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SEBASTIAN LHE FEZ RIR QUATRO VEZES. Uma vez a cada hora.
Quando subiu ao topo da torre para ver o mar, quando saiu da carruagem e
caminharam pelas docas, observando a oscilação dos mastros dos barcos com
o movimento da água. Cada minuto de felicidade era para ele como uma
vitória.
E levando em conta que ela tinha estabelecido as regras de não falar de
ciência e estipulado que quem violasse teria que comprar sorvetes para os
dois, acreditava que Violet se divertiu bastante.
A regra de não falar de ciência foi violada duas vezes, ambas
deliberadamente. Uma delas foi uma discussão sobre se as gaivotas herdaram
o seu comportamento ou aprenderam, um debate que foi se tornando cada vez
mais ridículo à medida que caminhavam pela praia e foram elaborando
experimentos potenciais para os despreparados pássaros. Por sorte para as
gaivotas, nenhum dos dois tinha o desejo de levar a diante os experimentos,
assim, em lugar disso, compraram sorvetes.
A segunda vez foi quando voltaram a passar perto da loja de sorvetes de
volta para a estação. Violet olhou o pôster com a lista dos sabores e perguntou
intencionadamente a Sebastian se acreditava que o gelo era uma mistura ou
uma emulsão antes de ser congelado.
Na viagem de volta, depois de terem comido os sorvetes, o sorriso dela se
evaporou, dando lugar ao franzir de testa e um ar de intensa concentração.
Sebastian não a incomodou, não se atreveu. Levou-a para sua casa de
Cambridge e foi para dele.
Seu humor se tornou solene. Não queria pensar no que poderia acontecer.
Mas não sabia como seria a reação das pessoas a revelação Violet. Ele
esperava que fosse boa, mas temia o pior. Se a multidão levasse a mal aquela
revelação, ninguém sabia o que poderia acontecer a Violet. Ele não poderia
protegê-la disso e um passeio na praia não curaria aquele dano.
Quando entrou na sala de conferências, estava em um humor sombrio. Era
verão, e ainda havia luz apesar de ser quase oito da noite. Ele não chegou com
Violet, chegou sozinho.
Tinha vindo muita gente. Fazia anos que não falava com uma sala
semivazia e, da forma que foi anunciado aquele dia, era lógico que a sala se
enchesse. Já havia mais de cem pessoas com cartazes do lado de fora do local.
Abaixo Malheur.
Deus sim, evolução não.
Também havia partidários. Estamos com Malheur, anunciava um cartaz
grande que um grupo de estudantes de Cambridge levava.
Sebastian desceu da carruagem e a multidão rugiu ao vê-lo.
— Obrigado, obrigado — saudou ele, tirando o chapéu com um gesto
elegante.
— Patife! — Gritou uma mulher, lhe atirando um nabo. Esse se deslocou
uns quarenta centímetros e aterrissou no chão a seus pés. Ricocheteou uma vez
e parou muito perto da ponta de seu sapato.
Sebastian fez um gesto ao seu cocheiro. Tinha ido preparado para aquilo.
Aproximou-se um criado que depositou um barril no chão.
— Vejo que muitos de vocês vieram armados com verduras — gritou
Sebastian. — Sem dúvida ouviram falar de minha iniciativa de Salve sua
alma, salvando aos pobres.
As pessoas o olhavam sem compreender.
— Se tiverem a amabilidade de depositar a comida nesse barril —
Sebastian lhes informou — nos encarregaremos de distribuí-los entre os
pobres da paróquia.
Uma batata saiu de entre a multidão em direção a sua cabeça. Sebastian
estendeu o braço e a pegou antes de que o atingisse.
— Exatamente assim — jogou-a no barril. — Obrigado por sua generosa
contribuição.
— O que? O que ele disse? — Gritou uma mulher.
— Embora, é claro, não seja preciso que lhes agradeça, — disse Sebastian
— pois só fazem o que faria todo bom cristão, dar de comer aos pobres e aos
famintos.
Fez uma inclinação de cabeça e entrou no auditório antes que houvesse
mais animação.
Violet chegou uns minutos depois. Não o olhou. Sua mãe e ela entraram de
braços dados. De todo modo, piscou para ela e caminhou até a parte da frente.
