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Capoeira Angola

Tradição, Resistência e Educação


Origem
Africana, Brasileira ou Afro-Brasileira?

• N’Golo – também conhecido como “dança das


zebras” – ritual de passagem à vida adulta
• Bassula
• Origem em comum com outras lutas afro-
americanas e caribenhas –
lagya, mani,bombosa,...
Nome

• Caá Puêra – tupi – mato cortado,


vegetação secundária
• Odontophorus capueira (uru) – pássaro
• Galo capão
• Cesto capão
Ginga
• Movimento básico
da capoeira

• Rainha Ginga –
N’Zinga M’Bandi –
Ana de Sousa
Ginga
• Herdeira dos reinos da
Matamba e do
N’Dongo, unificou
inúmeros sobas (reis)
em batalhas de
resistência ao
colonialismo
escravagista português,
exercendo habilmente
papel de diplomata,
líder política e de frente
de batalha
Ginga
• Contemporânea de
Zumbi dos Palmares, a
Rainha Ginga utilizava
alternadamente técnicas
de guerrilha e
negociação, deslocando-
se constantemente para
não ser surpreendida
pelo exército português,
melhor armado
Ginga
• É uma heroína
nacional de
Angola, símbolo da
resistência e
capacidade de
liderança e
organização do
seu povo
Abolição ?
• A Lei de Terras (1850) estabeleceu que somente quem
tivesse dinheiro teria acesso à terra para plantio
• A Abolição da Escravatura (1888) liberou um exército de
mão de obra para um mercado que não o absorvia,
gerando desemprego em massa e inchaço das cidades
– o início das favelas...
• O Código Penal de 1890 criminalizava a capoeira e a
vadiagem – o negro não tinha emprego e passou a ser
estigmatizado como vadio, estando sujeito à prisão por
estar desempregado ou pela simples prática da cultura
• Rugendas – Jogo de Capoeira, ou Dança da Guerra
Repressão e Resistência
• No século 19 há a formação de maltas no Rio de
Janeiro, grupos de capoeiristas a desafiar a ordem,
geralmente ligados à capangagem política
• A polícia republicana promove uma intensa perseguição
à prática da capoeiragem, vista como uma “ameaça à
segurança pública”
• “Memórias de um Sargento de Milícias” – Manuel
Antônio de Almeida – conta as peripécias de Leonardo
Pataca, gingando para se esquivar da prisão por Vidigal
• “O Cortiço” – Aluísio de Azevedo – Conflitos de maltas –
nagôas e gaiamus
Repressão e Resistência
• Nas primeiras décadas do século 20 há uma
intensa repressão policial à cultura negra na Bahia,
com o fechamento de rodas de capoeira, casas de
samba e terreiros de candomblé, espancamentos e
prisões.

• Esta repressão é amparada pelas teorias racialistas


então em voga, que, interpretando de maneira
equivocada as teorias evolucionistas de Darwin,
afirmavam que os negros e mulatos estavam em
patamares de evolução inferiores aos brancos.
Repressão e Resistência
• Alguns representantes destas teorias: Cesare
Lombroso, Arthur Gobineau e Nina Rodrigues,
este pioneiro dos estudos negros na Bahia e
patrono do IML da Polícia Civil (que continua
recolhendo principalmente negros e mulatos).

• De acordo com este pensamento criminológico


pseudo-científico, negros e mestiços teriam uma
natural propensão ao crime, constituindo suas
manifestações culturais potenciais estímulos a
comportamentos bárbaros, primitivos e anti-
sociais.
Repressão e Resistência
• “Tenda dos Milagres” – Jorge Amado – retrata
este período de repressão policial e resistência
da cultura afro-brasileira na cidade de Salvador,
bem como as teorias racialistas, impregnadas
na Escola de Medicina.

• Pedro Archanjo, “herói popular”, Ojuobá, bamba


das rodas de capoeira e de samba, se arma
com a teoria acadêmica para defender a
mestiçagem cultural.
Repressão e Resistência
• O 2° Congresso Afro-Brasileiro (Salvador –
1937) une pais e mães de santo, capoeiristas e
intelectuais em defesa da cultura afro-brasileira.

