Full Download A Conspiracao Da Condessa 1St Edition Courtney Milan Online Full Chapter PDF

Você também pode gostar

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 69

A Conspiração da Condessa 1st Edition

Courtney Milan
Visit to download the full and correct content document:
https://ebookstep.com/product/a-conspiracao-da-condessa-1st-edition-courtney-milan
/
More products digital (pdf, epub, mobi) instant
download maybe you interests ...

A Guerra Da Duquesa 1st Edition Courtney Milan

https://ebookstep.com/product/a-guerra-da-duquesa-1st-edition-
courtney-milan/

O Plano Da Herdeira 1st Edition Courtney Milan

https://ebookstep.com/product/o-plano-da-herdeira-1st-edition-
courtney-milan/

O Escândalo De Uma Rebelde 1st Edition Courtney Milan

https://ebookstep.com/product/o-escandalo-de-uma-rebelde-1st-
edition-courtney-milan/

The Governess Affair Skandal Sang Governess Courtney


Milan

https://ebookstep.com/product/the-governess-affair-skandal-sang-
governess-courtney-milan/
The Countess Conspiracy Konspirasi Sang Countess
Courtney Milan

https://ebookstep.com/product/the-countess-conspiracy-konspirasi-
sang-countess-courtney-milan/

La Caja de Música 01 Bienvenido a Pandaoriente 1st


Edition Courtney Carbone Gijé

https://ebookstep.com/product/la-caja-de-musica-01-bienvenido-a-
pandaoriente-1st-edition-courtney-carbone-gije/

O Projeto 1st Edition Courtney Summers

https://ebookstep.com/product/o-projeto-1st-edition-courtney-
summers/

Un incontro 1st Edition Milan Kundera

https://ebookstep.com/product/un-incontro-1st-edition-milan-
kundera/

The Dead And The Dark 1st Edition Courtney Gould

https://ebookstep.com/product/the-dead-and-the-dark-1st-edition-
courtney-gould/
Table of Contents
Ficha Técnica
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Epílogo
Nota da Autora
Agradecimentos
Capítulo 1

Cambridge, maio de 1867

Violet Waterfield, a condessa de Cambury, era uma daquelas


pessoas que se sentia sempre confortável no meio da multidão.

Outras mulheres da sua posição social poderiam detestar


sentar-se num auditório a esbarrar cotovelos com qualquer um, sem
qualquer evidência que a distinguisse do amigo de longa data sen­‐
tado à sua esquerda ou do homem idoso, que certamente subsistia
graças a uma mísera pensão, sentado à sua direita. Outras mulhe­res
teriam cochichado entre si acerca do cheiro da humanidade que
emanava daquele amontoado promíscuo.

Mas, no meio da multidão, Violet podia desaparecer. O odor


acre do fumo de cachimbos e de corpos por lavar significava que
ninguém lhe prestava atenção. Ninguém lhe dirigia um olhar em
busca de aprovação ou queria a sua opinião sobre alguma idiotice
sem importância. No meio da multidão, Violet Lpodia despir-se de
todo o fingimento e deixar-se levar pela sua única paixão proibi­da:
Mr. Sebastian Malheur.

Ou, para ser mais precisa, pelo trabalho dele.

Sebastian era o seu mais velho amigo e, naquele dia, era ele
quem se dirigia à multidão. Tinha uma voz profunda e um sorriso
travesso, dois elementos que combinava com grande sucesso, con­‐
seguindo que as observações científicas mais banais soassem inte­‐
ressantes. Perversas, até. Quanto às suas outras qualidades, o ca­‐
belo escuro e brilhante, o sorriso luminoso e diabólico constante nos
lábios, Violet deixava-as para as damas enrubescidas da alta
sociedade que desejavam conhecê-lo mais infimamente.

Violet não tinha qualquer interesse na bela e atraente figura ou


nos namoricos fúteis. Já no trabalho dele...

— Até à data — dizia Sebastian —, a minha investigação


centrou-se em traços simples: nas cores das flores, nas formas das
folhas... Analisei em detalhe diversos mecanismos de transmissão
heredi­tária. O que vou apresentar hoje não é uma explicação mais
apro­fundada, mas uma série de perguntas intrigantes.

Violet já havia ouvido aquelas palavras. Mais de uma vez.


Ainda naquela manhã, as tinham ensaiado ambos várias vezes,
tentando torná-las absolutamente perfeitas.

E tinham conseguido.

Ele varreu o público com o olhar e, embora não tivesse olhado


diretamente para ela, Violet sorriu em resposta, pois ele estava a
chegar à melhor parte.

— A intriga significa que há algo a descobrir — prosseguiu


Sebas­tian. — Permitam-me que vos diga o que não sabemos.

Violet apercebeu-se vagamente de que não era a única a


inclinar-se para a frente em expectativa. Sebastian era como um
íman. Atraía as pessoas sem qualquer esforço.
Alguns dos presentes eram jovens cientistas que o adoravam,
que bebiam todas as suas palavras e que sonhavam em seguir-lhe
os passos. Outros eram seguidores de Darwin, como Huxley, que se
encontrava a um canto, observando tudo com um olhar vívido sob as
sobrancelhas espessas. Um elevado número de mulheres também
estava presente. Sebastian era sempre um chamariz de mulheres.

Mas também havia pessoas como as que se sentavam mesmo


atrás de Violet. Embora ela não as visse, estava ciente da sua pre­‐
sença, não obstante o seu esforço por as ignorar. Essas eram as
piores: as que interrompiam.

— Vergonhoso — murmurou o homem sentado atrás dela, alto


o suficiente para furar até mesmo a resistente bolha de satisfação de
Violet. — Uma completa vergonha!

Não havia nada de vergonhoso na figura para a qual Sebastian


apontava, a menos que alguém nutrisse um ódio irracional por
gráficos de barras. Apresentava apenas números: números coligi­dos
com uma árdua atenção ao detalhe, se Violet se permitisse dizê-lo
sem ser acusada de arrogância.

Franziu a testa, inclinou-se para a frente e esforçou-se por


manter a atenção em Sebastian.

— Uma desgraça completa, é o que é — concordou a mulher


atrás dela.

A voz, mesmo sussurrada, propagou-se pela sala. Para Violet,


era como uma broca estridente a perfurar-lhe o crânio.
— Expõe para quem quiser ver a sua impiedade. É um réprobo
dos mais imorais. Pôr-se a falar assim em público de reprodução e
de cópula.

— Pronto, pronto — respondeu-lhe o companheiro também


num sussurro. — Tapa os ouvidos e eu digo-te quando for seguro
volta­res a ouvir.

Como era possível falar sobre a herança de características sem


mencionar o ato de reprodução? Dever-se-ia censurar os factos
biológicos mais básicos em nome do decoro? E se o casal já sabia
que Sebastian Malheur iria falar de temas que consideravam re­‐
pugnantes, porque tinha vindo?

— O Malheur deve pensar nessas coisas constante mente! —


con­tinuou a voz aguda. — Que nojo! Que mente tão depravada!

Violet fez o possível por os ignorar, recusando-se mesmo a dei­‐


xar que um meio sorriso lhe alterasse a expressão. Mas por dentro
fervia. Não era apenas pelo facto de Sebastian ser o seu amigo mais
querido. Violet sentia aquelas palavras como um ataque di­reto, como
se fossem dirigidas diretamente a ela.

E, de certa forma, eram.

— Há um motivo para que todos esses ditos filósofos


naturalistas sejam homens — retorquiu o marido. — O sexo feminino
é demasi­ado honrado para esconder pensamentos tão repugnantes.

Foi a gota de água. Violet virou-se para trás, apanhando ainda


a expressão de surpresa de uma mulher com um vestido de musseli­‐
na cor-de-rosa, sentada ao lado de um cavalheiro com um bigode
lustroso. Lançou a ambos o seu olhar mais severo.

— Silêncio! — admoestou-os.

A boca da mulher abriu-se de surpresa. Violet dirigiu-lhe um


fir­me inclinar de cabeça e virou-se para a frente.

Sebastian tinha começado a falar sobre o primeiro enigma.

Agora sim. Era um dos preferidos de Violet. Foi relaxando


lenta­mente, deixando-se mergulhar na exposição de Sebastian, no
vai e vem da argumentação. Uma palestra bem estruturada era
como o ronronar de um gato: difícil de conseguir, mas tão
gratificante quando finalmente...

— Estou convencida de que ele deve ter feito um pacto com o


di­abo — continuou a Madame Estridente, como se Violet tivesse exi­‐
gido um minuto de silêncio em vez de simples respeito. — De que
outro modo pode um homem ter uma presença tão forte, se não
para enganar os incautos?

A concentração de Violet esfumou-se novamente. Pensou com


certo anseio na sombrinha que tinha deixado no vestiário: a linda
sombrinha de cor púrpura com fitas recatadas e a ponta aguçada.
Útil para espetar em pessoas mal-educadas, além de estar na moda.
A sua mãe teria aprovado.

— Ouvi dizer que ele seduz uma mulher virtuosa todas as


noites — continuou a mulher. — Céus, o que farei se ele fixar o olhar
em mim?

Violet revirou os olhos e inclinou-se para a frente.


No palco, Sebastian apontou para o cavalete, e o jovem que o
acompanhava mudou o gráfico para uma pintura de um gato. Vio­let
conhecia bem aquela ilustração.

Conhecia o felino ainda melhor.

— Este padrão no pelo — gesticulou ele para o gato às riscas


la­ranja e pretas — é, por vezes, alcançado quando um gato laranja
tigrado acasala com um gato preto.

— Santo Deus! Ele disse acasala. Ele usou mesmo a palavra


aca­salar.

Violet uniu os dedos em pirâmide e obrigou-se a prestar


atenção a Sebastian, disposta a ignorar o resto do mundo.

Sebastian mudou de postura e passou os olhos pela multidão.

— É um facto incontestável que, à noite, todos os gatos são


par­dos. — Violet não precisava de lhe ver a expressão para o
imaginar a erguer uma sobrancelha com picardia. — No entanto,
durante o dia, devemos fazer a pergunta: porque há tão poucos
gatos pardos?

A mulher atrás de Violet soltou outro suspiro horrorizado.

— Ele estava a referir-se a... Santo Deus! Isso é... isso é


indecente!

Sebastian gesticulou.

— A ciência da hereditariedade que descrevi nos últimos anos


explica por que razão as características podem ter cinquenta por
cento de probabilidade de serem herdadas ou uma probabilidade de
vinte e cinco por cento. Mas a probabilidade de um gato macho ser
pardo é tão pequena que não conseguimos calcular: uma em mil,
talvez. A minha teoria não fornece nenhuma explicação para tal
insignificância.

A voz da mulher estava a tornar-se ainda mais aguda, algo que


Violet não acreditaria ser possível.

