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t Girl Novel
Volume 9
devious
Garota em Foco
Se seguir todas as regras, perderá toda a
diversão.
— Katharine Hepburn
É JANEIRO na Waverly Academy. Isso significa uma coisa,
apenas: novidades. E neste caso específico, filhos do novo reitor.
Isla e Isaac Dresden são a nova sensação do campus, e toda a
escola está fervilhando com as últimas fofocas. Mas quem será
que fisgará o gatíssimo Isaac? E será que Isla disputará a vaga
para a it girl da escola?
sino da capela tocou naquela manhã fria de janeiro, alertando o corpo discente da
Waverly Academy de que só faltavam cinco minutos para o primeiro discurso do reitor
saudando um ano novo em folha. Jenny Humphrey inspirou profundamente o ar
revigorante ao descer às pressas um dos caminhos cobertos de sal que cruzavam o pátio cheio
de neve. As botas Camper forradas com lã esmagavam a neve, e as pontas do longo cachecol
dourado e branco que a mãe mandara de Praga balançavam às costas dela como uma bandeira.
Era manhã de segunda-feira depois das férias de Natal, e o ambiente ainda não havia sido
maculado por pegadas e guerras de bola de neve. Os telhados íngremes dos prédios de tijolinhos
da escola estavam cobertos de branco, parecendo casinhas feitas de biscoito. Aquele cenário
fez Jenny se apaixonar pela Waverly Academy outra vez.
Mais adiante, uma multidão de alunos entrava na capela de pedra, ansiosos pelo fim do
discurso de boas-vindas-ao-campus do reitor Marymount.
— Você está tão bronzeada, Jenny! — exclamou Sage Francis, acenando do alto da
escada. Seu cabelo louro-palha espigado aparecia por baixo de uma boina de tricô listrada de
cor de rosa e branco. — Nem acredito que você passou duas semanas nas Bahamas com os
Vernon.
— Suas sardas estão bem visíveis. — Benny Cunningham olhou Jenny criticamente
enquanto dava um nó Windsor perfeito na gravata listrada da Waverly. Jenny precisara de umas
vinte tentativas na frente do espelho para conseguir aquilo. Seu casaco Michael Kors se agitava,
aberto sobre o blazer marrom do uniforme da Waverly. O primeiro discurso na capela de
Marymount exigia que todos usassem a mesma roupa, pelo menos durante a manhã.
— Só uma semana — corrigiu Jenny, ignorando o comentário passivo-agressivo de
Benny sobre suas sardas enquanto as meninas esperavam que a multidão cruzasse a porta. Ela
passara o Natal em Nova York com o pai, Rufus, e o irmão, Dan, depois uma semana com
Callie Vernon, sua colega de quarto e beldade sulista, no retiro familiar em Nassau. Quando
arrumava as malas para sair de férias, Callie lhe pedira que a acompanhasse em sua viagem
com a família, pois não desejava ficar sozinha com os pais. Jenny ficou meio intimidada com
a ideia de passar uma semana com a glamourosa governadora da Georgia, mãe de Callie, e o
pai, magnata internacional de imóveis. Mas eles foram surpreendentemente despreocupados,
passando os dias com seus laptops e celulares, deixando que as meninas fizessem o que bem
entendessem — o que consistiu principalmente em estender suas esteiras de palha na areia
quente e tomar sol. Jenny esgotou a coleção completa dos livros de Agatha Christie e dois tubos
inteiros de filtro solar Neutrogena Ultra Sheer.
— Fala sério, eu esperava que você usasse um filtro solar mais forte — acrescentou
Benny, cuja pele clara parecia fantasmagórica. As três meninas abriram caminho a cotoveladas
pelas pesadas portas de carvalho e adentraram a capela. — O sol tropical praticamente garante
câncer de pele e rugas — disse com tom de autoridade.
Jenny quase riu. Na Constance Billard, sua antiga escola em Nova York, ela sempre teve
inveja das colegas de turma que voltavam bronzeadas e lindas de suas férias em Palm Beach
ou em St. Lucia. Agora, ela era uma delas.
— Sentem-se, Waverly Owls! — ordenou a srta. Rose, professora de inglês de Jenny. Ela
bateu palmas e tentou conduzir os alunos lentos para dentro. Até o corpo docente tinha a
obrigação de usar o blazer e a gravata do uniforme na primeira reunião na capela, e a professora
mignon podia muito bem passar por uma aluna.
A capela de pé-direito alto era quente e úmida. Os corredores estavam apinhados de
meninos com blazers amassados, dando tapas nas costas dos colegas e trocando apertos de mão
complicados nos quais batiam os nós dos dedos. Meninas se abraçavam e tagarelavam sobre as
viagens de família a Anguilla ou Aspen.
— Jenny! — chamou Alison Quentin, amiga de Jenny da turma de artes que estava
sentada em um banco perto da frente da capela. — Guardei seu lugar.
Jenny se espremeu por um bando de meninas risonhas do time de futebol que admiravam
a pulseira cravejada de diamantes no braço de Rifat Jones. Deslizou no banco duro de madeira
ao lado de Alison.
— Como foram suas férias? — perguntou Jenny, soltando o cachecol do pescoço. Ela
sacudiu um pouco da neve que derretia em seus cachos castanhos e compridos. — Você foi
para Connecticut, não foi?
— Um tédio. É tão bom voltar para a civilização. — Alison revirou os olhos e arregaçou
as mangas puídas do blazer. — Olha, o que vai fazer no Jan Plan? Ontem à noite, Verena e eu
decidimos escrever e apresentar uma peça de um ato, mas precisamos de outra pessoa para que
dê certo. Quer entrar?
O Jan Plan era uma das maiores instituições da Waverly Academy. Em vez de aulas
comuns, os alunos passavam o mês de janeiro no campus trabalhando em um projeto de
aprendizado menos convencional. A maioria trabalhava aos pares ou em pequenos grupos,
fazendo coisas que iam desde analisar os padrões de precipitação nas trilhas de Rhinecliff à
redação de um artigo sobre a representação da beleza em Ugly Betty. Havia algumas aulas
ministradas por professores da Waverly para os alunos que não conseguiam se entender sem
uma estrutura regular de cursos, mas eram muito mais divertidas do que as aulas medianas de
química ou álgebra: as mais populares eram Fundamentos do Tricô, Apreciação da Música e
cursos de imersão em variados idiomas, que implicavam horas na sala de projeção assistindo a
filmes estrangeiros e comendo pipoca.
O melhor de tudo era que os alunos eram avaliados num sistema de passou ou falhou. O
que naturalmente significava dormir tarde e ir a festas toda noite.
— Obrigada pelo convite — disse Jenny, metendo as luvas cor-de-rosa da Gap nos bolsos
do blazer. Ela moveu os joelhos para deixar um jogador de futebol americano parrudo passar.
— Mas eu meio que esperava trabalhar num projeto de arte no qual andei pensando.
Depois de fazer dois cursos incríveis no segundo semestre — ilustração e fotografia
avançada — Jenny estava louca para aplicar o que aprendera em um projeto de arte solo.
Durante as férias, ficou na esquina da Columbus Avenue com a 85 observando o fluxo de
pessoas que atravessavam a rua enquanto o sinal verde piscava para os pedestres. Uma neve
úmida caía do céu, e algo no movimento das pessoas fazia Jenny desejar ter uma câmera
consigo — ou ela mesma ser uma câmera. Tentou imaginar como ficaria a fotografia caso
deixasse o obturador aberto: as latas de lixo e caixas de correio na calçada permaneceriam as
mesmas, mas as pessoas seriam apenas um lindo borrão de movimento. De imediato, entendeu
que queria reproduzir tal impressão com os olhos e as mãos.
O que seria complicado, porque os alunos eram estimulados a trabalhar juntos no Jan
Plan. Tecnicamente, só os alunos do penúltimo e do último ano tinham autorização para
trabalhar sozinhos.
— A srta. Rose disse que vou precisar da permissão do Marymount para fazer isso
sozinha.
Alison passou ChapStick de cereja nos lábios.
— Boa sorte. Sabe bem que ele pode ser um rabugento.
Jenny assentiu lentamente. Estava morrendo de medo de pedir permissão ao reitor para
trabalhar sozinha em seu projeto, especialmente porque ela já havia se metido em encrenca
tantas vezes naquele ano. O que poderia dizer para que ele acreditasse que era uma Waverly
Owl responsável e obediente?
— Peraí, cadê o reitor Marymount? — perguntou Jenny, esticando o pescoço e tentando
localizá-lo. O sino da capela tinha parado de soar cinco minutos antes, e um murmúrio corria
pela multidão de alunos, que começava a perceber que alguma coisa não estava muito certa.
— Aquele não é Marymount — cochichou Alison. Todo o corpo estudantil observou
quando um homem alto, de fartos cabelos grisalhos, cruzou o palco com confiança. Tinha quase
50 anos, era elegante e poderia ter encenado o papel de James Bond em outra vida... bem
diferente do careca de suéter, o reitor Marymount. — Ele está vestindo Armani? — perguntou
Alison, fazendo sinal com a cabeça para o terno de aparência cara.
Quando James Bond chegou ao púlpito no meio do palco, toda a capela zunia com
conversas.
— Atenção, todos vocês. — Ele ergueu uma única mão no ar. — Não precisam entrar em
pânico. — O homem tinha uma voz grave e tranquilizadora, e, como que por mágica, a sala
ficou em silêncio. — O reitor Marymount está vivo e passa bem, mas houve uma mudança na
administração. Meu nome é Dr. Henry Dresden, e sou seu novo reitor.
A capela soltou um arfar coletivo.
— As coisas serão um pouco diferentes comigo no comando. — O Dr. Dresden riu e
alisou a gravata azul-royal. — Estarei nas trincheiras com vocês. Ministrarei um curso no
primeiro semestre, Composição Literária Avançada, para os azarados que se matricularem nele.
Ele abriu um meio sorriso para os alunos assombrados.
— Aimeudeus. É tarde demais para fazer a matrícula? — cochichou Alison, cutucando
as costelas de Jenny com força.
— Além disso, meus filhos, Isaac e Isla, trabalharão entre vocês. — Ele inclinou a cabeça
de leve e sorriu para um menino e uma garota sentados à beira do palco. Jenny não os havia
percebido. Os dois tinham uns 16 ou 17 anos, cabelos escuros ondulados e olhos verde-claros...
E eram incrivelmente bonitos. Estavam com o blazer marrom da Waverly, que, neles, ainda
tinha um ar engomado e novo.
— Alguém ouviu minhas orações. — Ryan Reynolds se curvou para a frente, recostando-
se ao banco de Jenny, para dar um soco no braço de Lon Baruzza. — A garota é minha.
Alison revirou os olhos.
— Boa sorte. — A filha do reitor, cujo cabelo castanho ondulado tinha um corte perfeito,
puxou a saia xadrez Burberry com mais firmeza por sobre os joelhos, como se soubesse que
todos os meninos presentes a encaravam.
Jenny voltou os olhos para o garoto. Era lindo, de cabelo escuro meio crespo e pele macia
e bronzeada. O estômago dela revirou quando ela percebeu que ele a olhava fixamente. Um
leve sorriso surgiu nos lábios dele, como se tivesse gostado do que viu.
O coração de Jenny se acelerou ao dobro da velocidade normal. Seria imaginação dela?
Os olhos verdes impressionantes do garoto traziam uma expressão brincalhona, um desafio ao
sustentar seu olhar. De repente, o projeto de artes que parecia tão importante cinco minutos
antes era a coisa mais remota na mente dela.
Jenny estava acostumada a ser a garota nova do campus, mas agora estava feliz por
abdicar do título.
TinsleyCarmichael: Que pena que ele não era o reitor quando Easy
estava aqui.
Dia 1
Acordei ao amanhecer para pegar madeira. Achei ótima localização para o abrigo e
construí um alpendre com mudas de bétula usando trepadeiras e a confiável faca de titânio
Rambo 5.0 Full Tang. Que pena que ninguém me viu fazer isso. Voltei mais tarde para passar
a noite com BB, que rapidamente deu uma de mulherzinha. Tudo bem. HF não precisa de
ninguém.
Comida: Montei uma armadilha e peguei o primeiro esquilo. Cozinhei-o num graveto até
ficar bom e crocante. Achei uns cogumelos marrons escuros por baixo da neve para um lanche
de madrugada. Nada mais satisfatório do que pegar e comer sua própria comida.
Estado de espírito: Excelente. A mente parece mais clara. Prestes a dormir de barriga
cheia sob as estrelas depois de um longo dia de trabalho. Todos aqueles nenenzinhos do
campus, enroscados sob seus edredons, não sabem o que estão perdendo.
m pouco mais para cima... Um pouco mais. Mais forte, por favor... Ah, isso, isso —
Tinsley gemia.
— Tem alguma ideia de como isso soa obsceno? — Julian McCafferty tirou
as mãos dos ombros dela no meio da massagem. Tinsley estava sentada de costas na cadeira de
Julian, olhando a janela escurecida, enquanto ele aliviava toda a tensão de seus ombros, duros
devido à partida de tênis indoor daquela manhã. Os sons tranquilizadores de uma música antiga
do Death Cab for Cutie emanavam de seu Bose SoundDock.
— Claro, amorzinho — respondeu Tinsley, fechando os olhos. Adorava sentir as mãos
fortes de Julian nos ombros. — Por que acha que estou fazendo?
Tinsley passou um Natal relaxante movido a compras em Nova York com os pais — a
mãe se sentia tão culpada por abandonar Tinsley no Dia de Ação de Graças que elas quase
estouraram seu cartão AmEx numa farra de compras na Madison Avenue. Mas o ponto alto de
suas férias foi se encontrar com Julian na casa dos Carmichael em Lake Placid. Eles passaram
longos dias nas rampas, dando amassos nos teleféricos e disputando corrida na descida da
montanha. Julian era um esquiador ainda melhor do que Tinsley, o que a deixou louca — de
um jeito bom e ruim. Eles passaram as noites enroscados na frente da lareira, com uma garrafa
de vinho, ou no ofurô externo, vendo as estrelas cristalinas aparecerem no céu claro da noite.
Julian colocou os lábios na nuca de Tinsley para um beijo rápido antes de cair de cara na
cama. Ele era tão alto que seus pés quase ficavam pendurados da beira da cama de solteiro
extralonga. A bainha da calça de veludo cotelê da Diesel estava irremediavelmente puída. O
cabelo castanho-alourado tinha reflexos de sol devido aos dias nas rampas ensolaradas de esqui
e tinha crescido tanto que ele conseguia fazer um rabo de cavalo, o qual Tinsley ameaçava
decepar.
— Venha cá. É sua vez de ser massagista.