• Até então, os capoeiristas estava ligados à


malandragem, à boemia, à valentia das ruas.

• Salvador abrigou notórios valentes como


Besouro Mangangá, Chico Três Pedaços, Pedro
Mineiro, Pedro Porreta, Salomé…
Luta Regional Baiana
• Na década de 30, Mestre Bimba
(Manuel dos Reis Machado), ao
desafiar em ringue e vencer
lutadores de várias modalidades,
decide tornar a capoeira “mais
eficiente” e insere golpes e
movimentos de outras lutas,
aumentando a velocidade,
esvaziando o ritual da roda e
“inventando uma tradição”: a luta
regional baiana ou capoeira regional
Luta Regional Baiana
• Ao ensinar para a burguesia
(alunos brancos, de classe média,
muitos oriundos da Escola de
Medicina) Mestre Bimba consegue
um título de professor de Educação
Física, se apresentando para
autoridades como o Governador
biônico Juraci Magalhães e o então
ditador Getúlio Vargas
Luta Regional Baiana
• A política cultural do Estado Novo
apelava ao nacionalismo e à
construção de uma identidade
nacional, abrindo caminhos para a
legalização e valorização da
capoeira

• Os capoeiristas foram se
transformando, saindo do papel de
“valente” e assumindo os papéis de
“mestre” e “agente cultural”
Capoeira Regional
• A exploração da capoeira regional em
espetáculos para-folclóricos para o turismo foi
incorporando à mesma saltos ornamentais e
acrobacias circenses. As artes marciais orientais
influenciaram a maior parte dos grupos a adotar
um sistema de graduação baseado em cordas,
cordões ou cordéis coloridos.

• Muitos voltaram a buscar referências na


capoeira angola, afirmando ensinar angola e
regional ou se definindo como representantes
da “capoeira contemporânea”.
Tradição dos mais velhos:
a Capoeira Angola em cena

• Com o crescimento da capoeira regional, os


representantes da capoeira tradicional
passam a chamá-la de capoeira angola, e se
organizam. Mestre Vicente Ferreira Pastinha
(1889-1981) é escolhido como representante
desta comunidade, fundando em 23 de
Fevereiro de 1941 o Centro Esportivo de
Capoeira Angola.
Palavras de Mestre Pastinha
“Em principio do ano de 1941, o meu ex-aluno
Raymundo, mais conhecido pelo automasia de
Aberrêr sempre me convidava para eu voltar a
praticar a capoeira, para tomar conta de uma como
instrutor, ao que eu sempre respondia: Eu já me
afastei e não pretendo voltar mais a esse esporte.
Aberrêr então me convidou para ir aprecia-lo jogar no
Jinjibirra, com o que eu concordei, em 23 de Fevereiro
de 1941. Fui a esse local como prometeira a Aberrêr,
e com surpresa o Snr. Amôsinho dono da quela
capoeira, apertando-me a mão disse-me: Há muito
que o esperava para lhe entregar esta capoeira, para
o senhor mestrar. Eu ainda tentei me esquivar
disculpando, porem, tomando a palavra o Snr Antonio
Maré. Disse-me: não há jeito, não, Pastinha, é você
mesmo quem vai mestrar isso a qui“.
Mestre Pastinha
• Apesar de Mestre Bimba
ter sido o primeiro a fundar
oficialmente uma academia
de capoeira (1937), Mestre
Pastinha foi o primeiro a
fundar uma escola de
capoeira (Centro Esportivo
de Capoeira Angola, 1941),
a pensar na capoeira como
um instrumento
pedagógico, de alto teor
filosófico.
Mestre Pastinha
• Sua escolha pela
comunidade da
capoeira tradicional não
foi apenas pelo seu
conhecimento técnico e
domínio corporal. Foi
pelo seu grau de
mestria, pelo seu alto
conhecimento espiritual
e filosófico, pelo seu
caráter de educador.
Mestre Pastinha
• Ao fundar uma linha de
sucessão discipular que se
articula em torno da escola de
capoeira angola como local
privilegiado para a transmissão
de ensinamentos ancestrais,
calcados na oralidade, Mestre
Pastinha busca um
afastamento do universo das
ruas e dos bares, comumente
associados à valentia e à
violência
Palavras de Mestre Pastinha
• “O número de capoeiras que ganharam fama
eleva-se a dezenas. Alguns, cujos nomes
aqui se encontram e que, por razões óbvias
deixo sem destaque, foram, em seu tempo,
motivos de terror. Suas histórias, por muitos
homens de idade avançadas lembradas,
devem estar registradas nos arquivos
policiais. Eram indivíduos de mau caráter
que se valiam da Capoeira para dar vazão ao
instinto agressivo”.
Palavras de Mestre Pastinha
• É assim que ele mesmo se define: “É o
educador da capoeira tipo Angola
originado pelos negros da velha África”.
• “Temos músicas, cantos e jogos
ginásticos que devemos velar, que não
introduza o uso do álcool em suas
cabeças: porque em sua liberdade é um
bem que não deve perder o teu sangue”
Palavras de Mestre Pastinha
• “Eu sempre tive em mente que a capoeira
precisava de um generoso instrutor, com a
presencia minha, apontei o destino de levar
ao futuro assumir deversa atitude Pelo amor
ao esporte, e a luta constitui caminho para a
divina realização e recebeu o nome de
Centro Esportivo de Capoeira Angola como
patrimônio sagrado; a movimentação do qual
preparam o caminho da perfeição.”
Palavras de Mestre Pastinha
• “Todos mestres deve ter conhecimento das
regras, e maior número não tem
conhecimento. Eu conheço mestres que
sabe tanto quanto eu, mais não ensina, todo
mundo sabe que o gato ensinou a onça, e o
que ia acontecendo?”

