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Introdução ao

Direito
Elaborado por Jennie Mabuleza; Fonte: João Caupers

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Teoria da Norma Jurídica

 I - As normas

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Exemplos de normas ?

Amanhã não deve chover.


Compete ao Presidente da República marcar a data
das eleições legislativas.
Os homens não devem entrar numa igreja de chapéu.
O município é uma das espécies de autarquia local.
As taxas de juro tendem a aumentar com a inflação.
A água entra em ebulição à temperatura de 100 graus
centígrados.
Deve evitar-se ingerir açúcar em excesso.
Quem cometer homicídio incorre na pena máxima de
25 anos de prisão.

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O que é uma norma?

Como sabemos que um certo texto constitui


uma norma? Ou que não constitui uma norma?
Qual o significado da palavra da norma?
O que é um comportamento normal?
E que sentido tem o termo normalização?
Qual a diferença entre normal e normativo?
Uma norma é uma regra?

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A questão jurídica

A consideração de que uma situação de facto é uma


questão jurídica depende de uma pré-compreensão, uma
“intuição educada” do jurista que lhe permite estabelecer
uma conexão entre a vida e o direito, através de um
processo de “depuração jurídica”
Uma vez “juridificada” a situação de facto, há que
procurar a norma jurídica adequada ao seu tratamento,
“navegando” através do ordenamento jurídico
O principal instrumento de “navegação” do jurista é a
semelhança implícita encontrada entre a situação da vida
em causa e outras situações semelhantes que se lhe
depararam no passado

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Os factos e o direito

O direito é a justiça e a verdade. O característico do


direito é conservar-se perpetuamente puro e belo. O
facto, ainda o mais necessário, segundo as aparências,
ainda o melhor aceite pelos contemporâneos, se só
existe como facto, contendo pouco ou nada de direito, é
infalivelmente destinado a tornar-se, com o andar dos
tempos, disforme, imundo, talvez até monstruoso.

Vítor Hugo, Os Miseráveis

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A solução jurídica

A influência determinante da semelhança –


aquilo que se designa por analogia ou
raciocínio analógico – pode operar de duas
formas distintas:
a) Através da procura directa da regra, com
recurso à divisão do direito em ramos – é a
técnica continental;
b) Através do conhecimento de casos (cases)
semelhantes anteriores, que revelam a regra –
é o case method, da tradição anglo-saxónica,
que se apoia na ideia de precedente.
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A aplicação da norma -
qualificação e subsunção

O que é aplicar uma norma?


A aplicação da norma ao facto assenta na
suposição de que é possível estabelecer um
qualquer tipo de relação entre ambos. Será?
Como?
Qualificar significa referir uma solução de facto
a um instituto jurídico
Subsumir significa enquadrar um
comportamento humano, juridicamente
qualificado, na previsão da norma, a fim de
proceder à aplicação da estatuição (remissão)
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O problema da qualificação
dos factos ao direito

A qualificação é uma técnica de identificação de


uma situação de facto de forma a enquadrá-la
numa norma jurídica.
Mas como sabemos nós que uma certa situação
de facto é susceptível de enquadramento numa
norma jurídica? Se não conseguirmos proceder
a tal enquadramento, duas hipóteses se
podem, em abstracto, colocar:
A situação não é juridicamente relevante OU
Existe uma lacuna de regulamentação
(remissão)

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A subsunção

Subsumir significa, sucessivamente:


1.º Reconduzir um comportamento humano,
juridicamente qualificado, à previsão da
norma;
2.º Em resultado dessa recondução, torna-se
possível a aplicação da estatuição da norma,
isto é a extracção da conclusão aí estabelecida

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Estrutura das normas jurídicas
Definições

Normas
Normas
completas – interpretativas No espaço
a previsão
Conceitos
e a estatuição indeterminados
Normas
Cláusulas gerais de conflitos
e enumerações
Normas
Ficções No tempo
incompletas

Presunções

Normas Normas
de devolução remissivas

Directivas

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Artigo 247.º do Código Penal

Previsão
Quem:
Sendo casado, contrair outro casamento,
ou contrair casamento com pessoa casada,

Estatuição
é punido com pena de prisão até 2 anos ou
com pena de multa até 240 dias.

