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Narrativas dos imigrantes e o estatuto

dos refugiados: novas dinâmicas de


informação e produção de
subjetividade

Leonora Corsini
Ludmila Guimarães

XIII ENANCIB - OUTUBRO 2012


Refugiados – quem são?
• Migrações internacionais abarcam diversos
grupos e categorias:
– Migrantes econômicos ou voluntários –
deslocam-se à procura de melhores condições de
vida em outro país
– Migrantes forçados ou involuntários (refugiados)
– obrigados a migrar, independentemente de sua
vontade, suas vidas se encontram em risco no
lugar de origem
Outras situações
– Migrantes internos também podem ser obrigados
a migrar, mas se não cruzam as fronteiras de seu
país não são considerados refugiados
– Apátridas são os que não têm nacionalidade, não
possuem o vínculo jurídico-político que os ligue a
uma nação
– Asilados – distinguem-se dos refugiados,
sobretudo em países latino americanos, onde a
tradição de asilo visa oferecer uma proteção à
perseguição estatal (Convenção sobre Asilo de 1928
e Convenção sobre Asilo Político de 1933 e 1939)
– Campo de Refugiados – solução aplicada quando
há o deslocamento de milhares de refugiados
– Principal objetivo é impedir que avancem pelo
território do país escolhido como refúgio
– Rotina controlada pelo ACNUR
• Ainda assim, é muito difícil distinguir os
imigrantes dos refugiados
• Esta indefinição por vezes deriva numa
representação vitimizante do refugiado,
aquele que não tem escolha e por isto foge
• Produzindo medidas que, por trás de uma
lógica humanitária, não valoriza a dimensão
de resistência da fuga
Dimensão política
• Evidência: Crescimento dos deslocamentos forçados
entre fronteiras internacionais, cerca de 800 mil
pessoas saíram de seus países no ano passado em
decorrência de conflitos, guerras e crises
humanitárias (ACNUR, Tendências globais 2011)
• Ambivalência: se por um lado o instituto do refúgio
funciona como garantia de direitos e proteção à vida,
a fuga precisa ser vista como afirmação de um direito
• O refúgio, mais do que questão humanitária, é uma
questão política
Refugiados no Brasil
• Nossa legislação garante o refúgio em
território brasileiro por motivos de guerra,
perseguição política, racial ou étnica
• Lei 9474/97, art. 7º: “Qualquer estrangeiro
que chegar ao território nacional poderá
expressar sua vontade de solicitar
reconhecimento como refugiado a qualquer
autoridade migratória que se encontre na
fronteira”
Situação atual em números
• Desde 2010, cerca de 550.000 novos imigrantes fixaram
residência no País, sendo que as autorizações de trabalho,
temporárias e permanentes, que somavam apenas 43.000 há
três anos, cresceram para 70.000 no ano passado
• Até meados de 2012 o CONARE deferiu 4.506 solicitações de
refúgio a pessoas de 77 nacionalidades
• Acompanhando a tendência mundial, os números de
solicitantes de refúgio só fazem aumentar
• Mesmo que o total de refugiados no país seja ainda
baixíssimo, o índice de deferimento dos pedidos não é tão
ruim (33% dos casos) quando comparado a países europeus
como a França (10%)
Solicitações de refúgio
• Primeiro contato – Unidades da Polícia Federal nos
aeroportos e portos das principais cidades
• Encaminhamento ao CONARE através de advogados
da Cáritas ou outras entidades intermediadoras
• Apreciação e julgamento com base no princípio do
fundado temor de perseguição
• Enquanto aguarda a decisão, o solicitante recebe
autorização para trabalhar, se estabelecer/morar,
estudar etc. pelo prazo de um ano, renovável
• Em caso de indeferimento, cabe recurso e nova
apreciação
Solicitação de refúgio e construção
de narrativas
• As entrevistas e no contato pessoal dos advogados e
outros agentes responsáveis pela intermediação do
processo e encaminhamento dos pedidos têm a
função de “pescar” em seus relatos aquilo que não
aparece nos registros e documentos
• Permite também detectar traços de discriminação e
até de racismo – imaginário social que envolve os
solicitantes de refúgio ainda os confunde com
“invasores”
Direito de fuga
• A construção de narrativas tem uma dimensão
de produção e afirmação de direitos, dentre
os quais o direito de fuga, o êxodo
• O desejo de liberdade, de autonomia, que faz
romper fronteiras territoriais e jurídicas,
enfrentar barreiras, furar os cercos, é uma
força constituinte que também nos desafia a
entrar em contato com nossos próprios
limites, com as nossas fronteiras internas