— Jameson — disse ao botânico de cabelo cinza sentado no estrado. —
Presumo que você fará as apresentações?
— Certamente, senhor. Você vai querer o de costume?
— Na realidade, pensei em fazer a apresentação pessoalmente —
Sebastian lhe deu seu sorriso mais encantador.
Jameson franziu a testa.
— Apresentará a si mesmo? Isso... isso não se faz. Simplesmente não se
faz, Senhor.
— Bem, eu farei — suspirou Sebastian.
Pela extremidade do olho viu que Robert entrava na sala. Estava sozinho.
Minnie não gostava de multidões e, se Sebastian lembrasse corretamente,
tivera uma experiência ruim em uma de suas conferências. Oliver e Jane
entraram a seguir. Free estava com eles. Ladearam Violet e a sua mãe.
Formavam um grupo franco, no qual sorriam uns aos outros.
— Possivelmente possa considerar uma breve apresentação — disse
Sebastian. – Aqui todos já me conhecem. Uma ou duas frases, se não se
importar.
— Muito bem, senhor.
Depois disso, só tinha que esperar. Esperar enquanto se enchiam os
assentos. Esperar enquanto o relógio se aproximava mais e mais das oito da
noite. Esperar ainda uns segundos mais, até que se fechassem as portas e os
lanterninhas indicassem a Jameson com a cabeça que os últimos atrasados já
tinham encontrado seus assentos.
Jameson ficou em pé.
— A conferência dessa noite será dada pelo senhor Sebastian Malheur.
Não necessita apresentação, pois seus descobrimentos em relação a ciência da
herança são bem conhecidos por todos. Os deixo com o senhor Malheur.
Sebastian ficou de pé e olhou o mar de rostos que tinha a sua frente. Alguns
eram familiares, a outros não os viu nunca. Suas conferências sempre lhe
pareceu uma brincadeira secreta, que só Violet e ele entendiam. Essa noite
tinha uma sensação de solenidade, como se toda sua vida se concentrasse
naquele ponto. Todas suas brincadeiras o levaram até ali, a um cenário diante
do mundo inteiro, a ponto de anunciar a verdade.
Respirou profundamente. Sua tarefa era fácil. A única coisa que precisava
fazer era apresentar Violet e depois deixar que ela brilhasse.
Tinha a sensação de que toda sua vida o levou até aquele momento. Uma
frase dela e mudaria tudo. Respirou fundo mais uma vez e começou a falar.
— O senhor Jameson não tem culpa disso, – disse — mas todas as
palavras de sua apresentação eram mentira. Não darei a conferência dessa
noite.
Um murmúrio de surpresa percorreu a multidão.
— Eu nunca fiz nenhuma das descobertas sobre a herança hereditária, com
exceção de um trabalhinho sem importância que apresentei recentemente em
relação as violetas. E hoje estou aqui por uma razão: lhes apresentar à pessoa
que deveriam ter conhecido antes.
Enquanto pronunciava aquelas palavras não podia olhar para Violet, mas
sabia que estava na primeira fila. Sentia o nervosismo e a esperança de tal
forma como se essas emoções fossem suas próprias. Um silêncio incrédulo se
deu na multidão.
— Me atribuiu o mérito do trabalho que apresentei até agora — disse ele.
— Mas, de fato, meu papel foi mais o de um ajudante. Me permita que os
apresente à pessoa que dará a conferência dessa noite. Essa pessoa tem feito
toda a investigação dos trabalhos que apresentei e foi a autora de todas as
palavras que pronunciei. Exceto, é obvio, as indecorosas – sorriu — Essas
foram minhas.
Então olhou para Violet. Ela tinha os olhos e a boca muito abertos.
Sebastian sorriu para ela, não pôde evitar, e olhou para o resto da multidão.
— Apresento Violet Waterfield, a condessa de Cambury. Ela será...
Mil murmúrios de surpresa e incredulidade ecoaram entre a multidão.
— Isto é uma brincadeira? — Perguntou alguém de uma lateral.
Logo saberiam que era sério. Assim que ela começasse a falar,
reconheceriam sua maestria.
