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UFRN/CCHLA/PPgEL

Disciplina: Estudos de Letramento


Período: 2018.1

Conceitos-chave aos estudos de


letramento

Ministrante: Maria do Socorro Oliveira


msroliveira.ufrn@gmail.com
Evento de letramento é,
segundo Heath (1983), “[..]
qualquer ocasião em que parte
da escrita está integrada à
natureza das interações
participantes e de seus
processos interpretativos.
Corresponde a qualquer
seqüência de ação, envolvendo
uma ou mais pessoas, na qual a
produção e a compreensão da
escrita (print) exercem um
papel”. Nessas ocasiões, embora
a escrita seja o ponto de
partida, há uma mistura de
linguagem escrita e oral, além de
outros sistemas semióticos.
Para Baynham (1995, p. 39), as
práticas de letramento são
“[...] formas culturalmente
aceitas de se usar a leitura e a
escrita as quais se realizam em
eventos de letramento.
Envolvem não apenas o que as
pessoas fazem, mas o que elas
pensam sobre o que fazem e os
valores e ideologias que estão
subjacentes a essas ações”.
Conforme destacam Barton e Hamilton (1998, p. 7),
“[...] elas são padronizadas por regras sociais que
regulam o uso e distribuição de textos, prescrevendo
quem pode produzir e quem tem acesso a eles”.
Elementos visíveis nos eventos Constituintes não visíveis das
de letramento práticas de letramento
Participantes: pessoas que podem ser Participantes ocultos: outras pessoas ou
vistas interagindo com textos grupos de pessoas envolvidas em
escritos relações sociais de produção,
interpretação, circulação e, de modo
particular, na regulação de textos
escritos.
Ambientes: circunstâncias físicas O domínio de práticas dentro das quais o
imediatas nas quais a interação se dá. evento acontece, considerando seu
sentido e propósito sociais.
Artefatos: ferramentas materiais e Todos os outros recursos trazidos para
acessórios envolvidos na interação a
(incluindo os textos). prática de letramento, incluindo valores
não-materiais, compreensões, modos de
pensar, sentimentos, habilidades e
conhecimentos.
Atividades: as ações realizadas pelos Rotinas estruturadas e trajetos que
participantes no evento de facilitam ou regulam ações; regras de
letramento. apropriação e elegibilidade – quem pode
Barton, Hamilton e Ivanic (2000, p. ou não pode engajar-se em atividades
17) particulares.
Mundos de letramento
O termo ‘mundos de letramento’, referido por Barton (1993),
corresponde à idéia de que o mundo social é mediado textualmente. Esse
estudioso parte do princípio de que há distintos letramentos que
existem paralelamente. Essas diferentes formas sociais de usar a
linguagem ou as chamadas práticas de letramento estão sempre
encaixadas em específicos contextos culturais, atividades e domínios
discursivos, sendo formatadas por relações de poder informais e
institucionalizadas. Dada a natureza situada e relacional das práticas de
letramento, os diferentes mundos de letramento coexistem numa
espécie de rede.
Mundos de letramento
O autor ilustra a proposição argumentando que cada pessoa vive diferentes
experiências e demandas de leitura e escrita. Ao lerem e escreverem, elas
também têm esperanças e propósitos diferenciados. Existem mundos
separados de adultos e crianças, de homens e mulheres, de pessoas que falam
diferentes línguas. Além do mundo privado da família, existem também
variados mundos de letramento públicos, definidos pelas instituições sociais
das quais participamos: escola, trabalho, igreja, instituições oficiais. O termo
mostra a complexidade e alcance do letramento como um construto sócio
histórico, cultural e político.
Fundos de conhecimento
Baseia-se na premissa de que as pessoas são
competentes e possuem conhecimento.
Diferentemente daquele gerado na instituição
escolar, esse conhecimento é construído pelo ser
humano ao longo das suas experiências de vida,
nos múltiplos contextos em que ele se insere fora
da escola. Usar esse conhecimento, como ponto
de partida para construir outros no contexto de
ensino/aprendizagem escolar, apresenta-se como
uma possibilidade de desenvolver ações
pedagógicas positivas e, certamente, mais
significativas (GONZALEZ ET AL., 2005).
Capital cultural

O conceito de capital cultural,


inicialmente proposto por Bourdieu
(1996), diz respeito à herança de
um saber cultural objetivado em
diplomas e práticas culturais
legitimadas advindas de famílias
socialmente privilegiadas e da
escola.
Reinterpretando esse conceito

É possível pensar um capital cultural com


outra significação. Trata-se de um capital
não-escolar, um conhecimento pulverizado
e heterogêneo, apreendido, informalmente
em múltiplas experiências e espaços
sociais, e postos à disposição de todos,
particularmente pelos meios de
comunicação de massa (televisão, rádio,
novelas, revistas etc).
Letramento crítico
No letramento crítico, o
processo de tornar-se
letrado é, em grande parte,
um esforço para se
salientar a história de
alguém, dando-lhe o direito
à voz e à possibilidade de
reivindicar. Nesse sentido,
o letramento não é algo
dado, mas construído a
partir de necessidades
comunicativas e
pressuposições elaboradas
pelos indivíduos, de maneira
particular.
Nessa perspectiva, todos os textos,
escritos e falados ou materializados de
outra forma, constituem um
instrumento ideológico poderoso, capaz
de conferir poder a certos grupos
através de atos de hegemonia
linguística (MCLAREN, 1987).
O letramento deixa de
ser visto como a
habilidade para ler,
escrever e falar e
passa a significar
como minorias
diferentes
culturalmente usam
modos escritos e orais
para interagir na vida
social.
No sentido de Freire (1975; 1973), o
letramento é um ato político; uma
possibilidade de fazer escolhas e intervir na
realidade, capacitando o cidadão a
desenvolver uma consciência crítica.