— Ele acabou de se gabar do seu tamanho em público.


William, tu és polícia. Faz alguma coisa.

Violet imaginou-se a virar-se para trás. A outra Violet... a que


não se preocupava com o que outros pensavam... teria enfrentado a
senhora em questão.

«Se não contiver a língua, arranco-lha pela raiz», imaginou-se


a dizer.

Mas uma senhora não fazia cenas em público. Lembrava-se


sempre das palavras da mãe: «Se não tiveres nada de bom para
dizer, guarda a opinião para ti... e contas-me tudo depois.» Há muito
tempo que Violet não podia falar com a mãe sobre os seus
aborrecimentos, mas o conselho continuava a ser válido. O silên­cio
guardava segredos.

Por isso, Violet refugiou-se no silêncio. Afastou da mente tudo


o que não queria ouvir. O resto do mundo ficou envolto em algodão,
as arestas afiadas suavizadas, para que não pudessem cortá-la.

Parte da sua mente estava vagamente consciente da conversa


do casal que continuava.
— Vamos, vamos — dizia agora o homem —, eu também
tenho de cumprir a lei. Não tenho uma ordem judicial, nem estou
certo de que a emitissem. Tem um pouco de paciência, minha
querida.

Pareceu-lhe um bom conselho.

Tem paciência, disse Violet a si mesma. Dentro de poucos mi­‐


nutos, eles vão-se embora e tudo ficará melhor.
***
Alguns minutos depois, tudo piorou.

No final da palestra, Violet abriu caminho por entre a multidão,


afastando algumas pessoas delicadamente com os cotovelos. O
público tornava-se cada vez mais denso e mais incontrolável a cada
nova palestra. Nos primeiros meses da sua carreira, Sebastian tinha
sido uma curiosidade, um homem que escrevia sobre he­rança de
características e que defendia ocasionalmente Charles Darwin. Tinha
havido algumas queixas pouco convictas do públi­co, mas nada de
exageros.

Então, Sebastian publicara o ensaio sobre a borboleta Biston


betularia, com o propósito de demonstrar a teoria da evolução de
Darwin em ação.

Violet suspirou. Ele era respeitado por meio mundo e


despreza­do pela outra metade. Durante as suas palestras, os
sussurros vis aumentavam de ano para ano. Sentia-os agora a
zumbir furiosa­mente à sua volta, como se tivesse aterrado num
vespeiro de ignorância.
Abriu caminho até à frente. Oliver Marshall, o amigo que
estive­ra sentado ao lado dela, já lá havia chegado. Sebastian estava
ro­deado de gente.

Sebastian estava sempre rodeado de gente, desde que se


tornara adulto.

Metade da multidão à volta dele era feminina, algo incomum


na maioria das palestras científicas, mas bastante habitual no caso
dele.

Violet perguntava-se, por vezes, se as pessoas também a


veriam dessa maneira: como uma mulher que tentava há anos atrair
a atenção de Sebastian. Como se ela também esperasse que o olhar
dele recaísse nela, esperando que ele a visse como a única mulher. A
verdade é que a sua irmã fazia piadas sobre isso com bastante
frequência.

Noutras circunstâncias, talvez ela tivesse tentado. Mas ela era


o que era, e não valia a pena chorar sobre leite há tanto tempo der­‐
ramado que já ficara azedo. Em vez disso, avançou para o círculo
imediato das pessoas que o rodeavam.

Do seu assento, quase a meio da sala, os traços do rosto dele


ti­nham sido um borrão reconfortante, mas, naquele momento, ao
ver a expressão de Sebastian ficou ligeiramente alarmada.

Ele não parecia nada bem. As faces estavam coradas e os


olhos, geralmente escuros e chispantes de humor, mostravam-se
apaga­dos. A curva expressiva da sua boca tinha dado lugar à
seriedade. Dava a impressão de estar acometido pela febre.
— Está equivocado — dizia um homem alto e corpulento, que
se debruçava sobre Sebastian, os punhos carnudos cerrados contra
os flancos como dois chispes. — O senhor é um néscio egocêntrico.
Todos os filósofos naturalistas depois de Newton são malditos.
Malditos, digo-lhe eu.

Alguns anos antes, Sebastian ter-se-ia rido de uma declaração


tão absurda. Naquele momento, limitou-se a fitar o sujeito.

— Muito obrigado — respondeu ele, mecanicamente. Como se


ti­vesse decorado as palavras e as atirasse como um falso engodo, na
esperança de distrair o homem tempo suficiente para fugir. — Isso é
muito importante para mim.

— O senhor é um mentecapto insolente! — rosnou o homem,


dando um passo em frente.

Violet respirou fundo e pôs-se discretamente à frente do


sujeito, agarrando a manga de Sebastian. Olha para mim. Olha para
mim. Tudo ficará melhor se olhares para mim.

Sebastian virou-se para ela, mas a última réstia de humor


fingi­do desapareceu-lhe do rosto ao vê-la.

Violet era amiga de Sebastian há muito tempo. Pensava que o


conhecia. Julgava que ele ignorava alegremente a pressão pública
das críticas constantes, que o chorrilho de insultos e ameaças não o
afetava minimamente. Ela tinha de pensar assim ou nunca o te­ria
submetido a tal pressão.

Naquele instante, percebeu o quanto se enganara.

Violet engoliu em seco e chamou-o, titubeante:


— Sebastian...

— O que foi? — rosnou ele.

— Foste brilhante — assegurou ela, fitando-o nos olhos e


dese­jando fazê-lo sentir-se melhor. — Absolutamente brilh...

Algo faiscou no fundo dos olhos dele, algo sombrio e furioso.

Violet não dissera as palavras certas. Soubera-o assim que lhe


escaparam da boca. Seguramente, a ele soara como se ela estivesse
a congratular-se a si própria.

Estavam os dois cercados por uma pequena multidão.


Sebastian cerrou os punhos com tal força que os nós dos dedos
ficaram brancos e ergueu o nariz no ar.

— Vai à merda, Violet. — A voz saiu-lhe como um rosnado


baixo e selvagem. — Vai... à... merda.

Estavam metidos naquela conspiração há tanto tempo que, por


vezes, até Violet se esquecia da verdade. Lembrava-se agora.
Sentia-a em cada célula do seu ser.

A sensação de invisibilidade desapareceu. Violet às vezes


pensa­va que a sua posição na sociedade era como um tronco caído
no meio da floresta: podia não ser pitoresco, mas pelo menos era
aceite como parte da paisagem. Enquanto permanecesse quieta,
ninguém descobriria a verdade.

Agora, Sebastian olhava-a fixamente, completamente lívido,


como se estivesse prestes a atacar aquele tronco com um macha­do,
para expor o núcleo podre ao mundo, para mostrar que, por dentro,
Violet era uma coisa escura, horrível e imunda, infestada por
criaturas de muitas patas. Se ele dissesse mais uma palavra, todos
saberiam.

Nunca na vida havia pensado que Sebastian seria capaz de a


trair. Mas aquele estranho que a fitava com os olhos de Sebastian?
Não fazia ideia do que ele era capaz.

As mãos de Violet gelaram. Quase podia ver o pesadelo


desenrolar-se diante deles. Ele desvendaria toda a verdade na frente
de todos. Os jornais espalhariam o escândalo aos quatro ventos no
dia seguinte e, por volta do meio-dia, já ela estaria arruinada e
completamente proscrita.

A multidão não passava agora de sombras a rodeá-la. Mal


podia respirar. «Indecente», ouvia as pessoas a sussurrar.
«Depravado». Violet sentiu o estômago revolver-se. Ficaria arruinada
e arrasta­ria consigo a mãe, a irmã e os sobrinhos.

As narinas de Sebastian agitavam-se de fúria e ele afastou-se


dela para conversar com outro homem, deixando tudo o que po­deria
dizer escondido na segurança do silêncio.

Violet foi incapaz de reprimir um suspiro de alívio. Estava a sal­‐


vo. E assim permaneceria, enquanto ninguém descobrisse o seu
segredo.
***
O sol da manhã brilhava violentamente, ferindo os olhos de
Se­bastian, que contemplava o jardim, e fazendo refulgir o caraman­‐
chão de rosas e cintilar as flores orvalhadas dos canteiros. Era uma
vista de uma beleza estonteante. Ele poderia até tê-la apreci­ado,
não fora o persistente latejar na sua cabeça, que lhe dava a
impressão de estar a sofrer dos efeitos nefastos do álcool, embora
soubesse que não era verdade. Nas últimas quarenta e oito horas,
não bebera nada mais forte do que chá. Não, outra coisa o ator­‐
mentava e, ao contrário de algumas garrafas de vinho, não se po­dia
curar com uma poção eficaz.

Não havia boticário no mundo capaz de curar a realidade.

Ele sabia qual seria o caminho desde o início. Violet estava na


estufa; quando contornou os arbustos, viu-a sentada numa
banqueta, examinando uma série de pequenos vasos cheios de
terra, os pés, enfiados em botas, apoiados nas pernas da banqueta.
Mes­mo de onde se encontrava, Sebastian podia ouvi-la a cantarolar
alegremente baixinho.

Sentiu o estômago contrair-se, mas isso não era motivo para


não seguir o procedimento adequado. A porta exterior da estufa de
Violet abria-se para um vestíbulo em vidro. Tirou os sapatos e trocou
o casaco por uma bata de jardinagem. Verificou minuciosa­mente a
sua aparência, assim como o ar; não havia abelhas à vista.

Ela não levantou a cabeça quando ele abriu a segunda porta,


nem quando afastou as cortinas de gaze que mantinham os inse­tos
à distância. Nem levantou a cabeça quando ele se aproximou dela.
De lupa na mão, estava tão concentrada naqueles pequenos vasos
de barro à sua frente que nem o ouvira entrar.

Céus! Parecia tão feliz ali sentada, mesmo depois do que


Sebas­tian lhe dissera na noite anterior, da maneira como fugira,
abandonando-a à sua sorte. E agora ele ia estragar tudo.

Quando concordara com aquela farsa, anos antes, não


compre­endera o que poderia acontecer. Na altura, pensara que
apenas se tratava de assinar o seu nome e de ouvir Violet falar, duas
coisas que não requeriam qualquer esforço.

— Violet — chamou suavemente.

Nenhuma resposta.

— Violet — repetiu, desta vez um pouco mais alto.

Observou-a retornar à realidade, pestanejando rapidamente,


baixando devagar a lupa que segurava antes de se virar para ele.

— Sebastian! — cumprimentou ela. Havia uma nota alegre na


sua voz. Tinha-lhe perdoado pela noite anterior, então. Mas o sorriso
que começou a abrir-se morreu quando viu a expressão no rosto
dele. — Sebastian? Está tudo bem?

— Devo-te um pedido de desculpa — começou ele. — Deus


sabe o quanto. Não tinha o direito de falar contigo daquela maneira,
e muito menos em público.

