolorido para trás da
orelha. — Acho demais. — Ela se recostou e olhou sonhadoramente para as vigas de madeira
escura e inclinada do teto, como se já estivesse imaginando a cena.
— O Sr. Shepard vai concordar que seja pouco convencional, não vai?
— Acha que isto é pouco convencional? — Ela bateu na testa. — Uma vez, quando Seb
e eu estávamos juntos, ele me levou a uma apresentação off-off-Broadway de Cats na qual
todos os atores estavam fantasiados de cães. — Chrissy riu, como se estivesse revivendo a
experiência. — Eles miavam e tudo... Foi bizarro.
O coração de Brett quase parou. Ela sentiu o corpo deslizar de volta ao encosto do sofá.
— Quando você e Sebastian estavam juntos? — repetiu ela.
Vendo a expressão de Brett, Chrissy largou a Barbie que segurava. Ela caiu com ruído no
piso de tábua corrida.
— Ah, tá brincando. Pensei que você soubesse. — Os olhos azul-claros se arregalaram
de preocupação. — Ele não te contou?
— Não, não contou. — De repente Brett sentiu um aperto no estômago. Por que Sebastian
não contou a ela sobre Chrissy? Afinal, ele sabia a respeito de Jeremiah. Brett contou toda a
saga de seu relacionamento; na verdade, contou a Sebastian bem antes de eles começarem a
namorar, quando ele ainda era apenas seu aluno de monitoria. Mas por que eles nunca tiveram
uma conversa sobre as ex-namoradas dele?
— Bom, talvez porque não tenha sido grande coisa. Durou só, tipo assim, alguns meses.
— Chrissy deu de ombros como quem se desculpava. Ela parecia realmente alarmada, e Brett
ficou comovida por ver que a menina se preocupava tanto com seus sentimentos.
Mas alguns meses no ensino médio equivaliam a... cinco anos no mundo real. Todo
mundo sabia disso. Brett e Jeremiah só ficaram realmente juntos por alguns meses, mesmo
assim ela havia sido completamente apaixonada por ele. E quase dormiu com ele.
— Só estou meio surpresa por ele não ter te contado — disse Chrissy delicadamente.
Brett se curvou e pegou a Barbie nua no chão, só para ter alguma coisa nas mãos. Então
o postal na parede de Chrissy não era totalmente platônico. Ela se perguntava o que Sebastian
teria escrito no verso. A garganta se apertou ao se lembrar do que ele disse quando lhe deu a
foto emoldurada da aldeia italiana. Que ele queria levá-la lá um dia. Será que dissera o mesmo
a Chrissy?
Brett contraiu os lábios e forçou um sorriso.
— É, eu também.
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BrettMesserschmidt: Posso te fazer uma pergunta? Em segredo?

BennyCunningham: Parece picante! Manda.

BrettMesserschmidt: Vc sabe quem Sebastian namorou? Antes de


mim?

BennyCunningham: Além da Chrissy?

BrettMesserschmidt: Essa eu sei. Mais alguém?

BennyCunningham: Hmmm. Eu o vi todo carinhoso com Alexis


O’Donnell na noite de karaokê.

BrettMesserschmidt: Aquela garota que anda por aí com o violão e


canta “kumbaya”? Sério?

BennyCunningham: Parecia bem sério. Vc devia perguntar a Devon


Sprague. Ela tem uma listinha negra de todas as ficadas da Waverly
para vender no eBay um dia desses quando todo mundo ficar rico e
famoso.

BrettMesserschmidt: Perfeito.
stava escuro quando Jenny pisou na calçada ainda cheia de neve que levava ao ginásio.
Ela tremia na noite fria, esfregando os braços da jaqueta vermelha da Gap. As
mãozinhas estavam cobertas pelas lindas luvas brancas Anthropologie que Brett lhe
dera de Natal, mas a lã angorá fina não fora feita para os dias de neve do interior de Nova York
e seus dedos pareciam pingentes de gelo. Pelo menos as pernas estavam aquecidas debaixo dos
jeans Citizens — ela vestiu meias-calças grossas de lã. Valia totalmente a pena, mesmo que a
deixasse um pouco mais gorda do que o normal. Uma brisa fria soprou, gelando o rosto de
Jenny, e ela se perguntou por que sentira tanta urgência em caminhar com Isaac naquela noite.
Podia esperar até o dia seguinte.
Mas então ela o viu, sentado na escada na frente do ginásio, com uma bolsa de lona cinza
pendurada no ombro do casaco azul-marinho. Um cachecol de lã grosso cor de creme estava
enrolado casualmente no pescoço. Ele estava totalmente lindo, de um jeito estudante-de-
cursinho-britânico. Endireitou o corpo quando a viu, com um sorriso eletrizante iluminando
seu rosto. O estômago de Jenny revirou.
Foi por isso que ela viera.
— Gostei do seu gorro.
Jenny tocou a cabeça automaticamente. Estava com o antigo gorro marinho e branco com
estampa de flocos de neve. O gorro costumava ter um pompom que, felizmente, desaparecera.
— Obrigada. Um presente da minha avó, de uns mil anos atrás.
Isaac se levantou e limpou as calças.
— Ainda é muito legal.
Jenny sentiu as bochechas corando, o que a ajudou a se esquentar. Mas ela nem pensava
mais no frio.
— E aí, para onde você quer ir? Eu serei sua guia turística.
— Que lugar é esse que chamam de cratera? — perguntou Isaac, enfiando as mãos
enluvadas nos bolsos. Ergueu as sobrancelhas misteriosamente. — Ouvi falar umas coisas de
sacrifícios de animais e naturalmente fiquei intrigado.
— A cratera? — repetiu Jenny. A cratera era, obviamente, um lugar famoso na Waverly
para as festas. Ficava pouco depois dos limites do campus, era uma grande cratera de granito
no bosque, que ficava parecida com uma sala de estar mais baixa quando estava cheia de alunos
da Waverly. Heath Ferro deu sua grande festa de Fim de Mundo lá alguns meses antes, quando
as árvores estavam repletas das folhas douradas de outono. Até que seria interessante ver o
lugar coberto de neve. Mas já era tarde, e não era boa ideia ser flagrado tão longe do campus,
mesmo durante o período relaxado de Jan Plan. Tecnicamente, os alunos não podiam sair do
campus à noite sem permissão especial. Jenny tinha certeza de que a vontade de dar um passeio
romântico ao luar com a nova paixão não a qualificava para conseguir uma.
— Bom, é meio proibido.
— Eu estava brincando sobre os sacrifícios de animais, por falar nisso. — Um olhar de
preocupação cruzou a cara de Iaac. — Soou estranho?
Jenny riu. Soprou nas mãos geladas, na esperança de lhes devolver um pouco da
sensibilidade.
— Não é isso. Só não quero ter problemas.
— Garanto que vai ficar tudo bem, tá? — Isaac olhou em volta. — Até parece que vamos
carregar um barril de cerveja paia lá ou coisa assim. Embora eu tenha trazido bebida. — Ele
pegou uma garrafa térmica de aço inox da bolsa. — Chocolate quente.
— Não alcoólico, espero. — Jenny riu, vendo sua respiração virar vapor no ar escuro da
noite. Isaac de algum modo conseguia deixar Jenny ao mesmo tempo nervosa e à vontade, foi
tão doce da parte dele trazer chocolate quente. Isso a fazia pensar nas carruagens que se
arrastavam pelo Central Park com casais felizes aninhados sob cobertores de lã.
Isaac estalou os dedos numa decepção fingida, mas seus dedos não fizeram muito ruído
dentro daquelas luvas grossas.
— Eu nem mesmo pensei em batizar. Parece que ainda estou aprendendo. — Eles foram
para o bosque, distanciando-se das luzes amarelas e quentes que brilhavam pelas janelas dos
alojamentos. Ao longe, Jenny ouvia a batida fraca de um violão e alguns alunos indo para a
noite de karaokê no Maxwell organizada por um grupo de veteranos. Embora as vozes risonhas
parecessem felizes, Jenny estava exatamente onde desejava.
— E aí...— perguntou Jenny, enroscando os dedos dos pés nas botas para mantê-los
aquecidos. No alto, o bosque formava um vulto, e ela pensou no poema de Robert Frost com o
verso “O bosque é lindo, escuro e fundo”. — Está gostando da Waverly até agora?
Isaac a olhou de lado.
— Tem suas vantagens. — Depois ele riu. — Eu me matriculei num curso em vez de
fazer um projeto independente. Vou começar a aprender mandarim.
— Uau. —Jenny esfregou as mãos. A Waverly oferecia cursos intensivos de idiomas
estrangeiros durante o Jan Plan, para os alunos que queriam avançar. — Isto soa tão ambicioso.
Isaac sorriu.
— Sei lá. Meio que gosto de um desafio. — Ele ergueu as sobrancelhas sugestivamente
e tirou do caminho um galho de pinheiro coberto de neve quando Jenny passou na trilha para a
cratera. — Quero dizer, academicamente falando.
— Claro. — Jenny riu e se abaixou sob o galho. — Espero me lembrar do caminho. Da
última vez que estive aqui, não estava exatamente coberto de neve. — Porém assim que disse
aquilo, a trilha estreita se abriu numa clareira. Uma depressão imensa no formato de pires
apareceu diante deles, coberta por trinta centímetros de uma neve perfeita e intocada. — Ah!
Tan-taaan!
— Perfeito. — Isaac foi para um dos troncos gigantescos na beira da cratera. Anos antes,
Waverly Owls empreendedoras tinham arrastado árvores caídas pelas bordas da depressão,
criando uma espécie de anfiteatro rebaixado. Ele passou as luvas pelo tronco, jogando a neve
no chão em uma rajada. Depois pegou uma manta grossa de lã na bolsa e a abriu sobre o tronco.
— E agora você não precisa congelar a bunda.
— Nunca tive um serviço desses na vida. — Jenny colocou o dorso da mão na testa num
desmaio fingido, sentando-se sobre a manta. Isaac abriu a garrafa térmica e serviu um copo
fumegante de chocolate quente para Jenny. — Mas acho que também jamais fiz um piquenique
de inverno.
— Não sabe o que está perdendo. — O aroma de chocolate se combinou ao cheiro
saudável de pinheiro da floresta, e Jenny se ajeitou, cobrindo o colo com a ponta da manta.
Isaac se sentou ao lado dela, e a manga do casaco grosso roçou de leve a de Jenny. Havia muitas
camadas entre eles, mas Jenny ainda sentiu uma pequena descarga elétrica.
Ela bebeu um golinho do líquido fumegante.
— Está uma delícia.
Isaac sorriu.
— É uma receita antiga... Também conhecida como Miss Suíça. — Ele revirou a bolsa e
pegou luvas escuras. — Eu tinha me esquecido... Trouxe luvas extras, caso você precisasse.
— Antes que Jenny se desse conta, Isaac pegou a mão dela e a segurou. — A sua não
parece lá muito quente.
As luvas de Jenny não estavam quentes, mas a mão ainda sentia a eletricidade do toque
dele. Com relutância, ela puxou a mão, pegando o par de luvas.
— Você é tão preparado — brincou ela, mas na verdade estava incrivelmente lisonjeada.
Como era possível que Isaac fosse tão atencioso? Afinal, ele era um adolescente.
Isaac esfregou as mãos e riu.
— Sei que vocês meninas são, sei lá, umas flores delicadas.
— Ei. — Jenny lhe deu um tapa de brincadeira com a mão agora aquecida. — Não sou
uma flor delicada. Devia ter me visto jogando hóquei sobre a grama no último outono.
— Não sabe o quanto lamento ter perdido essa. — Isaac riu. Ele pegou um galho no chão
e o raspou na neve banca e macia na beira da cratera. — Sabe de uma coisa, você não é igual
às outras meninas de escola particular.
— Como assim? — perguntou Jenny vagarosamente. Ela não se importava de alguém lhe
dizer que ela não era como as outras meninas da Waverly. Não se sentia igual a elas de fato, e
estava em paz com isso. Mas queria saber o que havia nela que tornava isso tão óbvio. Não
podia ser o fato de vestir roupas da Gap.
Isaac deu de ombros, cavando um buraco com a ponta do galho.
— Sei lá. Por causa do meu pai, estivemos em escolas como a Waverly a vida toda. E
sempre tem umas pessoas legais... Mas sempre tem um monte de... Você sabe. — Ele olhou o
céu. — Meninas que só ligam para brincos de pérola e roupas de grife.
— Também tem muitos meninos fúteis — observou Jenny. Mesmo ao dizer isso, ela
olhava os lábios lindos e fartos dele e pensava em como seria bom senti-los num beijo. A boca
de Isaac devia ser quente e ter gosto de chocolate. — Mas também tem muita gente legal.
Isaac olhou para o rosto de Jenny pensativamente. Ela nunca vira olhos da cor dos dele,
um tom de verde quase como o do aipo.
— Gosto de ver você observando as pessoas. Eu te vi fazendo isso no primeiro dia na
capela. Seus olhos meio que restavam absorvendo tudo. Pensando no que viam. — Ele tirou
uma mecha de cabelo da testa. — Na mesma hora eu meio que pensei que você podia ser artista.
Jenny sentiu a pele começar a brilhar. Os olhos dele estavam fixos nos dela de um jeito
que a fazia se sentir completamente nua. Os lábios de Jenny se entreabriram, mas ela não
conseguia pensar no que dizer.
Nessa hora, uma luz forte brilhou no rosto dela. Ben, o zelador esquisito de meia-idade,
estava a 3 metros deles segurando sua lanterna firmemente no rosto dos dois. Te peguei!, a cara
dele parecia gritar. Ele vivia para o prazer de flagrar os estudantes durante uma encrenca.
Jenny deu um gritinho e se levantou, atrapalhada, derramando o copo de chocolate quente
na neve. Ben ficou famoso por ter apanhado Heath Ferro fumando maconha no campo de
futebol no ano anterior, e Heath teve de suborná-lo com seu caro relógio Cartier para que ele
ficasse de boca fechada. Mas o zelador provavelmente não precisava do relógio Swatch cor-
de-rosa de Jenny.
Isaac se levantou calmamente.
— Ah, olá, Sr. Greenwood. — Ele se aproximou de Ben, que baixou a lanterna
relutantemente. — Noite bonita para uma caminhada, não?
Para completa surpresa de Jenny, o velho riu.
— Não acho, não. — Ele meneou a cabeça lentamente. — Um frio medonho. Mas vocês,
garotos, sabem se esquentar, não é?
Isaac riu e passou o braço despreocupadamente sobre os ombros de Jenny.
— Obrigado, Sr. Greenwood. Quer um chocolate quente?
Ben riu de novo e se virou.
— Não, obrigado. Tenho uma sopa esperando por mim no fogão em casa. Boa noite. —
Jenny encarou as costas dele enquanto o velho se afastava.
Ela precisou de um minuto para encontrar a própria voz.
— Acho que perdi três anos da minha vida. — Ela apertou as luvas contra o peito, como
se quisesse diminuir o ritmo do coração.
— Você está bem?
Jenny estava totalmente ciente de que o braço de Isaac ainda estava nos ombros dela.
— E só que... Acho que nunca vi esse homem abrir um sorriso na vida.
Isaac riu e se afastou de Jenny,
— O Sr. Greenwood? Ele é manso feito um cachorrinho.
Jenny voltou a se sentar no tronco.
— Um cachorrinho? Normalmente ele é um Rottweiler. — Seu coração ainda batia do
susto por ter sido flagrada. — Eu já me meti em problemas antes. Sinto que vai acontecer de
novo.
— Você? Em problemas? Agora essa é uma história que eu quero ouvir. — Isaac se
curvou para pegar o copo caído de Jenny. Limpou a neve com a manga e o encheu de novo. —
Quer mais? — disse ele, estendendo o copo.
Jenny sorriu e pegou o chocolate, mas não conseguiu relaxar completamente. Estava grata
porque o zelador não iria dedurá-la por ter saído do campus, mas começava a se perguntar
como toda aquela história de sair-com-o-filho-do-reitor iria dar certo.
Mas então ela viu Isaac sorrindo e concluiu que, afinal, talvez não fosse nada demais ter
tratamento especial.

OwlNet Caixa de E-mail

De: BrettMesserschmidt@waverly.edu

Para: DevonSprague@waverly.edu

Data: Quarta-feira, 5 de janeiro, 15h23

Assunto: Café?

Devon,

Espero que esteja aproveitando plenamente o Jan Plan, relaxando e


curtindo a neve.
Escuta, eu estava me perguntando se você não se importaria de fazer
um favor para uma colega do time de hóquei. Eu queria ter umas
informações sobre alguém e soube que você é a pessoa certa a consultar.
Posso lhe pagar uma xícara de café? Hoje ou amanhã? Me diga!

Brett
OwlNet Caixa de E-mail

De: DevonSprague@waverly.edu

Para: BrettMesserschmidt@waverly.edu

Data: Quarta-feira, 5 de janeiro, 15h43

Assunto: Re: Café?

Brett

Hmmmm, parece intrigante. Que tal amanhã às onze da manhã? Se é


sobre quem estou pensando, vamos ter muito o que conversar. =)

A gente se vê!

D
Diário da Vida Selvagem: Heath à Prova de Tudo

Dia 3

Acordei no meio da noite ao som do que parecia ser o gato persa e gordo de minha mãe
escavando minha mochila. Chamei seu nome, Aqui, Peeshie, aqui, Peeshie, mas percebi que
não era o gato de minha mãe, era um maldito guaxinim. Gritei, e ele fugiu com um pacote de
sorvete desidratado nos dentes. Filho da puta. Meu último prazer de fim de dia. Os guaxinins
são comestíveis? Talvez eu dê uma lição nesse gordo e o coloque no espeto.

Temperatura ao meio-dia: Seis graus negativos. KCT? Um frio fora do normal para
essa época do ano. Durma com uma dessas.

Comida: Sentado na árvore vigiando as armadilhas, mas os esquilos e as tâmias a evitam.


Eles se comunicam? Eles não sabem que só estou tentando sobreviver? Não podem ajudar um
irmão? Andei em busca de frutos silvestres, mas não existe nenhum. Até mesmo procurei
insetos para comer, mas nenhum era grande o bastante para ter valor nutricional. Acabaram-se
minhas reservas de carne-seca de emergência. Detesto ter de fazer isso tão cedo, mas estou me
sentindo meio fraco. Não sei bem se é só por causa da fome.

Aquecimento: Nesta manhã os pés ficaram dormentes por 45 minutos. Pensei que podia
ser ulceração por causa do frio, mas enfim a sensibilidade voltou. Dormi enrolado no saco de
dormir de BB. Ajudou um pouco.

