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RESUMO

Sebastian Malheur é um sedutor dos mais perigosos, um


sedutor educado. Quando não escandalizava as mulheres
no quarto, escandalizava a boa sociedade com suas teorias
científicas. Era um homem desejado, injuriado, aclamado
e desprezado... E ria de tudo isso.
Violet Waterfield, a condessa viúva de Cambury, por
sua vez, é muito respeitável e quer continuar assim. Mas
tinha um segredo muito desonroso, um segredo que a
ligava de um modo irrevogável a um dos canalhas mais
famoso da Inglaterra. As teorias científicas de Sebastian
não eram dele, e sim dela.
Então, quando Sebastian ameaçou dissolver sua
conspiração de anos, ela tentou fazer o que pode para
garantir sua colaboração... Mesmo que isso implicasse
abrir seu vulnerável coração ao sedutor, e isso podia
destruí-la para sempre.
Para Rosalind Franklin, cujo nome conhecemos.
Para Anna Clausen, a quem descobri quando escrevia este livro.
Para todas as mulheres cujo nome desapareceu sem reconhecimento.
Este livro é para vocês.
CAPÍTULO 1

Cambridge, maio de 1867


VIOLET WATERFIELD, CONDESSA DE CAMBURY, sempre se sentia
muito confortável entre a multidão.
Outras mulheres de sua posição podiam sentir desprezo ao sentar-se em um
auditório cotovelo com cotovelo com qualquer pessoa da rua sem que nada a
diferenciasse do velho amigo que se sentava a sua esquerda ou do homem
velho, que sem dúvida vivia com uma pensão magra, sentado a sua direita.
Outras mulheres podiam murmurar entre elas sobre o aroma da humanidade
que desprendia de uma multidão compacta.
Mas Violet conseguia desaparecer em uma multidão. O aroma de fumaça
rançosa de um charuto e a corpos sem banho significava que ninguém a notava.
Ninguém a olhava procurando aprovação nem queria sua opinião sobre alguma
tolice que ela não se importava. Em uma multidão, Violet podia deixar de
fingimentos e se permitir a sua única paixão proibida: o senhor Sebastian
Malheur.
Ou, para ser mais exato, seu trabalho.
Sebastian era seu amigo a muito tempo e nesse dia era ele que falava com a
multidão. Tinha uma voz profunda e um sorriso travesso, e utilizava ambos
muito bem para conseguir que as observações científicas mais anódinas
fossem interessantes. Perversas, inclusive. O resto dele, seu cabelo escuro
brilhante, o sorriso deslumbrante e malicioso que usava sempre, Violet o
deixava para as damas enrubescidas da boa sociedade que desejavam
conhecê-lo intimamente.
Não lhe interessavam em nada nem seus atrativos nem seus flertes. Já seu
trabalho, em troca...
— Até o momento — dizia Sebastian, — minhas pesquisas têm se
concentrado em recursos simples: as cores das flores, as formas das folhas...
detalhei vários mecanismos de herança diferentes. O que vou apresentar hoje
não é uma explicação muito clara, mais uma série de perguntas
desconcertantes.
Violet já tinha ouvido aquelas palavras antes. Mais de uma vez. Naquela
manhã as repetiram várias vezes, tentando que ficassem perfeitas.
Tinham conseguido.
Ele passou o olhar pelo público e, embora não olhasse em sua direção,
Violet se surpreendeu sorrindo. Aproximava-se a parte interessante.
— O desconcerto — disse Sebastian — significa que fica algo por
descobrir. Me permite dizer o que não sabemos.
Violet estava consciente de que não era a única que jogava o corpo para
frente com ansiedade. Sebastian era um ímã. Atraía às pessoas sem nem sequer
tentar. Alguns de seus ouvintes eram jovens cientistas que o adoravam,
estavam ligados a todas suas palavras e sonhavam seguir seus passos. Outros
eram seguidores de Darwin, como Huxley, que estava em um canto e
observava o que acontecia com olhos vivos sob as sobrancelhas espessas.
Havia também muitas mulheres presente. Sebastian sempre atraia as mulheres.
Mas havia também pessoas como as que estavam sentadas justo atrás de
Violet. Não as via, mas, apesar de seus esforços para ignorá-las, estava muito
consciente de suas presenças. Era o pior do público: pessoas que
interrompiam.
— Vergonhoso — murmurou o homem sentado atrás dela o bastante alto
para murchar até a resistente borbulha de prazer de Violet. — Realmente
vergonhoso.
O desenho que Sebastian mostrava não tinha nada de vergonhoso, a menos
que as pessoas tivessem um ódio irracional pelos gráficos de barras. Aquele
em concreto só mostrava números, números que surgiram depois de uma árdua
atenção aos detalhes, assumindo claro, que Violet pudesse dizer aquilo sem
pecar por arrogância.
Franziu a testa, inclinou o corpo para frente e fez o possível pra se
concentrar em Sebastian.
— Uma vergonha absoluta — respondeu uma mulher atrás dela. — Isso é o
que é — sua voz, embora baixa, chegava longe. Era como uma furadeira de
trepidar que atravessava o crânio de Violet. – Ele ostenta seus métodos
pagãos. É o ignorante mais dissoluto que existe. Fala em público de
reprodução e relações sexuais.
— Vamos, vamos — respondeu seu companheiro. — Tape seus ouvidos
com as mãos e eu te avisarei quando poderá voltar a ouvir.
Como alguém iria falar da herança hereditária sem mencionar o ato de
propagação? Por acaso as pessoas deviam manter em silêncio feitos
biológicos básicos em nome da decência? E se esse casal sabia que Sebastian
Malheur ia falar de temas que achavam tão odiosos, por que vieram?
— Malheur certamente pensa nessas coisas todo o tempo — continuou a
voz aguda da mulher — Que sujeira! Que mente tão depravada!
Violet fez o que pôde para ignorá-los e manteve um meio sorriso no rosto.
Mas fervia por dentro. Não só porque Sebastian era seu amigo mais querido,
mas sim porque aquelas palavras lhe pareciam um ataque direto. Como se
essas coisas fossem ditas para ela.
E de certo modo, era.
— Há uma razão para que todos esses supostos filósofos naturalistas sejam
homens — replicou o homem. — O sexo feminino é muito bom para
considerar pensamentos tão repugnantes.
Violet já não pôde mais. Virou-se e viu uma mulher vestida com um vestido
de musselina rosa sentada ao lado de um cavalheiro com reluzentes bigodes.
Dedicou-lhes seu olhar mais severo.
— Shiss! — Reclamou.
A mulher abriu a boca, surpreendida. Violet assentiu firmemente com a
cabeça e virou de novo.
Sebastian tinha começado a falar do primeiro quebra-cabeça.
Oh, sim. Aquele era um dos favoritos de Violet. Relaxou lentamente.
Começou a mergulhar de novo na palestra de Sebastian, no fluxo e refluxo dos
argumentos. Uma conferência bem construída era como o ronronar de um gato.
Era difícil fazer, mas por fim era muito satisfatório...
— Acredito — continuou a mulher de voz de apito, como se Violet lhe
tivesse pedido meio minuto de silêncio e não um respeito elementar para com
o conferencista — que deve ter assinado um contrato com o diabo. De que
outro modo poderia ter um homem uma presença tão forte, se não estivesse
endiabrado?
A concentração de Violet vacilou de novo. Pensou com saudade na
sombrinha que deixou no guarda-roupa, a encantadora sombrinha de cor
púrpura com suas recatadas fitas e de ponta pontiaguda. Era útil para espetar
as pessoas mal-educadas e além disso estavam na moda. Sua mãe a teria
aprovado.
— Ouvi dizer que possui uma mulher diferente todas as noites. Céus! O
que farei se ele olhar para mim?
Violet levantou os olhos ao céu e jogou o corpo para frente.
No palco, Sebastian apontou para o cavalete e o jovem que o acompanhava
trocou o desenho do gráfico pelo quadro de um gato. Violet o conhecia bem.
E conhecia ainda melhor o gato.
— O animal deste quadro — Sebastian apontou o gato de listras negras e
ruivas — nasce às vezes quando um gato listrado se acasala com outro mais
escuro.
— Céu! Ele falou acasala. Disse a palavra acasalar.
Violet cruzou os dedos e se concentrou com grande empenho em Sebastian,
se esforçando para se desligar do resto do mundo.
Ele mudou de postura e olhou à multidão.
— É um fato estabelecido que de noite todos os gatos são pardos — Violet
não precisava ver sua expressão para imaginá-lo levantando uma sobrancelha
maliciosamente. — No entanto, durante o dia devemos nos perguntar por que
há tão poucos gatos pardos.
A mulher atrás de Violet soltou outro suspiro horrorizado.
— Refere-se A...? Santo Deus! Isso... isso é indecente.
Sebastian fez um gesto com a mão.
— A ciência da hereditariedade que descrevi nos últimos anos explica por
que as características podem ter cinquenta por cento de probabilidades de ser
herdados, ou vinte e cinco por cento. Mas a probabilidade de que um gato
macho seja pardo é tão pequena que não podemos calculá-la. Uma entre mil,
talvez. Minha teoria não oferece explicação para pequena semelhança.
A voz da mulher estava cada vez mais aguda, algo que Violet não teria
acreditado que fosse possível.
— Acaba de supor o seu tamanho em público. William, você é policial.
Faça algo.
Violet se imaginou virando-se. A outra Violet, a que não ligava para o que
as pessoas pensavam, enfrentaria à mulher em questão.
Se não ficar em silêncio imaginou que dizia, lhe arrancarei a língua pela
raiz.
Mas uma dama não faria uma cena assim em público. Ainda lembrava a
voz de sua mãe. "Quando não tiver nada agradável para dizer, guarde sua
opinião para si e depois me conte tudo". Fazia muito tempo que Violet não
podia conversar com sua mãe sobre o que a irritava, mas o conselho
continuava sendo válido. O silêncio guardava segredos.
Assim, guardou silêncio. Separou de sua mente tudo o que não queria
ouvir. O resto do mundo ficou envolto em algodão, com as bordas afiadas
suavizadas para que não pudessem cortá-la.
Uma parte de sua mente era vagamente consciente de que o casal
continuava conversando.
— Vamos, vamos — dizia o homem. — Eu sei que devo cumprir a lei. Não
tenho uma ordem judicial e tampouco estou certo de que me dariam uma. Tenha
um pouco de paciência, minha querida.
Violet decidiu que aquele era um bom conselho.
Paciência, disse a si mesma. Dentro de uns minutos irão embora e tudo
ficará melhor.

UNS MINUTOS DEPOIS, tudo ficou pior.


Ao final da conferência, Violet abriu caminho entre a multidão, afastando
algumas pessoas suavemente com os cotovelos. Às conferências tinha cada vez
mais pessoas e mais turbulência. Os primeiros meses da carreira de Sebastian,
foram uma curiosidade, um homem que escrevia sobre características
herdadas e às vezes defendia Charles Darwin. Houve algumas queixas
desinteressadas por parte do público, mas nada exagerado.
Depois publicou seu ensaio sobre a mariposa, com o propósito de
demonstrar a teoria da evolução de Darwin em ação.
Violet suspirou. A metade do mundo respeitava Sebastian e a outra metade
o desprezava. As fofocas desagradáveis em suas conferências aumentavam ano
a ano. Nesse momento zumbiam ao redor de Violet, que tinha a sensação de ter
aterrissado em um vespeiro de ignorância.
Ela abriu caminho até a parte da frente. Oliver Marshall, o amigo que
esteve sentado a seu lado, chegou ali primeiro. Sebastian estava rodeado de
pessoas.
Ele sempre estava rodeado de pessoas, desde que se tornou adulto.
A metade das pessoas que o rodeavam eram mulheres, algo pouco
incomum na maioria das palestras científicas, mas bastante normal em seu
caso.
Violet às vezes se perguntava se a veriam também assim, como uma mulher
que levasse anos tentando atrair a atenção de Sebastian. Como se também
esperasse que a olhasse e visse ela e somente ela. Sua irmã fazia brincadeiras
com isso frequentemente.
Se as coisas fossem diferentes, talvez tivesse ocorrido isso. Mas ela era o
que era, e não fazia sentido chorar sobre o leite que levou tanto tempo para
derramar e que se tornou azedo. Caminhou até o interior do círculo das
pessoas que o rodeavam.
A partir do seu assento, que ficava no meio do salão, vira o rosto dele de
forma imprecisa. Agora podia ver sua expressão e se alarmou.
Ele não estava com bom aspecto. Suas bochechas pareciam coradas e os
olhos, normalmente escuros e faiscantes de humor, estavam apagados. O gesto
expressivo de sua boca dera espaço a uma seriedade grave. Passava a
impressão de que estava febril.
— Isso está errado — dizia um homem grande. Ele virou sua cabeça para
Sebastian e apertou os grandes punhos como patas de porco. — Você é um
idiota egoísta. Todos os filósofos naturalistas desde Newton eram
amaldiçoados. Eu garanto.
Há alguns anos atrás, Sebastian teria rido de uma declaração assim.
Naquele momento se limitou a olhar para o sujeito.
— Muito obrigado — disse, como se tivesse decorado. Como se tivesse
aprendido as palavras e as jogasse agora como uma falsa isca, na esperança
de distrair o homem tempo suficiente para afastar-se. — Isso significa muito
para mim.
— Mentecapto insolente! — O homem grande avançou um passo.
Violet respirou fundo e se colocou na frente dele. Agarrou a mão de
Sebastian. Olhe para mim. Olhe para mim. Tudo ficará bem só tem que me
olhar.
Sebastian virou para ela, mas o último traço de humor fingido desapareceu
de seu rosto ao vê-la.
Violet vinha sendo sua amiga muito tempo. Acreditava que o conhecia.
Pensava que ele ignorava alegremente a pressão pública das críticas
constantes, que a série de insultos e ameaças não importava. Ela precisava
pensar assim ou não seria capaz de submetê-lo a essa pressão.
Naquele instante compreendeu como estava errada. Engoliu em seco.
— Sebastian — disse, hesitante.
— O que é? — Grunhiu ele.
— Esteve brilhante — olhou-o nos olhos, desejando poder fazer com que
se sentisse melhor. — Realmente bri...
Algo brilhou nos olhos dele. Algo escuro e furioso.
Violet soube que seu comentário não foi bem-sucedido, quando as palavras
saíram de sua boca. Ele certamente achava que estava satisfeita consigo
mesma.
Estavam rodeados de gente. Sebastian apertou os punhos ao lado até que
seus nódulos ficassem brancos e levantou o nariz no ar.
— Foda-se Violet! — Sua voz foi como um grunhido baixo e selvagem. —
Foda-se!
Estavam há tanto tempo envolvidos naquela conspiração, que às vezes até
Violet esquecia a verdade. Nesse momento se lembrou. Sentiu com todas as
células de seu ser.
A sensação de invisibilidade desapareceu. Violet às vezes pensava que sua
posição na sociedade era como um tronco caído no meio de um bosque. Talvez
não fosse pitoresca, mas ao menos era aceita como parte da paisagem.
Enquanto não se movesse muito, ninguém descobriria a verdade.
Naquele momento, Sebastian a observava atentamente, calmo, como se
estivesse pronto a atacar aquele tronco com um machado. Para mostrar ao
mundo seu coração podre e mostrar que, por dentro, Violet era uma coisa
escura, horrível, infectada com vermes. Se ele dissesse uma palavra, todo
mundo saberia.
Nunca em sua vida pensou que Sebastian poderia traí-la. Mas e aquele
desconhecido que a observava com os olhos de Sebastian? Violet não sabia o
que aquele homem poderia fazer.
Suas mãos ficaram frias. Quase podia ver aquele pesadelo apresentando-se
diante deles. Ele diria a verdade diante de todo mundo. Os jornais contariam
aos quatro ventos no dia seguinte e, no meio do dia, estaria desonrada,
totalmente banida.
A multidão já não era mais que sombras a seu redor. Quase não podia
respirar. "Indecente", parecia que as pessoas sussurravam. "Depravada".
Engoliu a saliva. Ficaria desonrada e arrastaria em sua queda a sua mãe, irmã
e seus sobrinhos.
A ponta do nariz de Sebastian tremia. Virou-se para falar com outro
homem, sem dizer o que queria contar. Violet não pôde evitá-lo. Respirou
aliviada. Estava a salvo. E se ninguém nunca soubesse, poderia continuar.

O SOL DA MANHÃ BRILHAVA COM FORÇA e atingia os olhos de


Sebastian, que observava o jardim. A roseira refletia a luz do sol matinal e os
canteiros de flores brilhavam com o orvalho. Era uma paisagem maravilhosa e
ele possivelmente a teria desfrutado a não ser pela forte dor de cabeça. Caso
não soubesse que não poderia ser, acreditaria que aquilo eram os efeitos
mortais do álcool. Mas nas últimas quarenta e oito horas não bebera nada mais
forte do que chá. Não. Era outra coisa que o atormentava. Ao contrário de
algumas garrafas de vinho, não podia se curar com uma poção eficaz. Para
mudar o que sentia, precisaria de uma dose muito maior do que poderia
encontrar em uma farmácia.
Sabia desde o começo aonde estava indo. Violet estava na estufa, quando
terminou de dar a volta nos arbustos, a viu sentada em um banquinho, olhando
uma fileira de vasos de barro pequenos cheios de terra. Os pés, calçados com
botas, se agarravam aos pés do banquinho. De onde estava Sebastian a ouviu
assobiando alegremente para si e se sentiu mal.
Quando abriu a porta, ela não ergueu a cabeça. Não levantou o olhar
quando Sebastian se aproximou. Tinha uma lupa na mão e estava tão
concentrada nos pequenos vasos de barro a sua frente, que não o ouviu chegar.
Senhor! Parecia feliz ali sentada e ele ia estragar tudo. Quando aceitara
aquela farsa, não tinha entendido o que significava aquilo. Então pensava que
só se tratava de assinar seu nome e ouvir Violet falar, duas coisas que
acreditava não requerer nenhum esforço.
— Violet — disse com suavidade.
Observou como voltava a realidade. A jovem piscou rapidamente e deixou
ao lado dos vasos de barro a lupa que tinha na mão antes de virar-se.
— Sebastian! — Exclamou.
Havia um tom alegre em sua voz. O perdoara pela noite anterior. Mas o
sorriso que começou a lhe dedicar morreu quando viu o rosto dele.
— Sebastian? Aconteceu alguma coisa?
— Deveria pedir desculpas — respondeu ele. — Deus sabe que devo me
desculpar por ontem à noite. Não podia falar com você daquele modo, e muito
menos em público.
Violet moveu a mão no ar como descartando suas palavras.
— Compreendo a tensão a que está submetido. Sério, Sebastian, depois de
tudo o que temos feito um pelo outro, algumas palavras duras não significam
nada. Mas há algo que queria te dizer, — franziu a testa e se deu uns pequenos
golpes nos lábios com o dedo — vamos ver...
— Violet. Não se distraia. Escute-me.
Ela se virou para olhá-lo.
Ninguém mais a considerava bonita. Isso era algo que Sebastian nunca
entendera. Sim, seu nariz era muito grande e sua boca muito larga. Seus olhos
estavam um pouco separados para o padrão de beleza. Sebastian via essas
coisas, mas não tinham nenhum significado para ele. De todas as pessoas que
havia no mundo, Violet era a mais próxima a ele, e isso fazia com que a
quisesse muito, e de uma forma que ele não queria entender completamente.
Era sua amiga mais querida e estava a ponto de magoa-la.
Levantou as mãos em um gesto de rendição diante do mundo inteiro.
— Violet, não posso mais continuar com isso. Cansei de viver essa farsa.
Ela empalideceu. Estendeu a mão, que caiu sobre a lupa. A agarrou com
força e a apertou contra seu peito.
Sebastian se sentia mal.
— Violet.
Não havia ninguém no mundo a quem conhecesse melhor nem a quem
quisesse mais. A pele dela se tornou cinzenta. Olhava-o com o rosto totalmente
transtornado. Sebastian a viu antes assim em uma ocasião e nunca imaginou
que seria ele quem voltaria a lhe fazer isso.
— Violet, sabe que faria qualquer coisa por você.
Ela emitiu um ruído estranho com a garganta, metade soluço, metade como
se engasgasse.
— Não faça isso. Sebastian, podemos tentar...
— Tentamos, – respondeu ele com tristeza. — Sinto muito – sussurrou, —
mas isto é o fim.
Estava destruindo-a, mas, por outro lado, a última coisa que foi boa para
ele já estava destruída e não tinha mais nada para dar. Sorriu com tristeza e
olhou a seu redor. A estufa. As numerosas prateleiras cheias de vasos de
barro, todas elas etiquetadas. A prateleira de livros que havia no canto, com
vinte volumes encadernados em couro. Todos os testes sempre a espera de que
descobrissem mais. Finalmente olhou para Violet, uma mulher a quem
conhecera toda sua vida e querido a metade desse tempo.
— Serei seu amigo. Seu confidente. Te ajudarei quando precisar. Farei o
que for por você, mas há algo que jamais voltarei a fazer — respirou fundo. —
Não voltarei a apresentar seu trabalho como se fosse meu.
A lupa caiu dos dedos dela e aterrissou nas pedras do chão debaixo do
banquinho. Mas era forte, como Violet, e não se quebrou. Sebastian se agachou
e a recolheu.
— Toma — disse, lhe entregando. — Acredito que a vai precisar.
CAPÍTULO 2

TRÊS HORAS DEPOIS, VIOLET esperava perto da casa de Sebastian.


Durante os anos que se conheciam, inventaram centenas de encontros sem
despertar comentários. Quando estavam em Cambridge, era relativamente fácil
se verem, pois, suas casas ficavam somente a dois quilômetros de distância,
uma caminhada de vinte minutos por uma trilha arborizado. As árvores
escondiam esse passeio de olhares indiscretos. Os arbustos altos ocultavam a
estufa de Violet dos olhares curiosos dos empregados, e o caminho até para o
escritório de Sebastian ficava escondido por um labirinto de arbustos da altura
de um homem, o que permitia que Violet pudesse ir e vir sem ter que bater em
sua porta.
Naquele momento esperava dentro do labirinto, controlando a respiração e
os nervos. Tinha que fazer aquilo bem, precisava procurar uma maneira de
continuar. Mas se lembrava da expressão do rosto dele, seu olhar de triste,
determinação, e não sabia como podia mudar isso.
Sentou-se em um banco de pedra e golpeou com frustração a pedra branca
prensada do caminho. Analisava tudo com ordem e método, teria que haver
uma solução. Uma solução conveniente e razoável.
A pedra rangeu. Ela levantou o olhar consternada.
Era Sebastian. Não estava de casaco, mas em mangas de camisa, a
expressão séria de seu rosto lhe dava um ar formal. Tinha uma mão no bolso
do colete e a observava com rosto inexpressivo.
Violet pensou em levantar-se. Pensou tanto que se deu conta de que o
momento tinha passado. Pareceria uma tola, em seguida levantou-se então,
meio minuto depois da chegada dele. Optou por inclinar a cabeça em sua
direção.
— Sebastian.
— Violet — ele não se aproximou mais. – Eu esperava que chegasse há
três quartos de hora. Estou surpreso que tenha demorado tanto pra vir falar
comigo.
Os dedos lhe fizeram cócegas. Pensou em protestar a princípio, mas sim
fora lá para conversarem.
— Estava tentando encontrar os melhores argumentos possíveis. Fiz uma
lista de tudo o que podia dizer.
Ele arqueou as sobrancelhas.
— Uma lista? Deixe-me ver isso. Colocou por escrito, não foi?
Violet pensou em negar, mas ele a conhecia muito bem. Tirou o papel do
bolso da saia e o estendeu. Sebastian o desdobrou e o alisou com as palmas.
— Dinheiro, — leu. — Terra. A influência de sua mãe – levantou o olhar.
— Isto não são argumentos, são subornos. Exceto, é claro, a linha sobre sua
mãe. Isso é uma ameaça.
— Sim. Bem — ela não podia permitir que visse seu nervosismo. O olhou
nos olhos. – Darei a você cinco mil libras se...
— Não preciso de cinco mil libras — interrompeu ele. — E em todo caso,
não é muita compensação. Me deixe explicar o que quero. Não quero voltar a
mentir nunca mais para as pessoas que me importo — levantou o papel no ar.
— Isso não está em sua lista.
Violet tirou o papel de sua mão.
— Já te disse que estava pensando — amassou sem compaixão a lista entre
os dedos; formou com ela uma bola dura com bordas afiadas que cravavam na
palma de sua mão. — Tem que haver algo.
Um pássaro cantou em cima de suas cabeças. O céu azul brilhava
intensamente sobre os arbustos. Não era um clima propenso a se render e
Violet não tinha intenção de ceder. Mas a expressão do rosto de Sebastian
mostrava que ele tampouco estava disposto a ceder facilmente.
— Meu irmão está morrendo — disse. — E quando me contou o que
pensava fazer com seu filho, disse-me... — baixou o olhar — disse-me que
enviaria Harry para sua avó porque eu estava muito ocupado para cuidar dele.
E não pude lhe dizer que não tinha feito todo esse trabalho. Só consegui ficar
ali mudo, me perguntando como responder sem trair todos nossos segredos.
Violet cravou os dedos na bola de papel.
— Meus amigos estão preocupados comigo — prosseguiu Sebastian. —
Isso me deixa muito incomodado. Supõe-se que sou eu que deva cuidar deles.
Mas não posso sequer explicar que tenho trinta e dois anos e estou
desaparecendo, que me elogiam por um trabalho que não é meu e me injuriam
por ideias que não são minhas.
Violet sentia a garganta áspera. Não sabia o que dizer, não sabia como
podia melhorar tudo aquilo.
— E ontem à noite você me felicitou por minha conferência, quando nós
dois sabemos que quem a escreveu foi você — terminou ele.
Violet baixou a cabeça.
— Isso foi um erro. Sei. Foi só...
— Se nos dois começamos a esquecer que isso é uma mentira, é porque
chegou o momento de parar. Já não posso dizer a verdade a ninguém, e as
pequenas mentiras se amontoam sem cessar. Sinto-me irritado. O que falei é
serio. Não quero mentir por você. Não gosto da pessoa que estou me tornando.
Se ele fosse embora naquele momento, deixaria um espaço vazio na vida
de Violet. Mas o que isso significava diante das queixas dele? Ela guardou a
bola de papel no bolso.
Ele avançou um passo e se colocou na frente dela.
— Isto está fazendo com que me irrite com você — disse com mais
suavidade. — E isso é a última coisa que quero. Não quero me ressentir com
você. É a única amiga que tenho que me compreende em tudo. Não quero
perdê-la.
Quase doía olhá-lo. A expressão de seus olhos, o modo em que se
aproximava dela... Quase podia sentir sua atração, como se ela fosse uma lua
que foi capturada e condenada a girar ao redor dele para sempre. Afastou o
olhar e mordeu o lábio inferior. Provavelmente ele fazia com que todas as
mulheres sentissem isso, mas fazia isso sem intenção.
— Somos amigos — disse Sebastian. — Amigos além de seu trabalho.
Não é assim?
Deu outro passo mais para perto dela. Um passo perigoso. Um passo que o
aproximou muito. Aproximou o bastante para poder tocá-la era só esticar o
braço. Quando ficava tão perto, a possibilidade do contato aumentava. Isso
fazia brotar nela um desejo oculto, o desejo de que a tomasse em seus braços.
Mas Violet não foi feita para as carícias. Era dura e inquebrável.
Obrigou-se a olhar para ele, forçou seu coração a pulsar em um ritmo
regular, a não se deixar afetar pelo brilho escuro dos olhos dele. Ele não
possuía nenhum impacto sobre ela. Era o tipo de homem que podia suavizar às
pedras, mas Violet era mais fria que uma pedra. Ela tinha que ser assim.
Sebastian se aproximou um passo e se inclinou sobre ela. O coração de
Violet disparou apesar de seus esforços por controlá-lo. Ele podia colocar as
mãos nos ombros dela, segurá-la no banco e...
Ela respirou com força para colocar distância entre eles.
— Então é disso que se trata — ouviu-se dizer. — O que irrita você é que,
de todas as mulheres do mundo, eu sou a única que não cai a seus pés.
Ele soltou o ar lentamente e se endireitou.
— Pode falar tudo o que quiser sobre amizade, mas está claro que deixei
de fora de minha lista a única coisa que poderia te convencer — ela levantou
o queixo. — O sexo. Essa é a única moeda com que você negocia, certo?
Só de pensar suas mãos tremiam. Sentia frio por todo o corpo, e, no
entanto, o pulso batia com força. Tinha deixado aquele item fora da lista
propositalmente, pois ela não negociava com coisas que não estava disposta a
oferecer.
Sebastian a olhou então. Seus olhos pousaram nos lábios dela e baixaram
depois por seu corpo, até a renda bordada do vestido de passeio, antes de
voltar a subir até as fitas que apertavam a cintura. Violet podia senti-lo
analisando cada centímetro seu... os cotovelos angulosos e a cor castanha de
seus olhos.
Se não queria cinquenta acres de terra, desejaria menos ainda um espécime
tão pobre quanto ela.
— Percebo, — disse ele devagar — que absolutamente nunca me
conheceu. — Torceu os lábios. — Dei conferências em seu nome durante
cinco anos seguidos, o fiz várias vezes até chegar a conhecer sua mente melhor
que a de nenhuma outra pessoa. E você não se incomoda em me devolver o
favor por todo este tempo.
— Sebastian — ela quase não podia olhá-lo, mas tampouco podia afastar o
olhar. Os olhos dele estavam escuros e seu rosto sombrio.
— Eu conheço você muito bem — ele deu um passo para ela. — Sei que,
se me aproximar muito, encontrará um modo de fugir. E se eu a acariciar com
os dedos... — Levantou a mão. Ela recuou um passo. — Exatamente — disse
ele com dureza. — Violet, você e eu... estamos mentindo um para o outro, tanto
quanto mentimos ao resto do mundo.
Era verdade. Podia sentir o pânico se acumulando em seu estômago. No
ano passado ela começara a sentir isso de novo, não pode evitar. Uma onda de
interesse, uns momentos de fraqueza..., mas Sebastian não sabia o que queria.
Para ele não significaria nada derrubar suas defesas. Para ela... na verdade
arrastaria consigo tudo o que era.
— Não sei o que está falando — sua voz não estava tremendo em absoluto.
E por que ia soar assim? A pedra era sólida. A pedra era inflexível. — Você já
sabe tudo sobre mim.
— Tudo o que sei de você é sobre seu trabalho nos dias de hoje.
Uma pedra não se importaria com a dor que aparecia nos olhos dele. A
pedra insistia. Insistia e resistia. Ela respirou fundo.
— Meu trabalho é tudo que sou.
Ele a olhou e negou lentamente com a cabeça.
— Maldita seja, Violet!
A pedra não sentia dor. Não tinha coração para senti-lo.
— Suponho que tudo seria diferente se fosse uma de suas mulheres —
escutou-se dizendo. — Se fosse suscetível a seus encantos. Então
possivelmente poderia...
Ele se virou então. Virou-se com tal rapidez que ela conteve o fôlego.
— Não seja ridícula, Violet, — disse em voz baixa e devastadora. – Eu
não me importo o que pense de minha moral, porém tenho uma lista é claro. —
Voltou a cabeça para olhá-la por cima do ombro com olhos escuros e intensos.
— E você não está a sua altura.
Ela sentiu que abria um buraco em seu estômago. Havia muita verdade
naquilo... verdade suficiente para lembrá-la por que o tinha afastado.
— Bem adeus — se ouviu dizendo a seu melhor amigo. — Nesse caso, é
melhor que não trabalhemos mais juntos. Duvido que note sua ausência –
queria fugir rapidamente, mas precisava encontrar as luvas, que tinha deixado
sobre o banco.
— Estou seguro de que não notará, — replicou ele. — Menos mal porque
eu não estarei aqui.
Violet pegou as luvas e o olhou. Ele tinha os braços cruzados e os olhos
brilhantes e cheio de mágoa. Sebastian quase nunca ficava zangado, quase
nunca perdia a compostura. Se agora o fizera duas vezes em vinte e quatro
horas, era porque devia estar muito mais aborrecido do que Violet podia
compreender. E tinha razão. Doía admitir isso. Estava certo. Não podiam
continuar como estavam. Ele tinha muito que esperar da vida e ela muito
pouco.
Olhava-a como se pensasse que ela poderia se desculpar. Sim, Sebastian,
deixarei de afastá-lo e me permitirei apaixonar pelo maior crânio de
Londres.
Por um momento teve vontade de pegar as mãos dele e confessar tudo. Mas
quando pensou em abrir a boca, descobriu que não tinha nada a dizer. Essa
parte não era uma mentira. Para ela não podia contar com outra coisa que não
fosse seu trabalho. Todo o resto... todo o resto logo se transforma em fóssil.
Ao invés de falar, colocou as luvas e foi embora.
CAPÍTULO 3

A PROPRIEDADE EM QUE Sebastian fora criado fica a vinte quilômetros


a oeste de Londres, cavalgava um bom cavalo, enquanto o conjunto de
edifícios próximos se tornava maior e o povo do campo menor.
A farsa com Violet tinha absorvido uma parte tão grande de sua vida adulta
que agora sentia um vazio enorme. Criou-se uma grande distância entre ele e a
pessoa que mais queria. Mas se havia um lugar onde possivelmente pudesse
fechar essa brecha, era ali. Ali, na terra que pertencia a seu irmão, no lugar
onde se amontoavam suas lembranças da infância, memórias imprecisas e
indistintas de seus primeiros anos.
Lembranças de ter caído naquele riacho quando tinha seis anos e tentava
imitar Violet, que cruzava com graça por cima de um tronco. Lembranças dela
lendo uma história em voz alta quando ele começava a aprender as letras.
Violet se entrelaçava em sua vida mesmo ali. Crescera a um quilômetro
dele. Era dois anos mais velha e, desde que Sebastian podia recordar, a
seguira como um filhote de cachorro, pois a via como uma criatura
maravilhosa, mais inteligente e mais capaz do que ele. Os últimos dias foi a
primeira vez em sua vida que a magoara. Mas ali havia também outras
lembranças além das que se referiam a Violet, e por isso tinha ido ali.
Ao chegar, levou seu cavalo aos estábulos. Um homem saiu e se ofereceu
para cuidar do animal. Sebastian o afastou com um gesto. Fizera um passeio
gentil e sua égua negra não precisava de nada mais que uma escova e um balde
de aveia. Mesmo assim, Sebastian trabalhou calmamente. Passava devagar a
escova pelo corpo do animal e observava como sacudia o traseiro quando
fazia cócegas em sua lateral. Era um dos truques mais velhos que conhecia. Se
não conseguia entender o mundo, ao menos podia entender a sua égua.
A porta do estábulo se abriu e entrou muita luz. Outro cavalo soprava na
entrada, respirando com força.
Sebastian levantou o olhar. O cavaleiro, uma figura alta e forte, desceu do
cavalo. Ofegava. Permaneceu um momento ali, agarrado ao animal como se os
pés não pudessem suportar mais seu peso. Sebastian, sentado no banquinho ao
lado de seu animal, ficou paralisado. Queria levantar-se, mas tinha medo de
intervir. Pouco a pouco, a respiração do homem voltou ao normal. Endireitou-
se. Não chamou um empregado.
Sebastian piscou com incredulidade quando seu irmão se deixou cair sobre
um joelho ao lado de seu cavalo e desatou sozinho a sela. Antes de que
pudesse lhe oferecer ajuda, seu irmão levantava a cela pesada do animal.
Cambaleou sob o peso e conseguiu apoiar-se em uma parede. Sua respiração
era superficial e ressonava pesadamente no estábulo escuro. Sebastian se
levantou.
— Benedict. Que diabos acha que está fazendo?
Benedict Malheur ficou imóvel no lugar. Por um instante foi como se suas
posições se invertesse. Como se Sebastian fosse o mais velho e Benedict o
jovem que haviam sido pegados em uma travessura. Mas o momento não durou
muito.
— Sebastian, — Benedict fez um último esforço e colocou a sela em seu
lugar – você veio, afinal de contas.
— Vim e encontro você levantando a sela e cavalgando com brio suficiente
para fazer suar um guerreiro...
— Chama-se galopar — Benedict se voltou para seu cavalo. — E só
pararei de galopar quando estiver morto.
Sebastian olhou fixamente para seu irmão. Era tudo que podia fazer, a
menos que optasse por derrubá-lo ao chão e esbofeteá-lo. Coisa que, pensando
bem, não podia fazer.
— Isso não tem graça, — disse.
— Claro que não tem. Não era uma piada.
Sim era. Tudo era uma piada. O mundo inteiro de Sebastian se converteu
em uma brincadeira retorcida. Ele queria recuperar sua vida e, em vez disso,
perdeu Violet, perdia Benedict...
Seu irmão se inclinou com calma e pegou um balde. Ele caminhou para a
porta do estábulo sem olhar para Sebastian e este correu atrás dele.
— Pelo amor de Deus! — Exclamou. Ele agarrou a alça de metal que seu
irmão também segurava. — Bombearei a água, deixe que eu leve.
Puxou o balde, mas seu irmão se negou a soltá-lo.
— Um cavalheiro sempre cuida de sua montaria, — respondeu Benedict.
— Sim, — disse Sebastian, pois isso era algo que seu irmão o ensinou
assim que aprendera a montar. — Mas dadas as circunstâncias...
— Um cavalheiro sempre cuida de sua montaria — repetiu Benedict. —
Por Deus, Sebastian! Se soubesse que fosse agir assim, não teria contado nada
a você.
Como se Sebastian não tivesse adivinhado que algo estava errado pelo
modo como seu irmão ofegava. Mas não foi ali para discutir com Benedict
sobre quem ia tirar a água.
Cruzou os braços e observou seu irmão manobrar a bomba. Os golpes de
Benedict eram irregulares e sua respiração irregular; a água saía em jorros
desiguais, e quando o balde estava pela metade, seu irmão parou um momento.
Virou a cabeça, tossiu e cuspiu no chão. Sebastian viu algo rosado e apertou
os punhos.
— Pare — disse. — Me deixe...
— Não. — Benedict nem sequer o olhou. — Não sou um inválido, sabia?
Sebastian se esforçou para não levantar os olhos ao céu.
— Claro que não é – respondeu com sarcasmo. — Finja que somos
crianças. Você é um cavalheiro e eu sou seu escudeiro. As tarefas que um
escudeiro realizaria são minhas, — tentou de novo tirar o balde de seu irmão.
Mas Benedict se negou a soltá-lo.
— Não sou um cavalheiro — disse entre dentes. — E somos muito velhos
para brincar de fingir que somos outra coisa, – puxou a alça para que
Sebastian a soltasse. — Minha intenção é continuar como se nada tivesse
mudado. Um homem tem sua dignidade, apesar de tudo.
— Oh, dignidade — comentou Sebastian, com uma ligeireza que não
sentia. — É obvio. A dignidade sobre todas as coisas.
Benedict era dez anos mais velho que ele. O seu pai morreu antes que
Sebastian começasse a andar, então ele fizera o papel de pai tão
frequentemente quanto de irmão. Lançou um olhar de advertência para
Sebastian, olhar que este conhecia muito bem, pois o viu frequentemente
quando menino. Em uma ocasião, esse olhar queria dizer: "Não se atreva a
trazer esse cachorrinho para casa". E em outra, seu significado tinha sido:
"Diga a mamãe como esse vaso se quebrou ou eu o farei ".
Sebastian nunca se acovardou facilmente. Desde pequeno fazia caretas a
seu irmão, enrugando o nariz e franzindo a boca. Mas ao final, sempre
ignorara, tanto no referente a vasos quanto aos cachorrinhos. Jamais levara
muito longe a rebeldia. O desafio só era divertido quando as apostas eram
baixas.
Benedict levou o balde ao pátio lateral, onde havia um pequeno aquecedor
contra a parede. Alimentou o fogo, jogou um pouco da água na chaleira e
esperou. Sebastian o seguiu, tentando não provocar.
— Se meu coração se render porque não posso aguentar o peso de uma
sela ou de um balde de água, aceitarei alegremente quando chegar o momento
de partir.
— Continua sem ter graça, — murmurou Sebastian.
— Continua não sendo uma piada.
Não. Benedict não fazia piadas. Sempre fora muito sóbrio e direto. E na
realidade, também era muito fácil tirá-lo do sério. Era o irmão perfeito.
Trabalhava duro, tirava boas notas nos estudos e era muito elogiado por seu
temperamento equânime. Todos o respeitava, incluído Sebastian. Era bom
demais para ser odiado. Possivelmente por isso o destino lhe aplicara uma
brincadeira das mais cruéis.
— Vou morrer — disse com tranquilidade. — Talvez em um mês ou talvez
em um ano – encolheu os ombros. — Mas, por outro lado, pode acontecer com
você também. Pode acontecer com qualquer um.
Sebastian abriu a boca para discutir... e voltou a fechá-la. Convencer seu
irmão de tomar as precauções necessárias era uma batalha para outro dia, um
dia, possivelmente, quando estivessem na presença de um doutor, que pudesse
oferecer um contraponto racional e sóbrio. Hoje tinha coisas mais importantes
para falar.
Benedict tocou a chaleira, controlando a temperatura.
Sebastian se ajoelhou ao lado de seu irmão.
— Ouça, Benedict. Quero falar com você do que acontecerá com Harry.
— Já disse isso a você. Não é necessário que se preocupe por essa carga.
Sei que é ocupado. Irá para sua avó em Northumberland. Ela aceitou recebê-
lo.
Quando Benedict se sentou com seu irmão e contou o que ia acontecer,
Sebastian ficou muito aturdido para assimilar a notícia. Tudo foi muito rápido:
a doença do coração de seu irmão e o modo metódico que Benedict tinha posto
seus assuntos em ordem. Sebastian não pode responder nada, nem mesmo
opinar.
Havia sentido cada polegada da grande brecha que se abriu entre seu irmão
e ele. Não pode dizer: "Não se preocupe. A maior parte do trabalho é Violet
quem faz".
— Harry tem sete anos — comentou com calma. — A senhora Whiteland
veio visitá-lo uma vez em sua vida e esteve contrariada com ele durante toda a
visita. Ele mal a conhece e ela não o quer.
Seu irmão não o olhou.
— Pode ser que não, mas estou certo de que cumprirá com seu dever.
— Deveria ficar comigo, — disse Sebastian.
— Você está ocupado com...
Com as mentiras que Sebastian havia dito ao longo dos anos.
Estendeu a mão e roçou o ombro de seu irmão.
— Não, não estou. Depois do que você me disse no outro dia, vou
renunciar. Só preciso ajeitar algumas coisas, mas... — moveu uma mão no ar.
— É o fim. Nunca deve pensar que estou muito ocupado para você, Benedict.
Ou para o Harry.
Benedict respirou fundo, mas não olhou em sua direção. Pegou a chaleira e
jogou um pouco de água do balde. Misturou a água quente e fria com a mão,
testando a temperatura, como se Sebastian nada tivesse falado. Mas este podia
ver a expressão de seu rosto. Era uma expressão de contrariedade. Sebastian
teve a sensação de que acabava de estragar tudo.
— Harry precisa de uma pessoa forte — falou por fim seu irmão com o
balde de água nas mãos. — Alguém respeitável, — franziu os lábios em um
sorriso, mas não olhou para Sebastian nos olhos. — Você é um padrinho
fantástico, Sebastian. O melhor tio que Harry poderia esperar. Comprará seu
primeiro cavalo e o levará a seu primeiro clube de cavalheiros. Mas um
padrinho não é um pai. E você...
Ele abriu as mãos como se quisesse abranger as dimensões de uma grande
lacuna.
— Sim? — Perguntou Sebastian. — O que tem de errado comigo?
A expressão de seu irmão adotava um ar estranho.
— Não me obrigue a dizer, Sebastian.
— Vamos, Benedict. Não sou tão mau. Nunca gastei mais dinheiro do que
tenho, nem bebo em excesso. Ao menos desde que tinha quinze anos, e isso foi
em seu casamento. Não tive filhos fora que eu me lembre.
— Não foi por não ter tentado, — murmurou seu irmão.
Sebastian sabia que esse não era o momento ideal para informar seu irmão
dos métodos de evitar aquele risco em particular.
— Não consumo ópio, — continuou dizendo — nem maltrato os meus
empregados. Nunca matei um homem, nem tampouco feri gravemente ninguém.
E amo Harry. Você sabe disso. Eu o quero bem.
Seu irmão moveu a cabeça.
— Nos dois seriamos mais felizes se não tivéssemos esta conversa,
Sebastian. Não me force a isso, — levantou-se, pegou o balde e entrou no
estábulo.
Sebastian ficou de pé e o seguiu.
— Sei que tenho meus defeitos, mas...
Seu irmão se endireitou e se voltou para ele.
— Acaba de fazer uma boa lista. Tem razão em uma coisa. Como libertino,
é relativamente benigno. Mas notou que todos os artigos de sua lista são de
coisas que não tem feito? Não bebe em excesso, não tem dívidas. Me diga, o
que deixa você realizado?
Sebastian o olhou fixamente. Fazia tanto tempo que ninguém havia dito
aquilo, tanto tempo que seu parente mais querido não falava para que fizesse
algo com sua vida, que a princípio pensou que tinha entendido mal.
— Como disse? — Perguntou. E então se lembrou que sua maior conquista
também era uma mentira.
Mas Benedict não sabia isso.
— Oh, sim — seu irmão apertou os lábios. — Defende essas suas teorias
tão estranhas. Três quartos das pessoas respeitável da Inglaterra odeiam você.
— A metade, — respondeu Sebastian com um sorriso. — Na realidade,
são só a metade. A julgar por minha correspondência, pode ser que sejam só
quarenta e oito por cento. E desses, só um número pequeno quer me causar
danos físicos. O resto só quer me amordaçar ou me colocar na cadeia.
Benedict franziu a testa, não se deu conta que os últimos comentários eram
uma brincadeira.
— Não tem sentido querer as percentagens exatas. Quantos no país sente
alguma aversão pela avó de Harry?
— A maior parte do país nunca ouviu falar dela.
— Sua má fama não transforma você em um homem recomendável —
declarou Benedict. — Faz anos eu lhe avisei que te causaria problemas, mas
não me escutou.
Para Sebastian aquilo não parecera relevante. O que as pessoas pensavam
não importava em nada? Não se dera conta que seu irmão estava na fila dos
que o desprezavam. Benedict fazia alguns comentários, mas que irmão mais
velho que se preze deixaria passar a oportunidade de fazer comentários
sarcásticos? Mas, por outro lado, Benedict conhecia o homem que Sebastian
se tornou. Era de se surpreender que se deixou enganar pelo papel que
Sebastian interpretou para todos os outros?
— Talvez seja assim — disse este, movendo a cabeça. — Mas eu amo
Harry.
— Eu também — respondeu Benedict. — Mas olhe para os fatos. Seu avô
foi duque. Seu pai foi um rico industrial. Você herdou uma porção importante
quando ele morreu. Não entrou no comércio nem no serviço publico do
governo nem no exército. Nasceu com todas as vantagens, e o que tem feito?
Você se tornou o maior libertino de toda a Inglaterra.
Sebastian apertou os punhos ao lado do corpo, mas se negou a mostrar sua
fúria. Em vez disso, ele tentou com um sorriso.
— Mas ao menos fui superlativo nisso. Isso deve valer para algo.
Benedict fez um gesto de dor.
— Sim, Sebastian — respondeu com calma. — Foi superlativo.
Sebastian se deu conta naquele momento do preço tão alto que tinha
pagado. Benedict seguira os passos de seu pai, assumindo a fábrica e o
comércio que Sebastian ignorou. Era tranquilo, responsável e competente.
Eles se distanciaram tanto quanto podiam distanciar-se dois irmãos. Sabia que
seu irmão estava desiludido com ele, mas sempre acreditara que era uma
desilusão carinhosa, uma desilusão fraternal, o tipo de desilusão que o
impulsionava a pôr a mão no ombro e chamá-lo de incorrigível.
Mas aquilo era desaprovação com uma censura amarga e cruel que lhe
roubaria ao mesmo tempo a seu irmão e sobrinho.
— Você está errado — disse com tranquilidade. — Sou muito mais do que
você acredita.
— Humm.
— Compreendo — prosseguiu Sebastian, antes que seu irmão pudesse lhe
lançar outra lista de queixa, – você pensa assim. Nos últimos anos, no entanto
te dei oportunidade de me conhecer.
— Mais eu te conheço — comentou Benedict. – Eu conheço você muito
bem.
— Não sou como você — disse Sebastian. — Mas acredito que temos
mais em comum do que pensa.
— Oh? — Benedict levantou uma sobrancelha com incredulidade.
— Minhas escolhas impediram você de me ver assim — continuou
Sebastian. — Então acho que devo ser o único a cruzar a brecha. Quer que
faça algo que você entenda? Muito bem. Me dedicarei ao comércio.
Seu irmão suspirou.
— Sebastian, não pode anunciar assim de repente que vai se dedicar ao
comércio. Isso leva anos.
— Humm.
Sebastian não intentava a dedicar sua vida ao comércio, mas tivera uma
ideia, uma ideia que lhe ocorreu uns dias atrás quando leu um artigo no jornal.
Era uma ideia simples, mas era algo que poderiam conversar. Possivelmente
assim poderiam ter uma conversa com base em algo que não fosse mentiras
nem a desaprovação de Benedict.
— Oh, não! — Disse esse. — Conheço essa expressão. Te ocorreu um
plano. Um plano ao estilo Sebastian. Sei como funciona. Me dirá que vai
entrar no comércio quando nós dois sabemos que só será um truque de sua
parte.
— Nada de truques — respondeu Sebastian, que já estava distraído
pensando no que ia fazer. — Nada de armadilhas.
Seu irmão suspirou.
— Nós não precisamos de mais dinheiro. Não quero que você se envolva
em especulação. A última coisa que precisamos agora é ter que me preocupar
com a solvência de meu irmão.
— Não haverá necessidade de se preocupar — Sebastian sorriu para seu
irmão. — Prometo a você que não arriscarei mais de quatro ou cinco mil
libras, quantidade que posso bem me permitir perder – levantou o olhar e
olhou para Benedict nos olhos. — E você é importante para mim. Tem razão,
não é pelo dinheiro. É para ter algo de que possamos conversar.
Seu irmão afastou um passo.
— Meu Deus, Sebastian! Quase acreditei que falava a sério. Quando você
falou a sério?
— Sou sério em relação a você. É a única família que me resta. Harry é...
é o mais próximo que tenho de um filho.
— É difícil de assimilar. Você nunca levou nada a sério — seu irmão
considerou suas palavras. E logo, como Benedict era perfeito e não acreditava
em exageros, acrescentou. — Exceto Violet.
Violet. Pensar nela era para Sebastian como lembrar de um membro
perdido. Outro homem que tivesse olhado nos olhos de Violet em seu último
encontro, tranquilos, imperturbáveis, poderia ter acreditado que os últimos
acontecimentos não a afetaram em nada. Sebastian olhou para suas mãos. Ela
sempre mostrava seus sentimentos nas mãos. Nesse dia as apertava com força,
as torcia com uma angústia que não permitia transparecer em seu rosto.
Sebastian se sentia mal só em pensar no que tinha falado.
Tenho uma lista é claro. E você não está a sua altura. Era verdade, mas
uma verdade retorcida que doía. Ela fingir que não possuía sentimentos não
significava que ele pudesse maltratá-la à vontade.
— Mais que sério – disse. — Você conhece o interesse de Violet pela
botânica. Nunca perdeu uma de minhas conferências. É a única que eu respeito
— aquilo, desgraçadamente, era a amarga verdade. — Pois bem, renunciarei a
isso, mas não renunciarei a você.
Seu irmão o olhou.
— Isso significa muito para mim.
Era um começo. Depois de cinco anos de uma distância cada vez maior,
Sebastian tinha algo a lhe pedir. Seu irmão sorriu, o momento se tornou quase
desconfortável. Antes que se tornasse desconfortável de todo, a porta do
estábulo se abriu de repente.
— Tio Sebastian! — Um menino entrou correndo. — Tio Sebastian! O que
você trouxe para mim?
— Te trazer? — Perguntou Sebastian, se negando a olhar para seu irmão.
— Harry, o que faz você pensar que trouxe algo para você?
— Oh, vamos, tio Sebastian, não zombe...
Harry se deteve bruscamente quando viu seu pai nas sombras.
— Oh, papai! — Exclamou, mais moderado. — Não vi você aí.
Benedict arqueou as sobrancelhas.
— Estragando meu filho, não é, Sebastian? Antes não te pareceu oportuno
mencionar isso, verdade?
— Eu jogaria para perder com Harry? — Era importante não parecer muito
inocente ou Benedict saberia que mentia. Sebastian começava a se parabenizar
por ter encontrado a palavra certa quando seu irmão estendeu a mão.
— Me dê os doces e aqui não aconteceu nada.
Sebastian fez uma careta. Tirou um pacote de doces do bolso da jaqueta e
entregou a seu irmão.
— É disso que estávamos falando? — Disse Benedict. — Isso que você
queria? Exerce um pouco de disciplina. É um menino, não um cachorrinho, e
não quero que o estrague.
— Ah, papai! — Harry olhou de um para outro. — Espere, o que tio
Sebastian fez? Era algo para mim? Vai me levar a essa pescaria que
mencionou da última vez que esteve aqui? É isso?
— Pode pegar um doce depois de jantar — declarou Benedict com
firmeza, trocando de mão o pacote que Sebastian tinha entregado a ele. — Se
você se comportar.
— Sim, senhor — Harry mordeu o lábio inferior. — Mas do que vocês
estavam falando?
— Comportar-se bem significa não fazer perguntas — disse Benedict.
Sebastian achava que aquela era uma regra muito aborrecida, mas não
disse nada. Provavelmente pensaria de outro modo se tivesse que suportar
todo o dia as perguntas incessantes de Harry.
Olhou para o menino.
— Sabe...? — Sabe que seu pai está morrendo?
— Não — disse Benedict com calma. — Acredito que não poderá ensinar
um menino a montar a cavalo até que seja capaz de compreender os perigos.
— Posso mostrar o ninho de corujas a tio Sebastian? — Perguntou Harry.
— Claro que sim — Benedict olhou para Sebastian. — Mas lembre-se do
que conversamos. Verei você em casa.
Sebastian seguiu seu sobrinho para fora do estábulo. A única coisa que
precisava fazer era encontrar-se com Benedict em seu próprio terreno. Provar
que era mais do que seu irmão tinha visto nele. E quando fizesse isso... Olhou
para Harry. Quando tivesse conseguido isso, ele pensaria no que fazer.
— Essas corujas são ferozes? – Ele perguntou a seu sobrinho enquanto
trotavam pelo prado. — Corujas grandes como dragões, com garras grossas e
bicos afiados? A rainha nos enviou para que as julguemos por seus crimes?
— Sim — assentiu Harry com alegria. — São... — deteve-se. — Oh, não.
Eu não posso. Isso... É fingir, certo? Papai disse que já sou muito grande para
fingir que algo é o que não é.
Em outro momento Sebastian teria desprezado aquele conceito. Na
verdade, teria mencionado que tinha outro pacote de doces no bolso da jaqueta
e que só os melhores caçadores de corujas do país recebiam os Doces
Varinhas dos Confeitos como prêmio quando derrotavam um ninho dos
Venenosos Ursos do Pluma.
Mas Benedict não gostaria disso.
— Sim — disse com pesar. — É fingir. E se disser que é velho demais
para isso...
Baixou o olhar para a cabeça de seu sobrinho, para o redemoinho que não
se deixava domar e fazia com que o cabelo de Harry ficasse em pé por muito
que ele tentasse abaixá-lo. Sebastian o alvoroçou com força, até que as
mechas castanhas se sobressaíram como uma aureola na cabeça de seu
sobrinho.
— Vamos ver as corujas.

TINHAM SE PASSADO DUAS SEMANAS desde o último encontro de


Violet com Sebastian, e acreditava que o tempo ajudasse a aliviar a dor de
suas palavras. Não sabia como, mas conseguira fingir que não aconteceu nada
fora do comum e se dedicou a suas tarefas diárias como se ele não tivesse
aberto um grande buraco em sua vida. Mas a rotina não ajudava, só ela
lembrava de tudo o que perdera.
Uma prova de sua inquietação era que acabara de renunciar a tudo e tinha
ido para a casa confortável em Mayfair. Por fora se parecia com qualquer
outra residência nobre: pintura branca, orlas negras e flores em jardineiras nas
janelas frontais. Quando Violet entrou, encontrou-se com o habitual vestíbulo
de mármore e o mesmo móvel da entrada formal de outros lugares. Mas
também havia um pequeno exército de soldadinhos de chumbo acampados nos
largos degraus que levavam ao primeiro andar, abandonados por seus generais
no meio dos preparativos para o combate.
Algumas famílias achavam que as crianças tinham que ser vistas e não
ouvidas. Mas a irmã de Violet tinha muitos filhos para fazer outra coisa que
não fosse contemplar com olhar abatido para esse tipo de regras. A casa de
Lily ressonava com os gritos de crianças brincando.
Muitas crianças.
Violet tirou o casaco e as luvas e esperou. Lily sempre tirava tempo para
visitar sua irmã por mais desastres que estivessem causando seus filhos em
casa.
Violet não estava segura de que Lily a amasse, pois sua família não falava
dessas coisas e era muito difícil para ela. Mas Violet sim amava sua irmã e
Lily precisava dela. E finalmente, para alguém como ela, isso significava a
mesma coisa. Quando Violet precisava de algo, ia até sua irmã.
Depois de semanas tentando esquecer as palavras de Sebastian, semanas
olhando plantas que germinaram quando Sebastian estava a seu lado, ela
precisava de alguém para consolar.
Pensar em Sebastian ainda doía como se entornasse água fervendo em seu
peito. Duas semanas e ainda ardia lembrar o que ele havia dito. Tenho uma
lista é claro. E você não está a sua altura. Respirou fundo e afastou o olhar
enquanto esperava que a dor fosse embora. Não foi, então entregou suas coisas
ao criado.
— Por favor, diga à marquesa que estou aqui — disse.
— É obvio, senhora — o homem lhe fez uma pequena reverência. — Se me
permite levá-la ao...
— Espera! — Gritou alguém da escada.
Violet levantou o olhar e viu sua sobrinha mais velha, que a saudava
agitando a mão no ar como uma louca. Amanda desceu as escadas correndo,
esquivando das filas de soldadinhos de chumbo com ar brincalhão que a fazia
parecer ainda mais bonita. Uma jovem de dezessete anos não podia ser outra
coisa que bonita. Amanda era sorridente e exuberante, um pouco predisposta a
acreditar que a vida não lhe ofereceria algo que não fosse o melhor.
Violet esperava que tivesse razão.
— Tia Violet — sua sobrinha chegou a seu lado sem fôlego e a agarrou
pelo braço. — Graças a Deus que está aqui! Tenho que falar com você.
Violet olhou os dedos de sua sobrinha sobre a manga de seu vestido. Sabia
que era uma mulher formidável. Muita gente tinha medo dela. Não a tocava
nem a abraçava. E certamente, não lhe agarrava o braço com tanta
familiaridade. Mas se alegrava muito de que alguém o fizesse. Respirou fundo
e acariciou a mão de Amanda com os dedos.
— Do que se trata? — Perguntou.
— Tenho que falar com você — repetiu Amanda, olhando para a parte alta
das escadas. Mordendo o lábio olhou para o empregado que tinha aberto a
porta. — Billings, vá ver mamãe e lhe diga que tia Violet chegou — não olhou
para a sua tia. — Mas, por favor, me faça o favor de caminhar muito, muito,
muito devagar.
Billings se voltou e pôs-se a andar para as escadas com passo majestoso.
— Mais devagar — sugeriu Amanda. E o homem afrouxou o passo.
— Vêm — disse Amanda.
Nem sequer a testa franzida de Violet tinha servido para desencorajar sua
sobrinha, que a segurou pelo braço e a levou até o salão da frente.
A sala, como sempre, era quente e acolhedora. As grossas cortinas laterais
tinham sido retiradas e apenas cortinas de gaze cobriam as janelas, deixando
entrar a luz do sol e permitindo que do outro lado delas se visse uma praça
ladeadas de casas luxuosas. Os móveis eram creme e ouro, as cores do sol no
começo da primavera. Os quadros nas paredes sugeriam um novo crescimento:
flores, folhas verdes da maçã e campos de gramas até o tornozelo.
Mas era quase junho e, independentemente das mentiras que contassem as
paredes, a sala estava muito quente. Amanda assinalou um sofá para Violet e
se sentou com graça em uma poltrona em frente a ela. Mas em vez de falar,
brincou com os polegares. Fosse o que fosse o que Amanda tinha em mente,
Violet começou a conversa.
— Como está indo nessa temporada? — Perguntou.
Era difícil de acreditar que sua sobrinha tivesse sido apresentada a
sociedade. Isso significava que Violet era bastante velha para ter uma sobrinha
em idade de se casar. Mas Lily, poucos anos mais velha que Violet, casou-se
aos dezessete e tinha conseguido ter a sua primogênita antes de um ano.
Na idade de Amanda, Violet também fora empurrada para a agitação das
festas e bailes.
Para ela foi terrível, mas provavelmente para sua sobrinha iria ser melhor.
Para começar, Amanda não era tão estranha como ela tinha sido. O homem que
seria seu marido iria querer mais de uma coisa dela.
Violet cruzou suas mãos sobre o colo no sofá do salão principal de sua
irmã e tentou não se mover com nervosismo. As almofadas eram muito fofas e
teve que esforçar-se para endireitar as costas e não se encurvar.
Sua sobrinha, sentada na sua frente, examinava com atenção o tecido
bordado de seus punhos.
— Vamos Amanda — respirou Violet. — Sente-se reta e fale comigo.
Amanda levantou a cabeça. Mostrava um sorriso gentil nos lábios e olhos
grandes e inocentes.
— Minha temporada, — disse e sua voz soava como o som de alegres
campainhas – está uma maravilha.
Provavelmente era assim... se ela fosse boa em mentir. Violet franziu a
testa.
— Oh?
— Na verdade sim — continuou Amanda. — Mamãe acredita que um
conde vai pedir minha mão. Você imagina? Eu uma condessa?
Qualquer outra pessoa veria nela uma garota tola, com estrelas nos olhos
pelo sucesso de sua primeira temporada e deslumbrada pela possibilidade de
receber uma oferta de um dos nobres da Inglaterra.
Violet estremeceu, imaginando Amanda como o tipo de condessa que ela se
tornou. Fria como a pedra, sem possibilidades de ser outra coisa.
— Só é um pouco mais velho que eu — continuou sua sobrinha. — E
bonito. E... — Interrompeu-se, com os olhos fixos na distância. — E...
E ali acabavam suas virtudes. Violet esperou, mas não chegou nada mais.
— Sua avó não te ensinou nada? — Perguntou por fim — Se quiser que
alguém acredite que você gosta da ideia desse casamento, terá que encontrar
melhores elogios para seu futuro marido que "não é velho" e "é razoavelmente
atraente". Sugiro que diga "amável" ou "romântico".
Amanda fez beicinho, mas não perdeu aquele ar de falsa inocência.
— Está bem. Vou tentar novamente. Tem minha idade. É atraente, amável e
terrivelmente romântico. Você sabe todas as vantagens que terei quando me
tornar uma condessa.
Violet captou um sabor de vinagre em sua língua.
— Sei.
— Quando me casar com ele, vou amá-lo, certo?
Violet sabia que sua sobrinha queria que dissesse: "Sim, você o amará.
Claro que sim". Ou possivelmente aceitasse também a resposta mais cautelosa
"É provável".
— Pode acontecer, — disse por fim. — Meu marido me amava. Você é
uma pessoa carinhosa. Os primeiros meses de casamento são muito íntimos.
Aproxima as pessoas, embora não estejam nesse ponto quando se casam.
Amanda assentiu lentamente, pensando naquilo.
O que importava de verdade era o que acontecia depois daqueles
primeiros meses.
— Conheço gente que entrou em um casamento sem amor e o encontrou
depois — disse Violet. — Outras pessoas que se casaram por amor e ambos
se odiavam ao término de um ano. E tive uma amiga que não amava seu marido
quando se casou com ele, se convenceu de que o amava nos primeiros meses.
E...
— E o que? — Perguntou Amanda.
— E logo se deu conta de que estava errada — terminou Violet com
rigidez. — Se tiver algum desejo de independência, um marido o cortará. Lhe
dará as regras e você as cumprirá. Se ele o quiser, pode controlar a seus
amigos, seus hobbies, seu lazer. Alguns maridos querem moldar você e
transformá-la em outra pessoa e não se importa se não é feita de mármore ou
de barro, ele vai pressionar e pressionar e, se não se dobrar para ele, fará
você sentir a pessoa mais baixa e egoísta do mundo.
Amanda levou uma mão aos lábios.
— Isso foi o que aconteceu com você?
— Tolices — respondeu Violet com brutalidade. – Como já lhe disse.
Estou falando de uma amiga.
Amanda engoliu em seco.
— Mas você não se dobrou, tia Violet. Não é?
Violet levantou o olhar.
— Não estamos falando de mim.
— Oh, muito bem. Pois sua amiga não se dobrou, certo?
Violet se sentou muito reta e se obrigou a olhar a sua sobrinha nos olhos.
— Ela não era feita de um material que pudesse quebrar. Mas embora
alguns não se partam em dois, se pressionar o suficiente, todo mundo começa a
se desgastar nas bordas. Como migalhas de um bolo. Todos somos feitos de
um material frágil.
Amanda escutou aquilo em silêncio.
— Sou feita de um material que pode se quebrar — disse por fim. — Eu
me quebraria. Já estou me quebrando. Só tenho que ouvir mamãe perguntar o
que esse homem tem de errado e, quando não tenho resposta, quando digo que
é um homem agradável mais que não quero casar com ele, então...
A porta se abriu e entrou a irmã de Violet.
Quando eram mais jovens, as pessoas estavam acostumadas dizer que
Violet e Lily pareciam iguais, que eram gêmeas apesar de dois anos de
diferença. Todas aquelas pessoas eram idiotas. Lily era obviamente muito
mais bonita. Seu cabelo era castanho brilhante e suas bochechas arredondadas
e com covinhas. Sempre sorria, sempre era uma delícia estar com ela. Quando
viu Violet, ela se iluminou. Cruzou a sala e, antes que Violet pudesse dizer
alguma coisa, pegou suas mãos e levantou-as.
— Estou feliz em vê-la — disse.
Violet não a abraçava, quase ninguém no mundo o fazia. Mas Lily lhe deu
um abraço tão forte que Violet quase cambaleou. Foi uma sensação muito
agradável. E, entretanto, quando levantou a mão alguns centímetros para dar
um tapinha nas costas de sua irmã, sentiu-se tão mal que deixou os dedos
perdurar no ar um momento e em seguida os abaixou lentamente.
Lily se afastou.
— Violet – disse. – Sinto tantas saudades sua. Você é a única pessoa,
literalmente a única pessoa no mundo, que pode compreender o que estou
passando neste momento. Preciso de seu conselho, sua ajuda.
— Compreendo — respondeu Violet.
Graças a Deus que Lily sempre precisava dela. Violet a amava por isso.
Lily possuía tudo o que pudesse desejar uma mulher decente: um marido que a
adorava, uma vida cheia com as coisas que mais queria, e um monte de
crianças. E, no entanto, precisava de Violet. E isso fazia que essa se sentisse
quase adorável.
— Sim, — sua irmã a apontou com o dedo brincando. — Você
compreende. Sempre o fez. Desde que nasceu, sabe exatamente o que preciso.
É surpreendente.
Violet deixou passar aquilo sem comentário.
— Você vê, é... — Lily se deteve na metade da frase e se voltou. —
Amanda Louise Ellisford, posso saber o que você faz aqui no salão?
Amanda arregalou os olhos em uma expressão perfeita de inocência.
— Só estava fazendo companhia à tia Violet até que você chegasse, nada
mais. Só estou sendo educada.
Seu tom despreocupado enganou sua mãe tanto quanto tinha enganado a
Violet. Lily ficou com as mãos na cintura.
— Você pensou que sua tia Violet iria te oferecer compreensão e dizer
palavras amáveis?
— A tia Violet palavras amáveis? Claro que não, mas... — Amanda se
interrompeu.
— É uma garota muito tola — disse sua mãe, — mas estou segura de que
Violet a fará entrar em razão. Violet sempre fala com sensatez. E agora deixe
de chorar pelos cantos e comece a se sentir orgulhosa do que conseguiu. Vai
ser uma condessa.
— Sim, mãe.
— E não use esse tom comigo — Lily levantou um dedo. – Não preciso
ouvir você bufar para saber que está bufando por dentro.
— Sim, mãe. — Daquela vez o tom de Amanda soou mais dócil.
— Bem. Agora me deixe falar com sua tia sem que nenhum de seus irmãos
nos interrompa, e quando terminarmos, deixarei você ir dar um passeio pelo
parque com sua tia. Deixarei vocês sozinhas. Parece justo para você?
O rosto de Amanda se iluminou.
— Sim, mãe — disse. E essa frase foi a mais respeitosa que tinha
pronunciado até o momento. Fez uma pequena reverência e saiu da sala.
Lily a observou sair com um sorriso.
— Essa garota! — Balançou um pouco a cabeça. — Essa garota acabará
comigo, — mas havia orgulho em seu sorriso e um brilho de satisfação em
seus olhos. — Acabará cedendo, – se voltou para Violet — Minha querida,
preciso de sua ajuda. Preciso desesperadamente.
Para Lily sempre era tudo desesperado. Sempre fora. Embora fosse a mais
velha, Violet tinha frequentemente a sensação de estar sempre atrás de sua
irmã tentando suavizar as coisas. Entre elas acontecia isso. Às pessoas
gostavam de Lily e, enquanto ela estava ocupada, Violet era a que conseguia
fazer coisas.
Isso nunca tinha incomodado ela. Gostava de ter coisas para fazer e não
teria conhecido melhor às pessoas se sua irmã não estivesse ali. Simplesmente
a teriam ignorado.
Ela tentou adotar uma expressão de mulher útil.
Claramente não deu resultado, pois Lily soltou um suspiro exasperado.
— Por favor, me escute. Dessa vez é sério.
— Estou escutando você, — respondeu Violet.
— Como posso dizer — Lily balançou a cabeça. — Trata-se de nossa mãe.
Está tentando fazer com Amanda o que nos fez.
Violet piscou incerta.
— Já sabe como foi aquilo — Lily estendeu o braço e lhe tocou a manga.
— Depois de meu casamento, levei anos para confiar em Thomas, confiar nele
plenamente como deve fazer uma esposa. Estava tão saturada das regras de
nossa mãe, pelo o que podia dizer e o que não podia dizer, que se não fosse
pelo amor e a paciência inquebráveis de Thomas... – desviou o olhar para o
tapete, para afastar de si aquele futuro deprimente que não aconteceu. — Não,
– murmurou. — Não posso deixar que faça isso com Amanda agora. Já nos
machucou bastante. E graças a Deus você e eu nos recuperamos.
Fale por você, pensou Violet. Ela não se sentia prejudicada pelas regras
de sua mãe. Precisava delas desesperadamente. Mas, por outro lado, era
porque ela, Violet, tinha aprendido a lições sobre como se esconder do mundo.
Lily sempre foi querida por todo mundo tal como era; ela não necessitava
fingir.
Violet a olhou. Lily tinha olhos grandes, o cabelo castanho perfeitamente
arrumado, seu rosto era uma versão mais suave de Violet, com um pouco
menos de nariz e um pouco mais de lábios. Também possuía brilho nos olhos e
menos rugas de expressão. Tudo isso a fazia bonita, algo que Violet nunca
conseguira ser. Isso também a tornava suave, e Violet nunca tinha sido suave.
Estava cheia de ângulos, era dura como uma clava.
— Sabe? — Comentou Violet. — Nossa mãe tinha razão para agir desse
modo.
Lily segurou a mão dela.
— Esses rumores morreram a muito tempo. Essas mentiras já não podem
fazer mal a meus filhos agora.
Violet afastou o olhar. Não foram rumores, tinha sido um escândalo. Um
escândalo que podia ter destruídos a todas.
— Mentiras? — Perguntou com suavidade — Que mentiras?
Lily agitou uma mão no ar com impaciência.
— Sim, sim, já sei. Nunca admita as coisas que podem te causar danos.
Violet não se referia às regras de sua mãe.
Mas Lily emitiu um som exasperado.
— Somos família. E eu sei que você pensa como eu. O que nossa mãe nos
fez, o que fez de nós, foi insuportável. Nos tornou desconfiadas. Nos
endureceu sem nenhum motivo.
Santo Deus! Lily acreditava naquilo de verdade. Algum dia entenderia a
quão desesperadora fora a situação? Os rumores começaram quando veio à
tona os relatório do juiz instrutor, aquelas palavras de "provável acidente".
Violet as escutara ao lado do caixão de seu pai. Estivera parada ali, com
quatorze anos, sentindo-se desajeitada e atrapalhada, levantando o nariz
porque não sabia outro modo de evitar o choro. Segurava à mão enluvada de
sua mãe e sentiu um aperto forte dessa.
No dia seguinte, sua mãe se sentou com Lily e com ela na hora do café da
manhã.
— Estou escrevendo um livro, — tinha anunciado. — Um livro de bom
comportamento, e vocês duas serão um exemplo de meus ensinamentos.
Lily e Violet se olharam confusas e angustiadas.
— Haverá muitas regras – havia lhes dito sua mãe. — Regras públicas, no
Guia que aparecerão na imprensa, e regras privadas, que são as que mais terão
que respeitar.
Naquele momento, Violet não entendeu nada. Tinha começado as lições de
sua mãe com muita perplexidade.
"Uma dama jamais admite um insulto". Aquela era uma regra pública, que
sairia depois publicada no Guia da Boa Conduta das Damas. Mas o Guia
Oculto, que foi como Lily e ela haviam batizado à série de regras privadas que
sua mãe tinha lhes dado, era mais explícita.
"Uma dama jamais admite um insulto, mas jamais o esquece. Ela o devolve
não importa quanto tempo leve ".
"Uma dama nunca mente", proclamava alegremente o Guia. "Sua
sinceridade é o seu bem mais precioso ".
"Uma dama nunca é pega em uma mentira", argumentava o Guia Oculto,
"mas há seis coisas sobre as quais devem mentir todas as damas".
"Uma dama compartilha sua boa fortuna", ensinava o Guia. Mas o Guia
Oculto explicava: "Uma dama protege o que é seu, e não deixa que ninguém
lhe tire um pedaço".
Sua mãe tinha imposto aquelas regras às duas irmãs com o passar dos anos
de luto. Ninguém nunca tomava conhecimento das mentiras que contavam
porque nunca as tinham pego.
E quando saia à sociedade, o assunto era o Guia para o comportamento das
damas, que sua mãe acabava de publicar e não a questão do suicídio de seu
pai. Sua mãe era uma mulher inteligente. Fazia que todo mundo visse pistas
falsas em suas filhas e ensinava a elas a esconder o que ninguém tinha
permissão para olhar.
Elas eram perfeitas mentirosas, que mentiam com seu sorriso e com seu
comportamento irrepreensível.
Lily podia considerar aquilo horrível, mas Violet via aquele treinamento
pelo que passara, necessário. Lily nunca tinha perdoado sua mãe e Violet a
admirava.
Quando criança nunca imaginou a tristeza de sua mãe. Jamais tinha pensado
quanto era doído para ela sorrir diante das piores indiretas. Agora reconhecia
isso. Sua mãe levantara a cabeça e tinha seguido seu caminho se negando a
permitir que nem sua dor nem o "provável acidente" de seu marido
prejudicaria o futuro de suas filhas.
— É completamente desnecessário — disse Lily. — Cada vez que Amanda
vai visitar nossa mãe, ela começa a ameaçar com as regras. Com todas as
regras. Está ensinando a minha filha as regras sobre as quais todas as damas
devem mentir — levantou as mãos para o céu. — Nunca é aceitável mentir.
Nunca se sabe quando pode explodir um escândalo e é melhor estar preparada.
Você já ouviu alguma coisa mais irracional? Que tipo de escândalo espera?
Violet tentou fingir ignorância, balançou a cabeça com uma expressão que
esperava que fosse passar por uma confusão amistosa. Mas sua mente já corria
a diante da de sua irmã. Tinha escrito dezenas de ensaios falando sobre a
herança genética, e, portanto, de relações sexuais, em termos francos e claros.
Pensou no ensaio que foi publicado explicando os hábitos reprodutivos da
mariposa, na incidência relativa das cores de várias mariposas do começo da
Revolução Industrial e no que tinha a ver tudo isso com as ideias evolutivas de
Darwin. Pensou nas pessoas que ia às conferências de Sebastian agitando
cartazes e gritando insultos e imaginou se fosse ela.
Lixo, tinha sussurrado a mulher atrás dela. Asqueroso devasso.
Em teoria, sua mãe não sabia nada disso. Na prática, Violet nunca foi tola
o suficiente para apostar contra sua mãe. Era evidente que precisava ter uma
conversa com ela.
Lily, ignorante dos pensamentos de Violet, balançou a cabeça.
— Isso foi o que eu pensei. Não há nenhum escândalo. A menos que você
esteja escondendo alguma coisa suculenta.
Há seis coisas sobre as quais toda dama deve mentir.
Violet deu um sorriso caloroso para sua irmã, o mais caloroso que pôde.
— Santo Deus — ouviu-se dizer com palavras orgulhosas e rígidas. —
Quando foi que escondi algo de você?
— Bom — respondeu Lily com astúcia. – É o senhor Malheur?
Violet piscou, com medo de dizer algo.
— Sua reputação com as mulheres? — Lily lhe deu uma cotovelada
brincalhona. – Você não está ciente disso? Não me diga que finalmente você
desistiu.
— Oh! — Violet respirou fundo, — isso. Lily, você sabe que só somos
velhos amigos de infância.
Já não somos nem isso.
Lily sorriu e lhe pôs uma mão no pulso.
— Estou brincando, querida. Pois é claro que sei que você jamais teria
algo com ele nesse sentido — piscou para Violet. — É tão horrível, com todas
essas conferências terríveis que dá! Se algum dia fosse tão egoísta para se
render a suas artimanhas, você teria que cortar o mal pela raiz — começou a
rir.
Violet olhou para sua irmã, escutou uma risada que não era alegre, mas sim
bem reprovável no tom, e compreendeu que Lily não brincava. Aquilo fora
uma advertência, não uma brincadeira. Engoliu em seco com força.
Por isso Lily nunca tinha entendido sua mãe. Sua mãe sabia o que era
carregar um escândalo no coração e que a verdade a tornaria eternamente
pobre. Lily nunca entendeu isso.
— Converse com nossa mãe, então — disse Lily. – Tente convencê-la a
deixar de encher a cabeça de Amanda com tolices. Nunca me escuta, mas
você...
— Isso é porque eu a compreendo — assinalou Violet.
— Sim — comentou Lily com desdém. — Você é difícil, como ela.
Meticulosa, difícil de entender — falava como se aquilo fosse um fato
estabelecido, algo que todo mundo estava de acordo. — Poderia falar com
Amanda? Ela colocou algo na cabeça, uma ideia ridícula. Ela te escuta.
— Mais que tola ela é — murmurou Violet.
Lily suspirou e lhe deu uma palmada no ombro.
— Por favor. Você é minha única esperança.
— Humm — murmurou Violet.
Mas Lily a conhecia muito bem. Era bom sentir-se necessária, embora só
fosse para algo tão trivial.
— Conversarei com as duas — disse Violet.
E se essa tarefa não a fizesse esquecer as palavras que Sebastian havia
dito e que continuava dando voltas em sua cabeça nos momentos mais
inoportunos... Tenho uma lista é claro. E você não está a sua altura, nada o
faria.
CAPÍTULO 4