— A condessa nos falará de sua última descoberta, que, como não
demoraram a ver, é a mais emocionante até a data.
Por um momento acreditou que Violet não estava bem. Estava sentada
respirando forte e com os olhos baixos. Mas logo Jane, sentada a seu lado,
apertou sua mão e sua mãe lhe deu um tapinha no joelho. Violet respirou
profundamente. A cor esverdeada desapareceu de seu rosto e ficou de pé.
Avançou até colocar-se diante da multidão e sorriu.
Sorriu como só Sebastian a tinha visto sorrir antes. O seu foi um sorriso
que encheu a sala, um sorriso corajoso e poderoso.
Isto não é uma brincadeira, dizia aquele sorriso. A partir de agora, terão
que lutar comigo em meus próprios termos.
Sebastian nunca havia se sentido tão orgulhoso. Foi ocupar o assento que
ela tinha deixado vago e se sentou entre Jane e a mãe de Violet.
— Senhoras e senhores, — disse ela. — Hoje lhes apresentarei o
cromossomo.
Até aquele momento, Sebastian era o único que vira aquele lado dela, o
lado que não tinha espinhos, o lado que era pura exuberância. Amaldiçoou a
todos os que diziam que não era bonita. Naquele momento sim ela era.
— Vocês não sabem o que é um cromossomo... ainda — ela sorriu para a
multidão. — Mas saberão. Me permitam que comece pelo trabalho de meus
colegas. O senhor Malheur é um deles e se mostrou muito modesto a respeito
de suas contribuições. Eu não poderia ter feito esse trabalho sem o amplo
trabalho dele sobre as violetas, como verão em seguida. Também tenho que
atribuir o mesmo mérito ao professor Bollingall, daqui, de Cambridge, cujo
trabalho também foi vital.
Deixou fora outras contribuições, coisa que Sebastian suspeitava tinha sido
deliberado, pois Violet tinha passado horas falando daquele tema com a
senhora Bollingall.
E então começou sua conferência. Não vacilou, nem recuou. E embora
Sebastian ouviu um casal sussurrar atrás dele, queixando-se, de fato, porque
parecia que Violet estava dando a conferência no lugar dele, alterara algum
plano ridículo deles, ele só tinha olhos para ela. Violet parecia quase
incandescente.
Ele percebeu que o cavalheiro que estava atrás dele ficou só vinte minutos
ao começar a conferência se levantou e partiu, uma decisão muito grosseira.
Violet não se alterou por isso. Sebastian estava seguro de que nem sequer
se deu conta.
Quando ela começou a mostrar os esboços ampliados que fizera das
fotografias de Alice Bollingall, os murmúrios não tinham nada a ver com seu
sexo, a não ser com seu trabalho. Quando terminou a conferência, Sebastian
não foi o único que ficou de pé e aplaudiu com entusiasmo.
Quase não se deu conta de que o cavalheiro que havia partido antes, tinha
retornado e estava perto dele.
Jameson demorou para conseguir silenciar à multidão. Finalmente todos
voltaram a sentar-se, a contra sua vontade, todos menos o cavalheiro em
questão, que permaneceu de pé. Sebastian o olhou. O homem tinha um papel na
mão e usava um bigode enorme e ridículo.
— Isto foi muito esclarecedor — disse Jameson. — E estou seguro de que
todos temos muitíssimas perguntas. Mas a agenda nos permite só vinte
minutos. Portanto, cavalheiros...
Franziu a testa e olhou para Violet. Confuso, balançou a cabeça.
— E... ah, senhoras, se me permitirem...
O homem do bigode se adiantou.
— Não haverá perguntas — disse com voz ressonante.
Jameson franziu a testa.
— Quem é você?
— Sou John Williams, terceiro chefe de polícia de Cambridge — elevou
um papel que levava na mão. — E depois das atividades que vi essa noite,
consegui uma ordem judicial de um magistrado.
— Uma ordem judicial? — Jameson se adiantou um passo; Violet
retrocedeu.
— Uma ordem judicial — repetiu o homem. — Para a prisão de Violet
Waterfield por incitar a desordem, pronunciar frases luxuriosas e lascivas em
um lugar público e alterar a paz.