Seus estudos conectam a leitura da palavra à


leitura do mundo, uma vez que não é possível
ter texto sem contexto ou, ainda, trabalhar
textos de forma anti-séptica, isolada da vida
e da cultura dos alunos.
O letramento é, assim,
uma forma de política
cultural em que, como
propõe Kreisberg (1992,
apud BLOOME e
TALWALKAR, 1997, p.
111), na área educacional, a
relação de poder sobre
alguém deve ser
substituída pela de poder
com outros, para
transformar situações
desiguais em benefícios
mútuos.
“The most profound, far-reaching and
significant impact of literacy on people’s lives
is its empowering potential. To be literate is to
become liberated from the constraints of
dependency. To be literate is to gain a voice
and to participate meaningfully and assertively
in decisions that affect people’s lives. To be
literate is to be politically conscious and
critically aware and to demystify social
reality... Literacy helps people to become self-
reliant and resist exploitation and oppression.
Literacy provides acess to written knowledge
and knowledge is power” (JAMES, 1990, p. 16
apud AUERBACH, 2005, p. 363).
Olhar o letramento dessa forma implica
principalmente perguntar:

Como esse processo ocorre?


De que forma se pode operar, tendo
como objetivo o desenvolvimento da
consciência sobre a linguagem e as
relações de poder?

Projetos de Letramento
Nessa perspectiva, os estudos sobre letramento
têm adotado a etnografia como recurso
metodológico.
Proveniente da área de Antropologia e da
Sociologia, a etnografia consiste na descrição da
cultura de um grupo social.
E é, nesse sentido, que vemos a sala de aula, por
exemplo, – como um espaço cultural. Fazer uso da
etnografia na Linguística Aplicada é, portanto,
analisar e representar a vida social dentro da sala
de aula ou de outros contextos, tentando
entender como se dão as práticas de linguagem, no
caso – os letramentos.
A criação de um conceito novo
(letramentos), diferente de
alfabetização, para falar das práticas
de uso da escrita, implica que há
diferenças entre práticas denotadas
por um e por outro.
Diferenças entre as práticas letradas
dentro e fora da escola (KLEIMAN,
2005)
Escrita

Na Escola Fora da Escola


• Domínio de códigos  Ação Social
• Capacidade  Prática coletiva,
individual colaborativa
• Homogeneidade  Cada um segundo
Competitividade sua capacidade
Na escola Fora da escola
• Descontextualização • Situacões
comunicativas
• Prática atemporal,
autônoma • Modos de ler e
escrever situados

• Princípio da • Instituições e
transferibilidade gêneros
especializados
Escrita

Na Escola Fora da Escola


• Instituições  Diferentes
dominantes instituições

• Discurso didático,  Discurso comercial,


literário, religioso,
jornalístico burocrático,
literário,
jornalístico, do
cotidiano ...
Na Escola Fora da Escola
• Questões de método  Questões
• Atividades analíticas sociohistóricas
• Unidade: frase  Construção de sentido
• Progressão: sílaba   Unidade: texto
palavrafrase  Progressão textual,
intertextualidade ,
trajetórias de leitura
Prática coletiva Prática individual e
e colaborativa competitiva

Ocorre nas situações Priorizada pela escola.


reais das práticas de Situações forjadas. Ex.
letramento (eventos
de letramento). Ex.
Prática tradicional
Em um encontro envolve a
entre recepcionista demosntração da
e paciente em que é capacidade individual
preciso que este dê de realizar todos os
seu nome, ele aspectos da tarefa,
soletra quando no sejam eles soletrar,
nome é difícil e a ler um manual ou
recepcionista vai escrever um ditado.
escrevendo.
Prática situada Abstração

As práticas de As práticas escolares


letramento fora da são desvinculadas da
escola variam segundo sitação de origem. Ex.:
a situação em que as
atividades de uso da Quando na sala de
escrita se situam. Ex.: aula nos deparamos
com a prática de
Instituição: leitura para
família/igreja encontrar
Evento de letramento:
Situação: festa Participantes mensagens prontas,
aniversário de Materiais: cartões estamos na
BODAS DE PRATA
convite, envelopes, caneta, presença
Atividades: selos, agenda de de uma prática que
Enviar endereços se perpetua há
convites Ações: Consultar agenda séculos,
Preparar Escrever endereços etc apesar das
comes e bebes
mudanças
históricas.
Práticas e eventos de letramento
• Considerem as seguintes situações de linguagem:

Você está organizando uma viagem com um grupo de


amigos.
Você estava procurando emprego, foi selecionado e
vai ser contratado.
Você vai levar uma criança ao médico.
Você vai se inscrever como aluno no PPgEL da UFRN

• Discutam, listem e relatem o que ocorre nessas


situações em relação ao uso da linguagem oral e da
linguagem escrita. Quem participa desses eventos
e práticas de letramento, em que situação, a partir
de que artefatos, em que atividades?

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