Violet dispensou as palavras dele com um gesto.

— Eu devia ter pensado na pressão a que tens sido sujeito. A


sé­rio, Sebastian, depois de tudo o que temos feito um pelo outro, al­‐
gumas palavras mais duras não têm grande significado. Mas há uma
coisa que preciso de te dizer. — Franziu o sobrolho e tambori­lou um
dedo nos lábios. — Vejamos...

— Violet. Não te distraias. Escuta-me.


Ela encarou-o.

Ninguém considerava Violet bonita. Era algo que Sebastian


nunca compreendera. Sim, o nariz era demasiado grande. A boca
demasiado larga. Os olhos um pouco mais afastados do que ditava o
cânone de beleza. Ele estava ciente desses pormenores, mas sempre
os considerara insignificantes. De todas as pessoas do mundo, Violet
era a pessoa mais próxima dele, o que a tornava preciosa de formas
que ele não queria considerar naquele momen­to. Era a sua amiga
mais querida e ele estava prestes a destroçá-la.

— Passa-se alguma coisa? — perguntou Violet com cautela. —


Ou melhor... — Aclarou a garganta. — Eu sei que se passa alguma
coisa de errado. Como podemos corrigi-lo?

Ele ergueu as mãos num gesto de rendição ao mundo inteiro.

— Violet, não posso continuar com isto. Estou cansado de


viver esta farsa.

Ela empalideceu. Estendeu a mão, agarrando na lupa e


apertando-a contra o peito.

Sebastian sentiu-se arrasado.

— Violet.

Não havia mais ninguém no mundo que conhecesse melhor ou


com quem se importasse mais. A pele de Violet tornara-se maci­‐
lenta. Ela ficou ali sentada a olhar para ele, o rosto totalmente
desprovido de expressão. Já a vira assim uma vez e nunca imagi­nara
que um dia seria ele o responsável por a fazer mergulhar no­vamente
nesse estado.
— Violet, sabes que eu faria qualquer coisa por ti.

Ela soltou um ruído estranho da garganta, entre o soluço e o


sufocar.

— Não faças isso. Sebastian, podemos tentar...

— Eu tentei — cortou ele com tristeza. — Sinto muito, Violet,


mas acabou.

Estava a destruí-la, mas tinha de admitir que chegara ao fim


das suas capacidades. Sorriu tristemente e percorreu a estufa com o
olhar. Observou as inúmeras prateleiras, cheias de pequenos va­sos,
todos eles rotulados. Os canteiros de plantas em vários esta­dos de
crescimento, desde pequenos ramos de folhas até uma pro­fusão de
verde extraordinário. A estante de livros ao canto, con­tendo vinte
volumes encadernados em couro cheios de anotações. Examinou
todas aquelas provas que esperava que o resto do mun­do
descobrisse. Por fim, olhou para Violet... para a mulher que co­‐
nhecera toda a vida e que amava há metade desse tempo.

— Serei sempre teu amigo. Teu confidente. Vou ajudar-te sem­‐


pre que precisares. Farei qualquer coisa por ti, mas há uma coisa
que jamais voltarei a fazer — respirou profundamente —: nunca
mais vou apresentar o teu trabalho como meu.

A lupa escorregou dos dedos de Violet e aterrou nas pedras do


chão sob a cadeira. Mas era forte — como Violet — e não se partiu
em mil pedaços.

Ele baixou-se e apanhou-a.

— Toma — disse ele, entregando-lha. — Vais precisar disto.


Capítulo 2

Três horas depois, Violet andava de um lado para o outro em


frente à casa de Sebastian.

Durante os seus anos de colaboração, tinham arranjado mil


ma­neiras de se encontrarem sem suscitar comentários. Quando
esta­vam em Cambridge, era relativamente fácil verem-se, pois as ca­‐
sas de ambos ficavam a pouco mais de um quilómetro de distân­cia,
uma caminhada de vinte minutos ao longo de um caminho ar­‐
borizado. Árvores frondosas escondiam o caminho de olhares in­‐
discretos. Arbustos altos ocultavam a estufa de Violet dos olhos
curiosos de criados e o trajeto até ao estúdio de Sebastian era obs­‐
curecido por um labirinto de sebes de buxo muito alto que lhe
permitia ir e vir sem bater à porta.

Violet esperava agora dentro daquele labirinto, tentando con­‐


trolar a respiração e os nervos. Tinha de fazer aquilo bem, tinha de
tentar encontrar uma maneira de continuar. Mas recordava a
expressão no rosto dele, aquele olhar de triste determinação, e não
sabia como mudar isso.

Sentou-se num banco de pedra e chutou com frustração as pe­‐


dras brancas em cascalho do caminho. Se analisasse tudo com or­‐
dem e método, tinha de haver uma solução. Uma solução conveni­‐
ente e razoável.

Ouviu-se o ruído do cascalho a ser pisado. Ela ergueu o olhar


com consternação.
Era Sebastian. Estava sem casaco, mas mesmo em mangas de
camisa a expressão séria dava-lhe um ar formal. Tinha uma mão no
bolso do colete e observava-a com o semblante inescrutável.

Violet pensou em levantar-se. Pensou tanto que se deu conta


de que o momento tinha passado. Pareceria uma idiota se se levan­‐
tasse meio minuto depois de ele chegar.

Optou por lhe dirigir um inclinar de cabeça em cumprimento.

— Sebastian.

— Violet. — Ele não se aproximou mais. — Esperava que


chegas­ses há quase quarenta e cinco minutos. Estou chocado por
demo­rares tanto tempo para vir falar comigo.

Os dedos dela contraíram-se. Pensou em objetar por princípio,


mas aquele era realmente o propósito da visita.

— Estava a tentar encontrar os melhores argumentos. Fiz uma


lista de tudo o que poderia dizer.

Ele ergueu uma sobrancelha.

— Uma lista? Tenho de ver isso. Puseste tudo por escrito,


certo?

Violet pensou em negá-lo, mas ele conhecia-a demasiado bem.


Tirou o papel do bolso da saia e entregou-lho. Sebastian desdo­brou
a página e alisou-a entre as palmas das mãos.

— Dinheiro — leu ele. — Terra. A influência da tua mãe. —


Olhou para cima. — Não vejo nenhum argumento, Violet. Isto são
subor­nos. Exceto, é claro, esta alínea sobre a tua mãe. Isto é uma
ameaça.

— Sim... bem... — Ela não podia deixar que ele visse o seu
nervo­sismo. Fitou-o nos olhos e prosseguiu: — Dou-te cinco mil
libras se...

— Não preciso de cinco mil libras — interrompeu ele. — E, seja


como for, não é grande compensação. Deixa-me explicar o que
quero: eu quero nunca mais ter de mentir às pessoas que são im­‐
portantes para mim. — Levantou o papel. — Isso não está na tua
lista.

Violet tirou-lhe o papel da mão.

— Como eu disse, ainda estava na fase de pensar. —


Amarfanhou impiedosamente a folha entre os dedos, até a converter
numa bola dura e densa de cantos afiados que se cravaram nas
palmas das suas mãos. — Tem de haver algo.

Um pássaro cantou acima das suas cabeças. O céu azul


brilhava intensamente acima das sebes recortadas. Não era hora de
desis­tir, e Violet não pretendia fazê-lo. Mas a expressão no rosto de
Se­bastian mostrava que ele também não estava disposto a render-se
facilmente.

— O meu irmão está a morrer — disse Sebastian —, e quando


me contou os seus planos para o futuro do filho, disse-me... —
Desviou o olhar. — Disse-me que ia enviar o Harry para viver com a
avó porque eu estava demasiado ocupado para cuidar dele. Não
pude dizer-lhe que não era eu a fazer todo o trabalho. Fiquei ali
especa­do, em silêncio, a perguntar-me como responder sem revelar
to­dos os nossos segredos.

Violet cravou os dedos na bola de papel.

— Os meus amigos estão preocupados comigo — continuou


Se­bastian. — Isso incomoda-me. Deveria ser eu a preocupar-me
com eles. Mas nem sequer posso explicar-lhes que tenho trinta e
dois anos e estou a desaparecer, que estou a ser louvado por um
traba­lho que não é meu e que sou injuriado por ideias que nunca
tive.

Violet sentiu a garganta arranhada. Não sabia o que dizer ou


como consertar a situação.

— E então, ontem à noite, tu felicitaste-me pela palestra,


quando ambos sabemos que foste tu quem a escreveu.

Violet baixou a cabeça.

— Isso foi um erro. Eu sei. Foi só...

— Se começamos os dois a esquecer que isto é uma mentira,


é hora de parar. Já não posso dizer a ninguém a verdade e as
peque­nas mentiras vão-se acumulando. Sinto-me constante mente
irrita­do. O que eu disse foi a sério: não volto a mentir por ti. Não
gosto da pessoa em que estou a tornar-me.

Se ele se afastasse agora, deixaria um buraco vazio na vida de


Violet. Mas que importância tinha isso, quando comparado com as
queixas de Sebastian? Ela enfiou a bola de papel no bolso.

Sebastian avançou um passo até ficar em frente a ela.


— Toda a situação está a pôr-me irritado contigo — disse ele
em tom mais suave. — E essa é a última coisa que eu quero. Não
quero ficar ressentido contigo. És a única amiga que tenho que
compre­ende tudo. Não quero perder-te.

A ela, quase lhe doía olhar para ele. Aquela expressão nos
seus olhos, a maneira como se aproximava dela... quase podia sentir
a atração dele, como se ela fosse uma lua a ser capturada e
condena­da a orbitar em torno dele para sempre.

Desviou o olhar, mordendo o lábio. Provavelmente ele tinha


aquele efeito em todas as mulheres, sem sequer tentar.

— Somos amigos — disse Sebastian. — Amigos além do teu


trabalho. Não somos?

Deu outro passo em direção a ela. Um passo que o trouxe


peri­gosamente perto. O bastante para conseguir tocá-la com o
esten­der de um braço.

Ali tão perto, a possibilidade de contacto físico aumentava, o


que fazia brotar o desejo escondido dentro dela... o desejo de que
ele a abraçasse.

Mas Violet não era tocável. Era dura e inabalável.

Forçou-se a aguentar o olhar dele, forçou o coração a bater


num ritmo regular, a não se deixar perturbar pelo brilho perigoso nos
olhos dele. Sebastian não tinha qualquer impacto sobre ela. Era o
tipo de homem capaz de derreter pedras, mas Violet era mais fria do
que uma pedra.

Tinha de ser.
Sebastian deu mais um passo e inclinou-se sobre ela. O
coração de Violet acelerou, apesar dos seus esforços para o
controlar.

Ele podia pousar as mãos nos seus ombros, mantê-la sentada


no banco...