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Intensidade das normas jurídicas

Regras
programáticas
Regras
perceptivas

Regras
Regras
imperativas
Proibições

Regras
permissivas

Princípios
Regras
criadoras
de direitos

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Os princípios - funções

O princípio como instrumento de


flexibilidade do ordenamento;
O princípio como padrão de optimização de
uma conduta;
O princípio como fonte de institutos e de
regras;
O princípio como “referência de
completude” do ordenamento – a
integração de lacunas (remissão).

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Os princípios - exemplos

O princípio da heterotutela dos direitos –,


excepcionalidade da legítima defesa, acesso
aos tribunais;
O princípio da proporcionalidade –
racionalidade, ponderação de interesses,
proibição do excesso, excesso de legítima
defesa, abuso de direito;
O princípio da boa fé – a venda de coisa
defeituosa;
O princípio da protecção da confiança –
retroactividade (remissão), revogação dos
actos administrativos.
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Função das regras jurídicas

Impõem-se à autonomia da
vontade que a ordem
Regras jurídica reconhece aos
injuntivas seres humanos

Aceitam as manifestações
da autonomia da vontade,
Regras limitando-se a suprir a sua
supletivas eventual falta

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Âmbito das regras jurídicas
Regra Aplica-se a
geral um conjunto
mais ou
menos vasto
de relações
jurídicas
Regra
comum

Cria um
Regra regime
especial particular
para algumas
dessas
relações
Regula certas
relações jurídicas
em sentido oposto
Regra à norma comum
excepcional

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Matéria das normas jurídicas

Direito público Direito privado


Direito constitucional Direito civil
Direito administrativo Direito das obrigações
Direito fiscal Direitos reais
Direito penal Direito da família
Direito processual civil Direito das sucessões
Direito processual penal
Direito comercial
Direito do trabalho
Direito internacional
privado
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Teoria da Norma Jurídica

II - Fontes de direito

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Fontes de direito

A Constituição da República
As leis
O costume
A jurisprudência
A doutrina

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Relações entre normas

A hierarquia das fontes


Lei e regulamento
Concurso de normas: concurso aparente e
concurso real
Critérios de prevalência de normas:
Hierarquia
Modernidade
Especialidade
Proximidade

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As lacunas

A lacuna não consiste na mera inexistência


de norma jurídica aplicável, mas na falta de
regulamentação jurídica para uma situação que
a deveria ter – é uma falha na rede normativa
A lacuna é uma falta de regulamentação
jurídica; uma falta intolerável:
O tribunal tem de resolver o litígio, muito
embora não possa resolver a dúvida. De outro
modo, ele não se desempenharia da sua
função que consiste na pacificação em concreto
das relações da vida – Engish, p.103

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Integração de lacunas (I)

Integração extra-sistemática (opções):


integração normativa – solução legislativa
casuística;
integração discricionária – solução
administrativa;
integração equitativa – “a justiça no caso
concreto”.

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Integração de lacunas (2)
Integração intra-sistemática (etapas):
O artigo 10.º do Código Civil
analogia legis - a busca do caso análogo
regulado; o sentido do pensamento analógico,
assente nas ideias de sistema e de
estabilidade;
analogia juris – a dedução da norma
necessária a partir dos princípios gerais da
ordem jurídica;
a criação de uma “norma” ad hoc, só para o
caso

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Teoria da Norma Jurídica

III - A produção normativa

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A produção normativa

Qualquer idiota pode fazer uma lei e qualquer idiota a seguirá


Henri Thoreau

Normas, regras e leis


Legística material e legística formal
Os princípios
As preocupações
As formulações normativas
Densidade adequada

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Legística material: os princípios

Igualdade – Ex: distribuição de seringas a


tóxico-dependentes – e os diabéticos?
Adequação (ou proporcionalidade)
Protecção da confiança – Ex: os
benefícios fiscais
Inteligibilidade

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As preocupações

Coerência interna
Compatibilidade jurídica - Ex: a
participação do ministério público em
rusgas policiais
Coerência externa – Ex: aumentar o
investimento e reduzir os benefícios
fiscais
Respeito pelos princípios

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As formulações normativas

Prescrições – imposições e proibições


Directivas
Estímulos:
Vantagens
Redução ou eliminação de encargos
Licenciamentos

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A densidade: uma lei fluida?

Motivação principal: adaptabilidade às


circunstâncias da vida social
Objectivo principal: norma flexível e
adaptável (papel da autonomia da vontade,
da discricionaridade, da jurisprudência, etc.).
Formulações: conceitos vagos e
indeterminados, atipicidade, enumerações
exemplificativas

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A densidade: ou uma lei rígida?