— Essa não é a pior ideia que você teve na vida. — Tinsley avançava para ele, louca para
passar as mãos por todo seu corpo magro e musculoso, quando um barulho do lado de fora
captou a atenção dela. Algumas vozes masculinas acaloradas foram seguidas por um coro de
risos de meninas. Era a primeira noite do Jan Plan e, como ninguém realmente precisava
levantar cedo, era notoriamente uma das melhores noites de festa. — Mas não acha que a gente
devia fazer uma aparição social esta noite? Está rolando alguma coisa na casa de Maxwell.
Julian se apoiou sobre o cotovelo e olhou para Tinsley. Vestia uma camiseta cinza com a
imagem de um macaco usando capacete espacial.
— Quer mesmo ir?
Tinsley afundou na beira da cama. Ela queria, mas sentia que Julian não estava com
vontade.
— Não sei.
Bom, vamos ter um monte de festas pela frente. Eu prefiro, sabe, só ficar com você. —
Julian pegou uma mecha do cabelo de Tinsley e a torceu no dedo, algo que recentemente tinha
virado um hábito.
Que amor. Mas uma pontada de remorso disparou por Tinsley — afinal, ela era Tinsley
Carmichael. Não deveria estar lá fora, no meio de toda a ação? Ela pensou com ternura no
último Jan Plan quando ela, Brett e Callie deram uma festa de Primeira Noite exclusiva no
imenso quarto do alojamento em Dumbarton. Era a rigor e só para convidados, eles só beberam
o melhor Shiraz das vinícolas da família de Ryan Reynolds.
Mas então Julian se sentou e colocou a mão na cintura de Tinsley, bem no ponto onde
seus jeans Earl pretos e apertados não conseguiam encontrar a camiseta de tecido macio da
Alice + Olivia, e por um instante ela se esqueceu de todo o restante do planeta. Engatinhou até
o colo dele, apoiando os calcanhares nas novas botas Stuart Weitzman de couro preto na mesa
de cabeceira de Julian, pensando, fugazmente, que era uma pena ter botas novas e ninguém
para olhá-las com inveja.
— Sabe no que estou pensando? — cochichou Julian ao ouvido dela, com o hálito quente
contra sua pele.
Tinsley suspirou teatralmente, olhando o gigantesco pôster em preto e branco de um
jovem Bob Dylan na parede acima da cama de Julian.
— Posso adivinhar. — Sim, seria tão bom ter um mês inteiro de namoro com Julian, sem
aulas, sem responsabilidades. Começaria seu projeto de Jan Plan no dia seguinte. Tinsley tinha
ganhado uma filmadora digital HD-SLR Nikon do pai e pretendia fazer um documentário. No
verão, depois de ter sido — temporariamente, bem entendido — expulsa da Waverly, ela
trabalhou com o pai em um documentário sobre a África do Sul. Estar atrás da câmera fez com
que Tinsley se sentisse criativa e poderosa. Era evidente que a Waverly Academy não era tão
excitante como a Cidade do Cabo, mas ela sentia que isso podia dar certo.
— Escute. — Julian colocou uma mecha do cabelo preto de Tinsley atrás da orelha, depois
beijou o lóbulo. — Sei que vai fazer um filme em seu Jan Plan e eu estive conversando com
Alan St. Girard e alguns caras no almoço. Vamos tentar escrever uma espécie de mistério noir
de internato... Sabe como é, tipo uma mistura de Raymond Chandler com Carrie, a estranha.
— Mas que ótima ideia! — exclamou Tinsley, passando os dedos pelo maxilar de Julian.
— E tenho certeza de que foi você que pensou nisso. — Ela sempre se esquecia de que Julian
era só um calouro; ele era muito mais inteligente do que qualquer dos meninos que conheceu
quando ela mesma estava no primeiro ano.
Ele deu de ombros com modéstia.
— O que posso dizer?
Tinsley deu uns tapinhas na bochecha dele.
— Sei que o Jan Plan de Heath Ferro no primeiro ano evolvia entrevistar todas as meninas
da Waverly e perguntar o que as deixava excitadas.
— Também não é uma ideia ruim, — Julian sorriu, fazendo surgir uma covinha mínima
abaixo do canto dos lábios, — Mas olha, você devia trabalhar com a gente no filme. Vamos
precisar de uma femme fatale, e você pode nos ensinar sobre direção e a montagem das
sequências.
— Estou lisonjeada — disse Tinsley lentamente. Ela deslizou do colo dele e se sentou ao
seu lado. — Talvez.
Julian tombou a cabeça de lado.
— Prometo que vou tentar impedir que eles deem em cima de você demais, se é que sua
preocupação seja essa.
— Não é isso. — Tinsley se levantou. Não podia muito bem dizer a Julian que parecia
meio demais trabalhar num projeto escolar com ele — afinal, eles já ficavam o tempo todo
juntos. De repente Tinsley sentiu a necessidade de ar fresco. Esticou os braços e pegou o
casaco. — Olha, vou dar um pulinho lá fora para fumar, tá legal? Volto já.
Ela vestiu o casaco da Joie em ziguezague de lã marrom e apertou o cinto. Era o horário
de visitas, então as meninas tinham permissão para entrar no alojamento masculino, mas as
portas deviam ficar abertas. Segundo o antigo manual da Waverly, que na realidade parecia um
manual de escola de aperfeiçoamento para meninas dos anos 1800, era preciso ter três pés no
chão sempre que os dois sexos se misturassem.
— Não demore.
Tinsley correu para fora, grata pela lufada de ar frio em sua pele. Antes de sair na noite
escura, não percebera o quanto estava quente no quarto de Julian. Pegou o maço meio
amarrotado de American Spirits no bolso do casaco e pôs um cigarro entre os lábios, olhando
em volta automaticamente à procura de professores. Enfiou-se nas sombras do Wolcott Hall,
tentando não pisar na lama. Ao longe, viu algumas meninas correndo pelo pátio. Com as saias
inviáveis de tão curtas e saltos altos, elas claramente estavam a caminho da festa.
Tinsley caminhou pelo canto do prédio, deixando que a fumaça do cigarro entrasse em
seus pulmões e a relaxasse. Ali, sentada num banco sob os lampiões de ferro que ladeavam as
trilhas do campus, havia uma menina de casaco preto e curto com um capuz forrado de pele.
Um cigarro pendia casualmente de sua boca. Tinsley piscou. Muita gente fumava na Waverly,
mas ninguém queria ser apanhado fazendo isso. E a menina não estava exatamente se
escondendo.
E então ela percebeu. Era a menina do palco da capela — a filha do reitor. Um gorro cinza
surrado estava empoleirado de forma torta na sua cabeça, e o cabelo preto e desgrenhado
aparecia por baixo dele.
A menina levantou a cabeça.
— Oi — disse ela, friamente, dando outro trago no cigarro. Tinsley largou a própria
guimba no chão e a esmagou com o sapato antes de se aproximar da garota.
— Você sempre fica de tocaia no escuro?
— Só quando estou fazendo o que não devia. — Tinsley meteu as mãos enluvadas nos
bolsos. — Mas pelo que vejo, você não tem o mesmo medo saudável da autoridade.
— Quando seu pai é o reitor, você desenvolve ideias distorcidas sobre o significado de
autoridade. — A menina riu. O rosto em formato de coração era pálido e parecia
surpreendentemente inocente. — Bonita bota.
Imediatamente, Tinsley se sentiu realizada. Suas botas só estavam esperando para serem
elogiadas.
— Obrigada.
— Meu nome é Isla — respondeu a menina, cruzando as pernas. Vestia uma minissaia de
lã vermelha, leggings pretas e botas Doc Martens de cano alto.
— Tinsley Carmichael — respondeu Tinsley.
Os olhos verdes de Isla se arregalaram, e ela se curvou para a frente. Um anel de cobre
entrelaçado em seu indicador direito chamou a atenção de Tinsley.
— Eu estava mesmo me perguntando quando iria conhecer a famosa Tinsley Carmichael.
Ouvi falar muito de você.
Tinsley riu de leve, mas é claro que ficou lisonjeada com o reconhecimento da própria
notoriedade.
— Não acredite em tudo que dizem.
— É uma pena. Pensei que tinha algumas pessoas bacanas por aqui. — Isla arqueou as
sobrancelhas finas e deu outro trago no cigarro. — Não se preocupe — disse ela ao pegar os
olhos de Tinsley no cigarro à mostra —, uma das vantagens de ser filha do reitor é que é quase
impossível se meter em encrenca.
Tinsley se sentou ao lado dela no banco. O frio rapidamente penetrou em seus jeans, mas
ela não se importou.
— Quais são as outras vantagens?
Isla riu, uma gargalhada alta, despreocupada e inteiramente contagiante.
— Já entrou na casa do reitor daqui? É muito irada. — Os olhos de Isla deixavam sua
expressão ligeiramente louca — talvez uma avaliação precisa.
— Sim, já estive — admitiu Tinsley com orgulho, esfregando os braços com as mãos em
luvas de couro. — Uma vez, no primeiro ano, um cara e eu invadimos. Era o fim de semana
em que Marymount estava fora, e a gente atacou a adega.
Isla assentiu, impressionada.
— Legal. — Ela se levantou e jogou o cigarro na neve, que apagou num chiado. Ela
arrumou a jaqueta de couro curta. — Tem algum outro esconderijo excitante no campus?
Tinsley sorriu e esfregou as mãos, pensando nas vezes em que ela e Julian entraram
escondidos na sala de projeção do Cinephiles para namorar.
— Acabo de te conhecer. Não posso te contar todos os meus segredos.
Isla lançou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada longa que ecoou pela noite
silenciosa.
— Tinsley Carmichael — disse ela vagarosamente, acendendo outro cigarro e dando um
longo trago. — Acho que este é o começo de uma bela amizade.
De: BrandonBuchanan@waverly.edu
Para: MarielPritchard@waverly.edu
Sei que entreguei minha proposta de Jan Plan esta tarde para um projeto
de “sobrevivência em ambiente selvagem” com Heath Ferro, mas
depois de refletir bem, percebi que posso ser mais adequado para um
projeto diferente. Sei que amanhã termina o prazo de entrega das
propostas. Algum problema se eu lhe mandar por e-mail amanhã à
tarde?
Obrigado
Brandon
OwlNet Caixa de E-mail
De: MarielPritchard@waverly.edu
Para: BrandonBuchanan@waverly.edu
Brandon
Atenciosamente
MP
em cedinho na manhã de terça-feira, Jenny deixou a porta da frente do Stansfield Hall
bater às suas costas quando foi para a sala do reitor. Conforme já desconfiava, sua
orientadora, a srta. Rose, disse-lhe que ela precisava pedir permissão diretamente ao
reitor caso quisesse trabalhar sozinha. Agora só precisava convencê-lo de que era justificável.
O prédio da administração estava silencioso, a não ser pelo som abafado de música e pelo
silvo dos antigos radiadores de metal. O solado molhado das botas Wellies verde-escuras de
Jenny guinchava no piso encerado de madeira. Pela primeira vez, ela se perguntou se os
professores gostavam tanto do Jan Plan como os alunos. Afinal, eles não precisavam dar aulas,
só supervisionavam os orientandos e, de vez em quando, dirigiam um estudo independente.
Será que os professores dão as próprias festas?, ela se perguntou de repente, tentando imaginar
a Srta. Rose perto de um barril de cerveja ao lado do obsessivo professor de latim, Sr. Gaston.
Ou um bebendo no corpo do outro. Eca.
Livrando-se daquela imagem perturbadora, ela caminhou de maneira decidida até a porta
do novo reitor. O Sr. Tompkins, secretário de Marymount, não estava à mesa — na verdade, a
mesa estava vazia, só tinha um porta-lápis da Waverly e um calendário de mesa achatado.
Quando um reitor saía, isso queria dizer que o secretário ia embora também? Como um governo
presidencial? Acho que vou entrar e me apresentar, pensou Jenny, com o estômago revirando.
Olhou seu reflexo no espelho grande que pendia na sala de espera. Havia escolhido uma blusa
preta da Banana Republic com manga três quartos e jeans da Seven que encontrara em um
brechó anos antes, com o qual adorava pintar. As manchas de tinta, assim esperava, fariam com
que parecesse séria a respeito de seu projeto de arte.
Assim que colocou a mão na maçaneta da porta, ela se abriu. Jenny deu um pulo de
surpresa para trás — e o reitor Dresden fez a mesma coisa.
— Oh! Olá. — Ele recuou, deixando cair uma pilha de amostras de tintas de cores vivas.
— Desculpe pela interrupção — soltou Jenny, curvando-se para pegar alguns pequenos
quadrados de papel. A sala era imensa, com janelas de nicho enormes que davam para o pátio.
Ao longe, um fio mínimo do rio Hudson cinza-azulado era visível acima dos galhos nus das
árvores. — Posso voltar depois, se esta não for uma boa hora.
— Não, não. — O reitor sorriu, recolhendo no chão o resto das amostras. — Minha mulher
anda me perseguindo para trocar a cor da sala antes de eu me acomodar inteiramente. Então
me desculpe pela bagunça. E por favor, entre.
— Ela não gosta de... bege? — perguntou Jenny, entrando na sala depois dele. Ela só
havia precisado se encontrar com o reitor Marymount uma vez, mas ainda era estranho ver a
sala quase completamente vazia. Os únicos móveis eram uma comprida mesa de carvalho e
duas poltronas grandes, sendo que uma ficava atrás da escrivaninha. As paredes — pintadas de
uma cor suave que fazia Jenny pensar em um consultório médico — estavam inteiramente nuas,
exceto pelos pregos onde os vários quadros do reitor Marymount costumavam ficar
pendurados. Havia uma pilha de caixas de papelão brancas no canto.
O rosto do novo reitor se voltou em expectativa para ela.
— Acho que isso parece meio... deprimente.
— Foi exatamente o que ela disse. — O reitor Dresden meneou a cabeça enquanto jogava
as amostras na mesa e estendia a mão para Jenny. — Mas então, sou o reitor Dresden. E sempre
fico feliz em receber um de meus alunos.
— Meu nome é Jenny Humphrey. —Jenny sorriu, sentindo as palpitações no estômago
começarem a se acalmar. — Sou do segundo ano, mas é meu primeiro ano na Waverly também.
— Uma companheira novata. — O reitor Dresden riu, sentando-se em sua poltrona. —
Bem, diga-me, Jenny Humphrey, o que posso fazer por você?
Jenny afundou na poltrona de frente para a escrivaninha.
— Eu queria perguntar se é possível eu fazer um projeto independente neste Jan Plan.
Pela primeira vez desde que Jenny entrou na sala, o sorriso deixou os lábios do reitor,
embora seus olhos continuassem sorrindo.
— Posso lhe perguntar por quê? Afinal, é seu primeiro Jan Plan. A administração projetou
o programa para que os alunos aprendessem a trabalhar em equipe.
— Entendo isso. — Jenny abriu o que esperava ser um sorriso convincente, embora o pai
chamasse de sorriso da órfã Annie. — Mas também serve para explorar algo pelo qual você é
apaixonado, não é verdade?
O reitor assentiu pensativamente.