CAPÍTULO 23
NA MANHÃ SEGUINTE, Sebastian disse que era muito natural que Violet
estivesse nervosa.
No tribunal do magistrado de Cambridge raramente se viam outros casos
que os de brincadeiras pesadas de estudantes levadas a cabo sob os auspícios
do vinho barato, ou roubos desses mesmos estudantes.
Sem dúvida os juízes teriam tido mais que uma colisão com a aristocracia,
mas aquilo, uma acusação a uma condessa, e com base nisso, era uma
novidade e as novidades atraíam multidões. Havia tanta gente que a
temperatura da sala não estava só incomodando como qualquer outra manhã de
verão, mas sim o calor era infernal.
Violet não o olhou nem sequer de soslaio nem fez nenhum gesto em sua
direção. Estava sentada a trinta centímetros a frente dele, mas Sebastian a
sentia desesperadamente longe.
A manhã começou tal como ele havia previsto. Entraram os juízes e a
multidão se levantou. Iniciou-se a sessão e o mais velho dos três homens ficou
de pé.
— Embora seja certo que a condessa de Cambury, como membro da
nobreza do reino, não está sujeita a nossa jurisdição nos casos de acusações
de delitos, os privilégios da nobreza não se estendem a delitos menores.
Chegamos ao acordo com o promotor, que os encargos para que reflitam são
apenas crimes sem contravenções, não delitos.
Houve um pouco de alvoroço. Passaram um papel ao procurador. Violet
olhou o papel por cima do ombro dele. Sebastian ficou rígido. Afinal, isso era
o que eles mais temiam, que escolhessem acusar Violet por algo menor em
lugar de permitir que lhes escapasse das mãos.
E nesse momento foi quando Sebastian se deu conta de que algo ia muito
mal. Sabia que Violet estava nervosa. Estava sentada muito rígida e apertava
os lábios. E esperava que essa última jogada a pusesse mais nervosa ainda.
Mas quando o juiz fez seu anúncio, ela sorriu com ferocidade.
Dadas as circunstâncias, aquilo resultava incompreensível. Estavam diante
do pior resultado possível. Por que ela sorria?
— Como se declara a acusada? — Perguntou o juiz.
O procurador que havia ao lado dela respirou fundo. Violet ficou de pé.
— Como acabam de me apresentar uma declaração nova – disse — quero
estar certa de que compreendo as acusações.
Isso não foi o que combinaram. Ela não devia ter dito isso. Ela tinha que
jogar a culpa nele, Sebastian, e pedir à mercê do tribunal. Não fazia sentido
dizer aquilo.
Sua voz soava clara e firme. Lembrava a Sebastian o modo em que havia
falado na noite anterior, com força e segurança. Tinha a cabeça levantada e as
mãos relaxadas atrás, nas costas. Estava maravilhosa, mas Sebastian sentia
que o frio em seu estômago se aumentava. Algo ia mal. Muito, muito mal.
— Pode fazer perguntas — disse o Juiz.
— Agora só vejo duas acusações contidas na queixa — comentou Violet.
— A primeira é que ontem pela tarde falei de temas lascivos e luxuriosos em
uma reunião pública.
— Sim.
— Devo entender, então, que já não estou sendo acusada pela conferência
que se deu aqui em outubro de 1862?
— Exatamente, senhora — respondeu o juiz com um sotaque de deferência.
— Não está.
— Que estranho! — Violet levantou o queixo. — Também fui a
responsável por isso.
O coração de Sebastian apertou. Não. Ela não havia falado aquilo. Não
podia ter falado. O que achava que estava fazendo?
— De fato, Malheur deu noventa e sete conferências entre os anos de 1862
e 1867. Mais não estão me acusando em relação a essas. Entendi
corretamente?
O juiz se recostou em sua cadeira. Parecia irritado.
— Não, senhora. Não está sendo acusada em relação a esses fatos.
— Estranho, — repetiu ela — porque as ideias que ele apresentou eram
minhas.
— Está tentando ampliar a acusação? — Perguntou o juiz, confuso.
— Só pretendo compreender as acusações para poder responder
adequadamente.