— ME CONTE SOBRE ESSE PRETENDENTE com o qual não quer se


casar — disse Violet.
Fazia meia hora que se despediu de sua irmã. No parque fazia calor e o
chapéu de palha protegia seu rosto do sol. No entanto, não havia outro lugar
que pudessem conversar sem interrupções. Amanda tinha sete irmãos e três
irmãs, a privacidade era bem escassa em sua casa.
A garota ruborizou.
— Eu não disse que não queira...
— Por Deus! — Exclamou Violet. — Se não pudermos conversar
claramente, nunca chegaremos a nenhum lugar. Ignore de uma vez o conselho
de sua avó. Venha até aqui e fale baixinho.
Amanda se aproximou mais. Mas enrugou o nariz. Olhou para Violet e
depois se endireitou e afastou o olhar.
— Oh, vamos — suspirou sua tia. – Ajudarei você a começar. Comece
assim: "Eu não o amo".
— É pior que isso.
— Está apaixonada pelo rapaz do estábulo.
Amanda sorriu.
— Não. Tem doze anos.
— Nesse caso, não pode ser tão horrível. Não está apaixonada por um
menino que trabalha para sua família. Pode me dizer.
Amanda fez uma careta.
— Fui visitar a casa de minha amiga Sarah. Se casou faz dois meses, sabe?
Contou-me o que ocorre quando as mulheres se casam.
— Oh? — Violet sentiu um nó no estômago. Fazer um favor para Lily era
uma coisa. Mas se negava redondamente a ter com sua sobrinha a conversa de
"os pênis não são tão ruins e, de fato, há muitas mulheres que gostam dele" no
meio do Hyde Park.
— Até onde fiquei sabendo, — continuou sua sobrinha — você tem que
planejar o menu, supervisionar os criados e sair para visitas – sussurrou. –
Isso é tudo em uma vida de casada.
Graças a Deus! Não era a conversa dos pênis.
— Isso parece aborrecido — gemeu Amanda. Olhou a sua tia. – Não é que
você seja aborrecida. Nem minha mãe. É só...
Violet cruzou as mãos.
— Há organizações de caridade. Pode trabalhar de voluntária.
Amanda respirou fundo.
— Fazer caridade é muito bom, mas as organizações para damas nobres
parecem particularmente inúteis. Não tem sentido passar quatro horas por dia
se reunindo com outras mulheres para tecer meias para os pobres,
especialmente quando deve pagar três xelins à uma Associação por um chá
quando você mesma pode fazê-lo — fez uma careta de desprezo. — Se
juntássemos todo esse dinheiro e os usássemos para pagar as mulheres que
fizessem esse trabalho, daríamos trabalho a alguns pobres e teriam melhores
meias do que as que fizéssemos.
Violet olhou para sua sobrinha.
— Agora entendo por que sua mãe enviou você para conversar comigo —
comentou com secura. — É lógico.
Lily parecia ter a opinião de que Violet favorecia a instituição do
casamento. Não era ruim para pessoas como sua irmã. Mas Lily tinha sido a
culpada por Violet ter se casado tão bem. Ninguém teria notado Violet, a feia e
pouco interessante Violet, a não ser pela incrível beleza de sua irmã. Para um
conde velho, a presente sexualidade de Violet tinha prevalecido sobre todo o
resto.
— É uma grande perda de tempo — disse Amanda. — O casamento me
parece uma grande perda de tempo. Por que uma mulher se sujeita a isso?
— Porque não pode pensar em nada melhor para fazer com ela mesma? —
Perguntou Violet secamente. — A maioria das pessoas se casam por isso.
— Essa é uma razão terrível.
— O sistema é terrível. Vai se acostumando.
Amanda suspirou e afastou o olhar.
— Há! O que preciso é de uma distração para minha mãe. Algo para fazer
por agora até que me ocorra uma ideia melhor.
Na cabeça de Violet começou a soar sinos de alarme. Suspeitava que Lily
não gostaria nada daquela virada na conversa.
— Você iria comigo a América? — Perguntou Amanda com doçura.
— Não.
— A França?
— Talvez, mas não o suficiente para evitar o assunto de seu casamento.
— Tia Violet, você é minha única esperança.
Lily tinha falado o mesmo. Violet suspirou e olhou para o outro lado do
lago.
— Pensarei — disse. E continuou a fazer justamente isso.
Lily queria que convencesse Amanda a se casar. Amanda queria que a
levasse dali. E a mãe de Violet sem dúvida tinha também uma agenda própria
independente de tudo isso, uma agenda que Violet estava com medo de saber.
Não conseguia se ver mentindo para sua sobrinha. Amanda jamais a
perdoaria. Mas tampouco podia se ver dizendo a verdade. Você pode fazer
muitas coisas caso se casar. Só se certifique de que sua avó negocie um
acordo excelente, confie que seu marido ira morrer em seguida e depois
encontre alguém que leve todo o mérito que você deveria estar obtendo.
Santo Deus, que desastre!
Havia um cavalheiro no meio do caminho, Violet estava perdida em seus
pensamentos e quase não o viu. Ela se afastou e puxou Amanda.
Então uma voz a tirou de seu devaneio.
— Ei, bom dia para você também — a voz era familiar, muito familiar.
Violet levantou o olhar e se encontrou com uns olhos escuros que a
observavam com incredulidade.
Um encontro casual com Sebastian teria lhe arrancado sorrisos em outra
ocasião. Mas naquele dia doeu vê-lo. Isso a fazia se lembrar das palavras que
ele havia dito dois meses atrás. Balançou a cabeça e afastou o olhar.
Aquela lembrança ainda a cortava como faca.
Ele a olhava com uma sombra de sorriso nos lábios. Sebastian sorria quase
sempre. Isso podia confundir a quem não o conhecesse bem, mas Violet sabia
exatamente que tipo de sorriso era aquele. No rosto de outro homem poderia
ter sido um esgar, como se acabasse de captar um aroma desagradável e não
queria envergonhar ninguém dizendo que alguém tinha expulso gases.
— Desculpe-me — respondeu ela, alisando a saia. — Aconteceu algo?
— Realmente ia passar ao meu lado sem se incomodar em dizer um olá?
— Perguntou ele.
Violet engoliu em seco.
— Eu não o tinha visto, senhor.
O sorriso dele não vacilou, mas seus olhos soltaram faíscas.
— Oh, não me viu, hein? É assim que vamos conduzir isso?
— Não, falo sério. Não tinha visto você — Violet esfregou os olhos. E por
que se sentia tão arrependida, quando fora ele quem havia dito aquelas coisas
horríveis? Lhe havia dito que não estava a sua altura. — Não o vi literalmente.
Estava pensando em outra coisa. Acredito que não teria visto nem à rainha
mesmo que tivesse passado por aqui dançando com uma zebra. — Ele franziu
os lábios com verdadeira alegria, embora relutante. — Além disso —
comentou Violet, com toda a lógica que pôde, — estou com minha sobrinha. É
sua primeira temporada e tenho que proteger sua reputação. Não devo
apresentá-la a você.
Amanda estava a seu lado e olhava para Sebastian com curiosidade.
— Muito bem — respondeu Sebastian. — Não haverá apresentações. Você
deve ser lady Amanda.
Amanda começou a fazer uma reverência, até que Violet a agarrou pelo
braço e negou com a cabeça.
— Não nos apresentamos — disse Sebastian. — Você não me conhece. E
certamente, a pessoa a quem não conheceu é o senhor Sebastian Malheur.
Amanda soltou um suspiro e deu um passo para trás.
— Tia Violet! Você o conhece?
Violet bufou.
— Eu e sua mãe o conhecemos. Nos duas o conhecemos muito bem.
Cresceu em uma casa a um quilômetro da casa onde sua mãe e eu crescemos.
— Não precisa ter medo — disse Sebastian à garota. – Não tentarei
seduzi-la aqui.
Violet notou que sua cabeça começava a doer em forma de pequenos
alfinetes que se cravavam em sua testa.
— Sebastian, não pode falar de sedução para a minha sobrinha solteira.
Outro homem teria ruborizado e teria pedido desculpas. Mas Sebastian se
limitou a lançar um sorriso arrogante e uma piscadela.
— Não estava falando de sedução – replicou. — Falava da não sedução,
ao qual, como serei forçado a admitir, é o contrário da sedução.
— Isso é enganoso — respondeu Violet. — Se eu lhe pedisse que não
falasse de elefantes então você sairia por aí falando de não elefantes, os
elefantes seriam mencionados em todas as frases. A coluna de todas as coisas
que não são elefantes inclui canguru, caninos...
— A coluna de tudo o que não é elefante não inclui não elefantes? —
Perguntou ele com ar inocente examinando as unhas. — Isso é anti-intuitivo.
— A coluna de temas da conversa, — enfatizou Violet — que não estão
relacionadas com os elefantes não inclui uma discussão sobre buracos em
forma de elefante na conversa.
Amanda os olhava com expressão perplexa. — Céus! — Disse para
Sebastian com admiração. — Isso foi muito bom. Distraiu à tia Violet
empurrando-a a uma conversa informal sem nem sequer mover um dedo.
Violet suspirou e lembrou de repente que estavam de pé em uma trilha no
meio do Hyde Park.
— Eu não mereço esse crédito — respondeu Sebastian — É que toda essa
conversa adquiriu forma de um elefante. Começou com elefantes, continuou
com elefantes e há elefantes por toda parte.
— Grandes elefantes — assentiu Violet.
Sebastian assentiu com seriedade fingida.
— Todos meus elefantes são grandes.
— Sebastian — repreendeu Violet. Mas ao menos aquilo não era uma
referência direta à sedução. — Não pode, não podemos..., — mas não sabia
como terminar a frase. Não pode tentar me enrolar para que me esqueça do
que disse. — Vou explodir em uma nuvem de pó e desespero — murmurou.
— Não faça isso — Sebastian a olhou com preocupação fingida. — Está
um dia lindo e eu não gostaria que nada estragasse esse clima.
Ela o olhou com atenção. Teve que fazer isso ou teria começado a rir.
Tampou a boca com a mão.
— Acabaram-se os elefantes — disse.
— Se insisti, — Sebastian afastou o olhar e o dirigiu à distância — Há
uma conversa que não tem nada a ver com elefantes e que de qualquer maneira
eu gostaria de falar com você. Transporte de mercadorias.
Se havia uma forma mais desconcertante de mudar de assunto, Violet não a
conhecia.
— Transporte de mercadorias?
— Sim. Já sabe. Navios. Objetos flutuantes que movem na água e
transportam mercadorias? Utilizando o método dos mínimos quadrados,
comecei a...
— O método dos mínimos o que? – A alegria relutante de Violet
desapareceu de todo. — Não tenho nem ideia do que está falando.
Estava tão furiosa que teria gostado de lhe bater. A condessa de Cambury
não podia conhecer nada sobre métodos numéricos. Supunha-se que não sabia
nada de matemática. Se ele não queria falar com ela de ciência quando
estavam a sós, certamente não deveria revolver o assunto em público.
— Não importa — respondeu Sebastian com um suspiro. — São só
algumas cifras. Você não o entenderia.
— Claro que não. Guarde sua matemática e seus navios para seus amigos,
senhor Malheur. Estou ocupada.
Ele franziu a testa, abriu a boca e voltou a fechá-la.
Amanda franziu a testa.
— Não sei se os dois estão brigando ou se esse é o modo normal de vocês
conversarem.
— É o normal — respondeu Violet.
— Estamos brigando — disse Sebastian ao mesmo tempo que ela.
Seguiu um momento de desconforto. Ela o olhou nos olhos.
— Não estamos brigando — contradisse, teimosa. — Temos uma pequena
discussão diplomática sobre... nomenclatura.
Ele tirou o chapéu e passou a mão pelo cabelo, se comportando de um
modo que ela achava irritante e adorável. E se negava a considerá-lo bonito.
— Ouça, Violet — disse ele. – Sei que há... razões para nos sentir
desconfortável um com o outro no momento atual. Mas devemos procurar ser
civilizados. Oliver se casará dentro de uns dias. Teremos que nos ver lá. Que
tal se fizermos uma trégua por agora?
O casamento de Oliver. Estariam horas juntos. Ele teria tempo de sobra
para persuadi-la a retomar a amizade fácil que compartilhavam. Bastava ver o
que foi conseguido com cinco minutos de conversa não relacionada com os
elefantes. Violet afastou o olhar.
— Isso não será um problema — comentou com voz neutra.
Sebastian a conhecia melhor que qualquer um. Ao ouvi-la, soltou um
suspiro e deu um passo à frente.
— Não está pensando em não ir — comentou em voz baixa e perigosa.
— Por que não? Oliver não é meu amigo de infância — ela sentiu um nó na
garganta enquanto falava. — É seu. Muito bem. Fique você com ele.
— Jane sim é sua amiga, se por acaso o esqueceu, e quanto a Oliver...
— A senhorita Jane Fairfield só acha que eu seria uma boa amiga para ela
porque é famosa por sua tagarelice — replicou Violet.
Assim que terminou de pronunciar aquelas palavras, soube que havia dito
algo terrível. Engoliu em seco, levou uma mão à boca e respirou fundo.
Céus! Era uma mulher odiosa. Uma mulher odiosa, horrível e egoísta. Jane
gostava dela. Era só que se sentia muito irritada. Mas isso não era de esperar?
Seu mundo estava se fazendo em pedaços e ela precisava fingir que não
acontecia nada.
— Maldita seja, Violet! — Resmungou Sebastian.
— Não amaldiçoe diante da menina.
— Maldita seja! — Repetiu ele. – Vamos sentir sua falta. Eu sentirei sua
falta.
Violet levantou o olhar, com o coração na garganta. E naquele momento se
deu conta de algo que não percebera antes, nos círculos escuros que ele tinha
sob os olhos e da palidez extrema de seu rosto. Esteve tão absorta em sua
própria dor que não enxergara a dele.
— Estão brigando — assinalou Amanda a seu lado.
Não ocorreu em nenhum momento para Violet que ele pudesse também
estar sentindo a falta dela. Seu coração pulou primeiro uma batida e depois
outra. Como se ele fosse seu amante e não só o homem com o qual tinha
conspirado os últimos cinco anos. Ele nunca a havia tocado, ao menos não
mais que um roçar acidental com o cotovelo, e ela tentava evitar inclusive
isso. Mas de certo modo, estiveram mais próximos do que amantes, foram
mais íntimos que os amigos. Ela também tinha evitado isso, mas ainda sentia
sua falta. Sentia muitas saudades disso.
Mas não podia admiti-lo sem se engasgar com as palavras e trair o quanto
ele realmente importava.
— Muito bem, – murmurou – Eu irei.
Mas não enganava a nenhum dos presentes. Sebastian sorriu aliviado e
Amanda voltou a respirar.
— Brilhante – comentou. — Agora podem se dar um beijo e fazer as pazes.
Violet afastou um passo. Sua sobrinha não havia dito em sentido literal.
Não falara de um beijo de amantes, mas sim de um beijo de amizade. Mesmo
assim, a palavra beijo lhe fez pensar nos lábios de Sebastian e em seu sorriso.
Sentiu seu perfume no ar, um perfume indescritível, muito diferente do resto do
mundo. Cheirava a conforto. Ela podia sentar-se a seu lado e inalar seu
perfume por muito tempo. Havia fronteiras que não se atrevia a cruzar, e
pensar em beijar a seu melhor amigo era uma delas.
Sebastian encolheu os ombros e enrugou o nariz.
— Isso não — disse Violet.
Ele falou ao mesmo tempo que ela.
— Por que não nos limitamos a fazer as pazes?
E então, porque estavam falando de novo ao mesmo tempo e ambos sabiam
exatamente o que pensava o outro, Violet se surpreendeu reprimindo um
sorriso.
Ela tinha sido horrível. Ele merecia algo mais que um comportamento mal-
humorado de sua parte. Violet não sabia como levar aquela nova fase de sua
amizade, mas jamais se perdoaria se não tentasse. Respirou profundamente.
— Temos que ir embora — olhou para Sebastian. — Já não tenho mais
tempo para você.
— Tia Violet! — Protestou Amanda, quando sua tia a pegou pelo pulso e a
puxou. — Que mal-educada! O que as pessoas vão pensar se a ouvir dizer
isso? Embora ele seja um libertino.
Violet não se importava com o que Amanda pensava. Sua última frase tinha
arrancado um brilhante sorriso de Sebastian. Ele entendeu muito bem o que
queria dizer.
Afinal, não fazia nenhum sentido usar um código se todo mundo pudesse
entender.

VIOLET ESTAVA SENTADA, no ventilado salão de sua mãe, na beirada


do assento e desejando estar em qualquer outro lugar menos ali.
Tinha ido ali assim que deixara a sua sobrinha em casa de sua irmã depois
de seu encontro com Sebastian. Sua mãe estava preocupada com algum tipo de
escândalo. Se ela sabia o que esteve fazendo Violet nos últimos cinco anos,
aquela conversa não seria nada agradável. Se não soubesse, isso significava
que sua mãe estava com outra preocupação na cabeça. Mas Violet prometera a
Lily que conversaria com ela e, uma vez feita a promessa, não fazia sentido
adiar a visita.
Sua mãe estava sentada em frente a ela. Movia com um ritmo furioso as
agulhas de tricô e tinha os olhos cravados na lã de cor azul céu que voava
entre seus dedos.
— Mãe — disse Violet pela terceira vez. — Eu esperava que pudéssemos
ter uma...
— Agora não, Violet — a baronesa viúva de Rotherham possuía uma voz
profunda e forte que pronunciava ordens de um modo que fazia tanto criados
quantos suas filhas se apressarem a obedecer. — Se perder a conta, terei que
refazer toda a carreira.
— É importante, mãe.
A baronesa seguiu tecendo imperturbável.
Violet suspirou. É obvio, ela era menos importante que terminar a carreia.
Sua mãe seguiu sem levantar o olhar. Em vez disso, as agulhas se
chocavam fazendo mais barulho que antes. Mas depois de um momento de
silêncio, foi a primeira a falar.
— O Guia de Boa Conduta das Damas diz, e cito textualmente: "Uma
dama deve evitar os seguintes comportamentos: suspirar, bufar, bater a
porta..." A lista continua, como tenho certeza que se lembra bem. Você pode
ignorar os preceitos do bom comportamento porque quer me envergonhar ou é
só pura grosseria de sua parte?
Disse tudo isso sem levantar o olhar de seu tricô.
Violet fez beicinho.
— Mãe, o Guia das Damas foi você que escreveu.
A baronesa arqueou uma sobrancelha. Terminou o último ponto e deixou de
lado seu trabalho, um cachecol azul curto.
— Não vejo razões para alterar minhas palavras simplesmente porque
decidiram publicar no passado. Pelo contrário. Já trabalhei uma vez nelas. Por
que vou me privar de expressar as mesmas palavras agora?
Se Lily estivesse ali, já estaria com uma mão no quadril e batendo o pé no
chão. Teria começado a brigar com sua mãe e depois, quando Violet e ela
tivessem saído da casa, faria algum comentário sobre quão fria era sua mãe e
como não era capaz de incomodar-se em receber a suas filhas com frases
agradáveis.
Mas Violet compreendia a sua mãe melhor que sua irmã. Aquilo era uma
calorosa recepção para sua mãe. Não era o tipo de mulher que abraçava com
abandono às pessoas que gostava. Quando ficava contente de ver alguém,
incentivava essa pessoa. Ela era assim.
— Tem alguma razão para vir me ver? — Perguntou para sua filha.
— Vim visitá-la — respondeu Violet com suavidade. — Que razão precisa
uma filha para vir visitar sua mãe?
— Qual a razão, sim — a baronesa balançou a cabeça. – A você foi dado o
dom da palavra, Violet. Use-a bem.
Violet alisou a saia e baixou o olhar. Ela não estava segura de como
abordar o assunto. Independentemente do que sua mãe acabava de dizer, ela
não gostaria nada que Violet fala-se tudo repentinamente.
Bem, mãe, Lily me deu motivos para pensar que sabe alguma coisa sobre
um escândalo. Descobriu por acaso que sou a cientista mais odiada de toda
a Inglaterra?
Estavam em um ponto morto. Havia seis coisas sobre as quais todas as
damas deviam mentir. Uma era seus próprios defeitos, o que implicava que
Violet não podia admitir que o tinha feito. As damas também mentiam sobre os
defeitos de outros, assim sua mãe se negaria a reconhecer a identidade oculta
de Violet embora soubesse de sua existência.
As regras de sua mãe tinham muito sentido, mas em certas ocasiões
resultavam terrivelmente inconvenientes.
— Bem, mãe — disse Violet. — Lily me contou que está ensinando as
regras para Amanda. As regras ocultas.
Sua mãe levantou os olhos e olhou a seu redor. As regras ocultas jamais
eram mencionadas na presença de outros. Mas não havia ninguém por perto.
— Sua irmã não faz muito, então sim, estou fazendo. Amanda é quase uma
mulher adulta e merece saber se defender.
— Lily acha que só assim só torna tudo mais difícil. Eu acho... — Violet
lambeu os lábios e olhou para sua mãe. — Acha que pode haver algum
escândalo pairando sobre nós?
— Escândalo — sua mãe pegou o cachecol e o virou para examinar seu
trabalho com a testa franzida. — Não tenho nem ideia do por que está dizendo
isso. Que tipo de escândalo você acha que poderia haver, Violet.
Outra mulher poderia ter pronunciado aquelas palavras como uma
pergunta. A mãe de Violet lhe deu um ligeiro giro, um giro que sugeria que não
fazia uma pergunta, mas sim estabelecia um fato.
Violet pensou que, se sua mãe ia se dedicar a jogar, ela faria o mesmo.
— Não tenho nada em mente — respondeu.
— Isso são tolices. Quando a gente diz que algo não é nada, normalmente
quer dizer que não é nada do que queira falar. Mas sou sua mãe. Seu desejo de
guardar segredo é irrelevante. Eu desejo que me diga o que sabe e você vai me
dizer.
Violet reprimiu uma gargalhada. Sua mãe podia intimidar qualquer um. Ela
viu isso milhares de vezes. E ultimamente, ou para ser exato, na última década,
se surpreendeu frequentemente fazendo exatamente o mesmo. À medida que
passavam os anos, sua mãe e ela estavam cada vez mais parecidas. Violet
estava desejando que chegasse o momento que adquirisse a indiferença
meticulosa de sua mãe, no qual a fachada assertiva e tranquila que ela usava se
tornasse real.
— O que é tão engraçado? — Perguntou sua mãe, olhando-a com a testa
franzida. – Você está rindo de mim? O que você ouviu falar Violet?
— Não ouvi nada.
Houve uma longa pausa. A baronesa se levantou com cuidado. Foi na ponta
dos pés até a porta e permaneceu um momento em silêncio, contando segundos.
De repente abriu a porta.
Não havia ninguém ali. A mulher abaixou a cabeça, olhou a ambos os lados
do corredor e voltou a fechar a porta com suavidade.
— Aprecio sua discrição Violet – murmurou. — E entendo que há
algumas... coisa que não se deve falar em voz alta. Mas se tivermos que lidar
com as coisas que espero que não tenhamos que lidar, devemos chegar a um
entendimento. Ainda bem que Lily não está aqui; ela faria birra — olhou para
sua filha. — Já sabe o que temos que fazer.
Era a primeira regra, a regra que suplantava a todas as demais.
— Uma dama sempre protege aos seus — disse Violet.
Sua mãe assentiu.
— Embora os seus sejam tolos e esquecidos. Ah, bem, eu não lamento
nada. Vêm, Violet. Sente-se. Não fale em voz alta. Não acredito que ninguém
esteja escutando, mas prefiro não saber que estou errada quando... — suspirou
— Estou velha demais para lidar com esse tipo de medo. Esse escândalo que
tem em mente, é um escândalo novo ou um antigo?
— É um escândalo antigo.
Sua mãe enrugou o nariz.
— Que ano?
— Oh! — Exclamou Violet surpreendida. Começou a fazer as contas. —
Foi em... 1862.
— A baronesa apertou os lábios e balançou a cabeça em silêncio. — Isto.
Sim.
Após uma longa pausa, Violet compreendeu que sua mãe não ia ser mais
explícita.
Ela sim esperava mais. Algum dia puxaria esse assunto com sua mãe. Às
vezes achava que sua mãe a compreenderia se contasse. Acima de tudo, era
sua mãe. E embora Lily acreditasse que ela fosse fria e insensível, Violet
sabia que não era assim. Ou pensava que sim.
Sua mãe esfregou a testa com um gesto de desgosto e vulnerabilidade tão
incomum nela que Violet quase estendeu o braço em sua direção, até que
lembrou que à baronesa não gostaria nada que a tocasse, especialmente
quando ela, Violet, era a causa de seu desgosto.
— Bem — comentou sua mãe. — Eu tinha a esperança de que... Mas, por
outra parte, a esperança nunca ajeitou nada — suspirou e levantou o olhar. —
A quem você contou, então? Você disse a sua irmã? Porque se o fez, ela
contará a seu marido e ele acreditará que é seu dever... tem as teorias mais
absurdas sobre qual é seu dever, e essas teorias ao que me parece não incluem
guardar segredos de família a não ser armar um alvoroço a respeito. E se fizer
isso, todos irão ser sacrificados.
Violet fez uma careta. Nada como uma hipérbole para ter todo mundo a
raia.
— Não sou idiota. Lily não sabe de nada.
— Melhor. Alguém mais?
— Bom, Sebastian Malheur, é obvio.
Sua mãe bufou.
— Esse menino! O estive vigiando desde que ele começou a andar. Sabia
que seria um problema. Mas pelo menos sempre foi discreto. E se não falou
com ninguém ainda, duvido que o faça – suspirou. — Mesmo assim, quantas
mais pessoas saibam pior, por mais dignas de confiança que sejam. Isso é
horrível. É mais que destrutivo.
Violet tentou não mostrar nenhuma reação, mas sentiu um nó no estômago.
Uma parte dela esperava que sua mãe sussurrasse algumas palavras de elogio.
Ou lhe dedicasse ao menos um sorriso. Mas o olhar de sua mãe era sombrio e
condenável.
— No entanto tenho pesadelos com isso — continuou a baronesa. —
Alguns dias nem sequer consigo chegar a acreditar que é verdade. Me dá asco
— suas mãos tremeram. Deixou o tricô sobre a mesa e esfregou os dedos.
Violet soube então que mentiu a si mesma. Orgulhosa sua mãe? Não havia
nenhuma probabilidade disso. Ela, Violet, lhe dava asco.
Sempre soube que era fundamentalmente detestável. Se alguma vez teve
esperança de se encaixar as pessoas, tinha que fingir. Quando era mais jovem,
isso lhe fez sofrer, mas endireitou a coluna e seguiu adiante com sua vida. Se
havia algo pior que uma mulher detestável era uma mulher detestável que
choramingava por não ser querida. Tinha matado todas as partes dela que
esperava algo mais que relações mornas e adotara o hábito de esconder suas
partes mais desagradáveis.
Se precisasse de provas de que tomou à decisão correta, agora as tinha.
Nem sua própria mãe podia aceitar quem ela era e o que o que fizera.
Engoliu em seco.
Havia um lado positivo em tudo aquilo. Era melhor ocultar seus
sentimentos cada vez mais. Só teria uma decepção aparente, não uma
ansiedade esmagadora e uma dor imensa. Sua mãe se sentia enojada e Violet
podia sorrir com prudência, como se não tivesse acontecido nada. Estava
aprendendo a não esperar nada da vida. Quando chegasse à idade de sua mãe,
poderia estar controlada e desistir de toda esperança.
— Compreendo, mãe — conseguiu falar sem que sua voz tremesse. — Por
que você acha que eu nunca falei sobre isso?
— Boa garota — respondeu sua mãe. — Bem, pois teremos que mantê-lo
em segredo. Afinal, eu só ouvi um sussurro, um comentário que alguém fez.
Não acho que lady Haffington procurasse nada com isso exceto me atingir com
a língua. Suspeito que não tivesse nem ideia de quanta verdade havia em sua
acusação — sorriu meio tremula. — Mas se você acha que em algum momento
possa haver o risco de isso vir à tona, vai me dizer, certo?
— É obvio, mãe — Violet estava sentada com as mãos cruzadas e não
sabia o que dizer. — Se te ajuda em algo, pode me castigar um pouco —
conseguiu dizer.
Sua mãe a olhou confusa.
— Se quisesse fazer isso, não precisaria de sua permissão. Porque acha
que eu iria querer isso?
Violet afastou o olhar.
— No fundo, aceitei o que poderia sair deste escândalo com os braços
abertos. Sem isso, não sei o que teria feito de minha vida. Foi muito
importante para mim. Sinto-me culpada e muito, muito egoísta.
— Violet Marie Waterfield, não se atreva a dizer que se sente culpada — a
voz de sua mãe soava um pouco rouca. — Ao menos em minha presença não
diga isso. Não se atreva.
— Mas... — todas as esperanças esmagadas de Violet voltaram a vida por
um segundo. Sua mãe estava orgulhosa. Ela fizera uma coisa fantástica.
Receberia certo reconhecimento por parte da mulher cuja opinião era a que
mais importava no mundo para ela.
— Não se atreva a sentir nem uma grama de culpa por causa disso. Não
permitirei.
Violet respirou com força. Seus pulmões ardiam. Não queria ter
esperanças. Não queria.
Sua mãe levantou a mão.
— Não diga. Não diga jamais, porque se alguém ouvir, mesmo sendo só
um criado estaremos acabadas. Não se sinta culpada, Violet. A culpa não tem
nenhuma função. Só se assegure, faça o que fizer e diga o que disser, tenha a
certeza de que ninguém jamais saberá.
Não. A esperança não tinha nenhum sentido. Se não a tivesse albergado,
não teria se sentido esmagada sob seu enorme peso.
— Não se preocupe mãe – disse. — Sei o que significaria isso — levantou
o queixo. — Não permitirei que aconteça nada. Acima de tudo, uma dama
protege os seus.
Talvez tivesse imaginado a umidade que pareceu nublar temporariamente
os olhos de sua mãe. Por um segundo esteve quase segura de que existia de
verdade. Mas logo sua mãe levantou o queixo e Violet viu que fora uma ilusão
afinal de contas.
CAPÍTULO 5

SEBASTIAN CHEGOU EM CASA exatamente às três horas e cinquenta e


um minutos, com uma grande quantidade de papel guardada na maleta. Naquele
dia ele encontrou-se com Violet no Hyde Park e temia o momento que
antecipava sua próxima reunião. Mas precisava estar preparado para
confrontar leões... ou Violet. Ou o que tivesse que encontrar primeiro. Pensou
com tristeza que os leões seriam mais fáceis de convencer... e menos
perigosos.
Mas foi preparado para se encontrar com um bando de leões ou com
Violet, tinha que se preparar. Deu o resto do dia livre para ao seu criado de
quarto, resolveu os detalhes do jantar com sua cozinheira e se retirou para o
jardim depois de dar ordens estritas de que não queria ser incomodado.
Ter um jardim de bom tamanho era para ele um assunto de grande
necessidade. Precisava de espaço para se retirar e conversar com uma mulher
sem que nenhum de seus criados soubesse que tinha feito isso. Naquele dia
cruzou a cerca de arbustos que rodeava o terraço exterior assobiando
alegremente. Passou pelo barracão que transformara em escritório e pela
estufa que utilizava para enganar os visitantes. Deslizou por trás de uns
arbustos e se encostou na parede dos fundos. De lá só precisava abrir a porta
oculta e atravessa-la.
Essa porta dava para um beco escuro. Chamá-lo "beco" era exagerar seu
status. O espaço não era mais que um pequeno corredor entre duas paredes,
feito a cinquenta anos atrás pelo dono da casa que queria ter um muro de
tijolos no jardim e seu vizinho queria uma de pedra. Esse apenas, de apenas
dois metros de largura, estava lotado de folhas velhas e, uma vez que passou
um tempo sem ir para Londres, tinha acumulado três meses de teias de aranha.
Dentro daquela passagem incômoda, a vinte e quatro jardas mais abaixo, na
parede de tijolo, não na de pedra, havia outra porta, essa coberta de hera.
Sebastian se dirigiu para lá. A hera se entrançava no portão de ferro, ele
soltou os galhos e entrou na guarida do leão. Também conhecida como o
jardim da casa de Violet.
Muito tempo atrás eles estabeleceram um código simples.
"Até mais ver" significava "Hoje não estou disponível".
"Até a próxima vez" significava "Estarei em meu jardim até as três". Havia
cinquenta e duas possibilidades mais, e todas se relacionavam com o mesmo.
"Não tenho mais tempo para você" significava que Violet queria vê-lo naquela
tarde.
O que poderia acontecer? Sebastian não conseguia adivinhar.
Uma tela alta bloqueava a casa de Violet. A tela ajudava a preservar a
intimidade de ambos. A estufa de Violet em Londres não era tão grande quanto
o a que tinha em sua propriedade de Cambridge, só media umas poucas
centenas de metros quadrados. Um pôster na porta anunciava: A condessa não
pode ser incomodada exceto em caso de morte, evisceração, apocalipse ou a
chegada de sua mãe.
Sebastian ignorou aquela terrível advertência e cruzou a porta. A entrada
só tinha dois metros de largura, mas havia espaço suficiente para que se
coloca um jaleco, pegasse um par de luvas e saísse em busca de insetos.
Quando ele fez isso, cruzou a segunda porta.
De cada lado havia uma estante com rodas. Estavam cheias de centenas de
vasos de barro em miniatura, apenas mais altas que o polegar dele. Todas
estavam marcadas; as mais próximas escritas CD191, CD102.
Uns cavaletes sustentavam enormes canteiros de terra até a altura da
cintura. Estendiam-se de onde estava Sebastian até o final da estufa.
Violet estava em pé em um lugar mais afastado, diante de um desses
canteiros. Usava um jaleco branco de jardineiro em cima de um vestido escuro
e cobria as mãos com luvas escuras. Um gorro branco cobria seus cabelos.
Não levantou o olhar quando Sebastian entrou. Não sabia se ela o notara,
embora não fez nenhum esforço para não fazer barulho.
Fazia aquilo um milhão de vezes, encontrar-se com Violet na estufa
enquanto ela plantava ou colocava marcadores com palitos e lhe explicava o
que estava fazendo e por que. Para se fazer passar por ela, ele precisava
entender todos os passos que realizava.
Naquele dia, tinha uma caderneta aberta diante dela. Segurava uma agulha,
uma parte de metal comprido e fina, não muito diferente das agulhas de tricô
que levava na bolsa, para transferir pólen de uma flor para outra. Seus
movimentos eram graciosos, a graça calma de uma mulher que realizava uma
tarefa pela qual sentia prazer.
Sebastian sentiu um nó na garganta. Imaginara aquele momento desde que a
viu no parque. Passaram-se semanas desde que discutiram em Cambridge.
Sentia falta dela, tanto que queria procurá-la e se desculpar por tudo, devolver
seus sentimentos embaraçosos para o lugar de onde tinham saído e ignorá-los
durante seis meses mais. Mas sabia que não iria adiantar, acabaria voltando.
Ele estava acostumado a sentir mais que Violet. De fato, resignou-se a isso.
Possivelmente inclusive o tinha assumido. Mas não sabia o que fazer com um
mundo no qual ela não sentia nada.
Estava terrivelmente perdido e não muito seguro de que ela tivesse notado
sua ausência. Afinal, nem tinha notado sua chegada.
Aproximou-se dela por trás. Sabia que não devia interrompê-la quando
estava trabalhando, assim ficou um pouco mais atrás e a observou.
Seria estranho dizer que Violet era um mistério para ele. A conhecia
melhor do que ninguém. Quando sorria, ele sabia o que a fazia sorrir. Quando
mordia o lábio inferior, sabia o que ela não disse. No entanto, havia algumas
coisas, muitas coisas, que não conseguia entender.
Ela estendeu a mão para um lado, pegou um saco feito de pergaminho e o
colocou em cima de uma flor. Amarou tudo no lugar com um fio de seda, pegou
um lápis e anotou algo em sua caderneta.
AX212: cruzamento de BD114 com TR718.
Fazia milhares de anotações dessas ao longo dos anos. Cruzava umas
plantas com outras, tinha transportado o pólen à mão, anotando os pais e
coberto as flores fertilizadas com sacos de papel de pergaminho para estar
segura de que recolhia todas as sementes resultantes.
Ela cruzou os braços e olhou a distância. Sebastian não sabia o que via
nem por que franzia a testa como o fazia. Nem sequer sabia se ela estava
ciente de sua presença. Às vezes nem percebia.
Por fim Violet falou.
— Minha irmã acredita que eu sou difícil.
Sebastian se adiantou para ficar a seu lado, e foi deixando um rastro na
terra com as mãos. A terra era fofa, uma mistura perfeita de terra negra e
aparas de madeira, ligeiramente úmida nos dedos. Cheirava a terra e a húmus.
— Sua irmã tem razão — respondeu.
— Eu não sou difícil — replicou Violet. — Sou simples. Gosto de bons
livros e de conversa inteligente, e ficar sozinha grande parte do tempo —
deixou a agulha que tinha usado em um balde onde havia uma dúzia de agulhas
parecidas. Desembrulhou a gaze que cobria outra agulha e se inclinou sobre
uma planta nova. — Por que isso me torna difícil? Faz sentido. Não falo de
meus sentimentos, é obvio, mas é porque não quero fazê-lo, – encolheu os
ombros. — Então isso é razoável.
Sebastian sorriu. Um sorriso que parecia amargo inclusive para ele.
— Por Deus, não! — Ele disse, olhando o teto da estufa. — Sentimentos
não. Deus a livre ter algo tão confuso.
Ela tinha o rosto inclinado para a planta e os ombros imóveis.
— Tenho sentimentos — disse com voz rígida. — O que acontece é que
não falo deles. Que sentido tem em fazê-lo? Falar não muda nada.
Aquilo era uma indireta, e Sebastian a compreendia muito bem.
"Não me pergunte o que desejo".
— Retiro o que falei — disse. — Você não é difícil.
Ela bufou.
— Algumas pessoas são como um quebra-cabeças mecânico, figura de
ferro que se encaixam de uma maneira retorcida — continuou ele. – Você pode
brincar com elas e pode examina-las, mas se não conhecer seu segredo, você
nunca poderá desmontar o seu quebra-cabeças. Essas pessoas são difíceis até
que se conheça seu segredo. Em seguida, são fáceis.
Enrugou o nariz e se voltou para a flor seguinte da fila. Começou a separar
com cuidado suas pétalas e Sebastian se perguntou distraidamente se ela
saberia quão sexy era aquela ação, Violet fertilizando flores com calma,
abrindo bem suas pétalas e deslizando nelas a agulha polinizada. A analogia
estava servida. Ela passava a metade de sua vida naquela estrutura clínica e
livre de insetos, fazendo o trabalho que faziam os pássaros e as abelhas.
Quando se inclinava, seus quadris se moviam atrás do jaleco.
Ele poderia endireitá-la com a mão. Com uma mão justamente ali em seu
quadril...
Não se moveu.
— Entendo — Violet se endireitou e deixou a agulha no balde das
descartadas. Havia um toque de desdém em sua voz. — Você conhece meu
segredo. Isso é o que quer dizer?
— Não — respondeu ele. — Eu não acredito que tenha um segredo.
Acredito que você foi criada por um ferreiro perverso. É um quebra-cabeças
sem solução. É impossível de se lidar. Tudo o que posso fazer é aprender a
esquiva-me das lâminas.
Ela respirou fundo lentamente e pegou seu lápis.
— Sim — disse com suavidade. — Sim é assim que sou. Não sirvo para
mais nada, exceto para cortar. Um ferreiro louco me fez.
Enquanto ela fazia suas anotações, ele pegou um saco de pergaminho e
cobri a cabeça da flor. Às vezes a conhecia muito bem. Elogios a faziam ficar
paralisada. O contato, inclusive o menor contato, o menos sugerido, a fazia
afastar-se. Mas se lhe diziam algo como o que havia dito, ficava em um
silêncio mortal. Com Violet não havia caminhos seguros, só leões por todo o
caminho.
— Obrigado, Sebastian – disse. – Me dedicarei a bordar advertências em
todos meus lenços. — Lâminas afiadas logo a frente. Cuidado com as folhas.
— Não quis te insultar.
Ela levantou o olhar.
— Não? Então possivelmente deveria escutar suas palavras. Oh, essa
Violet nunca mostra nenhum sentimento! É como se escondesse o seu
verdadeiro eu do mundo inteiro. Por que você acha que deve ser assim? —
ela colocou uma mão no quadril, no ponto exato que ele queria colocar a sua.
— Você deveria compreendê-lo. Quero me esconder porque ninguém gosta do
meu verdadeiro eu. Não sou difícil, Sebastian. Sou a pessoa mais fácil que
existe. Simplesmente não me encaixo e passo todo o tempo fingindo que sim.
Às vezes me canso disso e isso me irrita.
Suspirou, deixou o lápis de lado e se virou para o canteiro de flores. Pegou
uma agulha envolta em gaze e a seguir balançou a cabeça e se voltou para
olhar Sebastian.
— Quando perco a paciência, isso não é justo para as pessoas que me
rodeiam — levantou o queixo. — Quando estou zangada, digo coisas
horríveis. Mas não é justo que eu tenha que fazer desse modo. Você acha que é
difícil passar um tempo comigo? Pois imagine o que é ser um quebra-cabeças
mecânico feito por um louco. Não pode levar a cabo as funções básicas de sua
existência. Nunca leva alegria a ninguém. Aprende a reprimir a esperança
quando alguém olha para você. Porque, independentemente do entusiasmo e da
antecipação que sente a princípio, sabe o que acontecerá no final, que o
atiraram no lixo por asco.
Asco. Era isso o que pensava que ele havia expressado?
— Violet — disse com suavidade. — Eu não sentia... não sinto asco de
você. Essa é a última coisa que sentiria.
Ela estava olhando fixamente para frente.
— Não importa o nome que lhe der, no final tudo da no mesmo — sua voz
soava tão rígida como os braços que deixava cair ao seu lado. — Não se
preocupe com sua consciência, Sebastian. Todo mundo se cansa de mim antes
ou depois. Me deixe de lado e vá embora.
Ele suspirou com frustração.
— Isso é ridículo. Age como se não houvesse nada em você além de seu
trabalho, como se para fugir disso, você deixasse de se importar com tudo.
Isso não funciona assim.
Ela franziu os lábios para ouvir as palavras dele, exatamente no momento
em que pronunciou "deixasse de se importar" e Sebastian suspirou e apertou a
testa com os dedos.
— Você é algo mais que seu trabalho — insistiu.
Violet se virou.
— Você se lembra a primeira vez que apresentou meu trabalho?
Fora antes que seu marido morresse. Tinha escrito um ensaio e pedido
conselhos a Sebastian, conselho que a princípio não pode lhe dar, pois nunca
havia lido um ensaio científico. Eles tinham estudado juntos, com Violet
escrevendo e reescrevendo até que os dois ficassem satisfeitos.
A primeira vez que ela o enviou a um jornal, o fizeram voltar com uma nota
onde diziam que possivelmente uma publicação sobre jardinagem para damas
poderia apreciar sua modesta contribuição. A publicação seguinte não se
incomodou em explicar a sua rejeição, nem a terceira tampouco.
— Isso são sandices – Sebastian havia falado o dia que chegou com a
terceira recusa. — Eles nem sequer leram.
Violet estava doente na época. Ela nunca dissera o que lhe ocorria. Ele só
sabia que ela estava cada dia pior. Sua pele parecia de cera e começara a ter
desmaios.
Ela se recusara a falar sobre aquilo.
Simplesmente ficava sentada em sua cadeira, incapaz de ficar de pé, e se
recusava a olhar em sua direção.
— Certamente não é muito bom. Provavelmente recebem muitas
contribuições excelentes e esta não está à altura.
— Se fosse eu que enviasse, um homem com uma educação universitária,
sim olhariam duas vezes — disse Sebastian com fúria. — E eu aposto que
você leria três.
Depois disso, ela colocou o nome dele no ensaio.
— Vá em frente tente — disse.
No dia seguinte, Sebastian tinha ido a Cambridge e entregue o ensaio a um
antigo professor para que lhe desse sua opinião. O homem leu em um silêncio
atônito e em seguida olhou em seus olhos.
— Malheur – lhe disse com voz estrangulada. — Isto é brilhante.
Vários meses depois o foi aceito para ser publicado e tinham organizado a
primeira conferência de Sebastian.
Naquela conferência, Violet sorriu extasiada pela primeira vez em nove
meses. Aquele sorriso e a cor que veio temporariamente a suas bochechas
foram a razão que ele aceitasse fazer aquilo.
Mas ela não sorria mais. Olhava a terra adiante que estava à sua frente e
Sebastian gostaria de ver novamente aquele sorriso.
— Menos mal que Violet Waterfield nunca chegou a publicar trabalhos
científicos — disse ela. — Agora seria uma paria. Desprezada. Minha irmã
me odiaria — pegou outra agulha, mas não a utilizou. Em vez disso, ela
brandia como uma espada. — Minha mãe já o faz. Ninguém daria a mínima
atenção a meu trabalho. Assim é melhor. Deste modo pelo menos sou alguém,
embora ninguém saiba quem sou.
— Isso é devastador — disse ele.
Violet o olhou, apertou os lábios.
— Não estou com o coração partido — cravou a agulha na terra. — Nunca
precisei de reconhecimento para mim. Reconhecimento é a última coisa que eu
quero. É só que... por mais horrível que seja, isso é o que eu faço. Acordo
pensando nisso. Sonho com isso. O pensamento de fazer tudo isso e que não
resultar em nada é mais do que posso suportar. Quero fazer algo e quero que
alguém note.
Engoliu em seco. Estendeu o braço e tocou levemente a folha de um pé de
feijões.
— Isso é o mais próximo que chegarei de ter filhos.
Nunca antes tinha falado sobre filhos. Sebastian só sabia que estivera
casada onze anos e não teve nenhum, e que seu marido desejava muitíssimo um
herdeiro. Tanto que, no final, encorajara Sebastian a passar incontáveis horas
com sua esposa e dado sua aprovação implícita para colocar um passarinho
em seu ninho. Aparentemente, considerava que isso era melhor que um ninho
vazio.
Não precisava de muita inteligência para adivinhar que algo dera errado. E
fosse o que fosse, Sebastian suspeitava que danificara algo mais que um
casamento.
Se perguntou se ela lembrava de algo. Como via tudo aquilo desde sua
perspectiva e colorido por seus sentimentos. Mas Violet raramente admitia ter
sentimentos.
— Você é algo mais — insistiu ele.
Ela o olhou.
— Você só diz isso porque não sabe o pouco que há em minha vida.
Afirmava que não havia nada em sua vida da mesma forma que alguém
podia dizer que não existia nada em seu copo, como se fosse um assunto que
não merecesse um minuto de preocupação.
E foi então quando ele cometeu um erro. Estendeu o braço e tocou sua mão.
Fez sem nenhuma intenção clara. Tocou alguém com quem se preocupava e
que dissera algo muito triste. E essa pessoa era Violet... Não era capaz de
ouvir uma coisa assim e não responder, e não desejar aliviar aquilo do jeito
que pudesse.
Mas Violet ficou rígida, com todos os músculos tensos. Toda a cor fugiu de
seu rosto. E antes que pudesse se desculpar, ela retirou sua mão e a levou ao
peito como se ele a tivesse queimado.
Sebastian se considerava uma espécie de perito em respostas femininas.
Uma respiração que se acelerava sugeria um coração que batia com
expectativa. Mas não quando essa respiração era irregular e sibilante. A
respiração ofegante de Violet não sugeria outra coisa senão pânico.
Ele sabia que não devia tocá-la nem sequer como amigo.
Colocou a mão no bolso e reprimiu um xingamento. Tentou falar com
despreocupação.
— Violet – disse. — Somos amigos.
Ela começou a abrir a boca, mas lhe pediu silêncio com um gesto.
— Sei que vai dizer que não sabe o que isso significa, mas eu sei. Só
porque não quero mais apresentar seu trabalho não significa que já não... —
Me importo, ia dizer. Mas ela não gostaria de ouvir essas palavras dos lábios
dele. — ... tenha interesse por sua felicidade. Isto é algo com que você se
importa. As coisas mudaram desde que escreveu seu primeiro ensaio. Posso
apresentá-la, se quiser. Agora leriam o seu trabalho. Agora iriam escutar você.
Se eu lhes dissesse para fazer, eles fariam.
A expressão dela mudou por um momento. Arregalou os olhos. Apertou os
punhos e entreabriu os lábios. Voltou-se para ele e, com a mesma rapidez com
que a esperança havia chegado, desapareceu de seu rosto. A luz em seu olhar
se apagou e em seus olhos só ficaram dois círculos escuros e apagados.
— Não – respondeu. — Já não sou importante para quase ninguém. Não
gostaria que eu passasse a não ser para mais ninguém.
— Nesse caso — Sebastian fez uma pausa, — não sei como continuar,
como procurar um equilíbrio novo que funcione para nós dois. Mas estive
pensando muito desde que conversamos faz umas semanas. Não é tão simples
quando tem que ser comigo ou ninguém mais. Tenho outra ideia. — Violet o
olhou com curiosidade. — Deixe-me falar com alguém. Que eu procure
conselho sobre o melhor modo de agir.
Ela piscou, pensando em sua petição.
— Contar segredos só vai causar problemas – afastou o olhar. – Quem
você tem em mente?
— Para Simon Bollingall — respondeu ele, — foi meu mentor nesses
últimos anos. Confio nele mais do que qualquer outra pessoa. Não
mencionaria seu nome. Lhe contaria... um pouco das circunstâncias que estão
entorno. Talvez ele tenha alguma ideia de como nós dois possamos ficar
contentes.
Violet olhou fixamente a terra.
— Acha que ele poderia ajudar?
— Talvez.
Ela demorou um longo momento em responder.
— Gosto da esposa dele — disse por fim. — Alice Bollingall. Nos
conhecemos em suas conferências. Ela gosta de fotografia. Faz fotos do campo
— deixou a agulha no balde. — Pediu que posasse para uma de suas
fotografias. Acredito que ela mesma as revele. É uma mulher muito inteligente
e ele a trata com respeito.
— Posso falar com ele?
— Minha mãe me mataria — Violet apertou os lábios. — Mas, por outro
lado, ela nem quer saber. É horrível pensar nisso. Horrível e egoísta querer
isso sabendo o quanto arriscarei.
— Então isso é um sim.
Ela se virou por um instante. Quando o olhou de novo, Sebastian, que não
tinha nada a perder, piscou para ela.
— Por Deus! — Ela agitou uma mão no ar em um gesto que pretendia
transmitir irritação, mas ele viu uma ameaça de sorriso em seus lábios.
Pensou que, enquanto pudesse fazê-la sorrir, ainda não a tinha perdido.
— É... — Ela balançou a cabeça. — Está bem, faça-o.

NA MANHÃ SEGUINTE, Sebastian embarcou em um trem para


Cambridge. A viagem, muito familiar, acalmou um pouco suas preocupações.
Saiu da estação, caminhou ao longo da margem do rio e a seguir subiu pelas
ruas pavimentadas que serpenteavam através do mercado. Não deixava de
dizer a si mesmo que aquele era seu percurso habitual e não tinha por que
pensar em sua missão. Foi direto para o escritório de seu amigo, onde o
receberam, como sempre, com muita amabilidade.
Cinco anos atrás, Sebastian estava sentado na mesma cadeira, e
possivelmente na mesma posição, observando o professor Simon Bollingall
ler um ensaio que ele não escrevera. Naqueles primeiros anos, o professor
tinha lhe dado conselhos e o ajudou em cada passo do caminho.
Depois, o professor Bollingall tornou-se seu amigo. Atualmente ele sempre
escutava atentamente cada palavra de Sebastian. E nesse dia precisava que lhe
ajudasse a terminar a carreira que tinha ajudado a começar.
O homem estava sentado em sua cadeira com a atenção fixa em Sebastian e
um sorriso entusiasta nos lábios. Toda essa atenção sorridente era só uma
ilusão.
Sebastian olhou a seu redor.
— Essa fotografia é de sua família? — Perguntou, assinalando uma foto
emoldurada que havia em uma mesinha lateral.
Nela apareciam cinco pessoas. Um homem, uma mulher e três meninos na
fase estranha e irregular que precede a idade adulta. E o fato de estar sentados
para a foto não lhes pareceu melhor. Olhavam fixamente para a frente sem
nenhuma expressão no rosto.
— Sim – respondeu Bollingall. — Essa foi Alice quem fez. Já sabe que
gosta muito de fotografia. E é muito boa. Essa outra também é dela. Trinity
College ao fundo, no inverno.
Sebastian assentiu e olhou cortesmente a outra fotografia emoldurada.
— Bem, Malheur — comentou o professor. — O que aconteceu para você
estar aqui?
Sebastian se recostou na cadeira.
— Vou renunciar a tudo — disse.
O sorriso entusiasmado de seu amigo levou a uma expressão confusa.
Bollingall se recostou na cadeira.
— Renunciar a que? — Perguntou.
— As descobertas científicas.
Em lugar de mostrar-se sobressalto, o professor começou a rir.
— Ah, está nessa fase de sua carreira, não é? Todos nos sentimos
ocasionalmente. Quando o trabalho não vai bem, quando estamos afligidos —
inclinou-se para frente. — Seu problema é que trabalha muito. Quando foi a
última vez que tirou férias? Vá à praia e tome um banho de mar. Descanse uma
ou duas semanas e se sentirá como um homem novo.
Sebastian mordeu o lábio inferior.
— É uma ideia muito boa, mas meu problema não é por que trabalhe muito,
e sim porque não trabalho o suficiente.
Bollingall assentiu pormenorizado.
— Isso também é típico. Sempre há algo mais a fazer, alguma outra ideia
para explorar. Não pode se esquecer do trabalho, pensa constantemente nele e
se sente culpado a cada minuto que não está trabalhando. Repito minha
recomendação. Tome um pouco de tempo livre e logo estará melhor.
Sebastian temia que acontecesse aquilo. Confiava plenamente em
Bollingall, mas sentia um nó no estômago. Estava a ponto de contar seu
segredo a um homem que tinha jogado sua reputação por ele mais de uma vez.
— Não me referia a isso — disse. Respirou profundamente. — Não quero
trabalhar mais. Hipoteticamente falando, o que diria se soubesse que todo esse
trabalho não é meu?
Bollingall, se sentou mais para frente, nem sequer pestanejou.
— A maioria de nós não o faz. Tenho um assistente que toma todas as
notas. Não importa quem realiza o trabalho em si, isso é só um trabalho
manual. O que importa, é a parte intelectual.
Sebastian suspirou.
— Vamos supor que o trabalho intelectual que lhe informei não tenha sido
feito por mim. Que é outra pessoa que o faz. — Bollingall franziu a testa. —
Suponhamos que seja uma mulher que o tenha feito — continuou Sebastian.
Seu amigo ficou um momento paralisado e a seguir o olhou surpreso.
Respirou fundo e olhou para a porta. Estava firmemente fechada, coisa que
Sebastian comprovara antes de contar. Mas até os livros colocados no
escritório pareciam julgar Sebastian. Centenas de volumes escritos por
homens que não eram impostores. O pulso de Sebastian acelerou e se preparou
para encarar a decepção de Bollingall.
Bollingall lambeu os lábios e se inclinou para frente.
— Bom, — comentou com suavidade — isso também acontece.
Sebastian sentiu a boca seca.
— De fato — continuou Bollingall em voz baixa — é mais comum do que
poderia pensar. Geralmente é tão comum que não tem nada de extraordinário.
Sebastian torceu a boca em uma careta.
— Não sei o que quer dizer. Esclareça-me isso. Ela é uma assistente,
certo? — Bollingall encolheu os ombros. — Conheço um homem que dita
todos seus trabalhos a sua esposa. Ela que escreve.
— Não estou falando só de ditar.
— Não – respondeu Bollingall, — mas isso é tudo o que as pessoas
precisam saber. Quando está envolvido em um problema, é inevitável que a
maioria de suas relações íntimas também se misturem nele. Seu interesse é o
resultado disso tudo. A contribuição dela é uma consequência da sua. E se está
casada com você... bem, é fundamental que ela faça o trabalho afinal de
contas. No sentido jurídico e espiritual são uma só pessoa. Por que também
não no sentido científico?
A cabeça de Sebastian dava voltas. Custava muito acreditar no que ouvia.
— Mas não sou casado — protestou.
— Há muitos de nós — continuou Bollingall lentamente — muitos de nós,
que agimos assim. Nunca perguntamos até que ponto e, certamente, nenhum
cavalheiro faria essa pergunta. Isto é muito certo, – balançou a cabeça e olhou
para os olhos de Sebastian. — Quer dizer, é quase seguro. Só há uma coisa
que deve fazer se ainda quer tudo isso.
Sebastian se sentia invadido por um desejo confuso e escuro. Parecia-lhe
que tinha a cabeça nas nuvens.
— Eu não sou casado — repetiu.
Bollingall levantou o olhar para o teto.
— Sim – comentou. – É exatamente isso. Mude essa situação e não terá
nada do que se preocupar.
Casar-se com Violet. Que ideia mais espantosa! Ela se afastava sempre
que a tocava como amigo. Fechava-se quando lhe dizia que se importava. Os
sentimentos dele não eram importantes, para Violet não interessava por nada
disso, e muito menos em passar o resto de suas vidas juntos.
E casar-se por um motivo assim? Uma parte dele não se importava qual
fosse a razão. Desejava-a há tanto tempo que aquela oportunidade, qualquer
oportunidade, seria bem-vinda.
Retomar o trabalho provavelmente fosse a única maneira de levá-la a sua
cama. E por um instante imaginou aquilo... imaginou poder beijá-la até que ela
cedesse. Talvez conseguisse aliviar seus medos e seduzi-la até que um dia
possivelmente...
Afastou de si aquela visão de Violet deitada sobre a cama com o cabelo
despenteado.
Recordou-se sem compaixão que talvez, se fosse muito, muito persuasivo,
pudesse um dia conseguir que ela não se encolhesse quando lhe tomasse a
mão. Teve a sensação de que acabaram de lhe oferecer uma maçã de uma
árvore. Podia se engasgar com aquela tentação em particular.
Esfregou a testa.
— Obrigado pelo conselho.
— Sei que está desfrutando de sua liberdade — respondeu Bollingall. —
Ainda é jovem. Mas pense nisso. Está fazendo um trabalho importante.
Sebastian negou com a cabeça.
— Não diga tolices — insistiu Bollingall. — Você está fazendo um
trabalho importante. Jamais esqueça disso e nunca diga a ninguém outra coisa.
Você faz um trabalho importante, Malheur. Vá e faça que seja seu.
Aquelas palavras mudaram de gênero na mente de Sebastian.
Vá e faça que seja sua.
Não, não. Eram pensamentos insidiosos, horríveis.
Pensamentos luxuriosos e estimulantes. Não podia separá-los.
Permaneceram em sua mente durante o resto da conversa e seguiram também
presente durante toda a viagem de volta a Londres. Não lhe importava nem o
trabalho nem o mérito desse trabalho, importava Violet.
Vá e faça que seja sua.
A verdade era que não era só seu trabalho com Violet que o afastava dos
outros. Toda sua vida fora forjada sobre duas mentiras: o segredo que
compartilhava com Violet e o que escondia dela.
Sempre houve uma razão para guardar silêncio. Um milhão de razões, na
verdade. Primeiro o marido dela. E depois, quando este já havia morrido, ela
pareceu tão frágil que ele não se atreveu a incomodá-la. Havia esperado,
esperado e esperado ainda mais. Sempre teve a sensação de que ela estava
perdida, de que depois da farsa de seu casamento, precisava lhe dar tempo
para levantar o olhar e voltar a ver o mundo ao seu redor. Só necessitava
esperar o suficiente.
Tenho uma lista é claro, recordou o que havia falado. E você não está a
sua altura.
Céus! Não havia nenhum modo de que aquilo pudesse acabar bem. Mas
persistia a tentação, o desejo de procurar um atalho para aqueles longos anos
de espera incerta.
Vá e faça que seja sua.
CAPÍTULO 6

