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Poesia modernista

Prof. MSc. Éverton Santos


Ariano Suassuna (PB, 16 de junho de 1927 —
PE, 23 de julho de 2014)
Algumas obras:
• O pasto incendiado (1945-1970)
• Ode (1955)
• Sonetos com mote alheio (1980)
• Sonetos de Albano Cervonegro (1985)
• Poemas (antologia) (1999)

https://pt.wikipedia.org/wiki/Ari
ano_Suassuna
A mulher e o reino
Oh! Romã do pomar, relva esmeralda
Olhos de ouro e azul, minha alazã
Ária em forma de sol, fruto de prata
Meu chão, meu anel, cor do amanhã
Oh! Meu sangue, meu sono e dor, coragem
Meu candeeiro aceso da miragem
Meu mito e meu poder, minha mulher
Dizem que tudo passa e o tempo duro https://www.revistaprosaversoeart
tudo esfarela e.com/ariano-suassuna-poemas/
O sangue há de morrer
Mas quando a luz me diz que esse ouro puro se acaba pôr finar e corromper]
Meu sangue ferve contra a vã razão
E há de pulsar o amor na escuridão.
A Acauhan – A malhada da onça
Aqui morava um Rei quando eu menino:
vestia ouro e Castanho no gibão.
Pedra da sorte o meu Destino
pulsava, junto ao meu, seu Coração.
Para mim, seu Cantar era divino,
quando, ao som da Viola e do bordão,
cantava, com voz rouca, o Desatino,
o sangue, o riso e as mortes do Sertão.
Mas mataram meu Pai. Desde esse dia
eu me vi como um Cego sem meu guia
que se foi para o Sol, transfigurado.
Sua Efígie me queima. Eu sou a Presa,
Ele a Brasa que impele ao fogo, acesa,
Espada de ouro em Pasto ensanguentado.
https://www.revistaprosaversoeart
e.com/ariano-suassuna-poemas/
Augusto dos Anjos (PB, 20 de abril de 1884 —
MG, 12 de novembro de 1914)
Obra: Eu (1912)

https://pt.wikipedia.org/
wiki/Augusto_dos_Anjos
Versos íntimos
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga, https://escolaeducacao.com.br/melhore
Escarra nessa boca que te beija! s-poemas-de-augusto-dos-anjos/
Vozes de um túmulo
Morri! E a Terra — a mãe comum — o brilho
Destes meus olhos apagou!… Assim
Tântalo, aos reais convivas, num festim,
Serviu as carnes do seu próprio filho!
Por que para este cemitério vim?!
Por quê?! Antes da vida o angusto trilho
Palmilhasse, do que este que palmilho
E que me assombra, porque não tem fim!
No ardor do sonho que o fronema exalta
Construí de orgulho ênea pirâmide alta,
Hoje, porém, que se desmoronou
A pirâmide real do meu orgulho,
Hoje que apenas sou matéria e entulho https://escolaeducacao.com.br/melhores-
Tenho consciência de que nada sou! poemas-de-augusto-dos-anjos/
Augusto Frederico Schmidt (RJ, 18 de
abril de 1906 — RJ, 8 de fevereiro de 1965)
Principais obras:
• Estrela Solitária (1940)
• O Galo Branco (1948)

https://dearsforever.com/br/inde
x.php/cidades/rj/rjo/item/30-
augusto-frederico-schmidt
O grande momento
A varanda era batida pelos ventos do mar
As árvores tinham flores que desciam para a morte,com
[a lentidão das lágrimas.
Veleiros seguiam para crepúsculos com as asas cansadas
[e brancas se despedindo.
O tempo fugia com uma doçura jamais de novo experimentada
Mas o grande momento era quando os meus olhos conseguiam
entrar pela noite fresca dos seus olhos…

https://www.revistaprosaversoearte.com/
augusto-frederico-schmidt-poemas/
A ausente
Os que se vão, vão depressa, Os que se vão, vão depressa.
Ontem, ainda, sorria na espreguiçadeira. Mais depressa que os pássaros que passam no
Ontem dizia adeus, ainda, da janela. céu,
Ontem vestia, ainda, o vestido tão leve cor- Mais depressa que o próprio tempo,
de-rosa. Mais depressa que a bondade dos homens,
Os que se vão, vão depressa. Mais depressa que os trens correndo nas noites
escuras,
Seus olhos grandes e pretos há pouco Mais depressa que a estrela fugitiva
brilhavam. Que mal faz um traço no céu.
Sua voz doce e firme faz pouco ainda falava, Os que se vão, vão depressa.
Suas mãos morenas tinham gestos de Só no coração do poeta, que é diferente dos
bênçãos. outros corações,
No entanto hoje, na festa, ela não estava. Só no coração sempre ferido do poeta
Nem um vestígio dela, sequer, É que não vão depressa os que se vão.
Decerto sua lembrança nem chegou, como os Ontem ainda sorria na espreguiçadeira,
convidados — E o seu coração era grande e infeliz.
Alguns, quase todos, indiferentes e Hoje, na festa ela não estava, nem a sua
desconhecidos. lembrança.
Vão depressa, tão depressa os que se vão…
Carlos Drummond de Andrade (MG, 31 de outubro
de 1902 – RJ, 17 de agosto de 1987)
Algumas obras:
• Alguma Poesia (1930)
• Brejo das Almas (1934)
• Sentimento do Mundo (1940)
• José (1942)
• A Rosa do Povo (1945)
• Novos Poemas (1948)
• Claro Enigma (1951)
• Fazendeiro do Ar (1954)
• As Impurezas do Branco (1973)
• O Amor Natural (1992) https://pt.wikipedia.org/wiki/Carl
os_Drummond_de_Andrade
No meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento


na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra. https://www.culturagenial.com/poem
as-de-carlos-drummond-de-andrade/
Poema de sete faces
O homem atrás do bigode
Quando nasci, um anjo torto é sério, simples e forte.
desses que vivem na sombra Quase não conversa.
disse: Vai, Carlos! ser gauche na Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
vida.
Meu Deus, por que me abandonaste
As casas espiam os homens se sabias que eu não era Deus
que correm atrás de mulheres. se sabias que eu era fraco.
A tarde talvez fosse azul, Mundo mundo vasto mundo,
não houvesse tantos desejos. se eu me chamasse Raimundo
O bonde passa cheio de pernas: seria uma rima, não seria uma solução.
pernas brancas pretas amarelas. Mundo mundo vasto mundo,
Para que tanta perna, meu Deus, mais vasto é meu coração.
pergunta meu coração. Eu não devia te dizer
Porém meus olhos mas essa lua
não perguntam nada. mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
https://www.culturagenial.com/poemas-
de-carlos-drummond-de-andrade/
As Sem-Razões do Amor
Eu te amo porque te amo. Eu te amo porque não amo
Não precisas ser amante, bastante ou de mais a mim.
e nem sempre sabes sê-lo. Porque amor não se troca,
Eu te amo porque te amo. não se conjuga nem se ama.
Amor é estado de graça Porque amor é amor a nada,
e com amor não se paga. feliz e forte em si mesmo.
Amor é dado de graça, Amor é primo da morte,
é semeado no vento, e da morte vencedor,
na cachoeira, no eclipse. por mais que o matem (e
Amor foge a dicionários matam)
e a regulamentos vários. a cada instante de amor.
https://www.culturagenial.com/poemas-de-
carlos-drummond-de-andrade/
Congresso Internacional do Medo
Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.
https://www.culturagenial.com/poemas-de-
carlos-drummond-de-andrade/
A língua lambe
A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.
E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.
https://homoliteratus.com/o-amor-natural-o-livro-de-
poemas-eroticos-de-carlos-drummond-de-andrade/
Cassiano Ricardo (SP, 26 de julho de 1894 —
RJ, 14 de janeiro de 1974)
Algumas obras:
• Dentro da noite (1915)
• A Flauta de Pan (1917)
• Vamos caçar papagaios (1926)
• Borrões de verde e amarelo (1927)
• Martim Cererê (1928),
• O sangue das horas (1943)
• Um dia depois do outro (1947)
https://pt.wikipedia.org/wiki
• Poemas murais (1950) /Cassiano_Ricardo
Rotação
a esfera a esfera a espera me ensina
em torno de si mesma
em torno de si me ensina a espera a esperança
mesma a espera me ensina a esperança me
me ensina a espera a esperança
a espera me ensina a esperança me ensina ensina
a esperança uma nova espera a uma nova espera a
a esperança me nova
ensina espera me ensina nova
uma nova espera a uma nova esperança espera me ensina
nova na esfera
espera me ensina a esfera uma nova
de novo a esperança em torno de si mesma esperança
na esfera me ensina a espera
na esfera

http://www.jornaldepoesia.jor.br/cricardo2.html#montanha
A rua
Bem sei que, muitas vezes,
O único remédio
É adiar tudo. É adiar a sede, a fome, a viagem,
A dívida, o divertimento,
O pedido de emprego, ou a própria alegria.
A esperança é também uma forma
De continuo adiamento.
Sei que é preciso prestigiar a esperança,
Numa sala de espera.
Mas sei também que espera significa luta e não, apenas,
Esperança sentada.
Não abdicação diante da vida.