— Creio fazer parte do programa também.
— Bom, durante todo o segundo semestre minhas aulas de artes tiveram um papel
importante em meu senso de realidade. —Jenny parou. Ela sabia que parecia uma puxa-saco.
Tentou de novo. — Eu simplesmente senti que tinha tanto a absorver que seria ótimo tentar
processar todas essas informações agora. Fiz dois cursos de artes com a Srta. Silver... Retratos
e ilustração avançados. E foram ótimos. Mas comecei a pensar em como seria desenhar pessoas
em movimento... Quase como se eu fosse uma câmera cujo obturador estivesse aberto enquanto
a foto estivesse sendo tirada.
— Tenho de admitir... Estou impressionado que saiba como funciona uma câmera
manual. — O reitor riu.
Jenny levou o riso como um bom sinal e se curvou para a frente.
— Eu queria tentar uma redução nos movimentos e capturá-los em cada momento.
Adoraria estudar as pessoas em todo tipo de situação... Andando, dançando ou, talvez,
esquiando. E acho que é o tipo de projeto que teria de fazer de forma independente.
O reitor assentiu e franziu a testa simultaneamente, e o coração de Jenny se deprimiu.
— Entendo seu argumento, mas infelizmente você é do segundo ano. E regras são regras.
Talvez no ano que vem possa fazer isso.
Jenny, que ficou tão à vontade no início da reunião, sentia o lábio tremer. Sempre ficava
nervosa perto de figuras de autoridade — e naquele momento foi preciso muita força de
vontade para evitar que uma lágrima escorresse por seu rosto.
— Oi, pai.
Jenny e o reitor giraram a cabeça para a porta aberta.
— Ah, desculpe. — Parado à soleira estava o menino lindo de cabelos pretos que estivera
sentado no palco na reunião da capela. Vestia um suéter grosso azul-marinho e calças cáqui
com bainhas puídas. Parecia um perfeito aluno de escola particular — com um brilho quiçá
diabólico nos olhos. — Não percebi que estava em reunião. Mamãe me disse que você esqueceu
seu BlackBerry.
Os olhos verdes e penetrantes do garoto focalizaram em Jenny, fazendo-a sentir um
nervosismo inteiramente diferente. Será que ele tinha invadido... de propósito? Jenny se
remexeu na cadeira, grata por ter se preocupado em torcer o cabelo em tranças frouxas e
artísticas. Ela soprou um cacho errante dos olhos.
O reitor bateu no bolso da frente da camisa, distraidamente.
— Jenny Humphrey, este é meu filho, Isaac. Jenny estava falando sobre um projeto do
Jan Plan.
Isaac aproximou-se e entregou o BlackBerry ao pai, depois se sentou no canto da
escrivaninha, como se não tivesse pressa de ir embora.
— É mesmo? — Seus olhos foram de Jenny ao pai. — Posso ouvir?
O reitor gesticulou para Jenny continuar. O estômago da menina deu uma cambalhota. Já
era estressante ter de explicar sua ideia ao reitor — agora tinha de fazer o mesmo na frente do
lindo filho dele também? Depois de inspirar profundamente, ela explicou seu projeto mais uma
vez, tentando evitar que o rosto corasse.
— Parece incrível — disse Isaac, quando ela terminou. — Boa sorte nele.
O reitor Dresden se remexeu pouco à vontade na poltrona.
— Infelizmente, Jenny terá de esperar até o ano que vem, uma vez que é do segundo ano.
Isaac olhou para Jenny com uma expressão um tanto estranha.
— E eu sou do penúltimo ano. Que importância tem isso?
O reitor Dresden sorriu com paciência para o filho.
— Porque os alunos do segundo ano trabalham aos pares ou em pequenos grupos.
— Mas os do terceiro e do quarto anos não? Que regra mais esquisita. — Isaac esfregou
o queixo pensativamente. — É uma pena. Para mim, parecia que a Waverly queria que seus
alunos fossem criativos.
O reitor Dresden franziu a testa.
— Isaac, não sei se é uma boa hora para isso.
— Desculpe, pai. — Ele cruzou os braços e olhou para Jenny. — Só acho que muitas
escolas têm tantos regulamentos, que destroem a criatividade. E acabamos de chegar a uma que
a estimula ostensivamente... Só que, por algum motivo, não para os alunos do segundo ou do
primeiro ano. — Ele se levantou e caminhou até a estante sem livros, onde pegou um peso de
papel em formato de prisma e o passou de uma palma da mão À outra. — Simplesmente parece
estranho.
O reitor passou a mão no rosto e se virou para Jenny.
— Jenny, o que você tem a dizer? Além do fato de meu filho estar destinado a uma
carreira em Direito?
Jenny sentiu o rosto inteiro ficar vermelho.
— Eu diria que... Sim, concordo com Isaac. — Ela o olhou e sentiu o rosto ficar ainda
mais quente. — Acho muito importante ser capaz de explorar nossos interesses artísticos. Eu
adoraria ter a chance de fazer isso sozinha.
— Muito bem, eu desisto. — O reitor pigarreou. — Uma artista é uma artista. Vou mandar
um e-mail a sua orientadora e informar que aprovei seu projeto independente. Mas antes de
você ir...
O coração de Jenny amoleceu. Ela trocou outro olhar com Isaac, mas teve de desviar os
olhos rapidamente. Os olhos dele eram como areia movediça, e ela não queria ser apanhada
encarando-o na frente do reitor.
— Sim?
O reitor pegou duas amostras de tinta na mesa e as estendeu para que Jenny visse.
— Coloque seu olhar artístico nisto. Qual acha que é a melhor cor para esta sala?
Jenny mordeu o lábio para não sorrir e inclinou a cabeça enquanto fazia sua melhor cara
de imersa-em-pensamentos.
— Eu diria que é o amarelo girassol. Ficaria bonito com a madeira escura. E vai deixar
todo mundo feliz por estar aqui dentro.
O reitor assentiu.
— Foi o que eu pensei também. Não que minha presença já não seja bastante animadora.
— Ele sorriu novamente. — Estou ansioso para ver seu projeto no final do Jan Plan. Espero
que valha a espera.
Jenny murmurou algo em resposta enquanto o reitor a conduzia à porta. Por sobre o
ombro, ela teve um vislumbre dos olhos elétricos de Isaac a observando.
— Foi um prazer — disse ela, tentando dizer “obrigada” com os olhos.
Isaac abriu um leve sorriso.
— Para mim também.
Um arrepio percorria a espinha de Jenny enquanto ela se virava e andava pela antessala
vazia. Sentia que flutuava no ar, todo o glorioso mês se estendendo adiante como uma tela em
branco. Ficou feliz por ter aproveitado a chance de pedir a permissão do reitor. Ele não era tão
assustador como Jenny pensava.
E o filho era ainda mais fofo de perto.
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JulianMcCafferty: Saudade.
TinsleyCarmichael: Vc é um amor.
De: CallieVernon@waverly.edu
Olá, Senhoritas!
Obrigada,
Callie
insley abriu a porta embaçada do Clube Desportivo da Waverly na tarde de terça-
feira, a bolsa de lona de ioga pendurada no ombro. Mabel Moody, uma veterana
colega de turma de italiano de Tinsley, estava dando aula de ioga ashtanga como
projeto do Jan Plan. Muito melhor do que cálculo. Tinsley tinha algumas horas para mandar
um e-mail com sua proposta de Jan Plan à orientadora e pretendia pensar bem enquanto fazia
o Cachorro Olhando Para Baixo.
Tinsley mostrou a identidade no balcão da recepção. Um atleta veterano de nome Bradley
acenou para ela passar, mal erguendo os olhos da tela do iPhone. Ela caminhava pelo saguão,
indo para o vestiário feminino, quando a porta do vestiário dos meninos se abriu. Isla Dresden
saiu saltitante dali. Estava com um vestido preto e supercurto de gola rulê e meia-calça
decorada. Sua expressão era indiferente, como se sair de um vestiário masculino fosse uma
atividade normal de terça-feira.
— Oi, o que estava fazendo aí dentro? — Bradley apareceu ao lado de Tinsley com um
apito prateado pendurado no pescoço. Sua camisa polo vinho com o emblema da Waverly era
dois números menor. — Esse é o vestiário masculino.
— Desculpe. — Isla sorriu com doçura, desgrenhando o cabelo molhado. Tinsley ergueu
uma sobrancelha. Será que ela havia tomado banho ali? — Eu sou nova aqui.
— Ah, tudo bem. — Inconscientemente, Bradley massageou o bíceps imenso com a outra
mão. — Bom, se quiser um guia particular...
Isla franziu os lábios cor-de-rosa.
— Vou me lembrar disso. — Uma multidão de alunos passava pela porta da frente, e
Bradley voltou com relutância a seu posto na recepção.
Tinsley, que ficou em silêncio durante todo o diálogo, estava prestes a ir para o vestiário
das meninas quando Isla a viu. Seus olhos se iluminaram.
— Justamente a garota que eu estava procurando.
— Não no vestiário masculino, espero. — Tinsley ficou satisfeita por Isla ter procurado
por ela. Normalmente ficava meio preocupada sempre que uma garota nova e bonita aparecia
no campus, mas Isla parecia ser legal. — Não entro lá há séculos.
— Não. — Isla baixou a voz. — Eu só estava fazendo o reconhecimento para o meu
projeto do Jan Plan. Por isso estava procurando por você. Pensei que talvez quisesse trabalhar
comigo.
Tinsley olhou o relógio. Ia se atrasar para a aula de ioga, mas de repente não se importava
mais.
— Tudo bem, estou intrigada.
— Olha só isso. — Isla colocou a bolsa de couro na mesa de centro de tampo de vidro no
saguão e pegou um imenso álbum de fotos. Tinsley a seguiu, passando por cima de um
exemplar abandonado de Men’s Health. — Este é um de meus fotógrafos preferidos. Olha só
as coisas incríveis que ele faz.
Tinsley observava enquanto Isla folheava as páginas. Era um livro de recortes
sensacional, com fotos em página dupla no estilo Vogue, que mostrava pessoas em cenas loucas
e improváveis: uma modelo de biquíni num topo de montanha coberto de neve, ou com saltos
exorbitantemente altos enquanto corria por uma trilha. Era um estudo dos contrastes,
misturando moda a ambientes descolados e cenas cotidianas.
— É lindo.
— Acha mesmo? — Isla pegou o livro e o segurou na frente de Tinsley. — Imagine o
quanto essas fotos seriam ainda mais lindas se as modelos fossem você e eu. A gente devia se
fotografar, usando isso como inspiração.
Tinsley mordeu o lábio. As fotos de página inteira eram clássicas, com qualidade de
museu. Ela podia muito bem se imaginar em uma galeria de arte de paredes brancas, cercada
por reproduções gigantes daquelas fotos — exceto, é claro, sendo ela uma das modelos.
— Não sei — respondeu Tinsley, por fim. — Não sei bem se é a minha praia.
Na verdade, Tinsley sempre teve a fantasia de ser modelo. Uma vez, quando tinha 8 anos,
um olheiro de agência a viu jogar pão aos patos no lago do Central Park e colocou o cartão na
mão da mãe de Tinsley, pedindo a ela para telefonar. Mas a mãe de Tinsley se recusou,
insistindo que era mais importante que a filha dependesse de sua inteligência do que da
aparência. Até agora, as duas coisas se mostraram úteis.
— Vamos nessa — pediu Isla, fechando o álbum de fotos com um estalo. — Pense em
quantas fotos legais a gente pode fazer no campus. Talvez a gente ache alguns vestidos antigos
de casamento e desça de rapei pela lateral da capela com eles.
— Os olhos de Isla cintilaram de excitação. — Você tem de trabalhar comigo. Não posso
fazer isso sozinha.
Por um momento, Tinsley pensou em Julian. Ele lhe pedira para trabalhar com ele em seu
filme, e ela disse que iria pensar. Era um projeto bacana e tudo, mas a última coisa que Tinsley
queria era que se tornassem um desses casais que nunca têm interesses distintos, que ficam
satisfeitos em relaxar juntos usando moletons nojentos o dia inteiro. Casais de moletom. Isso
lhe dava pesadelos.
— Vamos fazer — disse ela, depois de um segundo.
Os olhos verdes de Isla se iluminaram.
— Ótimo. Trouxe minha câmera. — Ela sacudiu a bolsa da Nikon pendurada na lateral
do corpo. — Pode começar agora?
Um grupo de veteranos de roupas de ginástica suadas saiu ruidosamente da academia.
Tinsley sentiu os olhos caírem nela e em Isla. Era uma sensação boa.
— Claro — respondeu ela, jogando o cabelo para trás. — Vamos começar.
— Eu esperava mesmo que dissesse isso. — Isla mexeu na bolsa por um segundo, e o
cabelo preto e ondulado escondeu seu rosto. Pegou algo vermelho vivo e jogou para Tinsley.
— Vista isso.
— Ficou maluca? — Tinsley riu, segurando o biquíni mínimo contra o casaco. Já
conseguia ver Bradley encarando as duas de trás do balcão da recepção. — Você sempre
carrega um biquíni extra?
— Eu fui bandeirante durante três anos antes de me expulsarem. — Isla deu de ombros.
Ela pegou o álbum e foi até a porta de madeira do vestiário feminino. Abriu-a com a bunda e a
segurou para Tinsley passar. O vestiário estava cheio de vapor dos chuveiros e cheirava a loção
de pêssego e gel para cabelo. — Esteja preparada e todas essas coisas.
— Pensei que fosse lema dos escoteiros — Tinsley brincou, jogando o casaco em um dos
armários de metal.
— Tanto faz. Passei muito tempo com eles também. — Isla rapidamente puxou o vestido
pelos ombros e o largou no banco de madeira no meio do nicho.
— Graças a Deus depilei minhas pernas hoje de manhã — disse Tinsley, abrindo o zíper
do jeans cinza da Rich & Skinny.
— Tem certeza de que está preparada para isso? — perguntou Isla, agitando o próprio
biquíni amarelo no dedo. Passou os olhos criticamente por Tinsley, como se avaliasse a
capacidade da outra para o comportamento ilícito.
— Se me conhecesse, nem perguntaria isso.
Cinco minutos depois, Tinsley e Isla corriam para a tarde luminosa de janeiro. Era um dia
de sol, e o brilho da neve branca parecia quase ofuscante. Logo Tinsley sentiu arrepios
explodirem por cada parte visível de seu corpo — isto é, a maior parte dele. O sutiã do
minúsculo biquíni Shoshanna mal cobria seus seios, e a calcinha era ainda mais ínfima. Tinsley
sentia que deveria estar numa praia do Brasil em vez de numa tundra nevada do interior de
Nova York. Isla caminhou com confiança até o meio do pátio, o traje de banho amarelo
brilhando contra a neve branca ao fundo. Ainda estava com as botas de equitação, pretas de
cano alto.