Ela respirou fundo e levantou-se de repente, aumentando a


dis­tância entre eles.

— Então é disso que se trata — declarou Violet. — Irrita-te


que, de todas as mulheres do mundo, eu seja a única que não
consegues fazer cair aos teus pés.

Ele soltou um suspiro e endireitou o corpo.

— Digas o que disseres sobre a amizade, é óbvio que deixei de


fora da minha lista a única coisa que te convenceria. — Violet le­‐
vantou o queixo em desafio. — Sexo. Essa é a moeda com que ne­‐
goceias, não é?

As mãos de Violet tremiam só de o pensar. Sentia frio por todo


o corpo e, ainda assim, a pulsação batia com força. Havia deixado
aquela alínea fora da lista de propósito, pois ela negociava com
coisas às quais não estava disposta a renunciar.

Sebastian fitou-a, o olhar persistente nos lábios dela, descendo


depois pelo corpo, até à renda que debruava o seu vestido de pas­‐
seio, subindo em seguida até às fitas que lhe cingiam a cintura.
Podia senti-lo a rejeitar todos os aspetos dela: dos cotovelos ossu­‐
dos aos olhos de cor barrenta.
Se ele não queria vinte hectares de terra agrícola, certamente
não quereria um espécime tão pobre quanto ela.

— Percebo — disse ele devagar. — Nunca me conheceste, de


todo. — A boca contorceu-se-lhe num esgar. — Dei palestras em teu
nome durante cinco anos consecutivos, uma e outra vez, até co­‐
nhecer melhor a tua mente do que qualquer outra pessoa. E du­rante
todo esse tempo, tu nunca te preocupaste em devolver o favor.

— Sebastian.

Violet mal podia encará-lo, mas, simultaneamente, não conse­‐


guia desviar o olhar. A expressão no rosto dele era sombria.

— Conheço-te muito bem. — Deu um passo em direção a ela.


— Eu sei que, se me aproximar muito, começas logo a procurar uma
forma de fugir. Se eu tentar sequer tocar-te nos dedos... — Levan­tou
a mão.

Ela recuou um passo.

— Exatamente essa reação — murmurou ele com dureza na


voz. — Violet, tu e eu... mentimos um ao outro como mentimos ao
resto do mundo.

Era verdade. Ela sentiu o pânico acumular-se na boca do estô­‐


mago. Ao longo do último ano começara a senti-lo novamente, não
conseguira evitar. Aquela agitação de interesse, aqueles mo­mentos
de fraqueza. Porém, Sebastian não tinha consciência do que lhe
pedia. Para ele, não teria qualquer significado desmoronar-lhe as
defesas. Para ela... a verdade arrastaria consigo tudo o que ela era.
— Não sei do que falas. — A voz saiu-lhe calma e uniforme. E
porque não deveria? A pedra era sólida. A pedra era inflexível. — Já
sabes tudo sobre mim.

— A única coisa que sei de ti nos dias que correm é o teu


trabalho.

A pedra não se importava com a dor que florescia nos olhos


dele. A pedra resistia; era essa a sua função. Violet fungou.

— O meu trabalho é o que sou.

Ele observou-a e abanou a cabeça lentamente.

— Maldita sejas, Violet!

A pedra não sentia dor. Não tinha coração para o fazer.

— Suponho que tudo teria sido diferente se eu fosse uma das


tuas mulheres — ouviu-se ela a dizer —, se eu fosse suscetível aos
teus encantos. Então, talvez pudesse...

Sebastian virou-lhe as costas, afastando-se com tal rapidez


que a deixou sem respiração.

— Não sejas ridícula, Violet — reagiu em voz baixa e


sarcástica. — Não me importo com o que pensas da minha moral,
mas os meus padrões são muito elevados. — Virou a cabeça para a
fitar por cima do ombro, com os olhos escuros e intensos, e
acrescentou: — E tu não estás à altura.

Ela sentiu um fosso abrir-se-lhe no estômago. Aquelas palavras


continham muita verdade... verdade suficiente para a recordar do
motivo pelo qual o afastara.
— Então adeus e boa sorte — ouviu-se dizer ao seu melhor
amigo. — Talvez até seja melhor não trabalharmos mais juntos.
Duvido que vá notar a tua ausência.

Teria gostado de sair de rompante, mas tinha de pegar nas lu­‐


vas, ainda pousadas no banco.

— Estou certo de que nem notarás — revidou ele. — Ainda


bem que não estarei aqui.

Violet pegou nas luvas e lançou-lhe um olhar discreto.


Sebastian estava de braços cruzados, os olhos brilhantes de mágoa.
Ele rara­mente se zangava ou perdia a compostura. Se agora o fazia
— e duas vezes, em vinte e quatro horas —, era porque devia estar
mui­to mais abalado do que Violet era capaz de compreender.

Sebastian tinha razão. Era doloroso admiti-lo, mas estava


certo. Não podiam continuar indefinidamente naquela situação. Ao
con­trário dela, ele tinha muito que esperar da vida.

Olhava para Violet como se imaginasse que, ainda agora, ela


pe­diria desculpas. Sim, Sebastian, vou parar de te afastar e deixar-
me apaixonar pelo maior libertino de Londres.

Por um momento, teve vontade de pegar nas mãos dele e con­‐


fessar tudo. Mas quando pensou em abrir a boca, descobriu que não
tinha nada a dizer. Essa parte não tinha sido mentira. O tra­balho era
a sua vida. Tudo o resto... tudo o resto em breve passaria a fóssil.

Por isso, em vez de falar, calçou as luvas e foi-se embora.


Capítulo 3

A propriedade em que Sebastian havia sido criado ficava a de­‐


zasseis quilómetros da zona oeste de Londres, uma cavalgada
agradável de uma hora desde o ponto em que a massa confusa de
edifícios dava lugar a aldeias mais pequenas e ao campo.

A farsa com Violet absorvera-lhe uma parte tão substancial da


vida adulta que agora sentia um enorme vazio. Uma grande dis­‐
tância se instalara entre ele e as pessoas que lhe eram mais queri­‐
das. Mas se havia lugar onde poderia colmatar essa lacuna era ali,
na terra pertencente ao seu irmão, no lugar onde as memórias de
infância se aglomeravam, lembranças distorcidas e indistintas dos
primeiros anos de vida.

Memórias de ter caído naquele regato, quando tinha seis anos,


numa tentativa de imitar Violet que atravessava graciosamente um
tronco; de Violet a ler uma história em voz alta quando ele ainda
aprendia as primeiras letras.

Violet entrelaçava-se na vida dele inclusive ali. Ela crescera a


menos de um quilómetro dele. Era dois anos mais velha do que
Sebastian e desde que se lembrava de ser gente que a seguia para
todo o lado, vendo-a como uma criatura maravilhosa, mais inteli­‐
gente e mais capaz do que ele. Estes últimos dias tinham sido a
primeira vez que Sebastian se afastara dela.

No entanto, havia outras lembranças ali, além das que incluíam


Violet, e fora por isso que Sebastian viera.
Levou o cavalo para os estábulos. Um homem apareceu e
ofereceu-se para tratar do animal, mas Sebastian dispensou-o com
um gesto.

Tinha sido um passeio tranquilo e a sua égua preta não


precisa­va de nada além de uma boa escovadela e de um balde de
aveia. Ainda assim, demorou-se na tarefa de escová-la, passando a
esco­va nos redemoinhos do pelo, vendo-a sacudir o rabo quando lhe
fazia cócegas no flanco. Era um dos truques mais antigos que co­‐
nhecia: se não conseguia compreender o mundo, podia, pelo me­nos,
compreender o seu cavalo.
As portas do estábulo abriram-se, inundando o espaço de luz.
Outro cavalo resfolegou na entrada, soprando com força.
Sebastian olhou para cima. O cavaleiro, uma figura alta e por­‐
tentosa, desceu do cavalo. O homem ofegava. Permaneceu ali al­gum
tempo, agarrado ao animal como se as pernas fossem incapa­zes de
suportar o próprio peso. Sebastian, sentado no banquinho ao lado
do seu animal, ficou paralisado; queria levantar-se, mas tinha medo
de intervir.
Gradualmente, a respiração do homem foi-se acalmando, até
que endireitou o corpo.
Não chamou nenhum criado.
Sebastian pestanejou, incrédulo, quando viu o irmão mais velho
ajoelhar-se ao lado do cavalo e desapertar a cilha sozinho. Antes
que pudesse oferecer ajuda, o irmão levantou a pesada sela do ga­‐
ranhão. Cambaleou sob o seu peso, mas conseguiu apoiar-se na
parede. A respiração era superficial, ecoando pesadamente na pe­‐
numbra do estábulo.
Sebastian levantou-se.
— Benedict! Que diabo julgas que estás a fazer?
Benedict Malheur imobilizou-se de imediato. Por um instante, foi
como se as posições de ambos se tivessem invertido, como se
Sebastian fosse o irmão mais velho e Benedict o mais novo a ser
apanhado em falta. Mas o momento não durou muito.
— Sebastian. — Benedict fez um último esforço e colocou a sela
no devido lugar. — Finalmente chegaste!
— Cheguei e encontro-te a alçar selas e a cavalgar até deixares
o Warrior exausto...
— Chama-se a isso galopar — revidou Benedict, virando-se para
o cavalo. — E só vou parar de andar a galope quando estiver morto.
Sebastian repreendeu o irmão com o olhar. Era a única coisa que
podia fazer, a menos que optasse por uma luta física com Be­nedict.
O que, pensando melhor, também não podia fazer.
— Não tem graça nenhuma — disse Sebastian.
— Claro que não tem. Não foi uma piada.

Mas era. Tudo era uma piada. O mundo inteiro de Sebastian


tornara-se uma piada retorcida. Quisera recuperar a sua vida, mas,
em vez disso, estava a perder Violet, ia perder Benedict...

O irmão curvou-se calmamente e pegou num balde.


Atravessou as portas do estábulo sem olhar para Sebastian, que
correu atrás dele.

— Pelo amor de Deus! — resmungou Sebastian, agarrando na


alça de metal do balde que o irmão levava. — Eu bombeio a água e
levo-te o balde.

Deu um puxão ao balde, mas o irmão recusou-se a soltá-lo.

— Um cavalheiro trata sempre do seu cavalo — respondeu


Benedict.
— Sim — concordou Sebastian, pois fora o irmão quem lho
ensi­nara, assim que Sebastian aprendera a montar. — Mas dadas as
circunstâncias...

— Um cavalheiro trata sempre do seu cavalo — repetiu


Benedict. — Santa paciência, Sebastian! Se eu soubesse que ias pôr-
te com essas manias, não te teria contado.

Como se Sebastian não tivesse percebido que algo estava


errado pela maneira como o irmão arfava. Mas não tinha ido ali para
dis­cutir com o irmão sobre quem ia buscar água.