A esperança
Nunca é a forma burguesa, sentada e tranquila da espera.
Nunca é figura de mulher
Do quadro antigo.
Sentada, dando milho aos pombos.

http://www.jornaldepoesia.jor.br/cricardo2.html#montanha
Cecília Meireles (RJ, 7 de novembro de 1901 –
RJ, 9 de novembro de 1964)
Algumas obras:
• Espectros (1919)
• Poema dos Poemas (1923)
• Baladas para El-Rei (1925)
• A Festa das Letras, 1937
• Olhinhos de Gato (1940)
• Vaga Música (1942)
• Romanceiro da Inconfidência (1953)
• Ou Isto ou Aquilo (1964) https://pt.wikipedia.org/wiki/C
ecilia_Meireles
Motivo
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
https://www.revistabula.com/7668-os-melhores-poemas-de-cecilia-
meireles/
Retrato
Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?
https://www.revistabula.com/7668-os-melhores-poemas-de-cecilia-
meireles/
Timidez
Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve…
- mas só esse eu não farei.
Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes…
- palavra que não direi.
Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,
- que amargamente inventei.
E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
até não se sabe quando…
e um dia me acabarei. http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/cecilia-meireles-poemas/
Gilberto Mendonça Teles (GO, 30 de junho de
1931)
Algumas obras:
• Alvorada (1955)
• Estrela-d'Alva (1956)
• Pássaro de Pedra (1962)
• Sintaxe Invisível (1967)
• Sonetos do Azul sem Tempo (1978)
• Linear G (2011)
• Brumas do Silêncio (2014)
• Lirismo rural: O Sereno do Cerrado (2017) https://pt.wikipedia.org/wiki/Gilb
erto_Mendonca_Teles
Caminhos
Se caminhamos juntos,
se juntos dividimos,
quem sabe da renúncia
que nos vai conduzindo?
Quem sabe dos intentos
tão distantes, tão próximos,
que amamos em silêncio
como um segredo nosso?
Quem sabe do caminho,
se tudo é tão noturno
e o sonho é como um sino
além, além do mundo?
https://www.revistaprosaversoearte.com/gilberto-mendonca-teles-
poemas/
Cantiga
Pergunto ao mar por que foge
e ao vento por que não vem.
O tempo levou a vida
para outra praia no além.
Há tanto pássaro voando,
meu sonho voou também.
Pousou nas cristas das vagas,
tornou-se espuma salgada
e veio dar nesta praia
onde não há mais ninguém.
E o mar que foge retorna,
retorna o vento também.
Só a vida que foi não volta,
só o tempo que foi não vem.
https://www.revistaprosaversoearte.com/gilberto-mendonca-teles-
poemas/
Guilherme de Almeida (SP, 24 de julho de
1890 – SP, 11 de julho de 1969)
Algumas obras:
• Nós (1917)
• A Dança Das Horas (1919)
• Encantamento (1925)
• Raça (1925)
• Simplicidade (1929)
• Você (1931)
• Poesia Vária (1947)
• O Anjo De Sal (1951) https://pt.wikipedia.org/wiki/Guilher
• Rua (1961) me_de_Almeida#Obras_do_autor
Arco-íris: 2 - Azul
Primavera.
Um pedaço de céu caiu na terra:
em tufos fofos de flocos frouxos frívolas hortênsias
volantes como crinolinas fúteis
desmancham-se em reverências
ou passeiam como sombrinhas lindamente inúteis
ou pousam empoadas de ar como pompons. O céu
é um grande linho muito passado no anil
que o vento enfuna num varal de vidro. Ele é o
toldo azul de um bazar
onde brinca vestido de ar
um clown elástico, ágil e sutil.
https://www.escritas.org/pt/guilherme-de-almeida
Infância
Um gosto de amora
comida com sol. A vida
chamava-se "Agora".

https://www.escritas.org/pt/guilherme-de-almeida
Hilda Hilst (SP, 21 de abril de 1930 — SP, 4 de
fevereiro de 2004)
Algumas obras:
• Presságio (1950)
• Roteiro do Silêncio (1959)
• Júbilo, memória, noviciado da paixão (1974)
• Da Morte. Odes mínimas (1980)
• Cantares de perda e predileção (1980)
• Poemas malditos, gozosos e devotos (1984)
• Cantares do Sem Nome e de Partidas (1995) https://pt.wikipedia.org/wiki/H
ilda_Hilst
• Do Amor - SP: Massao Ohno (1999)
Amavisse
Como se te perdesse, assim te quero.
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro
Um arco-íris de ar em águas profundas.
Como se tudo o mais me permitisses,
A mim me fotografo nuns portões de ferro
Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
No dissoluto de toda despedida.
Como se te perdesse nos trens, nas estações
Ou contornando um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios inundada.
https://www.culturagenial.com/hilda-hilst-melhores-poemas/
Aquela
Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha
Objeto de amor, atenta e bela.
Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha)
Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel
Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.