Tinsley, usando as botas Ugg pesadas de cadarço, seguiu Isla até o pátio. Nunca na vida
se sentiu tão consciente do próprio corpo. Cada centímetro dele parecia eletrificado.
Congelando, porém eletrificado. Um grupo de meninas de calça de ginástica e moletom que
descia os degraus do estúdio de dança ao lado da academia começou a rir e apontar.
— Não é demais? — perguntou Isla, jogando os braços num boneco de neve no meio do
pátio, na frente da academia. Tinsley semicerrou os olhos. Podia ver o Stansfield Hall ao longe.
E se o reitor Dresden olhasse pela janela do segundo andar agora mesmo e visse a filha
brincando na neve sem roupa nenhuma?
— Frio, mas legal.
— Sopre um beijo para ele! — Tinsley dirigiu, erguendo a cara câmera SLR digital. Isla
dançou em volta do boneco de neve como uma ninfa, pagando o braço por ele. O sol de final
de tarde se punha atrás dos prédios, e sombras longas se esgueiravam pelo pátio. Mas Isla ainda
estava ao sol, e o cabelo preto e a pele macia eram impressionantes contra a neve branca que
brilhava feito diamante.
Tinsley ficou maravilhada Isla tinha um corpo perfeito — um pouco mais curvilíneo do
que o da própria Tinsley, o que fazia Isla parecer um pouco mais adulta. E pelo modo como se
mexia, ela parecia... completamente desinibida. Como se sempre caminhasse pelo novo
internato usando biquíni e brincando na neve.
Tinsley se afastou, sentindo uma multidão começar a parar e se formar em volta delas. As
conversas ficavam mais ruidosas e eram acompanhadas por uivos masculinos de excitação.
Com os casacos pesados e cachecóis quentes no pescoço, todos os outros pareciam tão
reprimidos.
— Sua vez! — Isla pegou a câmera, e Tinsley deu uma pirueta na neve. Por algum motivo,
sentia-se uma das fadas loucas de Sonho de uma noite de verão, embora fosse inverno, no meio
do dia. Rindo, ela fez uma bola de neve e fingiu uma guerra com o boneco, depois apertou o
rosto de encontro ao dele e pegou seu braço de graveto como se estivessem dançando uma
música lenta.
Ela podia estar congelando, mas pelo menos não estava entediada.
AlanStGirard: KCT???
Dia 2
Temperatura ao meio-dia: 5 graus negativos. Achei que estaria mais quente. Acho que
se Bear Grylls consegue sobreviver na Sibéria, HF consegue sobreviver aqui!
Comida: Passei três horas montando uma rede de trepadeiras para pegar aves. Pendurei
entre duas árvores. Passei quatro horas vendo as aves voarem por ali. Enfim peguei um coelho
numa armadilha. Peludo e bonitinho. Me senti mal por comê-lo, mas estava faminto. Procurei
frutas silvestres, mas as porras dos passarinhos comeram primeiro. Acho que vou ter de acordar
mais cedo amanhã.
Estado de espírito: Bom. Cansado. Vou dormir bem. Ouço uns praticantes de esqui de
fundo rindo ao longe. Ou então são hienas. Será que tem uma festa hoje à noite? Eu podia tomar
uma cerveja depois de meu trabalho árduo, mas uma boa noite de sono vai ter de resolver.
enny caminhava pelo pátio da Waverly na manhã de quarta-feira com o ArtBin na
mão. Estava ansiosa para começar seu projeto de arte e acordou, tomou banho e se
vestiu antes das nove. O pátio estava quase deserto — os alunos da Waverly levavam
muito a sério a hora de dormir.
Kara Whalen, com leggings escuras enfiadas por dentro das Ugg, quase esbarrou em
Jenny ao passar em disparada.
— Desculpe, Jenny. Estou atrasada para a aula de imersão em francês. Vamos a Paris no
final do curso!
— Bonne chance — gritou Jenny, vendo Kara desaparecer no prédio de estudos de
idiomas. Ela sacudiu a neve das botas e colocou os pés com cuidado no piso de madeira recém-
encerado do Maxwell Hall, o centro dos estudantes. Sempre se sentia péssima pelos pobres
zeladores que trabalhavam tanto para deixar o piso brilhando só para ser coberto de novo,
minutos depois, pela lama trazida pelas dezenas de pés da Waverly.
O zumbido das máquinas de café preencheu os ouvidos de Jenny quando ela entrou na
enorme sala de estar arqueada de pedra. O Maxwell era um dos seis prédios preferidos no
campus. Havia sido uma capela, orginalmente, mas foi convertido em centro estudantil e fazia
Jenny sentir como se adentrasse um castelo antigo. Sempre tinha cheiro de café e pãezinhos de
passas e canela. Metade das mesas da cafeteria com ladrilhos art déco que se espalhavam pela
sala era ocupada por outros alunos madrugadores que aninhavam suas canecas de café. Jenny
rapidamente pagou por um cappuccino e procurou onde se sentar.
Celine Colista, cocapitã veterana do time de hóquei sobre a grama, acenou para Jenny.
Estava em uma mesa com Lon Baruzza, o garoto bolsista que trabalhava no salão de jantar e
tinha fama de galinha. Livros e caderno estavam espalhados diante deles. Celine exibia o visual
clean, rabo de cavalo e moletom, popular entre as Waverly Owls preguiçosas depois de longas
noites.
— Vocês parecem estar dando duro aí. — Jenny parou à mesa deles enquanto pegava três
pacotes de adoçante Splenda. — O Jan Plan não devia ser uma chance de recarregar a bateria?
— Eu sempre quis ler Anna Kareina — disse Celine entusiasmada, erguendo um exempla
do livro gordo que retirou da biblioteca. — Mas não sabia que Lon também queria... Até que
conversamos sobre isso na festa da Primeira Noite. Então ele foi um doce e me acompanhou
nessa. Vamos escrever um artigo sobre a heroína trágica. — Ela colocou as costas da mão na
testa, teatralmente.
Jenny olhou para Lon, que lhe abriu um sorriso tímido. Pelo modo como ele estivera
olhando a linda morena Celine, era evidente que Lon estava muito mais interessado nela do
que em Tolstói.
— Parece divertido, acho.
Jenny se sentou em uma poltrona robusta perto da lareira, que lhe dava uma boa visão da
porta e das pessoas que começavam a passar por ela, ansiosas para acordar com uma xícara de
café e um bagel. Organizou seus suprimentos rapidamente, sentindo a onda de excitação que
sempre a invadia antes de começar um novo projeto. Abriu um jogo novo de grafites Derwent,
todos bem apontados. Respirando profundamente, começou a desenhar. Primeiro trabalhou nos
objetos fixos, que ficariam completamente nítidos no desenho. Desenhou a porta decorada e
arqueada, a lixeira com a tampa de pedal, as garrafas transbordando da lata de reciclagem, as
canecas vazias se acumulando no balcão. Quando tinha o cenário, começou a desenhar as
pessoas. Ou melhor, seus corpos se movendo pelo espaço. Alguns meninos que jogavam uma
laranja de um lado a outro entraram pela porta, e Jenny se apressou a tentar capturar o arco da
fruta viajando pelo ar.
— Parece bom.
Jenny saiu do próprio corpo com o susto. Apoiado nas costas de sua poltrona estava Isaac
Dresden, vestindo uma jaqueta azul-marinho e jeans escuros. Tirou o gorro de lã vermelho, e
seus cachos curtos e pretos se eriçaram com a estática. O coração de Jenny bateu mais depressa.
— Como?
Isaac apontou o esboço com o biscoito meio comido. Estava no colo de Jenny, aberto no
desenho inacabado da laranja viajando pelo ar.
— Seu desenho. — Jenny percebeu um pedaço mínimo de cabelo louro, no meio das
ondas escuras, bem acima da orelha direita. Aquilo fez Jenny se lembrar de seu gato, Marx,
que era todo preto, exceto por um pedaço branco na barriga.
— Ah, obrigada. — Jenny corou, constrangida por estar comparando Isaac ao gato. —
Na verdade, acho que devo mesmo agradecer a você.
— A mim? E por quê? — Isaac saiu de trás da poltrona de Jenny e se sentou sobre a mesa
de centro, de frente para ela. Deslizou a mochila de lona preta para o chão.
— Consegui a chance de desenhar o dia todo graças a você. — Jenny de repente se sentiu
tímida. Fechou o bloco e bebeu um gole do café, rezando para que não entornasse em seu suéter
de gola em V azul-marinho da J. Crew. Tinha um J bordado acima do coração e era um presente
de Natal irônico do irmão, Dan. Ele lhe disse que a ajudaria a se lembrar de quem ela era no
internato afrescalhado. Agora, porém, ela estava preocupada por aquilo estar chamando uma
atenção desnecessária para seus seios grandes. — Foi muito legal de sua parte defender minha
causa na sala do seu pai.
Isaac deu de ombros. Jenny estava um tanto consciente da proximidade dos joelhos dele
em relação aos dela.
— Bom, tenho alguma experiência nessa área. Eu meio que sei o que ele precisa ouvir.
— Agradeço por isso. — A língua de Jenny estava pesada na boca, mas ela estava
decidida a não aparentar nervosismo. Afinal, Isaac era só mais um menino. Um menino lindo,
e filho do reitor, é claro, mas ainda assim era apenas um menino. — Deve ser estranho estudar
numa escola onde seu pai está, você sabe, no comando.
Isaac deu um gole na caneca de café de aço inox. Ainda não tinha tirado o casaco, o que
Jenny considerava, com decepção, um sinal de que ele não iria ficar.
— Agora já estamos acostumados com isso, eu e Isla. Ele foi diretor da St. Albans, em
Connecticut, por alguns anos. E deu aulas na Milton, quando éramos mais novos.
— Por que vocês vieram para cá? — perguntou Jenny, curiosa.
— A resposta oficial é que era um degrau a subir na carreira do meu pai. — Isaac baixou
a voz e o queixo misteriosamente.
— E a resposta não oficial?
Ele sorriu sedutoramente.
— Não sei se você já merece ouvir isso.
— E o que preciso fazer para merecer? — Os olhos de Jenny se arregalaram. Ela nem
acreditava que estava sendo tão atrevida.
— Não sei. — Isaac esfregou o queixo. — Dar uma caminhada comigo mais tarde.
Jenny corou, lisonjeada. Gostava de Isaac. E é claro que todo mundo comentava o quanto
ele era gato. Parecia incrível que, de todo mundo na Waverly, ele estivesse interessado nela.
Mas ela ainda não se sentia inteiramente à vontade com o fato de ele praticamente ter
conseguido a aprovação do projeto de Jan Plan para ela. Será que ela havia recebido tratamento
especial? E havia algum problema nisso para ela?
— É muito gentil de sua parte, Mas, hummm... acho que vou trabalhar o dia todo — Jenny
gaguejou. O lápis caiu da mão, e ela rapidamente se abaixou para pegar.
Isaac se levantou.
— Beleza. — Ele parecia meio decepcionado, mas não chateado. Pendurou a mochila nos
ombros, — Fica pra outra vez, então. — Ele deu uma pancadinha com o dedo no desenho de
Jenny. — Boa sorte.
Enquanto Isaac se afastava, Jenny não conseguiu tirar os olhos dele. Dez minutos antes,
ela estava numa daquelas bolhas criativas onde só conseguia pensar no desenho.
Mas, de repente, a ideia de trabalhar em seu projeto o dia inteiro, sozinha, não era mais
tão animadora.
OwlNet Caixa de Mensagem Instantânea
De: BrettMesserschmidt@waverly.edu
Para: CallieVernon@waverly.edu
Oi, Cal
Desculpe por não ter podido ir à sua entrevista hoje — fiquei presa no
meu projeto com Chrissy. Mas ainda adoraria ajudar — me conte se
precisar entrevistar mais alguém depois.
Aliás, você vai adorar essa — quatro meninas me perguntaram se estava
rolando alguma coisa entre você e Brandon. E todas pareciam mortas
de inveja. Rá!
Bjs
BrettMesserschmidt: Perfeito.
stava escuro quando Jenny pisou na calçada ainda cheia de neve que levava ao ginásio.
Ela tremia na noite fria, esfregando os braços da jaqueta vermelha da Gap. As
mãozinhas estavam cobertas pelas lindas luvas brancas Anthropologie que Brett lhe
dera de Natal, mas a lã angorá fina não fora feita para os dias de neve do interior de Nova York
e seus dedos pareciam pingentes de gelo. Pelo menos as pernas estavam aquecidas debaixo dos
jeans Citizens — ela vestiu meias-calças grossas de lã. Valia totalmente a pena, mesmo que a
deixasse um pouco mais gorda do que o normal. Uma brisa fria soprou, gelando o rosto de
Jenny, e ela se perguntou por que sentira tanta urgência em caminhar com Isaac naquela noite.
Podia esperar até o dia seguinte.
Mas então ela o viu, sentado na escada na frente do ginásio, com uma bolsa de lona cinza
pendurada no ombro do casaco azul-marinho. Um cachecol de lã grosso cor de creme estava
enrolado casualmente no pescoço. Ele estava totalmente lindo, de um jeito estudante-de-
cursinho-britânico. Endireitou o corpo quando a viu, com um sorriso eletrizante iluminando
seu rosto. O estômago de Jenny revirou.
Foi por isso que ela viera.
— Gostei do seu gorro.
Jenny tocou a cabeça automaticamente. Estava com o antigo gorro marinho e branco com
estampa de flocos de neve. O gorro costumava ter um pompom que, felizmente, desaparecera.
— Obrigada. Um presente da minha avó, de uns mil anos atrás.
Isaac se levantou e limpou as calças.
— Ainda é muito legal.
Jenny sentiu as bochechas corando, o que a ajudou a se esquentar. Mas ela nem pensava
mais no frio.
— E aí, para onde você quer ir? Eu serei sua guia turística.
— Que lugar é esse que chamam de cratera? — perguntou Isaac, enfiando as mãos
enluvadas nos bolsos. Ergueu as sobrancelhas misteriosamente. — Ouvi falar umas coisas de
sacrifícios de animais e naturalmente fiquei intrigado.
— A cratera? — repetiu Jenny. A cratera era, obviamente, um lugar famoso na Waverly
para as festas. Ficava pouco depois dos limites do campus, era uma grande cratera de granito
no bosque, que ficava parecida com uma sala de estar mais baixa quando estava cheia de alunos
da Waverly. Heath Ferro deu sua grande festa de Fim de Mundo lá alguns meses antes, quando
as árvores estavam repletas das folhas douradas de outono. Até que seria interessante ver o
lugar coberto de neve. Mas já era tarde, e não era boa ideia ser flagrado tão longe do campus,
mesmo durante o período relaxado de Jan Plan. Tecnicamente, os alunos não podiam sair do
campus à noite sem permissão especial. Jenny tinha certeza de que a vontade de dar um passeio
romântico ao luar com a nova paixão não a qualificava para conseguir uma.
— Bom, é meio proibido.
