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O

REINO
EA

IGREJA
Witness Lee

©1971 Living Stream Ministry

ÍNDICE
O Evangelho e o Reino
A Vida e o Reino
A Relação entre o Reino e a Igreja
A Edificação da Igreja relacionada ao Reino

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O EVANGELHO E O REINO

CAPÍTULO UM

Leitura da Bíblia: Mt 4:17; 24:14; Jo 3:3, 5; Ap 5:9-10; Rm 14:17

Neste livrete consideraremos a relação entre o reino de Deus e a igreja, mas, em


primeiro lugar, desejamos fazer uma pergunta essencialmente relacionada com
nosso tema: Qual é o objetivo do evangelho? Em nossa pregação, geralmente
contamos a história do evangelho a partir do ponto de vista humano e
raramente a partir do ponto de vista divino. Por um lado, a nós, pregadores,
falta uma noção geral suficientemente elevada do evangelho; por outro, é mais
fácil pregar a partir do ponto de vista humano, pois, assim, podemos fazer um
apelo mais pessoal à nossa audiência. Se pregarmos o evangelho do ponto de
vista de Deus, nossos ouvintes poderão considerá-lo muito distante, e por não
sentirem que é de interesse imediato, será difícil tocar na emoção deles;
portanto, fazemos do salvar-se do pecado o objetivo e oferecemos alegria e paz
à nossa audiência. Ocasionalmente, elevamos um pouco o padrão e apresenta-
mos a vida como o alvo. Nosso ponto de partida é o pecado, a inquietação, a
miséria e a condição morta do homem. Nosso alvo é perdão, paz, alegria e vida.
Já que enfatizamos a necessidade humana quando pregamos o evangelho,
nossos convertidos enfatizam o que ganharam quando aceitaram o evangelho.
Eles dizem: "Eu cri no Senhor Jesus e obtive perdão de pecados; ganhei paz,
alegria e vida."

Mas se examinarmos cuidadosamente a Bíblia, deixando de lado nossos


próprios conceitos, veremos que a apresentação bíblica é muito diferente da
nossa. Ela é assim: "Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus." Ela
apresenta o reino como o objetivo do evangelho. Deveríamos arrepender-nos
não simplesmente para obter perdão, paz e vida, mas por existir um reino
celestial que exige o nosso arrependimento. Devemos arrepender-nos para que
nos tornemos participantes desse reino. Podemos estar satisfeitos por haver
obtido perdão, paz e vida, mas Deus não está satisfeito com isso.
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Não foi somente João Batista que começou sua pregação com as palavras:
"Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus." Estas mesmas palavras
também foram faladas pelo Senhor Jesus quando começou Seu ministério.
Nesta dispensação do Novo Testamento, ao apresentar o evangelho ao homem,
Deus mostra o reino como seu objetivo transcendente. Quando, no Novo Testa-
mento, Ele substitui a lei pela graça, Ele o faz por causa do reino, porque a lei
era impotente para introduzir os homens no reino. Uma vez que vemos o reino,
percebemos quão insuficiente era nossa antiga pregação do evangelho.

Quão familiar é o assunto do novo nascimento! Quantos têm pregado sobre esse
tema baseados no terceiro capítulo de João! Mas quantos têm visto o propósito
do novo nascimento? Nosso Senhor disse: "Se alguém não nascer de novo, não
pode ver o reino de Deus" 0o 3:3). O objetivo apresentado por Ele era o reino! O
propósito do novo nascimento é capacitar-nos a entrar no reino!

Temo que não muitos tenham este conceito sobre o novo nascimento — que
Deus nos deu Sua vida a fim de que possamos participar do Seu reino. Se quero
viver no reino de Deus, devo possuir uma vida diferente da vida que tenho por
natureza. Preciso nascer de novo. Preciso receber a vida de Deus, pois se não
possuir Sua vida, não posso viver em Seu reino.

O que dissemos torna suficientemente claro que o evangelho sempre tem em


vista o reino de Deus; portanto ele é chamado de "evangelho do reino". Mateus
2.4:14 diz: "E será pregado este evangelho do reino por todo o mundo". Mas,
que é o reino?

O cristianismo, hoje, fez do reino uma questão principalmente de profecia, algo


relacionado ao futuro. Muitos pensam que "entrar no reino" é o mesmo que "ir
para o céu". Quando criança, ouvi muita pregação desse tipo, colocando "o
reino dos céus" ou "o reino de Deus" como um lugar de felicidade eterna
reservado para o futuro. Essa apresentação é contrária às Escrituras. A Bíblia
mostra que o reino de Deus ou o reino dos céus está relacionado à nossa vida no
tempo presente. Reconhecemos que há um aspecto do reino que se refere ao
futuro, mas a ênfase bíblica está mais no presente que no futuro. O reino
influencia efetiva-mente nossa vida diária.

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A palavra "reino", usada no Novo Testamento, é um termo forte na língua
grega. Alguns tradutores têm defendido o uso da palavra "soberania" como
sinónimo. Trata-se da ideia de um governo soberano, de autoridade real. Você
se lembra das palavras de Apocalipse 20:4 e 6? Os dois versículos falam dos
santos ressuscitados reinando com Cristo mil anos. A palavra "reinar" usada em
ambos os versículos vem da mesma raiz da palavra "reino". O reino de Deus é o
reinar de Deus; o reino dos céus é o reinar dos céus. Mas qual a implicação
disso? Certamente não nos é difícil entender. Antes de sermos salvos,
estávamos sob o domínio de Satanás, e exteriormente nossa vida era governada
pêlos homens. Quando crianças, estávamos sob a autoridade dos nossos pais;
como estudantes, estávamos sob a autoridade de nossos professores; como
cidadãos, estávamos sob a autoridade do estado; mas não havia nenhuma
autoridade divina em nossa vida.

Veja as cidades modernas. Quanta ordem! Uma linha amarela é traçada no meio
da estrada e controla as mãos de direção. Ninguém cruza essa linha. Quando
alguém está para entrar em determinada via e vê uma placa indicando contra-
mão, não vai nessa direção. Em outro lugar, ele vê: "Proibido Estacionar" e não
estaciona ali. Que ordem! Mas remova o governo, a polícia e os tribunais e veja
como as cidades ficam! Haveria um caos total. Por que as pessoas hoje são tão
ordeiras? Porque o governo, a polícia e os tribunais exercem controle sobre elas.
Será que elas estão sob a autoridade de Deus? Não! Tampouco estávamos nós,
antes de sermos salvos. Não estávamos sob o governo de Deus, o que significa
que não estávamos no reino de Deus.

Mas um dia, por meio do evangelho, Deus veio até nós e disse: "Você tem de se
arrepender!" Arrepender-me de quê? Não simplesmente arrepender-se de
determinados erros, de determinados pecados; mas arrepender-se radicalmente
— arrepender-se de não ter estado sob a autoridade do céu; arrepender-se de
não se submeter à soberania de Deus.