Nem vítimas, nem heróis
• Tensão permanente atravessa a condição do
refugiado, entre seu desejo de liberdade e uma
realidade muitas vezes adversa e opressiva
• Direito de fuga não apenas numa perspectiva
jurídica, mas no sentido de busca de liberdade e
de recusa de integração, uma nova perspectiva da
própria cidadania (Sandro Mezzadra)
• Valorização das práticas sociais concretas das
experiências dos migrantes
Marcha da liberdade
• Imigrantes e refugiados fazem um movimento de
fuga, e também afirmam seu direito de fuga, e de
permanecer no lugar onde escolheram viver
• É um movimento entre forças – viver entre os
sonhos (o desejo) e a realidade material
• Ao comporem suas narrativas a partir das
experiências concretas, eles nos mostram que os
caminhos da “marcha da liberdade” atravessam
todas as fronteiras
Informação, representação e
diferença
• No mundo das representações, em que se
entrecruzam narrativas e dinâmicas de informação,
os afetos e a produção de subjetividade estão em
relação constante com elementos externos e
internos
• O mundo social não tem como reabsorver a
imaginação e a criatividade dos indivíduos que o
compõem; a sociedade não pode controlar as
diferentes representações produzidas pelos seus
componentes
Autonomia...
• Estamos considerando não indivíduos
“informados”, “formados” pelas informações
já dadas, mas a partir das subjetivações, dos
afetos, dos desejos, de tudo que escapa ao
controle social
• São sujeitos-agentes que se auto-instituem,
resistem e constroem suas próprias histórias,
suas próprias narrativas
• Geoeconomia da globalização (Saskia Sassen,
Sociologia da globalização) – fluxos de
mobilidade humana contemporâneos se
inscrevem dentro de sistemas que possuem
características geopolíticas e socioeconômicas
determinadas, apesar de certa autonomia
desses sistemas em relação aos mercados
organizados de recrutamento de mão de obra
...E diferença
• Além da autonomia (em relação às determinações
econômicas), Saskia Sassen ressalta a condição de
“outridade” de imigrantes e refugiados, num mundo
em que os mercados de trabalho e as culturas estão
cada vez mais desterritorializados e
interdependentes
• Ambivalência – valorização da diferença e
desvalorização do contingente de “outros” presente
em toda parte
Outorga ou reconhecimento de
cidadania?
• Demandas e lutas nas cidades globais estão
muito associadas ao desejo de
reconhecimento dos cidadãos como (já)
titulares do direito à cidade (Mezzadra)
Debate: o direito de voto dos
estrangeiros
• Imigrantes latino-americanos que vivem em São
Paulo deram início a um movimento em favor do
direito de votar nas eleições municipais deste ano
• “Aqui vivo, aqui voto” – votação simbólica no dia
29 de setembro, em um dos candidatos oficiais à
prefeitura de São Paulo
• Em outros países da AS, como Argentina e
Uruguai, já existem projetos prevendo concessão
de direito de voto para imigrantes não
naturalizados
Crítica ao humanitarismo
• Dimensão moral do humanitarismo – segundo
Michel Agier (Refugiados diante da nova ordem
mundial), o componente humanitário é elemento
indispensável à edificação social e moral do Império
• Se expressa de três formas:
– Conjunto de guerras, violências coletivas, distúrbios e
terrores que leva as populações civis à morte e à fuga
– Nos campos de refugiados
– Nos centros de trânsito, campos de detenção, campos de
agrupamento de deslocados e até nas zonas de espera de
pessoas em trânsito nos aeroportos
• O humanitarismo é uma resposta moral que
circunscreve os refugiados “fora do mundo da
palavra livre e da livre iniciativa política, fora
de toda cidadania”
• Ao mesmo tempo, a suposta vulnerabilidade é
o que distingue as vítimas de que se ocupa o
humanitário, o argumento da vulnerabilidade
é também usado pelos supostos vulneráveis
para fazer valer os seus direitos – a vida que
resiste
• “Uma política da vida que se inventa e se
exprime como réplica simétrica do biopoder
que organiza esses espaços [alvos da ação
humanitária], excluindo a política”
• Concepção que se aproxima da leitura de
Negri do conceito de biopolítica de Foucault
Nexo entre o instituto do refúgio e
a questão da informação
• Walter Benjamin – o narrador de cidades – sua
história e seu método (diários fotográficos das
grandes cidades de seu tempo, Paris e Berlim) são
emblemáticos para pensar o refugiado de hoje
• Destaque para a figura do leitor que se transforma
