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Um

diálogo
entre a
poética de
Hopper e
Dickinson
QUEM FOI EMILY
DICKISNON?
Emily Elizabeth Dickinson (1830 – 1886) nasceu e morreu em
Amherst, pequena cidade perto de Boston, no estado de
Massachusetts, numa das regiões de raízes mais puritanas e
conservadoras dos Estados Unidos, e viveu, por vontade
própria, cerca de vinte e cinco anos em completa reclusão.
Há quem ache que ela, solteira até a morte, devotou-se a
uma secreta e rejeitada paixão, a qual teria sido a causa do
auto-exílio a que se submeteu.
Seu único contato fora de casa eram as cartas que trocava
com um grande número de amigos e familiares, aos quais
enviava vez por outra um poema de sua autoria. Muito dos
seus dados biográficos permanecem envoltos em mistério e
são, ainda hoje, objetos de pesquisa e discussão. Com
exceção de uma dezena publicada em vida, nenhum deles
por iniciativa própria e todos de forma anônima, sua poesia
só foi reunida em livro e só se tornou conhecida (e cada vez
mais apreciada) depois que ela morreu (LIRA, 2008, p. 21).
Emily Dickinson aos 17 anos
CARTA PARA THOMAS
HIGGINSON (1862)
Emily Dickinson e Kate Scott em
1859
Pintura dos irmãos Dickinson
em 1840
Cartão Postal de 1971
POEMAS: PRINCIPAIS
CARACTERÍSTICAS
– Seus poemas não têm título e costumam ser concisos;
– Temáticas: solidão, silêncio, morte, o “perder-tudo”, a
“estrangeirização”, o contato com a Natureza;
– Sua obra é como uma “colcha de retalhos”, composta por versos
de ocasião, resquícios de devaneios, etc;
– Sua linguagem poética, muita das vezes, é obscura e ambígua;
– Utiliza de uma “gramática própria” – pontuação, maiúsculas;
– Sua escrita está permeada de não-ditos, elipse, ironia, sugestões
e insinuações.
SOBRE O USO DO
“HÍFEN”

Emily Dickinson criou um tipo de sinal gráfico até então


inexistente em língua inglesa: [...] a disjunção é, na verdade,
um dos principais recursos estilísticos de sua escrita: destaca
uma palavra ou expressão, marca pausas de leitura ou dicção,
modifica o ritmo de alguns versos, separa segmentos frasais,
expressa continuidade ou descontinuidade de uma idéia,
explica algo que veio antes ou que virá em seguida – substitui,
enfim, todo um conjunto de sinais usuais de pontuação [...]
(LIRA, 2008, p. 22).
Eis minha carta ao Mundo
Que nunca me escreveu –
Breves Notícias que com Fidalguia
A Natureza deu

Trazem Sua Mensagem


Mãos que não posso ver –
Por Ela me julgueis – gentis Senhores –
Com brando parecer
(Trad. José Lira)
Não sou Ninguém! Quem é você?
Ninguém – Também?
Então somos um par?
Não conte! Podem espalhar!

Que triste – ser – Alguém!


Que pública – a Fama –
Dizer seu nome – como a Rã – Sou Ninguém! Quem és tu?
Para as palmas da Lama! És tu - Ninguém - também? Nós somos
(Trad. Augusto de Campos) Um par então - não digas nada!
Sabes que nos expomos!

Tão triste ser Alguém!


Tão vulgar - como a Rã que chama
Teu nome o mês de junho inteiro
Para o aplauso da Lama!
(Trad. José Lira)
O Perder Tudo – me livrou
De perder Ninharias –
Se nada maior do que um Mundo
Quebrar as Dobradiças
Ou extinguir-se o Sol – se vê –
Nada foi tão notável
Que do Trabalho me excluísse
Na Partida aprendemos
Por Curiosidade.
Como era enorme
(Trad. José Lira)
Quem entre nós estava –
Um extinto Sol

Realça ao retirar-se
Como se em dobro
De todo a Áurea Presença
Que hoje – se foi –
(Trad. José Lira)
Minha vida fechou-se duas vezes antes de fechar-se;
Resta, entretanto, saber
Se a Imortalidade me revelará
Um terceiro acontecer.