Estado de espírito: Ainda espero que apareçam mais esquiadores ou andarilhos. Fica
meio tranquilo ouvir os passarinhos. Meio solitário também. Mas é com isso que se tem de
lidar quando se tem uma vida selvagem.
em pense em sair agora. — Isla se colocou contra a porta fechada de seu
quarto, no primeiro andar da casa do reitor. O quarto era muito anti-Isla — a
cama branca com dossel estava coberta por uma colcha floral desbotada
arrematada com renda, e cortinas brancas e diáfanas cobriam as janelas. As paredes eram
pintadas de um tom de rosa algodão-doce que só podia agradar a uma menina de 5 anos que
sonha ser uma princesa. — Tenho uma coisa que só é divertida quando compartilhada.
— Que intrigante — respondeu Tinsley, abrindo o celular para ver a hora. — Mas tenho
de encontrar Julian logo. — Eles iriam se encontrar em meia hora, e ela definitivamente não
queria se atrasar. Era noite de quarta-feira, e, de algum modo, ela não tinha conseguido ver
Julian nos últimos dias. Esteve tão ocupada com Isla, explorando lugares pelo campus para as
sessões de fotos. As duas tinham acabado de voltar das prateleiras lotadas do Next to New, o
brechó de roupas na cidade, e largaram as sacolas no tapete branco e felpudo de Isla.
— Sem essa. — Isla jogou o casaco na cama e abriu a primeira gaveta de sua escrivaninha
de aparência antiga. Pegou uma garrafa de vodca Ketel One debaixo de um pijama preto de
seda. — A gente trabalhou o dia todo. Você precisa relaxar um pouco primeiro.
Tinsley refletiu. Podia ter um aquecimento — e havia algo de realmente ilícito e excitante
em beber na casa do reitor. Especialmente quando ele e a mulher jogavam gamão na sala de
estar.
— Como posso recusar? E bonito quarto, aliás — acrescentou Tinsley, rindo.
O quarto era arrumado e limpo, a única decoração nas paredes cor-de-rosa era um dos
calendários da Waverly enviados aos pais e ex-alunos. Era cheio de fotos dos cenários do
campus e “flagras” de alunos parecendo bem alimentados e saudáveis na biblioteca e no pátio.
— Acho que Marymount tinha uma filha pequena com complexo de princesa. — Isla riu
ao pegar dois copinhos na gaveta. Colocou os copos e a garrafa no chão ao lado de uma cadeira
de balanço. De certo modo, já me acostumei. Faz com que eu me sinta morando numa casa de
bonecas. Além disso, é o único quarto no primeiro andar, então tenho de aproveitar. — Isla
serviu uma generosa dose de vodca em cada um dos copos e entregou um a Tinsley.
Tinsley se sentou no tapete branco e felpudo e ajeitou as camadas da saia Charlotte
Ronson preta ao redor dos joelhos.
— Que gozado, nunca tinha visto uma casa de bonecas com um copinho de bebida desses.
— Ela riu, examinando o copo. Havia nele a imagem impressa de uma dançarina de hula
estendendo um ramalhete de flores acima dos dizeres Ganhei um colar de flores em Maui.
— Eu coleciono — disse Isla com orgulho, erguendo o próprio copo, impresso com uma
escrita que parecia cirílico.
— Diz “As russas transam melhor”. — Ela deu de ombros. — Sou meio russa, então acho
que eu transo meio melhor.
— A que vamos beber? — perguntou Tinsley, batendo o copo no de Isla.
— Aos novos amigos. — Isla sorriu diabolicamente.
Tinsley virou o líquido garganta abaixo, desfrutando do ardor.
— E às encaradas dos outros.
Isla riu e foi até o armário, tirando o suéter sob uma onda de estática. Pendurou-o
arrumado em um cabide antes de vestir uma camisa branca masculina, fechando só metade dos
botões. Tinsley sempre quis ter um irmão: não só lhe garantiria meninos bonitos pela casa,
como também adoraria usar camisas de homem, e não lhe bastava comprar uma nova camisa
branca masculina da Bloomie’s. Era preciso ter uma tão usada que tivesse o tecido macio com
o cheiro inegável de um ex-dono ainda grudado nela.
Isla ligou o aparelho de som, e os acordes de The Raconteurs encheram o quarto. Ela
serviu mais uma dose.
— O único problema é que agora temos de nos superar.
Naquela tarde, elas encontraram alguns lindos vestidos de baile vintage na sala de
figurinos do departamento de teatro e caminharam com eles pelo salão de jantar lotado. Tinsley
usou um delicado corpete de cetim verde com uma saia de tule de bailarina, enquanto Isla
exibiu um vestido sem alça cor de lavanda com decote em coração e o cabelo num coque solto.
Elas se revezaram fotografando-se enquanto andavam pela fila do almoço, as bandejas de
plástico do salão de jantar contrastando com seus vestidos de babados. Todas as meninas as
olharam com inveja, enquanto os meninos tinham uma expressão sonhadora. Tinsley adorou
sentir os olhares de todos fixos nela e os sons dos sussurros quando ela passava. Pareciam os
bons e velhos tempos.
Tinsley estendeu as pernas compridas enquanto entornava outra dose. Quando deu por si,
duas horas tinham se passado. Isla estava interessada em saber tudo sobre Tinsley, e esta
adorava conversar com alguém de fora da bolha da Waverly.
— Merda — exclamou Tinsley por fim, olhando o celular. As doses de vodca tinham se
acumulado de forma imensurável, e ela ficou com Isla por muito mais tempo do que pretendia.
Era quase meia-noite. — Tenho de encontrar Julian. — Ela se levantou num salto, oscilando
de leve. Precisou firmar a mão na cômoda de Isla enquanto calçava as botas pretas.
— Uau, garota. — Isla riu, balançando os pés descalços no chão. — Tem certeza de que
consegue sair pela janela? — Ela içou o próprio corpo até a janela com um guincho ruidoso.
— Não se preocupe comigo. — Tinsley soprou um beijo enquanto passava as pernas pelo
peitoril e deixava que seu corpo caísse gentilmente no chão. A cabeça zunia agradavelmente,
e a neve cintilava ao luar. O campus estava quase silencioso, e Tinsley só conseguia pensar em
Julian. Estava atrasada, muito atrasada, e esperava que ele ainda não tivesse ido dormir.
Ela bateu à janela dele. Graças a Deus existem quartos no primeiro andar. As cortinas
estavam fechadas, mas uma luz fraca brilhava lá dentro. Ela pensou ter ouvido o murmúrio de
música. Bateu com mais força, com os nós dos dedos contra o vidro frio.
Por fim a cara de Julian apareceu. Ele ficou surpreso ao vê-la, mas rapidamente abriu a
janela e estendeu a mão. Tinsley a pegou e tentou se impulsionar para cima, mas a sola dos
sapatos escorregava na parede de tijolinhos. Por fim conseguiu trepar no peitoril, com os pés
pousando suavemente no chão do quarto de Julian.
— Devo estar sem prática. — Ela riu, limpou-se e jogou o casaco na cama vazia do colega
de quarto de Julian. — Oi, gato. — Tinsley se virou para Julian e atirou os braços no pescoço
dele.
Julian enrijeceu e lhe abriu um sorriso estranho.
— Oi.
— Desculpe pelo atraso. — Ela apertou o rosto contra o peito dele. Ele era tão quente e
delicioso. — Isla e eu nos divertimos muito trabalhando em nosso projeto. É simplesmente... o
projeto mais bacana do mundo.
— Arrã. — Julian se desvencilhou dos braços de Tinsley e se sentou na cama, bocejando.
Vestia uma camiseta branca básica e calça de pijama cinza de flanela da Abercrombie & Fitch.
— Estava dormindo? — Tinsley provocou, esgueirando-se para a cama com ele. — Que
gracinha.
— Pensei que você não viesse. — Julian a deixou beijá-lo, brevemente, antes de se apoiar
nos cotovelos. — E, cara, tire suas botas. Está trazendo neve para a minha cama.
Tinsley chutou as botas no chão e engatinhou para o lado de Julian.
— Isla tem um olho incrível. Fizemos uma série de fotos de nós mesmas em poses de alto
contraste. Até agora tudo ficou tão lindo! — Tinsley falou numa torrente embriagada.
Julian tirou uma mecha de cabelo castanho-claro do rosto. Ele tinha cheiro de sabonete,
e Tinsley queria beijá-lo inteiro.
— É. Eu soube o que vocês andaram fazendo. — Ele deu de ombros. — Todo mundo
soube.
— O que quer dizer com isso? — Tinsley se sentou reta. Não gostou nada daquele tom.
Sininhos de alarme começaram a soar em sua cabeça.
— Sei lá. Só parece... um projeto fácil. Duas meninas bonitas? Tirando fotos uma da outra
em poses com roupas mínimas? — Julian deu de ombros. — Tem certeza de que é isso mesmo
que quer fazer de seu tempo? E dirigir um filme?
— Mas não é só fazer pose — explicou Tinsley, passando o dedo no joelho de Julian.
Estava começando a ficar irritada com ele. — É arte. Isla tem um livro de arte maravilhoso,
com todas as fotos clássicas de mulheres, tipo assim, em ambientes normais, mas com roupas
que são completamente fora de contexto. Trata-se de contraste, do inesperado e... — Tinsley
calou-se. A vodca deixava seu cérebro lento, e ela estava irritada porque seu discurso
desordenado não fazia justiça ao projeto.
Julian colocou os pés no chão e se sentou.
— Desculpe, mas quando todo mundo contar os projetos de Jan Plan no fim do mês, não
acho que os caras da Waverly vão pensar em contraste e inesperado quando olharem as fotos
de vocês praticamente nuas.
—Julian! — Tinsley se levantou. — Por que está sendo tão puritano? — Os olhos dela se
estreitaram. Será que o motivo era aquele mesmo? Ou Julian só estava com... ciúme? — Ou
foi porque eu escolhi trabalhar com Isla em vez de com você? Isso é muito imaturo.
— Não, não é isso. — Julian revirou os olhos. — Olha, desculpe. Você não pode me
culpar por não gostar da ideia de toda a população masculina da Waverly ficar babando pela
minha namorada de biquíni.
Todo o sangue correu para o rosto de Tinsley. Ela nunca se sentira tão insultada na vida.
Como ele podia ser tão ignorante? Ele não tinha nenhum senso de arte? Pela segunda vez em
vinte minutos, Tinsley se equilibrou encostada numa cômoda e calçou as botas.
— Então talvez eu não deva ser sua namorada.
Ela andou até a janela antes de perceber que Julian não tinha respondido. Virou para trás
e olhou para ele. Ele ainda estava sentado onde ela o deixara, na cama, o rosto lindo iluminado
naturalmente pela luz da lua que jorrava pela janela.
Ele a olhava como se nunca a tivesse visto. Era um misto de decepção e confusão.
Bom, se ele queria ficar ali sentado em silêncio, tudo bem. Ele podia ser o chato e ficar
sentado naquele quarto pelo restante da porra do Jan Plan, se quisesse, assistindo a filmes
enfiado em seu moletom o dia todo.
Só que teria de fazer isso sem ela.

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SageFracis: Eu estava andando com Ryan e acho que vi um mendigo


no bosque.

CellineColista: Não, acho que é HEATH. Ele está fazendo um lance


de sobrevivência na mata, comendo frutinhas e montando fogueiras.

SageFracis: Putz, eu sabia que ele era sujo, mas ele estava IMUNDO.

CellineColista: Se antes ele vivia com tesão, pense no que alguns dias
sem contato com mulher vão fazer com ele.

SageFracis: Hummmmm... Se ao menos Brandon tivesse um pouco


desse caráter de animal selvagem, talvez a gente ainda estivesse junto.
Ontem ele parecia... Diferente. Bom.

CellineColista: É, eu vi também. O visual bagunçado de jet lag fez um


bem enooooorme.

SageFracis: Não rolava alguma coisa entre você e Lon?

CellineColista: Hummm, parece que alguém está com ciuminho!


randon atirou para o ar a bola de borracha preta de squash. Era o início da tarde de
quinta-feira, e ele tinha acabado de detonar Julian em uma partida muito unilateral. O
jogo de Julian foi horrível — normalmente o calouro alto e desengonçado era o maior
desafio de Brandon na equipe. Mas hoje ele estava lerdo e distraído, e mal fez Brandon
transpirar.
— Você hoje está uma droga — disse Brandon, enquanto eles saíam da quadra. Ele pegou
sua bolsa esportiva da Prince e guardou a raquete. — Minha avó de 70 anos podia ter te dado
uma surra.
— Eu sei. — Julian levantou a camiseta para enxugar o suor da testa. O cabelo cor de
palha estava puxado para trás em um rabo de cavalo frouxo, e Brandon estava morrendo de
vontade de pegar uma tesoura e cortá-lo. Só porque o garoto era de Seattle, não queria dizer
que precisava se parecer com o Kurt Cobain. — Tinsley terminou comigo ontem à noite.
Brandon deixou a bolsa cair.
— Está brincando, porra. — Ele olhou para Julian, que tinha arriado num banco. Todo
mundo havia ficado impressionado quando o calouro conseguiu pegar Tinsley Carmichael,
uma das meninas mais gatas — e mais loucas — do campus. Mas enquanto estava namorando
Julian, Tinsley realmente conseguia parecer meio, bom, legal. — Você está bem?
Julian assentiu lentamente, mas sua cara tinha uma palidez nada saudável.
— É uma merda. Eu não sei de onde veio aquilo. Tudo estava incrível nas férias, e, de
repente, a gente voltou para cá, e é como se ela não quisesse mais ficar comigo. Ela
praticamente me disse que eu era um tédio.
— Ai. — Brandon se sentou no banco. — Isso é ainda pior do que ser legal demais, coisa
que eu costumo ouvir.
— Qual é o problema? — perguntou Julian, passando a raquete de uma mão para a outra.
— Elas querem que sejamos uns babacas?
— Acho que sim. — Brandon tomou um longo gole de sua garrafa de água, deixando o
líquido frio derramar pelo queixo. — Talvez o que as meninas realmente queiram é ser
ignoradas. Isso as desafia. Talvez Tinsley sinta que não ficou excitante como antes, você sabe,
depois que a corrida terminou.
— Mas é foda. — Julian olhava tristonho para a quadra de squash vazia.
— Bom, as meninas são foda, cara. — Brandon lhe deu um tapa másculo nas costas.
Julian forçou um sorriso e bateu sua toalha em Brandon.
— Que tal outra partida? Prometo que desta vez vou acabar com você.
Brandon pegou o relógio de platina Cartier na bolsa e o olhou. Nem tinha tempo para
tomar um banho.
— Não, preciso correr. — Ele quase perdeu o horário de seu iChat diário com Hellie. Era
o fim do dia na Suíça, e eles gostavam de conversar antes de ela ir dormir. Hellie dizia que isso
a fazia sonhar com ele. — Uma outra hora. Animo, cara.
Brandon deixou a jaqueta aberta ao sair do complexo de squash, curtindo a sensação do
ar frio e limpo em seu peito suado. O sol brilhava, o céu era de um azul perfeito, e a neve
cintilava positivamente na luz. Um grupo de alunos da Waverly com esquis de fundo passou
por ele em disparada. Enquanto subia a escada do Richards para seu quarto de alojamento, ele
assoviava.
Brandon jogou a bolsa de squash no chão, o casaco na cama e imediatamente abriu o
iBook, clicando pelas janelas para começar sua conversa com Hellie. Brandon sorria ao pensar
nela.
Houve uma leve batida à porta.
— Entre — disse Brandon, abrindo o e-mail. Deletou fotos de gatinhos com fantasias de
Halloween que a avó tinha encaminhado de terceiros.
Callie respirou profundamente quando ouviu a voz de Brandon. Contraída no corredor,
ela de repente pensou duas vezes. Devia mesmo estar ali? Parecia fazer séculos desde que
estivera no quarto de Brandon. A mão enluvada procurava pelos fones de ouvido no bolso do
casaco azul-bebê da Searle, Brandon os havia deixado no átrio ontem. Embora soubesse que
não era necessário que os levasse ao quarto dele, queria um pretexto para vê-lo. A sós. Não
conseguira parar de pensar nele.
Por fim, Callie colocou a cabeça para dentro do quarto de Brandon. Seu cachecol felpudo
cor de creme ficou quente no pescoço, e ela rapidamente o desenrolou.
— Está vestido? — perguntou ela, brincando.
Foi quando o viu curvado sobre o computador, tirando o cabelo molhado de suor da testa
prefeita. A camiseta cinza grudava no peito bem definido.
Por que não se sentira atraída por Brandon desse mesmo jeito quando eles namoravam?
Teria tornado tudo tão melhor.
— Hummm, e aí? — Brandon se endireitou, lançando um olhar simpático, porém
questionador. Callie viu o calendário da Waverly acima da mesa dele, preso com tachas na
parede, os quadradinhos cheios de anotações que diziam “noite mexicana!” e “ligar para Vovó,
19h” e “café c/ J”. Normalmente, ela teria rido da imbecilidade de Brandon em anotar até as
menores coisas em seu calendário. Mas agora ela só conseguia pensar no belo corpo de Brandon
e em como seria bom beijar a barriga dele. E quem diabos era J?
Callie soprou um fio de cabelo do rosto e se aproximou.
— Você, hummmm, deixou os fones de ouvido no átrio ontem. Achei que fosse sentir
falta deles.
— Ah, obrigado. — Os olhos verdes de Brandon se iluminaram. Ele pegou os fones na
mão estendida de Callie, com os dedos roçando de leve nos dela. — Estive usando meus fones
de reserva. Mas estava me perguntando o que tinha acontecido com estes.
Callie sentiu os joelhos ficarem ligeiramente bambos e se sentou na cama de Brandon,
pensando em todas as vezes que eles se agarraram aqui. Jamais tinha se sentido desse jeito —
como se necessitasse tocar nele. De repente, Callie se sentiu inteiramente transparente. Estava
tão óbvio que não precisava ter trazido os fones de Brandon — podia ter avisado a ele por
torpedo ou entregado no almoço.
Depois de alguns segundos de silêncio, Callie percebeu que Brandon esperava que ela
dissesse alguma coisa.
— Cadê Heath? — Ela se apoiou nos cotovelos, deixando que a blusa pólo cor-de-rosa
se apertasse no peito, e cruzou as pernas. Sua saia micromini de lã preta subiu perigosamente
pelas coxas. Olhe para mim, ela tentava dizer a Brandon telepaticamente.
Brandon riu e se recostou na mesa — casualmente, assim esperava. Como se nem se
importasse que Callie, por quem morria de paixão desde o dia em que eles terminaram,
estivesse sentada ali, bem na cama dele. Esperando por ele. — Não soube? Ele está morando
na merda do bosque.
— Ah, sim. — Callie se achou burra. Ela sabia disso. — Então é como se você tivesse
um quarto de solteiro por um mês. — É, acho que sim. — Brandon esfregou o queixo. — Tem
sido bom não ter de pegar as roupas sujas dele no chão.
Callie sorriu diante do pequeno toque do velho Brandon. Como ele não se aproximava,
ela se levantou e passou os dedos pela beira da estante. Parou em um porta-retratos de prata
com uma foto de Brandon e de uma loura alta e linda numa rampa de esqui em algum lugar.
Qual era o nome dela mesmo? Alguma coisa horrorosa, tipo Heidi ou Helga. A namorada dele.
O sangue disparou por suas veias. Na foto, Brandon estava com a mão no cóccix da menina.
Sem dúvida nenhuma era um toque íntimo. Será que eles já haviam feito sexo? E era isso que
havia de tão diferente nele? Callie se aproximou mais de Brandon.
— Ter um quarto de solteiro tem outras vantagens também, sabe? — murmurou ela.
— O que você... — Brandon começou, depois soltou uma risada engraçada, como se
finalmente tivesse percebido do que Callie falava. Ele ficou com o olhar confuso. — Callie.
Você está... dando em cima de mim?
Callie ruborizou ao jogar o cabelo sobre o ombro, numa atitude de desafio.
— Não sei. — Ela odiava estar sendo tão óbvia... Mas de repente não se importava.
Parecia que precisava beijar Brandon ou iria explodir.
Ela deu outro passo na direção dele, inalando seu cheiro maravilhoso — um misto de suor
e o desodorante Acqua di Parma.
— Estive pensando em... — Ela se interrompeu, fitando Brandon com os olhos
semicerrados. — Você. Muito.
Brandon passou a mão no cabelo um tanto molhado, e Callie não conseguiu se reprimir.
Estendeu a mão e tocou o queixo dele, tremendo um pouco ao encontrar a barba rala. Antes
que Brandon pudesse dizer alguma coisa, ela se curvou para a frente e colocou a boca na pele
dele, bem no osso do maxilar. Tinha gosto de sal.
— Callie... Não posso fazer isso. Eu tenho namorada.
Mas Brandon não recuou.
Callie levantou a cabeça, deixando que os olhos encontrassem os dele.
— Eu não ligo — sussurrou. O estômago dela palpitava como louco, e ela simplesmente
não conseguiu se conter. Callie o beijou.
Por um momento, ele resistiu. Mas depois ela sentiu a boca de Brandon se abrir de
encontro à dela e as mãos dele deslizaram por seu corpo. Ela se agarrou a ele, ansiosa, e ele
caiu para trás. As mãos de Brandon estavam em toda parte, e a boca devorava seu pescoço. Era
como se ele fosse uma droga. E a melhor parte era que ela sabia que ele sentia exatamente o
mesmo.
Os dois giraram e caíram com estrondo na cama de Brandon. As mãos de Callie correram
pelas costas dele, arrancando a camiseta suada. Ela gemeu de prazer. Era maravilhoso beijá-lo
de novo.
— Brandon?
— Sim, Callie? — Brandon se apoiou num cotovelo, relutando em desgrudar os lábios
dos dela. Ele ofegava, o coração batia mais acelerado do que em uma hora inteira na quadra de
squash. Tudo aconteceu tão depressa... ele realmente estava beijando Callie de novo? Tinha
certeza de que todos esses sentimentos estavam mortos. Mas de repente tudo voltou num
instante, e era como se eles nunca tivessem se separado. Delicadamente, ele tirou a mecha rubra
do rosto de Callie e a olhou. Ela era o amor da vida dele, não havia dúvida disso. E, como que
por mágica, ela de algum modo percebera isso.
— Não. É Hellie.
Brandon se levantou como uma mola, ajeitando as roupas. Um segundo antes, toda sua
vida era um sonho e, agora, parecia um pesadelo. Ele olhou o laptop aberto. Ali, na tela, a
janela do iChat estava aberta. A cara furiosa e confusa de Hellie o encarava de seu quarto no
alojamento na Suíça. Ele nem mesmo precisou perguntar o que ela vira. Claramente ela vira
tudo.
Flagrado.
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IsaacDresden: Como está indo o projeto?

JennyHumphrey: Acabo de sair da aula de pilates — adoro o Jan Plan!

IsaacDresden: Desculpe falar nisso tão de repente, mas quer jantar na


minha casa amanhã? Um pai pediu pessoalmente que você fosse.

JennyHumphrey: Como é? Que coisa apavorante.

IsaacDresden: Não, ele só quer conversar mais com você sobre arte.
Ele não morde.

JennyHumphrey: Tá legal, desde que você esteja lá.

IsaacDresden: E onde mais eu estaria?

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AlanStGirard: Cara, kd vc? Devia nos encontrar na lanchonete às 4.

JulianMcCafferty: Foi mal, cara. Esqueci totalmente. Já chego aí.

AlanStGirard: Tá ocupado se agarrando c/ Tinsley agora? Ela tá de


modelo do vestido de baile de novo?

AlanStGirard: Ou de biquíni vermelho?

JulianMcCafferty: Cala a merda da boca, tá legal? Estou indo.


Diário da Vida Selvagem: Heath à Prova de Tudo

Dia 49 (parece)

Acordei e vi toda uma porra de gangue de guaxinins atacando a minha mochila. O


merdinha de ontem trouxe a família toda.
Tão frio que precisei de cinco minutos para me levantar e tocar todos daqui. Tem pacotes
de carne-seca com piolho de guaxinim espalhados por todo o acampamento. Preciso de um
rifle.

Temperatura ao meio-dia: Tá um frio da porra.

Comida: Acho que sinto cheiro de panquecas com pedacinhos de chocolate do salão de
jantar. Que delícia. Adoraria lambuzar com a manteiga e borrifar um pouco de açúcar de
confeiteiro. Estou quase sentindo o gosto.

Aquecimento: Nenhum.

Estado de espírito: Pensei ter visto uns esquiadores de novo. Ou então são fadas. Ninfas
da floresta? Alguém ou alguma coisa estava rindo. Sinto falta das garotas. Elas têm um cheiro
tão bom e o cabelo delas é tão macio.
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AlisonQuentin: Vai vai passar O Homem de Ferro no telão do


Berkman Hall amanhã à noite — quer ir?

JennyHumphrey: Queria poder, mas vou jantar na casa do reitor.

AlisonQuentin: Quê? Acho que namorar o filho do reitor vem a calhar!

JennyHumphrey: Não é isso... Isaac e eu somos só amigos.

AlisonQuentin: Meu bem, não estou julgando. Isaac é um gato, e eu


estou com uma inveja total. Talvez você possa convencer o reitor a
declarar Jan Plan um evento que dura o ano todo.

JennyHumphrey: Só vou tentar não pagar mico.

AlisonQuentin: Rá! Trate de se divertir esfregando os pés embaixo da


mesa!
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CallieVernon: Oi, sumida. Tá fazendo o quê? Não vejo vc há dias.

TinsleyCarmichael: Ocupada com Isla, trabalhando no nosso projeto.

CallieVernon: O q rolou c/ Julian? Eu o vi no almoço, tava um trapo.

TinsleyCarmichael: Não sei bem. Não estamos exatamente juntos.

CallieVernon: O QUÊ? Desde quando?

TinsleyCarmichael: Desde outro dia. Sei lá.

CallieVernon: Quer tomar umas margaritas comigo hoje à noite? E


conversar?

TinsleyCarmichael: Não posso. Vou jantar na casa do reitor.