https://www.culturagenial.com/hilda-hilst-melhores-poemas/
João Cabral de Melo Neto (PE, 9 de
janeiro de 1920 — RJ, 9 de outubro de 1999)
Algumas obras:
• Pedra do Sono (1942)
• O Engenheiro (1945)
• O Cão sem Plumas (1950)
• Morte e Vida Severina (1955)
• Uma Faca só Lâmina (1955)
• A Educação pela Pedra (1966)
• Museu de Tudo (1975) https://pt.wikipedia.org/wiki/J
• Tecendo a Manhã (1999) oão_Cabral_de_Melo_Neto
Tecendo a Manhã
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
https://www.revistabula.com/449-os-10-melhores-poemas-de-joao-cabral-
de-melo-neto/
Morte e vida Severina
— O meu nome é Severino, Mas isso ainda diz pouco: Mas isso ainda diz pouco:
como não tenho outro de pia. há muitos na freguesia, se ao menos mais cinco havia
Como há muitos Severinos, por causa de um coronel com nome de Severino
que é santo de romaria, que se chamou Zacarias filhos de tantas Marias
deram então de me chamar e que foi o mais antigo mulheres de outros tantos,
Severino de Maria; senhor desta sesmaria. já finados, Zacarias,
como há muitos Severinos Como então dizer quem fala vivendo na mesma serra
com mães chamadas Maria, ora a Vossas Senhorias? magra e ossuda em que eu vivia.
fiquei sendo o da Maria Vejamos: é o Severino Somos muitos Severinos
do finado Zacarias. da Maria do Zacarias, iguais em tudo na vida:
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.

https://www.revistabula.com/449-os-10-melhores-poemas-de-joao-cabral-
de-melo-neto/
Morte e vida Severina
na mesma cabeça grande que é a morte de que se que é a morte de que se
que a custo é que se equilibra, morre morre
no mesmo ventre crescido de velhice antes dos trinta, de velhice antes dos trinta,
sobre as mesmas pernas finas, de emboscada antes dos vinte, de emboscada antes dos
e iguais também porque o sangue de fome um pouco por dia vinte,
que usamos tem pouca tinta. (de fraqueza e de doença de fome um pouco por dia
E se somos Severinos é que a morte Severina (de fraqueza e de doença
iguais em tudo na vida, ataca em qualquer idade, é que a morte Severina
morremos de morte igual, e até gente não nascida). ataca em qualquer idade,
mesma morte severina: e até gente não nascida).

https://www.revistabula.com/449-os-10-melhores-poemas-de-joao-cabral-
de-melo-neto/
Jorge de Lima (AL, 23 de abril de 1893 – 15 de
novembro de 1953)
Algumas obras:
• XIV Alexandrinos (1914)
• O Mundo do Menino Impossível (1925)
• Poemas (1927)
• Novos Poemas (1929)
• O Acendedor de lampiões (1932)
• Tempo e Eternidade (1935)
• A Túnica Inconsútil (1938)
• Poemas Negros (1947)
• Livro de Sonetos (1949) https://pt.wikipedia.org/wi
• Invenção de Orfeu (1952) ki/Jorge_de_Lima
Essa negra fulô
Ora, se deu que chegou Essa negrinha Fulô! "Era um dia uma princesa
(isso já faz muito tempo) ficou logo pra mucama que vivia num castelo
no bangüê dum meu avô pra vigiar a Sinhá, que possuía um vestido
pra engomar pro Sinhô! com os peixinhos do mar.
uma negra bonitinha, Entrou na perna dum pato
chamada negra Fulô. Essa negra Fulô! saiu na perna dum pinto
o Rei-Sinhô me mandou
Essa negra Fulô! que vos contasse mais cinco".
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô! Ó Fulô! Ó Fulô! Essa negra Fulô!
(Era a fala da Sinhá) Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô! vem me ajudar, ó Fulô,
(Era a fala da Sinhá) vem abanar o meu corpo Ó Fulô! Ó Fulô!
— Vai forrar a minha cama que eu estou suada, Fulô! Vai botar para dormir
pentear os meus cabelos, vem coçar minha coceira, esses meninos, Fulô!
vem me catar cafuné, "minha mãe me penteou
vem ajudar a tirar minha madrasta me enterrou
a minha roupa, Fulô! vem balançar minha rede, pelos figos da figueira
vem me contar uma história, que o Sabiá beliscou".
que eu estou com sono, Fulô!
Essa negra Fulô! Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô! Essa negra Fulô!
Essa negra fulô
Ó Fulô! Ó Fulô! Essa negra Fulô!
(Era a fala da Sinhá Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê meu lenço de rendas,
Essa negra Fulô!
Chamando a negra Fulô!)
Cadê meu frasco de cheiro Cadê meu cinto, meu broche,
Cadê o meu terço de ouro Ó Fulô! Ó Fulô!
Que teu Sinhô me mandou? Cadê, cadê teu Sinhô
— Ah! Foi você que roubou! que teu Sinhô me mandou?
Ah! foi você que roubou! que Nosso Senhor me
Ah! Foi você que roubou! mandou?
Ah! foi você que roubou!
Ah! Foi você que roubou,
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô! Essa negra Fulô! foi você, negra Fulô?
Essa negra Fulô!
O Sinhô foi ver a negra Essa negra Fulô!
levar couro do feitor. O Sinhô foi açoitar
A negra tirou a roupa, sozinho a negra Fulô.
O Sinhô disse: Fulô! A negra tirou a saia
(A vista se escureceu e tirou o cabeção,
que nem a negra Fulô). de dentro dêle pulou
nuinha a negra Fulô.
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
http://www.jornaldepoesia.jor.br/jorge.html
Poema à Pátria
Ó grande
país
Tu aderiste também.
Teus urubus são inquietados
Nos teus ares altíssimos pelos aviões.
Nos teus céus os anjos já não podem solfejar,
Sufocados de fumaça, importunados pelo pessoal
Do Limbo.
Tu vais ficar irremediavelmente
Toda a América
Irremediavelmente gêmeo,
Irremediavelmente comum.
https://www.escritas.org/pt/jorge-de-lima
Lêdo Ivo (AL, 18 de fevereiro de 1924 —
ESP, 23 de dezembro de 2012)
Algumas obras:
• As imaginações (1944)
• Ode e elegia (1945)
• Acontecimento do soneto (1948)
• Magias (1960)
• Uma lira dos vinte anos (1962)
• O sinal semafórico (1974)
• Crepúsculo civil (1990)
https://pt.wikipedia.org
• Curral de peixe (1995) /wiki/Lêdo_Ivo
• Réquiem (2008)
A necessidade
Uma porta fechada não é suficiente para que o homem
esconda o seu amor. Ele também necessita de uma porta aberta
para poder partir e se perder na multidão quando esse amor explodir
como o barril de pólvora no arsenal alcançado pelo raio.
Um telhado não basta para que o homem se proteja
do calor e da tempestade. Para fugir ao relâmpago
ele precisa de um corpo estendido na cama
e ao alcance de sua mão ainda temerosa
de avançar no excuro quando a chuva cai no silêncio do mundo aberto como
uma fruta
entre dios estrondos.
Na noite que declina, no dia que nasce,
o homem precisa de tudo: do amor e do raio.
https://www.revistaprosaversoearte.com/ledo-ivo-poemas/
A eternidade premeditada
Isto será a eternidade:
um incessante subir de escadas.
E sempre estarás no começo da escadaria
muito embora todos os dias sejam degraus.
Deus, porque fizeste a eternidade?
Porque nos obrigas a subir tantas escadas?