A razão de nossos erros é primeiramente nossa não aceitação do governo de


Deus. Os homens cometem todo tipo de pecado, porque não querem deixar que
Deus exerça Sua autoridade sobre eles. Mas como é que Ele pode trazê-los sob
Sua autoridade? Por meio do evangelho! Oevangelho que o Novo Testamento

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revela é um evangelho proclamado a rebeldes, a homens que tem resistido à
autoridade de Deus, a homens que têm rejeitado Seu governo, a homens que
não querem estar sob o Seu reinar. Esse evangelho limpa tais homens e põe a
vida de Deus dentro deles de tal forma que eles possam aceitar o governo de
Deus. Isso é o evangelho do Novo Testamento!

Você ouviu o evangelho, creu e foi salvo; mas será que viu que o evangelho o
colocou sob o governo de Deus? Você viu que foi salvo para o propósito
específico de ser trazido sob o Seu controle? Viu que sua salvação não é
meramente uma questão de perdão, paz e vida, mas o verdadeiro objetivo de
você ter sido perdoado e da vida lhe ter sido transmitida é levá-lo para estar sob
o governo soberano de Deus? Isso é o evangelho! Apocalipse l :5-6 diz: "Àquele
que nos ama, e pelo seu sangue nos libertou dos nossos pecados, e nos
constituiu reino". A razão de Deus nos ter lavado no sangue precioso é para que
pudéssemos ser levados a estar sob o Seu governo.

Como tenho pregado o evangelho em diversos lugares, tenho tido contato


pessoal com inúmeras pessoas que foram claramente salvas e que, após sua
salvação, disseram-me algo parecido com isso: "Por que será que desde que fui
salvo, pareço estar sob certo tipo de controle? É como se alguém tivesse tomado
o controle da minha vida, de tal maneira que, quando desejo fazer isto ou
aquilo, algo em mim diz: 'Não! Não!' Anteriormente eu era senhor de mim
mesmo; agora, já não posso fazer simplesmente o que me agrada. Que significa
isso?"

Não é essa também a sua história? Sim, essa é a história de todo aquele que é
salvo. Entretanto, no momento da nossa salvação nunca imaginamos que
alguém entraria em nossa vida e assumiria o comando. Muitas pessoas, quando
recém-salvas, não entendem isso e me pedem uma explicação.Tenho procurado
explicar da seguinte maneira: Como você creu no Senhor? Você não O recebeu
em sua vida? Então, não sabe que o Senhor que você recebeu não é apenas
Salvador, como também é Rei? Ele não apenas é o Crucificado, é também o que
foi exaltado ao trono. Ele recebeu "toda autoridade nos céus e sobre a terra",
"Deus o fez Senhor e Cristo." Hoje Ele não é mais o Salvador na cruz. Ele é o
Salvador no trono. É como Rei que Ele se tornou seu Salvador, por isso, a vinda
Dele trouxe o Seu trono para a sua vida. Toda pessoa salva está debaixo de um

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governo interior, e esse governo é o governo do reino. Até agora você sabia de
uma restrição sobre si, mas não havia percebido que há um trono em sua vida.
O reino de Deus está no seu interior.

Alguns dias atrás encontrei alguém que disse espantado: "Meus colegas podem
envolver-se totalmente com todo tipo de diversões, e eu desejo fazer o mesmo.
Entretanto, quando quero tomar parte nessas diversões, há uma forte restrição
interior. Por que há todo esse transtorno interior?" Às vezes dizemos às pessoas
que há um transtorno interior porque elas têm interiormente a vida do Senhor.
Isso é verdadeiro, mas não é toda a verdade. A questão não é simplesmente
uma vida interior, mas uma autoridade interior.

Paulo disse: "O reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e
alegria no Espírito Santo" (Rm 14:17). Que estamos "comendo e bebendo"?
Trata-se de questões muito práticas da vida diária. O reino de Deus é
igualmente um assunto muito prático na vida diária, tão prático como o comer
e o beber. O reino de Deus é "justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo". Quando
permitimos que a autoridade do reino de Deus opere em nós, essas três coisas
caracterizarão nossa vida diária: seremos rígidos com nós mesmos em todas as
questões relacionadas à "justiça"; em nosso relacionamento com os outros a
característica será a "paz"; e em nosso andar com Deus teremos "alegria no
Espírito Santo". Se não tivermos alegria no Espírito Santo, algo estará errado
conosco. Quando nos livramos da restrição divina, permanecemos em silêncio
enquanto os outros estão louvando. Enquanto eles cantam seus aleluias, não
conseguimos nem mesmo proferir um amém. Nosso espírito torna-sc tão
pesado que não conseguimos nos alegrar. Quando a justiça caracteriza o nosso
andar pessoal, quando temos paz em nosso relacionamento com os outros, e
quando temos alegria na presença de Deus, então o reino está manifestando-se
em nossa vida diária.

Deixemos de pensar no reino como um assunto meramente de profecia. O Novo


Testamento revela que tão logo somos salvos, o trono de Deus é trazido para o
nosso interior, para que daí por diante, nossa vida seja vivida em submissão ao
Seu reino.

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A VIDA E O REINO

CAPÍTULO DOIS

Leitura da Bíblia: Mt 5:20, 48; 7:21; 19:23-26; Jo 3:3; Ap 22:1-2

A Bíblia, do princípio ao fim, associa vida com autoridade. Quando o homem é


mencionado pela primeira vez, esses dois assuntos são introduzidos. No
primeiro capítulo de Génesis é introduzida a questão da autoridade. Quando
Deus criou o homem, Ele disse: "Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves
dos céus, e sobre todo animal que rasteja pela terra" (Gn 1:28). Assim que Deus
criou Adão, Ele conferiu-lhe o direito de governar toda a terra. Mas Génesis l
não nos diz tudo o que ocorreu entre Deus e o homem, quando este foi criado;
portanto, o capítulo 2 complementa o registro. Génesis l diz-nos que Deus
queria que o homem dominasse por Ele sobre a terra, e também diz-nos que
tipo de homem deve ser o que vai exercer a autoridade de Deus. Ele deve ser "à
imagem de Deus". O homem que vai governar a terra por Deus deve ser um
homem "conforme a semelhança" de Deus, isto é, parecido com Deus, de tal
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maneira que, quando vê esse homem que está dominando, você vê, como de
fato é o próprio Deus. O homem que deve governar a terra por Deus não é
meramente alguém que exerce autoridade; ele é alguém que exerce autoridade
como representante de Deus. Isso é algo tremendo. É algo transcendente e exige
uma vida transcendente para sua realização. Uma tarefa sobrenatural exige
uma vida sobrenatural. É necessário que nos fixemos neste ponto: se o homem
deve representar Deus e exercer domínio por Ele na terra, esse homem deve
possuir uma vida sobrenatural. Ele é incapaz de arcar com uma
responsabilidade tão elevada na força de sua própria vida natural. Se ele deve
exercer a autoridade divina e ser um representante divino, ele precisa possuir a
vida divina.