Sebastian teve um mau pressentimento. Um pressentimento muito ruim
sobre o que estava para acontecer. Apertou as mãos, mas, por mais força que
usasse, não ajudava nada.
Violet olhou o papel que tinha em sua frente.
— Quanto a acusação de perturbar a paz, acho que quando meu trabalho foi
apresentado em público em Leicester em 1864, houve distúrbios que incluíram
um rebanho de cabras. Esse incidente não está incluído nessa acusação?
— Não — respondeu o Juiz. – Eu acho que você já compreendeu bem as
acusações, minha senhora. Como se declara?
Violet levantou o queixo com ar desafiador.
— Está me perguntando se anunciei ontem que descobri o mecanismo pelo
qual a reprodução sexual transmite traços hereditários? Pergunta-me se
mostrei ao público um desenho de uma célula de esperma masculina ampliada
milhares de vezes para poder mostrar o material do interior do núcleo?
— Não — respondeu o juiz com um pouco de impaciência. – Peço-lhe que
diga como se declara. Pode permanecer em silêncio e assumiremos que se
declara inocente, ou pode declarar-se culpado. Mas o que não pode fazer é
continuar citando esses fatos. Continue e a acusarei de desacato.
— Mas uma declaração de culpabilidade ou inocência requer que
considere se houve circunstâncias atenuantes — disse Violet. — Se estive
submetida a influência indevida, se fui a única a instigar esses sucessos ou se
alguém o faça.
Sebastian prendeu o fôlego em agonia. Ela precisava dizer o que tinham
planejado a noite anterior. Selou sua parte com sua bolinha e tinha que dizê-lo.
— Uma declaração de culpabilidade ou inocência só requer que diga se
for culpado ou inocente — replicou o Juiz, cortante.
— A resposta é não — disse Violet.
Oh, graças a Deus! Pensou Sebastian. Ela não tinha perdido totalmente o
juízo.
— Não — continuou Violet. — Não houve circunstâncias atenuantes.
Por um momento a sala inteira ficou tão atônita quanto Sebastian. O
silêncio era de tal calibre que ele podia ouvir sua própria respiração, ofegante
e agonizada.
— Não, ninguém exceto eu instiguei essas investigações. Outros me
ajudaram, e reconhecerei seus méritos ao seu devido tempo, mas a ciência da
herança sempre foi minha. Foi minha escolha falar disso ontem à noite, eu
escolhi fazer a apresentação. Era minhas palavras, meu trabalho, e que me
condene ao inferno se for deixar que outra pessoa se atribua esse mérito.
Sebastian exalou o ar trêmulo.
— Acuso-a de desacato — uivou o Juiz. — E quer dizer de uma vez como
se declara?
— Não é óbvio? — Violet estava muito ereta e seus olhos brilhavam. —
Sou culpada. Culpada de ambas acusações, Senhoria. Sou culpada e estou
orgulhosa disso.
Sebastian não podia pensar. Não sabia o que dizer. E depois de tudo que
ela havia dito, o Juiz demorou um momento para falar.
— Está segura? Declara-se culpada por própria vontade? — Franziu a
testa. – Está consciente de que essas ofensas e infrações implica na prisão?
— É obvio que sei disso — respondeu Violet com desdém. — Mas querem
me deter. Querem me silenciar, a mim e a todas as pessoas relacionadas com
meu trabalho. Se demonstrar medo, não pararão nunca. Serei sempre obrigada
a me defender de acusações absurdos — levantou o queixo. – Eles têm que
saber que não tem nada para fazer. Que não tenho medo embora joguem sobre
mim todo o peso da lei. Assim sim, Senhorias. Eu descobri a verdade e disse
ao mundo — ergueu-se ainda mais e olhou aos Juízes atentamente. — Sou
culpada.
Os Juízes se retiraram por um momento, murmurando entre eles. Sebastian
estava paralisado em seu assento, incapaz de compreender o que acabava de
ouvir. Violet havia...
Os Juízes retornaram.
— Minha senhora, tem algo que dizer em sua defesa? – Ele perguntou do
centro.
— Só que os anos me darão a razão.
— Nesse caso, a condenamos a quatro semanas de prisão pelas acusações
e a dois dias pelo desacato — golpeou com o martelo. — Levanta-se...
