CAMPUS UNIVERSITÁRIO DO TOCANTINS/CAMETÁ DIÁLOGOS LUSO-BRASILEIROS NA LITERATURA OITOCENTISTA.
Prof.ª Dr.ª Lucilena Gonzaga
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BURKE, Peter. O que é história cultural?. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. ____________. Hibridismo Cultural. São Leopoldo, RS: Editora Unisinos, 2010. ____________. Perdas e Ganhos: Exilados e expatriados na história do conhecimento na Europa e nas Américas, 1500 – 2000. SP: Unesp, 2017.
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Escritos e escritores portugueses (des)conhecidos do Século XIX
O Beijo (Teixeira de Vasconcellos)
O que são as mulheres (José Victorino da Silva) O amor livre (Luís Augusto Palmerim) A mulher do Minho (Antonio da Costa) Na Aldeia (Alberto Braga) Emilia Adelaide (Lopo Vaz) As Mulheres de Balzac (Maria Amália Vaz de Carvalho) Cartas Lisbonenses (Guiomar Torrezão).
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Em 12 de junho de 1868, foi publicada na coluna “Variedade” uma crônica intitulada “O Beijo”, do escritor e jornalista português (Antonio Augusto) Teixeira de Vasconcellos (01/11/1816 – 29/06/1878) – autor de O Prato de Arroz Doce. Vemos a defesa do beijo como um gesto de amor e devoção, quando o autor justifica que “Por elle se patenteião e se consagrão o amor e respeito filial, a affeição conjugal, a amisade, a gratidão, a paz, a beneficência, a humildade, a alegria e alvoroço, a tristeza, o conforto na desgraça e a confraternidade dos homens em variadíssimas conjucturas”, tanto na relação conjugal, familiar e de amizade, quanto na religiosidade, principalmente católica, o beijo sempre representou afeto. 17/02/2018 Prof.ª Dr.ª Lucilena Gonzaga - UFPA 4 Segundo Teixeira de Vasconcellos, o beijo sempre foi celebrado ao longo dos tempos, chegando, inclusive a encontrar-se “nos versos de Homero, nas lamentações de Job, e nos costumes da antiga Roma, onde tribunos, cônsules e dictadores davam a mão a beijar aos seus inferiores”. Embora essa publicação pareça ser banal para os tempos atuais, certamente, no século XIX, ela era representativa no que diz respeito ao comportamento social do período, bem como denota que, esse tipo de cumprimento tão usual hoje, foi “Inventado pelo instincto”, e “será sempre o fiel espelho dos affectos da alma, a primeira demonstração de bem querer que as crianças aprendem, e o ultimo adeus ao mundo quando nos paroxismos da morte”. O autor ratifica a intenção com que esse gesto – tão romântico naquela época – deveria ser empregado.
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O português José Victorino da Silva publicou no Diário de Belém de 1869, as seguintes : O que são as mulheres e Quem não gosta de dinheiro. Na primeira, o autor, ao questionar o comportamento das mulheres, argumenta que “nem Voltaire com a sua sciencia encyclopedica e universal nem Lavater com a sua sciencia phisionomica, alcançaram a solução definitiva do que é a mulher”. Segundo ele, as mulheres sempre foram as mesmas, independente das épocas “Há muitas que são virtuosas como Penélope, em quanto tecia o seu véo, fortíssimas como Lucrecia, heroínas como Sapho e Joanna d’Arc, ardilosas como Ariadne com o seu novello, intrépidas como Atalanta a caçadora, e guerreiras como a Maria da Fonte ou a padeira d’Aljubarrota”. Vemos que José Victorino apresenta mulheres historicamente importantes, procurando exaltar características semelhantes às das portuguesas.
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O que são as mulheres é uma instigante publicação que traz a epígrafe latina “O Vós omnes qui transittis attendite et vidette”, traduzida como “Oh vós todos que passais vinde e vede”, por meio da qual o autor interpela os leitores a conhecerem as grandes personagens femininas da história universal, podendo ser elas reais ou ficcionais. Por fim, assume que “A conclusão é, que os homens todos, servem-se da mulher como de um relógio, que se adianta ou se atrasa à feição da necessidade do homem, ou segundo o tempo e as circunstancias (desculpe-me o meu sexo essa liberdade, imperdoável, mas verdadeiramente verdadeira)”. Convém enfatizar que a maior parte das publicações relacionadas ao perfil feminino foi feita no ano de 1869, período em que o Romantismo começava a ser preterido em favor do Realismo.
