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1 SAMUEL

O livro de 1 Samuel está situado numa posição central e


estratégica no que se refere a questões históricas,
teológicas, canônicas e críticas. Esses relatos fazem
ligação entre a era de incerteza experimentada por
Israel com a liderança dos juízes, o surgimento da
monarquia com Saul e o relativo desenvolvimento da
monarquia com Davi. Esses relatos também registram a
luta de Israel para subjugar os inimigos que ainda não
haviam sido dominados desde a conquista (v. Jz 2.1-5).
Tais detalhes históricos possuem tremendas
implicações militares, sociais, econômicas e políticas.
Além disso, Samuel dá continuidade a ênfase do AT na
singularidade de Yahweh, no fracasso humano, na
condição que Israel ocupa de ser um povo eleito, na
soberania divina e na bênção divina.
O livro descreve a promessa divina a Davi de constituir
um reino eterno (2Sm 7.1-29), um compromisso que
domina o cenário teológico do restante do Cânon.
Finalmente, a vasta gama de ideias e personagens que
se vê em Samuel tem produzido uma variedade de
opiniões criticas acerca de varias questões pertinentes
ao livro, como autoria, data, uso de fontes, enfoque
sobre a monarquia e assim por diante. Devido a
multiplicidade dessas posições críticas e a dificuldade
de prová-las, muitos comentaristas preferem tratar do
texto canônico recebido em vez de tentar recriar o
processo de compilação do texto e interpretá-lo com
base nesse processo. Obras histórico-críticas
tradicionais continuam a aparecer.
Após a sombria descrição, em Juízes, das
desafortunadas experiências de Israel na
Terra Prometida, Samuel permite ver
como o povo escolhido continuara
morando em Canaã por outros cinco
séculos. Israel sobrevive porque seu
parceiro de aliança, o Deus único, e
quem protege, abençoa e avalia com
graça absoluta e integridade indubitável.
Em meio a decadência moral, em I
Samuel 1—7 Yahweh protege a própria
gloria ao proteger os fiéis, a reputação e
adoração divinas. Esses relatos criam
uma situação em que a monarquia tem
a oportunidade de ser mais do que havia
sido durante o reinado malsucedido do
obcecado Abimeleque (Jz 9.1-57).
Em seguida, I Samuel 8—12 declara que
Deus institui a monarquia.
Com isso Yahweh da um novo direcionamento
para a identidade e história de Israel e corrige
certas ideias teológicas errôneas. Embora
Deus tenha escolhido Saul para governar, 1
Samuel 13—15 afirma que Yahweh também
avalia-o e posteriormente o rejeita-o. Dessa
forma o texto bíblico considera os reis
responsáveis por suas ações e mostra que
estão sujeitos as leis de Deus como qualquer
outro israelita.
Com Saul posto de lado, o trecho mais longo do
livro (I Sm 16—2Sm 5) afirma ser Yahweh quem
elege, protege, exalta e coroa Davi. Mesmo que
de modo imperfeito, esse rei está decidido a
servir a um único Deus. O desejo de Davi de
honrar a Yahweh culmina com planos de construir
um templo, ao que segue-se a iniciativa do
Senhor de estabelecer uma aliança eterna com
Davi (2Sm 6 e
• 7). A aliança decorre daquela estabelecida com
Abraão, contudo ela própria da ensejo a
afirmações canônicas de vasto alcance.
Apesar de sua posição privilegiada, Davi,
como Israel, revela-se um parceiro imperfeito
da aliança. Seus pecados levam Deus a castigá-
lo, ao mesmo tempo em que a aliança eterna
faz Deus proteger o rei arrependido (2Sm 8—
20). Finalmente, 2Samuel 21—24 apresenta
Yahweh como o Deus que, por proteger Davi,
recebe o louvor do próprio Davi. A essa altura
o Senhor justificadamente merece a devoção
do monarca.
Para ser exato, em Samuel existem muitos
detalhes teológicos intrigantes que não se deve
minimizar. O caráter de Deus e o caráter dos
seus seguidores muitas vezes estão a perigo,
assim como aconteceu em livros canônicos
precedentes. A habilidade do autor em
apresentar as fragilidades humanas de Davi e
outras pessoas outorga credibilidade histórica
ao livro. A apresentação cuidadosa que o autor
faz dos muitos e variados aspectos da
personalidade divina caracteriza o livro como