https://www.revistaprosaversoearte.com/ledo-ivo-poemas/
Manoel de Barros (MT, 19 de dezembro de 1916 —
MS, 13 de novembro de 2014)
Algumas obras:
• Poemas concebidos sem Pecado (1937)
• Face imóvel (1942)
• Compêndio para uso dos pássaros (1960)
• Gramática expositiva do chão (1966)
• Arranjos para assobio (1980)
• Livro de pré-coisas (1985)
• O livro das ignorãças (1993) https://pt.wikipedia.org/wiki/Manoel_de
_Barros
• Livro sobre nada (1996)
• Tratado geral das grandezas do ínfimo (2001)
Tratado geral das grandezas do ínfimo
A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do
mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogio.

https://blog.poemese.com/10-poemas-manoel-de-barros/
Os deslimites da palavra
Ando muito completo de vazios.
Meu órgão de morrer me predomina.
Estou sem eternidades.
Não posso mais saber quando amanheço ontem.
Está rengo de mim o amanhecer.
Ouço o tamanho oblíquo de uma folha.
Atrás do ocaso fervem os insetos.
Enfiei o que pude dentro de um grilo o meu
destino.
Essas coisas me mudam para cisco.
A minha independência tem algemas.
https://www.revistabula.com/2680-os-10-melhores-poemas-de-
manoel-de-barros/
O menino que carregava água na peneira
Tenho um livro sobre águas e Falava que vazios são Viu que podia fazer peraltagens com
meninos. maiores e até infinitos. as palavras.
Gostei mais de um menino Com o tempo aquele menino E começou a fazer peraltagens.
que carregava água na peneira. que era cismado e esquisito, Foi capaz de modificar a tarde
A mãe disse que carregar água na
peneira porque gostava de carregar botando uma chuva nela.
era o mesmo que roubar um vento e água na peneira. O menino fazia prodígios.
sair correndo com ele para mostrar Com o tempo descobriu que Até fez uma pedra dar flor.
aos irmãos. escrever seria o mesmo A mãe reparava o menino com
A mãe disse que era o mesmo ternura.
que catar espinhos na água. que carregar água na
O mesmo que criar peixes no bolso. peneira. A mãe falou: Meu filho você vai ser
O menino era ligado em No escrever o menino viu poeta!
despropósitos. que era capaz de ser noviça, Você vai carregar água na peneira a
Quis montar os alicerces monge ou mendigo ao vida toda.
de uma casa sobre orvalhos. Você vai encher os vazios
A mãe reparou que o menino mesmo tempo.
com as suas peraltagens,
gostava mais do vazio, do que do O menino aprendeu a usar e algumas pessoas vão te amar por
cheio. as palavras. seus despropósitos!