ÀS SETE DA NOITE, Violet estava ainda na estufa. Negou-se a se


permitir que a viagem de Sebastian a distraísse, se recusava a pensar sobre a
conversa que tiveram. Tinha banido sua preocupação para um canto de sua
mente, onde formava um peso sombrio e ameaçador.
Se as coisas saíssem errado, talvez seu segredo viesse à tona. Todo mundo
saberia. Não deveria ter aceito. Sua mãe tinha razão, não deveria ter permitido
que contasse seu segredo por mais digno de confiança que ele considerasse
seu amigo.
Ouviu a porta externa se abrir, um momento depois, a interior. Os passos
dele cruzaram o piso.
— Violet.
Sebastian parecia cansado. Suspirou e pegou uma cadeira de madeira.
Colocou ao lado dela e se sentou. Cruzou os braços e afundou os ombros.
— A boa notícia — disse — é que não dirá a ninguém.
Violet retirou um prato de sementes de outra cadeira, sacudiu para o chão a
terra e se sentou a seu lado.
— A má notícia — Sebastian fechou os olhos. — A má notícia é que disse
que o nosso acordo é muito comum e que a melhor solução é que devemos
continuar como estamos em todos os sentidos, exceto... — interrompeu-se e
lhe lançou um olhar cauteloso.
— Exceto o que?
Sebastian se mostrava relutante. Apertou os dentes e demorou um momento
para falar.
— Quero que saiba que essa ideia não foi minha. Eu a descartei do plano.
— Do que se trata? — Ela insistiu. — Não pode ser tão um conselho tão
ruim, não é?
— Ele disse que devo me casar com você e continuarmos como antes.
Todo o corpo dela ficou rígido por um momento. Se surpreendeu se
encolhendo em sua cadeira. Não, não. Isso não. Mas ele parecia relutante, não
querendo seguir o conselho. O coração dela pulsava forte, mas a impressão
que Sebastian passava era de que fosse mais fácil lhe crescer antenas que a
pedir em casamento. Violet respirou lentamente e se esforçou para sorrir.
— Que engraçado! — Comentou.
— Só estou repetindo o que ele me disse.
— De todos os conselhos inúteis... — Violet se abraçou. — Ele acha que
deveríamos nos casar? — Sua risada soou muito alta. — Provavelmente você
não lhe disse quem era eu, ou jamais teria sugerido semelhante castigo, —
sabia que falava como tola e louca, mas enquanto continuasse falando, a ideia
não podia lhe ferir.
Sebastian se afundou mais em sua cadeira.
— Violet — murmurou.
— Se supõe que seja um homem inteligente, e isso é tudo o que lhe
ocorreu?
— Sim — murmurou Sebastian. – E acho que no momento já ficou bastante
claro que não sou digno. Agora podemos voltar uns passos e considerar...?
— Oh, por que vamos fazer isso? Vamos fazer o que ele disse. Vamos nos
casar, afinal. — Violet acreditava que, se fosse capaz de falar assim, poderia
fazer com que a ideia parecesse a mais acertada. O que seria claramente uma
brincadeira. Um assunto para rir, algo do que zombar. Em vez de algo que a
destruísse por completo.
Sebastian sorriu a contragosto.
— Agora!
— Seria fabuloso. Você poderia fingir que está cada dia mais ocupado e eu
iria dar conferências em seu lugar. Diria: "Diz o senhor Malheur...". Poderia
se tornar um recluso.
— Isso seria muito divertido, — comentou ele com frieza.
— Já imagino como seriam os folhetos que anunciariam essas
conferências. Senhor Sebastian Malheur, em letras grandes. E embaixo, em
letras pequenas, Violet Malheur, sua esposa.
Ele lançou um grunhido. Ela continuou falando.
— Colocaria um anúncio no folheto: Por favor, toda a correspondência
injuriosa relativa a temas científicos, se dirijam a Violet Malheur. Esse é um
aspecto de seu trabalho que faria bem. De qualquer forma, não gosto de
ninguém; assim poderiam continuar me odiando sem pensar duas vezes.
— Violet — ele mostrava um pequeno sorriso que ela conhecia muito bem.
Era seu sorriso de paciência, a qual dedicava às pessoas que estavam muito
equivocadas, optando por não falar colocando isso em evidência. Tinha as
mãos apertadas.
— O que? — Perguntou ela. — O que vai dizer agora? Só estava
brincando.
O sorriso dele não se alterou, mas afastou o olhar.
— É só que... Oh, demônios!
Violet sentiu que um tremor percorria seu corpo, um estremecimento de
emoção que sacudiu os ombros antes de se estabelecer em seu estômago.
— Apenas queria aliviar um momento desconfortável. O que é que fiz de
errado agora? Não era minha intenção me mostrar difícil.
Ele engoliu em seco. Baixou as pálpebras e os cílios escuro, ocultando seu
olhar por um momento.
Depois levantou o olhar.
— Violet — disse com calma. — Por favor, não brinque quanto a se casar
comigo.
Era tão injusto que ela não pôde evitar um suspiro indignado. Não porque
queria se casar com ele. É obvio que não. Justamente o contrário. Mas essa
não era a questão.
— Como queira — endireitou-se na cadeira e afastou o olhar. — Não o
farei.
Mas não podia esquecer o assunto por mais que tentasse. É obvio que não
era o tipo de mulher que atrairia Sebastian. Ele mesmo havia dito isso. Mas
eram amigos a muito tempo. Ele não podia fingir estava feliz? Ela era tão
horrível que dava asco inclusive a brincadeira de que pudessem se casar?
— Tampouco você esteja tendo alguma expectativa da minha parte — disse
Violet. — Sei muito bem como estão as coisas entre nós. Estou abaixo de sua
lista.
Ele respirou profundamente.
— Jamais devia dizer isso — apertou as mãos. — Odeio me irritar.
— Por que? Foi uma mentira?
Ele apertou os lábios.
— Creio que deveria ter falado de outra maneira, mas... – levantou o olhar
como se suplicasse aos céus que fizessem Violet parar.
Ela sentiu um nó no estômago. Mas não importava. Sua dor era irrelevante.
Jamais se permitiria uma coisa tão estúpida como desejá-lo. Não fazia
sentido, se sentir magoada só porque um homem que ela se negava a desejar
não a desejava.
— Diga como quiser — replicou cortante. — O sentimento continua sendo
o mesmo.
Sebastian ficou em pé. Olhou-a nos olhos. Ela não queria esse olhar, mas
não pode se afastar. Havia algo selvagem na expressão dele, algo feroz e
escuro. Algo que ela não compreendia.
— Quer saber por que está abaixo de minha lista? — Perguntou ele.
Violet, mortificada, negou com a cabeça.
— Muito tarde — respondeu ele. — Esta é minha regra mais importante.
Não ter nunca relações sexuais quando uma das duas partes está apaixonada
pela outra. Isso não acabaria bem.
Ela deu um suspiro. Todo seu mundo se tornou cinzas.
— Canalha arrogante! Não estou apaixonada por você.
— Eu sei — ele não afastou o olhar. — Não foi isso o que eu disse? Só um
de nós está apaixonado, e não é você.
Violet o olhou atentamente. Seus ouvidos pareciam funcionar bem; seu
cérebro também dava a impressão de que funcionava. Somou cautelosamente
dois mais três para ver se continuava sendo cinco.
Continuava sendo. E três mais dois? Também eram cinco. A propriedade
comutativa da adição ainda estava em vigor, no entanto, seu mundo acabava de
virar de cabeça para baixo. Sebastian tinha dito...
Acabava de insinuar...
Oh, não! Ela entendeu errado. Ele era rico, atraente e encantador. Tinha
todas as mulheres que quisesse. Podia ter qualquer... qualquer uma que não
desse grande importância à decência, é claro. E Violet era... era ela. Não fazia
nenhum sentido.
No entanto fazia sentido de um modo horrível, um sentido que ela não
queria reconhecer. O coração batia com força no peito e uma parte dela
cantarolava seguindo o ritmo.
Não, não. Não, não. Não, não, não, não, não. Impossível. As palavras que
ele acabava de pronunciar eram impossíveis.
Violet passou a língua nos lábios.
— Não seja ridículo.
Ele a observava com um sorriso, como se não houvesse falado nada de
estranho.
— Não seja ridículo — repetiu ela, como se assim pudesse apagar as
palavras que ele havia dito — Isso... isso... — interrompeu-se e respirou
fundo, mas isso não ajudou. A cabeça dava voltas como se tivesse rodado
muito depressa. — Você nunca deu nenhuma amostra de que...
Ele apertou os lábios.
— Violet, interpretei um papel durante cinco anos. Comprei uma casa perto
da sua em Londres e instalei portas com minhas mãos para que pudéssemos
conversar sobre seu trabalho em segredo. Não me diga que nunca te dei
nenhuma amostra de que te amava.
Ela não se recuperou ainda de sua declaração.
— Mas nunca me disse nada.
— Eu deveria ter dito — respondeu ele. — Mas você estava casada. Como
iria falar desse assunto? E logo seu marido morreu e você estava de... — fez
uma pausa — de luto — disse, embora os dois sabiam que não tinha sido
assim tão simples. — E depois disso, bem... você sabe como é. Flertava com
você e nunca correspondia. Nunca correspondeu a ninguém que flertava com
você, Violet. Então fiquei em silêncio. Mas se não digo nada agora,
interpretará errado tudo o que disser e fizer.
— Você flerta com todo mundo — ela fechou os olhos e levou os dedos na
testa. — Isso não... — Mas não podia lhe dizer que isso nunca significou nada.
Porque sim tinha significado algo, embora ela não pudesse expressar o que —
Sebastian, você não é o tipo de homem que se apaixona por uma mulher e
sofre em silêncio.
Ele não disse nada por um momento. Limitou-se a olhá-la. Pela primeira
vez em sua vida, ela não teve nem ideia do que se passava pela sua cabeça.
Ele se recostou em sua cadeira.
— Você já provou um curry muito saboroso?
— O que isso tem a ver agora?
— Se não está preparada para a primeira porção — respondeu ele — a
especiaria pode ser dolorosa. Envolve tudo. Queima a língua e desce
queimando garganta abaixo. Suponho que há pessoas que provam uma porção
e pensam que jamais voltarão a comer nada igual.
— Isso vai se transformar em uma analogia horrível — comentou ela.
— Só estou dizendo que há muitas maneiras diferentes de sofrimento.
Lembra quando me pediu que seguisse o fluxo? Quando publicou o primeiro
ensaio e produziu aquela primeira faísca de interesse.
Depois de tanto tempo, nem sequer uma confissão de amor podia destruir
toda sua amizade. Violet sorriu.
— Como poderia esquecê-lo?
— Eu disse que era impossível, que não estava preparado para fazê-lo.
Que para poder apresentar seu trabalho como se fosse meu, precisaria
compreender tudo o que havia por trás. Teria que conhecer detalhes ocultos da
filosofia naturalista e eu jamais conseguiria fazer algo assim.
— Que tolice! — Protestou Violet, com uma careta.
— Isso foi exatamente o que você falou, — Sebastian sorriu. — Disse que
era uma tolice e fez essa careta de incredulidade, essa mesma. E falou como se
eu acabasse de dizer a coisa mais ridícula do mundo.
— E olhe o quanto você conseguiu. Eu tinha razão.
— Sim, mas Violet... você foi a única que disse isso em minha vida. Você
me olhou, levantou uma sobrancelha duvidosa e me disse que podia me tornar
um dos maiores peritos mundiais de um tema que ainda não tinha sido
descoberto. Até aquele momento, ninguém tinha acreditado em mim —
Sebastian sorria ainda, — Benedict me diz, sem o menor indício de dúvida,
que não tenho feito nada em minha vida.
Violet negou com a cabeça.
— Até Robert e Oliver me veem como uma espécie de piada, e os conheço
desde que era pequeno. São meus melhores amigos depois de você. E eu era
isso quando começamos a trabalhar juntos. Uma brincadeira, uma piada, uma
farsa. Não estão muito longe da verdade. Sou bastante ridículo. Ninguém mais
pode acreditar no que tenho feito. Você é a única pessoa no mundo que me
olhou e pensou: "Esse homem poderia interpretar o papel de um gênio e
ninguém o questionará jamais".
Violet sentia uma opressão na garganta. Não sabia o que dizer.
— Era evidente — conseguiu dizer com rigidez.
— Essa é uma das razões pelas quais eu te amo. Porque vê muitas coisas
surpreendentes e acha que são evidentes. E além disso tem razão.
Uma mulher teria que ser de pedra para resistir a uma atração como a dele,
olhos escuros e luminosos como os seus fixos nos dela.
Para Violet era bom ser de pedra. Imaginava a si mesmo como uma pedra,
bastante dura para soltar faíscas.
— Sinto muito. Sinto muito. Eu não... não posso...
Não podia. Não podia amá-lo por mais que uma parte dela desejasse fazê-
lo.
— Não compreendo. Isso é o que estou tentando dizer. Que o fato de que te
ame não significa que esteja sofrendo. Sempre soube que embora você não
estivesse apaixonada por mim, você também me amava.
O ar que Violet inalou parecia muito denso em seus pulmões. Não podia
pensar, não podia olhá-lo nos olhos. Ele tinha razão, muita razão. Ela nunca
quis admitir, mas ele tinha razão.
Nunca mais. Especialmente com ele.
— É isso — disse esperançosa. — Sim. Nos amamos, simplesmente não
no sentido físico. Não há luxúria. É puramente platônico.
Se deteve ao ver a expressão dos olhos dele.
— É puramente platônico — repetiu ela. Mas ouviu que sua voz começava
a formular uma pergunta. — Certo?
— Não — respondeu ele. — Por Deus, não! – A olhou nos olhos e por um
momento ela quase pôde sentir o calor que saia dele lhe lambendo o umbigo e
baixando lentamente por seu corpo — Não amo você platonicamente. Desejo
você. Desejo muitíssimo. Se quisesse dormir comigo, eu aceitaria Violet, a
levaria agora mesmo. — Encolheu os ombros e aquela onda de calor se
dissipou. Sorriu, — mas você não quer.
Violet soltou um suspiro. Ele tinha entendido errado no final.
— Sebastian... — começou a dizer.
Mas ele se adiantou até ela, fechando o vazio que existia entre ambos, e lhe
colocou um dedo nos lábios.
— Shhh! – sussurrou. — Não é necessário que se desculpe por não sentir o
mesmo. Compreendo.
Não fazia aquilo para tomar liberdade. A tocava como toca um amigo a
uma amiga querida... um conforto, um apoio. Para fazer saber que sabia como
se sentia.
Ela não se afastou como deveria ter feito. Não o fez porque ele não sabia e
ela não queria dizer-lhe.
— Não posso — se ouviu dizer. — Não posso. Não posso ser essa pessoa.
Não posso.
Mas sentia que o antigo desejo despertava nela e se instalava
profundamente em seu ventre como veneno. Se o deixasse entrar, se baixasse a
guarda, a preencheria e ela perderia tudo.
— Violet – ele disse. — Como poderia dizer a você que te amo e esperar
que faça algo que não queira? A última coisa que quero é que não seja você
mesma — colocou uma mão no ombro dela. — Você precisava saber quem sou
eu e que te amo.
Ele não sabia o que dizia. Não sabia quanto doía a ela reprimir seus
desejos. Transformou suas clavículas em aço e impôs rigidez em seus ombros
contra o ataque dele. Ela era uma máquina de engrenagens e metal, forte como
um relógio, e não se derreteria em lágrimas. Não queria. Não o desejava. Não
precisava que fizessem amor.
— É tudo — sussurrou ele.
Por um breve instante ela admitiu uma coisa, que precisava que a
abraçasse. Precisava tanto que não se moveu, embora o calor dos dedos dele
despertasse sensações, imagens a deixava meia quente e meio congelada. Um
sussurro da parte dela e poderiam compartilhar contatos reais de pele contra
pele. Poderiam cair no desejo. Ela poderia ter tudo, amor, carinho,
companheirismo.
Poderia sentir dores, agonia e a certeza doentia de que dessa vez
possivelmente não sobrevivesse.
Só Sebastian se atrevia a amá-la, e ele não sabia de tudo.
Violet fechou os olhos e deixou que os dedos lhe acariciassem com
conforto. Todo o resto podia ser esquecido.
— Shhh. É assim que as coisas são. Você não tem que mudar nada se não
quiser. Absolutamente nada.
— Como continuar agora? — Sussurrou ela.
— Muito simples. Viveremos o dia a dia. Nós iremos ao casamento de
Oliver e faremos piadas um com o outro. Seguiremos com nossa amizade de
antes.
— E você mudará de ideia — disse ela com um brilho de esperança. —
Isso só era um capricho passageiro por parte dele. — Quanto tempo faz que
não tem uma amante? Passou muito tempo comigo e enganou a si mesmo. —
Houve uma longa pausa. — É isso, certo? — Repetiu ela.
— Não — Sebastian sorriu. — Não, não é isso. Mas você verá como não
tem que mudar nada.
TUDO TINHA MUDADO.
Violet gostaria de poder fingir, mas não podia. Por mais que fingisse
indiferença, sabia que estava interpretando um papel. Sebastian a recebeu com
um sorriso uns dias antes, quando Violet e sua criada se encontraram com ele
na estação de trem. Era exatamente o mesmo sorriso que dedicou a seus
amigos, Robert Balisdell, o duque de Clermont e a sua esposa Minerva,
quando chegaram uns momentos depois. Um sorriso amigável e aberto, como
se não tivesse nada para esconder exceto a conclusão de sua última piada.
Mas ela sabia que ele escondia algo.
Estava muito consciente dele durante a viagem de trem, uma viagem longa
e lenta, parando a cada quilômetro em uma ou outra cidade. Do seu assento na
janela, ela olhava os campos semeados com os cereais de verão e tentava
contar as variedades de cevada.
Era mais fácil do que olhar para Sebastian e lembrar de suas palavras.
Ela olhou momentaneamente em seus olhos e ele piscou.
Violet conteve o fôlego. Apressou-se em desviar o olhar, mas não o fez
rápido suficiente. O estrago já estava feito. Ignorar seus próprios sentimentos
foi muito fácil, já o fazia a tanto tempo que era como uma segunda natureza
para ela.
Mas ignorar os dele? Sebastian era um libertino. E queria... queria...
Não. Olhou para a frente com decisão e conversou com a duquesa o resto
da viagem. Minnie era tímida quando se conheceram, o que fazia com que as
pessoas não notassem ela. Mas também era inteligente, e uma vez que
começava a falar, podia dizer muitas coisas. Tantas que daria a Violet uma
desculpa para evitar conversar com Sebastian.
Só quando chegaram a seu destino é que Violet se deu conta de quão
impossível seria os dias seguintes.
New Shaling, a aldeia em que Oliver tinha nascido e onde seria o
casamento, só possuía uma pousada. E na pousada só havia um salão de jantar
que todos os hóspedes tinham que compartilhar.
Por mais que tentasse, não poderia fugir de Sebastian, então ela fez o que
fazia sempre: apoiar-se nas regras de sua mãe.
"Que se uma coisa era impossível não significa que devesse renunciar a
ela".
Sebastian não olhava para ela mais do que olhava para qualquer outro.
Não tinha mudado nada. Exceto, cada vez que olhava em sua direção, ela
sentia uma injeção de calor. E não parecia que fosse deixar de senti-lo. Se
pudesse fazer desaparecer seus infelizes desejos, faria tempo que os teria
removido.
Assim enquanto Robert brincava com o hospedeiro sobre a quantidade de
boi que provavelmente consumiriam, Sebastian conversava com Minnie sobre
as últimas votações do Parlamento, Violet deslizou escada acima e se fechou
em seu quarto.
O que não se podia alterar se podia evitar.
CAPÍTULO 7

NINGUÉM ALÉM DE SEBASTIAN PARECEU notar a ausência de Violet


no almoço. Ninguém se opôs a dar um passeio pelo campo embora
desconhecesse o paradeiro dela.
Durante a viagem até ali se mostrou distraída, concentrando-se apenas nas
palavras de Minnie, sempre com o olhar perdido na distância. Tinha a
expressão de uma mulher que estivesse muito concentrada em um problema.
Sebastian sabia muito bem o que a preocupava. Sentia a outra metade
dessa preocupação em forma de um peso que o esmagava. Eu não quero te
perder.
Assim alegou cansaço quando Minnie e Robert saíram para dar um passeio
com Oliver e Jane. Quando seus amigos se afastaram, pediu uma bandeja na
cozinha e subiu as escadas com ela.
Violet não respondeu quando bateu à porta e, depois de olhar o corredor e
comprovar que estava vazio, Sebastian segurou com uma das mãos a bandeja
que carregava e abriu a porta com a outra.
O quarto era limpo e acolhedor, com móveis simples. A janela dava para
um prado idílico de verão, mas Violet não olhava para vista. Estava sentada
diante da mesa com a cabeça inclinada sobre algumas folhas de papel e
escrevia em um ritmo furioso. Não levantou o olhar nem sequer quando
Sebastian deixou que a porta se fechasse com um pontapé. Não se dera conta
de que ele tinha entrado. Típico dela. Sebastian não pôde reprimir um sorriso.
Aproximou-se, deixou a bandeja sobre a mesa e pegou uma cadeira para se
sentar.
Se tivesse talento para pintar, poderia fazer de cor um quadro com aquela
imagem. Violet absorta em seu mundo. Tinha os lábios apertados e estava tão
concentrada no papel que estava diante de si como um gato que observava uma
mariposa. Quando Violet se absorvia com um projeto, perdia a noção de onde
estava e do que havia ao seu redor. Sebastian se perguntou muitas vezes se a
desconcertava levantar o olhar e dar-se conta de que já tinha passado metade
do dia. Um dia a casa em que ela vivia se queimaria até os alicerces e, quando
isso acontecesse Violet levantaria o olhar horas depois, piscando e
perguntando-se por que estava rodeada de paredes chamuscadas e de cinzas.
Sebastian a princípio desfrutara daquela farsa, em parte porque tinha
desfrutado também do trabalho em si. Mas não só por isso. Quando
apresentava seu trabalho, havia momentos nos quais ela estava consciente
dele. Praticava a conferência com ela e se encontrava sendo o foco dela.
Nesses momentos Violet o olhava como se o resto do mundo tivesse deixado
de existir.
Respirou profundamente. O único modo no qual podia contar com a
atenção dela era quando lhe falava de algo que não fosse ela mesma. Sempre
que tentou se insinuar de algum modo, ela se negava a dar-se por inteirada,
como se todos os aspectos de Sebastian como homem fossem tão irrelevantes
como... como...
Como um edifício que queimava a seu redor enquanto ela pensava em outra
coisa.
Podia gritar. Podia brigar por isso, mas era como gritar com um gatinho
por ter pelos.
Ela continuava escrevendo com fúria. Não só com rapidez. Quando
Sebastian ficou a observá-la, viu que estava zangada pelo que quer que fosse
que a deixava concentrada. De onde ele estava podia ver as linhas que o lápis
dela rabiscava e o modo que apertava os lábios e olhava as páginas com olhos
entreabertos.
Talvez estivesse escrevendo uma carta sobre a crueldade de utilizar
armadilhas de aço para apanhar bichinhos no jardim, pois aqueles eram um
dos temas que a ocupava às vezes. Ou talvez estivesse escrevendo uma
resposta a um colega cientista.
Com Violet acontecia aquilo, nunca se sabia o que a deixava concentrada,
se era algo corriqueiro ou de grande importância. Sebastian só saberia quando
ela saísse daquele transe, não enxergava nada mais a seu redor.
Os segundos de espera deram espaço a minutos. A luz do quarto começou a
mudar lentamente; a sombra que projetava sua cadeira foi se alargando
centímetro a centímetro.
Enquanto observava, a raiva dela parecia desaparecer, transformando-se
em algo que Sebastian não sabia bem que parte do espectro das emoções se
situava. Resignação, talvez? No final, como sabia que aconteceria, Violet
deixou o lápis sobre a mesa e afastou o papel.
Observá-la quando começava a reconhecer o que a rodeava era sempre um
motivo de alegria. Piscou como se acabasse de sair de uma caverna e seus
olhos tivessem que adaptar-se à luz. Ela se esticou, arqueando a coluna e
estirando os braços, abrindo primeiro os dedos e apertando-os depois em um
punho. Respirou fundo e levantou o olhar.
Seu olhar posou em Sebastian. Olhou-o fixamente por um momento.
— Oh! — Exclamou confusa. — Achei que ouvi alguém entrar. Quando
percebi que não me incomodava, tinha que desconfiar que era você.
— Eu sei quando não devo incomodar você.
Violet o olhou por um momento com cautela e depois sorriu para ele.
— É a única pessoa com a qual posso trabalhar estando presente. Estar
com você é como estar sozinha.
— Obrigado, — respondeu Sebastian seriamente, tentando reprimir um
sorriso. Só Violet podia dizer algo assim e achar que fosse um elogio.
Ela piscou novamente.
— Espera um momento. Estava tentando evitar você – falou com
bruscamente. — Pelo amor de Deus! E se eu estivesse escrevendo uma carta
de raiva.
— De verdade? — Perguntou ele. — Isso é para mim? — Começou a
inclinar o corpo para poder ler as palavras dela, mas Violet virou o papel.
— Não — apertou os lábios. — É muito impertinente para que leia isso.
Aquilo normalmente não costumava detê-lo. Sebastian se limitou a cruzar
os braços e esperar.
Ela respirou com força.
— É egoísta. Além disso, te chamei de muitas coisas.
— Quer dizer que levei uma hora aqui sentado vendo você gritar comigo
em sua cabeça? — Aquela ideia o agradava muito. Ele a tinha imaginado
pensando em coisas fascinantes como gatos ou armadilhas de aço e ela esteve
pensando nele. — Isso é maravilhoso, mas está autorizada a gritar comigo na
vida real. O que fiz dessa vez?
Ela suspirou e desviou o olhar.
— Esse é o problema – respondeu. – Você não fez nada. Estava aqui
escrevendo para você um autêntico desabafo e durante todo o tempo que o
fazia percebi que era horrível de minha parte. Metade da razão que me deixou
zangada era que eu sabia que estava sendo muito pouco racional.
Tinha começado a brincar com o lápis que havia na mesa e o fazia rodar
constantemente entre os dedos.
— É pelo que eu disse no outro dia? — Perguntou ele. Violet mordeu os
lábios, mas assentiu com a cabeça — Deixe ver se adivinho sua queixa —
prosseguiu ele. — "É meu melhor amigo. Como se atreve a me desejar?".
Ela voltou a assentir, mas dessa vez começou a ruborizar.
— Sou um homem muito ousado — Sebastian comentou suavemente. —
Um intrépido explorador. Já fiz muitas coisas.
— Sim — respondeu ela, quase no mesmo tom. — Ousou se aventurar no
deserto de Violet Waterfield, nas águas infectadas de tubarões de suas costas
mais traiçoeiras. E viveu para contar.
Havia uma luz dura em seus olhos enquanto dizia aquelas palavras.
Você não é um deserto, ele quis lhe disser. Sabia que ela era capaz de
fazer qualquer coisa pelas pessoas que gostava. Exceto aceitar elogios da
parte deles.
Sebastian encolheu os ombros.
— Trouxe chá para o deserto — informou-lhe.
— O que? Porque? Está treinando para trabalhar de criado?
— Não. Estou praticando para ficar forte.
— Para isso não precisa praticar. Já é um especialista.
Violet se ruborizou e desviou o olhar, mas Sebastian sentiu uma onda de
prazer. Se conseguia provocar, era porque estava começando a sentir-se
confortável de novo.
— Qualquer tipo de perfeição requer uma prática constante – murmurou.
— Além disso, você não tomou o café da manhã nem almoçou. Está com fome.
— Sério? — Ela franziu a testa. — Não comi nada? Estou com fome?
Sebastian esperou em silêncio.
— Ou! — Murmurou ela com certa surpresa depois de uma pequena pausa
— Sinto fome.
Sebastian atravessou o quarto e descobriu o que estava na bandeja. Tinha
experiência suficiente com Violet para pedir coisas que pudessem sobreviver
por algumas horas em uma bandeja. Queijo, maçãs, uma série de verduras de
verão e pão. Algumas bolachas doces e um bule com chá, provavelmente já
morno, completavam a bandeja.
— É perigoso para você não estar bem comigo — disse-lhe. — Não come
o suficiente. Essa é uma das coisas em que sou bom. Certificar-me que coma.
— Tolices — ela estendeu o braço direito e pegou uma maçã.
Sebastian pegou a mão esquerda. Quando o fez, ela ficou imóvel e o olhou
com olhos arregalados que não piscavam. Como se esperasse que ele fizesse
algo mais que tocá-la.
— Não tenha medo — disse ele, com mais sarcasmo do que era sua
intenção. – Vou adiar até amanhã para seduzi-la. Só quero mostrar algo.
Ele virou o pulso e levantou a mão.
— Vê? – Ele deslizou três dedos entre o punho do vestido e o pulso. —
Esse vestido ficava bem em você — girou os dedos para fazer sua
demonstração. — Olhe quanto espaço há agora. Você não está comendo.
— Sim, eu estou — respondeu ela com a testa franzida. — Estou comendo
com certeza. Janto e tomo o café da manhã — franziu mais a testa. — Quase
todos os dias.
— Não está comendo — repetiu Sebastian. — E nem sequer se dá conta de
que não come. Tenho que falar seriamente com sua criada?
— Não adiantará nada — murmurou Violet. — Louisa é muito tímida. Por
isso a contratei — não queria olhar para Sebastian. — Maldita seja! Por que
tem que ser tão... tão...?
Ele arqueou uma sobrancelha.
— Tão necessário. — Terminou ela.
— Oh, Violet — lhe sorriu. — Isso foi quase amável.
Ela fez um som com a boca.
— Faz algumas semanas que lhe disse que, se desaparecesse, não iria nem
perceber. A verdade é que sim eu percebi. Sinto sua falta cada vez que levanto
os olhos — sua voz era suave. — E cada vez que noto isso, sinto-me terrível.
E cada vez que me sinto terrível, olho para outro lado. Você é meu... —
Sebastian se inclinou para ela. — Meu melhor amigo — terminou Violet. — E
odeio você por isso.
Os dois tinham desenvolvido uma espécie de senha ao longo dos anos,
frases que utilizavam para esconder do mundo o que na verdade queriam dizer.
"odeio você" não era parte desse código, mas parecia. Eram palavras que
Violet utilizava porque não podia se decidir a dizer o que de verdade queria
dizer. Para Sebastian não tinha passado desapercebido que, quando Violet
precisava de senha para expressar "preciso de você" e "vêm me ver", sempre
escolhia frases que beirava a grosseria.
— Isso é adorável — disse gravemente. — Eu também odeio você, Violet.
Ela abaixou a cabeça e desviou o olhar. Sem dúvida ouvia o que ele dizia
em palavras que ninguém mais entenderia além deles dois.
— Agora come.
Ela assim o fez.
— Eu gostaria que minha genialidade fosse suficiente para inventar um
robô — disse ele — Inventaria um que a seguisse por toda parte com uma
bandeja. Esperaria pacientemente que levantasse o olhar do que estivesse
fazendo e, quando isso ocorresse, diria: "Lady Cambury, tem que comer algo".
Violet engoliu a parte da maçã que tinha mordido.
— Isso seria terrivelmente irritante.
— Não considero isso uma desvantagem.
— Considero um modo terrível de desperdiçar um bom robô. Eu
modificaria seu invento — respondeu ela, pegando um pedaço de queijo. —
Vestiria uma versão de mim com minhas melhores sedas e o enviaria a fazer
visitas pela manhã. Oh, como odeio fazer visitas pela manhã! Não precisaria
de muito vocabulário. "Sim", diria meu robô, "este clima é horrível, não é
mesmo?" De fato, acredito que seria assim. Dissesse o que dissesse as outras
pessoas, meu robô responderia: "Certamente que sim?" Meu robô teria
maneiras perfeitas.
— Sim. Certamente que sim, não é? — Respondeu Sebastian.
— Seria conhecida em toda parte por minha bondade — disse Violet. —
Nunca fui conhecida por minha bondade.
— Não — respondeu Sebastian. — Certamente que não.
Ela o olhou arqueando as sobrancelhas, mas não comentou a escolha de
suas palavras.
— E eu empregaria esse tempo para pensar em todas as coisas que quero
fazer. E possivelmente poderia encontrar uma área de pesquisa que você
estivesse disposto a apresentar.
— Não — respondeu Sebastian, dessa vez mais lentamente. — Muito
provavelmente não seria assim, certo? Não é a natureza do trabalho, Violet, e
sim a pessoa que o faz.
Ela o olhou nos olhos.
— De verdade? Não haveria nada que pudesse escolher? Nenhum tema
absolutamente?
Você, pensou Sebastian. Você. Tudo que se relacione com você.
— Já lhe disse isso no outro dia. Estou pensando em transportar
mercadorias.
Violet fez uma careta.
— Ah, transportar mercadorias. Isso soa como algo sem regras. Um
conjunto de princípios generalizados que qualquer pessoa pode desprezar
impunemente só porque quer.
— Sim — disse ele com ar zombeteiro. — Certamente que é horrível, não
é?
Ela fez um gesto exasperado.
— Isso é muito irritante. Por mais que odeie admitir, tem razão. Preciso de
um robô mais inteligente. Este fará que me joguem para fora de todas as casas
que visite.
— Não — disse ele. — Jogarão ao seu robô das casas que você visitar, e
pense nas vantagens disso. — Ele piscou e aproximou o corpo. Fez um gesto
para se aproximasse também.
Violet se inclinou para ele.
— Nunca mais terá que voltar a fazer visitas a essas casas — sussurrou
ele.
Ela sorriu.
— Por mais que você queira não me fará rir.
— Por que não?
— Porque vai fazer com que me esqueça e me sinta confortável.
Sebastian sorriu.
— É disso que se trata. Ponha-se rígida o quanto queira e grite comigo
durante horas. Sinta-se desconfortável. No final de tudo isso, eu continuarei te
trazendo maçãs e fazendo você rir.
Ela o olhou com receio.
— Por que?
— Porque — ele baixou a voz, — adoro ser capaz de te fazer rir.
Violet o olhou franzindo a testa consternada. Imediatamente desviou o
olhar e escolheu uma bolacha da bandeja.
— Não tente nada estúpido.
Qualquer outra pessoa a consideraria bastante rude. Outras poderia pensar
que ela não tinha sentimentos. Algumas pessoas possivelmente acreditassem
que era todo espinho e lhe faltava pétalas suaves e bonita. Sebastian a
conhecia melhor que tudo isso.
— Não diga tolices, Violet – disse. – Sou muito esperto para isso.
CAPÍTULO 8

QUATRO SACOS DE BOLAS GUDES. Três baralhos. Uma garrafa de


Brandy, dois de Borgonha, uma quantidade de laranjas... Sebastian riscou o
último artigo de sua lista e levantou o olhar para ver a sala de jantar privada.
Bandeiras azuis decoravam alegremente as paredes e bandejas de comida
cobriam as mesas. Estavam cheias de uvas, queijos, pequenos sanduiches,
pedaço de carne fria, bolos, tortas, biscoitos, massas... tudo junto constituía
um bom banquete de celebração.
Na festa de Sebastian só faltava uma coisa. Convidados. E a julgar pelo
horário, estariam ali em...
A porta se abriu.
— Oh, céus! — Oliver, o primo de Sebastian, apareceu na porta. Passou
uma mão pelo cabelo avermelhado e ajustou os óculos sobre o nariz com
incredulidade.
Sim, Sebastian teve que reconhecer que o efeito era impressionante.
Cruzou os braços e tentou não se gabar muito.
— Acha que vamos comer tudo isso? — Perguntou Oliver baixando a voz.
— Vamos comer, não — respondeu Sebastian com severidade. — Você vai
comer.
— Nessa mesa há um porco inteiro. Tenho que estar de pé amanhã pela
manhã — Oliver negou com a cabeça. — Além disso, prefiro não vomitar na
cerimônia de meu casamento. Jane poderia fazer uma ideia errada.
— Robert e eu vamos te manter de pé. Trarei o balde esta noite. Vamos ver
se... Oh, aí está, Robert. Foi muita gentileza de sua parte se reunir a nós.
— Sem balde — murmurou Oliver.
— Sem balde? — Robert balançou a cabeça. — Do que vocês dois estão
falando?
— De nada — Sebastian sorriu. — Ande, ande. Entre e olhem boquiaberto
a magnificência que preparei – afastou-se para o lado e deixou que seus
amigos entrassem no quarto. Oliver olhou a seu redor, impressionado apesar
de tudo.
Sebastian e Robert fizeram o cartaz que ficou pendurado em cima da mesa.
Felicidades* Oliver, dizia em letras brilhantes e muito coloridos. O asterisco
depois da palavra felicidades levava a uma nota ao pé da página escrita em
letras negras pequenas ao longo da parte inferior do cartaz.
Oliver se aproximou para ler.
— "Por persuadir a inteligente e encantadora jovem e conseguir que se
case com você, o que é provavelmente foi a sua maior conquista até agora" —
leu em voz alta. Mas sorria ao fazê-lo. – Você está certo. Absolutamente certo.
Ainda custo a acreditar que tive tanta sorte.
— Você deveria estar presente na primeira vez que se viram — disse
Sebastian para Robert. — Foi todo um acontecimento.
— Você não estava presente na primeira vez que nos vimos, — interveio
Oliver. Franziu a testa. — Ou estava?
— No segundo encontro — corrigiu Sebastian com um encolher de ombros
— Ela não parava de sair pela tangente e, depois, ele não deixava de olhar por
cima do ombro e se negava a falar dela. Foi amor à segunda vista. Era
evidente para todo mundo menos para ele, demorou meses para se dar conta.
Robert deu uma gargalhada.
— Precisava ter visto ele chorando por ela. Foi catastrófico. Cheguei a
acreditar que havia acontecido algo terrível e ele nem se dignou a mencionar o
nome dela.
— Estou aqui — anunciou Oliver. — Estou na frente de você dois.
Um olhar casual aos presentes não diria que Oliver e Robert eram irmãos.
O cabelo de Robert era loiro e o de Oliver quase laranja, tinha também sardas
no nariz, em contraste com a pele pálida de Robert. Mas além desses detalhes
superficiais, se pareciam muito. Possuíam os mesmos olhos azuis gelo e o
mesmo nariz afilado. Também muitos de seus gestos eram parecidos. Os dois
eram virtualmente inseparáveis e o foi assim desde que descobriram que eram
irmãos por parte de pai há muitos anos atrás.
— Oh, claro — disse Robert, fingindo surpresa – está aqui. Suponho que
teremos que guardar os comentários sobre você até manhã à noite, quando
estará ocupado com outra coisa. Esta noite celebra sua última noite de solteiro
com o estilo que só podem lhe proporcionar os Irmãos Sinistros.
— Sim — interveio Sebastian. — Aqui só está a comida mais sinistra. O
que quer dizer que qualquer homem que coma com a mão direita se verá
forçado a beber um copo inteiro de meu famoso ponche.
Os três, e Violet, eram conhecidos como os Irmãos Sinistros desde seus
dias de estudantes em Eton, principalmente porque os três eram canhotos e
estavam quase sempre juntos.
Oliver fez um gesto de dor.
— Oh, Meu Deus, não! Me diga que vai fazer seu ponche de vinho.
— Tenho uma garrafa de licor de cardo só com esse propósito.
Oliver balançou a cabeça, Robert fez uma careta de nojo. Sebastian
gargalhou. O licor de cardo veio de um dos inquilinos de suas terras e era tão
ruim quanto seu nome dava a entender. Verde, amargo, com pedaços de planta
flutuando na superfície e com um sabor terrivelmente forte. Sebastian praticou
durante semanas quando tinha dezenove anos para ser capaz de bebê-lo sem
fazer careta. "Toma, prova isso", foi uma de suas brincadeiras favoritas na
universidade.
— Bem — disse Robert. — Lembrarei que só se pode usar a mão esquerda
para comer. O qual é muito fácil para Sebastian e para mim, mas aqueles que
são tão raros em utilizar com a mesma habilidade ambas as mãos — olhou
para Oliver com a testa franzida — devem fazer um esforço para lembrar o
bom comportamento. É hora de começar a festa.
— Esperem — Sebastian levantou uma mão. — Não podemos começar.
Violet não chegou ainda.
Robert o olhou e em seguida soltou devagar o ar entre os dentes.
— Ah – disse. — Ah.
— Robert — Sebastian se adiantou um passo para ele, — Onde está
Violet?
— Ah...
— Não quis vir? Sei que tivemos, ah, algumas diferenças ultimamente, mas
não me ocorreu que evitasse minha companhia com você presentes.
Robert mordeu o lábio inferior.
— Com respeito a isso...
— Você a convidou, não foi?
Robert desviou o olhar.
— Pensei... Ela só é membro honorário...
— Membro honorário! — Sebastian deu outro passo à frente. — Nem
sequer perguntou a ela? É isso o que está dizendo?
— Ela não é um dos irmãos, — interveio Oliver na defensiva – já que não
é um menino. Não esteve com a gente em Eton. E nem sequer é canhota.
Sinceramente, a mim isso de membro honorário sempre me pareceu uma
espécie de presente. Ela não cumpre nenhum dos requisitos para ser um Irmão
Sinistro, e é só à luz de seu...
— À luz do fato de que ela cresceu com a gente — respondeu Sebastian
entre dentes. — À luz do fato de que esteve com a gente nos momentos mais
duros e nunca, nem uma vez, se queixou de sua própria vida. À luz do fato de
que o mês passado ajudou Jane com seu tio, algo que você faria bem em não
esquecer, Oliver.
Oliver teve o bom senso de se mostrar envergonhado.
— E vocês dois pensam que não há nenhum problema em deixá-la de lado
simplesmente porque não é canhota?
Oliver apertou os lábios.
— Tudo isso é verdade, mas só para ser preciso, eu não a conheci até que
tivesse quinze anos.
Sebastian golpeou a palma de uma mão com o punho da outra.
— Isso é irrelevante. Robert, disse para você se certificar de que todos os
Irmãos Sinistros estivessem presentes. Era sua única tarefa, além de me ajudar
com o pôster. Eu me encarreguei de pedir carne de porco, as massas, os bolos
de gergelim, o... — Balbuciou ultrajado. — E você não foi capaz de usar três
segundos para falar com Violet?
— Esqueci — respondeu Robert. — Não veio ao passeio, que foi quando
eu pensei em dizer-lhe. Além disso, quando estão os dois juntos, monopolizam
tudo.
— Não podemos evitar ser as pessoas mais interessantes da sala —
replicou Sebastian. — Mas dessa vez será diferente. Nesse momento não
estamos... totalmente amigáveis um com o outro. Por que acha que pedi a você
para convidá-la em vez de eu fazer?
Oliver olhou para Sebastian.
— Ainda? Estão discutindo desde maio.
Sebastian encolheu os ombros.
— De certo modo, sim. É complicado.
— Discutindo com Violet? — Perguntou Robert. — Por Deus, Sebastian!
Pode-se saber que motivo de discussão pode haver entre Violet e você?
Às vezes Sebastian se perguntava se seus primos o enxergava ou não.
Tinham passado anos desde que deu sua primeira conferência, mas nenhum dos
dois conseguiram conciliar-se com sua carreira de cientista. Mas isso, na
realidade, na maioria das vezes jogava a seu favor, pois sua carreira como
cientista estava apoiada em fraude e engano. Mas mesmo assim, às vezes se
perguntava se alguma vez o levaram a sério.
Provavelmente aquilo tinha sido em parte escolha dele. Quase nunca era
sério. Por isso, naquele momento se limitou a encolher os ombros.
— Isso mudou. Neste momento estamos discutindo por eu ter lhe dito que
estou apaixonado por ela durante a metade de minha vida. Isso não se encaixa
com a visão que tem de mim e por isso preferia que não tivesse lhe contado.
Oliver fez uma careta.
— Oh, isso me parece muito improvável.
Sebastian não olhou para ele.
— Vou tomar nota de sua opinião, apesar de ser muito pouco inteirada, e a
descartarei.
Robert suspirou.
— Vamos, Sebastian. Tente dizer algo que faça sentido.
Não. É obvio, que não acreditavam nele.
— Muito bem, me dê um momento — Sebastian deu uma volta em círculo
colocando a mão no rosto. Deixou cair as mãos com ar dramático por um
momento e a seguir abriu os braços. — Atenção! Agora sou Sebastian o Sério.
Sebastian o Sério só pode dizer coisas sérias — fez uma careta zombadora
para outros dois. — Nesse momento Sebastian o Sério quer saber por que não
estão terrivelmente envergonhados por ter esquecido de avisar Violet.
— Sim — respondeu Robert. — Isso é uma interpretação convincente de
um homem sério.
Sebastian apontou o duque com um dedo.
— Para Sebastian o Sério não é divertido que tente mudar de assunto.
Sebastian o Sério insiste em que deixe de discutir comigo e vá buscar Violet
agora mesmo.
— Oh, vamos, isso pode esperar um minuto. Acabo de servir champanha e
pensei que poderíamos fazer um brinde antes de...
Que Robert deixasse de lado Sebastian era uma coisa. Afinal de contas,
Sebastian sempre tentou fazer com que todos fizessem as coisas rápido, um
papel necessário quando seus dois primos eram muito sérios. Mas deixar de
lado Violet? A inteligente e frágil Violet, que foi a única que primeiro
incentivou a ligação entre Sebastian e Robert?
Deu um passo à frente.
— Você me quer sério? — Olhou para Robert atentamente. Seu primo era
uns centímetros mais alto que ele, mas quando Sebastian se aproximou dele,
piscou e deu um passo atrás. — Pois está vendo. Já estou sério. Violet está em
um quarto no andar de cima, sozinha. Não conhece ninguém mais aqui, a
ninguém exceto Jane, que esta noite está ocupada com sua irmã. — Cravou um
dedo no peito de Robert. — Você a conhece desde que tinha quatro anos. E
talvez não se lembre, mas eu sim. Ela inventava jogos para nós quando éramos
crianças. Você fez com que metade de Eton jogasse cartas segundo suas regras,
só que eles nunca souberam que eram dela.
Robert franziu levemente a testa.
— Acho que tem um pouco de razão nisso.
— Deixa de achar e use o cérebro. É viúva, não tem filhos. Sua mãe não
é... carinhosa. Sua irmã é uma víbora que faz tudo o que pode para conseguir
que Violet se sinta inepta.
— Lily? A pequena Lily? Nós estamos falando da mesma garota? —
Robert entreabriu os olhos. — Era um pouco simples, mas amável. Ao menos
parecia ser.
— Você é terrível julgando a natureza humana — murmurou Sebastian. —
Nós somos seus amigos. Olhe o que ela fez por você. Esforçou-se para ajudar
Minnie a sobreviver aos primeiros anos depois de seu casamento com ela. E
Jane... Tornou-se amiga de Jane assim que soube que Oliver estava
apaixonando por ela. E você agora esquece que ela existe.
— Eu... — Robert baixou o olhar. — Tem razão. Foi errado de minha
parte. Assim que brindemos...
— Nada disso. Vá procurar Violet neste mesmo instante — replicou
Sebastian, cortante. — Ou vou sair desse quarto.
— É claro. Mas antes...
Sebastian já não pôde mais. Ele não soube bem o que aconteceu, mas
levantou um dedo e interrompeu a seu primo.
— Oh, olhe. O instante já acabou.
— Muito engraçado, Sebastian.
Ridículo. Uma piada. Nada sério. Nunca levaram Sebastian a sério e
tampouco nunca gostaram muito de Violet.
Robert e Oliver se encontraram com a idade de doze anos e se chamaram
de irmãos. Sebastian sempre esteve um pouco fora da amizade dos outros dois.
Ele era o palhaço, que os fazia rir.
Normalmente não os culpava por isso... pelo menos, não muito. Robert
esteve sempre tão sozinho! Oliver fora criado com uma família que, apesar de
suas maiores qualidades, não o havia preparado para mover-se nos círculos
sociais mais altos. Sebastian tinha seu próprio irmão, não precisava deles
tanto quanto eles se necessitavam.
Mas uma coisa era deixá-lo de lado, o que já estava acostumado. O
esperava, inclusive às vezes o desejava. Mas Violet? Ninguém nunca a
enxergava. Ela era a que fazia tudo e continuava sendo invisível inclusive para
as pessoas que mais gostava. Cada desprezo que fora dirigido a ele, ela o
havia sentido multiplicado por três.
Estava mais que furioso. Sempre tinha acreditado que a expressão "ver
vermelho" era uma frase ridícula, mas o quarto adquiriu uma atmosfera
diferente e a bandeira que flutuava em cima de sua cabeça se obscureceu.
— Bem — se ouviu dizer. Ouvia sua própria voz distante. — Terminei
aqui.
Voltou-se.
— O que? — Ouviu Robert dizer atrás dele. — Pode-se saber que bicho
mordeu você?
— Acho que falava a sério — respondeu Oliver.
Sebastian saiu do quarto e bateu a porta.

VIOLET OUVIU UMA BATIDA NA PORTA.


Piscou e levantou o olhar. Seus olhos doíam. Por que seus olhos doíam?
Ah. Porque já estava escurecendo e estava lendo sem um abajur. Nem
sequer se dará conta de que estava escurecendo, fora de um modo tão gradual
que seus olhos se esforçaram cada vez mais e...
Bateram novamente na porta e ela sacudiu a cabeça e deixou de lado a
questão da luz e a leitura. Lembrou-se de fechar seu exemplar de La Mode
Illustrée antes de abrir a porta.
Não lia revistas de moda, mas aquele jornal em particular tinha um
tamanho tão perfeito que frequentemente levava um com ela. Assim podia
deslizar os artigos entre suas páginas e lê-los sem que ninguém prestasse
atenção ao que lia.
Preparou-se interiormente para ver Sebastian e, quando acreditou que
conseguira uma expressão suficientemente indiferente, disse:
— Entre.
A porta se abriu, mas não foi Sebastian quem batera. Era Robert, e atrás
dele estava Oliver.
— Céus! — Disse Robert — O que faz sentada aqui sozinha na escuridão?
— Estava lendo — explicou Violet.
— Sem um abajur?
— Estava... distraída — disse Violet.
Cruzou as mãos diante dela e levantou o queixo. Sabia que, enquanto
agisse como se suas fraquezas fossem algo comum, a maioria das pessoas não
faria muitas perguntas.
Robert olhou a revista que havia na mesa, que mal era visível na
escuridão, e balançou a cabeça, confuso.
— Estou vendo. Bem, Oliver e eu estamos aqui porque esta noite temos
uma reunião dos Irmãos Sinistros e queremos que venha.
Ela o olhou com a testa franzida.
— Eu só sou um membro honorário.
Robert e seu irmão se entreolharam. Depois Robert fez o possível para lhe
dar um sorriso cativante.
— Não quero ouvir você dizer que só é um membro honorário. Quer dizer,
eu acho que... melhor dizendo, nós acreditamos... — respirou fundo. –
Chegamos a conclusão que te chamar de membro honorário é uma espécie de
insulto. Conheço você há mais tempo que qualquer outra pessoa no mundo.
Você me ajudou a passar momentos difíceis e, bom... eu fui um tolo. Sinto
muito — estendeu a mão esquerda para ela.
Violet estendeu lentamente o braço e apertou sua mão. Não tinha nem ideia
do por que ele se desculpava.
— Fui um tolo — repetiu Robert. — E sinto muito. Odeio a sensação de
que me deixem de lado em algo e pensar que tenho feito isso com você —
moveu a cabeça. — De verdade, sinto muitíssimo, Violet.
— Não se preocupe tanto por isso — respondeu ela, perplexa. —
Normalmente nem me dou conta.
— Então você vai lá embaixo com a gente?
Violet ficou de pé e alisou o vestido.
— É claro que sim. O que se faz em uma reunião dos Irmãos Sinistros na
noite antes do casamento de um de seus membros? Será que isso vai ser
completamente decente?
— Oh, não! — Respondeu Oliver com voz alegre. — Esta noite vamos
jogar a sério. Vamos jogar pesado.
Violet arqueou uma sobrancelha.
— De verdade? E Jane está a par disso? Vai apostar algum dinheiro dela?
— Ah — Oliver sorriu fracamente. – Ela não vai se importar.
Violet balançou a cabeça com diversão e os seguiu.
Nunca jogou cartas com Oliver, mas já tinha feito com Robert, que jogava
de um modo terrível. Tinha potencial para ser muito bom. Levava a conta das
cartas e dominava bem a estratégia, mas sempre acabava se distraindo pelo
que podia acontecer em lugar de concentrar-se no que era provável que
acontecesse. Tinha tendência a convencer-se de que sua mão era melhor do
que era na realidade, o que, de algum modo, não podia perder com cartas
regulares porque ganhar seria uma história melhor. Jogava com um abandono
imprudente. Para sorte dele, nunca jogava a dinheiro.
Oliver, por outro lado... Violet o olhou. Suspeitava que seria o contrário de
seu irmão. Jogaria com cautela. Com muita cautela. Guardaria suas melhores
cartas até que fosse muito tarde para que lhe servissem de algo.
— Oh, bem — ela disse, esfregando as mãos. – Eu não preciso de mais
dinheiro, mas nunca é demais, certo?
Oliver e Robert se entreolharam divertidos.
— Um pouco presunçoso de sua parte, não acha? — Perguntou Oliver.
— Não é presunção — respondeu Violet. — É um fato comprovado com
base em evidencias nas experiências continuas.
Robert soltou um grunhido.
— Eu melhorei um pouco desde da última vez que jogamos.
Aquilo provava que não era verdade. Se realmente tivesse melhorado,
teria tido a astúcia de guardar essa informação.
Levaram-na a uma sala privada que havia no andar de baixo. Oliver lhe
abriu a porta e segurou a cadeira para ela se sentar. Robert lhe perguntou o que
gostaria de beber. Eles pareciam exageradamente solícitos e Violet começou a
suspeitar de algo estranho.
Lançou para os dois seu olhar mais temível.
— Acreditei que isso fosse uma reunião dos Irmãos Sinistros — comentou.
— E é. — Respondeu Robert, com uma jovialidade que parecia um pouco
forçada.
— E onde está Sebastian?
Robert e Oliver trocaram olhares.
— Não está aqui — disse por fim Oliver. — Mas acredito que voltará.
Violet cruzou os braços sobre o peito.
— Oh, voltaram a fazer isso de novo, não é mesmo? — Perguntou.
— Fazer o que?
— Isso que estão acostumados a fazer. Os dois estão tão entusiasmados um
com o outro que às vezes não se dão conta. Ignoram Sebastian...
— Ignoramos Sebastian? Como se alguém pudesse fazer isso. Você já viu
alguma vez esse homem? — Quis saber Robert.
— E agora fingem não perceber tê-lo deixado totalmente de fora — ela
bufou. — Isso é terrível da parte de vocês. Posso estar... um pouco
incomodada com ele nesse momento, mas isso não significa que possamos
começar sem ele.
Oliver e Robert trocaram um longo olhar significativo.
— Ei. — Oliver perguntou por fim. — Pode-se saber por que vocês dois
estão discutindo?
— Essa foi uma tentativa de ser diplomático? — Perguntou por sua vez
Violet. — Porque, realmente foi terrível. Me dói que meu amigo tenha chegado
à avançada idade de trinta e dois anos sem ser capaz de dizer uma mentira
corretamente. Como espera conseguir algo na política?
Oliver corou.
— É melhor quando não são pessoas que conheço.
Bem. Conseguiu distraí-lo. Violet bufou com incredulidade e então olhou
ao redor da sala.
— Sebastian voltará — disse Robert. — Esteve aqui antes.
— Ah — ela olhou para a quantidade exagerada de comida que havia. —
Sim, com certeza esteve. Agora eu percebo.
— Porque diz isso? — Perguntou Robert.
— Se excedeu bastante — respondeu ela. — Há um porco inteiro e dois
frangos assados e além disso vejo tortas de gergelim e mirtilo. Acho que
nenhum de vocês lembram que esses são os meus favoritos.
Robert corou.
— Não se preocupe — disse ela. — Não precisam saber. Só pode haver
um Sebastian.
— Isso é certo, — respondeu Oliver.
— Falou em jogar pesado — continuou ela. — Quais são as apostas?
Robert procurou algo na mesa.
— Aqui... Ah, sim, aqui estão. Temos muitas — tirou bolinhas de gudes de
vidro, cada uma de uma cor diferente. Oliver pegou as verdes e Robert ficou
com as vermelhas. Após um momento de hesitação, Violet pegou a bolsa de
gudes azuis.
Robert franziu a testa.
— Não vai escolher as de cor lilás?
— E porque deveria? Ou sou obrigada a escolher as violetas porque me
chamo Violet?
— Tive esse pensamento, sim. Além disso, vi você muitas vezes usando
essa cor e eu acreditei que era um de suas favoritas.
— E é — respondeu Violet. — Mas também pensei que, se eu pegasse as
azuis, Sebastian será forçado a ficar com as lilases. E me pareceu mais
importante acalmar seus desejos que satisfazer meu gosto pessoal. E também
gosto de azul.
Oliver começou a rir.
— Mas não respondeu à minha pergunta — insistiu ela. — E o que
representam essas bolinhas?
— A única coisa importante que existe — proclamou Robert. —
Representam a glória, a vitória e a honra.
— Pretencioso — respondeu Violet. — Ninguém quer sua honra, Robert.
Isso é chato. Eu sugiro que representem favores.
— Favores?
— Favores — disse decidida. — Se você ganhar uma bolinha, pode me
pedir um favor e terei que concedê-lo. Pode me fazer saltar vinte vezes numa
perna só, se quiser, ou me pedir que tenha uma longa conversa com sua mãe.
Se ele ganhasse, coisa que não iria acontecer.
Robert olhou seu irmão com nervosismo.
— Mas então deve haver algum limite, não acha? Porque você poderia
pedir um voto no Parlamento ou...
Violet agitou a mão no ar.
— Isso é o que faz que seja tão divertido. Apenas o limite que impõe a
amizade, não acha?
— Mas...
— Ou não confia em mim?
— Não desejo te ofender, Violet, mas quando me olha desse modo, não.
Não confio.
A porta se abriu e Sebastian entrou. Ao ver Violet, parou.
E então sorriu. Foi um sorriso brilhante, um fogo crepitante de alívio e
felicidade. Por um instante, ela se sentiu como um pavio, preparada para arder
com ele. Sorriu por sua vez sem poder conter-se e o seu foi um sorriso que
atravessava todas as paredes e ameaçava consumir.
Antes que isso acontecesse, desviou o olhar. Apertou os lábios e adotou
uma expressão indiferente.
O sorriso dele vacilou. Sebastian balançou a cabeça.
— Não se preocupem comigo – disse. — Já voltei.
Robert e Oliver baixaram o olhar e arrastaram os pés e Violet se perguntou
o que teria acontecido antes de sua chegada.
Sebastian tossiu.
— Sebastian o Sério retornou – declarou. — Que comece a festa!
CAPÍTULO 9

QUANDO VIOLET RETORNOU cambaleante para o quarto, eram quatro


da manhã. Tinha a sensação de que não encontrava as paredes, que, por alguma
razão, não pareciam ser feitas em linha reta.
— Pobre Robert — disse.
— Tome cuidado com a cabeça — Sebastian a agarrou e a ajudou a
endireitar-se.
— Viu a cara que fez quando dei todas suas bolinhas para Oliver como
presente de casamento? Nunca o vi tão pálido — Violet ouviu algo que se
parecia suspeitosamente com uma risada tola. Mas não podia ser ela, ela não
ria assim.
Embora, por outro lado, ela não podia pensar que a risada fosse sua. Ah,
sim soltava risadas tolas. Estava bêbada.
— Condenado licor de... — demorou um momento para encontrar a
palavra — licor de cardos — conseguiu dizer por fim. — Não é justo. Fui
penalizada o triplo de todos vocês. Não é justo que eu seja a única destra.
— E mesmo assim ganhou nas cartas — disse Sebastian com um sorriso.
— Aqui está sua porta. Sua criada chegará em seguida.
Violet franziu a testa.
— Pois é claro que ganhei — sentia-se ofendida. — Estar bêbada faz com
que seja melhor em matemática, não pior.
— Isso só acontece com você — disse ele com uma careta. Abriu a porta e
a ajudou a chegar até uma cadeira.
Violet se sentou agradecida.
— Vou dar as bolinhas para Oliver e Jane. Ela as utilizará bem. O único
que me preocupa é...
Não. Não ia dizer aquilo em voz alta. Mas foi como se o tivesse feito.
— Isso?
Sebastian tirou uma bolinha de seu bolso. Violet não podia ver sua cor na
escuridão, mas sabia bem qual era. Tinha olhado atentamente durante a noite, a
única bolinha de sua cor que perdeu. Mas Sebastian se negou a apostá-la
depois que a ganhou e foi essa esfera de vidro azul brilhante que Violet tinha
visto a noite inteira.
Era uma pequena esfera cheia de possibilidades. Ele podia usá-la para...
Podia fechar sua porta para o resto do mundo. Estava bêbada o suficiente
para esquecer todas as razões que aconselhavam cautela. Por um momento
teve uma visão, uma imagem de paixão e álcool, do corpo dele pressionando
contra o seu, de seus lábios se abrindo para ele, de pele nua desfrutando de
outra pele nua.
Seria algo que iria acontecer com outra pessoa. Outra Violet o convidaria a
seu quarto. Outra Violet sofreria as consequências. Enquanto não fosse ela...
Mas sim era ela. Não estava tão bêbada para acreditar em outra coisa.
Respirou profundamente várias vezes.
Os limites da amizade? Que estúpida foi ao permitir semelhante
possibilidade! Mas Sebastian não estava presente em seu quarto quando ela
propôs essa regra e, por alguma razão, não pensou que um homem que tinha
admitido que a desejava, desejava-a do modo menos platônico possível,
pudesse exigir um favor que não tivesse limites.
— Violet — disse ele com suavidade.
A mão dele lhe tocou o cotovelo e ela se afastou bruscamente.
— Está tremendo — murmurou ele.
— Não é verdade. Só sinto frio.
Sebastian segurou sua mão.
— Tome – colocou a bolinha na palma da mão dela, quente pelo calor do
corpo dele. — Quero reclamar meu favor.
Violet não pôde evitar que um calafrio percorresse seu corpo da cabeça
aos pés.
Ele apertou os dedos dela ao redor da bolinha de vidro.
— Faz isso por mim — disse. Aproximou-se mais um passo.
Ela podia cheirar seu perfume. Nele, o amargor do licor de cardo se
transmutava em algo saboroso, algo verde e tentador.
— O que é que você quer? — Perguntou.
— Quero que pare de ter medo — respondeu ele. – Me conhece melhor
que todos. Eu jamais te pediria algo que você não quisesse. Nem com uma
bolinha nem de nenhum outro modo.
Violet se recostou em sua cadeira com alívio. Alivio e...
E talvez, só porque estava tão perto da embriaguez, talvez também uma
centelha de decepção.
Procurou a mão dele na escuridão. Seus dedos eram quentes nos dela.
Como conseguia manter tanto calor? Parecia desumano. Ou possivelmente,
ainda pior, parecia muito humano.
— Não compreendo — fechou os olhos. — De verdade que não o entendo.
Por que não está zangado comigo? Se eu não... — interrompeu-se, incapaz de
continuar aquele pensamento em voz alta.
Mas o pensamento sim continuou na escuridão. Ele a desejava. A queria
em sua cama, com suas pernas entrelaçadas e seu corpo forte e magro
cobrindo o dela. Suas mãos segurando contra o colchão...
Não. Ela não queria aquilo. Não podia.
— Seu marido se zangava com você? — Perguntou ele.
Violet sentiu uma opressão na garganta. Seus dedos se contraíram
espasmodicamente ao redor dos dele. Mas não disse nada.
— Às vezes – Sebastian continuou falando. — Às vezes eu sim. Fico
frustrado porque, caramba, Violet, desejo muito você. Mas depois lembro que
somos amigos. E a parte de mim que é seu amigo quer me dar um murro na
cara. Não tenho direito de ficar zangado com você só porque eu quero algo
diferente.
— Mas... você tem um desejo...
— A desejo todos os dias — a mão dele continuava apertando a dela. —
Mais a cada dia que passa, Violet. Mas observei você durante seu casamento.
E se me permite dizer, acredito que não precisava que outro homem ficasse
zangado com você.
Ela respirou fundo e todo seu mundo voltou a estar em ordem. Aquele era
Sebastian, não algum monstro horrível. Podia confiar nele naquele ponto.
— Toma — disse. Colocando a bolinha na mão. — Isso não tem que contar
como favor.
Sua mente era uma confusão de imagens. A sua boca na dela, a mão dele
apertando seus dedos... suas mãos podiam aproximá-los até que o corpo dele
se apertasse contra o seu...
Não. Todas essas coisas eram para outra pessoa. Não para ela quando
estava bêbada. Nem tampouco quando estivesse sóbria. Para ela nunca.
Ela era como um monte de papéis, seco como o pó, com o nome de
Sebastian escrito em todos eles.
Fechou os dedos dele ao redor da bolinha.
— Confio em você, Sebastian – disse. — Sempre confiei.
Enquanto ele tivesse a bolinha, existia a possibilidade, embora fosse
pequena, de que algum dia pudesse ser algo mais para ela. Em algum outro
lugar podia haver outra Violet que fosse beijada. Ela só conseguia manter essa
esperança, e a felicidade de outra pessoa, pois era isso que desejava com todo
o ardor de seu coração.
Possivelmente algum dia pudesse permitir-se imaginar que essa outra
pessoa poderia ser ela. Enquanto essa esperança existisse só em sua cabeça,
não poderia sofrer.
Mas ele sorriu como se aquela Violet, aquela mulher exigente e
impossível, fosse suficiente para ele.
— Amigos? — Disse em voz baixa, tão baixa que ela quase pôde sentir a
palavra reverberando em seu peito.
Violet soltou a mão dele.
— Amigos — concordou.
TALVEZ FOSSE PELO CASAMENTO. Jane resplandecia na parte da
frente da pequena capela, cheia de joias como nunca se viu em New Shaling.
Nenhum dos presentes pode afastar os olhos dela, e Oliver menos que
ninguém. Talvez fosse a posterior volta a Londres, com Robert e Minnie
sentados um ao lado do outro com as mãos unidas.
Talvez fosse algo no ar do verão, porque desde aquele momento, em
qualquer lugar que Violet olhasse, via casais. Casais passeando pelo parque,
com as damas baixando os olhos com delicadeza e os cavalheiros sorrindo
com ar possessivo. Casais fazendo piquenique. Casais juntos nas carruagens,
procurando curvas fechadas como desculpa para se apoiar um no outro. Havia
casais felizes por toda parte.
A visita a sua irmã só serviu para reforçar essa percepção. Violet foi
levada para o salão. Estava ouvindo sua irmã contar tudo o que aconteceu na
noite do dia anterior, os detalhes do sucesso da Amanda naquela temporada,
quando a porta se abriu e entrou o marido de Lily. Saudou Violet
educadamente e continuando, o marquês de Taltley se colocou atrás de sua
esposa e lhe sussurrou algo no ouvido.
Violet desviou o olhar. Afastou o quanto pode. Mas só podia afastar
educadamente o olhar até um ponto sem se arriscar a ter uma cãibra no
pescoço e não pôde evitar de ver como ele deslizava os dedos pelo ombro de
sua irmã.
Lily deu um pequeno golpe brincalhão na mão.
— Não, pare! — Disse com uma piscada insolente. — E deixa de me olhar
assim. Só faz sete meses desde o último parto.
Violet sorriu, mas sentia os cantos de sua boca, apertado, como se a mais
leve brisa pudesse fazer que seu rosto rachasse e se desfizesse em pó.
Lily se levantou, pegou o braço de seu marido e o levou até a porta. Violet
tentou não prestar atenção ao modo que ele se inclinava para sussurrar algo
mais ao seu ouvido. Voltou a cabeça para não ter que ver sua irmã corar, um
rubor que não tinha nada a ver com a vergonha, a não ser com algo muito mais
íntimo.
Não queria ver sua irmã apertando a mão de seu marido, não queria
imaginar as promessas que sussurravam um ao outro.
— Vá de uma vez — disse por fim Lily, ainda apertando a mão de seu
marido. — Não tem que ler as leis, nem escrever discursos?
— Sempre o faço muito melhor quando tenho inspiração — ele se inclinou
para os lábios dela.
Violet apertou as mãos em seu colo.
Lily se afastou.
— Fora – disse. — As damas têm coisas para conversar — fechou a porta
atrás dele, mas permaneceu um momento apoiada nela com uma mão no trinco
e balançando-se levemente.
Naquele momento, Violet odiava os casais felizes. Sentia o peso daquele
sentimento, de um ressentimento irritante e indigno que enchia seu coração.
Nunca teve inveja de Lily, mas às vezes lhe parecia injusto. Lily tinha tanto! E
ela...
Lily sorriu com ar sonhador.
— Sei o que está pensando – disse. — Está pensando nas regras de nossa
mãe. "Uma dama jamais contradiz a seu marido e uma filha nunca contradiz a
seu pai".
Violet exalou o ar lentamente. Lily nunca iria saber o que pensava. Por isso
Violet a amava tanto. Porque sua irmã era capaz de pegar seus pensamentos
mais horríveis e transformá-los em algo quase humano.
— A importância de uma mulher vem de seu marido — continuou Lily. —
Desautorizá-lo é perder seu próprio lugar na sociedade.
— Essa não era a intenção dessa regra — respondeu Violet. — Não se
tratava de submeter-se ao marido; era uma questão de percepção pública... —
interrompeu-se.
Lily revirou os olhos.
— Pública, privada. Que diferença faz? Me sinto mal. Tenho que lhe dizer
não às vezes. Fico grávida só com ele espirrando perto de mim.
As unhas de Violet faziam sulcos em suas palmas. Mas preferia aquela dor
aguda a dizer em voz alta o que lamentava, e permitir que alguém escavasse
seu coração.
Lily arregalou os olhos. E olhou para Violet.
— Oh, Meu Deus! — Exclamou. Colocou a mão no braço de sua irmã. —
Sinto muito. Sinto-o muitíssimo. Não devia dizer... não pensei no que falava.
Violet escolheu suas palavras com cuidado, imaginando que cada uma
delas era um bloco de ferro que a separava de seu ressentimento feroz.
— Não tem por que se desculpar. Se não pudéssemos falar de crianças
entre nós, não teríamos muito que conversar — respirou fundo e olhou sua
irmã nos olhos. — E se acha que não sei que fica grávida com facilidade,
certamente imagina que sou a irmã menos observadora do mundo. Depois de
seu quinto filho, ficou evidente, inclusive a um observador imparcial, que
tinha crianças com facilidade. Como acaba de ter o número onze... — Violet
encolheu os ombros.
— Certo, — mas Lily parecia ainda arrependida. — Apesar disso, não é
necessário que lhe esfregue isso na sua cara. Sinto muitíssimo. Sinto-me mal.
Não deveria dizer nenhuma palavra.
Se Lily se sentia tão mal, por que era Violet que a consolava? Porque Lily
é assim.
— Pare de se preocupar — disse-lhe. — Se você acha que tenho ciúmes
da facilidade com que engravida, isso não é verdade. Eu juro.
— Mas...
— Posso jurar isso a você no túmulo de nosso pai — insistiu Violet. –
Menti para você alguma vez?
O rosto de sua irmã clareou.
— Não.
Violet manteve uma expressão impassível. Em teoria, não disse a Lily uma
mentira direta. Só tinha dado falsas implicações. Para Lily, franca e confiante,
não lhe ocorria que Violet escondesse... muitas coisas. E depois de Violet
levar anos guardando segredos escuros, era impossível endireitar aquilo.
— Não choro por não ter filhos — disse, tentando algo mais próximo a
uma amizade carinhosa. — Amo seus filhos. Para mim eles são suficientes.
Lily sorriu com um pouco de tristeza.
— Você não chora nunca, Violet.
— E por que faria? Não há nada que me deixe triste.
Lily era toda luz e franqueza. Era calor e sorrisos. Era tudo o que Violet
poderia ter sido se... Havia muitos "se" entre as duas para que Violet pudesse
encontrar a si mesma em sua irmã. Lily era a versão mais quente dela. Seria
uma tolice dizer que Violet sentia ciúmes dela. O ciúme era algo feio e
implacável. As pessoas não podiam amar o ciúme e se Violet estava segura de
algo, era de que amava sua irmã. Observar a vida de Lily era o máximo que
ela poderia aproximar-se de conhecer a normalidade: crianças, afeto,
confiança, família, amor...
Não, Violet não estava com ciúme de sua irmã.
Mas às vezes, quando estava com ela, odiava o mundo.
— E bem – disse. – A respeito de Amanda, sei que quer que converse com
ela, mas... você já percebeu que pode não gostar do que direi a ela?
Lily começou a rir como se tudo voltasse a realidade.
— Meu Deus, Violet! É obvio que não gostarei. Você falará com
severidade e com lógica. Apresentará todas suas opções. Será racional como
só você pode ser, Violet. Se gostasse da conversa que devo ter com minha
filha, eu a teria tido. Por que acha que pedi isso a você?