CallieVernon: Com Isla, quer dizer. Divirta-se.


enny passou toda a manhã de sexta-feira no Museu de Artes de Waverly, que abrigava
uma pequena, porém respeitável coleção de fotos dos primórdios americanos.
Entocou-se na biblioteca de slides no porão, clicando um slide após outro de fotos em
preto e branco. Passou por uma série de fotos de uma corrida de cavalos, apanhados no ar.
Quando clicava por elas rapidamente, parecia que os cavalos corriam em um movimento fluido.
Não seria legal se todos os seus desenhos pudessem se fundir, capturando o movimento em
uma só obra de arte? Depois de três horas agachada na frente de um projetor de slides, Jenny
tinha meia dúzia de bons esboços e uma dor na lombar. Mas era ótimo.
Agora, acordando de um cochilo de final de tarde em seu quarto, o céu já escurecia. Jantar
na casa do reitor esta noite? Graças a Deus Tinsley também estaria lá. Agora que estava
trabalhando com Isla, as duas eram praticamente inseparáveis. Jenny ficou grata pela presença
de outra pessoa que não fosse da família. Ela se sentia lisonjeada, e um pouco tensa, por Isaac
tê-la convidado. Era só por amizade... Ou ele realmente queria a aprovação dos pais? O passeio
deles na neve outra noite havia sido romântico, mas ela meio que ficou grata pela interrupção
do zelador. Tinha certeza de que Isaac estava prestes a beijá-la — e não sabia se era o que
queria.
Bom, é claro que queria. Mas não já. Jenny tinha o histórico de se jogar em
relacionamentos amorosos na Waverly, e, até agora, todos haviam acabado mal. Jenny se
apaixonara por Easy Walsh na primeira vez que o vira atravessando o pátio com suas Levis
sujas de tinta, carregando um bloco imenso de desenho debaixo do braço. E depois foi Julian,
que a fez se esquecer de Easy, mas que também fracassou rapidamente. Ela ficou igualmente
louca por Drew, o jogador de lacrosse do último ano que por acaso só estava interessado em
uma coisa — e não era em se apaixonar. Ela não queria que Isaac se tornasse outro erro.
Além disso, ouvira cochichos sobre ela ter tratamento especial graças à amizade crescente
com Isaac. Jenny sabia que este era em grande parte o motivo para o reitor deixá-la fazer o
projeto de arte sozinha — mas queria que os favores terminassem aí.
A casa do reitor ficava no alto de uma pequena colina, perto do portão da frente do
campus. Era uma construção neoclássica branca e imponente, com venezianas pretas e uma
varanda imensa sustentada por enormes colunas dóricas. O coração de Jenny disparou. Desde
que colocara os pés no campus pela primeira vez, tinha imaginado como seria entrar na elegante
residência do reitor. E lá estava ela, apertando o polegar de sua luva amarela da Banana
Republic na campainha.
Uma mulher deslumbrante, com um vestido trespassado de seda estampada de verde e
azul, atendeu a porta.
— Você deve ser Jenny! Eu sou Karina Dresden, mãe de Isaac e Isla. — Ela era alta e
escultural, tinha cabelos castanho-avermelhados que iam até as costas. Seu rosto era
perfeitamente liso, exceto por algumas rugas finas no canto dos olhos, e Jenny se perguntou se
ela teria genes incríveis ou um acesso constante ao Botox. — Entre, por favor.
— É um prazer conhecê-la — guinchou Jenny, nervosa, seguindo a Sra. Dresden pelo
piso de mármore preto do saguão. O interior da casa era tão lindo quanto o exterior e igualmente
elegante e refinado. Duas enormes pinturas expressionistas abstratas em vermelho e laranja
estavam penduradas nas paredes cinza-claro, fazendo Jenny sentir como se estivesse entrando
em mais um museu. — Não são Rothkos, são? — perguntou ela com os olhos se arregalando.
— Ora, sim — respondeu a Sra. Dresden, olhando as telas com ternura. — São da família
há séculos. Temos outras peças no segundo andar que vou lhe mostrar mais tarde.
— Eu gostaria de vê-las —Jenny conseguiu dizer, tirando os olhos das telas luminosas
para espiar o restante do saguão. Uma ampla escadaria de madeira escura subia sinuosamente
ao segundo andar, e o teto abobadado culminava em uma clara-boia de vitral. Era iluminado
de cima pela lua, seu brilho etéreo preenchendo o espaço. — Isso é tão bonito! — exclamou
Jenny, esquecendo-se de si e olhando para cima como uma criança.
— É uma casa incrível... Ainda estamos nos acostumando a tudo isso. — A Sra. Dresden
sorriu ao pendurar o casaco de Jenny no armário do hall. Jenny sentiu um sopro do perfume
dela, baunilha e alguma espécie de flor exótica. — Que bom que pôde vir jantar conosco.
— Obrigada por me convidar. — Jenny passou as palmas frias e úmidas em sua saia J.
Crew quadriculada de preto e branco. Ela a combinou com um suéter de gola rulê preto de
cetim com manga bufante e as sapatilhas de balé vermelhas, que cintilavam sob a luz de um
lustre. Embora quisesse parecer doce e simpática aos pais de Isaac, não queria parecer chatinha
para ele. — É bom ter um jantar fora do refeitório da escola de vez em quando.
— Ah, você pode estar perdendo, porque eu soube que era noite de hambúrguer com
cebola. — Isaac apareceu, sorrindo, à porta da sala de estar, e Jenny sentiu o rosto arder só de
vê-lo. Ele estava com uma camisa polo Lacoste azul-marinho de manga comprida, calça de
veludo cotelê cinza e surrados mocassins marrons de couro surrados. Tocou-a de leve nas
costas. — Obrigado por vir.
— Junte-se aos outros meninos na sala, Jenny. Vou dar uma olhada no cozinheiro. — A
Sra. Dresden conduziu Isaac e Jenny para a sala de estar revestida de azul-escuro esverdeado,
onde uma gravação do sax de Charlie Parker tocava no aparelho de som. Tinsley, com um
vestido de seda dourada da Twelfth Street by Cynthia Vincent, acenou para Jenny, parecendo
perfeitamente à vontade na sala do reitor. Girou uma taça de vinho cheia do que parecia Coca-
Cola e recostou-se na chaise longue de veludo que se estendia diante da enorme lareira. Um
fogo intenso crepitava.
— Que lareira linda — exclamou Jenny, depois corou de pronto. Ela sabia que parecia
uma menina de 12 anos no Natal.
— Você conhece a Tinsley, é claro. E esta é minha irmã, Isla. — Isaac estendeu o braço
para a irmã, que estava sentada no banco de veludo vermelho, recostada no teclado de um lindo
piano meia cauda. Havia um vaso estreito de tulipas no centro do tampo preto e polido. —
Vocês não se conhecem ainda, não é?
Isla se levantou para apertar a mão de Jenny. Jenny a vira de longe, mas de perto ela era
uma versão mais feminina de Isaac — o mesmo cabelo ondulado quase preto, os mesmos olhos
verde-claros, as mesmas maçãs altas do rosto.
— É um prazer, Jenny. — Com calças de cetim pretas boca de sino e uma blusa Gold
Hawk de renda branca que parecia angelical, ela era mais meiga do que Jenny imaginara. Mas
também havia um brilho em seus olhos, como se ela soubesse todo tipo de segredos e não fosse
contar nada a ninguém. Não era surpresa que ela e Tinsley se dessem tão bem.
— O prazer é meu. —Jenny olhou para Isaac, querendo que ele passasse o braço em torno
dela outra vez. — Bem vindos à Waverly.
— Obrigada. — Isla riu. Brincos de pingente turquesa fendiam de suas orelhas. — Só
espero que a Waverly consiga me suportar.
— Poucos lugares conseguem. — Isaac revirou os olhos. Jenny se perguntou do que eles
falavam. Ela ainda não tinha conseguido sentir se Isaac e Isla eram próximos. — Jenny, quer
beber alguma coisa? Refrigerante ou água?
— Estou bem, obrigada.
Tinsley se levantou, vacilando um pouco em seus saltos L.A.M.B. de couro preto. Alguma
coisa em seu sorriso parecia meio forçada para Jenny. Os olhos estavam um pouco mais
maquiados do que o normal e avermelhados, como se ela tivesse chorado. Ou fumado maconha.
Ouvira que Tinsley e Julian haviam terminado, mas não acreditou. Agora, não tinha tanta
certeza assim.
— Isla tem Bacardi no quarto, se quiser — cochichou ela a Jenny.
— Obrigada, mas estou bem. — Jenny meneou a cabeça, jogando a trança pelas costas.
— Onde está seu pai? — perguntou ela, olhando para Isaac.
— Ele é o chef — respondeu Isaac, com os olhos verdes e penetrantes fixos no rosto de
Jenny. — E leva isso muito a sério, então lembre-se de elogiar a comida profusamente.
— O jantar está servido! — anunciou o reitor Dresden, aparecendo na porta com o braço
da Sra. Dresden enganchado ao dele. Ele usava avental branco e um chapéu de chef, e segurava
uma colher de pau no ar. Parecia um candidato de meia-idade do Top Chef, embora tivesse
uma supermodelo no braço. Jenny riu. Era tão esquisito ver o belo e elegante reitor na própria
casa; ele estava surpreendentemente tolo. — Espero que estejam com fome, meninos.
— Pai! — Isla exclamou enquanto eles entravam na sala de jantar. A antiga mesa de
cerejeira estava posta com seus modernos pratos quadrados amarelos por cima de jogos
americanos de bambu. — Tire o avental. Temos convidadas.
— Claro, querida. — O reitor tirou o avental salpicado e alisou a camisa azul-royal; sem
gravata, com o primeiro botão aberto. Deu um beijo na testa de Isla e sorriu para Jenny.
O chapéu de chef ainda estava na cabeça, até Isla estender a mão e tirá-lo. — Jenny. É
bom vê-la novamente. Por favor, Sentem-se todos.
— A salada parece deliciosa, reitor Dresden. — Tinsley passou a tigela de madeira com
a salada para Jenny. O reitor e a esposa estavam sentados às cabeceiras da mesa, com Isaac e
Jenny de um lado e Tinsley e Isla do outro. Jenny pegou um pouco de rúcula na tigela com os
imensos garfos de madeira. Um tomate cereja mínimo rolou de seu prato.
— Obrigado, Tinsley. E agradeço a vocês, meninas, por virem. É um prazer conviver um
pouco com as novas amigas de Isaac e Isla. — A Sra. Dresden se curvou sobre a mesa, servindo
água gelada nos copos de todos. — Acho tudo isso... Como chamam mesmo? Jan Plan?...
Maravilhoso. Não vimos isso em nenhuma outra escola.
— E é mesmo divertido — Isla falou, colocando um pepino fatiado na boca. — Tinsley
e eu temos trabalhado arduamente. — Ela piscou para Tinsley.
— Queria que nos contasse sobre seu projeto, querida — incentivou a Sra. Dresden ao se
recostar na cadeira. Ela tocou o colar de prata, aninhado confortavelmente no decote. Jenny
não pôde deixar de se perguntar o que Heath Ferro faria se estivesse ali, jantando com a linda
esposa do reitor em vez de ficar na mata. Heath sempre dizia que tinha uma queda por mulheres
mais velhas. É claro que ele tinha uma queda por mulheres mais novas também.
— Vocês verão logo. — Isla apertou os lábios misteriosamente.
— E como está indo sua obra de arte, Jenny? — perguntou Isaac, com os olhos verdes
dirigidos a ela. —Jenny está estudando o efeito do movimento — explicou Isaac ao restante da
mesa. — Não é isso?
— Sim. —Jenny sorriu para Isaac. — Andei fazendo um monte de esboços e observando
um monte de gente. — Ao beber um gole da água e encarar o reitor e sua família do outro lado
da mesa iluminada por velas, ela percebeu a sorte que tinha. Ali estava ela, sentada na sala de
jantar do reitor, curtindo sua comida caseira, conversando com ele como se fosse uma pessoa
normal. — E até agora tem sido ótimo.
— Que bom. — O reitor Dresden baixou o garfo com um olhar brincalhão. — E vocês,
meninas, têm algum conselho para mim, agora que assumi o leme? Alguma sugestão?
— Bom — disse Tinsley, com inocência, empurrando o cabelo preto e liso para trás das
orelhas. Brincos mínimos de diamantes cintilaram nelas. — Já que está perguntando, há alguma
coisa que possa fazer sobre a obrigatoriedade do latim? — Ela sorriu com doçura.
Jenny riu. Não esperava se sentir tão relaxada ali.
— E se todos pudessem fazer uma excursão da escola? Uma semana em Nova York ou
Boston.
— Parece estar bem dentro do espírito escolar, pai. — Isaac riu, passando manteiga em
um pãozinho quente. — Você sempre fala do espírito escolar.
— É bem verdade — admitiu o reitor Dresden, mastigando pensativamente. — Sabe que
eu adoro o espírito escolar.
Isla olhou a mãe, e as duas reviraram os olhos, provocando risos no restante dos
integrantes da mesa.
— Sim, porque você nunca para de falar nisso — observou ela docemente.
— Que tal deixar que os alunos do segundo ano tenham quartos individuais? — sugeriu
Jenny, entrando no espírito.
— Mas e o senhor... Como está aproveitando sua estada na Waverly? — Tinsley se curvou
para a frente, sorrindo com educação. Jenny sempre ficava meio assombrada com a
naturalidade com que Tinsley conversava com os adultos.
— Muito bem, obrigado por perguntar. — O reitor riu. — A não ser por não conhecer
ainda a maior parte do corpo docente. Darei um jantar no sábado à noite, na verdade, onde
encontrarei a maioria deles pela primeira vez.
— No Le Petit Coq? — perguntou Jenny, mencionando o restaurante francês na cidade
aonde iam todos os que exigiam um lugar mais refinado do que a pizzaria no centro de
Rhinecliff. Ela nunca havia estado lá — quando seu pai a visitou, ficou mais interessado na
pizza de abacaxi e presunto do Ritoli’s do que em escargot. Mas era o tipo de restaurante onde
as pessoas se demoravam horas numa refeição de cinco pratos e garrafas de vinho tinto caro.
— Sim — falou a Sra. Dresden, colocando a mão no peito largo. — Soube que eles têm
um maravilhoso chef parisiense que faz um pato a 1’orange de matar. É meu prato preferido.
— Minha querida, o risoto de aspargos e pinhão que fiz para vocês esta noite vai fazê-la
se esquecer de toda essa culinária francesa. — O reitor Dresden empurrou a cadeira para trás e
desapareceu na cozinha.
Enquanto a sra. Dresden conversava com Tinsley sobre as lojas no centro de Rhinecliff,
Jenny aproveitava a oportunidade para se curvar para Isaac; uma ideia se formava.
— Seus pais vão sair no sábado à noite. Não seria legal dar uma festinha aqui? —
cochichou ela. Sabia que era uma proposta arriscada, mas estava com um espírito ousado. Por
que não se divertir um pouco?
— Você tem a mente diabólica — cochichou Isaac de volta, levantando uma sobrancelha.
— Gostei.
Jenny sorriu e meteu o garfo num tomate cereja. Quando uma Waverly Owl vê uma
oportunidade, não deve aproveitá-la?

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AlisonQuentin: Quer ouvir uma coisa estranha? Eu meio que sinto


falta do pervertido do Heath!

JennyHumphrey: Eu sei! Está tudo muito quieto sem ele.

AlisonQuentin: Alan disse que viu uns rastros de coelho


ensanguentados depois dos campos de futebol. Acha mesmo que Heath
está comendo coelhinhos?

JennyHumphrey: Eca. Mas vi uma fumaça saindo do bosque hoje.


Nunca pensei que ele soubesse cozinhar!
aaau. — Sebastian soltou um uivo alto quando abriu a porta de seu quarto.
Brett estava de pé ali com sua jaqueta de couro da Fendi por cima do vestido
de seda verde e alças finas Betsey Johnson. O vestido realçava com perfeição
seus olhos verdes e a pele de porcelana. Com os sapatos de couro salto dez da Stuart Weitzman,
ela estava quase da altura de Sebastian. — Você está demais. Tem certeza de que só vamos ao
cinema?
Brett sorriu a contragosto. Torceu em torno do pulso as pontas do cachecol de seda
Hermès que a mãe lhe dera de Natal.
— Eu só queria ficar bonita.
Não era bem verdade. A revelação de que Chrissy tinha namorado Sebastian foi como um
alerta. Com Jeremiah Mortimer, o ex-namorado de Brett — e o único — foi muito mais fácil.
Ele era da St. Lucius Academy, a 25 quilômetros dali, e não importava quem ele tivesse
namorado, porque Brett não precisava encarar as ex-namoradas dele o tempo todo. E na única
vez em que esbarrou com uma das ex de Jeremiah numa festa da Waverly, terminou num
completo desastre.
A situação com Sebastian ainda não estava nesse nível de horror — mas apesar disso era
estranha. Ela nem conhecia Sebastian antes de se tornar monitora dele no outono. Ele andava
principalmente com veteranos, maconheiros e preguiçosos, e embora a turma dele de vez em
quando cruzasse com a de Brett, as duas não sabiam de todas as fofocas uma da outra. E assim
Brett não soubera quem ele namorara — ou pelo menos, não sabia, até ontem, quando seguiu
a sugestão de Benny e se encontrou com Devon Sprague. Devon, uma loura do último ano e
integrante do time de hóquei de Brett, mantinha um arquivo no laptop com a crônica dos boatos
de cada relacionamento, ficada, paquera e tudo o mais que rolava no meio da Waverly. Bastou
uma conversa discreta na CoffeeRoasters para Brett saber que só no ano anterior Sebastian
tinha conseguido “namorar” — ela usava a palavra muito livremente — as seguintes meninas,
além de Chrissy e Alexis: Leila Rodriguez, uma linda estudante de arte que foi admitida cedo
na Escola de Design de Rhode Island; Molly Theal, uma jogadora de softball loura e piranhuda,
famosa por tirar a roupa nas festas da Waverly; e a excessivamente tatuada Leigh Nissonson,
que fazia a Angelina Jolie pré-Brad Pitt parecer mentalmente sã.
— Você está bem? — perguntou Sebastian, recuando e segurando o queixo de Brett com
seus dedos fortes e quentes de encontro à pele fria dela. Os olhos escuros, quase negros,
estavam tão arregalados e carinhosos, como Brett podia duvidar dele? — Parece que você
estava voando.
Brett abriu um sorriso amarelo. Ele estava tão lindo, vestindo uma camisa branca e
simples, que contrastava com a pele morena, e as calças Levis desbotadas. Mas quantas
meninas haviam estado bem ali em seu quarto e pensaram exatamente o mesmo? Será que Leila
Rodriguez tinha esparramado o corpo seminu na cama de Sebastian enquanto ele lhe dizia o
quanto ela estava linda? Será que Molly Theal admirara a bandeira brega da Itália que cobria
metade da parede dele?
Brett alisou o vestido por cima dos joelhos e tentou não pensar no assunto. Por que se
importava com quem ele havia estado? Ele agora estava com ela.
— Estou bem.
— Só vou pegar minha chave com um cara lá de cima. — Sebastian abriu a porta.
— Um cara lá de cima? — repetiu Brett, sorrindo. — Você emprestou seu amado Mustang
a um cara cujo nome nem mesmo sabe?
Sebastian deu de ombros com uma expressão perplexa.
— Acho que é Mike. Ou Ike. Alguma coisa assim. — Ele lhe deu um beijo na testa.
— Duvido que exista um Ike que venha a esta escola — ela brincou.
Sebastian meneou a cabeça fingindo-se de ofendido enquanto passava pela porta.
— Voltarei já para cuidar de você.
Ela adorava vê-lo andar — era mais um gingado, na verdade, e algo que a irritava quando
o conheceu. Apenas mais um galinha pretensioso da Waverly, pensou ela. Mas depois que o
conheceu melhor, descobriu que ele só era alguém à vontade consigo. Ele não se importava em
ser um brega de Nova Jersey; na verdade, tinha orgulho de vir do Garden State e de o pai ser
dono de uma cadeia lucrativa de revendas de carros. Ao contrário de Brett, que passou anos
dizendo às pessoas que o pai era cirurgião, omitindo, por constrangimento, o “plástico” de sua
descrição de cargo.
Brett se levantou, estalando os saltos de seus sapatos pretos no piso de madeira. Quando
Sebastian saiu, ela teve o impulso inacreditável de fuçar as coisas dele. Não para encontrar
provas de outras meninas, é claro — mas para provar a si que não havia nenhuma. Rapidamente
abriu as gavetas da escrivaninha, procurando por lembranças de namoradas do passado. Como
o postal do quarto de Chrissy foi um presente dele, ela queria ver se ele guardava algum postal
de meninas. Mas as únicas coisas na parede de Sebastian eram a enorme bandeira da Itália e
um pôster gigante de O poderoso chefão.
Ela abriu a comprida e estreita gaveta de lápis e seu coração saltou quando viu uma pilha
de fotos. A de cima era de Sebastian em uma guerra de bolas de neve com uma menina de
casaco rosa acolchoado. Brett olhou melhor. Peraí, aquela era ela. Foi tirada nas férias, na frente
da casa dos pais de Sebastian. O pai dele deve ter tirado a foto sem Brett notar. Ela sorriu,
lembrando-se de ter atacado Sebastian por trás e o empurrado na neve. Ele mantinha aquela
foto no topo da pilha? Que amor.
Uma batida à porta fez Brett dar um pulo. Rapidamente, ela largou a foto na gaveta e a
fechou, sentindo-se culpada. Mas quando abriu a porta, lá estava Tricia Rieken, de saltos agulha
vermelhos, jeans pretos e apertados e uma camiseta preta justa da Ed Hardy que ressaltava seu
peito imenso. Brett sempre desconfiara do boato de que os seios dela eram falsos, mas diante
daqueles peitos como balões praticamente saltando na cara dela, tinha de admitir que o boato
devia ser pavorosamente verdadeiro.
— Sim? — perguntou Brett friamente, cruzando os braços. Odiava Tricia desde o
primeiro ano, quando ela conseguiu um A no curso de francês do Monsieur Lamont depois de
dar em cima do professor — um A que Brett precisou se esforçar para obter.
— Só estou procurando o Seb. — Tricia espiou por sobre o ombro de Brett, como se ela
o estivesse escondendo. Então os olhos muito maquiados apontaram para Brett como um laser.
— A gente se diverte toda sexta à noite.
Se diverte? Pela roupa de Tricia, era evidente que ela não estava atrás de jogos de
tabuleiro.
— Acho que vai ter de encontrar outra companhia para isso — respondeu Brett
incisivamente, batendo a porta na cara de Tricia.
Ela se sentou na cadeira de Sebastian. Mas que diabos? Tudo bem, então não só Sebastian
havia namorado metade das mulheres da Waverly, como também fazia sexo casual nas noites
de sexta com uma das garotas mais piranhudas. Como é que um cara podia ao menos gostar de
alguém como Tricia Rieken? Ela era toda peitos e nenhuma personalidade.
A porta se abriu novamente, e Sebastian entrou. Seu cabelo caía nos olhos de maneira
sexy, mas Brett estava irritada demais para achar bonitinho.
— Você se desencontrou da Tricia — anunciou Brett. — Se eu soubesse que você tinha
um encontro regular nas noites de sexta, a gente podia assistir ao filme outro dia.
— Ah, merda. — Sebastian esfregou a testa com um olhar mortificado. — Esqueci da
Tricia.
— Você se esqueceu dela? Da piranha com quem se agarra toda semana? — Brett se
colocou de pé, irritada demais para ficar sentada. Quando a mãe dela ficava com raiva, sempre
caminhava de um lado a outro do ambiente, agitando os braços. Brett teve de contrair os braços
junto às laterais do corpo para não fazer o mesmo. Talvez fosse genético. — E Leila? E Alena?
E Chrissy? Esqueceu-se delas também?
— Brett, do que está falando? — O brilho familiar de diversão apareceu nos olhos de
Sebastian. — Não pode ter ciúme de meninas com quem estive antes de você.
— Talvez não tivesse, se elas fossem tipo duas ou três. — Brett torceu o cachecol no
dedo, prendendo o tecido delicado acidentalmente no anel volumoso de coral rosa. — Mas eu
não consigo nem mesmo contar todas elas!
— Calma, tá legal?
A voz de Brett se abrandou quando ela olhou pela janela.
— E eu sou só a próxima?
— Não! — A expressão de Sebastian ficou sombria. Ela o sentiu se aproximar por trás e
quase pulou quando as mãos fortes a agarraram pela cintura. Ele arfou nos cabelos dela. —
Olha, todas essas meninas são passado. Eu não faço mais isso.
Brett se virou de frente para ele.
— E então... O que eu sou?
— Você é meu futuro. — Ele deu um sorriso de canto de boca, hesitante, como se temesse
soar piegas. Mas o coração de Brett derreteu. Tudo bem, então parecia uma fala estudada, mas
também era ridiculamente doce. E ela sabia que ele estava sendo sincero. Ninguém jamais
havia dito que ela era o futuro.
— Então acho que está tudo bem — respondeu Brett, caindo nos braços dele. Ela tirou a
mecha de cabelo da testa dele ternamente, cravando os lábios no mesmo lugar. As mãos de
Sebastian deslizaram pelo corpo dela, e uma sensação de calor a tomou.
Como pôde se importar com a idiota da Tricia Rieken quando tinha isto?
— É melhor irmos se quisermos ver o filme — murmurou Sebastian ao ouvido de Brett.
Ele a beijou no rosto, a centímetros da boca.
Brett fechou os olhos.
— Vamos pegar a última sessão.