Portanto, assim que Génesis l apresentou um homem à semelhança divina e no


exercício da autoridade divina, Génesis 2 apresenta a árvore da vida. Deus
estava indicando que Ele queria que o homem participasse da árvore da vida de
maneira que pudesse possuir a vida divina e, assim, ser capaz de cumprir as
responsabilidades do seu ministério. Tão-somente se a vida incriada de Deus
pudesse entrar numa criatura humana é que essa criatura estaria capacitada a
representar o Senhor da criação e a governar sobre a terra em nome do Senhor
da criação.

Você percebe que logo no começo a Bíblia vinculou autoridade à vida? E no


final da Bíblia essas duas ainda estão vinculadas. Nos dois capítulos finais de
Apocalipse, pode-se ver a vida fluindo do trono — e o trono representa a
autoridade (Ap 22:1-2). Essa questão de autoridade é totalmente uma questão
de vida. Se você tem a vida, tem autoridade. "Se alguém não nascer de novo,
não pode ver o reino de Deus. Quem não nascer da água e do Espírito, não
pode entrar nojeino de Deus" (Jo 3:3,5). Se queremos tomar parte no reino,
precisamos nascer de novo. Precisamos tornar-nos possuidores de uma vida
diferente da que possuímos por natureza. Usando uma ilustração do Antigo
Testamento, o Adão de Génesis l, com sua vida terrena, precisa receber a vida
celestial de Génesis 2. Não pense que precisamos nascer de novo porque
pecamos. Devemos nascer de novo porque necessitamos possuir uma vida que
não temos pelo nascimento natural. É claro que os pecadores precisam nascer
de novo, mas se o homem não tivesse caído, o novo nascimento ainda seria
necessário. Nosso Senhor disse a Nicodcmos que ele precisava receber a vida de

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Deus para que pudesse tornar-se participante do reino de Deus. Você vê que
aqui, uma vez mais, a vida e o reino estão vinculados?

Você pode dizer: "Oh! tudo isso é muito bom, mas está além da minha
capacidade! Verdadeiramente quero submeter-me à autoridade de Deus, mas
simplesmente não consigo! Eu sou muito fraco." Sim, todos nós somos muito
fracos, pois somos filhos de Adão; somos todos filhos do pó; somos todos muito
terrenais. E as coisas da terra são frágeis demais. Um pequeno golpe e elas se
fazem em pedaços. Assim somos nós. E não somos apenas criaturas frágeis;
somos criaturas caídas. Somos rebeldes por natureza. Não temos força para nos
submeter a Deus, mas temos muita força para nos rebelar contra Ele. Temos de
confessar que nossa vida natural é uma vida rebelde, e não consegue submeter-
se a Deus. A vida que temos por nosso nascimento natural é totalmente incapaz
de se render à Sua autoridade. Nossa vida natural é incapaz, totalmente incapaz
de estar sob o governo de Deus. Quando os discípulos ouviram o Senhor falar
sobre o reino, eles deram um suspiro e disseram: "Quem consegue?" E o Senhor
respondeu: "Isto é impossível aos homens."

Deixe-me usar uma ilustração aqui. Um cachorro não pode voar. Para o
cachorro, voar é algo absolutamente impossível. Mas o que um cachorro não
consegue fazer um pássaro faz com facilidade. Para um pássaro, é a coisa mais
simples voar pêlos ares. A vida de um cachorro é uma vida que não consegue
voar; a vida de um pássaro é uma vida que voa com facilidade. O pássaro tem o
tipo de natureza que voa, e ele sofreria muito se você não o deixasse voar.
Assim, se quiser que o cachorro rasteje através de um buraco ou escale uma
colina, ele conseguirá fazê-lo; mas peca-lhe para voar e ele não conseguirá. É
tudo uma questão de vida. Nossa vida natural corrompida não consegue
submeter-se a Deus. Precisamos de outra vida para isso. Precisamos da vida de
Deus. O novo nascimento é Deus vindo para dentro do homem, de maneira que
o que antes era impossível para o homem torna-se agora possível. "Para Deus
tudo é possível" (Mt 19:26). Nosso problema de autoridade não é problema para
Deus. Quando temos Sua vida, é a coisa mais natural estar sob Sua autoridade.
É tão espontâneo quanto um pássaro voar. Se reprimimos a vida divina em
nosso interior e não a deixamos submeter-se à autoridade divina, então
sofremos como um pássaro na gaiola. Mas quando nos submetemos ao controle
divino somos maravilhosamente libertados. Quanto mais nos submetemos,

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mais libertados somos, até que, como disse Isaías, podemos subir "com asas
como águias" (Is 40:31). Irmãos e irmãs, vocês percebem que toda a questão do
reino é uma questão de vida?

As exigências do reino são terríveis, mas a provisão da vida divina é


equivalente a todas as suas exigências. Um evangelho pleno apresenta o reino
com seus requisitos. Ele também apresenta o sangue precioso para limpar da
corrupção e a vida para suprir a força que nos torna participante do reino. O
evangelho apresenta estas três coisas: o reino, o sangue e a vida. O reino faz
suas exigências, mas em razão da purificação que vem mediante o sangue
precioso e da força que vem por meio da vida divina, mesmo nós, que por
natureza somos criaturas caídas, podemos viver a vida do reino. Louvado seja
Deus, pois a própria fonte da vida está em nosso interior, a saber o próprio
Deus! O Deus que do trono faz Suas exigências, Ele mesmo as satisfaz. Do
trono, Ele exige que nos submetamos a Ele, e do nosso interior Ele supre a vida
que pode submeter-se a Ele. Isso não exige o nosso esforço, mas a nossa
cooperação. Não é necessário que façamos, mas é preciso deixarmos que Ele
faça. De outra maneira, como poderiam ser satisfeitas as exigências do reino?
Ouça essas exigências elevadas: "Ouvistes que foi dito: Olho por olho, dente por
dente. Eu, porém, vos digo: Não resistais ao perverso; mas a qualquer que te
ferir na face direita, volta-lhe também a outra; e ao que quer demandar contigo
e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa" (Mt 5:38-40). Quando li essas
palavras em minha juventude, pensei: "Oh! eu não conseguiria fazer isso! E
jamais em toda a minha vida serei capaz de fazê-lo; por isso tenho de desistir de
ser um cristão. Não posso ser um falso cristão, tampouco posso ser um cristão
verdadeiro; por isso não posso ser cristão de maneira alguma. Não há nenhuma
saída!" Mas uma voz em meu interior disse: "Você não pode deixar de ser
cristão." Eu queria recuar mas não podia; queria avançar e não conseguia. Oh!
que coisa triste! Por muito tempo estive em grande perplexidade, mas um dia
Deus mostrou-me que o que eu tentava fazer era totalmente impossível e que
Ele jamais pretendera que eu tentasse fazer. Imagine tentar alcançar tal padrão:
"Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste" (Mt 5:48).
Naquele dia a luz raiou e pude louvar a Deus por Ele ser meu Pai e porque a
vida do Pai em mim podia capacitar-me a ser perfeito. Não se trata da nossa
capacidade de fazer algo, mas de darmos o nosso consentimento para Ele fazer.