VIOLET SE ENCONTROU COM SUA SOBRINHA um pouco depois,


quando tinha terminado sua conversa com Lily. Puxou Amanda até um salão
pequeno, jogou três de seus irmãos menores para o corredor com a promessa
de lhes dar caramelos de hortelã e fechou a porta.
— Tenho um presente para você — disse.
— De verdade?
Violet colocou a mão em sua bolsa e tirou um cachecol azul claro enrolada
em forma de bola.
— Oh, que bonita! — Disse Amanda com cortesia. – Você quem fez...? —
Interrompeu-se quando suas mãos se fecharam em torno do presente e tocou as
bordas quadradas ocultas nos limites da lã. Arregalou os olhos – É para mim?
— É obvio que sim — respondeu Violet.
Amanda afastou o cachecol e tirou o livro encadernado em couro.
— Orgulho e Preconceito – disse. — Mas tia Violet, você sabe que já li
esse livro.
Sua tia não piscou.
— Esta versão não.
— Humm — Amanda abriu a capa.
— Eu mesma que fiz — disse Violet.
Era verdade. Era uma perita na hora de esconder material de leitura
inadequado em algo aceitável. Tinha cortado pessoalmente as páginas de
Orgulho e Preconceito e colocado aquelas outras em seu lugar. De todo modo,
nunca tinha gostado daquela versão do livro. Era uma primeira edição
horrível, que se atribuía ao autor de Razão e Sensibilidade. Que não tivesse o
nome da autora, incomodava muito Violet. Preferia as edições mais novas, nas
quais aparecia o nome de Jane Austen na capa.
— O que é isso? — Sussurrou Amanda.
Violet baixou a voz.
— Algo que não pode falar para sua mãe.
Amanda a olhou nos olhos.
— Lembra que sua mãe disse a você que é a única que pensa o que pensa
do casamento e que se disser o que pensa todo mundo vai rir de você?
Amanda assentiu.
— Pois está errada. Você não está sozinha. E é bastante adulta para vê-lo
por si mesma.
Amanda respirou com força.
— Oh, tia Violet!
Talvez fosse estúpido fazer um presente assim. Possivelmente tenha sido
estúpido passar tantas horas pensando no livro apropriado. Estúpido ter ficado
tantas horas retirando as páginas velhas e colando aquelas em seu lugar.
E independentemente do que Lily tinha falado, Violet sabia que sua irmã
não iria aprovar. Ela queria que desencorajasse sua sobrinha, para fazê-la
acreditar que não tinha escolha. Ficaria furiosa se soubesse daquilo. E, no
entanto, quando Violet olhava a sua sobrinha aos olhos, via uma versão mais
jovem de si mesma e não podia permanecer em silêncio nem ignorar as
preocupações de Amanda.
Não se case com um conde, Amanda. Não se arrisque ele vai quebrá-la.
Não se pareça comigo. Não vale a pena, falem o que falar.
— Não conte a ninguém – repetiu. — Lily me matará se descobrir isso.
CAPÍTULO 10

SEBASTIAN ASSOBIAVA A CAMINHO da casa de seu irmão. O sol


brilhava, os pássaros cantavam, Violet voltou a falar com ele e sua pequena
ideia havia dado frutos.
Ele sorriu ao deixar o cavalo nos estábulos, saudou alegremente com um
aceno de cabeça o mordomo e a criada que cruzava o salão.
— Olá, Benedict — cantarolou quando abria a porta do escritório de seu
irmão.
Esse levantou o olhar.
— Sebastian – disse. — Me alegro em ver você, — mas não sorriu.
Sebastian fora visitar seu irmão muitas vezes nas últimas semanas. Uma
vez para pedir ajuda com os registros de transportes que conseguiu e outra
para lhe perguntar sobre várias mercadorias manufaturadas. Tinham sido
tardes agradáveis, onde não havia necessidade de falar do futuro nem motivos
para se preocupar sobre o que poderia ocorrer. Apenas uma oportunidade de
conversar com Benedict de homem para homem.
— Você tem mais perguntas para mim? — Perguntou seu irmão.
— Não — respondeu Sebastian com tranquilidade. — Hoje não. Lhe disse
que queria que você visse o que eu podia fazer. Pois bem, aqui há um pequeno
exemplo.
Benedict piscou com cansaço quando Sebastian se aproximou de sua mesa
e deixou nela a pasta que levava.
— Olhe — disse ele.
Seu irmão estendeu a mão, viu o selo na parte da frente e afastou a mão.
— Isso é de Wallisford e Wallisford — Benedict o olhou perplexo. — Há
alguma razão para que me mostre algo dos advogados da família?
— Eu mesmo poderia ter lhe dito isso, — respondeu Sebastian — mas
desse modo parece um pouco mais oficial.
— Oficial? Teremos que nos colocar em plano oficial?
— Bem — Sebastian tentou não mostrar muito entusiasmo. — É possível.
Benedict encolheu os ombros e passou a primeira página. Então viu outro
selo.
— Pela presente certificamos que isso é uma cópia verdadeira e correta,
etc, etc, etc — murmurou para si. Passou outra página. Era a cópia do extrato
de uma conta bancária.
Sebastian tentou esconder seu orgulho. Mordeu o lábio inferior, mas deixou
escapar um sorriso por mais que tentou escondê-lo.
Seu irmão soltou um som estrangulado.
Em seguida Benedict lhe perguntou como tinha feito. Falou por horas e no
final de tudo isso, seu irmão se daria conta de que ele, Sebastian, era algo
mais que o jovem tolo que Benedict lembrava.
Benedict passou uma página e depois outra com o semblante franzido.
— Sebastian – disse por fim. — Isto não pode ser uma cópia verdadeira.
— Mais é.
— Mas aqui diz que ganhou vinte e duas mil libras esterlinas no decorrer
dos últimos dezessete dias.
— Sim — respondeu Sebastian. — É exatamente isso.
— Isso é ridículo. Ninguém arruma tanto dinheiro tão depressa. Não com
um investimento inicial de... — olhou o papel. — Três mil e duzentas libras?
— Falava como se sentisse ultrajado.
— Já tinha te falado sobre isso. — Sebastian estendeu o braço e virou a
página seguinte. – Eu disse a você que estava pensando no comércio. Sei que é
algo pequeno, nada comparado com o que você realizou. Mas me pareceu que
podia ser um enigma interessante. Estava pensando em transporte
mercadorias...
— Sei que estava pensando em fornecer as mercadorias — Benedict o
interrompeu. — Mas leva meses para fazer dinheiro transportando
mercadorias. Anos, inclusive.
— Do meu modo, não — respondeu Sebastian. — Pensei que seria
interessante provar isso. Me ocorreu que se o fizesse... – ficou em silêncio.
Seu irmão não se mostrava satisfeito. Não parecia interessado, mas sim
balançava a cabeça e franziu a testa.
— O que você fez agora, Sebastian?
— Ah, me deixe explicar — quando Benedict entendesse, tudo ficaria bem.
Sebastian se recostou em sua cadeira — Tive uma ideia. Quando um navio
zarpa, você pode comprar uma parte da viagem. Se a maré, por exemplo, está
alta quando chega o navio, tirará um bom lucro. Se baixar, pode perder seu
capital. E se o navio se perde no mar... — Sebastian balançou a cabeça. —
Nesse caso, você perde tudo.
— Especulação — comentou seu irmão. Enrugou o nariz como se cheirasse
algo horrível. – Você se envolveu com especulação.
— Só até certo ponto. Espere, um momento. Quando os navios demoram
muito para chegar, as pessoas começam a ceder ao pânico e a vender suas
ações. Afinal, ninguém quer ficar com produtos que não valem nada. É melhor
se livrar disto rapidamente.
— Ainda pior — Benedict esfregou as sobrancelhas. – Se envolveu com
especulação repugnante.
— Há muitas razões pelas quais os navios se atrasam. Mau tempo, capitães
incompetentes, acontecimentos estranhos e inexplicáveis. Vire a página, —
Sebastian fez um gesto com a mão.
Seu irmão fez o que lhe dizia e franziu a testa quando viu o oceano de
números que tinha diante de si.
— Conhece os métodos numéricos que começaram a usar na investigação
científica? Fui ao Almirantado e obtive certa informação. Trezentas páginas de
informações. Com qual frequência os capitães se atrasam, quais portos os
navios visitaram e como isso contribuía para que fossem pontuais. Utilizando
os métodos numéricos que mencionei e algumas almas valentes que contratei, e
cujo custo aparece na página sete, pude determinar também algumas variáveis
que contribuíram para o atraso dos navios. Na página quatro há uma estimativa
de como podemos levar isso em consideração. Nesse ponto, não foi difícil
identificar ações de viagens que estavam infra valorizadas. Quer dizer, navios
que chegavam tarde, não porque achamos que se perderam no mar, mas sim
porque certos fatores na viagem sugeriam que seria normal que chegassem
tarde.
Benedict o olhou atentamente.
— Não entendo nenhuma palavra do que me disse.
— Sim, bem, posso te explicar a parte matemática logo mais com mais
detalhe, se quiser – pigarreou. — Ainda tenho várias centenas de ações
pendentes. Pode ser que os navios nunca cheguem. Por pura estatística, alguns
deles simplesmente não chegarão, ou chegarão tarde. De qualquer modo, eu
queria experimentar esse negócio e dar a você uma ideia do que posso fazer,
de quem sou.
— Mas... mas... — Benedict balançou a cabeça.
— Na realidade poderia ter ganho setenta mil, — continuou Sebastian—
porque Blotts e Snoffling, os seguradores, acho que já ouviu falar deles, eles
me ofereceram cinquenta mil libras para que lhes dissesse meu método. Mas
eu...
— Oh, Meu Deus! — Exclamou Benedict. — Cinquenta mil libras? Isso é
ridículo!
— Isso mesmo. Cinquenta mil quando ganhei quase a metade em uma
semana? Acham que sou idiota?
Benedict passou uma mão pelo cabelo.
— Eu não me referia a isso exatamente.
— De qualquer modo — continuou explicando Sebastian — Esse método
só dá lucros agora porque estou explorando a lacuna entre a informação que
tenho e as pessoas que investem. De um momento para o outro quando as
pessoas se derem conta do que estou fazendo, deixará de haver lucro nisso.
Então terei que ser mais sutil no futuro.
Seu irmão fechou os olhos e lentamente bateu com o punho na testa.
— Meu Deus! — Murmurou. E voltou a bater com o punho mais duas
vezes.
Sebastian sentiu que seu sorriso se transformava em algo frio e mecânico.
Lambeu os lábios.
— Aconteceu algo? — Perguntou.
— É pura sorte, — disse seu irmão. — Utilizar os métodos de
investimento mais perigosos possíveis é contar puramente com a sorte.
— Não, não! — Respondeu Sebastian. — Olhe, trouxe os números. Não é
perigoso porque diversifiquei meus investimentos em vários navios. É seguro.
É uma das coisas mais seguras que poderia ter feito. Usei informações que
ninguém mais pensou em juntar e de um modo que ninguém mais entendia. Por
isso pude fazê-lo. Assim que publique minha descoberta, todos os bancos da
cidade começarão a procurar especialistas em números.
— Sorte ou... o que queira chamar — replicou Benedict, balançando a
cabeça. — Isto é... é muito parecido com você, Sebastian. Não precisa de
mais dinheiro. Eu gostaria de ver você entrar no comércio porque pensei que
isso faria você sossegar. Ensinaria a ser cauteloso, a não correr... riscos
terríveis com base em alguma sandice numérica nova. Pelo que sabemos, essas
tolices numéricas modernas podem estar muito erradas.
— A matemática nunca está errada — disse Sebastian, escandalizado. —
Só a aplicam errado.
Benedict fez um gesto no ar com a mão.
— Queria que aprendesse a ter responsabilidade. Que aprendesse
organização, como funcionam as coisas. Não queria que tratasse os negócios
como um jogo ao qual pode ganhar reunindo a máxima quantidade de pontos
no menor tempo possível. Isso é justamente o oposto do que eu esperava.
Seu irmão falava como se Sebastian fosse um menino que precisava
repreender porque fez algo proibido. Mas era um adulto e ainda não conseguia
entender o que fizera de errado. No momento lhe pareceu uma boa ideia. Criou
um interesse comum entre os dois e se divertiu no processo.
— Entendo — disse com voz fria. — Então...
Acreditou que poderia apresentar os resultados para Benedict, que seu
irmão prestaria atenção e possivelmente até começaria a sentir um pouco de
orgulho. Uma certa afinidade, algo que ajudasse a preencher os anos que havia
entre eles. Assim tinha pensado.
— Não estou zangado com você — disse Benedict. — Mas às vezes
acredito que vivemos em mundos completamente diferentes e utilizamos
linguagens totalmente distintas. É como se tivesse um cão. Você diz: "Não cace
coelhos". E ele ouve: "Cace coelhos". E aproxima coisa que acontece é que
você tem uma grande animal e jogando uma lebre a seus pés.
Sebastian desviou o olhar.
— Não é que você seja um cão – seu irmão se apressou a dizer. — Nem
tampouco que seja tolo. É só... é tremendamente leal, é entusiasta e, entretanto,
sempre faz exatamente o que não deve. A especulação é um jogo. Uma forma
de jogo tão perniciosa como a que se faz com cartas ou jogo de dados.
— Bem, — disse Sebastian, aproveitando o momento — mas falemos do
jogo como um negócio.
— O jogo nunca é um negócio.
— Para os jogadores não — assinalou Sebastian. — Mas é um negócio
excelente para a banca de jogos. Os negociantes ganham e perde, mais ganham
do que perde. Enquanto se tenha meios para continuar jogando, sempre será
uma vantagem. Este trabalho é o mesmo. É como jogar, mas sendo a banca, não
um jogador, e com muitos menos desembolsos a princípio. Tive uma boa ideia
sobre os possíveis lucros...
Benedict o olhou e balançou a cabeça.
— Só a você poderia ocorrer que, meu plano é como dirigir uma casa de
jogos, poderia ser uma analogia de defesa. Não é.
Sebastian corou. Sempre que seu irmão dependia dele para algo, conseguia
fazer tudo o que não devia.
Com eles sempre foi assim. Quando Sebastian era mais jovem, ficou
tentando ganhar seu irmão com palavras de elogio. Em uma ocasião tinha
saltado quinze metros de uma árvore até um lago para que Benedict prestasse
atenção nele. Aquilo não tinha sido bom. Seu irmão o repreendeu e lhe proibiu
de nadar. Uma vez em que havia corrido nu em uma tempestade de neve, ele
ganhou um sermão. E passar com honras em uma prova lhe custou uma bronca
porque no final descobriu que ele ficou acordado a noite toda para memorizar
as conjugações de latim. E foi culpado por deixar uma vela cair, mas só tinha
queimado um pouquinho um tapete e quase não se notava as marcas no chão.
Ele continuou tentando anos após anos porque ele não era dos que se
rendiam. E naquele momento seu irmão parecia mais afastado que nunca.
Provavelmente falavam idiomas diferentes, mas Sebastian não se renderia só
porque encontrou uma dificuldade.
— Olhe para mim — dizia Benedict, — e pense no que tenho conseguido.
Sou respeitado, sim, mas não consegui isso jogando com a esperança de que
os jogo de dados trouxessem meu dinheiro. Eu trabalhei pelo que sou.
Ficou de pé. Por um segundo, a luz da janela que tinha atrás dele capturou
seu perfil, fez parecer o tipo de silhueta patrícia que alguém encontrava em
moedas romanas antigas.
— Sou capitão do condado da Sociedade para a Melhora do Comércio
Respeitável – disse. — É a Sociedade mais honrosa desse tipo que há em todo
o país. Tem quase dois séculos dedicada à ideia de que os comerciantes
devem ser tratados com respeito. Nosso pai foi membro antes de mim.
Consegui minha posição dando saltos e jogando meu dinheiro para o alto como
um tolo? — Voltou a olhar Sebastian. — É obvio que não. Sou de confiança.
Sou responsável. Sou respeitável. Trabalhei anos e anos e olhe para mim
agora.
Agora Benedict estava morrendo. E Sebastian não podia suportar afastar
os olhos dele por medo de que pudesse se perder.
— Ganhei o respeito de meus colegas — disse seu irmão. – Por causa
disso, sou um dos primeiros cavalheiros de meu distrito. Eu sim obtive algo.
Sebastian se levantou também.
— As pessoas também me respeitam — respondeu com calma. —
Consegui algo importante.
Benedict suspirou e afastou o olhar, rejeitando assim tudo o que Sebastian
fizera.
— Não vou desistir, Benedict — Sebastian se inclinou para ele. — Já te
disse...
— Eu é quem te digo — interrompeu-o seu irmão — não quero que você
arrisque tudo em uma especulação estúpida. Já tenho preocupações suficientes
para lidar nas minhas últimas semanas. Pare de tentar me provar algo,
Sebastian. Suas probabilidades de êxito não são muito altas e não vale a pena
o risco.
Sebastian teve a sensação de que acabavam de lhe dar um murro nos rins.
Seu irmão lhe deu uma palmada no ombro. Um gesto fraternal de afeto,
como se assim pudesse apagar suas duras palavras.
— E agora – disse — o que você acha se formos procurar Harry e darmos
um passeio?

— RIDÍCULO — DISSE VIOLET. — Simplesmente ridículo. Embora


suponha que não se pode esperar outra coisa de um homem que joga críquete
tão mal quanto Benedict.
— É um pouco ridículo — respondeu Sebastian. — Não julguei bem a
situação.
Para Violet tinha sido relativamente fácil voltar para a velha amizade com
Sebastian. Encontrar-se com ele de noite em sua estufa de Londres e trocar
histórias do que fizeram durante o dia sem ser interrompidos pelos
empregados.
Naquele momento, ele estava a seu lado. Enquanto trabalhava, apanhando
ferramentas e contando histórias com as quais pretendia fazê-la rir. Quase
parecia que não tinha acontecido nada. Como se ainda trabalhassem juntos,
como se jamais tivesse falado que a desejava.
Violet balançou a cabeça. Ela se recusou a pensar sobre aquilo. A teimosia
era quase como a ignorância, quase como uma bênção.
— Em todo caso — disse Sebastian. – Lutei como pude para explicar a
ele, mas já me conhece — seu sorriso vacilou um pouco. — Acabei dando a
impressão que dirigia uma casa de jogos. Deveria ter visto a cara que fez.
Sorria como se contar que seu irmão estava morrendo e que era um
imbecil, tudo ao mesmo tempo, fosse uma piada divertida.
Violet cruzou os braços.
— Eu já disse a você. Ridículo.
— Sei — ele sorriu. – Então percebi o que tinha lhe dito e...
— Não me referia a você — ela respirou fundo e se espreguiçou. Arrancou
outra folha amarela de um pé de feijões. – Falava de seu irmão.
A expressão de Sebastian não se alterou. Estava apoiado em uma das
colunas metálicas que ficava no centro da estufa, com os braços cruzados e os
lábios franzidos.
— Benedict? — Perguntou com curiosidade. — Benedict nunca é ridículo.
Todo mundo sabe disso.
Violet deixou as tesouras de poda e se virou para olhá-lo.
— Sei que minha opinião não é de grande valor nessa questão, mas
acredite e mim, seu irmão é ridículo. Não há nenhuma só pessoa além dele
nesse planeta que é capaz de dizer que não conseguimos nada. Nenhuma.
Sebastian se inclinou para a frente e baixou a voz.
— Isso não me serve, Violet. Você sabe a verdade sobre mim. Podemos
enganar a todos os outros, mas aqui dentro nos dois sabemos o que sou na
realidade.
— Sim — respondeu ela. — Não é o Capitão do Condado de uma
Sociedade da que nunca ouvi falar. Mas é um dos maiores especialistas do
mundo na herança genética.
Sebastian parou de sorrir.
— Oh, vamos, Violet. Nos dois sabemos que é você, não eu.
Nada tinha mudado entre eles.
Tudo mudou entre eles. Antes, quando ela falava assim, olhando-o nos
olhos e baixando a voz, ela podia atribuir o turbilhão de faíscas que sentia na
garganta a sua própria resposta, equivocada e não solicitada. Agora ela sabia
que não estava sozinha. Uma parte elementar dela reconhecia que ele a
desejava, que inclusive quando dizia coisas como: "Oh, vamos, Violet",
desejava tê-la. E ela tinha um novo nome para o atordoamento que sentia, para
esse embriagante calor que se alastrava nas bochechas.
Não sua atração por ele, isso podia ignorar. Aquilo agora era atração
mútua. Como ele podia não perceber? Como podia não saber?
— Nos dois sabemos que, sem você, eu não seria ninguém — disse
Sebastian. — Você é a especialista. Eu sou – encolheu os ombros. — Já nem
sequer sou seu porta-voz. Aprendi muitíssimo trabalhando com você. A maior
parte do tempo gostei e concederei a você que sou bastante inteligente. Mas
não sou um homem sério e Benedict sabe. Não me propus me lavrar um futuro
no comércio. Só queria testar uma ilusão.
— Oh, ao diabo com isso — exclamou Violet. — E ao diabo com Benedict
por te fazer acreditar nele. Sim, você é uma pessoa que brinca. E isso não tem
nada a ver com o que conseguiu. Não falo que seja o maior especialista na
herança genética. Eu disse que é um dos maiores.
— Mas...
— Você não é um papagaio. As pessoas devem ser capazes de te fazer
perguntas e participar das conversas com você. Pode falsificar a fonte de seus
conhecimentos, mas não pode falsificar o conhecimento em si. Além de mim,
não há nenhuma outra pessoa no mundo que entenda o que faz.
— Mas só porque você...
— Não. Porque você trabalhou, perguntou, pensou e testou — continuou
Violet, — trabalhou comigo durante anos. Quando tivemos que aprender
matemática para seguir adiante, fizemos juntos. Se nós fôssemos homens,
teríamos compartilhado o mérito de nosso trabalho. Poderíamos discutir sobre
qual dos dois nomes seria o primeiro, mas seu nome deve estar ao lado do
meu. Esteve comigo dia após dia e noite após noite. Um homem estúpido, um
homem que não se pode confiar, um homem egoísta, não teria feito o que você
tem feito. E é uma tolice que seu irmão diga que não conseguiu nada. É um
insulto à palavra "engano".
— Mas...
— Não! — Exclamou ela. — Não vou aceitar essa desculpa. Você
entendeu tão bem o que estávamos fazendo que aplicou os princípios da
matemática que usamos para o transporte de mercadorias e ganhou vinte e duas
mil libras. Você não é um frívolo estúpido, como disse seu irmão. É um
homem muito inteligente que tem senso de humor.
Ele não disse nada por um momento. Só a olhava.
Embora dizer que a olhava seria como fazer um lanche em uma festa de
dezoito pratos. O espaço entre eles parecia carregado de eletricidade. Violet
quase podia sentir sua pele se arrepiar, pelo pôr pelo, tão poderosa era essa
descarga.
E seus olhos. Oh, seus olhos. Seus olhos faziam com que ela quisesse dar
um passo à frente e pegar suas mãos. Para reprimir a tentação, colocou-as nas
costas.
— Violet — disse ele, com voz um pouco rouca.
Ela respirou fundo.
— Sério — voltou a respirar profundamente. — Não aprecio nada quando
Benedict diz coisas tão estúpidas — sabia que assim se traía e que isso fazia
com que Sebastian a olhasse com aquela intensidade tão sedutora. —
Enfurece-me muito. Estou furiosa com ele.
Sebastian suspirou e desviou o olhar. Esfregou os lábios. Violet se negava
a pensar em beijá-lo. Simplesmente se negou.
— Tem que admitir — disse ele com calma, como se não tivesse
acontecido nada. — Benedict tem certa razão. Independentemente do que tenha
conseguido, não tenho sido muito respeitável.
Essa falta de respeitabilidade era o que fazia com que fosse tão impossível
para ela compreender o que lhe dissera. Pensava que a amava? Sebastian era
um bon vivant, o amor nunca tinha entrado em nenhum de seus
relacionamentos.
Ele nunca falava de seus... relacionamentos. Nem com ela nem com
ninguém. Era extraordinariamente discreto, e ela suspeitava que essa fosse
uma das razões pelas quais era tão popular. Até onde sabia, ele podia ter uma
amante o esperando naquela noite. Ou podia ter três. Não era possível que a
amasse. Fazia muito mais sentido imaginar que a via como uma... candidata em
potencial. Tinha falado de amor no sentido físico. Sentia atração por ela, nem
mais nem menos que por qualquer outra mulher que gostou alguma vez.
Desviou o olhar.
— Benedict não pode saber até onde chega sua respeitabilidade –
comentou. – Nem eu sei.
Sebastian a olhou.
— Quer saber?
Ela gostaria de ouvi-lo falar de outras mulheres? Não. Decididamente, não.
Se ele contasse, poderia fazer algo embaraçoso, algo como se imaginar no
lugar de outra mulher.
— Em todo caso — disse Sebastian depois de uma pausa que não foi
tempo suficiente para torná-lo desconfortável — tem razão, mas é um pouco
exuberante. Tentei uma investigação científica por minha conta. Não contei a
você porque fiquei envergonhado com minha falta de sucesso. Talvez um dia
eu apresente esse trabalho como prova do meu fracasso – encolheu os ombros.
– Isso pelo menos seria só meu.
— Ridículo — disse Violet.
— Sim é ridículo. Um projeto fracassado não é uma carreira fracassada.
Os projetos fracassam continuamente por todo tipo de razões. Você sabe.
Uma vez mais, ele demorou para responder. Mas lhe dirigiu de novo
aquele olhar, o olhar intenso e escuro que já não tentava esconder.
— Sempre que duvido — disse com calma. — Sempre que me pergunto se
sou menos do que ele imaginou... Violet...
Não disse mais nada, mas não era necessário. Ela engoliu em seco e
desviou o olhar. Não queria pensar nele naquele sentido. Simplesmente não
queria. A ignorância podia não ser uma bênção, mas ao menos estava livre de
riscos.
— Benedict — murmurou ela. — É tudo culpa dele. Se nega teimosamente
a reconhecer o mérito que tem. Isso é tudo.
— Não quero que reconheça meu mérito — respondeu ele. — Só quero
meu irmão — fechou os olhos. — Mas... — deteve-se e levantou o olhar, —
mas Benedict só se preocupa com as coisas que lhe importam — falava mais
devagar. — E sim, você está certa. Quando toma uma decisão, ele pode ser
muito teimoso. É um pouco aborrecido; sem dúvida a matemática foi um pouco
demais para ele. Mas é justo. Vai mudar de ideia quando perceber...
— Sebastian — murmurou ela. — O que está planejando?
— Bem — ele encolheu os ombros. — Não preciso de dinheiro, mas
alguém está disposto a pagar cinquenta mil libras por minha ideia. Ele acredita
que não tem nenhum valor. E se eu o fizer ver que está errado?
Violet o olhou fixamente.
E Sebastian sorriu.
— Sim – disse. – É isto. E se der de presente minha ideia a essa adorada
Sociedade de Benedict?
CAPÍTULO 11

O AR NOTURNO DE LONDRES ERA FRESCO, embora não fosse limpo.


Sebastian tinha conseguido superar a aquela noite sem ficar em evidência. Mas
lhe faltou pouco, muito pouco. Conseguiu se separar dela e caminhar metade
daquele corredor escuro que havia entre as paredes de seus respectivos
jardins antes de parar e se apoiar nos tijolos em agonia.
Era lua cheia e uma estreita faixa de luz se lançava sobre seu rosto. Era tão
brilhante na escuridão que quase machucava seus olhos.
Já vira outras vezes Violet concentrada em um assunto. Quando o fazia,
ficava vibrante e cheia de cor. A tinha visto iludida com uma conferência que
Sebastian ia dar, com um ensaio que estavam escrevendo ou com uma
experiência que tentava desenredar e compreender. Mas aquela era a primeira
vez que a via concentrar toda sua atenção, não nas palavras dela fluindo
através dele, e sim diretamente nele.
Você não é um frívolo estúpido, Sebastian. É um homem muito inteligente
que tem senso de humor.
Haviam traçado um pequeno plano. No final, ela disse:
— Isso não deve ser só para provar algo para Benedict. Isso é para
determinar se seu irmão é ridículo. Se tudo acontece como esperamos e ele
não for capaz de aceitá-lo, saberá que a culpa não é sua.
E aquelas palavras de alguma forma realinhou o mundo de Sebastian. Ele
não era um bobo da corte que fazia os outros rirem. Era algo mais.
Queria ser mais. E por Deus que queria ser mais para Violet. A desejava
desesperadamente. Queria beijá-la, abraçá-la com força. Rodeá-la com seus
braços e empurrá-la contra a coluna de aço da estufa, beijá-la até que sua
respiração ficasse ofegante e não conseguisse ficar de pé.
Queria levá-la a sua casa e a sua cama. Queria tê-la ali, suada, suave e
preparada para ele. Queria dormir a seu lado quando tivessem terminado e
despertar a seu lado pela manhã. Queria discutir e fazê-la rir, vê-la trabalhar,
voltar a estar com ela depois de um longo dia examinando registros de
mercadorias. A desejava. Desejava ter um relacionamento com ela.
Se ela tivesse se mostrado completamente indiferente com ele, o teria
magoado, mas havia se rendido. O fato de que gostasse muito dele e,
entretanto, não o suficiente, tornava a situação suportável e ao mesmo tempo
impossível.
Apoiou-se na parede. Os tijolos estavam colocados de modo irregular,
partes afiadas cravavam em sua coluna. Podia sentir o cheiro das folhas
mortas como um tapete sob seus pés.
E ainda podia ver Violet, zangada até o ponto de estar tremendo, porque
acreditava que Benedict não o tratou com justiça.
Se as coisas fossem diferentes entre eles... Se pudessem ser...
Foi assaltado por uma confusão de imagens e desejo, um desejo físico que
se concentrava em um ponto em seu abdômen. Não queria voltar para sua casa,
a aquela casa fria e solitária, onde só estavam o cozinheiro para recebê-lo e
sua governanta para lhe dar boa noite. Queria estar com ela, voltar para ela e...
E...
E possuí-la. Remover as plantas da mesa no lado norte da estufa, deitá-la
ali e penetrá-la. Ela o abraçaria com as pernas e soltaria um ruído na parte de
trás da garganta.
Estava escuro. Estava sozinho e excitado.
Era bastante fácil desabotoar a calça e agarrar sua ereção no ar frio da
noite. Era bastante fácil se imaginar possuindo-a, se ver penetrando-a e
dizendo que a amava. Ela não precisava de muita preparação. Umas poucas
investidas gentis e sua suave excitação se tornou uma ereção dolorosa.
Deslizou a mão sobre o pênis com movimentos suaves, pressionando. Elevou a
cabeça à luz da lua.
Levou a si mesmo até o ponto em que seu desejo físico era grande o
suficiente para cobrir quase todo o resto que sentia. Até que se viu ofegando
com força, pulverizando as folhas debaixo de seus pés e deixando que o
orgasmo varresse o desejo de seu corpo.
Quando terminou tudo, se deixou cair contra a parede.
Foi então quando ouviu que as folhas rangerem.
Voltou-se, mas já sabia de quem se tratava. Só havia duas pessoas que
tinham acesso aquele lugar.
Estava escuro, mas não tanto. Sebastian fechou os olhos e abotoou as
calças.
Violet, porque era Violet porque estava ali, a menos de três metros de
distância, não disse nada durante um minuto.
Sebastian não tinha intenção de se desculpar com ela. Não se sentia
envergonhado. Só desejava... desejava... desejava algo que não podia
expressar com palavras. Desejava isso com todo seu corpo e sabia que não
teria nunca.
— Quero saber sobre as outras mulheres — disse ela por fim em voz
baixa.
Ele se recostou na parede de tijolo e olhou para a lua.
— O que quer saber? — Perguntou.
Ela demorou um momento para responder.
— Tem uma agora?
— Não. Faz meses que não.
Ela ficou pensativa um momento antes de voltar a falar.
— Quantas já teve?
— Quantas amantes? — Ele podia lhe dar uma resposta direta. "Dúzias".
Ou, mais especificamente: "Trinta e sete". Isso se contasse as variantes
alternativas e a atividade que acabava de realizar sozinho. E Sebastian as
contava.
Mas o que disse por fim foi:
— Muitas. E não o suficiente.
O rosto dela ficou na sombra. Ele não sabia se estava chateada com ele ou
se aquilo era só uma curiosidade para ela.
Violet respirou fundo.
— Quantas seriam suficientes?
Sebastian sorriu com tristeza.
— Apenas mais uma, Violet — olhou-a. Olhou seus braços cruzados, sua
cabeça voltada em direção contrária a ele. Olhou-a como se isso pudesse
distrair a ferocidade de seu desejo. — Sempre quis apenas uma.
Ela levantou a cabeça. O luar caiu em seu rosto e as sombras o cruzaram.
Balançou a cabeça e abraçou seu próprio corpo.
— Sinto muito – sussurrou. — Sinto muito, muitíssimo.
Sebastian não podia tocá-la. Não podia atraí-la para si. Naquele momento
menos que nunca.
— Não há necessidade de se desculpar. Você está contente com nossa
amizade tal como é.
Esperava que ela se mostrasse de acordo. Que dissesse que isso era o que
queria, que sua amizade era suficiente e que não gostaria de ter nada além
disso.
Mas ela virou a cabeça.
— Não.
Violet havia dito que não.
Havia três metros entre eles. Esses três metros ele sentia instintivamente
que tinham que estar ali ou ela sairia correndo.
Podia ter pedido uma explicação. Podia ter caminhado até ela e descobrir
se esse mais que ela queria era o mesmo que ele desejava.
Mas Violet precisava dessa distância. Se quisesse explicar suas palavras,
o teria feito. Estava ali, no vão entre as paredes, incrivelmente longe, torcendo
as mãos com um ar de tristeza inexplicável.
Depois de uma longa pausa, ele balançou a cabeça.
— Então também sinto muito, querida — disse com voz rouca. — Eu
também sinto muito.
COMO SE TIVESSEM COMBINADO, a outra vez que Sebastian
encontrou Violet, não falaram sobre os sentimentos dele. Não mencionaram o
que ela viu ou não viu naquela noite no espaço escuro entre as paredes. Não
conversaram sobre nada daquela noite.
Conversaram sobre transporte de mercadorias. Falaram da Sociedade para
a Melhora do Comércio Respeitável, dos sobrinhos de ambos, de seus amigos
mútuos. Falaram de tudo exceto deles mesmos.
Ele não lhe perguntou por que era infeliz e ela não lhe deu essa
informação. Suas vidas continuaram como se nada tivesse acontecido.
Sebastian fez uma apresentação aos membros da Sociedade em Londres, que
foi bem recebida. Oliver e Jane retornaram de sua lua de mel e deram um
jantar. Os dias passavam e a verdade seguia sem ser pronunciada.
Mas talvez Violet sentisse também a falta de assunto, porque uma noite,
quando tinham esgotado todos os temas habituais, dirigiu um olhar nervoso
para Sebastian.
— Lembra o primeiro ensaio que escrevi? — Perguntou.
Era uma noite de junho. Os grilos cantavam no crepúsculo do pôr do sol e
eles dois se encontravam no galpão do jardineiro, na parte detrás da
propriedade de Sebastian, que ele tinha transformado em escritório anos atrás
para que pudessem ter um lugar confortável onde pudesse conversar com
calma longe dos olhos curiosos dos empregados. O cômodo era o suficiente
para conter uma mesa e um sofá, um sofá confortável para um e apertado para
dois.
Violet estava encolhida no sofá estofado com tecido bordado. Sebastian
tinha sentado atrás da mesa. Ele estava tentando não a comer com os olhos e
quase conseguia.
— Como ia me esquecer das bocas de dragão?
Ela se virou e descansou um cotovelo no braço do sofá.
— Contei a você alguma vez como cheguei a escrever sobre as bocas de
dragão?
Sebastian sempre assumira que fosse porque gostava dessas flores.
Trabalhara com jardinagem antes de começar a escrever artigos científicos.
Tinha trabalhado em seus canteiros de flores com uma determinação obstinada
que não possuía rival entre a maioria dos aficionados. Ela olhava pela janela
as formas escurecidas do jardim dele, observando o pôr do sol.
— Não. – Respondeu
— Meu pai era um ávido jardineiro. Ele deu os nomes de flores para suas
filhas. Estava acostumado a me levar com ele a seus jardins.
Não disse mais nada por um momento, como se tivesse que pôr ordem em
seus pensamentos.
— Dizia que eu era seu amuleto da sorte relacionado com as plantas —
continuou, — que se eu estivesse presente, não podia fracassar em seus
objetivos. E havia uma coisa que ele desejava mais que qualquer outra coisa.
Queria criar uma boca de dragão rosa que se reproduzisse bem. Tinha
trabalhado anos nisso, desde antes que eu nascesse.
Balançou a cabeça.
— Uma de minhas primeiras lembranças era vê-lo plantar sementes.
Lembrança que me dizia que eu tinha que estar ali, que eu faria que nascesse
todas rosas. Eu caminhava entre as flores na primavera, respirando em todas
as folhas que saíam. Acreditava de verdade que minha presença contribuía
para algo. Queria lhe dar sorte. Desejava muito. Lily era bonita e cheia de
virtudes. Eu queria poder fazer aquilo — balançou a cabeça. — Naquele ano
todas as flores daquele canteiro experimental saíram rosas. Nós as
aclamamos. Ele disse que tudo se devia a mim e eu estava louca de
entusiasmo.
Embora Sebastian nunca tivesse ouvido aquela história, sabia como iria
acabar. Tinha falado muitas vezes em suas conferências sobre as bocas de
dragão para não saber como terminaria. Mas embora já sofresse pela iminente
decepção dela, não podia deixar de olhá-la.
— Ele recolheu todas aquelas sementes com muito cuidado. Contou-me
como era importante, como conseguiu algo que ninguém fizera antes. Quando
aquelas plantas brotaram no ano seguinte, disse que eram as primeiras bocas
de dragão rosa autêntica. Toda a casa estava entusiasmada quando se
formaram os primeiros casulos. Fiz o possível para trazer boa sorte. Passava
todos meus momentos livres ali, respirando as plantas. Esperamos ansiosos
que se abrissem as flores e mostrassem suas cores. E quando o fizeram,
estavam mescladas. Rosa, branco e escarlate, todas mescladas.
Cruzou os braços. Sebastian podia ver as lembranças de sua infelicidade
refletida em seu rosto.
— Estava claro que teria que aperfeiçoar as sementes — prosseguiu ela.
— Meu pai combinava as flores rosa entre si e repetia o próximo plantio para
a primavera seguinte. Pensava que eu possivelmente houvesse cometido um
engano no ano anterior, por isso dessa vez me esforcei mais. Todas as noites
incluía suas flores em minhas preces e meu primeiro pensamento ao acordar
era para elas. Queria que todas as flores fossem rosas. Desejava isso mais do
que jamais quis alguma coisa.
Deteve-se.
— Saíram mescladas — comentou Sebastian.
Violet desviou o olhar.
— Mescladas – assentiu. — Meu pai deixou de me chamar de amuleto da
sorte. No ano seguinte, quando as flores desse lote saíram de novo mescladas,
disse-me que parasse de ir até lá — encolheu os ombros, não com indiferença,
mas sim como se assim pudesse tirar um peso de cima de si. — Esse foi o ano
que minha mãe me ensinou a tricotar.
Aquelas palavras expressavam tantas coisas! E também a expressão em seu
olhar e seu sorriso triste. Para Sebastian não custava nada imaginar à pequena
Violet querendo desesperadamente ser o amuleto da sorte de seu pai. Podia
imaginar a sua mãe, ensinando-a a dirigir algo mais que agulhas. Certamente
ensinou Violet a tricotar com calma junto com cada volta de lã.
— Quando me dei conta que não faria com a minha vida nada do que outras
mulheres costumam fazer, comecei a cultivar bocas de dragão. Acredito que
queria provar a mim mesma que... bem, que não foi eu quem arruinou tudo.
Que não destruí o sonho de meu pai. Não sei quando me dei conta da verdade,
de que não há bocas de dragão rosa. Uma boca de dragão rosa não é mais que
uma boca de dragão que é metade branca e metade vermelha e não se pode
fazer nada para lhe tirar o vermelho. Não se pode reproduzir assim porque não
é desse modo. Os nossos olhos nos enganam. E só anos de experiência podem
revelar a verdade.
Olhou para Sebastian.
Até esse momento sua voz tinha sido bem mais plana, como se recitasse
uma lição ao em vez de contar a história de como seu pai a culpou por uma lei
indelével da natureza. Sebastian queria abraçá-la contra si, rodeá-la com seus
braços e apertá-la até que não pudesse respirar.
— Você me olha — disse Violet — e seus olhos enxergam uma boca de
dragão rosa. É uma mentira. Não há bocas de dragão rosa. Em mim não há
suavidade que possa te dar. Nem a você nem a ninguém. Por mais que eu faça,
nunca encontrará calor em mim. Simplesmente não existe. Há ocasiões que
vejo a verdade e em alguns momentos a verdade é reconfortante. Mas não
despedace seu coração procurando algo que não está lá.
Sebastian sentiu a atração de um desejo doloroso. Era uma sensação
agridoce, como se fosse um soldado que voltasse para casa de licença.
Poderia estar a seu lado uma ou duas semanas e desfrutar de cada momento.
Até podia invejar as almofadas bordadas do sofá porque acariciavam o corpo
dela.
Imaginou o que seria atraí-la para si, beijá-la até que o sabor amargo da
verdade saísse voando diante eles. E, na realidade, ele tinha pensado muitas
vezes que ela precisava de tempo. Que se esperasse, aquilo acabaria
acontecendo algum dia.
Além do mais, até o último soldado sonha com o armistício.
Mas Violet nunca permitia que a abraçasse e a paz não chegava nunca. Era
um pensamento amargo, muito amargo para suportá-lo. Não importava o
quanto que a desejasse.
— Faz anos que me dei conta de que tê-la como amiga nunca foi um prêmio
de consolação. Não é algo contra o que lutar. É uma honra. — Ela levantou o
olhar com nervosismo. — Meu coração não se despedaça porque não posso
ter você.
— Não diga isso. Vi como me olhava a um momento. Podemos debater
sobre quais são as palavras mais apropriadas, mas não me diga que não faço
mal a você.
— Meu coração não se despedaça porque não posso ter você — insistiu
ele. – Se despedaça porque você acha que é dura, porque pensa que o que eu
vejo em você é uma ilusão. E não é.
Violet o olhou. Arregalou os olhos e bateu os pés com força no chão. Se
endireitou como se fosse sair correndo.
Mas Sebastian não permitiu se mover em direção a ela.
Violet cruzou os braços.
— Não sou o tipo de mulher que os homens se apaixonam — disse com
voz inexpressiva. — Não sou carinhosa nem quente. Sou dura e fria – seus
olhos brilharam. — Não tenho interesse em relações sexuais. Possivelmente
um homem pode perder a cabeça e imaginar que sente algo por mim parecido
com amor, mas tenho todas as razões para acreditar que seria uma insanidade.
Até o mais imaginativo, o mais sincero dos homens, acabaria por compreender
a verdade. Sou apenas uma mulher, Sebastian. Faça uma lista de qualidades
femininas e eu não terei nenhuma.
Para ele, aquilo era como voltar para casa, a um lugar que adorava, e
descobrir que o bosque tinha sido queimado até as raízes e a casa estava em
ruínas. Olhou-a horrorizado.
Ela devolveu o olhar. Sua expressão não mudou, não mudou nem um pouco.
— Sei por experiência própria que não valho nada como mulher —
declarou. Ficou em pé, voltou-se e abriu a porta de seu lado.
Era noite. Lá fora, tudo estava escuro.
— Espere, — Sebastian a seguiu. Fez um gesto de pegar sua mão, mas se
deteve a tempo, pois se deu conta de que isso só pioraria as coisas. — Espere
– repetiu. — Violet, me escute. Seu marido era um imbecil.
Ela parou de repente. Não se virou para olhá-lo.
— Falo sério — insistiu Sebastian. — Não sei o que ele fazia com você,
mas eu te observava quando isso ocorria. Quando escreveu seu primeiro
ensaio sobre bocas de dragão, o ensaio que me enviou com meu nome, temi
que não chegasse a acabar o ano.
Ela levantou o queixo.
— Não sei ao que se refere.
— Não diga tolices. Aquele ano você esteve doente durante semanas. Ele
bateu em você? Você escondia hematomas? Dizia a você que era uma inútil,
que não valia nada?
O peito dela se levantava com a respiração.
— Não quero falar de meu marido.
— Inclusive quando já estava bastante bem para deixar a cama, não tinha
forças para passear comigo pelo jardim. Tínhamos que parar e nos sentar cada
metro que andávamos. Eu esperava que você se recuperasse do que fosse
aquilo, mas dois meses depois, estava de novo muito doente para me ver.
Acreditei que fosse morrer, Violet.
Ela negou com a cabeça.
— Obviamente, estava errado. Ainda estou aqui.
— Ainda está aqui. Seis meses depois de escrever aquele primeiro ensaio,
seu marido caiu das escadas em estado de embriaguez e quebrou o pescoço. E
de repente, depois de anos de ver você lutando contra a sua doença, vi como
se recuperava. Não teve recaídas nem enfermidades repentinas. Então não me
repita as palavras de seu marido, Violet. Eu posso adivinhar a verdade.
— Não pode — respondeu ela com voz estrangulada. — Não tem nem
ideia.
— O que quer que dizia seu marido, o que quer que lhe fazia, estava
errado. Terrivelmente errado.
Violet o olhou.
— Está dizendo mentiras a si mesmo. Imagina que meu marido fez algo
ruim que me privou de meu calor. Está errado. Foi ao contrário. Meu marido
me dizia que não valia nada porque descobriu que eu não possuía nenhum
calor para lhe dar. Dizia que era egoísta e não estou segura de que não
estivesse certo. Porque, quando morreu, nem sequer pude chorar.
— Violet — disse Sebastian. — Você acolheu a um filhote de falcão
durante três meses porque tinha uma asa quebrada, sem se importar se
danificasse os móveis antigos da casa onde o mantinha. E quando suas criadas
eram muito melindrosas para caçar ratos para os falcões, você mesma fazia.
Os olhos dela brilharam.
— Fiz isso por curiosidade.
— Eu vi quando você o ninava — respondeu ele. – Quer que fale sobre
Herman, o gato que encontrou preso em uma armadilha de aço?
Violet fingiu não ouvir essa pergunta.
— Meu marido nunca me bateu – disse. — Nenhuma só vez. E se acha que
ele foi o único que me dizia que eu me importava muito pouco... — respirou
fundo. — Eu era o talismã da sorte de meu pai. Lily sempre dizia a todo
mundo que meu pai nos amava demais para ter cometido suicidado. Mas
sempre soube a verdade. Eu nunca fui suficiente.
Sebastian desejava abraçá-la mais que tudo no mundo. Abraçá-la com
força até que desaparecessem todos seus medos. Mas ela era Violet. Não
aceitaria seu abraço. Não queria admitir que ela sentia algo tão confuso como
os sentimentos, nem muito menos que se encontrasse assediada por eles.
Olhava a escuridão com olhos claros e o rosto sem sombras.
— Se esqueça de mim – disse. — Pare de querer entender. Todos os que
me compreendem acabam se sentindo enojados.
— Eu não.
Ela o olhou então.
— Você não sabe de tudo.

AQUILO IA DE MAL A PIOR.


Quando Sebastian estava perto, Violet pensava nas coisas mais estranhas.
Pensava em tocá-lo, beijá-lo e abraçá-lo simplesmente e extrair consolo de
seu calor. Quando não estava, sentia que suas recordações a espreitava,
esperando pegá-la desprevenida. Aqueles pensamentos indesejados ocorriam
nos momentos mais estranhos. Vestia uma luva e pensava em entrelaçar os
dedos com os dele, no sorriso brilhante de seu rosto... só para ela. Imaginava
que a abraçava.
Balançou a cabeça para afastar os pensamentos antes que pudesse dar
origem a um desejo de verdade.
Mas o desejo sempre encontrava uma maneira de voltar a penetrar, e a
próxima coisa que fez foi imaginar o sorriso que tirava o fôlego. O tipo de
sorriso que a abraçava, e tremia pelo efeito das gargalhadas.
Balançou de novo a cabeça e essa fantasia se perdeu, evaporou-se embora
só fosse momentaneamente.
Você não tem permissão de ser essa pessoa, recordou a si mesma. O
desejo é um perigo para você.
O pior era no final do dia. Ao anoitecer, quando acendia os abajures ao
máximo e só conseguia fazer mais profundas as sombras, lembrava das
palavras dele.
Platônico? Por Deus, não! Não amo você platonicamente. Desejo você
muito, muitíssimo. Se quisesse dormir comigo, eu aceitaria Violet, a levaria
agora mesmo.
De noite ficava mais difícil de recordar que ela era de gelo. Que o amor
platônico era o único que se permitia ter. De noite lembrava como era duas
pessoas se tocando, lembrava a sensação de outra pele deslizando sobre a sua.
A sensação de calor com calor, da fricção deliciosa de dedos nos quadris,
aproximando-a... Era uma lembrança mais suntuosa que a seda mais suave.
Lembrava como era se afogar em um beijo, se esquecer de tudo quando se
uniam dois corpos. Lembrava como tinha sido o sexo antes de tudo se
danificar.
Mas também lembrava no que tinha se tornado: o gelo deslizando para o
nada, cada investida dos quadris dele a ameaçando a apagá-la do mundo.
Lembrava de tudo. O desejava e o temia.
Por isso voltava a fazer o de sempre. Procurar outra coisa que ocupasse o
lugar daquele desejo cavernoso e traiçoeiro. Recortava diários científicos,
embora soubesse que tudo o que descobrisse a partir desse momento cairia no
silêncio. Folheava os artigos entre as páginas de suas revistas, fazendo com
que La Mode Illustrée mostrasse, não só vestidos, mais artigos sobre temas
que iam desde a herança sexual até os últimos experimentos em métodos
fotográficos de exposição múltipla para ampliar imagens microscópicas.
Examinava desenhos de células enquanto fingia se interessar por gravuras ou
saias de tarlatán rosa.
Lia e lia até que não houvesse lutar para o desejo. Até que se
transformasse em pensamento e trabalho, um ser sem sentimentos, sem
sensações nem desejos. De todo o modo, nada disso nunca serviu para nada.
Mas os pensamentos eram insidiosos, e seu trabalho científico havia lhe
ensinado que todos os organismos, por pequenos ou grandes que fossem,
ansiavam por se reproduzir. Era um desejo imbuído em cada célula e ela não
podia afastá-lo por mais prejudicial que fosse aquele desejo. Só podia guardá-
lo.
E às vezes, de noite, não conseguia.
Uma noite sentiu a cama sob suas costas e recordou a sensação de seu
marido em cima dela, deslizando-se em seu interior, inclinando-se para ela
para procurar um beijo.
Os primeiros anos lhe tinha sussurrado palavras de encorajamento e
carinho. "Querida", "tesouro", "carinho". Depois tinha optado pelo silêncio.
Mas perto do final...
"Para que você serve?", ele tinha sussurrado no seu ouvido enquanto a
possuía. "Cadela egoísta".
Essas eram as palavras com as quais acompanhava suas investidas. E a
cada ciclo que passava, cada poucos meses, ela demonstrava que tinha razão,
imitando o gelo no inverno que se tornava depois em vapor.
Egoísta. Sem sentido. Cadela.
Quantas amantes mais precisa?
Apenas mais uma.
Mas Violet nunca poderia ser essa mais uma de ninguém. Era um quebra-
cabeça mecânico feito por um vilão. Tudo que podia fazer era se mostrar uma
louca para as pessoas.
Respirou na escuridão. Lily. No dia seguinte iria ver Lily, sua irmã
precisava dela.
Porque Violet necessitava que precisasse dela. Naquele momento
necessitava mais que tudo.
CAPÍTULO 12

O SOL ESTAVA ALTO E A VIAGEM DE Sebastian para Londres foi


agradável. Tinha conseguido enterrar todas as revelações de Violet no fundo
de seu coração. Ocultava-as do sol agradável, do ar muito úmido que
pressagiava alguma tormenta mais tarde.
Fazia uma semana que não via seu irmão, e um pouco menos que se reuniu
com os líderes da Sociedade para a Melhora do Comércio Respeitável em
Londres. Não poderia ter esperado uma resposta melhor deles.
Seu irmão, entretanto...
Atravessou a casa dele, acompanhado por um criado, e entrou no escritório
de Benedict. Não disse nenhuma palavra, limitou-se a entregar a seu irmão a
circular que trouxe com ele.
Podia ouvir os segundos no tique taque do relógio. Não se atrevia a contá-
los. Não queria saber quanto tempo Benedict demoraria para se dar conta do
que estava lendo.
Seu irmão alisou a página que tinha diante de si sobre a mesa e balançou a
cabeça. Parecia avançar devagar. Franziu a testa, não pela primeira vez, e
começou a ler pela terceira vez.
Franziu os lábios. Tamborilou com os dedos na mesa, como se examinando
cuidadosamente o papel pudesse mudar suas palavras. Leu-o até o final pela
terceira vez e quando seus olhos deixaram de se mover por ele, ficou um
momento olhando-o fixamente.
Sebastian não podia respirar. Uma parte dele se sentia ainda como um
irmão mais novo que dançava ao redor do mais velho mostrando alguma
habilidade que o outro tinha aperfeiçoado anos atrás. Veja, queria dizer. Veja o
que tenho feito.
Mas era mais que isso.
Veja quem eu sou.
Todos esses anos deixara que seu irmão lhe dissesse que não era nada, que
a soma total de suas realizações eram piadas, a raiva em que vinha por parte
de pessoas respeitáveis que se sentiam ultrajadas por suas palavras.
Mas Benedict estava errado.
Seu irmão fechou por fim os olhos e afastou o papel.
— Sebastian — sua palavra saiu com um suspiro triste e balançou a
cabeça ao falar. — De que maneira você conseguiu?
— Deveria me sentir envergonhado? — Perguntou Sebastian surpreso —
fui visitar a Sociedade em Londres. Falei com seus líderes. Lhes interessou
meu trabalho com os navios e mais ainda ouvir falar da aplicação de métodos
numéricos ao comércio.
Seu irmão fez uma careta.
— Isso é mais que evidente. Mas...
O relógio continuava marcando os segundos, mas agora pareciam correr
cada vez mais depressa.
— Não precisa acrescentar um, "mas" — respondeu Sebastian. — Pode
deixá-lo em: "Muito bem, Sebastian. Estou ansioso por assistir a essa
reunião".
— Assistir? — Seu irmão enrugou o nariz. — Você acha que eu vou
assistir? Deixei bem claro que a Sociedade era uma organização respeitável.
E você acha que vai provar algo deslumbrante a suas melhores mentes com
truques de encantamento matemáticos?
— Por Deus, Benedict! — Exclamou Sebastian. — Isso...
Dói, podia ter dito. Mas essa simples palavra não expressava a dor que
sentia, a profunda dor interior. Tinha querido que desaparecesse no buraco que
havia entre eles. Esperava que seria possível.
— Isso não é justo – desviou o olhar. – Acho que não posso provar nada
para você. Já deixou isso bem claro. Mas pensei que ao menos me daria uma
oportunidade.
— Uma oportunidade? Uma oportunidade de que?
Sebastian levantou o queixo.
— Uma oportunidade de provar que sou seu igual. Que não importa
quantos passos em falso tenha dado, podemos ter algo em comum.
Benedict apertou a mandíbula.
— Mas você quer mais que isso. Sei como funciona. É obvio que quer
minha aprovação. Você adora elogios de outros e se irrita que não possa me
enganar. Você é todo brilho e nada de substância. Olhe o anúncio que aparece
nesta circular. É completamente ridículo. "Em honra do nosso ducentésimo
aniversário, temos o prazer de apresentar uma série de conferências sobre o
futuro do comércio, dadas pelo pensador do século". E nomeia você — soltou
uma gargalhada. — Me diga, Sebastian. Isso não é uma piada?
Sebastian sentiu um nó no estômago.
— "Pensador do século" é um pouco de exagero — disse com rigidez, —
mas se as pessoas mais importante e inteligente de sua Sociedade acreditam
que tenho algo valioso para dizer, você não poderia ao menos considerar essa
possibilidade?
Benedict ficou de pé.
— Esquece que eu conheço você. Eles não cresceram com você. Todas as
pessoas que o conhecem agora o vê com estrelas nos olhos, cegos pelo brilho.
Mas eu vi você toda minha vida e não pode se esconder de mim. Atrás de suas
brincadeiras, de suas palavras agradáveis e de seu sorriso deslumbrante, não é
nada.
Sebastian teve a sensação de que seu irmão acabava de cravar uma espada
em seu peito.
— O resto do mundo fará a você todos os elogios que tem para oferecer.
Mas alguém tem que lembrá-lo da verdade sobre si mesmo, e essa pessoa sou
eu — devolveu a circular para Sebastian. — Quer saber a minha opinião
sobre isso? Acredito que minha Sociedade cometeu um erro, um engano
terrível e que está sagrando, quando você termine de criar o caos, como
sempre, caberá a mim reparar os danos.
Sebastian não podia dizer nada. Procurava palavras... algo para dizer, mas
todas escapavam dele.
— A próxima vez que quiser fazer com que me sinta orgulhoso de você,
não manche o nome de uma organização que amo.
Benedict falava como se desse um conselho amável a Sebastian. E
Sebastian tinha as mãos frias.
Seu irmão ficou de pé.
— Faça algo autêntico e eu vou te darei o reconhecimento por isso. Mas
isso...
Sebastian sabia disso a muito tempo deveria ter sido obvio a muito tempo
atrás, mas não queria admitir. Seu irmão estava diante dele, com o rosto
escuro e tempestuoso e os braços cruzados sobre o peito. Sebastian estava
acostumado a pensar que Benedict era perfeito, que nunca dava um passo em
falso. Que sempre colocava sua dignidade tão alto com sua conduta, que ele,
Sebastian, não podia evitar não estar à sua altura.
Benedict o perfeito era uma mentira.
— Compreendo – Sebastian se ouviu dizer. — Eu acreditava que a culpa
da distância que há entre nós era minha. Mas não estou sozinho nisso. Não há
nada que possa fazer para que pense o melhor de mim. Vai enviar Harry para
sua avó porque acha que não obtive o suficiente em minha vida para criar seu
filho? Quantas libras ganhou ela nos negócios?
Benedict franziu a testa.
— Essa não é a questão.
— Não é? Você quer que seu filho tenha um exemplo de conduta
cavalheiresca. Quantas conferências ela deu a sua maldita Sociedade?
— Está se excedendo, Sebastian. Não amaldiçoe.
— Você também amaldiçoou faz menos de dois minutos — Sebastian olhou
atentamente para seu irmão. — Quando iniciou na Real Sociedade? Com que
idade? Que ensaios publicou? — Deu um passo à frente. — Não se trata do
que eu faço nem tampouco se trata do que não faço. Trata-se da mesma maldita
coisa de sempre, Benedict. Do mesmo que aconteceu sempre entre nós. Sou
alguém inteligente e capaz e você nunca viu nada de bom em mim. Pois bem, já
me cansei de tentar provar que mereço seu respeito. Você não me daria isso
nunca, aconteça o que acontecer.
Benedict se afastou. Tinha as bochechas ruborizadas.
— Que coisa tão terrível acaba de dizer!
— Oh, é terrível, sim. Mas imagine vivendo-a – respondeu Sebastian. —
Imagine crescer sabendo que a pessoa cuja opinião mais te importa no mundo
já de catalogou como um inútil. Toda minha vida deixei que me dissesse que
não sou mais que um frívolo, um ridículo e estúpido, uma pessoa que não
contribuiu em nada para o mundo. Mas sabe de uma coisa? Tenho muito do que
estar orgulhoso. Prove Benedict. Me diga só uma coisa boa de mim.
Seu irmão apertava a mandíbula. Palpitavam-lhe a ponta de seu nariz.
Desviou o olhar.
— Bom, é simpático... isso concedo a você. E sempre foi sua perdição. Se
sai muito bem. Tudo lhe vem fácil. Amigos, mulheres — balançou a cabeça.
— Dinheiro. Prestígio. Para você é como um jogo. Nós lutamos e nos
esforçamos ao máximo para deixar uma pequena marca. E você tem isso tudo
sem ter que levantar um dedo. Porque é simpático.
Por Deus! Benedict não podia nem lhe fazer um elogio sem torná-lo um
insulto.
— Eu não posso evitar ser apreciado pelas pessoas — Sebastian cruzou os
braços. — E não me vem tudo isso facilmente.
— Fale-me uma coisa, Sebastian. Uma única coisa que desejou e não
conseguiu.
Sebastian desviou o olhar.
— Sua aprovação.
— Oh, uma dificuldade. Muito bem. Depois de mais de três décadas de
vida fácil, descubro uma coisa que não pode comprar pelo preço de uma
brincadeira e um sorriso.
— Não — Sebastian pôs as mãos na mesa. — Sua aprovação era a única
coisa que eu queria desde de menino. A única coisa que desejava era que você
estivesse orgulhoso de mim. Que olhasse nos meus olhos e me dissesse:
"Muito bem, Sebastian. Sabia que podia fazê-lo". Mas nada do que eu tenho
feito foi bastante bom para você. Eu tentava e tentava, mas por mais que
conseguisse, por mais lucros que depositasse a seus pés, sempre obtinha a
mesma resposta. O que eu fazia não tinha valor — inclinou-se para frente. —
Isso é um absurdo prepotente, Benedict.
O desafiou balançando a cabeça.
— Oh, não tente despertar a minha simpatia. Se tivesse feito algo que
valesse a pena...
— Sabe por que quero ficar com seu filho? — Interrompeu Sebastian. —
Sim, em primeiro lugar porque eu o amo. Sim, também porque é um menino
maravilhoso e para mim seria uma honra educá-lo. Mas também porque vejo
você fazendo com ele o que fez comigo. Nada do que ele faz parece suficiente
para você. Só recebe reprovação. "Deixa de brincar e fingir que é outra
coisa". "Não é velho o bastante para um trabalho sério". E, no entanto: "É
muito velho para brincar". Nunca pode fazer nada direito. Quero ficar com ele
porque quero que saiba que é bastante bom. Porque sou a única pessoa no
mundo que acredita nele e porque, maldito seja, não quero que cresça como eu
cresci.
Os olhos de Benedict obscureceram.
— Está questionando minha capacidade como pai?
— Sim – respondeu Sebastian. — Questiono. Você arruinou tudo comigo e
agora está arruinando Harry. Não vou permitir que faça isso com ele.
Benedict suspirou e esfregou a testa.
— Você acha que fui muito duro com você? — Deu um passo à frente —
Acha que se esforçou o suficiente e eu deveria ter recompensado seus pobres e
patéticos esforços porque não podia ferir seus sentimentos? — Seu rosto
estava vermelho. — Você poderia ter tido meu respeito. Não recusei isso
nunca a você. Tudo o que tinha que fazer era ganhá-lo.
— Diga-me uma coisa que eu poderia fazer — replicou Sebastian,
secamente. — Prova. Diga uma só coisa que eu pudesse fazer e que te fizesse
dizer: "Muito bem, Sebastian, de verdade é digno de respeito".
Benedict apertou a mandíbula.
— Deixar de... Deixa de ser um inútil e...
— Não sou um inútil! — Gritou Sebastian. – Olhe para mim. Olhe para
mim de verdade. Veja o que sou e o que tenho feito. Estas coisas que coloco
diante de você não são acidentes. São quem eu sou. Não é minha culpa que
você só me veja como um inútil.
— Eu vejo o que você é — respondeu Benedict. – E você é uma fraude.
Sebastian sentiu frio em todo seu corpo.
— Não.
Mas havia tanta verdade na acusação de seu irmão, que seu protesto foi só
um sussurro.
— É uma fraude — insistiu Benedict – brincando de ser um homem. É uma
fraude, uma fraude, um horrível... – ele parou no meio da frase, respirando
com dificuldade. Tinha o rosto muito vermelho e não terminou o que ia dizer.
E naquele momento, Sebastian soube que seu irmão tinha razão. Era uma
fraude, uma fraude horrível, e embora Benedict não soubesse todos os
detalhes, sim estava certo. Ele, Sebastian, temia perder seu irmão e, entretanto,
estava ali o empurrando para o abismo.
Sabia que seu irmão tinha um problema de coração e mesmo assim o tinha
enfurecido. Sabia que não devia fazer isso, mas... esquecera. Odiava perder a
paciência. Isso o fazia esquecer tudo o que era importante.
Ele era mais do que seu irmão pensava. Não só reclamava, não era só um
palhaço que fazia as pessoas rirem. Mas Benedict estava certo. No fundo, ele
nunca quis ser outra coisa senão um palhaço. Sempre se esquecia que as
pessoas tinham que pagar um preço.
Conseguiu coisas, sim, mas também era o homem que passara três anos
cruzando flores com a esperança de encontrar algo profundo e, em lugar disso,
só tinha colhido confusão.
O rosto de Benedict se retorceu com agonia. Levou as mãos ao abdômen.
Isso é o que ocorre por ser sério. Você é mais esperto que tudo isso.
Adiantou-se um passo.
— Basta — disse com gentileza. – Já chega. Você tem razão. Sinto muito
— estendeu o braço e roçou o ombro de seu irmão. — Não fique zangado. Não
quero que você se zangue.
Benedict apertou os punhos.
— Maldito seja meu coração! Se não posso gritar com meu irmão... —
cuspiu aquelas palavras como se as pronunciasse com dor. — Se não posso
gritar com meu irmão mais novo, não tem sentido viver.
Sebastian balançou a cabeça.
— Vêm, sente-se. Sente-se agora mesmo. Irei buscar o médico.
— Não é nada — murmurou Benedict. Mas se sentou pesadamente,
apertando o punho contra a perna como se quisesse espantar a dor. — Não é
nada, de verdade. Só uma pequena indigestão — respirou fundo. – Vai passar
– disse — Mas... — fechou os olhos.
— Bem — murmurou Sebastian. — Este não é um bom momento para falar.
Mas ele sabia o que dizia na realidade.
Nunca haveria um bom momento para falar. A brecha entre eles não
desapareceria nunca. Benedict jamais sentiria respeito por ele.
Não importava. Sebastian respeitava a si próprio. Respeitava-se tanto que
não precisava da aprovação de seu irmão para seguir em frente. Não
importava que seu irmão o valorizasse pouco. Sempre que conseguisse fazer
Benedict sorrir, ele se consideraria um vencedor.
E se Benedict não tinha uma grande opinião sobre ele ... Bom, ao menos
sorriria.

— TIO SEBASTIAN — DISSE UMA VOZ do vestíbulo quando Sebastian


descia as escadas. — O que aconteceu com meu pai?
Sebastian baixou o olhar. Harry estava sentado em uma cadeira. Era uma
cadeira de adulto e os pés não chegava ao chão. Estava sentado com os braços
cruzados, esperando pacientemente, algo que Sebastian nunca tinha sido capaz
de fazer na sua idade. Os cabelos castanhos de seu sobrinho apontavam em
todas direções e sua expressão era de preocupação infantil.
— Por que meu pai gritava com você? — Harry parecia assustado.
— Porque não podíamos entrar em um acordo — respondeu Sebastian. —
Às vezes acontece isso. As pessoas não entram em um acordo.
Harry desceu da cadeira. Segurava um cavalo de madeira entre as mãos.
Subiu lentamente as escadas até que se encontrou com Sebastian na metade do
caminho. Sebastian estava um degrau mais acima, com o que o menino parecia
menor do que era; apenas chegava aos seus joelhos.
— Você vai embora e nunca mais vai voltar? — Perguntou.
— Não.
Houve uma pausa.
— Papai vai morrer?
— Por que...? — Sebastian lambeu os lábios – Porque pergunta isso?
— Porque o doutor vem muito frequentemente. Igual ao último ano de
minha mãe.
Sebastian não conseguia falar com Harry da enfermidade de seu pai. Mas
tampouco não podia mentir.
— Pergunte para seu pai — disse por fim.
Harry enrugou o rosto.
— Isso quer dizer que sim.
— Chist! — Sebastian se sentou no degrau a seu lado, eliminando assim
aquele terrível diferencia entre suas estaturas. — Tudo se arrumará de algum
modo — respirou fundo. — Estas últimas semanas tenho feito seu pai se
zangar e isso não é bom para ele.
Levantou o olhar. Já não sabia o que pensar de seu irmão. Não sabia quem
tinha razão. Só sabia que gritar não adiantaria nada.
— Não vou fazer mais – prometeu. — Isso ajudará. Não chore.
— Não estou chorando — respondeu Harry.
E era verdade. Seus ombros tremiam convulsivamente, mas ele não emitia
nem um soluço.
— Não estou chorando — repetiu Harry — Papai diz que os homens não
choram, e por isso eu não choro.
Não seja ridículo, Sebastian pensou em dizer.
Ou: Chorar está permitido quando se está triste.
Mas Benedict não gostaria que interferisse com seus ensinamentos e, em
último caso, Harry era o filho de seu irmão. A decisão era dele,
independentemente do que Sebastian pensasse.
— Claro — disse. Passou um braço pelos ombros de Harry. — Muito bem.
Você está aqui sem chorar. E eu estou aqui com você, que não chora.