O resto da frase se perdeu entre o rugido dos presentes, o rugido que
provocavam cem gargantas gritando de uma vez.
Sebastian ficou em pé.
— Violet! — Chamou. Mas o ruído tragou sua voz. Deu um passo para ela,
mas havia muita gente e não conseguiu aproximar-se para fazer algo mais que
agarrá-la pelas mãos.
— Violet.
Ela se voltou para ele. Tinha o rosto iluminado.
— O que você fez? — Perguntou impotente.
Ela pôs uma mão em cima da dele, tirou-lhe os dedos das mãos e voltou a
palma para cima. Disse-lhe algo, mas ele não pôde ouvi-lo. E logo, com um
sorriso, colocou uma bolinha de gude azul na sua mão.
Sinto muito. Ele adivinhou suas palavras embora não pudesse ouvi-las.
Seus dedos paralisados pareciam incapazes de agarrar a bolinha, que caiu ao
chão.
Ela o olhou com um sorriso triste e depois virou e se deixou conduzir a
prisão.
CAPÍTULO 25
A primeira coisa que supus dessa série, antes inclusive de saber que se
intitularia Os Irmãos Sinistros, antes de não saber nada de Oliver e Robert, a
primeira coisa que soube foi que Violet Waterfield, uma viúva tranquila e seu
melhor amigo, um libertino, seriam sócios em um empenho científico no qual
ela faria todo o trabalho e ele receberia todo o mérito. Do começo dessa série,
tive a sensação de estar evitando em minhas notas de autor o trabalho de
Sebastian, fazendo o possível para não me referir a isso como o trabalho de
Sebastian sendo que eu sabia que o trabalho pertencia a Violet.
Agora posso falar por fim diretamente do trabalho de Violet.
No mundo real, o estudo da genética começou em 1865, quando Gregor
Mendel levou a cabo seus agora famosos experimentos com pés de ervilhas. É
obvio, imagino que esses experimentos também podiam ter sido realizados em
meu mundo, pois eu não mudo a história que aconteceu antes dessa série, só
acrescentei dados. Neste caso, entretanto, minhas adições sim teriam mudado a
história a partir delas. O descobrimento de Violet sobre a dominância
incompleta das bocas de dragão em 1862, combinado com um mundo no qual
esses descobrimentos tivessem sido feitos por alguém próximo a Charles
Darwin, teria acelerado o ritmo da mudança científica.
No mundo real, as descobertas de Mendel foram esquecidas durante uma
década e não se combinaram imediatamente com o trabalho de Darwin. Foram
redescobertos nos finais do século XIX. O trabalho de Mendel foi uma pedra
angular: uma dessas peças de quebra-cabeça científico que, uma vez
encontrada, levou a uma cascata de descobrimentos. Uma vez que soubemos
que as características eram herdadas, quisemos saber qual era o mecanismo. A
teoria dos cromossomos se promulgou logo depois que o trabalho de Mendel
no catálogo foi reintroduzido.
Não há razão para que não pudesse ocorrer muito antes. Os cientistas
começaram a ver o que havia no coração do núcleo em meados da década de
1860. Foi então quando se utilizou pela primeira vez a tintura azul de anilina
(um precursor do azul de metileno que se utiliza hoje) em contextos
biológicos. Mas eles não sabiam o que viam. Os primeiros relatórios sobre os
núcleos são divertidos e muito confusos. (Um dos relatórios que li, de 1864,
resultava tão incoerente que eu o chamava de " arco íris duplo").
Compreendiam tão pouco o que viam que em 1867 ainda se referiam à massa
observada no centro do núcleo como "cromatina", que significa "matéria que
se colore". A palavra "cromossomo" demoraria ainda muitos anos em
aparecer, não surgiu até que as pessoas começassem a perceber que o número
de cromossomos que continha uma célula podia ser importante.
Eu tive a grande sorte, ao escrever isso, de poder idealizar um caminho
alternativo para o descobrimento da teoria dos cromossomos, um caminho que
passava pelo nome de Violet. Não foi pouco planejado. Comecei a ler ensaios
sobre a genética das violetas só porque queria que Sebastian apresentasse
algum trabalho próprio.