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Se não consentimos, Ele é incapaz. É aí que frequentemente está o problema —
Ele quer, mas nós não queremos.

Você entende? As exigências do reino jamais podem ser cumpridas pelo


homem, e Deus jamais esperou que o homem as cumprisse. As exigências que
Ele faz, Ele mesmo as cumpre — e essa é a graça revelada no Novo Testamento!
No Antigo Testamento a lei fazia suas exigências para o homem, mas no Novo
Testamento é o reino que faz exigências. As exigências do reino são muito mais
severas que as da lei. As exigências da lei provaram quão impotente o homem
é. Agora, as exigências do reino provam, não quão incapaz é o homem , mas
quão capaz é Deus. Não é necessário que as exigências do reino provem a
incapacidade do homem, pois isso já foi definitivamente provado pelas
exigências da lei. Hoje, as exigências do reino servem para demonstrar a infinita
capacidade de Deus. Ele tornou-se nossa vida para que em nós, Ele mesmo,
possa satisfazer a todas as exigências que o Seu reino impõe.

É importante perceber que a vida de Deus nos foi dada por causa do Seu reino.
Se não O deixamos estabelecer Seu trono em nossa vida e vindicar Sua
autoridade sobre nós, Sua vida não pode operar em nós. Deus pôs Sua vida em
nós com o propósito específico de satisfazer às exigências do reino e, se não
permitirmos que Ele estabeleça Seu reino em nós, Sua vida em nós não pode
funcionar.

Deixe-me usar uma ou duas ilustrações. Uma irmã veio ter comigo com seus
problemas e, depois de falar um pouco, disse algo assim: "Na verdade, não
tenho nenhum problema, a não ser o meu mau temperamento. Continuo
perdendo a paciência com meu marido e com meus filhos. Tenho orado e orado
a esse respeito, mas quanto mais oro para obter vitória, mais meu tempera-
mento me vence. Por que isso ocorre? Sei que o Senhor é meu Salvador; por que
Ele não me salva de meu mau temperamento? Sei que o Senhor ouve as orações,
por que Ele não ouve as minhas orações a esse respeito? Sei que a vida Dele é
poderosa; por que Sua vida poderosa não consegue vencer meu pequeno
temperamento?" Tudo o que ela disse era bastante racional. A vida do Senhor
em nós é uma vida poderosa, e Ele é alguém que ouve e responde às orações.
Por que, então, esse temperamentozinho não é vencido? Por favor, não me
interprete mal quando digo que a vida do Senhor foi colocada em você e em

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mim para satisfazer às exigências do grande reino de Deus e não para satisfazer
nosso temperamentozinho. Por isso eu disse àquela irmã: "Quem é o Senhor da
sua vida, você ou o Senhor? A autoridade está em suas mãos ou nas Dele?" E
quando ela arrazoou novamente a respeito do seu temperamento, perguntei-lhe
outra vez: "Quem está no trono da sua vida, você ou Deus?" Quando enfatizei
esse ponto e não lhe dei uma escapatória, finalmente veio a resposta: "Eu estou
no comando da minha vida." Então eu disse: "Irmã, que mais é necessário dizer?
Você está no trono e quer que o Senhor a ajude. Se Ele não está no lugar de
autoridade em sua vida, como pode Ele fazer algo por você?"

Esse é todo o nosso problema hoje. Por que a vida poderosa de Deus não
consegue tratar com nossos temperamentozinhos? A questão não são os
pequenos ou grandes problemas; a questão é: Quem está no trono? Você está
sempre esperando que Deus se limite ao trono, nos céus, enquanto você ocupa o
trono em sua vida. Então, você é incomodado por suas fraquezas e pecados e
invoca o Senhor para que lhe ajude. Você clama a Ele: "O Senhor não é o Todo-
poderoso? Não prometeu responder às orações? Será que o Senhor suporta ver
Seu filho vivendo uma vida derrotada?" Sim, Ele suporta vê-lo derrotado e o
deixará assim até que perceba que Ele pôs Sua vida em você para estabelecer
Seu reino em você.

Você deve deixá-Lo possuir o trono. Deixe-O tomar o controle. Deixe-O


estabelecer Seu reino em sua vida. Então cada inimigo será derrotado. Já não
haverá necessidade de orar por suas fraquezas, pois se Ele tem Seu lugar no
trono da sua vida, todo inimigo será vencido. Nos dias do Antigo Testamento,
quando Jeová tinha Seu lugar como Rei de Seu povo, todos os inimigos foram
subjugados por eles; mas quando eles recusaram que Ele tivesse o domínio,
seus inimigos predominaram sobre eles. Então todos seus clamores foram
inúteis. Seus inimigos tomaram a cidade santa, destruíram o templo,
carregaram a arca e levaram cativo o povo de Deus.
Certa vez um irmão veio a mim e disse algo assim: "Por que será que o meu
ministério de pregação é tão fraco? Eu oro muito a esse respeito. Às vezes jejuo
e oro, e às vezes gasto toda uma noite em oração antes de aceitar um convite
para pregar. Por que ainda não tenho poder?" Minha resposta foi a mesma de
antes: "Quem está no controle da sua vida?" Eis aí toda a questão. Se você tenta
limitar Deus ao trono no céu, e recusa-Lhe o trono da sua vida, todo o seu

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clamor por ajuda de nada valerá. Não é uma questão de fraqueza ou poder; é
uma questão de trono.

Lemos a respeito do rio de água viva e que "de uma e outra margem do rio, está
a árvore da vida, que produz doze frutos, dando o seu fruto de mês em mês"
(Ap 22:2). Onde quer que esse rio flua, toda necessidade é suprida. Mas de onde
veio esse rio? "Então me mostrou o rio da água da vida (...) que sai do trono de
Deus e do Cordeiro" (Ap 22:1). A vida está sempre associada com o trono.
Quando nos submetemos à autoridade de Deus e deixamos que Ele estabeleça
Seu reino em nossa vida, somos mantidos em vitória e em plenitude de vida,
pois, então, nós também estaremos em autoridade.