— VIOLET — DISSE LILY, segurando as mãos de sua irmã. Como soube


que precisava de você?
Estavam no escritório particular de Lily, com a porta fechada com chave.
Lily tinha ameaçado a seus filhos a embalsamá-los com alcatrão se a
interrompesse nas próximas horas, o que significava que teriam quinze minutos
no máximo. Lily estava sentada diante de sua mesa com olhos arregalados e
suplicantes.
Violet não o sabia, mas precisava de Lily. Precisava que lembrasse que
alguém a necessitava, embora só para dizer com firmeza para Frederick que
seus soldadinhos de chumbo não poderiam manter a dignidade se continuasse
fazendo excursões ao penico com ele. Com Lily cumpria um propósito, um de
verdade.
Cruzou as mãos sobre o colo.
— Me ajude — disse Lily. — Isto é mais do que pode suportar uma mãe.
— O que aconteceu? — Se um de seus sobrinhos estivesse bastante doente
para ter que se preocupar, sem dúvida Lily teria a procurado.
— Olhe o que encontrei entre as coisas da Amanda, — as mãos de LiLy
tremiam quando tirou uma chave do chaveiro que levava no bolso e abriu a
gaveta de sua mesa.
Violet teve de repente um mau pressentimento sobre o que sua irmã ia
mostrar.
— Isso, — Lily tirou um livro. — Isso — a voz tremia.
Violet teve que fazer um grande esforço para que seu rosto não
demonstrasse nenhuma emoção.
— Orgulho e Preconceito — disse com calma. — E uma primeira edição,
nada menos. Céus! Esses livros são bastante valiosos agora. Um pretendente
deu a ela de presente? Tem razão. Não deveria aceitar algo assim de um
homem, por mais considerado que seja o presente. Terá que devolvê-lo.
Não havia dito mentiras. Tampouco a verdade, mas nada do que falara era
falso.
— Abre-o — Lily desviou o olhar. — Vamos, abre-o.
Violet o abriu, embora já sabendo o que ia ver. Não seria a primeira
página de Orgulho e Preconceito.
A Educação Superior das Mulheres, por Emily Davies.
Violet olhou a sua irmã nos olhos.
— Emily Davies — disse tão calmamente que não entendia como seu
coração estava acelerado, não haveria nenhum sentido bater tão forte em seu
peito. — Não conheço nenhuma escritora com esse nome — também era
verdade. Emily Davies escrevia ensaios, não romances. — Escreve histórias
indecorosas?
— Não é uma romancista, — cuspiu Lily. — É uma dessas... mulheres
horríveis. Que escreve sobre os direitos das mulheres.
— Oh! Céus!
— Sabia que entenderia. Minha própria filha lendo às escondidas essa
literatura subversiva! Não quer me dizer qual de suas amigas que deu. Não sei
quem está tentando pervertê-la. Não é suficiente que agora tenha pensamentos
tão vis; além disso, isso tem feito que minta para mim.
— Mentiras? — Disse Violet. — Acho que não chegará a mentir para
você.
— Como se não o tivesse feito — respondeu Lily com desdém. — As
verdades destinadas a enganar são tão maldosas quanto as mentiras.
Violet mordeu os lábios.
— Ela te ama e sabe disso. Não é matreira por natureza. Possivelmente
pensou que você não se mostraria aberta a ter uma conversa assim.
— Mas é obvio que pensou isso! Eu não estou aberta a esse tipo de
conversa. Quem estaria? Ninguém de boa família. Esses bate-papos sobre uma
educação superior podem ser uma desafortunada necessidade para mulheres
que não podem conseguir uma oferta de casamento respeitável, mas Amanda
não está nessa situação.
Violet não disse nada.
— Você e eu compreendemos — continuou Lily. — A esfera feminina não é
menos importante porque está relegada ao sexo frágil. Pode ser que não
sejamos tão fortes e nem tão inteligentes quanto os homens, mas temos um
propósito. E ver que Amanda está nesse...
— Propósito — murmurou Violet com tristeza. — Pode me recordar qual é
esse propósito?
Lily a olhou. Por um momento, simplesmente a olhou, como se acabasse de
recordar nesse momento que Violet não tinha filhos nem marido. Como se
perguntasse como ia ser capaz de olhar a sua irmã aos olhos depois de haver
falado claramente que ela não cumpria nenhum propósito.
— Por isso te amo tanto, — disse Lily, com certo desconforto. — Porque
independentemente de nossas diferenças externas, você ainda me compreende.
Sabe o que há em meu coração igual a eu sei o que há no seu.
Violet permanecia em um silêncio congelado e logo foi capaz de assentir.
Sempre soube que precisava enganar Lily para que sua irmã a amasse. Não só
sobre suas atividades ou seus pensamentos, não. Tinha que mentir sobre tudo.
Nunca lhe tinha ocorrido que Lily, a quente, a doce, a franca Lily, também
mentisse para ela. Nem ela, Violet, queria que o fizesse porque até a ilusão do
amor era preferível a falta total dele.
— Quando encontrar a desalmada que deu esse horrível livro a minha
filha, vou acabar com ela, — disse Lily. — Ou a arruinarei. Quem quer que
seja é uma covarde, mentirosa, egoísta.
Violet mentia para Lily. Mentia para Sebastian. Mentia a todas as pessoas
que lhe importavam.
Não estava consciente do que disse para terminar a conversa nem de como
se despediu de sua irmã. Quando se dirigia a sua casa começou a chover e
ouviu as gotas caindo sobre o teto da carruagem. Em sua casa saíram para
recebê-la com um guarda-chuva e a acompanharam ao interior quente, mas
aquele tampouco era seu lugar.
Foi de sala em sala, passando os olhos de La Mode Illustrée que utilizava
para esconder seus gostos aos olhos curiosos as agulhas de tricô que usava
para dar um aspecto inofensivo.
Aprendeu a tricotar porque seu pai a tinha expulsado de seus jardins. Até
seu trabalho de tricô era uma mentira, uma ilusão de um caminho tranquilo que
utilizou para esconder toda sua agitação interior.
Tudo nela era uma mentira. E com boas razões, pois a verdade era muito
feia. Tão feia que até Violet se encolhia e fugia dela com covardia.
Trocou seu vestido de passeio por outro simples e saiu para a estufa. Tinha
começado a chover com força, mas não pegou um guarda-chuva. As gotas
grossas e frias que açoitavam sua pele pareciam um castigo justo.
Até seu trabalho era mentira. Não era dela; ninguém o reconhecia como tal.
E era inútil continuar com ele, desde que ninguém o apresentaria mais. As
últimas semanas mentiu também para si mesma.
Baixou o olhar. Empapar as sementes tentando convencê-las a germinarem?
Essa ilusão de fertilidade era a maior mentira de todas.
Ela era um enigma sem solução. Suas falhas não estavam no início de sua
relação com alguém a mais no final, quando espantava todas as pessoas que
gostava. A dúvida era só quanto tempo demorariam para descobrir a verdade.
Ela não era nada. Não dava nada em troca aos que cometiam a tolice de
amá-la. Não merecia nada e por isso não conseguia nada por mais que tentasse
ou por muito que fizesse.
No final do dia, era uma covarde egoísta, sem sentido e mentirosa.
Tampou os ouvidos com as mãos, mas por mais que tentou, não pôde fazer
com que aquele murmúrio desaparecesse. Além do mais, não era uma voz. Era
só sua consciência, e as memórias de Violet eram desumanas e terríveis.
Não podia fazê-la desaparecer. Não podia provar que estava errada.
Possivelmente chegou no momento de demonstrar que tinha razão. No fundo
sempre soube que se alguém se inteirasse da verdade...
Bem. Até Sebastian saberia o quanto era impossível querê-la. Violet pegou
todos os sentimentos que tinha afastado, toda a dor e os desejos perdidos, as
coisas que não se atrevia a sentir.
E ela desejava. Desejava com tanta força que a abraçassem que lhe doía.
Gostaria que alguém lhe dissesse que estava errada, que ela era importante.
Queria parar de mentir.
Um trovão explodiu do lado de fora. Violet atirou uma fileira de vasos de
barro vazios no chão. Quebraram-se em pedaços inúteis e alguns lhe cravaram
na pele. Chovia de tal modo que quase não podia ver o jardim de trás.
Duvidava muito que Sebastian estivesse em seu jardim com aquela chuva.
Covarde. Mentirosa.
Não podia esperar. Algo tão bobo como a chuva não ia lhe impedir de
dizer a verdade e perdê-lo de uma vez por todas.
CAPÍTULO 13

QUANDO COMEÇOU A CHOVER COM FORÇA, Sebastian estava em


sua estufa, tentando esclarecer a confusão de seus sentimentos. A chuva caiu
de repente como uma grande cortina, era uma chuva cheia de fúria.
Obscureceu a visão das plantas que estavam a dez metros dele e tingia o
mundo inteiro de cinza. O ar se tornou frio e os painéis de vidro da estufa
começaram a se cobrir de névoa.
Se colocou a procurar um guarda-chuva que estava quase certo de ter
deixado entre os gorros e jaquetas na entrada, quando a porta se abriu.
Voltou-se, convencido de que seria um de seus criados, possivelmente um
que lhe trazia o guarda-chuva que precisava, mas era Violet.
A primeira coisa que viu foi sua pele. Estava com um simples vestido de
musselina cinza, o tipo que usava para trabalhar na estufa. Chamá-lo de
“vestido" era pecar por generosidade. Naquele momento, estava enrugado,
encharcado, e se agarrava às curvas de Violet de um modo que Sebastian
suspeitava que ela não gostaria que ele o visse.
Violet jogou para trás uma trança encharcada e fechou a porta. A estrutura
da estufa tremeu, sacudida pelo vento. Sebastian não podia ler a expressão
dela. Podia ser triste; podia ser desafiante. Uma gota de água lhe caía pela
ponta do nariz e cerrava os punhos ao seu lado.
— Violet? — Perguntou ele — O que aconteceu com você?
Ela levantou o queixo. Apertou ainda mais os punhos que tinha ao lado do
corpo e se aproximou dele passo a passo. Aproximava-se como se ele fosse
uma força inimiga a que teria que rodear. Ela era um pouco mais baixa que ele,
e, no entanto, o ar marcial de seus olhos fazia com que ele quisesse se afastar.
Ela parou a vinte centímetros dele.
— Violet — murmurou Sebastian.
— Lhe escondi a verdade — anunciou ela com frieza. Apertou a mão do
lado e depois a afrouxou. — Acha que não sinto atração por você — olhou-o
nos olhos com ar de profundo desafio.
Sebastian não sabia o que pensar. Todo seu ser parecia a ponto de arder
enquanto esperava sem fôlego que ela terminasse aquele pensamento.
— Acha que não desejo você — ela tirou as gotas de chuva do rosto com a
mão. – Pois se enganou. Não posso deixar de pensar em você. Em como
seria... – engoliu em seco – abraçar você. Tocar em você — fez outra pausa.
— Vê o quanto equivocado está? Eu desejo você.
Viva! Uma parte dele queria gritar. Viva, viva, viva!
Mas tudo aquilo não parecia verdadeiro. Nem os punhos ao seu lado, como
se precisasse se proteger dele, nem o olhar em seus olhos. Nem o modo em
que falava a palavra desejo como se fosse uma faca com a qual tivesse a
intenção de lhe arrancar as vísceras.
— Não compreendo — Sebastian afastou um passo. — Algo está errado.
Os olhos dela brilharam.
— Cale-se — disse.
E antes que soubesse o que estava acontecendo, se jogou sobre ele. Não
havia outro modo de descrevê-lo. Um momento estava na frente dele, cheia de
fúria reprimida, e no seguinte tinha as mãos nos ombros dele e seus lábios
procuravam a boca masculina.
Sebastian tinha se imaginado tantas vezes beijando Violet que no princípio
deixou que acontecesse. Ela tinha a boca fria e suas mãos tremiam, mas ele
podia dizer que isso se devia à chuva e que cessaria assim que a esquentasse.
Não queria perguntar o que tinha acontecido. Não lhe importava saber por que
o estava beijando. A amava durante anos e ela estava ali. Atraiu-a para si e ela
não se encolheu nem se afastou. Seu beijo estava cheio de ferocidade, não de
ternura. Sua língua guerreou com a dele antes inclusive de que tivessem tido
tempo de esquentar-se mutuamente. E enquanto ele tentava estreitá-la contra si,
as mãos dela percorriam seu corpo, desciam pelas lapelas de sua jaqueta e
procuravam os botões de suas calças.
Santo Deus! Estava desabotoando suas calças.
— Não espere, Sebastian – dizia. — Não espere. Preciso de você agora.
O corpo dele não precisava que o acordasse para a vida. Tinha sonhado
abraçá-la e agora estava em seus braços. O tecido molhado se aderia em suas
curvas, curvas doces e leves que ele a muito tempo tinha vontade de explorar.
Seu pênis ficou duro imediatamente, assim que os dedos lhe abriram a
braguilha.
— Preciso de você — dizia ela. – Preciso muitíssimo de você.
Ele queria suas mãos ali. Exatamente ali, puxando sem piedade a sua cueca
para baixo, esfregando a lateral de seu pênis sem timidez, durante tanto tempo
que ele quase deixou de querer questionar sua boa sorte.
Ela tinha os dedos frios, mas ele tinha bastante calor para os dois. E se lhe
tremiam os dedos, pelo menos se mostrava impaciente e ousada em sua
exploração.
Sebastian não queria fazer perguntas naquele momento. Não com sua
ereção despertando surpreendida e encantada. Mas as condenadas perguntas
não desapareciam.
Separou-se dela.
— Violet, o que está fazendo?
Ela o olhou.
— Porque você quer parar? Você disse... — ela fez uma pausa. — Disse...
– engoliu em seco e fez outra pausa, dessa vez mais longa. — Disse que não
era platônico.
Oh, Deus! Aquelas pausas. Ela não parou de procurar palavras. Ele foi
apenas coerente.
— O que está esperando? — Perguntou ela, apertando-se contra ele com
uma espécie de desafio desregrado. — É um libertino e me deseja. Você
mesmo disse.
— Em primeiro lugar — disse ele, tentado controlar seus pensamentos —
sou um libertino que usa preservativo e não tenho nenhum na estufa. Em
segundo lugar...
— Você não precisa de preservativos — disse ela.
— Sim eu preciso. Em primeiramente não se trata só de evitar gravidez. E
em segundo lugar, você não sabe se você é estéril. Poderia ter sido seu
marido.
Ela abraçou a si mesma.
— E mais uma coisa. Eu disse que te amava. Que parte disso te faz pensar
que poderia saciar minha luxúria com você e que me mostraria indiferente ao
fato de que... de que...
— De que? — Grunhiu ela.
— De que está à beira das lágrimas.
— Não é verdade — ela afastou a cabeça. Os ombros tremiam. — Não
estou à beira das lágrimas. Eu não choro.
O pior é que tinha razão. Sebastian não a tinha visto chorar nunca, nenhuma
vez. Não tinha chorado no funeral de seu pai e não tinha derramado uma
lágrima em seu último ano de casamento. Estava pálida e apática e não disse
nenhuma palavra do que estava acontecendo com ela, mas não chorava. Ele
subiu as calças e voltou a abotoá-la.
— Violet – disse. — Tesouro. Você pode me dizer o que está errado?
Ela caiu no chão e enterrou o rosto nas mãos. Não chorava, só tremia.
Os trovões ressonavam a seu redor. Sebastian não podia ouvi-la por cima
daquele estrondo. O som da chuva golpeando os vidros ao seu redor abafava
as palavras dela. Ele só sabia que estava chateada. Sabia pelo tremor de seus
ombros. Sentou-se a seu lado e colocou um braço nos ombros molhados.
Se não tivesse alterada, não teria permitido que ele a tocasse. Sebastian a
abraçou e a atraiu para si. Tentou respirar algum calor em sua carne fria.
— Não aconteceu nada — disse. — Está tudo bem.
Ela soltou um suspiro em seu ombro.
— Sinto muito — continuou ele — Eu farei que melhore. Seja o que for,
farei que melhore.
Violet elevou o rosto para olhá-lo. Seus olhos estavam escuros, tão escuros
que ele não pôde ver o fundo deles quando olhou seu rosto.
— Eu não sou estéril — sussurrou ela.
Ele demorou um momento para compreender as palavras, que tinham sido
pronunciadas no meio da tempestade, e quando o fez, não conseguiu entender
seu significado.
— Você disse que eu não sabia se era estéril. Sei que não sou. Estive
grávida. Acredito que fiquei grávida na noite de núpcias. Fiquei tão feliz, me
iludi quando o médico disse isso!
Ele arregalou os olhos.
— Não tinha nem ideia.
— Era tão recente que não falamos a ninguém — ela respirou fundo. —
Tive um aborto com sete semanas.
Sebastian não tinha nada que dizer sobre aquilo, então, simplesmente a
abraçou.
— Oh, Violet! Sinto muito.
— A segunda vez foi um pouco depois disso. Não estava preparada, mas o
doutor disse que os abortos eram algo comum nas noivas jovens e meu marido
disse que, quando um cavalo o joga, tem que voltar a montar em seguida.
Assim ele fez. Era tão fácil ficar grávida! Lily disse uma vez que ficava
grávida só com o espirro de seu marido perto dela e eu não sou diferente.
Precisava muito pouco para me deixar grávida, — cravou os dedos nos braços
dele. — Mas nunca durava. Oito semanas, dez semanas... isso era o que
acontecia comigo. Ano após ano.
— Ano após ano? — Repetiu Sebastian, aturdido.
— Sempre voltava a montar no cavalo — disse ela. — Dezenove vezes,
uma após a outra — respirou com força.
Meu Deus! Doía para Sebastian ouvir aquilo. Doía saber o que ela tinha
passado. Sabia que se mostrava exigente e suspeitava que havia uma razão.
Mas aquilo?
— Depois de anos assim, o doutor disse que tínhamos que parar de tentar.
Que estava me destruindo, — ela engoliu em seco. — Que se não parássemos,
eu morreria. Mas meu marido não queria parar. Queria seu herdeiro – sua voz
começou a tremer. — Eu lhe dizia que não, entende? Dizia que não e ele nunca
me forçava quando pedia. Mas meu "não" nunca durava. Voltava e conversava
comigo. Adulava e explicava. Dizia-me que eu era egoísta me negando. Que o
condado precisava de um herdeiro, que isso era mais importante que eu.
Poderia continuar negando se tivesse sido só um não, mas ele só precisava de
um sim. Um sim e voltava a se meter em minha cama. Um sim e me fazia sentir
como se não fosse nada, como se toda minha vida, meu corpo, não servisse
para nada mais do que para a possibilidade de me deixar grávida. E que eu era
uma cadela egoísta e conivente para querer outra coisa.
Sebastian se sentia enjoado.
— Ele estava errado – disse. Mas a fúria que fervia nele ao pensar naquilo
não tinha outro destinatário que um homem morto, não caberia aquela
conversa. Apertou-a mais forte contra si. — Estava muito errado.
— Eu tentei pensar isso. Mas quando ele morreu... foi um acidente
horrível. Escutei uma pessoa atrás da outra me oferecendo suas condolências.
E não consegui sentir a mínima pena. Fiquei feliz, — Violet deu um suspiro. –
Fiquei feliz egoistamente quando morreu. Ele não estava errado. Minha vida
não significava nada para ele, mas a sua significava nada também para mim.
— Chist! — Sussurrou Sebastian.
— E olhe o que tenho feito com você. Menti, tenho lhe feito mal porque
não posso suportar pensar o que seria ter que dizer não a você desse modo.
Isso destruiu meu casamento e mataria a nós também. Eu não poderia suportar.
— Apertou o braço com os dedos. — Ao menos a meu modo não há riscos.
Sou uma covarde, Sebastian. Sou tão covarde que tenho feito você acreditar
que não te desejava.
Suas respirações tinham começado a se acalmar.
— E por isso veio a mim — disse ele com suavidade.
Ela se encolheu.
— Às vezes te desejo tanto que poderia gritar. Mas... não me atrevo. Não
me atrevo a desejar você — sua voz se tornou mais fraca e ela se retraiu em si
mesmo.
Não. Depois do que tinha contado para ele, Sebastian não tinha nenhuma
dúvida do por que.
— Não posso ser ninguém exceto eu mesma — sussurrou ela. — Sou um
enigma, frio e difícil. Se deixar você se aproximar, sairemos os dois
magoados.
Ela tinha ido lá e se jogado em seus braços. Se insinuou para ele e disse
que não precisava de preservativo. Fora ali pensando que ele a queria, que
faria o mesmo que seu marido fizera.
Por Deus! Como ela podia pensar que ele faria isso?
Violet não o olhava nos olhos.
— Devo pedir desculpas a você — disse.
O marido dela falava que não valia nada. Fizera o possível para suprimi-
la, a levara para a cama sabendo o que isso implicaria. Sebastian lembrava de
Violet nos últimos anos de seu casamento. Doente a metade do tempo, apenas
capaz de se mover e, no entanto, determinada a viver, a fazer algo, para que
publicassem seu projeto sobre as bocas de dragão.
Ela pensava então que estava no final de sua vida.
— De todas as coisas horríveis que te fiz — disse Violet — acredito que
esta foi a pior. Vim aqui porque queria desaparecer. Porque me envergonho de
mim mesma e pensei que, se dissesse a você o que sentia, se ficasse sabendo,
ajudaria a me anular.
Sebastian pensou em Violet decaindo como em outros tempos e apoiou sua
cabeça na dela lentamente, muito lentamente.
— Não, você não pensou nisso.
Ela suspirou.
— Sim eu pensei.
— Não — Sebastian se inclinou até que seus lábios estivessem próximo à
orelha dela. — Veio a mim porque me conhece melhor do que ninguém. Porque
precisava que alguém dissesse a você que se importa. — Ela prendeu o
fôlego. — Porque embora tenha sido invisível para o mundo inteiro —
continuou ele — eu sempre te enxerguei.
Violet respirou fundo. Sebastian trouxe-a para perto dele, abraçou-a,
molhada como estava, e passou as mãos pelos ombros. Ela levantou o rosto
para ele.
Sebastian podia beijá-la. Tinha sonhado com isso há muito tempo. Seu
corpo continuava vivo de desejo, todas as partes dele ansiavam por tê-la.
Aquele seria um beijo de verdade, não um abraço de fúria escaldada como o
que ela tinha dado antes. Seria doce, terno e amoroso, tão natural como
respirar.
Seria... Mas não seria o correto quando ela estava ainda tão a beira do
pranto.
Em vez disso, Sebastian tirou o lenço do pescoço e lhe secou a chuva do
rosto.
— Encantadora Violet – disse. — Inteligente e bela Violet.
Ela suspirou e se apoiou nele.
— Veio a mim porque sabe que eu nunca te faria mal — comentou
Sebastian.
Violet o olhou com olhos arregalados. Suas mãos foram relaxando
lentamente e sua respiração foi acalmando.
— Você entende? — Ele sorriu. — É verdade. Não vou te fazer mal.

DE TODOS OS MODOS que Violet tinha imaginado que começaria a


manhã depois de confessar a Sebastian que o desejava, despertar sozinha na
cama era provavelmente a única possibilidade que não tinha pensado.
Sentou-se na cama. Sua cabeça palpitava nas têmporas, como se tivesse
passado uma noite de abandono e luxúria.
Em vez disso, Sebastian a tinha abraçado, sussurrado ao seu ouvido, lhe
contado piadas durante quarenta e cinco minutos, até que ela, cheia de pena e
confusão, não pôde evitar rir a gargalhadas. E depois de que a chuva se tornou
garoa, lhe deu um guarda-chuva e a enviou a sua casa.
Sozinha.
Inexplicavelmente.
Ela tinha desabotoado as suas calças, havia lhe dito claramente que
fantasiava com suas carícias. E nem sequer lhe dera um beijo de boa noite.
Desconcertante.
Isso dava à manhã um estranho sentido de normalidade, como se a tormenta
do dia anterior não tivesse acontecido. Como se pudesse jogar a recordação
daqueles sentimentos confusos e incômodos a um lugar no jardim onde poderia
enterrá-los indefinidamente junto com outro lixo abandonado.
Se vestiu como fazia sempre. Tomou o café da manhã com torradas e peixe
defumado, como sempre.
Foi à estufa e não encontrou nenhuma mudança, nada que demonstrasse o
que tinha ocorrido na noite anterior, além de uma leve névoa nas janelas e das
pedaços dos vasos de barro quebrados. A névoa se dissipou em minutos; ela
levou um tempo para varrer e se desfazer das partes do vaso.
Parecia ridículo fingir que sua rotina podia continuar, mas não a
interrompeu, assim começou a plantar as sementes que deixara em imersão na
noite anterior. O trabalho era familiar e reconfortante, e a terra fresca e
agradável em suas mãos. As sementes que tinha preparado na noite anterior se
incharam na água. As recolheu uma por uma e foi colocando em vasos de
barro minúsculos. Pouco a pouco, foi se deixando absorver pelo ato de
plantar.
Ela não sabia quanto tempo havia ficado imersa em sua atividade, até que
ao usar a metade das sementes, deu-se conta de repente de que fazia cinco
minutos que não procurava um vaso de barro. Olhou para o buraco que tinha
feito na terra, voltou lentamente para a realidade e levantou o olhar.
Sebastian estava a seu lado, com um vaso de barro pequeno na mão. Já
estava cheio de terra.
Toda a confusão dela, aquela massa emaranhada de sentimentos, retornou e
se instalou em seu ventre.
— Sebastian — disse bobamente. — Quando você chegou?
— Faz uns quinze minutos.
Violet fez uma careta.
— E eu por acaso te cumprimentei?
Ele negou com a cabeça.
— Não é a primeira vez que você não o faz, e certamente, não será a
última — disse.
Mas falava com um tom de voz quente. E isso devolveu a Violet à
realidade do momento. Estava muito perto, tanto que podia sentir o calor de
seu corpo. Ele levantou o vaso que tinha na mão e ela o pegou.
Agora ela sabia de sua presença ali, era muito consciente dela. Os dedos
de Violet roçaram a palma da mão dele, calor com calor.
Entre eles não mudara nada. Nada exceto um pouco de informação. Agora
sabia que ela o desejava. Violet queria poder enterrar aquela informação como
enterrava a semente que tinha na mão, empurrá-la na terra a uns dois
centímetros de profundidade. Gostaria que essa informação só criasse raízes,
escondidas da luz do sol, e não folhas que insistissem em se estender por sua
mente consciente.
Olhou-o com nervosismo.
Ele sabia que ela não era tão indiferente quanto fingia. Sabia que pensava
em beijá-lo. E provavelmente sabia que pensava em beijá-lo naquele
momento.
Havia uma expressão em seus olhos que não estava ali antes, algo quente e
perturbador. Algo que fazia com que os dedos dela encolhessem. Fazendo com
que tivesse vontade de virar e sair correndo. Ele desviou olhar dos olhos dela
para sua boca.
Sabia. Sabia o que ela estava pensando. Violet apenas se deu conta de que
involuntariamente passava a língua nos lábios.
Havia poucos centímetros entre eles. A mão dele estava livre. A traria para
perto e a seguir...
Violet sabia pouco dos costumes dos libertinos, mas de uma coisa estava
certa. Sebastian ia beija-la. E ela não sabia como ia responder.
Mas ele não o fez. Simplesmente se voltou e pegou outro vaso de barro.
Violet gostaria de recuperar seu estado anterior. Não saber que estava ali,
tão perto dela. Cada vez que lhe virava as costas, sentia um arrepio na nuca.
Sempre que pegava um vaso de barro que ele lhe oferecia, os dedos faziam
cócegas no ponto onde roçavam a pele dele.
Ele ia beijá-la.
Sentia-se como um camundongo esperando o ataque do gato.
Mas aquele gato não atacou. Estendia-lhe os vasos de barro. Enquanto ela
trabalhava plantando, ele pegou os palitos com as etiquetas e foi colocado
nomes nas sementes. Conhecia de sobra o sistema dela e foi assegurando de
que cada vaso ficasse devidamente registrado.
Ele era como uma mão a mais para ela. Fez as coisas que ela teria feito.
Varreu as partes quebradas de um vaso de barro que Violet derrubou, tomou
nota quando foi necessário, guardou as coisas que ela devia recolher, fez todas
as coisas que ela pensou.
Todas menos uma. Não a beijou.
Quando ela terminou com a última semente, continuou sem beijá-la. Não
houve beijo enquanto a ajudava a amontoar sua coleção de pequenos vasos
sujos e levar para os fundos na área de serviço, onde os ajudantes de
jardineiro os lavariam.
Não a beijou quando ela lavou as mãos, e quando terminou, estendeu uma
toalha para que as secasse sem dizer uma palavra.
Violet quase podia acreditar que a noite anterior não acontecera, que nunca
se jogou em seus braços e não confessou tudo... exceto quando às vezes ele a
olhava, e nesse olhar...
Não queria ver a expressão de seus olhos, não queria saber o que ele
pensava. Certamente a beijaria ao se despedir. Estava esperando o momento,
fazendo com que se sentisse confortável, embora a realidade era que se sentia
cada vez menos confortável quanto mais tempo passavam juntos, lhe fazendo
acreditar que o beijo não chegaria nunca.
Quando terminaram a última tarefa, ele não a abraçou. Simplesmente se
dirigiu à porta da estufa, tirou o jaleco e trocou por seu chapéu e seu paletó. A
saudou com o chapéu. Enquanto ela olhava surpreendida, ele se virou e saiu.
Foi embora sem beijá-la.
Observou-o se afastar, sua figura em meio de um emaranhado de confusão,
temor e dor.
Impossível. Ele se foi sem beijá-la.
Violet levantou o queixo e saiu atrás dele. Sebastian já tinha cruzado a
grade de seu jardim quando ela saiu para o espaço entre as paredes das duas
casas. Amaldiçoou o beco e suas saias, tão desajeitada naquele espaço tão
pequeno.
Quando o alcançou, ele já estava na metade do caminho do jardim em
direção a sua casa.
— Sebastian! — Chamou.
Ele se virou e a viu. Voltou devagar até onde ela estava.
— O que aconteceu?
Havia mil coisas que ela podia dizer.
Obrigado por sua ajuda.
Sinto por ontem à noite.
— Pode-se saber o que está fazendo? — Disse.
Sebastian piscou um momento confuso e depois cruzou os braços.
— Está zangada comigo? — Perguntou.
Santo Deus! Era tão perfeito! Possivelmente ela imaginou a expressão de
seus olhos. Possivelmente era uma tola ao pensar que ele queria beijá-la. Era
ridículo pensar também no que lhe havia dito. Estou apaixonado por você,
Violet.
Não podia ser. Talvez deixou de estar.
No instante em que admitiu essa possibilidade, ela percebeu que isso era o
que devia ter acontecido. Ela confessou que não lhe era indiferente. Antes era
um enigma para ele e agora que havia se decidido, perdeu o interesse.
Essa ideia deveria lhe proporcionar alívio. Além do mais, ele não podia
suportar o interesse dela. Por que, então, queria sacudi-lo com raiva?
— Por que não me beijou? — Quis saber.
Sebastian esfregou os olhos.
— Santo Deus! – Murmurou. — Você não disse que queria que eu o
fizesse.
Aquilo era verdade. Violet desejava que ele a beijasse quase tanto como
temia isso. Foi estúpido se sentir rejeitada só porque ele não fez algo que ela
queria que fizesse. E Violet odiava sentir-se estúpida.
— Na verdade, é muito simples — disse, tentando falar com suavidade e
sem que sua voz tremesse. — Você é um libertino. Admitiu ter reprimido suas
tentativas de me seduzir porque acreditou que eu era indiferente a você. Disse
a você que não era — levantou o queixo. — Por que, então, não me beija?
— Você achava que pularia sobre você? — Perguntou secamente.
Falando daquele jeito, parecia ridículo. Não, claro que ele não gostaria
que fosse assim. Talvez lhe tivesse carinho, mas ela não era o tipo de mulher
que podia inspirar uma paixão duradoura. Tinha que... balançou a cabeça.
Aquela noite a umas semanas atrás... ela era boa para isso. Um encontro
rápido contra uma parede, uma distração momentânea, logo esquecida.
Afinal, era melhor assim. A última coisa que ela queria, a última que
precisava, era inspirar paixão em um homem. A paixão levava a relações e as
relações levavam a aborto. E um desses a mataria. O universo inteiro tinha
mostrado, em termos bastante claros, que não era o tipo de mulher que podia
viver uma paixão. Por que ia se incomodar que Sebastian tivesse unido sua
voz àquele coro triste?
— Você ouviu o que me contou? — Perguntou ele. — Você me disse que,
quando seu marido tinha relações sexuais com você, a fez se sentir como se
não valesse nada. Como se sua morte fosse um risco que ele estava disposto a
correr.
Violet não podia olhá-lo nos olhos.
— Isso não significa que meu corpo guarde silêncio total sobre isso.
Ele deu um passo a frente até ficar diretamente na frente dela.
— Violet – sussurrou. — Em que mundo acha que eu diria que você não é
nada para mim?
Ela o olhou nos olhos. Os seus ardiam e quase não podia respirar.
— Eu não... pensei... — não podia dizer. — Pensei que talvez você não
queria...
— Acha que não quero beijá-la? — Ele arqueou as sobrancelhas. —
Violet. Você sabe que isso não é verdade.
Ela engoliu em seco.
— Não quero que se sinta como uma inútil. Não desejo que acredite que a
única coisa que importa é minha luxúria — Sebastian estendeu o braço e
apoiou, muito lentamente, a mão em sua bochecha. — Quando disse que amava
você, o que acha que eu queria dizer?
Violet não podia responder. Sentia a garganta apertada e, além disso, não
havia a certeza de que pudesse acreditar que era verdade. Levou muito tempo
fugindo dela para aceitá-la de repente.
— Queria dizer que você é importante para mim — murmurou ele.
Violet se abraçou. Queria que ele a desejasse com abandono. Queria
acreditar que ela podia fazê-lo perder a cabeça e o controle. Mas se isso
acontecesse, o odiaria por isso.
— Não sou uma mulher justa – respondeu. — Quero coisas impossíveis e
contraditórias. Sou feita de bordas afiadas, Sebastian. De pontas afiadas,
peças amassadas e pedaços de vidros quebrados. Nesta situação, é impossível
possa ganhar.
Ele não a contradisse. Roçou-lhe o queixo com o polegar, para frente e
para trás, em uma carícia sedutora que fazia com que ela quisesse fechar os
olhos e se fundir em um abraço.
— Só sei de uma coisa — disse Violet. — Só há uma coisa da qual tenho
certeza — olhou-o nos olhos. — Você também é importante para mim.
Sebastian fechou os olhos e respirou devagar.
— Deveria estar furioso comigo — disse ela. — Sou... Impossível. Uma
mulher impossível.
Mas ele sorriu.
— Não – respondeu. — É difícil. Mas, por outro lado, se houver alguém
que possa solucionar um problema impossível, é você. Confio em você.
Estúpido Sebastian! Ele achava que existia uma saída para tudo aquilo?
Violet sentiu um nó na garganta. Ele era um idiota. Ela queria gritar que
fugisse, que se salvasse. Que se apaixonasse por outra mulher, uma que não
tivesse experimentado o amor como uma série de lascas afiadas cravadas em
seu coração. Queria dizer tudo isso... E, no entanto, não queria que partisse.
— Não o faça, – disse para ele — pois não tenho nenhuma confiança em
mim.
Mas ele não se encolheu nem se separou dela.
— Sei – disse. — Por isso eu confio pelos dois.
Ela não podia falar. Em vez disso, estendeu a mão. Ele pegou, apertou-lhe
os dedos e juntos permaneceram assim, palma com palma, com o coração dela
pulsando com uma excitação nervosa e aturdida.
— Eu jamais imaginei que acontecesse isso — confessou ele por fim. —
Acreditava que, quando por fim conversássemos sobre isso...
— O que acreditava?
— A verdade? — Sebastian sorriu fracamente. — Faz alguns anos comecei
a fazer uma investigação científica por minha conta. Tinha a ideia de que,
quando estivesse terminada, quando tivesse verificado tudo e calculado com
precisão, poderia lhe mostrar. Por alguma razão, sempre acreditei que, quando
fizesse essa apresentação, você entendesse por fim como me sentia.
Violet jogou a cabeça para trás e olhou para ele interrogativamente.
— Que tipo de pesquisa científica pode dizer se... – Ela não podia se
decidir a pronunciar a palavra amor — pode dizer se sente algo por uma
mulher?
— Oh. Só foram alguns cruzamentos com algumas flores — respondeu ele,
agitando uma mão no ar. — Nunca chegou a lugar algum. É bastante
embaraçoso. Possivelmente algum dia consiga terminá-la. No momento, é
melhor para todos que continue assim.
Ela ainda segurava sua mão.
— Talvez – murmurou. — Mas tenho curiosidade.
— O que você quer um bate-papo científico? — Ele sorriu. — Vamos,
Violet. Sei perfeitamente que não devo aborrecer você com um conjunto de
dados confusos.
— Está claro que não me conhece tão bem como pensa. Os conjuntos de
dados confusos são minha especialidade — ela respirou fundo.
Para ela seria mais fácil aceitar o que ele dizia se fosse uma série de
dados, algo que se apresentava como um problema que precisaria resolver.
— Não se parece em nada com seu trabalho, não é tão bom, mas... — ele
balançou a cabeça. Curiosamente, parecia nervoso. Depois de tudo o que
tinham feito juntos, de tudo que haviam dito um para o outro, ele estava
nervoso.
— Oh, vamos, Sebastian — disse ela. — Pode dar uma pequena
conferência em um dos seminários semanais. Todo mundo gostaria. Já sei que
disse que não apresentaria mais meu trabalho, mas este seria o seu.
Ele não disse nada.
— Faz uma semana que não vou a Cambridge — continuou ela. — Os
jardineiros se encarregam de não deixarem as plantas morrerem, mas eu
continuo sendo responsável por todos os cruzamentos. Não acha que
poderia...?
Queria ouvi-lo falar claramente daquilo. Queria, também, que aquilo fosse
um enigma de intelecto, algo que ela pudesse pensar com a cabeça e não com o
coração.
—Oh, está bem — cedeu Sebastian por fim, — mas não diga que não lhe
avisei.
Ela o olhou.
— Diz isso por que é um trabalho muito, muito explícito?
Sebastian balançou a cabeça.
— Não. A única pessoa que poderia encontrar algo censurável nele seria
você.
CAPÍTULO 14

— VOCÊ SABE O QUE ESTA ACONTECENDO?


Violet se moveu em sua poltrona da primeira fila para aproximar-se um
pouco mais de sua amiga.
Contra seus hábitos, Jane Marshall estava vestida quase discretamente,
com um vestido azul escuro que só tinha um pequeno excesso de voltas. Duas
filas à frente dela estava sua cunhada, Frederica Marshall. A senhorita
Marshall, conhecida na família como Free, tinha suplicado para assistir uma
autêntica conferência de Cambridge. Violet pensou que poderia não ser por
esse motivo, mas a jovem, em todo caso, olhava a sala com muito interesse.
Dava a sensação de que absorvia todos os detalhes, os painéis de madeira nas
paredes, ou as cadeiras, desgastadas e arranhadas depois de anos de uso,
todas alinhadas para frente.
— Oliver me disse que Sebastian estava muito estranho com relação a essa
conferência — sussurrou Jane para Violet. — Nervoso e misterioso. Como ele
e você são amigos há muito tempo, pensei... – ela abriu as mãos enluvadas.
Suas luvas, no entanto, não tinham nada de discretas. Eram adornadas com
contas de vidro que tinham sido costuradas no couro suave formando plumas
de pavão.
— Contou-me muito pouco — respondeu Violet. — É só um ensaio
provisório de um estudo que ainda não terminou.
Jane olhou ao seu redor com alegria.
— Um ensaio provisório? – Perguntou — Qualquer outro ensaio
preliminar atrairia um público de nove ou dez pessoas no máximo.
Na sala havia dez vezes essa quantidade.
— Bem — comentou Violet. – Além de tudo, trata-se de Sebastian.
Três filas atrás dela se sentava o casal irritante que tinha se alterado na
última conferência. Violet enrugou o nariz e desejou que eles, ao menos,
respeitassem dessa vez.
— E não disse nada a você? — Jane franziu a testa. — Que estranho! Faz
três dias ele veio procurar Oliver e lhe convidar para vir hoje. Agia como se
fosse algo importante. Mas sobre o evento falou pouco e, quando Oliver lhe
perguntou, disse que ia apresentar um trabalho que tinha pouco valor
científico. Nós dois estamos muito intrigados.
— Bem — Violet disse com seu tom de voz mais razoável. – E por que ele
iria falar comigo de suas conferências?
— Certo — respondeu Jane depois de uma pausa. — Muito certo. Mas não
posso evitar me perguntar se está planejando alguma surpresa terrível.
Violet se perguntava o mesmo. Sebastian estava nervoso ao lhe falar do
assunto. Um projeto secreto que tinha lhe escondido durante anos? Um projeto
que teria revelado seus sentimentos? Não fazia sentido. Nenhum sentido.
Três filas atrás dela, a mulher da voz de apito deu um suspiro.
— Isto será horrível – predisse. – Não é verdade, William?
Violet se recusou a deixar que aquela mulher estragasse seu dia. Manteve
os olhos fixo para frente. Por sorte, seu acompanhante respondeu em voz tão
baixa que não se ouviu.
— Como posso aguentar isso? — Continuou a mulher. — Temos que parar
com isso.
Violet suspirou e se voltou para Jane. Mas não houve tempo para continuar
conversando. A porta lateral da sala se abriu e entraram Oliver e Robert, que
foram se sentar com elas, Oliver à direita de Jane e Robert à esquerda de
Violet.
— Conseguiu algo? — Sussurrou Jane.
— Nada, exceto que eu nunca o vi assim — respondeu seu marido, também
sussurrando.
A porta se abriu uma vez mais e os sussurros acabaram. Entraram
Sebastian e um homem de cabelos brancos. Sebastian não parecia nervoso,
mas, por outro lado, nunca demonstrou quando estava na companhia de outros.
Parecia muito tranquilo. Sorria como se o público fossem um grupo de amigos.
— Bem-vindos, bem-vindos — disse o senhor mais velho que
acompanhava Sebastian. — Bem-vindos a nosso pequeno... ah... Seminário
semanal de botânica.
As nove pessoas do público que assistiam normalmente às conferências
menos populares daqueles seminários, riram.
— Hoje temos a honra de contar com o senhor Sebastian Malheur nos
apresentando uma versão provisória de seu último trabalho. Se mostrou muito
modesto em sua descrição, mas estou seguro de que nenhum de vocês quer me
ouvir falar, então vou deixá-los com o senhor Malheur.
Houve uns aplausos corteses e Sebastian se adiantou para ocupar seu lugar.
Nunca olhava para Violet quando dava uma palestra, em uma ocasião falou
que, se o fizesse, tinha medo que começasse a rir na metade da frase. Mas
dessa vez era diferente. Normalmente, ela sabia tudo que iria dizer.
Nesse dia, pela primeira vez em mais de cem palestras, não tinha nem
ideia do que ia dizer. Ele levantou o olhar e olhou a sala. Seus olhos pousaram
nos dela.
Violet ficou sem fôlego. Como podia olhá-la assim diante de todo mundo?
— Esse — começou ele — é um tema muito querido para mim. Um tema
que estudei durante anos com a esperança de arrancar seus segredos.
Não tinha afastado os olhos. Continuava olhando-a e Violet sentia as mãos
frias.
— Queria entender — continuou ele. — Mas algumas coisas não podem
ser entendidas, ao menos para mim. Portanto, essa é uma palestra que também
toca ao fracasso — por fim afastou o olhar do dela — Também é um bate-papo
sobre a arrogância. Uma conversa sobre como um homem pensou que podia
resolver algo que sabia que estava acima dele.
Fez uma pausa, como se procurasse criar efeitos, e voltou a olhá-la.
Cravou os olhos nos dela.
— Isso — disse com calma — é um bate-papo sobre Violet.
Ela sentiu que suas entranhas congelavam. Foi com muito esforço que
permaneceu sentada. A cabeça rodava. Ele havia falado seu nome diante de
todo mundo. Ele ia dizer que... todo mundo saberia que...
Santo Deus! Sua mãe a mataria. Lily não voltaria a lhe dirigir a palavra.
Todo mundo saberia. Aquilo era um desastre. Aquilo era...
Mas ninguém da sala olhava para ela.
— Do gênero viola — continuou ele.
Violet afrouxou as mãos e alisou as saias. Tinha ouvido mal, isso era tudo.
Ele não havia falado que iria falar de Violet. Havia falado que ia falar de
violetas.
Respirou fundo e tentou relaxar.
Sebastian se voltou para o cavalete coberto que havia na parte da frente da
sala e afastou o pano que o cobria.
— É um exemplar muito típico — enquanto falava, dobrou o pano. — Uma
flor que dá cor a todos os jardins da Inglaterra. Isso – indicou o primeiro
cartaz do cavalete, um desenho colorido — é a viola tricolor violácea, a
violeta dos jardins de nosso país, reconhecível por suas grandes pétalas de
três cores e por suas folhas atravessadas.
Violet quase não podia pensar pela sensação de alívio que a inundou. O
mataria por lhe dar um susto desse tamanho. Por lhe fazer acreditar que ia
falar dela diante de todo mundo quando falava somente de umas flores.
— Muitos acreditam que a violeta é uma flor comum — prosseguiu ele. —
Isso é um engano. Um engano que só cometem aqueles que não a estudaram a
fundo. Na realidade, a violeta é uma das flores mais surpreendentes. Pode-se
encontrar em bosques e em cercas, em plena isolação alpina e cultivadas em
jardins. Sua cor vai do amarelo ouro da viola tricolor lutea ao branco
brilhante da viola alpestris. Algumas espécies do gênero viola têm flores do
tamanho de meu punho; outras têm flores muito pequenas, que são pouco
visíveis.
Sebastian sorriu e Violet lhe devolveu o sorriso sem pensar.
— As pessoas acreditam que a violeta é tão comum que não vale a pena
estudá-la. Hoje em dia, quando vemos um carrinho de violetas, afastamos o
olhar procurando outras flores mais chamativas. Mas vou mostrar a vocês que
a violeta não tem comparação.
E então foi quando Violet compreendeu por fim. Ele não falava de flores,
embora todos outros da sala pensassem que sim. Falava dela.
Começou por descrever os cruzamentos que havia realizado entre as
distintas espécies de viola tricolor. Mas ela não podia deixar de notar em sua
linguagem. Sebastian sempre tinha talento para as apresentações, utilizava
grandes palavras e frases contundentes para obter um estilo de conversa mais
colorida. Nessa ocasião, entretanto, suas palavras pareciam mais uma carícia
que uma conversa.
Em lugar de falar da viola tricolor alvorada, chamou-a de "linda violeta".
A viola alpestris se tornou na "resistente violeta"; a viola adorata foi a "doce
violeta". Estava anunciando, uma e outra vez, a todos os presentes o que sentia
por ela.
Nas semanas que tinham passado desde que ele confessou seus
sentimentos, Violet tentou evitar pensar neles, transformando-os em emoções
mornas e seguras. Não se permitiu acreditar que aquilo era amor. Não podia
ser amor. As pessoas não a amavam uma vez que a conhecia.
Mas ele estava detalhando anos de estudos passados registrando fielmente
todos os aspectos do gênero das violetas, e tinha feito tudo isso simplesmente
para poder colocar-se diante de um público e falar de violetas. Violetas
amorosas. Violetas resistentes. Violetas inteligentes.
Que tola era! Ele havia falado que aquilo revelaria seus sentimentos.
Aquilo não era uma conferência, era uma... uma... Violet não sabia o que era.
A palavra mais próxima que lhe ocorria era sedução.
Todos aqueles elogios a envolviam como um abraço, um abraço que não se
atrevia a aceitar. Estava sentada em sua cadeira, com medo de mover um
centímetro. Com medo de atrair a atenção sobre si mesma, de que, se fizesse
algo, mesmo que fosse só respirar com força, as pessoas a veria exposta no
cavalete de Sebastian com todos seus segredos à mostra.
Mas nenhum deles sabia. Para eles, ela não existia. E se sabiam de sua
existência, pensavam nela como a condessa de Cambury.
Jane colocou uma mão na sua.
— Respira — sussurrou. — Tem que respirar, Violet.
Pensado bem, talvez algumas pessoas percebessem.
Sebastian seguia falando dos cruzamentos que tinha realizado entre
espécies. De como a alpestris e a tricolor violácea se cruzavam muito bem,
mas a alpestris e a calcarata se negavam a cruzar-se. Enumerou um
experimento atrás de outro. Cruzamentos falhos, cruzamentos com germinação
pobre, cruzamentos que tinham acabado em plantas difíceis, que os botões não
quiseram abrir.
Terminou com um gráfico de suas tentativas de cruzamentos, uma tela de
marcação confusa que apresentou com tímido humor.
— Estou seguro de que há um princípio que explicaria por que algumas
espécies admitem cruzamentos e outras não – disse. — Mas não sei qual é
esse princípio. Embora as pessoas tenham a sensação de que bastaria um fato
simples que seria suficiente para iluminar algo que certamente eu passei por
cima, para que pudéssemos entender tudo.
Eu não tenho uma solução, pensou Violet. Só lâminas afiadas.
— Mas até então — continuou Sebastian. — Seguirei procurando. Porque
prefiro fracassar com as violetas a ter êxito com todo o resto.
O aplauso foi fraco, as perguntas bem-humoradas. Por Deus! Violet não
sabia o que ele queria dela. Não sabia o que esperava que fizesse. Como ia
poder encará-lo?
Três filas atrás dela a mulher da voz de apito disse:
— Não houve nada indecoroso nisso – protestou. — Nada sugestivo.
Violet pensou que aquilo demonstrava que algumas pessoas nunca
entendiam nada do que ouviam.

SEBASTIAN NÃO TEVE OPORTUNIDADE de conversar com Violet


desde sua conferência. Tinham retornado com seus amigos à casa que ele
possuía em Cambridge, em duas carruagens, para fazer uma refeição leve.
Depois se sentaram todos para conversar.
Sentia-se estranhamente vazio, esgotado e, entretanto, também alegre.
Robert, Minnie, Jane, Oliver e Free conversavam, o que dava a Violet tempo
para pensar. Para refletir e entender tudo o que lhe havia dito. Ela não
pronunciou nenhuma palavra durante a conversa.
Jane, bendita seja, fazia naquele momento Violet rir. Se ela podia rir,
possivelmente não estivesse furiosa com ele.
— Pode-se saber o que aconteceu com seu vestido? — Perguntou Violet.
— É quase discreto.
Jane fez uma careta.
— Foi um acidente – respondeu. – Um terrível acidente. Não tinha
nenhuma intenção de usar algo tão respeitável. Estava a meses em meu armário
e quando Oliver me falou deste evento — encolheu os ombros — pensei que
podia ser bom para não atrair a atenção das pessoas de uma vez.
Jane estava acostumada a se vestir com cores brilhantes. Laranjas, rosas e
verdes tão vivos que pareciam estar mais em um lugar das estufas tropicais
dos Jardins Botânicos de Cambridge que em um salão inglês. Ela parecia tão
natural com as outras mulheres que vestiam seda marrom e se mostrava muito
cômoda com os olhares das pessoas fixas nela.
— Terei que compensar isso com uma criação que seja muito extravagante
– disse. — Algo que deixe sem fôlego de tão horrível. Tenho a impressão de
que cheguei no topo de meu empenho ofensivo. Tentar voos mais altos. Alguma
ideia?
Dirigia-se ao grupo. Minnie olhava pensativa à frente. Oliver coçou a
cabeça.
— Já considerou objetos que não sejam de tecido? — Perguntou Violet —
Madeira? Metal?
— Plumas — acrescentou Oliver. — Embora, sinceramente, eu adore as
plumas.
Jane sorriu para ele com doçura.
— Argila — interveio Free, a irmã do Oliver. — Mas seria pesada. E
quebradiça.
Jane fez uma careta.
— Imaginem eu entrando em um salão de baile com um vestido de argila?
Teria que procurar não roçar em ninguém porque, se o fizesse, as saias
começariam a se quebrar em pedaços.
— Deixando um rastro por todo o chão do salão de baile — continuou
Robert. — Seria como deixar um rastro de migalhas. As pessoas que
quisessem te encontrar teriam que os seguir.
— Coisa que deveríamos fazer todos — interveio Sebastian. — Pois você
estaria escondida porque a multidão teria quebrado sua saia.
Todos sorriram pensando naquilo. Todo mundo, incluindo Violet. Bem. Se
Sebastian ainda podia fazê-la sorrir...
— Isso me faz lembrar — disse Minnie — que no outro dia havia um
vestido em La Mode Illustrée que me fez pensar em você. Era... Oh, bem, eu
não me lembro. Pensei em trazê-lo para você.
Violet franziu a testa.
— Era o das meias camadas? – Perguntou. — Porque eu pensei o mesmo.
Essas meias camadas duplas estão muito bem, e um dos vestidos tinha três
desenhos. Quantas mais melhor, não? E se você colocasse dezoito, por
exemplo?
— Isso seria o equivalente a nove camadas completas — comentou Jane
divertida. — Não acredito que pudesse continuar em pé.
— Não eram só as meias camadas — disse Minnie. — Era... Maldição!
Por que não consigo me lembrar? Antes eu lembrava de tudo. Até que tive um
filho – balançou a cabeça com tristeza.
— Eu trouxe vários exemplares comigo — comentou Violet. — Posso
enviar alguém para buscá-los.
Ela se levantou e puxou uma campainha. Quando entrou um criado,
sussurrou-lhe algo. Uns minutos depois lhe trouxeram a bolsa volumosa que
sempre carregava com ela. A conversa tinha continuado seu curso. A sugestão
de que Jane fizesse um vestido de pão tinha dado lugar a muitas risadas.
Sebastian estava plenamente seguro de que fazia muito tempo que todo mundo
tinha deixado de falar a sério.
Estava recostado no recostado de sua cadeira e escutava enquanto
observava Violet procurar algo em sua bolsa. Aparentemente, todos os outros
pensavam que ele não estava prestando atenção, mas Sebastian sorria
inclusive de um ato tão prosaico quanto aquele.
— Eu voto por creme — disse Robert.
— Não tem direito a voto — replicou Oliver. — Você não pode comer o
vestido de minha esposa. Parece-me que isso não seria adequado.
Violet começou a esvaziar sua bolsa. Lã. Agulhas. Mais lã. Um cachecol
ainda não terminado...
Não olhava para ninguém além de Sebastian. Só ele a viu sorrir com ar de
triunfo. Ninguém mais a viu tirar a revista de moda com um gesto alegre.
O gesto alegre foi um engano. Ela levantou a revista com ar triunfal e, ao
fazê-lo, folhas de papel caíram em cascata no chão.
O rosto de Violet empalideceu.
Sebastian não podia ler as páginas de onde estava, mas reconhecia o
formato incluso a distância. Duas colunas, um título e desenhos que pôde
identificar de sua cadeira como organismos unicelulares.
Papéis científicos. Violet guardava papéis científicos escondidos em sua
revista de moda. Estavam por todo o chão. Se alguém os visse, possivelmente
descobriria seu segredo.
Tinha vontade de rir. Mas se o fizesse, atrairia a atenção sobre ela. E para
o bem ou para mal, aquilo era um segredo entre eles dois. Violet escondeu um
papel com o pé debaixo de sua saia.
— Jane — disse Sebastian corajoso. Chegou para frente para que todos o
olhassem, ao invés de olhar o outro lado da sala. — Há uma coisa que não
entendo. Como você encomenda um vestido por acidente?
Seu truque funcionou. Todos olharam para ele.
— Oh — Jane franziu a testa. — Acontece assim. Tenho um par de
vestidos maravilhosos. Estão eles são tingidos das cores mais brilhantes. Meu
favorito é de cor fucsina, uma cor rosa gritante e escandaloso que terá que ver
para acreditar.
Oliver sorriu levemente a seu lado.
Sebastian viu, pela extremidade dos olhos, que Violet se inclinava com
muito cuidado para recolher os papéis. Um amassou. Ela soltou um gemido,
mas ninguém se virou.
— O tintura em si — continuou Jane — é um derivado da anilina, uma
nova invenção. Tinha outro vestido verde tingido com anilina que adorava,
mas infelizmente esse vestido ficou arruinado em uma tempestade.
— Eu posso afirmar isso — interveio Oliver com um sorriso irônico. —
Tenho muitas boas recordações desse vestido.
Violet continuou a recolher os papéis até que tinha todas as folhas. Ela
precisava apenas guardar em sua bolsa. Sebastian suspirou. Violet se
endireitou e abriu a bolsa.
— E isso me fez pensar que tinha que ampliar meu guarda-roupa —
comentou Jane. — O fucsina é terrível a primeira vez que o vê. Mas quando o
veste em público cinco ou seis vezes, a gente começa a se acostumar com ele.
Violet se deteve. Ali, na metade da sala, baixou o olhar para o artigo que
tinha na mão. Para horror de Sebastian, franziu a testa e – Santo Deus, não! —
Começou a ler.
Sebastian queria sacudi-la, agarrá-la e lembrá-la de onde estavam. Agora
não, Violet. Não se distraia agora. Mas não se atreveu a chamar a atenção de
outros sobre ela.
Quando Sebastian tinha doze anos, apostou com Lucas Jimmeson que seu
cão era o mais veloz que existia. Tinham organizado uma competição, em que
atirariam um pau e veriam qual o cão que chegaria primeiro para alcançá-lo.
Tinham lançado o pau e começaram a contar. Ao chegar a três, Sebastian
soltou seu cão. O animal se lançou imediatamente à caça, perseguindo o pau
com um ardor que deixava ridicularizado ao cão do vizinho.
E de repente, quando lhe faltavam dois pés para apanhar o prêmio com os
dentes, virou-se... e saiu correndo na perseguição de um esquilo.
Naquele momento em sua casa Sebastian sentia o mesmo. Violet não era
um cão, mas ele tinha a mesma sensação de frustração divertida. É a
competição errada, Violet. Está tentando ganhar a competição errada.
Naquele momento, Minnie levantou o olhar e viu Violet no meio da sala
olhando aqueles papéis.
— Encontrou a revista? — Perguntou.
Violet não respondeu.
— Violet?
Todos se dariam conta a qualquer momento. Seu subterfúgio ficaria em
pedacinhos. Em qualquer momento, alguém perguntaria... Violet, o que está
lendo? Simplesmente isso.
Sebastian ficou em pé.
— Oh, isso é um de meus artigos científicos? — Perguntou com
jovialidade — Acho que o deixei na mesa. Me de, Violet, me dê as folhas.
Aproximou-se dela. Violet não respondeu.
— Me dê as folhas, Violet — não se atrevia a lhe lançar um olhar de
advertência se por acaso fosse capturado por outros. Mas ela continuou
completamente absorta.
— Violet — disse ele em voz mais alta. — Me passe esses papéis, vá se
juntar aos outros.
Seria errado dizer que ela não estava se movendo. Na verdade, ela fazia.
Se balançava levemente, como se houvesse um vento na sala que só ela podia
sentir. Seus olhos percorriam a página, todo seu rosto estava iluminado.
Então foi quando Sebastian se deu conta de como era desesperadora aquela
situação. Ela não estava meramente distraída. Se afastava correndo pelo
bosque, perseguindo uma ideia que só ela podia perceber.
— Violet — ele pôs a mão sobre o papel para lhe bloquear a visão e
baixou a voz. — Chega. Você não quer fazer isso. Nem aqui nem agora.
Por um momento esteve seguro de que tinha ouvido. Ela piscou e o olhou.
E então balançou a cabeça.
— Não – disse. — Estava muito errado, Sebastian. Completamente errado.
— Estou bastante seguro...
Ela levantou o olhar. Um ardor brilhante iluminava seus olhos.
— São outra vez as bocas de dragão — disse, o qual não fazia sentido. —
Suas violetas –explicou — não se cruzam. É obvio, não são todas as espécies
que fazem, por mais parecida que possam ser. Mas tenho uma ideia.
— Do que você está falando?
— Tenho uma ideia — repetiu ela. E se voltou — Jane, preciso de sua
anilina azul.
— O que? — Perguntou Jane.
Mas Sebastian poderia ter dito que Violet não estava escutando. Estava em
algum lugar no interior de sua mente, lutando com um conceito que fazia todo
seu corpo se iluminar da cabeça aos pés.
— Também preciso de um microscópio – disse. – Preciso de um
microscópio agora mesmo.
Aquilo era um erro. Ela tinha que parar. Os outros iam descobrir, caso não
fizesse algo já. No entanto, havia algo na voz dela, algo urgente e excitado,
algo que fez subir uma corrente elétrica pela espinha dorsal de Sebastian.
— Agora mesmo? — Perguntou.
— Agora mesmo — assentiu ela — Também preciso de todas suas
espécies de violetas.
— Minhas espécies de violetas? Para que precisa delas?
Violet agitou os papéis que tinha na mão.
— Está tudo aqui. Acredito que sei por que algumas espécies não se
cruzam e por que outras se cruzam tão mal.
Todos os outros a estavam olhando. Seria impossível esconder aquilo. Só
precisava saber como lutar com as consequências.
— Não pode esperar — Violet estendeu o papel para ele que estava lendo.
— Também preciso de Bollingall.
Sebastian olhou para baixo. O ensaio que ela esteve lendo se titulava: Um
Estudo da Divisão Celular nos Organismos Unicelulares, escrito por Simon
T. Bollingall.
— Não está na cidade – respondeu. — Hoje não veio a minha palestra.
Enviou desculpas, então...
— Simon não — respondeu Violet. — Não vê? Não prestamos atenção. O
Bollingall que precisamos é Alice.
CAPÍTULO 15

— LADY CAMBURY — DISSE A SENHORA ALICE BOLLINGALL,


quando Violet entrou em um salão pouco iluminado. Indicou uma poltrona
perto de uma mesa. — É uma grande honra receber sua visita. Devo admitir
que não a esperava.
Quando as duas se sentaram, a senhora Bollingall olhou com dissimulação
o relógio. Este estava quase escurecido por um peixe de porcelana. De fato, a
sala inteira parecia estar cheia de peixes pequenos de porcelana ou peixes
grandes metálicos. Havia, inclusive, uma escultura em mármore de uma truta
saltando fora de uma água de pedra. Alguém na casa gostava muito de peixes.
Era a hora de pessoas refinadas se sentarem para jantar. Violet sentiu o
aroma de frango assado e ouviu o tilintar de pratos, mas ela não podia pensar
em jantar. Nem sequer lhe ocorria nada educado a dizer. Sua mente estava
transbordando, o que afastava qualquer esperança de uma conversa frívola.
— No que posso ajudá-la? — Perguntou à senhora Bollingall.
Seria fácil passar diante de Alice Bollingall na rua e não a olhar duas
vezes. Era uma mulher gordinha, de rosto agradável e presença pouco
excepcional. Tinha o cabelo grisalho e os tinha preso em um coque em cima da
cabeça. Seu aspecto era muito comum.
Além de tudo, tinha enganado Violet.
— Sinto ser tão brusca — disse esta. — Isso não é uma visita de cortesia.
A outra mulher respondeu com um sorriso.
— Já tinha adivinhado, a essa hora. Aconteceu alguma coisa? — Possuía
um sorriso muito amistoso, que se enrugava nas pontas.
— Bem — Violet disse — eu não tenho nenhuma maneira de lidar com isso
sem ser terrivelmente mal-educada. Você é fotógrafa, certo?
O sorriso da senhora Bollingall se fez mais amplo e confuso.
— É muito amável de sua parte recordar um detalhe tão pouco importante
depois de tanto tempo. Há algo que quer fotografar?
— Sim — respondeu Violet — Há.
— É para você? Para mim seria uma honra que posasse para mim, minha
senhora. Possivelmente amanhã?
— Não é para mim. E amanhã não.
A senhora Bollingall parecia ainda mais confusa.
— É uma fotografia de outra pessoa?
— Não é de uma pessoa. É de uma coisa.
— Uma paisagem — murmurou a senhora Bollingall. — Um monumento
arquitetônico? Um vestido?
Violet negou com a cabeça as sugestões.
Sua anfitriã sorriu nervosamente.
— O que é, então?
Não havia nenhum modo de dizer sem romper os segredos das duas. Violet
convivia há muito tempo com o seu. Ninguém exceto Sebastian sabia o que
faziam. Ninguém mais, até que sua mãe adivinhara a verdade.
— Vou lhe contar uma história – disse. — Uma história que acho já está
familiarizada.
A senhora Bollingall balançou a cabeça, mas não disse nada.
— Faz anos — disse Violet – as pessoas que olhavam microscopicamente
pequenos organismos acreditavam que o núcleo de uma célula estava vazia.
Acreditavam nisso porque não viam nada. Isso foi tema de muitas discussões.
Qual era o sentido do núcleo, afinal de contas? Era o armazém da célula?
Continha um fluido nuclear invisível que se utilizava para algum propósito
desconhecido?
Alice Bollingall lambeu os lábios.
— Todos esses anos — continuou Violet – as pessoas acreditavam que,
como não podiam ver o que havia no núcleo, não existia nada.
— Que história tão fascinante! — A outra mulher se inclinou para trás em
sua poltrona.
— Mas isso mudou — prosseguiu Violet. — Faz uns anos, alguém inventou
um corante que se diferenciava dos corantes comuns que havia disponíveis até
esse momento. Você verá, que há algo dentro do núcleo. E quando os cientistas
começaram a tingir células com anilina azul, puderam vê-lo por fim. Estruturas
dentro do núcleo. Estruturas que antes tinham sido invisíveis mais que agora
se tingiam cromaticamente.
— Na verdade — a respiração da outra mulher se tornou superficial. —
Meu marido... esse é o trabalho que ele faz. Você tem razão. Essa história me
parece muito familiar.
— Faz um mês seu marido disse a Sebastian Malheur que não era de tudo
excepcional que as esposas participassem intimamente no trabalho de seus
maridos. Não sei por que não compreendi imediatamente o que isso
significava. Puro egoísmo, suponho. Tinha outras preocupações — encolheu os
ombros. — Não me ocorreu considerar o que devia significar isso, até hoje.
O rosto da senhora Bollingall se transformou em uma máscara imóvel.
— Meu marido jamais diria nada tão... tão...
Indiscreto, disse Violet a si mesma. Sem dúvida, essa era a palavra que
procurava sua anfitriã.
— Mas essa tarde estava escutando uma amiga falar da anilina azul
utilizada como tintura de vestidos e vi seu ensaio.
— Meu ensaio não. Você não quer dizer meu ensaio.
Violet se sentia como se tivesse sido invisível toda sua vida. Como se
estivesse a ponto de manchar-se com tintura de anilina e mostrar seu núcleo
secreto. A única coisa que lhe impedia de ceder ao pânico era saber que já
não estava sozinha.
— Seu ensaio – repetiu. — É seu ensaio, ao menos parcialmente, certo? É
um ensaio sobre a divisão celular, as pequenas características que se podem
observar através de técnicas fotográficas modernas. Você é a fotógrafa. Espero
não me enganar, porque preciso que faça uma fotografia da divisão celular.
A senhora Bollingall adotou um rosto inexpressivo. Apoiou as mãos no
colo.
— Oh — sua respiração era muito rápida. — Oh – repetiu. — Certamente
que não. Não, não.
— Sim — respondeu Violet. — Você fez essas fotografias.
A mulher lançou um suspiro. Estava pálida.
— Não sei o que dizer.
Violet se inclinou para ela e tomou as mãos da mulher entre as suas.
— Por favor – disse. — Verá, se tenho razão, veremos algo que estou
procurando a muito tempo. Preciso de você para que me ajude a provar minha
teoria.
A senhora Bollingall fechou os olhos e respirou fundo um par de vezes.
Quando voltou a abrir os olhos, olhou-a fixamente.
— Você? – Perguntou — Você levou muito tempo procurando?
Outra pessoa saberia sobre ela. Alguém mais descobriria seu segredo.
Violet reconhecia o pânico na outra mulher. Ela também tremia de medo
interiormente.
Não diga a ninguém. Quando todos souberem me odiarão.
Não tinha lugar para o medo. Isso chegaria depois. No momento,
entretanto...
— Senhora Bollingall – disse. — Por que você acha que seu marido falou
com Sebastian Malheur sobre o trabalho que fazem as mulheres?
A outra mulher a olhou fixamente por um momento. Depois ficou em pé.
— Será melhor que me chame de Alice. Vou procurar meu casaco.

— O QUE É QUE ACONTECEU? – Oliver perguntou para Sebastian.


Eram quase nove da noite e o jantar de Sebastian se transformara nas
últimas três horas. Seus planos de ter uma noite tranquila e feliz com seus
amigos tinham sido alterados.
Sebastian colocou uma mão no quadril.
— Eu diria que isso se explica por si só.
Oliver olhou a seu redor com ar duvidoso. A um lado da mesa tinham
amontoado a prata que havia na despensa antes de transformar esta em um
quarto escuro de revelação. Na cabeceira da mesa havia um pesado
microscópio. Vários vasos de barro com violetas decoravam as cadeiras e a
casa inteira cheirava a ácido acético e a clorofórmio.
— Não — respondeu Oliver. — Estou olhando ao meu redor e o assunto
não se explica por si só.
Sebastian pensou bem suas seguintes palavras.
— É pela cromatina — disse por fim. – Você vê, até um punhado de anos...
— Não quero saber de ciência — respondeu Oliver com exasperação. —
De qualquer forma, não a entenderia.
— Pois nesse caso, todo o resto se explica por si mesmo, não acha? —
Repetiu Sebastian.
Oliver o olhou e logo desviou o olhar. Violet e a senhora Bollingall se
trancaram na despensa para revelar uma série de negativos fotográficos. Ao
lado do microscópio havia placas de vidros com amostras etiquetadas e
marcadas.
— Sebastian — disse Oliver — quando fiquei em sua casa faz alguns
meses, me disse que havia algo que não fazia e ninguém se deu conta.
Sebastian assentiu.
— Fiquei louco pensando no que você se referia. Não comia? Não
dormia? Já não saia com mulheres?
Sebastian não disse nada.
— Era a experiência — continuou Oliver. — Você não fazia as
experiências.
Sebastian tinha imaginado aquele momento durante anos. O momento no
qual outra pessoa descobriria a verdade. Às vezes tinha se imaginado
contando tudo a seus amigos. Em outras ocasiões sonhado que revelava o
segredo em seu leito de morte a um grupo familiar confuso, que assumiria
imediatamente que teria perdido o juízo.
— Sim – disse. — Embora nunca fosse tão simples.
— Oh, Meu Deus, Sebastian! — Oliver balançou a cabeça. – Nós somos
seus melhores amigos. Como pode não nos contar isso.
— Porque Violet não queria que soubessem.
Oliver assimilou aquilo em silêncio. Ele olhou a porta da despensa
fechada. Olhou de novo ao redor da sala, pegou uma viola odorata, a planta
que tinha mais perto, e girou o vaso de barro para examinar o tom arroxeado
da flor.
— Violet – murmurou. — E isso era razão suficiente para nos esconder
isso?
— Eu contei uma parte — Sebastian sorriu. – Disse na noite antes de seu
casamento.
Oliver negou com a cabeça.
— Disse que você... – se interrompeu e fechou os olhos — esteve
apaixonado por Violet a metade de sua vida. Por Deus, Sebastian! Isso é
sério?
— Olhe para ela — respondeu Sebastian. – Realmente olhou-a algum dia.
Seu amigo passou os dedos pela violeta e balançou a cabeça.
— Olhe para mim — continuou Sebastian. — Eu passei anos cruzando
violetas e ela deu uma olhada ao que eu tinha feito combinado com um ensaio
que acabava de ler e... — Estendeu as mãos — pegou o que era um fracasso
absoluto da minha parte e olha o que tem feito.
Oliver respirou fundo.
— Saber tudo isso me preocupa, Sebastian. Você é tão... você, e ela pode
ser tão... exigente.
— As flores só tem espinhos porque precisam sobreviver — Sebastian
sorriu. — Olhe o que Violet conseguiu tendo que esconder quem é. Podemos
debater o quanto quiser, mas no final, com espinhos ou sem eles, ela é o que é.
— Sebastian! — Gritaram da despensa. – Preciso de você.
— E você quem é? — Perguntou Oliver.
Sebastian apertou seu braço.
— Sou o homem que ela precisa.
CAPÍTULO 16

VIOLET AFASTOU UMA MECHA DE CABELO para trás da orelha e


olhou a fotografia. Afastar sua crescente sensação de mal-estar não foi tão
fácil, mas conseguiu muito bem.
— Precisamos de um nome melhor para isso — reprimiu um bocejo. —
Elementos cromáticos individuais não é nada prático. Cromatina não é um
nome que se possa contar. Maldita seja a pessoa que lhe colocou o nome de
cromatina!
Alice, a seu lado, se deixou cair em uma cadeira e levou os dedos às
têmporas.
— Bolhas — sua voz soava carregada de alegre fadiga. — Levo meses as
chamando de bolhas. Já sei que não é um nome aceito cientificamente.
Perguntarei a Simon quando voltar – bocejou. – Como se diz bolhas em grego?
— Acredito que ameba — respondeu Violet. Provavelmente não era
gracioso, mas as duas começaram a rir.
— E que tal cromossomo? — Perguntou uma voz do outro lado da mesa.
— Cromossomo — repetiu Alice; e voltou a cair em gargalhadas. — Oh,
isso sim tem graça. É um nome muito gracioso.
— Cromossomo — cantarolou Violet com a música do Fígaro. E depois
dessa primeira vez, Alice se uniu a ela. — Cromossomo, cromossomo,
cromossomo, cromossomo?
— Tive aula de grego. Cromossomo significa "corpo colorido".
Violet franziu a testa, pensativa. A sensação de inquietação voltou, mas
dessa vez, lhe deu um bom empurrão, mas não conseguiu afastá-la.
Levantou lentamente a cabeça da fotografia que estava examinando.
Já era de manhã. Como tinha chegado a manhã? Não lembrava de ter
dormido. Não lembrava de nada exceto um monte de negativos e placas de
vidro. Tinha seus dedos tingido de um azul profundo; a luz do sol se refletia
nos montes de colheres de prata que havia em frente a ela.
Atrás das colheres da prata estava sentada Frederica Marshall, que olhava
tudo com interesse. Era ela que acabava de falar.
A confusão capturou Violet por um momento. Santo Deus! O que tinha
feito?
— O que está fazendo, Violet? — Perguntou uma voz atrás dela.
Desafiadoramente ela se voltou em seu assento. Robert e Oliver estavam
de pé na porta. O cabelo de Robert estava úmido; tinha na mão uma xícara que
saia vapor. Continha algo quente que fez com que o estômago Violet grunhisse.
— Oh! — Alice ficou de pé — Santo Deus! Olhem que horas são. Sou
muito velha para ficar acordada toda a noite. Não tinha feito isso desde que
tinha vinte e dois anos.
— Violet? – Robert voltou a perguntar.
Violet piscou. Não tinha outro remédio que enfrentar a situação.
— Não sabe? — Perguntou com ar corajoso. — Uma das grandes questões
não resolvidas na biologia é como se passam as características de pais para
filhos. Há muitas teorias.
Robert balançou a cabeça com rosto inexpressivo.
— Alice, Sebastian e eu temos uma teoria — Violet franziu a testa. —
Quero dizer, o professor Bollingall e Sebastian. Não sei o que quero dizer. Em
todo caso, acreditam que os traços se passam de pais para filhos através disso
— bateu com o dedo a fotografia que havia na mesa. — Cromossomos.
Estabelecemos uma relação entre os gráficos de Sebastian do seu cruzamento
com as violetas e os números desses cromossomos observados nas células
dessas espécies...
— Sim, essa explicação é suficiente neste campo — Robert tomou um gole
de seu café. — Mas ainda tenho muitas perguntas. Perguntas como: "Por que
está fazendo isso agora?"
— Não pude fazer antes — Violet franziu a testa. — A ideia não me
ocorreu até ontem à noite, quando Jane começou a falar de anilina azul justo
quando eu estava olhando as fotografias da divisão celular de Alice. E então...
— Não, não — Oliver foi se sentar a seu lado. — Violet, Por Deus. Não se
trata disso. O que queremos saber – engoliu e seco — é por que não nos disse
nunca que é uma das cientistas mais importantes do mundo.
O mundo de Violet parou. Aquilo que não queria sequer imaginar voltou a
entrar em seus pensamentos. Anos se escondendo com cuidado e jogara fora
aquele segredo em um momento de egoísmo. Certamente todos os presentes já
sabiam.
— Eu... — lambeu os lábios — É que...
Se soubessem a verdade, não seria recebida na boa sociedade. Lily
cortaria relações com ela por completo. Sua mãe o... Violet nem sequer podia
pensar no que faria sua mãe.
No entanto, não tinha medo. Talvez estivesse muito cansada para isso. Ou
possivelmente estava muito entusiasmada. Estava tremendo. Normalmente,
pensar nos horrores que seguiriam, seria o suficiente para assustá-la, para
lembrá-la que precisava ficar em silêncio e baixar a cabeça.
Mas esse dia...
Jane tinha se reunido com seu marido e a olhava também. Todos os olhos
estavam fixos nela.
Por que não estava com medo?
— Deus santo! — Disse com desdém. — Por que vocês estão querendo
saber?
Não podia esperar a resposta deles, não podia ver como se afastariam dela
seus amigos agora que sabiam a verdade. Sentia-se visível, tinha a sensação
de que destacava por suas cores gritantes quando ela sempre quis se esconder.
Ficou de pé.
— Se me desculparem, tenho que... tenho que...
O que tenho que fazer?
— Dormir – disse. — Me trocar — me esconder. Tocou Alice nos ombros.
– Chamarei você quando nós duas tivermos descansado.
Levante o queixo. Não olhe para ninguém. Não deixe que vejam o quanto
incomoda você.
Aquelas eram as regras de sua mãe, e embora sua mãe odiaria vê-la usando
naquelas circunstâncias, Violet agradecia por tê-las. Sua mãe lhe tinha
ensinado como reagir diante das ofensas, como fingir que nada importava. E o
modo em que passou entre Oliver e Robert era algo que lhe saia facilmente.
Mas então Jane deu um passo à frente.
— Violet — disse com suavidade. — Queremos saber porque amamos
você.
Violet olhou atônita por um momento para sua amiga, sem piscar. Aquelas
palavras não faziam sentido. Jane não se dava conta do que acabava de dizer?
Pelo que tinha feito? Pelo que era?
Jane colocou as mãos suavemente em seus braços. Violet não entendia a
compreensão. Não conseguia entender aquilo. Se sentia vazia por dentro.
Vazia e muito frágil.
— Estou indo. — Virou-se e fugiu.
— Não — ouviu Sebastian dizer. — Deixem que vá. Precisa de um tempo
para descobrir como se sente.
Mas estava errado. Violet já sabia como se sentia. Vazia. Completamente
vazia.