em autor, se pretende reproduzir e imitar as obras
“autênticas”, colocando em xeque os pressupostos
de autenticidade e veracidade, resgatando e
revalorizando o sentido da experiência
Quem viaja tem muito para contar
• Aquele que vem de longe, mas também o que
ficou na própria terra, conhece e reproduz
suas histórias de tradições
• Viajantes em movimento constroem
narrativas que transitam da cultura oral e
aurática para a cultura técnica e reprodutível
• O narrador, neste sentido, pode ser incluído
entre os mestres e os sábios – “ele tem
conselho”
• O narrador de Benjamin circula tanto espacial
quanto temporalmente
• Constitui-se em uma dinâmica perene de
fluxos de informação que se dão tanto em
termos das distâncias espaciais e territoriais,
quanto das distâncias temporais
Concluindo com mais questões
• Uma pesquisa em andamento que articula a
construção de narrativas (e de subjetividade) pelos
refugiados com as dinâmicas e fluxos da informação
= estudos das migrações e ciência da informação
• Novos desafios para a CI:
– Pensar a informação em sua dimensão e função política
– Pensar a informação como diferença – constituição de si e
produção de subjetividade
• No plano político:
– Uma questão paradoxal – em geral os refugiados são vistos
como pessoas destituídas de direito à cidadania, “vítimas
impotentes” que podem ser aceitas em razão de uma
moral humanitária e de uma ética
– Ao mesmo tempo as megacidades globalizadas
concentram um grande contingente de pessoas em
desvantagem social, em grande medida formado por
pobres, imigrantes e refugiados, massas de moradores das
periferias
– Cidadania é não apenas ter acesso a documentos e vistos,
mas também – e junto com eles – ter acesso a
modalidades de luta e mobilização que recusem
ativamente todas as formas de
precarização/clandestinização
Referências
• AGIER, M. Refugiados diante da nova ordem mundial. Revista Tempo Social, v. 18,
n. 2, nov. 2006. Disponível em
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
20702006000200010, acesso em 13/03/2012.
• AGUIAR, C. M. Comunicação na mesa redonda “Mudanças e dilemas na política
imigratória brasileira” promovida pelo Núcleo Interdisciplinar de Estudos
Migratórios – NIEM. Rio de Janeiro, IPPUR/UFRJ, maio de 2012.
• ALMEIDA, P. S. Comunicação na mesa redonda “Mudanças e dilemas na política
imigratória brasileira” promovida pelo Núcleo Interdisciplinar de Estudos
Migratórios – NIEM. Rio de Janeiro, IPPUR/UFRJ, maio de 2012.
• BENJAMIN, W. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. Magia e
técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo:
Brasiliense, 1994, p. 197-221
• CANEVACCI, M. A cidade polifônica. Ensaio sobre a antropologia da comunicação
urbana. 2ª. Edição. São Paulo: Studio Nobel, 1993.
• COCCO, G.; NEGRI, A. Glob(AL). Biopoder e luta em uma América Latina
globalizada. Rio de Janeiro: Record, 2005.
• DUROZOI, G.; ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller.
Campinas: Papirus, 1993.
• FASSIN, D. Humanitarian Reason. A moral history of the present. Berkeley, Los
Angeles: University of California Press, 2012.
• HARDT, M.; NEGRI, A. Empire. Cambridge, Massachusetts: Harvard University
Press, 2000.
• MEZZADRA, S. Derecho de fuga. Migraciones, ciudadanía y globalización. Madri,
Traficantes de Sueños, 2005.
• SASSEN, S. Sociologia da Globalização. Trad. Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre:
ARTMED, 2010.
• ______. Global cities. The de-nationalizing of time and space. Documento
apresentado na Conferência Bridge the Gap, em Fukuoka, Japão, julho de 2001.
Disponível em: http://www.btgjapan.org/catalysts/saskia.html.
• TOLEDO, F. O Haiti não é aqui, nem ali. É um êxodo e uma linha de fuga. Revista
Global Brasil n. 15, disponível em:
http://www.revistaglobalbrasil.com.br/?tag=edicao-15, acesso em março de 2012.
(2012a).
• ______ Entrevista concedida em 23/05/2012, escritório da Cáritas Diocesana do
Rio de Janeiro. (2012b).
Sites consultados
• ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. Disponível em
http://www.acnur.org/t3/portugues/, acesso em 20/06/2012.
• AGÊNCIA DE NOTÍCIAS REPORTER BRASIL. Disponível em
http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1925, acesso em março de 2012.
• BLOG O ESTRANGEIRO – BRASIL, PAÍS DE IMIGRAÇÃO. Disponível em
http://oestrangeiro.org/2012/07/11/garoto-haitiano-ganha-cidadania/, acesso em
10/07/2012.

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