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A RELAÇÃO ENTRE O REINO E A IGREJA

CAPÍTULO TRÊS

Leitura da Bíblia: Mt 16:18-19; Ef 1:22-23; 4:15-16; Cl 2:1

A proclamação de abertura do Novo Testamento é a seguinte: "Está próximo o


reino dos céus" (Mt 3:2). O Novo Testamento chama a atenção imediata à
questão do reino. Mas, pouco depois, quando os discípulos vieram a conhecer o
Senhor, Este levantou a questão da igreja. A igreja era um mistério que estivera
oculto por todas as gerações do passado, e somente quando o Senhor Jesus
levou Seus discípulos a reconhecê-Lo como "o Cristo, o Filho do Deus vivo" é
que Ele falou abertamente a respeito da igreja. Quando Pedro disse: "Tu és o
Cristo, o Filho do Deus vivo", o Senhor veio subitamente com a seguinte
palavra: "Sobre esta pedra edificarei a minha igreja" (Mt 16:16,18). Era como se
Ele estivesse dizendo: "Eu sou o Filho de Deus, o Cristo, com esse objetivo — a
edificação da minha igreja. Como o Filho de Deus e como o Cristo, Eu sou uma
Pedra, a Pedra de Fundamento de um edifício que deve ser construído; e esse
edifício, do qual Eu sou o fundamento, é a igreja."

Tenhamos em mente que a primeira menção da igreja está em Mateus 16, e


Mateus é o livro que proclama o reino. A segunda menção da igreja também
está no livro de Mateus, no capítulo 18. Os quatro Evangelhos registram
somente duas ocasiões em que o Senhor, nesta terra, referiu-se à igreja, e ambas
estão no livro que proclama especificamente o reino. A partir daípodemos saber
quão intimamente relacionados estão o reino e a igreja. Por todo o Novo
Testamento vemos estes dois avançando juntos no mais íntimo relacionamento.
Quando o Senhor disse: "Sobre esta pedra edificarei a minha igreja", Ele
imediatamente acrescentou: "Dar-te-ei as chaves do reino dos céus." As chaves
do reino são dadas para tornar-se possível a construção desse edifício. Onde
está ausente a autoridade do reino, ali há carência da edificação da igreja. Todo

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aquele que se recusa a submeter-se à autoridade do reino pode, no máximo, ser
uma pessoa salva; ele jamais será edificado na estrutura da igreja.

A Bíblia primeiramente apresenta o reino e, então, apresenta a igreja. Onde está


o reino dos céus em autoridade, ali é edificada a igreja. Uma igreja surge onde
um grupo de pessoas aceita o governo celestial. Parece que a presença do reino
é que produz a igreja. Mas o Novo Testamento vai além disso. Isso é somente
metade da revelação do Novo Testamento; a outra metade é: a igreja introduz o
reino. A igreja, que vem à existência sob o governo celestial, por sua submissão
ao governo celestial, trata com o inimigo de Deus. É a presença do inimigo de
Deus que impede que a vontade de Deus seja feita na terra, e é o exercitar da
autoridade de Deus, pela igreja, que o expulsa. Então surge a Nova Jerusalém, e
ali podem ser vistos o reino e a igreja mesclados numa única entidade. A Nova
Jerusalém é a Noiva, que, de acordo com Efésios 5, é a igreja. Ela é também uma
cidade que exprime a ideia de governo, e nesse centro de governo está o trono
de Deus e do Cordeiro. A Nova Jerusalém combina em si mesma a igreja e o
reino. Falando dessa maneira, resumimos numa sentença o conteúdo de todo o
Novo Testamento. Poderíamos expressá-lo em três frases: o reino produz a
igreja, a igreja introduz o reino e o resultado final é o reino e a igreja. O Novo
Testamento inicia apresentando o reino e, então, a igreja. Mas como a igreja se
torna uma realidade? Pelo exercício da autoridade do reino. Quando a igreja
cede ao reino a autoridade para governar e submete-se ao seu poder, ela
introduz o domínio dos céus sobre a terra. Por todo o Novo Testamento vemos
a igreja misturada com o reino e o reino misturado com a igreja, até que, por
fim, essa combinação resulta na Nova Jerusalém. Na Nova Jerusalém, onde se
pode detectar a natureza da igreja e as condições do reino, Deus é capaz de
expressar plenamente Sua soberania e, portanto, executar Sua vontade e expor
Sua glória.

Com esse resumo cm mente, perguntemos agora: Por que foi necessária a
igreja? Podemos delinear a resposta com apenas poucas palavras. Deus tem um
propósito em relação ao universo, mas para sua realização era-Lhe necessário
exercer autoridade, porque, como já dissemos, não se pode realizar nenhum
plano se faltar autoridade. Se Deus conseguiria ou não cumprir Seu propósito,
dependia dessa questão de autoridade. Por isso, quando o inimigo de Deus
tentou sabotar o propósito de Deus, ele fez algo crucial — violou a autoridade

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de Deus. Como Deus enfrentou essa situação? Ele o fez obtendo uma nova
criação, por meio da qual poderia exercer autoridade. Deus buscou um grupo
de homens que Lhe dessem a preferência nesta terra para sustentar a Sua
vontade. Se Ele tão-somente conseguisse garantir um grupo de homens na terra
que O deixassem dominar sobre si, Ele então conseguiria realizar, neles e
através deles, Seu propósito referente a Cristo . É por essa razão que Deus
precisava da igreja. Ele queria ter a igreja para poder trazer Seu reino dos céus
para a terra.

A questão que surge agora é: Como obter a igreja? Poderíamos responder: "O
Senhor Jesus derramou Seu sangue para a remissão dos nossos pecados e deu
Sua vida para que pudéssemos nascer de novo e, assim, constituirmos a igreja."
Isso é suficientemente verdadeiro, mas é um aspecto muito superficial da
verdade. A Bíblia apresenta este aspecto de modo muito mais profundo — que
a igreja foi obtida por meio do governo soberano do céu. Pelo fato de o reino
dos céus poder afirmar sua autoridade sobre um grupo de homens, essegrupo
de homens pode ser edificado numa igreja. Neste ponto é necessário
recapitular. Porque a igreja foi gerada? Foi gerada com o propósito de introduzir
o reino! Cb/nofoi gerada? Por meio da autoridade do reino! O propósito de
Deus era trazer Seu domínio celestial para a terra, e fora da igreja Seu objetivo
não poderia ser alcançado. Ele necessitava de um povo que se sujeitasse ao
domínio dos céus, de tal maneira que, sob tal domínio, eles pudessem ser
edificados como a igreja. É isso que Mateus 16 revela. Não pense que somente
pela nossa salvação nos tornamos a igreja. Nós, que somos salvos, estamos na
igreja, mas apenas a nossa salvação não nos torna a igreja, A igreja é um Corpo;
portanto, há necessidade de vinculação e de edificação.