https://blog.poemese.com/10-poemas-manoel-de-barros/
Manuel Bandeira (PE, 19 de abril de 1886 —
RJ, 13 de outubro de 1968)
Algumas obras:
• A Cinza das Horas (1917)
• Carnaval (1919)
• O Ritmo Dissoluto (1924)
• Libertinagem (1930)
• Estrela da Manhã (1936)
• Lira dos Cinquent'anos (1940)
• Belo Belo (1948)
• Mafuá do Malungo (1948)
• Estrela da Vida Inteira (1965) https://pt.wikipedia.org/wiki/M
anuel_Bandeira#Poesias
Pneumotórax
Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
— Respire.
— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão
direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
https://www.revistabula.com/564-os-10-melhores-poemas-de-manuel-bandeira/
Vou-me Embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada E como farei ginástica Em Pasárgada tem tudo
Lá sou amigo do rei Andarei de bicicleta É outra civilização
Lá tenho a mulher que eu quero Montarei em burro brabo Tem um processo seguro
Na cama que escolherei Subirei no pau-de-sebo De impedir a concepção
Vou-me embora pra Pasárgada Tomarei banhos de mar! Tem telefone automático
Vou-me embora pra Pasárgada E quando estiver cansado Tem alcaloide à vontade
Aqui eu não sou feliz Deito na beira do rio Tem prostitutas bonitas
Lá a existência é uma aventura Mando chamar a mãe-d’água Para a gente namorar
De tal modo inconsequente Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino E quando eu estiver mais triste
Que Joana a Louca de Espanha Mas triste de não ter jeito
Rainha e falsa demente Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada Quando de noite me der
Vem a ser contraparente Vontade de me matar
Da nora que nunca tive — Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
https://www.revistabula.com/564-os-10-melhores-poemas-de-manuel-bandeira/
Consoada
Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
— Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.

https://www.revistabula.com/564-os-10-melhores-poemas-de-manuel-bandeira/
O Último Poema
Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

https://www.revistabula.com/564-os-10-melhores-poemas-de-manuel-bandeira/
Mário de Andrade (SP, 9 de outubro
de 1893 — SP, 25 de fevereiro de 1945)
• Algumas obras:
• Há uma Gota de Sangue em Cada Poema (1917)
• Pauliceia Desvairada (1922)
• O clã do Jabuti (1927)
• Remate De Males (1930)

https://pt.wikipedia.org/
wiki/Mário_de_Andrade
Descobrimento
Abancado à escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da rua Lopes Chaves
De supetão senti um friúme por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.
Não vê que me lembrei que lá no Norte, meu Deus!
muito longe de mim
Na escuridão ativa da noite que caiu
Um homem pálido magro de cabelo escorrendo nos olhos,
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.
Esse homem é brasileiro que nem eu.
https://escolaeducacao.com.br/melhores-poemas-de-mario-de-
andrade/
Moça Linda Bem Tratada
Moça linda bem tratada,
Três séculos de família,
Burra como uma porta:
Um amor.
Grã-fino do despudor,
Esporte, ignorância e sexo,
Burro como uma porta:
Um coió.
Mulher gordaça, filó,
De ouro por todos os poros
Burra como uma porta:
Paciência…
Plutocrata sem consciência,
Nada porta, terremoto
Que a porta de pobre arromba:
Uma bomba.
https://escolaeducacao.com.br/melhores-poemas-de-mario-de-
andrade/
Ode ao Burguês
Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina
Eu insulto o burguês! O burguês- Eu insulto o burguês-funesto! pasma!
níquel O indigesto feijão com toucinho, Oh! purée de batatas morais!
o burguês-burguês! dono das tradições! Oh! cabelos nas ventas! Oh! carecas!
A digestão bem-feita de São Paulo! Fora os que algarismam os amanhãs! Ódio aos temperamentos regulares!
O homem-curva! O homem-nádegas! Olha a vida dos nossos setembros! Ódio aos relógios musculares! Morte à
O homem que sendo francês, Fará Sol? Choverá? Arlequinal! infâmia!
brasileiro, italiano, Mas à chuva dos rosais Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados
é sempre um cauteloso pouco-a- o êxtase fará sempre Sol!
pouco! Ódio aos sem desfalecimentos nem
Morte à gordura! arrependimentos,
Eu insulto as aristocracias cautelosas! Morte às adiposidades cerebrais! sempiternamente as mesmices convencionais!
Os barões lampiões! Os condes Morte ao burguês-mensal! De mãos nas costas! Marco eu o compasso!
Joões! Os duques zurros! Ao burguês-cinema! Ao burguês- Eia!
Que vivem dentro de muros sem tiburi! Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
pulos, Padaria Suíssa! Morte viva ao Todos para a Central do meu rancor inebriante!
e gemem sangue de alguns mil-réis Adriano!
fracos “— Ai, filha, que te darei pelos teus Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
para dizerem que as filhas da anos? Morte ao burguês de giolhos,
senhora falam o francês — Um colar… — Conto e cheirando religião e que não crê em Deus!
e tocam os “Printemps” com as quinhentos!!! Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
unhas! Más nós morremos de fome!” Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom burguês!…
https://escolaeducacao.com.br/melhores-poemas-de-mario-de-
andrade/
Mário Quintana (RS, 30 de julho de 1906 —
RS, 5 de maio de 1994)
Algumas obras:
• A Rua dos Cataventos (1940)
• O Aprendiz de Feiticeiro (1950)
• Espelho Mágico (1951)
• Quintanares (1976)
• Esconderijos do Tempo (1980)
• Baú de Espantos (1986)
• Da Preguiça como Método de Trabalho (1987)
• A Cor do Invisível (1989)
• Velório Sem Defunto (1990)
https://pt.wikipedia.org/wi
• Água (2011) ki/Mário_Quintana
Os poemas
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem. E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti…
https://www.revistabula.com/2329-os-10-melhores-poemas-de-mario-quintana/
Relógio
O mais feroz dos animais domésticos
é o relógio de parede:
conheço um que já devorou
três gerações da minha família.