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BennyCunningham: Está trabalhando c/ Julian num filme para o Jan


Plan, né?

AlanStGirard: Deixe-me adivinhar, quer saber se temos um papel pra


vc. Tem sorte — temos um pequeno papel de topless que acho perfeito.

BennyCunningham: Não, obrigada. Só queria saber se é verdade sobre


e Tinsley.

AlanStGirard: Que eles terminaram? Acho que é. Mas nem pense


nisso — ele não faz o seu tipo.

BennyCunningham: Os calouros não servem para mim. Filhos de


reitor são mais o meu tipo.

AlanStGirard: Que pena que Isaac tá com Jenny.

BennyCunningham: É só um boato sujo!

AlanStGirard: Sei não. Soube que ela jantou na casa dele ontem.

BennyCunningham: Isso pode significar qualquer coisa!


stá pronta? — perguntou Isla, cutucando a cintura de Tinsley com o cotovelo.
Era manhã de sábado, e Tinsley estava com um vestido micromini de festa da
Alice + Olivia, cor-de-rosa e sem alças. As unhas dos pés, pintadas de cereja,
apareciam sensualmente em um par de Jimmy Choos dourados de salto altíssimo. Não devia
ser a roupa mais adequada para a ginástica, mas era a certa para o projeto de fotografia daS
duas.
— Claro. — Tinsley sorriu, abrindo as portas duplas da sala principal do Clube
Desportivo da Waverly. O final das manhãs de sábado era o horário mais movimentado, no
qual todos estavam ansiosos para queimar as farras de pizza e cerveja da noite de sexta-feira.
Ela e Isla decidiram encenar sua última sessão de fotos ali precisamente por este motivo. Isla
pegou emprestado com Tinsley o minivestido Alexander Wang vermelho e colante e um par
de sandálias pretas com tiras até as panturrilhas. — A pergunta é, eles estão prontos para nós?
Isla riu. Uma música horrível da Britney Spears pulsava no sistema de som. As pessoas
realmente achavam que música ruim as fazia malhar mais?
— É isso que gosto em você, Tinsley Carmichael. Está sempre pronta para alguma coisa
nova.
Tinsley suspirou. Nova, é verdade. Ela ainda não acreditava que tinha terminado com
Julian. Quando foi ao quarto dele na noite anterior, estava mais do que apenas um pouquinho
bêbada e não pretendia fazer nada tão drástico. Tinha certeza de que ele ligaria ou mandaria
um e-mail no dia seguinte, mas não tivera nenhuma notícia desde então. Bom, ele que se
fodesse.
Ele simplesmente não a entendeu. Tinsley estremeceu, embora a academia estivesse
quente além da conta.
Ela pensou que as pessoas levariam um instante para levantar a cabeça de seus aparelhos
de ginástica e perceber a presença dela e de Isla, mas em dez segundos Tinsley sentiu os olhos
de todos os presentes. Soltou o cabelo por sobre o ombro nu, deixando que caísse em ondas
brilhantes e fizesse cócegas na pele.
— Vamos primeiro nos pesos. Lá. — Isla apontou um dedo com unha vermelha para os
aparelhos de musculação, cheios de meninos altos e suados da Waverly vestindo calções
compridos de basquete e camisetas desbotadas grudadas no peito.
— Importa-se se eu usar este banco? — perguntou Tinsley educadamente, enquanto
Parker Dubois, o veterano calado da Bélgica, da França ou de algum lugar da Europa Ocidental,
largava os halteres no imenso suporte fazendo um estrondo.
Parker quase pulou de susto. O belo rosto corou ao ver as duas meninas bonitas com
vestidos mínimos e saltos imensos. Ele deu um sorriso engraçado. Parker era tão tímido com
as meninas que sempre rolavam boatos sobre ele ser gay. Mas Tinsley sabia, pelo modo como
ele olhava-lhe as pernas expostas, que ele estava longe de se interessar por homens.
— Er, fiquem à vontade — disse ele, com um leve sotaque. Ele tirou o cabelo louro da
testa e se retirou para uma estação de musculação no canto, coincidentemente, para uma com
vista desimpedida das meninas.
— Precisam de ajuda, meninas? — Lon Baruzza, com uma camiseta sem mangas que
revelava bíceps sarados, apareceu ao lado de Tinsley e Isla, sorrindo com ansiedade.
— Posso segurar a câmera se quiserem fazer umas fotos juntas. — Chris Avery, o astro
de 1,90 metro do time de basquete, ofereceu-se.
Isla lançou um olhar frio para ele.
— Obrigada, mas podemos cuidar disso, meninos.
Tinsley riu e ergueu a câmera, clicando algumas fotos. Adorava a atitude de Isla — era
como se ela não desse a mínima para ninguém, e isso só fazia com que todos desejassem estar
ainda mais com ela. Embora Isla fosse apenas um ano mais velha do que Tinsley, parecia ter
muito mais idade. Tinsley havia feito algumas perguntas a Isla a respeito de seu passado, mas
Isla sempre se esquivava. E como Tinsley não era de xeretar, deixou passar. Definitivamente
compreendia muito bem que o ambiente de mistério só aumentava o fascínio de uma pessoa.
— Sua vez. — Isla pegou a câmera e focalizou em Tinsley, que pegou os halteres. Estava
em ótima forma devido aos treinos exigentes de tênis que sua técnica projetara para toda a
equipe. Mesmo fora de temporada, a Srta. Nemerov, que havia jogado tênis defendendo a
Rússia nas Olimpíadas de Barcelona, atribuía um regime de treino especializado a cada menina.
Tinsley não tinha dificuldades para cumprir o dela.
Ela ergueu os pesos de 2,5 quilos, empurrando-os para cima em um shoulder press
habilidoso. De repente, com os braços flexionados e tonificados erguidos, Tinsley sentiu-se
uma deusa. Podia sentir Lon e os outros garotos olhando seu corpo e, de soslaio, viu Sage
Francis e Rifat Jones bufando de raiva no StairMasters, ambas usando camisetas velhas e
suadas; e shorts frouxos da Waverly. Os olhos delas com certeza pingavam inveja. Tinsley
sentiu os próprios lábios se contorcendo em um sorriso enquanto ouvia algumas câmeras de
celulares clicarem para ela. Continuem, pensou ela. Contem aos amigos.
Tinsley Carmichael estava de volta.
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SageFrancis: Acabo de achar um convite na minha porta pra uma festa


na casa do reitor esta noite — vc recebeu tb?

RyanReynolds: Sim. Uma graça. Quem vc acha que está por trás disso?

SageFrancis: Isla e Tinsley, aposto.

RyanReynolds: Sei não. Vi Jenny e o cara cheios de intimidade no café


nessa manhã.

SageFrancis: Eles estavam juntos de novo? Droga, ela não deixa


brechas pra ninguém chegar nele!
a tarde de sábado, Brandon deixou de ir almoçar e foi a pé até a cidade para comprar
flores para Callie. Era um dia brando e ensolarado de inverno, e as ruas de Rhinecliff
estavam movimentadas — famílias empurrando carrinhos de bebê, jovens casais de
mãos dadas, um velho beijando uma mulher num banco de parque. Brandon sentia-se nas
nuvens desde que ele e Callie se beijaram. De repente tudo parecia fazer sentido outra vez.
Bom, nem tudo. Ele esfregou o rosto ao pensar em Hellie. Depois de ligar para ela de
hora em hora outro dia, ela finalmente atendeu. Ele pediu desculpas profusamente, mas ela não
quis ouvir. Ninguém merecia ver o namorado traí-la, em outra cidade, por iChat.
Mas ele nunca se arrependeria em relação ao que aconteceu com Callie, por nada deste
mundo. Ele sempre soubera que os dois estavam destinados a ficar juntos. Só queria que Hellie
não tivesse visto. Mas ele e Callie estavam apaixonados de novo, e Hellie ficaria melhor sem
ele.
Levando um lindo buquê de orquídeas, ele abriu a porta da biblioteca de livros raros. Eles
haviam marcado para gravar a última entrevista com Brett, que não tinha conseguido
comparecer ao átrio outro dia.
Brandon viu Callie curvada sobre a câmera de vídeo. Ela espirrou, e Brandon sorriu.
Tinha se esquecido de como seus espirros eram bonitinhos — ele imaginava que um coelho
espirrando soaria daquele mesmo jeito.
Incapaz de resistir, Brandon se aproximou por trás dela e plantou um beijo em sua nuca.
O rabo de cavalo louro-avermelhado fez cócegas em seu rosto. Ele sentiu o tremor de prazer
no corpo de Callie antes de ela se virar.
O sorriso desapareceu dela quando viu as flores que Bran-don segurava.
— Oh... — Ela não conseguiu falar. Com blusão Emilio Pucci xadrez e sapatilhas amarelo
mostarda, ela não parecia exatamente o tipo de mulher que dava amassos frenéticos na cama
do ex-namorado, na frente da atual namorada dele.
— São para você — disse Brandon, nervoso de repente. Será que o dia anterior tinha sido
uma espécie de alucinação? Será que Callie não tinha de fato mordiscado o pescoço dele e
cravado as unhas em suas costas? Não, ele vira os arranhões no espelho naquela manhã. Pelo
menos não estava louco. Mas por que ela não quereria as flores? As meninas não queriam flores
sempre? — Só queria, sabe como é. Te dar uma coisa legal.
Callie encarou o buquê de flores brancas e cor de lavanda e respirou profundamente. Elas
eram lindas e aquele gesto era doce. Mas... Ela já conhecia o Brandon gentil. Não era este
Brandon que queria rasgar as roupas dela. Este era o Brandon indiferente, que tinha namorada
e não ligava realmente para Callie. Os amassos frenéticos de ontem tinham sido completamente
quentes, e ela já se perguntava quando eles teriam a chance de repetir.
Mas Brandon não achava que agora eles namoravam, achava? Eles já haviam tentado uma
vez, e não deu certo. E agora, depois de uma ficada, ele já lhe trazia flores?
Antes que ela pudesse perguntar, Brett passou pela porta, usando um suéter C&C
Califórnia amarelo e largo, e jeans cinza apertados com as barras enfiadas em botas de camurça
forradas de lã. O cabelo vermelho vivo estava torcido e preso por meia dúzia de fivelas de
borboleta.
— Estou atrasada?
— De forma alguma. — Callie correu até Brett, grata pela interrupção da amiga. —
Obrigada por fazer isso.
Brett sorriu e fez um gesto de desprezo, depois franziu a testa de leve para a câmera.
— Não sabia que ia gravar em vídeo. — Ela tocou o cabelo.
— Não se preocupe, você está ótima. E eu... — Ela olhou para Brandon. — Er, nós
estamos usando o vídeo para facilitar as entrevistas. Ninguém vai ver. Venha para cá. Sente-se
de frente para a câmera, está bem? — Callie conduziu Brett para uma poltrona de couro.
Brandon virou a câmera para ela, e Callie afundou numa poltrona ao lado, cruzando as pernas.
Sentia os olhos de Brandon em seu blusão curto, e sua irritação com ele se suavizou. Não era
tão ruim que ele quisesse lhe trazer flores afinal, era um gesto doce. Desde que ele não esperasse
demais.
Callie mexeu nos cartões com anotações.
— Só vou lhe fazer um monte de perguntas, e procure ser o mais sincera possível. —
Brett assentiu, recostando-se na poltrona e olhando o teto arqueado. — Já esteve apaixonada?
Brett assentiu lentamente.
— Sim.
— Mais de uma vez?
Brett assentiu novamente.
— Duas vezes.
Os lábios de Callie se contorceram de surpresa. Duas vezes? Brett estava apaixonada por
Sebastian... Já? Ela havia sido loucamente apaixonada por Jeremiah Mortimer, o namorado
astro do futebol de cabelo comprido, durante um tempo que pareceu uma eternidade. Como
conseguia seguir em frente com tanta rapidez? Callie se curvou para a frente. Queria muito
saber.
— Como soube que estava apaixonada?
— Não sei. — Brett se remexeu. Tamborilou as unhas cor-de-rosa com glitter no braço
acolchoado da poltrona. — Foi diferente de cada vez.
— Acredita no amor verdadeiro?
— Não acho realmente que saiba o que isso significa. Quero dizer, eu estava apaixonada
por Jeremiah e tinha certeza de que ele era meu verdadeiro amor. Sabe, aquele pelo qual estive
esperando e essas coisas. — Ela deu de ombros e sorriu para Callie. — Mas foram tantos altos
e baixos. Tipo assim, a gente estava sempre brigando... Sempre se desentendendo. Era como
se nós... Sei lá. Falássemos línguas diferentes ou coisa assim.
De imediato Callie pensou em sua relação tumultuada com Easy. Eles terminaram umas
oitocentas vezes. Houve muitos altos, é claro. Mas eles pareciam sempre seguidos por baixos
ainda maiores. E embora a parte de fazer as pazes fosse muito, mas muito divertida, a parte da
briga era um saco. Em setembro mesmo, Easy terminou com ela para namorar Jenny, a colega
de quarto dela. Falando em “baixo”... Aquilo fez Callie querer furar o olho de alguém com um
lápis afiado.
— E agora, com Sebastian... — Brett mordeu o lábio para não sorrir. O rosto ficou
levemente corado. — Não é o que eu esperava, mas é incrível. — Ela tocou o próprio rosto
distraidamente, e algo no gesto disse a Callie que ela pensava em Sebastian, em como ele a
beijava.
— Acredita em almas gêmeas?
Brett tombou a cabeça de lado.
— Sim e não. Acredito que nos conectamos às pessoas de maneiras diferentes... E, às
vezes, não é o tipo de pessoa que você pensava ser, mas é muito melhor. — Ela deu de ombros.
— Quero dizer, acho que todo mundo sempre terá um lugar especial no coração para o primeiro
amor... Sabe como é, aquele que te faz perceber o que é o amor e tudo o mais. Mas não acho
que isso signifique que você não conseguirá encontrar amor de novo... Ou algo melhor.
Callie se viu concordando. Lançou um olhar a Brandon, que estava olhando Brett pela
câmera. De perfil, ele parecia tão sério. Depois, como se sentisse os olhos de Callie, ele
levantou a cabeça. No momento em que os olhos de ambos se encontraram, Callie sentiu uma
ligação.
Brett tinha dito tudo o que ela precisava saber. As pessoas podem ter mais de um amor.
E talvez, apenas talvez, ali estivesse o primeiro sinal de que ela não estava condenada pós-
Easy.
Brandon sorriu para ela, um meio sorriso curioso que fez o calor tomar o rosto de Callie.
Ela não sabia exatamente o que havia entre os dois, mas nunca saberia se não lhe desse uma
chance real.

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AlanStGirard: Vai à festa na casa do reitor?

BennyCunningham: Claro, poxa. Quero tentar alguma coisa com


aquele filho gato dele.

AlanStGirard: Humm, vai ter de se apressar. Soube que ele gosta de


Jenny. E eles estão por trás da festa. Parece que é sério.

BennyCunningham: Ele ainda nem me conheceu!

AlanStGirard: Não se preocupe, eu estarei lá para te consolar quando


não der certo.
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LonBaruzza: Sabe a fantasia que eu sempre tive de transar na cama do


reitor?

RyanReynolds: Sei, é bem doente. Além disso, aposto que ele levou a
cama com ele.

LonBaruzza: Estou disposto a invadir o quarto do reitor. Acha que a


filha dele topa? Ela parece uma doida.

RyanReynolds: Sei lá. Não custa nada convidar


enny Humphrey abriu a geladeira Sub-Zero de aço inox na cozinha ultramoderna dos
Dresden e pegou um saco de cubos de gelo. Os sons de risadas e tilintar de copos
vinham da sala de estar, cheia de Waverly Owls felizes, relaxando e vadiando na
mobília do reitor. A festa era um completo sucesso. Naquela manhã, ela e Isaac digitaram os
convites e zanzaram pelo campus, tentando colocar os convites por baixo da porta dos quartos
do alojamento sem que ninguém os visse. Foi divertido e estranhamente romântico — Jenny
se sentia meio A Pequena Espiã, com um cúmplice extremamente sexy. Eles mantiveram a
lista de convidados restrita, na esperança de que a limpeza fosse mais rápida quando a noite
terminasse.
Ela despejou um saco de gelo na tigela de cristal da despensa dos Dresden, depois usou a
faca para empurrar o kiwi, as laranjas e as maçãs da tábua de corte diretamente para a tigela.
Uma antiga música do Coldplay se espalhava pelos alto-falantes surround.
— Uau. Você faz uma sangria das boas. — Isaac apareceu ao lado dela, com uma camiseta
cinza-carvão Ralph Lauren e calça escura de lã da Theory. No pescoço, ela viu a ponta de um
cordão de couro trançado, que parecia vagamente africano. Tinha notado outro dia — parecia
o tipo de colar dado por uma namorada.
— Gostei do seu colar — disse ela, na esperança de incitá-lo a contar mais. Não sabia
exatamente o que estava rolando entre os dois. Será que era esquisito o fato de eles ainda não
terem se beijado? Isso significava que ele não estava a fim dela?
Isaac demonstrou surpresa. Tocou o colar, como se tentasse se lembrar do que era.
— Ah, isso. Isla trouxe do Senegal.
— Senegal? Quando ela esteve lá? — perguntou Jenny, recostando-se na bancada. Parecia
tão exótico que uma aluna do ensino médio visitasse o Senegal. Jenny nem sabia exatamente
onde ficava, nem que língua eles falavam.
— Neste outono. Ela, hummm, meio que passou o semestre lá. — Isaac pegou uma uva
e colocou na boca.
— É mesmo? — perguntou Jenny com os olhos se arregalando. — Que legal.
Isaac deu de ombros.
— Mais ou menos. Meus pais a estimularam a ir. — Ele passou o dedo no colar
distraidamente. — Houve um incidente.
— Agora está ficando picante — Jenny brincou, curvando-se mais para Isaac. — Tem de
me contar a história toda.
Ele riu.
— Não é assim tão excitante. Isla sempre foi meio, como meus pais chamam, dinâmica.
Na primavera passada, ela ficou meio íntima de um professor. Homem. Jovem. Meio parecido
com o Brad Pitt.
— Ai, meu Deus — disse Jenny, e corou de imediato. Parecia uma vovozinha.
— Não sei bem o que houve, mas basicamente o professor procurou meu pai e disse que
Isla estava, er, tentando cruzar certos limites. Isla disse que era exatamente o contrário. — Isaac
estendeu a mão e bateu os dedos em uma panela de cobre pendurada sobre a bancada. — E
então o professor foi demitido. E Isla... Bom, acabou dando certo para ela. A história se
espalhou, então meus pais a deixaram passar um semestre no exterior, algo que ela pedia o
tempo todo.
— Puxa vida. — Jenny mordeu o lábio. Ela adorava segredos, mas estava feliz
principalmente por Isaac estar compartilhando aqui com ela. Tinha de significar alguma coisa,
né?
— Não vou contar a ninguém. Prometo.
— Eu confio em você. — Isaac sorriu para Jenny. Pela primeira vez, ela percebeu que um
de seus dentes da frente era lascado. Que lindo.
Sage Francis entrou de rompante, com um vestido preto provocante.
— Precisamos de mais sangria na biblioteca. Estamos começando uma partida de Twister.
— Ela ignorou Jenny e bateu as pestanas cobertas de glitter para Isaac.
— Já está quase pronta — anunciou Isaac, mal olhando para Sage enquanto abria
habilidosamente a rolha de uma garrafa de Bordeaux da adega cara do reitor e servia o vinho
na tigela de cristal. Ele havia levado Jenny lá mais cedo, para ajudar a pegar uns vinhos
aparentemente medíocres que não fariam falta. Ela ainda estava pensando em como tinha sido
legal, só os dois, na adega mal iluminada. Teria sido o lugar perfeito para um primeiro beijo —
mas não aconteceu.
Jenny entregou a tigela de sangria a Sage.
— Bonito vestido — disse Sage, com petulância. Jenny olhou para o próprio vestido de
tricô, da cor de berinjela e com gola canoa da Urban Outfitters, que revelava a quantidade certa
de pele. Ela tocou o cabelo, sentindo o cheiro do creme Frédéric Fekkai Luscious Curls Cream.
Podia sentir que ele caía pelos ombros em cachos longos e soltos, exatamente como pretendia.
— Obrigada — disse ela, constrangida, tocando a gola.
A campainha tocou, um elegante din-don.
— Vou atender — anunciou Jenny, disparando da sala de jantar para o hall, onde o piso
de mármore preto e caro foi tomado como pista de dança. Ela e Isaac fizeram uma fileira de
copinhos com velas na escadaria — um risco de incêndio, claramente, mas o efeito foi espectral
e romântico. A única outra luz na sala vinha da lua cheia, brilhando pelo complexo desenho
floral do vitral da claraboia. Ela passou por alguns casais que dançavam música lenta, ganhando
espaço a base de cotoveladas, e abriu a porta. Callie e Brandon estavam na soleira, beijando-
se.
— Oi — disse Jenny, surpresa, conduzindo os dois para dentro. Brandon ajudou Callie a
tirar o casaco. Ela estava linda e feliz, os olhos castanhos maquiados com uma camada grossa
de kajal que combinava com seu vestido. Mas eles estavam juntos? Jenny tentou olhar nos
olhos da colega de quarto. Eles ficaram paquerando totalmente no átrio outro dia, mas Callie
não falou no assunto de novo. — Eu cuido dos casacos.
— Obrigada — Callie murmurou. Mesmo na luz baixa, Jenny sabia que ela estava corada.
Jenny pegou os casacos e os pendurou no armário já abarrotado na lateral da entrada.
— Isso é demais — observou Brandon, olhando o teto do hall. A mão pousava nas costas
de Callie. É tão romântico, Jenny pensou ter visto Callie se aproximar um pouco mais dele.
— Ei, conhecem o Isaac? — Jenny o viu saindo da sala de jantar. Ela rapidamente o pegou
pela manga e puxou para perto dos amigos. — Isaac, esta é minha colega de quarto Callie e...
Brandon. — Isaac apertou a mão dos dois educadamente. Os amigos dela o olharam de cima a
baixo, e assentiram de leve para Jenny demonstrando aprovação.
A cara de Jenny esquentou.
— Vou trocar o CD. Colocar alguma coisa melhor para dançar. — Isaac tocou sua cintura
enquanto ela passava, deixando a mão se demorar ali um instante.
— Lembra-se como se faz? — perguntou ele. A casa era equipada com um sistema de
som surround, e ele passou dez minutos mostrando a Jenny como operar o exagerado CD
changer para quatrocentos discos.
— Espero que eu consiga evitar os discos do John Denver da sua mãe. — Jenny sorriu
timidamente. A porta se abriu de novo e todas as chamas das velas bruxulearam, fazendo as
sombras nas paredes dançarem. — Mas, como anfitrião desta festa, você precisa ir para a pista
de dança.
Isaac suspirou.
— Você ainda nem me viu dançar.
— E não vou embora sem ver — Jenny o desafiou, empinando o queixo sedutoramente.
Ela nem percebera que Callie e Brandon tinham desaparecido em outro cômodo. Quando Isaac
estava perto dela, era difícil se concentrar em qualquer outra coisa.
— Posso lidar com isso. — Isaac riu, vendo a expressão de Jenny. Ela já sabia que ele
gostava de fazê-la corar. Ele era uma graça, e preparar a casa para a festa foi estranhamente
romântico. As velas, cortar frutas para a sangria, a escolha dos vinhos, as instruções do aparelho
de som. Eles já haviam passado horas sozinhos.
Então por que ele não a beijou?
Talvez ele estivesse esperando que ela o beijasse. Perturbada com a ideia, ela tirou o
cabelo do rosto ruborizado enquanto ia para o painel de controle do som na sala de estar. O
estalo de seus saltos foi tragado pelo som da música. Ela pegou uma taça de vinho abandonada
numa estante de primeiras edições raras e a colocou sobre uma elegante mesa de canto do
século XIX cuidadosamente coberta por uma toalha de linho vermelho.
— Uau, Jenny. Nem acredito que vocês estão dando uma festa na casa do reitor. Isso é
lendário. — Evelyn Dahlie deu um tapinha no ombro de Jenny enquanto esta abria o gabinete
do som e pressionava alguns botões. Logo a música mudou para o mix de balada que Jenny
tinha gravado naquela tarde.
Benny, com uma camisetinha amarelo-limão justa da Roberto Rodriguez, passou por
Evelyn abrindo espaço a cotoveladas. Baixou a voz e cochichou no ouvido de Jenny, com bafo
de álcool: — O que tá rolando entre você e Isaac?
Sage avançou, um leve biquinho nos lábios inchados.
— Vocês estavam muito chegadinhos na cozinha.
— Não sei — respondeu Jenny. E ela não sabia mesmo. Mas sabia que era divertido ver
as pessoas falando dela. Embora isso a deixasse meio tensa, Isaac era quase bonito demais para
ela e, sendo filho do novo reitor, também era ilustre. Será que todo mundo ria pelas costas dela
porque ela era a baixinha do segundo ano que pensava ter uma chance com o mais novo solteiro
desejável do campus?
— Que bom — disse Benny, esfregando as mãos. — Isso quer dizer que ele ainda está
disponível.
Neste instante, as meninas levantaram a cabeça. Alan St. Girard e Ryan Reynolds estavam
junto de Isaac na porta do hall. E Isaac olhava fixamente para Jenny.
Benny cutucou Jenny com força excessiva nas costelas.
— Ele está encarando você — ela sibilou.
Jenny corou pela milionésima vez naquela noite. Pelo menos sabia que aquilo não era
fruto da sua imaginação.