QUANDO FUGIU PARA O ESCRITÓRIO DE SEBASTIAN, Violet se


sentia vazia. Estava totalmente desprovida de sentimentos propriamente ditos.
Era bom estar em um lugar familiar. Ali, no escritório dele, onde tinham
revisado tantos ensaios juntos. O som do relógio era reconfortante, a
regularidade de seu tique taque ajudava a frear os batimentos do coração dela.
Os livros cheiravam a Sebastian.
Sentou em sua cadeira habitual e colocou os cotovelos sobre a mesa.
Que desastre! Duas pessoas podiam guardar um segredo. A adição de
Alice também poderia ter ficado oculta, era evidente que seu marido e ela
tinham seus próprios segredos e seriam motivados a unir-se à farsa.
Mas Violet teve aquela ideia e tinha se colocado em ação imediatamente,
ignorando o fato de que Oliver, Robert, Jane, Minnie e Frederica Marshall,
uma jovem que era praticamente desconhecida para ela, estavam todos
presente. No que ela estava pensando?
— Não pensava — replicou a si mesmo em voz alta. — Esse era o
problema.
Mas assim que falou aquelas palavras, soube que era mentira.
Sim tinha pensado. Por um segundo, quando viu os desenhos no papel e
tinha começado a ter as ideias, tinha pensado: Você não pode fazer isso. É
melhor esperar.
Não queria esperar. Tinha deixado egoistamente de lado todos os
pensamentos sobre seu futuro e sua família, apanhada no resplendor de uma
ideia brilhante. Com medo de que essa ideia desaparecesse se a deixasse de
lado.
Não sentia mais tanto medo. Se abraçou ao corpo. Como podia ter
quebrado tudo assim? Um momento de egoísmo. Um só momento e todas as
pessoas às que gostava pagariam o preço.
Uma egoísta. Era uma egoísta.
Ela havia fugido para o escritório de Sebastian para ficar sozinha, para
deixar seus pensamentos descansarem até o ponto que pudesse dormir. Sabia
que estava cansada, completamente exausta. A sala estava forrada em papel
azul e prata. Uma mesa encostada na parede e estantes de livros. Ao lado da
mesa havia um espelho grande, que refletia os livros.
Levantou e virou-se para o espelho. Seus olhos lhe devolveram o olhar,
escuros e solenes. Ela não era grande coisa. Poderia aspirar em se tornar
atraente se tivesse a decência de se arrumar bem, mas se passasse a noite
inteira olhando pelo microscópio, era decididamente muito difícil.
Tinha círculos escuros nos olhos. Sua pele parecia de cera e seu cabelo
poderia passar por um ninho de serpentes escuras sobre seus ombros. E se
acrescentasse algumas verrugas, certamente teriam sido queimadas na
fogueira.
Não era bonita e ainda por cima era egoísta. Bastante egoísta para sentir-se
orgulhosa do que tinha feito. Bastante egoísta para querer...
Se olhou no espelho e inclinou a cabeça para um lado.
Não estava funcionando. Normalmente, quando era chamada de egoísta, ela
se encolhia e renunciava às coisas que queria.
Mas nesse dia não funcionou. Talvez estivesse muito cansada.
— Você é egoísta Violet — disse em voz alta. Mas essas palavras estavam
desprovidas da vergonha que estava acostumada às acompanhar e soava falsa.
Egoísta?
Não, estava vazia. Aquelas palavras tinham perdido seu lugar em seu
coração. Nesse dia tinha outras na cabeça, umas palavras que soavam tão
baixo que não as tinha ouvido até aquele momento.
Violet inteligente. Violet resistente. Doce Violet. Essa lembrança
sussurrada não deixava espaço para a palavra "egoísta".
Era egoísta o que acabava de fazer? E o que significava aquela palavra?
Violet contemplou o espelho. Quando seu marido a chamava de egoísta por
se negar a deitar-se com ele, o que queria dizer?
Mereço minha oportunidade de ter um herdeiro mais do que você merece
viver.
Quando Lily dizia que seria egoísmo por parte de Violet unir-se a
Sebastian, o que queria dizer?
Que eu possa ir a bailes é mais importante que sua felicidade.
Quando Violet chamava de egoísta a si mesma, isso era o que queria dizer,
que não merecia aquilo que queria. Nem felicidade nem reconhecimento.
Talvez nem viver.
Seus dedos tocaram no espelho.
— Fundamentalmente é difícil de ser querida — disse em voz alta.
Isso era o que ela dizia a si mesma, ao que se resignou. Era uma pessoa a
que ninguém podia querer e que não merecia... nada. Tão convencida estava
disso que não pode compreender Sebastian quando disse que a amava. Quando
Jane lhe disse que eles a amavam, Violet sacudiu a cabeça, incapaz de
compreender que pudesse ser verdade, que as pessoas pudessem saber a
verdade sobre ela e continuar a amando.
A pessoa que a olhava do espelho parecia sutilmente diferente da mulher
que tinha visto refletida nele anos após anos. Mas continuava sem ter a beleza
que escondesse a intensidade de seu olhar. Não havia pequenos truques que
disfarçassem o que era.
Egoísta. Escondeu-se tanto tempo que não tinha visto isso.
Não era impossível de amar e não era egoísta. Admitir que amava algo e
merecia tê-lo? Pensar que poderia tomar uma decisão apoiada em seus
próprios desejos e não em seus medos pelos que a rodeavam?
Aqueles pensamentos resultavam quase obscenos.
Inteligente Violet. Encantadora Violet.
Obsceno imaginar que ela importava.
Bateram na porta. Violet virou a cabeça. Sebastian entrou. Olhou o rosto
ruborizado dela e seu cabelo despenteado e sorriu divertido.
Mas não zombou dela.
— Sei que pode precisar de Bollingall dessa vez – disse — mas ele faz
seu trabalho principalmente com o microscópio – engoliu em seco. – Precisa
de outra pessoa para continuar com seu trabalho. Comecei a fazer uma lista.
Sua cabeça dava voltas.
— Uma lista?
— Sim. Precisará de alguém que possa trabalhar com você. Que entenda o
bastante de ciência para fazer boas apresentações. Alguém que respeite você.
— Não preciso de uma lista — respondeu ela. — Já encontrei alguém.
Ele inclinou a cabeça.
— Ah, sim? Vai deixar que Bollingall fique com todo o mérito?
O coração de Violet pulsou com força. Os batimentos do coração se
repetiam com tanta violência que quase não podia se ouvir falar.
— Não.
Sabia que devia estar horrível, mas ele a olhava como se fosse linda.
Sebastian era atraente, rico e desejável. Ela não podia acreditar que a
amasse e tinha feito todo o possível para convencer-se de que não era assim,
de que tinha ouvido mal. De que o que sentia era só amizade, de que não podia
amá-la como afirmava. No entanto, sempre que pensava nisso, ele fazia algo
que contradizia suas teorias.
Não tinha dormido com ela. Não a machucara. Não a beijou porque
pensava que isso lhe faria mal. Em sua apresentação sobre as violetas... ela
tentava descobrir o que significou, mas o mínimo que pode pensar era que
tinha sido uma sedução.
Não foi. Tinha sido uma carta de amor e ela não conseguiu entender até
aquele momento. Não fora capaz de acreditar que a amava até que se deu conta
de que merecia ser amada.
Naquele momento o compreendia. Sentia-se incandescente. E não
importava o aspecto que tivesse nem quão horrível estivesse seu cabelo.
— Essa pessoa — disse com uma opressão na garganta — é perfeita. Essa
pessoa conhece todos meus pensamentos. Essa pessoa pode explicar o que
tenho descoberto de um modo que todos possam entendê-lo. — Fez sinal para
que se aproximasse. – Deixe-me mostrar.
Sebastian a olhou com ar de prevenido, mas se aproximou passo a passo.
Havia dormido tão pouco quanto ela. Mas o cabelo despenteado lhe deu
um ar sedutor. Por alguma alquimia estranha, continuava cheirando bem. Não
era justo que cheirasse assim, um aroma acre que fazia com que ela quisesse
fechar os olhos e inalar. Avançou até colocar-se ao lado dela.
— Violet — disse com suavidade. — Sei o que vai dizer. Quer que eu
faça, mas... – engoliu em seco. — Não mudou nada. Sei o quanto é importante
essa descoberta, mas as mentiras estragam as coisas entre nós.
Violet lhe tomou a mão e o levou até o espelho.
— Eu sei quem vai ser premiado com o mérito dessa descoberta —
sussurrou. Levantou a mão livre e assinalou sua própria imagem, tão
terrivelmente despenteada e, entretanto, tão apropriada. — Ela.
Sebastian respirou fundo no silêncio que se seguiu. Seus olhos se
encontraram no espelho. Violet se deu conta de que continuava com a mão dele
na sua, continuava tocando-o. Os dedos dele eram quentes e seu corpo estava
perto, muito perto do dela. Foi um momento estranhamente íntimo.
— Violet — sussurrou ele.
Ela havia ficado louca. Preparou-se para ouvir todos os motivos pelos
quais era uma tola.
Nunca lhe deixarão apresentá-lo.
Ninguém vai escutar você.
Pense no que significará isso para sua família.
Todos se reduziriam à mesma coisa. Egoísta, egoísta. Não merece
reconhecimento. Você não merece nada.
Mas aquele era Sebastian, e Sebastian não diria nenhuma dessas coisas.
Simplesmente se virou para ela. Violet não queria olhá-lo nos olhos. Trocar
olhares no espelho era uma coisa, mas ele apertava a mão dela e estava muito
perto. Ela tentou desviar o olhar, mas Sebastian colocou uma mão no ombro
dela e virou-a para ele.
Violet levantou o olhar devagar, muito devagar.
Todo seu corpo ardia. Olhar nos olhos dele... Oh, aquilo foi um erro. Era
um erro olhar para ele quando apertava sua mão. Quando estavam tão perto
que podiam trocar respirações de modo que em outro momento trocariam
frases, terminando as inspirações e expirações do outro como se fossem dois
seres entrelaçados.
Sebastian sempre sorria. Era uma de suas características. Mas naquele
momento não. Naquele momento a observava. E ela não se encolhia nem se
afastava. Que erro tão terrível! Ela não podia fazer aquilo.
Mas ele levantou a mão até o rosto dela e lhe roçou a bochecha com a
palma e ela não se afastou. Inclusive poderia apoiar-se nele.
Seria difícil. Impossível, de fato. Não tinha a menor ideia de como
continuar. Sua irmã a odiaria. Sua mãe se... que palavra tinha usado? Se
sentiria enojada. O mundo inteiro a desprezaria.
Mas Sebastian não. Sebastian apoiava sua testa contra a dela.
— Ótimo Violet – sussurrou. — Dessa vez posso fazer com que prestem
atenção em você. E me acredite, eu farei.
Não lhe importava o resto do mundo.
Ele subiu a outra mão e passou o polegar pela mandíbula dela. Violet
sentiu arrepios em todo o corpo. Ele a desejava, oh, desejava-a.
Desejava-a muito.
Naquele momento se apoiava nela; sua respiração acariciava o rosto dela e
os lábios dele estavam a poucos centímetros dos seus. Ia beijá-la. Ia beijá-la.
Violet sentiu uma pontada de pânico.
Ia beijá-la!
Ela se afastou.
— Sinto muito — não lhe ocorreu nada mais que dizer. — Sinto muito.
Tenho que ir a... Tenho que ir a... – Apontou para porta sem falar. — Sinto
muito – retrocedeu. — Tenho que pensar.
E saiu correndo.
CAPÍTULO 17

VIOLET PENSOU MUITO.


Pensou em beijar Sebastian quando fugiu para o quarto no andar de cima
que lhe tinham destinado. Pensou em beijá-lo quando chamou a criada. Louisa
desabotoou os botões, mas Violet só podia pensar no calor da mão dele em seu
ombro. A parede que tinha construído, a que usara tanto tempo para proteger-
se, fora derrubada. Já não havia segurança.
Pediu um banho, e quando estava preparado, a criada a ajudou a despir-se.
Pensou nos lábios dele nos seus quando se meteu na grande banheira de
cobre cheia de água quente. Pensou nas mãos dele, nos pelos finos e escuros
que cobriam o dorso dessas mãos. Pensou nessas mesmas mãos subindo por
suas coxas.
E pensou na expressão de Sebastian quando não sorria, no modo intenso
em que a olhava, como se ela fosse a única que importava. Engoliu em seco e
quando esfregou o sabão entre suas mãos e lavou as pernas, não sentiu sua
própria pele. Em sua imaginação sentiu a dele.
O calor da água a abraçava, quase muito quente para suportá-lo, tal como
ela gostava. Se ensaboou em um frenesi de espuma e depois se afundou sob a
superfície quente e colocou o nariz debaixo da água. Isso não ajudou. A água
era como um abraço de corpo inteiro. Fazia ela ficar consciente de sua pele, e
muito consciente de Sebastian.
Provavelmente já não estaria onde o tinha deixado. Teria ido se trocar.
Possivelmente estaria também tomando um banho.
Não era boa ideia pensar em seu corpo nu. Não era.
Violet se deu conta de que pensar não fazia nenhum bem. Pensar era
traiçoeiro. Seus pensamentos entraram no quarto dele e em seu banheiro. Se
imaginou enrolada em uma toalha abrindo a porta dele e entrando na ponta dos
pés.
Pensar não era a resposta. Não faria isso.
Não pensar tinha sido tão bom como podia lhe servir de algo.
— É idiota — repreendeu seu corpo. — Você não quer isso. Isso poderia
matar você.
Lavou os cabelos e se obrigou a ter pensamentos frios e racionais. Pensou
em todos os gatos que teve e em quantos deles havia quatro dedos em lugar de
cinco ou seis. Esfregou entre os dedos dos pés e pensou no processo para criar
o sabão. E quando nada disso a ajudou, saiu do banho quente, ficou de pé no ar
frio e se obrigou a recordar uma série de cortes de uma autópsia que viu
reproduzidos em um artigo que leu. Recordou-se que o coração humano era um
órgão asqueroso, com aurículas e ventrículos, uma parte de músculo grande e
feio.
O coração era uma das partes de carne mais feia do corpo. Até o intestino
parecia mais atrativo. E ela não deixaria que suas decisões fossem guiadas por
algo tão ridículo.
Assentiu, por fim estava sob controle de si mesma.
Chamou a criada. Quando Louisa voltou a vesti-la, dessa vez com um
vestido arroxeado escuro de gola alta e manga larga e luvas combinado, Violet
já não tinha pensamentos errados. Estava melhor, muito melhor. Falaria com
Sebastian. Pediria desculpas a ele. Afinal, não devia ter segurado sua mão e
nem ter se virado para ele. Tampouco deveria ter estado a ponto de beijá-lo. E
certamente, não deveria ter aqueles pensamentos.
Se desculparia e voltariam a ser amigos. No que lhe dizia respeito, todas
as válvulas de seu coração podiam bater as asas o quanto quisessem. O
coração era um músculo como qualquer outro de seu corpo.
A criada lhe arrumou as unhas e a penteou. Escovou lhe pela última vez o
vestido e Violet se aproximou do espelho. Já não estava feia, podia voltar a
passar por "quase atraente". Era o máximo que podia esperar. Se olhou no
espelho. Seus olhos cintilaram nele.
Não é egoísta querer abraçá-lo.
— Você se cale — disse a si mesma.
— Perdão? Senhora, eu não falei nada.
Violet agitou uma mão no ar em um gesto de desculpa.
— Falava com ela — disse, assinalando à figura no espelho.
— Oh, então de acordo — Louisa lhe fez uma reverência. – Precisa de
algo mais?
Violet negou com a cabeça e saiu em busca de seu melhor amigo.
Teria que lhe dizer algo. O problema era que a conhecia muito bem. Suas
mentiras não funcionariam com ele.
Pode ser que eu tenha dado a impressão errada, mas na verdade é que
não quero beijar você. É só um desafortunado tique nervoso, um movimento
involuntário do coração.
Sim, bem, lembra que somos amigos? Somos muito bons amigos. É
maravilhoso ter um bom amigo, alguém a quem não quer beijar.
Não serviria. Ele saberia que mentia.
Quero beijar você, mas me parece uma ideia horrível.
Quero beijar você, mas tenho medo.
Se dissesse a verdade, ele diria coisas irracionais, coisas como: Só é um
beijo, e "Não tem que fazer nada que faça você correr o risco de outro
aborto. Certo. Mas o beijo lhe dava medo. Um beijo era um começo, não um
final. Beijar era como abrir uma porta a uma maravilhosa terra banhada pelo
sol e dizer: Não se preocupe, não tem por que sair lá fora.
Violet se conhecia muito bem. Se abrisse a porta, sairia.
Quando chegou à porta dele, ainda não tinha decidido o que ia dizer. Assim
que olhou a porta. O trinco, uma obra artística de metal, imitava uma flor que
se abria, uma flor de pétalas reluzentes. Poderia ficar horas olhando-o,
principalmente se ele permitisse adiar o encontro.
— Coração estúpido — murmurou, riscando com os dedos a borda de uma
das pétalas. — Por que não poderia ter notado algo assim? Algo inanimado e
frio. Algo que não lhe faria mal. Levantou a mão para bater.
— Coração estúpido — voltou a murmurar. — Não o tolerarei. Ninguém
pode controlar meus músculos além de mim. Chamarei, sim, mas só quando
estiver preparada e...
A porta se abriu. Sebastian estava do outro lado. Ao vê-la arregalou os
olhos, mas não disse nada. E, oh, o que estava errado com ela. Seu coração
não era só um músculo; era o músculo que bombeava o sangue através de seu
corpo. Tentou pensar nisso como só um movimento rítmico de ventrículos e
aurículas, mas com Sebastian ali, diante dela, era algo mais. Era um leve rubor
de calor por todo o corpo, uma leve tontura quando o sangue dela repartia
mais oxigênio para os tecidos que precisavam. O funcionamento de todo seu
corpo estava unido ao sorriso dele, e quando ele deu, todos os esforços dela
por eliminar seus desejos fracassaram.
Deu um passo à frente. Ele não se afastou. Aquilo era inevitável. Violet
teria gostado de poder dizer que já não estava no controle de seus músculos,
mas estava. Foi ela que levantou a mão para lhe tocar o cabelo, ainda úmido.
Ele também havia se banhado.
Sebastian baixou a cabeça e deixou que os dedos dela se movessem em seu
cabelo, deixou que encostasse o rosto no seu.
— Sebastian – ela sussurrou.
— Ao seu dispor.
Violet o beijou. Tinha-o beijado já uma vez com fúria e angústia. Mas
dessa vez foi diferente. Esse foi um beijo que saía de todos os ventrículos de
seu coração, de todas as válvulas. As quatro cavidades de seu coração
bombeavam por ele. E era bom que não soubesse o que estava pensando e
então não pensaria que ficara louca.
Não. Ele a conhecia muito bem. Provavelmente riria com ela, o qual não
seria tão horrível, exceto porque queria que a beijasse.
Ele fez. Primeiro roçou os lábios com os seus levemente e depois repetiu o
processo com mais ternura. E a seguir a abraçou e puxou-a para o quarto.
Violet quase não o ouviu fechar a porta, mas sentiu a madeira contra suas
costas e a pressão das pernas dele nas suas. Colocou as mãos em ambos os
lados do rosto dela e entreabriu os lábios.
Violet pensava que a seguir chegaria sua língua, mas ele parecia controlar-
se trocando o ar de seus pulmões com os dela.
— Violet – disse. — Minha muito maravilhosa Violet — seus lábios
roçaram nos dela. — Violet. Encantadora Violet. Inteligente Violet.
Seu beijo a subjugou. Sempre tinha imaginado que, no alto da paixão,
pararia todos os pensamentos. Mas não foi assim. Ela ainda pensava. Não
podia deixar de pensar... no modo em que os dedos dele acariciavam suas
terminações nervosas, procurando até o último ponto sensível como se os
examinasse no microscópio. Era muito consciente do batimento de seu
coração, do músculo que a tinha levado ali, daquele tamborilar sequencial de
sua aurícula bombeando sangue, seguido pelos ventrículos. Tinha ouvido
algumas pessoas dizer que sentiam o sangue correr por suas veias, mas ela
sentia o sangue de suas artérias, era ciente até do último capilar que enviava
oxigênio a sua faminta pele.
Era consciente de tudo, até que Sebastian se endireitou e a contemplou. Sua
mão estava ainda no ombro dela e acariciava seus ombros.
— O que foi isso? — Perguntou Sebastian.
— Foi um beijo — Violet levantou o queixo. — Se não se deu conta...
— Não. Refiro-me ao que aconteceu. Antes parecia que queria mais, mas
logo fugiu e achei que tinha interpretado mal.
O que ela podia dizer? Que seu cérebro tinha entrado em luta com seu
coração e esse tinha vencido?
— Não seja ridículo — disse-lhe. — Cheirava mal. Tinha que tomar um
banho. Isso era tudo.
Ele sorriu como se pudesse ler em seu interior.
— Violet — inclinou-se para frente. — Para referências futuras, não me
importa como você cheira.
— Pois eu me importo — ela cruzou os braços e olhou em um canto do
quarto — E para referências futuras, meu coração é um burro.
Sebastian a olhou.
— Entendo. Transporta cargas pesadas durante largas distâncias —
inclinou-se para voltar a beijá-la.
— Não me referia a isso — protestou ela. Agora que parara de beijá-lo, as
razões para não o fazer voltaram a se impor. Mas não podia retirar aquele
beijo, já não era só dela, tinha passado a ser também dele. — Isto não poderá
continuar assim. Pense nisso, Sebastian. Eu não posso me expor a ter uma
relação sexual e você adora isso.
Ele demorou um momento para falar. Pegou a mão dela e a acariciou com o
polegar para cima e para baixo, como se pudesse anular todos seus medos com
aquele movimento gentil.
E talvez pudesse, pois ela sentiu que começavam a sumir à medida que a
tocava.
— Poderia discutir com você — disse ele por fim. — Mas não o farei. É
só analisar, Violet, e verá o que podemos fazer. Será mais fácil do que
imagina.

NO FINAL, SEBASTIAN TINHA RAZÃO.


Foi fácil para Violet voltar para salão principal. Foi fácil contar a seus
amigos o que fazia e o que queria. Foi fácil deixar que Minnie assumisse o
controle do que precisava fazer com um ar de general que estava a cargo de
um plano de batalha.
Foi fácil fazer uma lista e enchê-la de frases como "Organizar uma
conferência" e "Contar a minha mãe", e fingir que aquela folha de papel era
uma lista de produtos que precisava comprar. Foi fácil ser ela mesma, rir e
não ter que dizer mais mentiras.
Foi fácil, e isso foi o que a colocou nervosa.
Porque sabia que não seria sempre assim tão fácil.
CAPÍTULO 18

— OH, GRAÇAS A DEUS! — DISSE LILY, quando entrou na sala onde


Violet estava sentada. — Não sei como o faz, mas sempre sabe quando preciso
de você.
Violet piscou. Lily se acomodou no sofá a seu lado, tão perto que suas
saias se tocavam. Estendeu o braço e pegou sua mão.
— Violet, querida – disse — Estou em um apuro terrível. Amanda já não
me escuta. Passamos os últimos dias aos gritos. Gritando, lhe asseguro isso.
Até o ano passado era uma menina muito boa. Não sei o que aconteceu. Me
diga que vai falar com ela.
Lily parecia tão inocente, tão doce! Violet quase queria lhe dizer que sim e
afastar a razão que a tinha levado ali. Mas...
— É esse livro horrível — disse Lily. — Não o tirei rápido. Não só quer
rejeitar o conde que pensa pedir sua mão, agora diz que não quer se casar com
ninguém.
Violet podia ficar em silêncio. Mas independentemente do que Lily
quisesse, era útil naquelas ocasiões, Violet sim amava a sua irmã. E as irmãs
não se surpreenderiam com anúncios públicos escandalosos.
— Não vim para falar de Amanda — disse.
Lily piscou e a olhou surpresa.
— Bom — apertou os lábios. — Talvez não. Mas acho que o que te trouxe
aqui pode esperar um momento enquanto lhe...
— Não pode — interrompeu Violet. — Estou a ponto de colocar à família
no maior escândalo que seja capaz de imaginar.
Lily empalideceu e se afastou.
— Malheur — murmurou. Juntou as mãos. — Meu Deus! Sabia que iria
acontecer isso. Teria que ser mais direta com você — soltou a mão de Violet.
— Seduziu-a. Você foi pega em flagrante delito.
Violet engoliu em seco.
— Isso seria um escândalo comum. Isso é pior — seu coração começava a
pulsar com força.
Lily arregalou os olhos.
— Como poderia ser pior?
Violet engoliu em seco.
— Você está ciente do trabalho que ele tem feito sobre a herança
hereditária?
Sua irmã franziu os lábios.
— Procuro não tomar conhecimento de nada disso. O que tem a ver com
você?
— Esse trabalho não é dele — respondeu Violet.
Lily franziu a testa.
— Não é dele — repetiu Violet. — É principalmente meu. E, portanto, vou
reclamar publicamente como meu — soltou aquelas palavras e prendeu o
fôlego.
Possivelmente tinha esperado que o olhar de Lily se suavizasse, que
soltasse um grito de alegria, que a abraçasse e lhe dissesse: Oh, querida
Violet, como você é inteligente.
Em segredo esperava que Lily a abraçasse. Tinha essa ilusão e era uma
ilusão tão profunda que nem sequer sabia quanto o desejava até aquele
momento em que os dedos frios da decepção se fecharam em torno de seu
coração.
Porque Lily não fez nenhuma dessas coisas. Em lugar disso, olhou para
Violet como se acabasse de anunciar que ia publicar um livro com receitas de
comidas para bebês.
— Ha, ha — disse por fim sem nenhum indício de humor. — Ha. Que
piada tão engraçada, Violet, querida! Quase acreditei em você.
Violet se sentiu muito longe. Como se observasse a uma mulher
desconhecida sentada com sua irmã no sofá. Aquilo acontecia com outra
pessoa. Era outra pessoa que sentia o coração espremido. Era outra pessoa,
não ela.
— Não é nenhuma brincadeira.
Aquilo foi seguido por um silêncio. Sua irmã se separou dela, levantou-se
e caminhou até a janela.
— Está de brincadeira — disse com mais decisão. – Eu não me importo
com o que está pensando agora, isso tem que ser uma brincadeira. Pensa no
que isso significará para mim e para meus filhos. Deixarão de nos receber.
Amanda terá uma reputação horrível e isso transformará nossa família em uma
piada. Conheço você, Violet. Jamais faria algo tão egoísta.
— Egoísta? — Perguntou Violet — Egoísta?
— Sim, egoísta. Nunca pensa em ninguém além de você mesma. O que lhe
agrada, o que te dará um momento de prazer. Não pensa em como isso pode
me afetar.
Violet teve uma sensação curiosa... como se o mundo tivesse ficado
desprovido de tudo o que era importante. Não era outra mulher que se sentava
no sofá, por mais que tivesse essa sensação. Aquilo não acontecia a uma
pessoa desconhecida, acontecia com ela.
— Você escutou o que disse? – Perguntou. — Me chama de egoísta como
se eu nunca merecesse ter nada meu — ficou de pé. — Mas não faço isto só
por mim. Faço por todas as esposas que desapareceram atrás de seus maridos.
Faço pela Amanda, que não quer se casar e nunca mais lhe digam o que deve
fazer.
Lily arregalou os olhos e deu um passo à frente.
— Foi você que lhe deu esse livro.
— Você me disse que falasse com ela — replicou Violet. — Sim, fui eu.
— Você colocou essa ideia na cabeça dela, a ideia de que podia rejeitar
um casamento muito bom. Foi você.
— Acho que já tinha essa ideia na cabeça — murmurou Violet. Encolheu
os ombros. — Se de verdade fosse um bom casamento para ela, por que ia
querer rejeitá-lo?
— Pois não terá escolha! — Grunhiu Lily. — Me disse que quer estudar,
nada menos que isso. Pois não a terá conosco, isso eu asseguro. Não enquanto
viver em minha casa nem com o meu dinheiro. Então você vê. O que sente
agora, Violet? Acha que está fazendo o melhor lhe convém?
— Se você não a aceitar, pode ir para a minha casa — replicou Violet. —
E ter seus estudos com meu dinheiro. Não vou encorajá-la a desistir de nada
porque seus nervos não podem suportar a possibilidade de que sua filha seja
algo mais. E, certamente, não vou me colocar em uma caixa para agradar a
você.
— Se não pensa em mim, pense em meus filhos — disse Lily. —
Afastados, deixados de lado, com as pessoas zombando deles. Nem mesmo
você seria tão desumana para lhes impor esse destino.
Outra vez o egoísmo.
— Se a boa sociedade não recebesse você a menos que cortasse um pé
seu, quanto demoraria para cortar? — Perguntou Violet. – Me chamaria de
egoísta se acolhesse Amanda e a salvasse de um ato assim tão bárbaro?
Lily franziu a testa.
— Isto é diferente.
— Sim — disse Violet. — É muito diferente. Se o que eu tiver que dizer
não durar muito tempo, todo mundo o esquecerá em um ano. E se continuar...
bom, seus filhos terão uma tia famosa. Viva o momento comigo e faça tudo o
que puder para recuperar a boa opinião da sociedade. Seus filhos poderão
decidir por si mesmos que caminho querem seguir.
Ainda tinha a esperança de que Lily acabasse por ceder, que dissesse que
a amava e que jamais cortaria seus laços com ela.
Mas sua irmã balançou a cabeça.
— Se não tem outra solução...
Nenhuma palavra de apoio. Nenhuma palavra de carinho. Nem o mais leve
indício de pena. Não houve nenhuma indicação de que Violet se importasse
com sua irmã.
— Lily – tentou pela última vez. — Pensa no que isso significa para mim.
Levei quase uma década escondendo a verdade. Escondi o que podia fazer, o
que eu era. Sou a maior especialista em ciência da herança. Não sente um
mínimo de...? — Interrompeu-se.
Orgulho?
— Asco? — Terminou Lily. Balançou a cabeça. — Estou tentando não
pensar no que deve ter feito, os pensamentos que devem cruzar por sua cabeça.
Estou tentando não pensar em tudo que você escondeu todo esse tempo. Mas
sim Violet, estou enojada.

A LISTA DE TAREFAS PARA FAZER diminuía lentamente, mas Violet não


se sentia mais confortável por isso.
— Não quero nem imaginar o que acontecerá quando for falar com minha
mãe — disse aquela tarde.
Estavam em Londres, no pequeno abrigo de jardinagem que Sebastian
usava como escritório. A recebeu com um abraço e um beijo, mas embora
estivessem sozinhos, ainda não tentara ir adiante.
Aquilo era muito confuso. Comportava-se como se não tivesse acontecido
nada, como se continuassem somente amigos.
Amigos que se beijavam.
— Sempre tive Lily — disse Violet. — Sempre que me sentia infeliz,
podia ir vê-la e ela tinha algo que queria que eu fizesse. É muito difícil
imaginar um mundo sem ela.
— Possivelmente mude de opinião — disse Sebastian.
Violet negou com a cabeça. Mesmo que isso acontecesse, já não seria o
mesmo. Sempre se tinha perguntado se Lily a queria além de sua conveniência.
Agora sabia a resposta.
Estava sentada no sofá, muito consciente de que ali cabiam facilmente duas
pessoas. Não era muito diferente de uma cama. Ele foi se sentar a seu lado e
quando ela se apoiou nele com cautela, puxou-a para si. Envolveu-a no calor
de seus braços, com seus corpos acomodados juntos, encaixados um contra o
outro. Era estranho se ver abraçada por ele, estar os dois assim no pequeno
escritório. Não ficaram juntos e sós desde o dia anterior, quando a tinha
beijado em Cambridge.
E agora...
Violet sentia arrepios pela pele e tinha um nó de medo no estômago. Por
mais que desejasse o consolo dele, ela não podia deixar de imaginar o que
aconteceria.
— De verdade acha que com sua mãe será pior? — Perguntou ele.
Violet estremeceu.
— Lily grita e se queixa, mas são só palavras. Minha mãe... Bem, assentirá
e sorrirá e depois encontrará um modo de sabotar todo o assunto. Já sei o que
pensa de mim. Minha mãe não fala, age.
Ele se inclinou até que Violet pôde sentir sua respiração em seu pescoço.
— Sim – disse. — Mas a reação peculiar de Lily... Lily é assim.
Violet começou a virar em direção a ele.
— E não — disse Sebastian. — Não direi nada mais porque ela é sua irmã
e não sou idiota. Mas... – ele fez uma pausa — Não. Nem vou dizer isso. Não
sou tão idiota.
Violet sorriu.
— Para ela não é fácil. Tem onze filhos. Tem que pensar neles em primeiro
lugar.
— Humm.
— Nunca se deu bem com segredos escuros — disse Violet. – Quando
nosso pai morreu, ela conseguiu se convencer de que as circunstâncias eram
muito diferentes de como eram na realidade.
— Humm.
— Isto é muito para ela — continuou Violet. — Depois do que aconteceu
com nosso pai, agora peço a ela que aceite isso?
Sebastian virou-se para ela e se inclinou até que seu nariz roçasse no dela.
— Violet — disse com suavidade, — há uma diferença enorme entre um
homem que se suicida e uma mulher que descobre o segredo biológico da
vida. Ambas as coisas causam alvoroço, mas uma é causa de luto e a outra é
um motivo de celebração.
— Mas... eu também estou rompendo uma regra social inviolável.
— Qual? — Perguntou Sebastian com interesse.
— A que diz que as mulheres não devem pensar em certas coisas e não
devem falar delas em público — Violet engoliu em seco.
— Ah, a regra que diz que às mulheres não são permitido ser muito
inteligentes — roçou o rosto dela com um beijo. – Queime essa regra até os
alicerces, Violet, e dance sobre suas cinzas. E dane-se todos que disserem que
é egoísta por fazer isso.
Ela não pode evitar sorrir. Sebastian deslizou as mãos por seus ombros,
deixando uma trilha de arrepios em seu caminho.
— Queime tudo, querida.
A estava seduzindo. Aquilo era uma sedução com todas as regras. Os
dedos dele se curvaram em suas costelas e a aproximou mais dele. Seu
coração pulsava com força e as mãos lhe faziam cócegas.
— E você o que pensa? — Sussurrou.
— Eu encharcarei tudo com azeite de parafina — o fôlego dele era quente
contra seus lábios. Suas mãos, quentes, descansavam nos quadris dela –
Pediria que procurasse um fósforo, mas você sempre teve uma faísca própria.
Todo o ser de Violet se iluminou. Inclinou-se para ele. Desejava tocá-lo,
passar as mãos pelos cachos escuros de seu cabelo. Seu corpo queria o dele,
desejava-o com cada batimento silencioso do coração e sedutor de seu pulso,
com o calor líquido que começava a se acumular à medida que lhe acariciava
o lado.
Mas lembrava muito bem todos os passos. Sabia o que significava se
deixar enrolar. E não podia reprimir o calafrio de medo que percorria seu
corpo, a lembrança profunda do que seguia à paixão.
Soltou a respiração e pegou as mãos dele nas suas.
— Sebastian – murmurou. — Não posso fazê-lo.
Ele ficou imóvel, suas mãos ficaram quietas nas dela.
— Fazer o que?
— Me deixar... seduzir — Violet respirou com força. – Ainda mais por um
libertino tão inteligente quanto você.
— Um libertino — ele chegou para trás e passou uma mão pelo cabelo. —
Você diz isso como se um libertino fosse de uma espécie identificável.
— Sei quando sou beijada por um libertino — respondeu ela.
Ele afastou sua mão da dela e a pôs no quadril feminino; seus dedos
aquecia a pele dela debaixo do vestido.
— Não é assim tão fácil — seu polegar iniciou um movimento acariciando,
um círculo minúsculo que a distraía. — Tem que levar em conta a filogenia do
libertino.
— A filogenia? — Violet o olhou entreabrindo os olhos. — Sei o que está
fazendo. Quer me distrair com ciência.
— Pois claro que sim — piscou um olho para ela. — E funcionará.
— Quer me distrair com ciência falsificada — acusou-o Violet. — Ser
libertino é uma característica de comportamento aprendido, não a designação
de uma espécie.
— Me escute um momento. O que acontece é que acredito que me
confundiu com vividorus indiferentus, o bon vivant cujo objetivo é seduzir
quantas mulheres puder conseguir, indiferente a tudo o mais que não seja o
buraco apertado e úmido que costuma usar. Essa espécie de bon vivant não se
importa nada com o risco. A gravidez lhe parece irrelevante. Os sentimentos
da mulher, sua reputação ou seu consentimento não importam nada para eles.
Se pode se meter entre suas pernas, o fará.
— Estou fazendo uma lista de todos os equívocos que há em sua
classificação da espécie.
Ele arregalou os olhos com fingida inocência.
— Excelente. Continue fazendo-a. Eu continuarei me equivocando.
Violet se moveu no sofá. Ele sorriu, rodeou-a com seus braços e a atraiu
para si.
— O vividorus indiferentus, para infelicidade dele, porém para sorte de
todos os outros, tem uma vida muito curta. Se não são as mulheres que abusam
que os matam, são os homens que querem bem à essas mulheres, e por isso
merecem aplausos. Essa subespécie é muito vulnerável a isso.
Violet se pegou sorrindo apesar de tudo.
— E então temos o vividorus cautelosus.
— Vividorus cautelosus? — Perguntou ela, duvidosa. — Isso não me
parece uma nomenclatura válida.
— Não me interrompa. Terá a oportunidade de fazer perguntas no final.
Esse é um bon vivant que compreende as regras do jogo. Se limitam as
mulheres que estão carentes. Podem utilizar preservativos ou contratar
doutores que realizem exames de possíveis companheiras de cama para
preservar seus, ah... seu ativo — Sebastian encolheu os ombros. — Em geral,
cautelosus acaba se apaixonando tanto por essa atividade que termina
metamorfoseando-se em indiferentus.
— Isso não pode ser uma identificação de espécies correta.
Sebastian ficou calado em relação aquilo.
— Ou se cansam de tomar precauções, e se limitam a uma ou, ah, às vezes
a umas poucas mulheres durante um longo período de tempo.
Violet enrugou o nariz.
— E você é um cautelosus a ponto de sofrer essa metamorfose? É isso?
Sebastian a afastou até onde lhe chegou o braço.
— Minha senhora — disse com um tom digno que se via traído pelo brilho
de seus olhos. — Eu não o sou. Essas duas espécies são dignas de compaixão.
— Oh — ela jogou a cabeça para trás e o olhou nos olhos. — E que
espécie é você, então? Vividorus giganticus?
Ele fez uma careta.
— Não, mas dessa eu gosto. Lembra-me uma subespécie.
— Vividorus impropius?
— Sinto-me ferido e ofendido — ele não parecia nem ferido nem ofendido,
parecia contente. — Suponho que tenha ouvido falar dos humildes, dos
brilhantes, dos muitos solicitado vividorus perfectus — olhou-a arqueando as
sobrancelhas.
Ela começou a rir. Dobrou-se para frente.
— Por favor, não se incline em minha presença — disse ele. — Não há
nenhuma necessidade. Basta uma simples genuflexão.
Violet se endireitou e levou uma mão ao coração.
— Não me diga que isso é verdade. Sério, estou na presença de um
vividorus perfectus giganticus? Solte-me que vou procurar meu bisturi. Tenho
que fazer uma dissecção nesse exato momento.
— De novo, não há necessidade. O estudo já foi concluído — ele esfregou
as unhas na jaqueta. – Veja bem, o perfectus surge quando um... Bom diria um
homem comum, mas — voltou a sorrir — nem sequer sou capaz de me
rebaixar a tanto. Ele se forma quando um homem extraordinário se apaixona
irremediavelmente por uma mulher que não pode ter.
Violet sentiu que o sorriso em seu rosto se apagava.
Ele encolheu os ombros.
— Pode ser que esteja casada com outro – disse. — Ou talvez ela não o
ame. Ou pode ser um viúvo que perdeu o amor de sua vida.
— Isto está ficando sério — comentou Violet.
— O vividorus perfectus sabe que não se apaixonará por ninguém mais,
enquanto a tiver em sua cabeça. Mas não gosta da ideia de perseguir a mais
ninguém — Sebastian baixou a voz. — Não enquanto a tem na cabeça. Pode
ser que suas atribuições sejam menores que antes, mas cuida de si mesmo e da
mulher que ama. Porque, bem... – desviou o olhar. — Possivelmente porque
imagina que algum dia alguém possa levar a mulher que ama. Se for assim,
espera que a tratem como ele...
Não terminou a frase. Ela o olhou nos olhos.
— Sebastian – disse. — Você foi um bon vivant toda sua vida de adulto.
Ele respirou fundo.
— Lembra a véspera de seu casamento, quando estava tão nervosa?
Lembra que disse a você de brincadeira que deveria deixar seu marido
plantado e fugir comigo?
— Tinha dezoito anos — ela o olhou. — Você dezesseis. Estava ainda
estudando.
— Sim, bem — ele engoliu em seco. — Mas não falava de brincadeira.
Violet não sabia o que dizer.
— Sebastian, isso não pode ser verdade. Isso foi há dezesseis anos. Era
um pirralho.
— Era aí que queria chegar — ele comentou. — Eu era um rapazote e no
começo pensei que iria superar. E na verdade, foi assim. Durante um tempo.
Mas... logo voltei para a mesma coisa – encolheu os ombros.
Ela balançou a cabeça.
— Com os anos tudo mudou. Passaram-se dezesseis anos em que não
poderia fazer sexo com você — Sebastian lhe rodeou o pulso com sua mão. —
Sei que a mínima ideia disso te dá pânico.
Violet respirou devagar. Sentia seu pulso batendo contra o dedo dele.
— Conheço você, – disse — você gosta de sexo e para mim é um
verdadeiro desastre.
Ele arqueou uma sobrancelha.
— Deixe-me contar mais alguma coisa do vividorus perfectus – disse. —
O propósito de ser um bon vivant é que todo mundo está feliz e seguro. Houve
uma mulher uma noite com quem estive, que mudou de ideia depois de vir a
um quarto de hotel que eu tinha alugado. Passamos a noite jogando Black Jack
por uns centavos.
— Centavos?
— Bem, na realidade jogávamos por meio centavos.
— Não ficou furioso com ela?
— O que podia fazer? — Ele encolheu os ombros. — Ganhei três xelins,
— brincava com os cabelos dela, enrolando uma mecha em um de seus dedos.
— Ainda somos amigos.
— Não está falando sério.
— Normalmente não falo — respondeu ele. — Mas sobre isso sim. O
vividorus perfectus passa muito tempo aprendendo como ter prazer sem riscos
de pegar doenças nem gravidez. Isso faz com que a vida seja muito mais feliz.
— Mas jogando cartas? De verdade?
— Eu gosto de ser apreciado pelas pessoas — Sebastian encolheu os
ombros. — Quando uma mulher começa a chorar no quarto porque se dá conta
de que não quer continuar com isso, fica muito feliz em pegar um baralho.
Violet não consegui imaginá-lo fazendo isso.
— E além disso, dirá a todas as suas amigas que é um amante
extraordinário e elas falaram a todas as demais e quando perceber... – sorriu.
— De uma perspectiva puramente egoísta, tenho descoberto que é uma boa
ideia fazer com que minha companheira parta com um sorriso, seja qual for o
método para consegui-lo.
— Mas... — Ele sorriu. — Acontece que também gosto muito de sexo.
Ela respirou fundo, sentia muito calor.
— Mas também gosto de beijar — ele se inclinou e apertou os lábios nos
dela. — E tocar. Entre os extremos de jogar cartas e de fazer todo o possível
pra te deixar grávida, há inumeráveis possibilidades. E eu estou muito, muito,
muito... — deteve-se, com os lábios na pele dela. — Muito – repetiu — muito
interessado em descobrir do que você gosta.
Violet não podia pensar com ele fazendo isso. Não com a respiração dele
lhe fazendo cócegas na bochecha e suas mãos abraçando-a.
— Espera – disse – eu não tive oportunidade de dizer a você o que penso
disso que chama de classificações.
— Oh? — Ele voltou a beijá-la.
— São um monte de bobagem.
— Certo – ele piscou para ela. — Mas você agora está sorrindo. Tudo faz
parte de meu plano diabólico.
— Tem um plano diabólico?
— Pois claro que tenho um plano diabólico. Antes de acabar a noite, penso
jogar com você o Black Jack. Uma disputa.
Ela fez o possível por reprimir um sorriso, mas fracassou miseravelmente.
— Trabalharemos nisso — disse ele com ar de superioridade. — Um bom
bon vivant não mostra todas suas cartas no primeiro sinal de concordância. No
momento vou lhe fazer uma massagem nas costas.
Ela se afastou.
— Isso é um eufemismo?
Ele franziu a testa e levantou o olhar.
— Mais ou menos. Quando digo costas, me refiro aos ombros e o pescoço.
Violet engoliu em seco pensando no que significaria isso. As mãos dele
acariciando seu corpo, tocando sua pele, convencendo seus músculos de que
se relaxassem.
— E o que acontecerá quando terminar? — Perguntou.
Sebastian se inclinou para ela.
— Deixarei de tocar você. Palavra de bon vivant.
Ela respirou com força. Mas sabia que podia confiar em Sebastian. Se ele
dizia que ia parar, pararia com certeza.
Ele ficou em pé e lhe fez um sinal para que se deitasse de barriga para
baixo. Violet respirou fundo e obedeceu.
No primeiro contato estava tensa, tanto que quando sentiu a palma da mão
dele na parte baixa das costas, quase deu um salto. Mas ele não baixou mais.
Não separou suas pernas, como temera. Simplesmente apertou a mão na parte
baixa das costas dela e a deixou ali imóvel até que o coração dela deixou de
pulsar forte e sua respiração se voltou mais lenta. Até que os músculos dela
começaram a relaxar apesar dos sinos de advertência que ressonavam em sua
cabeça.
Então ele subiu a mão pela coluna até seus ombros.
— Aqui – disse. — Seus músculos estão muito tensos justo aqui.
— Sinto muito.
— Não se desculpe. Se sentirá melhor se conseguir relaxar um pouco.
Assim.
Era uma massagem suave e persuasiva, com os dedos dele pressionando
levemente a pele. Não era o tipo de massagem furiosa e expectante que um
marido podia dar a sua esposa nos ombros, uma massagem que gritava: Olhe o
que estou fazendo por você, agora é melhor me deixar entrar entre suas
pernas ou a próxima vez ficará sem nada.
— Passou a vida inclinada sobre as plantas de sua estufa — disse ele. —
Tem um nó justo aqui — pressionou um ponto das costas e ela respirou com
força. — E também aqui — outro ponto dolorido. — E, bom, você entende o
que digo. Transporta todos os trabalhos do dia para sua carne. Vamos ver se
podemos conseguir que deixe esse peso por um momento.
Violet achou que ele não tinha outro interesse nela a não ser afrouxar
aqueles pontos doloridos. Podia ter feito uma massagem mais sensual, ter
roçado o corpo dela com o seu ao inclinar-se. Quando colocava os polegares
nos nós e trabalhava neles, podia ter beijado a parte posterior do pescoço, e
sensível como era nesse ponto, ela, tão consciente da presença do corpo dele
muito próximo, teria estremecido. Ou ele podia ter baixado as mãos não só
pelas costas, mas também pelos lados, procurando os seios, os botões duros
dos mamilos. Violet era muito consciente de todos os modos que não a tocava.
De todas as coisas que podia fazer. Do vulnerável que estava por baixo ele, do
pequeno esforço que custaria a ele empurrá-la com gentileza contra as
almofadas e sujeitá-la ali por mais que ela protestasse.
Nem sequer estava segura de que protestaria.
Mas tinha prometido que não a importunaria e não o fez. Suas mãos
esquentavam e depois afrouxavam, e logo, pouco a pouco, ela sentiu que
entrava em uma fase de satisfação.
Ele se afastou depois de um momento.
— Pronto – disse. — Sabia. Está sorrindo.
Violet se pôs de lado e ele se sentou.
— Mas você quer mais — ela podia ver o contorno de sua ereção apesar
de ele estar com calças largas – E ... — tinha medo de admitir, mas não queria
esconder. — Está fazendo com que eu queira mais. E isso significa...
— Significa o que nós quisermos que signifique — ele encolheu os ombros
— Desejar não é um destino. Somos adultos. Desejar deveria ser divertido.
— Mas qual é o objetivo? O que estamos trabalhando?
— Sua rendição completa e incondicional — respondeu ele.
Violet respirou fundo.
— Não estarei completamente vivo até que desfrute de sua carne virtuosa e
te sugue a medula dos ossos — continuou ele com um olhar travesso.
Violet lhe deu uma cotovelada nas costelas.
— Muito engraçado.
— Vê? Você não acha que eu queira algo de mal. Não acha.
Sebastian dizia aquilo, mas ela sabia que não estaria satisfeito se não lhe
desse algo mais. Algumas carícias a noite? Podia dizer que o desejo era
divertido, mas depois de duas semanas de desejo, começaria a perder seu bom
humor. E então começariam os comentários zombadores sobre ela ser frígida e
uma egoísta por lhe negar seus favores. Mencionaria quanto tempo fazia que
não liberava seu sêmen. Os homens não foram feitos para o celibato, e
Sebastian menos ainda.
Violet abriu a boca para responder, mas voltou a fechá-la. Ele havia falado
que o desejo deveria ser divertido, mas fazia muito tempo que ela não
confrontava a ideia do desejo com outra coisa que não fosse terror. O desejo
foi uma ferramenta usada contra ela. Quanto menos queria...
— Sebastian – disse. — Não podemos continuar assim.
— Por que não? — Respondeu ele. — Se as coisas ficarem duras aqui,
tenho uma mão esquerda que funciona bem — olhou-a. — E você tem o
mesmo.
Ela negou com a cabeça.
— Não tem? — Perguntou ele com ar inocente. — Pois então posso te
ajudar com a minha.
Violet respirou fundo ao pensar naquilo... na imagem das inteligentes mãos
dele entre suas pernas, procurando o ponto exato de seu desejo. Mas ele
simplesmente inclinou o corpo para ela e a beijou.
CAPÍTULO 19

NA MANHÃ SEGUINTE, apesar da ordem que levava no bolso, pois, em


sua opinião, aquele bilhete tenso só merecia esse nome, Sebastian se sentia
extraordinariamente feliz.
Entrou no estúdio de seu irmão sorrindo, nem a estudada indiferença de
Benedict nem sua negação em levantar o olhar quando entrou, conseguiram
afastar seu bom humor.
A última vez que viu seu irmão tinha tomado essa decisão. Que não havia
sentido em discutir com Benedict. Fazia todo o possível de sua parte e não
tinha nenhum sentido alterar seu irmão.
Benedict ignorou sua presença durante cinco minutos e por fim Sebastian
acabou por sentar-se em frente a ele e se pôs a assobiar.
Era um truque barato de irmão mais novo, mas tinha resultado eficaz.
Depois da terceira nota de Deus salve à rainha, a irritação de Benedict foi
mais forte do que capacidade de ignorar Sebastian.
— Pode parar de fazer isso? — Perguntou, levantando o olhar por fim.
— Parar com o que? — Disse Sebastian com ar de inocente. — Estava
fazendo algo?
— Esse assobio horrível.
— Oh, perdoe-me — murmurou Sebastian com uma nota de exagerada
desculpa na voz. — Não sabia que não gostava da rainha Vitória. Teria
escolhido outra melodia.
— Eu gosto da rainha... — Benedict se interrompeu. Apesar de seus lábios
se franziram em um sorriso. – Não, Sebastian. Não me vai levar por esse
caminho.
Sebastian deixou seu ar de inocência fingida e se inclinou para frente.
— Pelo que sei você me pediu para vir aqui por um assunto urgente e então
me ignora. Se não quer que eu me faça de irmão mais novo irritante, você tem
que deixar de brincar de irmão mais velho importante.
Benedict olhou seu irmão nos olhos e suspirou.
— De vez em quando tem razão – murmurou. – Pensei no que me disse a
última vez, em que possivelmente julgo você com muita dureza. Eu me
perguntei se haveria um pouco de justiça em seus comentários.
Sebastian conteve o fôlego e se inclinou para frente em seu assento.
— Oh. Nesse caso, sinto de verdade pelo assobio.
Benedict não piscou.
— Pensei nisso durante semanas, até que vi um anúncio no jornal. Uma
pequena descrição sobre uma conferência que deu em Cambridge. Um bate-
papo científico.
Sebastian engoliu em seco.
— Sim. Bem.
— Você me disse que tinha parado com o trabalho científico.
— E é verdade. Mais ou menos. Isso foi... mais para fechar o tema,
apresentar meu último trabalho.
— Foi isso que eu me disse — respondeu Benedict. — Mas agora vejo que
estava procurando desculpas para seu comportamento. Pode-se saber que
diabos é isso?
Levantou o jornal e assinalou um anúncio.
Malheur falará de Comentários seminais da herança em dois dias.
A linha seguinte dizia: Promete que será explosivo e controvertido.
— Ah — disse Sebastian — Ah, sim. Claro. Isso. Sei o que parece isso.
— Certo? — Repetiu Benedict com incredulidade — Isso?
— É... — Sebastian se inclinou mais sobre a mesa. — Pode guardar um
segredo? — Perguntou esperançoso.
— Um segredo potencialmente explosivo e controvertido? — Perguntou
Benedict secamente — Talvez. Depende. Que tipo de segredo é?
Violet já havia contado a sua irmã. Todo mundo saberia dois dias depois. E
seu irmão merecia ficar sabendo por ele. Sebastian respirou fundo.
— Meu trabalho sobre a herança – engoliu em seco. — Tinha razão. Sou
uma fraude.
Benedict baixou as sobrancelhas.
— O que? Pode se saber o que está dizendo?
— Lembra-se de Violet Rotherham, agora Violet Waterfield, condessa de
Cambury?
— Dificilmente poderia esquecê-la, levando em conta que vivia a meio
quilômetro de nós quando éramos meninos. Mas não vejo que relevância ela
tenha.
— O trabalho não é meu — explicou Sebastian. — É dela. E vamos
anunciar dentro de uns dias. Então você entende, essa apresentação não sou eu
que farei. Ela o fará.
Benedict se recostou no respaldo de sua cadeira e respirou fundo.
— Não, não compreendo.
— Todas as ideias que apresentei eram de Violet – disse. — Eu a ajudava
um pouco. Em algumas palestras trabalhávamos juntos. Mas a cientista
brilhante é ela, não eu.
Seu irmão esfregou a testa e franziu os lábios.
— Sempre lhe entrega tudo isso pronto?
— Não, não, foi muito trabalho para seguir o ritmo – respondeu Sebastian
— Tive que aprender tudo o que ela sabia e... ah...
— Entrega-lhe isso tudo pronto — repetiu Benedict. — Meu Deus! Você
não precisa nem tentar. Não o faz. É como se baixassem os anjos e lhe
ungissem com conhecimentos científicos, só que não são os anjos. É Violet.
— Sim. Ela é muito inteligente, sabe?
— Não, não sabia. Ninguém sabia exceto você — Benedict ficou de pé. —
Como faz isso? Francamente, Sebastian, como o faz? Eu sabia que era uma
fraude, mas isso está além de minha capacidade de compreensão. É como se o
universo inteiro conspirasse para empurrá-lo para enganar a vida.
— Não. Sempre gostei de Violet, sabe? Sempre soube que era maravilhosa
embora ninguém mais se desse conta disso.
Benedict ignorou suas palavras.
— É como se o próprio Deus te colocasse asas nas mangas. Como
consegue que algo assim caia do céu para você?
— Não sei — respondeu Sebastian. — Talvez seja só porque eu goste das
pessoas.
Seu irmão cruzou os braços sobre o peito e o olhou atentamente.
— Oh, agora você joga na cara, não é assim? Eu também gosto das
pessoas. De muita gente. Tenho amigos, muitos amigos.
— Estou certo disso — respondeu Sebastian confuso.
— Tenho amigos e, entretanto, nunca me atribuíram o mérito de um dos
avanços científicos mais importantes de nosso tempo.
Sebastian olhou fixamente para seu irmão. Tinha jurado não discutir, mas
aquilo era muito.
— Quando acreditava que o trabalho era meu, não valia nada. Mas agora
que sabe que não sou eu quem faço, é um dos avanços científicos mais
importantes de nosso tempo?
Benedict o olhou fixamente. Olhou-o sem piedade e em silêncio, olhou-o
até que Sebastian sentiu vontade de afastar o olhar. Logo golpeou a mesa com
o punho.
— Foda-se! — Voltou a sentar-se em sua cadeira com expressão dolorida
— Oh, foda-se!
— E agora precisa xingar por isso — disse Sebastian. — Nada do que
falei até esse momento foi motivo para dizer palavrões, mas isso, ao que
parece, levou você ao limite.
— Não — grunhiu Benedict. — Me escute. Tem que me fazer um favor —
sua respiração se tornou ofegante.
— Qual? — Perguntou Sebastian, cortante.
— Você se lembra que eu disse a você que se eu não pudesse gritar com o
meu irmão mais novo, não tinha sentido viver? — Uma fina capa de suor
cobria o rosto de Benedict, sua pele estava cinza e pálida e sua respiração era
entrecortada e superficial.
Um frio intenso envolveu Sebastian.
— Pois bem, — prosseguiu Benedict, sombrio. — Estava errado. Prefiro
viver — olhou para seu irmão. — Chame o doutor, por favor.

SEBASTIAN ESPEROU HORAS NO CORREDOR, pelo qual andou até


que soubesse de cor todas as tábuas do chão. Tinha as mãos frias e o coração
pesado. Quando o doutor saiu por fim do quarto, aproximou-se dele.
— Como está?
O homem lhe dirigiu um olhar breve.
— Está vivo – respondeu, — e consciente.
— Graças a Deus! — Sebastian respirou aliviado.
— Quer ver o filho.
— É obvio. É obvio — Sebastian assentiu. – Me encarregarei de que
tragam Harry imediatamente.
O doutor o olhou.
— Você é seu irmão? Sebastian Malheur?
— O que está acontecendo?
— Não tome como algo pessoal — disse o doutor, — mas o aconselhei a
descansar por um tempo. Que evite tudo o que possa alterá-lo.
— Oh, bem. E ele vai seguir seu conselho? — Perguntou Sebastian.
O doutor lhe lançou outro olhar.
— Sim — disse apertando os lábios como se fosse obrigado a dar notícias
desagradáveis contra sua vontade. — Pediu-me que lhe diga que se afaste
daqui uns dias, até que ele esteja seguro de que você não o alterará.
CAPÍTULO 20

— RESUMINDO — DISSE SEBASTIAN — acredito que hoje consegui


ofender ou matar a todos nossos parentes próximos.
Estava de pé do outro lado do abrigo de jardinagem. Violet sorriu porque
isso era o que ele queria fazer. Porque sabia, pelo modo em que olhava a seu
redor, distraído, com um meio sorriso nos lábios, que estava preocupado com
seu irmão. Porque as brincadeiras, embora fossem terríveis, ajudavam a fazer
suportável o horrível.
— Seus primos continuam sendo seus amigos – disse. — E eu ainda não
falei com minha mãe, assim amanhã teremos uma catástrofe nova.
— Ah, sim. Eles. Talvez pudesse enviar sua mãe para Robert e Oliver. Se
alguém pode espantá-los, é ela. Não permita o céu que eu tenha amigos.
— Só você pode brincar em um momento assim — disse ela.
— Quanto falta? Dois dias para que o mundo descubra a verdade? — ele
fez uma careta, como se no mundo não existisse nada além dela. Como se sua
conferência e suas preocupações fossem a única coisa que importava e as dele
fossem inexistentes.
— Estava falando de seu irmão.
Ele serviu uma taça de Brandy e a aproximou dela.
— Comer, beber e ser feliz porque amanhã, bom, depois de amanhã,
estaremos todos condenados.
Ela lançou um olhar de soslaio para ele, mas deixou passar. Se ele queria
dar-lhe um pouco de ânimo, quem seria ela para impedir-lhe.
— Fale de você — disse, mas seu tom era ligeiro. — Amanhã vou falar
com minha mãe. Temo isso mais que qualquer outra coisa. Depois dela, o resto
do mundo me parecerá como um passeio pelo parque.
— Razão a mais para beber.
Voltou a lhe estender a taça e dessa vez ela pegou. O líquido era âmbar.
Oscilava um pouco, deixando rastros no cristal. Seu aroma, espesso e
embriagador, volatilizava no ar. Até os vapores que saíam dele eram potentes.
— Você quer me deixar tonta — comentou.
— Para poder me aproveitar de você.
Falava brincando, mas o coração dela acelerou. Com Sebastian acontecia
aquilo. Sempre fazia com que tudo parecesse uma brincadeira, especialmente
nos momentos que mais lhe importavam. Violet o observou por cima da taça.
Seu medo começava a diminuir. Ele tinha passado os últimos dias
abraçando-a, sem exigir nada absolutamente, deixando a se acostumar à
sensação de ser desejada, de voltar a desejar. Como se ele soubesse que, uma
vez que o desejo voltasse a ser familiar, a pontada de dor começaria a sumir e
se tornaria um vapor que nublaria a mente.
— Uma vez bebi meia garrafa de licor de cardo – disse. — Se acha que
dois centímetros de Brandy vai me levar as nuvens, está muito enganado.
Bebeu o conteúdo da taça. O licor lhe queimou a língua, mas era um ardor
agradável.
Ele não bebia.
Precisava das menores pistas para entender Sebastian. Levava seu sorriso
e suas brincadeiras com tanta assiduidade como outro homem podia levar um
lenço no pescoço, um objeto que não se tirava exceto entre seus conhecidos
mais íntimos e, inclusive, só depois de pensar muito.
Tinha narrado a história de seu com seu irmão passageiramente,
classificando o argumento e o que haviam falado como um simples: Estava
zangado e tinha todo o direito de estar, e mencionado depois que durante a
visita terminou tendo que ir procurar o doutor. Não fez comentários sobre seus
sentimentos, como se não quisesse compartilhar sua preocupação.
— Você não tem uma taça — disse ela.
— Não. É um truque muito perverso da minha parte.
— Oh? — Ela o olhou nos olhos. Ele sorria como se não acontecesse nada,
como se não tivesse nenhuma preocupação no mundo. Como se esperasse
aliviar assim as cargas dela e também as suas próprias. Ela fez um gesto com
o dedo.
— Venha se junte a mim.
Sebastian foi sentar a seu lado.
Violet tomou outro gole de álcool, um mais longo dessa vez, e deixou a
taça. Ela o beijou antes que perdesse o valor. Seus lábios se uniram. A boca
dele se abriu para a dela e ela lhe passou um gole de Brandy. Suas línguas se
encontraram em uma mescla embriagadora de calor e álcool. As mãos dele a
atraíram para si. Ela se perdeu no sabor dele, no calor de suas mãos em sua
cintura... Mas essa vez não.
Dessa vez queria que ele se perdesse. Deixou que o beijo começasse como
uma carícia suave, doce, consoladora, e depois o deixou crescer e foi
baixando as mãos pelo peito dele até que o que se movia entre eles era mais
embriagador que o Brandy que compartilhavam. O beijo se prolongou até que
ela se sentiu quase tonta.
Quando se dissipou o sabor do Brandy, afastou-se.
— Vê? — Ele respirava pesadamente. — É um truque perverso. É o que
ocorre quando beija a um bon vivant como eu. Quase não tenho que fazer nada
e se seduz por si só.
Violet se inclinou para frente.
— Oh, eu não diria isso – murmurou. — Eu já estava seduzida.
Estava o bastante perto para ver as pupilas dele se expandir, para ouvir sua
respiração sibilante. Mas essa primeira reação involuntária não demorou para
ser coberta por um amplo sorriso.
— E só tomou dois goles de Brandy? Deveria ter tentado isso há anos.
Violet deveria ter se assustado com a ideia do que estava a ponto de fazer.
Mas o fato de que fosse ela quem o fizesse e não ele existia uma grande
diferencia. Colocou-lhe as mãos nos ombros e as correu pelo peito. Ele
respirou fundo.
— E, no entanto, aqui estou — disse ela. – Deixo você me abraçar.
Estremeço-me quando me beija. Quando tremo ao pensar em falar com minha
mãe, você é o único que me faz rir — sentou-se nos joelhos dele e se inclinou
para lhe roçar o nariz com o seu. — Quando sorrio, é o primeiro a quem olho
porque sei que você entenderá a brincadeira. Então, sim Sebastian, fui
seduzida.
Ele respirou fundo uma vez mais.
— Todos estes anos não compreendi o quanto significava para mim que
você me fizesse sorrir — continuou Violet. — Mas agora é minha vez — suas
palavras foram adquirindo ferocidade. — Você merece ser seduzido.
— Não precisará muito esforço, isso eu lhe garanto — ele engoliu em
seco. — Mas Violet, tem certeza...?
— Estou segura disso — ela desceu do colo dele e se ajoelhou no chão.
Procurou com as mãos os botões de suas calças. Enquanto os abria, sabia que
não tinha tanta prática quanto ele. Mas a julgar pela respiração ofegante de
Sebastian, isso não importava. Não importava que fosse desajeitada com as
calças nem que suas mãos fossem inexperientes para alcançar seu objetivo.
Não importava que demorasse um minuto para encontrar a posição correta nem
que ele tivesse que guiá-la ou mover-se no sofá.
O que importava era aquilo. Sebastian lhe dera muito todos aqueles anos, a
apoiara quando precisava e a tinha amado. E se ela era merecedora de um
sentimento tão profundo, sem dúvida ele também.
Quando por fim teve as calças no chão, aos pés dele, pode se concentrar no
prêmio: vividorus erectus. Sua ereção estava dura e grossa, um pouco
inclinado. A respiração dele era ofegante quando ela baixou as mãos pela
ereção, explorando ligeiramente a superfície. A princípio com toques
enganosamente suaves, mas, mais fortes quando aprofundou a carícia, embora
mais suaves na ponta.
— Violet — parecia que lhe arrancavam as palavras à força. — Não tem
por que fazer isso.
— Claro que não — respondeu ela com certa aspereza. — Quero fazê-lo.
Ele soltou um suspiro. E então, antes de dar tempo para perder a coragem,
ela o levou na boca.
Deus santo! Nunca antes entendera o conceito daquilo. A primeira vez que
ouviu falar disso das damas casadas lhe pareceu uma pobre imitação do sexo.
Mas a seu modo, parecia ainda mais íntimo que o sexo. Sua língua podia
explorar a veia que descia pelo lado interior do pênis, a suavidade do casulo.
Ela podia apertá-lo e ouvir como acelerava a respiração dele.
Sebastian lhe tocou a cabeça, acariciando seu cabelo.
— Me diga — murmurou ela sem soltar a ereção. — Me diga no que
pensaria se estivesse usando sua mão esquerda.
— Em você — a voz dele soava rouca. — Em você, sempre em você. Não
tem nem ideia da quantidade de vezes que pensei em você ao longo dos anos.
Que a desejei — houve uma pausa. — Sim, isso... bem aí. Faz isso.
Violet voltou a sugar a cabeça de sua ereção e deslizou a língua pela ponta.
Sentiu que o corpo dele ficava tenso e que lhe apertava os ombros.
— Às vezes imaginava que jogava ao chão todas as plantas de sua mesa de
trabalho na estufa. E colocava você na ponta e depois levantava suas saias e a
possuía.
Ela fez uma pausa e levantou a cabeça.
— Espera, você pensava em fazer isso com minhas plantas?
— É uma fantasia — protestou ele. — Se de verdade fôssemos fazer isso,
não acredito que uma mesa feita com pranchas de madeira e cavaletes pudesse
suportar a força exercida pelas investidas realizadas nesse ângulo concreto.
Ela respirou com força.
— Suponho que não. Mas escolha outra fantasia. Vai me distrair pensando
nos detalhes.
Ele riu com suavidade.
— Lembra da nossa viagem de trem até New Shaling para o casamento de
Robert?
Violet assentiu.
— Você me ignorava. Passou toda a viagem falando com Minnie. Só parou
de falar uns dez minutos, quando você levantou e saiu pelo corredor. Acho que
disse que queria estirar as pernas. Eu vi você uma vez por um minuto mais ou
menos, quando passava pela minha frente. Pensei em me levantar e segui-la.
Suas palavras foram escuras e perigosas.
— Pensei em colocar a mão na sua boca. Você saberia o que eu queria.
Violet sentiu que ficava molhada pensando naquilo. Inclinou-se e voltou a
levar o pênis na boca. Estava ainda mais duro e ficava enorme contra sua
língua.
— Teria colocado você contra a parede justo nesse ponto onde não seria
visível para outros passageiros — colocou as mãos nos ombros dela e
flexionou os quadris quase de modo involuntário. — Queria te possuir assim –
sussurrou. — Assim, Violet. Onde pudesse passar uma mão ao redor de seu
corpo para agarrar seus seios e colocar a outra entre suas coxas.
Sua respiração se tornou errática, tinha começado a investir na boca dela.
— E teria sido maravilhoso possuir você assim — disse ele sussurrando.
— É maravilhoso te sentir assim. Oh, caramba!
Ele era como aço na boca dela, aço quente quase até o ponto de queimar.
Sua ereção entrava e saia, cada vez mais duro, mais insistente. E Violet nunca
o tinha sentido tão forte como naquele momento. Ele tremia violentamente e,
entretanto, mostrava-se insistente.
— Teria feito você chegar ao orgasmo três vezes — disse ele. — Até que,
por fim, teria que morder a mão para não gritar.
Separou-se dela e colocou a mão ao redor de sua ereção. Deu-se uma, duas
sacudidas potentes e em seguir tirou um lenço e o envolveu na ponta, apenas
um segundo antes de que começasse a gemer e chegasse a um orgasmo com
força, com o rosto contraído em uma careta.
— Por Deus, Violet! — Respirou fundo. — Minha nossa, Violet! — Outra
respiração. Levantou-a para que se sentasse a seu lado, com o braço dele
rodeando-a. Seu beijo foi profundo e intenso, ela o sentiu em todo seu corpo.
E naquele momento se deu conta do quanto ele esteve se segurando, de
quanto desejo tinha armazenado. Porque mesmo assim, mesmo depois de um
orgasmo tão potente, ela podia sentir esse desejo. Sentia-o na mão que descia
por seu corpo e se posava em seu seio. Sentia-o quando o polegar dele
acariciava em círculos lentos o seu mamilo e seu próprio desejo subiu até um
ponto quase irresistível.
— Confia em mim — murmurou ele ao ouvido. — Confie que não farei
mal a você.
Assentir era fácil. Era muito fácil quando tudo o que ela sentia era puro
desejo.
Ele se colocou no chão, de joelhos diante dela. Apertou a mão no estômago
dela com uma pressão forte e poderosa. Violet o olhou, insegura de repente. O
coração pulsava com força. Mas seu desejo não tinha desaparecido. A enchia
por completo. Limitou-se a olhá-lo, incapaz de falar, incapaz de fazer outra
coisa que não fosse manter o equilíbrio naquela fronteira entre o medo e o
desejo.
Mas ele não a segurava para que não se movesse. Não ia fazê-la sofrer.
Levantou lentamente suas saias e deixou que o ar frio tocasse suas pernas. Ela
tremia no lugar, desesperada por aquele primeiro contato e, no entanto, ainda
nervosa por ele.
Ele se sentou em seus calcanhares e depois, lentamente, muito lentamente,
abriu-lhe as pernas. Ela se sentiu aberta e exposta, vulnerável. Podia ouvir o
eco da voz de seu falecido marido.
É egoísta.
Era egoísta. Merecia aquilo.
— Inteligente Violet — disse Sebastian. — Encantadora Violet. Doce
Violet. A melhor Violet do mundo inteiro — subiu as mãos pelas coxas dela,
que deu um gemido. — Adorada Violet – murmurou. — No que está pensando?
— Em você — disse ela — E em mim.
— Tem alguma fantasia em particular que queira confessar?
Ela tentara durante anos não ter nenhuma. No momento em que tinha
alguma, esmagava-a sem piedade, negando-se a ceder a ela. Respirou com
força.
Sebastian se ajoelhou entre suas pernas.
— Ou deveria te dar eu mesmo uma lembrança?
— Só uma — sussurrou ela. — Uma única que não possa apagar nunca.
Enquanto falava, lhe abriu mais as pernas e se inclinou para frente. Violet
sentiu a pressão de sua respiração nas coxas, um ar úmido e quente que lhe fez
apertar as mãos com urgência.
— Continue falando — murmurou ele. — Me fale mais.
— Mas você é... você é...
— Ah, ah. Continue falando.
— Parece tão tola, tão jovem em comparação com suas fantasias!
Ele colocou a boca em sua entrada macia e ela deu um gemido.
— Sebastian. Oh! Não estou segura de que...
— Se quiser que pare, diga-me. E não se preocupe. Jovem não é ruim.
Diga-me — sua língua fez algo que ela não pôde entender. Algo fabuloso, algo
que irradiava da carne macia de seu clitóris e se estendia para fora em ondas.
Violet respirou com força.
— Sebastian.
— Continua — disse ele. — E eu continuarei também.
— Não se trata de... sexo. Sempre que começava a pensar em sexo,
obrigava-me a parar.
Continuou com seu trabalho e ela não sabia o que ele fazia nem como fazia.
Sentia a pressão do polegar dele. Sebastian tinha os lábios muito abertos e a
língua... Oh! Parecia que a língua estava em todas as partes, persuadindo-a
para que lhe entregasse seu desejo.
— Nem sequer era sobre o beijo — confessou ela. — Nem sobre carícias.
Ele utilizava as duas mãos para abri-la mais, com a boca faminta sobre o
sexo dela.
— E foi algo que aconteceu de verdade. Ou seja, que é mais uma
lembrança que uma fantasia — disse Violet.
Certamente ele a consideraria fraca e sem graça. Mas deslizou um dedo em
seu interior, e fazia tanto tempo que não se permitia pensar naquilo! Notou que
ficava paralisada, podia sentir como voltavam todos seus medos, todas suas
preocupações.
A boca dele continuava em seu sexo, quente e úmida, mas ele murmurou:
— Não pare. Me conte.
— Foi uns anos depois da morte de meu marido. Antes que... Não acho que
eu teria sentido desejo ainda que caísse sobre mim uma matinha inteira de
libertinos empenhados em me seduzir. Você e eu tínhamos conversado e. eu
esqueci sobre o que tínhamos falado.
Ele se mostrava implacável. Sua língua voltava a estar em sua carne úmida
e quente, procurando aquele montículo de prazer. Cada carícia sua fazia com
que irradiassem arrepios que, no entanto, se concentravam naquele ponto
único.
— Então lhe disse que eu era uma aberração e você disse...
— Não, Violet — citou ele — É brilhante. E eu gostaria que todo mundo
pudesse saber.
E então ele começou a fazer algo mais. Sua boca pressionou com dureza e
o prazer a envolveu, que parecia difícil ignorar.
— Aí – disse. — É isso. Isso é o que me faz estremecer de desejo, o único
desejo que não pode se separar de mim. A ideia de que talvez, talvez, se eu
contasse a uma pessoa que ela não se afastaria de mim.
Ele não a soltou.
— Levou anos para me dar conta de que na verdade — ela já ofegava,
pronunciava cada frase entre sacudidas de prazer. — Que já o havia contado a
alguém. E ele levou todos esses anos me dizendo uma e outra vez...
Todas as células de seu corpo pareciam que ia explodir de uma vez só. O
prazer a invadiu, forte e potente. Ele não cedeu; seus dedos a esticaram por
dentro, expandindo o momento, criando com a boca ondas de prazer para ela.
Violet fechou os olhos com força e se deixou invadir pelo orgasmo, deixou que
esse a alagasse toda. Quando passou, caiu de costas, tremendo. Esperou que
ele se aproveitasse do momento. Esperou que subisse em cima dela e a
penetrasse quando ela estava muito fraca para protestar.
Mas ele não o fez. É obvio que não o faria.
Ele era Sebastian. Jamais lhe faria mal. Ela sabia todos esses anos e o
compreendia naquele momento com uma clareza que não tinha conhecido até
então.
— Obrigado — disse ele com gravidade, lhe estendendo a mão. Ela
segurou a dele e se levantou e se aconchegou a seu lado. Abraçou-a com afeto
e ternura. Beijou-a no pescoço. — Precisava disso — murmurou.
Não disse nenhuma palavra de seu irmão. E ela não mencionou a sua mãe.
— É disso do que se trata — disse ele. — De que sempre podemos fazer
com que as coisas fiquem menos ruim. Aconteça o que acontecer, podemos
fazê-lo. Não sei o que pensará as pessoas nem o que dirão, mas sempre que
estivermos juntos, não pode ser tão terrível — estreitou-a contra si. – Eu te
amo.
Eu te amo. Violet tinha a sensação de que era errado aceitar isso, era
errado deixar que a amasse quando tudo ainda poderia sair tão errado.
Estremeceu, mas ele a abraçou com mais força.
CAPÍTULO 21