— Eu estava brincando sobre os sacrifícios de animais, por falar nisso. — Um olhar de
preocupação cruzou a cara de Iaac. — Soou estranho?
Jenny riu. Soprou nas mãos geladas, na esperança de lhes devolver um pouco da
sensibilidade.
— Não é isso. Só não quero ter problemas.
— Garanto que vai ficar tudo bem, tá? — Isaac olhou em volta. — Até parece que vamos
carregar um barril de cerveja paia lá ou coisa assim. Embora eu tenha trazido bebida. — Ele
pegou uma garrafa térmica de aço inox da bolsa. — Chocolate quente.
— Não alcoólico, espero. — Jenny riu, vendo sua respiração virar vapor no ar escuro da
noite. Isaac de algum modo conseguia deixar Jenny ao mesmo tempo nervosa e à vontade, foi
tão doce da parte dele trazer chocolate quente. Isso a fazia pensar nas carruagens que se
arrastavam pelo Central Park com casais felizes aninhados sob cobertores de lã.
Isaac estalou os dedos numa decepção fingida, mas seus dedos não fizeram muito ruído
dentro daquelas luvas grossas.
— Eu nem mesmo pensei em batizar. Parece que ainda estou aprendendo. — Eles foram
para o bosque, distanciando-se das luzes amarelas e quentes que brilhavam pelas janelas dos
alojamentos. Ao longe, Jenny ouvia a batida fraca de um violão e alguns alunos indo para a
noite de karaokê no Maxwell organizada por um grupo de veteranos. Embora as vozes risonhas
parecessem felizes, Jenny estava exatamente onde desejava.
— E aí...— perguntou Jenny, enroscando os dedos dos pés nas botas para mantê-los
aquecidos. No alto, o bosque formava um vulto, e ela pensou no poema de Robert Frost com o
verso “O bosque é lindo, escuro e fundo”. — Está gostando da Waverly até agora?
Isaac a olhou de lado.
— Tem suas vantagens. — Depois ele riu. — Eu me matriculei num curso em vez de
fazer um projeto independente. Vou começar a aprender mandarim.
— Uau. —Jenny esfregou as mãos. A Waverly oferecia cursos intensivos de idiomas
estrangeiros durante o Jan Plan, para os alunos que queriam avançar. — Isto soa tão ambicioso.
Isaac sorriu.
— Sei lá. Meio que gosto de um desafio. — Ele ergueu as sobrancelhas sugestivamente
e tirou do caminho um galho de pinheiro coberto de neve quando Jenny passou na trilha para a
cratera. — Quero dizer, academicamente falando.
— Claro. — Jenny riu e se abaixou sob o galho. — Espero me lembrar do caminho. Da
última vez que estive aqui, não estava exatamente coberto de neve. — Porém assim que disse
aquilo, a trilha estreita se abriu numa clareira. Uma depressão imensa no formato de pires
apareceu diante deles, coberta por trinta centímetros de uma neve perfeita e intocada. — Ah!
Tan-taaan!
— Perfeito. — Isaac foi para um dos troncos gigantescos na beira da cratera. Anos antes,
Waverly Owls empreendedoras tinham arrastado árvores caídas pelas bordas da depressão,
criando uma espécie de anfiteatro rebaixado. Ele passou as luvas pelo tronco, jogando a neve
no chão em uma rajada. Depois pegou uma manta grossa de lã na bolsa e a abriu sobre o tronco.
— E agora você não precisa congelar a bunda.
— Nunca tive um serviço desses na vida. — Jenny colocou o dorso da mão na testa num
desmaio fingido, sentando-se sobre a manta. Isaac abriu a garrafa térmica e serviu um copo
fumegante de chocolate quente para Jenny. — Mas acho que também jamais fiz um piquenique
de inverno.
— Não sabe o que está perdendo. — O aroma de chocolate se combinou ao cheiro
saudável de pinheiro da floresta, e Jenny se ajeitou, cobrindo o colo com a ponta da manta.
Isaac se sentou ao lado dela, e a manga do casaco grosso roçou de leve a de Jenny. Havia muitas
camadas entre eles, mas Jenny ainda sentiu uma pequena descarga elétrica.
Ela bebeu um golinho do líquido fumegante.
— Está uma delícia.
Isaac sorriu.
— É uma receita antiga... Também conhecida como Miss Suíça. — Ele revirou a bolsa e
pegou luvas escuras. — Eu tinha me esquecido... Trouxe luvas extras, caso você precisasse.
— Antes que Jenny se desse conta, Isaac pegou a mão dela e a segurou. — A sua não
parece lá muito quente.
As luvas de Jenny não estavam quentes, mas a mão ainda sentia a eletricidade do toque
dele. Com relutância, ela puxou a mão, pegando o par de luvas.
— Você é tão preparado — brincou ela, mas na verdade estava incrivelmente lisonjeada.
Como era possível que Isaac fosse tão atencioso? Afinal, ele era um adolescente.
Isaac esfregou as mãos e riu.
— Sei que vocês meninas são, sei lá, umas flores delicadas.
— Ei. — Jenny lhe deu um tapa de brincadeira com a mão agora aquecida. — Não sou
uma flor delicada. Devia ter me visto jogando hóquei sobre a grama no último outono.
— Não sabe o quanto lamento ter perdido essa. — Isaac riu. Ele pegou um galho no chão
e o raspou na neve banca e macia na beira da cratera. — Sabe de uma coisa, você não é igual
às outras meninas de escola particular.
— Como assim? — perguntou Jenny vagarosamente. Ela não se importava de alguém lhe
dizer que ela não era como as outras meninas da Waverly. Não se sentia igual a elas de fato, e
estava em paz com isso. Mas queria saber o que havia nela que tornava isso tão óbvio. Não
podia ser o fato de vestir roupas da Gap.
Isaac deu de ombros, cavando um buraco com a ponta do galho.
— Sei lá. Por causa do meu pai, estivemos em escolas como a Waverly a vida toda. E
sempre tem umas pessoas legais... Mas sempre tem um monte de... Você sabe. — Ele olhou o
céu. — Meninas que só ligam para brincos de pérola e roupas de grife.
— Também tem muitos meninos fúteis — observou Jenny. Mesmo ao dizer isso, ela
olhava os lábios lindos e fartos dele e pensava em como seria bom senti-los num beijo. A boca
de Isaac devia ser quente e ter gosto de chocolate. — Mas também tem muita gente legal.
Isaac olhou para o rosto de Jenny pensativamente. Ela nunca vira olhos da cor dos dele,
um tom de verde quase como o do aipo.
— Gosto de ver você observando as pessoas. Eu te vi fazendo isso no primeiro dia na
capela. Seus olhos meio que restavam absorvendo tudo. Pensando no que viam. — Ele tirou
uma mecha de cabelo da testa. — Na mesma hora eu meio que pensei que você podia ser artista.
Jenny sentiu a pele começar a brilhar. Os olhos dele estavam fixos nos dela de um jeito
que a fazia se sentir completamente nua. Os lábios de Jenny se entreabriram, mas ela não
conseguia pensar no que dizer.
Nessa hora, uma luz forte brilhou no rosto dela. Ben, o zelador esquisito de meia-idade,
estava a 3 metros deles segurando sua lanterna firmemente no rosto dos dois. Te peguei!, a cara
dele parecia gritar. Ele vivia para o prazer de flagrar os estudantes durante uma encrenca.
Jenny deu um gritinho e se levantou, atrapalhada, derramando o copo de chocolate quente
na neve. Ben ficou famoso por ter apanhado Heath Ferro fumando maconha no campo de
futebol no ano anterior, e Heath teve de suborná-lo com seu caro relógio Cartier para que ele
ficasse de boca fechada. Mas o zelador provavelmente não precisava do relógio Swatch cor-
de-rosa de Jenny.
Isaac se levantou calmamente.
— Ah, olá, Sr. Greenwood. — Ele se aproximou de Ben, que baixou a lanterna
relutantemente. — Noite bonita para uma caminhada, não?
Para completa surpresa de Jenny, o velho riu.
— Não acho, não. — Ele meneou a cabeça lentamente. — Um frio medonho. Mas vocês,
garotos, sabem se esquentar, não é?
Isaac riu e passou o braço despreocupadamente sobre os ombros de Jenny.
— Obrigado, Sr. Greenwood. Quer um chocolate quente?
Ben riu de novo e se virou.
— Não, obrigado. Tenho uma sopa esperando por mim no fogão em casa. Boa noite. —
Jenny encarou as costas dele enquanto o velho se afastava.
Ela precisou de um minuto para encontrar a própria voz.
— Acho que perdi três anos da minha vida. — Ela apertou as luvas contra o peito, como
se quisesse diminuir o ritmo do coração.
— Você está bem?
Jenny estava totalmente ciente de que o braço de Isaac ainda estava nos ombros dela.
— E só que... Acho que nunca vi esse homem abrir um sorriso na vida.
Isaac riu e se afastou de Jenny,
— O Sr. Greenwood? Ele é manso feito um cachorrinho.
Jenny voltou a se sentar no tronco.
— Um cachorrinho? Normalmente ele é um Rottweiler. — Seu coração ainda batia do
susto por ter sido flagrada. — Eu já me meti em problemas antes. Sinto que vai acontecer de
novo.
— Você? Em problemas? Agora essa é uma história que eu quero ouvir. — Isaac se
curvou para pegar o copo caído de Jenny. Limpou a neve com a manga e o encheu de novo. —
Quer mais? — disse ele, estendendo o copo.
Jenny sorriu e pegou o chocolate, mas não conseguiu relaxar completamente. Estava grata
porque o zelador não iria dedurá-la por ter saído do campus, mas começava a se perguntar
como toda aquela história de sair-com-o-filho-do-reitor iria dar certo.
Mas então ela viu Isaac sorrindo e concluiu que, afinal, talvez não fosse nada demais ter
tratamento especial.
De: BrettMesserschmidt@waverly.edu
Para: DevonSprague@waverly.edu
Assunto: Café?
Devon,
Brett
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De: DevonSprague@waverly.edu
Para: BrettMesserschmidt@waverly.edu
Brett
A gente se vê!
D
Diário da Vida Selvagem: Heath à Prova de Tudo
Dia 3
Acordei no meio da noite ao som do que parecia ser o gato persa e gordo de minha mãe
escavando minha mochila. Chamei seu nome, Aqui, Peeshie, aqui, Peeshie, mas percebi que
não era o gato de minha mãe, era um maldito guaxinim. Gritei, e ele fugiu com um pacote de
sorvete desidratado nos dentes. Filho da puta. Meu último prazer de fim de dia. Os guaxinins
são comestíveis? Talvez eu dê uma lição nesse gordo e o coloque no espeto.
Temperatura ao meio-dia: Seis graus negativos. KCT? Um frio fora do normal para
essa época do ano. Durma com uma dessas.
Aquecimento: Nesta manhã os pés ficaram dormentes por 45 minutos. Pensei que podia
ser ulceração por causa do frio, mas enfim a sensibilidade voltou. Dormi enrolado no saco de
dormir de BB. Ajudou um pouco.
Estado de espírito: Ainda espero que apareçam mais esquiadores ou andarilhos. Fica
meio tranquilo ouvir os passarinhos. Meio solitário também. Mas é com isso que se tem de
lidar quando se tem uma vida selvagem.
em pense em sair agora. — Isla se colocou contra a porta fechada de seu
quarto, no primeiro andar da casa do reitor. O quarto era muito anti-Isla — a
cama branca com dossel estava coberta por uma colcha floral desbotada
arrematada com renda, e cortinas brancas e diáfanas cobriam as janelas. As paredes eram
pintadas de um tom de rosa algodão-doce que só podia agradar a uma menina de 5 anos que
sonha ser uma princesa. — Tenho uma coisa que só é divertida quando compartilhada.
— Que intrigante — respondeu Tinsley, abrindo o celular para ver a hora. — Mas tenho
de encontrar Julian logo. — Eles iriam se encontrar em meia hora, e ela definitivamente não
queria se atrasar. Era noite de quarta-feira, e, de algum modo, ela não tinha conseguido ver
Julian nos últimos dias. Esteve tão ocupada com Isla, explorando lugares pelo campus para as
sessões de fotos. As duas tinham acabado de voltar das prateleiras lotadas do Next to New, o
brechó de roupas na cidade, e largaram as sacolas no tapete branco e felpudo de Isla.
— Sem essa. — Isla jogou o casaco na cama e abriu a primeira gaveta de sua escrivaninha
de aparência antiga. Pegou uma garrafa de vodca Ketel One debaixo de um pijama preto de
seda. — A gente trabalhou o dia todo. Você precisa relaxar um pouco primeiro.
Tinsley refletiu. Podia ter um aquecimento — e havia algo de realmente ilícito e excitante
em beber na casa do reitor. Especialmente quando ele e a mulher jogavam gamão na sala de
estar.
— Como posso recusar? E bonito quarto, aliás — acrescentou Tinsley, rindo.
O quarto era arrumado e limpo, a única decoração nas paredes cor-de-rosa era um dos
calendários da Waverly enviados aos pais e ex-alunos. Era cheio de fotos dos cenários do
campus e “flagras” de alunos parecendo bem alimentados e saudáveis na biblioteca e no pátio.
— Acho que Marymount tinha uma filha pequena com complexo de princesa. — Isla riu
ao pegar dois copinhos na gaveta. Colocou os copos e a garrafa no chão ao lado de uma cadeira
de balanço. De certo modo, já me acostumei. Faz com que eu me sinta morando numa casa de
bonecas. Além disso, é o único quarto no primeiro andar, então tenho de aproveitar. — Isla
serviu uma generosa dose de vodca em cada um dos copos e entregou um a Tinsley.
Tinsley se sentou no tapete branco e felpudo e ajeitou as camadas da saia Charlotte
Ronson preta ao redor dos joelhos.
— Que gozado, nunca tinha visto uma casa de bonecas com um copinho de bebida desses.
— Ela riu, examinando o copo. Havia nele a imagem impressa de uma dançarina de hula
estendendo um ramalhete de flores acima dos dizeres Ganhei um colar de flores em Maui.
— Eu coleciono — disse Isla com orgulho, erguendo o próprio copo, impresso com uma
escrita que parecia cirílico.
— Diz “As russas transam melhor”. — Ela deu de ombros. — Sou meio russa, então acho
que eu transo meio melhor.
— A que vamos beber? — perguntou Tinsley, batendo o copo no de Isla.
— Aos novos amigos. — Isla sorriu diabolicamente.
Tinsley virou o líquido garganta abaixo, desfrutando do ardor.
— E às encaradas dos outros.
Isla riu e foi até o armário, tirando o suéter sob uma onda de estática. Pendurou-o
arrumado em um cabide antes de vestir uma camisa branca masculina, fechando só metade dos
botões. Tinsley sempre quis ter um irmão: não só lhe garantiria meninos bonitos pela casa,
como também adoraria usar camisas de homem, e não lhe bastava comprar uma nova camisa
branca masculina da Bloomie’s. Era preciso ter uma tão usada que tivesse o tecido macio com
o cheiro inegável de um ex-dono ainda grudado nela.