Cruzou os braços e ficou a ver o irmão manobrar a bomba. Os


movimentos de Benedict eram erráticos, a respiração difícil. A água
saía em jorros irregulares e, quando o balde estava meio cheio, o
irmão parou para descansar. Virou a cabeça, tossiu e cus­piu para o
chão. Sebastian viu uma mancha avermelhada e cerrou os punhos.

— Anda lá — disse Sebastian —, deixa-me...

— Não — cortou Benedict sem um olhar. — Não estou inválido.

Sebastian tentou não revirar os olhos.

— Claro que não estás — respondeu com sarcasmo. —


Imagina que somos miúdos. Tu és o cavaleiro e eu sou o teu
escudeiro. Es­tou apenas a fazer uma tarefa que compete a um fiel
escudeiro.

Tentou mais uma vez tirar o balde ao irmão, mas Benedict


recusou-se a largá-lo.
— Eu não sou um cavaleiro — rosnou ele entre dentes — e já
estamos demasiado velhos para jogos de faz-de-conta. — Arrancou
a alça a Sebastian e acrescentou: — A minha intenção é continuar
como se nada tivesse mudado. Afinal de contas, um homem tem a
sua dignidade.

— Oh, a dignidade! — troçou Sebastian, com uma ligeireza


que não sentia. — Por quem sois, a dignidade acima de tudo.

Benedict era dez anos mais velho do que Sebastian. O pai de


ambos havia morrido antes de Sebastian começar a andar, por isso,
o irmão desempenhara simultaneamente o papel de pai. Be­nedict
lançou a Sebastian um olhar de advertência, um tipo de olhar que
Sebastian conhecia muito bem, pois vira-o muitas vezes enquanto
crescia. Uma vez tivera o significado «Não te atrevas a levar esse
cãozinho para casa». Outra vez: «Diz à mãe como é que o vaso se
partiu, ou digo eu».

Sebastian nunca se deixara intimidar facilmente. Fez uma care­‐


ta ao irmão, enrugando o nariz e contraindo a boca. Mas a verda­de
é que sempre dera ouvidos ao irmão, quer se tratasse de vasos ou
de cãezinhos. O desafio só era divertido quando as apostas eram
baixas.

Benedict levou o balde para o pátio lateral, onde havia um pe­‐


queno fogão encostado à parede. Alimentou o fogo, verteu um
pouco de água para uma chaleira e esperou. Sebastian seguiu-o,
tentando não o fuzilar com o olhar.

Benedict falou finalmente.


— Se o meu coração deixar de funcionar por não conseguir su­‐
portar o peso trivial de uma sela ou de um balde de água, aceitarei
alegremente o facto de ter chegado a minha hora.

— Continua a não ter graça — murmurou Sebastian.

— Continua a não ser uma piada.

Não. Benedict não brincava. Sempre fora muito sóbrio e direto.


E muito fácil de irritar, verdade seja dita. Era o irmão perfeito:
trabalhava arduamente, tirava excelentes notas na escola e era
muito elogiado pela equanimidade do seu temperamento. Todos o
respeitavam... incluindo Sebastian. Era demasiado boa pessoa para
ser odiado. Talvez por isso o destino decidira pregar-lhe a partida
mais cruel.

— Vou morrer — disse Benedict com naturalidade. — Talvez


dentro de um mês ou talvez um ano. — Encolheu os ombros. —
Mas, pensando bem, o mesmo pode acontecer a ti. Pode acontecer a
qualquer pessoa.

Sebastian abriu a boca para argumentar... e voltou a fechá-la.


Convencer o irmão a tomar as devidas precauções era uma bata­lha
para outro dia. Talvez para um dia em que o médico estivesse
presente, alguém capaz de fornecer um contraponto racional e
moderado. Naquele dia, Sebastian tinha algo mais importante para
falar.

Benedict tocou na chaleira, avaliando a temperatura.

Sebastian ajoelhou-se ao lado do irmão.

— Ouve, Benedict. Quero falar contigo sobre o futuro do Harry.


— Já te disse. Não precisas de te preocupar em ficar com essa
so­brecarga. Eu sei como és uma pessoa ocupada. Ele vai viver com
a avó em Northumberland. Ela aceitou recebê-lo.

Quando Benedict o obrigara a sentar-se e lhe contara o que ia


acontecer, Sebastian ficara demasiado chocado para compreender a
dimensão da notícia. Tudo acontecera com muita rapidez: a con­‐
fissão sobre a doença cardíaca, a maneira metódica como Bene­dict
tinha posto todos os seus assuntos em ordem... Sebastian não
conseguira dizer uma palavra em resposta, muito menos objetar.

Sentira cada centímetro da enorme brecha que se abrira entre


ele e o irmão. Nem sequer fora capaz de dizer: «Não te preocupes,
Benedict. A Violet é quem faz a maior parte do trabalho».

— O Harry tem sete anos — interveio Sebastian calmamente.


— Mrs. Whiteland viu-o uma vez na vida e resmungou com ele du­‐
rante toda a visita. Ele mal a conhece, e ela não o ama.

O irmão não olhou para ele.

— Talvez não, mas tenho a certeza de que irá cumprir o seu


dever.

— Ele devia ficar comigo — insistiu Sebastian.

— Tu estás ocupado com...

Com as mentiras que Sebastian dissera ao longo dos anos.

Sebastian pousou a mão no ombro do irmão.

— Não, não estou. Depois do que me disseste no outro dia,


deci­di largar tudo. Tenho algumas pontas soltas para atar, mas... —
acenou com a mão no ar — é o fim. Nunca deves pensar que estou
demasiado ocupado para ti, Benedict. Ou para o Harry.
Benedict deixou escapar um suspiro longo e lento, mas perma­‐
neceu sem olhar para Sebastian. Limitou-se a pegar na chaleira,
verteu um pouco de água para o balde e, em seguida, misturou a
água com a mão, verificando a temperatura, como se Sebastian não
tivesse falado. Mas Sebastian podia ver-lhe a expressão do rosto: de
desapontamento; como se Sebastian tivesse cometido um terrível
engano.
— O Harry precisa de um tutor sólido — declarou o irmão, por
fim, fitando o balde de água. — Alguém respeitável. — Retorceu os
lábios num sorriso, mas continuou sem encarar Sebastian. — Tu és
um padrinho fantástico, Sebastian. O melhor tio que o Harry po­deria
ter. Irás comprar-lhe o primeiro cavalo e levá-lo pela primei­ra vez ao
clube de cavalheiros. Mas um padrinho não é um pai. E tu...
Abriu as mãos como se quisesse abarcar as dimensões de um
abismo crescente.
— Sim? — reagiu Sebastian. — Eu... o quê?
A expressão de Benedict tornou-se ainda mais triste.
— Não me obrigues a dizê-lo, Sebastian.
— Vamos, Benedict. Não sou assim tão mau. Nunca vivi acima
das minhas possibilidades, nunca bebi em excesso... pelo menos,
desde os quinze anos, e isso foi no teu casamento. Não tive filhos
ilegítimos.
— Não por falta de tentativa — murmurou Benedict.
Agora não era o momento de ensinar ao irmão as formas de evi­‐
tar esse risco em particular.
— Não consumo ópio — continuou Sebastian —, não exploro os
meus serviçais. Nunca matei um homem. Nunca sequer feri nin­guém
com gravidade. E amo o Harry. Sabes disso. Quero ficar com a
custódia dele.
O irmão abanou a cabeça.
— Essa conversa não fará bem a nenhum dos dois, Sebastian.
Não a forces.
Levantou-se, pegou no balde e entrou no estábulo.
Sebastian levantou-se também e foi atrás dele.
— Sei que tenho os meus defeitos, mas...
O irmão endireitou o corpo e virou-se para ele.

— Foi uma lista muito boa a que acabaste de fazer. Tens razão
numa coisa: como libertino, és relativamente benigno. Mas repa­raste
que toda essa tua lista é composta por coisas que nunca fi­zeste?
Não bebeste em excesso. Não tens dívidas. Diz-me: quais são os
teus feitos?

Sebastian fixou Benedict. Fazia tanto tempo que ninguém lhe


perguntava aquilo, que nenhum dos seus entes mais queridos lhe
dava um sermão para que fizesse algo pela vida que, a princípio,
Sebastian pensou que tinha percebido mal.

— Desculpa? — perguntou.

E foi quando se lembrou de que o seu maior feito era também


a sua maior mentira.

Mas Benedict não sabia.

— Ah, sim. — Os lábios do irmão franziram-se. — Tens


defendido essas tuas estranhas teorias. Três quartos da Inglaterra
respeitável odeiam-te.

— Metade — corrigiu Sebastian com um sorriso. — Na


verdade, é apenas metade. A julgar pela minha correspondência,
pode até chegar só aos quarenta e oito por cento. E desses, apenas
um pe­queno número quer atacar-me fisicamente. O resto só quer
ver­me amordaçado ou atirado para a prisão.

Benedict franziu o sobrolho, como se não tivesse percebido


que os últimos comentários eram uma piada.

— Não há necessidade de nos pormos com minudências sobre


percentagens exatas. Que parte do país sente animosidade pela avó
do Harry?

— A maior parte do país nunca ouviu falar dela.

— A tua má reputação não abona a teu favor — afirmou


Benedict perentoriamente. — Há anos que te avisei de que isso iria
causar-te problemas, mas não me deste ouvidos.

Sebastian não achara relevante. Que importância tinha, se as


pessoas com quem ele não se preocupava minimamente não gos­‐
tassem dele? Nunca se dera conta de que o seu próprio irmão es­tava
incluído nesse grupo. Benedict fizera alguns comentários de
passagem, mas que irmão mais velho digno desse nome deixaria
passar a oportunidade de fazer comentários sarcásticos? A verdade é
que Benedict mal conhecia o homem que Sebastian se torna­ra. Era
de surpreender que se tivesse deixado enganar pelo papel que
Sebastian interpretara perante toda a gente?

— Talvez tenhas razão — assentiu Sebastian —, mas eu amo o


Harry.

— Também eu — contrapôs Benedict. — Mas analisemos os


fac­tos. O teu avô era um duque. O teu pai, um industrial rico. Tu
her­daste uma parte considerável quando ele morreu. Não seguiste a
via comercial ou governamental nem te alistaste no exército. Nas­‐
ceste com todos os privilégios, e o que fizeste? Tornaste-te o maior
vilão de toda a Inglaterra.

Sebastian apertou os punhos com força contra o corpo, mas


recusou-se a deixar transparecer a sua fúria. Em vez disso, optou
por um sorriso preguiçoso.

— Mas, pelo menos, tenho sido soberbo nessa área. Deve ter
al­gum valor.

Benedict retraiu-se.

— Sim, Sebastian — respondeu calmamente. — Tens sido


soberbo.