NEM SEQUER A LEMBRANÇA DA NOITE ANTERIOR conseguia


reconfortar Violet na manhã seguinte. A casa de sua mãe sempre parecia
escura, mas nesse dia estava sombria. As cortinas estavam abertas pela
metade para impedir que entrasse o sol de verão. Os móveis escuros
absorviam a pouca luz que ficava. Isso fazia com que toda a casa parecesse
úmida e fria, como um bosque envolto em um manto de nuvens.
Violet tinha alguma ideia do tipo de tormenta que ia desencadear. Havia
coisas que sua mãe não perdoaria nunca.
Sua mãe, sua sempre pragmática mãe, a mulher que a tomara sob sua asa e
lhe ensinara a tricotar quando seu pai a afastara dele odiaria o que tinha pra
lhe dizer.
Apesar de sua preocupação, endireitou os ombros na porta do salão de sua
progenitora. Saudou com um gesto de cabeça ao criado, como se não fosse
nada estranho, e entrou na casa.
— Mãe — disse com respeito.
Sua mãe estava sentada a uma mesa lendo o jornal. Usava uns óculos
grossos e tinha o jornal a pouca distância de seu rosto, concentrando-se nele
com muita atenção. Uma parte de Violet se deu conta de que isso significava
que a visão de sua mãe piorara muito, mas não queria deixar-se distrair por
esses detalhes. Tinha ido ali entregar-lhe uma mensagem.
Sentou-se à mesa sem esperar convite.
O jornal ocultava o rosto de sua mãe. Como se soubesse de antemão o que
Violet ia lhe dizer. Depois de uns minutos, baixou-o lentamente.
— Violet — pronunciou o nome de sua filha como se saboreasse algo
desagradável. — O que faz aqui? Por que me olha assim?
Já não fazia sentido mentir. Não tinha sentido enganar, como mandavam as
regras.
— Porque você vai se zangar muito comigo.
Sua mãe arqueou as sobrancelhas brancas.
— Sério? — Dobrou o jornal com muito cuidado. — Bem, pois não fique
aí sentada como um tronco. Me diga o que você acha que vai me desgostar
tanto.
— Trata-se... — Violet respirou fundo, — da coisa de que conversamos da
outra vez. Do antigo escândalo.
— É só isso? — As palavras de sua mãe soavam indiferentes, mas suas
mãos tremiam quando movia o jornal como um leque. — Santo Deus, Violet!
Não há necessidade de falar dessa pequenez. Acreditava que estávamos de
acordo nesse ponto.
— Infelizmente, mãe... — Violet se interrompeu. Não podia olhar sua mãe
nos olhos. Não podia — Infelizmente, mãe, sim há. Verá, o escândalo está a
ponto de fazer-se público.
— Não, não está — a voz de sua mãe soava curiosamente inexpressiva. —
Não será assim. Só me diga quem vai dar essa notícia e eu o esmagarei com
todo meu considerável poder.
Violet sentia a garganta tão seca quanto o giz. Passou a língua nos lábios,
mas sua língua não estava úmida. Sempre foi a filha que causava decepção.
Lily possuía filhos, tinha um bom casamento. Lily era bonita, carinhosa e
franca. Lily nunca teve que fingir.
E ela, Violet, estava a ponto de obter que a odiassem ainda mais.
— Sou eu — conseguiu dizer por fim.
Sua mãe arregalou os olhos. Respirou fundo. Abriu a boca, seus olhos
pareciam grandes e atormentados.
— Você? – Sua voz tremia e de repente parecia muito mais velha. — Você
vai dizer a todos? Mas Violet... Por quê?
— Porque estou cansada de viver uma mentira.
— Isso não é razão — replicou sua mãe. — Está cansada também de
viver? Lily não teria entendido, mas pensava que você entenderia.
— Cansada de viver? — Violet negou com a cabeça. — Sei que houve
ameaças associadas com todo este assunto, mas não acredito que sejam sérias.
Terei que fazer algumas mudanças em minha vida e não sei se Lily me
perdoará algum dia, mas...
— Oh, você terá que fazer mudanças em sua vida — sua mãe suspirou. —
E Lily é a pessoa que mais preocupa você? Eu choro por suas mudanças.
Choro por sua irmã. Mas não será vocês que serão enforcadas por assassinato.
Violet ficou imóvel. Arregalou os olhos e colocou as mãos sobre a mesa. A
cabeça dava voltas.
— Vamos, mãe — conseguiu dizer. — Está ameaçando me matar porque
acha que esse é um bom momento para abusar das hipérboles ou vai defender
convenções sociais a esse ponto?
Sua mãe não explodiu em um ataque de raiva como esperava Violet. Em
lugar disso, franziu a testa e ficou pensativa. Entreabriu os olhos e olhou sua
filha como se a visse pela primeira vez. Cheirou o ar como um gato para
provar a recepção que eles estavam lhe dando e inclinou a cabeça para o lado.
Depois de um longo momento assim, se inclinou para frente em sua cadeira.
— Violet – sussurrou. – Quer me dizer que não está falando de... bem,
você sabe...? Dessa coisa? Do assunto que comentamos da outra vez? Já sabe,
esse evento especifico relacionado com você que aconteceu em 1862?
Violet assentiu.
— Bem, claro. Embora referir-se a isso como um "evento", suponho que
possa ser confuso se você não testemunhou desde o começo. Começou em
1862, mas continuou desde de então.
— Oh, querida! — Sua mãe se recostou em sua cadeira. Parecia
estranhamente aliviada. Respirou profundamente. — Então... então nada.
Esquece o que falei. Não direi mais nada. Possivelmente você precise me
contar outros aspectos dessa coisa que, ah, não presenciei do começo. Talvez
isso me faça mudar de ideia.
Violet dirigiu um olhar severo a sua mãe.
— Mãe.
— Sim, querida?
— Você não tem nem ideia do que estou falando, certo? Quer me dizer que
durante este tempo nós duas falávamos de escândalos diferentes?
— Claro que sei — respondeu sua mãe com desdém. — Sou sua mãe. E
quando me contar todos os detalhes, saberei mais ainda — olhou para Violet
nos olhos. — Trata-se de... trata-se de... Bom, você já sabe.
Santo Deus! Sua mãe não era onisciente depois de tudo. Violet não sabia se
ria ou chorava. E ela que tinha pensado que podia fazer um anúncio simples e
partir quando sua mãe começasse a gritar indignada!
Agora não poderia preservar sua dignidade.
— Possivelmente — disse sua mãe pensativa, — possa me contar alguns
detalhes só para nos assegurar de que nós duas falamos da mesma coisa.
Violet fez uma careta.
— Bem, então você me interrompa quando entrar em território familiar.
Sua mãe sorriu levemente e, de alguma forma fazia tudo parecer melhor.
Como se aquele jogo fosse o jogo que sua mãe fingia conhecer e Violet achava
que sua mãe sabia, e que se arrumaria tudo entre elas.
Recuperou sua antiga esperança. Talvez não odeie você.
Mas a esmagou em seguida sem piedade. Não poderia suportar isso de
novo. Respirou fundo.
— Trata-se de Sebastian Malheur.
— Tem um caso com ele? — Perguntou sua mãe. — Porque isso não é tão
ruim. Na verdade, eu imagino que é bastante bom nisso.
Violet sentiu que seu rosto ardia.
— Embora se prolongue desde 1862... — sua mãe fez uma pausa. –
Quantos anos antes de seu marido morrer? Sério? Isso não me parece próprio
de você.
— Uma dama sempre mente sobre sua vida amorosa — citou Violet com
integridade, embora sabia que o rubor de suas bochechas não a ajudava. — Se
for ruim, será exposta a fofocas. E se for boa, só causará inveja. — Sua mãe
suspirou delicadamente. — Em todo caso, aqui não se trata de minha vida
amorosa. Conhece o trabalho que Sebastian apresentou?
— Não estou muito familiarizada com ele, mas pelo pouco que ouvi,
parece sólido — sua mãe deu de ombros. – Ele faz muitas pessoas ficarem
com raiva, mas muitas coisas certas têm esse efeito.
— Pois bem, — Violet respirou profundamente. — Esse trabalho não é
dele, é meu.
Silêncio. Silêncio total.
— Escrevi o primeiro ensaio sobre as bocas de dragão em 1862 — disse
Violet. — Sobre suas cores e por que não podia ter bocas de dragão rosas que
se reproduziram assim. Tentei publicá-lo com meu nome, mas não queriam ler.
Assim fizemos com que Sebastian apresentasse, e quando quisemos parar —
agitou uma mão no ar — estávamos até o pescoço em uma sociedade secreta.
Funcionou. Ele seguiu apresentando o trabalho.
Sua mãe a olhava com o rosto inexpressivo.
— Deveria ter prestado mais atenção a seu trabalho – disse. — Não me
dei conta de que o primeiro ensaio dele, quer dizer, o seu, tinha sido sobre
bocas de dragão rosas precisamente – engoliu em seco e tocou os cabelos. –
Se eu soubesse, teria adivinhado tudo antes.
— Mas ele se cansou disso. Não gosta de viver uma mentira e,
francamente, eu tampouco. Pensei por um tempo que podia renunciar ao meu
trabalho, mas tenho descoberto algo. Algo novo, um pouco mais importante
que morro de vontade de contar a todo mundo. Eu quero fazê-lo – as mãos de
Violet tremiam. — Sei que, quando isso acontecer, quando as pessoas
compreenderem que sou eu que está por trás de tudo isso, isso destruirá minha
reputação. Tenho escrito ensaios que falam de relações sexuais e órgãos
sexuais das plantas e de animais. Vai ser um grande escândalo. Sei que sou
terrivelmente egoísta, que estou pondo em perigo o bom nome da família. Eu
sei disso...
Deteve-se para respirar.
— Sei que possivelmente não voltará a falar comigo, mamãe, mas isso é
meu e quero ser ouvida. Não me importa o que diga nem com o que me
ameace. Quero recuperar meu trabalho.
Até esse momento não sabia o quão realmente desejava aquilo. Quanto
significava para ela.
— Desejo que leve meu nome – disse. — Quero que as pessoas saibam
que é meu. Estive apagada. Nos últimos anos não tive voz. Quero isso agora.
Sua mãe levou uma mão à boca. Tinha os olhos arregalados. Era a primeira
vez que Violet a via sem fala. Demoraria um momento para compreender tudo,
mas quando o fizesse...
Bom, Violet já tinha ouvido muitas vezes suas advertências. Sabia
exatamente o que diria sua mãe. Discutiriam.
— Violet — disse por fim sua mãe. — Filha, não tinha nem ideia.
Violet baixou a cabeça, incapaz de continuar a olhando.
— Sinto muito. Deveria ter lhe contado antes.
— Na verdade sim. Deveria ter feito imediatamente — sua mãe tamborilou
com os dedos na mesa. — Se houvesse me contado desde o começo, faríamos
algo sobre esse primeiro ensaio.
Violet levantou a cabeça.
— Por isso não lhe disse antes. Não queria que interferisse. Queria
publicar a informação e se você se empenhasse em excluí-la...
— Santo Deus, Violet! — Sua mãe arregalou os olhos, surpreendida. —
Por que eu iria fazer isso?
Violet a olhou, insegura de repente.
— Não sei.
— Não, está claro que não sabe. Minha filha acaba de me dizer que é a
maior especialista em herança genética do Império Britânico. Acha que eu
quero silenciar isso?
Aquilo foi muito. Tudo o que Violet tinha esperado e mais. Sentiu que os
olhos picavam.
— Quero que todo mundo saiba. Desejo esfregar você na cara de todas as
mulheres que me criticaram porque não tive filhos homens, porque não tinha a
ninguém que ajudasse em nada. Quero que todas elas saibam que minha filha é
mais inteligente que todos seus descendentes juntos.
Violet estava à beira das lagrimas, mas conseguiu rir daquilo. Foi uma
risada que soava como um alívio.
— Nós protegemos o que é nosso — declarou sua mãe com ferocidade. —
E isto é seu. E vai recuperar.
— Sim, mãe.
— Já pensaremos no melhor modo de proceder. Tenho ideias — a mulher
franziu a testa. — Admito que não vai ser muito bom para sua reputação na
sociedade, mas, quem se importa com isso? Lily, suponho.
— Tem suas razões, sabia?
Sua mãe moveu uma mão no ar.
— Não faz sentido nas prioridades. Para que serve ter uma reputação
perfeita se significa que não pode reclamar algo como isso? Isso será mais
importante. Teremos que contar com outros para dar a tudo isso o melhor
aspecto possível. Você é amiga da duquesa de Clermont. Parece uma boa
pessoa. Ela te apoiará?
— Sim – a cabeça de Violet dava voltas. — Já se envolveu nisso. De fato,
temos um plano.
— Quando é sua conferência?
— Amanhã pela tarde.
Sua mãe a olhou surpreendida, mas não brigou com ela.
— Então irão todos a Cambridge amanhã?
Violet assentiu, não se atrevia a falar, não confiava em sua voz.
— Nesse caso, não podemos perder tempo com conversas inúteis. Vem
comigo — sua mãe ficou de pé.
Violet tinha a sensação de que o mundo virou do avesso, de que acabava
de abrir um armário que esperava encontrar vazio e o encontrou cheio de
todos seus produtos favoritos.
Mas havia uma última coisa, algo que queria esclarecer antes. Estendeu a
mão e tocou a manga de sua mãe.
— Espera um momento.
— Não há tempo a perder. Temos que...
Violet tirou suas mãos da manga e sua mãe guardou silêncio.
— Espera, por favor. Há outro escândalo.
— Não, não há — contradisse sua mãe. — Não sei do que está falando.
— Há outro escândalo, pessoas relacionadas comigo. Algo que ocorreu em
1862.
O rosto de sua mãe se voltou inexpressivo.
— Eu garanto que não sei de nada do que você está falando.
Mas Violet, de repente, sabia. Vou ser enforcada por assassinato, sua mãe
havia dito. Estou enojada. Tenho pesadelos.
Ela supôs, e uma vez que supunha, já não pôde deixar de saber a verdade.
— Mãe — disse com suavidade. — Mãe, quando meu marido morreu...
— Foi um acidente — replicou sua mãe. — Temos que ir.
— Sim, é claro — Violet reuniu coragem. — Mas... veja, havia algo que
não contei a ninguém. Eu tive abortos. Muitos abortos.
Sua mãe apertou os lábios.
— Você diz como se eu não soubesse. Sei que aspecto tem uma filha minha
quando está grávida e sou capaz de determinar que, se não tiver um filho, é por
que o perdeu.
— Compreendo — Violet engoliu em seco. Não sabia como continuar —
Acho que você soube que chegou um momento em que o doutor disse a meu
marido que tínhamos que parar de tentar ter filhos porque isso podia me custar
a vida.
— Saber? — Sua mãe suspirou. — Fui eu que lhe sugeri que disse isso.
Aquele homem estúpido não pensava em dizer nada. Queria deixá-lo em suas
mãos. Fui eu quem falei que sua vida corria perigo. Qualquer um podia ver.
Você estava cada vez mais fraca.
— Ah! — Violet disse. — Acho que possivelmente você percebeu que meu
marido não queria parar.
Os olhos de sua mãe brilhavam.
— Depois dessa advertência do doutor, tive outros dois abortos. Se ele
não tivesse morrido, haveria mais.
— Sim — respondeu sua mãe com suavidade. — Isso eu sabia. Como
sabia que a última vez que teve um aborto esteve três semanas de cama. Pensei
que ia perder você, filha.
Violet assentiu, não podia falar.
Sua mãe afastou o olhar.
— É um inferno ser mãe. Não poder fazer nada para salvar as pessoas que
amamos mais que tudo no mundo. Uma mulher tem que proteger aos seus, mas
como acha que deve fazer isso?
Violet se esforçou para falar.
— Quando meu marido morreu, me pareceu um presente inesperado. Me
sentia horrível por sentir isso, fatal e egoísta, como se não merecesse
recuperar minha vida. Não sabia...
E pensar que tinha acreditado que o comentário de sua mãe de ser
enforcada por assassinato era só uma hipérbole!
— Vamos, Violet — sua mãe lhe deu um tapinha na mão. — Foi uma
tragédia terrível que seu marido caísse das escadas. Seria muito estranho de
nossa parte considerar esse sucesso como providencial. Uma dama sempre
evita a verdade quando lhe é estranha.
— Mãe — Violet engoliu em seco. — Não sei o que dizer.
Sua mãe deu de ombros.
— Lembra a primeira regra. Eu protejo o que é meu — tocou o ombro de
Violet com gentileza. — E você é – sussurrou — você é minha.
CAPÍTULO 22

ENCONTRE-ME NA LIVRARIA CASTEIN, na Euston Road. Seu criado


pessoal, Sebastian.
A nota foi entregue a Violet em mãos na manhã depois da visita a casa de
sua mãe. Sua conferência seria essa tarde. Tinha planejado ensaiá-la pela
manhã e a meio-dia ir a Cambridge com sua mãe e seus amigos. Mas assim
que viu aquelas palavras, seu coração começou a pulsar com medo. Pediu sua
capa e a carruagem e saiu imediatamente de casa.
Até que quando estava na metade do caminho, lhe ocorreu que aquilo podia
ser uma armadilha. Lily tentaria algo estúpido para lhe impedir de dar sua
conferência?
Não. A letra era de Sebastian e a assinatura era ininteligível, também.
E seu criado pessoal era parte de seu código. Naquele caso significava:
Venha depressa. Lily não saberia utilizar essa frase.
Sebastian saiu ao encontro da carruagem diante da livraria Castein.
— Bem — ele disse. — Não há tempo a perder. Dispense a carruagem.
Ela assim o fez. Ele colocou a mão dela em seu braço e se colocou a andar
rua abaixo.
— Não vamos à livraria?
— Não. Isso foi um subterfúgio.
O coração de Violet acelerou. Ou seja, ele suspeitava de um jogo sujo.
— Um subterfúgio contra quem?
Sebastian não pareceu ouvi-la. Seguiu caminhando com ela pela calçada,
onde desviaram agilmente de um grupo de homens da estação de trem, situada
um pouco mais distante. Passaram por uma barbearia, uma casa de câmbio e
um quiosque de imprensa. A estação King's Cross estava uma rua abaixo e
havia muito tráfico. As carruagens de aluguel tentavam fazer os cavalos
virarem e gritavam imprecações entre eles.
Sebastian, imperturbável, a conduziu entre um grupo de trabalhadores com
chapéu de feltro, todos preparados para começar sua jornada nos bancos e
casas de contabilidade onde trabalhavam.
— Sebastian — repetiu Violet. — Contra quem é este subterfúgio?
— Não há tempo — ele murmurou em seu ouvido. – Lhe explicarei logo,
— guio-a para o interior da estação. Foi pega por um aroma acre de fumaça e
óleo de motor, mas Sebastian não parou. Passou com ela entre os vendedores
de jornais e as vendedoras das confeitarias e se aproximaram de uma
plataforma onde os vagões foram se enchendo lentamente.
Ali ele soltou o braço dela e tirou um relógio do bolso. Consultou-o e,
continuando entreabriu os olhos, consultou também o relógio grande que havia
no vestíbulo.
— Sebastian, estamos esperando alguém?
— Sim.
— Quem? — Ela se aproximou um pouco mais dele. — O que está
acontecendo? Deveria me preocupar?
— Não, não — respondeu ele com ar ausente. — Ainda não.
Ainda não, não soava muito bem.
— Vai me apresentar a alguém? Ao professor Bollingall? O... — Violet
pensou em algo e fez uma careta. — Meu Deus, Sebastian! Se me trouxe aqui
para conhecer Charles Darwin em uma estação de trem, você... você...
— Eu jamais faria isso — Sebastian sorriu. — Não vou apresentar você ao
senhor Darwin até essa noite.
Aquilo não era reconfortante. Mas antes que ela tivesse a oportunidade de
ceder ao pânico, o condutor tocou seu apito e gritou:
— Todos a bordo!
O motor mais próximo a eles rugiu com mais força.
E antes que Violet pudesse entender o que acontecia, Sebastian tomou-a
pela cintura, ergueu os braços e a subiu no trem.
— O que! Pelo amor de Deus, Sebastian!
Ele também subiu a bordo e fechou a porta atrás deles.
— Mas o que está fazendo? — ela empurrou o peito dele, mas ele estava
bloqueando a única saída.
— Minhas desculpas, Violet — disse ele com um sorriso brilhante. — Mas
o subterfúgio foi preparado para você.
— O que?
— Surpresa! — Ele sorriu. — Vou levá-la a praia.
— Não quero ir à praia. Esta tarde darei uma conferência. Tenho que
ensaiar.
Soou o apito do vapor e o trem entrou em marcha.
— Não — respondeu Sebastian. — Não é verdade. Ouvi você pronunciar
quatro vezes sua conferência sem um só erro. Cinco, seis... não importa
quantas vezes mais o faça, só conseguirá ficar nervosa.
O apito do vapor voltou a soar. O trem ganhava velocidade e oscilava de
um lado a outro à medida que aumentava sua velocidade nas vias.
Violet cruzou os braços.
— Para você é fácil dizer. Deu uma centena de conferências. Mas eu não.
— Você sim. Esteve em todas as que dei, me observando, sabendo de cor
todas as palavras que eu pronunciava antes de que saíssem de minha boca.
Ela bufou.
— Isso não conta. Não olhavam para mim.
Ele mordeu o lábio inferior e desviou o olhar.
— Muito bem, então. Meus motivos são puramente egoístas. Até esse
momento, fui o único a saber do que é capaz. No final do dia, todo mundo
saberá. O que há de errado querer passar essas últimas horas com você?
— Oh! — Exclamou ela.
Sebastian a olhava com sua expressão mais esperançosa, tão inocente e
ainda ansioso, que ela não poderia ser tão cruel a ponto de negar-lhe.
— Acho que não. — Disse a contragosto. Mas então surpreendeu um
brilho de triunfo nos olhos dele — Não. Você é um canalha — empurrou-o,
mas não pôde reprimir um sorriso. — Quase acreditei em você. — Levantou
dois dedos. — Eu estive assim tão perto. Quase me enganou com essa
expressão de: Oh, se compadeça do pobre Sebastian. Você não estava
pensando em algo tão sensível.
— Certo – ele admitiu. – Só queria fazer você sorrir. Estava muito
nervosa.
— É incorrigível.
— Certo — repetiu ele. — Mas sua mãe está recolhendo seus desenhos e
fotografias nesse momento. Não tem nada com que se preocupar. Estará
brilhante.
Violet tentou observá-lo atentamente.
— Me sequestrou. Estamos em um trem em movimento para... por falar
nisso, aonde vamos?
— Ao King's Lynn. De lá tomaremos o trem do meio-dia para Cambridge e
chegaremos com horas de sobra.
— Não tenho minhas anotações aqui — comentou ela fracamente. — Como
vou repassá-las?
— Se de verdade quiser isso, teremos que trocar de trem em Cambridge.
Você pode descer ali e esperar sua mãe, que deve chegar meia hora depois.
Pode ir se sentar em sua casa e se colocar doente de preocupação. Ou... — fez
uma pausa e piscou. — Ou pode fingir que eu não te dei escolha. Pode
caminhar pelas docas, respirar o ar do mar e desfrutar sem deixar de murmurar
que tudo foi minha culpa.
Violet o olhou nos olhos.
— Sim a culpa é sua – lhe disse com severidade. — E como se atreve a
sorrir, sua culpa cairá sobre sua cabeça.
Ele sorriu então. E de repente, deixou de fazê-lo. Colocou as mãos sobre
os bolsos da jaqueta duas vezes e a seguir revistou os bolsos do colete e das
calças. Seu rosto se tornou inexpressivo.
— Há algum problema? — Perguntou ela.
— Vamos brincar de jogar — disse ele. Sua voz estava muito tranquila e
seu tom era moderado. — Trata-se de um jogo de adivinhar que se chama:
"Sebastian se esqueceu de trazer os bilhetes de volta?".
Por um segundo, Violet quase caiu na armadilha e começou a calcular
rapidamente quanto custariam esses bilhetes e se conseguiria pagar com as
poucas moedas que levava com ela.
Logo o olhou atentamente.
— Muito engraçado.
— Você não é divertida — ele franziu a testa. — Como adivinhou?
Ela encolheu os ombros.
— Você só finge ser avoado – respondeu. — Mas é óbvio que planejou
isso muito bem. Jamais cometeria um engano tão ridículo.

SEBASTIAN LHE FEZ RIR QUATRO VEZES. Uma vez a cada hora.
Quando subiu ao topo da torre para ver o mar, quando saiu da carruagem e
caminharam pelas docas, observando a oscilação dos mastros dos barcos com
o movimento da água. Cada minuto de felicidade era para ele como uma
vitória.
E levando em conta que ela tinha estabelecido as regras de não falar de
ciência e estipulado que quem violasse teria que comprar sorvetes para os
dois, acreditava que Violet se divertiu bastante.
A regra de não falar de ciência foi violada duas vezes, ambas
deliberadamente. Uma delas foi uma discussão sobre se as gaivotas herdaram
o seu comportamento ou aprenderam, um debate que foi se tornando cada vez
mais ridículo à medida que caminhavam pela praia e foram elaborando
experimentos potenciais para os despreparados pássaros. Por sorte para as
gaivotas, nenhum dos dois tinha o desejo de levar a diante os experimentos,
assim, em lugar disso, compraram sorvetes.
A segunda vez foi quando voltaram a passar perto da loja de sorvetes de
volta para a estação. Violet olhou o pôster com a lista dos sabores e perguntou
intencionadamente a Sebastian se acreditava que o gelo era uma mistura ou
uma emulsão antes de ser congelado.
Na viagem de volta, depois de terem comido os sorvetes, o sorriso dela se
evaporou, dando lugar ao franzir de testa e um ar de intensa concentração.
Sebastian não a incomodou, não se atreveu. Levou-a para sua casa de
Cambridge e foi para dele.
Seu humor se tornou solene. Não queria pensar no que poderia acontecer.
Mas não sabia como seria a reação das pessoas a revelação Violet. Ele
esperava que fosse boa, mas temia o pior. Se a multidão levasse a mal aquela
revelação, ninguém sabia o que poderia acontecer a Violet. Ele não poderia
protegê-la disso e um passeio na praia não curaria aquele dano.
Quando entrou na sala de conferências, estava em um humor sombrio. Era
verão, e ainda havia luz apesar de ser quase oito da noite. Ele não chegou com
Violet, chegou sozinho.
Tinha vindo muita gente. Fazia anos que não falava com uma sala
semivazia e, da forma que foi anunciado aquele dia, era lógico que a sala se
enchesse. Já havia mais de cem pessoas com cartazes do lado de fora do local.
Abaixo Malheur.
Deus sim, evolução não.
Também havia partidários. Estamos com Malheur, anunciava um cartaz
grande que um grupo de estudantes de Cambridge levava.
Sebastian desceu da carruagem e a multidão rugiu ao vê-lo.
— Obrigado, obrigado — saudou ele, tirando o chapéu com um gesto
elegante.
— Patife! — Gritou uma mulher, lhe atirando um nabo. Esse se deslocou
uns quarenta centímetros e aterrissou no chão a seus pés. Ricocheteou uma vez
e parou muito perto da ponta de seu sapato.
Sebastian fez um gesto ao seu cocheiro. Tinha ido preparado para aquilo.
Aproximou-se um criado que depositou um barril no chão.
— Vejo que muitos de vocês vieram armados com verduras — gritou
Sebastian. — Sem dúvida ouviram falar de minha iniciativa de Salve sua
alma, salvando aos pobres.
As pessoas o olhavam sem compreender.
— Se tiverem a amabilidade de depositar a comida nesse barril —
Sebastian lhes informou — nos encarregaremos de distribuí-los entre os
pobres da paróquia.
Uma batata saiu de entre a multidão em direção a sua cabeça. Sebastian
estendeu o braço e a pegou antes de que o atingisse.
— Exatamente assim — jogou-a no barril. — Obrigado por sua generosa
contribuição.
— O que? O que ele disse? — Gritou uma mulher.
— Embora, é claro, não seja preciso que lhes agradeça, — disse Sebastian
— pois só fazem o que faria todo bom cristão, dar de comer aos pobres e aos
famintos.
Fez uma inclinação de cabeça e entrou no auditório antes que houvesse
mais animação.
Violet chegou uns minutos depois. Não o olhou. Sua mãe e ela entraram de
braços dados. De todo modo, piscou para ela e caminhou até a parte da frente.
— Jameson — disse ao botânico de cabelo cinza sentado no estrado. —
Presumo que você fará as apresentações?
— Certamente, senhor. Você vai querer o de costume?
— Na realidade, pensei em fazer a apresentação pessoalmente —
Sebastian lhe deu seu sorriso mais encantador.
Jameson franziu a testa.
— Apresentará a si mesmo? Isso... isso não se faz. Simplesmente não se
faz, Senhor.
— Bem, eu farei — suspirou Sebastian.
Pela extremidade do olho viu que Robert entrava na sala. Estava sozinho.
Minnie não gostava de multidões e, se Sebastian lembrasse corretamente,
tivera uma experiência ruim em uma de suas conferências. Oliver e Jane
entraram a seguir. Free estava com eles. Ladearam Violet e a sua mãe.
Formavam um grupo franco, no qual sorriam uns aos outros.
— Possivelmente possa considerar uma breve apresentação — disse
Sebastian. – Aqui todos já me conhecem. Uma ou duas frases, se não se
importar.
— Muito bem, senhor.
Depois disso, só tinha que esperar. Esperar enquanto se enchiam os
assentos. Esperar enquanto o relógio se aproximava mais e mais das oito da
noite. Esperar ainda uns segundos mais, até que se fechassem as portas e os
lanterninhas indicassem a Jameson com a cabeça que os últimos atrasados já
tinham encontrado seus assentos.
Jameson ficou em pé.
— A conferência dessa noite será dada pelo senhor Sebastian Malheur.
Não necessita apresentação, pois seus descobrimentos em relação a ciência da
herança são bem conhecidos por todos. Os deixo com o senhor Malheur.
Sebastian ficou de pé e olhou o mar de rostos que tinha a sua frente. Alguns
eram familiares, a outros não os viu nunca. Suas conferências sempre lhe
pareceu uma brincadeira secreta, que só Violet e ele entendiam. Essa noite
tinha uma sensação de solenidade, como se toda sua vida se concentrasse
naquele ponto. Todas suas brincadeiras o levaram até ali, a um cenário diante
do mundo inteiro, a ponto de anunciar a verdade.
Respirou profundamente. Sua tarefa era fácil. A única coisa que precisava
fazer era apresentar Violet e depois deixar que ela brilhasse.
Tinha a sensação de que toda sua vida o levou até aquele momento. Uma
frase dela e mudaria tudo. Respirou fundo mais uma vez e começou a falar.
— O senhor Jameson não tem culpa disso, – disse — mas todas as
palavras de sua apresentação eram mentira. Não darei a conferência dessa
noite.
Um murmúrio de surpresa percorreu a multidão.
— Eu nunca fiz nenhuma das descobertas sobre a herança hereditária, com
exceção de um trabalhinho sem importância que apresentei recentemente em
relação as violetas. E hoje estou aqui por uma razão: lhes apresentar à pessoa
que deveriam ter conhecido antes.
Enquanto pronunciava aquelas palavras não podia olhar para Violet, mas
sabia que estava na primeira fila. Sentia o nervosismo e a esperança de tal
forma como se essas emoções fossem suas próprias. Um silêncio incrédulo se
deu na multidão.
— Me atribuiu o mérito do trabalho que apresentei até agora — disse ele.
— Mas, de fato, meu papel foi mais o de um ajudante. Me permita que os
apresente à pessoa que dará a conferência dessa noite. Essa pessoa tem feito
toda a investigação dos trabalhos que apresentei e foi a autora de todas as
palavras que pronunciei. Exceto, é obvio, as indecorosas – sorriu — Essas
foram minhas.
Então olhou para Violet. Ela tinha os olhos e a boca muito abertos.
Sebastian sorriu para ela, não pôde evitar, e olhou para o resto da multidão.
— Apresento Violet Waterfield, a condessa de Cambury. Ela será...
Mil murmúrios de surpresa e incredulidade ecoaram entre a multidão.
— Isto é uma brincadeira? — Perguntou alguém de uma lateral.
Logo saberiam que era sério. Assim que ela começasse a falar,
reconheceriam sua maestria.
— A condessa nos falará de sua última descoberta, que, como não
demoraram a ver, é a mais emocionante até a data.
Por um momento acreditou que Violet não estava bem. Estava sentada
respirando forte e com os olhos baixos. Mas logo Jane, sentada a seu lado,
apertou sua mão e sua mãe lhe deu um tapinha no joelho. Violet respirou
profundamente. A cor esverdeada desapareceu de seu rosto e ficou de pé.
Avançou até colocar-se diante da multidão e sorriu.
Sorriu como só Sebastian a tinha visto sorrir antes. O seu foi um sorriso
que encheu a sala, um sorriso corajoso e poderoso.
Isto não é uma brincadeira, dizia aquele sorriso. A partir de agora, terão
que lutar comigo em meus próprios termos.
Sebastian nunca havia se sentido tão orgulhoso. Foi ocupar o assento que
ela tinha deixado vago e se sentou entre Jane e a mãe de Violet.
— Senhoras e senhores, — disse ela. — Hoje lhes apresentarei o
cromossomo.
Até aquele momento, Sebastian era o único que vira aquele lado dela, o
lado que não tinha espinhos, o lado que era pura exuberância. Amaldiçoou a
todos os que diziam que não era bonita. Naquele momento sim ela era.
— Vocês não sabem o que é um cromossomo... ainda — ela sorriu para a
multidão. — Mas saberão. Me permitam que comece pelo trabalho de meus
colegas. O senhor Malheur é um deles e se mostrou muito modesto a respeito
de suas contribuições. Eu não poderia ter feito esse trabalho sem o amplo
trabalho dele sobre as violetas, como verão em seguida. Também tenho que
atribuir o mesmo mérito ao professor Bollingall, daqui, de Cambridge, cujo
trabalho também foi vital.
Deixou fora outras contribuições, coisa que Sebastian suspeitava tinha sido
deliberado, pois Violet tinha passado horas falando daquele tema com a
senhora Bollingall.
E então começou sua conferência. Não vacilou, nem recuou. E embora
Sebastian ouviu um casal sussurrar atrás dele, queixando-se, de fato, porque
parecia que Violet estava dando a conferência no lugar dele, alterara algum
plano ridículo deles, ele só tinha olhos para ela. Violet parecia quase
incandescente.
Ele percebeu que o cavalheiro que estava atrás dele ficou só vinte minutos
ao começar a conferência se levantou e partiu, uma decisão muito grosseira.
Violet não se alterou por isso. Sebastian estava seguro de que nem sequer
se deu conta.
Quando ela começou a mostrar os esboços ampliados que fizera das
fotografias de Alice Bollingall, os murmúrios não tinham nada a ver com seu
sexo, a não ser com seu trabalho. Quando terminou a conferência, Sebastian
não foi o único que ficou de pé e aplaudiu com entusiasmo.
Quase não se deu conta de que o cavalheiro que havia partido antes, tinha
retornado e estava perto dele.
Jameson demorou para conseguir silenciar à multidão. Finalmente todos
voltaram a sentar-se, a contra sua vontade, todos menos o cavalheiro em
questão, que permaneceu de pé. Sebastian o olhou. O homem tinha um papel na
mão e usava um bigode enorme e ridículo.
— Isto foi muito esclarecedor — disse Jameson. — E estou seguro de que
todos temos muitíssimas perguntas. Mas a agenda nos permite só vinte
minutos. Portanto, cavalheiros...
Franziu a testa e olhou para Violet. Confuso, balançou a cabeça.
— E... ah, senhoras, se me permitirem...
O homem do bigode se adiantou.
— Não haverá perguntas — disse com voz ressonante.
Jameson franziu a testa.
— Quem é você?
— Sou John Williams, terceiro chefe de polícia de Cambridge — elevou
um papel que levava na mão. — E depois das atividades que vi essa noite,
consegui uma ordem judicial de um magistrado.
— Uma ordem judicial? — Jameson se adiantou um passo; Violet
retrocedeu.
— Uma ordem judicial — repetiu o homem. — Para a prisão de Violet
Waterfield por incitar a desordem, pronunciar frases luxuriosas e lascivas em
um lugar público e alterar a paz.
CAPÍTULO 23

A MULTIDÃO ENGOLIU VIOLET e ao policial como uma ameba que


estendesse seus pseudópodos{1} ao redor de um pouco de comida.
Uma ameba, pensou Violet com ardor. Uma massa amorfa. As massas
amorfas tinham levado ela ali e agora as massas amorfas a levavam dali. Ela
não sabia se estava inteiramente sã.
Todos se deslocaram em massa até o tribunal do magistrado, situado umas
poucas ruas mais abaixo.
Entre as pessoas que a rodeava, não podia ver nenhuma das pessoas que
importavam. Nem Sebastian nem sua mãe nem nenhum de seus amigos. Ainda
não tinha conseguido assimilar o que tinha acontecido.
Ela reconhecia o policial. Era William, o da esposa chorosa, da voz de
apito, e sem dúvida estava a tempos esperando uma oportunidade assim.
— Sou uma condessa — sussurrou-lhe quando a levaram diante do juiz. —
Isso lhe custará a placa.
Ele a olhou carrancudo.
— Tive que sair para mudar os dados da ordem judicial – respondeu. —
Tinha planejado prender Malheur, mas servirá para você. Já estou farto dessas
alterações da ordem. Se for você a autora desse trabalho ímpio, espero que
desfrute de ser qualificada como criminosa.
Tinha conseguido até reunir três juízes, que estavam nesse momento diante
dela muito solenes, com túnicas escuras e perucas brancas.
Antes de começar o procedimento, a mãe de Violet se aproximou dela.
— Senhorias – disse — vocês não têm poder para prender minha filha. O
mandato é para Violet Waterfield, mas seu agente de polícia esqueceu de lhes
informar que ela é a condessa de Cambury. Como membro da nobreza, ela só
pode ser acusada de um delito na Câmara dos Lordes.
Os juízes se olharam duvidosos.
— Senhor! — Exclamou um deles, com voz audível para Violet — Que
confusão!
— Seu marido está presente? — Perguntou outro.
— Está morto.
— Então é a condessa mãe? — Ele franziu a testa.
— Não — disse a mãe de Violet. — O novo conde de Cambury tem onze
anos.
O Juiz franziu a testa. Um de seus companheiros esfregou a testa.
— Os privilégios da nobreza incluem mulheres nobres cujos maridos
morreram? — Perguntou.
As três perucas brancas se juntaram a conferenciar em voz baixa.
Quando se separaram, o juiz do centro golpeou com seu martelo.
— Esta sessão será adiada até amanhã pela manhã para podermos
determinar onde se deve tratar este assunto — olhou para Violet. — Senhora,
devo confiar de que poderemos contar com sua presença amanhã?
— É obvio — Violet manteve a cabeça erguida. — Aqui estarei.
— Então nós também. Levantem-se a sessão está suspensa até manhã às
nove.

— NÃO POSSO DEIXAR ISSO ACONTECER — Sebastian meteu as


mãos nos bolsos e tocou o peso reconfortante da bolinha de gude que havia em
um deles. Tinham passado só umas horas desde que a conferência de Violet
terminou em desastre e esse pensamento vinha ressonado em sua cabeça. —
Não posso deixar que aconteça isso a você.
Violet estava em sua estufa. A luz da lua iluminava suas plantas e beijava
seu rosto com uma luz pálida e trêmula.
— Não acho que tenhamos escolha — cruzou os braços e desviou o olhar.
— Robert e Oliver estão estudando a lei. Minha mãe pediu conselho legal.
Não sabemos o que acontecerá amanhã. Como podemos prever o
desconhecido?
Estava muito tranquila, como um carvalho que se mantém imóvel. Não
movia nenhuma folha. Ele não sabia o que lhe dizer, como consolá-la. Só sabia
que tinha que ajeitar aquilo.
Ela se abraçou ao corpo.
Sebastian suspirou. Tinha que ter sido ele a protegê-la. Devia ter falado
que ficaria em seu lugar. Se tivesse sido mais cauteloso em suas conferências,
menos provocativo, possivelmente não estariam ali. Se ele tivesse dado
aquela conferência, se... O mundo estava cheio de alternativas possíveis e
todas apontavam ao mesmo lugar. Era culpa dele e não podia deixar que
aquilo acontecesse.
Ela o olhou, mas em lugar de acusação, seu rosto expressava alegria.
— Sei que deveria estar preocupada – disse. — Mas, Oh, Meu Deus,
Sebastian. Você me viu? Você me viu? — Soltou uma gargalhada.
Ele não pôde reprimir um sorriso.
— Sim, – colocou-lhe as mãos nos ombros e a atraiu para si. — Sim.
Esteve incrível.
Era muito fácil baixar a cabeça até a dela, sentir a suavidade daqueles
lábios que ele não merecia beijar, estreitá-la com força para que não
escapasse de seu abraço.
— Mas temos que pensar em manhã — disse-lhe.
Violet encolheu os ombros.
— Tenho que admitir que não posso pensar em amanhã. Essa noite me
parece um sonho estranho que está se passando com outra pessoa.
— Que estranho! — Sebastian baixou a cabeça e lhe roçou a testa com os
lábios. — Também me parece um sonho estranho. Um sonho que está
acontecendo com outra pessoa quando deveria acontecer comigo.
— Está sendo bastante ridículo.
— Não — ele respirou fundo. — Violet, me escute. É culpa minha que
esteja passado por isso. Eu antagonizei as pessoas que se opunham ao que
dizia. É de se admirar que tenham respondido por fim? Não querem machucar
você, mais sim a mim.
Violet franziu a testa e se voltou.
— Mesmo que isso fosse verdade – disse – seria apenas porque pensaram
que você fosse eu. Isso é um círculo vicioso, Sebastian.
— Se fosse você a dar essas conferências, você teria mostrado algo mais
circunspecto.
— Talvez — Violet encolheu os ombros. — Provavelmente não. Você
sempre se deu muito bem em responder às críticas com risadas. Vi o que fez
hoje com esse barril. Foi muito inteligente. Não acredito que nenhum deles
tenha entendido seu comentário de dar de comer aos pobres como bons
cristãos — ela soltou uma risada.
— Violet — Sebastian pegou as mãos e as apertou entre as suas. – Estou
falando sério. Vão prender você. Eles a farão se calar, para silenciar a mim.
Não posso permitir que aconteça isso com você.
O silêncio os envolveu na escuridão, e de repente ela voltou a ser aquele
carvalho escuro e imóvel.
— Oh?
— Há algo de que não falo muito — disse Sebastian. — Algo... bem,
lembra quando minha irmã Catherine morreu?
— Um cavalo a jogou no chão — disse Violet.
— Sim, bem — ele respirou fundo. — Eu fui o último a vê-la. Estava em
cima do palheiro olhando uma ninhada de gatinhos quando entrou nos
estábulos. Estava chorando, não sei por que. Eu fiquei ali parado, vendo-a
chorar e pensando que, se lhe desse os gatinhos, ia se animar e sorrir.
— Sebastian, você devia ter cinco anos.
Ele encolheu os ombros.
— Decidi não dizer nada pela razão mais tola e imaginável. Estava muito
ocupado para descer a escada. Se a chamasse, assustaria à mãe. E depois,
eram só lágrimas. Assim fiquei em silêncio e a vi partir.
— Não pode se culpar por isso.
Culpar? Não era tão simples. Negou com a cabeça.
— Não, não foi isso. Mas ela estava distraída e não via o que fazia, não
prestava atenção. Se tivesse prestado atenção...
— Foi um terrível acidente — disse Violet. — Você não tinha como saber
o que ia acontecer. E embora tivesse falado, poderia ter acontecido o mesmo.
— Talvez — Sebastian se voltou — Ou pode ser que não. Quando dei por
mim, só podia pensar: "A próxima vez, enviarei os gatinhos" — respirou
profundamente. – Então eu acho que isso é o que tenho feito desde então. Se
posso fazer as pessoas rir, faço. Não gosto que ninguém se afaste de mim se
sentindo miserável. Faz-me sentir mal. Mas se posso fazer alguém sorrir, faço-
o.
Ela fez um ruído de protesto, mas ele colocou os dedos em seus lábios.
— Incomoda-me ver uma pessoa triste se posso mudar isso. Como acha
que me sentirei se lhe processarem amanhã? Se lhe condenarem a prisão?
— Duvido que cheguemos a isso — respondeu ela. — Os advogados
dizem que as nobres, enquanto permanecerem viúvas depois da morte de seu
marido, só podem ser acusadas de delitos na Câmara dos Lordes.
— Os advogados também disseram que podem acusar você de uma falta ou
delito menor.
Ela ficou em silêncio um momento.
— Pois se o fizerem, não poderei fazer outra coisa a não ser responder a
essas acusações, certo?
Sebastian respirou fundo.
— Há algo mais. Se não puder escapar disso com a defesa legal que estão
preparando Oliver, Robert e Minnie, lhes diga que foi tudo uma brincadeira.
Que foi minha ideia. Que você foi bastante tola para confiar em mim, mas a
culpa é minha.
Ela ficou em silêncio e se separou dele. Voltou o olhar para sua casa, onde
só havia luz em uma janela. O queixo tremeu.
— O que? — Perguntou por fim com um toque de desdém. — E enviarem
você para a prisão em meu lugar? Eu jamais faria algo tão covarde.
Sebastian sabia que ela responderia assim. Esperava por isso.
— Além disso — continuou Violet. — Assim só conseguiria nos
incriminar.
— Adorarão ter essa oportunidade — respondeu ele. – Oferecerei a me
declarar culpado, não responder as acusações, desde que deixem você livre.
— Isso pressupõe que eu estaria disposta a mentir para salvar a minha pele
— ela soltou suas mãos das dele. — Você me conhece melhor que isso.
— Em primeiro lugar — disse ele — não é mentira. É a verdade, embora
um pouco deformada.
— Muito deformada — ela fez uma careta.
— Em segundo lugar — ele colocou a mão no bolso e tirou a bolinha que
tinha levado com ele. — Em segundo lugar, Violet, talvez isso possa servir,
não, não esperava que aceitasse meu plano. E por isso... — mostrou a bolinha
de gude que tinha guardado da noite anterior ao casamento de Oliver.
Ela olhou a mão com a bolinha, que brilhava à luz da lua.
— Até as bolinhas têm limites — murmurou.
— Os limites da amizade — ele a olhou fixamente, tentando se fazer
entender. — Quão profunda é a amizade entre nós dois, Violet?
Ela desviou o olhar e levou uma mão para a frente. Parecia alterada.
— Quantos anos faz que nos conhecemos? Toda a vida. Quantos anos te
amei? Mais do que posso contar. Não faz muito que começou a... – engoliu em
seco — que começou a corresponder a meus sentimentos sei, mas...
— Mais tempo de que poderia imaginar — a voz dela era rouca.
— Se sentir algo por mim, me deixe ajudar você. Não me obrigue a vê-la
sendo levada para a prisão se eu posso mudar isso. Me deixe fazer isso por
você.
Ela o olhou com olhos arregalados.
— E eu tenho que ver levarem você?
— Não pense nesses termos. Se souber que está a salvo, não podem me
fazer mal. Você é meu coração, Violet. É a pessoa mais importante da minha
vida. Deixarei que me prendam e irei com um sorriso e saltando. Se tiver que
vê-la sofrer, não conseguirei suportar.
— Mas...
Sebastian colocou a bolinha em sua mão.
— Você mesma criou as regras. Com uma bolinha de gude, posso pedir
algo dentro dos limites da amizade. Trair isso mancharia o nome de tudo o que
há entre nós. Pegue a bolinha e me deixe fazer isso por você.
Ela olhou a bolinha de vidro por um momento como se olhasse uma
serpente nos olhos. Depois fechou os olhos e pegou com uma careta.
— Graças a Deus — disse Sebastian. — Você não ia quer saber o que eu
teria feito se não tivesse aceito.
Violet não respondeu. Limitou-se a guardar a bolinha no bolso da saia.
— Bem — Sebastian engoliu em seco. — Suponho que deveríamos tentar
dormir por um momento.
Lhe colocou uma mão no peito.
— De verdade acha que, depois do que me disse, vou deixar que se afaste
de mim?
Ele engoliu em seco. Sentia a garganta seca.
— Não quero te impor minha presença.
— Me impor? — Ela franziu os lábios. — Essa bolinha é uma imposição.
Mas você me diz que me ama, que fará o que for preciso para me proteger e
espera que agora dê meia volta e vá sozinha para minha cama? Que tipo de
libertino é você?
— O tipo de libertino que te ama.
Violet girou a bolinha em sua mão e a observou à luz da lua. Não disse
nada, não respondeu a essa declaração nem pegou a mão dele. Olhou um longo
momento a bolinha, como se perguntasse o que fazer com ela.
— Sebastian — disse por fim, ainda sem olhá-lo. — Se você fosse ter
relações sexuais comigo e não quisesse sob hipótese nenhuma me deixar
grávida, o que faria?
Uma onda de calor envolveu Sebastian. Queria abraçá-la. Mas ela
continuava sem olhá-lo.
— Usaria um preservativo — a voz raspava na garganta. — Não são
completamente eficazes, então também me retiraria antes de terminar tudo.
Inclusive isso tem seus riscos. Não são muitos, mas... — tentou recuperar a
prudência. — Violet, eu não quero... — Mas sim queria. Desejava-a com
ardor — Se não quiser que... você disse...
Ela o olhou então. Sebastian não estava seguro do que via em seus olhos.
Tristeza. Desejo. Lhe sorriu e o seu foi um sorriso largo, lento e trêmulo que
pareceu chegar até ao núcleo de seu ser.
— Tive medo — disse ela em voz baixa. — Muito medo. Medo de que, o
ato que foi uma bofetada na cara por parte de meu marido, não poderia ser um
ato de amor de sua parte.
— Violet — Sebastian sentia que todo seu ser ardia. Queria atraí-la para si
e beijá-la, mas se fizesse, não sabia se poderia parar.
— Me leve para sua cama — sussurrou ela. — E mostre-me que todos
meus medos são infundados.
CAPÍTULO 24

— NÃO PEDIR PARA COMPARTILHAR A SUA CULPA para conseguir


sua gratidão — disse Sebastian quando se dirigiam à parte de trás de sua casa.
Pequenos arbustos enrolavam nas saias de Violet na escuridão da noite,
como se até a vegetação quisesse lhe dizer que aquilo era uma ideia terrível.
— Eu já fiz isso ...
Violet o olhou. Tinham chegado ao limite das árvores que separavam suas
propriedades. A casa dele estava em cima de uma colina de erva. Violet
colocou uma mão nos lábios.
— Sebastian — disse.
Ele parou.
— Eu entendo, Violet. Não quero te fazer nenhum mal. Em nenhum sentido.
— Não posso viver minha vida sem correr riscos — disse ela. – Eu tentei.
Uma vida sem riscos é a vida em que digo a mim mesma que não sou digna de
aproveitar uma oportunidade. É uma vida sem esperança para o futuro.
No dia seguinte, ele lembraria que ela tinha falado essas palavras e as
interpretaria de outro modo, mas por essa noite...
— Se tudo sair como está planejado — Violet não disse planejado por
quem – pode ser que não nos vejamos por muito tempo.
— Isso é muito melodramático. No máximo me pedirão que me declare
culpado ou inocente. O julgamento em si chegará mais tarde, e enquanto isso...
— Me falar que temos três noites em vez de uma não faz nenhuma
diferença. Ainda não são suficientes. Não são suficientes para mim — ela
respirou fundo. No auditório, quando esteve a ponto de mudar o mundo, não se
havia sentido tão vulnerável. — Sebastian, não sei o que farei sem você.
Ele lhe pediu que o deixasse compartilhar a culpa em nome de sua
amizade, em nome de tudo o que havia entre eles. Colocou-lhe as mãos nos
ombros. Ele era alto e seu corpo parecia quente sob as palmas das mãos dela.
E se inclinou para beijá-la.
Sebastian nunca lhe pediu um beijo. Nunca tinha lhe pedido que fosse para
a cama com ele. A única coisa que havia pedido era que lhe deixasse protegê-
la. Não lhe diria que o amava. Ela não podia dizer o quanto estava a ponto de
negar a única coisa que ele lhe pediu em sua vida.
— Amanhã... — começou a dizer ele.
Violet colocou os dois dedos nos lábios dele.
— Não fale de amanhã. Eu quero essa noite.
Ele respirou forte e a atraiu para si.
— Por Deus, Violet! Deveria dizer que não. Deveria...
— Deveria me levar para cama.
Mas ele não fez isso. Agarrou-a pelos cotovelos e a trouxe para si. Seus
lábios se encontraram e se beijaram na escuridão. Ela estava faminta e, no
entanto, nada a satisfazia. Ele tinha o gosto de café com leite. Um sabor rico,
amargo, adoçado com uma generosa porção de açúcar. Seu beijo, como o café,
não lhe roubou os sentidos. Despertou. A fez ficar consciente do rangido das
folhas sob seus pés, da fresca brisa noturna que fazia cócegas no pescoço.
Estava ciente das mãos dele descendo por sua coluna. Mãos que apertavam
suas nádegas e a estreitaram contra ele. Seus quadris se encontraram através
do vestido e ela deu graças a Deus por ter trocado e colocado um vestido mais
informal que não tinha crinolina.
Ele estava duro pelo desejo e a ideia de que a possuísse...
Teve uma pontada de medo, que desapareceu rapidamente. Sebastian nunca
tinha sido propenso a exigir, só a dar e a dar. Mas havia uma coisa que ela não
deixaria que lhe desse.
Aceitaria seus beijos doces e termos, que seus lábios cobrissem os dela
uma e outra vez. Aceitaria o toque de suas mãos em seu corpo, no tecido ou na
pele, aquecendo as suas entranhas. Mas jamais deixaria ele lhe dar segurança,
não à custa do coração dela.
— Violet, amor — sussurrou ele. — Minha maravilhosa Violet.
— Sebastian.
Não, ele não seria o único a dar. Ela se afastou, mas só para pegar sua mão
e levá-lo até a casa dele. Entraram às escondidas como criminosos. Passaram
pela porta do escritório e subiram depois a escada dos criados, esquivando-se
das luzes da biblioteca, onde sem dúvida estariam ainda seus amigos
acordados e debatendo. Entraram de mão dadas no quarto dele. Quando
Sebastian fechou a porta, voltou a beijá-la.
— Me diga para parar – disse. — Me peça para parar quando quiser.
— Não quero.
Ele desabotoou os botões do vestido e o desceu pelos ombros e depois
pelo corpo até deixá-lo no chão. A seguir voltou a beijá-la. Mas dessa vez não
juntaram só seus lábios, as mãos dele desceram pelo tecido de sua calcinha e
depois subiram até o peito, deixando rastros de eletricidade por onde passava.
O espartilho dela abotoava pela frente. Seus dedos, deslizaram contra a pele
dela, e livraram-se também facilmente daquele objeto.
Só ficava a regata entre as mãos dele e seus seios. Os dedos cobriram um
seio dela e giraram de um modo inteligente, fazendo algo que enviou uma
faísca de pura luxúria pelo seu corpo. Ele repetiu aquilo uma e outra vez e
logo, quando ela chegou a esperar essa fricção, baixou a cabeça e introduziu o
mamilo na boca através do tecido da regata.
Violet dobrou os joelhos.
— Sebastian — sussurrou. Agarrando-se a ele. — Oh, Sebastian! Não vai
tirar suas roupas.
— Bem — sussurrou ele. — Isso é tarefa sua, não acha?
Ela tentou. Oh, sim ela tentou. Mas as calças resistiram na escuridão. Seus
dedos mal tiveram tempo de agarrá-los enquanto ele tirava suas anáguas. O ar
fresco tocou momentaneamente suas pernas e depois, antes que conseguisse
desabotoar o primeiro botão, ele se abaixou.
— Acho que está trapaceando — murmurou Violet.
Ele colocou as mãos em seus tornozelos e levantou o olhar para ela. Seu
sorriso era arrogante e rebelde.
— Já sei — disse, e subiu as mãos pelo corpo dela, deslizou-as debaixo
da regata até que encontrasse o tecido dos calções.
Seguiu subindo mais acima dos joelhos, das coxas, até que encontrou a
cintura dos calções.
Conseguiu desatar o cordão com uma mão, na escuridão. Violet achou que
era algo bom que fazia os libertinos.
— Quer que faça mais trapaças? — Perguntou ele.
Não esperou a resposta. Inclinou-se para frente e a beijou por cima da
camisola, acima de seu umbigo. E como tinha subido a camisola até a cintura
começou a descer os calções, roçando com a boca a pele mais abaixo, cada
vez mais abaixo.
— Oh, por favor — Violet suspirou — Faça quantas trapaças queira.
Ele deslizou a língua entre suas coxas e dessa vez os joelhos de Violet se
dobraram de verdade. Ele a pegou com gentileza, colocando-a na cama e se
inclinou sobre ela. Era uma sensação maravilhosa poder relaxar na magia de
suas carícias e deixar que o mundo passasse ao seu redor.
Não tinha medo. Ele afastava todas suas preocupações, as afogava em um
prazer doce. Na pressão de sua boca no centro de seu prazer, na força de seus
dedos subindo pelo seu corpo. Ela estava perto, muito perto desse momento...
Ele levantou a cabeça.
— Por Deus, Sebastian! Não pare.
— Mas eu ganhei de você — anunciou ele.
— Hã... Ganhou? — O corpo inteiro dela estava imerso no desejo, estava
tão perto da satisfação que quase vibrava pela necessidade.
— Certamente – ele tirou a camisola pela cabeça. – Despi você primeiro.
Violet teria protestado. E se ficasse outra noite com ele, provavelmente o
teria feito. Mas infelizmente só tinha essa noite.
Virou-se sobre um cotovelo.
— O que você ganha? Algo perverso? — Perguntou.
— Algo maravilhoso — anunciou ele com solenidade.
Sim. Ela podia lhe dar isso. Algo perfeito. Algo para recordar depois. Ele
tirou o paletó e o colete. Desabotoou o cinto e lhe piscou quando terminou.
Desceu as calças e a cueca, mostrando as abas enrugadas da camisa, fortes
coxas cobertas de pelos escuro e panturrilhas musculosas. Violet sentiu que
sua boca ficava seca.
Ele tirou a camisa pela cabeça e mostrou seu peito firme ao mesmo tempo
que sua ereção, grossa e dura, apontava para ela.
Sebastian se afastou por um momento e voltou em seguida.
— Olhe – disse, colocando algo em sua mão. — Isso é um preservativo.
Era feito de um material flexível. Não era de tripa de animal, como ela
esperava.
— Borracha vulcanizada — disse ele, como se tivesse seguido a sequência
dos pensamentos dela. — E se me pedir que explique a você o processo nesse
momento, terá que me dar dois gelos.
Ela não pôde evitar sorrir na escuridão.
— Meu prêmio é esse. Quero que me ajude a colocar isso.
Violet deslizou uma mão pelo pênis. Era comprido e suave, mas firme ao
tato.
— É só desenrolar — ele colocou a mão em cima da dela e ajustou a
borracha em cima da ponta do pênis. Era escura e parecia inchada. Ela a tocou
primeiro indecisa, e depois, quando ele conteve o fôlego, com mais força.
— Meu Deus, Violet!
Quase parecia uma lástima cobrir aquela magnificência, mas ela o fez.
Deslizou o material pela ponta e foi baixando. Quando chegou ao final do
preservativo, deu-se conta de que não havia nada mais a fazer.
Nada exceto...
Ele se inclinou e voltou a beijá-la. Foi um beijo lento, como se não
estivessem a ponto de ter uma relação, como se as pernas dele não estivessem
enredadas com as dela. Foi um beijo que fazia pensar que tinham todo o tempo
do mundo.
Esses beijos eram mentira. Só tinham essa noite.
Mas ela deixou que os beijos lhe sussurrassem falsidades. Inclusive se
permitiu a acreditar, entregar-se ao contato gentil das mãos dele, à fricção do
peito nu contra seus mamilos, ao roçar de seu pênis no quadril e depois na
coxa. Se permitiu afundar-se em um sonho no qual tudo isso podia acontecer
de modo frequente.
Não todos os dias. Isso seria muito ariscado. Mas possivelmente uma vez
em lua crescente. Uma vez a cada poucas semanas. Com a frequência
suficiente para levar luz sobre as curvas escuras de sua memória e levar seus
medos.
Quando a penetrou, com uma investida paciente atrás de outra, o processo
parecia já inevitável. Era inevitável que a enchesse tanto. Inevitável que seu
prazer chegasse tão depressa. Inevitável que suas mãos se encontrassem e se
juntassem em um aperto. Era inevitável que se unissem, que os quadris dele
procurassem os seus e os dela se elevassem até os dele.
— Eu amo você – sussurrou ele.
Eu amo você, ela lhe dizia com suas carícias. Amo você. Suas mãos
estavam entrelaçadas e seu corpo se apoiava no dele. Confiou em que ele
pudesse ouvir o quanto o amava para que se lembrasse nas noites solitárias
que seguiriam.
Ele não investiu com força em nenhum momento. Tomou-a balançando-se
contra ela, empurrando, a persuadindo de que se deixasse, ele a levaria até
que todos seus movimentos arrancassem gemidos, até que a faísca de prazer
flutuasse pelo ar como se tivesse sido produzida por uma pedra.
Ela ardia debaixo dele. Mas mesmo assim ele não aumentou o ritmo.
Seguiu assim até o último soluço dela, lhe arrancando todo o prazer que tinha
até que ela ficou esgotada. Só quando estava satisfeita, possuiu-a com força,
segurando os quadris com as mãos e aumentando o ritmo das investidas até
que sua respiração se voltou ofegante e...
Saiu de dentro dela e gemeu, bombeando ainda com os quadris.
Violet ainda conseguiu pensar, ele fizera exatamente o que prometeu. Tinha
usado preservativo e se retirou antes que chegasse ao final. Nenhuma faísca de
risco a mais do que era necessário. Ela já sabia que seria assim. Sebastian
nunca lhe mentiria sobre algo assim.
Ela não podia lhe devolver o favor.
Estendeu a mão e enrolou uma mecha do cabelo dele ao redor de seus
dedos. Aproximou a boca para roçar os lábios dele com os seus.
Uma verdade. Podia lhe dar uma verdade, e embora ele não acreditasse,
ela tinha intenção de prová-lo à manhã seguinte.
— Eu te amo — disse.
Sebastian lhe devolveu o beijo.
— Eu sei.