Deixe-me ilustrar. Nosso corpo tem muitos ossos, mas será que esses muitos
ossos formam um corpo? Deixe o livro de Ezequiel, no Velho Testamento, dar a
resposta. Ezcquiel diz que os filhos de Israel eram, aos olhos de Deus, como um
monte de ossos secos. Um dia, o sopro de vida veio até eles e os ossos foram
vinculados, e se tornaram um corpo (Ez 37).

Para ilustrar novamente: a igreja é uma casa. Ela é a habitação de Deus, o


templo de Deus. A Bíblia diz que nós, os salvos, somos "pedras vivas" e somos
edificados juntos numa "casa espiritual" (l Pé 2:5). Admitimos que uma casa seja

17
edificada com pedras, mas um monte de pedras não é uma casa. Não pense que
se mil irmãos e irmãs se reunirem aqui, significa que a igreja está aqui. Que é a
igreja? E a assembleia dos salvos. Mas que tipo de reunião é essa? Um grande
número de pedras amontoadas não é uma casa. Que é uma casa, então? É uma
pedra edificada sobreoutra—esta colocada sobre aquela, aquela assentada ao
lado de outra, em cima e em baixo, à direita e à esquerda, na frente e atrás,
todas perfeitamente colocadas em relação às demais. Se as pedras não forem
juntamente edificadas não poderá haver casa alguma. Pode ser que haja mil
irmãos e irmãs juntos, todos evidentemente salvos, mas ainda perguntaríamos
se eles estão ou não edificados. Com certeza eles são material para a edificação
da igreja, mas se são ou não a igreja depende de eles estarem ou não edificados.
Sem edificação não existe a igreja.
Talvez alguns perguntem o que realmente significa ser edificado. Essa palavra é
usada diversas vezes no Novo Testamento e seu sentido no original grego não
quer dizer "aperfeiçoamento moral" ou "benefício espiritual", mas "construção"
de fato. Como construímos? Eis aqui uma pedra! Então vem um operário com
uma ferramenta na mão, e a aplica sobre a pedra até que sua superfície fique
perfeitamente plana. Mas a pedra tem de encaixar-se em determinada parte do
edifício. Se é triangular e o espaço é retangular, a pedra tem de ser lavrada,
lavrada e lavrada até que a forma da pedra e o espaço no edifício sejam
perfeitamente correspondentes. Assim, a pedra é encaixada no espaço. A pedra
não está ali para ser mero ornamento, mas para ser uma parte do edifício. Oh! o
que se necessita não é um monte de pedras ornamentais. Em muitas reuniões há
uma verdadeira exposição de lindas pedras, mas temo que não tenha havido
uma edificação dessas pedras numa casa. O que Deus quer não é um monte de
pedras preciosas; Ele deseja uma casa espiritual.

Frequentemente encontramos irmãos que são pessoas agradáveis. A vida deles


é bem organizada, são cuidadosos quanto à comunhão matinal com o Senhor e
fervorosos em evangelizar; eles participaram de muitas reuniões de "edificação"
espiritual e se tornam tão "edificados" que têm boa recomendação dos outros;
entretanto eles ainda permanecem individualistas e não conseguem ser
"edificados". Eles são pedras preciosas; tão preciosas que não podem ser
assentadas com barro ou pedras comuns. São bonitos demais para serem
edificados com outros num único edifício; assim, eles permanecem cristãos
individuais, bons para exposição, porém não para edificação. O que Deus deseja

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é uma casa, não um monte de pedras separadas, por mais belas que possam ser.
Ele quer uma igreja completa, não inúmeros cristãos dispersos.

Certa irmã, falando-me a respeito de outra, disse: "Oh! ela é tão preciosa, tão
espiritual!" Quando lhe perguntei mais sobre a irmã, ela disse: "Oh! ela é tão
humilde, tão mansa, tão educada; nunca soubemos que ela tenha se irritado." E
ainda acrescentou: "Ela é tão espiritual!" "Com quem ela é espiritual?"
perguntei-lhe. "Ela é uma irmã espiritual isolada ou a espiritualidade dela a
relaciona com os outros?" "Oh!" a irmã respondeu, "cantores que produzem
sons tão elevados como ela encontram poucos que podem cantar com eles."
Ora! aquela irmã era tão espiritual que ninguém podia ser companheiro
espiritual dela. Tal irmã é ótima para estar numa vitrine, mas não serve para a
edificação da igreja. O tipo de irmã que a igreja necessita é a que pode ter outra
colocada atrás de si, outra na frente, uma à sua esquerda e outra à sua direita,
uma embaixo e outra em cima. É esse o tipo de cristão que Deus está buscando
hoje.

Nos últimos dois mil anos, um dos maiores empecilhos ao propósito de Deus e
a principal razão de o Senhor ter de adiar a Sua volta, é a falta de cristãos que
estejam juntamente edificados. Pode-se encontrar cristãos por todo o mundo e
pode-se encontrar também cristãos espirituais; mas onde tem sido edificada
uma casa espiritual? Há muitíssimas pedras que têm sido lavradas até se
tornarem muito bonitas, mas onde está o edifício? Que o Senhor tenha
misericórdia de nós!

Irmãos e irmãs, há uma condição a ser satisfeita para que possa haver
edificação. A condição indispensável é a submissão à autoridade do reino.
Nosso Salvador foi exaltado para ser o Cabeça do universo e toda autoridade
Lhe foi dada nos céus e na terra. Deus pôs todas as coisas debaixo dos Sous pés
e para torná-Lo Cabeça sobre todas as coisas, O deu à igreja. Primeiramente isso
implica que a igreja deve estar sob o Seu encabeça mento. Que é encabeça
mento? É o governo do Cabeça. Perceba que se é para a igreja ser edificada,
devemos submeter-nos à autoridade do Cabeça. Onde não há Cabeça, não há
autoridade; e a questão da edificação da igreja nem sequer pode ser levantada.
Em Efésios 4:15-16, onde se fala da edificação da igreja, é mostrado que é de
primordial importância que "cresçamos em tudo naquele que é o cabeça,

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Cristo." Em quantas coisas estamos verdadeiramente crescendo Nele? Até a
nossa humildade, nosso amor ou mesmo muitas de nossas boas qualidades
podem não necessariamente estar crescendo sob o Seu encabeça mento. Ainda
não entendemos o que significa ter nossas afeições governadas por Cristo e ter
todas as outras qualidades desejáveis desenvolvidas sob o Seu encabeça mento.
Onde verdadeiramente há um crescimento em todas as coisas no Cabeça, ali
virá, a seguir, a edificação do Corpo, conforme dizem os dois versículos
seguintes: "Todo o corpo, bem ajustado e consolidado (...) efetua o seu próprio
aumento para a edificação de si mesmo em amor."

