Refugiados – quem são? • Migrações internacionais abarcam diversos grupos e categorias: – Migrantes econômicos ou voluntários – deslocam-se à procura de melhores condições de vida em outro país – Migrantes forçados ou involuntários (refugiados) – obrigados a migrar, independentemente de sua vontade, suas vidas se encontram em risco no lugar de origem Outras situações – Migrantes internos também podem ser obrigados a migrar, mas se não cruzam as fronteiras de seu país não são considerados refugiados – Apátridas são os que não têm nacionalidade, não possuem o vínculo jurídico-político que os ligue a uma nação – Asilados – distinguem-se dos refugiados, sobretudo em países latino americanos, onde a tradição de asilo visa oferecer uma proteção à perseguição estatal (Convenção sobre Asilo de 1928 e Convenção sobre Asilo Político de 1933 e 1939) – Campo de Refugiados – solução aplicada quando há o deslocamento de milhares de refugiados – Principal objetivo é impedir que avancem pelo território do país escolhido como refúgio – Rotina controlada pelo ACNUR • Ainda assim, é muito difícil distinguir os imigrantes dos refugiados • Esta indefinição por vezes deriva numa representação vitimizante do refugiado, aquele que não tem escolha e por isto foge • Produzindo medidas que, por trás de uma lógica humanitária, não valoriza a dimensão de resistência da fuga Dimensão política • Evidência: Crescimento dos deslocamentos forçados entre fronteiras internacionais, cerca de 800 mil pessoas saíram de seus países no ano passado em decorrência de conflitos, guerras e crises humanitárias (ACNUR, Tendências globais 2011) • Ambivalência: se por um lado o instituto do refúgio funciona como garantia de direitos e proteção à vida, a fuga precisa ser vista como afirmação de um direito • O refúgio, mais do que questão humanitária, é uma questão política Refugiados no Brasil • Nossa legislação garante o refúgio em território brasileiro por motivos de guerra, perseguição política, racial ou étnica • Lei 9474/97, art. 7º: “Qualquer estrangeiro que chegar ao território nacional poderá expressar sua vontade de solicitar reconhecimento como refugiado a qualquer autoridade migratória que se encontre na fronteira” Situação atual em números • Desde 2010, cerca de 550.000 novos imigrantes fixaram residência no País, sendo que as autorizações de trabalho, temporárias e permanentes, que somavam apenas 43.000 há três anos, cresceram para 70.000 no ano passado • Até meados de 2012 o CONARE deferiu 4.506 solicitações de refúgio a pessoas de 77 nacionalidades • Acompanhando a tendência mundial, os números de solicitantes de refúgio só fazem aumentar • Mesmo que o total de refugiados no país seja ainda baixíssimo, o índice de deferimento dos pedidos não é tão ruim (33% dos casos) quando comparado a países europeus como a França (10%) Solicitações de refúgio • Primeiro contato – Unidades da Polícia Federal nos aeroportos e portos das principais cidades • Encaminhamento ao CONARE através de advogados da Cáritas ou outras entidades intermediadoras • Apreciação e julgamento com base no princípio do fundado temor de perseguição • Enquanto aguarda a decisão, o solicitante recebe autorização para trabalhar, se estabelecer/morar, estudar etc. pelo prazo de um ano, renovável • Em caso de indeferimento, cabe recurso e nova apreciação Solicitação de refúgio e construção de narrativas • As entrevistas e no contato pessoal dos advogados e outros agentes responsáveis pela intermediação do processo e encaminhamento dos pedidos têm a função de “pescar” em seus relatos aquilo que não aparece nos registros e documentos • Permite também detectar traços de discriminação e até de racismo – imaginário social que envolve os solicitantes de refúgio ainda os confunde com “invasores” Direito de fuga • A construção de narrativas tem uma dimensão de produção e afirmação de direitos, dentre os quais o direito de fuga, o êxodo • O desejo de liberdade, de autonomia, que faz romper fronteiras territoriais e jurídicas, enfrentar barreiras, furar os cercos, é uma força constituinte que também nos desafia a entrar em contato com nossos próprios limites, com as nossas fronteiras internas Nem vítimas, nem heróis • Tensão permanente atravessa a condição do refugiado, entre seu desejo de liberdade