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O Amor Livre, crônica publicada em 1873, de autoria de Luís Augusto Xavier Palmeirim (Lisboa, 09/08/1825 – Lisboa, 04/12/1893) – autor do poema Camões, declamado por Emília Adelaide no Teatro da Paz, em homenagem ao Tricentenário da morte de Camões. Discorre sobre a liberdade amorosa que, na opinião ultraconservadora do escritor “é uma espécie de cão sem colleira, e sem dono, a quem todos podem deitar a rede”, ou seja, é uma contestação ao comportamento libertário da época, em relação ao amor livre que parecia estar em voga.
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O autor argumenta que esse modismo propagado em França não é uma novidade oriunda desse país, mas sim de Roma, onde nasceu “a liquidação social da mulher”. Segundo ele, “os romanos foram os inventores do amor à queima-roupa, que dispensa o aceno do lenço branco, a epistola ardente e sem orthographia, e, nos nossos dias, o annuncio alambicado, mas correcto, por conta e risco do revisor de jornal”. O fato dessa crônica ter sido publicada na década de 1870 permite- nos aventar algumas hipóteses, tais como: a influência dos costumes franceses na cultura portuguesa e paraense começa a modificar o comportamento desses e, por isso, o autor combate essa atitude vista por ele como algo ruim para a sociedade e que “os Quasimodos querem fazer livre, na esperança de pescar nas aguas turvas e de serem aceitos ao menos uma vez na vida em nome de um direito imaginário”; a referida década favorece transformações sociais com a perspectiva do Movimento Realista, cujo objetivo era afrontar a sociedade conservadora, mormente no que diz respeito ao casamento e ao “amor livre”.
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A Mulher do Minho foi a crônica publicada na primeira página do Diário de Belém, de 1874. De autoria de Antonio da Costa (de Sousa de Macedo, Lisboa, 21/11/1824 – Lisboa, 17/01/1892), essa é mais uma das publicações que envolveram a temática feminina sob a perspectiva portuguesa, o próprio título sugere tratar-se especialmente da região do Minho, norte de Portugal, que no dizer do autor “De quantas impressões me encantaram a alma na formosa província, nenhuma se me entranhou tão viva como a da mulher do Minho”, as primeiras linhas da crônica identificam a temática a ser decantada por ele.
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Após intensa descrição em favor da mulher do Minho, ele argumenta que “Menos tentando estou a buscar o fundamento do phenomeno na emigração do homem. A emigração, como torrente, não data de muitos annos e de poucos annos não é que a minhota cunhou pelo trabalho a sua originalidade n’uma província inteira”, antes mesmo da emigração, as mulheres já assumiam o papel do homem no trabalho. Entre outras informações importantes localizadas nessa crônica, temos a notícia de que “Os homens lá emigram para o Brasil, Alentejo, Lisboa, Porto, Hespanha; à minhota, quasi exclusivamente, é que está[va] incumbido o trabalho da província”. Assim sendo, o Brasil foi o único país, fora do continente europeu, citado pela emigração portuguesa, o autor faz referência à Espanha, mas sabemos que é pelo fato de ser o país mais próximo do Minho.
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Alberto (Leal Barradas Monteiro) Braga (Porto, 1851 – 1911) publicou, em 07 de janeiro de 1879, a prosa de ficção Na Aldeia com o subtítulo “excerto de um livro inédito” (possivelmente do livro Contos da Aldeia,1880). A narrativa reporta-se ao ano de 1857, especificamente o dia 5 de janeiro, dia chuvoso e triste, principalmente depois que Paulo, o sacristão da igreja de Santo Estevão de Gião, comunica aos devotos o estado de saúde do senhor Abade. Após o cirurgião examinar o religioso, ele entrevistou maliciosamente a criada, perguntando há quanto tempo ela servia ao abade; ela ingenuamente respondera que há vinte e dois anos. Assim, continua a história até o retorno do cirurgião à sua casa, onde a criada Joanna o aguardava para lhe massagear as pernas, “d’estos e de outros preservativos, antepostos pela caridosa Joanna ao reumatismo do doutor, seguião-se quasi sempre outras scenas que transformavão a residência do cirurgião num cerralho oriental”, assim era descrito o que se passava na casa.
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A narrativa enfatiza os acontecimentos na casa do médico, “onde Joanna era odalisca, o doutor, o sultão; e para complemento do pessoal, o criado Jeronymo fazia papel de eunucho... sem mutilação”. Ao utilizar uma linguagem sensual para insinuar o que ocorria na casa do médico, o autor da ficção aponta para o Realismo, enquanto movimento literário já em voga em Portugal e prestes a ser demarcado oficialmente no Brasil, quando justificava as ações do cirurgião dizia que “As pessoas das cidades suppoem que a continência nos costumes corre parelhas com o atraso material das aldeias! engano, puro engano!”, ou seja, o aldeão também desfrutava dos prazeres oferecidos pela modernidade, principalmente no que dizia respeito ao amor livre, pois “ali, no meio daquellas saudosas carvalheiras, onde os poetas urbanos idealisão uns amores cândidos como o dos pastores de Theocrito é que a sensualidade sôrna se alaparda e vinga”.