Motivação principal: segurança jurídica


(condicionamento estrito da vida social –
ex.: respeito pelos direitos fundamentais)
Objectivo principal: norma estável, aplicada
uniformemente
Formulações: conceitos precisos, tipicidade,
enumerações taxativas

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Legística formal

A legística formal – a norma legal


como instrumento comunicacional
Principais qualidades comunicacionais
da lei:
Clareza
Precisão
O anexo ao Regimento do Conselho de
Ministros
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Clareza

Simplicidade (adjectivação moderada,


uso da voz activa, uso do presente)
Suficiência (moderação nas remissões
e nos reenvios)
Contenção (uso de siglas, de termos
em línguas estrangeiras, de modismos,
etc.)

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Precisão

Univocidade terminológica (preferência


pelo sentido técnico dos termos,
limitação do uso de sinónimos, recurso
a definições legais)
Correcção nas traduções (transposição
de directivas da UE)

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Sistematização da lei

Vantagens de uma boa sistematização


Bons princípios: epígrafes claras, uma só
matéria por artigo
O início da lei: âmbito de aplicação, definições
e princípios gerais;
O fim da lei: disposições finais e transitórias –
direito transitório formal e direito transitório
material; direito subsidiário; habilitação
regulamentar; normas revogatórias; vacatio
legis
Revisão da lei e numeração dos artigos
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Teoria da Norma Jurídica

IV - Sentido e aplicação das normas

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A interpretação jurídica

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Finalidade da interpretação

Para que são as normas interpretadas?


Para sabermos qual foi o pensamento do
legislador concreto – do ministro ou do deputado
- que a propuseram?
Ou para conhecermos o pensamento legislativo,
essa espécie de legislador abstracto e objectivo?
E a que momento se reporta tal conhecimento:
Ao momento da publicação da lei (historicismo)?
Ou ao momento da sua aplicação (actualismo)?
O artigo 9.º do Código Civil
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Elementos da interpretação

O elemento gramatical – o significado textual;


Os elementos lógicos ou racionais – a
contextualização das palavras:
- o elemento teleológico (a ratio legis) - para que é
que fez a norma?;
- o elemento sistemático (a unidade do sistema
jurídico) – que sentido faz a norma no conjunto
coerente de normas que constitui o ordenamento?;
- o elemento histórico (a ocasio legis) – quais as
circunstâncias históricas que rodearam a aprovação da
lei?

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Os resultados da interpretação

Interpretação declarativa – a norma tem o sentido


correspondente ao seu texto
Interpretação extensiva – a norma tem um sentido
mais amplo do que o do seu texto
Interpretação restritiva – a norma tem um sentido
menos amplo do que o seu texto
Interpretação correctiva – a norma tem um
sentido diferente do que aquele que se extrai do seu
texto
Interpretação ab-rogante – o sentido da norma
revela uma contradição com o seu texto
Interpretação implicativa – o argumento por
maioria de razão, o argumento a contrario sensu, etc.

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O espaço das normas

Normas pessoais e normas espaciais


A territorialidade das normas: o território como
elemento de mediação entre a norma e os seus
destinatários
Espaços de aplicação das normas
Normas extraterritoriais
Crescentes dificuldades do direito “territorial”:
globalização e internet

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Vigência da norma

A aplicação futura da norma como princípio


imposto pela própria natureza desta, enquanto
regra de conduta (e pelo Estado de direito)
A retroactividade, o absurdo “orwelliano” de
reescrever a história ou uma inteligente
manipulação jurídica?
Graus de retroactividade
A norma do artigo 12.º do Código Civil

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Graus de retroactividade

Máximo ou extremo – a norma projecta-se


ilimitadamente no passado, atingido, inclusive,
os casos julgados;
Médio ou agravado – a norma projecta-se no
passado mas respeita os casos julgados (ex:
leis interpretativas);
Fraco - a lei atinge as situações jurídicas já
existentes – produto de factos passados – mas
apenas relativamente aos efeitos destes que
ainda não se produziram.

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Três verdades

Três verdades sobre a retroactividade:


As possibilidades e os limites da eficácia
retroactiva dependem da conjugação com os
princípios gerais, nomeadamente o princípio da
protecção da confiança e o princípio da
igualdade;
Alguns efeitos retroactivos são proibidos pela
Constituição;
As leis podem dispor sobre a sua própria
eficácia retroactiva.

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