Isla ligou o aparelho de som, e os acordes de The Raconteurs encheram o quarto. Ela
serviu mais uma dose.
— O único problema é que agora temos de nos superar.
Naquela tarde, elas encontraram alguns lindos vestidos de baile vintage na sala de
figurinos do departamento de teatro e caminharam com eles pelo salão de jantar lotado. Tinsley
usou um delicado corpete de cetim verde com uma saia de tule de bailarina, enquanto Isla
exibiu um vestido sem alça cor de lavanda com decote em coração e o cabelo num coque solto.
Elas se revezaram fotografando-se enquanto andavam pela fila do almoço, as bandejas de
plástico do salão de jantar contrastando com seus vestidos de babados. Todas as meninas as
olharam com inveja, enquanto os meninos tinham uma expressão sonhadora. Tinsley adorou
sentir os olhares de todos fixos nela e os sons dos sussurros quando ela passava. Pareciam os
bons e velhos tempos.
Tinsley estendeu as pernas compridas enquanto entornava outra dose. Quando deu por si,
duas horas tinham se passado. Isla estava interessada em saber tudo sobre Tinsley, e esta
adorava conversar com alguém de fora da bolha da Waverly.
— Merda — exclamou Tinsley por fim, olhando o celular. As doses de vodca tinham se
acumulado de forma imensurável, e ela ficou com Isla por muito mais tempo do que pretendia.
Era quase meia-noite. — Tenho de encontrar Julian. — Ela se levantou num salto, oscilando
de leve. Precisou firmar a mão na cômoda de Isla enquanto calçava as botas pretas.
— Uau, garota. — Isla riu, balançando os pés descalços no chão. — Tem certeza de que
consegue sair pela janela? — Ela içou o próprio corpo até a janela com um guincho ruidoso.
— Não se preocupe comigo. — Tinsley soprou um beijo enquanto passava as pernas pelo
peitoril e deixava que seu corpo caísse gentilmente no chão. A cabeça zunia agradavelmente,
e a neve cintilava ao luar. O campus estava quase silencioso, e Tinsley só conseguia pensar em
Julian. Estava atrasada, muito atrasada, e esperava que ele ainda não tivesse ido dormir.
Ela bateu à janela dele. Graças a Deus existem quartos no primeiro andar. As cortinas
estavam fechadas, mas uma luz fraca brilhava lá dentro. Ela pensou ter ouvido o murmúrio de
música. Bateu com mais força, com os nós dos dedos contra o vidro frio.
Por fim a cara de Julian apareceu. Ele ficou surpreso ao vê-la, mas rapidamente abriu a
janela e estendeu a mão. Tinsley a pegou e tentou se impulsionar para cima, mas a sola dos
sapatos escorregava na parede de tijolinhos. Por fim conseguiu trepar no peitoril, com os pés
pousando suavemente no chão do quarto de Julian.
— Devo estar sem prática. — Ela riu, limpou-se e jogou o casaco na cama vazia do colega
de quarto de Julian. — Oi, gato. — Tinsley se virou para Julian e atirou os braços no pescoço
dele.
Julian enrijeceu e lhe abriu um sorriso estranho.
— Oi.
— Desculpe pelo atraso. — Ela apertou o rosto contra o peito dele. Ele era tão quente e
delicioso. — Isla e eu nos divertimos muito trabalhando em nosso projeto. É simplesmente... o
projeto mais bacana do mundo.
— Arrã. — Julian se desvencilhou dos braços de Tinsley e se sentou na cama, bocejando.
Vestia uma camiseta branca básica e calça de pijama cinza de flanela da Abercrombie & Fitch.
— Estava dormindo? — Tinsley provocou, esgueirando-se para a cama com ele. — Que
gracinha.
— Pensei que você não viesse. — Julian a deixou beijá-lo, brevemente, antes de se apoiar
nos cotovelos. — E, cara, tire suas botas. Está trazendo neve para a minha cama.
Tinsley chutou as botas no chão e engatinhou para o lado de Julian.
— Isla tem um olho incrível. Fizemos uma série de fotos de nós mesmas em poses de alto
contraste. Até agora tudo ficou tão lindo! — Tinsley falou numa torrente embriagada.
Julian tirou uma mecha de cabelo castanho-claro do rosto. Ele tinha cheiro de sabonete,
e Tinsley queria beijá-lo inteiro.
— É. Eu soube o que vocês andaram fazendo. — Ele deu de ombros. — Todo mundo
soube.
— O que quer dizer com isso? — Tinsley se sentou reta. Não gostou nada daquele tom.
Sininhos de alarme começaram a soar em sua cabeça.
— Sei lá. Só parece... um projeto fácil. Duas meninas bonitas? Tirando fotos uma da outra
em poses com roupas mínimas? — Julian deu de ombros. — Tem certeza de que é isso mesmo
que quer fazer de seu tempo? E dirigir um filme?
— Mas não é só fazer pose — explicou Tinsley, passando o dedo no joelho de Julian.
Estava começando a ficar irritada com ele. — É arte. Isla tem um livro de arte maravilhoso,
com todas as fotos clássicas de mulheres, tipo assim, em ambientes normais, mas com roupas
que são completamente fora de contexto. Trata-se de contraste, do inesperado e... — Tinsley
calou-se. A vodca deixava seu cérebro lento, e ela estava irritada porque seu discurso
desordenado não fazia justiça ao projeto.
Julian colocou os pés no chão e se sentou.
— Desculpe, mas quando todo mundo contar os projetos de Jan Plan no fim do mês, não
acho que os caras da Waverly vão pensar em contraste e inesperado quando olharem as fotos
de vocês praticamente nuas.
—Julian! — Tinsley se levantou. — Por que está sendo tão puritano? — Os olhos dela se
estreitaram. Será que o motivo era aquele mesmo? Ou Julian só estava com... ciúme? — Ou
foi porque eu escolhi trabalhar com Isla em vez de com você? Isso é muito imaturo.
— Não, não é isso. — Julian revirou os olhos. — Olha, desculpe. Você não pode me
culpar por não gostar da ideia de toda a população masculina da Waverly ficar babando pela
minha namorada de biquíni.
Todo o sangue correu para o rosto de Tinsley. Ela nunca se sentira tão insultada na vida.
Como ele podia ser tão ignorante? Ele não tinha nenhum senso de arte? Pela segunda vez em
vinte minutos, Tinsley se equilibrou encostada numa cômoda e calçou as botas.
— Então talvez eu não deva ser sua namorada.
Ela andou até a janela antes de perceber que Julian não tinha respondido. Virou para trás
e olhou para ele. Ele ainda estava sentado onde ela o deixara, na cama, o rosto lindo iluminado
naturalmente pela luz da lua que jorrava pela janela.
Ele a olhava como se nunca a tivesse visto. Era um misto de decepção e confusão.
Bom, se ele queria ficar ali sentado em silêncio, tudo bem. Ele podia ser o chato e ficar
sentado naquele quarto pelo restante da porra do Jan Plan, se quisesse, assistindo a filmes
enfiado em seu moletom o dia todo.
Só que teria de fazer isso sem ela.
SageFracis: Putz, eu sabia que ele era sujo, mas ele estava IMUNDO.
CellineColista: Se antes ele vivia com tesão, pense no que alguns dias
sem contato com mulher vão fazer com ele.
IsaacDresden: Não, ele só quer conversar mais com você sobre arte.
Ele não morde.
Dia 49 (parece)
Comida: Acho que sinto cheiro de panquecas com pedacinhos de chocolate do salão de
jantar. Que delícia. Adoraria lambuzar com a manteiga e borrifar um pouco de açúcar de
confeiteiro. Estou quase sentindo o gosto.
Aquecimento: Nenhum.
Estado de espírito: Pensei ter visto uns esquiadores de novo. Ou então são fadas. Ninfas
da floresta? Alguém ou alguma coisa estava rindo. Sinto falta das garotas. Elas têm um cheiro
tão bom e o cabelo delas é tão macio.
OwlNet Caixa de Mensagem Instantânea
AlanStGirard: Sei não. Soube que ela jantou na casa dele ontem.
RyanReynolds: Sim. Uma graça. Quem vc acha que está por trás disso?
RyanReynolds: Sei, é bem doente. Além disso, aposto que ele levou a
cama com ele.
Dia 55.999.999
Acordei com uma dor de arrepiar. As pernas dormentes de frio. Nada de guaxinins. Pensei
que fôssemos todos amigos.
Estado de espírito: Estou só, tão só. Cadê todo mundo? E se a Waverly desapareceu
enquanto HF está na mata? E se HF fosse o único sobrevivente na Terra?
Preciso... encontrar... civilização.
em. Vamos tirar mais algumas fotos. — Isla pegou Tinsley pelo braço,
quase arrancando suas pulseiras de cobre, e a puxou para uma porta de
carvalho fechada. Elas estavam no segundo andar da casa do reitor, num
corredor cor de coral. A música pulsava pelo piso, e, de vez em quando, elas ouviam portas se
abrindo e fechando conforme os convidados procuravam um lugar sossegado para namorar.
— Ah, vamos só curtir. Nosso projeto já está perfeito assim. — Tinsley riu. Agora estava
tonta, depois de beber taça após taça de sangria com Isla na pista de dança. Ela não contou o
quanto estava bebendo — era bom demais mexer o corpo no piso frio do hall. Pareciam os
velhos tempos de novo, quando todo mundo tinha o que falar de Tinsley, Brett e Callie. Só que
Brett estava ocupada namorando seu garanhão italiano e Callie claramente havia perdido o
juízo e estava toda carinhosa com Brandon Buchanan. De novo. O que estava acontecendo com
o mundo? Felizmente existia Isla. Com a minissaia Anna Sui preta bordada de lantejoulas e
camiseta regata, Isla parecia punk rock, numa combinação perfeita com o vestido de alcinhas
de seda branca da Daughters of the Revolution de Tinsley. Elas formavam uma ótima dupla.
Um par perfeito. Quem precisava de namorado quando tinha uma melhor amiga
tremendamente descolada?
Isla abriu a porta de um quarto no final do corredor e ergueu a taça vazia, fazendo um
brinde imaginário.
— Vamos tirar fotos na cama dos meus pais, tá legal? Só de calcinha.
Tinsley piscou ao ver a enorme cama de casal. A cama queen size estava coberta por uma
colcha sofisticada cinza e marrom, e, francamente, a última coisa que Tinsley queria era ficar
nua ali.
— Tá, mas não sei se quero violar os, hum, lençóis sagrados do reitor.
— Ah, buuuu. — Isla colocou a taça com um tinido numa mesa de cabeceira cheia de
livros e se jogou na cama dos pais. Apesar de dotada de ótimas qualidades, Tinsley percebera
que Isla tinha uma tendência enorme para o mau humor e, por isso, às vezes precisava acalmá-
la. — Você é um tédio.
O estômago de Tinsley se revirou. Como é? Ela era muitas coisas, mas tediosa não estava
na lista.
— E se tirarmos umas fotos na adega? — sugeriu ela. — Dançando com garrafas de
vinho?
Isla saltou da cama, batendo os pés descalços no piso de tábua corrida.
— Não, tenho uma ideia melhor. — Ela segurou o pulso de Tinsley e a arrastou para o
corredor. Tinsley riu. A energia de Isla era contagiante; exaustiva, talvez, mas contagiante. —
Olha. — Ela parou no alto da escada e apontou uma cúpula de vitral acima do hall. A luz da
lua, de uma lua cheia, iluminava o lindo desenho art déco de flores.
— Talvez eu esteja bêbada, mas não entendi. — Tinsley olhou a porta da frente se abrir,
e prendeu o fôlego por um segundo, antes de Lon Baruzza entrar, limpando a neve dos pés no
capacho. Até então, não havia percebido que tinha esperanças de que Julian apareceria.
Mas Isla já descia o corredor.
— Pegue a câmera. Vou subir a escada de incêndio, chegar ao telhado e posar no alto
daquele vitral. — Ela piscou por sobre o ombro para Tinsley. — E você vai me fotografar, de
baixo. Acho que a luz é perfeita... Mas temos de fazer isso antes que uma nuvem cubra a lua.
— Peraí, do que está falando? — Tinsley de pronto se arrependeu de toda a sangria que
havia entornado, seu cérebro estava lerdo, e a língua, pesada. — Você está de porre... Não pode
subir no telhado.
— Deixa de ser covarde. — Por um segundo, os olhos verde-claros de Isla brilharam de
irritação.
Quase de imediato, Tinsley sentiu os pelos da nuca se eriçarem. Não ia deixar que
ninguém — nem mesmo a filha do reitor — falasse com ela daquele jeito. — É sério, Isla. Não
é boa ideia.
Mas Isla lhe soprou um beijo risonho, e Tinsley relaxou.
— Vamos. Imagine como será incrível. — Tinsley olhou para a claraboia e captou o modo
como a lua passava por ela. Abaixo, no hall pouco iluminado, corpos sacudiam na pista de
dança, e as velas que ladeavam a escada pareciam dançar também. Tudo parecia perfeito e
sereno. — Prepare a câmera, está bem? A foto vai ficar ótima.
—Tá legal, tá legal. Me dê um minuto. — Tinsley vacilou um pouco, os sapatos de salto
Alexander McQueen de couro vermelho pareciam mais altos do que ela se lembrava. Ela bebeu
o que restava da sangria antes de pôr a taça vazia no chão. Colocando a mão com firmeza no
corrimão, olhou o hall, tentando achar o melhor lugar para fotografar Isla. Por fim, optou pela
beiradinha do balcão, na extremidade da escada.
Ela olhou para o céu através do vitral verde e amarelo. Tinha um nó na boca do estômago.
Respirou profundamente pelo nariz, tentando acalmar os nervos. Quais eram as chances de Isla
realmente chegar ao telhado? Talvez Tinsley devesse ir com ela.
A música mudou para alguma coisa jazzística, melosa e tranquilizadora, e, antes que
conseguisse se mexer, Tinsley finalmente viu uma sombra sobre a claraboia. Prendeu a
respiração. Só distinguia a silhueta de Isla, cujo corpo estava encostado no vitral — e era
perfeito. Assombrada, Tinsley clicou. Isla era um gênio. Era a foto perfeita, o epítome do
contraste. Um corpo delicado e sombreado iluminado por trás no desenho bem definido do
vidro. Isla abriu os braços, como asas. Parecia um anjo que tinha pousado na claraboia.
Um vento frio subiu pela escadaria como uma premonição, e Tinsley olhou para a porta
aberta. Várias velas na escada se apagaram. Dois sujeitos passaram pela porta, mas antes que
Tinsley pudesse registrar quem eram, um som terrível veio de cima. Ela precisou de um
segundo para perceber o que era.
O estalo de vidro se quebrando.