Brett se recostou na chaise longue de veludo azul-claro na varanda da frente, de pernas


cruzadas, vendo Benny e Sage pairando em volta de Jenny. Elas ficavam incansáveis quando
sentiam o cheiro de uma fofoca picante.
No entanto ela estava confortável demais para se mexer. Sebastian, sentado a seus pés,
passava o dedo por sua perna metida em meias pretas. Ela se sentia glamourosa com o vestido
hippie de chiffon em seda azul-royal com bainha bordada da Antik Batik, e havia algo sobre
ficar numa chaise longue que sempre a fazia se sentir Cleópatra. Era difícil imaginar que apenas
alguns dias atrás estava aborrecida por ter perdido o estágio na Vogue. Se estivesse em Nova
York agora, não estaria com o cara lindo que a adorava. Perdem-se umas e, definitivamente,
ganham-se outras.
Sebastian curvou-se para a frente e beijou a boca de Brett delicadamente. Com o cabelo
preto mais comprido e a camiseta preta mais apertada, ele parecia um jovem Johnny Depp.
— Vamos lá... Você sabe que está doido para subir e ver onde Marymount costumava
polir a careca.
— É assim que vai tentar me levar para o andar de cima? — perguntou Brett numa
incredulidade fingida. — Essa é a pior cantada que já ouvi.
— Acho que você ainda não bebeu sangria suficiente. — Sebastian pegou a taça vazia de
Brett e se levantou, meneando a cabeça, sem acreditar. — Porque uma cantada desse calibre
costuma funcionar.
— Talvez com suas outras namoradas — Brett brincou. Desde a conversa que tiveram
outra noite, depois de Tricia aparecer à porta de Sebastian, as coisas entre eles tinham ficado
ainda melhores. Ela não ligava mais para as meninas do passado dele. Na verdade, era divertido
implicar com ele a respeito disso. — Vai ter de me dar muito mais sangria se quiser que isso
funcione comigo.
— Voltarei já com a tigela de ponche, então. — Sebastian sorriu para Brett. — Não saia
daí.
Brett se recostou novamente, fechando os olhos. Uma música acelerada dos Beatles veio
do som. Jenny e Isaac acenderam velas na varanda, havia luzinhas minúsculas contornando o
consolo da lareira e o piano, e a luz bruxuleava romanticamente pelas lindas telas da parede.
Era uma daquelas festas ótimas em que todo mundo bebia e ficava feliz — dançando, rindo e
paquerando —, mas ninguém ficava chapado nem jogava beer pong. Parecia uma reunião social
de adultos. Sofisticada. Nenhum jogo de “Eu Nunca” à vista.
Então o som abafado porém nítido de “Living on a Prayer” do Bon Jovi rompeu os
devaneios de Brett. O toque do celular de Sebastian. Rindo consigo, ela se sentou e o procurou
nos bolsos da jaqueta de couro, pegando o telefone. Como é que se calava aquela coisa? Ela
apertou alguns botões, conseguindo silenciá-lo. Mas ao fazer isso, uma tela se abriu. Era a lista
de chamadas dele. E era longa. Ao que parecia, Sebastian andou ocupado recebendo
telefonemas de um monte de gente.
Alexis. Leila. Hannah. Tricia. Alguém de nome Sylvia. Brett não precisou de muito tempo
para entender.
Ela se levantou, o que era complicado, considerando que sentia o chão sumir sob os pés.
A serenidade que estava sentindo instantes antes tinha sido completamente espatifada. Como
havia sido tão idiota de novo? Finalmente havia baixado a guarda e acreditado em Sebastian.
Quando é que ia aprender? Ele era um homem, e os homens não mudam. E eles certamente não
mereciam confiança.
Brett passou pela pista aos trancos e abriu o armário do hall, estufado de casacos de
inverno. Onde estava a merda do casaco dela?
— Ei, aonde você vai? — Sebastian apareceu com duas taças cheias de sangria. Ele
baixou a voz. — Quer dar uns amassos no armário de casacos? Porque isso seria demais.
— Não — rebateu Brett, finalmente achando a jaqueta preta de pelo de cabra angorá e
arrancando-a do armário, fazendo com que o cabide caísse com estrondo no chão. — Eu vou
para casa.
Um olhar de alarme cruzou o rosto de Sebastian quando ele percebeu que Brett segurava
seu celular. Ela queria jogar o aparelho na mão de Sebastian, mas ele estava segurando duas
taças de vinho cheias. Foi obrigada a colocar no bolso da camisa. Muito menos satisfatório.
— E acho que você sabe o porquê.
— Brett, sem essa. Está sendo idiota. — Sebastian estendia a taça de sangria para ela.
— Como é? — Ela guinchou, a raiva fervia. Conseguia sentir as pessoas olhando para
ela, mas não se importou. — Está me chamando de idiota? Acha que sou mesmo, não é?
— Desculpe, eu não queria que soasse assim. Você não é idiota... Só está agindo como
uma idiota. — Sebastian deu um passo para o lado e entregou as duas taças a Alan St. Girard,
que tinha acabado de entrar depois de fumar um baseado na varanda. Sebastian colocou a mão
no braço de Brett, mas ela se desvencilhou. — Você está exagerando muito. Não é o que você
pensa.
— Pelo visto, como eu sou uma idiota, não importa o que eu penso.
E antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, Brett abriu caminho pela nuvem de
maconha na varanda e marchou noite adentro.
Diário da Vida Selvagem: Heath à Prova de Tudo

Dia 55.999.999

Acordei com uma dor de arrepiar. As pernas dormentes de frio. Nada de guaxinins. Pensei
que fôssemos todos amigos.

Temperatura: -666 graus.

Comida: POR FAVOOOOOOOOR.

Aquecimento: Preciso de um edredom. Não consigo suportar. Calor. Muito. Necessitado.

Estado de espírito: Estou só, tão só. Cadê todo mundo? E se a Waverly desapareceu
enquanto HF está na mata? E se HF fosse o único sobrevivente na Terra?
Preciso... encontrar... civilização.
em. Vamos tirar mais algumas fotos. — Isla pegou Tinsley pelo braço,
quase arrancando suas pulseiras de cobre, e a puxou para uma porta de
carvalho fechada. Elas estavam no segundo andar da casa do reitor, num
corredor cor de coral. A música pulsava pelo piso, e, de vez em quando, elas ouviam portas se
abrindo e fechando conforme os convidados procuravam um lugar sossegado para namorar.
— Ah, vamos só curtir. Nosso projeto já está perfeito assim. — Tinsley riu. Agora estava
tonta, depois de beber taça após taça de sangria com Isla na pista de dança. Ela não contou o
quanto estava bebendo — era bom demais mexer o corpo no piso frio do hall. Pareciam os
velhos tempos de novo, quando todo mundo tinha o que falar de Tinsley, Brett e Callie. Só que
Brett estava ocupada namorando seu garanhão italiano e Callie claramente havia perdido o
juízo e estava toda carinhosa com Brandon Buchanan. De novo. O que estava acontecendo com
o mundo? Felizmente existia Isla. Com a minissaia Anna Sui preta bordada de lantejoulas e
camiseta regata, Isla parecia punk rock, numa combinação perfeita com o vestido de alcinhas
de seda branca da Daughters of the Revolution de Tinsley. Elas formavam uma ótima dupla.
Um par perfeito. Quem precisava de namorado quando tinha uma melhor amiga
tremendamente descolada?
Isla abriu a porta de um quarto no final do corredor e ergueu a taça vazia, fazendo um
brinde imaginário.
— Vamos tirar fotos na cama dos meus pais, tá legal? Só de calcinha.
Tinsley piscou ao ver a enorme cama de casal. A cama queen size estava coberta por uma
colcha sofisticada cinza e marrom, e, francamente, a última coisa que Tinsley queria era ficar
nua ali.
— Tá, mas não sei se quero violar os, hum, lençóis sagrados do reitor.
— Ah, buuuu. — Isla colocou a taça com um tinido numa mesa de cabeceira cheia de
livros e se jogou na cama dos pais. Apesar de dotada de ótimas qualidades, Tinsley percebera
que Isla tinha uma tendência enorme para o mau humor e, por isso, às vezes precisava acalmá-
la. — Você é um tédio.
O estômago de Tinsley se revirou. Como é? Ela era muitas coisas, mas tediosa não estava
na lista.
— E se tirarmos umas fotos na adega? — sugeriu ela. — Dançando com garrafas de
vinho?
Isla saltou da cama, batendo os pés descalços no piso de tábua corrida.
— Não, tenho uma ideia melhor. — Ela segurou o pulso de Tinsley e a arrastou para o
corredor. Tinsley riu. A energia de Isla era contagiante; exaustiva, talvez, mas contagiante. —
Olha. — Ela parou no alto da escada e apontou uma cúpula de vitral acima do hall. A luz da
lua, de uma lua cheia, iluminava o lindo desenho art déco de flores.
— Talvez eu esteja bêbada, mas não entendi. — Tinsley olhou a porta da frente se abrir,
e prendeu o fôlego por um segundo, antes de Lon Baruzza entrar, limpando a neve dos pés no
capacho. Até então, não havia percebido que tinha esperanças de que Julian apareceria.
Mas Isla já descia o corredor.
— Pegue a câmera. Vou subir a escada de incêndio, chegar ao telhado e posar no alto
daquele vitral. — Ela piscou por sobre o ombro para Tinsley. — E você vai me fotografar, de
baixo. Acho que a luz é perfeita... Mas temos de fazer isso antes que uma nuvem cubra a lua.
— Peraí, do que está falando? — Tinsley de pronto se arrependeu de toda a sangria que
havia entornado, seu cérebro estava lerdo, e a língua, pesada. — Você está de porre... Não pode
subir no telhado.
— Deixa de ser covarde. — Por um segundo, os olhos verde-claros de Isla brilharam de
irritação.
Quase de imediato, Tinsley sentiu os pelos da nuca se eriçarem. Não ia deixar que
ninguém — nem mesmo a filha do reitor — falasse com ela daquele jeito. — É sério, Isla. Não
é boa ideia.
Mas Isla lhe soprou um beijo risonho, e Tinsley relaxou.
— Vamos. Imagine como será incrível. — Tinsley olhou para a claraboia e captou o modo
como a lua passava por ela. Abaixo, no hall pouco iluminado, corpos sacudiam na pista de
dança, e as velas que ladeavam a escada pareciam dançar também. Tudo parecia perfeito e
sereno. — Prepare a câmera, está bem? A foto vai ficar ótima.
—Tá legal, tá legal. Me dê um minuto. — Tinsley vacilou um pouco, os sapatos de salto
Alexander McQueen de couro vermelho pareciam mais altos do que ela se lembrava. Ela bebeu
o que restava da sangria antes de pôr a taça vazia no chão. Colocando a mão com firmeza no
corrimão, olhou o hall, tentando achar o melhor lugar para fotografar Isla. Por fim, optou pela
beiradinha do balcão, na extremidade da escada.
Ela olhou para o céu através do vitral verde e amarelo. Tinha um nó na boca do estômago.
Respirou profundamente pelo nariz, tentando acalmar os nervos. Quais eram as chances de Isla
realmente chegar ao telhado? Talvez Tinsley devesse ir com ela.
A música mudou para alguma coisa jazzística, melosa e tranquilizadora, e, antes que
conseguisse se mexer, Tinsley finalmente viu uma sombra sobre a claraboia. Prendeu a
respiração. Só distinguia a silhueta de Isla, cujo corpo estava encostado no vitral — e era
perfeito. Assombrada, Tinsley clicou. Isla era um gênio. Era a foto perfeita, o epítome do
contraste. Um corpo delicado e sombreado iluminado por trás no desenho bem definido do
vidro. Isla abriu os braços, como asas. Parecia um anjo que tinha pousado na claraboia.
Um vento frio subiu pela escadaria como uma premonição, e Tinsley olhou para a porta
aberta. Várias velas na escada se apagaram. Dois sujeitos passaram pela porta, mas antes que
Tinsley pudesse registrar quem eram, um som terrível veio de cima. Ela precisou de um
segundo para perceber o que era.
O estalo de vidro se quebrando.
Aturdidos, porém ainda bêbados, os olhos de Tinsley voaram para a claraboia. Uma
dezena de rachaduras sinuosas apareceu no desenho. Ai, meu Deus. Tinsley abriu a boca para
gritar, mas não saiu nada. As pessoas que dançavam no piso de mármore preto do hall não
perceberam que havia algo errado. Ainda não.
Depois que o vidro começou a rachar na claraboia, tudo aconteceu em câmera lenta.
Cacos de vidro passaram a cair, fazendo todos na pista olharem para cima. Alguém gritou.
Benny e Alan St. Girard estavam dançando juntinhos, mas rapidamente pularam de lado e se
juntaram ao grupo de corpos que tentava se espremer pelos cantos da sala. Os olhos de todos
estavam voltados para cima, as pessoas protegendo os olhos com as mãos para evitar os cacos.
— Tem alguém lá em cima! — gritou a voz aguda de Jenny. — É uma pessoa!
A visão dos braços e pernas estendidos de Isla, suspensa no ar acima do hall, parecia um
truque de mágica e era estranhamente linda. Depois o corpo de Isla tombou de seu poleiro e,
quase como se flutuasse, desceu pelo ar. Ainda segurando m câmera, Tinsley estendeu a mão
sobre o corrimão, como se pudesse fazer alguma coisa para deter a queda. Ela desejou,
loucamente, poder tirar uma foto da linda Isla em pleno ar.
Tinsley prendeu a respiração enquanto esperava pelo momento do desastre. Mas, de
repente, alguém avançou, estendeu os braços e pegou Isla, como se ela não tivesse peso algum.
Houve uma gritaria quando todo mundo se reuniu em volta deles. Tinsley desceu a escada
lentamente, vendo as pessoas tirarem cacos de vidro das roupas e verificarem se os amigos
tinham se ferido. Os convidados corriam para todo lado, na direção de Isla e do cara que a
apanhou, porta afora, para qualquer lugar.
Tinsley parou no meio da escadaria. Não conseguia tirar os olhos da cara de Isla. Ela
parecia abalada, porém ilesa. Por fim, desviou os olhos para ver quem segurava sua amiga. Ela
piscou.
De repente não estava mais tão bêbada. A pessoa que segurava Isla era tremendamente
familiar.

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SebastianValenti: Pode falar comigo, por favor?

SebastianValenti: POR FAVOR?

[BrettMesserschmidt não respondeu à sua mensagem.]


abe o que a gente devia fazer no fim de semana que vem? Ir para Whiteface. Os
pais de Heath disseram que a gente podia usar a casa deles sempre que quisesse
neste mês de janeiro. — Brandon passava os dedos pelo rosto de Callie, e ela
fechou os olhos. Depois da socialização necessária com os amigos, ela e Brandon escapuliram.
Encontraram um cantinho aconchegante nos fundos da casa, com uma lareira enorme. Não
estava acesa, é claro, mas Brandon tinha roubado algumas velas da sala de estar e as colocou
na lareira vazia. Ele também tinha trazido uma garrafa de vinho tinto, e agora os dois estavam
sentados num velho sofá que afundava no meio, obrigando-os a ficar ainda mais juntinhos.
— Os Ferro disseram que você podia usar? — perguntou Callie, remexendo-se um pouco,
deixando que Brandon visse seu vestido decotado da Rebecca Taylor. Por baixo ela usava
combinação e calcinha sexies de renda preta da Cosabella, cobertas por pétalas de rosas. Já
fazia muito tempo desde a última vez que tivera o impulso de usar um conjunto de roupa íntima
— sem namorado, aquilo parecia uma bobagem. — Pensei que Heath tivesse sido banido
depois de deixar uma camisinha lá na última festa.
Brandon passou os dedos pela clavícula de Callie.
— Ah, ele não tem permissão para voltar lá. — Ele riu. — Mas eles me adoram. Da última
vez que os encontrei, me deram uma chave.
Callie riu, reclinando-se no canto do sofá.
— Seria divertido. A gente podia levar um monte de gente... Brett e Sebastian. Tinsley e
Julian... Bom, eles não, eu acho, porque parece que acabou. — Callie sorriu para Brandon.
Estar com ele era tão... fácil. Ele era meigo, gentil e repetia constantemente o quanto ela era
linda. Ela percebeu os olhos invejosos seguindo os dois quando desceram o corredor escuro
para a saleta. Deixar a população feminina da Waverly com inveja era uma boa pequena
bonificação.
Brandon recostou-se no sofá. Pegou a taça de vinho e a rodou como um especialista.
— É, ele estava um caco quando jogamos squash ontem. Parece que ela foi muito dura
com ele.
Callie franziu a testa.
— Ela não me contou muito a respeito. Está sempre com Isla.
— Também seria meio que divertido se fôssemos só nós dois. Não é? — Brandon fez
cócegas no pé descalço de Callie e ela riu. Era tão bobo. Brandon estava ali o tempo todo. Ele
não era Easy Walsh, é claro, mas talvez isso fosse bom. Easy era perigoso. Brandon era gentil.
— Talvez — respondeu Callie automaticamente, embora a ideia de os dois a sós lhe
parecesse meio chata. Ela o convenceria a dar uma festa do esqui. Eles seriam os anfitriões,
como Isaac e Jenny esta noite, e todo mundo teria uma inveja total do casal lindo e elegante
que eles formavam. Ela se curvou para lhe dar um beijo, e a boca de Brandon encontrou a dela
ansiosamente. As mãos deslizaram pela cabeça de Callie, percorrendo seus cabelos. Quantas
pessoas podem dormir na casa?, ela se perguntava, beijando-o distraidamente enquanto
planejava a lista de convidados.
Seus planos foram interrompidos pelos gritos que vinham da frente da casa.
— Mas o que é isso? — Callie se levantou rapidamente, ajeitando o vestido. De jeito
nenhum queria ser apanhada pelo novo reitor namorando na saleta dele.
Teague Williams, o jogador de basquete do último ano, colocou a cabeça pela porta da
saleta; ele fedia a maconha.
— Cara, tá uma merda federal.
— O reitor voltou? — perguntou Callie, pegando a mão de Brandon e o colocando de pé.
—Pior — respondeu Teague, com os olhos vidrados por estar doidão. Ele tropeçou em
um banco ao sair da sala. — O teto desabou. Ou coisa assim.
— Puta merda — sussurrou Brandon, ainda segurando a mão de Callie enquanto a seguia
em meio a um monte de gente na sala de estar. Todo mundo parecia estar espremido na soleira
da porta que levava ao hall. Callie ficou na ponta dos pés, lutando para enxergar por cima da
cabeça de todos.
— Ela caiu do céu! — repetia sem parar Verena Arneval, com uma expressão
traumatizada no rostinho bonito. Lon a abraçava, afagando seu braço nu.
— Merda — sussurrou Callie, abrindo caminho a cotoveladas pela multidão. — Vem —
vociferou ela por sobre o ombro para Brandon enquanto ele lutava para acompanhá-la. Callie
esmagava os cacos de vidro que cobriam o chão enquanto passava por Verena e Lon até
conseguir ver o centro da ação. Ela ofegou.
A cena parecia saída de um filme — cacos de vidro por todo lado, meninas com a cara
paralisada de terror. Não parecia real. No alto, onde havia uma claraboia, tinha um buraco
enorme e irregular com vista para a noite enluarada.
— Alguém realmente caiu do teto — murmurou Callie. Ao fundo, alguém desligou a
música finalmente, como se percebesse que era um tanto inadequado ter Jason Mraz berrando
do aparelho de som.
No meio de tudo aquilo estava Isla Dresden, coberta por cacos de vidro, nos braços de
um cara alto e musculoso. O rosto em formato de coração estava pálido e parecia abalado, e os
braços nus estavam cobertos por arranhões escuros. Callie sentiu pena dela. Torcia para que
não ficasse com nenhuma cicatriz.
O sujeito finalmente colocou Isla de pé com cuidado, e um grito trêmulo se elevou. Callie
semicerrou os olhos para ele com atenção. Ele estava de costas, mas algo nele era muito
familiar. Aquele casaco, uma coisa de lona marrom desbotada.
Algo que parecia uma farda militar. O vinho deixava o cérebro de Callie lento, e ela lutava
para juntar as peças. O cara mantinha o braço em Isla, protetor, embora ela estivesse firme
sobre os próprios pés.
Peraí, o casaco. Ela o vira, uma vez. Será que era...
E então, num segundo desconcertante, ela percebeu:
Era Easy.
Callie prendeu a respiração, sentindo como se ela mesma tivesse caído do telhado. Mas o
que diabos Easy estava fazendo na Waverly? Usando o mesmo casaco da escola militar que
havia usado naquele dia terrível, no alto do Empire State Building. Quando ela devolveu o anel
de compromisso que ele lhe dera. Como ele havia chegado até aqui? E por quê?
E por que diabos ele ainda estava abraçado à filha do reitor?
Ela começou a sentir uma leve náusea na boca do estômago, e, de algum modo, aquele
enjoo subiu por sua garganta e desceu pelos braços até ela sentir todo o corpo tremer.
Como se sentisse o olhar de Callie, Easy levantou a cabeça. Os olhos azuis encontraram
os de Callie do outro lado da sala, e uma descarga elétrica a atingiu. Ela não conseguia pensar
em uma só coisa para fazer além de dizer Oi.
Ele murmurou de volta o cumprimento. O braço ainda sustentava Isla, a donzela em
perigo, mas Callie viu os olhos de Easy se voltarem para Brandon, que ainda segurava a mão
dela. Aturdida, ela soltou a mão.
— Você está bem? — Brandon olhou de Callie para a cena de vidro quebrado diante
deles. No segundo em que viu Easy Walsh, ele entendeu que era problema. E a expressão de
Callie provava que tinha razão. — Vem. Temos de sair daqui.
— Hein? — Callie o olhou como se nunca o tivesse visto. — Eu... Estou bem. — Ela
tocou a testa com a ponta dos dedos.
— O que ele está fazendo aqui? — perguntou Brandon, com um bolo na garganta. De
todas as festas do mundo, por que Easy Walsh tinha de entrar justamente naquela?
— E aquele é... Heath? — Brandon olhou a figura suja e barbada ao lado de Easy, secando
meia garrafa de vinho tinto como uma espécie de alcoólatra que havia perdido as estribeiras. O
cabelo louro estava embaraçado e sujo devido à estadia no bosque. O casaco de lã verde parecia
coberto por folhas esmagadas, e o rosto estava queimado pelo frio e com a barba por fazer.
Callie finalmente fitou Brandon nos olhos. Agora que Easy estava de volta, nada
permaneceria como antes. Ela se esquecera completamente de Brandon no segundo em que
Easy passou pela porta. Era como se a história se repetisse.
— Eu... — Callie gaguejou.
Brandon pegou a mão de Callie e a puxou gentilmente para o corredor que dava para a
cozinha, para longe do hall.
— Vamos dar o fora daqui. Eu levo você para casa.
Callie olhou por sobre o ombro. Não queria que Easy a visse saindo com Brandon, mas
ele não olhava mais para ela. Tirava caco de vidro dos cabelos de Isla.
Callie piscou, então seguiu Brandon porta afora.

