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MORTE-PÁSCOA

d. Estevão Bettencourt
PR 462 - pp. 519-521

1) Por que temos de viver?

- Temos de viver, porque fomos criados e chamados para participar da vida bem-
aventurada do próprio Deus. Desde toda a eternidade, o Pai concebeu a imagem de
cada um de nós e decretou dar-lhe existência real no tempo oportuno para que,
correspondendo ao chamado de Deus, caminhássemos na terra em demanda da vida
plena. Não há outra razão que explique a nossa existência. Por conseguinte, deve-se
dizer que na raiz da existência de cada um de nós há um ato de amor divino,... amor
irreversível, sim-sim uma vez por todas, apesar das oscilações da criatura. Em
conseqüência todo ser humano pode repetir com Cristo: "Saí do Pai e vim para o
mundo; de novo deixo o mundo e volto para o Pai" (Jo 16, 28).

A caminhada pode ser árdua; não há quem não deva carregar um tanto da Cruz, mas
o Senhor acompanha cada qual com a sua graça; Cristo nos precedeu na estrada da
vida: quis passar pelos mais atrozes sofrimentos para santificá-los e torná-los canais
de glorificação. Nada na vida do cristão é meramente mecânico ou casual, mas tudo
está incluído no sábio plano da Providência divina.

2) Por que morrer?

- A morte é um fenômeno natural; toda criatura viva (a planta, o cão, o homem), se é


corpórea, morre. Todavia a morte não é ruptura, não é extinção. Cristo a assumiu e
dela fez a passagem para a plenitude da vida. Para o cristão, a morte toma o caráter
de Páscoa ou transição para a consumação. Eis por que os santos desejaram a morte;
Santa Teresa de Ávila (+1582) afirmava: "Esta vida é uma só noite de má pousada", o
que quer dizer: esta vida se assemelha à condição de um viajante que deve pernoitar
num albergue da estrada: encontra aí ratazanas, baratas e mosquitos, que o levam a
ansiar pela aurora; assim o cristão anseia pela luz eterna. A mesma Santa Teresa
dizia: "Senhor, é tempo de nos vermos!". O próprio São Paulo escrevia: "Para mim, o
viver é Cristo, e o morrer é lucro... Vejo-me num dilema: o meu desejo é partir e estar
com Cristo, pois isto me é muito melhor, mas o permanecer na carne é mais necessário
por vossa causa" (Fl 1, 21-24).

O Batismo implanta no cristão um gérmen de vida gloriosa, que tende a desabrochar


na medida em que morremos ao pecado. Assim a vida eterna não é algo de estranho
ou meramente vindouro, mas é uma realidade que cada qual já pode desfrutar se é fiel
à graça do Senhor, que o chama a uma crescente união com Deus.

3) Por que uns morrem de forma violenta e outros de forma tão calma?

- Não podemos assinalar uma razão precisa para cada tipo de morte. Sabemos, porém,
que os homens produzem a violência e assim matam muitos de seus semelhantes.
Deus assiste a isso tudo, permitindo que os homens exerçam a sua liberdade; todavia
observa S. Agostinho que "Deus nunca permitiria os males que os homens causam, se
não tivesse recursos para tirar dos males bens ainda maiores". Afinal o sofrimento é
contrário aos anseios espontâneos do homem, mas tem uma finalidade providencial,
que já os antigos gregos formulavam em duas palavras: Páthos máthos (Sofrimento é
escola, educação). É o sofrimento que quebra o egoísmo de muitas pessoas, tornando-
as mais compreensíveis e abertas ao próximo, mais voltadas para os bens definitivos.

4) Que nos espera após a morte? Como viveremos nesse outro plano? Como estão
vivendo as pessoas que se foram? Será que nos estão vendo? Que é que elas comem?
Que vestem? Onde moram?

- A resposta deve afastar imediatamente qualquer concepção materialista ou grosseira


do além, como se fosse uma nova edição do aquém revista, melhorada e ampliada.
Após a morte, a alma, separada do corpo até o juízo final, colherá os frutos da
semeadura realizada nesta terra. Cada momento do nosso tempo tem sua repercussão
na eternidade. Quem muito semeou (quem copiosamente praticou o bem), muito
colherá; quem pouco semeou, pouco há de colher (cf. 2Cor 9, 6). Quem morre na
graça de Deus, com seu amor voltado para Ele, terá a visão face-a-face da Beleza
Infinita, ou seja, "o que o olho jamais viu, o ouvido jamais ouviu, o coração do homem
jamais percebeu" (1 Cor 2, 9). Todos os anseios serão cabalmente saciados. Haverá a
plena satisfação em Deus; diz S. Agostinho: "Serás insaciavelmente saciado".

Quem se familiariza com Deus, vai percebendo o antegozo dessa realidade final. A
fidelidade à graça de Deus vai dando ao cristão a experiência desse Bem Infinito que é
Deus, São Paulo a isto alude quando diz que "trazemos um tesouro em vaso de argila"
(2Cor 4, 7); o vaso de argila é o nosso corpo, invólucro de uma realidade
transcendental, que é a vida eterna ou a comunhão com as três Pessoas Divinas,
verdadeiro tesouro do cristão.

Por conseguinte, os nossos falecidos no além não precisam de comer nem de se vestir,
nem habitam em casas materiais. Podemos, porém, afirmar que não são alheios à
nossa vida, pois Deus lhes dá a conhecer o que nos concerne. Sim; Deus, que é o
autor da comunhão dos santos e da solidariedade que existe entre os homens, não
permite que a morte rompa essa solidariedade; por isto Ele estabelece que os falecidos
saibam o que nos ocorre, conheçam as preces que lhes dirigimos para que possam
interceder por nós no além. Assim é que rezamos aos Santos para que orem por nós
junto ao Pai; podemos também rezar às almas do purgatório no mesmo intuito,
embora seja mais normal rezar pelas almas do purgatório.

5) A morte sempre parece mais próxima dos outros do que de nós...

- É verdade. Há em nós uma tendência inata a afastar o pensamento da morte; esta é,


para muitos, um espantalho, que se deve evitar. Na verdade, porém, a morte é a
consumação da vida; é ela que dita os passos de nossa caminhada. Bem diziam os
romanos: "In omnibus respice finem - Em tudo o que faças, considera sempre o fim ou
a meta que deves atingir; assim não te surpreenderás em estrada errada". Em
conseqüência, devemos não somente refletir sobre a morte, mas devemos fazê-lo
precisamente quando ela parece distante ou quando estamos no gozo de boa saúde,
pois somente então temos lucidez de mente para refletir. Quando a morte envia seus
primeiros avisos, pode encontrar-nos esclerosados e incapazes de fazer uma reflexão
profunda. Não permitamos que ela nos colha de improviso ou despreparados, mas
procuremos familiarizar-nos com ela, pois, como se diz popularmente, a morte é a
única certeza que alguém tem desde que vem ao mundo.
Possam estas ponderações dissipar qualquer perspectiva sombria com relação à morte
e ajudar-nos a prepará-la com serenidade e amor Àquele que há de ser o grande TU e
a resposta cabal às nossas aspirações!

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