Aturdidos, porém ainda bêbados, os olhos de Tinsley voaram para a claraboia. Uma
dezena de rachaduras sinuosas apareceu no desenho. Ai, meu Deus. Tinsley abriu a boca para
gritar, mas não saiu nada. As pessoas que dançavam no piso de mármore preto do hall não
perceberam que havia algo errado. Ainda não.
Depois que o vidro começou a rachar na claraboia, tudo aconteceu em câmera lenta.
Cacos de vidro passaram a cair, fazendo todos na pista olharem para cima. Alguém gritou.
Benny e Alan St. Girard estavam dançando juntinhos, mas rapidamente pularam de lado e se
juntaram ao grupo de corpos que tentava se espremer pelos cantos da sala. Os olhos de todos
estavam voltados para cima, as pessoas protegendo os olhos com as mãos para evitar os cacos.
— Tem alguém lá em cima! — gritou a voz aguda de Jenny. — É uma pessoa!
A visão dos braços e pernas estendidos de Isla, suspensa no ar acima do hall, parecia um
truque de mágica e era estranhamente linda. Depois o corpo de Isla tombou de seu poleiro e,
quase como se flutuasse, desceu pelo ar. Ainda segurando m câmera, Tinsley estendeu a mão
sobre o corrimão, como se pudesse fazer alguma coisa para deter a queda. Ela desejou,
loucamente, poder tirar uma foto da linda Isla em pleno ar.
Tinsley prendeu a respiração enquanto esperava pelo momento do desastre. Mas, de
repente, alguém avançou, estendeu os braços e pegou Isla, como se ela não tivesse peso algum.
Houve uma gritaria quando todo mundo se reuniu em volta deles. Tinsley desceu a escada
lentamente, vendo as pessoas tirarem cacos de vidro das roupas e verificarem se os amigos
tinham se ferido. Os convidados corriam para todo lado, na direção de Isla e do cara que a
apanhou, porta afora, para qualquer lugar.
Tinsley parou no meio da escadaria. Não conseguia tirar os olhos da cara de Isla. Ela
parecia abalada, porém ilesa. Por fim, desviou os olhos para ver quem segurava sua amiga. Ela
piscou.
De repente não estava mais tão bêbada. A pessoa que segurava Isla era tremendamente
familiar.
Jenny finalmente conseguiu passar pela multidão e chegar a Isla e Easy, havia fragmentos
de vidro cintilando nos cabelos escuros dela. Ela pegou uma vassoura no armário do corredor,
como se houvesse um jeito de varrer toda a bagunça para debaixo do tapete.
— Gente, está tudo bem. Isla está bem. Vamos nos acalmar.
Ela girou pelo hall. Pelos destroços, era impossível acreditar que Isla realmente estivesse
bem. Mas Isaac procurou por ossos quebrados e Easy ainda a escorava. Easy. O estômago de
Jenny estava revirado — ela estava no hall, a caminho da sala de jantar, quando Isla caiu pela
claraboia. E Easy estendeu os braços e a pegou no ar, como uma espécie de super-herói. Era
loucura, Jenny captara os olhos dele ali, num borrão de vidro quebrado e meninas gritando.
Quando ele sorriu para ela com aqueles olhos azuis escuros e familiares, o coração de Jenny
quase parou. Ele agora estava mais forte, por causa dos exercícios na escola militar, e mais
certinho. Até mesmo se parecia com um super-herói.
— Sabe de uma coisa... — Isaac olhou para Jenny com ansiedade. — Acho que a gente
devia tirar todo mundo daqui o mais rapidamente possível.
— Claro — respondeu Jenny, encarando o chão. Iria ser um desastre para limpar e tentar
explicar ao reitor o que aconteceu. Ela conseguia guardar segredo sobre a festa, mas não havia
como esconder danos à propriedade. Ela estava na merda até o pescoço. — Temos muito o que
limpar.
Isaac sorriu quando Jenny disse “temos”.
— Eu não quis dizer isso... Só acho que a casa tem uma espécie de... — Antes que ele
pudesse terminar, as luzes de carro patrulha da segurança do campus ficaram visíveis através
da porta da frente.
— Alarme silencioso — terminou ele.
— CORRAM! — Heath Ferro começou a pegar as meninas mais próximas e conduzi-las
para os fundos da casa. Todo mundo para a saída de emergência!
— Fiquem todos onde estão! — gritou o segurança parrudo ao sair do carro e subir a
escada da frente correndo. — Não se mexam!
Tarde demais. Todos os convidados fugiram rapidamente para a saída da cozinha ou
passaram pelas portas de correr na sala de estar. Jenny viu alguns meninos abrindo uma janela
na sala de jantar e pulando nos arbustos.
Isaac empurrou Jenny para a cozinha, as mãos quentes na base das costas dela. Sage
Francis e mais um bando saíram afunilados pela porta lateral e atravessaram o jardim cheio de
neve de volta aos alojamentos, deixando uma trilha imensa de pegadas. Os braços nus das
meninas brilhavam ao luar, e elas aceleravam para se aquecer.
— Mas não posso deixar você cuidar disso sozinho... — Jenny protestou, com uma lufada
de vento frio varrendo a cozinha. Taças com crostas de sangria estavam espalhadas pelas
bancadas, e garrafas vazias de vinho ainda se empilhavam na pia.
— Vá — insistiu Isaac, entregando a jaqueta vermelha que Jenny havia deixado
pendurada ao lado da porta da cozinha.
— Vou pensar em alguma coisa.
Jenny ficou parada à porta, relutando em sair. Não queria que Isaac tivesse problemas,
mas também não queria que o reitor entrasse na casa arruinada e a encontrasse ali. A
combinação de sangria e adrenalina correndo por suas veias dificultava o raciocínio. E o
simples ato de pensar no desastre no hall a deixava com um bloco de gelo alojado no estômago.
Como diabos eles iam se safar dessa?
Isaac finalmente plantou as mãos nos ombros de Jenny e a empurrou para a porta, com
gentileza, porém firme. Ele piscou para ela, embora o rosto estivesse ansioso.
— Acho que minha primeira festa da Waverly pode ser considerada um sucesso.
Jenny tentou rir enquanto mais pessoas passavam roçando por eles, empurrando-os para
mais perto um do outro. Isaac restava tão próximo que ela sentia o cheiro de seu creme dental.
Ele provavelmente conseguia contar as sardas no rosto dela.
— Tem certeza? — Apesar da chegada dos seguranças, ela não queria ir embora.
— Eu me diverti muito esta noite. Com você. — Isaac levantou a mão para tirar um cacho
do rosto dela, e o coração de Jenny acelerou.
— Eu também me diverti — disse ela baixinho, olhando para baixo. Estava frustrada por
não terem mais tempo para as despedidas. A festa tinha sido tão perfeita, era uma pena terminar
assim. — Eu meio que queria fazer a limpeza com você.
— Fica para a próxima. — Isaac sorriu. Alguém esbarrou a caminho da porta, dando uma
cotovelada nas costas de Jenny e jogando-a sobre Isaac. As mãos dele voaram para a cintura
dela, a fim de lhe dar equilíbrio.
Antes que ela pudesse registrar exatamente o que acontecia, Isaac estava se curvando na
direção dela. Os lábios tocaram os dela suavemente, e Jenny sentiu milhões de palpitações no
estômago. Tudo — os convidados fugindo pela porta, a lufada de ar frio quando a porta se abria
e fechava, o cheiro de sangria derramada — sumiu ao fundo. Nada importava, além do modo
como seus lábios se encaixavam nos dela, e o gosto de menta na boca do rapaz.
Enfim Isaac se afastou. Jenny piscou ao voltar à realidade. Precisou de um segundo para
perceber que ainda estava na cozinha. Alguns retardatários olhavam para eles ao correr pela
porta.
— Tá íegal, chega de me distrair — disse Isaac, tocando de leve o cotovelo de Jenny. —
Você precisa sair daqui.
— Tem certeza? — perguntou Jenny, mordendo o lábio. Os lábios dela pareciam estar
em chamas.
— Absoluta. — Ele a empurrou pela porta enquanto Rifat Jones e Lon Baruzza
disparavam para fora. Rifat fez um sinal de positivo para Jenny, que Isaac fingiu ignorar. Jenny
se recompôs e conseguiu caminhar até a escadaria curta de madeira, mas ela sentia como se
estivesse flutuando. Olhou para Isaac por sobre o ombro. Ele ainda estava na soleira da porta,
vendo-a partir. — Você é linda demais para se meter em encrenca. — Ele disse para ela.
Se ao menos isso fosse verdade...
De: SebastianValenti@waverly.edu
Para: BrettMesserschmidt@waverly.edu
Assunto: Você
AlanStGirard: Cara, que merda do caralho. Que bom que Isla está
bem.
De: IslaDresden@waverly.edu
Para: TinsleyCarmichael@waverly.edu
Desculpe, gata, mas você sabe que você teria feito o mesmo comigo.
Bjs
assava da meia-noite, e Callie tinha contado as estrelas que brilhavam no escuro e
desbotavam no teto acima de sua cama um bilhão de vezes. Mas elas não a ajudariam
a dormir. Não esta noite. Não quando Easy estava em algum lugar do campus. Todo
seu corpo estava eletrizado, como se ela tivesse tomado uns vinte lattes, e a mente repassava
sem parar a cena no final da festa. Easy, ali no meio de todo o caos, encarando Callie
diretamente: ela devia ter conversado com ele. Perguntado o que ele estava fazendo de volta à
Waverly. Em vez disso, ficou feito uma imbecil, segurando a mão de Brandon e murmurando
um “Oi” feito um papagaio.
Do outro lado do quarto, Jenny, que normalmente dormia como um bebê, virou-se na
cama pela milionésima vez. As molas guinchavam por baixo dela como unhas num quadro-
negro. Callie não conseguia ficar deitada ouvindo aquilo por mais tempo. Jogou o edredom
grosso de lado e se levantou.
Jenny se sentou na cama, o cabelo uma bagunça embaraçada em volta da cabeça.
— O que está fazendo? — perguntou ela, sonolenta. Olhou para Callie, que despia a calça
de cashmere do pijama e pegava os jeans escuros Stella McCartney que estavam pendurados
na cadeira da escrivaninha.
— Não consigo dormir. — Callie puxou o suéter azul-marinho de tricô da Ralph Lauren
do armário e o vestiu por cima da combinação cor-de-rosa. Pegou meias de lã grossas e as botas
Marc by Marc Jacobs vermelhas. — Preciso tomar ar.
Jenny se sentou.
— Mas a Pardee... Ela vai ouvir você sair.
— Vou fazer silêncio. — Callie pegou um casaco de lã preto que nunca tinha usado no
fundo do armário — podia muito bem tentar se misturar à noite. — Olha, só preciso dar uma
volta. Arejar a cabeça.
— Vai procurar Easy, né? — perguntou Jenny suavemente, puxando o cobertor em volta
do corpo.
Callie piscou. A quem ela estava enganando? Ela não ia sair para arejar a cabeça. Estava
esperando pelo som de pedras na janela, o sinal de que Easy a esperava ali embaixo. Se ele
quisesse vê-la, saberia onde encontrá-la. Mas talvez ele fosse orgulhoso demais para isso.
— Talvez. Deseje-me sorte. — Callie fechou o casaco até o queixo. Precisava falar com
ele. Pensar em Easy era como uma coceira no cérebro, e ela não conseguiria fazer nada até
encontrá-lo. Esperava que, de algum modo, onde quer que ele estivesse, Easy também não
estivesse conseguindo dormir.
— Leve seu celular — disse Jenny, com os olhos castanhos solidários. — Pode me
mandar um torpedo quando precisar entrar. — Callie lhe abriu um sorriso grato antes de sair
pela porta.
Ela caminhou furtivamente pelos corredores silenciosos, prendendo a respiração ao
passar pela porta de Pardee. Em silêncio, saiu pela frente do Dumbarton e enfiou os pés com
meias nas botas já na varanda. A noite estava escura e limpa, e a respiração de Callie
condensava no segundo em que deixava a boca. Seus pés esmagavam as calçadas com sal. Um
bilhão de estrelas estavam visíveis no céu negro. Ela sabia exatamente aonde estava indo.
Quando os estábulos vermelho-escuros na margem do campus entraram em seu campo
de visão, as mãos de Callie estavam quase congeladas. Tinha se esquecido das luvas. O cheiro
dos cavalos a atingiu vigorosamente, provocando o retorno de todas as lembranças com Easy.
Ela não voltara ao estábulo desde que ele havia sido expulso, porque teria sido doloroso demais.
Parecia que ontem mesmo eles estiveram deitados no feno limpo, se beijando. Ele tinha de estar
ali.
Callie olhou em volta, procurando a lanterna bisbilhoteira do zelador Ben, mas o único
movimento que viu foi de uma coruja gorda mergulhando dos galhos nus de um carvalho. Ela
tremeu e passou pela porta do estábulo, abrindo-a com o ombro.
Alguns cavalos se mexeram e relincharam; depois veio o silêncio. O estábulo estava negro
como breu, a não ser pelo feixe de luar que entrava pela janelinha no alto da selaria. O prédio
estava vazio, salvo pelos cavalos.
Lágrimas de frustração encheram os olhos de Callie. Ela não sabia por que tinha tanta
certeza de que Easy estaria ali. Era idiotice, mas sempre achou que tinha uma espécie de radar-
para-o-Easy. Ela sabia o momento em que ele entrava no refeitório ou quando ele saía de uma
festa apinhada para fumar um cigarro. Fazia com que ela sentisse que os dois tinham uma
espécie de ligação mágica.
Ao que parecia, qualquer ligação tinha sido cortada no momento em que ela o largou.
Callie vagou pelo corredor até o meio do estábulo, ainda despreparada para voltar ao
quarto. Seus olhos se adaptavam à luz fraca, e ela pisou no que esperava ser lama. Levantou a
cabeça surpresa quando percebeu que estava diante da baia de Credo. A égua de Easy continuou
na Waverly mesmo depois de sua expulsão, devido a alguma complicação com o transporte
dela ao Kentucky. Os olhos castanhos imensos de Credo observavam Callie atentamente, e ela
estendeu a mão para tocar a testa macia da égua.
— O que está fazendo aqui?
Callie soltou um gritinho. Parado nas sombras da baia de Credo, estava Easy Walsh.
— Está tudo bem — disse Easy a Credo numa voz tranquilizadora, passando a mão
gentilmente pelo dorso do animal. Easy fuzilou Callie com o olhar. — Não sabe que não deve
gritar na frente de um cavalo?
— Desculpe — falou Callie, ajeitando o cabelo, nervosa. O próprio coração batia
descontroladamente. — Você quase me matou de susto.
— Pensei que fosse Ben. — Easy deu de ombros enquanto avançava e apoiava os
cotovelos no alto do portão de madeira da baia de Credo. Ele ainda estava com o casaco da feia
farda militar com a qual havia aparecido na festa, mas de algum modo ele o deixava ainda mais
rústico e sexy. A pele bronzeada brilhava, e os olhos azuis cintilavam sob o luar. Callie queria
que ele não estivesse do outro lado do portão. — Eu não queria ser expulso... de novo.