Jenny finalmente conseguiu passar pela multidão e chegar a Isla e Easy, havia fragmentos
de vidro cintilando nos cabelos escuros dela. Ela pegou uma vassoura no armário do corredor,
como se houvesse um jeito de varrer toda a bagunça para debaixo do tapete.
— Gente, está tudo bem. Isla está bem. Vamos nos acalmar.
Ela girou pelo hall. Pelos destroços, era impossível acreditar que Isla realmente estivesse
bem. Mas Isaac procurou por ossos quebrados e Easy ainda a escorava. Easy. O estômago de
Jenny estava revirado — ela estava no hall, a caminho da sala de jantar, quando Isla caiu pela
claraboia. E Easy estendeu os braços e a pegou no ar, como uma espécie de super-herói. Era
loucura, Jenny captara os olhos dele ali, num borrão de vidro quebrado e meninas gritando.
Quando ele sorriu para ela com aqueles olhos azuis escuros e familiares, o coração de Jenny
quase parou. Ele agora estava mais forte, por causa dos exercícios na escola militar, e mais
certinho. Até mesmo se parecia com um super-herói.
— Sabe de uma coisa... — Isaac olhou para Jenny com ansiedade. — Acho que a gente
devia tirar todo mundo daqui o mais rapidamente possível.
— Claro — respondeu Jenny, encarando o chão. Iria ser um desastre para limpar e tentar
explicar ao reitor o que aconteceu. Ela conseguia guardar segredo sobre a festa, mas não havia
como esconder danos à propriedade. Ela estava na merda até o pescoço. — Temos muito o que
limpar.
Isaac sorriu quando Jenny disse “temos”.
— Eu não quis dizer isso... Só acho que a casa tem uma espécie de... — Antes que ele
pudesse terminar, as luzes de carro patrulha da segurança do campus ficaram visíveis através
da porta da frente.
— Alarme silencioso — terminou ele.
— CORRAM! — Heath Ferro começou a pegar as meninas mais próximas e conduzi-las
para os fundos da casa. Todo mundo para a saída de emergência!
— Fiquem todos onde estão! — gritou o segurança parrudo ao sair do carro e subir a
escada da frente correndo. — Não se mexam!
Tarde demais. Todos os convidados fugiram rapidamente para a saída da cozinha ou
passaram pelas portas de correr na sala de estar. Jenny viu alguns meninos abrindo uma janela
na sala de jantar e pulando nos arbustos.
Isaac empurrou Jenny para a cozinha, as mãos quentes na base das costas dela. Sage
Francis e mais um bando saíram afunilados pela porta lateral e atravessaram o jardim cheio de
neve de volta aos alojamentos, deixando uma trilha imensa de pegadas. Os braços nus das
meninas brilhavam ao luar, e elas aceleravam para se aquecer.
— Mas não posso deixar você cuidar disso sozinho... — Jenny protestou, com uma lufada
de vento frio varrendo a cozinha. Taças com crostas de sangria estavam espalhadas pelas
bancadas, e garrafas vazias de vinho ainda se empilhavam na pia.
— Vá — insistiu Isaac, entregando a jaqueta vermelha que Jenny havia deixado
pendurada ao lado da porta da cozinha.
— Vou pensar em alguma coisa.
Jenny ficou parada à porta, relutando em sair. Não queria que Isaac tivesse problemas,
mas também não queria que o reitor entrasse na casa arruinada e a encontrasse ali. A
combinação de sangria e adrenalina correndo por suas veias dificultava o raciocínio. E o
simples ato de pensar no desastre no hall a deixava com um bloco de gelo alojado no estômago.
Como diabos eles iam se safar dessa?
Isaac finalmente plantou as mãos nos ombros de Jenny e a empurrou para a porta, com
gentileza, porém firme. Ele piscou para ela, embora o rosto estivesse ansioso.
— Acho que minha primeira festa da Waverly pode ser considerada um sucesso.
Jenny tentou rir enquanto mais pessoas passavam roçando por eles, empurrando-os para
mais perto um do outro. Isaac restava tão próximo que ela sentia o cheiro de seu creme dental.
Ele provavelmente conseguia contar as sardas no rosto dela.
— Tem certeza? — Apesar da chegada dos seguranças, ela não queria ir embora.
— Eu me diverti muito esta noite. Com você. — Isaac levantou a mão para tirar um cacho
do rosto dela, e o coração de Jenny acelerou.
— Eu também me diverti — disse ela baixinho, olhando para baixo. Estava frustrada por
não terem mais tempo para as despedidas. A festa tinha sido tão perfeita, era uma pena terminar
assim. — Eu meio que queria fazer a limpeza com você.
— Fica para a próxima. — Isaac sorriu. Alguém esbarrou a caminho da porta, dando uma
cotovelada nas costas de Jenny e jogando-a sobre Isaac. As mãos dele voaram para a cintura
dela, a fim de lhe dar equilíbrio.
Antes que ela pudesse registrar exatamente o que acontecia, Isaac estava se curvando na
direção dela. Os lábios tocaram os dela suavemente, e Jenny sentiu milhões de palpitações no
estômago. Tudo — os convidados fugindo pela porta, a lufada de ar frio quando a porta se abria
e fechava, o cheiro de sangria derramada — sumiu ao fundo. Nada importava, além do modo
como seus lábios se encaixavam nos dela, e o gosto de menta na boca do rapaz.
Enfim Isaac se afastou. Jenny piscou ao voltar à realidade. Precisou de um segundo para
perceber que ainda estava na cozinha. Alguns retardatários olhavam para eles ao correr pela
porta.
— Tá íegal, chega de me distrair — disse Isaac, tocando de leve o cotovelo de Jenny. —
Você precisa sair daqui.
— Tem certeza? — perguntou Jenny, mordendo o lábio. Os lábios dela pareciam estar
em chamas.
— Absoluta. — Ele a empurrou pela porta enquanto Rifat Jones e Lon Baruzza
disparavam para fora. Rifat fez um sinal de positivo para Jenny, que Isaac fingiu ignorar. Jenny
se recompôs e conseguiu caminhar até a escadaria curta de madeira, mas ela sentia como se
estivesse flutuando. Olhou para Isaac por sobre o ombro. Ele ainda estava na soleira da porta,
vendo-a partir. — Você é linda demais para se meter em encrenca. — Ele disse para ela.
Se ao menos isso fosse verdade...

OwlNet Caixa de Mensagem Instantânea

De: SebastianValenti@waverly.edu

Para: BrettMesserschmidt@waverly.edu

Data: Sábado, 8 de janeiro, 20h19

Assunto: Você

ME LIGA! Não vou explicar tudo por e-mail.


s pernas de Tinsley pareciam de gelatina quando ela caminhou até Easy e Isla. No
início, ficou perplexa demais para se mexer e tinha certeza de que ainda estava em
choque. Desceu metade da escadaria antes de descobrir que suas pernas não a
levariam além dali. Segurando-se no corrimão, viu os seguranças entrarem correndo na casa,
perseguindo os últimos alunos frenéticos que escapavam pelas portas dos fundos e pelas
janelas. Isla, Easy Walsh e Isaac foram os únicos que permaneceram.
Quando sentiu que conseguia respirar novamente, Tinsley finalmente desceu a escada,
cambaleando nos saltos altos. Isla agora estava no meio do hall coberto de vidro, tirando cacos
dos cabelos escuros embaraçados. Isaac veio da cozinha, trazendo um copo d’água e
entregando a ela. O cara ao lado de Isla — definitivamente, inegavelmente era Easy Walsh —
ainda a olhava, preocupado.
— Você está bem, querida? — perguntou Tinsley, esmagando o vidro com os pés ao se
aproximar e colocar a mão no ombro de Isla. Suavemente. A pele da menina estava marcada
por dezenas de arranhões vermelhos, sendo que a maioria parecia de cortes superficiais.
Alguém calçara nela um par de sapatos masculinos antes de baixá-la no chão coberto por cacos.
A menina tinha um olhar estupefato e ainda se encostava no corpo alto e magro de Easy. —
Precisamos levar você à clínica. Para que te examinem.
Isla piscou os olhos verde-claros para Tinsley e soltou um riso trêmulo. O cabelo escuro
e cacheado estava desgrenhado e embaraçado, embora o visual realmente combinasse com ela.
— Eu estou bem, graças a esse lindo estranho.
Tinsley olhou para Easy, parado ali usando sapatos de caminhada surrados e um casaco
marrom feio. Seu lindo cabelo rebelde tinha sido completamente aparado no colégio militar,
fazendo com que parecesse mais velho e mais forte, mas também destacava sua estrutura
corporal perfeita. A pele estava bronzeada, e o corpo magro, mais firme; parecia mais
musculoso. Tinsley imaginou-o fazendo centenas de flexões por dia e correndo em provas de
obstáculos na lama. Ele parecia mais sério do que Tinsley se lembrava. Mas talvez fosse porque
ele tinha acabado de salvar a vida de alguém.
— Hmmm, que bom que entrou por essa porta na melhor hora do mundo, mas... O que
está diabos você está fazendo aqui? — Tinsley o encarava, boquiaberta.
— É uma longa história. — Easy riu baixinho. Seu leve sotaque do Kentucky estava mais
acentuado do que antes. Ela havia ficado sabendo que o colégio militar ficava em algum lugar
no Sul, tipo no matagal da Virgínia Ocidental. — Basicamente, eu fugi. Só queria ver Credo
de novo.
Tinsley quase teve vontade de chorar. Ela se curvou para a frente e lhe deu um beliscão
rápido no rosto.
— Ainda bem que fez isso. Você salvou a vida de Isla. — Parecia uma completa loucura
Easy aparecer na Waverly para ver a égua dele e chegar na noite exata, exatamente na hora
certa.
— Não sei disso, não. — Um sorriso constrangido se abriu no rosto dele. — Eu ia para o
estábulo quando esbarrei em Heath no bosque. — Ele deu de ombros causalmente, como se
não fosse grande coisa. — Ele nunca poderia perder uma festa.
Isla sorriu para Easy através de seus cílios longos e densos.
— É sério, deve ter sido o destino que colocou você aqui na hora certa — disse ela,
tocando o braço dele. — Se não, eu teria... — Ela tremeu. Teatralmente. Isla conseguira escapar
de um pescoço quebrado e ali estava ela, dando mole para um cara bonito. Já. Nada mal.
— Vocês deviam sair. — Isaac apareceu com uma vassoura imensa na mão e varria os
cacos de vidro que pontilhavam o hall. — Os seguranças estão perseguindo os outros, então
vocês podem escapulir daqui sem que ninguém perceba.
Tinsley abriu a boca para concordar, mas antes que pudesse fazê-lo, a porta se abriu mais
uma vez. O reitor Dresden apareceu na soleira, a esposa ao lado com o rosto lívido. Os dois
vestiam longos casacos pretos e cachecóis jogados apressadamente pelo pescoço.
— Isla, a segurança disse que houve um acidente. Você se machucou? — O reitor avançou
enquanto a sra. Dresden atirou os braços em torno da filha, que explodiu em lágrimas de
imediato. Tinsley piscou. De mulher fatal a criancinha chorona em três segundos? Nem ela era
tão boa assim.
— Estou bem, papai. — Ela se afastou da mãe, enxugando as lágrimas com o pulso, e se
jogou nos braços do pai. Isla não estava traumatizada há um minuto quando estava dando em
cima de Easy Walsh. Mas Tinsley não podia culpar a amiga por fazer a cena de choro: o reitor
Dresden estava furioso. Ela esperava que ele fosse tolerante com Isla, pelo menos, dado o que
havia acabado de ocorrer. Ela não tinha a intenção de fazer nada de errado, apenas tinha uma
péssima capacidade de avaliação.
— Ela está bem, senhor — falou um dos seguranças. Os ombros do casaco marrom-escuro
estavam cheios de neve. — Ela conseguiu pousar nos braços de alguém e parece que tem alguns
cortes e hematomas. Talvez o senhor queira levá-la para exames na clínica.
— Ah, Isla, que bom que está bem. — A voz do reitor ficou severa quando ele se afastou
da filha. Ele estava elegante porém intimidador em seu terno escuro e sobretudo preto. — Mas
não gosto de ser retirado de uma noite importante com meu novo corpo docente para vir para
casa e encontrar... isto. Ele fez um gesto abrangendo o vidro quebrado do hall. Lascas de metal
preenchiam a área, e pedaços de madeira lascada pendiam do buraco imenso no teto. — Esta
área de desastre. Me diga, como foi que isto aconteceu? — A boca de Tinsley se contorcia
enquanto ela aguardava a condenação da amiga. Estava claro que Isla não iria escapar do
castigo. No entanto, não era justo. Toda a coisa tinha sido um acidente.
Tinsley deu um passo adiante, os saltos esmagando o vidro. Sabia que nunca era uma
decisão inteligente alguém de fora interferir na disciplina paterna, mas não podia ficar parada
ali, vendo a amiga levar bronca.
Mas Isla falou primeiro.
— Pai, me desculpe. Eu não queria subir no telhado. — Seus olhos verde-mar
lacrimejaram de novo, as lágrimas jorrando pelo rosto. — Mas Tinsley ficou insistindo que
daria uma ótima foto. Foi tudo ideia dela.
O queixo de Tinsley caiu. Como é? Ela havia dito a Isla que era uma péssima ideia. Os
olhos de Tinsley encontraram os de Easy rapidamente. Ele parecia cético com a história de Isla.
Se um completo estranho sabia que era mentira, por que não os pais?
Isla começou a soluçar abertamente.
— Eu tive tanto... medo.
— Ah, minha menina. — A sra. Dresden abraçou Isla, lançando adagas para Tinsley.
A boca de Tinsley ficou seca quando os olhos do reitor se voltaram para ela. Haveria um
jeito de ele acreditar nela... Em vez de na filha? Seu coração afundou no peito quando percebeu
que era improvável. Ele provavelmente tinha visto a ficha de Tinsley e sabia que ela já havia
sido expulsa da Waverly uma vez. Talvez até Isla soubesse disso.
— Tinsley, é verdade? — A voz do reitor era fria.
Tinsley olhou para Isla. Não sabia o que esperava — uma piscadela, um gesto secreto,
qualquer coisa. Mas em vez disso, os olhos de Isla estavam gelados e distantes.
De repente tudo fez sentido. Isla disse que adorava ficar com a galera mais interessante.
É claro. Isla provavelmente fazia o mesmo em todas as escolas — descobria quem tinha os
piores históricos, fazia amizade com elas e depois, quando o mundo desabava, tinha a quem
culpar. Era o álibi perfeito.
Aquela piranha. Ela subestimara Isla, claramente. Tinsley sem dúvida tinha encontrado
seu par. Mas não de um jeito agradável.
— Reitor Dresden... — Ela começou, procurando pelas palavras para se defender.
Mas o reitor a interrompeu.
— Srta. Carmichael. Esteja em minha sala amanhã de manhã. As oito em ponto.
Discutiremos este assunto então. — Os lábios do reitor se contraíram numa linha fina.
— Pai, escute. — Isaac se manifestou, colocando a mão no braço do pai. — Acho que
não foi culpa de Tinsley.
— Isso não diz respeito a você — respondeu o reitor Dresden severamente.
Tinsley sentiu os próprios olhos começarem a arder, mas de jeito nenhum deixaria que
aquela piranha a visse chorar. Mordeu o lábio e se virou para o armário de casacos na entrada.
Os casacos estavam espalhados de qualquer jeito. Ela empurrou de lado uma pilha de jaquetas
pretas, procurando o Michael Kors cinza. Nunca na vida desejara tanto desaparecer como
agora.
— E Isaac — ela ouviu o reitor dizer — vai me fazer uma lista de cada pessoa que esteve
na festa esta noite.
— Pai, não posso fazer isso...
Tinsley finalmente pegou o casaco e espiou o corredor bem a tempo de ver o reitor
estender a mão para Easy Walsh, que estava parado ali, sem jeito, o tempo todo.
— Agora, meu jovem, estou louco para saber a quem devo a vida de minha filha.
Algumas pessoas têm toda sorte do mundo.
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AlanStGirard: Desculpe pela dança interrompida. Aqueles caras da


segurança são brutos!

BennyCunningham: Tá tudo bem — até parece que ia chegar a algum


lugar!

AlanStGirard: Cara, que merda do caralho. Que bom que Isla está
bem.

BennyCunningham: Foi doidera. Era mesmo Easy?

AlanStGirard: Claro que era. A bolsa dele já está no quarto. Ainda


bem que não me deram um novo colega de quarto.

BennyCunningham: Como ele fugiu da escola militar?

AlanStGirard: Desculpe, amor. Meus lábios estão selados. A não ser,


é claro, que vc se ofereça para abri-los.

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RyanReynolds: Rápido — adivinha de que tamanho é o sutiã da


mulher do reitor?

BrandonBuchanan: Quê? Cara, você é doente. Só consegue pensar


nisso?

RyanReynolds: Só. É 36. Até peguei uma calcinha junto!

BrandonBuchanan: Vc soube que Heath voltou? Não precisa ser mais


o pervertido de plantão.
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CelieColista: Vi um segurança gordo olhar direito pra mim — meus


pais vão me matar se eu me meter em encrenca!

AlisonQuentin: Não se preocupe. Eles não sabem quem você é. Nem


ninguém. Estamos seguras.

CelieColista: Que bom. Cara, preciso ficar careta!

AlisonQuentin: Viu como Easy tá um gato? O colégio militar fez


muiiito bem pro corpo dele.

CelieColista: Né? Vc viu a cara de Cal? Parece que o Brandon se


ferrou... De novo!