Sebastian percebeu naquele instante o preço alto que pagara.


Benedict seguira os passos do pai, assumindo a responsabilidade das
fábricas e do comércio que Sebastian havia ignorado. Era re­servado,
responsável e competente. Os dois irmãos não podiam ter seguido
vidas mais distantes. Oh, ele sabia que o irmão se sen­tia desiludido
com ele, mas sempre pensara ser uma espécie de desilusão
carinhosa e fraterna, daquela que levaria Benedict a pousar uma
mão no ombro de Sebastian e a chamar-lhe incorrigível.

Mas esta era uma desaprovação incisiva, uma reprovação cruel


que iria privá-lo do irmão e do sobrinho de uma só vez.

— Estás enganado — disse Sebastian em voz baixa. — Eu sou


mui­to mais do que aquilo que pensas.

— Hum.
— Compreendo que penses assim — continuou Sebastian,
antes que o irmão pudesse lançar-se numa segunda lista de
recrimina­ções. — Nos últimos anos, dificilmente te dei hipótese de
me conheceres.

— Eu conheço-te — contradisse Benedict. — Conheço-te muito


bem.

— Eu não sou como tu — disse Sebastian —, mas julgo que


temos mais em comum do que imaginas.

— Ai sim? — respondeu Benedict arqueando uma sobrancelha


descrente.

— As minhas escolhas impediram-te de o ver dessa maneira —


insistiu Sebastian —, por isso, suponho que deva ser minha res­‐
ponsabilidade suprimir essa lacuna. Queres que eu faça algo que tu
entendas? Muito bem. Vou dedicar-me ao comércio.

O irmão soltou um resmungo trocista.

— Sebastian, não podes simplesmente anunciar que vais dedi­‐


car-te aos negócios. Isso é uma coisa que leva anos.

— Hum.

Não tinha a intenção de dedicar a vida inteira ao comércio,


mas tinha uma ideia, uma ideia que lhe surgira na mente há uns
dias, ao ler um artigo no jornal. A sua ideia era uma coisa pequena,
mas seria algo de que poderiam falar. Quem sabe assim podiam ter
uma conversa que não se baseasse nas mentiras ou na desaprova­‐
ção de Benedict.
— Ai não! — disse Benedict. — Eu conheço essa expressão.
Estás a engendrar um plano. Um plano ao estilo Sebastian. Eu sei
como funcionas. Vais dizer-me que entraste nos negócios, quando
am­bos sabemos que será algum tipo de truque.

— Sem truques — garantiu Sebastian, já distraído por


pensamen­tos sobre o que teria de fazer. — Não haverá batota.

O irmão bufou de desdém.

— Nenhum de nós precisa de mais dinheiro, Sebastian. Não


que­ro que te envolvas em especulações. A última coisa de que
preciso agora é de me preocupar com a solvência do meu irmão.

— Não haverá necessidade de te preocupares. — Sebastian


sorriu para o irmão. — Prometo que não arriscarei mais do que
quatro ou cinco mil libras, uma quantia que posso dar-me ao luxo de
perder. Mas fui sincero. O meu trabalho como cientista acabou. E...
— Olhou para cima, encarando Benedict. — E tu és importante para
mim. Tens razão: não é por causa do dinheiro, mas para haver algo
sobre o qual possamos conversar.

O irmão deu um passo atrás.

— Meu Deus, Sebastian! Quase acredito que estás a falar a


sério. Quando é que alguma vez o fizeste?

— Eu falo a sério quando se trata de ti — assegurou Sebastian.


— És a única família que me resta. O Harry é... é praticamente como
um filho.

— É-me difícil de assimilar. Nunca levas nada a sério. — O


irmão considerou as palavras de Sebastian. Mas logo em seguida,
porque Benedict era perfeito e não acreditava em exageros,
acrescentou: — Tirando a Violet.

Violet. Pensar nela era como a lembrança de um membro


ampu­tado. Outro homem que tivesse visto o olhar de Violet no seu
últi­mo encontro — tão calmo e estoico — teria pensado que ela não
saíra afetada. Mas Sebastian reparara nas mãos. Ela sempre mos­‐
trara as emoções pelas mãos. Nesse dia, as mãos estavam fecha­das
com força, contorcendo-se uma na outra, com uma angústia que
não lhe transparecia no rosto. Sentiu-se mal ao pensar no que lhe
havia dito.

«Os meus padrões são muito elevados. E tu não estás à


altura.» Era verdade, mas uma verdade retorcida com o intuito de
magoar. Só porque ela fingira não ter sentimentos, não significava
que ele pudesse ultrajá-los à vontade.

— Mais a sério — corrigiu ele. — Conheces bem a Violet e o


inte­resse dela pela botânica. Ela nunca perdeu uma das minhas
pales­tras. É a única coisa pela qual me respeita. — Infelizmente,
essa era a triste verdade. — Renunciei a isso, mas não renuncio a ti.

O irmão olhou-o fixamente.

— Isso é muito importante para mim, Sebastian.

Era um começo. Depois de cinco anos de um afastamento


cada vez maior, Sebastian finalmente tinha um ponto de partida. O
ir­mão sorriu-lhe e o momento tornou-se quase desconfortável.

Porém, antes de chegar ao puro constrangimento, a porta do


es­tábulo abriu-se.
— Tio Sebastian! — Uma criança entrou a correr no estábulo.
— Tio Sebastian! O que me trouxe?

— O que te trouxe? — brincou Sebastian, recusando-se


diligente­mente a olhar na direção do irmão. — Harry, o que te faz
pensar que trouxe alguma coisa?

— Oh, vamos, tio Sebastian, não brinque comigo...

Harry parou abruptamente ao ver o pai nas sombras.

— Oh, papá! — exclamou, de repente mais moderado. — Não


o vi aí.

A sobrancelha de Benedict ergueu-se.

— A estragar o meu filho com mimos, é assim, Sebastian? Não


achaste oportuno mencionares esse facto anteriormente, verdade?

— Eu, a estragar o Harry com mimos?

Era importante não parecer demasiado inocente, senão Bene­‐


dict saberia que estava a mentir. Começava a congratular-se por ter
conseguido o tom certo, quando o irmão estendeu a mão e disse:

— Dá-me os rebuçados e não se fala mais nisso.

Com uma careta, Sebastian retirou um pacote de rebuçados do


bolso do casaco e entregou-o ao irmão.

— Sabes aquilo de que falámos há pouco? — disse Benedict.


— Aquilo que querias? Exerce um pouco de disciplina. Ele é um ga­‐
roto, não um cãozinho, e eu não quero que seja mimado.
— Oh, papá. — Harry olhou primeiro para um adulto e depois
para o outro. — Espere, o que queria o tio Sebastian? Era sobre
mim? Ele vai levar-me naquela ida à pesca de que falou na última
vez que cá esteve? É isso?

— Podes comer um rebuçado depois do jantar — declarou


Bene­dict com firmeza, fazendo malabarismos com o pacote que
Sebas­tian lhe entregara. — Mas só se te portares bem.

— Sim, senhor. — Harry mordeu o lábio. — Mas qual era a


outra coisa de que estavam a falar?

— Portares-te bem significa não fazeres perguntas — advertiu


Benedict.

Parecia uma regra muito aborrecida a Sebastian, mas não se


manifestou. Provavelmente pensaria de outro modo, se tivesse de
responder o dia inteiro às perguntas incessantes do sobrinho. Olhou
de soslaio para Harry.

— Ele não...

Ele não sabe que estás a morrer?

— Não — respondeu Benedict adivinhando a pergunta. —


Acredito que não se deve ensinar um rapaz a montar a cavalo até
que ele seja capaz de compreender os perigos.

— Posso mostrar ao tio Sebastian o ninho das corujas? —


pergun­tou Harry.

— Claro que sim — assentiu Benedict olhando para Sebastian


e acrescentando apenas para o irmão: — Mas lembra-te do que falá­‐
Another random document with
no related content on Scribd:
The Project Gutenberg eBook of Elmer Gantry
This ebook is for the use of anyone anywhere in the United
States and most other parts of the world at no cost and with
almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away
or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License
included with this ebook or online at www.gutenberg.org. If you
are not located in the United States, you will have to check the
laws of the country where you are located before using this
eBook.

Title: Elmer Gantry

Author: Sinclair Lewis

Release date: January 3, 2024 [eBook #72609]

Language: English

Original publication: New York: Harcourt, Brace and Company,


1927

Credits: Al Haines, Mark Akrigg, Cindy Beyer & the online


Distributed Proofreaders Canada team at
http://www.pgdpcanada.net

*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK ELMER


GANTRY ***
ELMER GANTRY
BY

SINCLAIR LEWIS

NEW YORK
H A R C O U R T, B R A C E A N D C O M P A N Y

C O P Y R I G H T, 1 9 2 7 , B Y
H A R C O U R T, B R A C E A N D C O M P A N Y, I N C .

Fourteenth printing, September, 1928


PRINTED IN THE U. S. A. BY
QUINN & BODEN COMPANY, INC,
RAHWAY, N. J.

To
H. L. MENCKEN
with profound admiration
No character in this book
is the portrait of any actual
person.
S. L.