um esforço teológico honesto e perspicaz.
• 0 Deus que protege sua glória: 1 Samuel 1—7
Juízes termina com o relato de benjaminitas
que tomam esposas dentre as moças que
dançam numa festa realizada em Siló. Samuel
começa com uma cena em Siló, uma ligação
canônica que imediatamente vincula pecados
passados e necessidades presentes de
adoração. De início parece que o texto
apresenta, pelo simples fato de fazê-lo, o relato
de uma mulher estéril que recebe um filho,
algo em si mesmo maravilhoso.
Ao final de 1 Samuel 3, contudo, esse nascimento
surge como a maneira de Deus não apenas de
proteger pessoas fieis, mas também de salvaguardar
a palavra divina. De forma análoga, 1 Samuel 4—6
demonstra como Deus protege sua reputação da
superstição israelita e do politeísmo filisteu. Batalhas
são vencidas e perdidas, e inimigos são finalmente
humilhados, contudo a gloria divina tem precedência
sobre esses acontecimentos. Igualmente significativo
e o fato de que todas essas coisas acontecem para
que a adoração por Israel conduza ao bem-estar
nacional, fruto da obediência a aliança (I Sm 7). Em
resumo, a gloria de Deus e parte do sucesso de Israel.
A pessoa que da nome ao livro e é sua primeira
grande personagem tem um nascimento parecido
com o de Sansão (v. Jz 13.1-7), pois em ambos os
casos uma mulher estéril ganha um filho. Aqui a
misericórdia divina e resultado da oração da mãe
(Ana) por um filho e da promessa de entrega- lo ao
Senhor (1.1-20). A oração de Ana no santuário de Silo
e a peregrinação anual ali feita pela família são
demonstração da piedade e fidelidade daquela
mulher. O cântico de louvor que ela compõe quando
do nascimento de Samuel, confirma sua posição e ao
mesmo tempo apresenta os principais ensinos do
livro sobre o Senhor.
O louvor de Ana inclui algumas afirmações teológicas. Ela diz
que Deus e santo (2.2), único (2.2), conhecedor de todas as
coisas e, portanto, capaz de julgar (2.3), quem da forcas ao
fraco (2.4,5), a fonte de vida física e da morte (2.6) e
fortalece os fieis (2.9,10). Cada um desses temas reaparece
mais tarde no livro, mas quatro deles merecem destaque
especial. Primeiro, a confissão de Ana de que “não ha outro
alem de ti” (2.2) faz eco a Deuteronômio 32.39, onde
ressaltam-se a singularidade de Deus e seu poder sobre a
vida e a morte. A Fé demonstrada por Ana da esperança de
um novo alvorecer de retidão no meio do povo, retidão essa
baseada no primeiro mandamento. Segundo, sua convicção
de que do pó Deus ergue o pobre (2.7,8) prepara o palco
para a escolha divina de Saul e Davi, homens de origem
humilde que se tornam reis de Israel.
Terceiro, a afirmação de Ana de que Yahweh “guardara os
pés” dos piedosos e, por outro lado, banira os perversos para
as trevas (2.9) prefigura o que acontece com a proteção dada
pelo Senhor a Davi e sua rejeição de Saul. Quarto, a menção
que Ana faz do rei (2.10) prepara o palco para o surgimento e
a queda da monarquia em Samuel e Reis. Yahweh refém a
condição de juiz de toda a terra e, ao mesmo tempo,
concede autoridade ao líder ungido e escolhido (2.10). Essa
referencia ao rei prossegue com as indicações sobre a
monarquia encontradas no Canon e que começaram em
Genesis 17.6,16, onde Sara e Abraão recebem a informação
de que seus descendentes incluirão alguns reis, em Genesis
49.8-12, onde Jacó diz que Judá terá nas mãos o cetro de
governante, e em Deuteronômio 17.14-20, onde Moises
apresenta regras que os reis devem obedecer.6 Essas
indicações serão tratadas em profundidade no trecho
seguinte de Samuel.
O cântico de Ana também se parece com os
louvores de Davi do final de Samuel (2Sm 22.1
—23.7).7 Ali o idoso rei-guerreiro agradece a
Deus por escolhe-lo, exaltá-lo e protegê-lo. Ele
também regozija-se na singularidade de
Yahweh (2Sm 22.31). Assim, esses dois
louvores ajudam a emoldurar o livro, ao
apresentar um louvor incontido na era dos
juízes e no reinado do mais famoso monarca.
Ambos louvores oferecem um contraste
gritante com os fracassos descritos no inicio e
no fim de Juízes.

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