Colossenses 2:19 fala de "retendo a Cabeça". Que significa isso? Significa


submeter-se à autoridade da Cabeça em todas as coisas. Note que ali -não diz:
"Retendo o Salvador" nem diz: "Retendo a vida". Quando nos submetemos ao
governo do Cabeça é que haverá toda a edificação da qual o mesmo versículo
fala: "Todo o corpo, suprido e bem vinculado por suas juntas e ligamentos,
cresce o crescimento que procede de Deus." Consiga submissão à autoridade do
Cabeça e você conseguirá a edificação do Corpo. Onde se obtém o governo
celestial, aí se obtém a igreja. O quanto a igreja será edificada no nosso meio,
depende totalmente do lugar dado no nosso meio ao Cabeça da igreja.

"Todo o corpo, suprido e bem vinculado" — isso é edificação da igreja! Mas


como isso ocorre? "Da qual [a cabeça] todo o corpo, suprido e bem vinculado".
Ocorre quando cada membro submete-se à Cabeça; quando cada um aceita o
governo do reino dos céus. Somente por meio dos que se submetem ao controle
do Cabeça é que se pode conseguir a edificação da igreja. Portanto, a questão de
a igreja ser ou não edificada torna-se uma questão de você e eu aceitarmos ou
não a autoridade do reino.

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A EDIFICAÇÃO DA IGREJA RELACIONADA
AO REINO

CAPÍTULO QUATRO

Leitura da Bíblia: Mt 16:16-19; Ef 2:22, IPe 2:5; Ef 4:11-12, 15-16; Cl 2:19

O Novo Testamento revela claramente que, neste universo, Deus centralizou


todas as Suas atividades num projeto de edificação. Ele realizou muitas outras
tarefas, mas de todas as demais obras Suas, a obra central e a obra final e
máxima para a qual todas as Suas obras estão voltadas, é a estrutura da qual o
Senhor fala em Mateus 16 — "Edificarei a minha igreja". Toda a atividade divina
no universo está direcionada para a edificação da igreja.

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A igreja é um mistério, um grande mistério. Se conhecermos nossa Bíblia e se
conhecermos um pouco da comunhão com Deus, saberemos que a igreja era um
segredo há muito escondido no coração Dele. Falando resumidamente, esse
mistério é o próprio Deus trabalhado para dentro da humanidade, o próprio
Deus trabalhado para dentro de Suas criaturas — e criaturas que eram caídas.
Mas pela redenção, essas criaturas tornaram-se participantes da vida divina e
por meio disso experimentaram duas criações: a criação "em Adão" e a criação
"em Cristo" (2 Pé 1:4). Por meio da primeira criação, eles receberam a vida
criada; por meio da segunda criação eles receberam a vida incriada. Pela
primeira criação tornaram-se possuidores da natureza humana; pela segunda
criação, vieram a tornar-se possuidores da natureza divina. O homem não
somente se tornou possuidor de duas disposições, a humana e a divina, como
também o próprio Deus fez Sua morada no homem. O homem exteriormente
permanece igual; ele ainda é verdadeiramente um homem. Mas a natureza
celestial veio para o seu interior, pois o Deus dos céus veio habitar nele.

Deus agora está trabalhando nessa humanidade para que os homens não sejam
unidades separadas, mas sejam coordenados numa única entidade. Ele quer
que muitos homens se tornem um todo orgânico, um Corpo. Ele quer que
muitos sejam edificados numa única estrutura, uma casa. Deus quer que eles
sejam levados a tal harmonia Consigo mesmo de maneira que possam tornar-se
Seu lugar de habitação. Deus quer que eles sejam levados a tal relacionamento
com Cristo que venham a tornar-se o Seu Corpo. Quando a obra de Deus for
completada, o que agora vemos como Corpo de Cristo e como habitação de
Deus, veremos, então, como Noiva de Cristo e cidade de Deus, que é Seu centro
governamental. Chame isso como quiser — o Corpo de Cristo, a casa de Deus, a
família de Deus ou o reino de Deus — é aqui que habita toda a plenitude de
Deus. É isso que Deus planejou na eternidade passada antes da criação, e
quando no tempo Deus começou Sua obra de criação, esse era Seu alvo. Embora
tenha havido interferência satânica, Deus não interrompeu Sua atividade, antes
introduziu a redenção para que a obra pudesse continuar. Quando Seu Filho
veio à terra, Ele afirmou plenamente que Seu desejo era essa edificação (Mt
16:16-19).

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Irmãos, eu creio que vocês ganharam uma visão da igreja. Creio que vocês
vêem quão santa é a igreja, quão misteriosa, quão grande. Deus tomou os
homens e transmitiu-se a Si mesmo para dentro deles. Ele agora está traba- '
lhando para fazer deles um todo corporativo, de tal maneira que, neles e por
meio deles, Ele possa manifestar-se em toda a Sua glória. Essa é a tarefa na qual
Deus tem concentrado todo o Seu esforço, e é sob essa luz que devemos ler'
novamente as palavras de Jesus: "Edificarei a minha igreja."

Certa vez quando fui a Hong Kong, um cooperador chamou-me a atenção para
os arranha-céus que havia por toda parte. Mas que são aqueles edifícios em
comparação com a igreja? São meras estruturas inúteis. Deus está edificando
um grande edifício no universo e está usando a Si mesmo e ao homem como
material de construção. Ele está colocando a Si mesmo no edifício; está
colocando os céus no edifício; e também está colocando nesse edifício um
incontável número de homens que foram salvos em todas as gerações; e está
edificando juntamente todo esse material. Ele referia-se a isso quando disse:
"Edificarei a minha igreja.''

Mas como Ele começou essa tarefa de edificar a igreja? Enviando o Espírito
Santo e dando dons à igreja. "E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros
para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres, (...)
para a edificação do corpo de Cristo" (Ef 4:11-12). Enquanto se faz muita obra
evangelística e muita obra para o aperfeiçoamento dos crentes, há pouca
evidência de edificação da igreja, entretanto Deus deu evangelistas, profetas e
mestres com o propósito específico de edificar a igreja. Espero que você perceba
que isso é o que Deus busca no universo, e que todos os que buscam trabalhar
para Ele deveriam ter esse alvo diante de si.