e uma realidade muitas vezes adversa e opressiva • Direito de fuga não apenas numa perspectiva jurídica, mas no sentido de busca de liberdade e de recusa de integração, uma nova perspectiva da própria cidadania (Sandro Mezzadra) • Valorização das práticas sociais concretas das experiências dos migrantes Marcha da liberdade • Imigrantes e refugiados fazem um movimento de fuga, e também afirmam seu direito de fuga, e de permanecer no lugar onde escolheram viver • É um movimento entre forças – viver entre os sonhos (o desejo) e a realidade material • Ao comporem suas narrativas a partir das experiências concretas, eles nos mostram que os caminhos da “marcha da liberdade” atravessam todas as fronteiras Informação, representação e diferença • No mundo das representações, em que se entrecruzam narrativas e dinâmicas de informação, os afetos e a produção de subjetividade estão em relação constante com elementos externos e internos • O mundo social não tem como reabsorver a imaginação e a criatividade dos indivíduos que o compõem; a sociedade não pode controlar as diferentes representações produzidas pelos seus componentes Autonomia... • Estamos considerando não indivíduos “informados”, “formados” pelas informações já dadas, mas a partir das subjetivações, dos afetos, dos desejos, de tudo que escapa ao controle social • São sujeitos-agentes que se auto-instituem, resistem e constroem suas próprias histórias, suas próprias narrativas • Geoeconomia da globalização (Saskia Sassen, Sociologia da globalização) – fluxos de mobilidade humana contemporâneos se inscrevem dentro de sistemas que possuem características geopolíticas e socioeconômicas determinadas, apesar de certa autonomia desses sistemas em relação aos mercados organizados de recrutamento de mão de obra ...E diferença • Além da autonomia (em relação às determinações econômicas), Saskia Sassen ressalta a condição de “outridade” de imigrantes e refugiados, num mundo em que os mercados de trabalho e as culturas estão cada vez mais desterritorializados e interdependentes • Ambivalência – valorização da diferença e desvalorização do contingente de “outros” presente em toda parte Outorga ou reconhecimento de cidadania? • Demandas e lutas nas cidades globais estão muito associadas ao desejo de reconhecimento dos cidadãos como (já) titulares do direito à cidade (Mezzadra) Debate: o direito de voto dos estrangeiros • Imigrantes latino-americanos que vivem em São Paulo deram início a um movimento em favor do direito de votar nas eleições municipais deste ano • “Aqui vivo, aqui voto” – votação simbólica no dia 29 de setembro, em um dos candidatos oficiais à prefeitura de São Paulo • Em outros países da AS, como Argentina e Uruguai, já existem projetos prevendo concessão de direito de voto para imigrantes não naturalizados Crítica ao humanitarismo • Dimensão moral do humanitarismo – segundo Michel Agier (Refugiados diante da nova ordem mundial), o componente humanitário é elemento indispensável à edificação social e moral do Império • Se expressa de três formas: – Conjunto de guerras, violências coletivas, distúrbios e terrores que leva as populações civis à morte e à fuga – Nos campos de refugiados – Nos centros de trânsito, campos de detenção, campos de agrupamento de deslocados e até nas zonas de espera de pessoas em trânsito nos aeroportos • O humanitarismo é uma resposta moral que circunscreve os refugiados “fora do mundo da palavra livre e da livre iniciativa política, fora de toda cidadania” • Ao mesmo tempo, a suposta vulnerabilidade é o que distingue as vítimas de que se ocupa o humanitário, o argumento da vulnerabilidade é também usado pelos supostos vulneráveis para fazer valer os seus direitos – a vida que resiste • “Uma política da vida que se inventa e se exprime como réplica simétrica do biopoder que organiza esses espaços [alvos da ação humanitária], excluindo a política” • Concepção que se aproxima da leitura de Negri do conceito de biopolítica de Foucault Nexo entre o instituto do refúgio e a questão da informação • Walter Benjamin – o narrador de cidades – sua história e seu método (diários fotográficos das grandes cidades de seu tempo, Paris e Berlim) são emblemáticos para pensar o refugiado de hoje • Destaque para a figura do leitor que se transforma