E L M E R G A N T R Y
CHAPTER I

I
elmer gantry was drunk. He was eloquently drunk, lovingly and
pugnaciously drunk. He leaned against the bar of the Old Home
Sample Room, the most gilded and urbane saloon in Cato, Missouri,
and requested the bartender to join him in “The Good Old Summer
Time,” the waltz of the day.
Blowing on a glass, polishing it and glancing at Elmer through its
flashing rotundity, the bartender remarked that he wasn’t much of a
hand at this here singing business. But he smiled. No bartender
could have done other than smile on Elmer, so inspired and full of
gallantry and hell-raising was he, and so dominating was his beefy
grin.
“All right, old socks,” agreed Elmer. “Me and my roommate’ll
show you some singing as is singing! Meet roommate. Jim Lefferts.
Bes’ roommate in world. Wouldn’t live with him if wasn’t! Bes’
quarterback in Milwest. Meet roommate.”
The bartender again met Mr. Lefferts, with protestations of
distinguished pleasure.
Elmer and Jim Lefferts retired to a table to nourish the long, rich,
chocolate strains suitable to drunken melody. Actually, they sang
very well. Jim had a resolute tenor, and as to Elmer Gantry, even
more than his bulk, his thick black hair, his venturesome black eyes,
you remembered that arousing barytone. He was born to be a
senator. He never said anything important, and he always said it
sonorously. He could make “Good morning” seem profound as Kant,
welcoming as a brass band, and uplifting as a cathedral organ. It
was a ’cello, his voice, and in the enchantment of it you did not hear
his slang, his boasting, his smut, and the dreadful violence which (at
this period) he performed on singulars and plurals.
Luxuriously as a wayfarer drinking cool beer they caressed the
phrases in linked sweetness long drawn out:
Strolling through the shaaaaady lanes, with your baby-mine,
You hold her hand and she holds yours, and that’s a very good
sign
That she’s your tootsey-wootsey in the good old summer time.
Elmer wept a little, and blubbered, “Lez go out and start a scrap.
You’re lil squirt, Jim. You get somebody to pick on you, and I’ll come
along and knock his block off. I’ll show ’em!” His voice flared up. He
was furious at the wrong about to be suffered. He arched his paws
with longing to grasp the non-existent scoundrel. “By God, I’ll knock
the tar out of um! Nobody can touch my roommate! Know who I am?
Elmer Gantry! Thash me! I’ll show um!”
The bartender was shuffling toward them, amiably ready for
homicide.
“Shut up, Hell-cat. What you need is ’nother drink. I’ll get ’nother
drink,” soothed Jim, and Elmer slid into tears, weeping over the
ancient tragic sorrows of one whom he remembered as Jim Lefferts.
Instantly, by some tricky sort of magic, there were two glasses in
front of him. He tasted one, and murmured foolishly, “ ’Scuse me.” It
was the chaser, the water. But they couldn’t fool him! The whisky
would certainly be in that other lil sawed-off glass. And it was. He
was right, as always. With a smirk of self-admiration he sucked in the
raw Bourbon. It tickled his throat and made him feel powerful, and at
peace with every one save that fellow—he could not recall who, but
it was some one whom he would shortly chastise, and after that float
into an Elysium of benevolence.
The barroom was deliriously calming. The sour invigorating
stench of beer made him feel healthy. The bar was one long
shimmer of beauty—glowing mahogany, exquisite marble rail,
dazzling glasses, curiously shaped bottles of unknown liqueurs, piled
with a craftiness which made him very happy. The light was dim,
completely soothing, coming through fantastic windows such as are
found only in churches, saloons, jewelry shops, and other retreats
from reality. On the brown plaster walls were sleek naked girls.
He turned from them. He was empty now of desire for women.
“That damn’ Juanita. Jus’ wants to get all she can out of you.
That’s all,” he grumbled.
But there was an interesting affair beside him. A piece of
newspaper sprang up, apparently by itself, and slid along the floor.
That was a very funny incident, and he laughed greatly.
He was conscious of a voice which he had been hearing for
centuries, echoing from a distant point of light and flashing through
ever-widening corridors of a dream.
“We’ll get kicked out of here, Hell-cat. Come on!”
He floated up. It was exquisite. His legs moved by themselves,
without effort. They did a comic thing once—they got twisted and the
right leg leaped in front of the left when, so far as he could make out,
it should have been behind. He laughed, and rested against some
one’s arm, an arm with no body attached to it, which had come out of
the Ewigkeit to assist him.
Then unknown invisible blocks, miles of them, his head clearing,
and he made grave announcement to a Jim Lefferts who suddenly
seemed to be with him:
“I gotta lick that fellow.”
“All right, all right. You might as well go find a nice little fight and
get it out of your system!”
Elmer was astonished; he was grieved. His mouth hung open
and he drooled with sorrow. But still, he was to be allowed one
charming fight, and he revived as he staggered industriously in
search of it.
Oh, he exulted, it was a great party. For the first time in weeks he
was relieved from the boredom of Terwillinger College.

II
Elmer Gantry, best known to classmates as Hell-cat, had, this
autumn of 1902, been football captain and led the best team
Terwillinger College had known in ten years. They had won the
championship of the East-middle Kansas Conference, which
consisted of ten denominational colleges, all of them with buildings
and presidents and chapel services and yells and colors and a
standard of scholarship equal to the best high-schools. But since the
last night of the football season, with the glorious bonfire in which the
young gentlemen had burned up nine tar barrels, the sign of the Jew
tailor, and the president’s tabby-cat, Elmer had been tortured by
boredom.
He regarded basket-ball and gymnasium antics as light-minded
for a football gladiator. When he had come to college, he had
supposed he would pick up learnings of cash-value to a lawyer or
doctor or insurance man—he had not known which he would
become, and in his senior year, aged twenty-two this November, he
still was doubtful. But this belief he found fallacious. What good
would it be in the courtroom, or at the operating table, to understand
trigonometry, or to know (as last spring, up to the examination on
European History, he remembered having known) the date of
Charlemagne? How much cash would it bring in to quote all that stuff
—what the dickens was it now?—all that rot about “The world is too
much around us, early and soon” from that old fool Wordsworth?
Punk, that’s what it was. Better be out in business. But still, if his
mother claimed she was doing so well with her millinery business
and wanted him to be a college graduate, he’d stick by it. Lot easier
than pitching hay or carrying two-by-fours anyway.
Despite his invaluable voice, Elmer had not gone out for
debating, because of the irritating library-grinding, nor had he taken
to prayer and moral eloquence in the Y. M. C. A., for with all the force
of his simple and valiant nature he detested piety and admired
drunkenness and profanity.
Once or twice in the class in Public Speaking, when he had
repeated the splendors of other great thinkers, Dan’l Webster and
Henry Ward Beecher and Chauncey M. Depew, he had known the
intoxication of holding an audience with his voice as with his closed
hand, holding it, shaking it, lifting it. The debating set urged him to
join them, but they were rabbit-faced and spectacled young men,
and he viewed as obscene the notion of digging statistics about
immigration and the products of San Domingo out of dusty spotted
books in the dusty spotted library.
He kept from flunking only because Jim Lefferts drove him to his
books.
Jim was less bored by college. He had a relish for the flavor of
scholarship. He liked to know things about people dead these
thousand years, and he liked doing canned miracles in chemistry.
Elmer was astounded that so capable a drinker, a man so deft at
“handing a girl a swell spiel and getting her going” should find
entertainment in Roman chariots and the unenterprising amours of
sweet-peas. But himself—no. Not on your life. He’d get out and finish
law school and never open another book—kid the juries along and
hire some old coot to do the briefs.
To keep him from absolutely breaking under the burden of
hearing the professors squeak, he did have the joy of loafing with
Jim, illegally smoking the while; he did have researches into the
lovability of co-eds and the baker’s daughter; he did revere
becoming drunk and world-striding. But he could not afford liquor
very often and the co-eds were mostly ugly and earnest.
It was lamentable to see this broad young man, who would have
been so happy in the prize-ring, the fish-market, or the stock
exchange, poking through the cobwebbed corridors of Terwillinger.

III
Terwillinger College, founded and preserved by the more zealous
Baptists, is on the outskirts of Gritzmacher Springs, Kansas. (The
springs have dried up and the Gritzmachers have gone to Los
Angeles, to sell bungalows and delicatessen.) It huddles on the
prairie, which is storm-racked in winter, frying and dusty in summer,
lovely only in the grass-rustling spring or drowsy autumn.
You would not be likely to mistake Terwillinger College for an Old
Folks’ Home, because on the campus is a large rock painted with
class numerals.
Most of the faculty are ex-ministers.
There is a men’s dormitory, but Elmer Gantry and Jim Lefferts
lived together in the town, in a mansion once the pride of the
Gritzmachers themselves: a square brick bulk with a white cupola.
Their room was unchanged from the days of the original August
Gritzmacher; a room heavy with a vast bed of carved black walnut,
thick and perpetually dusty brocade curtains, and black walnut chairs
hung with scarves that dangled gilt balls. The windows were hard to
open. There was about the place the anxious propriety and all the
dead hopes of a secondhand furniture shop.
In this museum, Jim had a surprising and vigorous youthfulness.
There was a hint of future flabbiness in Elmer’s bulk, but there would
never be anything flabby about Jim Lefferts. He was slim, six inches
shorter than Elmer, but hard as ivory and as sleek. Though he came
from a prairie village, Jim had fastidiousness, a natural elegance. All
the items of his wardrobe, the “ordinary suit,” distinctly glossy at the
elbows, and the dark-brown “best suit,” were ready-made, with
faltering buttons, and seams that betrayed rough ends of thread, but
on him they were graceful. You felt that he would belong to any set in
the world which he sufficiently admired. There was a romantic flare
to his upturned overcoat collar; the darned bottoms of his trousers
did not suggest poverty but a careless and amused ease; and his
thoroughly commonplace ties hinted of clubs and regiments.
His thin face was resolute. You saw only its youthful freshness
first, then behind the brightness a taut determination, and his brown
eyes were amiably scornful.
Jim Lefferts was Elmer’s only friend; the only authentic friend he
had ever had.
Though Elmer was the athletic idol of the college, though his
occult passion, his heavy good looks, caused the college girls to
breathe quickly, though his manly laughter was as fetching as his
resonant speech, Elmer was never really liked. He was supposed to
be the most popular man in college; every one believed that every
one else adored him; and none of them wanted to be with him. They
were all a bit afraid, a bit uncomfortable, and more than a bit
resentful.
It was not merely that he was a shouter, a pounder on backs, an
overwhelming force, so that there was never any refuge of intimacy
with him. It was because he was always demanding. Except with his
widow mother, whom he vaguely worshiped, and with Jim Lefferts,
Elmer assumed that he was the center of the universe and that the
rest of the system was valuable only as it afforded him help and
pleasure.
He wanted everything.
His first year, as the only Freshman who was playing on the
college football team, as a large and smiling man who was expected
to become a favorite, he was elected president. In that office, he was
not much beloved. At class-meetings he cut speakers short, gave
the floor only to pretty girls and lads who toadied to him, and roared
in the midst of the weightiest debates, “Aw, come on, cut out this
chewing the rag and let’s get down to business!” He collected the
class-fund by demanding subscriptions as arbitrarily as a Catholic
priest assessing his parishioners for a new church.
“He’ll never hold any office again, not if I can help it!” muttered
one Eddie Fislinger, who, though he was a meager and rusty-haired
youth with protruding teeth and an uneasy titter, had attained power
in the class by always being present at everything, and by the piety
and impressive intimacy of his prayers in the Y. M. C. A.
There was a custom that the manager of the Athletic Association
should not be a member of any team. Elmer forced himself into the
managership in Junior year by threatening not to play football if he
were not elected. He appointed Jim Lefferts chairman of the ticket
committee, and between them, by only the very slightest doctoring of
the books, they turned forty dollars to the best of all possible uses.
At the beginning of Senior year, Elmer announced that he desired
to be president again. To elect any one as class-president twice was
taboo. The ardent Eddie Fislinger, now president of the Y. M. C. A.
and ready to bring his rare talents to the Baptist ministry, asserted
after an enjoyable private prayer-meeting in his room that he was
going to face Elmer and forbid him to run.
“Gwan! You don’t dare!” observed a Judas who three minutes
before had been wrestling with God under Eddie’s coaching.
“I don’t, eh? Watch me! Why, everybody hates him, the darn’
hog!” squeaked Eddie.
By scurrying behind trees he managed to come face to face with
Elmer on the campus. He halted, and spoke of football, quantitative
chemistry, and the Arkansas spinster who taught German.
Elmer grunted.
Desperately, his voice shrill with desire to change the world,
Eddie stammered:
“Say—say, Hell-cat, you hadn’t ought to run for president again.
Nobody’s ever president twice!”
“Somebody’s going to be.”
“Ah, gee, Elmer, don’t run for it. Ah, come on. Course all the
fellows are crazy about you but— Nobody’s ever been president
twice. They’ll vote against you.”
“Let me catch ’em at it!”
“How can you stop it? Honest, Elm—Hell-cat—I’m just speaking
for your own good. The voting’s secret. You can’t tell—”
“Huh! The nominations ain’t secret! Now you go roll your hoop,
Fissy, and let all the yellow coyotes know that anybody that
nominates anybody except Uncle Hell-cat will catch it right where the
chicken caught the ax. See? And if they tell me they didn’t know
about this, you’ll get merry Hail Columbia for not telling ’em. Get me?
If there’s anything but an unanimous vote, you won’t do any praying
the rest of this year!”
Eddie remembered how Elmer and Jim had shown a Freshman
his place in society by removing all his clothes and leaving him five
miles in the country.
Elmer was elected president of the senior class—unanimously.
He did not know that he was unpopular. He reasoned that men
who seemed chilly to him were envious and afraid, and that gave
him a feeling of greatness.
Thus it happened that he had no friend save Jim Lefferts.
Only Jim had enough will to bully him into obedient admiration.
Elmer swallowed ideas whole; he was a maelstrom of prejudices; but
Jim accurately examined every notion that came to him. Jim was
selfish enough, but it was with the selfishness of a man who thinks
and who is coldly unafraid of any destination to which his thoughts
may lead him. The little man treated Elmer like a large damp dog,
and Elmer licked his shoes and followed.
He also knew that Jim, as quarter, was far more the soul of the
team than himself as tackle and captain.
A huge young man, Elmer Gantry; six foot one, thick, broad, big
handed; a large face, handsome as a Great Dane is handsome, and
a swirl of black hair, worn rather long. His eyes were friendly, his
smile was friendly—oh, he was always friendly enough; he was
merely astonished when he found that you did not understand his
importance and did not want to hand over anything he might desire.
He was a barytone solo turned into portly flesh; he was a gladiator
laughing at the comic distortion of his wounded opponent.
He could not understand men who shrank from blood, who liked
poetry or roses, who did not casually endeavor to seduce every
possibly seducible girl. In sonorous arguments with Jim he asserted
that “these fellows that study all the time are just letting on like
they’re so doggone high and mighty, to show off to these doggone
profs that haven’t got anything but lemonade in their veins.”