• “Os mestres rezerva segredos, mais não


nega a esplicação”
Palavras de Mestre Pastinha
• “O bom capoeirista nunca se exalta, procura
sempre estar calmo para poder reflitir com
percisão e acerto; não discute com seus
camaradas ou alunos, não toma jogo sem ser
sua vez, para não aborrecer os
companheiros e dai surgir uma rixa; ensinar
aos alunos sem procurar fazer exibição de
modo agressivo, e nem apresentar-se de
modo discortez sem amor a nossa causa que
é a causa da moralisação e aperfeiçoamento
desta luta tão bela quanto útil à nossa
educação...”
Palavras de Mestre Pastinha
• “Nunca perder de vista de que é a partícula
da força inteligente, pensam na
responsabilidades do bem, ou mau, devemos
conhecer a ação do pensamento, é o poder
da vontade. Venho, desde o passado para
evoluir, crecer, progridir, andar para frente,
arrancando dos pés dos escravos da
ignorância, todos capoeirista está dormindo,
até hoje continua dormindo, corrigem-se e
veja a luz da verdade...”
Palavras de Mestre Pastinha

• “Cumprir o dever é ser honesto de si


mesmo: é respeitar-se a si próprio, é
agir com consciência esclarecida; todo
o dever cumprido representa o resgate
de uma obrigação; um impulso para
frente no sentido da evolução”
Conclusão
• Os ensinamentos dos mestres de
capoeira angola se inserem num modelo
educativo característico da cultura popular
de matriz africana, onde a adesão a um
grupo representa a incorporação de
valores ancestrais e o envolvimento na
construção de trincheiras simbólicas de
resistência afro-brasileira ao processo de
homogeneização ocidentalizante
promovido pela indústria cultural.
Conclusão
• A vivência ritual do jogo da capoeira
angola, longe de apresentar apenas o
domínio de uma técnica de equilíbrio,
resistência, flexibilidade e domínio
corporal, possibilita uma inserção numa
cosmovisão primitiva, que em cada volta
ao mundo traz mais lições e reflexões
sobre a grande roda da vida.

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