https://www.revistabula.com/2329-os-10-melhores-poemas-de-mario-quintana/
Poeminho do Contra
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!

https://www.revistabula.com/2329-os-10-melhores-poemas-de-mario-quintana/
Emergência
Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo —
para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.

https://www.revistabula.com/2329-os-10-melhores-poemas-de-mario-quintana/
Menotti del Picchia (SP, 20 de
março de 1892 — SP, 23 de agosto de 1988)
Algumas obras:
• Poemas do vício e da virtude (1913)
• Moisés (1917)
• Juca Mulato (1917)
• Máscaras (1919)
• Chuva de pedra (1925)
• Jesus, tragédia sacra (1958)
https://pt.wikipedia.org/wiki/M
• Poesias, seleção (1958) enotti_Del_Picchia
Noite
As casas fecham as pálpebras das janelas e dormem.
Todos os rumores são postos em surdina,
todas as luzes se apagam.
Há um grande aparato de câmara funerária
na paisagem do mundo.
Os homens ficam rígidos,
tomam a posição horizontal
e ensaiam o próprio cadáver.
Cada leito é a maquete de um túmulo.
Cada sono em ensaio de morte.
No cemitério da treva
tudo morre provisoriamente.
https://www.mensagenscomamor.com/poemas-menotti-del-picchia
Beleza
A beleza das coisas te devasta
como o sol que fascina mas te cega.
Delas contudo a luminosa entrega
nunca se dá, melhor, nunca te basta.
E a imensa paz que para além te arrasta
quanto mais se te esquiva ou te renega...
Paz tão do alto e paz dessa macega
que nos campos esplende à luz mais casta.
A beleza te fere e todavia
afaga, uma emoção (sempre a primeira e nunca
repetida) que conduz
o teu deslumbramento para um dia
à noite misturado, na clareira
em que te sentes noite em plena luz.

https://www.mensagenscomamor.com/poemas-menotti-del-picchia
Murilo Mendes (MG, 13 de maio de 1901 —
PT, 13 de agosto de 1975)
Algumas obras:
• Poemas (1930)
• Tempo e Eternidade (1935)
• O Sinal de Deus (1936)
• A Poesia em Pânico (1937)
• As Metamorfoses (1944)
• Mundo Enigma (1945)
• Poesia Liberdade (1947)
https://pt.wikipedia.org/wiki/
• Janela do Caos (1949) Murilo_Mendes
• A Idade do Serrote (1968)
• Retratos-Relâmpago (1973)
Reflexão n°.1
Ninguém sonha duas vezes o mesmo sonho
Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio
Nem ama duas vezes a mesma mulher.
Deus de onde tudo deriva
E a circulação e o movimento infinito.

Ainda não estamos habituados com o mundo


Nascer é muito comprido.

http://www.jornaldepoesia.jor.br/mu1.html
O mau samaritano
Quantas vezes tenho passado perto de um doente,
Perto de um louco, de um triste, de um miserável,
Sem lhes dar uma palavra de consolo.
Eu bem sei que minha vida é ligada à dos outros,
Que outros precisam de mim que preciso de Deus
Quantas criaturas terão esperado de mim
Apenas um olhar – que eu recusei.

http://www.jornaldepoesia.jor.br/mu1.html
Oswald de Andrade (SP, 11 de
janeiro de 1890 — SP, 22 de outubro de 1954)
Algumas obras:
• Pau-Brasil (1925)
• Primeiro Caderno do Aluno de Poesia Oswald de Andrade (1927)
• Cântico dos Cânticos para Flauta e Violão (1942)
• O Escaravelho de Ouro (1946)
• O Cavalo Azul (1947)
• Manhã (1947)
• O Santeiro do Mangue (1950)
https://pt.wikipedia.org/wiki/Oswald
_de_Andrade
A descoberta
Seguimos nosso caminho por este mar de longo
Até a oitava da Páscoa
Topamos aves
E houvemos vista de terra
os selvagens
Mostraram-lhes uma galinha
Quase haviam medo dela
E não queriam por a mão
E depois a tomaram como espantados
primeiro chá
Depois de dançarem
Diogo Dias
Fez o salto real
http://www.jornaldepoesia.jor.br/oswal.html
Vício na fala
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados

http://www.jornaldepoesia.jor.br/oswal.html
Erro de português
Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.