Encontrei um grande campo de investigação que se feito no princípio do
século XX, pouco antes que se publicasse pela primeira vez a teoria dos
cromossomos, uma investigação sobre a genética e os cromossomos das
violetas, quase todos os ensaios escritos por J. Clausen. Tenho uma dívida
profunda com esse trabalho. Sua descrição de seus métodos foi de grande
ajuda, pois explicava o que teria feito Violet para desenvolver seu trabalho.
(Uma das coisas principais que não disse nesse livro é que Violet teria que
castrar as flores que teria que polinizar para evitar a autopolinização. Estou
segura de que a dignidade de Sebastian teria suportado essa imagem, mas seria
difícil trabalhar com essa analogia).
Mas os relatórios de J. Clausen e o trabalho que detalhou em seus ensaios
me levam a outro tema.
É quase impossível rastrear todas as contribuições femininas à ciência de
finais do século XIX e princípios do XX, principalmente porque muitas dessas
contribuições não foram registradas. Mas as encontrei inclusive sem buscas.
No ensaio de Clausen sobre a genética das violetas melanium há uma parte
muito interessante.
Clausen dá os méritos a sua esposa com o seguinte comentário: "Esses
avanços não teriam sido possíveis sem a amável e muito precisa ajuda de
minha esposa, Fru Anna Clausen. A polinização artificial, junções, fixações,
etiquetamento e coleta foram quase exclusivamente obra dela, e também me
ajudou na contagem dos tipos segregados". É um comentário arrojado, mas que
enumera quase todo o trabalho que requeria esse ensaio. No mundo de hoje,
esse trabalho seria feito por um estudante graduado ao que se consideraria, no
mínimo como coautor, se não o autor principal do trabalho.
Clausen foi o único autor desse ensaio.
Não o vou criticar. Mas suas palavras estão aí aos olhos de todos: "Minha
esposa fez quase todo o trabalho. Eu levei o mérito. E hoje em dia isso não lhe
parece estranho a ninguém".
E agora chegamos ao princípio deste livro: a dedicatória.
Rosalind Franklin foi uma cristalógrafa brilhante de raios X cujas imagens
de DNA foram fundamentais para descobrir a estrutura do DNA e, com ela,
para entender o que são os gens e como se transmitem. Mas embora seu
trabalho foi essencial para o descobrimento da estrutura de dupla hélice do
DNA, seu nome não figurava no famoso ensaio que anunciou essa estrutura. O
relatório que publicou Watson de seu descobrimento (intitulado A dupla
hélice) designava ao Franklin com uma variedade de nomes pouco aduladores
que duvido muito que se usaram para descrever a um homem. Watson
confessou que Crick e ele tinham utilizado os dados dela sem sua permissão.
Franklin morreu de câncer de ovários antes de que Watson e Crick
ganhassem o prêmio Nobel por seu descobrimento, assim nunca saberemos se
lhe teria permitido compartilhar essa honra. (Mas procurando um contraponto,
olhemos a Lise Meitner, que ajudou a descobrir a fissão nuclear e não lhe
deram o Nobel embora estava viva).
Franklin não foi a primeira mulher cientista, nem muito menos a única. E
certamente, não foi a primeira mulher cujo trabalho utilizou um homem sem
reconhecer seus méritos.
Mas sim é a que mais se menciona, não porque fora a primeira mulher cujo
trabalho utilizavam os homens sem reconhecer seus méritos, mas sim porque
foi a primeira mulher da que se reconheceu que esse tratamento era injusto.
Ao final, quis deixar Violet no King's College porque era ali onde estava
Rosalind Franklin quando fez seu importante trabalho. Eu gostaria de acreditar
que isso teria suposto alguma diferencia em algum outro mundo para alguma
outra Rosalind Franklin.
Portanto, caso se perguntava pela dedicatória do começo, espero que agora
tenha sentido para você.
Para Rosalind Franklin, cujo nome conhecemos.
Para a Anna Clausen, a quem descobri enquanto escrevia este livro.
Para todas as mulheres cujo nome desapareceu sem reconhecimento.
Este livro é para vocês.
AGRADECIMENTOS