IV
Chief adornment of their room was the escritoire of the first
Gritzmacher, which held their library. Elmer owned two volumes of
Conan Doyle, one of E. P. Roe, and a priceless copy of “Only a Boy.”
Jim had invested in an encyclopedia which explained any known
subject in ten lines, in a “Pickwick Papers,” and from some unknown
source he had obtained a complete Swinburne, into which he was
never known to have looked.
But his pride was in the possession of Ingersoll’s “Some Mistakes
of Moses,” and Paine’s “The Age of Reason.” For Jim Lefferts was
the college freethinker, the only man in Terwillinger who doubted that
Lot’s wife had been changed into salt for once looking back at the
town where, among the young married set, she had had so good a
time; who doubted that Methuselah lived to nine hundred and sixty-
nine.
They whispered of Jim all through the pious dens of Terwillinger.
Elmer himself was frightened, for after giving minutes and minutes to
theological profundities Elmer had concluded that “there must be
something to all this religious guff if all these wise old birds believe it,
and some time a fellow had ought to settle down and cut out the hell-
raising.” Probably Jim would have been kicked out of college by the
ministerial professors if he had not had so reverent a way of asking
questions when they wrestled with his infidelity that they let go of him
in nervous confusion.
Even the President, the Rev. Dr. Willoughby Quarles, formerly
pastor of the Rock of Ages Baptist Church of Moline, Ill., than whom
no man had written more about the necessity of baptism by
immersion, in fact in every way a thoroughly than-whom figure—
even when Dr. Quarles tackled Jim and demanded, “Are you getting
the best out of our instruction, young man? Do you believe with us
not only in the plenary inspiration of the Bible but also in its verbal
inspiration, and that it is the only divine rule of faith and practise?”
then Jim looked docile and said mildly:
“Oh, yes, Doctor. There’s just one or two little things that have
been worrying me, Doctor. I’ve taken them to the Lord in prayer, but
he doesn’t seem to help me much. I’m sure you can. Now why did
Joshua need to have the sun stand still? Of course it happened—it
says so right in Scripture. But why did he need to, when the Lord
always helped those Jews, anyway, and when Joshua could knock
down big walls just by having his people yell and blow trumpets?
And if devils cause a lot of the diseases, and they had to cast ’em
out, why is it that good Baptist doctors today don’t go on diagnosing
devil-possession instead of T. B. and things like that? Do people
have devils?”
“Young man, I will give you an infallible rule. Never question the
ways of the Lord!”
“But why don’t the doctors talk about having devils now?”
“I have no time for vain arguments that lead nowhere! If you
would think a little less of your wonderful powers of reasoning, if
you’d go humbly to God in prayer and give him a chance, you’d
understand the true spiritual significances of all these things.”
“But how about where Cain got his wife—”
Most respectfully Jim said it, but Dr. Quarles (he had a chin-
whisker and a boiled shirt) turned from him and snapped, “I have no
further time to give you, young man! I’ve told you what to do. Good
morning!”
That evening Mrs. Quarles breathed, “Oh, Willoughby, did you
’tend to that awful senior—that Lefferts—that’s trying to spread
doubt? Did you fire him?”
“No,” blossomed President Quarles. “Certainly not. There was no
need. I showed him how to look for spiritual guidance and— Did that
freshman come and mow the lawn? The idea of him wanting fifteen
cents an hour!”
Jim was hair-hung and breeze-shaken over the abyss of hell, and
apparently enjoying it very much indeed, while his wickedness
fascinated Elmer Gantry and terrified him.

V
That November day of 1902, November of their Senior year, was
greasy of sky, and slush blotted the wooden sidewalks of
Gritzmacher Springs. There was nothing to do in town, and their
room was dizzying with the stench of the stove, first lighted now
since spring.
Jim was studying German, tilted back in an elegant position of
ease, with his legs cocked up on the desk tablet of the escritoire.
Elmer lay across the bed, ascertaining whether the blood would run
to his head if he lowered it over the side. It did, always.
“Oh, God, let’s get out and do something!” he groaned.
“Nothing to do, Useless,” said Jim.
“Let’s go over to Cato and see the girls and get drunk.”
As Kansas was dry, by state prohibition, the nearest haven was
at Cato, Missouri, seventeen miles away.
Jim scratched his head with a corner of his book, and approved:
“Well, that’s a worthy idea. Got any money?”
“On the twenty-eighth? Where the hell would I get any money
before the first?”
“Hell-cat, you’ve got one of the deepest intellects I know. You’ll be
a knock-out at the law. Aside from neither of us having any money,
and me with a Dutch quiz tomorrow, it’s a great project.”
“Oh, well—” sighed the ponderous Elmer, feebly as a sick kitten,
and lay revolving the tremendous inquiry.
It was Jim who saved them from the lard-like weariness into
which they were slipping. He had gone back to his book, but he
placed it, precisely and evenly, on the desk, and rose.
“I would like to see Nellie,” he sighed. “Oh, man, I could give her
a good time! Little devil! Damn these co-eds here. The few that’ll let
you love ’em up, they hang around trying to catch you on the
campus and make you propose to ’em.”
“Oh, gee! And I got to see Juanita,” groaned Elmer. “Hey, cut out
talking about ’em, will you! I’ve got a palpitating heart right now, just
thinking about Juanny!”
“Hell-cat! I’ve got it. Go and borrow ten off this new instructor in
chemistry and physics. I’ve got a dollar sixty-four left, and that’ll
make it.”
“But I don’t know him.”
“Sure, you poor fish. That’s why I suggested him! Do the check-
failed-to-come. I’ll get another hour of this Dutch while you’re
stealing the ten from him—”
“Now,” lugubriously, “you oughtn’t to talk like that!”
“If you’re as good a thief as I think you are, we’ll catch the five-
sixteen to Cato.”
They were on the five-sixteen for Cato.
The train consisted of a day-coach, a combined smoker and
baggage car, and a rusty old engine and tender. The train swayed so
on the rough tracks as it bumped through the drooping light that
Elmer and Jim were thrown against each other and gripped the arm
of their seat. The car staggered like a freighter in a gale. And tall raw
farmers, perpetually shuffling forward for a drink at the water-cooler,
stumbled against them or seized Jim’s shoulder to steady
themselves.
To every surface of the old smoking-car, to streaked windows and
rusty ironwork and mud-smeared cocoanut matting, clung a
sickening bitterness of cheap tobacco fumes, and whenever they
touched the red plush of the seat, dust whisked up and the prints of
their hands remained on the plush. The car was jammed.
Passengers came to sit on the arm of their seat to shout at friends
across the aisle.
But Elmer and Jim were unconscious of filth and smell and
crowding. They sat silent, nervously intent, panting a little, their lips
open, their eyes veiled, as they thought of Juanita and Nellie.
The two girls, Juanita Klauzel and Nellie Benton, were by no
means professional daughters of joy. Juanita was cashier of the Cato
Lunch—Quick Eats; Nellie was assistant to a dressmaker. They were
good girls but excitable, and they found a little extra money useful for
red slippers and nut-center chocolates.
“Juanita—what a lil darling—she understands a fellow’s troubles,”
said Elmer, as they balanced down the slushy steps at the grimy
stone station of Cato.
When Elmer, as a Freshman just arrived from the pool-halls and
frame high school of Paris, Kansas, had begun to learn the decorum
of amour, he had been a boisterous lout who looked shamefaced in
the presence of gay ladies, who blundered against tables, who
shouted and desired to let the world know how valiantly vicious he
was being. He was still rather noisy and proud of wickedness when
he was in a state of liquor, but in three and a quarter years of college
he had learned how to approach girls. He was confident, he was
easy, he was almost quiet; he could look them in the eye with
fondness and amusement.
Juanita and Nellie lived with Nellie’s widow aunt—she was a
moral lady, but she knew how to keep out of the way—in three
rooms over a corner grocery. They had just returned from work when
Elmer and Jim stamped up the rickety outside wooden steps. Juanita
was lounging on a divan which even a noble Oriental red and yellow
cover (displaying a bearded Wazir, three dancing ladies in chiffon

Você também pode gostar