em autor, se pretende reproduzir e imitar as obras “autênticas”, colocando em xeque os pressupostos de autenticidade e veracidade, resgatando e revalorizando o sentido da experiência Quem viaja tem muito para contar • Aquele que vem de longe, mas também o que ficou na própria terra, conhece e reproduz suas histórias de tradições • Viajantes em movimento constroem narrativas que transitam da cultura oral e aurática para a cultura técnica e reprodutível • O narrador, neste sentido, pode ser incluído entre os mestres e os sábios – “ele tem conselho” • O narrador de Benjamin circula tanto espacial quanto temporalmente • Constitui-se em uma dinâmica perene de fluxos de informação que se dão tanto em termos das distâncias espaciais e territoriais, quanto das distâncias temporais Concluindo com mais questões • Uma pesquisa em andamento que articula a construção de narrativas (e de subjetividade) pelos refugiados com as dinâmicas e fluxos da informação = estudos das migrações e ciência da informação • Novos desafios para a CI: – Pensar a informação em sua dimensão e função política – Pensar a informação como diferença – constituição de si e produção de subjetividade • No plano político: – Uma questão paradoxal – em geral os refugiados são vistos como pessoas destituídas de direito à cidadania, “vítimas impotentes” que podem ser aceitas em razão de uma moral humanitária e de uma ética – Ao mesmo tempo as megacidades globalizadas concentram um grande contingente de pessoas em desvantagem social, em grande medida formado por pobres, imigrantes e refugiados, massas de moradores das periferias – Cidadania é não apenas ter acesso a documentos e vistos, mas também – e junto com eles – ter acesso a modalidades de luta e mobilização que recusem ativamente todas as formas de precarização/clandestinização Referências • AGIER, M. Refugiados diante da nova ordem mundial. Revista Tempo Social, v. 18, n. 2, nov. 2006. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103- 20702006000200010, acesso em 13/03/2012. • AGUIAR, C. M. Comunicação na mesa redonda “Mudanças e dilemas na política imigratória brasileira” promovida pelo Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios – NIEM. Rio de Janeiro, IPPUR/UFRJ, maio de 2012. • ALMEIDA, P. S. Comunicação na mesa redonda “Mudanças e dilemas na política imigratória brasileira” promovida pelo Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios – NIEM. Rio de Janeiro, IPPUR/UFRJ, maio de 2012. • BENJAMIN, W. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 197-221 • CANEVACCI, M. A cidade polifônica. Ensaio sobre a antropologia da comunicação urbana. 2ª. Edição. São Paulo: Studio Nobel, 1993. • COCCO, G.; NEGRI, A. Glob(AL). Biopoder e luta em uma América Latina globalizada. Rio de Janeiro: Record, 2005. • DUROZOI, G.; ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas: Papirus, 1993. • FASSIN, D. Humanitarian Reason. A moral history of the present. Berkeley, Los Angeles: University of California Press, 2012. • HARDT, M.; NEGRI, A. Empire. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2000. • MEZZADRA, S. Derecho de fuga. Migraciones, ciudadanía y globalización. Madri, Traficantes de Sueños, 2005. • SASSEN, S. Sociologia da Globalização. Trad. Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: ARTMED, 2010. • ______. Global cities. The de-nationalizing of time and space. Documento apresentado na Conferência Bridge the Gap, em Fukuoka, Japão, julho de 2001. Disponível em: http://www.btgjapan.org/catalysts/saskia.html. • TOLEDO, F. O Haiti não é aqui, nem ali. É um êxodo e uma linha de fuga. Revista Global Brasil n. 15, disponível em: http://www.revistaglobalbrasil.com.br/?tag=edicao-15, acesso em março de 2012. (2012a). • ______ Entrevista concedida em 23/05/2012, escritório da Cáritas Diocesana do Rio de Janeiro. (2012b). Sites consultados • ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. Disponível em http://www.acnur.org/t3/portugues/, acesso em 20/06/2012. • AGÊNCIA DE NOTÍCIAS REPORTER BRASIL. Disponível em http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1925, acesso em março de 2012. • BLOG O ESTRANGEIRO – BRASIL, PAÍS DE IMIGRAÇÃO. Disponível em http://oestrangeiro.org/2012/07/11/garoto-haitiano-ganha-cidadania/, acesso em 10/07/2012.