Callie riu, sem jeito. O som ecoou pelo estábulo amplo. Ela se aproximou um pouco do
portão.
— Como chegou aqui, Easy? — E por que?, ela queria perguntar, mas não conseguia.
Credo podia não ser a única coisa a trazê-lo de volta.
Easy bocejou enquanto passava a mão pelo cabelo preto e curto.
— Eu subornei um táxi que deveria me levar de volta ao colégio militar. Eles me deixaram
na rodoviária.
Callie sentiu os olhos dele cravados nela. Sabia que ele a havia visto na festa.
Provavelmente percebera Brandon de mãos dadas com ela. Será que ele se importou? Ela
mordeu o lábio rachado.
— Bom, estou feliz por você estar aqui, embora seja provável que seus pais tenham um
ataque.
Isso provocou um sorriso torto na expressão de Easy, e Callie sentiu os joelhos
fraquejarem.
— Eles me mandaram de volta à escola mais cedo, então eu tenho um ou dois dias antes
que percebam que sumi.
— Mas o que você vai fazer? — perguntou Callie, com urgência. Ela se recostou no
portão, a mão roçou os nós dos dedos de Easy acidentalmente. Ela pulou para trás rapidamente.
— Quero dizer, não pode ficar escondido no estábulo para sempre. — É claro que ele não
podia. Mas a ideia de ver Easy indo embora de novo... Era um pensamento que ela nem mesmo
queria alimentar.
— Não preciso. — Easy se afastou do portão e pegou uma escova pendurada na lateral
da baia. Começou a escovar Credo, que sacudia a cabeça em aprovação. — Dresden me disse
que, como eu meio que salvei Isla, ele vai tentar me reintegrar. Vai oficializar tudo amanhã. —
Ele pronunciou as palavras despreocupadamente, como se a revogação de uma expulsão pelo
reitor fosse algo corriqueiro.
— Como é? — O queixo de Callie quase foi parar no pé. Easy estava de volta... para
sempre? — Ai, meu Deus. Easy, isso é demais. — Ela achou que fosse desmaiar. O que
significaria ter Easy de volta? Será que tudo seria como antes? Só de ouvi-lo pronunciar o nome
Isla, ela sentiu arrepios de raiva. Esperava que ele não se sentisse grato à filha do reitor por ter
ajudado inadvertidamente em sua volta para a Waverly.
Easy respirou profundamente e abriu o portão. Foi para o corredor, esmagando o feno
com os tênis. Lançou um longo olhar que a fez se esquecer da encrenca na qual tinha se metido
naquela noite.
— Você está bonita — disse ele bruscamente.
— Você também. — Callie sentiu um bolo na garganta. Deu um passo na direção dele e
estendeu a mão para lhe acariciar a cabeça. O corpo dela estremeceu um pouco quando o tocou.
— Mesmo de cabelo curto.
Easy a encarou. Callie sentiu os olhos se fixarem nos dele e aquela atração gravitacional
familiar. Os olhos azuis de Easy, de perto, pareciam confusos, mas ele não a estava afastando.
Os lábios dos dois se aproximavam cada vez mais até que, por fim, depois do que pareceu uma
eternidade, encontraram-se. Callie fechou os olhos e pressionou o corpo no de Easy. Cada
centímetro dela parecia vivo. Ela sentiu-lhe as mãos agarrarem seu cabelo embaraçado,
puxando-a para mais perto. As bocas se moviam freneticamente uma na outra. Já fazia tanto
tempo que não se beijavam — de verdade — que Callie sentiu uma agitação familiar na boca
do estômago.
— Espera. Não. — Easy recuou de repente.
— Que foi? — Callie tentou recuperar o fôlego. Tocou no braço de Easy, mas ele a
afugentou gentilmente. — Qual é o problema?
Ele sorriu com tristeza enquanto esfregava o queixo.
— Não vai me contar o que está rolando entre você e Buchanan?
Callie se endireitou. Levou a mão ao cabelo, tentando ajeitar as partes que Easy tinha
bagunçado.
— O que tem Brandon? — perguntou ela, com petulância.
— Eu vi vocês dois de mãos dadas. — Easy se recostou na baia de Credo, a égua projetou
a cabeça e esfregou o focinho no ombro dele. Easy se virou e arrulhou suavemente na orelha
do animal. Callie olhava a égua com ciúme. Queria que Easy estivesse sussurrando no ouvido
dela.
Callie respirou profundamente. Traçou um semicírculo no chão com a ponta da bota.
— Eu não sei bem o que está acontecendo.
Easy afagou o focinho aveludado do animal.
— Além disso, parece que me lembro de você me dizendo que não podia mais ficar
comigo. Que tinha acabado. No alto do Empire State. Lembra?
Para Callie, foi como se ela tivesse levado um soco nos pulmões. Sim, ela havia dito
aquilo. Mas as coisas eram diferentes na época. Foi depois de ela ficar semanas sem ver Easy
ou mesmo falar com ele. Nenhum e-mail ou torpedo. Ela mal sabia se ele estava vivo. E tinha
perdido o anel de compromisso que ele lhe dera. Ela simplesmente não estava em seu juízo
perfeito.
— Eu sei. Mas não acho que seja isso. — Ela suspirou e olhou para Easy no corredor.
Seu estômago dava cambalhotas. — E você?
Easy suspirou pesadamente e se afastou dela.
— Acho que vamos ter de esperar para ver.
rett estava sentada na área de leitura do primeiro andar da Biblioteca Sawyer na manhã
de domingo, de costas para a enorme vidraça que dava para o pátio. A Sra. Birdsall,
a bibliotecária velha e gélida, tinha subido, provavelmente para flagrar uns alunos se
agarrando perto das estantes, e Brett aproveitou a oportunidade para pegar uma barra de Nature
Valley na bolsa e dar uma mordida breve. Era estritamente proibido comer na biblioteca, assim
como namorar.
Brett suspirou pesadamente e mastigou sua barra de granola farelenta. Normalmente, aos
domingos, a biblioteca ficava apinhada de Waverly Owls frenéticas metendo as caras para os
testes de segunda de manhã, ou apressando-se para terminar os trabalhos. Mas durante o Jan
Plan a biblioteca ficava quase deserta, exceto por uma mesa de calouros nerds no canto,
curvados sobre o que pareciam plantas arquitetônicas de uma estação espacial.
A festa tinha sido um desastre. Primeiro, sua briga com Sebastian, assunto sobre o qual
ela estava evitando pensar ao máximo. Depois recebeu o e-mail do reitor intimando-a por estar
na festa. Ela culpava Sebastian pelo fato de ter ficado tão distraída e deixado o cachecol para
trás. Outra coisa irritante nele. Ela precisou passar no Stansfield Hall naquela manhã, com a
meia dúzia de outras corujas de expressão culpada, para recuperar o cachecol no achados e
perdidos improvisado que o reitor tinha montado — diabolicamente—na frente de sua sala.
Chrissy saíra em excursão a uma loja de tecidos gigantesca nos arredores de Albany, mas
Brett deu bolo na última hora. Não conseguia mais lidar com as ex-namoradas de Sebastian.
Talvez elas pudessem fazer o restante do projeto separadamente.
— Você é Brett Messerschmidt, não? — Brett levantou a cabeça do livro gigante e chato
sobre arte francesa de meados do século XIX e viu uma menina asiática e magra com jeans
escuros e apertados com as barras enfiadas num par de botas pretas de cano alto. Seu cabelo
preto e sedoso ía quase até a bunda. Ela era vagamente familiar, mas Brett não se lembrava do
nome.
— Siiim? — Brett ergueu as sobrancelhas, sem saber onde aquilo ia dar.
A menina recuou, e olhou Brett da cabeça aos pés. Brett sentiu que estava em um teste de
elenco, pelo jeito como a menina avaliava tudo, de sua blusa Juicy Couture florida às calças
ultraconfortáveis modelo boyfriend da J. Crew. Que ironia, agora ela nem mesmo tinha certeza
se ainda tinha namorado. Brett tocou o próprio rosto de forma defensiva para cobrir a espinha
mínima que tinha aparecido na véspera.
— Você é representante do penúltimo ano, não é?
— Sim — respondeu Brett, batendo a bota Salvatore Ferra-gamo na perna da mesa com
impaciência. Ela era representante por enquanto... Quem sabia o que o novo reitor diria a ela
na manhã seguinte? — Posso ajudá-la em alguma coisa?
A menina deu de ombros. A pele dela era irritantemente perfeita.
— Não, só que você não é o que nós esperávamos.
— Nós? — Brett olhou em volta, concluindo que ela devia ser o tema de alguma versão
idiota de Punk’d do Jan Plan.
— Ah, desculpe. Meu nome é Sylvia Ng. Eu costumava sair com Sebastian. — Sylvia
pegou um exemplar da New Yorker em sua bolsa Louis Vuitton e devolveu à estante de
periódicos que, Brett sabia, não fazia empréstimos. — Eu estava conversando com Leila
Rodriguez, e percebemos que, embora não achemos que você faça o tipo de Sebastian nem
nada, é uma graça que ele esteja tão, sabe como é. Ligado em você.
Brett meneou a cabeça, tentando arejar o cérebro.
— Como sabe disso?
Sylvia revirou os olhos de maneira exagerada.
— Outro dia ele disse, tipo, a todas as garotas que namorou que agora tinha namorada.
Pelo menos, tipo, para mim e para Leila, e Leigh e...
Brett sentiu como se estivesse com um comprimido de sabor horrível alojado na garganta.
A lista de chamadas do celular de Sebastian. Ele andou ligando para todas aquelas meninas —
para dizer que estava fora do mercado? Por que ele fez aquilo? O estômago de Brett revirou
quando ela percebeu a resposta. Por causa dela. Porque ela brigou com ele depois do
surgimento de Tricia Rieken. Ele fez o que pôde para se certificar de que não aconteceria de
novo. Por ela.
E ela foi uma completa cretina com ele em retribuição.
— Com licença — murmurou Brett, levantando-se e pegando o casaco. Ela nem se deu
ao trabalho de devolver o livro de arte à estante. Por que presumira o pior tão rapidamente? Ela
não tinha motivos para não confiar nele, no entanto, nem mesmo deu a ele uma chance de se
explicar.
Brett saiu em disparada da biblioteca, angariando um aviso rabugento da Sra. Birdsall, e
praticamente correu até o alojamento de Sebastian, reduzindo o passo à entrada só para
recuperar o fôlego. Os veteranos que assistiam a um filme idiota de Seth Rogen na área comum
a olharam quando ela passou. Quando chegou à porta dele, parou. O que ia dizer? Iria prometer
não fazer isso de novo. Será que ela estava determinada a estragar todos os relacionamentos
nos quais se metia?
A porta se abriu. Sebastian estava ali, sem camisa, vestindo uma calça preta de pijama da
Calvin Klein. No som, tocava ópera.
— Você ia bater? Ou pretendia ficar parada no corredor o dia todo?
Brett piscou, tentando não olhar o peito musculoso e esbelto de Sebastian.
— Eu estava pensando na melhor maneira de me desculpar com você.
Sebastian recuou, apoiando-se no encosto da cadeira.
— E já decidiu? — Sua voz não estava exatamente fria, mas estava distante. Mas ela
certamente merecia aquilo.
— Me desculpe. — O coração dela ainda batia como louco devido à corrida até ali. Ela
precisou falar em frases curtas e entrecortadas. — Agi como uma louca. Peço mil desculpas
mesmo por não ter te dado uma chance de se explicar. Ou melhor, por ter tirado conclusões
precipitadas. É só que... Eu fiquei meio... nervosa quando comecei a perceber quantas garotas
você namorou. Eu não sabia bem como eu me encaixava nisso.
Sebastian comprimiu os lábios.
— Eu te disse como você se encaixava, lembra? Disse que você era a única que importava.
— Eu sei. — Brett tentou inspirar para recuperar o fôlego.
— Acho que a verdade é que... — Ela se interrompeu, sem saber se queria confessar
aquilo. Mas precisava ser sincera. Devia isso a ele. — Eu traí meu último namorado. E ele me
traiu. E então eu não tenho certeza... se confio em mais alguém.
Sebastian meneou a cabeça.
— Sua garota maluca. Eu sei que você tem muita bagagem... Deu para ver quando pus os
olhos em você.
Brett riu.
— Não deu, não. — Ela viu a foto emoldurada da avó dele na mesa, diante de um
restaurante italiano minúsculo. Como pôde ter duvidado dele? Talvez porque as coisas
estivessem indo tão bem entre os dois, ela entrou em pânico e pegou a saída mais fácil —
fugindo antes de se aprofundar demais. Mas quando ele sorriu para ela com seus lábios fartos,
ela percebeu que já havia pulado de cabeça.
E gostava disso.
— O negócio é o seguinte — disse Sebastian, pegando Brett pelo cotovelo e a puxando
para ele. — Não é tão complicado assim. Você gosta de mim. Eu gosto de você. E pronto.
Brett desenrolou o cachecol verde que tinha jogado apressadamente no pescoço.
— Acha mesmo que é simples assim?
— Com você? — Sebastian deu de ombros, parecendo meio constrangido de repente, do
mesmo jeito que havia ficado nas férias de Natal quando ela descobriu o ursinho de pelúcia
surrado na estante dele. — Sim, acho. E não é como se eu, sabe como é, já tenha me sentindo
assim.
Uma explosão de calor se espalhou pelo corpo de Brett.
— É mesmo? — ela gritou.
— É. — Os olhos escuros de Sebastian encontraram os de Brett e o calor se aprofundou.
Ela se aproximou, tocando o braço dele com a mão enluvada. Ele sorriu para ela, o sorriso
familiar e irônico. — Por que mais eu suportaria sua loucura toda?
Brett apoiou a cabeça no peito forte. Pelo cheiro, parecia que ele havia acabado de sair do
banho.
— Isso quer dizer que eu estou perdoada?
— Mas é claro que não — respondeu Sebastian, com firmeza, colocando as mãos nos
ombros dela e apertando suavemente. — Terá de se esforçar um pouco mais do que isso. —
Mas depois a carranca falsa se transformou num sorriso diabólico.
Brett suspirou alegremente e avançou para ele, até os corpos quase se tocarem.
— Tenho algumas ideias de como compensar com você.
OwlNet Caixa de Mensagem Instantânea
BennyCunningham: Viu Jenny esta manhã? Ela ainda não ouviu nada
do reitor.
SageFrancis: Que boa merda. Ser flagrada já é bem ruim. Mas quando
quem dá a festa se safa, é ridículo.
IsaacDresden: Meu pai disse que você o procurou hoje. Por que fez
isso?
SageFrancis: Todo mundo sabe. O que será que significa para Callie?
Fim
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