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Emilia Adelaide era o título do folhetim assinado pelo escritor português Lopo Vaz (29/09/1848 – 20/03/1892), publicado no Diário de Belém, em 1880, certamente essa publicação marcava a chegada da atriz portuguesa na província do Pará, indo passar uma temporada de apresentações teatrais na região. Lopo Vaz não economizou elogios ao apresentar ao público paraense: “A atriz EMILIA ADELAIDE (escapou-nos o seu nome!) a pythoniza da arte dramática traz o seu nome laureado pela litteratura e pelo jornalismo de duas nações irmãs: sucedâneo digno da eminência e da inteligência”. 17/02/2018 Prof.ª Dr.ª Lucilena Gonzaga - UFPA 14 A estada da afamada atriz portuguesa na província do Pará tornou-se notícia quase diária nos jornais de Belém, sendo divulgada, inclusive, pela corresponde portuguesa do jornal O Liberal do Pará Guiomar Torrezão, que dedicou parte de seus escritos nas Cartas Lisbonenses, de 29 de março de 1880, destinadas às leitoras paraenses para falar do desejo de estar na cidade para amenizar a saudade que sentia daquela “borboleta ingrata”, conforme veremos mais adiante.
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Também no ano de 1879, encontramos a publicação da portuguesa Maria Amália Vaz de Carvalho (02/02/1847 – 24/03/1921), intitulada As Mulheres de Balzac. A autora refere-se às leitoras do Brasil, a quem dizia já ter falado das “filhas de Victor Hugo, não das filhas de sua carne, mas das filhas de sua phantasia” e que “Cada homem de gênio tem a sua galeria de figuras typicas, que ficão vivas e eternas no coração ou na memoria das gerações que se vão sucedendo”, assim apresenta o escritor francês Honoré de Balzac e justifica que “Balzac fez no romance o que Miguel Angelo fez com as artes plásticas”. 17/02/2018 Prof.ª Dr.ª Lucilena Gonzaga - UFPA 16 Sobre o francês Honoré de Balzac, a escritora argumenta que “Se escolheu o romance, foi porque o romance era a única moldura em que elle podia enquadrar o mundo de pensamentos, de ideas, de systemas, de theorias que lhe enxameiava no cérebro”. Isto porque, na perspectiva de Amália, o francês conseguia transpor em seus romances, de forma mais natural possível, todos os dilemas característicos da sociedade de seu tempo, por isso “A posteridade há de fazer lhe plena justiça”.
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Guiomar (Delfina de Noronha) Torrezão (Lisboa, 26/11/1844 – 22/10/1898), conhecida pela alcunha de “Operária das Letras” , foi a correspondente portuguesa mais atuante entre os jornais paraenses e uma das primeiras autoras a se manter financeiramente dos seus escritos, atuando, principalmente, como ficcionista, dramaturga, poetisa, ensaísta e jornalista em vários periódicos, mas sua colaboração com o Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro, a tornou mais popular. Na penúltima carta lisbonense, datada de 28 de março de 1880, Torrezão dizia que “Se fosse possível inverterem se os papeis, seria eu hoje que pederia a vv. excs., leitoras, que me escrevessem uma carta paraense em vez de lhes dirigir eu como costume, uma carta lisbonense”. 17/02/2018 Prof.ª Dr.ª Lucilena Gonzaga - UFPA 18 Notemos que a folhetinista, ao sugerir a troca dos papeis, expressa um desejo curioso de conhecer suas leitoras, assim como a província do Pará, uma vez que ela gostaria de receber uma “carta paraense”, o que nos permite aventar a vontade de ser leitora, ou mesmo de estar no Pará, pois havia um grande motivo para isso: a presença da atriz portuguesa Emília Adelaide Pimentel (01/11/1836 – 11/09/1905). Ela prossegue a carta no devaneio de receber a correspondência paraense, pedindo informação da atriz: “E eu responderia a vv. excs. com um lyrismo ultra bucólico, suplicando lhe que nos enviasse pelo primeiro paquete, espalmada n’um album, espetada n’um alfinete ou fechada n’uma boceta – exceptuando a de Pandora, bem entendido – essa borboleta ingrata e esquiva”. Guiomar expressava grande admiração por Emília Adelaide, a famosa atriz portuguesa que fazia fama no Brasil, depois de ter brilhado nos palcos de Portugal com as peças “A Morgadinha de Val Flor” e “Magdalena”, ambas de Pinheiro Chagas.