AlisonQuentin: Acho que Callie vai galinhar geral.


enny desceu lentamente a escada rangente do Dumbarton Hall mais tarde naquela
noite. Mesmo já calçada na segurança de seus chinelos preferidos, ela ainda sentia
que havia uma bola de chumbo gigante alojada no estômago. Eles tinham destruído a
casa do novo reitor e quase mataram a filha dele. A merda ia bater no ventilador.
Ela enfiou a cabeça pelo vão da porta que dava para a área comum. Apesar do fato de
estar quase na hora de apagar as luzes, Angelica Pardee, a inspetora do alojamento, já havia
aparecido e dito a elas que não ficassem acordadas até tarde. Ela claramente não sabia da festa
épica na casa do reitor, caso contrário teria indubitavelmente se assegurado de que todas as
suas encarregadas já tivessem se retirado para seus respectivos quartos.
Todas levantaram a cabeça quando Jenny entrou na sala.
— Festa lendária, Jenny! — Benny Cunningham, vestindo pijama de seda cinza, estava
com as pernas atiradas sobre uma poltrona, indolente. Ela jogou uma pipoca amanteigada na
direção de Jenny. — Gostei particularmente da surpresa no fim.
Jenny corou e foi para o sofá de veludo azul, sentando-se ao lado de Brett.
— Ainda bem que essa eu perdi — disse Brett baixinho. Ela saiu logo depois da briga
com Sebastian e ficou feliz por ter evitado o caos. Mas também ficou secretamente feliz por
todo mundo ter voltado cedo para casa. Foi solitário ficar sentada ali na área comum,
enlouquecendo de pensar sobre o paradeiro e a companhia de Sebastian.
— E, eu te vi gritando com Sebastian. Mas o que foi aquilo? — Benny se curvou para a
frente, os olhos ávidos por uma fofoca.
Jenny sabia que Brett não ia falar no assunto, então se manifestou.
— Pensei que tudo ia bem até aquela coisa toda de desabar-da-claraboia. — Ela tentou
fazer com que seu tom fosse leve, mas na verdade estava preocupada. Continuava pensando
em Isaac, torcendo para que ele não estivesse encrencado demais. Sentia-se péssima por tê-lo
deixado arcar com as consequências sozinho.
Celine Colista, que usava uma camisola Only Hearts apertada, sentou-se sobre as pernas
e passou um cobertor de lã das Waverly Owls pelos ombros.
— E quem liga? A festa vai entrar para a história... E o melhor de tudo é que ninguém foi
flagrado.
Benny riu, bêbada.
— Nem acredito que a gente saiu antes que os seguranças conseguissem pegar alguém.
— Eu nem acredito que ela realmente caiu do telhado! — respondeu Alison, cambaleando
pela sala antes de desabar em uma poltrona vaga. Jenny a vira secar três taças de sangria, e,
com seu corpo mínimo, deve ter tido um impacto e tanto. Lon Baruzza, que deu mole para ela
a noite toda, devia estar ultrairritado com o término repentino da festa.
— Oi! — Benny puxou mais o cobertor cor-de-rosa de cashmere para junto do corpo. —
E Easy Walsh, aparecendo do nada? Isso não foi inacreditável?
— Por que acha que ele voltou? — perguntou Brett, olhando para Callie.
De imediato Callie sentiu os olhares de todas. Não conseguia parar de pensar em Easy
desde que o viu, perguntando-se a mesma coisa. Por que ele voltou? Seria... por ela?
— E aí, eu não entendo, Cal. Você e Brandon estão juntos ou o quê? — perguntou Benny,
prendendo os cabelos castanho-claros num rabo de cavalo.
Callie fuzilou Benny com os olhos. Ela e Brandon tinham se despedido sem jeito quando
fugiram dos seguranças. Embora eles não tivessem conversado, ela estava certa de que ele
também estava pensando na volta do Easy. Ela não sabia o que ia acontecer no dia seguinte.
Seria possível que Easy estivesse de volta para sempre? Agora que ela o vira de novo, a ideia
de ele ir embora antes de ela poder falar com ele a deixava nauseada. Será que ele estava
pensando nela agora? Onde ele estava dormindo? Será que ele realmente notou que Brandon
estava segurando a mão dela?
— Não sei — disse ela por fim, fingindo um bocejo para evitar outras perguntas.
— E Heath? — Brett falou rapidamente, vendo a agonia no rosto da Callie. Callie lhe
lançou um olhar agradecido. — Acho que nunca o vi mais sujo.
— Quanto tempo será que ele seria capaz de durar na mata? — Jenny riu. As outras
meninas não estavam preocupadas com os problemas que teriam, então talvez ela também não
devesse se alarmar. Talvez as coisas dessem certo. — Sem contato feminino.
— Eu senti muita falta dele — admitiu Benny. — E meio legal ter alguém aqui para babar
em você.
Houve uma batida à porta da frente do Dumbarton, e Jenny deu um salto.
— O que é isso? — ela sibilou.
— Não seja tão covarde — respondeu Benny, levantando-se e calçando os tamancos
Mephisto. — Não é a segurança. Eles simplesmente entrariam sem bater. — Ela foi até a porta
e a abriu. Uma lufada de ar frio entrou no hall, junto com uma Sage Francis e uma Verena
Arneval quase azuis, ainda com os saltos altos e os vestidos da festa.
— Mas que porra, tá frio aqui fora. — Sage tropeçou porta adentro, rindo e esfregando
os braços expostos. — Obrigada por nos deixar entrar.
— Nossas identidades ficaram nos bolsos dos casacos — explicou Verena, avançando
para o cobertor no encosto do sofá da sala.
— Peraí, como é? — Os olhos de Brett se arregalaram. — Vocês deixaram os casacos lá?
Com as identidades?
— Mas se eles têm nossa identidade... — Verena silenciou.
— Eles sabem quem somos — Benny terminou a frase, atirando-se numa poltrona. —
Merda! Eu nem pensei nisso. Um monte de nós esbarrou em Yvonne Stidder no caminho para
cá, e ela abriu a porta da frente. Nem percebi que estava sem a carteira.
Jenny encarou Brett nos olhos. Brett, como representante de turma, provavelmente fazia
uma boa ideia do tipo de castigo resultante de uma festa ilegal regada a álcool que terminou
com alguém caindo do teto.
— Estamos totalmente fodidas. — Sage gemeu, pegando um casaco de lã qualquer no
armário da sala de estar que as meninas usavam como depósito de achados e perdidos. Ela se
embrulhou nele. — Eu nem acredito que pensei que estivéssemos livres.
O som de outra batida à porta sobressaltou a todas na sala. Todas olharam, desta vez
apavoradas, enquanto Sage abria a porta cautelosamente. Em vez de um segurança furioso,
Heath Ferro disparou para dentro, parando para abraçar Sage e lhe dar um longo beijo molhado
no rosto.
— Senti cheiro de pipoca, senhoritas?
— Heath, sai pra lá — rebateu Callie, empurrando-o quando ele tentou abraçá-la. O
queixo estava coberto por uma barba rala e alourada, e o rosto estava vermelho e queimado. O
visual desgrenhado combinava com ele, mas depois de todos os boatos de que ele havia comido
pobres esquilos indefesos, Callie estava meio enojada.
— Não posso evitar. Estive privado de contato feminino por tempo demais. — Seus olhos
verdes percorreram a sala ansiosamente, captando as meninas de pijama, esparramadas em
sofás e poltronas. Ele se jogou num sofá entre Brett e Jenny.
— Isto é o paraíso para mim.
— Fala sério, a gente já está com problemas demais. — Brett tirou o braço de Heath de
cima dela. O cheiro dele era uma combinação de desinfetante com cecê. — Vai embora.
— Problemas? — perguntou Heath, pegando uma mecha do cabelo de Jenny e segurando
embaixo do nariz. Ele revirou os olhos como se ele estivesse prestes a desmaiar de prazer.
Jenny puxou o cabelo rapidamente e se afastou um pouco dele.
— Ah, merda — exclamou Brett, levantando-se quando um pensamento terrível cruzou
sua mente. Embora ela não fosse idiota o suficiente para deixar a identidade para trás, foi idiota
para deixar o cachecol de seda com monograma que a avó havia lhe dado de aniversário no ano
passado. Quantas Wayerly Owls tinham as suas iniciais? O reitor levaria uns cinco minutos
para deduzir de quem era.
Neste exato momento, como um sinal dos céus, o telefone de todas vibrou. Menos o de
Jenny. Ela verificou seu Treo misteriosamente silencioso enquanto todo mundo abria o celular.
— Um e-mail do reitor — confirmou Brett, passando a mão no cabelo.
— Por favor, me diga que estamos todos em prisão domiciliar e que teremos de ficar
exatamente aqui pelo restante do Jan Plan — disse Heath, unindo as mãos em oração à ideia
de ficar preso na área comum do Dumbarton com as meninas mais bonitas da escola.
— Deixa eu ver. — Jenny espiou sobre o ombro do Heath para ler o e-mail no celular de
Brett. Era dirigido a uma longa lista de pessoas — todos que estiveram na festa.
Brett continuou a ler em voz alta.
— “Pelos casacos, carteiras de identidade” — Sage Francis gemeu — “e celulares que
ficaram para trás, juntamente a várias fotos dos alunos que fugiram da cena tiradas pela
segurança, conseguimos compilar uma lista dos que compareceram à festa” — Brett leu. —
“Se está recebendo este e-mail, você está oficialmente em condicional acadêmica. Todos
devem se dirigir à minha sala às oito da manhã em ponto de segunda-feira para receber sua
punição. Nesse meio tempo, podem pegar seus pertences abandonados no saguão do Stansfield
Hall.”
— “Atenciosamente, seu novo reitor” — acrescentou Benny numa voz sarcástica. —
Acho que ele afinal não é James Bond.
— Não é uma ironia que eu não esteja encrencado pela primeira vez na vida? — perguntou
Heath, afundando no sofá com um sorriso satisfeito na cara. — Já que eu sou, tipo, o rei das
festas da Waverly.
— Você estava lá, lembra-se? — Sage rebateu, tirando o cabelo louro e sedoso da testa.
— É, mas só no final. E eu fiz parte da equipe de resgate, então isso não conta. — Heath
soprou um beijo para Sage.
— Easy foi o cavaleiro da armadura reluzente que resgatou Isla, e não você. — Benny
observou, encarando o celular enojada.
— Walsh só estava lá porque eu o levei, então Isla tem uma dívida comigo também. —
Heath praticamente lambia os lábios. — E melhor que ele não pense que vai pegar a garota sem
uma boa briga.
— Como é que seu nome não está na lista, Jenny? — observou Callie, com os olhos
castanhos zangados. Por que Heath pensava que Easy queria Isla, para começar? Ele sabia de
alguma coisa? — Foi você que deu a festa!
— Tem certeza de que não estou nela? — perguntou Jenny docilmente, olhando a lista de
nomes. — Quero dizer, não sei por que não recebi um e-mail também. — As palmas ficaram
suadas quando sentiu todos os olhares sobre si. A festa idiota tinha sido ideia dela, e agora era
a única que não tinha problemas? Isso não fazia sentido algum. Embora tivesse sido fácil
recuperar seu casaco, Jenny tinha certeza de que havia deixado na bancada da cozinha o
Moleskine que carregava consigo o tempo todo, para o caso de ver algo que quisesse desenhar.
E o nome Jenny Humphrey estava na capa, com sua caligrafia bem legível. O reitor com certeza
o encontraria.
A não ser que Isaac o achasse primeiro.
— Não vi Isaac nem Isla na lista também — observou Benny, a pele de porcelana se
avermelhando de indignação. Embora cinco minutos antes estivesse desvairada com a festa
lendária, ela encarava Jenny com frieza, como se a menina a tivesse arrastado para tudo aquilo.
— E era a merda da casa deles!
Jenny afundou no sofá, ouvindo o bate-boca de todas. Porém, ainda pior do que os olhares
gélidos das amigas, era a desconfiança nauseante de que Isaac havia feito aquilo para protegê-
la. E o fato de ele achar que era isso que ela desejava. Afinal, ela já havia recebido tratamento
especial mais de uma vez graças a ele. O reitor lhe dera permissão para fazer seu projeto de
arte solo graças à interferência do filho, e ela não foi punida por sair depois do toque de recolher
porque estava com ele.
Agora, ao que parecia, ela seria poupada da punição quando ela é que havia sugerido a
festa ilícita.
Jenny sentiu os olhares furiosos, e seu rosto esquentou. Pela primeira vez na vida, queria
estar encrencada.

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De: IslaDresden@waverly.edu

Para: TinsleyCarmichael@waverly.edu

Data: Sábado, 8 de janeiro, 22h48

Assunto: C’est l avie, amiga

Desculpe, gata, mas você sabe que você teria feito o mesmo comigo.

Bjs
assava da meia-noite, e Callie tinha contado as estrelas que brilhavam no escuro e
desbotavam no teto acima de sua cama um bilhão de vezes. Mas elas não a ajudariam
a dormir. Não esta noite. Não quando Easy estava em algum lugar do campus. Todo
seu corpo estava eletrizado, como se ela tivesse tomado uns vinte lattes, e a mente repassava
sem parar a cena no final da festa. Easy, ali no meio de todo o caos, encarando Callie
diretamente: ela devia ter conversado com ele. Perguntado o que ele estava fazendo de volta à
Waverly. Em vez disso, ficou feito uma imbecil, segurando a mão de Brandon e murmurando
um “Oi” feito um papagaio.
Do outro lado do quarto, Jenny, que normalmente dormia como um bebê, virou-se na
cama pela milionésima vez. As molas guinchavam por baixo dela como unhas num quadro-
negro. Callie não conseguia ficar deitada ouvindo aquilo por mais tempo. Jogou o edredom
grosso de lado e se levantou.
Jenny se sentou na cama, o cabelo uma bagunça embaraçada em volta da cabeça.
— O que está fazendo? — perguntou ela, sonolenta. Olhou para Callie, que despia a calça
de cashmere do pijama e pegava os jeans escuros Stella McCartney que estavam pendurados
na cadeira da escrivaninha.
— Não consigo dormir. — Callie puxou o suéter azul-marinho de tricô da Ralph Lauren
do armário e o vestiu por cima da combinação cor-de-rosa. Pegou meias de lã grossas e as botas
Marc by Marc Jacobs vermelhas. — Preciso tomar ar.
Jenny se sentou.
— Mas a Pardee... Ela vai ouvir você sair.
— Vou fazer silêncio. — Callie pegou um casaco de lã preto que nunca tinha usado no
fundo do armário — podia muito bem tentar se misturar à noite. — Olha, só preciso dar uma
volta. Arejar a cabeça.
— Vai procurar Easy, né? — perguntou Jenny suavemente, puxando o cobertor em volta
do corpo.
Callie piscou. A quem ela estava enganando? Ela não ia sair para arejar a cabeça. Estava
esperando pelo som de pedras na janela, o sinal de que Easy a esperava ali embaixo. Se ele
quisesse vê-la, saberia onde encontrá-la. Mas talvez ele fosse orgulhoso demais para isso.
— Talvez. Deseje-me sorte. — Callie fechou o casaco até o queixo. Precisava falar com
ele. Pensar em Easy era como uma coceira no cérebro, e ela não conseguiria fazer nada até
encontrá-lo. Esperava que, de algum modo, onde quer que ele estivesse, Easy também não
estivesse conseguindo dormir.
— Leve seu celular — disse Jenny, com os olhos castanhos solidários. — Pode me
mandar um torpedo quando precisar entrar. — Callie lhe abriu um sorriso grato antes de sair
pela porta.
Ela caminhou furtivamente pelos corredores silenciosos, prendendo a respiração ao
passar pela porta de Pardee. Em silêncio, saiu pela frente do Dumbarton e enfiou os pés com
meias nas botas já na varanda. A noite estava escura e limpa, e a respiração de Callie
condensava no segundo em que deixava a boca. Seus pés esmagavam as calçadas com sal. Um
bilhão de estrelas estavam visíveis no céu negro. Ela sabia exatamente aonde estava indo.
Quando os estábulos vermelho-escuros na margem do campus entraram em seu campo
de visão, as mãos de Callie estavam quase congeladas. Tinha se esquecido das luvas. O cheiro
dos cavalos a atingiu vigorosamente, provocando o retorno de todas as lembranças com Easy.
Ela não voltara ao estábulo desde que ele havia sido expulso, porque teria sido doloroso demais.
Parecia que ontem mesmo eles estiveram deitados no feno limpo, se beijando. Ele tinha de estar
ali.
Callie olhou em volta, procurando a lanterna bisbilhoteira do zelador Ben, mas o único
movimento que viu foi de uma coruja gorda mergulhando dos galhos nus de um carvalho. Ela
tremeu e passou pela porta do estábulo, abrindo-a com o ombro.
Alguns cavalos se mexeram e relincharam; depois veio o silêncio. O estábulo estava negro
como breu, a não ser pelo feixe de luar que entrava pela janelinha no alto da selaria. O prédio
estava vazio, salvo pelos cavalos.
Lágrimas de frustração encheram os olhos de Callie. Ela não sabia por que tinha tanta
certeza de que Easy estaria ali. Era idiotice, mas sempre achou que tinha uma espécie de radar-
para-o-Easy. Ela sabia o momento em que ele entrava no refeitório ou quando ele saía de uma
festa apinhada para fumar um cigarro. Fazia com que ela sentisse que os dois tinham uma
espécie de ligação mágica.
Ao que parecia, qualquer ligação tinha sido cortada no momento em que ela o largou.
Callie vagou pelo corredor até o meio do estábulo, ainda despreparada para voltar ao
quarto. Seus olhos se adaptavam à luz fraca, e ela pisou no que esperava ser lama. Levantou a
cabeça surpresa quando percebeu que estava diante da baia de Credo. A égua de Easy continuou
na Waverly mesmo depois de sua expulsão, devido a alguma complicação com o transporte
dela ao Kentucky. Os olhos castanhos imensos de Credo observavam Callie atentamente, e ela
estendeu a mão para tocar a testa macia da égua.
— O que está fazendo aqui?
Callie soltou um gritinho. Parado nas sombras da baia de Credo, estava Easy Walsh.
— Está tudo bem — disse Easy a Credo numa voz tranquilizadora, passando a mão
gentilmente pelo dorso do animal. Easy fuzilou Callie com o olhar. — Não sabe que não deve
gritar na frente de um cavalo?
— Desculpe — falou Callie, ajeitando o cabelo, nervosa. O próprio coração batia
descontroladamente. — Você quase me matou de susto.
— Pensei que fosse Ben. — Easy deu de ombros enquanto avançava e apoiava os
cotovelos no alto do portão de madeira da baia de Credo. Ele ainda estava com o casaco da feia
farda militar com a qual havia aparecido na festa, mas de algum modo ele o deixava ainda mais
rústico e sexy. A pele bronzeada brilhava, e os olhos azuis cintilavam sob o luar. Callie queria
que ele não estivesse do outro lado do portão. — Eu não queria ser expulso... de novo.
Callie riu, sem jeito. O som ecoou pelo estábulo amplo. Ela se aproximou um pouco do
portão.
— Como chegou aqui, Easy? — E por que?, ela queria perguntar, mas não conseguia.
Credo podia não ser a única coisa a trazê-lo de volta.
Easy bocejou enquanto passava a mão pelo cabelo preto e curto.
— Eu subornei um táxi que deveria me levar de volta ao colégio militar. Eles me deixaram
na rodoviária.
Callie sentiu os olhos dele cravados nela. Sabia que ele a havia visto na festa.
Provavelmente percebera Brandon de mãos dadas com ela. Será que ele se importou? Ela
mordeu o lábio rachado.
— Bom, estou feliz por você estar aqui, embora seja provável que seus pais tenham um
ataque.
Isso provocou um sorriso torto na expressão de Easy, e Callie sentiu os joelhos
fraquejarem.
— Eles me mandaram de volta à escola mais cedo, então eu tenho um ou dois dias antes
que percebam que sumi.
— Mas o que você vai fazer? — perguntou Callie, com urgência. Ela se recostou no
portão, a mão roçou os nós dos dedos de Easy acidentalmente. Ela pulou para trás rapidamente.
— Quero dizer, não pode ficar escondido no estábulo para sempre. — É claro que ele não
podia. Mas a ideia de ver Easy indo embora de novo... Era um pensamento que ela nem mesmo
queria alimentar.
— Não preciso. — Easy se afastou do portão e pegou uma escova pendurada na lateral
da baia. Começou a escovar Credo, que sacudia a cabeça em aprovação. — Dresden me disse
que, como eu meio que salvei Isla, ele vai tentar me reintegrar. Vai oficializar tudo amanhã. —
Ele pronunciou as palavras despreocupadamente, como se a revogação de uma expulsão pelo
reitor fosse algo corriqueiro.
— Como é? — O queixo de Callie quase foi parar no pé. Easy estava de volta... para
sempre? — Ai, meu Deus. Easy, isso é demais. — Ela achou que fosse desmaiar. O que
significaria ter Easy de volta? Será que tudo seria como antes? Só de ouvi-lo pronunciar o nome
Isla, ela sentiu arrepios de raiva. Esperava que ele não se sentisse grato à filha do reitor por ter
ajudado inadvertidamente em sua volta para a Waverly.
Easy respirou profundamente e abriu o portão. Foi para o corredor, esmagando o feno
com os tênis. Lançou um longo olhar que a fez se esquecer da encrenca na qual tinha se metido
naquela noite.
— Você está bonita — disse ele bruscamente.
— Você também. — Callie sentiu um bolo na garganta. Deu um passo na direção dele e
estendeu a mão para lhe acariciar a cabeça. O corpo dela estremeceu um pouco quando o tocou.
— Mesmo de cabelo curto.
Easy a encarou. Callie sentiu os olhos se fixarem nos dele e aquela atração gravitacional
familiar. Os olhos azuis de Easy, de perto, pareciam confusos, mas ele não a estava afastando.
Os lábios dos dois se aproximavam cada vez mais até que, por fim, depois do que pareceu uma
eternidade, encontraram-se. Callie fechou os olhos e pressionou o corpo no de Easy. Cada
centímetro dela parecia vivo. Ela sentiu-lhe as mãos agarrarem seu cabelo embaraçado,
puxando-a para mais perto. As bocas se moviam freneticamente uma na outra. Já fazia tanto
tempo que não se beijavam — de verdade — que Callie sentiu uma agitação familiar na boca
do estômago.
— Espera. Não. — Easy recuou de repente.
— Que foi? — Callie tentou recuperar o fôlego. Tocou no braço de Easy, mas ele a
afugentou gentilmente. — Qual é o problema?
Ele sorriu com tristeza enquanto esfregava o queixo.
— Não vai me contar o que está rolando entre você e Buchanan?
Callie se endireitou. Levou a mão ao cabelo, tentando ajeitar as partes que Easy tinha
bagunçado.
— O que tem Brandon? — perguntou ela, com petulância.
— Eu vi vocês dois de mãos dadas. — Easy se recostou na baia de Credo, a égua projetou
a cabeça e esfregou o focinho no ombro dele. Easy se virou e arrulhou suavemente na orelha
do animal. Callie olhava a égua com ciúme. Queria que Easy estivesse sussurrando no ouvido
dela.
Callie respirou profundamente. Traçou um semicírculo no chão com a ponta da bota.
— Eu não sei bem o que está acontecendo.
Easy afagou o focinho aveludado do animal.
— Além disso, parece que me lembro de você me dizendo que não podia mais ficar
comigo. Que tinha acabado. No alto do Empire State. Lembra?
Para Callie, foi como se ela tivesse levado um soco nos pulmões. Sim, ela havia dito
aquilo. Mas as coisas eram diferentes na época. Foi depois de ela ficar semanas sem ver Easy
ou mesmo falar com ele. Nenhum e-mail ou torpedo. Ela mal sabia se ele estava vivo. E tinha
perdido o anel de compromisso que ele lhe dera. Ela simplesmente não estava em seu juízo
perfeito.
— Eu sei. Mas não acho que seja isso. — Ela suspirou e olhou para Easy no corredor.
Seu estômago dava cambalhotas. — E você?
Easy suspirou pesadamente e se afastou dela.
— Acho que vamos ter de esperar para ver.
rett estava sentada na área de leitura do primeiro andar da Biblioteca Sawyer na manhã
de domingo, de costas para a enorme vidraça que dava para o pátio. A Sra. Birdsall,
a bibliotecária velha e gélida, tinha subido, provavelmente para flagrar uns alunos se
agarrando perto das estantes, e Brett aproveitou a oportunidade para pegar uma barra de Nature
Valley na bolsa e dar uma mordida breve. Era estritamente proibido comer na biblioteca, assim
como namorar.
Brett suspirou pesadamente e mastigou sua barra de granola farelenta. Normalmente, aos
domingos, a biblioteca ficava apinhada de Waverly Owls frenéticas metendo as caras para os
testes de segunda de manhã, ou apressando-se para terminar os trabalhos. Mas durante o Jan
Plan a biblioteca ficava quase deserta, exceto por uma mesa de calouros nerds no canto,
curvados sobre o que pareciam plantas arquitetônicas de uma estação espacial.
A festa tinha sido um desastre. Primeiro, sua briga com Sebastian, assunto sobre o qual
ela estava evitando pensar ao máximo. Depois recebeu o e-mail do reitor intimando-a por estar
na festa. Ela culpava Sebastian pelo fato de ter ficado tão distraída e deixado o cachecol para
trás. Outra coisa irritante nele. Ela precisou passar no Stansfield Hall naquela manhã, com a
meia dúzia de outras corujas de expressão culpada, para recuperar o cachecol no achados e
perdidos improvisado que o reitor tinha montado — diabolicamente—na frente de sua sala.
Chrissy saíra em excursão a uma loja de tecidos gigantesca nos arredores de Albany, mas
Brett deu bolo na última hora. Não conseguia mais lidar com as ex-namoradas de Sebastian.
Talvez elas pudessem fazer o restante do projeto separadamente.
— Você é Brett Messerschmidt, não? — Brett levantou a cabeça do livro gigante e chato
sobre arte francesa de meados do século XIX e viu uma menina asiática e magra com jeans
escuros e apertados com as barras enfiadas num par de botas pretas de cano alto. Seu cabelo
preto e sedoso ía quase até a bunda. Ela era vagamente familiar, mas Brett não se lembrava do
nome.
— Siiim? — Brett ergueu as sobrancelhas, sem saber onde aquilo ia dar.
A menina recuou, e olhou Brett da cabeça aos pés. Brett sentiu que estava em um teste de
elenco, pelo jeito como a menina avaliava tudo, de sua blusa Juicy Couture florida às calças
ultraconfortáveis modelo boyfriend da J. Crew. Que ironia, agora ela nem mesmo tinha certeza
se ainda tinha namorado. Brett tocou o próprio rosto de forma defensiva para cobrir a espinha
mínima que tinha aparecido na véspera.
— Você é representante do penúltimo ano, não é?
— Sim — respondeu Brett, batendo a bota Salvatore Ferra-gamo na perna da mesa com
impaciência. Ela era representante por enquanto... Quem sabia o que o novo reitor diria a ela
na manhã seguinte? — Posso ajudá-la em alguma coisa?
A menina deu de ombros. A pele dela era irritantemente perfeita.
— Não, só que você não é o que nós esperávamos.
— Nós? — Brett olhou em volta, concluindo que ela devia ser o tema de alguma versão
idiota de Punk’d do Jan Plan.
— Ah, desculpe. Meu nome é Sylvia Ng. Eu costumava sair com Sebastian. — Sylvia
pegou um exemplar da New Yorker em sua bolsa Louis Vuitton e devolveu à estante de
periódicos que, Brett sabia, não fazia empréstimos. — Eu estava conversando com Leila
Rodriguez, e percebemos que, embora não achemos que você faça o tipo de Sebastian nem
nada, é uma graça que ele esteja tão, sabe como é. Ligado em você.
Brett meneou a cabeça, tentando arejar o cérebro.
— Como sabe disso?
Sylvia revirou os olhos de maneira exagerada.
— Outro dia ele disse, tipo, a todas as garotas que namorou que agora tinha namorada.
Pelo menos, tipo, para mim e para Leila, e Leigh e...
Brett sentiu como se estivesse com um comprimido de sabor horrível alojado na garganta.
A lista de chamadas do celular de Sebastian. Ele andou ligando para todas aquelas meninas —
para dizer que estava fora do mercado? Por que ele fez aquilo? O estômago de Brett revirou
quando ela percebeu a resposta. Por causa dela. Porque ela brigou com ele depois do
surgimento de Tricia Rieken. Ele fez o que pôde para se certificar de que não aconteceria de
novo. Por ela.
E ela foi uma completa cretina com ele em retribuição.
— Com licença — murmurou Brett, levantando-se e pegando o casaco. Ela nem se deu
ao trabalho de devolver o livro de arte à estante. Por que presumira o pior tão rapidamente? Ela
não tinha motivos para não confiar nele, no entanto, nem mesmo deu a ele uma chance de se
explicar.
Brett saiu em disparada da biblioteca, angariando um aviso rabugento da Sra. Birdsall, e
praticamente correu até o alojamento de Sebastian, reduzindo o passo à entrada só para
recuperar o fôlego. Os veteranos que assistiam a um filme idiota de Seth Rogen na área comum
a olharam quando ela passou. Quando chegou à porta dele, parou. O que ia dizer? Iria prometer
não fazer isso de novo. Será que ela estava determinada a estragar todos os relacionamentos
nos quais se metia?
A porta se abriu. Sebastian estava ali, sem camisa, vestindo uma calça preta de pijama da
Calvin Klein. No som, tocava ópera.
— Você ia bater? Ou pretendia ficar parada no corredor o dia todo?
Brett piscou, tentando não olhar o peito musculoso e esbelto de Sebastian.
— Eu estava pensando na melhor maneira de me desculpar com você.
Sebastian recuou, apoiando-se no encosto da cadeira.
— E já decidiu? — Sua voz não estava exatamente fria, mas estava distante. Mas ela
certamente merecia aquilo.
— Me desculpe. — O coração dela ainda batia como louco devido à corrida até ali. Ela
precisou falar em frases curtas e entrecortadas. — Agi como uma louca. Peço mil desculpas
mesmo por não ter te dado uma chance de se explicar. Ou melhor, por ter tirado conclusões
precipitadas. É só que... Eu fiquei meio... nervosa quando comecei a perceber quantas garotas
você namorou. Eu não sabia bem como eu me encaixava nisso.
Sebastian comprimiu os lábios.
— Eu te disse como você se encaixava, lembra? Disse que você era a única que importava.
— Eu sei. — Brett tentou inspirar para recuperar o fôlego.
— Acho que a verdade é que... — Ela se interrompeu, sem saber se queria confessar
aquilo. Mas precisava ser sincera. Devia isso a ele. — Eu traí meu último namorado. E ele me
traiu. E então eu não tenho certeza... se confio em mais alguém.
Sebastian meneou a cabeça.
— Sua garota maluca. Eu sei que você tem muita bagagem... Deu para ver quando pus os
olhos em você.
Brett riu.
— Não deu, não. — Ela viu a foto emoldurada da avó dele na mesa, diante de um
restaurante italiano minúsculo. Como pôde ter duvidado dele? Talvez porque as coisas
estivessem indo tão bem entre os dois, ela entrou em pânico e pegou a saída mais fácil —
fugindo antes de se aprofundar demais. Mas quando ele sorriu para ela com seus lábios fartos,
ela percebeu que já havia pulado de cabeça.
E gostava disso.
— O negócio é o seguinte — disse Sebastian, pegando Brett pelo cotovelo e a puxando
para ele. — Não é tão complicado assim. Você gosta de mim. Eu gosto de você. E pronto.
Brett desenrolou o cachecol verde que tinha jogado apressadamente no pescoço.
— Acha mesmo que é simples assim?
— Com você? — Sebastian deu de ombros, parecendo meio constrangido de repente, do
mesmo jeito que havia ficado nas férias de Natal quando ela descobriu o ursinho de pelúcia
surrado na estante dele. — Sim, acho. E não é como se eu, sabe como é, já tenha me sentindo
assim.
Uma explosão de calor se espalhou pelo corpo de Brett.
— É mesmo? — ela gritou.
— É. — Os olhos escuros de Sebastian encontraram os de Brett e o calor se aprofundou.
Ela se aproximou, tocando o braço dele com a mão enluvada. Ele sorriu para ela, o sorriso
familiar e irônico. — Por que mais eu suportaria sua loucura toda?
Brett apoiou a cabeça no peito forte. Pelo cheiro, parecia que ele havia acabado de sair do
banho.
— Isso quer dizer que eu estou perdoada?
— Mas é claro que não — respondeu Sebastian, com firmeza, colocando as mãos nos
ombros dela e apertando suavemente. — Terá de se esforçar um pouco mais do que isso. —
Mas depois a carranca falsa se transformou num sorriso diabólico.
Brett suspirou alegremente e avançou para ele, até os corpos quase se tocarem.
— Tenho algumas ideias de como compensar com você.
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BennyCunningham: Viu Jenny esta manhã? Ela ainda não ouviu nada
do reitor.