Tão imenso, impossível de supor


Quanto estes dois que me couberam.
Separação é tudo o que do céu sabemos
E tudo o que necessitamos do inferno.
(Tradução de Isis Alves e Rosaura Eichenberg)
A Solidão que Ninguém sonda –
E o tamanho imagina
Enquanto põe o fio a prumo
Para a Cova medir –

A Solidão que o maior medo


É de ver a si própria –
E ante si própria destruir-se
Numa mirada só –

Não o Horror de nos vigiarem –


Mas no Escuro manter-nos –
A Consciência interceptada –
E na Prisão o Ser –

Sinto que a Solidão – é isto –


O Criador da alma
As Cavernas e os Corredores
Clarear – ou lacrar –
(Trad. J. Lira)
Há solitude pelo espaço
No mar há solitude
Na morte há solitude – porém todas
São uma sociedade
À vista dessa instância mais profunda
Polar privacidade
Que uma alma dá para si própria –
Finita infinitude.
(Trad. J. Lira) A Fala é um sinal de Afeto
E outro o Silêncio –
A arte da comunicação perfeita
Ninguém possui –

Existe e lá no íntimo se prova


A sua evidência –
O Apóstolo disse “Vejam” –
Porém não viu!
(Trad. J. Lira)
Dizem que “o Tempo tudo cura” –
Mas o certo é que não –
Não ver no Mundo a sua face –
A dor que é dor fica mais rija
É muito tempo – até que eu ache
Como velho tendão –
Onde isto – é tudo só
Uma Cartilha – para a vida –
O Tempo é Teste de Tormentos –
Na prateleira – inatingível –
Não Remédio afinal –
Fechada – para nós –
Se algo isso prova, também prova
Que não havia Mal
Mas a Cartilha é o que me basta –
(Trad. J. Lira)
Livro nenhum – me fará falta –
Por mais raro – o saber –
Pode alguém ser – mais instruído –
Tomar nas mãos – O Paraíso –
Eu só quero – o ABC –
(Trad. J. Lira)
Edward Hopper (1882 – 1967)
“Nighthawks” (1942)
“Gas” (1940)
Approaching a City (1946)

Um Vento do Sul - tem apelos


Como os da voz humana
Igual se nota na Chegada
O emigrante falar
Um rastro de Portos - e Povos -
E coisas não captadas -
Tão mais sutis - pela distância -
E a estrangeirização.
(Trad. José Lira)
“Interior (Model reading)” (1925)
Compartment Car (1938)
Na casa eu era a mais esquiva –
O Quarto, o de menor tamanho –
À noite, a Lâmpada, um Livro –
E um só Gerânio –

Assim colhia o Ouro


Que caía sem cessar –
Em minha Cesta –
Só esta – juro –
E nada mais –

Calava-me – de hábito –
Falava só baixo e frugal,
Não suportava – o alto –
Ruído me fazia mal –

Se fosse procurada
Por alguém – algum dia –
Penso que bem podia
Morrer – sem ser notada –

(Trad. Augusto de Campos)


“Room in New York” (1940)
“Solitude” (1944)
Stairs (1919)

Há solitude pelo espaço


No mar há solitude
Na morte há solitude - porém todas
São uma sociedade
À vista dessa instância mais profunda
Polar privacidade
Que uma alma dá para si própria -
Finita infinitude.

(Trad. José Lira)


“Room by the sea” (1951)
“Sun in an impty room” (1963)
Prazer – vira pintura –
A Luz basta-se a si ―
Se visto pela Dor –
Aos Outros dá-se ela
Melhor – porque impossível
Nos Vidros da Janela
Ao fruidor –
Certas Horas do Dia.
A Montanha – à distância –
É Âmbar – um véu –
Mas não privilegia
Perto – dispersa-se – a ânsia –
Ninguém ― o mesmo Brilho
E Isto é – o Céu
Ela também revela
(Trad. A. de Campos)
No Himalaia ao esquilo.
(Trad. A. de Campos)
“The camel’s hump” (1931)
O que se busca na demanda da solidão não é a
verdadeira solidão, mas o “deter-se lá” junto a
algo, imperturbado por qualquer outro e por
todos os outros [...] A busca da solidão é sempre
o querer-preservar em algo. A solidão é, portanto,
algo muito diferente do isolamento. O isolamento
é algo que se sofre, a solidão é procurada
(GADAMER apud LIRA, 2004).
REFERÊNCIAS

CAMPOS, Augusto de. Emily Dickinson: Não sou Ninguém. 2.


ed. São Paulo: Editora da Unicamp, 2015.
LIRA, José. Alguns Poemas: Emily Dickinson. São Paulo:
Iluminuras, 2008.

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