Tragamos, porém, o que pensamos sobre esse assunto tão elevado para o nosso
cotidiano e consideremo-lo em seu aspecto prático. Qual é o conceito comum de
edificar a igreja? Você abre um local de adoração, introduz as pessoas ao
cristianismo, batiza-as, determina reuniões variadas, organiza um pouco as
coisas, e tem a igreja! Não desejo aumentar essa lista, mas anelo que os filhos do
Senhor possam perceber que o que acabamos de descrever não é o que a Bíblia
chama de edificar a igreja. A edificação da igreja primeiramente significa trazer
os homens para debaixo da autoridade do Cabeça da igreja. Antes de os

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homens serem salvos, eles estão sob a autoridade de Satanás, e depois de
salvos, são libertados da autoridade das trevas e transportados para o reino do
Filho do Seu amor (Cl 1:13). Ser salvo é ser libertado da autoridade de Satanás e
ser colocado sob a autoridade de Cristo. É uma grande tristeza para mim ouvir
as pessoas explicando a salvação como um assunto de ser salvo do inferno para
o céu. É claro que a salvação nos leva para o céu, mas o céu não é o alvo da
nossa salvação. A salvação não é meramente uma questão de Deus, por
compaixão pêlos homens, transferi-los do inferno para o céu, mas de libertá-los
"da autoridade das trevas" e transferi-los "para o reino do Filho do seu amor." O
objetivo aqui não é o céu, mas o reino. Deus nos salva para que possamos estar
submissos ao Filho do Seu amor. A edificação da igreja começa aqui — levar
para o controle de Cristo as pessoas que antes estavam sob o controle de
Satanás .

Oh! que você possa perceber que tão logo surja a questão da edificação da
igreja, surge a questão do encabe-çamento de Cristo! Quando você se defronta
com esse desafio, louve a Deus! A edificação da igreja começa na sua vida. Se
em qualquer pessoa ou em qualquer grupo de cristãos, Cristo consegue
estabelecer Sua autoridade, Ele, então, começa a edificar Sua igreja. É por isso
que temos enfatizado o fato de que deve haver o governo soberano dQ reino,
para que possa haver a edificação da igreja. Se o reino não estiver aqui,
nenhuma igreja será edificada aqui.

Se todo o material usado na construção do local de reuniões for desmanchado e


amontoado, qual seria a vantagem disso? Seria algo totalmente inútil. Todo esse
material é útil hoje porque foi edificado numa estrutura ordenada. Irmãos e
irmãs, há uma necessidade urgente da edificação dos cristãos! A necessidade
não é o estabelecimento de grupos cristãos, mas a edificação da igreja sob o
governo do Cabeça da igreja. Se quer ter parte nisso, então você mesmo precisa
submeter-se ao encabeçamento de Cristo.Quando a autoridade Dele tornar-se
algo estabelecido em sua vida, algo impressionante começará a acontecer: você
se surpreenderá sendo espontaneamente edificado com outros que também
estão submissos à Sua autoridade. Tal grupo de cristãos será uma igreja forte,
apta a lutar pelo reino de Deus. Diante de tal igreja, Satanás será impotente.
Mas se tal igreja vier à existência — igreja contra a qual as portas do inferno não

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podem prevalecer — então deve ocorrer edificação; e isso não pode acontecer
sem um reconhecimento do Cabeça da igreja e uma sujeição à Sua autoridade.

Você pode perguntar o que significa isso em termos práticos. Deixe-me ilustrar.
Dois desconhecidos se encontram; ambos são crentes. Com prazer, cada um
reconhece o outro como irmão. Eles louvam ao Senhor e se alegram por se
terem encontrado. Então decidem pregar o evangelho j untos e logo um bom
número de pessoas são salvas — doze do norte e oito do sul. Esses dois irmãos
regozijam-se muito. Agradecem ao Senhor por terem conseguido levar todas
aquelas almas a Ele! Mas essa situação de alegria não dura muito, pois os do
norte têm um caráter esquisito e os do sul também têm seu temperamento
peculiar. Inicialmente é tão fácil louvar, mas logo se torna difícil conseguir um
"Louvado seja o Senhor!" Não muito tempo depois, as críticas começam a
substituir os "aleluias" e a discórdia aumenta, até que um dia os do norte e os
do sul decidem separar-se, e cada grupo aluga um local de reuniões separada-
mente.

É assim que a igreja é edificada? Longe disso. É assim que a igreja é destruída.
Qual é a fonte do problema? É a ausência do trono! No livro de Juizes podemos
ler: "Naqueles dias não havia rei em Israel: cada um fazia o que achava mais
reto" (Jz 21:25). Quando não havia rei em Israel, não havia qualquer autoridade,
e as pessoas simplesmente faziam o que lhes parecia melhor. Naquela época,
determinada família estabeleceu um lugar de adoração em sua casa, contratou
um levita para ser seu sacerdote familiar e ali instituíram uma forma de
"adoração divina" (Jz 17). É exatamente esse o estado das coisas nos dias atuais!
Pensamos que somos suficientemente hábeis, que podemos reunir algumas
pessoas e você pode estabelecer uma igreja nesta rua e eu estabeleço outra
naquela rua, e contratamos um pregador para pregar para nós. Irmãos e irmãs,
qual é a causa de toda essa confusão? A causa fundamental é que nós não nos
sujeitamos ao Cabeça da igreja.

Voltemos, porém, ao caso dos dois irmãos. Se os dois se submetessem ao


Cabeça da igreja, seus problemas teriam sido resolvidos, pois a autoridade
subjuga toda rebelião. Oh! que natureza rebelde há em nossa constituição!
Confesso que minha própria natureza é antagónica à do Senhor, mas a Sua
autoridade sobre mim fez-me amar meus irmãos, de tal maneira que posso

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verdadeiramente servi-Lo junto com eles. Irmãos e irmãs, falamos de amor
mútuo, mas esse. nosso amor pelos outros é muito passageiro. Há somente um
lugar onde o amor é permanente, e esse lugar é debaixo do Cabeça da igreja.
Em nenhum outro lugar há verdadeira harmonia ou um relacionamento
permanente. Quando estamos dispostos a ser quebrantados sob Sua autoridade,
algo tremendo acontece. Um processo de edificação começa, a ocorrer. Uma
aceitação contínua da disciplina do Seu governo abre o caminho para o fluir da
Sua vida e, assim, a obra de edificação prossegue a passos rápidos. Os irmãos e
irmãs que nos eram problemas tornam-se bênçãos para nós, e pouco depois
pode-se ver um grupo edificado na vida de Cristo.

Irmãos è irmãs, isso é o que Deus deseja hoje. Não é suficiente que preguemos o
evangelho, tragamos as pessoas ao conhecimento da salvação e a certa estatura
de espiritualidade. Devemos também levá-las ao encabeçamento de Cristo, de
maneira que sejam edificadas. Sob Seu encabeçamento deixaremos de pensar
nas dificuldades, pois estaremos tocando a plenitude da vida. Então, a função
espiritual específica que pertence a cada membro do Corpo será evidenciada, e
essa igreja tornar-se-á uma igreja forte na qual, sob a direção do Cabeça, cada
membro, do menor ao maior, terá uma contribuição a dar para o todo.

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