SageFrancis: Que boa merda. Ser flagrada já é bem ruim. Mas quando
quem dá a festa se safa, é ridículo.

BennyCunningham: Vc sabe q é pq o filho do reitor está apaixonado


por ela.

SageFrancis: Ou pelos peitos gigantes.

BennyCunningham: Isso também não é justo!


hateada, Jenny olhou o húmus intocado em sua bandeja. Não tinha apetite nenhum.
Chegou atrasada para o almoço depois de passar a manhã toda no estúdio de arte.
Era o lugar perfeito para evitar quase todo mundo, e Jenny ficou com o espaço inteiro
e amplo só para si. Mas não conseguia se concentrar em seu trabalho. Estava completamente
consumida pela ansiedade, verificando o celular a cada cinco minutos para ver se o reitor havia
lhe mandado um e-mail. Nada. Por mais louco que parecesse, ainda tinha esperanças de que
talvez ele lhe tivesse reservado uma punição especial, só para ela, por planejar a festa. Mas
parecia que Isaac a salvara inteiramente.
Do outro lado do salão de jantar, Benny e Verena estavam sentadas a uma mesa pequena
e redonda. Quando Jenny seguiu em direção a elas, ambas se levantaram e foram explicitamente
para a devolução de bandejas, embora só tivessem comido metade de seus sanduíches. Jenny
suspirou por causa do fora. Pelo menos Callie estava distraída demais com a volta de Easy para
ficar irritada com Jenny. Quando elas estavam às pias do banheiro naquela manhã, Callie
começou a escovar os dentes sem colocar pasta nenhuma na escova. Jenny teve de agitar o tubo
de Crest na frente da cara da colega de quarto antes que ela percebesse isso. Callie normalmente
era lerda de manhã, mas isso era outra coisa.
Do outro lado do salão, uma mesa repleta de calouros cochichava e apontava para Jenny.
Isso fez seu estômago revirar. Ela se levantou, devolveu a bandeja com o almoço intocado e
saiu do refeitório num rompante.
Cinco minutos depois, viu-se batendo à porta da sala do reitor Dresden.
— Entre — berrou ele. Ela abriu a porta timidamente. A sala estava completamente
transformada em relação ao outro dia. As paredes haviam sido pintadas de um amarelo girassol
forte — a cor que Jenny sugerira no dia em que o conhecera. As prateleiras estavam cheias de
livros de todos os formatos e tamanhos, e havia um globo antigo em um suporte de madeira
escura no canto. Um tapete persa elegantemente envelhecido cobria a maior parte do piso de
tábua corrida antes exposto.
— Ah. Olá, Jenny. — O reitor Dresden levantou a cabeça do novo monitor de tela plana
no meio de sua mesa. Recostou-se na cadeira. — Como está hoje?
Jenny piscou diante da simpatia do reitor. Não havia vestígio de raiva em seu rosto
distinto.
— Estou... bem. — Ela se aproximou, ajeitando nervosamente a saia pregueada na altura
do joelho. — Mas eu só queria lhe perguntar uma coisa.
— Pergunte.
Jenny tomou fôlego. Suas botas deixavam pegadas no tapete aparentemente caro.
— Eu estava me perguntando quando eu vou, hummm, receber minha punição pela festa.
O reitor deu um longo suspiro e clicou em alguma coisa com o mouse.
— Jenny, não vamos nos preocupar com isso. — Pela primeira vez, ela percebeu uma
tensão nos olhos verde-acinzentados, como se ele fosse a pessoa pouco à vontade com o
assunto.
— Mas... por quê?
O reitor assentiu lentamente, alisando a gravata listrada de azul-marinho e amarelo. A
janela atrás dele dava para o pátio, e Jenny conseguia ver um bando de garotos construindo um
forte gigante de neve. Queria estar lá fora com eles agora. Mas então percebeu que alguns
deviam estar em condicional acadêmica. E era tudo culpa dela.
— Olha, eu sei que você é uma boa garota e acredito em uma segunda chance.
— Mas e todos os outros? — Se Jenny merecia uma segunda chance, então todos os
outros que haviam sido flagrados, também. — E a segunda chance deles?
— A condicional acadêmica já é uma segunda chance para eles. — O reitor franziu os
lábios. — Isaac disse que você não sabia nada da festa. Não é verdade?
O rosto de Jenny adquiriu um vermelho vivo. Era gentil da parte de Isaac dar cobertura a
ela, e definitivamente era lisonjeiro que ele quisesse protegê-la. Mas isso não queria dizer que
fosse justo. Por um instante, ela pensou no que significaria uma confissão. Significaria ter de
contar ao pai que ela estava em condicional acadêmica. Significaria não poder aprontar de
novo.
Mas se ficasse de boca fechada, todo mundo iria continuar ressentido com ela. Todos,
inclusive todas as amizades que ela tanto lutou para conquistar na Waverly.
Ela respirou profundamente.
— Reitor Dresden, Isaac só disse isso para me proteger. A festa foi minha culpa. Se eu
não tivesse sugerido a Isaac, não teria acontecido.
O reitor se levantou e se curvou sobre a mesa. Olhava para Jenny com curiosidade.
—Jenny, tem certeza de que sabe o que está dizendo?
Jenny assentiu firmemente para ele, embora não conseguisse olhar nos olhos do reitor.
— Sim. A festa foi ideia minha, e eu lamento por isso. Não mereço nenhum tratamento
especial. Gostaria de ficar em condicional com todos os outros.
Sentindo-se culpada, ela se perguntou se Isaac estava varrendo cacos de vidro e lavando
taças de vinho. Eles pretendiam mandar todo mundo para casa com tempo suficiente para
limpar a festa antes que o reitor e a esposa voltassem, mas evidentemente o plano não deu certo.
— E se precisar de alguém para ajudar a limpar a casa, estou à disposição.
O reitor Dresden meneou a cabeça severamente e esfregou o queixo.
— Em todos os meus anos em várias escolas, acho que esta é a primeira vez. Uma aluna
me procura, pedindo para ser castigada. —Ele balançou a cabeça, avaliando Jenny, parecendo
surpreso, mas talvez, apenas talvez, meio impressionado. — Mas, como sabe, esta festa foi um
lapso de julgamento sério. Minha filha quase se feriu gravemente.
— Percebi isso — disse Jenny, com brandura, olhando para o chão.
O reitor pigarreou.
— Verei você na segunda de manhã às oito, junto com todos os outros. — A voz dele era
ríspida.
Jenny abriu um sorriso fraco, grata por tudo ter terminado. Ficar em condicional não seria
divertido, mas pelo menos ela conseguiria encarar as pessoas de novo.
Nunca foi tão bom estar encrencada.
insley acordou tarde na manhã de sábado, com o sol brilhante de meio-dia entrando
pela persiana quebrada. Parecia que tinha um bicho morto na boca — uma sensação
que, como vegetariana, era totalmente ofensiva para ela. Pegou a garrafa quase vazia
de Evian ao lado da cama e bebeu um gole, depois engoliu rapidamente dois comprimidos de
Advil. Sua cabeça martelava.
Ela rolou para fora da cama, com os pés descalços no chão frio de tábua corrida. O quarto
estava vazio, e a cama de Brett estava bem feita. Tinsley levantou as persianas, bocejando.
Havia nevado na noite anterior, e o pátio estava cheio de Waverly Owls felizes, num jogo de
pega-bandeira. Embora ela normalmente não saísse para atividades animadas do campus,
agora, de certo modo queria poder calçar as botas e derrubar alguém na neve.
De preferência uma filha de reitor mimadinha, mentirosa e duas-caras.
A pior parte não era estar enrascada — ela já esteve nessa situação muitas vezes. Era ter
sido idiota o suficiente para jogar fora o que tinha com Julian por alguém como Isla. Alguém
que a apunhalou pelas costas na primeira oportunidade que teve. Ela ainda não acreditava que,
depois de entregá-la, Isla teve a coragem de alegar que Tinsley teria feito o mesmo com ela.
Quanto mais Tinsley pensava nisso, porém, mais percebia que em outros tempos talvez
tivesse feito mesmo. Depois de largar o isqueiro de Julian e começar o incêndio que destruiu o
celeiro da fazenda dos Miller naquele outono, ela deu um jeito de colocar a culpa toda em
Jenny. Só porque Julian gostava da Jenny. Foi idiota e infantil, mas Tinsley aprendeu sua lição.
E havia um motivo para ela mudar, e para melhor. Julian.
Ela folheou as fotos que estavam impressas, olhando todas as imagens lindas dela e de
Isla. As duas eram lindas, é verdade, mas agora tudo parecia tão inútil. Eram duas garotas
bonitas chamando atenção e agindo como prima-donas diante de toda a população estudantil
da Waverly. Foi uma desculpa para ficar bonita e se exibir, e nada mais.
Tinsley parou numa foto. Ela, sozinha, de biquíni vermelho, colocando uma cartola no
boneco de neve. Estava com a cara virada para a câmera e ria. Era uma foto bobalhona, mais
gracinha do que sensual — ela ria histericamente e, apesar do biquíni, meio que parecia uma
garota que adorava brincar na neve. Mas, de repente, ela percebeu que só queria mostrar a foto
para uma pessoa. Rasgou o restante das fotos ao meio, jogando os pedaços na lixeira.
Reservaria um tempo para apagar todas as fotos de sua câmera depois.
Sem se dar ao trabalho de tomar banho, ela vestiu o jeans preferido da True Religion.
Depois meteu os pés nos tênis e vestiu o casaco vermelho acolchoado da Guess por cima da
camiseta Calvin Klein preta. Nem mesmo se olhou no espelho ao sair pela porta.
Julian saía de seu alojamento quando Tinsley apareceu correndo. Ele usava um gorro de
tricô azul-marinho com uma faixa vermelha larga na testa.
— Oi — disse Tinsley, nervosa, reduzindo o passo. Ele estava com uma bolsa de
fotografia preta pendurada no ombro. — Para onde está indo?
Julian não parou ao descer a escada do alojamento. Abriu um sorriso indiferente para
Tinsley.
— Me encontrar com Alan. Trabalhar em nosso filme.
— Olha, podemos conversar? — Tinsley se colocou na frente dele para que Julian fosse
obrigado a parar.
— Gozado você querer conversar agora. — Ele parou, encarando Tinsley nos olhos. Os
olhos castanhos dourados a fitavam como se ela fosse uma estranha, e Tinsley ficou chateada.
— Você não teve muito interesse na outra noite quando eu quis conversar.
— Por favor, não fique assim. Desculpe. — Os tornozelos de Tinsley estavam
congelando, e, de repente, ela se sentiu uma idiota, parada diante do alojamento dos calouros
sem meia nenhuma, pedindo o perdão do cara que havia dispensado de forma tão imbecil.
— Desculpe pelo quê? Por terminar comigo porque odiei a ideia de ter toda a população
masculina da Waverly, que aliás é apaixonada por você desde sempre, babando nas fotos do
seu corpo seminu? — Ele cruzou os braços e olhou para o horizonte. Tinsley podia ver o boneco
de neve na frente da academia, o mesmo que ela e Isla usaram na primeira sessão de fotos.
Alguém tinha roubado os gravetos que faziam seus braços, e ele parecia triste sem eles. —
Porque apareceu alguém mais novo e mais interessante?
— Não foi isso que aconteceu — insistiu Tinsley, sentindo o estômago começar a tremer.
— Eu só... não queria ser um daqueles, sabe, casais de moletom.
— Casais de moletom? — Os olhos de Julian se arregalaram. Ele tirou um par de óculos
de sol do bolso, e Tinsley estendeu a mão para tocar a manga do casaco dele. Ela não deixaria
que ele colocasse os óculos — precisava ver seus olhos castanhos, precisava saber o que ele
pensava. Ele os devolveu ao bolso, mas se afastou dela, fazendo-a retornar a mão à lateral do
corpo. — O que isso quer dizer?
— Você sabe. — Tinsley remexeu os pés. Seus tênis escorregavam na neve. — Aqueles
casais que passam o tempo todo juntos, vendo filmes e comendo Cheez Doodles, perdendo
tudo.
— Tem razão — respondeu Julian, com sarcasmo. — Parece exatamente com a gente.
Tinsley meneou a cabeça. Agora parecia uma bobagem, e ela queria voltar no tempo para
ter a chance de dizer tudo a ele antes de as coisas se desvirtuarem tanto. — E eles engordam,
porque só pedem pizza o tempo todo. E depois só conseguem vestir moletons, porque estão
gordos e preguiçosos.
Julian se virou para Tinsley. Estava chocado.
— É isso que acha que eu quero? Roubar você de seus amigos e te deixar gorda e
preguiçosa?
— Não!
Julian começou a se afastar do alojamento, e Tinsley foi obrigada a segui-lo. Eles
passaram por alguns calouros que carregavam estojos de instrumentos musicais.
— Você está distorcendo minhas palavras quando estou tentando pedir desculpas.
— Eu estou tentando entender você, Tinsley. — Ele balançou a cabeça lentamente
enquanto olhava para a frente. Tinsley teve de correr para acompanhar suas passadas longas.
— Porque, sabe de uma coisa, não dá para saber o que você está sentindo. Por que não me disse
isso antes de terminar comigo? — Ele puxou o gorro ainda mais para baixo. — Há três semanas,
você terminou comigo porque eu não era virgem... E também não me deu um motivo. Nem
uma chance de me explicar.
— Eu... — Tinsley abriu a boca, mas não saiu nada. Ele tinha razão, de certo modo. Mas
isso era só parte da história. Dois esquilos gordos correram pelo caminho, e Tinsley reprimiu
o impulso de chutar neve neles.
Julian parou. Suspirou enquanto brincava com o zíper do casaco. A covinha sob os lábios
dele estava visível agora.
— Olha. Eu gosto muito de você. Posso até estar apaixonado por você. Mas não posso
continuar assim. Você fica chateada comigo. Não me diz por quê. Termina comigo. Volta e
pede desculpas. Depois começa tudo de novo.
— Você está terminando... comigo? — Os joelhos de Tinsley vergaram. Mais além, ela
viu o banco onde estava quando conheceu Isla. Queria estar mais perto, porque achou que fosse
desmaiar. Não podia estar tudo acabado com Julian. Não pra valer.
— Você é que terminou comigo, lembra-se? — Julian respirou profundamente. — Não
vou te dar a chance de fazer isso de novo. — Ele se virou para sair.
— Espera! — Tinsley sentiu o coração na boca. Ele não podia deixá-la daquele jeito.
— Desculpe — disse Julian, a voz mais triste do que ela já ouvira. Ele se curvou para a
frente, e o coração de Tinsley deu um salto. Mas ele só colocou os lábios no rosto dela e lhe
deu um beijo breve antes de girar e se afastar, andando muito rapidamente.
Tinsley o observou caminhando pela calçada até desaparecer em meio a um grupo de
pessoas na escada do Maxwell. A foto de biquíni vermelho ainda estava no bolso, mas ela
estava chocada demais, e tinha orgulho demais, para correr atrás dele agora. Em vez disso,
voltou ao alojamento e a colocou por baixo da porta dele.
Mesmo que ele não quisesse, era dele e só dele.
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IsaacDresden: Meu pai disse que você o procurou hoje. Por que fez
isso?

JennyHumphrey: Tive de fazer. Foi muito legal de sua parte me


proteger, mas a festa foi ideia minha. Eu devia ter problemas como
todos os outros.

IsaacDresden: Ainda acho que você é louca, mas estranhamente acho


que você marcou pontos com meu pai por isso.

JennyHumphrey: E os pontos com você?

IsaacDresden: Você já está na frente em minha contagem.

JennyHumphrey: E vc? Está enrascado?

IsaacDresden: De castigo. Indefinitivamente.

JennyHumphrey: Pode escapulir para um café? Acho que ainda te


devo uma.

IsaacDresden: Que bom. Quero continuar vendo você...


Indefinidamente.
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BennyCunningham: Estive na sala do reitor e você não vai adivinhar


o que eu ouvi.

SageFrancis: O que vc estava fazendo lá?

BennyCunningham: Pegando meu casaco. E deixando uns brownies.


Tanto faz. Quer saber o que ouvi ou não?

SageFrancis: Ou que, que o reitor não é Marymount? Que ele deixou


Easy Walsh voltar para Waverly pq ele salvou a vida da filhinha dele?

BennyCunningham: Cretina. Então já sabe?

SageFrancis: Todo mundo sabe. O que será que significa para Callie?

BennyCunningham: Vou te contar o que significa — ela vai ter


concorrência por causa de EZ. Acho que Isla pode ter se apaixonado
pelo cavaleiro da armadura reluzente.

SageFrancis: Eu te disse que o Jan Plan não seria um tédio.

Fim
Classic

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