NA MANHÃ SEGUINTE, Sebastian disse que era muito natural que Violet
estivesse nervosa.
No tribunal do magistrado de Cambridge raramente se viam outros casos
que os de brincadeiras pesadas de estudantes levadas a cabo sob os auspícios
do vinho barato, ou roubos desses mesmos estudantes.
Sem dúvida os juízes teriam tido mais que uma colisão com a aristocracia,
mas aquilo, uma acusação a uma condessa, e com base nisso, era uma
novidade e as novidades atraíam multidões. Havia tanta gente que a
temperatura da sala não estava só incomodando como qualquer outra manhã de
verão, mas sim o calor era infernal.
Violet não o olhou nem sequer de soslaio nem fez nenhum gesto em sua
direção. Estava sentada a trinta centímetros a frente dele, mas Sebastian a
sentia desesperadamente longe.
A manhã começou tal como ele havia previsto. Entraram os juízes e a
multidão se levantou. Iniciou-se a sessão e o mais velho dos três homens ficou
de pé.
— Embora seja certo que a condessa de Cambury, como membro da
nobreza do reino, não está sujeita a nossa jurisdição nos casos de acusações
de delitos, os privilégios da nobreza não se estendem a delitos menores.
Chegamos ao acordo com o promotor, que os encargos para que reflitam são
apenas crimes sem contravenções, não delitos.
Houve um pouco de alvoroço. Passaram um papel ao procurador. Violet
olhou o papel por cima do ombro dele. Sebastian ficou rígido. Afinal, isso era
o que eles mais temiam, que escolhessem acusar Violet por algo menor em
lugar de permitir que lhes escapasse das mãos.
E nesse momento foi quando Sebastian se deu conta de que algo ia muito
mal. Sabia que Violet estava nervosa. Estava sentada muito rígida e apertava
os lábios. E esperava que essa última jogada a pusesse mais nervosa ainda.
Mas quando o juiz fez seu anúncio, ela sorriu com ferocidade.
Dadas as circunstâncias, aquilo resultava incompreensível. Estavam diante
do pior resultado possível. Por que ela sorria?
— Como se declara a acusada? — Perguntou o juiz.
O procurador que havia ao lado dela respirou fundo. Violet ficou de pé.
— Como acabam de me apresentar uma declaração nova – disse — quero
estar certa de que compreendo as acusações.
Isso não foi o que combinaram. Ela não devia ter dito isso. Ela tinha que
jogar a culpa nele, Sebastian, e pedir à mercê do tribunal. Não fazia sentido
dizer aquilo.
Sua voz soava clara e firme. Lembrava a Sebastian o modo em que havia
falado na noite anterior, com força e segurança. Tinha a cabeça levantada e as
mãos relaxadas atrás, nas costas. Estava maravilhosa, mas Sebastian sentia
que o frio em seu estômago se aumentava. Algo ia mal. Muito, muito mal.
— Pode fazer perguntas — disse o Juiz.
— Agora só vejo duas acusações contidas na queixa — comentou Violet.
— A primeira é que ontem pela tarde falei de temas lascivos e luxuriosos em
uma reunião pública.
— Sim.
— Devo entender, então, que já não estou sendo acusada pela conferência
que se deu aqui em outubro de 1862?
— Exatamente, senhora — respondeu o juiz com um sotaque de deferência.
— Não está.
— Que estranho! — Violet levantou o queixo. — Também fui a
responsável por isso.
O coração de Sebastian apertou. Não. Ela não havia falado aquilo. Não
podia ter falado. O que achava que estava fazendo?
— De fato, Malheur deu noventa e sete conferências entre os anos de 1862
e 1867. Mais não estão me acusando em relação a essas. Entendi
corretamente?
O juiz se recostou em sua cadeira. Parecia irritado.
— Não, senhora. Não está sendo acusada em relação a esses fatos.
— Estranho, — repetiu ela — porque as ideias que ele apresentou eram
minhas.
— Está tentando ampliar a acusação? — Perguntou o juiz, confuso.
— Só pretendo compreender as acusações para poder responder
adequadamente.
Sebastian teve um mau pressentimento. Um pressentimento muito ruim
sobre o que estava para acontecer. Apertou as mãos, mas, por mais força que
usasse, não ajudava nada.
Violet olhou o papel que tinha em sua frente.
— Quanto a acusação de perturbar a paz, acho que quando meu trabalho foi
apresentado em público em Leicester em 1864, houve distúrbios que incluíram
um rebanho de cabras. Esse incidente não está incluído nessa acusação?
— Não — respondeu o Juiz. – Eu acho que você já compreendeu bem as
acusações, minha senhora. Como se declara?
Violet levantou o queixo com ar desafiador.
— Está me perguntando se anunciei ontem que descobri o mecanismo pelo
qual a reprodução sexual transmite traços hereditários? Pergunta-me se
mostrei ao público um desenho de uma célula de esperma masculina ampliada
milhares de vezes para poder mostrar o material do interior do núcleo?
— Não — respondeu o juiz com um pouco de impaciência. – Peço-lhe que
diga como se declara. Pode permanecer em silêncio e assumiremos que se
declara inocente, ou pode declarar-se culpado. Mas o que não pode fazer é
continuar citando esses fatos. Continue e a acusarei de desacato.
— Mas uma declaração de culpabilidade ou inocência requer que
considere se houve circunstâncias atenuantes — disse Violet. — Se estive
submetida a influência indevida, se fui a única a instigar esses sucessos ou se
alguém o faça.
Sebastian prendeu o fôlego em agonia. Ela precisava dizer o que tinham
planejado a noite anterior. Selou sua parte com sua bolinha e tinha que dizê-lo.
— Uma declaração de culpabilidade ou inocência só requer que diga se
for culpado ou inocente — replicou o Juiz, cortante.
— A resposta é não — disse Violet.
Oh, graças a Deus! Pensou Sebastian. Ela não tinha perdido totalmente o
juízo.
— Não — continuou Violet. — Não houve circunstâncias atenuantes.
Por um momento a sala inteira ficou tão atônita quanto Sebastian. O
silêncio era de tal calibre que ele podia ouvir sua própria respiração, ofegante
e agonizada.
— Não, ninguém exceto eu instiguei essas investigações. Outros me
ajudaram, e reconhecerei seus méritos ao seu devido tempo, mas a ciência da
herança sempre foi minha. Foi minha escolha falar disso ontem à noite, eu
escolhi fazer a apresentação. Era minhas palavras, meu trabalho, e que me
condene ao inferno se for deixar que outra pessoa se atribua esse mérito.
Sebastian exalou o ar trêmulo.
— Acuso-a de desacato — uivou o Juiz. — E quer dizer de uma vez como
se declara?
— Não é óbvio? — Violet estava muito ereta e seus olhos brilhavam. —
Sou culpada. Culpada de ambas acusações, Senhoria. Sou culpada e estou
orgulhosa disso.
Sebastian não podia pensar. Não sabia o que dizer. E depois de tudo que
ela havia dito, o Juiz demorou um momento para falar.
— Está segura? Declara-se culpada por própria vontade? — Franziu a
testa. – Está consciente de que essas ofensas e infrações implica na prisão?
— É obvio que sei disso — respondeu Violet com desdém. — Mas querem
me deter. Querem me silenciar, a mim e a todas as pessoas relacionadas com
meu trabalho. Se demonstrar medo, não pararão nunca. Serei sempre obrigada
a me defender de acusações absurdos — levantou o queixo. – Eles têm que
saber que não tem nada para fazer. Que não tenho medo embora joguem sobre
mim todo o peso da lei. Assim sim, Senhorias. Eu descobri a verdade e disse
ao mundo — ergueu-se ainda mais e olhou aos Juízes atentamente. — Sou
culpada.
Os Juízes se retiraram por um momento, murmurando entre eles. Sebastian
estava paralisado em seu assento, incapaz de compreender o que acabava de
ouvir. Violet havia...
Os Juízes retornaram.
— Minha senhora, tem algo que dizer em sua defesa? – Ele perguntou do
centro.
— Só que os anos me darão a razão.
— Nesse caso, a condenamos a quatro semanas de prisão pelas acusações
e a dois dias pelo desacato — golpeou com o martelo. — Levanta-se...
O resto da frase se perdeu entre o rugido dos presentes, o rugido que
provocavam cem gargantas gritando de uma vez.
Sebastian ficou em pé.
— Violet! — Chamou. Mas o ruído tragou sua voz. Deu um passo para ela,
mas havia muita gente e não conseguiu aproximar-se para fazer algo mais que
agarrá-la pelas mãos.
— Violet.
Ela se voltou para ele. Tinha o rosto iluminado.
— O que você fez? — Perguntou impotente.
Ela pôs uma mão em cima da dele, tirou-lhe os dedos das mãos e voltou a
palma para cima. Disse-lhe algo, mas ele não pôde ouvi-lo. E logo, com um
sorriso, colocou uma bolinha de gude azul na sua mão.
Sinto muito. Ele adivinhou suas palavras embora não pudesse ouvi-las.
Seus dedos paralisados pareciam incapazes de agarrar a bolinha, que caiu ao
chão.
Ela o olhou com um sorriso triste e depois virou e se deixou conduzir a
prisão.
CAPÍTULO 25

VIOLET NÃO TINHA COMETIDO UM ENGANO. Sabia que sua estadia


na prisão era grandemente mais agradável que a da maioria dos internos. Em
primeiro lugar, era uma condessa. E em segundo lugar, conhecia muita gente. E
o mais importante, o modo em que tinha sido condenada a fez um objeto de
curiosidade.
Ao declarar-se culpada contara com isso. Tinha o benefício de esperar um
tratamento favorável; isso lhe dava a obrigação de se negar a ceder a
desprezível perseguição a que a submeteram.
Estava sozinha em uma cela, cela que limparam para sua prisão. O colchão
de palha de sua cama era novo e os lençóis estavam recém lavados e sem
buracos. Anos atrás colocaram Oliver em uma cela com acusações fictícias e
ele falava ainda com eloquência de pulgas e piolhos. Mas o aroma de azeite
de parafina impregnava a cela dela; se ali havia insetos nocivos antes, tinham
sido cuidadosamente exterminados.
O aroma deixou ela com dor de cabeça ao segundo dia. Pela manhã
levavam água para se lavar. A esposa do governador lhe emprestou alguns
livros e falava deles com ela quando terminava de lê-los. Sua admiração por
Violet era evidente. Permitiam visitas as quintas-feiras e, embora isso só
incluísse a família, era suficiente.
Todos os dias tinha uma hora para passear, desde que não tentasse falar
com as demais prisioneiras que passeavam ao mesmo tempo. Caminhavam
como fantasmas sombrios com seus uniformes da prisão, caminhavam com a
cabeça baixa para evitar repreensão dos guardas.
A Violet dava pão relativamente fresco e carne autêntica no jantar. Alguns
anos atrás, lera relatos das prisões em uma investigação sobre estas e, embora
sabia que a comida tinha melhorado um pouco desde que publicaram aqueles
relatórios terríveis, achava que essas melhoras não incluíam carne e verduras.
No segundo dia começou a suspeitar que o diretor trazia para ela a comida de
sua mesa. Sem dúvida ele temia o que pudesse lhe ocorrer se ela passasse mal
e informasse sobre as condições da prisão.
A primeira visita de sua mãe foi tranquila. Sua mãe não lhe levou nenhuma
mensagem de Sebastian nem notícias do mundo exterior.
— Você causou um grande alvoroço — disse-lhe.
Violet não sabia se esperava ouvir notícias de Sebastian, mas se alegrou de
não ter mencionado seu nome. Tentava não pensar nele. Se permitia pensar na
expressão de seu rosto quando se virou para ele, em como sua pele tinha
ficado pálida, no modo em que seus dedos tinham recusado fechar-se em torno
da bolinha, podia perder a compostura.
Sua compostura era tudo que levou consigo para a cela e não podia se
permitir perdê-la.
Só sabia que o amava e que não podia arrepender-se do que fizera, embora
isso tivesse causado dor a ele.
Quando já estava há doze dias na prisão o diretor foi vê-la.
— Minha senhora — disse, quando abriu a porta da cela. — Agradeceria
muito se viesse comigo.
Ela ouvira como falavam com outras prisioneiras no pátio, com
reprimendas duras e dirigindo-se a elas por um número e não por um título
respeitoso.
Violet ficou de pé e alisou o tecido incômodo da bata carcerária.
— Aonde vai me levar?
— Vai sair em liberdade — ele se deteve, trocou o peso do pé e esfregou a
cabeça quase calva. — Sei que isso foi uma prova. Suportou muito bem.
Violet o olhou e pensou nas mulheres que via a distância. Perguntou-se o
que comeriam elas e que insetos habitariam seus colchões de palha. Em
comparação com isso, parecia tola para se qualificar como alguma "prova” o
que ocorreu a ela. Sabia que fora fácil demais. Não tinha sequer completado
toda sua condenação. Ficava enjoada quando a elogiava simplesmente por ter
sobrevivido.
Balançou a cabeça.
— Suponho que o tempo transcorrido serviu para tranquilizar a todos –
encolheu os ombros. — Agora pelo menos poderei ir em paz para casa.
O diretor lhe lançou um olhar divertido.
— Não tenha tanta certeza — disse.
A prisão era formada com seis edifícios de tijolos escuros, gordurosos e
manchados de fuligem. Esses, por sua vez, estavam rodeados por um muro
mais alto. Violet foi conduzida a uma sala em que lhe devolveram seus
pertences. Permitiram que ela se vestisse com a roupa que tinha chegado e a
seguir, lhe fizeram cruzar o muro interior.
Foi então que começou a ouvir o ruído. O interior da porta soava como um
zumbido. Quando eles cruzaram os dois metros de grama verde que havia entre
os dois muros, se transformou em um rugido.
— O que é esse ruído? — Perguntou.
— Isso — respondeu o diretor com amargura quando introduzia a chave na
porta que conduzia ao exterior — é sua comitiva de seguidores.
— Comitiva? — Violet franziu a testa — Eu não tenho uma...
A porta de madeira se abriu a um caminho estreito de terra que cruzava o
campo. Esse caminho estava cheio. Havia carretas e carruagens
anarquicamente estacionadas ao longo de um lado. E diante da prisão havia
mais pessoas do que Violet tinha visto em toda sua vida. Não reconhecia
ninguém.
Por um momento se deixou invadir pelo pânico ante aquele mar de rostos
desconhecidos.
Até que seus olhos pousaram em sua mãe. Tinha ao seu braço nada menos
que Amanda e Violet não podia imaginar o que significava aquilo. A seu lado
estavam Alice e o professor Bollingall, e ao lado deles, Free, Oliver e Jane.
Free segurava o extremo de um cartaz em que tinham escrito Liberdade para a
Condessa.
Quando Violet saiu pelo caminho, soou um grande grito. Um grito que não
era de ódio nem de raiva, mas sim de júbilo. Um grito tão alto, tão primitivo,
que Violet pôde sentir sua reverberação em seu peito. Parou e olhou fixamente
à multidão.
Esperava que aquelas pessoas que não gostavam de seu trabalho a viessem
receber e destratá-la como a Sebastian. E provavelmente o fariam mais tarde.
Mas ali, na planície varrida pelo vento do exterior da prisão, onde não
havia nada perto exceto os barracões dos guardas da prisão, as pessoas que
tinha ido era as que a queriam bem.
Havia dezenas de milhões de pessoas em toda a Inglaterra. Uma boa parte
delas podia ter ouvido a história de Violet. Ela sabia que seria assim. E não
lhe tinha ocorrido pensar que houvesse milhares de pessoas que se
importavam com o que lhe acontecera, além de despertar uma certa
curiosidade. Mas ali estavam... milhares de pessoas, todas gritando de uma só
vez.
— Deus santo! – Exclamou — Tenho uma comitiva

FALTAVA UMA PESSOA. Sua ausência se fez evidente quando a mãe de


Violet empurrou para trás à multidão que a adorava, pois ela adorava uma
multidão, como tinha chegado até aquilo? Alegando que a condessa precisava
descansar. Se Sebastian tivesse presente, teria aberto caminho até ela.
— Obrigado — disse Violet, ainda confusa. — Obrigado a todos. Não
sabem o muito que significa isso para mim.
Era impossível ouvi-la com o barulho da multidão. Melhor assim. Não
poderiam saber o que significava para ela porque nem ela mesma sabia.
Compreendia vagamente que aquelas pessoas, quaisquer pessoas que fossem,
certamente tiveram algo a ver com que a sua liberdade antes do tempo. Além
disso, não compreendia nada.
— Obrigado – disse. — Estarei eternamente agradecida.
Sua mãe a pegou pelo cotovelo e a guiou com gentileza, no entanto mais
implacavelmente até uma carruagem que levava seu escudo.
— Obrigado — repetiu Violet enquanto subiam outras pessoas com ela.
Sua mãe, Amanda, Oliver, Jane e, uns segundos depois, Free.
Esta fechou a porta e sorriu para Violet.
— Minha senhora! — Disse com alegria. — Conseguimos. Conseguimos.
— Sim — respondeu Violet. Sabia que não era normalmente uma mulher
estúpida. Então por que seu cérebro não estava funcionando? — Conseguimos
— esfregou a cabeça — O que conseguimos?
Na realidade, não queria ouvi-la, mas Free sim queria contar a Violet logo
que pudesse o que aconteceu em sua ausência. Os artigos nos jornais, o clamor
popular...
— Colocá-la na prisão foi o mais estúpido que podiam ter feito – explicou
Free. — Ou isso foi o que disse a duquesa de Clermon. Na verdade, ela riu.
Por certo, ela envia suas desculpas por sua ausência, mas sabia que haveria
muita gente.
— É obvio — comentou Violet, que não sabia mais o que dizer.
— Se tornou uma heroína — continuou Free. — Teria que ver as
manchetes: A condessa de Cambury anuncia um descobrimento
extraordinário e a condenam a um mês de trabalhos forçados.
— Não houve trabalhos — assinalou Violet. — O diretor foi bastante
amável, exceto por negar-se a me deixar tricotar – encolheu os ombros. – Por
causas das agulhas, claro.
Free piscou.
— Bom — continuou implacável com sua história. — Alice Bollingall
escreveu um artigo para o The Time na qual ela descrevia sua parceria com
seu marido e como compartilharam seu trabalho. Detalhou exatamente quem
tinha feito o que para o descobrimento que você fez. Sua parte, a dela, a de
Sebastian...
Violet lambeu os lábios.
— E o que disse...?
Mas antes que pudesse perguntar o que havia dito Sebastian, Free havia
voltado a falar.
— Publicaram sua caricatura gritando "Eureca!" Com homens ao lado que
pediam mordaças e grilhões.
— Não houve grilhões — comentou Violet. — Na realidade, foi um
descanso. Um pouco como estar de férias — umas férias fedorentas nas quais
não falava com ninguém nem podia decidir como passar os dias.
— Humm — murmurou Free. – Talvez não precise mencionar isso em
público. Mas ainda não contei tudo. Robert conseguiu uma audiência com a
rainha faz três dias. Sebastian e ele foram falar com ela. Ela escutou todos os
detalhes e ordenou seu indulto.
— Oh! — Violet não podia dizer mais nada. Sebastian tinha participado
daquilo. Mas o que ele achava? E se tivesse seriamente magoado? Voltaria a
confiar nela? O que diria da próxima vez que a visse? — E falando de...
— Sim, falando da rainha, ela quer conhecê-la — interrompeu-a Free. –
Perdoou tudo exceto pelo desacato. Parecer que ela disse que essa acusação o
merecia.
Violet relaxou em seu assento. Free era uma força da natureza. Tentar pará-
la ou fazê-la mudar de assunto era como tentar desviar um ciclone.
— E agora é famosa e todo mundo quer conhecê-la — disse Free. — E
Jane contratou seguranças para sua casa de Londres. Espero que não se
importe, mas precisará deles nos próximos meses. Não está morta de alegria?
— Sim – respondeu Violet. E então, para sua surpresa, começou a chorar.
Não tinha chorado desde que era uma menina. Ela não chorava; simplesmente
era algo que não fazia nunca. E não sabia por que o fazia naquele momento.
Nem sequer estava triste.
Mas Jane cruzou a carruagem e a abraçou e Free segurou sua mão.
— Não é nada — tentou lhes dizer Violet. – Absolutamente nada.
Mas não era isso. Ela sabia como preparar-se para o fracasso e a
decepção. Sabia como sorrir quando suas esperanças se viam esmagadas.
No fundo de seu coração acreditara todo esse tempo que, se algum dia
soubessem a verdade, todo mundo a desprezaria. Tinha acreditado que seu
verdadeiro ser era escuro e desesperado, que seus amigos só a toleravam por
um excesso de bondade.
Mas ela não era um monstro.
A vitória não era doce, era devastadora e incompreensível. A quebrava. E,
no entanto, ela poderia suportar as duras palavras sem chorar.
Continuou chorando, derramando líquido como um tinteiro rachado.
— O que acontece é que lavaram minha cela com algum produto químico –
explicou. — Para matar os piolhos. O que vocês acham? Acredito que a
ausência de ar incomoda aos olhos.
Jane lhe estendeu um lenço verde brilhante, e ninguém contradisse sua
explicação embora fosse absurdamente clara. Abraçaram-na até que parasse
de chorar.
— Amanda — perguntou, quando se tranquilizou afinal. — Como é que
está... porque veio...? — Não pôde terminar a frase. Não podia perguntar se
Lily tinha mudado de ideia.
— Minha avó me trouxe — respondeu Amanda. Houve uma longa pausa.
— Minha mãe disse para falar para você que se quiser... — Mas Amanda não
pode terminar a frase. Ela estrangulou a voz e afastou o olhar.
Violet se perguntou se todas as vitórias seriam tão agridoces. Tinha ganho,
mas ao preço dos que amava. Lily, Sebastian... Seu coração doía.
— Ou seja que ficará comigo — conseguiu dizer com calma.
— Uns anos — Amanda afastou o olhar. — Minha mãe pediu que dissesse
a você que ela tinha que pensar nos outros filhos. Para o seu bem, não podia...
nos manter por muito tempo. Mas me disse que quando nos é dada a
oportunidade, sim...
Violet engoliu o nó que tinha na garganta.
— Bem – ela disse. — Bem — e não falaram mais no assunto.
Quando chegaram finalmente à estação de trem, havia uma grande
multidão. E outra ainda maior na estação de Londres, aonde chegaram três
horas depois. Certamente alguém tinha enviado um telegrama com a notícia.
Sua mãe conseguiu guia-la por entre a multidão.
Violet não fez a pergunta que a corroía até chegar em sua casa, até que
passassem entre as pessoas que se concentraram em sua porta e se trancasse
em casa com as cortinas fechada.
— Mãe – sussurrou. — Onde está Sebastian?
Sua mãe a olhou.
— Esperando para ver se quer falar com ele.
Violet enrugou o nariz.
— Se eu quero falar com ele? Por que tem que perguntar isso? É estúpido?
— Provavelmente — respondeu sua mãe. — Quer que envie alguém para
buscá-lo?
— Sim — respondeu Violet. Mudando de ideia — Não. Antes tenho que
tomar banho.
Sua mãe a olhou com atenção.
— Violet, suspeito que ele não se importará que cheire mal.
Violet baixou a cabeça e inalou. Já não podia cheirar a si mesma e isso era
mau sinal. Se tivesse cheirado a limpo, teria se dado conta.
— Importa-me.
Por isso passou quase uma hora até que entrou em sua biblioteca do andar
de baixo e encontrou Sebastian passeando por ali. Quando Violet cruzou a
porta, os dois ficaram paralisados, Sebastian se deteve na metade de um passo
com a taça voltada pela metade para ela, os olhos brilhantes e os cantos dos
lábios curvados em um sorriso.
E ela... Oh, ela não pode pensar em Sebastian nos últimos dias. Teria
sentido muitas saudades. Ele alvoroçou o cabelo enquanto caminhava e
parecia cansado. Mas o sorriso brilhante que ela conhecia tão bem cobriu seu
rosto e todo seu cansaço pareceu evaporar-se.
— Violet — murmurou.
— Sebastian — ela queria correr até ele, mas ainda não estava segura do
que ele sentia. Se havia causado muitos danos afastando-se quando ele
suplicou que não o fizesse.
Ele a olhou um momento mais, como se tentasse averiguar por onde
começar.
— Venho como portador de presentes — disse por fim.
— Presentes?
— Na realidade, são papéis. Essa última semana e meia atuei como seu
secretário social.
— Oh — ela sentia que sua cabeça dava voltas. – Me convidaram para
muitos bailes?
— Curiosamente, não — respondeu ele, corajoso. — Nenhum. Mas o
King's College daqui de Londres diz... Bom, diz muitas coisas, mas a primeira,
é que passarão por cima dos requerimentos habituais para você receber um
doutorado, embora pedirão a você que defenda uma dissertação. Mas também
podem servir versões modificadas de seus antigos artigos.
Ela piscou confusa. De todas as coisas que tinha imaginado, aquela era a
que mais escapava a sua compreensão.
— Por que farão isso?
— Para poder te oferecer um posto.
— Um posto? Que tipo de tolos querem me oferecer um posto?
— O tipo de tolos que querem construir uma faculdade mundialmente
famosa — respondeu Sebastian. Ele piscou para ela. — Cambridge também
tem feito insinuações, embora eles tenham que resolver alguns assuntos
internos antes de poder contratar uma mulher. Demorarão anos para encontrar
o modo. Mas há outras opções. O professor Benoit... você o conhece, é da
Universidade de Paris... O professor Benoit pegou um vapor faz três dias
quando a notícia se fez pública. Trouxe todo um dossiê com ele, junto com
uma carta muito amável do embaixador francês que jura que na França, o país
da liberdade, jamais teria encarcerado barbaramente você por ser um gênio.
Violet se sentou pesadamente.
— Ele não disse isso.
Sebastian se aproximou de uma mesa e rebuscou entre um montão de
papéis. Estendendo um para ela e assinalou com o dedo.
— Olhe. Barbaramente. Gênio. Não preciso exagerar sobre isso. Se você
não gostar da França, Harvard, que está na América do Norte, telegrafou e...
— Sei onde fica Harvard — disse Violet, tonta. — Basta. Não posso
compreender nada disso. Essa manhã estava na prisão – levantou o olhar para
o teto. — E havia muita paz.
— Quer voltar?
— Havia tranquilidade. Ninguém queria nada de mim. Passar disso a... —
Estendeu as mãos. — Não sei o que fazer, Sebastian.
Ele demorou um momento para falar.
— Bem, se quiser posso esconder você em meu sótão. Deslizarei uma
tigela de mingau todas as manhãs por um buraco e podemos fingir que tem que
cumprir toda a condenação.
Ela reprimiu uma gargalhada.
— Vamos, vamos — disse ele — Não é melhor assim?
— O sucesso é desconcertante — ela respirou fundo. — Sebastian, sobre
você...
Ele afastou o olhar com desconforto e o coração de Violet deu um pulo. Ali
estava sua resposta. É obvio, ele continuava sendo seu amigo. É obvio, cuidou
das ofertas. Mas além disso... um homem não fazia o tipo de declaração que
Sebastian tinha feito e logo perdoava que a mulher a quem amava e a jogasse
na cara.
Mas o que ele disse foi:
— Desculpe, eu não pude ir recebê-la essa manhã. Queria ter ido, mas
estive ocupado. E Benedict...
É obvio. Além de todo o trabalho que tinha com ela, seu irmão estava
doente.
— Já mudou de ideia? — Perguntou Violet com cautela.
— Bem — ele não a olhou. — Estamos nos falando. Eu faço ele rir. E não
faz nenhum bem incomodá-lo com a história de Harry nem nada disso, assim
pensei...
Violet ficou em pé e levantou as mãos no ar.
— Esse mundo está completamente louco. É estúpido. Completamente
estúpido.
Sebastian a olhou com uma expressão estranha.
— Violet? Pensou em algo?
— Sim — respondeu ela — Muitas coisas. Digo tolices? Ganhei o direito
a dizer tolices — fez um gesto com o dedo. — Sente-se aí. Ganhei o direito de
te mandar sentar aí.
Ele parecia cada vez mais confuso.
— Você vai embora? — Perguntou com incredulidade.
— Momentaneamente — respondeu ela. — Você espera. Espere aqui.
CAPÍTULO 26

A CASA DE VIOLET ESTAVA RODEADA. Uma olhada rápida pela


janela bastou para lhe confirmar que seria impossível passar entre a multidão
sem ser vista.
A menos... Era impossível sair pela frente.
Violet pegou sua bolsa e desceu para o jardim pela escada de serviço. A
porta detrás da hera se abriu quando a tocou e ela deslizou pelo buraco entre
os muros. O ruído da multidão foi diminuindo pouco a pouco à medida que
avançava pelo beco. Quando chegou à propriedade de Sebastian, já era só um
zumbido.
A multidão não sabia que as duas propriedades estavam conectadas.
Excelente. Violet não teve escolha se não arriscar.
Saiu no pátio lateral, onde Sebastian guardava sua carruagem. O chofer
estava perto de uma das portas, fumando e falando com um criado. Quando a
ouviram aproximar-se, levantaram o olhar. O criado jogou fora o cigarro.
— Minha senhora — o cocheiro se endireitou e jogou as cinzas de seu
cachimbo no chão de cascalho. — Ah... o que a traz aqui?
Sem dúvida ele tinha ouvido toda a história sórdida de sua prisão, mas,
mesmo assim, sabia da participação de seu senhor no assunto. E eles foram
muito bem treinados para lhe perguntar o que fazia ali ou se era uma fugitiva
da prisão.
— O senhor Malheur me enviou. — Violet mentiu descaradamente. —
Tenho que ir ver alguém e minha rua está um pouco concorrida neste momento.
— Ah, é muito provável, sim.
— Ele me ofereceu seus serviços. Está de acordo?
— Claro que sim, minha senhora — o cocheiro franziu a testa. — Aonde
vamos?
Violet havia dito a Sebastian que esperasse na biblioteca. Obviamente, não
pensado sensatamente. Era tarde e havia alguns quilômetros até seu destino.
Sebastian teria que esperar muito tempo.
Mas já não podia voltar atrás.
— A casa do senhor Benedict Malheur. – Disse — É obvio.
Os homens não protestaram nem fizeram perguntas. Engancharam os
cavalos, ajudaram-na a subir à carruagem e foram ao destino.
Violet tinha levado sua bolsa e isso significava que podia tricotar. Tirou
seu trabalho de tricô, em que já fazia semanas não trabalhava, e olhou. Um
cachecol. Era um cachecol de listras verdes e cinzas. Contou as carreiras de
verde para recordar onde parou, viu que lhe faltavam cinco para trocar de cor
e começou a tricotar.

ELE NÃO RECEBE VISITAS — disse o mordomo para Violet.


Ela estava nos degraus da ampla varanda, com a carruagem de Sebastian
parada a suas costas. Olhou piscando para o homem que tinha a sua frente.
Nessa manhã estava na prisão. Percorrera quase cento e sessenta
quilômetros e tinha ouvido milhares de vozes gritando seu nome. A luz do sol
começava a baixar e, se retornasse naquele momento, teria feito a viajem em
vão, sem nada para responder as perguntas desconcertante de Sebastian.
Não estava disposta a deixar-se vencer por um mordomo em uma questão
de etiqueta. Mas não havia motivos para ser grosseira.
— Naturalmente – disse. — Mas eu não sou uma visita.
O homem a olhou entreabrindo os olhos.
— Praticamente cresci aqui do lado — disse ela com toda a doçura que foi
capaz naquelas circunstâncias. — Quando tinha cinco anos, Benedict Malheur
me salvou de uma praga de rãs que os Jimmeson trouxeram, que viviam a meio
quilômetro daqui. Vim assim que fiquei sabendo que estava doente. Diante de
tudo isso, não se pode dizer que eu seja uma visita.
O mordomo franziu a testa.
— Veja – ela disse. Lhe estendendo um cartão. – Leve a ele e deixe-o
decidir.
O homem pegou o papel grosso. Leu seu nome com rosto inexpressivo.
Possivelmente não sabia quem era, embora isso parecesse improvável. Era
mais possível que soubesse que o nome de Violet estava ligado ao de
Sebastian e compreendesse a conexão.
De qualquer maneira, ele não podia deixar à condessa de Cambury
esperando na porta, assim a fez passar.
— Pode esperar no salão – disse. — Irei ver se o senhor está acordado e
se está bem o bastante para vê-la.
Violet entendeu que aquele era o modo educado de dizer: Vou fingir que
pergunto antes de dispensa-la.
Entretanto, esperou com amabilidade.
— Obrigado — disse. Ela se instalou em uma poltrona confortável. Para
tranquilizar o mordomo, tirou o trabalho de tricô da bolsa e começou a
carreira seguinte.
"Tricotar faz com que a mulher mais tagarela pareça inocente". Sua mãe
tinha razão. Por algum motivo, os mordomos raramente suspeitavam de uma
mulher que tinha começado a tricotar se levantaria e se aventuraria às
escondidas por uma casa. Uma tolice da parte deles, pois as agulhas de tricô
não eram grilhões.
Violet se concentrou em suas agulhas como se não tivesse nada em mente
além da lã que fluía entre seus dedos. Viu pela extremidade dos olhos que o
mordomo subia as escadas, dobrava uma curva e desaparecia da sua vista.
Ela colocou as agulhas em sua bolsa e subiu com cuidado atrás dele.
A casa estava tranquila, como se todos seus habitantes guardassem silêncio
com a esperança de que isso ajudasse a seu dono recuperar-se. Em
compensação seus passos pareciam muito ruidosos. Apoiou o peso em um
degrau e rangeu a madeira. Confiou que ninguém a escutasse.
Chegou à parte superior das escadas bem a tempo de ver o mordomo abrir
uma porta e entrar.
Não fazia sentido esperar a sua resposta. Não tinha tempo a perder.
Avançou pelo corredor e abriu a porta.
O dormitório estava na penumbra e as cortinas corridas. Benedict Malheur
estava sentado na cama e Violet acreditou em que isso fosse um bom sinal. O
mordomo, de pé diante dele, estendia o braço para lhe entregar o cartão de
Violet.
Os dois homens se voltaram para ela. O mordomo franziu a testa. Benedict,
por sua vez, parecia resignado.
— Minhas desculpas — disse ela, sem nenhum ar de culpa. — Mas depois
de lhe dar meu cartão, me dei conta de que esqueci de lhe dizer o propósito de
minha visita. Espero que não se importe com a interrupção.
O mordomo deu um passo para ela.
Mas Violet contava com que Benedict, o pacífico e afável Benedict, a
salvasse da situação.
— É claro que não me importo – disse. — Não há nada mais aborrecido
que um leito de doente. Será um prazer ter companhia.
O mordomo bufou.
— Sempre que não se agite...
— Não se preocupe — respondeu Violet com ligeireza. — Não tenho
nenhum desejo de ver seu senhor morto.
Benedict curvou os lábios quando a ouviu, em uma expressão tão parecida
com o sorriso de Sebastian, que ela sentiu vontade de lhe bater na cabeça por
ter a temeridade de lembrá-lo.
— Traga uma cadeira para a condessa de Cambury — disse Benedict com
um sorriso. — E depois pode se retirar até que eu chame.
— Muito bem, senhor — respondeu o mordomo com ar de leve
desaprovação.
Violet observou o mordomo pegar uma cadeira da parede, a que tinha a
almofada mais fina, e colocá-la a vários centímetros do leito em um ângulo
estranho. Violet se sentou e quando Benedict assentiu com a cabeça, o
mordomo partiu.
— Bem, condessa — disse Benedict. — É um prazer vê-la, embora eu
gostaria que as circunstâncias fossem mais auspiciosas. Obviamente, isso é um
aviso de que não deveria esperar até que não tenha saúde para passar tempo
com velhos amigos.
Não fez nenhum comentário sobre os acontecimentos recentes.
Violet nunca confiou em seu sorriso nem em seu ar suave. Olhou-o aos
olhos.
— E se supõe que devo chamar você de senhor Malheur? – Perguntou — É
difícil, Benedict. Me mostrar cerimoniosa quando... — quando ele estava
sentado na cama com um aspecto terrível. — Quando lembro que é péssimo
jogando críquete. Venci-o quando eu tinha sete anos e você quatorze.
— Sim – respondeu ele. – Foi assim, verdade? — Não era uma pergunta, e
havia algo em seu tom que se mostrava muita suave.
Ela entreabriu os olhos.
— Oh, é isso. De maneira nenhuma eu ia derrotar você, né?
— Ah — a vacilação dele era evidente. Encolheu os ombros sem
comprometer-se. — É obvio que sim.
— Me deixou ganhar. E eu pensei todos esses anos... – Violet balançou a
cabeça. — Bem, isso encerra o assunto. Me recuso a que me chame de modo
formal depois de haver falsamente me proclamado campeã de críquete por
todos esses anos. Se você está autorizado a mentir, tem que me chamar Violet.
Ele sorriu novamente.
— É um prazer vê-la. Não imagina quanto agradeço sua visita.
Ela fez uma careta de desdém.
— Sempre foi muito educado para meu gosto.
— Sei — respondeu ele. — É uma das razões pelas quais nunca fiz nenhum
esforço para conquistar você.
Ela sorriu.
— Outra das razões foi que você estava casado quando entrei na
sociedade.
— Sim — assentiu Benedict. — E outra foi que meu irmão estava
apaixonado por você – sorriu. — Era a única que Sebastian queria e não podia
conseguir. Não imagina o quanto te agradeço por isso.
Respeito a isso...
Violet engoliu em seco. Ele não era bom em elogiar às pessoas nem
conseguir que entendessem seu ponto de vista. Era bom em intimidar, mas
Benedict nunca a tinha intimidado. E até ela hesitou em repreender um homem
doente do coração.
— Quando era mais jovem – comentou — sempre achava que você
guardasse um segredo horrível. Era muito amável – respirou fundo. – Você não
tem nem ideia de como é irritante saber que seu horrível segredo era uma
doença do coração e não um assassinato duplo cometido à luz da lua, por
exemplo.
— Espantoso — comentou ele. — Sinto-me desolado de não poder te
agradar.
— Sei — disse ela. — Era um pensamento estúpido. Você fazia o
impossível para desarmar as armadilhas dos caçadores quando a via. Não
podia suportar a ideia de ver um coelho sofrer. Por isso é tão difícil
compreender o que faz agora.
Ele se colocou a rir.
— Eu não faço nada. Se por acaso não se deu conta, estou confinado em
minha cama até novo aviso e é incrivelmente aborrecido.
— Refiro-me ao que está fazendo a Sebastian — disse ela.
Ele entreabriu os olhos. Não fingiu que não a entendia, mas sim suspirou e
afastou o olhar.
— Ah – disse. — Teria que ter adivinhado que meu irmãozinho pediria
ajuda — moveu uma mão no ar – diga a ele que não permitirei que ganhe nada
com trapaças.
— Ele não me enviou — Violet engoliu em seco. — De fato, deixei-o
sozinho sem nenhuma explicação. Eu só... — voltou a engolir em seco —
queria falar com você sobre seu irmão porque não estou segura de que o
conheça.
Um degrau rangeu fora do quarto.
Benedict fez um ruído grosseiro.
— Conheço meu irmão – declarou. — Conheço-o bastante bem. Sei muito
bem como faz para conseguir que outros façam sua vontade. Sei que é
convincente e bonito, que só tem que estalar os dedos e o mundo faz o que ele
quer. É um homem charmoso. Sebastian consegue tudo facilmente, não sabia?
E por causa disso, vive à deriva. Ele vai de uma pessoa a outra e de um
projeto a outro, perambulando por aí como uma mariposa, — mas Benedict
apertava a mandíbula como se quisesse convencer a si mesmo, não a Violet.
— Você o conhece melhor que isso — disse Violet. — Houve um momento
em minha vida que estive mais doente que você agora. Quase não podia
levantar a cabeça da cama. Meu marido estava de viagem a negócios e eu
estava presa em sua mansão, longe de meus amigos e de minha família. O
único que morava perto era Sebastian – afastou o olhar. — Visitava-me todos
os dias. E sabe o que fazia?
— O que fazia? Não. Mas sei exatamente por que o fazia — respondeu
Benedict com rigidez. — E me perdoe, mas você já foi casada e sabe o que é
isso. Para mim é óbvio o que queria.
— Queria me fazer rir — ela olhou para Benedict com dureza. — E
deitada na cama sem forças para segurar um copo de água, isso era a única
coisa que eu esperava com impaciência todos os dias. Dormia, despertava,
olhava o relógio e me perguntava quando ele viria.
— Sim — respondeu Benedict, incômodo. — Suponho...
— Você pensar que queria me seduzir quando estava muito doente para me
mover, é que é horrível.
Benedict voltou a cabeça.
— Suponho – suspirou. — Não. Sei.
— Você teve uma chance de ver como são Robert e Oliver — disse Violet.
— Mas não sei se você sabe como seriam sem Sebastian. São tão sérios os
dois! — Fez uma careta. — Com eles tudo é questão de vida ou morte — fez
uma careta novamente. — Deveria ver o que ocorre quando Sebastian chega.
Eu os vi discutir por algo durante três horas e assim que Sebastian entra na
sala, ri deles, faz uma brincadeira sobre si mesmo e no minuto seguinte
resolveram suas diferenças.
— Sim — respondeu Benedict, dessa vez algo mais secamente. – Estou
bem ciente de que meu irmão se acha um palhaço.
— Um palhaço? — Perguntou Violet. — Não. Ele é o único que conecta
tudo. Quando entra em um salão, todo mundo o olha. Algumas pessoas o
odeiam e outras o admiram, mais ninguém o olha com indiferença. Quando não
sei o que pensar, quando estou entupida com algum problema importante, ele
chega e, não sei como o faz, mas consegue acabar com as dificuldades.
Benedict respirou profundamente.
— O... — Fechou os olhos e sua voz se tornou em um murmúrio. — Sei.
— E não estou sozinha — disse ela. — Faz as pessoas sorrirem. Todo
mundo. Embora você o considere presunçoso, isso é um talento que ele tem.
Esse talento não fará com que ponham seu nome em uma placa, isso ele
conseguirá com outras coisas das quais fez, mas esse talento de fazer às
pessoas sorrir é o que faz com que o mundo valha a pena. Sebastian jamais se
meterá em uma guerra, mas graças a pessoas como ele, outros terão que lutar
bem menos. Faz com que todo mundo a seu redor seja mais do que é.
Benedict suspirou.
— Vejo que também conquistou você — balançou a cabeça – eu devia ter
adivinhado.
— Me diga, Benedict — disse Violet. – Algumas semanas atrás você disse
que jamais confiaria seu filho a ele.
Benedict não a olhou nos olhos.
— Desde o momento que está de cama, desde que lhe permitiu vir vê-lo,
quantas vezes esteve aqui? — Perguntou ela.
— Todos os dias — respondeu Benedict em um sussurro.
— E nesse tempo, discutiu alguma vez com você? Pediu algo pra você?
O irmão de Sebastian negou com a cabeça.
— Foi o que me pareceu — respondeu Violet. — E quantas vezes te faz
sorrir?
Benedict se mordeu o lábio inferior, começou a contar com os dedos e
acabou balançando a cabeça.
— Muitas vezes.
— E toda a vez que fez isso estava ocupado. Pedindo meu perdão à rainha,
respondendo telegramas de Harvard e ofertas de Paris. E, no entanto, quando
estava com você, o fez se sentir a única pessoa no mundo.
— Bom... eu...
— E você acha que não pode confiar seu filho a ele? Jamais o tome por
idiota.
Benedict respirou fundo.
— Violet — disse com suavidade. — Escute. Há algo... — interrompeu-se.
— Vou te dizer o que vai acontecer de agora em diante — sussurrou ela. —
Não quero te ouvir dizer que Sebastian não serve para nada nunca mais. É... é
muito valioso.
Benedict a olhou. Seus olhos estavam escuros e sombrios, mas se
aumentaram levemente. E então foi quando ela se deu conta de que não a
olhava. Olhava além dela.
Violet se virou e viu Sebastian de pé na soleira. Não olhava para Benedict,
olhava para ela. Olhava-a como se fosse o centro brilhante de tudo.
— Violet — disse com voz rouca.
— Sinto muito — ela ficou de pé. — Quando encontrei você antes, eu não
conseguia parar de pensar no que eu te fiz, me afastando quando me pediu que
permitisse que desse um jeito em minhas coisas. E então quis também fazer
com que as coisas para você melhorassem. Acredito que não estou pensando
muito claramente neste momento e...
— Repete — ele deu um passo para ela. — Repete o que disse a um
momento atrás.
Violet engoliu em seco.
— É muito valioso. É muito precioso. Depois de tudo o que tenho feito a
você, precisava tentar arrumar seus problemas. Você me suplicou algo e eu...
Ele colocou as mãos nos seus ombros e a atraiu para si.
— Não, querida. Eu não tinha direito de pedir a você o que pedi. Em todo
o tempo que esteve fora, pensei muito no que disse no tribunal, em suas
palavras ali. Disse que era seu trabalho, que ninguém tiraria isso de você —
estreitou-a contra si. — Isso era o que eu tentava fazer. Não só tentava ocupar
seu lugar na prisão, também tentava reclamar para mim o trabalho que você
tinha feito. Esteve magnífica e me dei conta de que não merecia você. De que
não poderia me perdoar nunca.
— Tolices. — Violet sentia uma opressão na garganta. — Isso é uma
tolice. Pelo o tempo que te conheço, você acha que uma tentativa de me poupar
da dor vai me afastar de você para sempre? Não seja ridículo. Eu te amo. Te
amo durante anos. Amava você inclusive quando não podia me permitir amar.
Ele a beijou então. Deu-lhe o beijo que ela não estava esperando, com
lábios suaves.
— E eu te adoro – ele sussurrou. – Te amo, você...
Benedict pigarreou atrás deles.
Sebastian se endireitou com brusquidão. Violet piscou e recordou de
repente que Benedict não só continuava no quarto mais sim, além disso, estava
confinado em sua cama e não podia escapar com discrição.
— Tudo isso é muito comovente — disse o doente. — E falo sério. Mas
não poderiam continuar em outro lugar onde não tenham plateia?
Violet ruborizou.
— Violet — disse Benedict — campeã de críquete. Se me fizer um favor,
eu gostaria de falar com meu irmão.
CAPÍTULO 27

— ENTÃO A CONDESSA VIOLET — DISSE BENEDICT, assim que a


porta fechou — Violet, a pequena Violet. Lembra que aos cinco anos você
anunciou que iria se casar com ela?
— Isso foi algo prematuro de minha parte — disse Sebastian. — Por favor,
guarde esse segredo. Ainda não o mencionei a ela.
Um sorriso cruzou o rosto do Benedict, mas desapareceu em seguida.
— Ouça, queria falar com você. Ontem falei com o doutor.
Sebastian ficou rígido. Se deixou cair na cadeira ao lado da cama de seu
irmão.
— Me deixou escutar meu coração — disse. — Não está muito mal,
levando em conta as circunstâncias. Quando recuperar um pouco mais de
forças, provavelmente poderei me levantar e caminhar por aí de novo, uma vez
que tiver cuidado — baixou o olhar. — Ainda há um som sibilante e uma
arritmia que se percebe claramente — fez um movimento com o dedo. — Um
ruído tão pequeno que vai me matar.
Sebastian tentou não se mostrar horrorizado e fracassou miseravelmente.
Pegou a mão de seu irmão e lhe deu um apertão.
— De certo modo — conseguiu dizer — isso é quase reconfortante.
Seu irmão o olhou surpreso.
— Sempre digo que eu serei a causa de sua morte — continuou Sebastian.
— É um alívio saber que possa estar enganado em algo. Há uma primeira vez
para tudo.
Os lábios de Benedict se entreabriram em um sorriso.
— Isso é horrível.
— Oh, sim — respondeu Sebastian. — Isso também é típico em mim. Não
me importo quanto tempo fique, Benedict. Tomei uma decisão e você não
poderá me convencer do contrário. Tem razão, não há muitas coisas em que me
dê bem, mas fico feliz em fazer as pessoas sorrirem — apertou mais forte a
mão de seu irmão. — Se tiver que morrer, será melhor que o faça com um
sorriso no rosto.
Benedict balançou a cabeça.
— Tenho uma confissão a te fazer.
Sebastian assentiu.
— Eu gosto de uma boa confissão. Mas não me diga que fez algo de
errado. Seria impossível de acreditar.
— Você está tornando isso ainda mais difícil — Benedict engoliu em seco.
— É só que..., se fui muito duro com você é porque sempre faz com que tudo
parecesse mais fácil.
Aquilo não fazia nenhum sentido. Sebastian se recostou em sua cadeira e
olhou para seu irmão.
— Como? — Perguntou.
— Eu sempre tive que trabalhar duro por qualquer coisa. Fazer amigos era
um grande esforço de minha parte. Sempre tive que planejar o que devia dizer
e quando dizer. E logo você nasceu e nem sequer precisava tentar. No
momento em que começou a andar, outros meninos lhe seguiam, querendo
agradar você em tudo o que pudessem. Estudava horas todos os dias e não
conseguia aprender. Você não fazia nada de nada e mesmo assim entendia tudo
melhor que eu. Quando eu era mais jovem, imaginava que algum dia faria
coisas importantes, que as pessoas estariam cientes de todas minhas palavras.
Que algum dia seria importante para o mundo.
Balançou a cabeça, com um sorriso de tristeza no rosto.
— E logo chega meu irmão pequeno e transtorna o mundo. Você é famoso.
E não só por causa de Violet. É muito brilhante por direito próprio.
Sebastian se esforça para manter um rosto inexpressivo.
— Ah. Bom, quanto a isso...
— Não, não diga nada. Estou falando — Benedict agarrou a roupa de
cama. — Lhe dei um sermão sobre meus lucros porque queria que aprendesse
humildade. E o que você fez? Foi e ganhou vinte e duas mil libras em poucas
semanas.
Sebastian decidiu não mencionar que já subiam para vinte e sete mil.
— Levei anos para ganhar uma posição medíocre na Sociedade para a
Melhoria do Comércio Respeitável e de repente chega você e me entrega uns
papéis nos quais anuncia que conseguiu me superar mais uma vez. Você leva
uma vida encantada, Sebastian.
— Talvez seja porque sou muito encantador. — Respondeu Sebastian.
— Sim — disse seu irmão. – Você é! O rosto do meu próprio filho se
ilumina quando você entra na sala. Comigo não acontece o mesmo. Não
aconteceu nunca. Ao seu lado, eu sou o aborrecido e chato Benedict.
Sebastian piscou.
— Não, não – respondeu. — Isso não tem nenhum sentido. Você é Benedict
o perfeito. Benedict não faz nada de errado. Benedict é aceito em todas as
partes. Eu queria aprender a me comportar como Benedict! Você é a versão do
Sebastian que sempre é respeitável, sempre...
— Não — Benedict engoliu em seco. — Eu sou o irmão mais velho que
era tão impossível que fosse querido, que até o irmão mais novo e mais
encantador e carinhoso do mundo acabou se rendendo a mim. Quer saber a
verdade? Tenho inveja — sua voz desceu de volume. — Tenho ciúmes de
você. Tenho ciúmes de tudo o que o rodeia. Passei anos me perguntando por
que era você a ter essas intuições científicas brilhantes. Por que você? Você já
tinha tudo. Por que não eu?
Respirou fundo.
— Li todos seus ensaios. Eu não entendo uma única coisa. Posso me
perguntar por que Violet não veio para mim ao em vez de você, mas já sei a
resposta — soltou ar com força. — Não só não confiava em mim, sabia que eu
não a ajudaria do modo que ela precisava, mas tenho certeza que ela sabia que
eu não seria capaz de fazê-lo.
— Bom — respondeu Sebastian, afastando olhar. — Isso não sei.
— Eu sim — Benedict estendeu o braço e pegou sua mão. — Tenho que
dizer isso. Sinto muito — apertou a mão de Sebastian. — Eu te amo e... –
Engoliu em seco. — E eu nunca deveria ter deixado que o meu estúpido
ciúmes se interpôs-se no que mais convém a meu filho.
Sebastian soltou um ar que não sabia que estava retendo.
— E agora — terminou Benedict com um sorriso, — arrumaremos os
detalhes de sua tutela legal assim que pudermos. Mas no momento acredito que
há uma mulher esperando você lá em baixo.

ELA O ESPERAVA NA ENTRADA, com olhos brilhantes.


Quando o viu, sorriu para ele.
— Olá — disse ele. – Pensou na oferta que te fiz? Cambridge? Harvard?
King's College?
— Preciso saber de mais detalhes. Todas as condições. Tenho de pensar
muito bem.
Sebastian se aproximou devagar da mulher que amava.
— Eu pessoalmente me interessei por Paris. E sempre quis ser marido de
uma professora universitária. Acredito que essa posição vai te cair bem.
— Paris está bom, mas... — Violet se interrompeu e o olhou nos olhos. —
Um o quê?
— Marido de uma professora universitária. Posso oferecer chás para as
esposas de outros professores — ele sorriu. — Faria um trabalho excelente.
— Sebastian — disse ela. – Está me pedindo em casamento?
— Oh, não — ele a rodeou com seus braços e a atraiu para si. — Estou
insinuando que você é quem deveria me pedir.
Violet soltou uma gargalhada.
— Está bem, então — apoiou a mão no ombro dele. — Na próxima terça-
feira? Isso certamente desencadeará fofocas.
Ele aspirou seu perfume, doce e embriagador; voltou a sorrir.
— Na próxima terça-feira, então. E que inteligente foi em roubar a
carruagem para vir aqui! Se tivéssemos vindo os dois a cavalo, teria sido
muito incômodo para meus propósitos. Adivinha o que vou fazer com você no
caminho de volta?
Ela o olhou com olhos obscurecidos.
— Tenho que adivinhar ou vai me dar alguma ideia?
Ele se encontrou sorrindo.
— Ambas as coisas. Faz... bastante tempo.
— Certamente — sorriu. — Estou esgotada depois de tudo o que descobri.
Ele levantou o queixo dela e a beijou nos lábios.
— Nesse caso, teremos que nos assegurar de que durma muito, muito
profundamente essa noite.
EPÍLOGO

Dois anos depois.


SE ENCONTRE COMIGO NA LIVRARIA CASTEIN. Sua criada pessoal,
Violet Malheur.
Sebastian sorriu. Dobrou em quatro partes o papel que acabavam de lhe
entregar e o guardou no bolso perto do peito. Ficou de pé.
— Cavalheiros.
Os três homens que o acompanhavam piscaram com ar incerto na pouca luz
do clube de cavalheiros. Sebastian começou a recolher os papéis espalhados
pela superfície de mogno da mesa.
— Malheur — queixou-se um deles. — Já estava quase conseguindo
entendê-lo. Uns minutos mais e estou seguro de que compreenderei o que
disse. Volte do começo. Comece pelas correções de segunda ordem que fez às
tarifas de seguros e logo...
— Não se incomode — disse Benedict. Recostando-se em sua cadeira e
deu um sorriso para Sebastian. — Quando tem essa expressão nos olhos, não
muda de ideia. E acontece que sei que sua esposa estava de viagem, assim
posso adivinhar quem lhe enviou essa mensagem.
— Sim, bem — murmurou o outro homem. — Esposas. As esposas são
bons motivos, mas... ah... – Parou e em seguida levantou o olhar para
Sebastian como se acabasse de recordar quem era a esposa desse último.
— Acaba de retornar de Viena — disse Sebastian. — Foi dar uma palestra
lá. Faz seis dias que não a vejo.
— Mas...
— Mas nada — respondeu Sebastian. – Nos encontraremos amanhã às dez.
Despediram-se com educação, em parte porque Benedict apoiou Sebastian
e ficou conversando com os outros. Sebastian sabia que o meio de transporte
mais rápido seria o metro. Ele o pegou, mas não se dirigiu à livraria Castein,
que tinha fechado nove meses atrás.
Que sentido teria usar um código se todo mundo pudesse entendê-lo?
Aquela nota significava: Ao diabo com nossas responsabilidades, veem me
ver o mais rápido que possa.
Dirigiu-se para sua casa, irritado com os homens que o roçavam com os
cotovelos nos vagões. O tráfico parecia abominavelmente lento e se
surpreendeu olhando seu relógio uma vez ou outra.
Não se incomodou em entrar pela porta principal. Entrou por uma porta
lateral e correu pelo caminho de tijolos que cortava os arbustos e chegava até
a estufa.
A nota dizia que ela tinha sentido falta dele. E ele também sentia dela.
A maioria dos experimentos de Violet tinham lugar no King's College, em
uma estufa enorme que dirigia. Esse, lugar atrás de sua casa, só guardava
algumas curiosidades como as que ela tratava em seu tempo livre. Isso e
muitas lembranças.
Ela estava de pé medindo a folha de uma orquídea. Não levantou o olhar
quando ele entrou. Nem sequer piscou quando Sebastian ficou atrás dela.
Mas quando lhe rodeou a cintura com os braços, ela fechou os olhos e se
apoiou nele. Soltou a régua que tinha na mão e lhe agarrou as mãos.
— Senti tanta falta de você. — Disse.
— Eu também senti de você. — Beijou sua orelha. — A próxima vez irei
com você.
A pele do pescoço dela era suave e delicada. Sebastian a mordiscou e
Violet suspirou.
— A próxima vez querem falar com você também. — Respondeu. —
Depois de tudo, é o...
Sebastian lhe lambeu o pescoço e ela voltou a suspirar.
— O coautor de... — disse.
Ele baixou as mãos pelo estômago.
— Umm – ela murmurou. — Sebastian...
— Minha muito encantadora Violet — afirmou ele. — Quando for a Viena
com você, não pensará em mim como seu coautor. Pensará em mim como o
homem que te deixou muito rouca para que pudesse falar na manhã seguinte.
— Oh — exclamou ela com um sorriso. — Suponho que deveríamos ver se
isso é possível. Praticamos agora? — Voltou a cabeça para ele.
— A palavra praticar implica que haja imperfeições. — Ele pôs um dedo
debaixo do queixo e lhe levantou a cabeça. – E que devemos procurar modos
de melhorar — os lábios dela eram muito suaves. Beijou-a e ela respirou
forte. — E você – ele sussurrou — você já é perfeita.
O quarto livro da série é O Escândalo da Sufragista, baseado na vida
Free Marshall, a irmã do Oliver. Se quer ler o primeiro capítulo, por favor
passe a página.
PRIMEIRO CAPÍTULO DE: O
ESCÂNDALO DA SUFRAGISTA

Cambridgeshire, março de 1877


EDWARD CLARK ESTAVA ABORRECIDO consigo mesmo.
Fazer um favor a um homem era uma coisa. E outra muito diferente era
abrir-se caminho entre a multidão desordeira das margens do rio, procurando
uma boa posição a empurrões. E por que razão? Para ver alguns botes dobrar
uma curva do Tâmisa? Até que não tivesse visto o jornal essa manhã, não teria
o conhecimento de que conhecia um membro da equipe de Cambridge.
E, entretanto, ali estava. Esperando. Como todas as pessoas que o
rodeavam, inclinava-se para diante com interesse. Do mesmo modo que elas,
conteve o fôlego quando viu um bote. Mas a equipe da ponta usava uniforme
azul escuro e a multidão em torno dele rugiu: "Oxford, Oxford". Edward
cravou os calcanhares no chão, mas antes que pudesse relaxar-se, apareceu
outro bote à vista, equipado com homens vestidos de azul claro. Soaram gritos
de disputa.
Edward não aclamou. Olhava atentamente o bote de Cambridge.
Fazia quase uma década que não via Stephen Shaughnessy. Então Stephen
era um pirralho. Um menino irritante, sempre presente como um mosquito.
Edward esperava sentir uma onda de nostalgia quando aparecesse à vista.
Possivelmente inclusive o puxão amargo da culpabilidade.
Mas não foi capaz de pôr nome aos sentimentos que o embargaram:
emoções escuras e imprecisas que lhe faziam sentir-se incômodo, lhe deixava
os músculos tensos e lhe criavam um latejar no dedo mindinho. Não eram
sentimentos propriamente ditos. Só tinha a sensação de que ia haver tormenta
e, entretanto, não tinha nenhuma nuvem no céu.
Stephen, de que soube pelo jornal era o terceiro homem no bote de
Cambridge, não era mais que uma mancha imprecisa de cabelo escuro e
músculos em movimento. Raramente podia ser um motivo para que Edward
deixasse sua cômoda casa em Toulouse e pusesse em perigo a vida
complacente que tinha desenhado para si mesmo.
Mas isso era justamente o que fizera. Tinha tentado erradicar seu
idealismo, mas, ao que parece, ainda conservava alguns princípios estúpidos.
Os aplausos da multidão cresceram em volume, voltaram-se mais
buliçosos. A competição estava acirrada. As camisas azul claro de Cambridge
se aproximavam das de Oxford. Edward se sentia como uma rocha escura,
sólida e inabalável, em meio de uma maré de entusiasmo.
Nada representava seus antigos princípios, valentes e irrelevantes, mais
completamente que as pessoas congregadas ao longo das margens do rio.
Todos outros se concentravam no que era, no momento, o mais importante do
universo: os homens em seus botes, lutando por alcançar mais velocidade na
água agitada. Ali não havia problemas éticos. Em um universo de incerteza,
aquilo era algo gravado em pedra. Ali só havia branco no preto, bem e mal,
Cambridge e Oxford.
E Oxford ia ganhando por um metro.
Nem todo mundo estava entusiasmado. A sua direita, uns passos mais atrás,
havia uma mulher que mal ocultava seu aborrecimento. Usava um vestido
carregado com laços que o fazia parecer um bolo de caramelo de seda.
Bastante bonita de se olhar, mas que Edward suspeitava que provavelmente
seria prejudicial para os dentes se tentasse prová-la. Agarrava-se ao braço de
um homem de rosto radiante e olhava para o rio a cada meio minuto mais ou
menos, com a expressão de uma mulher que se viu arrastada até ali e fazia o
possível para fingir interesse.
A maioria dos que estavam mais afastados da margem nem sequer tentavam
ocultar sua falta de interesse. A competição era o lugar em que todos queriam
estar, para ver e ser vistos. Edward pensou que deveria reunir-se aos que
estavam mais longe e deixar seu lugar privilegiado para alguém que o
desfrutasse.
E então seus olhos pousaram em uma mulher. Ela não estava na parte de
trás com a multidão por falta de interesse, pois subira em um tamborete para
ver melhor a regata. Vestia uma saia escura e uma camisa branca. Mas sua
jaqueta tinha um ar masculino: linhas retas, ombreiras e fechado ao estilo
militar nos punhos. Usava um chapéu de feltro de homem. Ao redor do
pescoço luzia um tecido desses tons estranhos entre azul claro e esverdeado
que se conhecia como o "azul Cambridge", imitando a um lenço de homem.
Não fingia estar interessada pela competição, seu interesse era genuíno.
Inclinava-se para frente, tão interessada quanto o estudante mais ávido, como
se pudesse empurrar o bote com o poder de sua mente.
A intenção de Edward era retroceder, mas quando abriu caminho entre as
pessoas da margem, resultou que não retrocedeu. E sim se encontrou
avançando em direção à mulher como se fosse um satélite atraído para dar
voltas a seu redor. Ao aproximar-se, viu mechas de cabelo acobreado que
apareciam por debaixo do chapéu.
Ela contemplava a disputas com tanta concentração que nem sequer se deu
conta de que ele parou uns centímetros de distância. Estava nas pontas dos
pés, com os punhos apertados aos lados e os olhos fixos na competição.
Os remadores se aproximavam da reta final. A mulher mordeu o lábio
inferior e deu um pontapé.
Edward se virou para o rio. Ainda teve tempo de ver o que acontecia. Um
objeto escuro voava pelo ar da ribeira oposta. Os gritos de ofego deram passo
a outros de ultraje. E logo o objeto, fosse o que fosse, alcançou ao bote de
Cambridge justo na posição de Stephen. Rompeu-se e Edward viu uma
explosão de laranja gritante.
Havia acertado. Aproximava-se uma tormenta. Adiantou-se com os dentes
apertados e embargado pela fúria. Mas não havia nada que pudesse fazer ali,
nas margens do rio.
Recordou então por que odiava a Inglaterra. Fazia quase uma década que
não se sentia tão impotente, desde que seu pai tinha ordenado que despissem a
Stephen e Patrick até a cintura e os açoitasse diante dele. Por isso havia
retornado. Porque depois de todos esses anos, por fim surgiu a ocasião de
fazer algo com a fúria que enterrara.
O bote estava já o bastante perto para que Edward visse Stephen perder o
ritmo e limpar o rosto. Tinham-lhe arremessado algum tipo de tintura laranja
dentro de um projétil frágil.
— Oh, terrível! — Gritou a mulher do lenço do pescoço. — Não deixe que
mexam com você, Stephen, lhes dê uma lição.
Edward se voltou para olhá-la. Conhecia Stephen? O mistério aumentava.
Ela usava as cores de Cambridge e animava Stephen como se tivesse direito a
fazê-lo. Edward não sabia quem era. Podia ser sua noiva, embora não teve a
informação de que ele fosse comprometido. Certamente, não era da família,
disso estava seguro.
A essa distância não podia ver a expressão de Stephen, mas não era
necessário. Havia determinação em seus ombros, uma determinação que
Edward reconhecia muito bem. Foi muito amigo do irmão mais velho de
Stephen. Este era cinco anos mais novo, um acompanhante inoportuno no
melhor dos casos, um chato insistente no pior. Tinha seguido aos meninos mais
velhos a todas as partes com aquele mesmo ar, com a determinação de não ser
excluído. Quanto mais se esforçavam por deixá-lo de lado, mais se grudava a
eles. Ao que parece, essa insistência não tinha mudado, pois naquele momento
remava com mais força. O bote de Cambridge se adiantou um metro e depois
outro. E logo passaram uma cabeça e cruzaram ao lado do bote dos juízes
entre o rugido da multidão.
— Assim esses caipiras aprenderão — murmurou a mulher ao lado de
Edward. Ela levou dois dedos aos lábios e lançou um agudo assobio de
aprovação.
Não havia nada recatado nela. Edward pensou que as mulheres na
Inglaterra mudaram muito em sua ausência. Em sua opinião, a mudança foi
para melhor.
Ela retirou os dedos e, pela primeira vez, fixou-se nele. Elevou as
sobrancelhas, como desafiando-o a repreendê-la.
Nada mais longe da intenção de Edward. Olhou-a.
— Deixe me ver se o adivinho. Seu irmão? — Apontou para Stephen.
Sabia que ela não era parente, mas não desejava revelar sua conexão com ele.
— Isso foi uma vergonha.
Lhes tremeram as aletas do nariz.
— Não mais que algumas das outras coisas. Bom, não importa.
Ou seja, Patrick acertara. Stephen estava em apuros e possivelmente
houvesse algo que Edward pudesse fazer a respeito.
— E não — continuou a mulher. — Não é meu irmão.
Ela não levava anel no dedo.
— Deve haver um irmão em alguma parte — murmurou. — Alguém é
responsável por todo esse espírito de Cambridge — assinalou o lenço do
pescoço.
Ela franziu os lábios, como se acabasse de ouvir algo muito gracioso e
tivesse medo de rir para não ferir seus sentimentos.
— Meu irmão frequentou Cambridge — confessou. — Mas isso já faz
décadas. Não torço por causa dele.
— Ou seja que desenvolveu um gosto pelo esporte quando seu irmão
estava... — ele se deteve. Não era bom calculando idades. Nunca tinha sido.
Mas décadas atrás, ela mesma podia ser uma menininha.
A mulher soltou um risinho.
Edward voltou a tentá-lo.
— Conhece um dos remadores, o que mancharam com a tintura. Gritou seu
nome?
— Oh, sim. Stephen Shaughnessy. Nós os párias de Cambridge temos que
manter algum tipo de camaradagem.
— Párias? — Ele franziu o cenho e logo se deu conta de que essa não tinha
sido a palavra mais surpreendente que usara. — Temos?
Já viu o que têm feito — ela colocou uma mão no quadril, apoiada na
jaqueta de brocado branco. — Se conhece o nome de Stephen Shaughnessy,
poderá adivinhar por que não conta com a admiração geral. Quanto a mim,
pode deixar de sondar com educação. Tecnicamente não sou uma pária de
Cambridge, ou já não mais. Graduei-me faz uns anos no Colégio Girton para
Mulheres.
Fazia muito tempo que Edward não se surpreendia tanto. Sabia,
hipoteticamente, que existia Girton e que nele se graduavam mulheres. Mas
não havia muitas. A quantidade era tão pequena que resultava quase
inexistente. Piscou e a olhou com atenção. A jaqueta masculina, o lenço
envolto ao redor do pescoço... Oh, sim, as mulheres tinham mudado desde que
ele se foi da Inglaterra.
— Você é uma sufragista — disse.
Ela exalou e ele sentiu um golpe quase físico. O vento lhe soltou as mechas
de cabelo debaixo do chapéu e reluziam sob o sol com um tom mogno
brilhante. A jaqueta deveria lhe haver dado um ar masculino, mas o corte
ressaltava suas curvas em vez de as esconder e realçava até a última diferença
entre seu corpo e o de um homem. Mas era seu sorriso a que a fazia perigosa.
Um sorriso que dizia que podia enfrentar ao mundo inteiro e o faria duas vezes
antes de tomar o café da manhã.
Ela o apontou com um dedo.
— Pronuncia errado essa palavra.
— Perdão? — Ele tentou recordar o que havia dito. — Sufragista? Como
se pronuncia, então?
— Sufragista — disse ela — pronuncia-se com sinais de exclamação.
Assim: Viva! Sufragistas!
Edward teve que esforçar para não sorrir. Mas do mesmo jeito que a lua
não podia ignorar à terra, ele tampouco podia afastar-se dela. Olhou-a aos
olhos.
— Eu não pronuncio nada com sinais de exclamação.
— Não? — Ela encolheu os ombros. — Pois este é um bom momento para
começar. Repita comigo: "Três hurras pelo voto das mulheres!"
Edward sentia que seu regozijou se espalhava por seu rosto apesar de seus
esforços por controlá-lo. Apertou os lábios em uma linha reta e baixou a voz.
— Não — disse. — Aclamar está além de minhas habilidades.
— Oh, lástima — ela falava com tom compassivo, mas seu olhar era
zombador. — Agora o entendo. Você é um mulherántropo.
Ele nunca ouvira antes aquela palavra, mas o significado era muito claro.
Ela julgava que era como todos os outros homens da Inglaterra. Seria estúpido
protestar e dizer que ele era diferente. E seria estúpido que lhe importasse o
que aquela desconhecida pensasse dele.
Falou de todos os modos.
— Não, sou um realista. Provavelmente não conheceu nunca a nenhum.
— Oh, claro que sim — ela pôs os olhos em branco. — Já ouvi de tudo.
Deixe-me ver. Você acredita que as mulheres votarão nos candidatos mais
bonitos sem utilizar sua faculdade mental para raciocinar. Seu realismo é
desses?
Ele olhou com irritação os olhos acusadores dela.
— Pareço tolo? Não vejo nenhuma razão para que as mulheres não votem;
a maioria de vocês não é mais estúpida que a maioria dos homens. Se
houvesse justiça no mundo, as sufragistas alcançariam todos seus objetivos
políticos. Mas o mundo não é justo. Passará toda sua vida lutando por vitórias
que se perderão em disputas políticas dez anos depois de ter sido obtidas. Por
isso não lhe dedicarei três hurras. Não serviriam outro propósito que me fazer
desperdiçar meu fôlego.
Ela o olhou um momento. Olhou-o de verdade, como se o visse pela
primeira vez em lugar de imaginar a um homem... mulherátropo.
— Deus Santo! — Colocou a mão no bolso de sua saia. — Tem razão. Não
conheci ninguém como você — voltou a olhá-lo e dessa vez foi inconfundível
o modo em que o observou devagar da cabeça aos pés. Em Edward o coração
deu um salto. Ela lhe sorriu. — Bem, senhor Realista, me chame caso
necessite algum dia de um sinal de exclamação. Tenho uma caixa cheia deles.
Edward demorou um momento em dar-se conta de que lhe estendia um
cartão, que deslizou entre os dedos enluvados de sua mão direita. Ele o pegou
com a esquerda antes de que caísse ao chão. Era um cartão simples e sem
adornos, sem as decorações pequenas nem as letras enroscadas que alguém
esperava ver no cartão de visita de uma mulher. Mas, por outro lado, aquele
era um cartão de negócios. Era a primeira vez que uma mulher lhe dava um
assim.
Frederica Marshall, B.A.
Proprietária e redatora chefe
Imprensa Livre de Mulheres
Por mulheres, para mulheres, sobre mulheres.
Quando Edward elevou a vista, ela já tinha partido. Divisou-a a uns metros
de distância. Abria caminho entre a multidão com seu tamborete sob o braço.
Até que desapareceu entre a multidão e ele ficou ali plantado com o cartão
dela na mão.
A SÉRIE OS IRMÃOS SINISTROS
A Paixão da Governanta
A Guerra da Duquesa
A Vantagem da Herdeira
A Conspiração da Condessa
O Escândalo da Sufragista
NOTA DA AUTORA

A primeira coisa que supus dessa série, antes inclusive de saber que se
intitularia Os Irmãos Sinistros, antes de não saber nada de Oliver e Robert, a
primeira coisa que soube foi que Violet Waterfield, uma viúva tranquila e seu
melhor amigo, um libertino, seriam sócios em um empenho científico no qual
ela faria todo o trabalho e ele receberia todo o mérito. Do começo dessa série,
tive a sensação de estar evitando em minhas notas de autor o trabalho de
Sebastian, fazendo o possível para não me referir a isso como o trabalho de
Sebastian sendo que eu sabia que o trabalho pertencia a Violet.
Agora posso falar por fim diretamente do trabalho de Violet.
No mundo real, o estudo da genética começou em 1865, quando Gregor
Mendel levou a cabo seus agora famosos experimentos com pés de ervilhas. É
obvio, imagino que esses experimentos também podiam ter sido realizados em
meu mundo, pois eu não mudo a história que aconteceu antes dessa série, só
acrescentei dados. Neste caso, entretanto, minhas adições sim teriam mudado a
história a partir delas. O descobrimento de Violet sobre a dominância
incompleta das bocas de dragão em 1862, combinado com um mundo no qual
esses descobrimentos tivessem sido feitos por alguém próximo a Charles
Darwin, teria acelerado o ritmo da mudança científica.
No mundo real, as descobertas de Mendel foram esquecidas durante uma
década e não se combinaram imediatamente com o trabalho de Darwin. Foram
redescobertos nos finais do século XIX. O trabalho de Mendel foi uma pedra
angular: uma dessas peças de quebra-cabeça científico que, uma vez
encontrada, levou a uma cascata de descobrimentos. Uma vez que soubemos
que as características eram herdadas, quisemos saber qual era o mecanismo. A
teoria dos cromossomos se promulgou logo depois que o trabalho de Mendel
no catálogo foi reintroduzido.
Não há razão para que não pudesse ocorrer muito antes. Os cientistas
começaram a ver o que havia no coração do núcleo em meados da década de
1860. Foi então quando se utilizou pela primeira vez a tintura azul de anilina
(um precursor do azul de metileno que se utiliza hoje) em contextos
biológicos. Mas eles não sabiam o que viam. Os primeiros relatórios sobre os
núcleos são divertidos e muito confusos. (Um dos relatórios que li, de 1864,
resultava tão incoerente que eu o chamava de " arco íris duplo").
Compreendiam tão pouco o que viam que em 1867 ainda se referiam à massa
observada no centro do núcleo como "cromatina", que significa "matéria que
se colore". A palavra "cromossomo" demoraria ainda muitos anos em
aparecer, não surgiu até que as pessoas começassem a perceber que o número
de cromossomos que continha uma célula podia ser importante.
Eu tive a grande sorte, ao escrever isso, de poder idealizar um caminho
alternativo para o descobrimento da teoria dos cromossomos, um caminho que
passava pelo nome de Violet. Não foi pouco planejado. Comecei a ler ensaios
sobre a genética das violetas só porque queria que Sebastian apresentasse
algum trabalho próprio.
Encontrei um grande campo de investigação que se feito no princípio do
século XX, pouco antes que se publicasse pela primeira vez a teoria dos
cromossomos, uma investigação sobre a genética e os cromossomos das
violetas, quase todos os ensaios escritos por J. Clausen. Tenho uma dívida
profunda com esse trabalho. Sua descrição de seus métodos foi de grande
ajuda, pois explicava o que teria feito Violet para desenvolver seu trabalho.
(Uma das coisas principais que não disse nesse livro é que Violet teria que
castrar as flores que teria que polinizar para evitar a autopolinização. Estou
segura de que a dignidade de Sebastian teria suportado essa imagem, mas seria
difícil trabalhar com essa analogia).
Mas os relatórios de J. Clausen e o trabalho que detalhou em seus ensaios
me levam a outro tema.
É quase impossível rastrear todas as contribuições femininas à ciência de
finais do século XIX e princípios do XX, principalmente porque muitas dessas
contribuições não foram registradas. Mas as encontrei inclusive sem buscas.
No ensaio de Clausen sobre a genética das violetas melanium há uma parte
muito interessante.
Clausen dá os méritos a sua esposa com o seguinte comentário: "Esses
avanços não teriam sido possíveis sem a amável e muito precisa ajuda de
minha esposa, Fru Anna Clausen. A polinização artificial, junções, fixações,
etiquetamento e coleta foram quase exclusivamente obra dela, e também me
ajudou na contagem dos tipos segregados". É um comentário arrojado, mas que
enumera quase todo o trabalho que requeria esse ensaio. No mundo de hoje,
esse trabalho seria feito por um estudante graduado ao que se consideraria, no
mínimo como coautor, se não o autor principal do trabalho.
Clausen foi o único autor desse ensaio.
Não o vou criticar. Mas suas palavras estão aí aos olhos de todos: "Minha
esposa fez quase todo o trabalho. Eu levei o mérito. E hoje em dia isso não lhe
parece estranho a ninguém".
E agora chegamos ao princípio deste livro: a dedicatória.
Rosalind Franklin foi uma cristalógrafa brilhante de raios X cujas imagens
de DNA foram fundamentais para descobrir a estrutura do DNA e, com ela,
para entender o que são os gens e como se transmitem. Mas embora seu
trabalho foi essencial para o descobrimento da estrutura de dupla hélice do
DNA, seu nome não figurava no famoso ensaio que anunciou essa estrutura. O
relatório que publicou Watson de seu descobrimento (intitulado A dupla
hélice) designava ao Franklin com uma variedade de nomes pouco aduladores
que duvido muito que se usaram para descrever a um homem. Watson
confessou que Crick e ele tinham utilizado os dados dela sem sua permissão.
Franklin morreu de câncer de ovários antes de que Watson e Crick
ganhassem o prêmio Nobel por seu descobrimento, assim nunca saberemos se
lhe teria permitido compartilhar essa honra. (Mas procurando um contraponto,
olhemos a Lise Meitner, que ajudou a descobrir a fissão nuclear e não lhe
deram o Nobel embora estava viva).
Franklin não foi a primeira mulher cientista, nem muito menos a única. E
certamente, não foi a primeira mulher cujo trabalho utilizou um homem sem
reconhecer seus méritos.
Mas sim é a que mais se menciona, não porque fora a primeira mulher cujo
trabalho utilizavam os homens sem reconhecer seus méritos, mas sim porque
foi a primeira mulher da que se reconheceu que esse tratamento era injusto.
Ao final, quis deixar Violet no King's College porque era ali onde estava
Rosalind Franklin quando fez seu importante trabalho. Eu gostaria de acreditar
que isso teria suposto alguma diferencia em algum outro mundo para alguma
outra Rosalind Franklin.
Portanto, caso se perguntava pela dedicatória do começo, espero que agora
tenha sentido para você.
Para Rosalind Franklin, cujo nome conhecemos.
Para a Anna Clausen, a quem descobri enquanto escrevia este livro.
Para todas as mulheres cujo nome desapareceu sem reconhecimento.
Este livro é para vocês.
AGRADECIMENTOS

Obrigado por ler A Conspiração da Condessa. Espero que tenha gostado.


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Uma se a nós em http://facebook.com/courtneymilanauthor.
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• Os comentários ajudam a outras leitoras a encontrar livros. Agradeço
todos os comentários, tão positivos como negativos.
Acaba de ler a terceiro romance da série Os Irmãos Sinistros. Outros
livros da série são A Paixão da Governanta, um romance curto e prévia da
série Os Irmãos Sinistros, A Guerra da Duquesa, A Vantagem da Herdeira, e
O Escândalo da Sufragista. Espero que desfrute de todos.
{1}
— Extensões fluidas do citoplasma de seres unicelulares, esp. daqueles do filo protista dos
rizópodes, utilizadas para a alimentação e a locomoção;

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