http://www.jornaldepoesia.jor.br/oswal.html
3 de maio
Aprendi com meu filho de dez anos
Que a poesia é a descoberta
Das coisas que eu nunca vi

https://www.vivaalongevidade.com.br/forum-da-longevidade/5-
poemas-de-oswald-de-andrade-para-voce-ler-agora
Raul Bopp (RS, 4 de agosto de 1898 — RJ, 2
de junho de 1984)
Obras:
• Cobra Norato (1931)
• Urucungo (1932)
• Poesias (1947)
• Mironga e Outros Poemas (1978)

https://pt.wikipedia.org/
wiki/Raul_Bopp
Favela
Meio-dia Bananeira botou as tetas do lado
de fora
O morro coxo cochila Mamoeiros estão de papo inchado
O sol resvala devagarzinho pela
rua
torcida como uma costela Negra acocorou-se a um canto do
terreiro
Aquela casa de janelas com dor- Pôs as galinhas em escândalo
de-dente
amarrou um coqueiro do lado. Lá embaixo
passa um trem de subúrbio
Um pé de meia faz exercícios no riscando fumaça
arame.
À porta da venda
Vizinha da frente grita no quintal:
-João! Ó João! negro bocejou como um túnel.
http://apoesiadobrasil.blogspot.com/2012/05/raul-bopp-1898-
1984.html
Tapuia
As florestas ergueram braços peludos E erras sem rumo assim pelas beiras
para esconder-te do rio
A tua carne triste se desabotoa nos que os teus antepassados te
seios deixaram de herança
recém-chegados do fundo das selvas.
O vento desarruma os teus cabelos
Pararam no teu olhar as noites do soltos
Amazonas e modela o vestido na intimidade do
mornas e imensas teu corpo exato.
E no teu corpo longo.
ficou dormindo a sombra das cinco À noite o rio te chama.
estrelas do Cruzeiro.
Chamam-te vozes do fundo do mato.
O mato acorda no teu sangue
sonhos de tribos desaparecidas Então entregas à água
- filha de raças anônimas demoradamente
que se misturam em grandes como uma flor selvagem
adultérios! ante a curiosidade das estrelas.
http://apoesiadobrasil.blogspot.com/2012/05/raul-bopp-1898-
1984.html
Ronald de Carvalho (RJ, 16 de
maio de 1893 — RJ, 15 de fevereiro de 1935)
Obras:
• Luz Gloriosa (1913)
• Poemas e Sonetos (1919)
• Epigramas Irônicos e Sentimentais (1922)
• Toda a América (1926)

https://pt.wikipedia.org/
wiki/Ronald_de_Carvalho
Interior
Poeta dos trópicos, tua sala de jantar
é simples e modesta como um tranquilo pomar;
no aquário transparente, cheio de água limosa,
nadam peixes vermelhos, dourados e cor de rosa;
entra pelas verdes venezianas uma poeira luminosa,
uma poeira de sol, tremula e silenciosa,
uma poeira de luz que aumenta a solidão.
Abre a tua janela de par em par. Lá fora, sob o céu do verão,
todas as árvores estão cantando! Cada folha
é um pássaro, cada folha é uma cigarra, cada folha
é um som...
O ar das chácaras cheira a capim melado,
e ervas pisadas, à baunilha, a mato quente e abafado.
Poeta dos trópicos,
dá-me no teu copo de vidro colorido um gole d'água.
(Como é linda a paisagem no cristal de um copo d'água!)

http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/rio_de_janeiro/ron
ald_de_carvalho.html#topo
Sabedoria
Enquanto disputam os doutores gravemente
sobre a natureza
do bem e do mal, do erro e da verdade,
do consciente e do inconsciente;
enquanto disputam os doutores sutilíssimos,
aproveita o momento!

Faze da tua realidade


uma obra de beleza

Só uma vez amadurece,


efêmero imprudente,
o cacho de uvas que o acaso te oferece... http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/rio_d
e_janeiro/ronald_de_carvalho.html#topo
Vinicius de Moraes (RJ, 19 de
outubro de 1913 — RJ, 9 de julho de 1980)
Algumas obras:
• O caminho para a distância (1933)
• Novos poemas (1938)
• Poemas, sonetos e baladas (1946)
• Antologia poética (1954)
• Livro de sonetos (1957) https://pt.wikipedia.org/
wiki/Vinicius_de_Moraes
• Para viver um grande amor (crônicas e poemas) (1962)
Soneto de Fidelidade
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

https://www.pensarcontemporaneo.com/os-10-melhores-poemas-de-
vinicius-de-moraes/
A Rosa de Hiroshima
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida.
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.
https://www.pensarcontemporaneo.com/os-10-melhores-poemas-de-
vinicius-de-moraes/
Soneto de separação
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

https://www.pensarcontemporaneo.com/os-10-melhores-poemas-de-
vinicius-de-moraes/

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